Pascal e Spinoza Os Conflitos Do Reconhecimento

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estudos sobre o século xvii


n. 37 jul-dez 2017 issn 1413-6651
imagem O Pintassilgo, obra realizada em 1654 pelo pintor holandês Carel Fabritius.
PASCAL E SPINOZA:
OS CONFLITOS DO RECONHECIMENTO

Rafael Zambonelli Nogueira 


Mestrando, Universidade de São paulo, São paulo, Brasil
rafael.nogueira@usp.br

resumo: Neste trabalho, pretendemos empreender uma comparação


entre as filosofias de Spinoza e Pascal a respeito da dimensão essencial-
mente conflituosa da vida intersubjetiva — e, particularmente, do fato
de que esse conflito se origina em um desejo de dominação do outro,
fundado, por sua vez, em um desejo de ser reconhecido pelo outro —,
de sorte a ressaltar tanto as semelhanças quanto as diferenças que se
estabelecem entre os dois filósofos. Como tentaremos mostrar, embora
seja possível encontrar diversas semelhanças entre eles, isso não elimina
o contraste fundamental que separa seus pensamentos. No entanto, é
precisamente a consideração dessa dupla relação que, a nosso ver, faz o
interesse de se confrontar suas obras.

palavras-chave: intersubjetividade, reconhecimento, dominação, amor


-próprio, imitação dos afetos.

Rafael Zambonelli Nogueira p. 213 - 250 213


“Todos os homens, diz Pascal, procuram ser felizes; não há exce-
ção. (…) A vontade nunca efetua a menor diligência, senão com esse ob-
jetivo. Esse é o motivo de todas as ações de todos os homens, até mesmo
dos que vão enforcar-se. E, no entanto, depois de tão grande número de
anos, nunca ninguém, sem a fé, chegou a esse ponto a que todos visam
continuamente” (pascal, 1973, p. 141, Br. 425/La. 148)1. Aqui, como em
qualquer lugar para Pascal, vemos que há no homem uma exigência de
absoluto — o verdadeiro bem, o repouso, a verdade, a justiça etc. —
que é vivida como irrealizável. É isso que define a tragicidade de sua
condição: “Que nos gritam, pois, essa avidez e essa impotência se não
que houve, outrora, no homem, uma verdadeira felicidade, da qual lhe
restam, agora, a marca e o traço vazio, que ele tenta inutilmente encher
de tudo o que o rodeia, procurando nas coisas ausentes o socorro que
não obtém das presentes, embora aquelas sejam incapazes de socorrê-lo,
porque esse abismo infinito só pode ser preenchido por um objeto infi-
nito e imutável, isto é, pelo próprio Deus?” (Ibid.). Todas as contradições
que encontramos no homem remetem, em última análise, à queda e, por
conseguinte, à ideia de que há no homem duas naturezas. Afinal, dada a
exigência de absoluto presente nele, é preciso reconhecer, por um lado,
que ele tenha caído de um estado no qual gozava, em sua inocência, da
verdade e da felicidade; e, por outro lado, que ele tenha a reminiscência
de seu estado original, quer dizer, um princípio de grandeza sem o qual
ele sequer teria a ideia da verdade ou da beatitude. Assim, o homem
busca a verdade e só encontra incertezas; busca a felicidade e só encontra
miséria e morte — “somos incapazes de não desejar a verdade e a feli-
cidade e somos incapazes da certeza ou da felicidade. Deixam-nos este

1 O número dos fragmentos dos Pensamentos será citado após a página segundo a
numeração Brunschvicg.

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desejo tanto para nos punir como para nos fazer sentir de onde caímos”
(pascal, 1973, p. 151, Br. 437/La. 401).

Para evitar equívocos na interpretação dessa duplicidade da na-


tureza do homem, consideremos brevemente, antes de avançar em nossa
análise, a questão da heterogeneidade da realidade para Pascal. “A distân-
cia infinita dos corpos aos espíritos figura a distância infinitamente mais
infinita dos espíritos à caridade, pois ela é sobrenatural” (pascal, 1973, p.
248, Br. 793/La. 308). Como o lembra Bénichou (cf. bénichou, 1948, pp.
112 et seq.), no âmbito propriamente teológico, a afirmação da ruptura
absoluta entre as ordens humana e divina em Pascal se contrapõe direta-
mente ao “cristianismo otimista” da época, notadamente aquele profes-
sado por Desmarets, que estabelecia uma ligação entre essas duas ordens
por uma gama ascendente e contínua de perfeição. Ora, esse processo de
ascensão terrestre só faz sentido na medida em que se admite um vestí-
gio real e ativo no homem de sua grandeza original — é precisamente
essa ideia que Pascal pretende esconjurar pela afirmação da heterogenei-
dade das ordens, pois ela nos levará a conceber a grandeza do homem
não como uma grandeza real, como o queria Desmarets, mas como o
sentimento de uma falta dolorosa. Daí vem a importância capital de des-
nudar a impotência da razão: a ordem dos espíritos — que seria aquela
intermediária entre a ordem da natureza e a da graça — se manifesta ela
também corrompida e, portanto, seria inútil dela exigir uma mediação.
A separação é radical: Pascal não nega dogmaticamente a razão, mas,
utilizando-se do cético, faz com que ela se negue a si mesma. “A gran-
deza do homem, diz Pascal, é grande na medida em que ele se conhece
miserável” (pascal, 1973, p. 136, Br. 397/La. 114) e ele insistirá em que a
miséria se infere da grandeza, e a grandeza da miséria, pois o homem “é
miserável, de vez que o é; mas é bem grande, de vez que o sabe” (pascal,

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1973, p. 139, Br. 416/La. 122). Vê-se, portanto, que há no homem uma
grandeza segundo a finalidade e uma miséria segundo a impossibilidade
de realizá-la ou, em outros termos, que a condição humana é necessaria-
mente trágica, condição que consiste em viver o paradoxo da exigência
de um absoluto irrealizável: “assim, afirma Bénichou, a única grandeza
do homem é que ele sente sua miséria; sua natureza não é alta senão
porque ela não pode ser baixa com tranquilidade e, quando Pascal afir-
ma a grandeza do homem, é sempre para decidir pela inquietude e pela
angústia. Somente o contraste entre os dois termos extremos subsiste e o
que pôde restar, no entre-dois, do primeiro estado do homem, longe de
abrandar esse contraste, serve apenas, em seu estado atual, para acusá-lo
ainda mais” (bénichou, 1948, pp. 120-1).

Feitas essas considerações, podemos agora nos perguntar: como


compreender essa duplicidade? Pascal insiste em que essas contrarie-
dades podem ser encontradas sem dificuldade nas mais diversas expe-
riências humanas. E, no entanto, os filósofos jamais puderam dar conta
realmente de nossa condição, visto agarrarem-se todos a apenas um dos
termos da contradição. Mesmo que ela se manifeste a cada momento de
nossa vida, foi impossível ao homem compreendê-la — ela é vivida e,
todavia, não se vê, sem a fé, a sua razão. É aqui que entra em cena o Pascal
apologista: se há uma religião verdadeira, é preciso, então, que ela seja
capaz de nos explicar essas “espantosas contrariedades” e, mais, que ela
“nos ensine os remédios para essas impotências e os meios de obter esses
remédios” (pascal, 1973, pp. 142-3, Br. 430/La. 149). Que outra religião
o fez, pergunta-se Pascal, senão a cristã? Vejamos o que diz a sabedoria
de Deus. “‘Não espereis’, diz ela, ‘nem a verdade nem a consolação dos
homens. Eu sou aquela que vos formou e a única que pode ensinar-vos
o que sois. Mas não estais, agora, no estado em que vos formei. Criei

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o homem santo, inocente, perfeito; enchi-o de luz e de inteligência;
comuniquei-lhe minha glória e minhas maravilhas. Os olhos do ho-
mem viam, então, a majestade de Deus. Não se achava nas trevas que o
cegam, nem na mortalidade e nas misérias que o afligem” (pascal, 1973,
p. 143, Br. 430/La. 149). Ora, Adão, não obstante a finitude intrínseca à
condição de criatura, tinha certa proporção com Deus, que lhe havia
sido concedida pelo próprio Deus uma vez que Adão possuía uma graça
suficiente (cf. pascal, 1963, p. 317): Deus não podia, com justiça, impor
os mandamentos a Adão inocente sem lhe dar a graça necessária para
observá-los. Essa graça não suprime o livre-arbítrio — Adão era livre
para perseverar ou não na justiça divina, a qual ele conhecia pela graça
concedida. Assim, sua vontade era naturalmente inclinada, e não deter-
minada, ao bem na medida em que Deus era sua finalidade e a medida
de todo o bem. No entanto, a sabedoria divina continua seu discurso:
“Mas não pôde manter tanta glória sem cair na presunção. Quis tornar-
se o centro de si mesmo, independente do meu socorro. Subtraiu-se
ao meu domínio; igualando-se a mim pelo desejo de encontrar a sua
felicidade em si mesmo, abandonei-o; revoltando as criaturas que lhe
estavam submetidas, tornei-as suas inimigas: de maneira que, hoje, o ho-
mem tornou-se semelhante aos animais, e num tal afastamento de mim
que apenas lhe resta uma luz confusa do seu autor... (…) “Eis o estado
em que os homens se acham hoje. Resta-lhes algum instinto impotente
de felicidade de sua primeira natureza, e estão mergulhados nas misérias
de sua cegueira e de sua concupiscência, a qual se tornou sua segunda
natureza” (pascal, 1973, pp. 143-4, Br. 430/La. 149).

