2006 LisangelaKatiDoNascimento
2006 LisangelaKatiDoNascimento
São Paulo
2006
LISÂNGELA KATI DO NASCIMENTO
São Paulo
2006
Foto: Lisângela Kati do Nascimento
Igreja de Ivaporunduva
De uma janela como essa da Igreja de Ivaporunduva, podemos ver poucas coisas,
mas são coisas que representam uma infinidade de outras coisas.
Vida, água, luta, esperança, sonhos e determinações.
1
professora Ilza e a música do negro Nagô. A força e a alegria das crianças,
a determinação da professora e a esperança daquele povo negro iluminaram o
meu caminho, me mostraram o sentido e a importância da pesquisa...
Obrigada Ilza, professora da Escola do Ivaporunduva, pela confiança
e, sobretudo, por mostrar que as transformações são possíveis.
Mikkail, Lucas, David, agradeço a vocês em nome de todos os alunos
da Escola de Ivaporunduva por revelar, em suas atitudes e falas, a esperança
de um povo que acredita que, por meio da luta social, é possível transformar
esse país num território mais justo.
Benedito Alves (Ditão), líder do quilombo Ivaporunduva, obrigada
pela confiança e pelo apoio em todos os momentos da pesquisa.
À dona Zilda Furquim, agradeço imensamente por todos os almoços. À
Zica, pelas conversas de assuntos variados enquanto o almoço não saía.
A Paulo Silvio (Paulão), jovem guerreiro que mostra em suas mais
simples ações, a imensidão da força do povo negro. Obrigada por todo o
apoio.
A Élson, primeiramente informante, depois amigo e leitor crítico desse
trabalho, agradeço pela ajuda e pela sua paciência. Quantas vezes ouviu as
minhas angústias e inquietudes. Quantas viagens de campo e longas conversas
sobre possíveis caminhos para a educação no Vale do Ribeira. Obrigada pelo
estímulo e pela força, principalmente no momento final desse trabalho.
Agradeço à Dona Jovita, quilombo Galvão. Sua coragem e esperança
de mulher forte e guerreira me incentivaram imensamente nesse caminha.
Em São Paulo, cidade que era estranha, fria, agitada...Cidade que eu
aprendi a gostar e achar bonita. Cidade que hoje é também o meu lugar.
Foram vocês os grandes responsáveis,
2
À Sueli Ângelo Furlan, minha orientadora, agradeço imensamente pelo
carinho e, principalmente, por acreditar no meu trabalho. Obrigada Sueli de
coração!
Às meninas do Nupaub, Iaskara, Márcia, Paula e Paulinha,
obrigada pelo apoio. À Estela e Rosi, obrigada por me socorrer nos
momentos de apuro. Gustavo, novo membro do Núcleo, agradeço os estímulos
nos momentos de desespero.
Às amigas e companheiras do apartamento da Consolação, Isadora e
Isabela. Foram com elas que dividi as angústias, frustrações e felicidades
durante o período de mestrado.
Aos amigos e companheiros Alexandre Gazeta, Emilene, Camila da
Hora, Ana Luiza e Karina Christensen, agradeço pelos anos que
convivemos, compartilhando experiências, angústias, sonhos e projetos.
À Ivone, uma das figuras centrais do meu percurso profissional como
educadora, com certeza os agradecimentos ficarão muito aquém do respeito,
admiração e amizade que tenho por ela.
À Silvia Lenzi, amiga e confidente (minha mãe postiça) vai muito mais
do que um agradecimento. Com sua generosidade pessoal e sinceridade
intelectual, me acolheu emocionalmente e sempre me apoiou no árduo trabalho
como educadora. Obrigada também por todos os conselhos de mãe!
Ao professor Antônio Carlos Diegues, devo muito além de
agradecimentos. Ensinou-me muito mais do que ele possa imaginar. Com sua
força e paixão pela pesquisa, me mostrou a importância de se estudar as
populações tradicionais e valorizar as diferentes culturas.
À Márcia Romero, agradeço pelo carinho nesses anos de amizade.
