Educação Infantil e Vulnerabilidade Social

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 13

EDUCAÇÃO INFANTIL E VULNERABILIDADE SOCIAL: INFÂNCIA POBRE E SEM

EDUCAÇÃO FORMAL
Walace Rodrigues1

[…] “a causa do atraso em que nós estamos, qual é a causa? A causa somos nós, os bonitos, os
educados, os ricos, que fizemos um país pra nós e contra o povão.”
Darcy Ribeiro
Resumo
Este escrito busca refletir sobre a oferta de educação infantil em áreas de alta vulnerabilidade social. Ele
se coloca como uma pesquisa teórico-exploratória de cunho bibliográfico. Julgamos que este assunto seja
relevante para pensar sobre a oferta e a qualidade da educação pública oferecida às populações mais
carentes do Brasil. Os resultados deste escrito mostram que a oferta de educação infantil é insuficiente em
áreas de alta vulnerabilidade social, perpetuando, assim, um quadro de desigualdade social que se reflete
na escola. Além disto, há um visível descaso das autoridades públicas em oferecer educação de qualidade
em creches e pré-escolas nas regiões mais necessitadas de serviços públicos.
Palavras-chave: Educação infantil; Vulnerabilidade social; Crianças; Educação formal.

INFANTILE EDUCATION AND SOCIAL VULNERABILITY: CHILDHOOD IN


POVERTY AND WITHOUT FORMAL EDUCATION

Abstract
This paper seeks to discuss the offer of early childhood education in areas of high social vulnerability. It
stands as a theoretical-exploratory research of a bibliographic nature. We believe that this issue is relevant
to think about the provision and quality of public education offered to the poorest populations in Brazil.
The results of this paper show that the provision of early childhood education is insufficient in areas of
high social vulnerability, thus perpetuating a picture of social inequality that is reflected in the school. In
addition, there is a visible disregard of public authorities in providing quality education in kindergartens
and pre-schools in the regions most in need of public services.
Keywords: Infantile education; Social vulnerability; Children; Formal education.

1
Doutor em Humanidades, pela Leiden University, LEIDEN, Holanda.
30

Revista Didática Sistêmica, ISSN 1809-3108 v.18, n.2, p.30-42, (2016)


EDUCACIÓN INFANTIL Y VULNERABILIDAD SOCIAL: INFANCIA POBRE Y SIN
EDUCACIÓN FORMAL
Resumen
Este escrito pensar sobre la provisión de educación de la primera infancia en las zonas de alta
vulnerabilidad social. Este escrito se coloca como una pesquisa teórico-exploratoria de carácter
bibliográfico. Creemos que este tema sea relevante para pensar acerca de la oferta y la calidad de la
educación pública ofrecida a las poblaciones más necesitadas en Brasil. Los resultados de este escrito
muestran que la provisión de la educación infantil es insuficiente en zonas de alta vulnerabilidad social,
perpetuando así una desigualdad social que se refleja en la escuela. Además, hay una indiferencia visible
de los poderes públicos en la prestación de una educación de calidad en las guarderías y preescolares en
las zonas más necesitadas de servicios públicos.
Palabras clave: Educación infantil; Vulnerabilidad social; Infantes; Educación formal.

INTRODUÇÃO
Este artigo busca pensar a situação da infância brasileira em estado de
vulnerabilidade social, principalmente no tocante à questão educacional. Ele se volta para a
importância da oferta ampla de educação infantil de qualidade, principalmente nas áreas mais
carentes das cidades.
Se a oferta na educação infantil já não contempla 100% das crianças que dela
necessita, imaginemos em áreas de alta vulnerabilidade social. Esse cenário desolador da
educação nacional nos fez pensar sobre o estado de execução destas crianças, sobre a falta de
oportunidades educacionais iguais e sobre a impossibilidade de desenvolvimento social em um
país que não investe pesadamente em educação de base e com qualidade.
Para além da desolação, vemos que uma educação de qualidade deve ser ofertada em
todos os níveis das redes públicas, porém acreditamos que a educação infantil deve ter muito
mais atenção do que têm hoje. É na educação infantil que as crianças criam seus primeiros laços
de amizade e sociabilidade, suas noções de respeito perante os outros e recebem seus primeiros
aprendizados escolares.
Neste sentido, este escrito reflete sobre a importância da oferta de vagas na educação
infantil. A ampla oferta de vagas deve vir acompanhada de qualidade educacional. Necessitamos
de professores bem preparados, escolas bem equipadas, equipes bem pagas, transporte escolar
para todos os estudantes, merenda farta e de boa qualidade nutricional e ótimo material didático

