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ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

ENSAIOS DA PAISAGEM

OLHARES E VALORES DESDE


A PRÉ-HISTÓRIA

[1]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

WILLIAN CARBONI VIANA


FRANCESCO GARBASI
(Org.)

ENSAIOS DA PAISAGEM

OLHARES E VALORES DESDE


A PRÉ-HISTÓRIA

1ª Edição

Rio de Janeiro
Edição do autor
2015

[2]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Copyright © by Willian Carboni Viana

Todos os direitos reservados. Vedada toda produção, distribuição e


comercialização sem autorização dos organizadores.

ISBN -

Organizadores: Willian Carboni Viana/ Francesco Garbasi


Título: Ensaios da Paisagem: olhares e valores desde a Pré-História
Edição: 1
Local: Rio de Janeiro / RJ

Contato: francesco.garbasi@student.unife.it
maria_clar_acosta@hotmail.com
pradodemello@hotmail.com
willian_unesc@hotmail.com

Revisão: Maria Clara Rocha da Costa


Arte / Capa: Tamires de Souza Viana / Willian Carboni Viana.

Apoio Cultural:

Instituto de Pesquisa
Histórica e Arqueológica
do Rio de Janeiro -
[3]
IPHARJ
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Dedicado a Teresinha Fontanella, e a todos que acreditam num


Mundo de pessoas livres.

[4]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

‘’Se não somos loucos, e admitimos que não o


somos, por que, então, a humanidade parece determinada a
uma autodestruição cada vez mais rápida e crescente? Talvez a
espécie humana seja apenas um terrível e grave erro biológico,
tendo ‘’evoluído’’ além de um ponto que permita o seu
florescimento em harmonia consigo mesma e com o mundo
que a cerca. Essa talvez seja uma possibilidade.’’ (...)

(Richard E. Leakey e Roger Lewin, 1977)

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ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

AGRADECIMENTOS

Agradecemos aos, mais que amigos, investidores na


produção do conhecimento e pessoas que acreditam na
educação, Agenor Pedroso, Cirlene Gonçalves Scarpato,
Sidney Duarte de Oliveira e Volnei da Silva. A Prefeitura
Municipal de Cocal do Sul – PMCS e ao Instituto de Pesquisa
Histórica e Arqueológica do Rio de Janeiro – IPHARJ. E,
também, aos incentivadores incondicionais Rinaldo Mauri
Matiola e Zoe Aparecida Carboni Matiola.

Apoio:

Instituto de Pesquisa
Histórica e Arqueológica
do Rio de Janeiro -
IPHARJ

[6]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Prefácio

Este livro nasceu graças ao encontro de diversos


pesquisadores no campo histórico e arqueológico. A amizade e as
comparações constantes (em cada área) identificaram um tema
central e comum a todas as pesquisas históricas, a paisagem.
Toda reconstrução histórica deve começar a partir da
análise do local em que ocorreram os fatos e as diferentes
especializações dos autores permite ver a paisagem a partir de
diversos pontos de vista, o que torna este livro cheio de ideias e
reflexões.
O ambiente, em lenta e constante mudança, com os
seus recursos e suas limitações tem influenciado a presença e a
possibilidade de apropriação de todas as formas de vida, incluindo os
seres humanos.
A Paleontologia através de fósseis nos permite
entender as mudanças importantes de nosso planeta e as
formas de vida que o têm povoado, enquanto a antropologia e
arqueologia nos ajuda a refletir sobre como o homem pode se
adaptar às mudanças no ponto de vista biológico e, acima de
tudo cultural.
A Arqueologia da Paisagem possui como objetivo
investigar como o homem está inserido nos diferentes
ambientes, como eles têm explorado e / ou gerenciado. Esta
abordagem permite que se compreendam as escolhas de
aproveitamento, vinculada à economia da época ou aos fatores
culturais, a evolução dos ambientes e do papel que o homem
teve nessas mudanças.
O olhar do todo, bem sucedido nestes ensaios,
fornece melhor entendimento sobre os limites da natureza e do
homem. Alguns exemplos que são propostos mostram que a
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ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

grande capacidade de adaptação do ser humano não é


suficiente nos casos em que não se leva em conta as limitações
naturais, que ainda deve ser considerado como o limite
absoluto da exploração do território.
Os ensaios e estudos aqui apresentados mostram
que o ambiente está mudando constantemente. O conceito de
paisagem, com um tom mais antropocêntrico, de fato implica
olhos observadores e cérebro capaz de interpretar o ambiente
como um espaço, muitas vezes carregados de significados
estéticos e, por vezes, ligado ao nosso emocional. Os gostos
estéticos, muitas vezes fortemente influenciados por
necessidades económicas e / ou culturais, e,
consequentemente, a vontade de mudar o ambiente, é variável
no espaço e no tempo.
É claro, por outro lado, como a capacidade, mas
também as vontades de mudar a natureza, de acordo com as
necessidades econômicas em alteração, estão a crescer
exponencialmente desde o advento da agricultura. A
reconstrução da história nos permite reviver as mudanças e
entender a evolução, observando as consequências positivas ou
negativas, que resultaram.
Finalmente, o objetivo principal deste livro é o de
estimular a curiosidade de conhecer o território, cidade ou
região onde os leitores vivem. Apenas conhecendo os limites é
que você pode preservar o habitat adequado para a vida dos
seres humanos e outros seres vivos.

Francesco Garbasi
Sella di Lodrignano, abril 2015.

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ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Índice

Introdução.......................................................................11
Willian Carboni Viana

Capítulo 1
Concepções sociais da Paisagem........................................15
Luiz Antonio Pacheco de Queiroz, Mestre.
Willian Carboni Viana, Mestre.
Maria Clara Rocha da Costa, Bacharel.

Capítulo 2
Paleontologia e Paisagem....................................................25
Davide Federico Berté, PhD.

Capítulo 3
Ambiente e Sociedades Humanas:
Interação condicionamento............................................60
Gabriele Luigi Francesco Berruti, Mestre.

Capítulo 4
Conhecimento de mundo...................................................87
Francesco Garbasi, Mestre.
Luiz Antonio Pacheco de Queiroz, Mestre.

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ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Capítulo 5
Arqueologia e Paisagem: os últimos caçadores-recolectores e as
primeiras economias produtoras no Vale do Tejo,
Portugal.....................................................................................99
Nelson J. Almeida, Mestre.
Cristiana Ferreira, Mestre.
Hugo Gomes, Mestre.
Luiz Miguel Oosterbeek, Professor Doutor.

Capítulo 6
Enquadramento geoambiental e sua importância na correlação
de proveniência de matérias primas líticas: uma discussão
para a região da Serra dos Carajás – Pará, Brasil..............130
Michelle Mayumi Tizuka, Mestre.
Hugo Ventura Correia, Mestre.

Capítulo 7
Histórico da região da Leopoldina, Rio de Janeiro, e seu
entorno sob a ótica das novas pesquisas e descobertas
arqueológicas...............................................................155
Claudio Prado de Mello, Professor Mestre.

Sobre os autores.............................................................179

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ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Introdução
Willian Carboni Viana

A paisagem é um termo determinado por diversas


perspectivas que permite cada disciplina defini-la de acordo
com sua necessidade. Inter-relacionar visões de diferentes
disciplinas é um caminho para a formação de um pensamento
aberto e ao mesmo tempo relacional da paisagem. Conforme é
possível encontrar nas distintas perspectivas do presente
escrito, as concepções não têm uma base conceitual que as
relaciona. Apesar de todos se dedicarem aos ensaios de
categorizações espaçais, são os postulados teórico-
metodológicos subjacentes ao seu objeto de estudo que
direcionam suas perspectivas. Assim a paisagem é pensada
enquanto objeto palpável segundo a formação dos autores.
A homogeneidade metodológica está distante de
ser obtida numa obra como essa. Os temas que seguem
reunidos são variados e as abordagens, desenvolvidas pelos
estudiosos, apresentam uma grande diversidade de
perspectivas. Aqui tentamos juntar uma coleção de textos com
finalidade de possibilitar uma reflexão do termo paisagem.
Nesta obra, miramos estabelecer uma fórmula acessível de
compreensão da paisagem e suas diversas formas, visando
atender a curiosidade não apenas de estudantes e professores,
como ainda estabelecer este diálogo com os mais diversos
segmentos da sociedade.
A presente coleção, de certa forma abrangente,
contempla textos/ensaios que relaciona as pessoas com o
mundo que as cerca, a iniciar com o social, passando a partir
do segundo capítulo, às visões da Paleontologia, Geologia,
Ecologia, Geografia e Arqueologia (pré-histórica e histórica).

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ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Assim, no primeiro capítulo apresentamos, ainda


que de maneira introdutória, as concepções sociais da
paisagem, ou seja, o reconhecimento de que a leitura da
paisagem passa por diferentes percepções. Parte-se das relações
dos indivíduos com o mundo material, e, no decorrer da
produção textual, aponta-se como esta categoria se modificou e
chegou à esfera que é na atualidade. Cabe ressaltar que, neste
capítulo essencialmente, discutiremos o pensar da paisagem,
desmistificando as complexas e diversificadas influências
filosóficas na área das ciências humanas.
O segundo capítulo - Paleontologia e Paisagem -
oferece um diálogo dentro da perspectiva da Paleontológica,
não prescindindo da presença humana, tratando de tempos
recuados, em que o homem não estava presente na Terra.
Abre-se, neste capítulo, o termo ‘’paisagem’’ na acepção das
ciências naturais, colocando a paisagem, no sentido metafórico,
como um agente formativo de organismos em seu ambiente.
Este capítulo foi idealizado de modo a corroborar no
entendimento da ‘’evolução’’ (evolução?!) dos organismos em
seus respectivos ambientes. Neste eixo temático, parte-se de
indagações relacionadas à origem e ao processo evolutivo
‘’condicionado’’(?!). Parte-se, de questões, como, por exemplo,
da existência de organismos mais ou menos evoluídos?! Ou
mais ou menos adaptados aos seus ambientes?! Ou, também,
questões relacionadas a formações continentais e a
origem/modificação das espécies existentes nos continentes.
No terceiro capítulo, com o título de ‘’Ambientes e
Sociedades Humanas: interação e condicionamento’’, se trata a
ecologia conceitual. Adentra-se, nesta temática, na área definida
de biocenose, compartimentando as redes de relações entre os
seres e os elementos inorgânicos de seus ambientes, ampliando
esta concepção a nível planetário. Deste prisma, faz-se uma
tentativa de esclarecer quais as relações existentes entre o
animal mais complexo do nosso planeta, o homem; com os
diversos ambientes em que é capaz de sobreviver; adaptando-
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ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

se, prosperando... Quão profundas são as intervenções do


homem no ambiente em que vive? A partir do ambiente, da
cultura e da ecologia humana, pretende-se narrar eventos e
fatos que contribuam na elucidação de indagações como estas,
por exemplo.
No capítulo Conhecimento de Mundo, destacado
como de número 4, disserta-se, do ponto de vista histórico-
geográfico, sobre os primeiros pensadores gregos a começar a
medir o mundo, passando pela Cartografia do século XVIII e
pelo advento da Primeira Guerra Mundial - com sua
necessidade de utilizar-se da cartografia - até as interpretações
de imagens de satélites para gerir o território, tentando
responder a questões, como: há quanto tempo o homem
conhece a forma e o tamanho da Terra? Ou, o que mudou até
agora nas concepções de mundo? O homem destrói o
ambiente em que vive, colocando em cheque sua própria
sobrevivência? Estas e outras curiosidades, se é que podemos
assim definir, serão abordadas neste capítulo intrigante,
relacionando parcialmente, também, a prática da gestão do
território.
O capítulo de número 5, sendo um estudo de caso,
intitulado de ‘’Arqueologia e Paisagem: os últimos caçadores-
recolectores e as primeiras economias produtoras no Vale do
Tejo, Portugal’’, trata de questões que permitem melhor
entendimento da paisagem, sua exploração e como ocorre sua
percepção utilizando-se de aquisição de dados arqueológicos,
compreendendo os períodos cronológicos do Epipaleolítico,
do Mesolítico e do Neolítico. A área em que é realizado este
estudo abrange a porção do Vale do Tejo em território
português. O artigo evidencia as diferenças e persistências
registradas entre os caçadores-recolectores holocênicos e as
primeiras comunidades de agricultores-pastores, no que diz
respeito ao proveito de uma paisagem que se foi modificando
com o passar do tempo.

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ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

No capítulo 6, apresentamos, o ‘’Enquadramento


geoambiental e sua importância na correlação de proveniência
de matérias primas líticas: uma discussão para a região da Serra
dos Carajás – Pará, Brasil’’. Neste estudo se discute a utilização
e a correlação de mapas geológicos para determinar possíveis
fontes de matérias primas dos artefatos líticos encontrados em
sítios arqueológicos, utilizando como exemplo a Serra de
Carajás, no estado brasileiro do Pará, a cargo das diversificadas
escalas existentes entre os mapeamentos geológicos. A
considerar que as populações pré-coloniais fabricavam seus
instrumentos acordando com a disponibilidade de rochas e
minerais, mantinham uma relação com o ambiente. Esta
relação entre os grupos humanos e os ambientes em que vivem
é explanada, direcionando o diálogo para as conexões de
aspecto comportamental, em cronologias e lugares particulares.
Por fim, o capítulo 7, chamado de ‘’Modificações
na paisagem e a formação das jazidas arqueológicas do Rio de
Janeiro: o caso do sítio arqueológico da Leopoldina. Este
capítulo trata de uma região com um grande valor histórico
para a cidade do Rio de Janeiro. A abordagem carregada de
eventos e fatos históricos deste capítulo é dada através do meio
físico da cidade, sendo este também um espaço das
representações sociopolíticas de dada sociedade em sua
realidade. Este artigo conta as transformações paisagísticas na
localidade histórica da Leopoldina (Rio de Janeiro-RJ) entre os
anos de 1845 e 1881, de área de mangue a centro histórico,
como resultado de uma construção humana norteada,
principalmente, pelo interesse direto da administração pública
do Rio de janeiro na época.
Ambicionamos que esta obra alcance um impacte
duradouro na mente de cada leitor, que os textos aqui expostos
sejam um vetor na direção do entendimento das relações do
homem com o meio que o cerca, e, que haja formação de um
pensamento valorativo da paisagem, de modo a preservá-la.
Não podemos nos autodestruir, como outrora o fizemos...
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ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

CAPÍTULO 1

Concepções Sociais da Paisagem


Luiz Antonio Pacheco de Queiroz, Mestre.
Willian Carboni Viana, Mestre.
Maria Clara Rocha da Costa, Bacharel.

(...) Foi-se a velha Paris (de uma


cidade a história depressa muda mais
que um coração infiel); Paris muda!
Mas nada em minha nostalgia mudou!
Novos palácios, andaimes, lajeados,
velhos subúrbios, tudo em mim é
alegoria. E essas lembranças pesam
mais do que rochedos. (...)
BAUDELAIRE, 1985, p.327-328.

Escrevemos aqui para dizer que se existem


paisagens, que podem ser as mesmas para muitos indivíduos,
então elas podem ser objeto do conhecimento na Arqueologia.
Sua construção tem contornos materiais perceptíveis e de
grande significância para a produção de estudos que
apreendem a cultura material em suas abordagens. A tarefa
nada fácil de pensar sobre concepções da paisagem é relativa à
complexa diversidade de influências filosóficas nas ciências
humanas. Pretendemos realizar uma reflexão em torno do
termo, para apontar caminhos de estudos focados na relação
das pessoas com o mundo material. Para tanto é importante
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ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

enfatizar brevemente que a categoria em questão chegou


dentro de pouco tempo ao status que têm hoje.
O recurso aos elementos das concepções relativas
ao espaço deixou de ser exclusividade da Geografia no início
do século XX (MACIEL; MARINHO, 2012). De forma
crescente a paisagem tornou-se significante enquanto aspecto
considerável de visões do meio natural e cultural. Na sua
trajetória passou ao status de objeto central de análise de
diversas disciplinas. Carrega ainda a herança da égide do
período moderno, pois foi por um longo tempo configurado a
partir da noção de espaço capitalista oriunda da revolução
industrial (CRIADO BOADO, 1993, p. 12).
A definição de paisagem se modificou ao longo de
vertentes que marcaram disciplinas voltadas ao estudo do meio
ambiente e seres vivos. Em grande medida isso aconteceu com
as novas formas de entender o espaço construído, imaginado,
para além do espaço apenas possuído, controlado por relações
econômicas.
A sucessão ou convivência das correntes teóricas
influenciaram a Arqueologia não somente no âmbito da
descrição de regiões enfocadas em determinados estudos, mas
também na caracterização do ponto de vista das pessoas
estudadas, admitidas como criadoras da paisagem.
Podemos pontuar uma mudança relativamente
expressiva na conceituação da paisagem desde o princípio do
pensamento naturalista até a gama de concepções que se tem
atualmente. Contudo variadas perspectivas parecem convergir
para a compreensão das relações entre a(s) sociedade(s) e os
ambientes que as rodeiam.
Como matéria de investigação de estudos da
cultura material, em abordagens da arqueologia, por exemplo,
as concepções em torno da paisagem tiveram o predomínio de
modelos que a admitiam enquanto forma final, ausente de
interações com os seres humanos, principais agentes de sua
construção. Os modos de pensar que prevaleceram ao longo
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ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

do século XX focados no produto final ainda persistem com


esse direcionamento. O outro lado da moeda é a ampliação das
perspectivas sociais que ocorreu com os olhares que
influenciaram abordagens da participação ativa tanto dos
indivíduos quanto do meio ambiente na construção da
paisagem.
Há algum tempo a paisagem deixou de ser
entendida como “pintura” e passou a ser o foco do estudo de
várias áreas do conhecimento. Tem sido exposta às mais
diversas correntes teóricas e metodológicas, de onde surgem
maneiras de atribuir conceitos, sejam por arqueólogos,
geógrafos, arquitetos, poetas.
A Arqueologia e a Geografia Humana, nas últimas
décadas do século XX, agregaram a teoria social nas definições
do espaço, a partir daí concebido como feição socialmente
produzida. Lições provenientes da Antropologia também
contribuíram para a mudança substancial das admissões de que
os organismos naturais, as coisas do meio ambiente, são
dotados de participação ativa nas relações espaciais com os
seres humanos. Essas intricadas renovações, cujo cerne está no
rompimento da oposição entre sujeito e objeto, são subjacentes
aos caminhos interdisciplinares que dotam a visão ampla da
relação dos seres humanos com o espaço social, de forma a
associar desde as escolhas culturais aos contornos e às
modificações do ambiente natural na concepção da paisagem.
Cabe ressaltar, conceitos de paisagem recebem a
influência dos fenômenos histórico-culturais que atendem
necessidades de cada área científica de maneira específica.
Como exemplo tem-se as abordagens atuais da Arqueologia
que a compreende como uma construção a partir de
intervenções humanas.
Conforme enfatizamos acima, tem se destacado
em estudos cujo objeto é o mundo material a admissão das
relações das pessoas com as coisas. Essa noção é própria da
consideração de que os elementos ambientais são objetos dos
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ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

sentidos externos que captam a formação específica dos


contornos de lugares materializados pela visão, audição, olfato
e tato. Assim essas sensações corporais tornam-se
imprescindíveis para perspectivas paisagísticas cuja substancial
construção é inerente à bagagem cultural dos indivíduos que a
tornam palpável, reconhecível (INGOLD, 1993, p. 154-157).
Esses sentidos chamam atenção para as maneiras
diferentes de percepção da paisagem, por meio de distintas
relações sensoriais com o seu intrínseco espaço e aspectos
simbólicos que se somam ao seu conteúdo. A concepção é
dependente da perspectiva do observador, é uma construção
mental de quem se apropria das parcelas que a compõem.
Dizer que os principais aspectos que influenciam a
concepção da paisagem são subjacentes ao pensamento do(s)
indivíduo(s) que lhe(s) atribui significados não resume a
questão. Por exemplo, se tomarmos o aspecto temporal para
iniciarmos uma abordagem que contextualiza a percepção de
um grupo de pessoas teríamos limites demarcados em um
intervalo de tempo. Mas as formas de apreensão provenientes
de relações de poder que levam à conformação de espaços, não
deveriam se somar na sua discriminação? E as contradições e
outros interesses que mostrariam pensamentos únicos ou
divergentes dentro do próprio grupo? Como interpretar o
significado da paisagem se existe mutabilidade de tantas de suas
características ao longo do tempo.
Para Christopher Tilley (1994, p. 8-9) indicar
noções relativas a uma abordagem humanística é apenas um
ponto de partida que deve ser considerado como necessário
para documentar percepções da paisagem. Essa maneira de
admitir tais estudos é hoje bastante disseminada e agarra-se na
desconstrução de pensamentos ditos científicos.
Entendemos que para melhor compreender a
visualização da paisagem devemos partir dos processos de
transmissão dos saberes, através da aprendizagem, apreciação e
valorização que ocorrem através da mobilização dos sentidos.
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ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Sua origem parte do conhecimento dos seres humanos e esses


indivíduos também são complementares aos lugares criados
mentalmente (INGOLD, 1993, p. 156 e 161-164). A paisagem
como porção da superfície da Terra é entrelaçada com os
aspectos experimentáveis, relacionados a momentos vividos,
atribuídos à identidade de um determinado local, pujantes para
mostrar mudança recorrente nesse espaço.
As diversas paisagens existentes na superfície
terrestre são formadas por elementos físicos, químicos,
biológicos integrados, por vezes indissociáveis, repletos de
significados e dispostos em categorias espaciais relacionadas ao
território. Esse último, espaço delimitado para fins de posse,
abrange uma parte essencial dos sentidos vinculados às ações
das pessoas, mas não se define enquanto paisagem. Melhor
ainda, nele estão porções da identidade relativas à formação
dessa última. E outros elementos interagem como conteúdo
associado à ideia de que os processos de formação da
identidade são perspicazes para visualizar a formação de
espaços sociais.
Estudar a paisagem implica reconhecer a existência
de diferentes percepções, uma vez que sua leitura é vinculada
aos processos vividos por cada grupo ou pessoa. As leituras
passam por diferentes olhares, com formas distintas de
visualização, que por sua vez é condicionada pela capacidade
dos indivíduos de interpretar os símbolos existentes, associada
à sua relação com outras pessoas e coisas que envolvem sua
existência.
Um aspecto relevante para essa discussão é a
observação do avançado estado de modificação dos mais
diferentes biomas pela ação antrópica, responsável por originar
o elemento de transformação da paisagem de caráter mais
constante e frequentemente vitorioso diante dos desafios do
meio físico. Influência da economia globalizada, anseios de
fixação no território, construção de empreendimentos,
apropriação dos recursos naturais para a indústria, dentre
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ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

outros exemplos da manipulação humana dos recursos naturais


são exemplos de fatores que condicionaram intensas
transformações da paisagem nos últimos séculos interessantes
para o conhecimento de espaços sociais criados e amparados
pelos pensamentos recorrentes nos diferentes períodos.
Charles Baudelaire (1821-1867) em alguns poemas
da série “Quadros Parisienses’” de “As Flores do Mal”, passeia
por diversos ambientes criados pela sociedade. Por exemplo,
nos poemas de Paisagem ou O cisne existem elementos que
compõem uma paisagem em mudança ao retratar o processo
de modernização na cidade de Paris marcada por ruínas,
construções, pela chegada das fábricas, chaminés e torres,
dentre outros elementos.
Esse tipo de percepção é notório em abordagens
econômicas e políticas, um dos meios de caracterização da
paisagem que por muito tempo mostrara-se hegemônico. Mas
interessa-nos o foco dos estudos mais recentes, de conteúdo
muito significante, detido nas percepções das pessoas, no
seguimento da contextualização dos lugares relacionados à
experiência dos indivíduos (KNAP; ASHMORE, 1999, p. 1-5).
A grande contribuição de temas relativos ao estudo
da materialização de ambientes construídos em sua
intermediação com o que foi formado pelo meio ambiente é
oriunda da perspectiva de visões da existência da paisagem
com base na condição humana. Com o abandono das
abordagens funcionalistas, também economicistas, surgiram
caminhos de pesquisar as características sociais e culturais da
materialização do espaço próprios da aceitação de que as
representações humanas do ambiente sociocultural são
baseadas na formação social das pessoas, então inerentes ao
tempo e lugar de sua existência.
Vamos visualizar um exemplo útil disso. No
período pré-histórico pode-se constatar que a reocupação do
mesmo espaço por diversas populações ao longo dos anos, está
intimamente relacionada ao processo de construção de
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ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

monumentos para demarcar a posse da localidade por cada


povo. Esse processo de constante reocupação se consolida
como palimpsesto, na Arqueologia. Na Pré-história europeia
consegue-se perceber que a concepção de paisagem esteve
fortemente ligada ao conceito que cada população tinha sobre
si e sobre o mundo. É uma noção relacionada à construção da
realidade a partir dos conhecimentos existentes naquele
período, que podem ser relativos a outros tempos. Lugares
eram, são e serão possuídos, no sentido de apropriação, pelas
maneiras em que as pessoas dali concebem suas características.
Nesse sentido podemos entender que a paisagem também
pode ser utilizada como forma de controle sobre a locomoção
humana no território.
Um exemplo dessa visão são os Castros europeus.
Os Castros consistem em grandes estruturas
fortificadas, construídas no topo dos morros, onde populações
pré-históricas europeias viviam. A localização dessas estruturas
em lugares tão altos e impróprios para populações com grande
mobilidade, foi motivada como um instrumento de controle
sobre o território, pois assim as pessoas conseguiam visualizar
quem chegava e saia pelos rios ou pelos vales.
Derivam da condição do contexto as características
de construção mental dos lugares, sejam eles apreendidos no
seu estado permanente ou manipulados pelas mãos dos seres
humanos. Essas mudanças são apropriadas na forma de
concepção da paisagem enquanto matéria do entendimento do
meio ambiente em que os indivíduos atuam. E está atrelada à
formação dos lugares enquanto espaços construídos
culturalmente. Nesse sentido, conforme mostra Milton Santos
em uma de suas obras clássicas (2006, p. 66-71) as
características de tempo e espaço devem ser avaliadas, pois
existe flexibilidade na formação da paisagem relativa ao
período em que ela é concebida.
É importante reconhecer que não é apenas do
ambiente edificado que surgem as concepções que estamos
[21]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

tratando. Alguns critérios são imprescindíveis para caracterizar


os conjuntos de formas do meio ambiente apreendido. E o
primordial, a visão do(s) sujeito(s) que delimita seus espaços
característicos, é genuinamente demarcado no período e lugar
em que vive(m). Tal como no espaço urbano, o conteúdo do
ambiente natural recortado é decidido pelos observadores.
Tais características marcadas pelo conhecimento
humano são então próprias do processo histórico,
condicionadas pelas categorizações espaciais que o conjunto de
indivíduos produz ao longo de sua vida. As maneiras de criar
são vitais e relativas às escolhas culturais do momento em que
são realizadas. E como ocorrem essas decisões?
A resposta é inerente à percepção da diversidade
de significados presentes na sociedade. As pessoas fazem
mentalmente seus lugares existirem através da experiência
cotidiana, nas deambulações do trabalho, lazer, ritualização e
outros eventos comunitários. O mesmo sentido é real para
aqueles que produzem seus estudos. O objeto e a teoria são
pensados, apropriados e a formação do diálogo é possível com
a notória opção dos pesquisadores em rumar por certo
caminho.
Tratamos de um tema essencial da existência
humana, a maneira como as pessoas criam seus ambientes.
Essa característica da natureza humana é pontuada por Felipe
Criado Boado como uma das principais implicações em
estudos da Arqueologia da Paisagem (1993, p. 11) livre de
ditames impostos por implicações que impedem avaliar o lado
humano das percepções de algo fundamental, a maneira como
as pessoas materializam seus ambientes de vivência. O
alargamento das possibilidades de interpretar a paisagem é um
dos grandes ganhos dentro da arqueologia, de alta significância
para a produção do conhecimento de povos de diferentes
períodos da história.

[22]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAUDELAIRE, Charles. O cisne. In: As Flores do Mal. 5ª


ed. Tradução e notas de Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1985, p. 327 - 328.

CAVALCANTI, A.; VIADANA, A. G. Organização do espaço e


análise da paisagem. Rio Claro, SP: UNESP, 2007. 107 p.

CRIADO BOADO, F. Límites y possibilidades de la


Arqueología del Paisaje. In: SPAL, Revista de Préhistoria y
Arqueología de la Universidad de Sevilla, n. 2, Secretariado de
Publicações de la Universidad de Sevilla, p. 9-55, 1993.

INGOLD, T. The temporality of the landscape. In: World


Archaeology, v. 25, n. 2, Conceptions of time and ancient
society, oct. 1993, p. 152-174.

KNAP, B.; ASHMORE, W. Archaeological landscape:


constructed, conceptualized, ideational. In: ASHMORE,
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[23]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

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[24]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

CAPÍTULO 2

Paleontologia e Paisagem
Davide Federico Berté, PhD.

Paisagem sem o homem...

A paisagem é comumente definida como a


fisionomia particular de um território, determinada pelas suas
características físicas, biológicas, antropológicas e étnicas. A
definição clássica da paisagem, é a mesma adotada nos
capítulos precedentes deste volume, não prescinde da presença
humana e da percepção do observador. Devendo tratar de
épocas em que o homem ainda não estava presente, ou cuja
capacidade de modificar o ambiente circunstante era muito
limitada, tal definição resulta ser pouco apropriada.
Neste capitulo a palavra paisagem será utilizada
mesmo na própria acepção das ciências naturais, em particular
da branca que tem o nome de ecologia da paisagem. A ecologia
da paisagem nasce, em 1939, com a obra homônima do
naturalista alemão Carl Troll (1899-1975) que estuda a
integração entre geografia e ecologia; ao interno desta
disciplina, a paisagem é definida como complexo junto com
ecossistemas. Em um ecossistema a componente biótica (os
organismos animais, os vegetais, os fungos, as bactérias, etc..)
interagem e é influenciada de uma abiótica (ambiente, clima,
morfologia, da superfície, natureza dos solos, etc.). A geografia
influencia fortemente os organismos, tanto que a evolução
pode também ser definida como adaptação de uma espécie em

[25]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

um determinado ambiente e, as mudanças ambientais possam


ser dos fatores muito influenciados pela seleção natural.
A paisagem, considerada sob esta ótica, é,
metaforicamente falando, um agente que forma os organismos
e, portanto, seu estudo merece ocupar um lugar de relevância
na vida. Merece também considerar os organismos no contexto
do seu ambiente, pois contribui para um melhor entendimento
da evolução; nesta ótica a visão que temos da natureza é mais
balanceada, nisto, não existem organismos mais ou menos
evoluídos (no melhor sentido do termo), mas apenas
organismos mais ou menos adaptados ao ambiente em que
vivem.

Evolução e progresso...

