Daniel - A DÊIXIS NO GÊNERO TEXTUAL
Daniel - A DÊIXIS NO GÊNERO TEXTUAL
Daniel - A DÊIXIS NO GÊNERO TEXTUAL
djmagnificat@ig.com.br
Introdução.
A linguagem jurídica tem sido alvo de críticas e discussões, por parte da sociedade.
Essa linguagem técnica, não raramente, gera dúvidas e obscuridades. Começa a crescer, cada
vez mais, entre os linguistas, a vontade de investigar gêneros textuais judiciais por se
apresentarem “recheados” de ambiguidades e incertezas. Inúmeros artigos vêm sendo
publicados, dando assim um inicial suporte para a fundamentação teórica1.
Esses gêneros textuais são ricos em ambiguidades que podem ser recuperadas pelo o
uso da Dêixis como instrumento linguístico de referenciação. O objetivo central é apresentar a
importância da Teoria da Dêixis como meio para se recuperar informações no gênero textual
jurídico em estudo tentando adequá-lo ao uso eficaz da linguagem, trazendo proposições úteis
e claramente ordenadas. Identificam-se nos textos em análise, elementos dêiticos de pessoa,
de lugar e discursivo que, por não terem a referência preenchida adequadamente, geram
problemas como a ambiguidade.
1
SZTAJN (2010); FREITAS (2008); SANTOS e COSTA (2001);
1
2. A Teoria da Dêixis2·.
2
O termo ‘Dêixis’ segundo LYONS (2011, p. 127) vem da palavra grega que significa “apontar” ou “mostrar”.
2
OLIVEIRA (2008, p. 124) ainda classifica a dêixis em pessoal, social, discursiva ou
textual, espacial e temporal. Segundo ele a dêixis pessoal se reflete na gramática por meio dos
pronomes pessoais; a dêixis social revela a relação social entre os participantes do discurso. Já
a dêixis discursiva ou textual “diz respeito ao uso de expressões em um enunciado para se
referir a um trecho do discurso dentro do qual aquele enunciado se encontra”. A dêixis
espacial e temporal é realizada por advérbios e expressões adverbiais de lugar e de tempo
respectivamente.
Consoante os ensinamentos de BÜHLER (apud GUIMARÃES, 2007):
“Os dêiticos são sinais que designam mostrando e não conceituando... Os
pronomes pessoais e as desinências verbais indicam os participantes do ato
discurso. Os pronomes demonstrativos, certas locuções prepositivas e
adverbiais, bem como os advérbios de tempo, referenciam o momento da
enunciação, podendo indicar simultaneidade, anterioridade ou
posterioridade. Assim; este, agora, hoje, neste momento (presente);
ultimamente, recentemente, ontem, há alguns dias; antes de (pretérito); de
agora em diante, no próximo ano, depois de (futuro).
O que varia com a situação é o referente de uma unidade dêitica, e não seu
sentido, o qual permanece constante de um emprego a outro. O pronome eu
transmite sempre a mesma informação, isto é, “a pessoa, à qual remete o
significante é o sujeito da enunciação. Os dois pronomes eu e tu tem por
extensão o conjunto virtual de todos os indivíduos que se podem representar
como emissor e receptor respectivamente, são grosso modo os mesmos.”
3
modalidade oral ou escrita, que são, muito mais que outros signos, próprios
do ato de dizer, no entendimento de que a sua existência e os seus sentidos
são promovidos a partir de uma referência interna. Dito de outro modo, a
referência ao contexto discursivo em que se apresentam. Além disso, os
dêiticos só existem porque um indivíduo no mundo assume-os e o faz pela
necessidade que tem de comunicar-se com outros membros de sua
comunidade social. Ao tomar essas formas da língua, o sujeito dá-lhes vida,
conquistando, simultaneamente, a possibilidade de interação com o outro e a
sua realização enquanto sujeito desse mundo, uma vez que ele próprio
testemunha sua existência ao proferir EU para um TU.
a enunciação está na língua inteira, pois toda ela é passível de ser enunciada,
cremos ser a dêixis a forma mais representativa da enunciação. Talvez
consigamos melhor defender essa idéia se nos lembrarmos de como surgiu
sua conceituação. Ela tem origem no gestual, na capacidade humana de dizer
mostrando,indicando. Esse ato é realizado por um eu na tentativa de
relacionar-se com o mundo, em um momento inédito e irrepetível, em um
contexto também particular. Por isso, tratamos a dêixis como categoria de
linguagem, de enunciação e uma reveladora das subjetividades envolvidas.
Para Lahud (apud PIRES, 2007) “a noção não pertence exclusivamente, a nenhum
campo de conhecimento específico: existem referências da dêixis em filosofia, na
fenomenologia, na lógica e na semiótica, bem como na lingüística, desde a Gramática de Port-
Royal às teorias da enunciação.