À Renata Carreto, grande amiga com quem nos últimos meses, dias e
horas desse trabalho dividi o meu desespero. Agradeço pela infinita força para
3
a finalização desse trabalho. Sua leitura crítica, as conversas, as risadas e as
coca-colas foram fundamentais.
À grande amiga Mérilyn. Sua amizade, seu carinho e seu apoio foram
essenciais nessa reta final. Thank you pelos almoços e pelas comidinhas.
À Josiane Kusnier, amiga de longa data, separadas pela distância,
mas unidas pela amizade. Obrigada pelo carinho “on line” e pelos telefonemas
para me acalmar.
À dona Nilda, obrigada por me socorrer com os almoços de domingo
nos últimos meses do mestrado. Ao seu Juca, agradeço pelo carinho.
À Adriana Neves, da Fundação Florestal, obrigada pelo apoio me
concedendo importantes materiais para a realização dessa pesquisa.
Gratidão, carinho e amizade, não consigo definir o que posso expressar
por Heitor Paladim. Certamente, as palavras e os agradecimentos são
mínimos diante do apoio e estímulo nas últimas semanas. Sua leitura crítica,
seus questionamentos alicerçam grande parte do trabalho. Obrigada milhões de
vezes.
Agradeço ao meu pai pelo apoio, carinho e, principalmente, pela
compreensão da minha ausência na família.
Aos meus irmãos Paulo, Ângela e Doguinha, agradeço, pelo carinho
que sempre me deram e por respeitar os meus sonhos. Também agradeço pela
compreensão de ser tão ausente fisicamente em suas vidas
Aos sobrinhos Leandro, André, Davi, Victoria, Gabriel e Darusa
obrigada por vocês existirem em minha vida.
À minha mãe (Diva) que não faz mais presente em matéria entre nós.
Agradeço pela vida, pelo amor, carinho e, principalmente, por me educar para
ser uma mulher forte e guerreira. Obrigada por me dar força para a enfrentar
o mundo em busca dos meus sonhos.
Agradeço, finalmente, a Deus, aos santos e aos orixás!
4
RESUMO
5
ABSTRACT
From interviews with leaders of the quilombos, teachers and students, and
from the observation of classes, it was clear that there still is a long way to be
trailed before the ideal school for that purpose is achieved. In researching the role
Geography classes play, we identified important actions that try to value the
student's local space. We also saw actions that reinforce cultural homogeneization,
instead of valuing the cultural diversity present in the schools.
6
SUMÁRIO
RESUMO/ 05
ABSTRACT/ 06
INTRODUÇÃO/ 09
O interesse pelo tema, pela região e por sua gente (que também sou)/ 10
A pesquisa/ 12
Referências teóricas/ 13
Metodologia/15
7
PARTE II: EDUCAÇÃO ESCOLAR E A IDENTIDADE CULTURAL QUILOMBOLA
8
INTRODUÇÃO
9
O interesse pelo tema, pela região e por sua gente (que também sou eu)
10
mundo despertou em mim um grande interesse por entender um pouco mais desse povo
que, desde o século XVII/XVIII, ocupa a região e, ainda hoje, mantém um modo de vida
próprio. Dessa forma, o interesse em estudar o modo de ocupação do espaço
quilombola, as relações sociais estabelecidas nele, bem como a forma de apropriação e
a sua relação com natureza, me instigaram a procurar a Geografia como campo de
aprofundamento do conhecimento social e ambiental da região.
11
A pesquisa
12
aceitação, posteriormente, para realizar a pesquisa de mestrado. O segundo motivo da
escolha está relacionado com a própria organização da comunidade. Dentre os
quilombos do Vale do Ribeira, o Ivaporunduva é considerado o mais organizado
politicamente, sendo a divisão das funções (para lidar com as diferentes questões
internas e externas), um diferencial importante em relação às demais comunidades.
Dessa maneira, o diálogo entre comunidade e produção acadêmica já está estabelecido,
desde que a última venha de encontro com as demandas da comunidade; no caso, o
tema da presente pesquisa se encontra no cerne das discussões e dos anseios do
grupo.
