Daniel - A DÊIXIS NO GÊNERO TEXTUAL

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 12

A DÊIXIS NO GÊNERO TEXTUAL SENTENÇA JUDICIAL

Daniel César Franklin Chacon (UFPB)

djmagnificat@ig.com.br

Introdução.

A linguagem jurídica tem sido alvo de críticas e discussões, por parte da sociedade.
Essa linguagem técnica, não raramente, gera dúvidas e obscuridades. Começa a crescer, cada
vez mais, entre os linguistas, a vontade de investigar gêneros textuais judiciais por se
apresentarem “recheados” de ambiguidades e incertezas. Inúmeros artigos vêm sendo
publicados, dando assim um inicial suporte para a fundamentação teórica1.

Neste estudo demonstram-se os resultados obtidos em pesquisa realizada em um


corpus de estudo formado de cinco (05) textos jurídicos da espécie “Sentenças Judiciais”
Cíveis de Primeiro Grau no Fórum Cível da cidade de João Pessoa, publicadas entre os anos
de 2007 e 2009. Metodologicamente a pesquisa é de cunho qualitativo-descritivo
promovendo-se a reflexão sobre a importância da Teoria da Dêixis como indicadora de
elementos dêiticos como instrumentos que possam ajudar na descoberta de ambiguidades no
Gênero Textual ‘Sentença Judicial’. A construção deste objeto de pesquisa é fruto de um
recorte de pesquisas anteriores ainda em fase de delimitação.

Esses gêneros textuais são ricos em ambiguidades que podem ser recuperadas pelo o
uso da Dêixis como instrumento linguístico de referenciação. O objetivo central é apresentar a
importância da Teoria da Dêixis como meio para se recuperar informações no gênero textual
jurídico em estudo tentando adequá-lo ao uso eficaz da linguagem, trazendo proposições úteis
e claramente ordenadas. Identificam-se nos textos em análise, elementos dêiticos de pessoa,
de lugar e discursivo que, por não terem a referência preenchida adequadamente, geram
problemas como a ambiguidade.

A Dêixis é abordada na perspectiva teórica de autores como Levinson, Lyons e


Benveniste, Oliveira, Freitas, Cavalcante, Pires e Maciel. Com este aporte teórico observam-
se a riqueza linguistica das sentenças judiciais, as quais se comportam como fortes mananciais
de elementos dêiticos que não foram utilizados adequadamente.

Discutem-se, em seguida, os resultados da pesquisa e encerra-se o artigo com a


sugestão de questões para pesquisa futura, concluindo que a Dêixis se apresenta como um
fenômeno que pode promover a análise do contexto da enunciação, servindo assim como um
valioso instrumento que aponta para existência de ambiguidades nos textos judiciais do
Gênero “Sentença”.

1
SZTAJN (2010); FREITAS (2008); SANTOS e COSTA (2001);
1
2. A Teoria da Dêixis2·.

Para BENVENISTE (1989, p. 93) “a linguagem é para o homem um meio, na


verdade, o único meio de atingir o outro homem, de lhe transmitir e de receber dele uma
mensagem. Consequentemente, a linguagem exige e pressupõe o outro.”
Segundo GUIMARÃES (2007, p. 15) os estudos da linguagem abrigam hoje diversas
pragmáticas que considera o usuário como interlocutor. Esta interlocução depende da
existência de um locutor que produz um enunciado.
A diversidade de interpretações leva a vários sentidos. Estes sentidos de acordo com
KOCH (2008, p.57), não existem “a priori, mas é construído na interação sujeito-texto. Assim
sendo na época “na e para a produção do sentido, necessário se faz levar em conta o
contexto”. O contexto e o usuário são condições sine qua non para a construção do sentido.
A Dêixis para LYONS (2011, p.127) está relacionada ao contexto de ocorrência sendo
que sua propriedade essencial “é que ela determina a estrutura e a interpretação dos
enunciados em relação à hora e ao lugar de sua ocorrência, à identidade do falante e do
interlocutor aos objetos e eventos, na situação real de enunciação. Segue o mesmo autor
(2011, p.131) destacando que a existência da “dêixis – e sua prevalência nas línguas naturais –
não invalida a aplicação da teoria semântica das condições de verdade em linguística. Mas ela
simplesmente introduz complicações técnicas bastante consideráveis”.
OLIVEIRA (2008, p.108) reporta-se assim ao entendimento do contexto:
Entender o contexto como sendo os arredores do evento comunicativo em
seu sentido mais amplo significa entender o contexto como o conjunto de
elementos extralingüísticos que vão contribuir para a atribuição de
significado às expressões linguísticas. Que elementos seriam esses? São os
próprios participantes do processo comunicativo e a relação social que existe
entre eles, as circunstâncias espaciais e temporais em que o processo ocorre,
os conhecimentos compartilhados pelos participantes, e os objetivos de cada
participante no processo comunicativo. (OLIVEIRA 2008, p.108)