Neste ponto é bom fazer uma importante precisão


para os que não são adequados ao trabalho. É preciso
esclarecer enfim que o termo “evolução” não é completamente
sinônimo de “progresso”, como geralmente se acredita.
Darwin em “Origem das Espécies” (1859) nunca utilizou tal
terminologia, mas sempre falou de “descendência com
modificações”. Neste ponto surge a pergunta espontânea: mas
se Darwin não utilizou tal termo, como é que a teoria acabou
por chamar-se assim?
O termo “evolução“ se difundiu através de
Herbert Spencer (1820-1903) no seu livro “Principles of
Biology” (1864). A conversa de Spencer era muito mais
colorida e de impacto em relação à de Darwin, com muitas
imagens e metamorfose sobre a evolução difundida junto aos
grandes públicos, em realidade são atribuídas a ele uma toda
sobre a famosa expressão: “a sobrevivência do mais adaptado”.
O termo “evolução” obtém um grande sucesso, mas ambíguo:
literalmente isso indica um desenvolvimento previsível e
organizado (do latim evolução: desenvolver). Na divulgação de

[26]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Spencer todas as criaturas estão dispostas ao logo de uma Scala


Naturae linear que, parte dos organismos mais simples e leva
até aqueles mais complexos. Num primeiro olhar poderia
parecer correto porque, considerando a historia da vida sobre a
Terra, podemos constatar que de simples organismos
monocelulares são derivadas criaturas pluricelulares muito
complexas. Uma análise mais aprofundada e articulada, porém
evidenciará que esta tendência no aumento da complexidade
não é uma propriedade intima da evolução, mas somente o
efeito de um desenvolvimento casual. A complexidade,
admitida não concebida que isso seja ‘’semânticível’’ e/ou
definida como precisa, é uma propriedade que se desenvolve
em função da adaptação ao ambiente, mas poderá proceder de
um sentido ou de outro. Como, por exemplo, se prende em
consideração ao caso dos parasitas, tal pensamento resultará
mais evidente. O ambiente do parasita é seu hospede e,
regularmente uma precisa parte disto. Os parasitas são
perfeitamente adaptados ao seu hospede/ambiente e podem
também ter um ciclo muito complexo, com a passagem de
mais hospedes intermediários. Do ponto de vista morfológico-
funcional, porem muitas vezes, estes organismos são
caracterizados por uma extrema simplificação anatômica.
Órgãos de sentido complexos desaparecidos em favor de um
plano corporal muito bom para o estilo de vida conduzido. Por
derivar de antepassados com estruturas complexas, a evolução
os “guiou“ em direção a uma complexidade perdida. A tênia é
perfeitamente “evoluída” em quanto está bem adaptada ao seu
ambiente. Outro erro comum em considerar a historia da vida
é aquilo de adotar uma visão que implica um final teleológico
cósmico, ou seja, ver um fim ou um objetivo na evolução geral
como ápice dos organismos. Normalmente estes discursos se
concluem incensando o homem como ápice da evolução, a
quem se teria chegado inevitavelmente. Uma das visões mais
famosas este tipo de interpretação e aquela do jesuíta Pierre
Theilhard de Chardin (1881-1955), que concebeu a evolução
como uma tendência e versa o “ponto ômega”, ou seja, o
[27]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Cristo; nesta visão o comparecimento do homem é um fato


necessário e já previsto. A moderna visão paleontológica,
porem tende a ver o comparecimento do homem como um
evento ligado a contingência histórica, que teria podido
verificar-se ou não. A causalidade substituiu a casualidade. A
pesquisa paleontológica colocou bem em evidencia que a
evolução humana não foi uma marcha em direção ao
progresso, como foi muito representada, não se é o que veio
em série ordenada de espécies (sempre mais bípedes, mais
inteligentes e menos pelosos), mas um florir de numerosas
espécies. No passado a savana africana foi densamente
ocupada grupos de hominídeos, australopitecos, parantropos,
hominíneos (os cujos pertencem ao gênero Homo), que
conviveram no mesmo período e no mesmo ambiente. A
afirmação da linha evolutiva que trouxe para a nossa espécie foi
um evento contingente. Os nossos antepassados tiveram,
simplesmente, a fortuna de sobreviver e transmitir os seus
genes para as gerações futuras. Seria errado julgar o seu sucesso
evolutivo à luz da nossa evolução, os caracteres que lhes
permitiu sobreviver, não só eles mesmos, foram evoluídos na
nossa espécie. O bipedismo, para fazer um exemplo, se evoluiu
mais vezes na historia dos primatas e isto demonstra que esta
condição não é necessariamente ligada ao surgimento de toda
uma série de características complexas. Primatas bípedes como
Oreopithecus tiveram sucesso no seu ambiente e depois foram
prontamente extintos. Homo sapiens, então, não se encontrariam
no termo de uma escala de progresso, mas seria mais
humildemente o ultimo raminho de um viçoso broto evolutivo.
Na natureza, enfim, por quanto um organismo
possa ser bem adaptado ao seu ambiente, não é mais perfeito,
isso te leva pra trás de muitas estruturas que recontam a
historia de pequenos vestígios de antigos órgãos (do latim
vestigium = pegadas, vestígios). Tratando-se de partes
anatômicas não mais funcionais, que a seleção natural
conseguiu eliminar tudo. Tais organismos, do momento em

[28]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

que não possuem mais alguma função, tornam-se “invisíveis”


para a seleção natural. Estes vestígios de organismos contam a
historia da evolução destes animais, que podem ser indicações
úteis sobre o modo de vida dos seus antepassados. Por
exemplo, a baleia azul mantem um pequeno resíduo do cinto
pélvico (bacia e fêmur). Esta estrutura não se desenvolve mais
nenhuma função, mas é uma “lembrança” anatômica de
quando os antepassados de tais animais caminhavam sobre a
terra firme. Outros exemplos de vestígios de organismos
podem ser os esboços da bacia da piton, ou o apêndice
intestinal no homem. Estas pequenas “imperfeições” incidem
nos organismos e são inevitáveis, em quanto nestes últimos
devem adaptar-se modificando estruturas já existentes. Para
dizê-la com as palavras do biólogo francês François Jacob
(1920-2013); a seleção natural não procede como um
engenheiro que projeta uma estrutura exnovo, em maneira muito
boa, mas como um “bricoleur” que deve se arranjar adaptando
aquilo que tem.

O Mundo em contínua modificação...

A superfície do planeta Terra está em contínua


modificação. Esta afirmação contrasta com a nossa percepção
do mundo, porque, muitas destas modificações acontecem em
uma escala grande e longa, maior do que a duração de uma
vida humana. As únicas e grandes agitações que se rendem
participativos de grande potência que permanece latente no
interior do nosso planeta são as erupções vulcânicas e os
terremotos. Parte destes singulares episódios catastróficos
dificilmente percebeu fenômenos como erosão de montanhas
ou a deposito de finíssimos sedimentos no fundo dos oceanos
que chegam a formar camadas muito espessas.
Uma corrente aparentemente muito estável e
impossível de se imaginar algo de mais imóvel, mas se andamos
a observar de perto as rochas que as compõem, poderemos ter
[29]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

surpresas a cerca da sua origem; por exemplo, poderemos


descobrir restos de organismos marinhos no interior de
camadas rochosas. Por fim, no cume do Everest, que com os
seus 8.848 metros de altura, sendo a montanha mais alta do
nosso planeta, é formada de rochas que há um tempo
congelavam no fundo de um oceano. Hoje parece evidente
que, se encontramos organismos marinhos, quer dizer que há
muito tempo estes organismos deveriam ser encontradas no
mar e então as rochas se elevaram em seguida, até a altura que
se tem hoje. No passado porem, não imaginando a grande
profundidade do tempo geológico e postulando a firmeza dos
continentes, as interpretações dos fosseis seriam muito
fantasiosas a respeito aos nossos standers modernos. Para
explicar a presença de fosseis marinhos sobre as montanhas se
recorria, frequentemente a narrações bíblicas do Dilúvio
universal, mas também do degelo contemporaneamente de
todas as geleiras continentais do mundo. O nível marinho não
poderia jamais recobrir também o cume do Everest e então
não poderia prestar contas dos fosseis que ali se encontram.
A teoria das placas tectônicas foi uma conquista
relativamente recente da geologia moderna e permitiu a
compreensão melhor de uma serie de fenômenos, como, por
exemplo, a formação das cadeias montanhosas, a abertura dos
oceanos, a origem dos ascos magmáticos, e ainda outros aqui
não citados.
As formas da paisagem influenciam fortemente os
organismos que vivem sobre a superfície: o substrato rochoso
influencia a química do solo (por exemplo: contribuindo a
formar um terreno acido ou básico) e então as plantas que
poderão crescer: a posição e a forma dos continentes
determinam a circulação das correntes, alterando fatores
importantes como precipitações e temperatura; a corrente fria
que circunda a Antártica influencia fortemente o clima do
hemisfério austral, mas esta se instaurou só quando a Antártica
se encontrou na posição atual: a corrente marítima quente do
[30]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Golfo, que esquenta as costas europeias, mostra a cara no


Atlântico, originando o istmo do Panamá; a presença dos
Andes permite o acumulo de nuvens sobre o lado boliviano,
muito chuvoso, mas constitui uma barreira que transforma o
lado argentino muito árido. Além, da presença das cadeias
montanhosas, rios ou mares pode representar uma barreira
invencível para muitas espécies. Definitivamente, os
organismos viventes são expressões de adaptação nos
ambientes circunvizinhos, biótico e abiótico, e a evolução não
é que a resposta às mudanças das condições externas. O
isolamento, especialmente entre as quais surgem as barreiras
intransponíveis como, por exemplo, montanhas, rios ou mares,
mais um pré-requisito para levar ao aparecimento de novas
espécies. A atual distribuição dos organismos a nível geográfico
é um instrumento muito útil para indagar como mudou o
aspecto do nosso planeta no tempo.

Os fósseis como testemunha dos antigos ambientes

Hoje os fosseis são reconhecidos como restos ou


traços de seres viventes que viveram num passado mais ou
menos remoto. Os fosseis são testemunhas importantes, que
recontam a historia da vida sobre a terra e como foram
modificados o ambiente e a paisagem. Esta visão moderna, que
se afirmou só recentemente, é o resultado de muitas
observações e estudos de numerosos naturalistas. No passado,
os ossos fósseis eram interpretados como restos de criaturas
monstruosas ou mitológicas. A teoria mais difusa no contesto
medieval fazia recurso a historia do dilúvio universal para
explicar o encontro de conchas marinhas sobre as montanhas.
Durante o Renascimento se andou afirmando a
ideia neoplatônica de que os fosseis não seriam restos de
animais, mas formas geológicas originadas em virtude de uma
força plástica das rochas, ou seja, de uma influência divina para

[31]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

ilustrar ao homem a harmonia do criador entre o reino animal,


vegetal e mineral.
Leonardo da Vinci (1452-1519) tratou o problema
dos fosseis no “Codice Leicester”, porém, como tudo os seus
outros escritos, não são publicados, então as suas observações
e as suas descobertas ficaram desconhecidas até a época
recente e não tiveram modo de influenciar os seus
contemporâneos. Leonardo reconhece que as conchas fósseis
eram restos de organismos marinhos e que esses não podiam
ter sido transportados pelo dilúvio porque, às vezes eram
encontradas ainda com as articuladas em posição de vida, e,
além disso, são muito pesadas para serem transportadas pelas
correntes. Leonardo refutou também a suposta “origem
geológica”, segundo a qual os fósseis teriam crescido no
interior das camadas. Acrescenta a tal conclusão, notando que
estes se encontravam exclusivamente nas rochas de clara
origem marinha, que geralmente se encontravam quebrados e
desarticulados e que, contidos em uma matriz dura e rígida,
não poderiam crescer sem romper (este julgamento em seguida
foi desenvolvido independentemente também por Stenone).
Leonardo, reconhecida corretamente a verdadeira natureza dos
fosseis, procurou de compreender qual mecanismo poderia ter
elevado camadas fosseis do fundo do mar até o elevado das
montanhas, e que se deveria confrontar com os limites da
ciência da época. No contexto cultural, no qual operava a
natureza, não era um correspondente do corpo humano,
medida de todas as coisas, e a terra era considerada literalmente
como um organismo vivo. Leonardo procurou, sem encontrar
uma explicação aceitável, comparar a circulação da água no
subsolo com a circulação sanguínea no corpo humano.
Segundo a teoria de Leonardo, a agua subterrânea teria saído
das montanhas através de um sistema similar ao arterial,
envolvendo de qualquer maneira também as conchas fósseis.
Durante o Renascimento se acreditava que a Terra
fosse relativamente jovem e então resultava árduo os
[32]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

desenvolvimentos mecânicos tão velozes para produzir estas


mudanças. Particularmente é sabido que a data é 4004 a.C.
calculada pelo arcebispo James Ussher (1581-1656) na sua
erudita obra, reconstitui a cronologia da Terra baseando-se em
acontecimentos históricos, da Bíblia, da Torah e de outros
textos religiosos ou não.
O bispo Nicoló Stenone (1638-1686) desenvolve
independentemente das observações sobre a natureza dos
fosseis parecidas com as formuladas por Leonardo. Stenone,
enquanto se encontrava em Livorno, Itália, teve a maneira de
observar as glossipetrae ou línguas de pedra e reconhece que se
tratava de dentes de tubarão. Observando os afloramentos
deduz, corretamente, que tais objetos não poderiam se formar
no interior da rocha dura, mas que deveriam ser inclusos
quando a matriz era ainda mole. As línguas de pedra, para
poder deixar as suas marcas no sedimento circunvizinho,
deveriam ser mais velhas do que as rochas que as incluíram.
Deste modo Stenone demonstrou que as rochas sedimentares
não foram criadas junto com a Terra, porém, derivam dos
depósitos em lagos, rios e mares. O fosseis marinhos além de
mais geralmente se encontram longe do mar, e, resultam assim,
serem indicadores de grandes mudanças. Os mares e as terras
emersas não estiveram sempre na mesma posição, são
mudadas, e as montanhas são emersas pelas aguas. Graças as
suas observações, foi possível, pela primeira vez, conceber um
mundo em modificações. Também o tempo se alongava em
milhares de anos, quando as solidas rochas não eram ainda
iguais e a Terra era um pouco mais jovem.
Nem todos os cientistas, porém concordavam que
os fósseis poderiam refletir a historia do planeta: em um
mundo com um tempo acabado, sem possibilidade de evolução
ou extinção, todos os organismos deveriam ser
contemporâneos. Neste contexto cultural os fosseis não
poderiam ser utilizados como instrumentos de medir o tempo.
Para chegar à visão dos fosseis como testemunhas da historia
[33]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

da vida, era necessário chegar a perceber o sua mudança no


tempo.
Este problema é afrontado por George Cuvier
(1769-1832), pai da anatomia comparada. Cuvier reconhece as
semelhanças dos fosseis com alguns correspondentes atuais,
mas também que algumas formas foram extintas e caracterizam
certas camadas rochosas. Além do que, os animais
provenientes de camadas mais recentes eram semelhantes aos
atuais, enquanto aqueles mais antigos se destacavam,
maiormente. Cuvier porem não atribui estas semelhanças a
uma parentela, ou então a uma evolução de antepassados
semelhantes, mais a um tipo de ”modelo” repetido com
variações. Cuvier teve mérito de reconhecer que a historia da
vida sobre a Terra era muito mais antiga de quanto suposto e,
desenvolvida a teoria de uma serie de criações, de caráter mão a
mão sempre mais “moderno”, quebrados por causa de eventos
catastróficos.
Outro personagem importante para o nosso
discurso, também se é muito mais desconhecido, foi Giovanni
Battist Brocchi (1772-1826) que no livro “Conchiologia fóssile
subappennina” (1814), tratou do tema da extinção das espécies.
Brocchi com as suas pesquisas reconhece que as espécies não
só se extinguem, mas podem também se modificar. Brocchi foi
o primeiro a desenvolver a analogia das espécies como
indivíduos que nascem, crescem e morrem. A obra de Brocchi
é lida pelo jovem Charles Darwin, que se perguntou sobre o
nascimento das espécies e inspirou-se dessa analogia para o
desenvolvimento da sua famosa teoria.
A descoberta de grandes retiros marinos e dos
primeiros dinossauros colocou em evidencia como o mundo
em precedência foi habitado por animais, com formas muito
bizarras, absolutamente diversos dos atuais.
Gideon Mantell (1790-1852), um médico de
campanha, destes apaixonados por ciências naturais, descobre e
descreve em 1822 o iguanodonte, o primeiro dinossauro da
[34]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

nossa notável ciência. Mantell, em seguida a numerosas outras


descobertas de dinossauros, postulou que antes da atual Era
dos Mamíferos, devia ter sido a Era dos Répteis, muito mais
antiga.
Com o desenvolvimento da teoria da evolução a
obra de Charles Darwin (1809-1882) teve um impulso para
alongar o tempo geológico. O mecanismo da seleção natural,
claramente descrito pela primeira vez por Darwin, procedia
muito lentamente e gradualmente; era preciso então que a
Terra tivesse muitos mais anos do que a quantia da hipótese
anterior. A evolução, se verdadeira, necessitava de tempos
geológicos muito longos, mas ainda na metade do século XIX
as estimativas da idade da Terra eram mesmo muito longe dos
quatro bilhões e meio de anos que atribuímos hoje. A teoria de
Darwin casou-se bem com a teoria geológica gradual avançada
de Charles Lyell (1797-1875) que explicava as grandes
mudanças geológicas como a soma de pequenas mudanças em
tempos muito longos.
A visão do nosso planeta, porém, apesar da
evidencia de fenômenos como a erupção vulcânica ou
terremotos, continuava a ser muito estática. Os geólogos ainda
se limitavam a hipótese de mudanças de nível marítimo com
imersão ou o afundamento de pontos da Terra entre os vários
continentes. Neste caso, Atlântida, a ilha inventada por Platão
no seu dialogo “Crizia”, poderia tranquilamente ser um antigo
continente afundado. A geologia moderna que se desiludiu a
causa da existência do grande continente desaparecido, que
ficou vivo só nas imaginações fantásticas, todavia presenteou
com uma visão muito articulada, e intelectualmente mais
satisfatória da história da Terra.
A atual teoria da Tectônica e placas é muito
recente e surge da teoria da deriva continental, exposta por
Alfred Wegener (1880-1930) no seu livro “A formação dos
continentes e dos oceanos“ de 1910. Wegener recolhe uma
série de indícios e deduz que os continentes, num determinado
[35]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

tempo, deveriam ocupar posições diferentes das quais ocupam


atualmente e de estarem unidos. Wegener comunicou o
próprio raciocínio de observação inicial de que as costas da
América do Sul e da África parecem se complementar e talvez
fossem unidas. Dando prova de ser um cientista eclético,
recolhe provas provenientes dos campos científicos diversos,
como, por exemplo, da Geologia, Paleontologia e Paleo-
climatologia. Wegener reconhece de confirmações anteriores
da hipótese sobre o passado de união dos continentes sul-
americano e africano, uma continuação entre as camadas
geológicas africanas e sul-americanas. Além disso, nas rochas
carbônicas e permeáveis da Argentina, Ilhas Falklands, África
do Sul, Índia, Austrália e Tasmânia, foram encontradas
evidências de uma antiga glaciação. Se os continentes fossem
providos na sua posição, isto teria sido um comportamento de
que no Carbonífero e no e Permiano o hemisfério boreal
tivesse apresentado um clima de calor tropical e aquele austral
fosse inteiramente coberto de gelo. Esta situação absurda
poderia ser facilmente explicada supondo que os continentes
austrais fossem reunidos e posicionados mais vizinhos ao polo
sul. Wegener, em particular, observou que na África e na
América do Sul se encontravam fósseis da mesma espécie, mas
que estas não seriam capazes de atravessar um oceano.
Eventuais pontos da Terra não teriam podido desaparecer,
porque a crosta continental, mais ligeira, não poderia afundar
na oceânica, mais densa e pesada. Também porque a
distribuição dos animais atuais, objetos de estudo da
Zoogeografia, coloca em evidência que alguns grupos muito
antigos presentes na América do Sul, têm os mesmos parentes
mais próximos dos grupos da África. Um exemplo neste
sentido é representado pelos peixes dipnóicos de água doce,
presentes na América Meridional do gênero Lepidosiren, na
África com Protopteros e na Austrália com o gênero Neoceratodus,
contudo, pensamos também nos pássaros ratitas, como, por
exemplo, a ema sul-americana (Rhea americana) e o avestruz
africano (Struhio camelus). Ao contrário, grupos geologicamente
[36]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

mais recentes mostram grandes diferenças, como, por exemplo,


a distinção entre os macacos platirrinos do Novo Mundo e os
catarrinos do Velho Mundo. As semelhanças entre os grupos
mais recentes são devidas das “convergências evolutivas”; se
pretende indicar com esta expressão, que soluções parecidas
foram desconsideradas de organismos diversos; alguns
exemplos, particularmente apreciáveis, são semelhantes aos
colibris, iguanídeos, cactos na América do Sul com nectarinas,
agamidos e euforbiáceas suculentas na África.
Wegener, contudo não conseguiu individualizar
um mecanismo eficaz para poder explicar de modo acadêmico.
Os mecanismos invocados por Wegener, como a rotação da
Terra e a atração lunar, implicavam forças muito debilitadas
para poder confirmar a movimentação das massas continentais.
Só em seguida, após a descoberta dos dorsais oceânicas graças
às explorações submarinas, a teoria de Wegener foi ao auge. Os
dorsais oceânicos são grandes cadeias montanhosas que se
localizam no fundo dos oceanos, junto aos quais se tem a saída
de material magmático e a formação de nova crosta. A datação
paleo-magnética dos dorsais oceânicos, efetuadas após a
segunda guerra mundial, demonstraram a parte central ser mais
jovem, confirmando a teoria de Wegener e fornecendo-lhe um
mecanismo eficiente para explicar o deslocamento dos
continentes.
Hoje a teoria da placa tectônica, originada da teoria
da deriva dos continentes, faz parte de cada texto de ciência e é
universalmente aceita, enquanto que com um mecanismo
relativamente simples, é capaz de se explicar múltiplos
fenômenos.
A superfície da Terra está em continua
modificação, os continentes se deslocam e se encontram
formando novas cadeias de montanhas, enquanto as
montanhas existentes sofrem erosão e se planificam, o magma
ferve novamente podendo fazer nascer novos vulcões ou nova
crosta, os mares são cheios dos sedimentos. E obviamente,
[37]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

enquanto a crosta terrestre sofre todas estas mudanças,


também os ambientes deslocados se modificam, o clima muda
seguindo a latitude, a altitude, a circulação das correntes
marinhas e atmosféricas, etc. Os organismos reagem a todas
estas mudanças, transferindo-se para ambientes mais
favoráveis, ‘’evoluindo’’ ou extinguindo-se. A história que um
geólogo hoje pode ler nas camadas rochosas é muito complexa
e fascinante quanto pudessem terem imaginado os primeiro
cientistas que se ocuparam do assunto.

Quando dois mundos colidem:


O grande intercâmbio americano...

Há cerca de três milhões de anos acontece à


emersão do istmo do Panamá, colocando em ligamento o
continente norte americano com o continente sul americano. A
América do Sul terminou assim um longo período de
isolamento começado cerca de 84 milhões de anos, quando se
separou da África. A abertura do Atlântico meridional durante
o Cretáceo Superior, a última época do Mesozoico, determinou
então a separação da África e América Meridional. Quando
acontece a separação, os ecossistemas das terras emersas eram
dominados por grandes dinossauros, mas os mamíferos já
estavam presentes e diferenciados nos principais grupos:
Prototheria, ou Monotremata (que colocam ovos), Metatheria
ou marsupiais e Eutheria ou placentários. Com a separação da
África, animais e plantas sul-americanas se encontram
completamente isolados do resto do mundo; cerca de 65
milhões de anos, com a extinção dos dinossauros, ficaram
disponíveis numerosos conchiferos ecológicos e os mamíferos
tiveram uma extraordinária adição reparativa.
A América do Sul é um enorme laboratório natural
e as estradas da evolução levaram os marsupiais presentes em
direção a soluções adaptativas únicas. Muitas formas evoluídas

[38]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

na América do Sul eram endêmicas deste continente e não


tiveram correspondentes no resto do mundo. Entre os grupos
mais importantes eram seguramente os xenartros, que devem o
seu nome (do grego: “estranha articulação”) a presença de uma
articulação acessória entre as vertebras, ausentes em todos os
outros mamíferos. A superordem dos Xenartros, a qual é
pertencente os Vermilingua (tamanduás), Pilosa (preguiças) e
Cingulata (armadilhos). Entre os representantes extintos deste
grupo recordamos os gliptodontes, as preguiças-gigantes e os
pampatéridos. Outros animais eram inclusos na superordem
dos Meridiungulata, que incluíam Pyrotheria (semelhantes aos
elefantes, com incisivos transformados em presas),
Astrapotheria (semelhante a um hipopótamo, talvez com uma
pequena tromba de elefante, patas posteriores robustas e as
inferiores delgadas), Notoungulata (um grupo muito
diversificado que incluía animais de tamanhos variados entre
um coelho e um rinoceronte) e Lipoterna (semelhantes aos
camelídeos, representante mais famoso deste grupo é
Macrauchenia). Os principais predadores eram grandes pássaros
inaptos ao voo. Entre os mamíferos predadores eram os
Sparassodonta, incluindo tilacosmilidos, borhyenidos e
proborhyenidos. Por ter uma dieta à base de carne, estes
marsupiais não eram aparentados com a atual ordem
Carnívora, pertencendo aos mamíferos placentários. Enfim,
eram os paucitubercolados, um grupo de pequenos mamíferos
insetívoros ou frutívoros, aos quais pertencem apenas os
cenolestidos ou gambá-musaranho, encalhados e limitados
pelos Andes.
Destas faunas o mais surpreendente, sobretudo,
são as convergências evolutivas de formas muito distintas.
Entre elas, verso a solução anatômica semelhante, como, por
exemplo, a Macrauchenia, um mamífero litopternos sul-
americano muito semelhante ao lhama, um camelídeo hoje
difuso nas mesmas áreas e em ambientes semelhantes.

[39]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Darwin, durante a sua viagem ao redor do mundo


a bordo do bergantim H.M.S. Beagle, teve maneira de observar
fósseis de Macrauchenia e notou a grande semelhança com os
camelídeos, mas também que o número de dedos que
apoiavam por terra era diferente. Por ter classificado
erroneamente Macrauchenia entre os perissodáctilos (animais
que se apoiam sobre o terreno com um número dispare de
dedos como cavalos, tapirus e rinocerontes) Darwin, todavia
considerou este encontro um estimulo ao raciocinar sobre a
convergência evolutiva.
Uma das formas de convergência evolutiva mais
peculiar é representada seguramente por Thylacosmilus, um tigre
com dentes de sabre marsupial. A semelhança com os
verdadeiros tigres com dentes de sabre é extraordinária,
sobretudo considerando que Thylacosmilus não era um felino,
mas um marsupial sparassodont. Tratava-se de um animal
particular, enquanto os caninos superiores desenvolviam as
próprias raízes até acima das orbitas e, a diferença dos tigres
dos dentes de sabre placentais era de crescimento contínuo.
No passado se pensava que estes animais foram extintos pela
competição direta com Smilodon, proveniente da América do
Norte, mas em realidade o encontro não teria modo de
acontecer porque Thylacosmilus era já extinto ao menos 1 milhão
e meio de anos antes da chegada do tigre dos dentes de sabre
norte-americano. A estrutura esquelética muito maciça das
patas anteriores de Thylacosmilus é muito semelhante daquela
dos vários tigres dos dentes de sabre e é provável que
utilizassem a mesma técnica de parar a presa e imobiliza-la
antes de mata-la.
O istmo do Panamá tem uma dupla função: de um
lado liga o norte e o sul da América, por outro lado isolou o
oceano Atlântico e o oceano Pacífico. A formação do istmo,
além de alterar a circulação das correntes oceânicas bloqueando
a Corrente Norte Equatorial, permite a instauração da Corrente
do Golfo. A formação do istmo vem em concomitância com
[40]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

uma fase glacial que provocou o abaixamento do nível marinho


e, na zona do Golfo do México, reduziu notavelmente o
encalhe (geográfico) de muitos invertebrados marinhos. Esta
situação de água baixa e quente fornece o ambiente ideal para
muitos corais, já há cerca de 3,5 milhões de anos se teve a
formação das barreiras coralinas no Mar do Caribe e um
aumento das espécies foraminífero bentônico. A barreira
coralina, fornecendo um habitat favorável, provocou
consequentemente também um aumento de biodiversidade
entre os outros organismos marinhos. A migração de faunas
entre norte e sul da América é notada entre os estudiosos com
o acrônimo de GABI (Great American Biotic Interchange).
A leitura tradicional do evento supunha a
supremacia dos eutérios, mamíferos, placentais, que chegavam
ao sul da América e por competição levaram a extinção os
metateri, os mamíferos e os marsupiais. Os eutérios tinham
maiores sucessos por serem ‘‘mais evoluídos’’ e mais avançados
na “escala de evolução” (já discutimos anteriormente que o
grau da evolução em realidade é simplesmente função de
adaptação a um próprio ambiente particular). A troca faunística
entre o norte e o sul da América foi bastante balanceada. A
sucessiva afirmação evolutiva dos mamíferos placentais é
procurada na maior taxa de especificações que tiveram na
América do Sul, provavelmente ligado também no habitat
muito favorável, muito mais vastos dos que os que
encontraram. Além da América do Norte, estar em contato
com o continente euroasiático, do qual atingiam
ocasionalmente novos grupos de animais: estes migrantes
aumentavam a biodiversidade. A fauna da América do Norte
era muito mais diversificada do ponto de vista do número de
famílias presentes. Muitos marsupiais que conseguiam chegar
ao continente norte americano ficaram lá confinados,
colonizaram territórios mais restritos e andaram menos ao
encontro a fenômenos de especialização. A diferença do
sucesso de dois grupos não é de procurar uma “superioridade

[41]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

biológica” quanto mais em fatores biológicos e ambientais. O


absurdo das hipóteses de uma “superioridade biológica” vem
do óbvio, avaliando a expressão da biodiversidade das
Metatheria sul americana e como alguns exponentes deste
grupo de convergência evolutiva tivessem assumido formas
extraordinariamente parecidas as suas contrapartes formas
extraordinariamente parecidas as suas contrapartes norte-
americanas. As adaptações, parecidas desenvolvidas por grupos
animais não aparentados, são devido ao fato de ocuparem o
mesmo nicho ecológico. As soluções anatômicas funcionais
para afrontar problemas semelhantes são evidentemente
limitadas. Os estudos desenvolvidos em Grande Intercâmbio
Americano revelaram que foi tratado de um fenômeno muito
mais complexo do que suposto inicialmente. Recentemente se
acertou que foram alguns precursores que conseguiram passar
de um continente a outro antes que a ponte de terra se
formasse completamente. Porém foi possível graças à presença
de algumas ilhas formadas em seguida ao desenvolvimento de
um arco vulcânico, data da colisão da zona caraíbica com a sul-
americana. Essas primeiras dispersões ocorridas antes da
formação do istmo não fazem parte ao GABI verdadeira, mas
são das dispersões pré GABI. As dispersões pré Gabi do sul
em direção ao norte foram protagonizadas principalmente
pelos xenartros, todavia também cricetidos e pássaros ratitas.
Os animais envolvidos nessa dispersão do norte verso ao sul
fazem parte grupos mais heterogêneos, como os carnívoros,
pecari e camelídeos. Estes foram os pioneiros, porém ficaram
confinados geograficamente e não conseguiram difundir-se
ulteriormente no continente colonizado. A causa deste
bloqueio é de procurar, no clima tropical da América central,
por animais bem adaptados a essas condições e que não
conseguiam difundir-se nas áreas com clima e habitat
diferentes. As primeiras passagens foram aquelas das
Thinobladistes e Pliometanastes na América do Norte entre 8,5 e 9
milhões de anos e aquele dos procionídeos Cyonasua na
América do Sul 7,3 milhões de anos. Em seguida da origem as
[42]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

preguiças-gigantes Megalonyx. Por volta de 6 milhões de anos


teve também a passagem dos sigmodontinos, uma subfamília
dos cricetidos, que deve o seu nome a típica forma dos seus
dentes molares. A passagem sucessiva é testemunho do
encontro de achados no Texas do grande pássaro não voador
Titanis há 5 milhões de anos. Titanis walleri era um pássaro
predador de 2 metros e meio de altura e que podia pesar
aproximadamente 130 quilos. Este animal notável, vulgarmente
chamado de pássaro do terror, foi o único predador de grande
porte a colonizar o continente norte americano. Há pouco
tempo foram encontrados em Guanajuato, no México, dois
xenartros: o pampatéridos Plaina e o milodontidos
Glossotherium. Glossotherium, originário da América do Sul,
chegou ao México entre 4,8 e 4,7 milhões de anos e ficou
confinado; os recorrentes achados no Arizona se referem a três
milhões de anos.
As trocas pré GABI entre 4 e 3 milhões de anos se
intensificaram e viveram na paisagem por ao menos outros 6
migrantes. Entre estes, era o gliptodonte Gliptotherium que teve
o seu desaparecimento em Guanajuato, há cerca de 3,9 milhões
de anos e presente no México até 2,7 milhões de anos, quando,
finalmente, conseguiu ocupar a América do Norte. Sempre em
Guanajuato se registra a presença do roedor idroceridos
Neochoerus. Neste seguiu o xenartro Pampatherium.
Da América do Norte teve invasão de um
taiassuídeo, o pecari Platygonus, 3,7 milhões de anos o
camelídeos Lama. A grande divisão, além de zonas equatoriais
dessas duas espécies é de procurar no entre ‘’Optimum’’
Climático Plioceno (3,25-3,05 milhões de anos) que provocou a
formação de ambientes de savana funcionando como
verdadeiros e próprios corredores ecológicos para atravessar o
continente. Esses migrantes do norte encontraram uma
continuidade ambiental que facilitou a sua dispersão. Basta
considerar que os pecaris Platygonus conseguiu atingir até a
Argentina há 3,1 milhões de anos.
[43]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