4
As Sentenças Judiciais são enunciados emitidos pelos magistrados,
magistrados e segundo
MONTENEGRO FILHO (2009, Vol. I, p. 497) são “pronunciamentos
pronunciamentos do juiz”
juiz resultantes de
seu livre poder de decidir. Elas
Elas põem fim a uma relação dialógica processual e se
transformam num gênero textual escrito. Proferida noo segundo Grau ou Segunda Instância
In as
Sentenças recebem o nome de ‘Acórdãos’.
‘
A sentença proferida pelo enunciador Magistrado (enunciador) gera seus efeitos no
mundo jurídico, dentro da sociedade, e quando analisada pela linguistica, atingirá seu objetivo
no momento em que possibilitar
possibilitar o entendimento por seus interlocutores, de seu conteúdo e
significado.
O magistrado, ao pronunciar-se,
pronunciar se, ou, mais restritivamente, ao proferir um ato
decisório, enuncia a sua convicção e procura convencer, devendo, pois, ater-
ater
se ao uso adequado da linguagem,
linguagem, por meio de uma seleção lexical
apropriada, atentando com o significado das palavras empregadas; valendo-
valendo
se, pois, ao "confeccionar" o texto, de proposições úteis, pertinentes e
claramente ordenadas. (CARACIOLA, 2011)
Outros textos emitidos pelos Juízes antes da decisão final são meros despachos ou
decisões interlocutórias (Figura 1).
Figura 1.
Magistrados (produzem)
Acórdãos
Sentenças Judiciais
Despachos e
Decisões
Interlocutórias
Ambiguidades
Em sua tese de doutorado, FREITAS (2011), explicita a importância das Sentenças
Judiciais:
O direito só pode ser imaginado em função do homem em sociedade;
também é impossível pensá-lo
pensá lo sem a linguagem por isso é imprescindível a
relação Linguagem-Direito.
Linguagem Direito. Esse depende daquela para que se exteriorize e
se manifeste social e culturalmente. O Direito
Direito surge para solucionar conflitos
de interesse principalmente por meio das decisões praticadas pela linguagem
escritas dos juízes. A Sentença é um gênero discursivo escrito tais como a
legislação, as petições, os recursos, a contestação, os “acórdãos.” (FREITAS,
2011, p.15)
Sentença
Judicial
Elementos
Línguísitcos
ou
extralinguís
ticos.
Recuperados
na
Enunciação
4. Análise do Corpus.
O Corpus delineado para esta pesquisa é a análise de (05) textos jurídicos da espécie
“Sentenças Judiciais” Cíveis de Primeiro Grau no Fórum Cível da cidade de João Pessoa,
publicadas entre os anos de 2007 e 2009. Estas Sentenças foram publicadas na Coleção
‘Sentenças do Foro Cível’ Volume I – Edições do Tribunal de Justiça da Paraíba, Biênio
2007/2009.
3
Destacaremos partes da Fundamentação, pois é lá que o juiz releva sua argumentação gerando, algumas vezes,
as ambiguidades e incertezas.
6
•Conclusão
Conclusão (não interessa à
Dispositivo análise)
Fundamentação
•(não
não interessa à análise)
análise
Relotório
Para a identificação
ntificação e a localização no texto, dos dêiticos que, por não terem a
referência preenchida adequadamente, geram problemas para leitura e interpretação do
depoimento, desenvolvemos o seguinte itinerário: Em primeiro lugar transcreveremos parte
do texto da Sentença onde aparecem as ambiguidades.
ambiguidades Em seguida destacaremos,
destacaremos em negrito,
sublinhado e itálico, parte do texto onde aparecem as expressões
expressões ou elementos dêiticos:
Dêitico de Pessoa (DP); Dêitico Espacial (DE); Dêitico Temporal (DTDT); Dêitico Discursivo
(DD). Por fim reescrevemos o depoimento focando para a recuperação das ambiguidades.
4
Lembrando que estas Sentenças foram publicadas em Coleção ‘Sentenças do Foro Cível’ Volume I – Edições
do Tribunal de Justiça da Paraíba, Biênio 2007/2009.
5
Processo n. 20020010050678 – 5ª. Vara Cível da Capital. Ação Ordinária de Abstenção de Marca c/c perdas e
danos.
7
4.2.b – Sentença 02 (S2)6
6
Processo n. 2002004004204-2 – 8ª. Vara Cível da Capital. Ação Acidentária.
7
Processo – 200971226937/97 – 4ª. Vara de Família. Ação de Modificação de Guarda.
8
Processo n. 20020050029947. 5ª. Vara de Família. Ação de Reconhecimento de União Homoafetiva.
9
Processo n. 20020050203831. 4ª. Vara Cível.Exceção de Competência.
8
a) Em S1, a expressão ‘na época, para ser compreendida adequadamente necessita de
informações do momento da enunciação. Esse elemento faz referência a um determinado
tempo externo ao texto. Sendo, portanto um elemento dêitico temporal. Talvez tenha
aparecido nos autos do processo, porém para um ouvinte imediato (público em geral) a
informação se torna ambígua e incerta.
b) Em S2, a expressão ‘alhures’, significa em ‘outro lugar’, ‘em outra parte’. Mas em qual
lugar? Em que parte? Trata-se de um elemento dêitico espacial. O lugar da enunciação é
referenciado por um pronome indefinido masculino no nosso entendimento, circunstancial.