Ressaltemos a última sentença: após o pecado, a natureza do ho-


mem se reduziu à concupiscência. A concupiscência é, em termos gerais,
aquilo que faz com que o homem se volte às criaturas, aos bens terrenos.

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Tendo perdido a graça suficiente, é preciso notar que o homem perdeu
também aquele livre-arbítrio de indiferença de que gozava Adão: este
era flexível ao bem e ao mal, mas visto que possuía a graça suficiente, era
naturalmente inclinado ao bem; o pecador, por sua vez, se tornou escravo
da concupiscência, sua vontade é agora naturalmente determinada ao mal
na medida em que deixou de se dirigir a Deus e se voltou para si mesma
como ao seu objeto último. Há um falso véu de bem que nos dissimula
toda a corrupção de nosso ser dominado pela concupiscência: “basea-
ram-se e extraíram-se da concupiscência regras admiráveis de polícia,
moral e justiça; mas no fundo, neste fundo vil do homem, esse figmentum
malum apenas se mascara; não desaparece” (pascal, 1973, p. 154, Br. 453/
La. 211). Desde então, é preciso reconhecer que toda a realidade humana
não é outra coisa senão concupiscência — “‘tudo o que há no mundo
é concupiscência da carne, ou concupiscência dos olhos, ou orgulho da
vida: libido sentiendi, libido sciendi, libido dominandi” (pascal, 1973, p. 155,
Br. 458/La. 545), que correspondem às três ordens de realidade: os cor-
pos, os espíritos e a vontade ou justiça — e que, portanto, “sendo todos
os homens nessa massa corrompida igualmente dignos da morte eterna
e da cólera de Deus, Deus podia com justiça abandoná-los todos sem
misericórdia à danação” (pascal, 1963, p. 318).

Como, no entanto, surge essa concupiscência no homem? Pascal


responde a essa pergunta em uma carta à sua irmã, quando da morte
de seu pai (cf. pascal, 1963, p. 277). Deus, diz ali Pascal, criou o homem
com dois amores: um por Deus e outro por si mesmo, sendo o primei-
ro um amor infinito sem nenhum outro fim senão o próprio Deus e o
segundo finito e, por isso mesmo, dirigido a Deus, na medida em que
o amor de si em Adão era o amor de si enquanto criatura. Ora, uma vez
advindo o pecado, o homem perdeu o primeiro amor, de sorte que,

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sendo capaz de um amor infinito, o amor de si se tornou amor-próprio
— buscando preencher o vazio infinito que o amor a Deus deixou, o
homem passou a amar-se apenas a si próprio e todas as coisas para si
próprio, ou seja, infinitamente.Vem daí, inclusive, a insatisfação perpétua
de sua vontade, pois ele tenta preencher um vazio infinito por meio de
coisas finitas — e, dada a desproporção entre o finito e o infinito, todas
as coisas finitas se tornam um nada face ao desejo infinito. É, portanto,
no amor-próprio que devemos buscar a fonte de todas as concupis-
cências (a volúpia, a curiosidade e o orgulho), pois é o eu, doravante
equacionado ao amor-próprio, com seu desejo insaciável de tornar-se o
centro de tudo, que faz com que o homem se desvie de Deus e se vol-
te sempre, por meio das coisas, para si mesmo. Sendo assim, o orgulho
pode ser considerado a principal concupiscência e chega mesmo a se
confundir com o amor-próprio. Como diz Sellier, “na medida mesma
em que o orgulho se identifica ao culto do eu odioso, que... é a fonte de
toda concupiscência, ele é a concupiscência a mais profunda, aquela que
engendra todas as outras. O orgulho não está, então, no mesmo plano
que a volúpia e a curiosidade: ele é, ao mesmo tempo, ramo, pois ele en-
gendra comportamentos específicos como a paixão de dominar, e raiz
da árvore das concupiscências” (sellier, 1970, p. 183). Assim, dirá Pascal,
“a natureza do amor-próprio e desse eu humano é não amar senão a
si e não considerar senão a si” (pascal, 1973, p. 68, Br. 100/La. 978) e
isso se explica pelo fato de que, em seu estado original, desfrutando de
uma glória centrada em Deus, ele quis fazer-se o centro de si mesmo,
a fonte de sua própria felicidade — desviando-se de Deus, foi por Ele
abandonado e reduzido a uma condição semelhante àquela das bestas,
sem, contudo, perder o desejo de infinitude. Desde então, ele “não poderá
impedir que esse objeto que ama esteja cheio de defeitos e misérias:
quer ser grande e acha-se pequeno, quer ser feliz e acha-se miserável;

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quer ser perfeito e acha-se cheio de imperfeições; quer ser o objeto do
amor e da estima dos homens, e vê que seus defeitos só merecem deles
aversão e desprezo” (Ibid.).

Há, com efeito, uma desproporção entre o objeto amado e a in-


finidade do desejo, pois, dada sua capacidade infinita de amor — traço
vazio de nosso primeiro estado —, o eu, enquanto objeto finito, não
pode bastar a si próprio. E, se é assim, como diz Lazzeri, “será preciso,
portanto, modificar a relação de proporção entre o desejo e seu objeto,
isto é, a dimensão do eu”, o que vai determinar um duplo desejo: “o
primeiro é aquele de fugir de seu próprio nada, o segundo o de dar-se
todo o ser possível” (lazzeri, 1993, p. 39). Desejando ser o centro de
tudo, não obstante sua realidade descentrada e finita, é preciso, então,
que ele busque uma aparência de infinitude que seria dada pela aparente
centralidade do eu em relação a todos os outros: “cada indivíduo é tudo
para si mesmo, pois, ao morrer, tudo morre para ele. Daí o fato de cada
um pensar ser tudo para todos” (pascal, 1973, p. 155, Br. 457/La. 668).
Em outras palavras: “o eu tem duas qualidades: é injusto em si, fazendo-
se centro de tudo; é incômodo aos outros, querendo sujeitá-los: pois
cada eu é o inimigo e desejaria ser o tirano de todos os outros” (pascal,
1973, p. 154, Br. 455/La. 597). Toda a atividade do eu consiste, então, em
um desejo tirânico de ser reconhecido e amado por todos os outros —
e é por isso que ele deve odiar a verdade de sua condição e encobri-la
tanto para si quanto para outrem. Essa aversão à verdade que conduz a
um desejo de destruí-la é inseparável do amor-próprio, pois o desejo de
ser amado não pode ser conciliado com o fato de que, na verdade, o eu
é odioso e desprezível em sua tirania e injustiça.

Ora, dada sua natureza corrompida, é certo que o eu não po-


derá efetivamente destruir essa verdade de sua condição em si mesmo,

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isto é, não poderá modificar-se ao ponto de superar as qualidades que
contrastam com seu desejo, de sorte que só lhe resta destruí-la tanto
quanto pode “em seu conhecimento e no dos outros” (pascal, 1973, p.
68, Br. 100/La. 978), buscando encobrir seus defeitos a si mesmo e aos
outros. Esse primeiro movimento será central para a compreensão do
amor-próprio, pois, como já indicamos, este é essencialmente uma busca
de estima e reconhecimento: a glória, diz Pascal, “é o mais belo lugar do
mundo; nada pode desviar o homem desse desejo e é essa a qualidade
mais indelével de seu coração” (pascal, 1973, p. 137, Br. 404/La. 470).
No entanto, como é possível esse ocultamento das qualidades negativas?
Pascal nos fornece uma resposta no fragmento Br. 147/La. 806, que vale
a pena citar na íntegra: “Não nos contentamos com a vida que temos
em nós e no nosso próprio ser: queremos viver na idéia dos outros uma
vida imaginária, e, para isso, esforçamo-nos por fingir. Trabalhamos in-
cessantemente para embelezar e conservar nosso ser imaginário e negli-
genciamos o verdadeiro. E se temos tranquilidade, ou generosidade, ou
fidelidade, apressamo-nos em fazê-lo saber, a fim de ligar essas virtudes
a esse nosso outro ser; e de bom grado as destacaríamos de nós para
juntá-las a ele; e seríamos prazerosamente poltrões para adquirir a re-
putação de corajosos. Grande marca do vazio do nosso próprio ser, não
estar satisfeito com um sem o outro, e renunciar muitas vezes a um pelo
outro! Pois quem não morresse para conservar sua honra seria infame”
(pascal, 1973, p. 81).