Nesta pesquisa se enquadra uma das espécies de contexto denominado por


ARMENGAUD (2006) de contexto circunstancial, factual, existencial, referencial, que é “a
identidade dos interlocutores, seu ambiente físico, o lugar e o tempo em que as suas sentenças
são expressas [...] O contexto é aquele que contém os indivíduos existindo no mundo real.
(ARMENGAUD, 2006, p. 79).
A Dêixis para OLIVEIRA (2008) é um fenômeno importante e:
“... exatamente por isso, é estudada dentro da semântica realizada sob a ótica
da pragmática. O termo dêixis originou-se no grego (sempre os gregos!) e
significa “apontar”. E é exatamente isso o que a dêixis faz: aponta por meio
da língua, sempre tendo como referência o falante. George Yule (1996:9)
lembra que a dêixis é claramente uma forma de fazer referência que está
vinculada ao contexto do falante. Em outras palavras as expressões dêiticas
apontam para longe ou para perto do falante.” (OLIVEIRA, 2008, p. 123)

2
O termo ‘Dêixis’ segundo LYONS (2011, p. 127) vem da palavra grega que significa “apontar” ou “mostrar”.
2
OLIVEIRA (2008, p. 124) ainda classifica a dêixis em pessoal, social, discursiva ou
textual, espacial e temporal. Segundo ele a dêixis pessoal se reflete na gramática por meio dos
pronomes pessoais; a dêixis social revela a relação social entre os participantes do discurso. Já
a dêixis discursiva ou textual “diz respeito ao uso de expressões em um enunciado para se
referir a um trecho do discurso dentro do qual aquele enunciado se encontra”. A dêixis
espacial e temporal é realizada por advérbios e expressões adverbiais de lugar e de tempo
respectivamente.
Consoante os ensinamentos de BÜHLER (apud GUIMARÃES, 2007):
“Os dêiticos são sinais que designam mostrando e não conceituando... Os
pronomes pessoais e as desinências verbais indicam os participantes do ato
discurso. Os pronomes demonstrativos, certas locuções prepositivas e
adverbiais, bem como os advérbios de tempo, referenciam o momento da
enunciação, podendo indicar simultaneidade, anterioridade ou
posterioridade. Assim; este, agora, hoje, neste momento (presente);
ultimamente, recentemente, ontem, há alguns dias; antes de (pretérito); de
agora em diante, no próximo ano, depois de (futuro).

O que varia com a situação é o referente de uma unidade dêitica, e não seu
sentido, o qual permanece constante de um emprego a outro. O pronome eu
transmite sempre a mesma informação, isto é, “a pessoa, à qual remete o
significante é o sujeito da enunciação. Os dois pronomes eu e tu tem por
extensão o conjunto virtual de todos os indivíduos que se podem representar
como emissor e receptor respectivamente, são grosso modo os mesmos.”

