05 - Os Pensadores - Newton

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ISAAC NEWTON : VIDA E OBRA1

Consultoria:Hugh Mattew Lacey

ISAAC NEWTON não foi propriamente um filósofo. Não formulou uma teoria
do ser, nem uma ética, nem uma completa teoria do conhecimento. Não é
possível, porém, compreender a maior parte da reflexão filosófica do século XVllI e
seus desenvolvimentos posteriores sem se conhecer sua física e sua mecânica
celeste. Sua principal obra, Princípios Matemáticos da Filosofia Natural, constitui -
no dizer de Wilhelm Windel - band - "um fundamento duradouro das ciências
naturais, válido para o futuro, com toda perfeição possível de uma ciência
particular". Os Princípios sintetizam, íntima e completamente, as duas grandes
correntes metodológicas da ciência moderna - a matematização e a experiência -,
unindo e superando o empirismo de Francis Bacon (1561-1626) e o racionalismo
de Descartes (1596-1650).

Galileu Galilei (1564-1642) e Kepler (1571-1670) - segundo Ernst Cassirer -


já tinham concebido a idéia de lei natural em toda a sua amplitude e profundidade,
e em sua significação metodológica, mas só a aplicaram corretamente em alguns
poucos fenômenos particulares, como o movimento dos corpos em queda livre ou
as órbitas dos planetas. Faltava mostrar que a legalidade rigorosa, encontrada
nesses casos particulares, poderia ser estendida para todo o universo. A obra de
Newton cumpriu essa tarefa e o século XVIII compreendeu e admirou o sentido
profundo de seu trabalho, vendo nele a comprovação do caminho a ser seguido
pelas ciências da Natureza. Os pensadores do século XVIII veneraram suas
qualidades de grande investigador experimental e a aliança definitiva que
estabeleceu entre a experimentação e a matematização. Kant (1724-1804), o
divisor de águas entre o pensamento moderno e o contemporâneo, ao propor-se a
analisar a estrutura e os limites do conhecimento, tomou a física e a mecânica
celeste elaboradas por Newton como sendo a própria ciência.

1
LACEY, Hugh Mattew – Vida e Obra, In: Newton – Os Pensadores, S.Paulo, Nova Cultura, 1996.

1
MATEMÁTICO, FÌSICO E TEÒLOGO

Newton nasceu em Woolsthorpe, Lincolnshire, Inglaterra, no Natal do ano


em que faleceu Galileu: 1642. Aos 18 anos de idade, ingressou na Universidade
de Cambridge, onde trabalhou durante toda a vida. Em 1665 era bacharel, em
1668 doutorou-se, e um ano depois tornava-se catedrático, com apenas 26 anos
de idade.

Suas principais contribuições para a história da ciência foram iniciadas em


1666, quando a grande peste que assolou a Grã-Bretanha obrigou a Universidade
de Cambridge a fechar as portas e fez Newton refugiar-se em sua casa, na zona
rural de Woolsthorpe. Nesse período, Newton desenvolveu o teorema do binômio,
que ficaria conhecido pelo seu nome, e o método matemático das fluxões, que
originaria o cálculo diferencial e integrado, considerado a mais importante
inovação da história da matemática, desde os gregos antigos. O método das
fluxões considera cada grandeza finita como engendrada por um movimento ou
fluxo contínuo, tornando possível calcular áreas limitadas, total ou parcialmente,
por curvas, bem como os volumes das figuras sólidas. A essas duas contribuições
seguiram-se duas outras, concebidas também, nos aspectos essenciais, no retiro
forçado em Woolsthorpe: uma teoria sobre a natureza da luz e as primeiras idéias
sobre a atração gravitacional. A primeira mostra que a luz branca é constituída
pela união das chamadas sete cores fundamentais do espectro. A segunda explica
que a Lua mantém-se em órbita graças à força gravitacional.

Essas descobertas, contudo, tiveram que esperar aproximadamente vinte


anos para serem desenvolvidas e concatenadas num todo sistemático, que veio à
luz em 1687, sob o título de Princípios Matemáticos da Filosofia Natural.

Dois anos após a publicação dos Princípios, Newton foi eleito membro do
Parlamento como representante da Universidade de Cambridge, cargo que

2
deixaria, em 1690, com a dissolução do Parlamento. Em 1701 seria novamente
eleito, mas sua atuação nos negócios políticos não teve nenhum relevo.
Ocupações mais importantes foram a direção da Casa da Moeda, em 1695, e a
presidência da Royal Society desde 1703 até 1727, data de sua morte. A Royal
Society desempenhou papel extremamente significativo na vida científica inglesa,
congregando todos os elementos de relevo nas ciências da época.

Em 1704, Newton publicou a Óptica, na qual se encontram suas


descobertas experimentais nesse campo e uma teoria sobre a natureza da luz. A
luz, para Newton, seria constituída por corpúsculos emanados pelos corpos
luminosos. Nessa mesma época ocorreram as controvérsias sobre a criação do
cálculo infinitesimal, opondo Newton e Leibniz (1646-1716). Muito posteriormente
ficou comprovado - apesar de Newton acusar Leibniz de plagiário - que ambos
chegaram às mesmas descobertas independentemente.

Nos últimos vinte anos de sua vida, Newton não fez mais nenhuma
contribuição significativa para a história das ciências. Dedicou-se a assuntos
teológicos, chegando mesmo a considerá-los, na opinião de muitos historiadores,
mais importantes do que a física e a matemática. Entre os escritos dessa época
destacam-se as Observações sobre as Profecias de Daniel e do Apocalipse de
São João, publicadas em 1733.

3
AS BASES DA FÌSICA MODERNA

A despeito da importância dada por Newton aos assuntos de ordem


religiosa, seu significado dentro da história do pensamento situa-se no terreno da
mais rigorosa matemática e da ciência da Natureza. Suas mais importantes
contribuições nesses terrenos foram a criação do cálculo infinitesimal, o
desenvolvimento e sistematização da mecânica, a teoria da gravitação universal e
o desenvolvimento das leis de reflexão e refração luminosas, além da teoria sobre
a natureza corpuscular da luz.
Os Princípios Matemáticos da Filosofia Natural constituem a primeira
grande exposição e a mais completa sistematização da física moderna,
sintetizando num todo único a mecânica de Galileu e a astronomia de Kepler, e
fornecendo os princípios e a metodologia da pesquisa científica da Natureza.

