Cristianismo - Aula 4.

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CRISTIANISMO

AULA 4

Prof. Ivan Santos Rüppell Júnior


CONVERSA INICIAL

A Revolução Francesa e os movimentos republicanos dos séculos 19 e


20 no continente europeu transformaram a situação política do Ocidente,
propagando novos valores culturais que obrigaram o cristianismo a dialogar com
uma nova realidade existencial da humanidade: a modernidade. Hoje, ele se
depara com a pós-modernidade, um movimento que tanto desafia quanto traz
oportunidades para a atuação das religiões.

TEMA 1 – A REPÚBLICA E A ASCENSÃO DA BURGUESIA

A proclamação da república francesa no dia 21 de setembro de 1792


determinou o fim do sistema de governo absolutista e monárquico naquele país,
tornando-se um fato histórico que impulsionou o surgimento de diversos
governos republicanos na Europa durante os séculos 19 e 20. A Revolução
Francesa só ocorreu porque houve um confronto entre a classe social dominante
(aristocracia) e outra, ascendente desde os fins da Idade Média (burguesia).
A aristocracia era formada pelo clero e pela nobreza, que tinha
supremacia sobre o Estado e submetia o resto da população composta de
burgueses e camponeses. A Monarquia era o poder central dos territórios
europeus e fazia crescer o comércio por meio das rotas marítimas, o que
propiciou o fortalecimento da burguesia na sociedade europeia. Nesse contexto,
os movimentos modernos que transformaram o sistema de Estado absolutista
monárquico em um Estado liberal progressista, e que foram implementados sob
a liderança da classe burguesa a partir de valores iluministas, foram intitulados
de revoluções burguesas.
A situação social e econômica da época estava agravada pelos altos
impostos que a Monarquia cobrava dos camponeses, o que também impedia o
avanço do comércio burguês. Nesse contexto, um momento histórico marcante
foi a convocação, pelo Rei Luiz XVI, da Assembleia dos Estados Gerais 1.
Segundo González (2011, p. 395), a assembleia foi organizada a partir de 4 de
maio de 1789, em um formato que fortalecia a representatividade da burguesia,
da qual o Rei aguardava apoio para arrecadar impostos também do clero e da
nobreza.

1
Estados Gerais: espécie de parlamento constituído pelas três ordens sociais superiores da
sociedade francesa: o clero, a nobreza e a burguesia.
2
Porém, surgiram dificuldades nas negociações, até que alguns membros
da Igreja se uniram aos burgueses a fim de declarar que a reunião seria uma
assembleia nacional com poderes de redigir uma nova Constituição para a
França. O rei concordou inicialmente com a ideia, no entanto o documento
votado pelos participantes não foi aceito pela Monarquia, pois fortalecia os
direitos do homem e do cidadão, o que deu início a conflitos que ocasionaram a
prisão da família real em Paris, ato fundamental da Revolução Francesa que deu
fim à Monarquia para estabelecer a República em território francês.
Foi um período em que a Igreja cristã vivenciou situações distintas: na
França, a Igreja Católica sofria oposição dos iluministas, que afirmavam que o
cristianismo se tornara um sistema de doutrinas ultrapassado e símbolo do
antigo sistema social. Enquanto isso, tanto na Inglaterra anglicana quanto na
Alemanha luterana os pensamentos iluministas não foram tão radicais, até pelo
fato de essas duas nações terem vivenciado valores do movimento cristão do
pietismo, que enfatizava as vivências experienciais e íntimas da fé. Tal fator
diminuiu a influência do racionalismo e das críticas iluministas que eram feitas à
religião (McGrath, 2005, p. 128).
Destacamos o modo pelo qual os valores do Iluminismo e as condições
econômicas da burguesia foram essenciais na Revolução Francesa, vindo a
influenciar os fatores estruturais e políticos das novas organizações liberais que
se desenvolveram na Europa e na América nos séculos 19 e 20. Estas se
tornaram sistemas preponderantes na sociedade tanto por meio do regime
capitalista quanto pelo estilo de governo democrático.
Um fato histórico digno de nota e que relaciona o novo contexto político
europeu e a religião foi a maneira como o cristianismo britânico influenciou o
parlamento inglês para votar a abolição do comércio de escravos no início do
século 19 (1807), por meio da atuação do político anglicano William Wilberforce.
O congressista foi aconselhado em sua empreitada pelo famoso pregador John
Newton, autor do hino Amazing Grace – que fora um comerciante de escravos
anteriormente – por meio das seguintes palavras: “Deus precisa de pessoas
como você no Parlamento. Talvez possamos abolir a escravatura” (Curtis; Lang;
Petersen, 2003, p. 162).