Referências Teóricas
13
Para compreender as várias dimensões do conceito de quilombo e suas
implicações políticas, recorremos à historiografia com autores como Birmigham (1974),
Freitas (1991), Munanga (1995) e Moura (1993).
14
Metodologia
Tinha a consciência que, sendo a escolha do objeto desse estudo fruto de minha
história de vida, emoções e sentimentos poderiam ser evocados a todo momento, sendo
necessário um grande esforço na busca da objetividade e da imparcialidade. Dessa
forma, sempre me perguntava: como o pesquisador pode lidar com a subjetividade e a
parcialidade sem perder o rigor científico e a objetividade da pesquisa?
A leitura de alguns autores como Pierre Bourdieu (1995) e Howard Becker (1983)
foram importantes para o entendimento dessas questões e, principalmente, para a
estruturação do trabalho científico. Para esses autores, é fundamental que o
pesquisador tenha consciência da possível interferência de seus valores e sentimentos
no encaminhamento do problema científico proposto, bem como no desenvolvimento de
sua pesquisa.
15
De acordo com Bourdieu (1995) é impossível que o pesquisador deixe de lado a
sua subjetividade, por isso, ele deve se esforçar a todo momento para controlá-la. Esse
controle da subjetividade, denominado por ele de objetivação, deve constituir uma meta
em seu trabalho, principalmente para evitar que o seu objeto não se torne um objeto
inventado.
Autores como Brandão (1985), Martins (1993), Becker (1977), Queiroz (1998),
Lacoste (1985), defendem o compromisso do pesquisador com a causa ou grupo social
estudado e salientam que o pesquisador deve ir além de um mero observador, afastado
da realidade que está pesquisando. As idéias desses autores formam a base das
técnicas e métodos seguidos nessa pesquisa, principalmente no que se refere à
pesquisa participante e à pesquisa qualitativa.
José de Souza Martins (1993), em seu livro "A chegada do estranho" coloca a
discussão sobre o outro, nos fazendo refletir sobre quem é o estranho no momento de
nossa pesquisa. Se para as sociedades urbano-industriais, o outro, o estranho é o
16
marginalizado, o índio, o negro e o camponês, para essas pessoas, o estranho somos
nós, o cientista social, o policial, a agrônomo, o funcionário governamental, o
missionário. Portanto,
17
foram realizadas várias visitas ao quilombo de Ivaporunduva, o que permitiu a minha
participação em diversos momentos da vida cotidiana do grupo. Na segunda etapa, após
a avaliação dos primeiros resultados, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas
com representantes quilombolas, por meio das quais foi possível identificar que a
proposta pedagógica desenvolvida na escola do quilombo, na época, não era diferente
das demais escolas públicas da região.
18
avaliando o seu trabalho, mas mesmo assim, ela continuava extremamente incomodada.
Com uma maior aproximação e, principalmente, quando mostrei para ela o que eu já
tinha escrito sobre as observações, a relação mudou consideravelmente. O diálogo
também mudou e a Ilza deixou de ser apenas uma professora que eu estava
observando e tornou-se uma importante informante para o desenvolvimento da
pesquisa.
19
(1991), Munanga (1995), Moura (1993), entre outros, os diferentes significados para
essa categoria quilombo. O capítulo finaliza com uma discussão sobre a relação entre
território e identidade cultural quilombola. Importantes autores da antropologia são
trazidos para o debate, como Frederick Barth (1969), Cuche (1999), Gusmão (1996),
O'Dwyer (2002), Bandeira (1988) e Almeida (1999).
20
Capítulo 4. O quilombo no mundo e o mundo no quilombo: a escola que queremos
em ação.
21
PARTE I:
22
CAPÍTULO 1
“Os retratos da vida dos negros camponeses não são apenas imagens construídas, são,
antes de mais nada, vidas em movimento que convidam para se ver além das imagens. O
convite para ver o universo intricado da experiência negra no meio rural revela o lugar das
diferenças e da alteridade vivida no campo da raça, frente ao preconceito e discriminação,
vivida no campo social e jurídico das leis, enquanto ausência de direitos. Este é o maior
desafio de todos aqueles que pretendem construir uma sociedade plural e democrática”.