Também Rodolfo ILARI (2006) se reporta a importância dos dêiticos como


elementos que apontam elementos nos enunciados.
Chamamos de dêiticas as expressões que se interpretam por referência
a elementos do contexto extra-linguistico em que ocorre a fala. A
palavra ‘dêitico’ contém a idéia de apontar, e as expressões dêiticas
mais típicas apontam para elementos fisicamente presentes na situação
de fala. É o caso dos pronomes pessoais de primeira e segunda pessoa,
eu e você que, na maioria de seus empregos, remetem para a pessoa
que fala e para a pessoa com quem se fala” (ILARI, 2006, p. 55)
Sobre a deixis discursiva, BORGES (2011) assim doutrina:
A toda dêixis discursiva corresponde uma dêixis fundadora, “entendida
como a(s) situação (ões) de enunciações anterior (es) que a dêixis atual
utiliza para a repetição e da qual retira boa parte de sua legitimidade”
(Maingueneau, 1993, p. 42). A dêixis discursiva permite a primeira
aproximação da cenografia de uma formação discursiva devido à dêixis
fundadora, é esta que atribui “validade” àquilo que essa formação discursiva
enuncia. “Uma formação discursiva inscreve o que enuncia na história de
outra dêixis (daí ser dêixis fundadora), o que a torna sustentável e possível
de produzir efeito de sentido nos processos discursivos que a materializam.”
(BORGES, 2011, p.1)

Segundo (PIRES, 2007) entende-se que:

[...] trabalhar com a noção de dêixis é fundamental para os estudos


enunciativos da linguagem. A categoria contém elementos da língua, na sua

3
modalidade oral ou escrita, que são, muito mais que outros signos, próprios
do ato de dizer, no entendimento de que a sua existência e os seus sentidos
são promovidos a partir de uma referência interna. Dito de outro modo, a
referência ao contexto discursivo em que se apresentam. Além disso, os
dêiticos só existem porque um indivíduo no mundo assume-os e o faz pela
necessidade que tem de comunicar-se com outros membros de sua
comunidade social. Ao tomar essas formas da língua, o sujeito dá-lhes vida,
conquistando, simultaneamente, a possibilidade de interação com o outro e a
sua realização enquanto sujeito desse mundo, uma vez que ele próprio
testemunha sua existência ao proferir EU para um TU.

Émile Benveniste, (apud PIRES, 2007), conclui que:

a enunciação está na língua inteira, pois toda ela é passível de ser enunciada,
cremos ser a dêixis a forma mais representativa da enunciação. Talvez
consigamos melhor defender essa idéia se nos lembrarmos de como surgiu
sua conceituação. Ela tem origem no gestual, na capacidade humana de dizer
mostrando,indicando. Esse ato é realizado por um eu na tentativa de
relacionar-se com o mundo, em um momento inédito e irrepetível, em um
contexto também particular. Por isso, tratamos a dêixis como categoria de
linguagem, de enunciação e uma reveladora das subjetividades envolvidas.

Para Lahud (apud PIRES, 2007) “a noção não pertence exclusivamente, a nenhum
campo de conhecimento específico: existem referências da dêixis em filosofia, na
fenomenologia, na lógica e na semiótica, bem como na lingüística, desde a Gramática de Port-
Royal às teorias da enunciação.

3. As ambiguidades e as Sentenças Judiciais.

As ambiguidades são geradas quando faltam elementos contextuais para a


interpretação de um enunciado de forma correta, assim OLIVEIRA (2008) chama atenção
para este episódio que:
[...] revela um fenômeno semântico muito comentado em manuais de
linguistica: a ambiguidade... Obviamente ela pode ocorrer com estudantes
desatentos, ou propositadamente, como acontece com agentes publicitários e
jornalistas, que adoram frases ambíguas... A ambiguidade é a possibilidade
de se atribuir mais de um significado a uma palavra ou a uma sentença...
Prefiro pensar na ambiguidade mais como um fenômeno potencial do que
concreto, já que a desambigüização é feita a partir do contexto ou da
negociação de sentidos estabelecida entre os participantes de um discurso.
(OLIVEIRA, 2008, p. 109)

Segundo BRÄSCHER (2011):


A solução de ambigüidades em sistemas de recuperação em linguagem natural
tem por objetivo determinar que escolhas são mais adequadas considerando-se
o contexto onde ocorre a ambigüidade. Como afirma Fuchs, toda forma à qual
podem ser associados vários significados é virtualmente ambígua
(ambigüidade virtual) quando considerada isoladamente, fora de todo
contexto de uso. Quando esta forma é analisada num contexto, ela pode se
tornar unívoca, ou pode ser considerada efetivamente ambígua (ambigüidade
efetiva).