Por aqui já vislumbramos o papel central que a imaginação terá


na dinâmica intersubjetiva2: com efeito, fugir de seu próprio nada equi-

2 “Quem dispensa a reputação? Quem dá o respeito e a veneração às pessoas, às


obras, às leis, aos grandes, se não essa faculdade imaginativa? Como todas as riquezas da

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vale, para o amor-próprio, a viver uma vida imaginária, a criar e cultivar
em outrem uma imagem de si em detrimento de seu próprio ser. Mas
essa imagem só pode existir na medida em que nela trabalhamos a fim
de obter a estima de outrem — daí que busquemos incessantemente
exibir todas as qualidades positivas que possuímos ou que fingimos pos-
suir (exibição que receberá o nome de “vaidade”), uma vez que, sem
isso, tais qualidades não poderiam ser aprovadas pelos outros. Deve-se,
pois, criar uma imagem de si, viver na ideia dos outros, buscando sem-
pre conservar sua estima nessa vida imaginária, cuidando para que, por
um lado, as qualidades positivas sejam constantemente exacerbadas na
avaliação de outrem e, por outro, as qualidades negativas sejam sem-
pre afastadas e escamoteadas do olhar de outrem. Ademais, é preciso
ainda notar que a importância da imaginação é reforçada pelo fato de
que Pascal não confere ao eu nenhuma realidade substancial, de modo
que este acaba por reduzir-se a mero fluxo de qualidades e só estas, na
medida em que se fazem visíveis, podem eventualmente ser amadas ou
desprezadas. Da mesma forma, a centralidade da busca de estima chega
aqui ao paroxismo, uma vez que se sobrepõe à própria conservação de
si: de fato, é preferível morrer para conservar e amplificar sua estima a
viver no desprezo dos homens. “O orgulho contrabalança naturalmente
todas as nossas misérias, todos os nossos erros, etc. Perdemos mesmo a
vida com alegria, desde que se fale disso” (pascal, 1973, p. 82, Br. 153/
La. 628). Desde então, tudo aquilo que faz o eu só pode consistir em um
desejo de ser reconhecido por outrem e mesmo o amor que temos por
outrem é meramente instrumental, uma vez que nós apenas nos amamos
por seu intermédio na medida em que dele obtemos estima, isto é, nos o

terra [são] insuficientes sem o seu consentimento!” (pascal, 1973, p. 63, Br. 82/La. 44).

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amamos por nós e para sujeitá-lo a nós: “Assim, a vida humana nada mais
é que uma perpétua ilusão; não fazemos outra coisa senão nos enganar-
mos e adularmos mutuamente. Ninguém fala de nós em nossa presença
como fala em nossa ausência. A união existente entre os homens assenta
apenas nesse mútuo engano” (pascal, 1973, p. 70, Br. 100/La. 978).

Em certo sentido, essa vida imaginária orientada pelo amor-pró-


prio pode dar conta de toda a dinâmica intersubjetiva. A fim de ilustrar
tal ponto, consideremos apenas um exemplo dado por Pascal, a saber,
aquele das “profissões”. “A coisa mais importante na vida, diz Pascal, é
a escolha de uma profissão” (pascal, 1973, p. 67, Br. 97/La. 634). Mas a
escolha das profissões não é assim tão arbitrária, pois depende do costume
e da valorização das qualidades presentes em tal ou tal ofício: “À força
de ouvir louvar na infância esses ofícios e desprezar todos os outros,
escolhe-se; ama-se naturalmente a virtude e odeia-se a loucura” (Ibid.).
Desde então, escolhe-se um ofício que se sabe que nos trará louvores,
isto é, que nos fará estimados pelos homens: são, portanto, os juízos e
valorizações socialmente construídos que determinam nossas inclina-
ções e escolhas, na medida em que, ouvindo desde a infância os homens
aprovarem determinadas profissões e desprezarem as outras, somos “na-
turalmente” — uma vez que o costume é uma “segunda natureza” e que
“não há nada no mundo que não se torne natural” (pascal, 1973, p. 67,
Br. 94/La. 630) — levados a escolher certos ofícios em detrimento de
outros, a fim de obter, através de nosso ofício, as mesmas aprovações que
lhe são dispensadas.

Mas a desproporção entre o desejo infinito e o objeto finito tor-


na o amor-próprio necessariamente tirânico, isto é, imputa-lhe um de-
sejo de ser o centro de tudo, única forma de alcançar certa aparência de
infinitude: como vimos, não se trata apenas de buscar escapar ao próprio

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nada, mas igualmente de dar-se todo o ser possível. Desde então, uma
estima limitada não pode bastar ao eu, pois o desejo e a vontade são, por
definição, insaciáveis, visto que o amor-próprio não é outra coisa que o
desejo de se fazer Deus (cf. pascal, 1973, p. 161, Br. 492/La. 617): é preci-
so, pois, que o eu obtenha uma estima infinita para que ele possa amar-se
infinitamente através das aprovações de outrem. “Somos tão presunçosos
que desejaríamos ser conhecidos por toda a terra, e até pelas pessoas que
vierem quando nela não estivermos mais” (pascal, 1973, p. 81, Br. 148/
La. 120). A busca por estima torna-se, então, permanente, uma vez que
se trata ao mesmo tempo de conservar a estima que já possuímos e de
adquirir incessantemente mais estima. “Temos uma ideia tão grande da
alma do homem que não podemos tolerar que sejamos desprezados e
não estimados por uma alma, e toda a felicidade dos homens consiste
nessa estima” (pascal, 1973, p. 136, Br. 400/La. 411). Será, com efeito, esse
caráter tirânico do eu, a libido dominandi, fazendo com que ele busque
sempre subjugar os outros a fim de ser por eles reconhecido e louvado,
que nos levará à dimensão essencialmente conflituosa de toda a vida
social.

Ora, o desejo de estima universal não só é injusto, como também


sua realização é impossível, “uma vez que todos pedem a mesma coisa”
(pascal, 1973, p. 161, Br. 492/La. 617). Se cada um busca sempre o máxi-
mo de estima possível, isso significa que a estima que os outros recebem
é sempre um estorvo à realização desse desejo. Assim, como nota Lazzeri,
“o desejo de aprovação puro e simples tornou-se, pois, comparativo”, pois
“cada um deseja a supremacia na obtenção da estima... e um tal desejo
comparativo abre caminho a uma concorrência geral entre todas as vaidades
singulares pela aquisição do reconhecimento supremo” (lazzeri, 1993, p. 47).
Da mesma forma, ainda segundo Lazzeri (cf. lazzeri, 1993, pp. 51-5), são

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as paixões mesmas que se tornam também comparativas, diversificando-
se de acordo com a posição que se ocupa em relação ao outro — isto
é, se o dominamos ou se ele nos domina. Assim surge, por exemplo, a
inveja, quando algum bem só pode ser possuído por uma única pessoa
— posse que lhe proporciona, por um lado, admiração e estima e, por
outro, inveja e ódio da parte daqueles que não o possuem — ou, então,
em relação às coisas que podem ser partilhadas e que “afligem mais o
seu possuidor pela falta da parte que não tem do que o contentam pelo
gozo da que lhe cabe” (pascal, 1973, p. 142, Br. 425/La. 148). Nesse
contexto, é inevitável que surjam disputas entres os homens, que todos
busquem necessariamente rebaixar os outros, julgando-os superestima-
dos e não merecedores de tanta aprovação. E é por isso também que “o
homem ama a malignidade, não contra os caolhos ou os desgraçados
e sim contra os soberbos” (pascal, 1973, p. 50, Br. 41/La. 798) — mas
ele se engana se julga que o faz por uma boa razão, pois regozijar-se da
malignidade contra os soberbos deriva unicamente da concupiscência,
“fonte de todos os nossos movimentos” (Ibid.), do amor-próprio que
não suporta ver alguém superior a si, uma vez que desejaria ter para si
toda a estima possível.

Desse modo, o desejo de estima e reconhecimento absolutos


deve permanecer sempre insatisfeito: “marquem-se os limites; não há
limites nas coisas: as leis querem criá-los, mas o espírito não pode supor-
tá-los” (pascal, 1973, p. 133, Br. 380/La. 540). É assim que se porá a nu o
caráter propriamente tirânico desse desejo: “a tirania consiste no desejo
de dominação, universal e fora de sua ordem. (…) Esses discursos são
falsos e tirânicos: ‘Sou belo, logo devem temer-me; sou forte, portanto
devem amar-me. Sou...’. A tirania consiste em querer ter por uma via
o que só se pode ter por outra” (pascal, 1973, p. 123, Br. 332/La. 58). A

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tirania reside, portanto, no fato de que o homem, buscando toda a esti-
ma possível, exige-a de outrem mesmo sem ter nenhuma qualidade que
a justifique. É o que acontece, por exemplo, no caso dos grandes, que
confundem a grandeza de estabelecimento com a grandeza natural: é
justo que um nobre exija os deveres e respeitos que estão de acordo com
tal grandeza, como por exemplo que o saudemos, que nos ajoelhemos
para falar aos reis etc.; mas é injusto e tirânico que ele exija nossa esti-
ma se não possuir nenhuma grandeza natural que a justifique, tal como
ciência, força, virtude etc.. “E a injustiça consiste em ligar os respeitos
naturais às grandezas de estabelecimento ou em exigir os respeitos de
estabelecimento para as grandezas naturais” (pascal, 1963, p. 367). Assim,
se cada um tenta sempre sujeitar o outro em virtude de seu desejo ili-
mitado de reconhecimento, parece que a vida social é inevitavelmente
povoada pelos conflitos os mais diversos, sem nenhuma possibilidade de
estabelecimento de laços verdadeiros entre os homens, pois, em regime
de concupiscência, “todos os homens se odeiam naturalmente entre si”
(pascal, 1973, p. 154, Br. 451/La. 210).

Como veremos a partir de agora, há diversos pontos de contato


entre as análises de Pascal e as de Spinoza no que diz respeito às relações
entre o desejo de reconhecimento e o surgimento de conflitos. Para que
possamos avaliar o alcance e a extensão dessas semelhanças, vejamos,
pois, de que maneira tal relação vai aparecer no pensamento de Spinoza,
fixando nossa atenção na terceira parte da Ética.