(GUSMÃO, 1999, p.161)
23
1.1. Os remanescentes de comunidades de quilombos no Brasil: o direito à
propriedade da terra
1
Em outros países americanos recebem o nome de Marrons, Palenques, Cimarrones e Cumbes.
2
O Brasil seguiu os principais preceitos das legislações federais de países, tais como a Jamaica e a Colômbia.
24
reconhecimento dos direitos territoriais de grupos étnicos, até então inexistentes,
representam avanços significativos na legislação brasileira.
25
É importante ressaltar que são muitos os estereótipos construídos ou almejados
na busca de encontrar nas comunidades do presente ou nos sujeitos sociais atuais, os
traços intocados de africanidade do passado. Ou seja, de uma maneira geral, a
sociedade quer encontrar traços fidedignos de tradição africana nas comunidades do
presente, como forma de legitimar sua origem, como se seus costumes, tradições e
modos de vida ficassem congelados no tempo sem a necessidade de (re) construções
ao longo da história3.
3
Inúmeras pesquisas realizadas em comunidades quilombolas revelam que a identidade cultural
procurada nessas comunidades nem sempre são enfatizadas pela memória oral do grupo quando
interrogados sobre como se definem no presente.
26
direito à regularização de suas terras, conforme o Artigo 68. Portanto, a interpretação do
conceito torna-se de suma importância no contexto jurídico. (ANDRADE & TRECCANI,
2000)
27
ainda em Angola como divisão administrativa”. Théo Brandão (1979) também concorda
que a origem do termo é bantu e, para ele, significa habitação.
Moura (1993) defende a ideia de quilombo como fenômeno, ou seja, como uma
forma de organização que apareceu em todos os lugares onde houve escravidão,
ressaltanto como característica marcante do quilombo a sua capacidade organizativa:
28
resistência, lutando, desgastando em diversos níveis as forças
escravistas, quer pela sua ação militar, quer pelo rapto de escravos das
fazendas, fato que constituía, do ponto de vista econômico, subtração
compulsória das forças produtivas da classe senhorial. (MOURA, 1993,
p.14)
Dessa forma, o autor conclui que o quilombo vira um fato normal na sociedade
escravista, pois "onde existia escravidão, existia o negro aquilombado". (MOURA, 1993,
p.14). Para Boaventura (1999), esse "fato normal", ressaltado por Moura (1993),
proporciona uma operacionalidade ao termo no que refere a descrição do fenômeno na
atualidade, pois o movimento de deslocamento, realocamento, expulsão e ocupação dos
espaços e novos territórios, reafirmam que "mais do que uma exclusiva dependência da
terra, o quilombo faz da terra a metáfora pra pensar o grupo e não o contrário".
(Boaventura: 1999)
Tanto Veiga Rios (1996) quanto Almeida (1996) mostram que existiram outras
definições jurídicas durante o período escravagista. A Lei Provincial n. 157, de 09 de
agosto de 1848, do Estado do Rio Grande do Sul afirma: "Por quilombo entender-se-á a
reunião no mato ou lugar oculto, de mais de três escravos". Já o Artigo 12 da Lei n. 236,
de 20 de agosto de 1847, da Assembléia Provincial do Maranhão tinha reduzido o
número de participantes: "Reputar-se-á escravo aquilombado, logo que esteja no interior
das matas, vizinho ou distante de qualquer estabelecimento, em reunião de dois ou mais
com casa ou rancho" (GOURLAT, apud RIOS, 1996, p. 72). Para esse autor, o conceito
29
de quilombo criado pelos agentes da administração colonial sempre foi manipulado com
a finalidade de preservação de interesses particulares 4.