O núcleo central dos Princípios são as três leis fundamentais da mecânica.


A primeira afirma que "todo corpo permanece em seu estado de repouso, ou de
movimento uniforme em linha reta, a menos que seja obrigado a mudar de seu
estado por forças impressas nele". A segunda lei estabelece que "a mudança do
movimento é proporcional à força motriz impressa e se faz segundo a linha reta
pela qual se imprime essa força". Finalmente, a terceira lei diz que "a uma ação
sempre se opõe uma reação igual, ou seja, as ações de dois corpos um sobre o
outro são sempre iguais e se dirigem a partes contrárias".

Na base dessas leis (e de outras proposições gerais do primeiro e segundo


livros dos Princípios), Newton propôs-se demonstrar todos os demais fenômenos.
No terceiro livro dos Princípios encontra-se um exemplo disso, quando o autor
expõe seu sistema do mundo, centralizado na lei da gravitação universal: a
matéria atrai a matéria na razão direta das massas e na inversa do quadrado das
distâncias. No terceiro livro dos Princípios, Newton afirma que "pelas proposições
matematicamente demonstradas nos livros anteriores, derivam-se dos fenômenos

4
celestes as forças de gravidade pelas quais os corpos tendem para o Sol e para
os vários planetas".

Newton não fica somente no exemplo e vai muito além, expressando sua fé
numa concepção mecânica de toda a Natureza: "Oxalá pudéssemos também
derivar dos princípios mecânicos os outros fenômenos da Natureza, por meio do
mesmo gênero de argumentos, porque muitas razões me levam a suspeitar que
todos esses fenômenos podem depender de certas forças pelas quais as
partículas dos corpos, por causas ainda desconhecidas, ou se impelem
mutuamente, juntando-se segundo figuras regulares, ou são repelidas e
retrocedem umas em relação às outras. Ignorando essas forças, os filósofos
tentaram em vão até agora a pesquisa da Natureza. Espero, no entanto, que os
princípios aqui estabelecidos tragam alguma luz sobre esse ponto ou sobre algum
método melhor de filosofar".

Além de formular uma concepção de ciência inteiramente mecanicista, que


permaneceria incontestável por muito tempo, os textos iniciais dos Princípios
contêm a essência da metodologia newtoniana, nos seus aspectos matemáticos.
Os Princípios estruturam-se segundo a ordem das idéias e em geometria, isto é,
definições, axiomas, teoremas etc. Por outro lado, Newton desenvolveu o cálculo
infinitesimal, como instrumento de medida e de descoberta dos fenômenos físicos.

O segundo aspecto da metodologia newtoniana consiste na análise


indutiva, definida claramente numa passagem da Óptica que afirma que o método
científico consiste em "fazer experimentos e observações, e em derivar
conclusões gerais das mesmas mediante indução, e em não admitir objeções
contra as conclusões, exceto as que procedem de experimentos ou de certas
outras verdades". À análise indutiva seguir-se-ia a síntese, que consistiria em
"assumir as causas descobertas e os princípios estabelecidos e, por seu
intermédio, explicar os fenômenos que procedem deles e demonstrar as
explicações".

5
ESPAÇO E TEMPO ABSOLUTOS

Papel especialmente importante para a história da filosofia é


desempenhado pelas noções de espaço e tempo absolutos, tal como Newton as
formulou nos Princípios. Essas noções não apresentam apenas um aspecto físico,
tendo conseqüências de ordem metafísica. A própria origem do conceito de
espaço absoluto em Newton poderia ser encontrada – como afirma J. J. C. Smart-
nos trabalhos de Henry More (1614-1687), poeta e filósofo platônico, e, através
deste, nas doutrinas cabalísticas.
No dizer do próprio Newton, "o espaço absoluto permanece constantemente
igual e imóvel, em virtude de sua natureza, e sem relação alguma com nenhum
objeto exterior; o espaço relativo, ao contrário, é uma medida ou uma parte móvel
do primeiro, que nossos sentidos assinalam graças à sua situação em relação a
outros corpos e que, geralmente, se confunde com o próprio espaço imóvel, por
erro..."

Segundo alguns autores, a concepção do espaço absoluto formulada por


Newton não apresenta relevância do ponto de vista da sua teoria mecânica
propriamente dita. Não obstante, é possível estabelecer certa correlação entre a
noção de espaço absoluto e a de sistema inercial. Este último representou uma
tentativa de Newton para solucionar o seguinte problema: se a aceleração de um
corpo estiver na dependência do sistema de referências utilizado, tem-se, para
cada sistema, um valor de aceleração. Conseqüentemente, pela segunda lei da
mecânica newtoniana, obtêm-se diferentes valores para a força que produziu essa
aceleração. Logo, a questão se coloca em termos da existência de um sistema de
referências em que sejam medidos os "verdadeiros" valores da aceleração. Para
tanto, é necessário supor um sistema de referências absoluto, ou seja, um sistema
que forneça correspondência real para a aceleração medida. Essa
correspondência seria medida por uma força, por exemplo, a ação de uma mola
ou a atração gravitacional. O sistema inercial normalmente utilizado neste último

6
caso está em repouso em relação às estrelas fixas. Essa a razão de não se poder
utilizar a Terra como sistema inercial, pois está acelerada em relação ao Sol.
Contudo, sendo a Terra o habitat de qualquer observador, as medidas por ele
mesmo realizadas evidenciarão, em alguns casos, erros devidos ao movimento
relativo do próprio observador. Nesse caso, ou se desprezam os erros (desde que
sua magnitude não seja relevante), ou se atribuem a certas "forças fictícias" esses
erros, isto é, as acelerações oriundas da própria aceleração do sistema. Essas
dificuldades de ordem lógica, contudo, não chegam a obscurecer o extraordinário
valor operacional das leis newtonianas.

A teoria newtoniana do tempo absoluto liga-se à do espaço absoluto.


Também nesse caso, o conceito é tomado sobretudo como ferramenta
operacional. Para Newton, "o tempo absoluto, verdadeiro e matemático, por si
mesmo e por sua própria natureza, flui uniformemente sem relação com nada
externo; por isso mesmo é chamado duração". O fato de não manter "relação com
nada externo" confere ao tempo absoluto caráter de imutabilidade. Em outras
palavras, as coisas mudam, mas não muda o tempo. Isso implica que as
mudanças ocorrem no tempo e este em nada contribui para que tal aconteça.
Assim, o tempo absoluto não é tomado por Newton como uma propriedade de
cada coisa considerada particularmente, mas na medida em que se relaciona com
todas as outras coisas, na medida em que estas durem.