O GABI propriamente dito é sucessivo a


formação do istmo do Panamá, enquanto implica a passagem
através dessa ponte de terra. Atualmente se pode subdividir
esse fenômeno em quatro fases, sendo possível considerar
como a pulsação provocada pelos ciclos glaciais. Durante o
avanço glacial as savanas secas se difundiram até outras
latitudes tropicais e as florestas pluviais contraíram-se até a
transformação de áreas refúgio. As fases do GABI
testemunham sedimentos de ambientes de savana no meio da
região americana, o que fugia assim dos corredores ecológicos.
Isso era em continuidade com ambientes semelhantes, que se
estendiam no continente. A savana brasileira ou cerrado, com 2
milhões de km², atualmente cobre cerca de 23% do território
do brasileiro, representa um bioma muito antigo e rico em
biodiversidade. Durante as fases glaciais a savana localizada no
meio do continente americano estava em contato com a
brasileira e as espécies em dispersão tinham a sua disposição
amplos espaços para colonizar. Ao contrário, indo em direção
a América setentrional, era distribuída sobre um areal muito
mais reduzido, constituindo então um obstáculo para a
dispersão da fauna. Os areais disjuntos de muitas espécies
atuais testemunham que as várias áreas de savana deveriam
estar ligadas entre elas. Uma ulterior vantagem da glaciação foi
dada pelo abaixamento do nível marítimo, que também teve
relação com a porção do istmo emersa, como fosse maior,
alargando sensivelmente a ponte natural entre os dois
continentes. A maior capacidade de difusão em direção ao sul
foi possível graças à presença da Cordilheira dos Andes, que
atravessa todo o continente. Estudos sobre pólen fósseis
encontrados na Colômbia e nas divisas de Bogotá mostraram
que na sucessão altitudinal foi mantida, também durante as
épocas glaciais, uma variedade de ambientes que permitiu a
dispersão da fauna.
O GABI I, verificado entre 2,6 e 2,4 milhões de
anos, possibilitou outra ponte de terra, formada também das

[44]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

mudanças climáticas concomitantes. O GABI I foi bem


balanceado, com 4 famílias de mamíferos do norte (canídeos,
mustelídeos, equídeos e gomfoterídeos) e quatro da América
do Sul (dasipodídeos, pampaterídeos, gliptodontídeos e
megaterídeos).
Entre os grupos provenientes do norte, os
carnívoros eram representados por canídeos, com o gênero
Pseudalopex, semelhantes a uma raposa e, de mustelídeos, com o
gênero Galictis. Entre os herbívoros tinha o grupo dos
perissodáctilos com os equídeos (Hippidion e Onohippidion) e os
proboscídeos com um gomfoterídeos, um mastodonte com
dois pares de patas.
Entre as famílias provenientes do sul, eram
dasipodídeos (com o gênero Dasypus, com aparência também
do moderno armillo), os pampaterídeos (Holmesina), os
megaterídeos (Heremotherium, uma espécie de preguiças-
gigantes) e os gliptodontídeos (Pachyarmatherium). Sempre
durante o GABI I, em virtude das condições climáticas
favoráveis e das instaurações do habitat favorável, teve a
difusão na América do Norte do Glyptotherium, surgido na
época pré GABI, mas ficou confinado no México.
O GABI II, acontecido a cerca de 1,8 milhões de
anos, teve uma preponderância de espécies do norte. O
contingente proveniente do norte era composto de ursídeos
(Arctotherium), felídeos (Felis, Puma, Panthera e o do tigre dos
dentes de sabre Smilodon), os pícaros Catagonus, camelídeos
(Paleolama e Hemiauchenia), cervídeos (Epiuryceros e Antifer), o
tapirus (Tapirus) e os proboscideos gomfoterídeos
(Stegomastodon e Cuvieronius). Do sul, conseguiram chegar os
milodontidos Paramylodon (em que alguns autores propuseram
que sejam originários de uma evolução local de Glossotherium,
agregados durante a fase pré GABI) foi sedimentado
Myrmecophaga, com uma dieta a base de formigas.
O tigre dentes de sabre, na América do Sul, esteve
presente com a espécie Smilodon populator, foi um dos maiores
[45]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

felinos que aparece sobre a Terra. Entre 1.5 e 1.3 milhões de


anos passaram diversos grupos singulares, seja em direção sul
ou ao norte, mas se trata de fenômenos e episódios que não
entram no interior das fases do GABI.
O GABI III, verificado em 800 mil anos, sempre
foi a favor das espécies da América do Norte. O único grupo
que colonizou a América do Norte nessa fase foi o opossum
Didelphis, enquanto na América do Sul chegavam os jaguarundis
Parailurus, os cervídeos Paraceros e um taiassuídeos Pecari.
O Gabi IV aconteceu há mais ou menos 125 mil
anos e teve uma exclusiva passagem em direção ao sul. Os
carnívoros foram representados por 3 famílias: mustelídeos
(como a lontra Lutra), canídeos (Canis) e felídeos (com
jaguatirica Leopardus). Depois os equídeos (Equus), leporídeos
(Sylvilagus). O único xenartro envolvido no GABI IV foi um
gliptodonte (Glyptotherium), porém viajou da América do Norte
em direção ao sul.
As passagens da fauna entre norte e sul da América
foram limitadas a estes 4 episódios principais e, com a exceção
de poucos casos, nos intervalos não aconteceram passagens. A
situação que podemos observar hoje é semelhante aquela dos
intervalos entre os vários fluxos de dispersão, com a região
mesoamericana ocupada por florestas tropicais que fogem pela
passagem de animais adaptados a viver em ambientes mais
áridos. Tal situação já era notada do paleontólogo americano
George Gaylord Simpson (1902-1984) com a palavra de pontes
filtrantes para escrever uma ponte continental que não permite
uma troca de fauna livre, mas só uma troca restrita e
determinada de formas biológicas. Outro exemplo notável de
ponte filtrante, além do istmo do panamá é representado pela
península arábica, com o seu ambiente desértico, não permite a
passagem de animais de floresta da África para a Ásia ou vice
versa.
O Gabi tradicionalmente é referido aos mamíferos.
No entanto recentemente se é interrogado também sobre
[46]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

influência que isso pode ter acontecido por outros grupos de


animais. O fator limitante é representado do registro fóssil
pelos mamíferos continentais. Para outros grupos, como, por
exemplo, os pássaros, são praticamente ausentes em particular
modo por aqueles da região equatorial. Para estudar os efeitos
da formação de ponte de terra sobre animais Passerinae se fez
então um recurso a técnicas moleculares. As famílias ligadas a
ambientes de floresta tropical (Thamnopihlidae e
Dendrocolaptidae) efetuaram uma troca só depois da formação
da ponte de terra porque um braço de mar representa para eles
uma barreira insuperável, famílias mais gerais do ponto de vista
da escolha do habitat (Thraupidae e Icteridae) tiveram um
maior grau de dispersão, chegando a colonizar também as ilhas
do caribe. Também o caso dos Passerinae confirma que a
dispersão geográfica é ligada a continuidade de um habitat.
Grupos especializados em viver em um determinado ambiente
são blocados também por pequenas barreiras geográficas, para
eles intransponíveis. Interessante notar que para Passerinae das
regiões tropicais a maior difusão foi a da América do Sul em
direção ao Norte, ao contrário de verificado para os
Mamíferos.

Outras colisões entre continentes:


África e Eurásia...

A África foi um continente isolado a partir do


Eoceno Superior tinha desenvolvido uma fauna autóctone.
Cerca de 19 milhões de anos a falha do Mar Vermelho já era
ativa do Oligoceno Superior que se abre ulteriormente
provocando a rotação anti-horária da placa árabe e a sua
colisão com a placa anatólica. A passagem marítima, o mar
Mediterrâneo e o oceano Indo-Pacífico se fecham com a
formação de uma ponte de terra ligando a Eurásia à África.
Essa passagem é notável, como a ponte dos gonfoteros,
enquanto os proboscídeos foram os primeiros a passar. A
[47]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

formação dessa ponte, mesmo no caso do istmo do panamá,


teve importantes repercussões sobre a fauna. Muitos
antepassados dos grandes mamíferos, que atualmente
associamos as savanas africanas, vieram da Eurásia. Também as
faunas da África difundiram-se na Eurásia chegando, em alguns
casos, através do estreito de Bering, colonizando também o
‘’Novo Mundo’’. O gênero Homo se originou na África, para
depois difundir-se com sucesso em todo o planeta. As trocas
faunísticas entre África e Eurásia foram múltiplas e sobre uma
escala temporal longuíssima; e serão estudados brevemente em
4 fases. Antes do contato Eurásia e África não tinham zebras,
rinocerontes e suídeos. Os herbívoros mais difundidos eram os
hyraxes, diferenciados em um grande número de espécies de
diversos tamanhos e morfologias. Tinham depois
antracoterídeos de aspectos semelhantes aos hipopótamos, e
aos proboscídeos primitivos, muito menores do que os
elefantes atuais e ainda não haviam desenvolvido a
característica proboscídea. Entre os proboscídeos existiam
também animais como Arsinoitherium, de aspecto similar ao
atual rinoceronte, porém com dois grossos chifres ósseos na
cara.
Os carnívoros presentes pertenciam à ordem
atualmente extinta creodonta, um grupo bem distinto da atual
ordem carnívora. Os creodontes eram diferentes dos atuais
carnívoros pela dentadura, enquanto nos carnívoros os pares
de dente carnassiais são sempre constituídos do quarto pré-
molar superior e do primeiro molar inferior, nos creodonta
existiam dois pares do primeiro e segundo molar superior e do
segundo e terceiro molar inferior.
Entre os grupos que se difundiram na Europa
neste primeiro período podemos contar os proboscideos
gomfoterídeos e os primatas hominoides. Gomphotherium era
um proboscídeo de tamanho de um elefante indiano dotado de
4 patas, um par superior e um par inferior. Pouco depois da
passagem dos gomfoterídeos foram à vez de outro grupo de
[48]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

proboscídeos, os deinoteris. Deinotherium giganteum, estes


poderiam chegar a quatro metros de altura e eram
caracterizados por um único par de chifres inseridos na
mandíbula e voltados para baixo. Com os primeiros
proboscídeos chegaram também os lagomericídeos, cervídeos
primitivos que conviviam com os mosquídeos, ainda com
algumas características primitivas, como os longos caninos
superiores nos machos.
Neste período na Europa chegaram também os
migrantes na América do Norte, entre eles os equídeos
Anchitherium. Sabe-se também que no primeiro
desaparecimento do tragulídeos Dorcatherium, um grupo de
ruminantes primitivos, hoje confinados nas florestas tropicais
africanas e do sudeste asiático. Da Ásia, chegaram à Europa
girafas e bovinos. As girafas, provavelmente, originando-se no
Paquistão com Progiraffa, se difundiram na Europa com os
gêneros Teruelia e Lorancameryx. Os bovinos provavelmente
originando-se na Ásia colonizaram concomitantemente Europa
e Ásia. Muitos mamíferos atualmente típicos da África
chegaram da Ásia e da Europa.
Com a formação da ponte, há cerca de 19 milhões
de anos, entre os primeiros grupos a invadir a África foram os
perissodáctilos, ungulados, caracterizados por ter um número
impar de dedos. Entre os perissodáctilos que invadiram a
África, aparecem os primeiros rinocerontes e calicoterídeos. Os
calicoterídeos são um grupo de animais que se extinguiram há
2 milhões de anos, que tinham um aspecto muito bizarro. A
cabeça semelhante à de um cavalo, as patas anteriores muito
longas indicavam uma locomoção semelhante a do gorila,
dotado de grossos artelhos que provavelmente serviam para
escavar.
Entre os primeiros artiodátilos, os unfulati com
números pares de dedos, que invadiram a África foram os
climatocerídeos (um grupo estreitamente aparentado com as
girafas, antílopes e suídeos primitivos). Entre os primeiros
[49]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

verdadeiros carnívoros a entrar na África foram os felídeos, os


mustelídeos e anficionídeos; estes, porém não substituíram
imediatamente os creodontes, que continuaram a prosperar
com a família dos nimravídeos.
Durante o Mioceno Médio, cerca de 15 milhões de
anos, os movimentos tectônicos levaram importantes
mudanças ambientais na África. Neste período o fechamento
do mar de Tétis, levou uma modificação na circulação das
massas das áreas úmidas e da distribuição das chuvas, se
instaurou uma estacionalidade, ou seja, a definição das
estações. A consequência sobre a vegetação foi uma
fragmentação das florestas, assim como uma difusão das
pradarias e da savana arborizada. Nesse período chegaram às
primeiras hienas, representadas inicialmente de pequenas
espécies, insetos ou onívoras semelhantes aos mangustos. Os
mastodontes, proboscídeos da floresta com dentes adaptados a
mastigação de folhas tenras, deram origem aos vários elefantes,
caraterizados por uma dentadura altamente especializada por
uma dieta básica de vegetais muito mais abrasivos.
Há cerca de 10 milhões de anos atingiu ao
primeiro equídeo, Hippotherium primigenium, com 3 dedos por
pata. Os equinos se originaram na América do Norte e depois
se difundiram em todo o mundo em ondas migratórias
sucessivas.
Em cerca de 8 milhões de anos teve inicio uma
terceira onda migratória veio firmar-se com muitos herbívoros
típicos da savana. Da Ásia chegaram à África as primeiras
girafas, caracterizadas por corpos maciços, pescoço curto e
chifres de aspecto bizarro como, por exemplo, Sivatherium. No
mesmo período chega também o antepassado do atual
rinoceronte branco. A partir de 6,5 milhões de anos chegaram
numerosas subfamílias dos antílopes: ippotraginos, reduncinos,
alcelafinos e epicerotinos. Os antílopes epicerotinos, desde que
apareceram não tiveram mostrado modificações, talvez porque
a única espécie dessa subfamília a impala (Aepyceros melampus),
[50]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

com a sua dieta generalista e pouco especializada conseguiu


adaptar-se a mudanças climáticas e ambientais. Ao contrário, as
outras subfamílias de antílopes, extremamente especializadas na
dieta, estiveram sujeitas a elevadas taxas de especialização e
extinção. Contemporaneamente se teve uma ulterior invasão de
hienas e felinos. As hienas deste período tiveram aspecto muito
semelhante aos caninos (mesmo as hienas pertencendo à
subordem dos feliformes) e entre os gêneros principais estão
os Ictitherium, Hyaenictitherium, Lycyena e Hyaenictis. Entre os
felinos agregados neste período foi o tigre dos dentes de sabre
Machairodus.
A última dispersão se teve na passagem entre
Plioceno e Pleistoceno e comportou a definição atual faunística
na África. A desertificação do Saara, entre 2.5 e 2 milhões de
anos, teve a consequência de separar os vários biomas. O
gênero Homo saiu da África em três momentos notáveis na
literatura científica com o Out of África. No primeiro Out of
África se verificou mesmo por volta de 2 milhões de anos:
algumas populações de Homo ergaster, talvez mesmo para fugir
para o não árido do Saara, que se difundiu em direção leste. A
colonização da China se diferenciou na espécie Homo erectus. O
caminho do Homo ergaster em direção a Europa se pode seguir
graças a uma série de sítios mais recentes e da acumulação de
pequenas diferenças morfológicas e, por volta de 1,85 milhões
de anos há o testemunho encontrado em Dmanisi, na Geórgia,
de uma espécie humana arcaica, denominada Homo geórgicus, se
tratando de um momento da mais antiga presença humana
encontrada fora da África. Muito provavelmente o Homo
geórgicus é uma espécie derivada do Homo ergaster, com quem
divide muitos caracteres anatômicos, se difundindo verso a
Europa, aonde teve origem ao Homo antecessor. As sucessivas
testemunhas da presença do gênero Homo na Europa
encontram-se na Espanha (Atapuerca), na Itália (Pirro Norte) e
na França (Pont d’ Cavaud e Le Vallonet).

[51]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

O segundo Out of África se coloca em cerca de 700


mil anos e vê o ingresso na Europa do Homo heidelbergensis,
depois dará origem ao Homo neanderthalensis, que então não é
um antepassado da nossa espécie.
O terceiro e último Out of África acontece em cerca
de 100 mil anos, em que aparece como protagonista a nossa
espécie Homo sapiens, originando-se na África há
aproximadamente 200 mil anos. O sucesso do Homo sapiens foi
enorme, tanto que colonizou todo o planeta em tempo
relativamente breve. Na Europa Homo sapiens chega há 45 mil
anos. Paulatinamente o homem de Neandertal restringe-se
sempre mais a sua área, até desaparecer por completo há
próximo de 35 mil anos. Por volta dos 45 mil anos o Homo
sapiens atinge também a Austrália. No novo mundo, a América
do Norte é atingida por volta dos 25 mil anos e a América do
Sul a partir dos 15 mil anos. Paulatinamente o Homo sapiens se
difunde pelo mundo e assiste a extinção da megafauna; todos
mamíferos de grandes dimensões desaparecem em
concomitância com o aparecimento da nossa espécie, que
encontrou assim uma presa fácil e disponível, enquanto no
resto do mundo, como já foi dito, depois das grandes
glaciações se assiste a extinção da megafauna, com notável
perca da biodiversidade, a frisar que na África isso não
acontece. A extinção na África atinge poucos grupos, em
muitos casos se teve apenas as extinções locais.

Conclusão...

A interação entre os organismos viventes e


ambientes em que vivem são múltiplas e complexas. A visão
moderna e dinâmica dos ecossistemas da evolução dos
organismos pela seleção natural e da geologia, aos antípodas, a
respeito da visão precedente, que era estática. A concepção do
mundo como criação perfeita desejada por Deus, desde o
início, assim como a conhecemos hoje, resulta-se difícil de
[52]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

conciliar com a teoria da evolução. No fim do século XVIII era


difusa a teologia natural, cujo objetivo era indagar a existência e
a natureza de Deus a partir da sua criação. A obra mais célebre
sobre argumento é seguramente aquela do pastor anglicano
Wiliam Paley (1743-1805) publicada em 1802: Teologia natural ou
evidência de existência e atributos do divino. Paley recorre a uma
argumentação famosíssima: se em pleno campo debatermos
em um relógio, não pensamos que este seja originado
espontaneamente, mas que seja feito por um relojoeiro;
analogicamente as estruturas complexas dos organismos não
possam ser formadas de só fruto da obra de um relojoeiro, ou
seja, de um criador. Paley era um grande observador da
natureza e forneceu numerosos exemplos de adaptações a
favor das suas hipóteses. A leitura da sua obra influenciou
Darwin que, então, na “Origem das espécies”, levou uma
pletora de exemplos contrários de atos a demonstrar que é
tudo outra coisa perfeita. O mecanismo da seleção natural é
simples, mas extremamente eficaz para uma prestação de
contas em termos naturalísticos (e, porém, sem ter que recorrer
a um “relógio divino”) de todos os casos de adaptação que
observamos na natureza, o relógio enquanto objeto inanimado
necessita de um relojoeiro, um organismo vivente enquanto
complexo não, os organismos viventes se modificam devagar
durante o curso das gerações em resposta aos estímulos
ambientais. Se os observamos bem e se os prendemos em
consideração os testemunhos fósseis, descobrimos que
adaptações e imperfeições derivam da sua história evolutiva.
Os organismos não são perfeitos sobre todos os pontos de
vista. Nem a sua presumida perfeição é indício de um
interventor, criador particular da parte de um “projetista
divino” como indicado pelos sustentadores do assim dito
“desenho inteligente”; esses, porém, são a confirmação da
acomodação de estruturas já existente. A teoria elaborada por
Darwin funciona bem, se uma prestação de contas das
adaptações descritas por Paley seja das imperfeições enquanto
se considera os organismos como o fruto de uma história. O
[53]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

conceito de história evolutiva é o nó central da compreensão.


A paleontologia se revela uma disciplina complexa, que deve
conciliar as metodologias de estudos histórica, do biólogo e do
geólogo. O resultado da interação destas disciplinas que
fornecem uma fascinante descrição da historia da vida do
nosso planeta.
Todas estas disciplinas confirmam que a historia da
Terra é muito mais longa do que poucos milhões de anos,
hipnotizados inicialmente; atualmente se estima que ela tenha
uma idade de cerca de 4 milhares e meios de anos. A vida
precede de como se foi originada, mostra-se muito ligeira
(cerca de 4 milhares de anos) mas foi só entorno de 2.7
milhares de anos que se desenvolveu os primeiros organismos
pluricelulares. Com o advento pluricelular, se teve uma
radiação evolutiva, os primeiros que apareceram muitos
organismos e se diversificaram enormemente, indo ocupar as
conchas ecológicas disponíveis.
Os organismos fotossintéticos, absorvendo
anidrido carbônico e produzindo oxigênio como elemento de
descarte, modificou a composição da atmosfera,
transformando-a em semelhante a atual. Também do ponto de
vista geológico, as mudanças foram muito importantes, as
colisões entre as placas tectônicas trouxeram para a formação
de cadeias de montanhosas, em outros pontos se formaram
arcos vulcânicos, novos oceanos foram abertos, etc.
Algumas variações na excentricidade da órbita, na
precessão dos equinócios e na inclinação orbital tiveram a
definição de alguns grandes ciclos (ditos ciclos de
Milankovitch), periodicamente terminaram alternância dos
períodos glaciais e interglaciais. Todas estas mudanças
geográficas e climáticas alteraram as condições de ambientar-
se, constrangendo os organismos que se adaptava a mudança.
Os organismos mais adaptável e restrito a condições
ambientais são chamados estenoecios enquanto aqueles menos
seletivos nos confrontos dos parâmetros ambientais são
[54]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

chamados euriecios; os primeiros são muito avantajados em


um ambiente estável, mas são extremamente vulneráveis as
mudanças ambientais, enquanto os segundos são mais
resistentes. Organismos muito especializados serão, então,
sujeitos a taxas de extinção mais elevadas em quando bastará
uma pequena mudança a colocar em balanço o seu delicado
equilíbrio com o ambiente. Também as taxas de evolução,
porém serão maiores para estes organismos, enquanto a
seleção natural operante será muito forte. Condições
ambientais muito estáveis no tempo levam a evolução do
ecossistema inteiro, até o estagio assim dito “de clímax”,
alcançado quando a seleção de todos componentes bióticos
estão em equilíbrio entre eles. Atualmente os ecossistemas mais
complexos e ricos de biodiversidade são aqueles da floresta
tropical e das barreiras coralinas, Como temos visto no Grande
Intercâmbio Americano, variações nas extensões dos vários
ecossistemas são naturais e são revestidas de uma função
importante, causando a difusão e o isolamento de grupos
animais e vegetais. Atualmente estes ecossistemas estão
ameaçados por um fator que esta alterando as condições
naturais: o Homem. A extinção das florestas e a poluição estão
causando a perda de um incredível patrimônio de
biodiversidade. A perda do habitat é uma das principais causas
da extinção. As populações que restam, isoladas em pequenas
áreas distintas entre elas, estão majoritariamente sujeitas ao
risco de extinção, enquanto ao verificar eventos acidentais,
ocorre um impacto maior sobre as pequenas populações.
A paisagem tornou-se antrópico. A paisagem
natural hoje não existe mais quanto tal, se não em algumas
áreas remotas do planeta. O impacto do homem sobre os
vários ecossistemas é muito forte; então é importante que
procuremos fazer o nosso melhor para encontrar novas
maneiras de salvaguardar o nosso planeta, na constante procura
necessária de um equilíbrio entre colonização e tutela, entre
exploração dos recursos e do respeito dos mesmos.

[55]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Agradecimentos

Os meus mais sentidos agradecimentos para


Amerigo Barzaghi, Stefano Rossignoli, Sara Daffara e, aos
meus genitores que leram o primeiro texto e que me deram
conselhos uteis e sugestões.

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[59]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

CAPÍTULO 3

Ambiente e sociedades humanas:


Interação e condicionamento.
Gabriele Luigi Francesco Berrutti, Mestre.

O que é Ecologia?

Esta pergunta pode parecer trivial e


completamente desvinculada do argumento tratado neste livro,
particularmente neste capítulo. No entanto não é assim. O
termo ecologia entrou há um longo tempo no vocabulário
científico, civil e político, e os maus entendidos surgem porque
a mesma palavra assume diferentes significados, a depender
dos contextos em que são usadas. Comumente, este termo
refere-se ao ambiente que nos rodeia e, é geralmente associado
ao conceito de preservação do que é chamado genericamente
de "Natureza". Em outros contextos a palavra ecologia pode
ser usada para evocar o fluxo de matéria e energia que permeia
o ecossistema. Tal como quando se trata da ecologia do ciclo
da água, a partir do qual a gota de chuva retorna para formar as
ondas, ou, o ciclo do nitrogênio e outros elementos químicos
necessários para a vida. Bem, a Ecologia entendida como uma
disciplina científica é tudo isso e muito mais.
A ecologia é uma ciência relativamente jovem: o
primeiro a usar este termo foi o naturalista alemão Ernst
Haeckel (1834-1919), que em seu tratado Generelle Morphologie
der Organismen, de 1886, definiu o termo ecologia com estas
palavras:
[60]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Por ecologia, entendemos o estudo da


economia da natureza e da forma de habitar
dos organismos [...] incluindo as relações de
animais com o ambiente inorgânico [...] e
aqueles direto e indireto, com as plantas e
outros animais [...] em sentido restrito, que
inclui todas as condições de existência.

Alguns anos depois, Karl August Möbius (1825-


1908) introduziu outro conceito fundamental para a nossa
discussão, denominado de conceito de biocenoses ou
comunidades bióticas. Este termo vem das palavras gregas βιος
(bios = vida) e κοινος (koinosis = comum) que indica
comunidades de espécies que vivem em um ambiente
particular, isto é, uma área em que o meio físico e as condições
ambientais são constantes. Visto por este prisma, podemos
definir a biocenoses como uma imensa rede de relações entre os
seres vivos e elementos inorgânicos em um mesmo ambiente.
Ampliando este conceito, podemos começar a definir todo o
nosso planeta como uma imensa comunidade biótica.
Para dar uma ideia da imensidão e complexidade
das relações que ligam os organismos, podemos citar a
passagem do excelente livro Homens e Ambientes de Giorgio
Manzi e Alessandro Viena (2009) que, por sua vez, cita a
engraçada introdução do Manual de Ecologia de Roger Dajoz
(1972):

Darwin [...] estudou as flores do


trevo vermelho e as flores amor-perfeito e suas
relações com os bombos (Bombus: Latreille,
1802). Somente bumblebee visita o trevo
vermelho, porque o outro, Hymenoptera, não
[61]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

pode alcançar o néctar. Podemos, portanto,


achar muito provável que, se as espécies de
zangão desaparecerem, ou tornar-se muito
raro na Inglaterra, o amor-perfeito e trevo
vermelho se tornaria muito raros ou até
mesmo desapareceriam por completo. Além
disso, o número de abelhas em qualquer um
distrito depende em grande medida do número
de ratos, que destroem> [...] Por outro lado,
o número de ratos depende essencialmente do
gatos e, o coronel Newman acrescenta: <eu
notei que os ninhos de abelhas são mais
abundantes nas aldeias e pequenas cidades,
que atribuo ao maior número de gatos que
destroem os ratos. Dada a presença de
abelhas e ratos, por isso, é bem possível que a
intervenção de um felino em uma localidade
pode determinar a abundância de algumas
espécies de plantas>. Haeckel disse então que
o trevo [...] serve de alimento para o gado que
é a comida principal da Marinha, a carne
bovina. Gatos, por conseguinte, ajudam a
tornar a Inglaterra uma grande potência
marítima. Thomas Huxley foi mais longe,
sugerindo que as solteironas Inglêsas, por
causa de seu amor excessivo pelos gatos, são,
portanto, a origem do poder da marinha
britânica!

Este raciocínio parece absurdo, mas define


claramente os laços estreitos que ligam os vários elementos de
uma biocenose. Neste capítulo, trataremos especificamente das
relações que ligam o animal mais complexo do nosso planeta, e
os muitos diversos ambientes em que é capaz de sobreviver: o
Homo sapiens.
[62]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Ambiente, Cultura e Ecologia Humana...