A caracterização descritiva, segundo Schimitt (2002:130), perpetuou-se como
definição clássica do conceito em questão, influenciando uma geração de estudiosos
sobre o tema – quilombos - até meados da década de 1970, como Artur Ramos (1953) e
Edson Carneiro (1957) apud Schimitt (2002). Esses autores, bem como outros dessa
geração, atribuíam ao conceito de quilombo:
Décio Freitas (1991) elaborou uma tipologia dos quilombos a partir da sua base
de sustentação econômica, classificando-os em sete tipos principais: agrícolas,
extrativistas, mercantis, mineradores, pastoris, serviços e predatórios. Essa classificação
ajuda a compreender a diversidade de modos de produção desenvolvidos pelos negros
naquela época e, além do reconhecimento desta existência.
4
Richard Price, ao estudar os Saramaca, grupo quilombola existente até hoje no Suriname, procura
chamar a atenção dizendo que, “se dependesse apenas dos documentos escritos pelos holandeses
jamais se teria uma visão tão abrangente como foi possível sobre essa sociedade, entre outras
razões, porque a documentação das expedições de guerra no século XVIII descrevia uma realidade
estranha a seus autores. Por exemplo: “a suposta centralização de poder fora grandemente
exagerada pelos brancos e (...) a identidade de muitos dos mais importantes líderes saramacas era
absolutamente desconhecida pelos colonizadores brancos”. (Price, 1996, p.54)
30
Lopes et alli (1987) salienta que algumas vezes o quilombo estava associado ao
lugar, nesse caso, "o quilombo era um estabelecimento singular". Em outros momentos,
o mesmo estava associado ao povo que vive nesse lugar, ou seja, "as várias etnias que
o compõe", ou a manifestações populares, "festas de rua", ou ao “local de uma prática
condenada pela sociedade”, "um lugar público onde se instala uma casa de prostitutas",
ou a um conflito, uma "grande confusão", ou a uma relação social, "uma união"; ou
ainda, a um sistema econômico.
De acordo com Reis & Gomes (1996) foram muitos os autores que estudaram os
quilombos brasileiros, principalmente o Quilombo dos Palmares, no Estado do
Pernambuco. Porém, esses autores ressaltam que, até mesmo, as primeiras reflexões
"mais sistemáticas sobre os quilombos, constantes dos estudos afro-brasileiros dos anos
30 deste século, acabaram por reforçar a concepção popular de quilombo como
comunidade isolada que pretendia recriar uma África pura nas Américas" (Reis &
Gomes, 1996)5.
5
No final da década de 1950, foram desenvolvidos muitos estudos que tratavam da rebeldia negra. Tais
estudos, segundo ANDRADE & TRECCANI (2000), reafirmaram a tese da marginalização e do isolamento
geográfico e social dos quilombos, sendo novamente o Quilombo dos Palmares, o objeto principal de tais
estudos, servindo até mesmo de modelo comparativo para outros estudos.
31
Schimitt et alli (2002) salienta que apesar da importância do trabalho desses
autores, eles não englobam a diversidade das relações entre escravos e a sociedade
escravista e, principalmente, não abarcam as diferentes formas pelas quais os grupos
negros apropriaram-se da terra. Segundo Gusmão (1996), a história oficial brasileira ao
ignorar os efeitos que a escravidão produziu na sociedade brasileira, proporcionou uma
visão reducionista das comunidades negras, trazendo o elemento da "invisibilidade"
tanto social, como econômica desses grupos.
Reis (1996) também ressalta que muitos quilombos no Brasil não seguiram o
modelo de Palmares. Ao contrário, a maioria deles era composta por um pequeno
número de pessoas, que mantinham relações com diferentes setores da sociedade
envolvente (comerciantes, fazendeiros, escravos etc.). Isso rompe, portanto, a idéia de
total isolamento físico e econômico. Assim, como conclui Reis, "os quilombolas
circulavam com freqüência entre seus quilombos e os espaços legítimos da escravidão"
(REIS, 1996, p. 332).