31

Revista Didática Sistêmica, ISSN 1809-3108 v.18, n.2, p.30-42, (2016)


específico para as crianças.
Vale ressaltar que este escrito se coloca como uma pesquisa teórico-exploratória de
textos e livros que se referem à educação infantil, à vulnerabilidade social e à vulnerabilidade
social ligada à educação escolar. Buscamos, portanto, discorrer sobre a oferta de educação
infantil em áreas de alta vulnerabilidade social e sua qualidade a partir da bibliografia pesquisada.

EDUCAÇÃO INFANTIL E VULNERABILIDADE SOCIAL


O período da educação infantil é compreendido como sendo de 0 a 3 anos e 11 meses
nas creches e de 4 anos de idade até 5 anos e 11 meses nas pré-escolas. Ele é de extrema
importância para a interação social da criança e para sua entrada e adaptação ao mundo escolar.
De acordo com as “Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil” (2010) a educação
infantil é:
Primeira etapa da educação básica, oferecida em creches e pré-escolas, às quais
se caracterizam como espaços institucionais não domésticos que constituem
estabelecimentos educacionais públicos ou privados que educam e cuidam de
crianças de 0 a 5 anos de idade no período diurno, em jornada integral ou
parcial, regulados e supervisionados por órgão competente do sistema de ensino
e submetidos a controle social. É dever do Estado garantir a oferta de Educação
Infantil pública, gratuita e de qualidade, sem requisito de seleção. (BRASIL,
2010, p. 12).

Acreditamos que uma educação infantil rica em experiências educacionais positivas


e profícuas pode ser um fator fundamental para o restante da vida escolar de uma criança.
Pensamos que uma experiência educacional prazerosa pode ser um motor propulsor positivo para
o restante da vida escolar de uma criança.
Vemos a educação infantil como uma fase educacional de extrema importância, pois
ela acontece no período dos primeiros contatos sociais das crianças com várias outras crianças,
além de ser um tempo de grandes e fundamentais aprendizagens escolares. As escritoras Cristiane
Rogerio e Jeanne Callegari, pesquisando sobre a educação infantil, nos dizem que:

A sociedade demorou a entender que infância é um período importante e as


crianças são diferentes em determinadas idades. Para ter uma ideia, faz somente
dez anos que o Ministério da Educação — com a promulgação da Lei de
Diretrizes e Bases — reconheceu a educação infantil como parte da educação

32

Revista Didática Sistêmica, ISSN 1809-3108 v.18, n.2, p.30-42, (2016)


básica de qualquer brasileiro. Isso reflete no que é oferecido às famílias, pois,
entre outras coisas, indica ser fundamental a especialização do educador.
Significa que educação infantil tem de ir muito além da “tia”, das recreações, do
Dia das Mães ou das canções de Natal. O seu filho precisa estar em um local
com profissionais especializados que promovam rotinas baseadas em propostas
pedagógicas muito bem fundamentadas. (ROGÉRIO; CALLEGARI, s/d).

Ainda, a educação infantil pode fazer com que as crianças desenvolvam a alegria de
ir à escola todos os dias. Nesse sentido, uma educação infantil de qualidade deve prezar pelo
fazer pedagógico adequado e estimulante à idade das crianças e pela emoção de estar na escola de
forma alegre, fazendo descobertas excitantes (sociais, pessoais, motoras, cognitivas, etc) a partir
de suas experiências na escola. De acordo com a passagem seguinte, a educação infantil é o
período do “como”:

O período se resume em estar com os outros. “Aprendem a ser e a conviver. É a


fase do ‘como’: como eu escovo os dentes, como eu lavo as mãos, como eu
seguro o lápis, como eu brinco, como eu corro, como eu pulo. Ou seja: ‘como
sou’, ‘como devo ser’ e ‘como faço para ser” (ROGÉRIO; CALLEGARI, s/d).