Se ecologia estuda as interações entre os seres


vivos e seu ambiente, estudaremos a relação entre o Homem e
os vários ambientes em que, ao longo de milênios, conseguiu
prosperar. Na prática vamos falar sobre a ecologia humana,
sendo esta a ecologia de uma espécie em particular e bastante
intrusiva, a única espécie capaz de mudar o equilíbrio das
comunidades bióticas em nosso planeta.
Ao analisar a variabilidade de adaptações da
espécie humana leva-se em conta, especialmente, o papel
primordial que a cultura desempenha na definição da relação
entre nossa espécie e o meio ambiente. A cultura é, de fato, um
recurso fundamental e peculiar que o gênero Homo usa para
definir muito de sua relação com o meio ambiente. Em geral,
as interações entre organismos com o ambiente sempre
ocorrem através de uma relação biunívoca. Conforme
explicado pela teoria da evolução, o primeiro é profundamente
influenciado pelo segundo, mas também, por sua vez, com a
sua existência (se referindo aos organismos) muito se contribui
para modificar o ambiente. Há muitos exemplos que ilustram
como os organismos têm ajudado a mudar profundamente o
ambiente em que vivem ou viveram. A ideia de como os
organismos vivos é capaz de mudar o ambiente afunda no
passado antigo do nosso planeta, entre 3,5 e 2,8 GA (bilhões
de anos atrás) com o aparecimento de cianobactérias ou algas
verde-azuis que, vai de encontro com a evolução de uma
atmosfera oxidante (rica em oxigênio), fruto do resultado desta
intensa fotossíntese produzida por meio destes organismos
unicelulares. Graças ao trabalho silencioso destes minúsculos
organismos foram lançadas as bases para uma atmosfera
terrestre adequada, que acomodasse os outros seres vivos.
Os seres humanos são uma espécie animal em
particular. Os únicos entre todos os organismos vivos que
[63]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

possui a capacidade para mudar rapidamente (em termos


absolutos) o meio ambiente de modo a atender às suas
necessidades, através do impacto ambiental que a sua presença
gera. Ao longo de sua história evolutiva, o gênero Homo não
apenas adaptou-se, como veremos, aos ambientes, mas
também os modificou e transformou a fim de adaptá-lo às suas
necessidades. Este "impacto ambiental" manifestou-se a partir
do aparecimento de nossa espécie, o Homo sapiens. Se a
evidência mais antiga desse comportamento, como se assumiu
na teoria do “Overkill”, concebida por Paul S. Martin (1928-
2010), para explicar a extinção da megafauna durante a última
idade do gelo, não é universalmente aceita. Todos os
pesquisadores concordam que com o nascimento das culturas
neolíticas (caracterizadas pela adoção da agricultura e da
pecuária) nossa espécie começou a mudar o ambiente de forma
mais rápida e mais profunda que qualquer outro organismo
vivo. Um processo que prossegue numa aceleração vertiginosa,
em direção a situações insustentáveis para o ecossistema global.
Este tipo de processo, em curso na história, já levou à extinção
de alguns grupos humanos, que, por estarem em áreas remotas
do nosso planeta, não foram capazes de lidar com as mudanças
ambientais por si desencadeadas.
A adaptação é no Homem, mais evidente que em
qualquer outra espécie, um fenômeno extremamente
complexo. Incluem de fato todas as alterações somáticas e
funcionais que normalmente regem a evolução de outros
organismos, quer todas as mudanças culturais, transitórias ou
permanentes, que permitem ao indivíduo e a população a
sobreviver e se reproduzir. Típico da nossa espécie são os
mecanismos de adaptação, configurados como modelos
culturais de comportamento, adotados por grupos sociais
como um meio de adaptação a um determinado ambiente,
tornando-se natural no todo e, em parte cultural. Mas o que é
cultura? Edward Burnett Tylor (1832-1917), um dos

[64]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

fundadores da antropologia cultural, em seu ensaio intitulado


Primitive Culture (1871) define a cultura como:

[...] Esse conjunto complexo que


inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a
moral, os direitos, os costumes e qualquer
outra capacidade e atitude aquisitiva do
Homem como membro da sociedad.

Partindo desta definição, parece óbvio que a


história da evolução humana não pode ser descrita como um
processo puramente biológico, porém, por outro lado, também
não pode ser descrita em termos de uma mera história cultural.
Na história da nossa espécie, respostas culturais para as
pressões ambientais sempre existiram ou, em muitos casos, até
mesmo substituíam respostas biológicas para fins de satisfazer
as nossas necessidades biológicas primárias. Respostas culturais
permitiram a nossa espécie adotar respostas comportamentais e
técnicas que têm se mostrado adequadas e extremamente
rápidas no fornecimento de uma solução para os problemas,
que de vez em quando ocorrem em diferentes ambientes. Basta
dizer que, entre os séculos XIX e XX, a nossa espécie
conquistou com sucesso o ar, as profundezas do oceano e,
tomou o espaço, como o capitão Kirk da fantástica série Star
Trek: <dove nessun altro organismo terrestre si era mai spinto prima!>.
Tudo no curso de apenas 100 anos, período de tempo
relativamente insignificante se comparado com os tempos da
evolução biológica normal.

O meio ambiente e o surgimento do gênero Homo...

Como vimos o Homem não é estranho para os


mecanismos que regulam todas as outras formas de vida na
[65]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Terra. Vamos agora ver como esses mecanismos levaram ao


nascimento do nosso gênero e como essa evolução é
fortemente ligada ao meio ambiente, que é a forma como os
nossos ancestrais evoluíram a partir da ordem de primatas,
moldados pela seleção natural devido às mudanças ambientais.
Thomas Henry Huxley, em 1863, em seu tratado ‘’O lugar do
Homem na natureza’’ escreveu:

[...]Então qualquer sistema orgânico


é estudado, em que se comparam as sucessivas
modificações numa série de macacos, e chega-
se a uma conclusão: que as diferenças que
separam o Homem do gorila e o chimpanzé
não são tão grande como aquelas que
separaram o Gorila dos macacos inferiores.

Na verdade a maior parte da organização do nosso


corpo é parecida a de outros primatas (e entre todos os
primatas é especialmente comum com a dos membros
‘’antropomorfes’’). Se compararmos a nossa definição taxonômica
(geralmente o termo é usado para designar a taxonomia
biológica, que é o critério pelo qual distribuímos os organismos
em um sistema de classificação, consistindo em uma hierarquia
aninhada por taxas) com o de outros primatas podemos ver
que temos 99% das características em comum. Nossos corpos
bilateralmente simétricos, com um esqueleto interno e um
sistema nervoso central que se expande a altura do crânio,
somos todos de sangue quente (que regula a nossa temperatura
corporal) e placentários (nossos fetos se desenvolvem dentro
do útero materno), heterodontes (nossos dentes não são todos
iguais), temos uma visão binocular estereoscópica (vemos em
três dimensões) e os membros móveis que terminam com
cinco dedos, em que a exigibilidade do polegar nos permite
agarrar objetos. Muitos desses recursos, possuímos em comum
com os gatos, cães e variados outros animais. Dois desses
[66]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

recursos, a visão estereoscópica e o polegar opositor, são os


que nos tornam participantes do mundo especialmente
primata. Provém da nossa história comum, a possibilidade de
nos relacionar a uma dieta insetívora nativa, combinada com o
hábito de viver em uma floresta e, com forma de locomoção
essencialmente arbórea. Fósseis indicam que a história comum
entre nós e os outros primatas se originou entre 65 e 80
milhões de anos atrás (Ma.). Foi no final da era Mesozoica,
quando formas semelhantes aos do tupaie (em idioma italiano) -
pequenos mamíferos e insetívoros arborícolas - romperam com
a outra estirpe de mamíferos primitivos, para iniciar a radiação
adaptativa dos primatas. Desde aquele momento os nossos
ancestrais evoluíram em variadas formas e se expandiram por
todo o planeta. Hoje, os primatas são representados por mais
de 350 espécies (e incontáveis espécies fossilizadas); das quais,
90% estão distribuídas principalmente no cinturão tropical do
planeta: Meso-América e Sul-América, toda a África
subsaariana, Madagascar, atlas argelino e muito do sul da Ásia.
Na povoação mais recente a radiação adaptativa dos primatas
deu origem ao que são chamados de macacos antropomorfos.
Estes macacos pertencem ao grupo relativamente novo, com
sua ascensão entre 35 e 5 Ma, em períodos que os especialistas
chamam de Oligoceno e Mioceno. Deste grande grupo,
definido por especialistas como superfamília Hominoidea,
permanece hoje apenas algumas formas de vida: gibões,
orangotangos, gorilas, bonobos, chimpanzés e, nós. Deixando
de lado as relações familiares taxonômicas que nos ligam aos
outros membros da nossa superfamília, podemos dizer que o
último ancestral comum entre nossa espécie e nosso parente
mais próximo (o chimpanzé) viveu na África no final do
Mioceno há 6 milhões de anos. O macaco antropomórfico
responsável pelo início da nossa história ainda não foi
claramente identificado no registro fóssil disponível
atualmente. No entanto, sabemos que entre seus descendentes
a espécies que mais se afastou do modelo de vida da floresta

[67]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

arbórea somos nós, a única sobrevivente da nossa família


taxonômica, o último do Hominidae, ou hominídeo.
Nosso foco recai sobre o berço dos hominídeos, o
extremo sul-oriental do continente Africano: dal Corno d'Africa
fino Al Capo. O nordeste desta zona é marcado pela presença
do Great Rift Valley (daqui em diante: Gvr), ou seja, uma
grande falha tectônica que se estende desde Eritreia ao Malawi.
A formação de Gvr produziu a elevação de montanhas, a
criação de depressões profundas e a inclusão de uma grande
bacia lacustre. Toda esta área foi particularmente afetada pela
deterioração progressiva, que tem caracterizado a história do
nosso planeta nos últimos 10 milhões de anos, em especial, nos
últimos 5 ou 6 Ma. Neste quesito, contribuíram muitos fatores
interligados: a alteração do território, devido à criação do Gvr,
ineficácia, da área em exame, da Monção Atlântica, por outro
lado, a eficácia, das monções de origem asiática que,
canalizadas dentro do Gvr trouxeram uma nova aridez para a
área. O resultado combinado de todos esses fatores pode ser
representado por: mesma latitude no sudeste da África, com
grandes extensões de pradarias intercaladas com árvores e
arbustos, blocos ou áreas de mata nativa; na África Ocidental,
em vez disso, há agora florestas equatoriais densas em que
vivem, ou melhor, sobrevivem, dois das últimas três espécies
de macacos: os chimpanzés e os gorilas.
Os cientistas que estudam o paleoclima acreditam
que o diferencial na aridez destas duas áreas é que houve
aceleração em determinados momentos e, uma evidente
deterioração do clima em torno de 6 e 3 Ma. Vamos ver como
estes fenômenos afetaram a seleção dos hominídeos em termos
de pressão na seleção e na fragmentação do ambiente (de
isolamento). Imagine-se, agora, no sudeste da África por volta
de 5-6 Ma.
O clima tornou-se mais seco e a alternância
sazonal fica mais pronunciada. A extensa floresta que cobria
toda a área torna-se ano a ano menos compacta e menos
[68]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

contínua. Um pouco de cada vez, vão se abrindo clareiras na


floresta aberta e espaços abertos rastejam entre as várias bordas
na fronteira das florestas, criando verdadeiras ‘’ilhas
florestadas’’. O ambiente em que eles foram adaptados para
viver e, que já haviam prosperado macacos desta parte da
África está mudando lentamente, levantando novas pressões de
seleção em populações na área incluída no Rift. A floresta está
sempre presente, porém agora é formada a partir de uma
miríade de arquipélagos de ilhas separadas por um ambiente
hostil, a pradaria. Um mar verde que nossos antepassados
tiveram para ir de uma ilha florestal à outra, de uma reserva de
alimento para outra. A pradaria é um ambiente em que os
nossos antepassados não eram adaptados, um inferno de grama
alta, local em que se escondiam ferozes predadores como os
atuais leões e/ou leopardos. O atravessamento de uma
pradaria, ainda que breve, vai colocar em risco grupos de pré-
hominídeos. Dentro de alguns grupos, indivíduos
desenvolveram a habilidade de prosseguir por longos períodos
de pé, apoiando-se apenas nos membros inferiores, para poder
ver acima do mar da grama alta e dos espessos caules da altura
da grama e serem capazes de supervisionar seu grupo parental.
Através disso, é possível "navegar" dentro das pradarias,
avistando a tempo os perigos e apontando o caminho para o
resto do grupo e, se necessário, empunhar bastões ou atirar
pedras com os membros dianteiros livres. Pela ação da seleção
natural, pouco a pouco, o bípede mais hábil pode transmitir o
seu DNA para a próxima geração. Mas quem foram os
primeiros hominídeos, ou seja, os primeiros primatas bípedes?
Deixando de lado a questão para os paleoantropólogos a
respeito de quem é ou quem não é o primeiro representante
dos hominídeos, podemos dizer com certeza que as várias
espécies de Australopithecus haviam adotado uma locomoção
bípede preferencial. Com o bipedismo preferencial, queremos
frisar que nestas espécies o bipedismo é um suporte e não
substitui a locomoção arbórea.

[69]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Atualmente se conhece três espécies de


Australopithecus, outros fósseis podem representar outras
espécies de Australopithecus, porém as provas ainda não são
certas ou há atribuições controversas. Entre as três espécies de
Australopithecus, a mais famosa é a que pertence o famoso fóssil
Lucy. Lucy é um exemplar do Australopithecus afarensis de 3,2
Ma. A espécie de Lucy viveu entre 4 e 3 Ma. no sudeste da
África, em área ocupada atualmente pela Etiópia e a Tanzânia.
Para outros membros da mesma espécie, é atribuído como o
testemunho mais impressionante de bipedismo hominídeo. Em
Laetoil, na Tanzânia, foi encontrado um rastro de cerca de
vinte metros de pegadas deixadas por primatas bípedes, com
aproximadamente 3,6 Ma. As pegadas desses hominídeos,
junto com outras 50.000 pegadas deixadas por outros animais,
estão "fossilizadas" na camada estendida de cinzas vulcânicas
cimentadas. Vimos como a fragmentação do ambiente florestal
ocorrida por volta de 6 Ma. pode explicar o surgimento e
evolução dos primeiros hominídeos.
Havíamos dito também que uma nova aridez no
Gvr é datada de cerca de 3 Ma.. Neste caso não se pode falar
de uma maior fragmentação do ambiente da floresta, mas sim
uma aridez que carrega a maior e última extensão da savana à
custa da floresta. Novas pressões seletivas começaram a pesar
sobre os nossos antepassados, principalmente devido aos
recursos alimentares disponíveis: reduzidos e certamente
diferentes dos que caracterizam o ambiente florestal. O registro
fóssil disponível nos mostra como os hominídeos no Gvr
utilizaram os mecanismos da seleção natural para duas
estratégias diferentes, o primeiro vai levar à evolução do gênero
Paranthropus, o outro vai cobrir o gênero Homo. Conhecemos
três diferentes espécies referentes ao gênero Paranthropus,
embora nem todos os estudiosos concordem com essa
subdivisão. Além das possíveis distinções entre estas três
espécies, podemos dizer que todos têm a mesma morfologia
básica. Esta morfologia refere-se principalmente a dimensão e

[70]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

potência do aparato mastigatório: dentes, mandíbulas,


músculos e superestruturas ósseas, mostrando como esses
hominídeos possuíam um aparelho mastigatório incrivelmente
mais potente do que o de seus antecessores e em relação aos
seus primos mais próximos, nós. A dentição dotada de grandes
molares com esmalte extremamente espesso e músculos de
mastigação extremamente desenvolvidos, de modo a exigir
uma crista sagital na parte superior do crânio a facilitar sua
inserção, sugerimos que estes hominídeos tinham uma forte
especialização mastigatória e, consequentemente, alimentar.
Provavelmente, os recursos especiais de alimentos disponíveis
nas savanas trouxeram esses hominídeos a ter que fazer a
mastigação sem folhas e/ou frutos (alimentos abundantes na
floresta, mas em ambiente de savana são muito raros), para
melhorar a sua dieta, aderiram a componentes mais difíceis de
mastigar, como sementes e raízes. Em suma, uma adaptação
que empurra em direção a uma dieta vegetariana, muito
especializada.
Neste mesmo contexto, o outro ramo da família
dos hominídeos, o nosso, ou do gênero Homo, parte para outro
sentido, com outra escolha adaptativa. Havia outro
componente na dieta dos primeiros hominídeos, embora que
marginal, poderia ser aumentado para compensar a escassez de
folhas e frutos: o componente carnívoro. É provável que,
como os chimpanzés de hoje, os primeiros hominídeos não
desdenhasse de comer carne de vez em quando. Foi uma
verdadeira revolução biológica, metabólica e comportamental;
um "repensar" radical do modelo de hominídeo que foi
construído nos milhões de anos anteriores. A transição não foi
brusca, ocorreu de maneira gradual, pelo menos inicialmente,
basearam-se na exploração secundária de recursos alimentares,
o que os fez organizarem-se por conta da atividade dos grandes
predadores da savana. Nossa adaptação carnívora foi originada
por saprofagia, ou seja, os organismos que se alimentam de
substâncias contidas na matéria orgânica morta, como hienas,

[71]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

vistas em documentários sobre a vida nas savanas. Só mais


tarde, com sucessivas adaptações do gênero Homo (ou seja,
novas espécies), passa-se à caça especulativa. Entretanto, a
grande mudança veio lá da África Oriental, de onde nossos
antepassados, selecionados por um ambiente em
transformação, mudaram radicalmente seu modo de vida,
dando origem ao nosso gênero.

O homem e seu ambiente:


História das populações e das ilhas...

Na seção anterior vimos como seleção teorizada


por Darwin, redefinida no que é chamado de síntese moderna
ou Neodarwinismo natural, agiu e está agindo sobre o Homem
e sua história evolutiva. Nesta seção, vamos ver como a relação
entre o Homem e o ambiente é, agora em maior parte,
mediado pela cultura e, como escolhas puramente culturais
podem alterar profundamente essa relação.
Geralmente, para descrever uma relação
bidirecional entre dois elementos, há uma tendência para
descrever um de sucesso, a fim de enfatizar como os dois
jogadores derivam de benefícios e vantagens ao cultivar o
relacionamento. Neste caso, pode-se falar da adaptação cultural
perfeita que o povo Inuit desenvolveu para sobreviver nas
águas geladas do Canadá e da Groenlândia, ou o equilíbrio
quase perfeito alcançado pelos povos horticultores das terras
altas de Nova Guiné. Porém, descrever as histórias de sucesso
do Homem no ambiente não permite destacar a complexidade
e a importância desta relação. Por esta razão, neste capítulo,
vamos considerar os casos de maior fracasso, os casos que
levaram ao colapso social e ambiental. Para observar a
deterioração da relação entre o Homem e o ambiente, a tentar
se concentrar em contextos fechados, isolados, em que o
impacto das escolhas culturais repercutiu sobre as populações

[72]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

ampliando o seu efeito. Na prática, vamos procurar contextos


ambientais que servem como a enorme Capsule di Petri: qual
melhor ambiente que o de uma ilha isolada para oferecer estas
condições?
Em primeiro caso vamos considerar o
‘’emblemático e mais’’ famoso: a Ilha de Páscoa, ou Rapa Nui.
A Ilha de Páscoa é um pequeno terreno disperso no meio do
Oceano Pacífico, a 2.250 km de distância da ilha mais próxima,
a ilha Pitcarin, onde encontraram abrigos dos ‘’ammutinati Del
Bounty’’, que conseguiram ali escapar da Royal Navy por 19
anos.
A Ilha de Páscoa, distante em 3.747 km a partir do
ponto mais alto da costa da América do Sul, é triangular,
vulcânica, originada a partir dos cones de três vulcões que
surgiram nas proximidades uns dos outros em tempos
diferente e, inativa durante todo o período de ocupação
humana. A ilha tem uma extensão de 171 quilômetros
quadrados, altura máxima de 509 metros e seu comprimento
não ultrapassa 11 km. O primeiro visitante europeu a chegar à
ilha foi o explorador holandês Jacob Roggeveen, avistando-a
em 5 de abril de 1722, no domingo de Páscoa para a nota.
Partindo do Chile com uma expedição composta por três
navios, tendo navegado continuamente e sem ver terra por 17
dias. Então você se pergunta ‘’como fizeram eles? Os
habitantes da ilha que o receberam, para chegar a esse pedaço
de terra? Quantos mais?’’ como Roggeveen mesmo escreveu
em relação aos moradores, que não possuíam barcos
adequados para longas viagens:

“Seus vasos são frágeis e


malfeitorias. São colocados juntos com
pequenos eixos e o interior são cobertos com
luz pranchas de madeira, eles se ligam em
conjunto com as fibras muito finas
inteligentemente torcidos [...]. Mas eles não
[73]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

sabem como fazer juntas impermeáveis,


porque eles não sabem a técnica e não têm os
materiais adequados, suas canoas retêm as
águas, ...”

Aos olhos dos holandeses e de todos os outros


visitantes ocidentais depois dele, endossaram a ilha como nua,
desolada, desértica e quase sem árvores.

“No início, a partir de uma certa


distância, acreditávamos que a ilha era um
deserto, porque tínhamos confundido com sua
areia amarelada capim, feno e arbustos secos e
queimados; sua aparência devastada não
poderia fazer outra impressão do que a de
uma pobreza singular e esterilidade”.

Este aspecto foi devastado para contrabalançar as


estátuas colossais de pedra que se destacavam na ilha, tanto que
em seu diário, Roggeveen perguntava como era possível para a
população, ‘’sem madeira resistente necessária para a
construção de qualquer instrumento mecânico’’ erguer estas
enormes estátuas.
O que Roggeveen, ou quaisquer outros ocidentais
que visitaram a ilha, não sabia que a paisagem foi o infeliz
resultado da relação que se desenvolveu entre a cultura das
pessoas e o ambiente da ilha. Apenas aquelas enormes estátuas
moai, chamada pelos nativos, eram parte integrante, se não
essencial, do desastre ecológico que atingiu a ilha. As moai
representam a produção cultural mais espetacular de Rapanui
(habitantes da ilha), são estátuas imensas, construídas, na
maioria dos casos, com tufos calcários proveniente de cavas de
mineração, localizadas dentro das crateras do vulcão Rano
Raku. As estátuas tinham altura compreendida entre 2 e 10
[74]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

metros e peso que chegava a 82 toneladas. Há também uma


estátua ainda maior, com 20 metros de altura e 270 toneladas,
que se encontra inacabada e abandonada juntamente com
outras 394 no interior do slot. Estima-se que o número das
estátuas da ilha é de cerca de 1000 unidades, na prática, uma a
cada 200 metros quadrados. As estátuas foram projetadas para
serem hasteadas em plataformas cerimoniais (ahu),
pertencentes aos clãs da ilha e, pensa-se que a maioria das
figuras representadas nas estátuas é do sexo masculino. De
acordo com estudos etnológicos realizados, descobriu-se que
as estátuas representam os antepassados e foram erguidas com
as costas para o oceano, olhando para as cidades, postas desde
modo abaixo de proteção dos ‘’colossais guardiões’’. As moais
não era a expressão de um poder central baseado na
hegemonia do político-religioso, mas elas foram o resultado de
uma concorrência feroz, que ao longo dos séculos, tornou-se
mais e mais empurrada entre grupos de clãs ‘’rivais’’, muitas
vezes em guerra entre eles. A primeira estátua da cava de Rano
Raku posta em um cerimonial ahu, é datada do século XII
(D.C.), mais tarde é posta sobre a plataforma de Hanga Kioe,
em 1650. A produção destas enormes estátuas dura cerca de
500 anos.
A tradição local nos diz como os construtores das
estátuas pertenciam a uma classe privilegiada, cujo trabalho era
pago pelo resto da comunidade na forma de uma dieta
composta de alimentos especiais. O verdadeiro problema que
os antigos habitantes da ilha tiveram de enfrentar foi o
transporte das estátuas. O sistema utilizado para o transporte
tinha sido perdido no tempo, muitos arqueólogos se
aventuraram em tentativa de reconstruir este sistema de
transporte das estátuas.
A primeira tentativa foi feita pelo famoso
arqueólogo norueguês Thor Heyerdahl, que conseguiu mover
uma estátua de 10 toneladas com 150 pessoas, com cordas de
fibras de palmeira e rolos de madeira. Mais recentemente, o
[75]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

experimento foi repetido por Jo Anne Van Tilburg, que usou


os métodos tradicionais de outras ilhas isoladas da polinésia, a
técnica chamada de escalas de canoas, na qual se desliza a
estátua em trilhos de madeira: eles conseguiram mover blocos
de 12 toneladas por 14 km, utilizando 70 pessoas em duas
semanas. As estátuas são extremamente frágeis, tanto que na
ilha há uma estrada que começa a partir da cava de mineração,
chamada via de moai, em seus lados se encontram numerosas
estátuas abandonadas principalmente durante o transporte.
Toda a operação necessária para a construção das estatuas, para
o transporte das mesmas (mesmo a mais de 11 km) e para a
construção das plataformas ahu (algumas com 23.000 m2 e
com peso a chegar as 2.000 toneladas) deve ter custado muito,
Também em termos de recursos alimentares. Os Clãs que
encomendaram as estátuas deveriam fornecer o acúmulo e
transporte de comida. Eles tiveram que alimentar por alguns
meses os escultores, como se sabe, eles estavam sujeitos a uma
dieta especial, também tinham que alimentar as equipes de
homens, entre 50 e 500 pessoas responsáveis pelo transporte e
instalação das estátuas, dependendo do tamanho do moai.
Provavelmente também havia banquetes suntuosos para ambos
os clãs, cujo território foi cruzado durante o transporte quanto
para o clã que era dono do destino ahu. Calcula-se que a
construção destas instalações aumentou as necessidades
alimentares da ilha em aproximadamente 25% durante todos os
300 anos de intensa atividade. Temos até agora encobertos
outra questão: o transporte e levantamento das colossais
estátuas também exigiram muitas cordas longas e fortes e
imensas quantidades de árvores altas, das quais se extraia a
madeira necessária para a construção dos trenós, rolos e
alavancas indispensável para a operação. Mas onde estavam as
florestas a partir do qual os habitantes de Rapa Nui tinham
desenhado esses recursos se Roggeveen e seus sucessores não
viam nenhuma planta da ilha com mais de que 2 metros de
altura? Estudos palinológicos (estudo de pólen preservado em
solos antigos) confere que por dezenas de milhares de anos a
[76]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Ilha de Páscoa foi coberta por densa floresta de palmeiras


gigantes. Os dados mostram que a ilha era coberta por densa
vegetação por aproximadamente 45 mil anos, e que as plantas
começaram a mostrar sinais de retirada em 750 d.C. (Período
que coincide com a chegada dos colonizadores), porém desde
950 d.C. começa um grande fenômeno de empobrecimento
florístico, atingindo seu ápice por volta do ano de 1600,
quando se terá perdido a maior parte das variedades de plantas.
Estas datas coincidem, infelizmente, com o auge da realização
do grande moai. Estima-se que durante este período, a ilha
havia perdido vinte importantes espécies de árvores, incluindo
todas as árvores altas como: Alphitonia cfr; izyphoides Elaeocarpus
cfr; e rarotongensis. A rarotongensis que atinge alturas que variam
entre 30 e 15 metros, comumente usadas pela população da
polinésia para a construção das canoas; desapareceu também a
árvore de papel. Dentre os pólens analisados, foram
encontradas muitas brasas, um sinal de que a vegetação foi
queimada para dar lugar a novos campos de cultivo. Ao mesmo
tempo, a grande extinção de quase toda a vida das aves se dá
devido a três fatores diferentes: desmatamento em larga escala;
caça; e predação de ovos por ratos (que chegou por meio das
canoas dos primeiros colonizadores). Com o desaparecimento
da floresta, sumiu também as aves terrestres nativas, e grande
número de aves marinhas. Devido à intensa exploração
antrópica, a floresta foi gradualmente substituída por relva. Os
habitantes da ilha haviam destruído a floresta para competir na
construção dos grandes monumentos que exigia a madeira,
ambos exigiam de grandes áreas cultiváveis. Destruir este
recurso crucial havia dado início a sua queda: o delicado
equilíbrio ecológico estava chegando ao fim, e degradação
ambiental irreversível. A falta de árvores deu início à
desertificação gradual do solo pela ação do vento, enquanto a
falta de madeira tornou impossível a construção de barcos para
pesca. Os pássaros, que geralmente faziam ninhos em plantas,
estavam agora à mercê da caça do homem e da pilhagem
sistemática de ovos perpetuada por ratos. Testemunha indireta
[77]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

da escassez de alimentos vivida por Rapanui antigo, entidades


tentam estabelecer-se uma série de contramedidas: jardins
subterrâneos, que exploraram a umidade de solo; cultivos
protegidas do vento; galinheiros hermeticamente fechados para
protegê-los contra roubo e depredação.
Arqueólogos constatam que a partir da segunda
metade do século XVII (d.C.) os ossos de frango diminuíram
substancialmente no registro arqueológico dos restos refeição,
enquanto aumentando exponencialmente a concentração de
ossos humanos com vestígios de abate e cozimento. Esta
constatação, por um lado, testemunham as condições
alimentares trágica dos habitantes da ilha, por outro lado,
confirma indiretamente a desintegração da sociedade Rapanui,
evidenciada pela crescente presença de armas no registro
arqueológico. A paradisíaca ilha cheia de comida e florestas que
tinha revelado seus primeiros povoadores, tinha se
transformado em um inferno da fome e da violência, o inferno
do qual ninguém podia escapar... Não existia na ilha uma
árvore para construir uma canoa forte o suficiente para
enfrentar o oceano. O modelo de interpretação usado para
explicar o colapso da civilização da Ilha de Páscoa passa pelas
seguintes etapas:

 A primeira fase é imediatamente após a chegada dos


primeiros colonizadores, que encontram uma ilha densamente
florestada, com recursos alimentares abundantes (frutas, peixes
e aves);

 A segunda fase é caracterizada por um aumento da


população, seguido por um aumento no desflorestamento para
a criação de novos campos de cultivo;

 A terceira fase é caracterizada por profundo aumento


da população e por uma onda de desmatamento tanto para
[78]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

alimentos quanto para a construção de centros monumentais.


Durante esta fase, a competição entre clãs atinge o seu ápice e
leva ao completo o desmatamento da ilha;

 A quarta etapa, vê a redução drástica dos recursos


alimentares, devido ao empobrecimento do solo e a
impossibilidade de construir barcos adequados para a pesca.
Em seguida, ele aciona o colapso empobrecimento na
sociopolítica devido às guerras e invasões. Começa alimentação
por canibalismo.