226 Cadernos Espinosanos São Paulo n.37 jul-dez 2017


“Por imaginarmos que uma coisa semelhante a nós e que não
nos provocou nenhum afeto é afetada de algum afeto, seremos, em ra-
zão dessa imaginação, afetados de um afeto semelhante” (spinoza, 2011,
p. 116, iii, 27)3. Nesta proposição, Spinoza nos apresenta algo que será
fundamental para a compreensão das relações intersubjetivas: a imitação
dos afetos. Com efeito, diz Spinoza, as imagens das coisas são afecções
de nosso corpo, “cujas ideias envolvem a natureza de nosso corpo e, ao
mesmo tempo, a natureza presente de um corpo exterior”, de sorte que
“se a natureza de um corpo exterior é semelhante à de nosso corpo, en-
tão a ideia do corpo exterior que imaginamos envolverá uma afecção de
nosso corpo semelhante à do corpo exterior” (Ibid. dem.). Não se trata,
é claro, de dizer que o corpo exterior é causa da afecção de nosso corpo,
mas, ao contrário, que a imitação dos afetos envolve certa identificação
do corpo exterior com o nosso em virtude da semelhança de natureza
entre esses dois corpos, pois “a ideia de cada uma das maneiras pelas quais
o corpo humano é afetado pelos corpos exteriores deve envolver a na-
tureza do corpo humano e, ao mesmo tempo, a natureza do corpo exte-
rior” (spinoza, 2011, p. 67, ii, 16). Assim, na medida em que a coisa seme-
lhante a nós nos é afetivamente indiferente — isto é, não nos provocou
anteriormente nenhum afeto de alegria ou de tristeza —, a imaginação
de sua afecção provocará imediatamente em nós um afeto semelhante.
Se a coisa semelhante for afetada de tristeza, nós também seremos afeta-
dos de tristeza — isso é o que Spinoza chama de “comiseração” (spino-
za, 2011, p. 116, iii, 27 esc.). Se, por outro lado, a coisa semelhante deseja
algo, passaremos também a desejá-lo — trata-se da “emulação” (Ibid.).

3 Para as citações da Ética, após a página indicaremos em algarismos romanos a parte


do livro e em algarismos arábicos a proposição, especificando, quando for o caso, se se
trata de escólio, demonstração etc.

Rafael Zambonelli Nogueira p. 213 - 250 227


Ora, uma vez que a essência atual de uma coisa é o seu esforço
por perseverar em seu ser (cf. iii, 7) e que a ideia de uma coisa que au-
menta ou diminui nossa potência efetivamente a aumenta ou diminui
(cf. iii, 11), segue-se que nos esforçamos tanto quanto podemos por
imaginar aquilo que aumenta nossa potência e por afastar aquilo que
a diminui (cf. iii, 12-3). Desde então, a partir da imitação dos afetos, se
somos afetados de comiseração — afeto que, sendo imitação de uma
tristeza, diminui nossa potência —, esforçar-nos-emos por afastar ou
destruir aquilo que afeta de tristeza a coisa semelhante a nós. Tal esforço,
Spinoza o chama de “benevolência”, a qual se define como “essa von-
tade ou esse apetite de fazer o bem que provém de nossa comiseração
para com a coisa à qual queremos fazer o bem” (spinoza, 2011, p. 117, iii,
27 esc. após cor. 3). Da mesma forma — e isso será central para o desen-
volvimento da análise —, se imaginamos que alguém, afetivamente in-
diferente, afeta de alegria ou de tristeza uma coisa semelhante a nós, nós
seremos afetados de amor (reconhecimento) ou de ódio (indignação),
respectivamente, para com ele, na medida em que o afeto que imitamos
é acompanhado pela ideia desse terceiro como causa exterior.

É preciso notar, porém, que esses afetos não são meros “eventos
privados”: simultaneamente ao encadeamento de afecções desdobra-se
um encadeamento de operações corporais, isto é, as afecções — embora
estejamos aqui no terreno dos afetos passivos — envolvem certa ação
do corpo, na medida em que a) ao imaginar alguma coisa, nós a consi-
deramos como presente; b) o esforço da mente é, por natureza, igual e
simultâneo ao esforço do corpo. Se é assim, segue-se que “esforçamo-
nos ao máximo para fazer com que isso [aquilo que imaginamos levar à
alegria] exista, isto é (equivalência que se segue do esc. da prop. 9), fazer
com que isso exista é o nosso apetite e a nossa inclinação” (spinoza,

228 Cadernos Espinosanos São Paulo n.37 jul-dez 2017


2011, p. 117, iii, 28 dem.). Inversa e simetricamente, esforçamo-nos por
afastar, isto é, não considerar como presente, tudo aquilo que imagina-
mos levar à tristeza. O esforço de imaginar, implicando necessariamente
uma afirmação de existência, acaba se confundindo com o esforço de
promover, isto é, de fazer com que aquilo cuja existência afirmamos se
realize efetivamente, assim como, no caso de algo que nos afeta de tris-
teza, nosso esforço por não imaginá-lo se confunde com um esforço de
afastar ou destruir tal coisa. Daí que do afeto de comiseração siga-se um
esforço de benevolência, isto é, de fazer o bem àquele que é afetado de
tristeza, afastando ou destruindo a causa da tristeza: a partir do esforço
de benevolência, aquele que estava afetado de tristeza será afetado de
alegria, de modo que o benevolente, imitando esse novo afeto, também
o será. Ora, se nosso esforço por perseverar e aumentar nossa potência
envolve um tempo indefinido, isso significa que não nos limitaremos a
uma benevolência “única” em relação àquele por quem sentimos comi-
seração, buscando, ao invés, constantemente afetá-lo de alegria, a fim de
sermos, nós mesmos, constantemente afetados de alegria, assim como
buscaremos constantemente afastar aquilo que o afeta de tristeza, pois
amamos aquilo que o alegra e odiamos o que o entristece.

No entanto, se nosso esforço não é limitado, então nós nos esfor-


çamos indefinidamente por aumentar cada vez mais nossa potência. Se
a isso acrescentarmos a imitação dos afetos, podemos concluir que esse
esforço não vai se limitar a uma única coisa semelhante, mas a todas elas
(desde que nos sejam afetivamente indiferentes): “nós nos esforçaremos,
igualmente, por fazer tudo aquilo que imaginamos que os homens veem
com alegria e, contrariamente, abominaremos fazer aquilo que imagina-
mos que os homens abominam” (spinoza, 2011, p. 118, iii, 29). Há, pois,
certa dimensão de “alienação” na determinação do desejo, uma vez que,

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por um lado, nós desejamos por imitação aquilo que os outros desejam
e, por outro, nos esforçamos por fazer aquilo que imaginamos agradar
aos homens, ou seja, aquilo que é socialmente valorizado e aprovado.
E, com isso, chegamos a novos elementos importantes na dedução dos
afetos: “esse esforço por fazer algo ou por deixar de fazê-lo, com o único
propósito de agradar aos homens, chama-se ambição, sobretudo quan-
do nos esforçamos por agradar ao vulgo com tal zelo que fazemos ou
deixamos de fazer certas coisas que resultem em detrimento nosso ou
alheio” (spinoza, 2011, p. 118, iii, 29 esc.)4. A ambição consiste em “um
desejo que intensifica e reforça todos os afetos” (spinoza, 2011, p. 150,
iii, def. dos afetos 44), como veremos melhor ao comentar a proposição
31. Além disso, da proposição 29 podemos derivar mais dois afetos: em
primeiro lugar, o louvor, isto é, a “alegria com que imaginamos a ação
pela qual um outro se esforçou por nos agradar”; em segundo lugar, o
vitupério, isto é, a “tristeza com que abominamos, contrariamente, a
ação de um outro” (spinoza, 2011, p. 118, iii, 29 esc.).

Ora, é justamente a partir do desdobramento desses novos afe-


tos que poderemos compreender a proposição seguinte: se o homem é
consciente de si através das afecções pelas quais é determinado a agir, isto
é, das afecções de seu corpo (cf. ii, 19, 23), então ele próprio vai se reco-
nhecer como causa da alegria de outrem quando faz algo que imagina
afetá-lo de alegria, isto é, será afetado de alegria — pela imitação dos

4 Mas Spinoza acrescenta: “Se esse não for o caso, costuma-se chamá-lo de
humanidade”. Como tentaremos explorar na sequência dessa análise e, sobretudo, na
conclusão do trabalho, a imitação dos afetos é ao mesmo tempo o que aproxima
e separa Spinoza de Pascal: se, por um lado, ela será princípio de diversos tipos de
conflito na vida em comum, resta que, por outro, ela é ao mesmo tempo princípio de
união entre os homens.