4
As Sentenças Judiciais são enunciados emitidos pelos magistrados,
magistrados e segundo
MONTENEGRO FILHO (2009, Vol. I, p. 497) são “pronunciamentos
pronunciamentos do juiz”
juiz resultantes de
seu livre poder de decidir. Elas
Elas põem fim a uma relação dialógica processual e se
transformam num gênero textual escrito. Proferida noo segundo Grau ou Segunda Instância
In as
Sentenças recebem o nome de ‘Acórdãos’.

A sentença proferida pelo enunciador Magistrado (enunciador) gera seus efeitos no
mundo jurídico, dentro da sociedade, e quando analisada pela linguistica, atingirá seu objetivo
no momento em que possibilitar
possibilitar o entendimento por seus interlocutores, de seu conteúdo e
significado.
O magistrado, ao pronunciar-se,
pronunciar se, ou, mais restritivamente, ao proferir um ato
decisório, enuncia a sua convicção e procura convencer, devendo, pois, ater-
ater
se ao uso adequado da linguagem,
linguagem, por meio de uma seleção lexical
apropriada, atentando com o significado das palavras empregadas; valendo-
valendo
se, pois, ao "confeccionar" o texto, de proposições úteis, pertinentes e
claramente ordenadas. (CARACIOLA, 2011)

Outros textos emitidos pelos Juízes antes da decisão final são meros despachos ou
decisões interlocutórias (Figura 1).
Figura 1.

Magistrados (produzem)

Acórdãos

Sentenças Judiciais

Despachos e
Decisões
Interlocutórias

Ambiguidades
Em sua tese de doutorado, FREITAS (2011), explicita a importância das Sentenças
Judiciais:
O direito só pode ser imaginado em função do homem em sociedade;
também é impossível pensá-lo
pensá lo sem a linguagem por isso é imprescindível a
relação Linguagem-Direito.
Linguagem Direito. Esse depende daquela para que se exteriorize e
se manifeste social e culturalmente. O Direito
Direito surge para solucionar conflitos
de interesse principalmente por meio das decisões praticadas pela linguagem
escritas dos juízes. A Sentença é um gênero discursivo escrito tais como a
legislação, as petições, os recursos, a contestação, os “acórdãos.” (FREITAS,
2011, p.15)

O Judiciário tem vários ramos: Penal, Trabalhista, Eleitoral, Militar, Tributário,


Previdenciário e como detentor do maior número de demandas a vertente Cível ou Civil
5
(Direito de Família, Consumidor, Sucessões, Coisas, Obrigações, Contratos,
Responsabilidade). Nestes ambientes judiciários encontraremos as Sentenças e os Embargos
Declaratórios como gêneros textuais produzidos por meio da enunciação dos Magistrados.
Tais textos jurídicos se comportam como fortes mananciais de elementos dêiticos que não
foram utilizados adequadamente. A Dêixis vai apontar elementos linguísticos ou
extralinguísticos (referentes) que devem ser complementados ou recuperados numa situação
de enunciação (discurso oral, escrito, retextualizado). (Figura 2).
Figura 2.

Sentença
Judicial

Elementos
Línguísitcos
ou
extralinguís
ticos.
Recuperados
na
Enunciação

4. Análise do Corpus.

O Corpus delineado para esta pesquisa é a análise de (05) textos jurídicos da espécie
“Sentenças Judiciais” Cíveis de Primeiro Grau no Fórum Cível da cidade de João Pessoa,
publicadas entre os anos de 2007 e 2009. Estas Sentenças foram publicadas na Coleção
‘Sentenças do Foro Cível’ Volume I – Edições do Tribunal de Justiça da Paraíba, Biênio
2007/2009.