A educação infantil tem tido cada vez mais importância em nossas sociedades atuais
e sua expansão tem acontecido, porém ela ainda não abrange todas as crianças, conforme nos
informa o “Referencial curricular nacional para a educação infantil” (1998):

A expansão da educação infantil no Brasil e no mundo tem ocorrido de forma


crescente nas últimas décadas, acompanhando a intensificação da urbanização, a
participação da mulher no mercado de trabalho e as mudanças na organização e
estrutura das famílias. Por outro lado, a sociedade está mais consciente da
importância das experiências na primeira infância, o que motiva demandas por
uma educação institucional para crianças de zero a seis anos. (BRASIL, 1998, p.
11).

Ainda há uma grande dificuldade por parte dos adultos em encarar as crianças de até
6 anos como sujeitos históricos e de direitos. Assim, a educação infantil se coloca como um
período de cuidados e educação dos pequenos brasileiros, mas também com todo respeito a seus
interesses de aprendizagem. De acordo com o Ministério da Educação e Cultura:

33

Revista Didática Sistêmica, ISSN 1809-3108 v.18, n.2, p.30-42, (2016)


A partir da Constituição Federal de 1988, do Estatuto da Criança e do
Adolescente, 1990, e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB/1996, [...]
temos o desafio de articular, no espaço das creches, pré-escolas e escolas em que
funcionam salas de Educação Infantil, em parceria com as famílias, as
dimensões do cuidado e educação da criança pequena, contribuindo para o
desenvolvimento pleno e integral das crianças de 0 a 6 anos. Entendemos ser
essa articulação um caminho institucional para considerar a criança como
“sujeito de direitos”, aquela que pode usufruir dos bens e serviços que são
essenciais para o seu crescimento e a sua inserção na sociedade e no meio em
que vive. (BRASIL, 2006, p.13).

Infelizmente, verificamos que a educação infantil não tem tido, por parte das
autoridades e até mesmo de alguns educadores, a atenção devida. Ela deveria ser a fase
educacional mais bem cuidada, a que deveria ter mais investimentos e mais capacitação de
pessoal, pois ela se coloca como uma fase especial e inicial de atenção ao cuidar e aos educar.
Conforme o RCNEI:

O fato de muitas instituições atenderem em horário integral implica uma maior


responsabilidade quanto ao desenvolvimento e aprendizagens infantis, assim
como com a oferta de cuidados adequados em termos de saúde e higiene. Estes
horários estendidos devem significar sempre maiores oportunidades de
aprendizagem para as crianças e não apenas a oferta de atividades para passar o
tempo ou muito menos longos períodos de espera. (BRASIL, 1998, p. 66).

Também, uma criança que não frequenta uma escola de educação infantil de boa
qualidade terá menos oportunidades de aprender e de competir em nossa sociedade sempre
voltada aos resultados. E os pais que não podem trabalhar, por não terem uma escola onde
matricularem suas crianças, têm as chances de empregabilidade diminuídas, senão anuladas.
Isso nos leva ao outro conceito deste artigo, que é a vulnerabilidade social, aqui
entendida pela via do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, através de sua
publicação intitulada “Atlas da Vulnerabilidade Social nos Municípios Brasileiros”:

De forma complementar ao que o IDHM retrata, o IVS dá destaque a um amplo


conjunto de indicadores de situações que traduzem e refletem condições menos
favoráveis de inserção social, refletindo a trajetória social das pessoas, de suas
famílias e de seu meio social, seja em termos do capital humano, seja em termos
de sua inserção no mundo do trabalho e da produção, ou em termos de suas
condições de moradia e da infraestrutura urbana. A análise integrada do
34

Revista Didática Sistêmica, ISSN 1809-3108 v.18, n.2, p.30-42, (2016)


desenvolvimento humano com a vulnerabilidade social oferece o que se
denomina aqui de prosperidade social. A prosperidade social é a ocorrência
simultânea do alto desenvolvimento humano com a baixa vulnerabilidade
social, sugerindo que, nas porções do território onde ela se verifica, ocorre uma
trajetória de desenvolvimento humano menos vulnerável e socialmente mais
próspera (BRASIL, 2015, p. 74).

Ainda sobre conceituação de vulnerabilidade social:

As noções de “exclusão” e de “vulnerabilidade social” têm sido cada vez mais


utilizadas, no Brasil e no mundo, por pesquisadores, gestores e operadores de
políticas sociais, num esforço de ampliação do entendimento das situações
tradicionalmente definidas como de pobreza, buscando exprimir uma
perspectiva ampliada complementar àquela atrelada à questão da insuficiência
de renda. Assim como as noções de “necessidades básicas insatisfeitas”,
“pobreza multidimensional” e “desenvolvimento humano”, exclusão e
vulnerabilidade social são noções antes de tudo políticas (ainda que nem sempre
sejam percebidas como tal), que introduzem novos recursos interpretativos sobre
os processos de desenvolvimento social, para além de sua dimensão monetária
(BRASIL, 2015, p. 12).