230 Cadernos Espinosanos São Paulo n.37 jul-dez 2017


afetos — e esse afeto será, por sua vez, acompanhado da consciência de
si como causa. Portanto, o homem contemplará a si próprio com alegria
(cf. iii, 30 dem.). Da mesma forma, se imagina ter feito algo que afeta os
demais de tristeza, contemplará a si próprio com tristeza, na medida em
que é consciente de si como causa dessa tristeza. Essa contemplação não
deixa de ser uma espécie de amor e ódio, mas, nesse caso, a causa não é
mais exterior, e sim interior, embora exija a mediação de outrem (imita-
ção): assim, Spinoza dá o nome de glória a esse sentimento de “amor de
si” — ou de satisfação consigo mesmo — através do amor do outro por
nós e de vergonha ao sentimento de “ódio de si” — ou de arrependimen-
to — através do ódio do outro por nós5. Em outras palavras, somos afe-
tados de glória quando imaginamos receber louvores de nossos seme-
lhantes e de vergonha quando imaginamos ser por eles vituperados (cf.
iii, 30 esc.). Entretanto, dada nossa tendência a imaginar aquilo que nos
alegra, é evidente que a glória é muito mais comum do que a vergonha,
de modo que “pode ocorrer que aquele que se glorifica seja soberbo
e que imagine ser agradável a todos quando, na realidade, é um incô-
modo para todos” (spinoza, 2011, p. 119, iii, 30 esc., trad. modificada).

5 Cabe aqui uma precisão: ainda que sejam afetos muito próximos, glória e satisfação
consigo mesmo, assim como vergonha e arrependimento não coincidem exatamente.
A satisfação consigo mesmo é a alegria proporcionada pela contemplação de si mesmo
e de sua potência de agir, ou seja, uma alegria acompanhada da ideia de uma causa
interior — simetricamente, o arrependimento é a tristeza acompanhada da ideia de
uma causa interior. Além disso, a força desses afetos vem do fato de que os homens se
julgam livres, de modo que o homem se satisfaz com ou se arrepende de uma ação
que ele acredita ter praticado por uma livre decisão. Já a glória e a vergonha, embora
se assemelhem aos dois afetos anteriores, possuem uma especificidade, na medida em
que introduzem um outro elemento que é o que imaginamos ser o julgamento de
outrem: eu me glorifico quando imagino que um ato meu é louvado pelos outros e me
envergonho quando imagino que meu ato é por eles vituperado.

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Surge, no entanto, um problema (cf. lazzeri, 1998, p. 82): até
agora só consideramos uma causalidade de mão única, isto é, o fato de
que eu imito a alegria que eu mesmo causo no outro; mas a imitação
dos afetos não é unilateral, pois, se eu imito os afetos do outro, este, por
sua vez, também imitará os meus afetos, constituindo uma relação de
imitação recíproca, de sorte que também o outro buscará me afetar de
alegria e glorificar-se por isso. Em um primeiro momento, tal reciproci-
dade mimética não parece trazer nenhum problema — ela pode, inclu-
sive, ser benéfica. Vimos que o fato de alguém desejar ou amar alguma
coisa faz com que nós a imitemos e passemos a desejá-la ou amá-la. Ora,
caso nós já a amemos, sem nenhuma referência imaginativa ao amor que
outrem pode ter dela, o amor de outrem por essa mesma coisa reforçará
nosso amor, pois “acrescenta-se, assim, ao amor, uma nova causa que o
reforça e, portanto, amaremos com mais firmeza, em razão disso, aqui-
lo que amamos” (spinoza, 2011, p. 119, iii, 31 dem.). No entanto, pode
acontecer que alguém abomine uma coisa que amamos: nesse caso, nós a
amaremos e, simultaneamente, a abominaremos em virtude da imitação
dos afetos, ou seja, “padeceremos de uma flutuação do ânimo” (Ibid.),
isto é, “o estado da mente que provém de dois afetos contrários” (spino-
za, 2011, p. 111, iii, 17 esc.). Tal contrariedade não pode subsistir: haverá,
necessariamente, um “embate” entre esses afetos até que um deles pre-
valeça sobre o outro de modo a destruir a contrariedade.

Ora, visto que nós nos esforçamos sempre por realizar aquilo
que imaginamos levar à alegria e por destruir aquilo que imaginamos
levar à tristeza, “segue-se que cada um se esforça, tanto quanto pode,
para que todos amem o que ele próprio ama e odeiem também o que
ele próprio odeia” (spinoza, 2011, p. 119, iii, 31 cor.). Esse esforço não é
outra coisa que a ambição: com efeito, o esforço por agradar aos outros

232 Cadernos Espinosanos São Paulo n.37 jul-dez 2017


se une ao esforço por fazer com que aquilo que nos agrada também os
agrade, na medida em que desejamos sempre que o nosso amor por algo
seja reforçado pelo amor dos outros. E essa lógica não se limitará a um
único objeto, estendendo-se a todos os objetos que cada um ama. Mas,
com isso, a ambição torna-se ambição de dominação, pois cada um bus-
cará sujeitar o outro à sua própria afetividade, visando uma unificação
de seus afetos com os dos outros, o que nos levará, inevitavelmente, ao
conflito: “Vemos, assim, que, cada um, por natureza, deseja que os outros
vivam de acordo com a inclinação que lhe é própria. Como é isso que
todos desejam, constituindo-se, assim, em obstáculos recíprocos, e como
todos querem ser louvados ou amados por todos, acabam todos por
se odiar mutuamente” (spinoza, 2011, p. 120, iii, 31 esc.). Assim, como
já havíamos indicado, a imitação dos afetos aparece ao mesmo tempo
como princípio de união e de conflito: a reciprocidade que se estabelece
na relação mimética não pode ser mantida, visto que os homens sempre
tendem à ambição, esforçando-se, por isso, por subjugar os outros. “En-
fim, comenta Lazzeri, doravante, cada um busca constituir uma relação
de assimetria na reciprocidade” (lazzeri, 1998, p. 84), pois a ambição,
no fim das contas, nada mais é do que “o desejo imoderado de glória”
(spinoza, 2011, p. 150, iii, def. dos afetos 44) — e é por isso que ela acaba
por transformar-se em ambição de dominação.

A partir daqui, a imitação dos afetos passa a desencadear diversos


conflitos, fazendo com que a sociabilidade que produzira inicialmente
se torne cada vez mais frágil. O fato de desejarmos que os outros amem
aquilo que amamos, uma vez bem-sucedido, reforçará certamente nosso
amor por essa coisa, mas pode também provocar o ódio dos outros con-
tra nós. Na hipótese dessa coisa só poder ser desfrutada por uma única
pessoa, o fato de que essa pessoa a desfrute e possua será julgado pelos

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outros como um obstáculo à sua alegria (cf. iii, 32 dem.) e, sendo assim,
eles se esforçarão, tanto quanto podem, para que ela não a possua. Em
outras palavras, isso provocará nos outros a inveja: “vemos, assim, como
a natureza dos homens está, em geral, disposta de tal maneira que eles
têm comiseração pelos que vão mal; e inveja pelos que vão bem, com
um ódio que será tanto maior... quanto mais amarem a coisa que ima-
ginam ser objeto de desfrute de um outro” (spinoza, 2011, p. 120, iii, 32
esc.). A imitação dos afetos, desenrolando-se no terreno da imaginação,
acaba produzindo naturalmente efeitos paradoxais: “vemos, além disso,
que da mesma propriedade da natureza humana [imitação], da qual se
segue que os homens são misericordiosos, segue-se também que eles são
invejosos e ambiciosos” (Ibid.).

No entanto, veremos agora que o desejo imoderado de glória


será, por si só, capaz de gerar novos conflitos, diversificando o quadro
que expusemos até então, na medida em que ele envolve um desejo de
reconhecimento. Esforçamo-nos, diz Spinoza, por imaginar a coisa que
amamos, pois tal imaginação aumenta nossa potência. No entanto, esse
esforço será ainda maior se se tratar de uma coisa que nos é semelhante
— caso em que a imitação dos afetos entra em cena —, de modo que
“nos esforçaremos, tanto quanto podemos, por fazer com que a coisa
amada seja afetada de alegria, acompanhada da ideia de nós próprios”
(spinoza, 2011, p. 120, iii, 33). Ora, essa precisão que Spinoza introduz
aqui, a saber, o fato de que a alegria que nos esforçamos por provocar
na coisa amada seja acompanhada da ideia de nós próprios como cau-
sa, cumpre uma função importante: esse esforço é, essencialmente, um
esforço para que a coisa amada nos ame, retribua o amor dado. Nós nos
esforçaremos tanto quanto podemos para isso, na medida em que quanto
maior for a alegria que imaginamos causar na coisa amada, tanto maior

234 Cadernos Espinosanos São Paulo n.37 jul-dez 2017


será a alegria de que somos afetados. E, como vimos (cf. iii, 30), quando
imaginamos afetar outrem de alegria, nós próprios somos afetados de
alegria acompanhada da ideia de nós mesmos como causa, de modo que
quanto maior for a alegria de que imaginamos estar afetada a coisa ama-
da enquanto somos causa dessa alegria, tanto mais nos glorificaremos
(cf. iii, 34).