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TEMA 2 – O POSITIVISMO E O SÉCULO 19

As transformações sociais oriundas do Iluminismo e da Revolução


Industrial haviam alcançado a Inglaterra desde o século 18 até chegar com força
à Europa no século 19, o que fez os intelectuais voltarem a atenção para as
relações sociais utilizando o mesmo método da razão iluminista: observar a
realidade em busca de fatos que fossem possíveis de receber uma análise
científica. Nesse contexto, o francês Auguste Comte (1798-1857) foi o precursor
dos estudos da sociedade, a Sociologia, vindo a desenvolver os argumentos da
chamada filosofia positivista (que significa “certo”, “seguro”, “definitivo”), pois só
considerava válidos os conhecimentos adquiridos mediante questionamentos
científicos (Simoni, 2015, p. 18).
Observe que o pensamento social de Auguste Comte se organizou sob o
contexto científico-filosófico de sua época, pois enquanto a Revolução Francesa
e a industrialização lhe forneciam um novo sistema social de análise, a
compreensão científica alicerçada em uma reflexão racional coerente e
relacionada aos dados observados se tornou a base das ciências humanas, que
viriam estudar os fenômenos das relações sociais. O propósito do pensador
francês era de que a nova “ciência da sociedade” pudesse identificar as leis
próprias da vivência comunitária dos homens.
Nesse tempo, a Igreja na Europa se debatia tanto com a realidade dos
novos Estados organizados, que eram críticos da religião, quanto buscava
oferecer respostas teológicas aos avanços racionais do século 19. Foi um
período em que os teólogos desenvolveram doutrinas mais científicas para o
cristianismo, ao passo que o povo cristão procurava experiências mais simples
de fé para vivenciar por meio de uma religiosidade pessoal.
Em meio às mazelas sociais do crescimento populacional urbano e da
industrialização, as Igrejas tanto se distanciaram dos pobres, como ocorreu em
regiões da Alemanha protestante, quanto também se aproximaram das camadas
mais populares, por meio da organização de ordens e missões como o Exército
da Salvação (Grã-Bretanha), as Irmãs de Caridade e a Sociedade São Vicente
de Paulo (França) e a Missão Interior de Johann Wichern (Alemanha) (Chadwick;
Evans, 2007, p. 143).
Conforme assinala Shelley (2004, p. 345), a chamada Idade da Razão
tentava negar as evidências de uma fé sobrenatural ao homem, o que também

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oportunizou que um grande número de protestantes buscasse responder às
críticas não com argumentos, mas procurando experiências mais fortes de fé: “A
fé era mais uma experiência do que um dogma. Esse cristianismo evangélico
espalhou-se rapidamente pelo poder da pregação. Muitos cristãos, então,
perceberam que o apoio do Estado não era mais essencial à sobrevivência do
cristianismo”.
O fato é que o século 19 pode ser entendido como transição para a religião
cristã, posto que as mudanças tecnológicas e políticas, científicas e econômicas
e suas consequentes transformações sociais acabaram gerando para a Igreja
uma realidade religiosa e institucional que requeria uma constante adequação
às novas situações estabelecidas nesse período da história da humanidade.
Uma das respostas do cristianismo a esse embate e debate diante do
cientificismo secular surgiu a partir de dois movimentos que podem ser
considerados preponderantes no desenvolvimento dessa religião no século 21,
conforme veremos no próximo tema.

TEMA 3 – O PENTECOSTALISMO E O CRESCIMENTO DAS IGREJAS


EVANGÉLICAS. O MOVIMENTO ECUMÊNICO CRISTÃO DO SÉCULO 20

3.1 O movimento pentecostal evangélico do século 20

Para iniciar nossa reflexão sobre o movimento pentecostal, trazemos os


comentários de McGrath (2005, p. 161):

No século XX, um dos acontecimentos mais importantes para o


cristianismo foi o surgimento de grupos carismáticos e pentecostais, os
quais afirmam que o cristianismo moderno pode redescobrir e tomar
posse do poder do Espírito Santo, descrito no Novo Testamento, em
especial no livro dos Atos dos Apóstolos.