A professora Edda Bomtempo e a terapeuta Mírian Ribeiro Conceição (2014) nos


confirmam a situação preocupante de vulnerabilidade social em nosso país, o que afeta
diretamente as crianças:

No panorama nacional encontramos grande parcela da população em extrema


desigualdade social. Nestas condições, a família como instituição de proteção à
criança encontra cada vez mais dificuldade no desempenho deste cuidado.
Situações de miséria e empobrecimento configuram famílias e contextos que
propiciam rupturas e vulnerabilidade de vínculos e afetos. Famílias
desestruturadas, com princípios contraditórios, que se encontram em condições
socioeconômicas degradantes, proporcionando cuidados precários básicos à
infância criam fatores de risco ao desenvolvimento saudável do infante
(BOMTEMPO; CONCEIÇÃO, 2014, p. 495).

Sandra Eni Fernandes Nunes Pereira (2015), doutora em Psicologia pela UnB, nos dá
uma visão bastante global das situações de vulnerabilidade social onde crianças e adolescentes
brasileiros estão inseridos:

As crianças e adolescentes que se encontram em situação de vulnerabilidade

35

Revista Didática Sistêmica, ISSN 1809-3108 v.18, n.2, p.30-42, (2016)


social são aquelas que vivem negativamente as consequências das desigualdades
sociais; da pobreza e da exclusão social; da falta de vínculos afetivos na família
e nos demais espaços de socialização; da passagem abrupta da infância à vida
adulta; da falta de acesso à educação, trabalho, saúde, lazer, alimentação e
cultura; da falta de recursos materiais mínimos para sobrevivência; da inserção
precoce no mundo do trabalho; da falta de perspectivas de entrada no mercado
formal de trabalho; da entrada em trabalhos desqualificados; da exploração do
trabalho infantil; da falta de perspectivas profissionais e projetos para o futuro;
do alto índice de reprovação e/ou evasão escolar; da oferta de integração ao
consumo de drogas e de bens, ao uso de armas, ao tráfico de drogas. (PEREIRA,
2015, p. 1-2).

No documento intitulado “Educação em territórios de alta vulnerabilidade social na


metrópole”, do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária -
Cenpec, que analisa a educação em áreas de São Paulo, podemos verificar o descaso do Estado
em relação à educação infantil para os mais carentes:

Os territórios de alta vulnerabilidade social são os que têm a menor cobertura de


creches e pré-escolas. É nesses territórios que se concentram as famílias com
menores recursos culturais e que são, por esse motivo, mais distantes da cultura
letrada e do universo escolar. Desse modo, o deficit de oferta de educação
infantil aprofunda o afastamento inicial que já existiria entre esses alunos e o
universo escolar, acentuando assim, as desigualdades. (CENPEC, 2011, p.7).

Neste sentido, vemos que as necessidades básicas para que as crianças tenham uma
vida digna, saudável e igualitária são negligenciadas pelos mais diversos agentes públicos. Ainda,
as políticas públicas para a infância são poucas e restritas às áreas mais urbanizadas e com baixa
vulnerabilidade social.
De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira - INEP, em todo o Brasil, nas redes estaduais e municipais, o total de crianças
matriculadas em creches em 2016 foi de 2.068.682 e o número de crianças na pré-escola foi de
3.772.990. Através destes números podemos notar que há uma grande quantidade de crianças que
não têm acesso às creches. Isso sabendo que a pré-escola ainda hoje não atinge 100% das
crianças de 4 e 5 anos de idade.
Nas próprias instituições que oferecem creche e pré-escola há, infelizmente, uma
visão de que os professores e cuidadores que devem atuar nestes níveis educacionais não

36

Revista Didática Sistêmica, ISSN 1809-3108 v.18, n.2, p.30-42, (2016)


precisam ser os melhores da escola. Todos que trabalhamos com educação pública do ensino
básico sabemos disto. A professora Márcia Teixeira Sebastiani (2009) nos confirma esta
informação quando nos fala da formação dos professores que atuam nas creches, além de nos
informar sobre a desigualdade da oferta de vagas:

Sobre a qualificação dos profissionais que trabalham em creches e pré-escolas,


ainda permanece a desigualdade: quem atua em creches tem menor qualificação.
Também permanece desigual a possibilidade de oferta de vagas de acordo com a
renda familiar: das 20% mais pobres, apenas 28,9% frequentam uma creche e/ou
pré-escola e das 20% mais ricas, mais da metade está matriculada em uma
instituição de educação infantil. Assim mesmo, o setor público atende 76% das
matrículas nesse ciclo, enquanto a área privada responde por apenas 24%.
(SEBASTIANI, 2009, p.56).

Neste caminho de desigualdades educacionais entre ricos e pobres na educação


infantil, pensamos naquelas crianças em situação de vulnerabilidade social. Estas últimas nem
vaga na educação infantil pública conseguem ter. Sandra Eni Fernandes Nunes Pereira (2015) nos
informa sobre as negativas consequências sociais e pessoais de termos crianças e adolescentes em
situação de vulnerabilidade social:

As relações em contexto de vulnerabilidade social geram crianças, adolescentes


e famílias passivas e dependentes, com a autoestima consideravelmente
comprometida. Estes jovens e suas famílias introjetam como atributos negativos
pessoais as falhas próprias de sua condição histórico-social. De forma circular e
quase inevitável, este ciclo se instala reforçando-se a condição de miséria, não só
no nível material, como no nível afetivo. As pessoas, desde muito jovens,
percebem-se como inferiores, incapazes, desvalorizadas, sem o reconhecimento
social mínimo que as faça crer em seu próprio potencial como ser
humano.(PEREIRA, 2015, p. 2).

Também, o perigo de que a escola reproduza, em seu ambiente interno, os


mecanismos de desigualdades sociais da área onde está situada deve ser combatido. Daí a
necessidade de investimentos pesados em educação infantil em áreas de alta vulnerabilidade
social (além de investimentos em saneamento básico, em saúde, em vacinação, etc). Além disto,
os professores que atuam nessa fase educacional tão importante para a formação integral da
criança devem ser os mais bem preparados, bem pagos e os que tenham acesso ao bens culturais e
artísticos de sua sociedade.
37

Revista Didática Sistêmica, ISSN 1809-3108 v.18, n.2, p.30-42, (2016)


O professor José Carlos Libâneo vê claramente a questão econômico-política
influenciando a oferta de educação pública de qualidade em nosso país, conforme ele nos mostra
na passagem a seguir: É ilusório, portanto, crer que a ideia de educação como fator central do
novo paradigma produtivo e do desenvolvimento econômico tenha um sentido democratizante.
Tal discurso restringe-se à parcela dos incluídos (2011, p. 21).
Ainda, é visível na história do Brasil o rastro de desigualdades sociais e de
oportunidades. E a falta de oferta de vagas na educação infantil é o começo deste iceberg de
precarização do ensino público para os mais pobres. Estes últimos recebem a educação de pouca
qualidade que lhes é oferecida e tentam lutar a partir dela, mas poucos são aqueles que
conseguem chegar ao ensino superior público nos cursos de graduação mais disputados.
Infelizmente, no contexto atual brasileiro de liberalização econômica, a educação
pública passa por um processo de sucateamento (em todos os níveis) para possível privatização.
O professor Walace Rodrigues nos diz que: “Não podemos nos esquecer que essa “privatização”
da educação segue uma linha neoliberal (mais fortemente a partir da década de 1990, no Brasil) e
que valoriza a propriedade (o direito de possuir, de comprar, de vender, etc) e reafirma exclusões
sociais de classe.” (2016, p. 224).
Neste sentido, a educação infantil pública aparece, para os governantes, como algo
supérfluo e dispendioso do dinheiro público. A oferta de educação infantil pública de boa
qualidade não dá visibilidade política, como a construção de uma ponte, a pavimentação de uma
estrada, etc. No entanto, esses governantes se esquecem que quanto mais bem escolarizada for
uma população, mais riqueza ela gerará, impulsionando o país ao pleno desenvolvimento social e
econômico.
Ainda, há um medo das classes dominantes brasileiras em relação a educar os mais
pobres. Como nos diz Paulo Freire (1997, p.46), “A assunção de nós mesmos não significa a
exclusão do outro.” No entanto, as classes dominantes sabem o poder que uma população
instruída tem. E quanto mais estudada for a população, mais ela questionará os desmandos
cometidos por nossos governantes.
Continuando com Paulo Freire, quando ele nos pergunta: “Como cobrar das crianças
um mínimo de respeito às carteiras escolares, às mesas, às paredes se o Pode Público revela
absoluta desconsideração à coisa pública?” (1997, p. 50). Essa é a questão que vai ao âmago da
38