Resta, porém, que essa glória só pode se manter enquanto somos


causa exclusiva da alegria da coisa amada, pois, segundo o que acabamos
de ver, nos glorificamos tanto mais quanto mais imaginamos que a ale-
gria da coisa amada é causada por nós. Isso nos conduz a uma situação
paradoxal, semelhante àquela examinada na proposição 32. Por um lado,
conforme as proposições 28 e 31, desejamos que a coisa que amamos
seja também amada por outros, uma vez que isso reforça nosso amor.
Por outro lado, nossa glória é diminuída quando imaginamos que não
somos causa exclusiva de sua alegria, quando o outro se liga à coisa que
amamos com o mesmo vínculo ou com um vínculo mais estreito do
que o que nos liga a ela, de sorte que “esse esforço ou apetite é refreado
pela imagem da própria coisa amada, acompanhada da imagem daquele
outro que a ela está ligada” (spinoza, 2011, p. 121, iii, 35 dem.). Assim,
prossegue Spinoza, somos afetados de tristeza acompanhada tanto da
ideia da coisa amada quanto da imagem do outro como causa6, ou seja,
passaremos a odiá-los. Em relação ao terceiro, esse ódio aparecerá como
inveja, uma vez que ele diminui nossa possibilidade de desfrutá-la. Ao
passo que, em relação à coisa amada, esse ódio se chamará ciúme, isto é,

6 Spinoza remete aqui à proposição 15: o ódio que teremos do outro se deve, pois,
a uma causalidade acidental, na medida em que associamos sua imagem ao afeto de
tristeza que a coisa amada nos causa.

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“uma flutuação de ânimo surgida, ao mesmo tempo, do amor e do ódio,
acompanhados da ideia de um outro de quem se tem inveja” (spinoza,
2011, p. 122, iii, 35 esc.). E Spinoza acrescenta que o ódio para com a coi-
sa amada é diretamente proporcional tanto à alegria de que estávamos
afetados pelo amor recíproco, quanto ao afeto de que estávamos afetados
para com aquele que imaginamos ligado à coisa amada7 — “com efeito,
se o odiava, odiará, por isso, a coisa amada (pela prop. 24), pois imagina
que ela afeta de alegria aquele a quem ele odeia, e também (pelo co-
rol. da prop. 15) por se ver obrigado a reunir a imagem da coisa amada
à imagem daquele a quem odeia” (Ibid.). E, por fim, temos mais uma
razão para entristecer-nos, pois “o ciumento não é recebido pela coisa
amada com o mesmo semblante que ela costumava mostrar-lhe” (Ibid.)
— o que se deve ao fato de que sua imagem é transformada pelo ciúme,
na medida em que ela passa a ser acidentalmente associada à imagem do
outro que odiamos, de modo que sentimos saudade (cf. iii, 36 e esc.) da
imagem ligada à nossa alegria anterior.

Como em toda flutuação do ânimo, haverá aqui um embate en-


tre os afetos contrários. Ora, diz Spinoza, “o desejo que surge em razão
da tristeza ou da alegria, do ódio ou do amor, é tanto maior quanto
maior é o afeto” (spinoza, 2011, p. 123, iii, 37), pois, sendo a tristeza uma
diminuição e a alegria um aumento de nossa potência, nosso esforço por
afastar a tristeza ou por conservar a alegria será diretamente proporcio-
nal ao afeto em questão. Assim, caso o afeto de ódio prevaleça, vemos
que, se o homem se esforça proporcionalmente à intensidade do afeto

7 Assim como na proposição 31, a rede afetiva se torna mais complexa na medida em
que entram em cena relações prévias: lá, o amor ou ódio por uma coisa; aqui, o amor
ou ódio por um terceiro.

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por conservar o amor, quando ele passa a odiar a coisa amada, seu ódio
será tanto maior quanto maior tiver sido o amor, pois ele deve refrear
aquele esforço anterior de conservação da alegria. Ora, uma vez que
a tristeza é contrária à essência do homem, ele se esforçará, então, por
afastá-la, donde surgem duas possibilidades (cf. lazzeri, 1998, pp. 87-8)8:
a) se não formos suficientemente fortes para destruí-lo ou infligir-lhe
algum mal, pelo que naturalmente nos esforçaríamos em virtude do
ódio, fazê-lo nos proporcionaria um mal maior do que o atual, de modo
que não o fazemos por sentir temor — situação paradoxal em que o ho-
mem “evita, em troca de um mal menor, um mal que julga estar por vir”
(spinoza, 2011, p. 125, iii, 39 esc.); b) se, ao contrário, formos suficien-
temente fortes, esforçar-nos-emos por fazer-lhe algum mal. Ora, pela
imitação dos afetos, ao nos imaginar afetados de ódio, ele naturalmente
também será afetado de ódio para conosco, sobretudo porque, como
vimos (cf. iii, 25, 30 esc.), tende-se sempre a afirmar aquilo que aumenta
a própria potência e a afastar o que a diminui, de sorte que aquele que
odiamos não imagina ter dado nenhuma causa para o odiarmos. Desde
então, ele nos odiará, porque será afetado de tristeza por nosso ódio,
não imaginando nenhuma outra causa para isso do que nós que o odia-
mos (cf. iii, 40 dem.). Da mesma forma, imaginando ser odiado, ele nos
imagina como causa de um mal, de sorte que pode também ser afetado
de medo acompanhado da ideia de nós próprios, ou seja, será afetado
de ódio para conosco. Vemos, assim, a constituição natural de um ódio
recíproco com base na imitação dos afetos: com efeito, o ódio produz
natural e imediatamente um ódio contrário. Mas, no caso de odiarmos

8 Embora as proposições 39 e 40 tenham caráter geral, seguiremos, para facilitar a


exposição, a particularização que Lazzeri oferece, comentando-as a partir do caso da
proposição 35.

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alguém que nos amava, ele padecerá inicialmente de uma flutuação do
ânimo, porquanto, pela imitação, necessariamente nos odiará, sem, con-
tudo, deixar de nos amar (cf. iii, 40 cor. 1). Buscando, no entanto, afastar
a tristeza, o afeto de ódio tenderá a prevalecer e seu esforço por afastar
sua causa será proporcional, como vimos, ao afeto; e, se lhe houvermos
infligido algum mal, esse afeto determinará seu desejo em uma nova di-
reção: com efeito, na medida em que naturalmente buscamos fazer mal a
quem odiamos (esforço que Spinoza chama de “ira”), quando sofremos
algum mal, somos levados imediatamente a responder-lhe com o mes-
mo mal. E, a partir disso, o ciclo da vingança (cf. iii, 40 dem. do cor. 2)
poderá, enfim, começar.

Assim, vemos que o conflito assume uma nova forma. Se, ini-
cialmente, a relação de dominação era engendrada pelo amor recíproco
e pela frustração do desejo de retribuição do amor, agora ela se funda
no medo e na vingança gerados pela relação de ódio recíproco (cf. la-
zzeri, 1998, p. 95). No entanto, não necessariamente deve ser assim. A
proposição 41 exibe o caso inverso da proposição 40, isto é, que alguém
se imagine amado por um outro sem ter lhe dado motivo para isso, o
que gerará um amor recíproco. Todavia, mantendo nosso caso particular,
reencontraremos aquela flutuação do ânimo, mas agora de outra forma:
se antes ela surgia conjuntamente ao ódio pela pessoa amada, agora ela
aparecerá na medida em que nos imaginamos amados por quem odia-
mos, visto que, pela imitação, tenderíamos a amá-lo de volta (cf. iii,
41 cor.). Assim, se o amor prevalecer, o amor recíproco produzirá uma
situação de gratidão, ou seja, “o esforço por fazer o bem àquele que nos
ama e que... se esforça por nos fazer o bem” (spinoza, 2011, p. 126, iii,
41 dem.). Mas a gratidão parece pressupor uma ausência de motivos,
isto é, somos gratos e retribuímos um benefício quando somos amados

238 Cadernos Espinosanos São Paulo n.37 jul-dez 2017


sem julgarmos ser causa disso, o que, como já vimos, é muito menos
frequente do que a glória. “Parece, pois, que os homens estão muito
mais dispostos à vingança que a retribuir um benefício” (Ibid.). E é
assim, pois, que surgirão novos conflitos, pois o amor traz sempre uma
expectativa de reconhecimento e gratidão, sendo, por isso, frequente-
mente frustrado nisso: “aquele que, movido pelo amor ou pela espe-
rança de glória, fez a outro um benefício, se entristecerá se vê que seu
benefício é ingratamente recebido” (spinoza, 2011, p. 126, iii, 42). Com
efeito, amar alguém equivale a esforçar-se por fazer com que ele o ame,
esforço que consiste em agradá-lo por meio de benefícios a fim de ser
por ele louvado, isto é, de glorificar-se. Ora, se o nosso esforço, gerando
uma expectativa de gratidão, é ingratamente recebido, o nosso desejo
de glória é frustrado, de sorte que nos entristecemos. Desde então, cada
um possuindo um desejo de glória e uma tendência a glorificar-se que
torna quase impossível a gratidão, é praticamente inevitável que surja,
mais uma vez, do próprio amor recíproco um novo conflito, fazendo
com que o amor se transforme em ódio recíproco. Parece, pois, que
chegamos a um impasse: que o ódio recíproco seja gerador de conflitos,
ça va sans dire; mas, novamente, é o próprio amor recíproco que nos leva
quase que invariavelmente ao ódio e, por conseguinte, ao conflito.