No gênero Sentença Judicial ocorre, geralmente, um problema de interação haja vista


o tempo de produção do enunciado (tempo da enunciação) ser um momento diferente do
tempo de recepção pelo interlocutor ou por outros destinatários, havendo assim a necessidade
de reconstrução do contexto enunciativo para programar-se a identificação dos participantes
da enunciação. A Sentença Judicial possui três partes: O Relatório, a Fundamentação e o
Dispositivo ou Conclusão3.

3
Destacaremos partes da Fundamentação, pois é lá que o juiz releva sua argumentação gerando, algumas vezes,
as ambiguidades e incertezas.
6
•Conclusão
Conclusão (não interessa à
Dispositivo análise)

Fundamentação

•(não
não interessa à análise)
análise
Relotório

Transcrevemos a seguir parte do dispositivo de cinco Sentenças Judiciais fazendo a


enumeração de elementos dêiticos do discurso escrito4.

Para a identificação
ntificação e a localização no texto, dos dêiticos que, por não terem a
referência preenchida adequadamente, geram problemas para leitura e interpretação do
depoimento, desenvolvemos o seguinte itinerário: Em primeiro lugar transcreveremos parte
do texto da Sentença onde aparecem as ambiguidades.
ambiguidades Em seguida destacaremos,
destacaremos em negrito,
sublinhado e itálico, parte do texto onde aparecem as expressões
expressões ou elementos dêiticos:
Dêitico de Pessoa (DP); Dêitico Espacial (DE); Dêitico Temporal (DTDT); Dêitico Discursivo
(DD). Por fim reescrevemos o depoimento focando para a recuperação das ambiguidades.

Observamos que neste gênero, o ambiente da enunciação é formado pelo Magistrado


(enunciador), pelo Advogado e partes (aquele interlocutor imediato a quem se dirige o
texto)
xto) e público em geral (interlocutor imediato).
imediato) As ambiguidades estão constantemente
presentes e são geradas na fase de fundamentação da Sentença, quando o Magistrado põe
uma ‘pitada’ de subjetividade no seu texto.

4.1 Textos pinçados das Sentenças:

4.1.a – Sentença 01 (S1)5

[...] Tendo o arquivamento do nome comercial do promovido precedido


em quase oito anos,
anos quando, sequer, a autora, na época,
época falava em
prestação de serviços de ensino e educação de qualquer natureza e grau,
grau
esta só faz jus à propriedade do uso da marca, no tocante aos serviços de
caráter comunitário,
comunitário filantrópico e beneficente.

4
Lembrando que estas Sentenças foram publicadas em Coleção ‘Sentenças do Foro Cível’ Volume I – Edições
do Tribunal de Justiça da Paraíba, Biênio 2007/2009.

5
Processo n. 20020010050678 – 5ª. Vara Cível da Capital. Ação Ordinária de Abstenção de Marca c/c perdas e
danos.
7
4.2.b – Sentença 02 (S2)6

[...] Como já declinado alhures, o laudo pericial que atesta a


incapacidade permanente e irreversível da parte é o termo inicial para a
aposentadoria por invalidez acidentária. Por conseguinte, somente com o
laudo tornou-se claro o direito da parte ao benefício que ora se
reconhece, de sorte que, somente a partir do mesmo, poderia ter o
devedor incidido em mora, como de fato ocorreu.

4.3.c – Sentença 03 (S3)7

[...] Espinhosa, por isso, a tarefa de resolver, em tal conjuntura, a quem


mais bem deve caber a guarda dos filhos: se a mãe, que a já tem, por
força de acordo na separação consensual ou a pai, que constitui outra
família, conquanto diga que exista um bom relacionamento entre ela e os
filhos, e isto posteriormente possa ser agravado por alguma refrega, entre
um lado e outro.