Os habitantes da Ilha de Páscoa, portanto,


permaneceram prisioneiros de si mesmos e de sua cultura, eles
não conseguiram mudar seus comportamentos culturais antes
que isso os levasse a ruína.
Analisemos outro caso muito interessante, um caso
em que num ambiente extremamente seletivo encontraram-se
competindo duas populações com história, costumes e culturas
diferentes. Vejamos agora como apenas um destes povos
sobreviveu, enquanto o outro não restou mais do que
‘’pedaços’’ de paredes.
Por volta do ano 1000 d.C. a Groenlândia era
completamente desabitada. Sabemos que ao longo dos últimos
4.000 anos a ilha foi habitada, por pelo menos, quatro
populações, mas tornaram-se extintas quando em 982 d.C. os
Vikings chegaram à ilha, encontraram-na completamente
deserta. A história da colonização da Groenlândia começa com
uma briga na qual o líder Viking Erik, o Vermelho, matou um
homem e recebe uma sentença de três anos de exílio. Durante
esses anos de exílio Erik se dedica à exploração de uma terra
recém-descoberta e ainda desconhecida, a Groenlândia
precisamente. Quando voltou para casa, organizou uma frota
de 25 navios para colonizar o que ele tinha chamado, talvez
com um pouco de maldade ‘’terra verde’’, ou Groenlândia. Um
nome que, à primeira vista faz sorrir, uma vez que as costas da
[79]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Groenlândia se elevaram acima do mar, delimitando um


planalto em que o gelo cobre a maior parte da superfície.
Apenas na costa interna dos fiordes mais profundos, é
protegida dos ventos glacias de gelo e do esguicho de água
salgada, estendendo os verdes prados e florestas de salgueiros
(em idioma italiano silici) e bétulas (em italiano betulle). Aqui, em
dois fiordes de 500 quilômetros de distância um do outro, os
Vikings de Erik o Vermelho, fundaram dois assentamentos
importando seu estilo de vida europeu. Os dois assentamentos
sobreviveram por 500 anos, tornando-se o ramo mais
"ocidental da civilização" medieval europeia. Foi aqui que estes
escandinavos, a 2.500 quilômetros do oceano da pátria mãe,
igrejas e catedrais foram construídas, escreveram-se crônicas
em latim e criaram animais, seguindo o estilo de vida próprio
da Europa medieval. Conta-se nos dois assentamentos uma
população de cerca de 5.000 pessoas, no entanto não
permanece nada nas paredes de pedra de suas catedrais e
fazendas. Depois de 1368, ano da última expedição oficial do
rei da Noruega, os contatos entre a Groenlândia e seu país de
origem, por razões políticas e climáticas, tornou-se cada vez
mais raras e, encerraram-se completamente em 1410 d.C.
Quando, no final 1.500 navios europeus voltaram a navegar
nas águas da ilha, encontraram apenas vestígios dos dois
assentamentos e nenhum sobrevivente. A última data em que
confirma a sobrevivência da colônia é devido a análise do
tecido do vestido pertencente a uma mulher enterrada no
assentamento da Europa Oriental em 1435 d.C. A partir da
crônica dos noruegueses na Groenlandia, em 1362, sabe-se que
a liquidação da população do oeste, a menor das duas, com
cerca de 1.000 pessoas, já havia desaparecido por volta de 1350
d.C., porém, não se sabe as reais razões para o colapso deste
grupo. A crônica escrita por um dos últimos noruegueses na
Groenlândia mostra que o grupo que foi para leste, com maior
população na situação, ninguém foi encontrado, ‘’ne pagano ne
cristiano’’. Os pagãos referidos na crônica são os Inuit, a
população que ainda vive na Groenlândia e havia começado a
[80]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

colonizá-la, a partir da costa ártica do Canadá, em 1200 d.C.


chegaram perto do assentamento oeste por volta de 1300 d.C.
Por que os assentamentos vikings desapareceram nas brumas
da história e Inuit continuou a prosperar? Os Vikings possuíam
uma cultura que tentamos definir como superior, pois, sabia
cultivar a terra e criar animais, eles eram grandes navegadores e
sabiam tanto a tecnologia necessária para trabalhar ferro,
certamente mais ‘‘evoluídos’’ e preparados, ainda são, em parte,
essencialmente caçadores. O Inuit não sabia a tecnologia para a
produção de ferramentas de metal e não praticavam nem
agricultura e nem pecuária. Embora os Vikings aparecessem
em vantagem, tinham sido durante quase três séculos os únicos
habitantes da ilha, deles e sua cultura não permaneceram
muitos vestígios. As razões que levaram à dissolução dos
assentamentos na Noruega são diferentes, porém podem ser
resumidas em um único conceito: a incapacidade de adaptar a
sua cultura ao novo ambiente.
Erik, o Vermelho, com os seus colonos, ficaram na
Groenlândia durante um período de tempo particularmente
ameno e fascinado por esta montanha de terra verde,
‘’importando para a ilha características e tradições europeias ao
novo território. A economia dos dois assentamentos Vikings
foi baseada essencialmente na criação de vacas e cabras/
ovelhas e caça de renas e, algumas espécies de focas.
Curiosamente, os colonizadores europeus nunca se dedicaram
à pesca, que poderia ter sido uma excelente fonte de sustento.
Os Vikings organizavam trabalhosas expedições no verão para
caçar, no norte da ilha, morsas, narvais e ursos polares, porém
neste caso a caça visava a recolha de marfim e peles para o
comércio com a Europa em troca de bens de valor. Os
bosques de bétulas avistados por Erik foram derrubados e
queimadas para dar lugar a pastagens de gado, deixando a
erosão do vento no solo e reduzindo a quantidade de madeira,
para aparelhos de aquecimento. A escassez de madeira tornou-
se uma preocupação constante para os colonos, que

[81]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

organizaram campanhas de corte no Canadá, a fim de obter o


material precioso. A escolha cultural de confiar unicamente na
reprodução é uma porta para o esgotamento de solo,
acentuado também pela utilização de turfa para a construção de
casas, turfa que foi feita a partir dos campos, tornando-os
praticamente estéril. A criação de vacas tem aparecido
extremamente ‘’complexa e cara’’, os animais poderiam pastar
ao ar livre somente por três a quatro meses por ano, obrigando
os agricultores a fazer grandes suprimentos de feno para
mantê-los durante o inverno. As cabras e ovelhas poderiam
pastar fora mais tempo, mas sua tendência a mordiscar os
gomos não permitiu o recrescimento de árvores e grama que
levam a um progressivo empobrecimento do solo. A escassez
crônica de lenha feito muito mais difícil, se não impossível
continuar a forjar metais.
As crônicas islandesas falam-nos da maravilha em
ver um navio Groenlandês sem peças de metal. A economia
dos vikings noruegueses neste momento parece muito frágil.
Depois de apenas alguns anos não seria particularmente bom
para levá-los ao desastre: a falta de rena ou uma mola atrasada
que causaria uma estadia mais longa do que o habitual dos
animais nos estábulos e menor crescimento da grama para
desestabilizar todo o sistema, para não mencionar que práticas
agrícolas e de construção que foram adoptadas empobrecendo
o solo.
Os Inuits, no entanto, portadores de uma cultura
moldada por milênios de vida no ambiente ártico, caçando
habilmente dezenas e diferentes animais, mudando-se de forma
eficaz tanto para o oceano, através de seu caiaque, quanto em
terra firme, graças aos trenós puxados por cães. Os Inuits eram
experientes pescadores, podiam pegar até as baleias a partir do
qual estocavam enormes quantidades de alimentos,
combustível (gordura) e material de construção. O destino dos
Vikings foi selado. Quando se encontraram, os Inuits foram
incapazes, ou não dispostos, a mudar seu estilo de vida e
[82]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

também deixaram de adotar as tecnologias que lhe permitam


sobreviver melhor no Ártico. Um pouco de cada vez, afastados
do comércio com a Europa e vítimas da ‘’piora’’ de clima
global, os assentamentos Viking morreram, não importa se o
golpe final foi tratado pelos novos vizinhos ou simplesmente
pela fome: eles não tinham sido capazes de adaptar sua cultura
às condições ambientais específicas que a "terra verde" oferecia
a eles.

Conclusões

A relação entre o Homem e o ambiente é e tem


sido fundamental para a nossa história evolutiva, ainda é
importante para entender e adaptar as nossas atitudes culturais
ao ambiente que nos rodeia.
Podemos pensar que os Rapanuis, da Ilha de
Páscoa, tinham sido particularmente ineficientes na gestão dos
seus recursos, dissipando-os para o fim construir moais, o que
para nós agora pode parecer extremamente fútil. No entanto,
temos a certeza de que, hoje, a nossa espécie não está
dissipando recursos naturais igualmente valiosos para fins
igualmente inúteis?
O que explica a história da evolução, tanto do
nosso gênero quanto das diversas culturas, é que a relação com
o meio ambiente, sendo esta relação fundamental para a nossa
própria sobrevivência.
Mais de quarenta anos atrás (1972) um grupo de
especialistas em ciência da computação do MIT apresentou um
modelo matemático, selando em cálculos no computador
World3, tocando para prever as consequências do contínuo
crescimento da população humana e seu impacto sobre o meio
ambiente e sobre si mesmo. A conclusão a que se chegou, é o
seguinte: se a atual taxa de crescimento da população, a
industrialização, poluição, produção de alimentos e exploração
[83]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

de recursos continuará inalterada, os limites para o crescimento


neste planeta serão atingidos em algum momento dentro dos
próximos cem anos. O resultado mais provável será um
declínio súbito e incontrolável da população e da capacidade
industrial. O modelo na prática fornece uma forte queda na
população de cerca de 2.050 e um baixo padrão de vida
generalizada em 2.100.
De 1977 a 2012, o modelo foi atualizado várias
vezes, também à luz dos dados reais coletados, sem a qual o
resultado mudaria muito. Parece que estamos a comportar-se
como os colonizadores vikings na Groenlândia: aplicando
servilmente nosso modelo cultural, sem perceber que o
ambiente à nossa volta está ficando sem recursos, embora o
mesmo modelo desenvolvido pelos matemáticos do MIT nos
adverte que “pode-se editar as taxas de crescimento e chegar a
uma condição de estabilidade econômica e ecológica,
sustentável em um futuro distante”. Continuamos a
comportar-se como, se pudéssemos continuar com este estilo
de sociedade por tempo indeterminado. Parece que a
humanidade está em um trem na corrida maluca para a
autodestruição, porque, como demonstrado pela paleontologia
e história natural, são as espécies e gêneros que desaparecem e
não toda a vida no planeta. Como a nossa espécie é particular
culturalmente e altamente adaptável a qualquer ambiente, ainda
estamos na condição de ‘’macacos sem pêlos’’, que o nosso
planeta pode facilmente fazer a menos. Como demonstramos
os Inuits, podemos prosperar com segurança, adaptando a
nossa cultura para o nosso ambiente, que, embora tenha
recursos ilimitados, através de uma gestão sábia pode suportar
o peso de nossa espécie.
Por outro lado, o objetivo final da arqueologia e da
história não deve ser para mostrar os erros do passado, para
que não sejam repetidos no futuro? Nas palavras de Cícero De
Oratore (Cicerone, De Oratore, II, 9, 36):

[84]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Historia vero testis temporum, lux


veritatis, vita memoriae, magistra vitae,
nuntia vetustatis.

(A história é a verdadeira testemunha dos tempos, luz da


verdade, vida de memória, professora da vida, mensageira da antiguidade).

Sugestões de leitura

Diamond J. (1992), The rise and fall of the third chimpanzee,


Vintage.

Diamond J. (2006), Collapse : how societies choose to fail or


succeed,Penguin Books.

Diamond J. (1999), Guns, germs, and steel : the fates of human


societies, Norton.

Dajoz R. (1973), Manuale di ecologia, ISEDI, 1973.

Drusini A. G.(1994), Rapa Nui, l'ultima terra : l'uomo e il suo


universo nell'isola di Pasqua, Jaca book.

Gould S.J. & Vrba E.S. (2004). Exaptation. Il bricolage


dell'evoluzione. Bollati Boringhieri.

Heyerdahl, T. (1958), Aku-aku : the secret of Easter Island,


George Allen & Unwin.

[85]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Jones, G. (1984), A history of the Vikings, Oxford University


Press.

Beck L.A (1993), The Greenland Mummies, Museum


Anthropology.

Manzi G. (2006), Homo sapiens : breve storia naturale della


nostra specie, Il mulino.

Manzi G. (2007), L' evoluzione umana : ominidi e uomini


prima di Homo sapiens, Il mulino.

Persico D., (2009), Neodarwinismo : l'evoluzione della teoria, Il


Simposio delle Muse.

Seaver K. A.(1996), The frozen echo : Greenland and the


exploration of North America, ca. A. D. 1000-1500, Stanford
university press.

Turner G. (2008), A Comparison of The Limits to Growth


with Thirty Years of Reality, Socio-Economics and the
Environment in Discussion (SEED). CSIRO Working Paper
Series Number 2008-09.

[86]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

CAPÍTULO 4

Conhecimento de Mundo
Francesco Garbasi, Mestre.
Luiz Antonio Pacheco de Queiroz, Mestre.

Imagem de satélite da Terra


Fonte: http://www.mappa-satellitare.com/.

Ao longo da história humana houve mudanças nas


sociedades e algumas delas criaram condições favoráveis para o
desenvolvimento de tecnologias e de suportes técnicos.
Estruturas sociais tornaram-se mais complexas e organizadas,

[87]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

com um número maior de homens dedicados a resolver novos


problemas técnicos e organizacionais. Pode-se dizer, portanto,
que as estruturas sociais complexas foram o motor do
desenvolvimento tecnológico. Este tipo de desenvolvimento
permitiu novas descobertas, que mudaram a relação homem-
mundo.
Cada indivíduo possui uma percepção diferente do
mundo e essa percepção é derivada de sua própria experiência,
tal como de sua própria cultura, por isso, é correto afirmar que
há tantos mundos construídos tanto quanto pessoas
(INGOLD, 2011). Porém, além do conhecimento individual,
há também o conhecimento coletivo, e este conhecimento vem
sendo utilizado e passado de geração em geração. Por exemplo,
a visão de mundo dos gregos do século IV a.C. provavelmente
terá sido totalmente diferente da visão de mundo dos indígenas
brasileiros no mesmo período, logo, estas duas populações
viveram em dois mundos diferentes. Se ainda há diferentes
percepções de mundo nas populações contemporâneas, essas
diferenças terão sido ainda maiores entre populações de
diferentes períodos cronológicos.
O conhecimento é inerente à experiência dos
indivíduos no tempo e lugar em que vivem. Existem
possibilidades para as concepções coletivas que são relativas
aos elementos do meio ambiente em conjunto com as criações
da sociedade. No debate atual de dois grandes pensadores
sociais, Ian Hodder (2012, p. 7-9) e Timothy Ingold (2012, p.
22-33), os aspectos do saber têm forte ligação com a existência
de oportunidades de desenvolver ideias no contexto social,
onde se conjuga a relação entre as pessoas e entre elas com as
coisas, com o mundo que conhecem. Para Michel Foucault o
conhecimento é uma invenção sem origem e ele explica essa
assertiva como fruto das práticas sociais que propiciam
inventar domínios de saber que além de criar tecnologias,
utilidades e concepções, também originam novas
personalidades, indivíduos que produzem conhecimento
[88]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

dentro de, e para, seu cotidiano (FOUCAULT, 1999, p. 11-27).


Assim avançar por terrenos desconhecidos foi para
navegadores uma forma de, mais do que tentar desvendar um
simples mistério, buscar saber o que existia no abismo
propalado na linha do horizonte.
Por volta de 500 a.C. os primeiros pensadores
gregos começaram a imaginar e a medir o mundo. Os mesmos
não poderiam pensar que, depois de 2.500 anos, alguém
poderia ver o mundo sentado diante de uma pequena mesa. Os
avanços tecnológicos permitem fazer isso hoje, e isso afeta
constantemente à ideia de mundo. A globalização possibilita o
acesso a informações sobre inovações criadas em qualquer
parte do mundo, mas nem sempre foi assim.
O avanço tecnológico tem aumentado rapidamente
desde o final do século XIX, graças a inovações técnicas,
sistemas de comunicação e de organização social complexa. A
velocidade com que informações têm sido difundidas
influencia diretamente o desenvolvimento de novos
conhecimentos, que estão também relacionados às
oportunidades de uso dos recursos conhecidos, sejam eles
naturais e/ou sociais.

Há quanto tempo o homem conhece


a forma e o tamanho da Terra?

Os textos científicos mais antigos que chegaram


até nós e que falam da forma do mundo, foram elaborados por
pensadores gregos do século IV a.C. De acordo com esses
pensadores, a Terra tinha a forma esférica, parada dentro de
uma esfera celeste girando, e nessa esfera celeste, ainda haviam
estrelas fixas. Observando vários fenômenos naturais, como,
por exemplo, eclipses do sol e a curvatura da Terra, visível em
mar aberto, os gregos tinham entendido que nosso planeta era

[89]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

esférico e, por essa razão, poderia ser estudado como uma


forma geométrica.
No século IV a.C. a geometria foi desenvolvida e
utilizada para estudar o globo terrestre, que pouco se conhecia.
A observação constante da natureza permitiu visualizar desde
as impressionantes montanhas até as profundezas do mar.
Entretanto percebera-se que essas morfologias terrestres eram
pequenas em comparação com a dimensão global da terra, que
não alterou a forma esférica, mas, foi comparável a grãos de
poeira em uma bola.
No terceiro século a.C. Eratóstenes de Cirene,
matemático, astrônomo, geógrafo e poeta grego, sabia que os
obeliscos em Syene (agora Aswan, Egito) no solstício de verão
ao meio-dia não produziam sombra, enquanto em Alexandria,
no Egito, ao meio-dia, formavam sombra. Devido a essas
observações e com o conhecimento aprofundado de geometria,
Eratóstenes foi capaz de calcular o comprimento da
circunferência da Terra. Esses cálculos levaram à consciência
da grandeza do nosso planeta, e a difundir a ideia de que
poderiam existir terras distantes e desconhecidas. Foi
Eratóstenes, inventor do termo geografia (escrever o mundo).
Estrabão, no primeiro século, incorporou as ideias
já desenvolvidas por outros pensadores, e afirmou que partir da
Espanha para o oeste, em direção as Índias, poderiam
encontrar-se dois ou mais mundos habitados; o que antecipava
em quase dezesseis séculos a descoberta da América por
Cristóvão Colombo.
Tanto Estrabão como Eratóstenes, tentaram
"encaixar" o mundo conhecido dentro de uma grade
geométrica - paralelos e meridianos - para tentar organizar um
trabalho sobre a representação do mundo conhecido na época,
parcialmente medido e ajustado, e sem ferramentas adequadas.
A obra geográfica de Estrabão era muito rica em detalhes,
baseada na literatura e nos épicos Gregos, e não foi útil para as
missões e conquistas militares do Império Romano, que
[90]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

preferiu usar dados mais simples, originários da exploração


específica do território (PRONTERA, 1992, p. 313).
O conhecimento, resultante principalmente das
explorações e expedições militares, levou alguns geógrafos a
rever a proposta de mapa mundial de Eratóstenes, em
particular Marinus de Tiro e Ptolomeu, durante o século II d.C.
Devido a um erro de cálculo em relação ao tamanho da Terra,
e à enorme dimensão atribuída à Ásia e África, Ptolomeu
acabou duvidando da existência de terras habitadas do outro
lado do mundo.
Entretanto durante a Antiguidade e a Idade Média
foi o modelo de Eratóstenes o mais difundido. As cartas feitas
por Ptolomeu, conhecido na Itália desde o ano de 1400 d.C.,
ampliaram drasticamente os territórios da Europa, norte da
África e Ásia, e impulsionaram em muitos marinheiros o sonho
de ser capaz de navegar em volta do globo, o que de fato
estimulou as expansões marítimas.

O Mundo de Tolomeo representado


em um documento do século XV.
Fonte: Tratto da Germaine Aujac
1992, fig. 67.

[91]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

O esforço de Ptolomeu, no século II d.C., era


também mudar a representação da Terra esférica numa
superfície plana. Se antes os paralelos e meridianos foram
representados com uma projeção ortogonal, como, por
exemplo, no papel de Eratóstenes, Ptolomeu passou a utilizar a
projeção cônica, que permite menos distorção da representação
derivada da curvatura dos meridianos e paralelos, típico desta
nova técnica de imagem (AUJAC, 1992, p. 200). A primeira
Carta (geográfica) que reporta o fato é datada de 1507 e foi
realizada por M. Waldseemüller.

Carta de Waldseemüller em que aparece pela primeira vez o Novo Mundo


com o nome de América. Fonte: Tratto da Lavagna-Lucarno 2007, p.
21, fig. 2.7.

Apenas a partir do século XVIII foi criada uma


cartografia moderna, devido aos contributos de matemáticos e
geógrafos franceses. Durante o século XIX, os estados
europeus desenvolveram muito a cartografia para atender a
necessidades civis e militares. No final do século XIX, com a
introdução da fotografia e de imagens tiradas a grande
[92]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

distância, com os primeiros balões de ar quente, e


posteriormente com o auxílio de aviões, foi possível assim
retratar de modo objetivo a superfície da terra. O primeiro a
tirar uma fotografia aérea foi Gaspard Felix Tournachon na
França em 1858, a bordo de um balão de ar quente. Em 1860,
nos Estados Unidos da América, James Wallace Black registrou
a primeira fotografia aérea do continente sobre os céus de
Boston.
Essas técnicas, sofisticadas para a época, mas de
reduzida popularidade, vieram à tona numa sociedade em
constante ebulição (HOBSBAWM, 1977, p. 17-21), onde a
busca por informações dos lugares mais distantes de sua
própria região levou as nações a exercer o domínio em
territórios outrora sob o julgo de poucas potências mundiais. O
conhecimento dos territórios era, e continua a ser, ingrediente
para a hegemonia no panorama geopolítico mundial. Foucault
apontou bem como o saber propiciou ao homem obter poder
(FOUCAULT, 1999, p. 103-126), o que levou à desenfreada
exploração dos recursos naturais para atender às demandas da
sociedade que passou a se instrumentalizar com as inovações
que surgiram desde então.
Com o advento da Primeira Guerra Mundial
(1914-1918), verificou-se a importância estratégica da
fotografia aérea, que possibilitou localizar as posições inimigas
no campo de batalha e estabelecer planos de ataque ou de
defesa.
Esse papel estratégico contribuiu para o
desenvolvimento de novas técnicas de interpretação de fotos,
que mais tarde foram também usadas para resolver questões
relacionadas com a geologia, a agricultura, a cartografia e o
planejamento urbano.
Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945)
desenvolveram-se tecnologias ainda mais avançadas, o que
tornou possível a identificação de maquinaria de guerra
escondida na vegetação, ou trens que se deslocavam durante a
[93]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

noite, devido à tecnologia de infravermelho e radar. O radar foi


usado tanto durante o dia ou de noite, independentemente do
fato da existência ou não de nuvens, e tinha a grande vantagem
de determinar o posicionamento exato dos objetos.
Após a Segunda Guerra Mundial, a tensão criada
entre os Estados Unidos da América (EUA) e a ex-União
Soviética (URSS), empurrou as duas nações para desenvolver
tecnologia altamente avançada para espionar bases militares
inimigas do espaço.
O primeiro satélite foi lançado no espaço pela
URSS, o Sputnik-1, em 1957. Poucos meses depois, os EUA
lançou o seu próprio satélite.
As missões dos primeiros satélites duravam alguns
dias, após os quais as cápsulas contendo as fotografias
chegavam e assim permitiram a sua impressão, análise e
interpretação por especialistas. Pouco tempo mais tarde, os
satélites foram aperfeiçoados, possibilitando a obtenção de
imagens com melhor resolução. Os satélites, já em 1960, foram
lançados com fins não militares, como, por exemplo, os de
observação meteorológica, que forneceram as primeiras
imagens da Terra a partir do espaço. Outros satélites foram
lançados, a fim de criar mapas de recursos naturais no mundo.
Atualmente, algumas empresas privadas têm
produzido os seus próprios satélites, com alta tecnologia, que
são usados em várias situações, tais como fotografias para uso
militar, ordenamento urbano e territorial, análise de ambientes
naturais dentre muitos outros usos. A propagação dos satélites
artificiais permite que se tenha imagens em tempo real de quase
toda a superfície terrestre. A alta qualidade das imagens
provenientes dos satélites é importante para planejar o uso do
solo. Estas imagens podem ser utilizadas em diversas
disciplinas, que requerem uma área de visualização ampla
(exemplo da geologia, geografia e arqueologia).

[94]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Primeira imagem televisiva da


Terra vista do espaço. Fonte:
http://en.wikipedia.org/wiki/
Image:TIROS-1-Earth.png

O desenvolvimento contínuo das tecnologias, e o


aumento do número de ciências que precisam dos satélites e de
suas imagens, fez com que atualmente exista uma maior
procura por pessoas capazes de interpretar as imagens de
satélite, e assimilar dados úteis para estudos e planejamentos.
Nesse sentido configuram-se demandas sociais de um meio
social antes não existente, derivado das novas perspectivas das
tecnologias agora conhecidas. Essas tecnologias são concebidas
dentro da relação das pessoas com os elementos feitos pela
sociedade e por aqueles surgidos no meio ambiente, que
mostram uma visão relativa ao tempo e espaço de vida dos
indivíduos que atuam em tal contexto (HODDER, 2012;
INGOLD, 2012).

Uma nova visão de Mundo...

Na América do Sul comunidades seminômades


que viviam da caça, pesca, e agricultura, pertenciam a um
mundo pequeno, da vida cotidiana na aldeia. O conhecimento
[95]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

das ervas, plantas, pedras e animais era rico, e o seu


conhecimento de espaço era limitado, medido em dias de
caminhada. A vida cotidiana levou-os a interagir com uma
parte exígua do mundo e com uma pequena porção das
culturas humanas no planeta.
A chegada dos europeus, em 1492, mudou a
percepção do mundo dos nativos americanos. Os indígenas
que mantiveram contato com os habitantes vindos do outro
lado do Atlântico foram apresentados a um mundo diferente
do que estavam habituados, interrompendo parcialmente um
sistema de costumes e tradições que durou por muito tempo.
Por outro lado, o efeito para os europeus foi de amplo
conhecimento, começaram a ter uma ideia mais clara sobre a
forma dos continentes, mas, não das limitações físicas reais dos
recursos naturais que a Terra poderia oferecer, nem do impacto
que a espécie humana tem sobre tais recursos.
A percepção de mundo dos europeus havia
expandido, e os recursos naturais pareciam não ter fim. Hoje,
pelo contrário, o nosso planeta parece pequeno e com recursos
limitados, que devem ser protegidos do abuso. A tomada de
consciência dos recursos limitados do mundo é uma
descoberta, que apenas recentemente se está espalhando entre
a população mundial, por meio da oferta de comunicação em
massa. O mundo é dinâmico, está mudando constantemente
nos últimos anos, mas o que muda mais rapidamente é a
percepção que o homem tem disso.

O que mudou?

A representação do planeta Terra mudou ao longo


dos séculos. Os gregos conheciam uma pequena parte do
mundo, no entanto, foram capazes de entender o seu
esplendor através dos cálculos de Eratóstenes de Cirene, que
calculou o comprimento da circunferência da Terra.

[96]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Devido às descobertas feitas pelos navegadores, e


posteriormente aos avanços tecnológicos, foi possível saber o
tamanho exato do planeta, o número de habitantes (em
crescimento), os recursos essenciais para a manutenção da vida,
o desaparecimento gradual de espécies animais e vegetais
(também causados pelo homem), as alterações climáticas (em
parte natural e em parte devido à ação humana sobre o
ambiente).
A partir destas imagens, cada homem na Terra,
pode entender os problemas da gestão do território, que estão
ocorrendo nas últimas décadas. Recursos da rede mundial de
computadores, particularmente cita-se aqui o programa Google
Earth, oferece a possibilidade de visualizar todo o planeta
Terra, mesmo que através de uma visualização superficial, e
permite assim conhecer o território. Ver o mundo através da
tela do computador, ou mesmo da televisão, é um privilégio
das últimas gerações, que ao mesmo tempo, dá uma sensação
de responsabilidade global. O conhecimento dos grandes
problemas do mundo obriga a ação responsável sobre o
ambiente em que se vive, a fim de permitir a sobrevivência do
homem e do complexo sistema da biodiversidade do futuro.
Se o homem destrói o meio em que vive coloca em
cheque a sua própria existência no planeta Terra. Ao derrubar
uma floresta elimina-se determinada biodiversidade, apaga-se
um determinado componente do planeta. Nesse sentido, as
imagens de satélite auxiliam na verificação e monitoramento do
que acontece no nosso mundo. A interpretação das imagens de
satélite, ou das ortofotografias, com a finalidade de identificar
os problemas existentes e intervir de forma ativa é positiva. A
fotointerpretação permite idealizar métodos de
desenvolvimento sustentável em termos de planejamento e
proteção ambiental, e quando possível, ensinar a importância
de ser capaz de ler o mundo de maneira diferente.

[97]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

BIBLIOGRAFIA

AUJAC, G. L’immagine della Terra nella scienza greca. In:


AA. VV. Optima Hereditas. Sapienza giuridica romana
e conoscenza dell’ecumene, Milano: Scheiwiller, 1992, p. 147-
202.

HOBSBAWM, E. A Era do Capital (1848-1875). Rio de


Janeiro: Paz e Terra, 1977.

HODDER, I. Entangled: an archaeology of the relations


between humans and things. UK: Wiley-Blackwell, 2012.

INGOLD, T. Being Alive: Essays on movement, knowledge


and description. London/New York: Routledge, 2011.

______. Trazendo as coisas de volta à vida: emaranhados


criativos num mundo de materiais. In: Horizontes
Antropológicos, Porto Alegre, ano 18, n. 37, p. 25-44,
jan./jun. 2012.

FOUCAULT, M. A Verdade e as Formas Jurídicas. Rio de


Janeiro: Nau Editora, 1999.

LAVAGNA, E; LUCARNO, G. Geocartografia. Guida alla


lettura dele carte geotopografiche. Bologna: Zanichelli, 2007.

PRONTERA, F. La cultura geográfica in età imperiale. In: AA.


VV. Optima Hereditas. Sapienza giuridica romana e
conoscenza dell’ecumene, Milano: Scheiwiller, p. 277-317,
1992.

[98]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

CAPÍTULO 5

Arqueologia e Paisagem:
Os últimos caçadores-recolectores e as
primeiras economias produtoras no
Vale do Tejo, Portugal.
Nelson J. Almeida, Mestre.
Cristiana Ferreira, Mestre.
Hugo Gomes, Mestre.
Luiz Miguel Oosterbeek, Professor Doutor.

RESUMO

O presente capítulo pretende indagar questões


relacionadas com a aquisição de dados, através da Arqueologia,
que permitem compreender a paisagem, a exploração da
mesma e como esta é percepcionada. Usando como área de
estudo o Vale do Tejo, em território português, decidimos
demonstrar as diferenças e persistências que se registam entre
os caçadores-recolectores holocénicos e as primeiras
comunidades de agricultores-pastores no que respeita à
exploração de uma paisagem que se foi modificando ao longo
dos milénios.

Palavras-chave: Vale do Tejo, Paisagem, Epipaleolítico,


Mesolítico, Neolítico.

[99]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

INTRODUÇÃO

Compreender uma determinada paisagem,


recorrendo ao conhecimento decorrente da Arqueologia, e da
aplicação dos métodos e metodologias dos quais esta ciência se
serve, implica compreender essa mesma paisagem, também,
através da forma como ela foi percepcionada pelos seres
humanos que nela habitavam. A Arqueologia, porém, é um
campo multidisciplinar cuja especificidade consiste na
construção de conhecimento a partir de vestígios materiais,
sobre os seus processos de produção, distribuição, uso e
descarte. A reconstrução de percepções do passado é um
exercício interpretativo que parte de metodologias estruturadas
em domínios como a Antropologia, a Psicologia ou História da
Arte, que, porém devem ser sempre validados, enquanto
hipóteses, pela não contradição com os vestígios materiais.
Neste capítulo, utilizando como exemplo o Vale
do Tejo, em território português, focamos os dados existentes
acerca do paleoambiente, essencialmente decorrentes de
análises polínicas e antracológicas; cruzando-os com as
informações paleoeconómicas, relacionadas, sobretudo com o
aproveitamento de recursos biótipos animais, mas também de
outros tipos de análises, como os isótopos estáveis; e outras
informações de carácter comportamental, tais como os padrões
de ocupação humana, inferidos tendo como base os registos
arqueológicos. De forma a obter uma perspectiva diacrónica,
optámos por olhar uma fase cronológica alargada que engloba
os últimos grupos de caçadores-recolectores e o surgimento (e
desenvolvimento) das primeiras economias agro-pastoris, i.e.,
os períodos convencionalmente intitulados como
Epipaleolítico, Mesolítico e Neolítico.
No seu conjunto, estes períodos crono-culturais
podem ser englobados no Holocénico Inicial e Médio,
períodos para os quais, na Europa, se têm elaborado diversos
modelos cruzando aproximações arqueológicas e dados
[100]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

paleoclimatológicos (Turney e Brown, 2007; Berger e Guilaine,


2009; Gronenborn, 2009). Grosso modo, durante grande parte do
Holocénico, o impacte e influência antrópica terá sido bastante
reduzida, prevalecendo às influências de carácter climático e
ambiental, as quais levaram a alterações paisagísticas,
impactando nos ecossistemas (Magny et al., 2002; Jalut et al.,
2009; Davis e Stevenson, 2007; Frigola et al., 2007). Como
parte desses mesmos ecossistemas, também os grupos
humanos, independentemente do tipo de economia praticada,
tiveram de se adaptar a essas mudanças (Budja, 2007;
González-Sampériz et al., 2009; Bicho et al., 2010; Cortés
Sánchez et al., 2012).
A reconstrução de paleoambientes e o seu
cruzamento com os padrões de ocupação territorial permite,
por vezes, construir hipóteses argumentadas sobre as eventuais
percepções do território.