No entanto, as proposições seguintes trarão duas possibilidades


de desenvolvimento das relações com outrem. Por um lado, o ódio pode
prevalecer, o que, como vimos, tornando-se ódio recíproco, basta para
que o ódio recrudesça. Por outro, se imaginarmos que aquele que odia-
mos está afetado de amor para conosco, padeceremos de uma flutua-
ção do ânimo, de sorte que o amaremos e odiaremos simultaneamente.
Assim, pelo fato de o amarmos, esforçar-nos-emos por lhe agradar e,
portanto, por não odiá-lo. E esse esforço, diz Spinoza, “será diretamen-

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te proporcional ao afeto do qual provém” (spinoza, 2011, p. 127, iii, 43
dem.), de modo que, se o esforço que provém do amor for maior do que
o que provém do ódio, o esforço de amar prevalecerá sobre o esforço de
odiar. Donde se vê que a flutuação do ânimo é um embate que concer-
ne, antes de tudo, à determinação do desejo pelos afetos, e apenas secun-
dariamente aos próprios afetos contrários. Assim, a partir do momento
em que o esforço de amar prevalece, este será reforçado pelo esforço de
odiar anterior, na medida em que o esforço por afastar a tristeza que o
último envolve será estimulado, mas agora direcionado ao amor, pois a
alegria que dele provém será acompanhada da ideia daquele que odiá-
vamos (cf. iii, 44 dem.).

Embora haja a possibilidade de o ódio se converter em amor, é


certo que tal conversão é muito menos provável que a prevalência do
ódio e seu recrudescimento. Mas o ódio não pode prevalecer sem mais:
há, na verdade, uma ambiguidade essencial na vida intersubjetiva, na me-
dida em que tanto a discórdia quanto a união entre os homens derivam
do mesmo princípio e, desse modo, as relações humanas parecem oscilar
entre a dominação e o ódio, de um lado, e a cooperação e o amor, de
outro9. É o que nos diz Spinoza na proposição 47: “a alegria que surge
por imaginarmos que uma coisa que odiamos é destruída ou afetada de
algum outro mal não surge sem alguma tristeza do ânimo” (spinoza,
2011, p. 128), pois a imitação dos afetos faz com que sejamos afetados de
comiseração por ela.

9 Cf. lazzeri, 1998, pp. 97-8: “Assim, parece que as relações inter-humanas se
organizam no modo da sujeição ou, mais precisamente, que este, sob a forma da
ambição de glória, lhes é imanente em todos os seus aspectos (…). Mas, se as alternâncias
entre vingança e comiseração afetam todas essas relações, disso decorre que as relações
sociais jamais são rompidas entre os homens, pois a guerra e a troca se alternam”.

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Há, por fim, um último momento em que novos conflitos podem
surgir: agora, o que condicionará sua emergência é o que Spinoza chama
de admiração. “Um objeto que vimos, antes, juntamente com outros, ou
que imaginamos nada ter que não seja comum a muitos outros, não será
por nós considerado por tanto tempo quanto aquele que imaginamos
ter algo de singular” (spinoza, 2011, p. 132, iii, 52). De acordo com a ma-
neira como nos habituamos a unir e concatenar as imagens, nossa imagi-
nação faz com que passemos da consideração de um objeto a um outro
que lhe associamos (cf. ii, 18 esc.). Analogamente, um objeto que julga-
mos não ter nada que não seja comum a diversos objetos não reterá em
si nossa consideração, pois passaremos de sua consideração à considera-
ção dessa diversidade. Ao contrário, quando imaginamos em um objeto
algo de singular, isto é, algo que nunca havíamos visto antes em nenhum
outro objeto, ao considerá-lo não somos levados a nenhum outro objeto
e “por consequência, ela [a mente] é determinada a considerar exclu-
sivamente o objeto em questão” (spinoza, 2011, p. 132, iii, 52 dem.). É
precisamente nessa imaginação de uma coisa singular à qual a mente se
mantém fixada que consiste a admiração. Precisemos, contudo, que a
admiração não é propriamente um afeto, mas apenas essa fixação, isto é,
uma determinação dos afetos, tanto alegres quanto tristes. Ela pode, pois,
reforçar um afeto: se o que nos admira são as qualidades de alguém que
amamos, nosso amor por tal pessoa será ipso facto maior. À admiração, diz
Spinoza, opõe-se o desprezo: se somos levados, seja lá por qual motivo, a
admirar, amar, temer etc. uma coisa e, depois, ao considerá-la com mais
cuidado, somos levados a recusar-lhe as qualidades que a fariam causa
de admiração, amor etc., “então a mente permanece determinada, pela
própria presença dessa coisa, a pensar mais naquilo que o objeto não
tem do que naquilo que ele tem” (spinoza, 2011, p. 133, iii, 52 esc.).

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Sabemos que, ao considerar a si própria e sua potência de agir,
a mente se alegra. Desde então, vemos que, quanto mais distintamente
— ou seja, como algo singular — ela imagina a si própria e sua potên-
cia de agir, tanto maior será sua alegria (cf. iii, 53)10. Da mesma forma,
“essa alegria é tanto mais reforçada quanto mais o homem imagina ser
louvado pelos outros” (spinoza, 2011, p. 133, iii, 53 cor.), pois imaginar
ser louvado pelos outros significa imaginar que os afetamos de alegria
— o que, por sua vez, nos afeta de alegria —, imaginação acompanhada
da ideia de si próprio como causa. E, se é assim, segue-se que “a mente
esforça-se por imaginar apenas aquilo que põe sua própria potência de
agir” (spinoza, 2011, p. 134, iii, 54), bem como, quando seu esforço de
imaginar o que põe sua potência de agir é refreado pela imaginação de
sua impotência, ela se entristece, sobretudo se se imaginar vituperada
por outrem (cf. iii, 55 dem. e cor. 1). Essa tristeza, diz Spinoza, chama-se
humildade; ao passo que aquela alegria, advinda da consideração de si,
chama-se amor-próprio ou satisfação consigo mesmo.

Ora, cada vez que o homem considera sua própria potência de


agir, essa alegria se renova, de sorte que ele se esforçará constantemente
por considerar-se a si próprio e esse esforço será tanto maior “quanto
mais puder distingui-las das outras e considerá-las como coisas singu-
lares”, donde se segue que “cada um se compraz em contar seus feitos
e exibir suas forças, tanto as do corpo quanto as do ânimo, o que torna
os homens reciprocamente insuportáveis” (spinoza, 2011, p. 135, 134, iii,
55 esc.). Exibindo constantemente suas virtudes, a fim de fazer com que

10 Indiquemos, de passagem, que a singularidade não esgota essa proposição, pois ela
abrirá caminho para uma alegria que não está relacionada à imitação dos afetos, mas à
contemplação de si em sua essência ativa, o que depende de um conhecimento de si,
de uma ideia adequada de si — o que nos leva aos afetos ativos. Cf. iii, 58.

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apareçam aos outros em sua singularidade, o homem deseja glorificar-
se o máximo possível, ou seja, ser louvado pelo maior número possível
de pessoas. E, com isso, o fato de que os homens estão naturalmente
dispostos à inveja e ao ódio adquire uma nova faceta. Com efeito, na
medida em que a consideração de si em sua singularidade constitui um
aumento de potência pelo qual os homens necessariamente se esforçam,
“eles se enchem de gáudio com as debilidades de seus semelhantes e,
por outro lado, se entristecem com suas virtudes” (spinoza, 2011, p. 134,
iii, 55 esc.). Em primeiro lugar, enche-se de gáudio com as debilidades
de seus semelhantes: ao considerar em si algo que imagina faltar aos
outros, ele sentirá satisfação consigo mesmo, uma vez que isso que ele
possui aparece como singular, assim como sentirá desprezo pelos seus
semelhantes, na medida em que os considerará a partir daquilo que ele
mesmo possui e que lhes falta. Em segundo lugar, entristece-se com suas
virtudes: o fato de considerarmos alguém como superior a nós frustra
nosso desejo imoderado de glória — o qual, como vimos, tende sempre
à exclusividade — fazendo com que nos entristeçamos. Mas, por sua
própria essência, o homem se esforçará por afastar essa tristeza, “o que
fará interpretando desfavoravelmente as ações de seus semelhantes ou
exagerando as suas tanto quanto pode” (spinoza, 2011, p. 135, iii, 55 esc.).
Assim, o conflito parece mais uma vez generalizar-se, de sorte que os
homens, tornando-se reciprocamente insuportáveis, passam novamente
a odiar-se mutuamente, buscando dominar os outros e por eles ser ama-
do e recebendo em troca apenas seu ódio.