O cristianismo norte-americano buscava experiências de aprofundamento


espiritual na prática de sua fé desde os avivamentos dos séculos 18 e 19, em
uma situação religiosa que foi transformada pela ocorrência do fato histórico
reconhecido como sendo a origem do pentecostalismo: em 1901, o líder religioso
Charles Parham destacou os elementos doutrinários que se tornariam as
práticas espirituais dos pentecostais, como o “dom de línguas” e o “batismo do
Espírito Santo”. Essas ideias “foram desenvolvidas e consolidadas por Joseph
William Seymour” (1870-1922), um pastor negro que esteve à frente de um

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grande avivamento carismático, surgido na Azuza Street Mission, localizada no
centro de Los Angeles, durante o período de 1906-1908 (McGrath, 2005, p. 162).
Outro marco significativo para o desenvolvimento do pentecostalismo foi
o movimento evangelical, de origem europeia e que, após passar pelos Estados
Unidos, chegou ao Brasil no século 20. O objetivo era unificar as muitas
denominações protestantes ao redor de alguns princípios doutrinários básicos
do cristianismo, com vistas a fortalecer atividades comuns e se contrapor à
expansão católica. Isso gerou a organização de um grande projeto missionário
unificado, que foi desenvolvido até o início da Primeira Guerra Mundial. Nas
palavras desse mesmo autor, “a autoidentificação de ‘evangélico’ era individual
e significava o compromisso da pessoa com aquele conjunto de princípios
doutrinários; antes de pertencer a esta ou aquela denominação, o indivíduo era
evangélico”.
Esses dois fatos históricos nortearam o grande desenvolvimento do
movimento pentecostal e o surgimento das igrejas evangélicas durante o século
20. No Brasil, todos os cristãos que não professavam a fé católica começaram a
se identificar como “evangélicos”, e o mesmo ocorreu com aquelas
denominações que também acabavam assumindo esse título em nosso país e
por todo o mundo.
Portanto, a razão para que todas as igrejas cristãs oriundas do
pentecostalismo viessem a ser chamadas evangélicas se origina desse
movimento histórico de distinção ao catolicismo e de aceitação dos princípios
doutrinários oriundos do fundamentalismo cristão do final do século 19 e início
do século 20, que era contrário ao liberalismo protestante, pois este valorizava
mais as concepções racionais da fé.
O pesquisador religioso C. Peter Wagner (citado por McGrath, 2005, p.
161) desenvolveu um estudo acerca dos movimentos carismáticos e
pentecostais originados e desenvolvidos no cristianismo durante o século 20. Ele
destacou

três ondas dentro do movimento. A primeira delas foi o pentecostalismo


clássico, que surgiu no início da década de 1900 [...] a segunda onda
ocorreu nas décadas de 1960 e 1970 e esteve ligada às denominações
de maior influência, inclusive ao catolicismo romano [...] a terceira onda
[...] põe seu foco na questão dos sinais e prodígios.

Já no século 21, anotamos que o IBGE apontou a existência de quase 42


milhões de praticantes evangélicos no Brasil em 2010. Portanto, qualquer

6
política pública e educacional brasileira precisa estar atualizada sobre o
desenvolvimento da religião do cristianismo em nosso país, segundo as
realidades dessa vertente protestante.