4.3.d – Sentença 04 (S4)8

Como se vê, a diversidade de sexos é exigência legal e constitucional, não


se podendo reconhecer como união estável a convivência entre pessoas do
mesmo sexo. [...] Destarte, hei de ressaltar que a diversidade de sexos não
é “conditio sine qua non” para a percepção conceitual de família.

4.3.e – Sentença 05 (S5)9

Outrossim, não se pode em uma ação de extinção de hipoteca dada em


garantia real ao cumprimento do contrato, aduzir a relativização da força
obrigatória dos contratos, porque como garantia, é um contrato acessório,
somente podendo utilizar tal assertiva para o processo principal, o qual,
serviu a hipoteca de lastro ao pagamento de dívidas existentes em razão do
contrato de compra e venda para fornecimentos de combustíveis.

5. Discussão dos Resultados.

6
Processo n. 2002004004204-2 – 8ª. Vara Cível da Capital. Ação Acidentária.
7
Processo – 200971226937/97 – 4ª. Vara de Família. Ação de Modificação de Guarda.
8
Processo n. 20020050029947. 5ª. Vara de Família. Ação de Reconhecimento de União Homoafetiva.
9
Processo n. 20020050203831. 4ª. Vara Cível.Exceção de Competência.
8
a) Em S1, a expressão ‘na época, para ser compreendida adequadamente necessita de
informações do momento da enunciação. Esse elemento faz referência a um determinado
tempo externo ao texto. Sendo, portanto um elemento dêitico temporal. Talvez tenha
aparecido nos autos do processo, porém para um ouvinte imediato (público em geral) a
informação se torna ambígua e incerta.

Mas adiante, o pronome demonstrativo ‘esta’, textualmente é desprovido de uma certeza


referencial. Quando o Magistrado pronunciou ‘esta’, estaria ele querendo se referir a ‘época’,
‘prestação’ de serviços ou a ‘educação’? Não sabemos, pois precisamos recuperar
informações no contexto para que possamos preencher as referências vazias.

b) Em S2, a expressão ‘alhures’, significa em ‘outro lugar’, ‘em outra parte’. Mas em qual
lugar? Em que parte? Trata-se de um elemento dêitico espacial. O lugar da enunciação é
referenciado por um pronome indefinido masculino no nosso entendimento, circunstancial.
Quando pronomes desta espécie mudam o campo dêitico para o ambiente textual (autos do
processo referenciados na Sentença) estamos diante de uma Dêixis Discursiva (DD) que para
CAVALCANTE (2000, p. 53) se apresenta como uma derivação da Dêixis Temporal ou
Espacial.

Ainda em S2, a expressão ‘mesmo’, deixa uma interpretação ambígua, pois não sabemos se
faz referência ao ‘benefício’, ao ‘laudo’, ou ao ‘direito’. Sintaticamente o uso de ‘o mesmo’
não deve ser feito para substituir o pronome pessoal ele ou o demonstrativo este. O autor
ARRRUDA (1997, p. 45-46) adverte:

O vocábulo mesmo comporta uso em muitas funções gramaticais e não


convém que seja usado nos contextos em que seja mais expressivo o
emprego de ele ou de este, esse, aquele. [...] o uso de mesmo em substituição
ao pronome pessoal da terceira pessoa ou do demonstrativo este em nada
melhora a frase. Antes, a prejudica em clareza e elegância.

c) Em S3 encontramos um recorte textual ‘recheado’ de expressões dêiticas:

Espinhosa, por isso, a tarefa de resolver, em tal conjuntura, a quem mais


bem deve caber a guarda dos filhos: se a mãe, que a já tem, por força de
acordo na separação consensual ou a pai, que constitui outra família,
conquanto diga que exista um bom relacionamento entre ela e os filhos, e
isto posteriormente possa ser agravado por alguma refrega, entre um lado e
outro.

- em tal conjuntura: o termo ‘tal’ pode ser considerado: adjetivo, advérbio, determinante,
pronome indefinido, pronome demonstrativo e nome. Cumpre assim uma função Pragmática
que depende da recuperação do contexto.