32
de ocupação de terras pelos escravos, bem como não abarca a situação social e cultural
do grupo na atualidade. (ANDRADE & TRECCANI, 2000, p. 05)
6
De acordo com O´Dwyer (2002, p.16), “terra de preto” é uma expressão nativa e não uma denominação
importada historicamente e que está sendo reutilizada. Essa expressão “permite considerar que a afiliação
étnica é tanto uma questão de origem comum quanto de orientação das ações coletivas no sentido de destinos
compartilhados”.
33
concessões feitas pelo Estado devido à prestação de serviços guerreiros; extensões
correspondentes a antigos quilombos, entre outros. (Almeida, 1989).
Almeida (1996), assim como outros críticos, ressalta que o termo "remanescente"
de quilombo, cunhado pela Constituição de 1988, remete à noção de resíduo, "de algo
que já foi e do qual sobraram apenas reminiscências - seriam, portanto, grupos que não
existem mais em sua plenitude" (Almeida, 1996).
Para Ilka Boaventura Leite (1986), o texto final do Artigo 68 iria, inicialmente,
dificultar a compreensão do processo e criar vários impasses. Assim,
34
Aquilo que adivinha como demanda social, com o principal intuito de
descrever um processo de cidadania incompleto e, portanto, abranger
uma grande diversidade de situações envolvendo os afro-
descendentes, tornou-se restritivo, por remeter à idéia de cultura como
algo fixo, a algo cristalizado, fossilizado, e em fase de
desaparecimento. (Boaventura, 1986)
35
mas, sobretudo, consistem em grupos que desenvolveram práticas de
resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida
característicos num determinado lugar (ABA, 1994, p.2).
Como referência Eliane O´Dwyer (1995) alega que, para a caracterização de uma
comunidade, enquanto remanescente de comunidade de quilombo, o mais importante é
restituir esta espécie de tipo organizacional, que lhe confere pertencimento. É
necessário respeitar os elementos que fornecem a comunidade uma organização, por
meio da qual, o grupo garante o seu modo de vida. Ainda para a autora, o recurso
essencial para a ruptura com a antiga definição de quilombo, “refere-se às
representações e práticas dos próprios agentes sociais que viveram e constituíram tais
situações em meio a antagonismos e violências extremas”. (O´Dwyer,1995: 02)
Dessa maneira, O´Dwyer (1995) argumenta:
7
O documento elaborado por esse grupo de trabalho tinha como objetivo principal orientar e auxiliar a
aplicação do Artigo 68.
36
relações e práticas em face dos grupos sociais e agências com quem
interagem. Esse dado de como os grupos sociais chamados de
“remanescentes” se auto-definem é elementar, porquanto foi por essa
via que se construiu e firmou a identidade coletiva”.
1. 3. Território e identidade
O negro faz parte de uma terra singular, uma terra que possui e da qual
é possuído. Sua história nela se inscreve e ele próprio, enquanto negro,
nela- a terra, encontra-se inscrito(...). Sua relação com ela (terra) é
centrada em ritos, mitos, lendas e fatos. Memórias que contam sua
saga, revelam a sua origem e desvendam, além da própria trajetória, a
vida em movimento (GUSMÂO, 1999, p. 145)
37
Para Gusmão (1999, p.150), o território é a condição essencial que define quem
são os grupos negros, onde estão e por que estão naquele determinado lugar. Além de
constituir uma realidade física, o território constitui também um patrimônio comum e, por
isso, difere-se das outras terras de outros grupos.
A terra habitada por grupos negros tem em sua essência a duplicidade como seu
elemento definidor, pois é a partir dela que é caracterizada a realidade interna de cada
grupo. É a terra que define a realidade no interior da sociedade inclusiva.
Com isso, ordena a percepção de si e do mundo camponês,
construindo para o sujeito negro, o sentimento de ser e pertencer a uma
coletividade. Coletividade camponesa formada por negros. (GUSMÃO,
1996, p. 15)
38
Barth define como grupo étnico todo grupo social formado por indivíduos que se
perpetuam biologicamente; que compartilham dos mesmos códigos de valores culturais;
que se comunicam, e por fim, identificam-se como pertencentes a um mesmo grupo
social, ao mesmo tempo em que são identificados por outros como pertencentes a um
grupo social comum.