3.2 O movimento ecumênico 2 cristão do século 20

Desde o grande cisma histórico do cristianismo que separou a Igreja


ocidental romana da Igreja oriental ortodoxa em 1054, passando pela divisão da
Igreja ocidental – que redundou na Reforma Protestante em 1517 –, até as
disputas doutrinárias que ocasionaram o surgimento de incontáveis
denominações e grupos cristãos no decorrer do século XX, um dos fatos que se
tornaram marcantes foram as divisões da religião. Algumas delas foram
significativas nos séculos 19 e 20 assim que missionários cristãos começaram a
atuar nas nações asiáticas e africanas. A falta de unidade da religião como um
todo, tanto na mensagem quanto nos projetos desenvolvidos, ressaltava as
divisões “internas” da Igreja (Chadwick; Evans, 2007, p. 222).
A partir disso, lideranças organizaram a conferência missionária
protestante internacional de Edimburgo (1910), que projetou reuniões para os
anos seguintes, como o Movimento de Vida e Trabalho, de 1925, em Estocolmo,
para debater a relação do cristianismo com a sociedade, e o Movimento de Fé e
Ordem, de 1927, com o objetivo de definir elementos de unidade entre as igrejas
cristãs (Curtis; Lang; Petersen, 2003, p. 221). Esses esforços ecumênicos
redundaram na criação do Conselho Mundial das Igrejas (CMI), em 1948, com
sede em Genebra (Suíça). Essa organização, conforme comentam Chadwick e
Evans (2007, p. 222-223), “preocupou-se não apenas com promover a
compreensão teológica, mas também com questões sociais e políticas: paz e
controle de armamentos, racismo [...], liberdade religiosa e ajuda aos refugiados
e aos oprimidos pela injustiça”.
A continuidade desse processo avançou após a Igreja Católica Romana
tomar decisões ecumênicas no Concílio Vaticano II, em 1962, com
consequências nos anos seguintes. Em 1964, o Papa Paulo VI liderou
proposições em favor da unidade cristã para toda a Igreja, unido ao Patriarca
Atenágoras de Constantinopla (Igreja Ortodoxa), e ambos definiram o fim dos

2
Ecumenismo é a busca de unidade entre todas as igrejas cristãs, em um processo de
entendimento que reconhece e respeita a diversidade entre elas.
7
atos de excomunhão dados no século 16. Ainda houve uma aproximação às
igrejas históricas protestantes, com líderes católicos vindo a participar da
Assembleia do Conselho das Igrejas, em 1983 (Greco, 2008, p. 157).
A partir dos movimentos dados após a Segunda Guerra Mundial e de
inúmeras conferências realizadas nas últimas décadas do século XX, o
movimento ecumênico cristão teve bom crescimento, alcançando a participação
de diversas denominações e lideranças religiosas. Essa é uma realidade que
podemos visualizar neste início de século XXI, marcado por atos recíprocos de
respeito e consideração entre as diferentes vertentes cristãs, ao mesmo tempo
que o diálogo inter-religioso e associações sociais conjuntas permanecem
ocorrendo com o passar dos anos.

TEMA 4 – O CRISTIANISMO E A PÓS-MODERNIDADE NO SÉCULO 21

A pós-modernidade surgiu na década de 1950 como um movimento crítico


ao modernismo nas artes e assumiu, no decorrer dos anos, uma posição de
contrariedade perante a cultura moderna (Goheen; Bartholomew, 2016, p. 165).
Com o passar do tempo, tornou-se um conceito bastante amplo, pois cada área
do conhecimento elabora o próprio entendimento acerca do significado desse
movimento, tanto nas artes e na filosofia quanto na sociologia, na psicologia, na
arquitetura etc.
Nessa perspectiva, é possível entender que a pós-modernidade
desenvolve pensamentos distintos ao pensamento moderno, especialmente as
proposições que afirmavam que, por meio da razão, seria possível alcançar o
conhecimento pleno da realidade. Acerca da religião, ela defende que as
instituições tradicionais não devem ser reconhecidas como essenciais à
formação da vida individual e social das pessoas.
Um aspecto importante para entender a maneira como a pós-
modernidade contraria o pensamento da modernidade e influencia bastante as
novas dinâmicas existenciais da sociedade no século 21 surge de sua decisão
por não reconhecer a validade das narrativas absolutas e universais como
princípios explicativos e orientadores da história e existência. Há outros
elementos que igualmente revelam as diferenças de pensamento desses dois
movimentos: a modernidade valoriza os princípios do propósito e do
planejamento, da hierarquia e centralização, ao passo que a pós-modernidade
orienta a casualidade como sua dinâmica relacional e organizacional, o que
8
promove certa dispersão nas vivências desenvolvidas. Além disso, a
modernidade busca promover a análise e a organização para atingir seus
objetivos, já a pós-modernidade valoriza certa liberalidade em relação às
questões da vida, numa vivência pautada pelo relativismo e pluralismo, sempre
em contraste aos absolutos modernos, pois estes buscam retirar os seus valores
das “metanarrativas” 3 (McGrath, 2005, p. 141).
As redes sociais, como um elemento promotor de relacionamentos, e
igualmente a valorização que se dá ao consumo imediato como se fora uma
conquista particular e especial do indivíduo são vivências desenvolvidas
conforme a cosmovisão da pós-modernidade. Igualmente, o mundo
contemporâneo já não entende que a estrutura social deva conduzir o ser na
busca de um propósito unificado e comum a todos, pois a vida pós-moderna já
não se constrói com base em valores universais, as chamadas metanarrativas.
Ou seja, o conhecimento do aprendizado da vida já não é mais uma verdade
absoluta que se adquire culturalmente, mas uma compreensão elaborada a partir
da situação que vivenciamos no tempo presente.
O movimento pós-moderno entende que a verdade da realidade humana
não se encontra nos processos e dinâmicas da ciência ou da Igreja, mas surge
nos relacionamentos e nas experiências da vida, pois são estas que oferecem
as verdadeiras histórias que merecem ser contadas, já que carregam consigo os
valores individuais e também as experiências reais dos grupos que as vivenciam.
Um aspecto a ser destacado é que a existência humana neste século 21 é
influenciada tanto pelas narrativas universais modernas quanto pelo valor das
vivências mais particulares e subjetivas pós-modernas. Essa contraposição
constante materializada em nosso cotidiano gera uma sensação de
desorientação e vazio na sociedade (Veith Jr., 2013, p. 9).
No tocante às religiões, há um aspecto que pode nos ajudar a entender a
maneira como a pós-modernidade tem influenciado a religiosidade – e
particularmente o cristianismo e o islamismo. Estamos falando do valor pós-
moderno do relativismo 4 cultural, o qual merece uma análise nossa como