Apesar da configuração metafísica que as teorias do espaço e do tempo


absolutos possam conferir ao pensamento de Newton, deve-se sublinhar que, na
investigação dos fenômenos físicos, o autor dos Princípios repele qualquer noção
de ordem metafísica ou religiosa.

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CRONOLOGIA

1642 - Em 8 de janeiro, morre Galileu. Em Woolsthorpe, em 25 de


dezembro, nasce Isaac Newton.
1655 - Morre o filósofo e matemático Pierre Gassendi.
1661 - Newton matricula-se no Trinity College, em Cambridge.
1665 - Obtém o grau de Bachelor of Arts.
1668 - Toma-se Master of Arts. Nasce Giambattista Vico.
1669 - É autorizada a representação de Tartufo, de Moliére. Morre
Rembrandt.
1670 - Publicação do Tractatus Theologico-Politicus, de Espinosa.
1672 - Newton é eleito membro da Royal Society.
1673 - Publicação do Horologium Oscillatorium, do físico holandês
Christiaan Huygens.
1675 - Newton envia à Royal Society suas anotações sobre a reflexão e as
cores da luz.
1684 - Leibniz publica Nova Methodus pro Maximis et Minimis.
1685 - São apresentados à Royal Society os dois primeiros livros dos
Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, de Newton.
1687 - Primeira edição dos Principia, de Newton.
1689 - Newton ingressa no Parlamento como deputado pela Universidade
de Cambridge.
1701- Funda-se, em New Haven, a Universidade de Yale. Nasce Celsius,
criador da escala termométrica que leva seu nome.
1703 - Newton é eleito presidente da Royal Society.
1704 - Publica a Óptica.
1705 - A rainha Ana da Inglaterra outorga-lhe o título de Cavaleiro.
1707 - Escócia e Inglaterra unem-se sob o nome de Grã-Bretanha.
1716 - Morre Leibniz.
1724 - Nasce Kant.
1727 - Em 20 de março, morre Newton.

8
BIBLIOGRAFIA
LACEY, H. M.: A Linguagem do Espaço e do Tempo, Editora Perspectiva,
São Paulo, 1972.
NAGEL, E.: The Structure of Science, Nova York, 1961.
MORE, L. T.: lsaac Newton, Nova York, 1962.
ANDRADE, E. N. C.: Sir lsaac Newton, Londres, 1961.
COHEN, I. B.: Franklin and Newton, Filadélfia, 1956.
WHITESIDE, D. T.: The Expanding World of Newtonian Research in History
of Science, voI. I (1962), 16-29.
BUCHDALL,G.:The lmage of Newton and Locke in the Age of Reason,
Londres, 1961.
D'ABRO, A: The Rise of the New Physics,Nova York, 1951.
DIJKSTERHUIES, E J.:The Mechanization of the World Picture, Oxford,
1961.
HALL, A R.: From Galileo to Newton, Nova York, 1963.
BURTT, E. A: The Metaphysical Foundations of Modern Science, Garden
City, Nova York, 1955.
BUTTERFlELD, H.: The Origins of Modern Science, Nova York, 1958.
JAMMER, M.: Concepts of Space, Cambridge, Massachusetts, 1957.
KOYRÉ, A: From the Closed World to the Infinite Universe, Nova York,
1958.

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SIR ISAAC NEWTON
PRINCÌPIOS MATEMÁTICOS DA FILOSOFIA NATURAL*
Tradução de Carlos Lopes de Mattos, Pablo Rubén Mariconda e
Luiz Possas (Escólio geral)

PREFÁCIO AO LEITOR

VISTO QUE os antigos (como nos conta Pappus) deram muitíssima


importância à mecânica na investigação das coisas naturais, e os modernos,
rejeitando as formas substanciais e as qualidades ocultas, empenharam-se por
submeter os fenômenos da natureza às leis da matemática, procurei desenvolver
a esta no presente tratado, enquanto ela se refere à filosofia. Os antigos
distinguiram uma dúplice mecânica: a racional, que procede cuidadosamente por
demonstrações, e a prática. À mecânica prática pertencem todas as artes
2
manuais, das quais a mecânica tirou seu nome. Como, porém, os artífices
costumam operar com pouco rigor, a mecânica toda se distingue da geometria
pelo seguinte: tudo o que é exato refere-se à geometria, ao passo que o que não o
é pertence à mecânica. Entretanto, os erros não são da arte, mas dos artífices.
Quem trabalha com menos rigor é um mecânico imperfeito, e, se alguém pudesse
trabalhar com rigor perfeito, seria o mais perfeito mecânico de todos. Realmente, o
traçado das retas e dos círculos, sobre o qual se funda a geometria, pertence à
mecânica. A geometria não nos ensina a riscar essas linhas, mas postula-as, dado
que exige do aprendiz que primeiramente seja capaz de as traçar com exatidão,
antes de atingir o limiar da geometria; em seguida, ensina como por essas
operações são resolvidos os problemas, pois ao se traçarem retas e círculos
constituem-se problemas, que não são geométricos. Na mecânica postula-se a
solução deles, ao passo que na geometria se ensina seu emprego. A glória da
geometria é que desses poucos princípios, oriundos de fora, seja capaz de
produzir tantas coisas. Portanto, a geometria baseia-se na prática mecânica, e
nada mais é que aquela parte da mecânica universal que propõe e demonstra com