ENQUADRAMENTO: O VALE DO TEJO,


PORTUGAL.

O Vale do Tejo, em Portugal, oferece a maior


variedade geológica e geomorfológica do país. A área em
estudo é um território de confluência entre três unidades
geológicas e geomorfológicas (FIGURAS 1a e 1b): a)
formações detríticas da Bacia Sedimentar Cenozóica do Tejo-
Sado; b) Maciço Hespérico (xistos, quartzitos e granitos); c)
Maciço Calcário Estremenho. As características
geomorfológicas estão estritamente relacionadas com os
diferentes tipos de substrato: as cristas quartzíticas, as zonas de
encaixe ocorrem nos xistos e granitos, os terraços e as planícies
de inundação coincidem com o substrato argilo-arenoso,
enquanto os fenómenos cársicos estão obviamente
relacionados com os afloramentos calcários.
Estas unidades morfo-estruturais estão assim

[101]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

repartidas: ao centro e a Sul estendem-se os depósitos mais


recentes da bacia Cenozóica do Tejo que é delimitada a W e
NW pelo Maciço Calcário Estremenho, com rochas
essencialmente do Mesozóico. Entre o E e NW afloram o
Grupo Dúrico-Beirão e granitóides Paleozóicos e Pré-
Câmbricos do Maciço Hespérico. O relevo está orientado
segundo a Cordilheira Central Portuguesa (NE-SW)
(Gonçalves et al., 1979).
A região centro de Portugal encontra-se
representada por elevados maciços montanhosos direcionados
ENE-WSW e, a sul destes, a paisagem aplana-se e forma
planícies, realçando-se a planície do Tejo. A área expõe terras
comparativamente baixas com cursos fluviais entremeados por
colinas e alguns relevos mais frisados a norte; na zona interior,
deparamo-nos com uma região que apresenta algumas zonas
aplanadas, correspondente ao ocidente da Meseta; na faixa
mais setentrional, temos a região dos Planaltos Centrais. A
vasta bacia do Tejo, orientada sensivelmente NE-SW, abrange
toda a zona sul da cordilheira central e do Maciço Calcário
Estremenho (Cunha-Ribeiro, 1999).
Os depósitos mais recentes que encerram os
vestígios arqueológicos e paleo-ambientais (as formações do
Pleistocénico e do Holocénico) são os depósitos de terraços, as
areias eólicas, aluviões e/ou eluviões e, também, os
enchimentos de grutas (Rosina, 2004, Rosina et al., 2009)
(FIGURA 2.1 e 2.2). O relevo da área é cortado pela complexa
e extensa malha fluvial representada por vales acentuados e que
apresentam pequenas áreas de aluvião (Daveau 1980, 1993,
1995).
No território português, o rio Tejo insere-se na
Região Fitogeográfica Mediterrânica, sendo abrangido pelo
piso bioclimático Meso-mediterrânico (Rivas-Martinez, 1987).
Ao longo do seu percurso atravessa variadas formas de relevo e
formações geológicas que influenciam as comunidades vegetais
que o acompanham. As actividades antrópicas, de silvicultura,
[102]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

agricultura e pastorícia, foram provocando alterações na


composição florística do Vale do Tejo, sendo hoje difícil
encontrar áreas com formações de bosque originais.
No entanto, é possível encontrar em algumas encostas xistosas
e quartzíticas a ocorrência da associação Smilaco asperae-
Quercetum suberis com comunidades de Juniperus oxycedrus
(zimbro), acompanhado por alguns Querci (Quercus suber e
Quercus ilex) (Costa et al., 1998). A degradação destas
comunidades levou ao desenvolvimento do giestal (Cytisus
striatus, Cytisus multiflorus) e ao aparecimento de urzais e estevais,
dominados por Erica australis, Cistus populifolius e Cistus ladanifer.
Os bosques ripícolas, ainda que em menores áreas, continuam
a bordejar o rio em diversos pontos, sendo compostos por
comunidades de amieiro (Alnus glutinosa), freixo (Fraxinus
excelsior, Fraxinus angustifolia), borrazeira negra (Salix atrocinerea),
salgueiro-branco (Salix alba), choupo-negro (Populus nigra),
pilriteiro (Crataegus monogyna), Rosa sp., entre outras, que
constituem os resquícios de bosques caducifólios e formam o
corredor ripícola.
Em zonas antropizadas, em que o bosque tem
novamente oportunidade de recuperação, surgem as
comunidades de medronhal, onde dominam espécies como
medronheiro (Arbutus unedo), zimbro (Juniperus oxycedrus),
aderno (Phyllirea angustifolia) e lentisco (Pistacia lentiscus), murta
(Myrtus communis), salsaparrilha (Smilax aspera), folhado
(Viburnum tinus), urze-branca (Erica arborea), entre outras. Nas
zonas de planície, nas áreas permanentemente alagadas,
observam-se as comunidades de hidrófitas e helófitas como
bunho (Scirpus lacustris), caniço (Phragmites australis), tabuá (Typha
dominguensis), espadana (Sparganium erectum), lírio-amarelo (Iris
pseudacorus) e Ranunculus sp.. Nas áreas temporariamente
alagadas, para além de hidrófitos flutuantes, dominam as
formações de espécies vivazes e anuais: malcasada (Polygonum
amphibium), labaça (Rumex conglomeratus), Atrixplex sp.,
ranúnculus (Ranunculus sp.), Galium sp., Scrophularia scorodonia,
[103]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Paspalum paspalodes, Polypogon monspeliensis, Eleocharis palustris,


Carex sp., bunho (Scirpus lacustris), tabua-de-folha-larga (Typha
latifolia), lírio-bastardo (Iris pseudacorus), Sparganium erectum, junco
(Juncus sp.).

Figura 1a
[104]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Figura 1b: Carta morfo-estratigráfica da Península Ibérica (Andeweg,


2002).

[105]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Figura 2a

[106]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Figura 2b: Localização dos sítios referidos no texto. Não se pretendeu


enumerar todos os locais com ocupações do Epipaleolítico, Mesolítico e
Neolítico, pelo que apenas selecionamos alguns dos locais, de forma ao
leitor compreender as temáticas retratadas. Legenda: 1. Povoado da
Amoreira, 2. Paúl do Boquilobo, 3. Gruta do Cadaval, 4. Gruta do
[107]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Caldeirão, 5. Alpiarça II, 6. Abrigo da Pena d'Água, 7. Costa do


Pereiro, 8. Lapa do Picareiro, 9. Cerradinho do Ginete, 10. Cabeço do
Porto Marinho, 11. Abrigo Grande das Bocas, 12. Cortiçóis, 13.
Complexo dos Concheiros de Muge, 14. Concheiro de São Julião, 15.
Penedo do Lexim, 16. Magoito, 17. Encosta de Sant' Ana, 18. Povoado
de Fontes.

DA PAISAGEM ÀS DINÂMICAS HUMANAS


Os caçadores-recolectores epipaleolíticos e mesolíticos.

O Holocénico implicou alterações ambientais, em


parte decorrente das mudanças climatéricas à escala planetária,
às quais estiveram associadas modificações tecno-culturais, mas
também outras mudanças profundas de carácter social, entre
outras. Na área circum-Mediterrânica, os registos paleo-
hidrológicos indicam um mínimo do nível dos lagos no
Holocénico Inicial e um máximo no Holocénico Médio
(Magny et al., 2011). Já os dados palinológicos, indicam uma
primeira fase húmida (11.5-7.0 ka cal BP) com interrupções no
Oeste Mediterrânico por episódios secos (Jalut et al., 2009).
No presente capítulo, os termos Epipaleolítico e
Mesolítico serão utilizados como uma subdivisão do Mesolítico
sensu lato, na qual o Epipaleolítico (ou Mesolítico Inicial)
corresponde essencialmente aos grupos de caçadores-
recolectores do Pré-Boreal e Boreal (10-7.6 BP), e o Mesolítico
(Pleno) aos grupos de caçadores recolectores do posterior
período Atlântico (7.6-5.5 BP), no qual surgem também os
primeiros grupos agro-pastoris do Neolítico.
Do ponto de vista climático, de uma forma geral,
entre c. 10-8.0 ka BP, englobando o período climático Pré-
Boreal e parte do Boreal, estaríamos face a um clima mais
húmido do que o actual, no qual terá ocorrido um aumento da
cobertura vegetal, associado a uma maior diversidade ecológica
(Valente, 2008 e referências citadas). Com o fim do Boreal e a
[108]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

passagem para o Atlântico, o clima tornou-se mais quente e


seco, com uma vegetação Meso-mediterrânica. A formação de
aluviões, o declínio da floresta e a expansão de taxa arbustivos
são indicativos de uma variação de um clima húmido para
outro mais seco durante o Atlântico (Gomes et al., 2013).
Para o Epipaleolítico e Mesolítico, a área em
estudo apresenta algumas informações paleoambientais,
nomeadamente no que se refere à constituição da cobertura
vegetal, resultantes de estudos palinológicos e antracológicos
aplicados em contextos arqueológicos e naturais. Para os dados
antracológicos são de referir, por exemplo, os estudos de
materiais dos sítios arqueológicos de Pena d’Água (Figueiral,
1998) e Picareiro (Bicho et al., 2003) localizados no Maciço
Calcário; Amoreira (Allué, 2000; Ferreira, 2014), situado no
Maciço Antigo, na margem direita do Rio Tejo; ou do Cabeço
da Amoreira (Monteiro et al., 2012), na bacia do Tejo, margem
esquerda, pertencente ao Complexo dos Concheiros de Muge.
São ainda pertinentes os estudos palinológicos em contextos
naturais da bacia do Tejo, como Alpiarça II (van Leeuwaarden
e Janssen, 1985) e Paúl do Boquilobo (Vis, et al., 2010ab), assim
como dos cores sedimentares do baixo vale de Muge (van der
Schriek et al., 2008). No seu conjunto, os resultados obtidos
remetem para um cenário de vegetação de carácter local
(antracologia) e regional (palinologia) que apontam para uma
maior representatividade de espécies arbóreas, como Quercys
caducifólios, Pinus e Alnus, Oleaceae, enquanto as espécies
arbustivas, como as Ericaceae (Arbutus unedo, Calluna, Erica
arborea), Pistacia, Cistaceae, teriam pouca expressividade,
estaríamos portanto numa fase em que os bosques seriam mais
extensos no território do Vale do Tejo.
Do ponto de vista paleozoológico, com o início do
Holocénico, se por um lado taxa associados a climas mais frios
como a camurça (Rupicapra rupicapra) desaparecem dos registos,
outros taxa aumentam de representatividade, como é o caso do
auroque (Bos primigenius) e do veado (Cervus elaphus), sendo
[109]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

ainda de referir a presença de javali (Sus scrofa) e de corço


(Capreolus capreolus) (Valente, 2008).
Focando o Epipaleolítico, ao mesmo
correspondem os grupos de caçadores-recolectores que
apresentam (como o próprio termo indica) características em
continuidade com o final do Paleolítico. A estes grupos está
associado um incremento do número de sítios
comparativamente ao Tardiglaciar (Bicho, 1994, 2000; Haws,
2003), porém, segundo alguns autores, a diminuição da área
disponível para habitação e a diminuição da biomassa dos
grandes mamíferos durante este período, teria ocasionado um
decréscimo da população humana da região, provavelmente
abrupto (Araújo, 2003: 110). Ainda que a maioria dos sítios
enquadrados no Pré-Boreal e Boreal se situem junto à orla
costeira, outros, por exemplo, estão localizados em zonas mais
interiores do território português e/ou fora da área em estudo
neste capítulo (e.g., Almeida et al., 1999). Os estudos existentes
adscrevem um complexo padrão de ocupação territorial a estes
grupos, o qual estaria igualmente associado a uma
intensificação e especialização das estratégias de subsistência
(Bicho, 2001; Haws, 2002), como é exemplo a utilização de
recursos aquáticos (e.g., mariscos estuarinos e costeiros, peixes)
já patente no final do Paleolítico. Os territórios económicos
destes grupos teriam também aumentado significativamente se
comparados aos dos grupos de caçadores-recolectores do final
do Paleolítico (e.g., Araújo, 2003).
Conforme Araújo (2003: 105-106), o território
português apresenta três grupos de sítios epipaleolíticos,
indicadores de uma complementaridade funcional: i) sítios de
ar livre do interior, extensos, com conjuntos líticos abundantes
e presença de armaduras microlíticas, cujas actividades de
subsistência estariam bastante dependentes de recursos
terrestres; ii) sítios de ar livre do litoral que correspondem a
sítios pequenos com conjuntos industriais pouco diversificados
e geralmente reduzidos, e presença de concheiros; e iii) grutas e
[110]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

abrigos do interior, localizados na periferia e interior dos


maciços calcários, com armaduras microlíticas e
aproveitamento de recursos terrestres e aquáticos (marinhos e
estuarinos). O segundo grupo de sítios estaria relacionado com
a crescente importância que os recursos aquáticos vão tendo
nos grupos humanos, correspondendo a ocupações episódicas,
provavelmente sazonais e complementares; por sua vez, no
terceiro grupo de sítios, os recursos de origem aquática
estariam relacionados com uma utilização logística destes sítios,
associada principalmente à caça e recolecção de plantas
(Araújo, 2003: 107-108). M. J. Valente (2008), tendo como base
os estudos existentes indicou que no Pré-Boreal ter-se-ia
desenvolvido uma maior mobilidade dos grupos humanos,
nomeadamente entre as zonas interiores do Maciço Calcário
Estremenho e as áreas litorais. Essa mobilidade ocorreria entre
acampamentos residenciais, comuns perto de jazidas de sílex
(e.g., Cabeço de Porto Marinho), acampamentos temporários
de funções logísticas associadas à caça (e.g., Picareiro) e outro
tipo de acampamento temporário, especializados na captação
de recursos marinhos (Magoito).
A c.8.2 ka cal BP, ocorre uma reestruturação nos
padrões de povoamento no Oeste de Portugal Central, com
um foco para a ocupação das zonas estuarinas interiores
(Bicho, 1994; Bicho et al., 2010). Com o período Atlântico,
continuam a ser evidentes ocupações especializadas na recolha
de recursos marinhos (e.g., São Julião C) e, no Maciço Calcário,
mantêm-se as ocupações em gruta e abrigos (e.g., Bocas) e em
locais de ar livre (e.g., Costa do Pereiro, Pena d’Água) (Valente,
2008: 497). Não obstante, o que realmente chama atenção no
Mesolítico é a concentração das populações em áreas
estuarinas, principalmente nos estuários dos grandes rios:
Mondego, Tejo, Sado e Mira. Trata-se do período de maior
desenvolvimento de acumulações em concheiros.
São vários os sítios com ocupações epipaleolíticas
e mesolíticas que se poderiam referir. Situada numa zona mais
[111]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

litoral, a duna de Magoito apresenta uma baixa


representatividade de indústria lítica e fauna, porém apresenta
várias datações que a enquadram no início do Pré-Boreal
(Soares, 2003). Quanto ao Maciço Calcário Estremenho,
poderemos referir a ocupação epipaleolítica de Pena d’Água
(Carvalho, 1998) que, na camada F (7370±110 BP, Wk-9213),
apresentava materiais líticos de pequenas dimensões, como
esquírolas, pequenas lascas ou material laminar. Dentre os
utensílios, assiste-se ao predomínio de lascas com retoque
simples e raspadeiras, salientando-se a utensilagem macrolítica
realizada sobre seixos. A Lapa do Picareiro (Bicho et al., 2003),
também localizada no Maciço Calcário, apresenta no seu nível
arqueológico D (8310±130 BP, Wk-6676) um conjunto lítico
com predomínio de sílex, seguido de quartzo, no qual se
destacam as esquírolas e os utensílios retocados, como os
denticulados, entalhes, lascas retocadas e lamelas. As espécies
identificadas englobam mamíferos, como o coelho (Oryctolagus
cuniculus), veado (Cervus elaphus), javali (Sus scrofa) e auroque (Bos
primigenius); micromamíferos, com uma maior
representatividade de rato-cego-mediterrânico (Terricola
duodecimcostatus), rato-do-campo (Apodemus sylvaticus) e leirão
(Eliomys quercinus); restos de aves, peixes e invertebrados
marinhos, destacando-se o berbigão (Cerastoderma edule),
mexilhão (Mytilus sp.) e Nassarius reticulata.
A área em estudo engloba ainda o Complexo dos
Concheiros de Muge, localizados entre Salvaterra de Magos e
Almeirim, em afluentes do rio Tejo, nomeadamente a Ribeira
de Magos, Ribeira de Muge e Ribeira da Fonte da Moça. Os
concheiros mesolíticos de Muge foram alvo de diversos
estudos que remontam à segunda metade do século XIX,
sobretudo devido ao seu extenso espólio osteológico humano
(ver histórico de pesquisas em Cardoso, 2004 e Detry, 2007).
Análises de isótopos estáveis demonstraram uma importante
componente aquática na dieta destes grupos (Lubell et al.,
1994), posteriormente confirmada por novas análises de

[112]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

oligolementos e de isótopos estáveis (Umbelino, 2006). De


salientar a grande diversidade de espécies presentes nos
concheiros, englobando animais de porte grande (e.g., veado,
auroque, corço, javali, cavalo) a porte pequeno (e.g., leporídeos,
pássaros, moluscos, peixes, crustáceos) (Lentacker, 1986, 1994;
Detry, 2007). No que respeita especificamente aos moluscos,
salienta-se a importância da lamejinha e do berbigão que são
facilmente recolhidas sem recursos a tecnologias específicas,
aliás, conforme Detry (2007: 287), “as conchas poderiam
mesmo ser recolhidas por crianças, podendo facilmente
constituir uma tarefa atribuída a determinados grupos etários”.
Dados, como por exemplo os obtidos por Lentacker (1994) no
que concerne aos taxa ictiológicos, sugerem a possibilidade de
que a ocupação dos concheiros seria durante todo o ano, mas
ocorriam actividades sazonais. O sistema económico e social
destes grupos seria mais sedentário comparativamente ao
Epipaleolítico, aliás, para além de enterramentos de indivíduos,
nos concheiros foram encontradas estruturas de habitação sob
a forma de buracos de postes (e.g., Moita do Sebastião –
Roche, 1972).
O facto de se verificar uma diminuição de
tamanho de certos taxa (i.e., auroque, veado e javali) no
Mesolítico, com uma recuperação a apenas ocorrer
posteriormente, durante o Calcolítico (Davis e Mataloto, 2012),
aliado à mudança dos espectros de veado para javali, ao
aumento da frequência de elementos de javali em contextos
mesolíticos e à mudança nos seus padrões demográficos
(Detry, 2007), levou a sugerir a ocorrência de um aumento de
pressão cinegética (Davis e Moreno, 2007). Face a isto, Davis e
Mataloto (2012) e Davis e Detry (2013) levantaram a hipótese
de ter ocorrido uma “crise” no Mesolítico devido à caça
excessiva destas espécies.

[113]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

As primeiras economias produtoras neolíticas.

O surgimento das primeiras economias produtoras


no Vale do Tejo encontra-se identificado em grande medida
nos contextos cársicos do Maciço Calcário Estremenho,
datados do período Atlântico. Sítios arqueológicos como a
Gruta do Caldeirão (Zilhão, 1992) e o Abrigo da Pena d’Água
(Carvalho, 1998, 2008) assumem-se como um reflexo do que
nos milénios seguintes marcará a diferença: o surgimento e
desenvolvimento de uma economia produtora.
As teorias vigentes apontam para a chegada à costa
Central e Sul de Portugal de populações alóctones portadoras
de novidades relacionadas com o “modo de vida Neolítico”
(Zilhão, 2001), sendo de referir a relevância da interação entre
estes grupos alóctones e outros autóctones no posterior
desenvolvimento das economias produtoras (Oosterbeek,
1994; Cruz, 1997, 2011).
No que respeita ao Neolítico, uma recente síntese
elaborada por A. F. Carvalho (2012) indicou as seguintes
características principais:

 Neolítico Antigo – cerâmicas esféricas ou ovóides, por


vezes com pescoço destacado e fundo cónico (na fase cardial),
inicialmente com decoração através de elementos plásticos e
impressões, na fase evolucionada associados a temas incisivos.
Indústrias de pedra talhada sobre lascas, produções laminares
em sílex, geométricos (segmentos), indústria óssea rara e
elementos de adorno em concha, dente ou pedra.

 Neolítico Médio - Cerâmicas esféricas, lisas


(“dolménicas”) em contextos funerários e raramente decoradas
em habitacionais. Indústria talhada segue os padrões anteriores
e nos geométricos os segmentos são substituídos por trapézios.
A indústria óssea apresenta-se mais abundante e os elementos

[114]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

de adorno incluem braceletes sobre concha ou pedra. É o


período de surgimento do megalitismo.

 Neolítico Final – Aparecem formas compostas e a


indústria talhada compreende grandes lâminas e utensílios com
retoque invasivo bifacial. Surgem as placas de xisto com
decoração geométrica e dá-se o apogeu do megalitismo.

Do ponto de vista da cobertura vegetal, os dados


existentes são ainda escassos para a compreensão do real
impacte das práticas ligadas à nova economia produtora,
sobretudo nas suas fases iniciais. No Neolítico Médio, os dados
paleobotânicos, resultantes dos estudos palinológicos indicam a
redução de espécies arbóreas (Pinus e Quercus caducifólios) e,
paralelamente, as espécies arbustivas começam a instalar-se de
forma mais intensa na paisagem (van Leeuwaarden e Janssen,
1985; van der Schriek et al., 2008; Vis et al., 2010a, 2010b). Os
estudos antracológicos também reflectem esta tendência,
sobressaindo, no entanto, Olea europaea como taxón mais
representativo (Figueiral, 1998; Allué, 2000) acompanhada de
outras espécies esclerófilas como Quercus tipo ilex e Quercus
suber. Tal aspecto encontra similaridades com os dados
palinológicos obtidos no Paúl do Boquilobo (Vis et al., 2010a,
2010b). Os dados palinológicos demonstram ainda uma
representatividade crescente de herbáceas (Asteraceae, Poaceae
e Plantago) (van Leeuwaarden e Janssen, 1985; van der Schriek
et al., 2008; Vis et al., 2010a, 2010b). No Neolítico Final, de
uma forma geral os estudos arqueobotânicos desenvolvidos no
vale do Tejo assinalam os valores máximos de Ericaceae (e.g.,
Erica arborea, Arbutus unedo, Calluna) e outros arbustos,
enquanto que o recuo dos bosques é bastante evidente
(Figueiral, 1998; Allué, 2000; van Leeuwaarden e Janssen, 1985;
van der Schriek et al., 2008; Vis et al., 2010a, 2010b). Em alguns
estudos palinológicos é possível evidenciar a presença de
cereal, bem como algumas espécies de herbáceas que

[115]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

acompanham actividades antrópicas de agricultura e pastorícia


(van der Schriek et al., 2008; Ferreira, 2010; Vis et al., 2010a,
2010b).
No que respeita à exploração de recursos biótipos
animais, o Neolítico Antigo apresenta uma predominância de
actividades cinegéticas em contextos como a Gruta do
Caldeirão (Rowley-Conwy, 1992; cf. Davis, 2002) e o Abrigo da
Pena d’Água (Valente, 1998; Carvalho et al., 2004). Ainda que
se trate de um contexto quantitativamente muito restrito, o
Cerradinho do Ginete apresenta uma maior representatividade
de fauna doméstica (Carvalho et al., 2004; Carvalho, 2008). A
Encosta de Sant’Ana é um contexto do Neolítico Antigo
(Evolucionado) ao ar-livre, localizado em Lisboa, que
apresentava níveis de ocupação com estruturas e um rico
conjunto artefactual, tendo-se ainda identificado restos de javali
(Sus scrofa), veado (Cervus elaphus), auroque/vaca (Bos sp.),
ovino-caprinos (Ovis aries/Capra hircus) e leporídeos (Muralha e
Costa, 2006). De uma forma geral, os sítios conhecidos do
Neolítico Antigo apresentam dimensões reduzidas sendo que
poderão indiciar comunidades não plenamente sedentárias, i.e.,
grupos humanos pequenos e relativamente móveis (Valente e
Carvalho, 2014).
Quanto ao Neolítico Médio, por um lado alguns
contextos apresentam um predomínio de fauna doméstica,
como é o caso do Abrigo da Pena d’Água (Valente, 1998;
Carvalho et al., 2004) e da Gruta do Cadaval (Almeida et al., no
prelo), por outro lado, outros sítios apresentam um predomínio
de fauna selvagem, nomeadamente a Costa do Pereiro
(Carvalho, 2008). Os dados para o Neolítico Médio são ainda
escassos, estando em falta informações relativas a contextos
habitacionais (Carvalho, 2008). Durante o Neolítico Final,
assiste-se a um predomínio de fauna doméstica na Gruta do
Cadaval (Almeida et al., no prelo), localizada no Maciço
Calcário. Não obstante, os melhores registos para este período
vão encontrar-se fora do Maciço Calcário, como é o caso do
[116]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Penedo de Lexim, com um predomínio claro de fauna


doméstica, nomeadamente porco (Sus domesticus) vaca (Bos
domesticus) e ovino-caprinos (Ovis aries e Capra hircus), mas
também taxa selvagens como o veado (Cervus elaphus) (Sousa,
2010). Este sítio, à semelhança de outros cronologicamente
similares na área, demonstram a maior importância das
espécies domésticas relativamente às selvagens (Valente e
Carvalho, 2014 e referências citadas).
No que respeita a práticas de agricultura é ainda
difícil discernir a mesma, sobretudo nas fases iniciais do
Neolítico da região (Almeida et al., 2014). Porém, alguns dados
como a presença de elementos de foice com lustre de cereal no
sítio do Neolítico Antigo (Evolucionado) de Cortiçóis
(Carvalho et al., 2013) devem ser tidos em conta. No Neolítico
Final e períodos posteriores, os dados arqueológicos para o
Vale do Tejo demonstram o surgimento de ocupações
alargadas de ar livre que indicam um desenvolvimento da
economia produtora destes grupos, algo bem patente nos
registos arqueofaunísticos e no surgimento de indicadores de
práticas agrícolas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente capítulo, havíamos definido como


prioridade uma tentativa de compreender as dinâmicas
ambientais e as estratégias humanas a elas associadas, ao longo
do Holocénico Inicial e Médio, no Vale do Tejo (Portugal).
Desde o Holocénico Inicial, com os caçadores-
recolectores epipaleolíticos do Pré-Boreal e Boreal, até aos
subsequentes caçadores-recolectores mesolíticos do Atlântico
do Vale do Tejo que apresentavam uma elevada importância da
componente aquática na sua alimentação, e mais tarde às
primeiras economias produtoras, os grupos humanos foram-se
adaptando às modificações ambientais, através da exploração e

[117]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

captação de recursos não bióticos (como as matérias-primas


que lhes permitiram elaborar as suas ferramentas) e bióticos
(como as matérias vegetais, ainda praticamente desconhecidas,
ou os recursos animais, para os quais temos alguns dados).
Neste processo, não se registam divergências significativas
entre o quadro ambiental reconstruído e a diversidade de
recursos explorados, consistindo as mudanças essencialmente
em aproveitamentos de novos recursos que se tornam mais
significativos e disponíveis (como os estuarinos), e inovações
técnicas (nas quais a domesticação de animais se pode entender
como uma intensificação de estratégias de caça especializada
que, por sua vez, já indiciava uma selecção importante no
universo do bioma disponível). Não será por isso a
intensificação da exploração de recursos (de que a
domesticação é uma continuidade importante, já anunciada nas
estratégias marisqueiras, por exemplo) que é mais marcante
neste processo, e sim a interacção crescente que se irá registar,
sobretudo a partir do Neolítico Médio, envolvendo objectos e
materiais (como o sílex, objectos de adorno e de prestígio, a
pedra polida ou, mais tarde, as placas de xisto). Estas
interacções, menos relevantes na estruturação de redes de
consumo de recursos alimentares básicos (economia primária)
e mais fortes na circulação de recursos técnicos (economia de
serviços e redes simbólicas de associação), traduzem uma
alteração gradual mas, ao mesmo tempo, radical.
Neste sentido, terá mudado a sua percepção dos
territórios, percepcionando-se paisagens em que a dimensão
antrópica se vai progressivamente sobrepor a qualquer variável
geomorfológica ou do bioma. De facto, os diferentes tipos de
povoamento que os diversos autores sugerem não parecem ser
muito mais do que adaptações locais aos ecossistemas
disponíveis, no lano estritamente da economia de subsistência,
mas ocorrem com crescente expressão manifestações
(intercâmbio de materiais e objectos e construção de
estruturas) que impõem uma mudança no cenário visualmente

[118]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

percepcionável. Este processo é já visível com os concheiros


mesolíticos, verdadeiros marcadores da paisagem (que nesse
plano precedem o megalitismo), prolonga-se nas redes de
distribuição de cerâmicas (decoradas ou não) e objectos técnica
e estilisticamente inovadores, e consolida-se na arte rupestre,
onde a deslocação do foco no bioma (fauna) cede lugar a uma
esquematização crescente e à centralidade dos antropomorfos
nas cenas gravadas em bancadas de xisto ou pintadas em
painéis de quartzito e calcário. A neolitização, neste sentido,
consolida um entendimento novo sobre os reguladores sócio-
culturais da adaptação ao ambiente, no qual a subsistência se
mantém obviamente como condicionante fundamental, mas
em que a dimensão do intercâmbio antrópico de saberes se vai
tornando o principal vector de estruturação das redes de
povoamento.

AGRADECIMENTOS

Nelson Almeida (SFRH/BD/78079/2011) e


Cristiana Ferreira (SFRH/BD/78542/2011) beneficiam de
Bolsas de Doutoramento da Fundação para a Ciência e a
Tecnologia, Portugal, no âmbito do QREN – POPH –
Tipologia 4.1 – Formação Avançada, comparticipado pelo
Fundo Social Europeu e por fundos nacionais do MEC.

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[129]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

CAPÍTULO 6

Enquadramento geoambiental e sua


importância na correlação de proveniência
de matérias primas líticas:
uma discussão para a região da Serra dos
Carajás - Pará, Brasil.
Michelle Mayumi Tizuka, Mestre.
Hugo Ventura Correia, Mestre.