3
Metanarrativas são aquelas grandes histórias ou narrativas abrangentes que visam explicar de
modo completo e absoluto todos os acontecimentos e perspectivas da história da humanidade.
A narrativa básica da modernidade orienta que a razão e a ciência são capazes de explicar e
ordenar a realidade por meio de modelos universais que devem reger o desenvolvimento da
civilização humana.
4
Relativismo: teoria segundo a qual a base para os julgamentos sobre o conhecimento, a cultura
ou a ética difere de acordo com as pessoas, com os eventos e com as situações.
9
cientistas religiosos. Observe que essas duas maiores religiões do mundo
carregam em suas doutrinas um grande número de verdades absolutas, as quais
são fundamentais para conduzir os adeptos em uma existência satisfatória neste
mundo, e na vida após a morte.
Portanto, o relativismo da pós-modernidade confronta gravemente esses
absolutos, o que obriga que as religiões islâmica e cristã busquem se comunicar
como o homem do século 21 em meio a esse embate existencial, pois precisam,
a qualquer custo, defender os fundamentos religiosos tradicionais de seus
conceitos absolutos. Nesse contexto, Shelley (2004, p. 539) entende a
globalização como uma oportunidade para os cristãos, pois, com a queda do
Muro de Berlim no final do século 20, a Rússia e os diversos governos a seu
redor deixaram de promover radicalmente os projetos de criar um Estado ateu e
contrário à religião dos homens.
O tema acerca de como a fé cristã tem atuado e irá se desenvolver em
uma sociedade pluralista tem sido abordado pelo cristianismo segundo o
entendimento de que há três formas de essa religião se posicionar perante as
outras religiões da humanidade: pelo particularismo, que destaca a salvação
religiosa somente dos cristãos; pelo inclusivismo, que valoriza a supremacia da
fé cristã sem negar a validade de outras religiões; e pelo pluralismo, que entende
afirmativamente que todas as crenças são capazes de “salvar” os homens
religiosamente (McGrath, 2005, p. 613).

TEMA 5 – O CRISTIANISMO E AS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

Ciências da religião é um curso de licenciatura em que o saber específico


de diversas ciências, como história, filosofia e sociologia, dentre outras, será
utilizado tendo por objeto de análise as religiões da humanidade. O estudioso
dessas áreas irá contribuir com o seu potencial técnico para o desenvolvimento
de um saber voltado ao tema religioso. Algumas das subáreas mais
proeminentes dessa disciplina são as ciências sociais, como ocorre por meio do
pensamento clássico da sociologia, com Durkheim e Weber, que desenvolveram
pesquisas na busca de entender “o lugar e as funções das crenças, práticas e
instituições religiosas no mundo moderno” (Passos; Usarski, 2013, p. 187).
Nesse contexto, e utilizando o conhecimento das ciências sociais com
vistas a definir uma metodologia de análise das crenças e ritos, dos processos
sociais e da vivência dos fiéis, iremos destacar inicialmente o conhecimento da
10
história das religiões, pois é uma das disciplinas mais ricas das pesquisas
religiosas.