2
A palavra "mecânica" vem do grego "mekhané", que significa "máquina",

10
rigor a arte de medir. Mas, enquanto as artes manuais versam principalmente
sobre o movimento dos corpos, acontece que vulgarmente se refira a geometria à
grandeza, mas a mecânica ao movimento. Nesse sentido a mecânica racional
será a ciência dos movimentos que resultam de quaisquer forças, e das forças
exigidas para produzir esses movimentos, propostas e demonstradas com
exatidão. Essa parte da mecânica foi cultivada pelos antigos nas cinco potências
relativas às artes manuais. Eles consideraram a gravidade (que não é um poder
manual) apenas no mover os pesos por esses poderes. Nós, porém, cuidando não
das artes mas da filosofia, e não das potências manuais mas das naturais,
tratamos sobretudo do que se refere à gravidade, leveza, força elástica,
resistência dos fluidos e forças semelhantes, atrativas ou impulsivas; e, por
conseguinte, apresento esta obra como os Princípios Matemáticos da Filosofia.
Com efeito, a dificuldade precípua da filosofia parece consistir em que se
investiguem, a partir dos fenômenos dos movimentos, as forças da natureza,
demonstrando-se a seguir, por meio dessas forças, os outros fenômenos. A isso
se destinam as proposições gerais do primeiro e segundo livros. No terceiro,
porém, dou um exemplo disso por meio da explicação do sistema mundano. Aí, de
fato, pelas proposições matematicamente demonstradas nos livros anteriores,
derivam-se dos fenômenos celestes as forças de gravidade pelas quais os corpos
tendem para o sol e os vários planetas. Depois deduzo dessas forças, por
proposições também matemáticas, o movimento dos planetas, dos cometas, da
lua e do mar. Oxalá pudéssemos também derivar os outros fenômenos da
natureza dos princípios mecânicos, por meio do mesmo gênero de argumentos,
porque muitas razões me levam a suspeitar que todos esses fenômenos podem
depender de certas forças pelas quais as partículas dos corpos,por causas ainda
desconhecidas, ou se impelem mutuamente, juntando-se segundo figuras
regulares, ou são repelidas e retrocedem umas em relação às outras. Ignorando
essas forças, os filósofos tentaram em vão até agora a pesquisa da natureza.
Espero, no entanto, que os princípios aqui estabelecidos tragam alguma luz sobre
esse ponto ou sobre algum método melhor de filosofar.

11
Na publicação dessa obra o muito perspicaz e eruditíssimo senhor
Edmundo Halley ajudou-me não só a corrigir os erros tipógraficos e a preparar as
figuras geométricas, mas também foi quem me levou à edição do trabalho. Com
efeito, quando obteve minhas demonstrações da figura das órbitas celestes,
insistiu comigo para que as comunicasse à Sociedade Real, a qual depois, graças
a seus amáveis encorajamentos e rogos, levou-me a pensar em publicá-Ias.
Porém, depois que comecei a considerar a desigualdade dos movimentos lunares
e algumas outras coisas a respeito das leis e medidas da gravidade ou outras
forças; e as figuras que devem ser descritas pelos corpos atraídos conforme as
ditas leis; o movimento de muitos corpos entre si; o movimento dos corpos nos
meios resistentes; as forças, densidades e movimentos dos meios; as órbitas dos
cometas e coisas semelhantes; vendo tudo isso, julguei dever adiar esta edição, a
fim de estudar tais pontos e publicar tudo junto. As coisas relativas aos
movimentos lunares (sendo imperfeitas) foram colocadas nos corolários da
Proposição LXVI para evitar de ser obrigado a prapô-las e demonstrá-Ias, uma por
uma, com um método mais prolixo do que o merecia o assunto, interrompendo a
série das outras proposições. Algumas coisas, achadas mais tarde, foram por mim
introduzidas em lugares menos indicados, de preferência a modificar o número
das proposições e citações. Peço de coração que as coisas que aqui deixo sejam
lidas com indulgência, e que meus defeitos, num campo tão difícil, não sejam tanto
procurados com vistas à censura, como com a finalidade de serem remediados
pelos novos esforços dos leitores.
Cambridge, Trinity College, 8 de maio de 1686 (2ª edição, que traz um
segundo prefácio)

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DEFINIÇÕES

DEFINIÇÃO I

A QUANTIDADE de matéria é a medida da mesma, oriunda conjuntamente


da sua densidade e grandeza.

O ar duplamente mais denso, num duplo espaço, é quádruplo. O mesmo


se diga da neve e do pó condensados por compressão ou liquefação. Igual razão
vale para todos os corpos que por qualquer causa são condensados
diversamente. Neste ponto não levo em consideração o meio, se é que aqui existe
algum, que penetra livremente pelos interstícios entre as partes. É essa
quantidade que muitas vezes tomo a seguir sob o nome de corpo ou massa.
Conhecemo-Ia pelo peso de qualquer corpo, pois esta é proporcional ao peso, o
que achei em experiências feitas cuidadosamente sobre os pêndulos, como se
mostrará adiante.

DEFINIÇÃO II

A quantidade do movimento é a medida do mesmo, provinda conjuntamente


da velocidade e da quantidade da matéria.

O movimento do todo é a soma dos movimentos de cada uma das partes,


e, por conseguinte, num corpo duplo em quantidade, com igual velocidade, ele é
duplo, e com duas vezes a velocidade, é quádruplo.

DEFINIÇÃO III

A força inata (ínsita) da matéria é um poder de resistir pelo qual cada corpo,
enquanto depende dele, persevera em seu estado, seja de descanso,seja de
movimento uniforme em linha reta.

13
Essa força é sempre proporcional a seu corpo, e não difere da inércia da
massa senão no nosso modo de conceber. E pela inércia da matéria que todo
corpo dificilmente sai de seu estado de descanso ou de movimento. Logo, a força
3
inata pode ser chamada pelo nome muito sugestivo de força de inércia. Mas um
corpo só exerce essa força quando da mutação de seu estado por outra força
impressa em si; e o exercício dessa força pode ser considerado sob o duplo
aspecto de resistência e de ímpeto: resistência, enquanto, para conservar o seu
estado, o corpo se opõe à força impressa; ímpeto, enquanto o mesmo corpo,
dificilmente cedendo à força do obstáculo oposto, esforça-se por mudar o estado
deste. Atribui-se usualmente a resistência aos corpos em repouso, e o ímpeto aos
que se movem, mas o movimento e o descanso, enquanto concebidos pelo vulgo,
apenas se distinguem relativamente um do outro, nem se acham sempre em
repouso os corpos que o vulgo considera parados.

DEFINIÇÃO IV

A ação impressa é uma ação exercida sobre um corpo para mudar seu
estado de repouso ou de movimento uniforme em linha reta.

Esta força consiste somente na ação, nem permanece no corpo depois


dela. De fato, um corpo persevera em todo novo estado, apenas pela força da
inércia. Mas a força impressa é de diversas origens, como de percussão, de
pressão e de força centrípeta.

DEFINIÇÃO V

A força centrípeta é aquela pela qual o corpo é atraído ou impelido ou sofre


qualquer tendência a algum ponto como a um centro.