39
Nesse aspecto, vale retomar Cuche (1999) quando aponta o caráter relacional e
situacional da identidade, ou seja, não podemos buscar uma suposta essência
definidora da nossa identidade, pois ela não é absoluta e sim relativa. A identidade de
um grupo é uma construção social e, dessa maneira, produz efeitos sociais. Portanto, a
identidade pode ser definida também como o resultado da identificação imposta por
outros e daquela que o grupo ou individuo assume para si mesmo, abrindo então a
possibilidade de utilização dos recursos da identidade de maneira estratégica. Essa
maneira estratégica é fundamento para a concepção e significado de território como
campo de tensão entre grupos contrastivos. Assim, a partir da avaliação da situação,
determinadas dimensões serão mais ou menos ressaltadas.
Segundo Milton Santos (1993, p.61), "o território em que vivemos é mais que um
simples conjunto de objetos, mediante os quais trabalhamos, circulamos, moramos, é
também um dado simbólico". A territorialidade "não provém do simples fato de viver num
lugar, mas da comunhão que com ele mantemos” (SANTOS, 1993, p. 62).
Para Gusmão (1999):
40
polissêmica, dinâmica e mutável. A terra é sinônimo de relações
vividas, fruto do trabalho concreto dos quais aí estão, fruto da memória
e da experiência pessoal e coletiva de sua gente, os do presente e os
do passado. (GUSMÃO, 1999, p.150)
Nesse sentido, é importante ressaltar que a terra para os quilombolas não é uma
"terra de negócio" e sim uma "terra de trabalho” e de vida. (SCHIMITT, TURATI &
CARVALHO, 2002)
41
CAPÍTULO 2
42
2.1. Estatísticas sobre as comunidades de quilombos no Vale do Ribeira
8
A Fundação Cultural Palmares - FCP - é uma fundação do governo federal, cuja criação foi autorizada pela
Lei no 7.668/88 e “materializada” pelo Decreto n. 418/92, com a finalidade de promover a cultura negra em
suas inúmeras expressões e manifestações no seio da sociedade brasileira.
9
O Itesp é uma autarquia estadual ligada à Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania. É responsável pela
identificação e reconhecimento das comunidades remanescentes de quilombo e pela titulação das áreas
públicas estaduais por elas ocupadas.
10
Dados fornecidos pelo Instituto de Terras do Estado de São Paulo. (www.itesp.gov.br)
43
Quadro 1 - Comunidades reconhecidas
Reconhecido
Comunidade Município Nº Famílias
em
1.Ivaporunduva Eldorado 70 1998**
2.Maria Rosa Iporanga 20 1998*
3.Pedro Cubas Eldorado 40 1998*
4.Pilões Iporanga 51 1998*
5.São Pedro Eldor./Ipor. 39 1998*
6.Cafundó Salto de Pira 18 1999
7.Caçandoca Ubatuba 19 2000
8.Jaó Itapeva 53 2000
9.André Lopes Eldorado 76 2001
10.Nhunguara Eldo/Ipora 91 2001
11.Sapatú Eldorado 82 2001
12.Galvão Eldo/Ipora 29 2001
13.Mandira Cananéia 16 2002
14.Praia Grande Iporanga 26 2002
15.Porto Velho Iporanga 09 2003
16. Pedro Cubas de Cima Eldorado 22 2003
17. Capivari Capivari 17 2004
18. Brotas Itatiba 32 2004
19. Cangume Itaóca 33 2004
20. Camburi Ubatuba 39 2005
11
O número de famílias são dados estimados
12
Antropólogos do Ministério Público Federal estão realizando um diagnóstico da situação na área
13
Antropólogos do Ministério Público Federal estão realizando um diagnóstico da situação na área
44
4. Comunidades identificadas para o Reconhecimento14
Fonte:www.itesp.gov.br
14
O número de famílias são dados estimados.