Quando pronomes desta espécie mudam o campo dêitico para o ambiente textual (autos do
processo referenciados na Sentença) estamos diante de uma Dêixis Discursiva (DD) que para
CAVALCANTE (2000, p. 53) se apresenta como uma derivação da Dêixis Temporal ou
Espacial.
Ainda em S2, a expressão ‘mesmo’, deixa uma interpretação ambígua, pois não sabemos se
faz referência ao ‘benefício’, ao ‘laudo’, ou ao ‘direito’. Sintaticamente o uso de ‘o mesmo’
não deve ser feito para substituir o pronome pessoal ele ou o demonstrativo este. O autor
ARRRUDA (1997, p. 45-46) adverte:
- em tal conjuntura: o termo ‘tal’ pode ser considerado: adjetivo, advérbio, determinante,
pronome indefinido, pronome demonstrativo e nome. Cumpre assim uma função Pragmática
que depende da recuperação do contexto.
- se a mãe, que a já tem: Uso do artigo ‘a’ com a desinência de 3ª. Pessoa ‘a’ trazendo
ambiguidade e confusão. A desinência faria referência a mãe ou a guarda?
- entre ela e os filhos – O Dêitico Pessoal ‘ela’ faz referência à família ou a mãe?
- entre um lado e outro- Ambiguidade: entre o Pai e a Mãe? Entre A Mãe e os filhos? Entre a
outra família e a mãe? Estes elementos dêiticos não foram utilizados adequadamente na
9
Sentença Judicial, exigindo que essas informações sejam preenchidas. Para solução deste
problema precisamos um estudo mais aprofundado sobre as espécies de dêixis gestual e
simbólica (LEVINSON, 2007).
d) S4 traz uma extensão da Dêixis de Pessoa (DP). Trata-se da Dêixis Social que registra de
forma linguístico-discursiva as relações sociais. No texto destacado em S4, o Magistrado ao
enunciar a Sentença, gera uma ambiguidade. Primeiro diz ser exigência legal e constitucional
não se reconhecer a União Estável entre pessoas do mesmo sexo. Depois ele, o magistrado,
para a percepção de uma família, não se condiciona a diversidade de sexo. Este texto
determina certo status do locutor em relação ao ouvinte/interlocutor.
6. Conclusões
REFERÊNCIAS
ARRUDA, Geraldo Amaral. A Linguagem do Juiz. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 45-46.
BENVENISTE, Émile. Problemas de linguistica geral II. Tradução Eduardo Guimarães [ET
al.]; revisão técnica da tradução Eduardo Guimarães. – Campinas, SP: Pontes, 1989.
10
BORGES, Maria Virginia. A dêixis discursiva: formas de representação do sujeito, do
tempo e do espaço no discurso. Disponível em: < www. gelne. ufc. br/revista _ano2 _no2
_33.pdf. Acesso em 15 de setembro de 2011.
CARACIOLA, Andrea Boari. Atributos linguísticos das decisões judiciais. Disponível em:
< < http: //www . mackenzie. br/ fileadmin/ Graduacao /FDir/ Artigos /
artigos_2009/linguisticos_andrea.pdf > consulta em 15/09/2011.
CERVONI, Jean. A Enunciação. Tradução de L. Garcia dos Santos. Revisão da tradução por
Valter Kehdi (Professor da Universidade de São Paulo). Série ‘Fundamentos’. N.61. Editora
Ática, São Paulo – SP, 1989.
FIORIN, José Luiz. Introdução a Linguistica II; princípios de análise/ José Luiz Fiorin (org),
4. Ed., 2ª reimpressão. – São Paulo: Contexto, 2008.
GUIMARÃES, Elisa. Articulação do texto. / Elisa Guimarães.- 10 ed. – São Paulo: Ática,
2007 .
LEVINSON, Stephen C. Pragmática. Tradução Luís Carlos Borges, Aníbal Mari; revisão da
tradução Aníbal Mari; revisão técnica Rodolfo Ilari. - São Paulo: Martins Fontes, 2007.
11
MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil. Volumes 1 e 2. - 5ª. ed.
– São Paulo: Atlas, 2009.
ORLANDI, Eni Pulcinelli. Discurso e leitura. / Eni Pulcinelli Orlandi. – 8.ed. – São Paulo:
Cortez, 2008.
SANTOS. Lúcia de Fátima Araújo dos, e COSTA. Maria Helenice Araújo, Os dêiticos nos
gêneros jurídicos. Trabalho apresentado no VI CBLA . Belo Horizonte, 2001. Disponível
em: < www. propgpq. uece. br/semana _universitaria /. ./linguistica_01.doc > Acesso em 13
de agosto de 2011.
12