3
Enquanto admite uma força de inércia como "força inata", Newton mostra que ainda não se libertara
completamente das "qualidades ocultas" da física antiga.

14
Assim é a gravidade, pela qual o corpo tende ao centro da terra, a força
magnética, pela qual o ferro tende ao centro do ímã, e aquela força, seja qual for,
pela qual os planetas são continuamente afastados dos movimentos retilíneos,
4
obrigados a seguir linhas curvas. A quantidade, porém, da força centrípeta é de
três espécies: absoluta, aceleradora e motriz.

DEFINIÇÃO VI

A absoluta quantidade da força centrípeta é a medida da mesma, maior ou


menor conforme a eficácia da causa que a propaga do centro pelos espaços em
redor.

Assim é que a força magnética se toma maior num imã e menor em outro. 5

DEFINIÇÃO VII

A quantidade aceleradora de uma força centrípeta é a medida da mesma,


proporcional à velocidade que gera em determinado tempo.

Assim, a força de um mesmo ímã é maior numa distância menor, e menor


numa distância maior. Do mesmo modo, a força da gravidade é maior nos vales e
menor nos cumes dos montes muito altos (como consta da experiência dos
pêndulos), e ainda menor (como depois se verá) em distâncias maiores da terra,
sendo, porém, em tudo igual nas distâncias iguais, visto que acelera igualmente
todos os corpos que caem (graves ou leves, grandes ou pequenos), tirando-se a
resistência do ar.

4
Na 2ª edição, o A. alonga-se muito mais. Fala da força centrípeta que segura a pedra na funda, força sem a
qual (e sem a gravidade e a resistência do meio) a pedra seguiria indefinidamente em linha reta. Passa em
seguida a referir-se à lua, que gira, graças à gravidade ou outra força qualquer, em redor da terra; essa força
não poderia ser diminuta demais (porque então não conseguiria fazer a lua desviar-se da terra), nem forte
demais (porque então a lua cairia sobre a terra). Cabe aos matemáticos determinar a quantidade justa da
força.
5
Na 2ª edição acrescentou-se: "conforme seu tamanho e energia de intensidade".

15
DEFINIÇÃO VIII

A quantidade motriz da força centrípeta é a medida da mesma, proporcional


ao movimento que gera em determinado tempo.

Assim, o peso é maior num corpo maior, e menor num menor; e, no mesmo
corpo, é maior perto da terra e menor nos céus. Essa força é o centripetismo ou
propensão de todo o corpo para o centro, ou, por assim dizer, seu peso,
conhecendo-se sempre pela força que lhe é contrária e que é igual, capaz de
impedir a descida do corpo.

Essas quantidades das forças podem chamar-se, por amor à brevidade,


6
forças absolutas, aceleradoras e motrizes, e, por causa da distinção, podem
referir-se aos corpos, aos lugares dos corpos e ao centro das forças. Isso significa
que atribuo a força motriz ao corpo, como um esforço (conatus) e uma propensão
do todo para o centro, surgindo das propensões de todas as partes; atribuo a força
aceleradora ao lugar do corpo, como certa eficácia, que parte do centro pelos
diversos lugares em volta, a fim de mover os corpos que neles se acham; atribuo,
porém, a força absoluta ao centro, enquanto dotado de alguma causa sem a qual
as forças motrizes não se propagam pelas regiões ao redor, quer seja aquela
causa algum corpo central (como o magnete no centro da força magnética, ou a
terra no centro da força da gravidade), ou alguma outra ignorada. Trata-se, em
todo caso, de um conceito matemático. Com efeito, não me preocupam aqui as
causas e os portadores físicos das forças.

Portanto, a força aceleradora está para a motriz como a velocidade para o


movimento, pois a quantidade do movimento provém da velocidade multiplicada
pela quantidade da matéria, e a força motriz surge da força aceleradora
multiplicada pela quantidade da mesma matéria. De fato, a soma das ações da

6
Na edição seguinte o A. porá essas forças na ordem que segue: motrizes, aceleradoras e absolutas.

16
força aceleradora sobre cada uma das partículas do corpo é a força motriz do
todo. Conseqüentemente, junto à superfície da terra, onde a gravidade
aceleradora ou força da gravidade é a mesma em todos os corpos, a gravidade
motriz, ou peso, é como o corpo; mas se subirmos às regiões onde a gravidade
aceleradora se torna menor, o peso também diminuirá, e sempre será como o
corpo multiplicado pela gravidade aceleradora. Assim, nas regiões onde a
gravidade da aceleração é duplamente menor, o peso do corpo dupla ou
triplamente menor será quatro ou seis vezes menor.

De mais a mais, denomino as atrações e os impulsos, no mesmo sentido,


aceleradores e motrizes. Uso, porém, indiferente e promiscuamente as palavras
"atração", "impulso" ou "Propensão" de qualquer espécie em direção ao centro,
considerando essas forças não fisicamente, mas só matematicamente. Por isso,
precavenha-se o leitor de pensar que eu queira definir com essas palavras uma
espécie ou modo de ação, causa ou razão física, atribuindo aos centros (que são
pontos matemáticos) forças verdadeiras e físicas, quando digo, por acaso, que os
centros atraem ou falo de forças do centro.

17
Escólio

Até aqui só me pareceu ter que explicar os termos menos conhecidos,


mostrando em que sentido devem ser tomados na continuação deste livro. Deixei,
portanto, de definir, como conhecidíssimos de todos, o tempo, o espaço, o lugar e
o movimento. Direi, contudo, apenas que o vulgo não concebe essas quantidades
senão pela relação com as coisas sensíveis. É daí que nascem certos prejuízos,
para cuja remoção convém distinguir as mesmas entre absolutas e relativas,
verdadeiras e aparentes, matemáticas e vulgares.

7
I. O tempo absoluto, verdadeiro e matemático flui sempre igual por si
mesmo e por sua natureza, sem relação com nenhuma coisa externa, chamando-
se com outro nome "duração"; o tempo relativo, aparente e vulgar é certa medida
sensível e externa de duração por meio do movimento (seja exata, seja desigual),
a qual vulgarmente se usa em vez do tempo verdadeiro, como são a hora, o dia, o
mês, o ano.