- se a mãe, que a já tem: Uso do artigo ‘a’ com a desinência de 3ª. Pessoa ‘a’ trazendo
ambiguidade e confusão. A desinência faria referência a mãe ou a guarda?

- entre ela e os filhos – O Dêitico Pessoal ‘ela’ faz referência à família ou a mãe?

- entre um lado e outro- Ambiguidade: entre o Pai e a Mãe? Entre A Mãe e os filhos? Entre a
outra família e a mãe? Estes elementos dêiticos não foram utilizados adequadamente na
9
Sentença Judicial, exigindo que essas informações sejam preenchidas. Para solução deste
problema precisamos um estudo mais aprofundado sobre as espécies de dêixis gestual e
simbólica (LEVINSON, 2007).

d) S4 traz uma extensão da Dêixis de Pessoa (DP). Trata-se da Dêixis Social que registra de
forma linguístico-discursiva as relações sociais. No texto destacado em S4, o Magistrado ao
enunciar a Sentença, gera uma ambiguidade. Primeiro diz ser exigência legal e constitucional
não se reconhecer a União Estável entre pessoas do mesmo sexo. Depois ele, o magistrado,
para a percepção de uma família, não se condiciona a diversidade de sexo. Este texto
determina certo status do locutor em relação ao ouvinte/interlocutor.

e) S5 – Novamente a presença de elementos dêiticos ‘tal’ e ‘o qual’ (usada como pronomes


demonstrativos). Geram ambiguidades e incertezas no discurso forense em estudo devido a
dúvida se estes pronomes referenciam-se a ‘contrato acessório’ , ‘processo principal’ ou ‘ao
pagamento’.

6. Conclusões

Ousamos apresentar neste trabalho lampejos da importância da Teoria da Dêixis e a


sua relação com o Gênero textual ‘Sentença Judicial’. Outros gêneros forenses estão sendo
estudados e assim estamos partindo para a solidificação deste fenômeno forense como centro
de idéias para pesquisa.
Demonstramos, em um corpus relativamente pequeno, a existência de várias
expressões linguísticas utilizadas neste tipo de texto forense, desprovidas de uma certeza
referencial, gerando ambiguidades, as quais podem ser recuperadas por meio de informações
de uso e contextual.
Esperamos ter contribuído no sentido de que alguns elementos dêiticos pessoais,
espaciais, temporais e discursivos nos dão condições de esclarecer parte destes textos,
aproximando, por meio da linguagem, o produtor do texto de seus destinatários.
Finalmente, por se tratar de um tema de suma importância, para que a linguagem
jurídica, principalmente a textual, possa ser melhor entendida, pois constitui-se num celeiro
de ambiguidades e incertezas, acreditamos ser necessário a retomada constante do tema
apresentado.

REFERÊNCIAS

ARMENGAUD, Françoise. A pragmática. Trad. Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola


Editorial, 2006.

ARRUDA, Geraldo Amaral. A Linguagem do Juiz. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 45-46.

BENVENISTE, Émile. Problemas de linguistica geral II. Tradução Eduardo Guimarães [ET
al.]; revisão técnica da tradução Eduardo Guimarães. – Campinas, SP: Pontes, 1989.

BRÄSCHER, Marisa. A Ambigüidade na Recuperação da Informação. Disponível em: <


www.DataGramaZero - Revista de Ciência da Informação - v.3 n.1 fev/02 ARTIGO 05>
Acesso em 15 de setembro de 2011.

10
BORGES, Maria Virginia. A dêixis discursiva: formas de representação do sujeito, do
tempo e do espaço no discurso. Disponível em: < www. gelne. ufc. br/revista _ano2 _no2
_33.pdf. Acesso em 15 de setembro de 2011.

CAVALCANTE, Mônica Magalhães. A dêixis discursiva. Rev. de Letras - N0. 22 - Vol.