INTRODUÇÃO

Denham (2008) apresenta que existe uma


tendência na arqueologia e outras disciplinas de encarar os
homens e as paisagens como esferas distintas de estudos.
Entretanto, se considerarmos que o homem primitivo produzia
utensílios de acordo com as rochas e minerais que possuía a
sua disposição, é imprescindível relacionar a geologia local com
as matérias-primas líticas encontradas. Deste modo a escolha
das matérias-primas pode estar ligada às rochas locais
existentes ou disponíveis em determinados locais de passagem.
Rodet (2010) menciona serem as fontes de
matérias primas líticas inteiramente relacionadas à evolução
geomorfológica do local. Podem-se observar recursos líticos
provenientes diretamente das rochas do embasamento (fontes
primárias) ou, ao contrário, resultantes de agentes erosivos
[130]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

(fontes secundárias). Estes locais certamente foram explorados


durante a pré-história, havendo os grupos humanos pré-
históricos apropriado-se do espaço físico para responder as
suas necessidades tanto do ponto de vista físico, quanto de
seus imaginários, e, é claro, que os recursos aí presentes guiam
estes grupos que investem neste espaço em função de suas
necessidades e dos recursos que eles oferecem (M.J.Rodet et al.
2008). Os conceitos e definições sobre paisagem tem sido
discutidos na arqueologia através de inúmeros autores, sendo
que diferentes conceitos e definições tem sido empregadas.
Anschuetz et al (2001) entre outros autores, mencionam que as
paisagens podem apresentar inúmeras conexões que
relacionam o comportamento humano com lugares e tempos
particulares.
Já a Arqueologia da Paisagem considera as
intervenções humanas como construtoras da paisagem; a partir
dos vestígios deixados por estas intervenções – construções,
gravuras, pinturas, fogueiras, sepultamentos, solos antrópicos -
e de suas relações com os aspectos naturais do lugar em que
estão pode-se dizer sobre a maneira como os povos ou grupos
que intervieram na paisagem lidavam com o meio (Criado
Boado, 1999; Ashmore & Knapp, 1999). Logo a evidência
arqueológica de que dispõe o arqueólogo depende muito do
comportamento humano, das condições naturais que atuam na
sua conservação ou destruição e ainda da habilidade do próprio
profissional em encontrá-la, recuperá-la e conservá-la.
Neste momento foca-se no entendimento e
discussão da matéria prima encontrada como artefatos líticos
(lascados e/ou polidos) em sítios arqueológicos e levantamento
de hipóteses sobre estas possíveis proveniência do material,
seja no local, seja no entorno do sitio arqueológico.
A sequencia de etapas de “ocorrência-
disponibilidade-seleção-retirada e utilização” da matéria prima
pode ser “mascarada” em decorrência de muitas vezes serem
descritas e classificadas erroneamente determinadas matérias
[131]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

primas (seja por falta de formação/especialidade do


pesquisador e/ou rochas e minerais que não são facilmente
distinguíveis a olho nu). A proveniência às vezes é determinada
de acordo com as Formações geológicas que existem no local
através do mapa geológico disponível. Entretanto, a escala do
mapa utilizado pode ocasionar problemas relacionados àquela
formação, uma vez que dependendo da escala não são
observáveis variações localizadas como veios e/ou
afloramentos.
Discute-se ainda a importância da coleta de
material bruto (calhaus, seixos etc.) que muitas vezes são
descartados durante as atividades de peneiramento ou mesmo
em laboratório, quando não apresentam
lascamentos/polimentos. É importante atentar para aspectos
como as descrições macro e microscópica da matéria-prima
bruta, como dimensões, grau de preservação, presença /
intensidade de alterações de superfície, entre outros atributos,
pois servirão de referencia para as matérias primas líticas do
sitio arqueológico e correlação com as prováveis áreas fonte.
Bueno e Pereira (2007) citam sobre a Economia de Matéria-
Prima, que envolve o conjunto das estratégias utilizadas para
obter, gerir e utilizar um tipo de recurso específico – matéria-
prima lítica, sendo que os vestígios podem ser utilizados como
uma espécie de mobília no desempenho de outras tarefas, que
não causam nenhum tipo de alteração química ou física
identificável no registro arqueológico.
Este artigo tem como objetivo discutir a correlação
e utilização dos mapas geológicos para determinar possíveis
fontes de matérias prima de artefatos líticos (lascados/polidos)
encontrados em sítios arqueológicos em função das diferentes
escalas que existem entre os mapeamentos geológicos. Através
de uma ficha de análise para descrição das matérias primas,
sugere-se uma estratégia expedita para determinar a possível
proveniência das matérias primas lítica de sítios arqueológicos
tendo como exemplo a região da Serra de Carajás – Pará -
[132]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Brasil. Estas compreensões das escolhas feitas pelos grupos


pré-históricos, em termos das matérias-primas utilizadas, das
técnicas aplicadas e dos instrumentos e objetos produzidos
podem levar à caracterização das diferentes ocupações ao
longo do tempo e levantar hipóteses sobre a ecologia de
assentamentos e paisagens híbridas e/ou culturais.

A SERRA DE CARAJÁS - PARÁ

A Serra de Carajás localiza-se na região central do


Pará, no nordeste amazônico (Figura 1). Apresenta uma
diversidade de Formações geológicas com rochas desde o
Arqueano (Complexo Xingu) até coberturas superficiais
cenozóicas do Fanerozóico. De acordo com CPRM (2008)
alguns exemplos das litologias encontradas nesta região são: as
formações ferríferas bandadas (FFB´s) constituída por jaspilitos,
com bandamento definido pela alternância de micro e
mesobandas de óxidos de ferro (hematita, magnetita e martita),
jaspe (chert impregnado por hematita fina) e/ou chert branco,
além de carbonatos subordinados. As FFB´s ocorrem nas
Unidades Litoestratigráficas Grupo Igarapé Salobo, Formação
Carajás, Grupo Igarapé Bahia, Grupo Igarapé Pojuca e Grupo
Rio Novo; Metabasaltos, metaquartzo dioritos, metadacitos, metatufos e
metariolitos subordinados constituintes principais da Formação
Parauapebas, no entanto algumas destas litologias ocorrem
também nas Unidades Grupo Igarapé Bahia e Grupo Igarapé
Pojuca; os quartzos podem ocorrer praticamente em todas as
formações da região, mas predominam nomeadamente nas
formações Águas Claras e Parauapebas; variações do quartzo
tal como quartzo ametista pode ocorrer em unidades como
Complexo Cajazeiras, Granodiorito Rio Maria, Ortogranulito
Chicrim-Cateté, Complexo Xingu e Grupo Rio Novo
ocorrendo em jazimentos filonianos encaixados em granitoides
[133]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

ou em veios, diques, geodos e até cavernas, às vezes associados


com quartzo hialino e quartzo fume, encaixados em quartzitos
do Grupo Rio Novo; os quartzitos predominam em unidades
tais como Formação Pequizeiro, Formação Couto Magalhães,
Formação Buritirama, Sequencia Rochas Supracrustais 1 e
Grupo Rio Novo; os granodioritos ocorrem na formação
Granodiorito Rio Maria, Complexo Xingu, Complexo
Granitico Estrela e Granito Igarapé Gelado; Rochas
granitoides são comuns na região e apresentam uma grande
variedade em termos composicionais pelo que são sitadas
apenas algumas das unidades mais preponderantes, Suite
Intrusiva Jamon, Complexo Xingu, Complexo Granito Estrela
e Suite Intrusiva Serra dos Carajás; o silex pode ocorrer em
maior quantidade nas Unidades Complexo Máfico Ultramáfico
Quatipuru, Formação Buritirama, Grupo Serra Grande-Arenito
Guamá e na Formação Rio das Barreiras.
Os limites Sul e Oeste de Parauapebas são
materializados, aproximadamente, pelos divisores de água das
bacias do Tocantins e Xingú. Por este motivo, todos os rios do
Município fazem parte da bacia do Tocantins. Parauapebas é
banhado por dois rios, o Parauapebas e o Itacaiúnas. Ambos
nascem na Serra Arqueada e corre, no município, na direção
Sul-Norte e só são navegáveis por pequenos barcos em trechos
frequentemente interrompidas por corredeiras e pequenas
cachoeiras, que se agravam quando os níveis de suas águas
baixam. O regime desses rios como o de todos os seus
afluentes, varia em função das chuvas (dezembro a abril/maio).
A região das serras apresenta ainda formação de pequenas
lagoas, depósito de chuvas, em terreno relativamente
impermeável. Essas lagoas situam-se em pequenas depressões
situadas nos topos das serras.

[134]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Figura 1. Localização da região de Carajás - Pará - Brasil.

[135]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Figura 2a

[136]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Figura 2b

[137]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Figura 2c. Mapa geológico recortado da região de


Parauapebas-Pa. Adaptado do Mapa Geológico e de Recursos
Minerais do Estado do Pará, à Escala 1:1.000.000 produzido
pela CPRM – Serviço Geológico do Brasil (2008).

[138]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

ARQUEOLOGIA DE CARAJÁS

A arqueologia da área da Serra de Carajás é crucial


para o estudo de diversos modelos discutidos no âmbito da
pesquisa cientifica. Sítios de caçadores-coletores (inseridos na
categoria de “sítios líticos”) são de extrema importância
científica para elucidar uma problemática que data do final da
década de 60, referente à possibilidade ou não de a floresta
amazônica fornecer condições ecológicas favoráveis a uma
ocupação baseada em caça e coleta (Lathrap, 1968; Balée, 1994;
Kipnis et al, 2005; Gnecco, 1999; Gnecco e Mora, 1997;
Roosevelt et al., 1996 entre outros).
Nesta região ocorre uma predominância de sítios
arqueológicos cerâmicos a céu aberto, sítios cerâmicos em
cavidades naturais e sítios líticos em cavidades naturais.
Vestígios de ocupação ceramista foram encontrados também
nas cavidades naturais da região de Carajás, mas as
características da cerâmica dessa ocupação são bem distintas
das características da cerâmica acima mencionada. Trata-se
possivelmente de uma ocupação mais antiga que a ocupação
Tupiguarani da região. Infelizmente, os dados sobre esses sítios
do Sudeste do Pará são pouco publicados, como exemplo de
um dos trabalhos mais recentes nesta área de Silveira (1994),
Magalhães (1994), Bueno & Pereira (2003) e Oliveira (2007)
sendo ainda muitas das pesquisas restritas a relatórios técnicos
de licenciamentos ambientais.
Um levantamento de dados realizados sobre os
sítios identificados em trabalhos de arqueologia de contrato nas
Serras Norte e Sul entre os anos de 2006 e 2011 (Scientia,
2009, 2011) revelou a existência de mais de 400 cavidades na
região, sendo 20% sítios arqueológicos. Este percentual de
sítios arqueológicos em cavidades naturais é decorrente
principalmente devido às pesquisas voltadas ao Complexo
Minerador de Carajás (nos municípios de Parauapebas e Canaã
dos Carajás) e aos levantamentos arqueológicos feitos por
[139]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

espeleólogos no mesmo âmbito de licenciamentos ambientais


na região.
Apesar da questão da reconstituição
paleoambiental da Amazônia ainda estar em aberto, às
pesquisas arqueológicas nas cavidades naturais da região de
Carajás tem sido reveladoras de uma grande antiguidade
ocupacional para a área de estudo, por populações caçador-
coletoras, produtoras de artefatos de pedra lascada, que
ocuparam intensivamente tais cavidades por vários milênios, a
partir do final do Pleistoceno e início do Holoceno. Ate o
momento o sitio que apresentou as datas mais antigas de
ocupação foi na Gruta do Pequiá, com 9000 anos antes do
presente.

A SISTEMATIZAÇÃO DOS DADOS

Apresenta-se aqui uma proposta de estruturação


sequencial das diversas etapas de uma pesquisa
geoarqueológica através de um fluxograma de análise de
proveniência de matérias-primas (Figura 2). Este fluxograma
aponta para três fases principais, sendo elas as atividades de
gabinete (pré-campo), as atividades de campo em si e as
atividades de gabinete (pós-campo) sendo que cada uma destas
fases principais é dividida em varias etapas.
A fase pré-campo constitui no enquadramento
geoambiental, quando o(s) sitio(s) deve(m) ser
georeferenciados na cartografia disponível, observando-se as
escalas respectivas. Esta fase já propõe ao pesquisador uma
noção geral antes da etapa de campo dos tipos e possíveis
fontes de matéria primas que poderão ser identificadas em
campo. A proximidade de cursos d’água, outros sítios
arqueológicos e implantação na paisagem são previamente
descritas aqui.

[140]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

A fase seguinte trata-se da etapa de campo em si,


com duas etapas: descritiva e de coleta de dados. Deve-se
atentar na descrição da paisagem não somente o limite do sitio
arqueológico, mas caracterizar o entorno, proximidade de
cursos d’água, afloramentos rochosos no local e entorno e
observação dos cortes expostos nas estradas a caminho do
sitio. Durante as escavações devem ser observados e coletados
não somente os artefatos arqueológicos líticos, mas como as
rochas brutas associadas. A descrição da estratigrafia, assim
como as fácies arqueológicas deve ser detalhada com amostras
coletadas e, sempre que possível lavada e quebradas para
melhor identificação da rocha.
Por fim a etapa pós-campo fornecerá informações
acerca dos tipos das matérias primas (líticos e brutos) após a
higienização, triagem e identificação do material. As amostras
de rochas e minerais que não estão associados ao material
arqueológico devem ser igualmente, identificado e armazenado
para comparações durante a análise. Análises macroscópicas
podem seguir a tabela de análise proposta também neste
trabalho e sempre que possível, realizar análises microscópicas,
pois algumas diferenças composicionais só são visualizadas
com lupas de grande aumento e/ou difração de raios-X /
microscopia eletrônica de varredura.
Posteriormente a esta estruturação e discussão é
sugerida uma ficha de análise de atributos de modo a tornar
mais precisas as descrições macroscópicas de matérias primas
líticas efetuadas (Figura 4). Esta ficha de análise de atributos
contem 13 atributos sendo eles a classificação do material
(mineral ou rocha), brilho, clivagem, tipo de fratura, hábito,
estrutura, textura, silicificação, grau de alteração, inclusões, cor,
litologia provável e observações. Foram utilizadas diversas
referências para o ordenamento destes atributos a serem
citados trabalhos de Klein & Hurlbut (1999), Skinner & Porter
(1995); Teixeira et al. (2000); Best, M. & Christiansen, E.H.
(2001); Hall, A. (1987); Mackenzie, W.S.; Donaldson, C.M. &
[141]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Guilford, C. (1982) e Suguio (2003). É de realçar que a


caracterização destes 13 atributos dependerá do primeiro
atributo classificativo designado por classificação do material
(rocha ou mineral), dado que após esta classificação alguns
atributos não se aplicam a ambos.
Em termos metodológicos os mapas geológicos
são a nossa base primordial e principal neste tipo de análises de
proveniências, sendo a base de georeferenciamento do(s)
sitio/sítios arqueológicos e da interpretação dos mesmos.
Como exemplo de estudo para este artigo foi utilizado um
excerto do mapa geológico da região de Carajás adaptado do
Mapa Geológico e de Recursos Minerais do Estado do Pará, à
Escala 1:1.000.000 produzido pela CPRM – Serviço Geológico
do Brasil (2008).
Atualmente os mapas geológicos apresentam
escalas muito elevadas e são poucos os estados que já possuem
um mapeamento geológico mais detalhado. Especialmente na
Amazônia em detrimento dos escassos acessos que
impossibilitam um mapeamento mais minucioso, estes mapas
são principalmente produzidos em função de atividades de
mineração e/ou empreendimentos hidroelétricos.
A observação de afloramentos para verificar
potenciais áreas fonte de matérias primas nas proximidades do
sitio para análise e contextualização geológica local é necessária
para se levantar hipóteses sobre a possível proveniência das
matérias primas líticas recorrendo a mapeamentos geológicos
de determinada região. Kulemeyer & Lopez (1997) acreditam que
para a determinação das zonas de proveniência de matérias
primas líticas é necessária uma aplicação de uma metodologia
que incorpore sistematicamente o uso de técnicas analíticas
adequadas para alcançar os objetivos fixados previamente. Eles
tomaram como base a proposta de A. Vila (1987) o ponto de
partida com a classificação do lítico a partir de critérios
litológicos e texturais, mediante a sua observação macroscópica
com posterior análise microscópica através de seções delgadas.
[142]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Figura 3. Fluxograma de análise de proveniência de matérias-


primas

[143]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Figura 4. Ficha de análise de matéria prima.

[144]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

DEFINIÇÃO DE MATÉRIA PRIMA


E SUA RELAÇÃO COM A PAISAGEM

Como exemplo, citamos que em algumas


cavidades naturais onde foram identificados sítios
arqueológicos, como da Serra Norte de Carajás (bloco N4E),
foram encontrados artefatos líticos cujas matérias primas não
foram identificadas mesmo após análise em laboratório, sendo
apenas denominadas de “rochas verdes”, com descrições sobre
o tipo de forma, dimensões e peso, além das características
tipo-morfológicas.
Utilizando-se de características físicas do material
como fraturas, hábito, estrutura, textura como indicado na
Ficha de análise, poderíamos, nos aproximar do tipo de rocha
utilizada, no caso, como exemplo, um arenito.
Nesta região os artefatos líticos areníticos podem
ser provenientes das formações A4ac (Formação Águas
Claras), PP3ysc (Suíte Intrusiva Serra dos Carajás), Ssg (G.
Serra Grande), K2rb (Formação Rio das Barreiras) e K12it
(G.Itapecuru), dado que são formações constituídas
predominantemente por diferentes tipos de arenito (Figura 5).
Estes arenitos por vezes podem apresentar um elevado teor de
sílica (arenito silicificado), conferindo-lhes um aspecto rígido
semelhante a quartzitos e podendo até ser confundidos com o
próprio sílex, desta forma deve-se ter algum cuidado durante a
análise da matéria prima á vista desarmada. Pelo que é
aconselhável em caso de dúvida uma análise mais profunda
com auxilio de lupa binocular.
O grau de alteração da matéria prima é igualmente
importante no momento da descrição, uma vez que pode
auxiliar no entendimento sobre ações pós deposicionais do

[145]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

sítio em que foi encontrado o material e/ou proveniência do


mesmo.
Levantamentos de campo com esta finalidade de
busca por afloramentos passíveis de retiradas de matérias
primas seguidos de refinamentos dos mapas geológicos
existentes não foi realizado, entretanto a partir destas
informações já se consegue um maior aproximação sobre
disponibilidade/ocorrência de determinada matéria prima no
sitio arqueológico ou se estimar as distâncias mínimas que elas
ocorrem.

[146]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Figura 5a

[147]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Figura 5b
[148]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Figura 5b. Mapa geológico da região de Parauapebas-PA com


detalhe para a ocorrência de arenitos. Adaptado do Mapa
Geológico e de Recursos Minerais do Estado do Pará, à Escala
1:1.000.000 produzido pela CPRM – Serviço Geológico do
Brasil (2008).

[149]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A aplicação que aqui apresentamos com a tabela de


atributos em situações onde apenas são realizadas análises
macroscópicas, pretende demonstrar uma mais valia para
determinação das matérias primas líticas, mesmo que não se
chegue a denominação verdadeira do material, pretende-se
realizar um registro destas características de forma sistemática.
É de realçar que a prática generalizada de identificação e
caracterização de rochas e minerais objetos de estudo
unicamente a partir da sua observação macroscópica devem ser
baseados em critérios objetivos e não arbitrários, como é o
caso da analise macroscópica que se fundamenta em critérios
que dependem em grande parte da apreciação da pessoa que
realiza o estudo (cor, brilho, grau de alteração, etc.).
Principalmente por sabermos da dificuldade da obtenção de
recursos para proceder ao uso de técnicas analíticas como é o
caso da análise petrológica (microscópio de luz transmitida),
análise de aspectos significativos a nível qualitativos
(catodulominescencia, SEM microscópio eletrônico de
varrimento, etc.), quantificação do conteúdo geoquímico da
amostra (emissão espectrográfica, ativação neutrônica,
absorção atômica, difração de raios-X, medidas isotópicas etc.).
Procura-se levantar uma discussão acerca das
formas como são descritas estas matérias primas seja em
campo ou em laboratório de forma sistemática, de modo que
os dados produzidos em qualquer esfera de pesquisa seja
minimamente padronizado.

[150]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

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ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

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[154]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

CAPÍTULO 7

Histórico da região da Leopoldina,


Rio de Janeiro, e seu entorno sob a ótica
das novas pesquisas e descobertas
arqueológicas.
Claudio Prado de Mello, Professor Mestre.

O meio físico de uma cidade é também o espaço


das representações sociopolíticas de uma sociedade em uma
dada realidade e é, portanto, o quadro de vida de seus
habitantes. Muito da sua paisagem reflete as características de
seu próprio povo. Assim, o ambiente natural (ou que parece
natural) pode ser uma espécie de produto humano, que tanto
pode ser um complexo urbanístico ou arquitetônico, ou uma
paisagem que pode parecer intocada, mas que pode ter sido
resultado da ação antrópica, escamoteada pela ação do tempo.
Nesse sentido o conceito de Arqueologia da Paisagem surge
como uma ordenação de características meio-ambientais que
refletem as representações socioculturais e humanas.
Em algumas cidades percebe-se que a natureza
mudou pouco e os vestígios do passado podem ser
encontrados até em 20 cm do solo atual ou sob uma simples
camada de asfalto. Em outros casos as transformações podem
ter sido significativas e, esses vestígios se encontrarem a metros
de profundidade. Quando se fala em ambiente construído pelo
Homem, se pensa logo no caso de Amsterdam, em que boa
parte da Urbe foi definitivamente construída por mãos
humanas. Mas a cidade do Rio de Janeiro também não esta
[155]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

muito longe, pois no final do século XIX e inicio do século XX


verificou-se grandes transformações urbanísticas. A Era das
Demolições também poderia ser chamada de a Era das
Transformações, pois muito do que se vê hoje na paisagem e
geografia da cidade do Rio de Janeiro é o resultado dessas
mudanças empreendidas principalmente entre os anos de 1870
e 1920.
O caso Leopoldina (Rio de Janeiro-RJ), apesar de
ter tido seu início no ano 1845 e término em 1881, irá nos
mostrar que boa parte da área adjacente do centro histórico da
cidade do Rio de Janeiro é o resultado de uma construção
humana norteada por interesses e projetos específicos da
administração pública que aos poucos cambiaram
consideravelmente a paisagem do local. O que chamamos aqui
de Leopoldina de fato é uma designação imprecisa, mas
amplamente usada para designar essa área que fica entre a
Cidade Nova, a Praça da Bandeira e São Cristóvão, na cidade
do Rio de Janeiro. A região de Leopoldina está inserida em
ponto importante da cidade e, sua dimensão histórica é tão
grande quanto o esquecimento do poder público em relação a
esta zona da cidade. Sendo o corredor máximo de passagem do
Centro, Zona Norte e Zona Sul ela certamente é o
entroncamento mais visceral da cidade, é mais ou menos
inacreditável que por justamente ser esse ponto de passagem
para tantos lugares, não tenha sido interessante fazer uma
‘’arrumação’’ urbanística e paisagística neste local.
A região que chamamos hoje de Leopoldina foi
uma área de mangues, situada num terreno entre três cursos
d’água locais: o rio Maracanã, no trecho superior; o canal do
Mangue, a leste; e o canal que liga o rio Trapicheiro ao rio
Maracanã, a oeste. Com isso, o local apresenta alta
probabilidade de alagamentos, o que é comum nesta área. Toda
a região, incluindo a localização dos rios, foi alterada, exceto a
parte do Rio dos Trapicheiros que passa imediatamente atrás
do Matadouro e tinha utilidade específica para o
[156]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

funcionamento do próprio Matadouro, uma vez que o rejeito


do matadouro era lançado nele. Apesar de o Rio ter sido
canalizado em 2012-2013, o seu traçado permanece inalterado
na região posterior ao terreno na parte vizinha, a Vila Mimosa.
Há, na região, o problema das enchentes que se
agrava com as características do relevo local. A partir de rios e
córregos com forte declividade que atingem as baixadas
bastante planas e, aliado às chuvas torrenciais do verão do Rio
de Janeiro. A Praça da Bandeira, próximo ao centro da cidade,
em região baixa, é uma área crítica, para onde convergem as
contribuições das bacias de drenagem dos rios que deságuam
no Canal do Mangue. Nos últimos anos a Prefeitura Municipal
do Rio têm feito esforços para conter o processo crônico de
enchentes na região, para tanto esta fazendo um grande
empreendimento na Praça da Bandeira e voltando a canalizar
rios que haviam sido obliterados no passado, como é o caso do
Rio Joana.
Para fins de entendimento da questão, a luz das
reflexões da Arqueologia da Paisagem... Reconstituir a
paisagem do local significa recuar aos quinhentos, aos mil anos
antes do presente e poder visualizar o meio ambiente, tal como
encontrado pelas populações pré-históricas que já ocupavam o
Rio de Janeiro.
Nesse sentido, há quase 20 anos, estamos
pesquisando a região e no título publicado em 1997 intitulado
Palácio Imperial de São Cristóvão: História e Ressurreição de um Palácio
Esquecido indicamos pontos de relevância. A partir das novas
pesquisas históricas conduzidas pelo Instituto de Pesquisas
Histórica e Arqueológica do Rio de Janeiro (IPHARJ) sobre a
Leopoldina, estávamos encontrando seguidamente referências
que relacionavam o local, próximo ao local da antiga aldeia
Temiminó que, era aliada dos Portugueses no processo de
expulsão dos franceses do Rio de Janeiro. Este grupo foi
liderado por um cacique que se tornou famoso e se chamava
Araribóia, posteriormente passou a ser chamado de Martim
[157]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

(Martinho) Afonso de Souza. Um mapa original, pertencente à


mapoteca da entidade, revela fatos importantes... O mapa
intitula-se ‘’Plan de la Baye et La Ville de Rio de Janeiro’’ de autoria
de A. Coquart. O mapa é datado de 1748 e foi gravado por
Pierre Mortier, em Amsterdam. Ele mostra de forma singular a
frota dos Franceses forçando e transpondo a barra abaixo de
fogo de todas as fortalezas e baterias da Baia, em 12 de
setembro de 1711 quando o corsário Frances Du Guay-
Troutin tentou a invasão do Rio de Janeiro e, virtualmente nos
mostra detalhes da cidade naquela época. Inclusive dai vem à
expressão usada por mais de 300 anos no Brasil que diz:
“forçar a barra!” que hoje faz parte do vocabulário coloquial da
língua portuguesa no Brasil. É curioso notar que na parte
relativa a Leopoldina, encontramos a seguinte descrição:
"Permier camp des ennemis" que se refere ao local da tribo de
Araribóia. De fato o local fora dado como recompensa ao
Araribóia e somente depois, foi enviada a São Lourenço dos
Índios, em Niterói, em 1573. Neste mapa - que reproduzimos
abaixo, temos o desenho detalhado do local da Leopoldina
formado por retângulos que são similares a representações de
ocas indígenas em tantas obras de cartografia antiga.

Detalhe do desenho
detalhado local da
Leopoldina, formado
por retângulos
similares a
representações de ocas
indígenas.

[158]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Igualmente, temos uma segunda confirmação


cartográfica para a suspeita que temos nos trabalhos de
Arqueologia, pode ser que o local tenha sido ocupado por
indígenas tupis-guaranis no passado. A outra suspeita relevante
é o mapa do cartógrafo português José Teixeira Albernaz (de
1573) que descreve o local como “aldeã de Martinho” e mostra
a representação esquematizada de ocas na região de nosso
interesse. Assim, confirmada a existência de uma ocupação
indígena na área próxima a Leopoldina estará esclarecida o
motivo das escavações arqueológicas na área da Leopoldina,
encontrando artefatos indígenas em meio a uma jazida imensa
de artefatos do período histórico.

Mapa de Jose Teixeira


Albernaz, mostrando a
planta da cidade do Rio de
janeiro e em especial a
localização da Aldeia de
Martinho (Araribóia).

De fato, para a área do Rio de Janeiro,


encontramos uma grande variedade de fontes cartográficas que
nos permite traçar um estudo evolutivo da paisagem e do
urbanismo bastante compreensivo. A paisagem natural, durante
[159]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

os séculos XVIII e início do século XIX, antes das grandes


transformações urbanísticas empreendidas entre 1870 e 1928,
era grandemente distinta do que é hoje. Considerando que, o
local aonde existe o atual Canal do Mangue era ocupado pelo
chamado de Saco de São Diogo 1, era possível chegar do Paço
da Cidade até São Cristóvão pelo mar, apontando-se na raia de
São Cristóvão, quando se seguia de carruagem ou a cavalo até o
Palácio. O saco era uma espécie de braço do mar que
contornava o Morro de São Diogo e o Morro do Pinto e suas
águas penetravam pela cidade e finalizavam perto da atual
Praça Onze, praticamente se ligava a Lagoa da Sentinela, que
ficava no que é hoje a Rua Frei Caneca e suas adjacências.
O mapa de Francisco José Roscio, Capitão-mor de
Engenheiros, tem como título: Planta da Cidade do Rio de Janeiro.
Capital dos Estados do Brazil. Com o projeto de uma trincheira ou
fortificação ligeira à parte da Campanha. A sua escala do mapa está
em braças, uma vez que à época o metro e seus múltiplos ainda
não tinham sido criados. No rodapé do mapa se lê: "Mapa
levantado pelo Sargento-mor de Engenheiros Francisco José Roscio em
1769 e apresentado em 6 de janeiro de 1770 com o fim de se levantar
uma trincheira ou fortificação à cidade do Rio de Janeiro. Essa
informação está em tipo impresso ao contrário de todos os
nomes presentes no mapa; provavelmente foi introduzido por
alguma reprodução do mapa. O mapa foi criado no contexto
da necessidade de dotar a cidade de uma muralha. As datas-
chaves para entendê-lo são 1710-1711 (invasões francesas e
saque da cidade) e 1763 (mudança da capital do Brasil para o
Rio de Janeiro). A muralha que se vê no mapa jamais foi
construída e faz parte de uma série de propostas de
fortificações que foram feitas nessa época. Este mapa se torna,
portanto, uma representação ímpar do contexto da década de
1760 que foi marcada por uma política de unificação das forças
militares do Reino e do ultramar, fazendo com que a cidade
1Uma área quase circular, nos rebordos do antigo morro do Nhéco,
que neste caso, era caracterizada por uma reentrância do mar.
[160]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

recebesse oficiais, engenheiros e tropas para atender a essa


necessidade. Igualmente, esse mapa revela claramente a posição
da cidade e as áreas de ampliação de ocupação. O mapa
contempla o século XVIII, as suas Fortalezas e permite a visão
de toda a área fortificada da cidade, localização das baterias
militares, canhões, ângulos de tiro e alcance. Este mapa foi
uma compilação de todos os planos e executado por ordem do
Conde de Rezende, Vice Rei do Estado do Brasil. No caso da
região de nosso interesse, não notamos qualquer indicação de
edificações ou malha urbana ou grandes transformações
paisagísticas, mas já existe referência a Bica dos Marinheiros
que ficava nas proximidades.

Imagem do centro do Rio de Janeiro tal como representado em


1769. Notar a área próxima da Leopoldina já marcando a Bica
dos Marinheiros e a foz do Rio Maracanã.

[161]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Aterrado de São Cristóvão por volta do segundo quartel do


século XIX, construído para facilitar o tráfego entre a cidade e
o Palácio de São Cristóvão.

Um mapa de Michel Antônio dos Reis e chamado


de Planta Da Cidade de S. Sebastião do Rio De Janeiro Levantada por
Ordem De Sua Alteza Real O Príncipe Regente Nosso Senhor No
Anno de 1808. Feliz E Memorável Época Da Sua Chegada A Dita
Cidade foi publicado na Impressão Regia em 1812 e nos mostra
em detalhes toda a conformação física do local da Leopoldina e
suas adjacências bem como do urbanismo naquela época, pois,
mostra em escala verossímil a distribuição dos edifícios e os
quarteirões em certa escala.
Na imagem acima, vista de parte do centro do Rio
de Janeiro e Cidade Nova, mostrando as grandes
transformações que a região sofreu ao longo dos anos. A linha
longa diagonal que surge na lateral esquerda e vem em direção
ao canto direito é o chamado caminho do Aterrado que levava
do centro do Rio a São Cristóvão. Nessa planta vemos as
grandes mudanças ocorridas nesta fase, cujo grande fator foi a
transferência da Corte Portuguesa para o Rio de Janeiro em
1808, abertura dos portos e comércio com as nações amigas.
[162]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Em 1807, por exemplo, 778 navios entraram na baía, sendo


apenas um estrangeiro. Em 1811 eram cerca de 5000 navios, de
todas as bandeiras e procedências. A cidade expande-se
principalmente para o norte, em direção à Gamboa e São
Cristóvão, local em que se instala a Família Real, na Quinta da
Boa Vista. Devido ao enorme crescimento do movimento
marítimo, a linha de costa começa a ser alterada com a
melhoria e construção dos atracadouros ao longo da área do
Valonguinho, com rampas e escadas para acesso e descarga das
embarcações. Inúmeros projetos são elaborados e as principais
alterações consistem nos aterros entre os morros de São Bento
e a ponta do Calabouço. Um detalhe técnico relevante no
presente documento é a presença da escala cartográfica. Todas
essas alterações começam a transformar a paisagem colonial
para que o Rio de Janeiro fosse uma cidade Imperial.