II. O espaço absoluto, por sua natureza, sem nenhuma relação com algo

externo, permanece sempre semelhante e imóvel; o relativo é certa medida ou


dimensão móvel desse espaço, a qual nossos sentidos definem por sua situação
relativamente aos corpos, e que a plebe emprega em vez do espaço imóvel, como
é a dimensão do espaço subterrâneo, aéreo ou celeste definida por sua situação
relativamente à terra. Na figura e na grandeza, o tempo absoluto e o relativo são a
mesma coisa, mas não permanecem sempre numericamente o mesmo. Assim, p.
ex., se a terra se move, um espaço do nosso ar que permanece sempre o mesmo
relativamente, e com respeito à terra, ora será uma parte do espaço absoluto no
qual passa o ar, ora outra parte, e nesse sentido mudar-se-á sempre
absolutamente.

7
Para Newton o tempo e o espaço seriam absolutos. Discute-se muito, porém, qual o verdadeiro sentido
dessa expressão.

18
III. O lugar é uma parte do espaço que um corpo ocupa, e, com relação ao

espaço, é absoluto ou relativo. Digo uma parte do espaço, e não a situação do


corpo ou a superfície ambiente. Com efeito, os lugares dos sólidos iguais são
sempre iguais, mas as superfícies são quase sempre desiguais, por causa da
dessemelhança das figuras; as situações, porém, não têm, propriamente falando,
quantidade, sendo antes afecções dos lugares que os próprios lugares. O
movimento do todo é o mesmo que a soma dos movimentos das partes, ou seja, a
translação do todo que sai de seu lugar é a mesma que a soma da translação das
partes que saem de seus lugares, e por isso o lugar do todo é o mesmo que a
soma dos lugares das partes, sendo, por conseguinte, interno e achando-se no
corpo todo.

IV. O movimento absoluto é a translação de um corpo e um lugar absoluto

para outro absoluto, ao passo que o relativo é a translação de um lugar relativo


para outro relativo. Desse modo, num navio a vela, o lugar relativo de um corpo é
aquela parte do navio em que ele se acha, ou aquela parte da cavidade que o
corpo ocupa, e que se move junto com o navio; e o descanso relativo é a
permanência do corpo naquela mesma parte do navio ou de sua cavidade. O
descanso verdadeiro, porém, é a permanência do corpo na mesma parte daquele
espaço imóvel em que o próprio navio se move juntamente com sua cavidade e
todo o seu conteúdo. Logo, se a terra está realmente parada, o corpo que está em
repouso relativo no navio mover-se-á verdadeira e absolutamente na velocidade
com que o navio se move na terra. Mas se a terra também se move, o verdadeiro
e absoluto movimento do corpo surgirá em parte do verdadeiro movimento da terra
no espaço imóvel, em parte do movimento relativo do navio na terra, e se o corpo
também se mover relativamente no navio, surgirá seu verdadeiro movimento em
parte do verdadeiro movimento da terra no espaço imóvel, em parte dos
movimentos relativos, tanto do navio na terra, como do corpo no navio, e desses
movimentos relativos nascerá o movimento relativo do corpo na terra. Assim é que
se aquela parte da terra onde está o navio se move verdadeiramente para o
Oriente com a velocidade 10 0 10 das partes, e o navio se dirige, graças às velas

19
e ao vento, para o Ocidente com a velocidade de 10 partes, mas se o navegante
andar no navio para o Oriente com uma parte da velocidade, mover-se-á
verdadeira e absolutamente no espaço imóvel, para o Oriente, com 10 001 partes
da velocidade, e relativamente na terra, para o Ocidente, com nove partes da
velocidade.

O tempo absoluto distingue-se do relativo na astronomia pela equação do


tempo vulgar. De fato, os dias naturais, que vulgarmente se consideram iguais
8
para medida do tempo, são desiguais. Essa desigualdade é corrigida pelos
astrônomos, para medirem os movimentos celestes por meio de um tempo mais
verdadeiro. Pode muito bem ser que não haja movimento algum, que seja igual,
para medir o tempo com exatidão. Todos os movimentos podem acelerar-se e
retardar-se, mas o fluxo do tempo absoluto não se pode mudar. A duração ou
perseverança da existência das coisas é a mesma, quer os movimentos sejam
rápidos, quer lentos, ou até nulos; portanto, ela [a duração] se distingue,
devidamente, das suas medidas sensíveis e das mesmas se deduz por meio de
uma equação astronômica. A necessidade, porém, dessa equação para
determinar os fenômenos impõe-se tanto pela experiência do relógio oscilatório
[pendular], como também pelos eclipses dos satélites de Júpiter.

Assim como a ordem das partes do tempo é imutável, também o é a ordem


das partes do espaço. Na hipótese de se moverem de seus lugares essas partes,
também se moveriam de si mesmas (como diríamos), pois os tempos e os
espaços são como que os lugares de si mesmos e de todas as coisas. Estas
localizam-se no tempo quanto à ordem da sucessão, e no espaço quanto à ordem
da situação. Da essência deles é serem lugares, e é absurdo que os lugares
primários se movam. Eis, portanto, os lugares absolutos, e só as translações
desses lugares são movimentos absolutos. Contudo, como essas partes do
espaço não podem ser vistas e distinguidas umas das outras por nossos sentidos,
usamos em lugar delas medidas sensíveis. Com efeito, definimos todos os lugares

8
Alusão a Aristóteles, que definia o tempo como "numeração do movimento segundo o antes e o depois".

20
pelas posições e distâncias das coisas em relação a um determinado corpo, que
consideramos imóvel; a seguir também calculamos todos os movimentos
relativamente a esses lugares, enquanto concebemos os corpos como transferidos
destes. É assim que empregamos em vez dos lugares e movimentos absolutos os
relativos, sem nenhum inconveniente na vida comum: na filosofia, entretanto,
devemos fazer abstração dos sentidos. Pode, na realidade, acontecer que
nenhum corpo, ao qual os lugares e movimentos se refiram, esteja de fato parado.

Distinguem-se, porém, um do outro o descanso e o movimento, tanto os


absolutos como os relativos, por suas propriedades, causas e efeitos. Uma
propriedade do descanso é que os corpos verdadeiramente em repouso estejam
parados em relação um ao outro. Por isso, como é possível que algum corpo, nas
regiões das estrelas fixas ou talvez mais longe ainda, esteja em repouso absoluto,
não se podendo saber, pela situação dos corpos um em relação aos outros, nas
nossas regiões, se algum deles guarda a mesma posição relativamente àquele
corpo longínquo, não se pode definir o verdadeiro repouso pela situação dos
corpos entre si.