Revista Didática Sistêmica, ISSN 1809-3108 v.18, n.2, p.30-42, (2016)


falta de oferta de educação infantil ou a precariedade das escolas de educação infantil em áreas de
alta vulnerabilidade social.
É notória a necessidade de educação básica pública de melhor qualidade em nosso
país, pois a educação institucional é um dos poucos caminhos para que os excluídos consigam
sair de situações de vulnerabilidade. Pois a escola é uma instituição necessária à humanização e à
melhoria de vida das pessoas. Conforme nos mostra o professor José Carlos Libâneo, […] “por
mais que a escola básica seja afetada nas suas funções, na sua estrutura organizacional, nos seus
conteúdos e métodos, ela mantém-se como instituição necessária à democratização da
sociedade.” (2011, p. 9).
A falta de oferta em educação (principalmente na educação infantil e séries iniciais
do ensino fundamental) e as várias outras dificuldades para se ter acesso às escolas somente
fazem com que o número de analfabetos não baixe significativamente no Brasil, perpetuando
nosso atraso. A Rádio Vaticano nos informa que:

No Brasil, de acordo com a ONU, o analfabeto é, na sua maioria, nordestino,


negro, com baixa renda e com faixa de idade entre 40 e 45 anos. Nos últimos 14
anos, a taxa de analfabetismo caiu 4,3%. Todavia, os dados mais recentes do
IBGE revelam que 8,3% da população com mais de 15 anos é analfabeta. Este
percentual representa aproximadamente 13,2 milhões de brasileiros. Em zonas
rurais, os dados do programa chamado “Educação para Todos”, da UNESCO,
revelou que este índice chega a 25%. (RÁDIO VATICANO, 2016, s/p).

Podemos verificar que o descaso com a educação da população começa na educação


infantil e segue por todo o período estudantil dos cidadãos. Parece haver uma visão de que o
pobre tem que ser “esforçado” para poder “chegar lá” nos estudos, no entanto, nossos
governantes não querem oportunizar e facilitar os caminhos que levam a uma educação de
qualidade e a uma melhora de vida para as classes mais pobres e excluídas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este texto buscou compreender como as crianças que vivem em áreas de alta
vulnerabilidade social são as que mais necessitam de vagas nas instituições de educação infantil.
No entanto, estas são negligenciadas pelos administradores públicos.
Ainda, educar e cuidar continua sendo o lema da educação infantil, mas quando não
39

Revista Didática Sistêmica, ISSN 1809-3108 v.18, n.2, p.30-42, (2016)


há oferta de educação infantil em berçários, creches e pré-escolas? Como se pode cuidar e educar
dignamente destas crianças?
A crueldade em não oferecer educação infantil às crianças mais necessitadas pode ser
considerada crime. Crime político e social praticado diariamente nas mais diversas cidades
brasileiras, sejam elas grandes capitais ou vilarejos afastados do interior.
Ainda, verificamos que o Estado brasileiro é negligente quanto ao bem-estar social e
educacional das crianças. Faltam políticas públicas de grande abrangência voltadas para a
infância. Somente as campanhas de vacinação parecem ser uma política pública eficaz e
largamente abrangente.
Também, a sociedade brasileira deve ser constantemente questionada sobre sua
incapacidade de inserir as crianças de forma ampla na vida escolar. Não somente os poderes
públicos têm tarefas a cumprir, mas todos os cidadãos devemos e podemos ajudar a partir da
tomada de consciência de nossa forma simbólica de ser na sociedade. Devemos parar de pensar
somente em ter e pensar mais em respeitar os outros, independente de sua condição social e
financeira. Há, na sociedade brasileira, uma imensa necessidade de educação ética. Daí
deixarmos que as crianças não tenham nem acesso à educação infantil.
Se as áreas de alta vulnerabilidade social, que são lugares muito ásperos de
produções de vidas, já nos mostram o esfacelamento cotidiano de vínculos de afetos para os
adultos, imaginemos o que estas situações não causam a uma criança. Daí a importância e a
necessidade de haver uma instituição escolar digna onde ela possa brincar, aprender, alimentar,
enfim, ser respeitada enquanto cidadão de direitos.
Finalizando, notamos que as creches e as pré-escolas públicas são insuficientes para
quem mais precisa delas. Nega-se às crianças, já no começo de sua vida escolar, em áreas de
vulnerabilidades, o direito a educação escolar. Que futuro podemos esperar de um país que não
prioriza educação para os mais necessitados?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOMTEMPO, Edda; CONCEIÇÃO, Mírian Ribeiro. Infância e contextos de vulnerabilidade
social – A atividade lúdica como recurso de intervenção nos cuidados em saúde. IN: Boletim -
Academia Paulista de Psicologia. São Paulo . Vol. 34, n. 87, pág. 490-509, dez. 2014 .
40