5.1 História das religiões

Essa disciplina se desenvolveu no contexto brasileiro a partir da década


de 1970 sob a influência de duas escolas: a francesa, que valoriza os estudos
nas instituições acadêmicas por meio do diálogo realizado com as ciências
humanas; e a italiana, que se volta a um estudo mais plural da história das
religiões.
Nesse contexto, segundo Eliane Moura Silva (citada por Passos; Usarski,
2013, p. 217),

a tarefa do historiador não é mais, simplesmente, a de narrar uma (ou


mais) história(s) de vida(s), mas analisar como e quando dada
posição/situação foi construída, através de que mediações, através de
quais representações uma determinada experiência histórica foi
descrita, como foi construído um personagem, um contexto, uma
“realidade”. Temos mais um diálogo, uma conversa com o passado,
em vez de uma reconstrução do passado por meio de uma pesquisa
documental pura.

Angelo Brelich (citado por Passos; Usarski, 2013, p. 221) anotou aspectos
desse entendimento, destacando que “a história das religiões se deveria fundar
na produção de um conhecimento de uma compreensão interpretativa de todas
as religiões desde o início da história até o presente, localizando cada uma delas
nos seus respectivos contextos sociais e culturais em que surgiram e se
desenvolveram. ”
Nessa perspectiva, nossa disciplina tem pontuado alguns fatos culturais
que consideramos importantes para o desenvolvimento técnico do estudante de
ciências da religião, quando relacionáveis à religião do cristianismo.

5.2 Sociologia da religião

A Ética protestante e o espírito do capitalismo. Iremos analisar neste


tópico a influência de valores religiosos na organização da sociedade à luz das
ciências da religião. No início do século 20, o sociólogo alemão Max Weber
publicou a obra clássica da sociologia da religião, A ética protestante e o espírito
do capitalismo, formalizando uma base teórica ao tema. Sua análise buscou
perceber a influência da religião na formação da cultura econômica da
sociedade, vindo a demonstrar que havia uma profunda interação entre os
11
valores religiosos dos homens e a estruturação de seu meio social. O sociólogo
enfatiza que compreender tal relação é essencial para definir a maneira como a
sociedade humana se organiza e se desenvolve historicamente.
O método buscava estabelecer uma relação de causalidade entre os
aspectos da economia e da religião. Weber analisou inicialmente o capitalismo
moderno, em busca dos elementos distintivos que poderia encontrar nesse
sistema econômico a fim de formular seu “tipo ideal”. A conclusão foi que onde
surgiu o calvinismo religioso, surgiram igualmente os elementos sagrados
relacionados ao novo capitalismo “funcional”, como “o desprendimento do
mundo, a ascese, a piedade religiosa de um lado, e de outro, a participação
capitalista nos negócios” (Mota Filha, 1967, p. 489). Eis a maneira pela qual se
percebeu a existência histórica de uma conduta social e econômica
grandemente influenciada por valores religiosos: a ética protestante.
A visível relação histórica de causalidade entre esse novo capitalismo e o
protestantismo calvinista foi definida, então, no momento em que o pesquisador
reconheceu e relacionou os valores e atitudes em comum entre ambos os
movimentos. Trata-se de uma relação que se fez compreensível pela descoberta
e verificação dos elementos semelhantes do tipo ideal do sociólogo, que traziam
consigo a base estrutural tanto do capitalismo econômico quanto do calvinismo
religiosos.
Conforme assinala McGrath (2005, p. 539), “o protestantismo [...] havia
criado os pré-requisitos psicológicos essenciais para o desenvolvimento do
capitalismo moderno. Na verdade, Weber atribuía a contribuição fundamental do
calvinismo a sua capacidade de gerar impulsos psicológicos devido a seu
sistema de crenças”. Essa observação aprofunda a análise do cientista religioso
a partir da técnica da psicologia, reconhecendo o modo como as crenças
religiosas impulsionam o interesse dos fiéis para que se dediquem a algumas
atividades nesta vida, com um temor sagrado de forte impacto, pois a
espiritualidade do ser depende dessa obediência e entrega existencial.
Observe que temos proposto algumas reflexões oriundas desse modelo
de análise: primeiramente, anotamos os elementos religiosos de determinada
crença para, em seguida, analisar de que forma eles influenciam as atitudes dos
fiéis em sua dinâmica social. Além disso, observamos o modo como a própria
religião é influenciada por alguns movimentos sociais e culturais de sua época.