Uma propriedade do movimento é que as partes que guardam as posições


dadas em relação a seus todos participam dos movimentos desses todos. Com
efeito, todas as partes dos corpos que giram esforçam-se por se afastar do eixo do
movimento, e o ímpeto dos que seguem adiante provém do ímpeto coligado das
partes singulares. Logo, movidos os corpos ambientes, as coisas que em redor
estão relativamente em repouso se moverão. E por isso o movimento verdadeiro e
absoluto não pode ser definido pela translação a partir dos corpos vizinhos, que
são vistos como parados. Os corpos extensos não devem ser vistos apenas como
parados, mas precisam parar verdadeiramente. Caso contrário, todos os corpos
incluídos fora da translação, a partir dos corpos ambientes vizinhos, participarão
também dos verdadeiros movimentos deles, e sem essa translação não estarão
verdadeiramente parados, mas só serão vistos como parados; os corpos
ambientes, de fato, referem-se aos corpos incluídos como a parte exterior do todo

21
em relação à interior, ou como a casca em relação ao cerne, pois que, movida a
casca, o cerne também, como parte do todo, se moverá, sem a translação da
casca vizinha.

Uma propriedade vizinha da anterior é que, movendo-se o lugar, juntamente


se move o conteúdo, e, por isso, um corpo que se move de um lugar em
movimento participa também do movimento do seu lugar. Por conseguinte, todos
os movimentos oriundos dos lugares em movimento são somente partes dos
movimentos integrais e absolutos; e todo movimento integral compõe-se do
movimento do corpo a partir de seu primeiro lugar, e do movimento deste lugar
para fora de seu lugar, e assim por diante, até chegar ao lugar imóvel, como no
citado exemplo do navegante. Logo, movimentos integrais e absolutos não podem
definir-se senão pelos lugares imóveis, e, por isso, acima os referi a esses
lugares, mas referi os movimentos relativos aos lugares móveis. Ora, lugares
imóveis não são senão aqueles que, por toda infinidade, conservam as posições
mútuas, pelo que sempre permanecem imóveis, constituindo o espaço que chamo
imóvel.

As causas pelas quais os movimentos verdadeiros e os relativos se


distinguem entre si são causas impressas nos corpos para gerar o movimento. O
movimento verdadeiro não é gerado nem se muda senão por forças impressas no
próprio corpo movido; mas o movimento relativo pode ser gerado e mudar-se sem
forças impressas nesse corpo. Basta, com efeito, que se imprimam apenas em
outros corpos, com os quais se faz a relação, de modo que, faltando eles, muda-
se aquela relação em que consiste o repouso ou movimento relativo de
determinado corpo. Da mesma forma, o movimento verdadeiro sempre sofre
alguma mutação pelas forças impressas no corpo movido, mas o movimento
relativo não é mudado necessariamente por essas forças. De fato, se as mesmas
forças se imprimirem também em outros corpos com que se estabelece relação,
de modo a conservar a situação relativa, estará igualmente conservada a relação
em que consiste o movimento relativo. Pode, pois, mudar-se todo o movimento

22
relativo, conservando-se o verdadeiro, e ser conservado, mudando - se o
verdadeiro; logo, o movimento verdadeiro não consiste de maneira alguma em tais
relações.

Os efeitos pelos quais se distinguem uns dos outros os movimentos


absolutos e os relativos são as forças de se afastar do eixo do movimento circular.
De fato, no movimento circular simplesmente relativo não há tais forças; no
verdadeiro, porém, e absoluto, existem em maior ou menor grau conforme a
quantidade do movimento. Penduremos, p.ex., um vaso por meio de uma corda
muito comprida, e viremo-Ia muitas vezes até ficar a corda endurecida pelas
voltas; enchamo-Io então de água e larguemo- Io: subitamente ocorrerá aí certo
movimento contrário, descrevendo um círculo, e, relaxando-se a corda, o vaso
continuará por mais tempo nesse movimento. A superfície da água [dentro do
vaso] será plana no começo, como antes do movimento do vaso, mas depois,
imprimindo-se aos poucos a força da água, esta começará sensivelmente a
mexer-se, afastando-se aos poucos do centro e subindo aos lados, de modo a
formar uma figura côncava (como eu mesmo experimentei); e, na medida em que
o movimento aumentar, a água subirá sempre mais, até que, por último,
igualando-se no tempo sua revolução com a do vaso, descansará relativamente
nele. Esta subida indica o esforço por afastar-se do eixo do movimento, e por esse
esforço se torna conhecido e se mede o verdadeiro e absoluto movimento circular
da água, aqui inteiramente contrário ao movimento relativo. No início, quando era
sumo o movimento relativo da água, não produzia nenhum esforço por se afastar
do eixo; a água não tendia à circunferência, subindo aos lados do vaso, mas
permanecia plana, e, por conseguinte, seu verdadeiro movimento circular ainda
não tinha começado. Depois, porém, que o movimento relativo da água diminuiu,
sua subida para os lados do vaso indicava o esforço por afastar-se do eixo, e esse
esforço mostrava seu verdadeiro movimento circular, continuamente crescendo
até atingir seu máximo quando a água passou a descansar relativamente no vaso.
Portanto, aquele esforço não depende da translação da água com relação aos
corpos ambientes; logo, o verdadeiro movimento circular não pode ser definido por

23
essas translações. Só há um verdadeiro movimento circular de qualquer corpo que
gira, correspondendo ao único esforço, como seu efeito próprio e adequado, ao
passo que os movimentos relativos, consoante as várias relações, com os corpos
9
externos, são inúmeros, e, como as relações, são completamente destituídos de
efeitos verdadeiros, a não ser enquanto participam daquele verdadeiro e único
movimento. Segue-se que no sistema daqueles conforme os quais nosso céu gira
abaixo do céu das estrelas fixas, carregando consigo os planetas, 10 estes e todas
as partes do céu, que relativamente descansam em seu céu próximo, na verdade
se movem. De fato, mudam suas posições mas em relação às outras (o que não
se dá com os corpos em repouso verdadeiro), e, carregados por seu céu,
participam de seu movimento, e, como partes dos todos que giram, esforçam-se
por afastar-se de seus eixos.