Vista parcial aérea


do centro do Rio de
Janeiro e Cidade
Nova.

Desde os tempos de D. João VI se pensava em


construir um canal navegável ligando o mar ao Rocio Pequeno,
atual Praça Onze de Junho, que só recebeu este nome depois
da Guerra do Paraguai, em homenagem ao dia em que a
esquadra do Almirante Barroso venceu a Batalha do Riachuelo.
[163]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

O canal teria como objetivo drenar um enorme pântano


existente próximo da Cidade Nova, que era um foco de
doenças, mosquitos e exalações desagradáveis. Na época de D.
João VI esse aterro foi iniciado. Chamado de Caminho do
Aterrado, ou Caminho das Lanternas, era uma espécie de
passadiço que existia perto do que foi a Rua Senador Euzébio e
hoje é a Avenida Presidente Vargas, que levava do centro
antigo ao Bairro de São Cristóvão. À noite nos dias de semana
e de dia aos sábados geralmente eram dadas audiências a
determinados súditos e, na ocasião era feito a cerimônia
corriqueira de Beija-mão do Rei. O termo Caminho das
Lanternas deveu-se ao fato de iluminação improvisada
colocada em postes afixados me intervalos regulares, nas
margens do passadiço que levava a Quinta da Boa Vista. Na
imagem adiante vemos claramente a linha diagonal da esquerda
para a direita, mostrando o traçado do caminho que terminava
na Ponte dos Marinheiros.

Detalhe da linha diagonal da esquerda para a direita (ao centro


da imagem), mostrando o traçado do caminho que terminava
na Ponte dos Marinheiros.

[164]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Os pequenos pântanos e alagados,


progressivamente, foram sendo drenados ou aterrados. Entre
1870 e 1890, a área foi completamente aterrada, limitando a
área pantanosa ao atual Canal do Mangue. Também entre 1870
e 1890, a área nas proximidades da atual Rodoviária (incluindo
São Cristóvão), começou a ser aterrada. Entre 1904 e1928 tal
trabalho foi concluído, atingindo a forma que hoje
conhecemos. Um pequeno morro (ou elevação), que se situava
entre as ruas se São Cristóvão e a do Imperador, foi
parcialmente arrasado e, hoje dá lugar à área da Companhia
Estadual de Gás (CEG).
Algumas fontes iconográficas indicam que nas
épocas de chuvas, o volume de água do saco de são Diogo
transbordava consideravelmente e que às vezes se juntava a
lagoa da Sentinela. A inconveniência dos alagamentos dentro
da área urbana somente se findou com a extinção da Lagoa da
Sentinela e dos pantanais de São Diogo, que iam até quase o
Campo de Santana. Para tanto se fez uso - em grande parte –
do material do Morro do Senado que foi arrasado e ficava nas
proximidades da atual Praça da Cruz Vermelha. A obra de
drenagem do canal de São Diogo foi contratada ao Barão de
Mauá, que inaugurou a drenagem do canal de São Diogo
juntamente com sua fábrica de gás, para iluminação pública e
doméstica, localizada próximo ao Rocio Pequeno.
Por sua vez, no local aonde temos hoje a atual Rua
São Cristóvão na direção do prédio do Armazém 22 do Cais do
Porto, estabelecia-se a praia e o ancoradouro de São Cristóvão,
hoje completamente aterrados. Por certo, este ancoradouro
não era tão sofisticado como o das Ilhas dos Melões e a das
Moças, bem como a Praia Formosa, a de São Cristóvão, o Saco
do Alferes, foram todos aterrados com a construção do Cais
do Porto, entre 1870 e 1928. Em síntese, toda a área costeira,
desde o Morro de São Bento até o Caju, foi radicalmente
transformada, sendo ilhas arrasadas e sua terra utilizada para
aterrar as áreas adjacentes. O local da atual Rodoviária está
[165]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

praticamente sobre a antiga Ilha dos Melões, que teve seu


aterro iniciado entre 1870 e 1890, depois ampliado em 1904,
mas que passou a ter a forma que tem hoje em 1928.

Vista geral da área de São Cristóvão em 1821 mostrando em


primeiro plano o Saco de São Diogo e na parte central, o
Palácio de São Cristóvão, segundo Debret. Esta tomada foi
feita de um lugar próximo da atual Rodoviária, certamente Ilha
dos Cães.

Em 1857, foi iniciada a construção do Canal do


Mangue, sendo a maior obra de saneamento do Rio de Janeiro
na época do Império, que possibilitou uma total reurbanização
da região. A imagem a seguir mostra, em castanho, os morros
que foram arrasados, em azul as lagoas e canais aterrados e, em
bege, as áreas aterradas/ terraplanadas com boa parte dos
morros vizinhos que foram desmontados; Dessa forma, é
possível sustentar que a cidade do Rio de Janeiro, em grande
parte, é resultado da ação antrópica e, portanto, bom exemplo
ilustrativo para o entendimento da Arqueologia da Paisagem.
Como colocado acima, a partir da segunda metade
do século XIX, a região começa a passar por intensas
[166]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

transformações e cada vez mais se expandindo para as


periferias. A expulsão da Ordem dos Jesuítas do Brasil e a
necessidade de se expandir a cidade do Rio de Janeiro para
áreas mais afastadas do centro, as fazendas, os sítios e as
chácaras deram lugar a belos sítios de moradia, que atraíam
uma população de maior poder aquisitivo, tornando esta área
um local de classe média a alta. Mais precisamente a partir da
década de 1870 inicia-se um processo de urbanização nesta
zona, quando, em 1873 o Governo Imperial delegou as
freguesias de São Cristóvão, de Inhaúma e de Engenho Velho,
possibilitando a construção de novas edificações, sempre
voltadas para atender a uma população de classe média a alta,
permitindo um maior desenvolvimento para os bairros ali
localizados. É neste período, que se tem a formação do bairro,
que juntamente com Tijuca, Engenho Velho, Andaraí e Vila
Isabel, são incorporados à malha urbana da cidade.
A região que chamamos de Praça da Bandeira,
antigamente recebia o nome Largo do Matadouro, porque lá se
encontrava o Matadouro Imperial da cidade, acabaria sendo
transferida, em 1881, para o distante bairro de Santa Cruz, por
uma questão de higiene, além de, uma série de outros motivos.
A Avenida Francisco Bicalho, construída em 1907
como parte do pacote das obras do porto, saneava de vez os
restos do mangal de São Diogo, tendo sua parte da Avenida do
Mangue já saneado pelo Barão de Mauá. Esse aterro na
Avenida Francisco Bicalho acabou com as ilhas dos Melões (ou
das Moças) e dos Cães (onde está o terminal Rodoviário Novo
Rio), os sacos dos Alferes e de São Diogo e a praia Formosa, ia
até a estação ferroviária Barão de Mauá.
Em 1911, ficaram prontos os trabalhos de
construção do "novo gasômetro" na entrada do Canal do
Mangue, em São Cristóvão. As instalações foram construídas
pela Mead-Morrison Manufacturing Company, com um gasômetro
de 90 mil metros cúbicos. Em 1915, ele passou a ser
considerado o maior do mundo.
[167]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Imagem do local do terreno do Matadouro em comparação


com o Caminho do Aterrado e caminho de São Cristóvão,
passando pela atual Rua Ceará e na extrema esquerda na parte
superior vemos o local do Palácio da Quinta (retângulo a
esquerda).

A Avenida Presidente Vargas, atualmente


representa o maior canal de tráfego da cidade, comunicando o
centro comercial aos viadutos da Ponte dos Marinheiros, que a
partir daí fazem sua distribuição pela populosa Zona Norte.
No Governo de Henrique de Toledo Dodsworth (1937 a
1945), a ideia de prolongar a Avenida do Mangue até o Cais
dos Mineiros, atual Arsenal da Marinha, foi posta em prática e
foi aberta a Avenida Presidente Vargas, que recebeu este nome
em homenagem ao então Presidente Getúlio Vargas. Para abrir
a Avenida muitos desafios foram enfrentados, a começar pela
demolição de 525 prédios, pelo desaparecimento de velhas
ruas, e enfrentando a oposição de muitos seguimentos. A
Avenida possui 2.040 metros de extensão no trecho até a Praça
Onze, mas incluindo a parte já existente até a Praça da
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ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Bandeira sua extensão é de 4.000 metros, com largura que


atinge os 80 metros da Candelária até a Praça Onze e, 90
metros no trecho do Canal do Mangue.

Imagem da Av Francisco Bicalho tão logo foi dado como


concluído a reurbanizaçao da região, já no seculo XX.

NOVAS EVIDÊNCIAS ACERCA DO


MATADOURO DE SÃO CRISTOVÃO

O Matadouro de Santa Luzia continuou a


funcionar até a inauguração do Matadouro de São Cristóvão,
em 1853. As suas ruínas, local que a noite se abrigava
miseráveis e escravos fugidos, foram demolidos em 1854 para
executar o plano de embelezamento da rua da praia de Santa
Luzia, nobre e movimentado passagem da cidade. Pela lei nº36
de Setembro de 1845, foi autorizada a Câmara de adquirir um

[169]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

empréstimo de 300.000,00$, para a construção do Matadouro


na chácara do Curtume.
Aos vinte dias do mês de dezembro do ano de
1845, em notas do Tabelião João Pinto Miranda, lavrou-se a
escritura de desapropriação amigável, cessão e transpasse de
uma parte da Chácara do Curtume, destinada para a construção
de um novo matadouro público da Corte. As casas que ficavam
dentro do terreno da Chácara do Curtume foram demolidas.
As pessoas foram indenizadas por generosas quantias e a
desapropriação foi rápida. É curioso notar que, na data de 20
de Dezembro de 1845 a chácara foi comprada e, as obras do
matadouro foram iniciadas no dia 1º de janeiro de 1846. Por
dificuldades em relação ao terreno pantanoso, só foi
inaugurado em 1853. O projeto foi elaborado pelo engenheiro
Paulo Barbosa da Silva e compreendia duas casas para
administração, dois currais, dois pátios e quatro casas para
abate.
A pesquisa conduzida na ‘’Seção de Documentos
Escritos do Arquivo Geral da Cidade do Rio De Janeiro’’
(AGCRJ) (Códice 46-4-28), datada de 20.12.1845, tendo como
título “Novo Matadouro público de São Cristóvão e abertura
da Rua Nova do Imperador’’. Escritura de desapropriação
amigável, cessão e transpasse de um terreno que faz o Dr. José
Joaquim da Silveira, por si e como procurador de seu pai e
irmãos, a câmara municipal da corte – para edificação do novo
matadouro pela quantia de 20.000$, em notas do tabelião João
Pinto de Miranda, de 20 de dezembro de 1845. O documento é
a escritura do terreno da chácara do Curtume cedida para a
construção do matadouro, no qual os proprietários da chácara
“cedem” voluntariamente e amigavelmente o terreno para a
câmara municipal com honra para o serviço público. No
documento há a dimensão do terreno que vendido: “98 braças
do terreno da Chácara do Cortume, em São Cristovam”.
Pesquisando sobre métodos de medição do terreno utilizados
no Império, esse termo braças equivale a 2,2 metros. Sendo
[170]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

assim, chegamos a conclusão que o terreno da chácara cedido


para construção do matadouro era por volta de 216m.
Alguns trechos do documento revelam:

“Saibão quando este público instrumento de


escriptura de desapropriação amigável, cessão
e transpasse de um terreno virem que no ano
de nascimento de nosso senhor Jesus Cristo de
mil oitocentos e quarenta e cinco, aos vinte
dias do mês de dezembro, nesta heroica cidade
de São Sebastião do Rio de Janeiro (...).
“declarou o outorgante que desde o Rio
Maracanã, até o marco de pedra que existe a
beira da estrada, o terreno é próprio, que dali
em diante até a nova rua do imperador, a
qual confina com a chácara do Cortume, é de
outro foreiro [sic], ficando eles obrigados ao
pagamento de foro respectivo na forma de suas
partilhas.”

Outro documento pesquisado no AGCRJ, por


encontrar-se em péssimo estado de conservação não pode ser
copiado, nos revela que os aterros da Cidade Nova e parte da
Leopoldina foram realizados com as terras do Morro do Barro
Vermelho e a mão de obra utilizada foram os presos. O
aterramento do terreno foi feito empregando estacas de
resistências e a terra barrenta do Morro do Barro Vermelho à
Rua Nova do Conde que, se desmontou em grande parte por
escravos presidiários e detentos da Casa de Correção que se
situava perto da atual Rua do Riachuelo. Outros contratados
recebiam 480 réis diariamente e eram assalariados da
Municipalidade. O documento, sob o Códice 46.3.49, data de
Dezembro de 1849, tendo como título: “Desmoronamento do
[171]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Morro do Barro Vermelho”. Na ocasião, ficou claro que o


terreno desapropriado era muito lodoso, pois apenas em mais
de 20 palmos de profundidade foi que as cavas dos alicerces
encontraram fundo suficientemente sólido. O terreno
compreendia uma superfície de 18.556 braças quadradas,
limitadas pela Vala navegável, e pelas ruas São Cristóvão e
Novo Imperador (atual Mariz e Barros).
Ao tempo da construção do matadouro, corria-lhe
por um dos lados às águas do rio Maracanã e pelo outro as
águas do rio Iguaçu (ou Rio Comprido), também na sua
vizinhança, viam-se residências, magníficas chácaras como
verdadeiros bosques, bordando a estrada de São Cristóvão.
No dia primeiro de agosto de 1854, foi inaugurado
o matadouro de São Cristóvão, que tinha no portão de entrada
a seguinte inscrição “a Ilma. Câmara Municipal que o serviu de
1844 a 1848 fez construir este edifício”. Neste matadouro eram
abatidos diariamente de 250 a 300 reses. Seu pessoal
compunha-se de um administrador, um escrivão, dois
cirurgiões, um ajudante, e vários magarefes e serventes. O
Decreto n° 246 de 09 de dezembro de 1857, aprovou o
regulamento para o corte do gado no matadouro público, foi
modificado depois pelo Decreto nº 3087 de 1º de maio de
1861.
Bem em frente ao matadouro ficava a chácara do
jornalista Augusto May. Construídos nos fundos da colonial
Chácara do Curtume, o matadouro contribuiu com o seu
aparecimento para o saneamento de quase toda a região e os
aterros dos pântanos desde antiga bica dos marinheiros, na foz
do Iguaçu, até a quinta da Boa Vista; a construção de pontes,
sendo o principal o Caminho do Imperador, em linha reta à
praia de Santo Cristo; e farta e apropriada arborização.

[172]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Vista parcial da
entrada oficial do
antigo Matadouro
Imperial em 1863,
evidenciando seu
Pórtico de entrada
que foi tombado
pelo INEPAC.

O primitivo projeto do prédio do Matadouro, com


as modificações sugeridas pela repartição de engenharia
municipal, apresentava o corpo do matadouro formado de 4
partes (ou secções), com 36 subdivisões, destinada à matança
pelo sistema francês. Este projeto foi modificado pelo
engenheiro Paulo Barbosa da Silva, quase radicalmente. Pelo
novo projeto foram construídas 2 casas para a administração, 2
currais, 2 pátios, 4 casas para matança e abegoarias
(dependência onde se alojam os animais) que tinha capacidade
para conter espaçosamente 600 cabeças de gado em pé. Pelo
lado da Rua Nova Imperador, fechava o matadouro, numa
extensão de 107 braças, um muro encimado de gradil de ferro,
um semicírculo de 20 metros de raio ligando as extremidades
da Rua de São Cristóvão e da Rua Nova Imperador, formando
o pequeno rocio, que, por muitos anos, se chamou Largo do
Matadouro e hoje se encontra sob o asfalto das ruas
circundantes da Praça da Bandeira.
Dispomos da planta preservada no Arquivo
Nacional aonde nos é possível delimitar as áreas em que
existiram os prédios e instalações do Matadouro bem como a
arrumação do espaço interno do mesmo. Notar que até mesmo
as medidas do edifício foram anotadas no mapa e dessa forma
[173]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

o trabalho da Arqueologia pode ser em muito facilitado, pois já


existe um norteamento para o resgate do sítio como um todo.
O portão principal do matadouro, construído pelo
preço de 3.000$, fundiu-se das oficinas de LENOIS & IRMÃO
e todas as demais peças de ferro e bronze na Fundição
Nacional, existente em Niterói e de propriedade de Irineu
Evangelista de Souza, Visconde de Mauá.
As grandes despesas no combate à febre amarela
de 1849 agravaram ainda mais as finanças municipais e
obrigaram a suspensão das obras do Matadouro que somente
em 1852, foram retomadas e entregues por contrato a Carlos
Riviere Bonini pela quantia de 80.000$ e sob condições de
terminá-la dentro do prazo de 5 meses. Em dezembro de 1849
deu-se por concluída a obra, cuja vistoria de aceitação deu
origem à grande divergência de opiniões por parte dos peritos
municipais e gerou questionamentos posteriores. Pela lei nº
603 de 21 de junho de 1851 foi autorizada a câmara a contrair
um novo empréstimo para conclusão definitiva do Matadouro.
Durante a sua fase construtiva ocorreram denúncias de
malversação de recursos e alguns escândalos ocorreram. No dia
primeiro de agosto de 1853 foi finalmente inaugurado, mas
existindo várias dependências a terminar. Em 1871, o estado
ruinoso do edifício do Matadouro forçava a Câmara a um novo
contrato de 20.805$ firmado com Mello Junior e Cia para tal
reconstrução do estabelecimento.
Duas importantes obras de engenharia se fizeram
no Matadouro: o aproveitamento das águas do rio Maracanã
conduzidas por um perfeito aqueduto de pedra e cal, que
também abastecia a chácara dos moinhos ou Joana - antiga
dependência da quinta imperial; e um extenso canal todo ele de
cantaria que duplamente se prestava a vazar os dejetos e fazer
uma rápida e segura comunicação do matadouro com o mar.
Infelizmente o descaso deixou soterrar por aluviões esse canal-
obra de alta engenharia executado por Estruc Ainé, tendo
como fiador o Barão de Alegrete.
[174]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

O desabamento da cúpula do grande edifício


central do Matadouro de São Cristóvão em 1872, com a morte
de trabalhadores, abriu caminho para a construção do
matadouro de Santa Cruz. Outra questão motivadora para a
transferência do matadouro dizia respeito a salubridade
pública. Fora isso, verificou-se com o passar do tempo que o
matadouro acarretava prejuízos à saúde pública. O terreno
baixo e alagadiço transformava-se em fétido charco às
primeiras chuvas, com odor nauseabundo que, levaram o
governo a construir o matadouro de Santa Cruz.
Incidentes ligados ao desabamento da cúpula do
matadouro bem como problemas na estrutura devido a má
execução das obras contribuíram para a ideia de que o
matadouro deveria ser transferido para outro lugar mais
distante. A existência do sistema de escoamento de humores e
sangue numa área que estava se tornando progressivamente
mais valorizada com o crescimento do centro do Rio e a
proximidade do palácio de São Cristóvão também
contribuíram para se concluir que definitivamente àquele não
era o melhor local para o abatimento de gado.
Durante cinco séculos a preservação do
patrimônio natural e cultural na área abrangida, foi
negligenciada e, o pouco que se pensou em preservação foi
enfocada no patrimônio edificado e em especial na restauração
do Pórtico do Matadouro. Por ser uma das poucas áreas
grandes não construídas nas proximidades do Centro da
Cidade, a região da Leopoldina foi considerada importante em
termos de manejo de obras e o resultado foi uma ocupação
desordenada e caótica aonde nada se considerou a importância
arqueológica e histórica do local.
Nas últimas duas décadas as ações de preservação
ambiental e por consequência a arqueológica vêm sendo
intensificadas. Tanto pela ação do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), como pela ação de

[175]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

órgãos estaduais (SEC e INEPAC), e mesmo por ações


municipais (IRPH).
Grupos da sociedade organizada também têm
atuado de maneira contundente na preservação do patrimônio
nos municípios. Estes órgãos, mais especificamente pessoas,
entidades ou grupos ligados ao IPHAN e ao INEPAC
realizaram ou estão realizando a pesquisa, registro, inventário
ou o tombamento de sítios e monumentos históricos de várias
regiões da área abrangida. Esta atuação renovada está
relacionada a uma série de fatores e, em especial pela
associação do patrimônio arqueológico ao processo de
preservação dos espaços naturais, promovido pela necessidade
de licenciamento ambiental e pela procura de atividades
ambientalmente sustentáveis. Nesse sentido, lembramos já ter
encaminhado ao IPHAN a documentação referente ao Projeto
de restauração do Pórtico do Matadouro Público de São
Cristóvão que prevê a restauração do pórtico pela empresa do
Metropolitano do Rio de Janeiro em acordo com o INEPAC.

Reprodução da
imagem mais
conhecida do
antigo Matadouro
Imperial no início
do século XX.

[176]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Imagem aérea da Avenida Francisco Bicalho vista do paredão


rochoso existente no morro Moreira Pinto perto do Santo
Cristo. Notar no centro a direita os restos do antigo edifício do
Matadouro ainda de pé.

O Matadouro da Cidade foi transferido, em 1881,


para a antiga fazenda dos Jesuítas, em Santa Cruz e os
pavilhões da Praça da Bandeira, demolidos. O pórtico foi
restaurado pela Prefeitura em 1906.
Ao findar esta apresentação, concluímos que, a
Paisagem do Rio de Janeiro e, em especial da região da
Leopoldina passou e tem passado por inúmeras
transformações. Estas contínuas mudanças tem, por sua vez,
impulsionado a formação das jazidas arqueológicas devido ao
fato dos restos de construções e de vidas pretéritas serem
descartados de forma sistemáticas nas áreas a serem aterradas.
No caso do sítio arqueológico da Leopoldina já foram
encontrados 220.000 itens, com o retorno das pesquisas
arqueológicas a partir de 2016, a previsão é de termos mais de
[177]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

1 milhão de artefatos a julgar pela dimensão do sítio escavado


parcialmente em 2013.

SUGESTÕES DE LEITURA

ASHMORE, W.; KNAPP, A. B. (eds.). Archaeology of


Landscape. Oxford: Blackwell, 1999.

CRIADO-BOADO, F. Dei Terreno ai Espacio:


Planteamientos y Perspectivas para Ia Arqueología dei Paisaje.
CAPA 6. Criterios y Convenciones en Arqueología dei Paisaje.
Universidade de Santiago de Compostela. 1999.

DENHAM, T. Environmental Archaeology: interpreting


pratices in the landscape through geoarchaeology, 2008.

ERMAKOOF, G. Paisagem do Rio de Janeiro. G. Ermamkoof


caas. Editorial, 2011.

FERREZ, G. Iconografia do Rio de Janeiro – 1530-1890. Casa


Jorge Editorial, 2000.

PRADO DE MELLO, C. Palácio Imperial de São Cristóvão:


história e ressureição de um palácio esquecido. Publicação
IPHARJ, Rio de Janeiro, 1997.

RENFREW, C.; BAHN, P. Arqueology: Theories, méthods


and practice. Madrid: Editora Thames& Hudson, 2008.

[178]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Sobre os autores

Organizadores/Autores:

Willian Carboni Viana, Mestre.


Licenciado e bacharel em Geografia pela Universidade do
Extremo Sul Catarinense-UNESC, Criciúma, Santa Catarina,
Brasil. Mestre em Arqueologia Pré-Histórica e Arte Rupestre
pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro-UTAD,
Vila Real, Portugal, em parceria com o Instituto Politécnico de
Tomar-IPT, Tomar, Portugal. Pesquisador em solos antrópicos
de contextos arqueológicos – linha de pesquisa Arqueologia da
Paisagem, atuando também em educação patrimonial e em
arqueologia preventiva para fins de licenciamento ambiental.
Membro do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia
(CONFEA/ Brasil) e do Conselho Regional de Engenharia e
Agronomia (CREA) do estado de Santa Catarina, registrado
com o número 124.747-9.

Francesco Garbasi, Mestre.


Licenciado e bacharel em ‘’Civiltà Letterarie e Storia delle
Civiltà’’ pela Università di Parma, Parma, Itália. Mestre em
Quaternário, Pré-História e Arqueologia pela Università Degli
Studi di Ferrara-UNIFE, Ferrara, Itália, e pela Universidade de
Trás-os-Montes e Alto Douro-UTAD, Vila Real, Portugal, em
parceria com o Instituto Politécnico de Tomar-IPT, Tomar,
Portugal.

[179]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Autores

Claudio Prado de Mello, Professor Mestre.


Arqueólogo formado pela Universidade Estácio de Sá-
UNESA, Rio de Janeiro, Brasil. Mestre em História Antiga e
Medieval - Concentração em Oriente Próximo e Antigo pela
Universidade Federal Fluminense-UFF, Rio de janeiro, Brasil.
Fundador e professor do Laboratório de História Antiga da
Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ entre os anos de
1990 e 2002. Membro fundador e Diretor-Presidente do
Instituto de Pesquisa Histórica e Arqueológica do Rio de
Janeiro (IPHARJ). Pesquisador associado ao Grupo European
Association of Archaeologists. Organizador do Laboratório de
Arqueometria e Arqueologia Brasileira, com sede na cidade do
Rio de janeiro-RJ.

Cristiana Ferreira, Mestre.


Licenciada em Gestão do Território e do Património Cultural,
Ramo – Arqueologia pelo Instituto Politécnico de Tomar-IPT,
Tomar, Portugal. Mestre em Arqueologia Pré-Histórica e Arte
Rupestre pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro-
UTAD, Vila Real, Portugal, em parceria com o Instituto
Politécnico de Tomar-IPT. Doutoranda em Quaternário,
Materiais e Culturas na Universidade de Trás-os-Montes e Alto
Douro-UTAD. Desenvolve pesquisas na área de Paleobotânica
(Palinologia e Antracologia) e na área das dinâmicas
paleoambientais e humanas durante o Holocênico.

Davide Federico Berté, PhD.


Paleontólogo, formado em Ciência Pré-Histórica pela
Universitá degli studi di Ferrara-UNIFE, Ferrara, Itália. PhD
em Ciências da Terra pela Sapienza Universitá di Roma, Roma,
Itália. A sua tese de doutorado ganhou o prêmio ‘’Décio de
Lorentiis’’, organizado pelo Museu di Maglie, Lecce, Itália.
[180]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Pesquisador de mamíferos do período Quaternário, em


particular a evolução de canídeos. Atualmente faz parte da
associação cultural 3P – Projeto Pré-História Piemonte,
Piemonte, Itália, participando de pesquisa, ensino e divulgação
científica.

Gabriele Luigi Francesco Berruti, Mestre.


Licenciado em História Medieval pela Universitá Degli Studi di
Torino, Torino, Itália. Mestre em Quaternário e Pré-História
pelo Departamento de Ciências Naturais da Universitá di
Ferrara, Ferrara, Itália. Estudante bolseiro do programa de
doutorado ‘’International Doctorate in Quaternary and
Prehistory’’ (IDQP) na Universidade de Trás-os-Montes e Alto
Douro-UTAD, Vila Real, Portugal. Atualmente é Presidente da
associação cultural 3P – Projeto Pré-História Piemonte,
Piemonte, Itália, também colabora em várias instituições
italianas e estrangeiras em pesquisas relacionadas ao Paleolítico,
na área de estudos funcionais de indústrias líticas.

Hugo Gomes, Mestre.


Geólogo e Mestre em Geociências – ênfase em
Geoarqueologia pela Universidade de Coimbra, Coimbra,
Portugal. Doutorando em Quaternário, Materiais e Culturas na
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro-UTAD, Vila
Real, Portugal.

Hugo Ventura Correia, Mestre.


Geólogo pela Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal.
Mestre em Geociências - Ramo de Ambiente e Ordenamento
pelo Departamento de Ciências da Terra da Faculdade de
Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra.
Atualmente é pesquisador na área de Geoarqueologia em sítios
arqueológicos dentro do contexto de Arqueologia Preventiva

[181]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

com projetos na Amazônia e membro do Grupo de pesquisas


Estúdios Geoarqueológicos de América Latina-GEGAL.

Luiz Antonio Pacheco de Queiroz, Mestre.


Graduado em História pela universidade Católica do Salvador,
Salvador, Bahia, Brasil. Mestre em Arqueologia pela
Universidade Federal de Sergipe-UFS, Laranjeiras, Sergipe,
Brasil. Atualmente é pesquisador de Arqueologia preventiva
pela Zanettini Arqueologia. Possui experiências nas áreas de
Arqueologia Pré-Colonial e Arqueologia Histórica,
principalmente no âmbito de projetos em arqueologia
realizados para obtenção de licenciamento ambiental. Também
desenvolve atividades em documentação etnográfica e em
projetos de educação patrimonial/ socialização do
conhecimento.

Luiz Miguel Oosterbeek, Professor Doutor.


Licenciado em História e Doutor em Arqueologia, é Professor
Coordenador do Instituto Politécnico de Tomar-IPT, Tomar,
Portugal. Investigador principal do Grupo e Quaternário e Pré-
História do Centro de Geociência da UC (uID73-FCT).
Diretor de projetos de Arqueologia, Gestão de Patrimônio e
Gestão Integrada do Território. Presidente do Instituto Terra e
Memória, Mação, Portugal.

Maria Clara Rocha da Costa, Bel.


Arqueóloga pela Universidade do Minho-Uminho, Braga,
Portugal. Desenvolveu projetos no âmbito de arqueologia
preventiva na Amazônia brasileira. Atualmente trabalha com
arqueologia emergencial no estado do Rio de Janeiro.

[182]
ENSAIOS DA PAISAGEM – OLHARES E VALORES DESDE A PRÉ-HISTÓRIA

Michelle Mayumi Tizuka, Mestre.


Geóloga (bacharelado e licenciatura) pela Universidade de São
Paulo-USP, São Paulo, Brasil. Mestre em Geociências e Meio
Ambiente pela Universidade Paulista de São Paulo, São Paulo,
Brasil. Atualmente é pesquisadora na área de Geoarqueologia
em sítios arqueológicos dentro do contexto de Arqueologia
Preventiva com projetos na Amazônia e é pesquisadora do
Laboratório de Arqueologia dos Trópicos do Museu de
Arqueologia da Universidade de São Paulo-USP e membra do
Grupo de Estúdios Geoarqueológicos de América Latina-
GEGAL.

Nelson J. Almeida, Mestre.


Licenciado em Arqueologia pela Universidade de Coimbra,
Coimbra, Portugal. Mestre em Arqueologia Pré-Histórica e
Arte Rupestre pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto
Douro-UTAD, Vila Real, Portugal em parceria com o Instituto
Politécnico de Tomar-IPT, Tomar, Portugal. Doutorando em
Quaternário, Materiais e Culturas na Universidade de Trás-os-
Montes e Alto Douro-UTAD. Colaborador em várias
instituições de pesquisa dedicando-se ao estudo dos últimos
caçadores-recoletores e primeiras comunidades agropastoris,
com especial incidência em análises arqueofaunísticas.

ARTE/ CAPA
Tamires de Sousa Viana, Tecnóloga.
Tecnóloga em Design da Moda. Universidade do Extremo Sul
Catarinense-UNESC/ Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial – SENAI.

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