12
5.3 Geografia da religião

A geografia como disciplina das ciências da religião deve descrever a


relação entre o homem e o ambiente em que ele vivencia a sua religiosidade.
Isso é desenvolvido sob dois olhares: atuando como ciência normativa que
emprega as técnicas geográficas a fim de oferecer informações de determinado
ambiente religioso; e utilizando os dados percebidos para compreender o
significado do sagrado, conforme a instituição organiza o espaço de suas
atividades e rituais.
Nesse contexto, destacamos as quatro “premissas” de David Shoper
(1960, citado por Passos; Usarski, 2013, p. 280), que orientam como devemos
observar um fenômeno religioso, a partir de sua interação com o espaço
geográfico em que é praticado: a primeira nos convida a perceber o significado
do ambiente pelo modo como o sistema religioso é nele desenvolvido; depois, a
maneira como esse sistema transforma o ambiente em que atua; ainda, o modo
como ele ocupa um ambiente com vistas a se organizar naquele espaço; por fim,
as intenções religiosas percebíveis a partir do modo como um sistema sagrado
ocupa certo ambiente.
Devemos destacar igualmente a maneira como a cartografia
automatizada tem revolucionado as relações sociais, conforme vemos na
utilização de aplicativos com dados geográficos (como o Google Maps) que
trazem ao cotidiano das pessoas as mais diversas informações relacionadas ao
espaço e aos ambientes sociais. Trata-se de uma situação em que a geografia
auxilia o homem no espaço urbano e rural, pois leva a seu dia a dia informações
que pareciam importar somente nas salas de aula (Garcia, 2016).

NA PRÁTICA

O princípio do relativismo cultural tem trazido certa liberdade existencial e


espiritual à sociedade contemporânea, tornando-se um fator que acaba
desafiando a comunicação e o ensino dos valores das religiões mais universais,
como as do judaísmo, cristianismo e islamismo, pois suas crenças desejam
oferecer propostas de vida mais absolutas a uma sociedade pós-moderna
bastante subjetiva. Trata-se de um contexto em que as religiões precisam tanto
respeitar umas às outras e o pensamento cultural mais amplo se desejam

13
compartilhar dos debates e reflexões que interessam à sociedade neste século
21.
Mais especificamente acerca de nossa graduação em ciências da religião,
anotamos a maneira como a disciplina de geografia da religião nos auxilia no
entendimento de como ocorre um fenômeno religioso. Assim, compreendemos
como é importante observar a utilização do espaço religioso, a fim de que
possamos identificar o valor e o significado do sagrado em determinada religião
quando esta desenvolve suas atividades.

FINALIZANDO

Vimos como a Revolução Francesa iniciou uma transformação na maneira


como as estruturas da sociedade europeia iriam se desenvolver nos séculos
seguintes, dando base ao modo como a civilização ocidental veio a se organizar
politicamente por meio das repúblicas e do liberalismo econômico. Foi uma nova
realidade que influenciou a cultura religiosa do homem, como verificamos em, ao
menos, duas áreas. Na pesquisa, as religiões começaram a ser analisadas sob
perspectiva iluminista pela observação racional de seus fenômenos. Anotamos
a importância do pensamento de Auguste Comte e de seu programa de filosofia
positivista (1824), que se tornou um precursor histórico do conhecimento
adquirido mediante questionamentos científicos.
A outra área é a da pesquisa histórica voltada à religião, na qual
verificamos a importância dos movimentos cristãos do pentecostalismo e do
ecumenismo no século 20. Observamos como desenvolveram a sociedade no
século passado e como são influentes e importantes no entendimento do que
ocorre neste século 21.

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REFERÊNCIAS

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