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A exposição consecutiva das análises de Pascal e Spinoza sobre
os conflitos ligados ao desejo de reconhecimento nos permitiu tornar
visíveis diversos pontos de contato entre os dois filósofos. De fato, am-
bos atestam que o amor a si mesmo necessita da mediação do outro, de
modo que nós amamos o outro a fim de amarmos, por seu intermédio,
a nós mesmos. Além disso, essa relação que estabelecemos com outrem
aparece, para ambos, como uma relação de dominação ou sujeição do
outro a si, na medida em que exigimos dele estima, louvores e reconhe-
cimento, em suma, exigimos que ele nos ame — exigência que, nos dois
casos, decorre de um desejo imoderado de glória. Em Pascal, a despro-
porção produzida pela queda entre o eu, enquanto objeto de amor, e
o desejo infinito faz com que o eu busque tornar-se o centro de tudo,
isto é, ser reconhecido, amado e estimado por todos os outros a fim de
criar uma aparência de infinitude que modifique a relação de proporção
entre o desejo e seu objeto. Em Spinoza, o fato de que a imitação dos
afetos não constitui uma causalidade de mão única, mas uma imitação
recíproca, transforma a ambição em ambição de dominação, isto é, a
sujeição do outro a sua própria afetividade, na medida em que, se busca-
mos sempre realizar aquilo que nos leva à alegria, a flutuação do ânimo
que pode ser produzida pela relação mimética deve resolver-se em um
esforço para que todos amem aquilo que nós amamos. Como vimos, tal
exigência só pode produzir conflitos e ódio mútuo, uma vez que todos
exigem a mesma coisa de todos: assim surgem paixões como a inveja, em
que a disputa entre os homens faz com que busquemos sempre rebaixar
os que estão acima de nós e com que nos regozijemos com aqueles que
estão abaixo de nós. Por conseguinte, nós apareceremos sempre como
incômodos e molestos aos outros, pois, em Pascal, almejamos escapar
ao nosso nada conferindo a nós todo o ser possível e, em Spinoza, nós
nos esforçamos sempre por aumentar nossa potência e glorificar-nos de

244 Cadernos Espinosanos São Paulo n.37 jul-dez 2017


nossas virtudes em detrimento das de outrem. Não por acaso, é precisa-
mente ao desdobrar o desejo imoderado de glória (cf. iii, 30 esc., 55 esc.)
que Spinoza introduz o termo amor-próprio, tão caro a Pascal, indicando
com ele esse caráter “odioso” do “eu”, portador, por excelência, dos
conflitos e das violências que permeiam a vida social.

Não podemos, contudo, nos contentar com essas aproximações.


Há uma diferença fundamental entre os dois filósofos no que diz respei-
to às premissas de suas análises, diferença que vem, mesmo, nuançar as
semelhanças: como indicamos algumas vezes, para Spinoza o princípio
de conflitos é também princípio de união, ao passo que, para Pascal, não
há união possível — na ordem da concupiscência, bem entendido, pois
há a união dos eleitos no corpo místico de Cristo. Se é verdade que
o amor-próprio aparece em Spinoza como gerador de conflitos, resta
que, contrariamente ao que se passa em Pascal, ele não é um ponto de
partida, mas é produto da imitação dos afetos. Desde então, é preciso
contrapor, de um lado, o amor-próprio pascaliano que institui relações
pura e simplesmente instrumentais com os outros e, de outro, a imitação
dos afetos spinozana que gera conflitos a partir de uma lógica passional
de identificação com os outros e que, por isso mesmo, estabelece também
laços de sociabilidade entre os homens. Em um primeiro momento,
pelo menos, a dinâmica intersubjetiva destacada por Pascal não parece
produzir nada que se assemelhe a uma “coesão social”, na medida em
que prevalece o aspecto conflitivo das relações inter-humanas enquanto
relações instrumentais de dominação governadas pela lógica do amor
-próprio — o desejo tirânico do eu só pode levar os homens ao ódio
mútuo, minando, pois, as bases de uma sociabilidade propriamente dita,
isto é, da formação de algo como uma “comunidade” entre os homens.
Em Spinoza, ao contrário, se as relações miméticas acabam produzindo

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necessariamente uma dinâmica conflituosa, isso ocorre apenas em um
segundo momento, como decorrência da formação de relações de iden-
tificação entre os homens em que surge algo como uma sociabilidade,
uma vez que a posterior formação de uma comunidade estará intima-
mente relacionada à formação de paixões comuns, as quais, por sua vez,
dependem das relações miméticas — e não seria absurdo supor que
essa sociabilidade produzida pelas relações miméticas prefigura, mutatis
mutandis, aquilo que alguns séculos mais tarde Durkheim chamaria de
solidariedade mecânica enquanto um tipo de coesão social produzido
por relações de similitude.

Assim, malgrado a possibilidade de aproximar certas teses de um


e outro, elas são “geneticamente” distintas, quer dizer, possuem uma ori-
gem fundamentalmente diversa que se manifesta no próprio movimento
da análise. Com efeito, a démarche de Pascal é, de ponta a ponta, negativa.
Em primeiro lugar, porque, dadas as premissas teológicas da doutrina da
queda, tudo se passa em termos de falta e carência. Como vimos reitera-
damente acima, é a desproporção entre a infinitude do desejo e o objeto
do desejo que leva à lógica da dominação e, no limite, da tirania, de
sorte que é essa falta fundamental, própria ao homem pós-adâmico, que
comanda a dinâmica intersubjetiva. Mas, em segundo lugar, porque essa
consideração da dinâmica intersubjetiva é marcadamente “moralizan-
te”, na medida em que se trata de apontar os vícios da natureza humana
desfigurada pelo pecado e imersa na concupiscência. Enquanto criatura
decaída, o homem é visto por Pascal como uma natureza fundamental-
mente corrompida e condenável do ponto de vista moral — e, se ele in-
siste na duplicidade de sua natureza, resta que tal duplicidade acaba por
enfatizar essa corrupção, na medida em que seu princípio de grandeza
aparece justamente como falta ou ausência, traço vazio de uma condição

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perdida. Spinoza, ao invés, segue um caminho inteiramente positivo,
uma vez que as premissas teológicas que instituem a negatividade da
condição humana estão ausentes, de sorte que tudo se passa no plano da
natureza, sem nenhum tipo de privação11. Toda a lógica dos afetos parece
ser comandada por um princípio positivo, na medida em que a essência
atual de cada ser deve ser pensada em termos de potência, isto é, do esfor-
ço de perseverar no ser. Desse modo, não pode haver uma negatividade
tal como em Pascal, pois o desejo ou apetite — que, segundo Spinoza,
é a própria essência do homem — não é definido como carência ou
privação, donde a célebre inversão spinozana da relação entre desejo
e juízo: nós não desejamos uma coisa porque a julgamos boa, mas, ao
contrário, é porque nós a desejamos que a julgamos boa. Essa diferença
parece, inclusive, fazer com que Pascal leve o desejo de glória mais longe
que Spinoza, pois para o primeiro ele se sobrepõe à própria conservação
de si, ao passo que para o último, uma vez que a essência do homem
é seu esforço de perseverar no ser, seria impossível que o homem de-
sejasse qualquer coisa que fosse contrária a esse esforço. Como vimos,

11 Precisemos: só há privação imaginária em Spinoza, ao passo que em Pascal ela é


ontológica. No entanto, é preciso matizar essa contraposição entre a pura negatividade
e a pura positividade da análise, uma vez que ela só se justifica em um contexto, por
assim dizer, pré-político, na dinâmica meramente intersubjetiva — que é o recorte
de nosso trabalho. Do ponto de vista da formação do corpo político, o amor-próprio,
sem perder seu caráter negativo, assumirá igualmente uma função positiva na filosofia
pascaliana (sobre isso, cf. oliva, 2016). Assim, no plano político será possível pensar
também uma união entre os homens que ao mesmo tempo se origina nas dinâmicas
intersubjetivas conflituosas e, em certa medida, “neutraliza” alguns efeitos do amor-
próprio, na medida em que é capaz de garantir não apenas o estabelecimento do
poder político como também sua estabilidade a partir de uma justiça imaginária, pela
qual os súditos se submetem ao poder político ao vê-lo como legítimo. Embora uma
comparação entre Pascal e Spinoza nesse contexto possa ser de grande interesse, não
nos cabe realizá-la aqui.

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para Pascal ninguém hesitaria em morrer para atingir a glória ou para
conservar sua honra — e quem o fizesse não mereceria ser chamado de
nada além de infame. Assim, à guisa de conclusão, poderíamos dizer que
é tentador aproximar Pascal de Spinoza, dadas as semelhanças patentes
entre algumas de suas teses. Mas, como tentamos mostrar no presente
trabalho, essa aproximação, ainda que de grande fecundidade, deve ser
feita com cautela, pois, como dizia em outro contexto Merleau-Ponty,
mas em uma fórmula que poderia ser generalizada e, talvez, servir como
princípio para todo historiador da filosofia, “a conclusão não tem o
mesmo sentido se se chega a ela por um caminho ou por outro” (mer-
leau-ponty, 1947, p. xl).

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PASCAL AND SPINOZA:
THE CONFLICTS OF RECOGNITION

abstract: In this work, we intend to undertake a comparison between


the philosophies of Spinoza and Pascal about the essentially conflictual
dimension of intersubjective life — and particularly the fact that this
conflict originates in a desire to dominate the other, based in a desire to
be recognized by the other —, so as to emphasize both the similarities
and the differences that are established between the two philosophers.
As we try to show, although one can find many similarities between
them, this does not eliminate the fundamental contrast that separates
their thoughts. However, it is precisely the consideration of this dual re-
lationship that, in our view, makes it interesting to confront their works.

keywords: intersubjectivity, recognition, domination, self love, imita-


tion of affects.

referências bibliográficas
bénichou , p. (1948). Morales du grand siècle. Paris: Gallimard.
lazzeri, c. (1993). Force et justice dans la politique de Pascal. Paris: PUF.
___________. (1998). Droit, pouvoir et liberté: Spinoza critique de Hobbes.
Paris: PUF.
merleau-ponty, m. (1947). Humanisme et terreur: essai sur le problème
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oliva, l. c. g. (2016). Amor próprio e sociedade em Pascal. In: SANTOS,
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Abril Cultural.
sellier, p. (1970). Pascal et Saint Augustin. Paris: Armand Colin.
spinoza, b. (2011). Ética. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Au-
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250 Cadernos Espinosanos São Paulo n.37 jul-dez 2017

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