1/2 - jan/dez. 2000 pág. 47-55. Disponível em: <
http://www.revistadeletras.ufc.br/rl22Art06.pdf > Acesso em 28 de agosto de 2011

CARACIOLA, Andrea Boari. Atributos linguísticos das decisões judiciais. Disponível em:
< < http: //www . mackenzie. br/ fileadmin/ Graduacao /FDir/ Artigos /
artigos_2009/linguisticos_andrea.pdf > consulta em 15/09/2011.

CATUNDA, Elisabeth Linhares. Análise pragmática do gênero jurídico acórdão – com


atenção especial para os dêiticos discursivos. Faculdades Cearenses em Revista, Fortaleza,
v.1, n.1, p. 184-199, ago./dez. 2009. Disponível em < www3.
unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/cd/caderno.pdf > Acesso em 10 de setembro de 2011.

CERVONI, Jean. A Enunciação. Tradução de L. Garcia dos Santos. Revisão da tradução por
Valter Kehdi (Professor da Universidade de São Paulo). Série ‘Fundamentos’. N.61. Editora
Ática, São Paulo – SP, 1989.

FIORIN, José Luiz. Introdução a Linguistica II; princípios de análise/ José Luiz Fiorin (org),
4. Ed., 2ª reimpressão. – São Paulo: Contexto, 2008.

FREITAS, Ariadne Castilho de. A intersubjetividade em sentenças judiciais. Disponível


em < www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?...> acesso em 20 de
setembro de 2011.

GUIMARÃES, Elisa. Articulação do texto. / Elisa Guimarães.- 10 ed. – São Paulo: Ática,
2007 .

ILARI, Rodolfo. Introdução à semântica – brincando com a gramática. / Rodolfo Ilari. 6.


ed. – São Paulo: Contexto, 2006.

KERBRAT-ORICCHINONI, Catherine. Os Atos de Linguagem no Discurso. Niterói:


EDUFF, 2005.

KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Ler e compreender: os sentidos do texto/ Ingedore


Villaça Koch e Vanda Maria Elias. 2 ed., 2ª reimpressão. – São Paulo: Contexto, 2008.

LEVINSON, Stephen C. Pragmática. Tradução Luís Carlos Borges, Aníbal Mari; revisão da
tradução Aníbal Mari; revisão técnica Rodolfo Ilari. - São Paulo: Martins Fontes, 2007.

LYONS, John. Linguagem e Linguistica. Uma introdução. Tradução de Marilda Winkler


Averburg e Clarisse Sieckenius de Souza. [ Reimpr.]. - LTC editora. Rio de Janeiro - RJ,
2011.

11
MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil. Volumes 1 e 2. - 5ª. ed.
– São Paulo: Atlas, 2009.

PIRES, Vera Lúcia. e WERNER, Kelly Cristini G. A dêixis na teoria da enunciação de


Benveniste. PPGL/UFSM. Revista 02 ind. 146-158. 14/05/2007. Disponível em: <
www.ufsm.br/revistaletras/artigos_r33/revista33_9.pdf > Acesso em 20 de setembro de 2011.

OLIVEIRA, Luciano Amaral. Manual de semântica./ Luciano Amaral de Oliveira. –


Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

ORLANDI, Eni Pulcinelli. Discurso e leitura. / Eni Pulcinelli Orlandi. – 8.ed. – São Paulo:
Cortez, 2008.

SANTOS. Lúcia de Fátima Araújo dos, e COSTA. Maria Helenice Araújo, Os dêiticos nos
gêneros jurídicos. Trabalho apresentado no VI CBLA . Belo Horizonte, 2001. Disponível
em: < www. propgpq. uece. br/semana _universitaria /. ./linguistica_01.doc > Acesso em 13
de agosto de 2011.

SENTENÇAS DO FORO CÍVEL. Edições do Tribunal de Justiça da Paraíba.Volume I. TJ-


PB/Biênio 2007-2009. Oficinas Gráficas do Banco do Brasil. Rio de Janeiro, 2007, 348
páginas

SZTAJN, Rachel. Incerteza legal e custos de transação: casuísta jurisprudencial. Rev.Dir.


Mercantil- v.155/156-ago/dez-2010-pg.40-48

12

Você também pode gostar