Logo, as quantidades relativas não são as próprias quantidades cujos


nomes ostentam, mas sim as medidas sensíveis delas (verdadeiras ou erradas),
usadas vulgarmente em lugar das qualidades em si. Se, portanto, se deve definir
pelo uso o sentido das palavras, pelos termos "tempo", "espaço", "lugar" e
"movimento" hão de entender-se propriamente essas medidas, e será inusitado e
puramente matemático subentenderem-se as quantidades medidas. Por
conseguinte, forçam a Sagrada Escritura os que interpretam essas palavras como
11
sendo das quantidades em si. Nem menos maculam a matemática e a filosofia
os que confundem as verdadeiras quantidades com suas relações e medidas
vulgares.

É dificílimo, porém, conhecer os verdadeiros movimentos de cada um dos


corpos, distinguindo-se efetivamente dos aparentes, dado que as partes do

9
As relações, segundo Aristóteles (seguido neste ponto por Newton), têm apenas um "ser para", variando
conforme os termos a que se destinam e sendo destituídas de efeitos verdadeiros, como se dirá logo após.
10
Sistema dos que admitem que o mundo é formado por esferas (ou céus), com as quais giram os planetas,
na esfera inferior, e as estrelas fixas, na superior.
11
Deixou-se na edição seguinte esta referência à Sagrada Escritura, para dizer-se que os que assim pensam
vão contra a exatidão da linguagem.

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espaço imóvel em que os corpos se movem de verdade não caem sob os
sentidos. A causa, entretanto, não está de todo perdida, porque há argumentos
que suprem esse defeito, em parte provindos dos movimentos aparentes, os quais
constituem diferenças dos movimentos verdadeiros, em parte oriundos das forças
que são causas e efeitos desses movimentos. Se, p.ex., dois globos, com
determinada distância entre si e ligados por um cordão, forem movimentados ao
redor do centro comum de gravidade, conhecer-se-á pela tensão do fio o esforço
dos globos por afastar-se do eixo do movimento, e, daí, poderemos calcular a
quantidade do movimento circular. Em seguida, se forem impressas ao mesmo
tempo em ambas as faces dos globos quaisquer forças iguais, a fim de aumentar
ou diminuir o movimento circular, poderemos inferir pela tensão aumentada ou
diminuída do cordão o aumento ou diminuição do movimento; e daí se poderiam
encontrar afinal as faces dos globos em que se devessem imprimir as forças para
que o movimento atingisse o máximo, i. e., as faces posteriores, ou aquelas que
vêm depois no movimento circular. Ora, conhecidas as faces que se seguem, e as
faces opostas, as que precedem, conhecer-se-ia a determinação do movimento.
Dessa maneira, poder-se-ia chegar tanto à quantidade quanto à determinação
deste movimento circular num vácuo imenso, onde não houvesse nada de externo
e sensível, com que os globos pudessem ser comparados. Mas se se
estabelecessem nesse espaço alguns corpos remotos que guardassem certa
posição entre si, como são as estrelas fixas nas nossas regiões, não se poderia,
de fato, saber pela translação relativa dos globos entre os corpos se o movimento
deveria ser atribuído a estes ou àqueles. Se, porém, se prestasse atenção ao fio e
se se verificasse que sua tensão é aquela que o movimento dos globos exige,
poderíamos concluir que o movimento é dos globos e chegar afinal, pela
translação dos globos entre os corpos, à determinação desse movimento. Mas
inferir os movimentos verdadeiros de suas causas, de seus efeitos e de suas
diferenças aparentes, ou, inversamente, deduzir dos movimentos, quer
verdadeiros quer aparentes, suas causas e efeitos, é o que se ensinará com mais
particularidades nas páginas seguintes. É para esse fim que compus este
trabalho.

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AXIOMAS OU LEIS DO MOVIMENTO

LEI I

TODO CORPO permanece em seu estado de repouso ou de movimento


uniforme em linha reta, a menos que seja obrigado a mudar seu estado por forças
impressas nele.

Os projéteis permanecem em seus movimentos enquanto não forem


retardados pela resistência do ar e impelidos para baixo pela força da gravidade.
Uma roda [de brinquedo], cujas partes, por sua coesão, desviam continuamente
dos movimentos retilíneos, não cessa de rodar senão enquanto é retardada pelo
ar. Mas os corpos maiores que são os planetas e os cometas conservam por mais
tempo seus movimentos, tanto os progressivos como os circulares, por causa da
menor resistência dos espaços.

LEI II

A mudança do movimento é proporcional à força motriz impressa, e se faz


segundo a linha reta pela qual se imprime essa força.

Se toda força produz algum movimento, uma força dupla produzirá um


movimento duplo e uma tripla um triplo, quer essa força se imprima conjuntamente
e de. uma vez só, quer seja impressa gradual e sucessivamente. E esse
movimento, por ser sempre orientado para a mesma direção que a força geratriz,
se o corpo se movia antes, ou se acrescenta a seu movimento, caso concorde
com ele, ou se subtrai dele, caso lhe seja contrário, ou, sendo oblíquo, ajunta-se-
lhe obliquamente, compondo-se com ele segundo a determinação de ambos.

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LEI III

A uma ação sempre se opõe uma reação igual, ou seja, as ações de dois
corpos um sobre o outro sempre são iguais e se dirigem a partes contrárias.

Tudo quanto impele ou atrai o outro, é do mesmo modo impelido ou atraído


por ele. Se alguém aperta com o dedo uma pedra, seu dedo será apertado pela
pedra. Se o cavalo puxa uma pedra amarrada numa corda, o cavalo também será,
igualmente, puxado pela pedra, pois a corda, esticada dos dois lados, tanto levará,
pelo esforço a relaxar-se, o cavalo para a pedra, como esta para o cavalo, e tanto
impedirá o progresso de um quanto promove o do outro. Se um corpo, batendo
num outro, mudar por sua força, de qualquer modo, o movimento dele também
mudará, sofrendo por sua vez, por força do outro, a mesma mudança em seu
movimento, num sentido oposto ao do outro (devido à igualdade da pressão
mútua). Por essas ações, tornam-se iguais não as mudanças de velocidades, mas
as dos movimentos (a saber, nos corpos não impedidos de outro modo). Com
efeito, porque os movimentos mudam igualmente, as mudanças das velocidades,
feitas da mesma forma em direções opostas, são reciprocamente proporcionais
aos corpos. Essa lei também ocorre em atrações, como será provado no próximo
Escólio.

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