Revista Didática Sistêmica, ISSN 1809-3108 v.18, n.2, p.30-42, (2016)


Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-
711X2014000200012&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 01/04/2017.

BRASIL. Atlas da Vulnerabilidade Social nos Municípios Brasileiros. COSTA, Marco


Aurélio; MARGUTI, Bárbara Oliveira (editores).Secretaria de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA. Brasília: IPEA,
2015.

BRASIL. Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil. Ministério da Educação.


Secretaria de Educação Básica. Secretaria de Educação Básica. – Brasília: MEC, SEB, 2010.

BRASIL. Proinfantil. Livro de estudo: Módulo III. – Secretaria de Educação Básica. Secretaria
de Educação a Distância. LOPES,Karina Rizek; MENDES, Roseana Pereira;FARIA, Vitória
Líbia Barreto de (organizadoras). Brasilia: MEC, 2006

BRASIL. Referencial curricular nacional para a educação infantil. Volume 1. Ministério da


Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. — Brasília: MEC/SEF, 1998.

CENPEC. Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária. Educação


em territórios de alta vulnerabilidade social na metrópole. Síntese das conclusões. São Paulo,
pág. 1-33, 2011.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. Coleção


Leitura. 5a edição. São Paulo: Paz e Terra,1997.

INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Resultados


finais do censo escolar (redes estaduais e municipais) Anexo I. 2016. .Disponível em: <
http://portal.inep.gov.br/web/guest/resultados-e-resumos >. Acesso em 28/03/2017.

LIBÂNEO, José Carlos. Adeus professor, adeus professora? Novas exigências educacionais e
41

Revista Didática Sistêmica, ISSN 1809-3108 v.18, n.2, p.30-42, (2016)


profissão docente. 13a edição. São Paulo: Cortez, 2011.

PEREIRA, Sandra Eni Fernandez Nunes. Crianças e adolescentes em contexto de


vulnerabilidade social: Articulação de redes em situação de abandono ou afastamento do
convívio familiar. Disponível em:
<http://www.aconchegodf.org.br/biblioteca/artigos/artigo01.pdf >. Acesso em 28/03/2017.

RADIO VATICANO. Brasil ainda tem 13 milhões de analfabetos. De 08/09/2016. Disponível


em:
<http://br.radiovaticana.va/news/2016/09/08/dia_mundial_da_alfabetiza%C3%A7%C3%A3o_an
alfabetismo_no_brasil_10/1256376>. Acesso em 28/03/2017.

RODRIGUES, Walace. Reflexões sobre o III Fórum de Licenciaturas da UFT: o currículo


como campo de batalhas ideológicas. IN: Revista Entreletras. Araguaína/TO, v. 7, n. 2, ISSN
2179-3948 – online, p. 221-231, jul./dez. 2016, Disponível em: <
https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/entreletras/article/view/2996 >. Acesso em
28/03/2017.

ROGERIO, Crisitane; CALLEGARI, Jeanne. A importância da educação infantil. IN: Revista


Crescer. Online. Sem data. Disponível em:
<http://revistacrescer.globo.com/Revista/Crescer/0,,EMI1843-15068,00.html >. Acesso em:
31/03/2017.

SEBASTIANI, Márcia Teixeira. Fundamentos teóricos e metodológicos da educação infantil.


Curitiba: IESDE Brasil, 2009.

42

Revista Didática Sistêmica, ISSN 1809-3108 v.18, n.2, p.30-42, (2016)

Você também pode gostar