45
2. 2. Ocupação negra na região: conhecendo a história do Vale do Ribeira
A chegada dos europeus ocorreu por volta da primeira metade do século XVI,
quando foram fundados, pelos colonizadores portugueses, dois pequenos núcleos:
Cananéia15 e Iguape. Devido a suas privilegiadas posições geográficas, esses dois
núcleos exerceram importante papel de intercâmbio no processo de penetração para o
interior. O núcleo de Cananéia possuía o controle estratégico do Mar Pequeno e,
Iguape, juntamente ao mar e ao estuário do Rio Ribeira, mantinha o domínio da
navegação para o interior. Esses dois núcleos eram pontos obrigatórios de passagem
para se chegar ao Rio de Janeiro, que na época era a capital da colônia, bem como para
se chegar em outros locais.
15
Segundo documentos históricos, a Vila de Cananéia foi fundada em 1531 por Martim Afonso de Souza.
46
A ocupação das terras da região ocorreu, inicialmente, sob duas formas
principais: legalmente, por meio da doação de sesmarias ou por ocupação ilegal. Os
portugueses que recebiam as doações assumiam o compromisso e a responsabilidade
de se assentar, de cultivar a terra e também fazer benfeitorias. Quando ocorria a
ocupação de terras não doadas pela Coroa Portuguesa, as famílias dedicavam-se à
agricultura de subsistência.
47
médio Ribeira, o Vale conheceu o chamado “ciclo do ouro”. Nessa região foram
encontradas as primeiras jazidas auríferas do Brasil, proporcionando um relativo
desenvolvimento. Iguape, devido à sua posição estratégica, tornou-se a porta de
escoamento do metal. Além disso, sediou a primeira casa de fundição de ouro do país -
a “Casa Real de Fundição” - construída em 1635, constituindo a primeira Casa da
Moeda do Brasil.
De acordo com Queiroz (1967), Carril (1995), Zan (1986) e outros estudiosos, o
rio Ribeira constituiu a primeira via importante de acesso ao interior da região do Vale.
Portanto, devido à formação geográfica, em que o rio Ribeira serpenteia toda a região e,
possui inúmeros afluentes que deságuam no Atlântico, o lugar era propício para a
ocupação e povoamento.
48
de Iguape era a “cabeça de entrada” para se chegar ao interior, os mineradores
chegavam por ele e depois seguiam o curso do Ribeira e seus afluentes.
Durante o século XVII e início do século XVIII, muito ouro foi explorado no Vale do
Ribeira, desempenhando assim um papel importante na economia da colônia. Porém,
como aponta Braga (1999), muito embora a mineração tenha trazido alguma riqueza
para a região, seus efeitos desenvolvimentistas restringiram-se à Iguape. Dessa forma,
os núcleos do interior pouco se desenvolveram e mesmo Xiririca, localizada na principal
zona garimpeira, só foi levada à categoria de município no século seguinte, já na fase
decadente da mineração.
Durante o século XVIII, o Vale do Ribeira produziu arroz, mas não recebendo
incentivos do governo que, nesta época estava interessado na mineração, não
conseguiu concorrer com a produção nacional. É somente no século XIX que a produção
de arroz do Vale ganha destaque e consegue garantir a integração da região à
economia nacional, transformando Iguape no primeiro produtor de arroz do Brasil. A
49
qualidade do arroz de Iguape era considerada excelente, ficando o produto conhecido
internacionalmente.
50
Assim, a partir de 1870, principalmente, a agricultura comercial foi substituída
paulatinamente pela lavoura de subsistência, e o Vale foi se transformando, no “Sertão
do Litoral” (MULLER, 1980) 16. Essa situação é caracterizada pelo autor da seguinte
forma:
Logo depois, o Vale inicia a produção de café, mas não obteve sucesso devido
à falta de incentivo financeiro. Os interesses do governo estavam direcionados para a
rota dos grandes cafeicultores, que se estendiam do nordeste e noroeste paulista até
o Estado do Rio de Janeiro. Naquele momento era importante o investimento na
construção de rodovias e ferrovias para o escoamento da produção de café. Além dos
limites naturais, outro fator de impedimento da produção cafeeira no Vale foi a queda
da Bolsa de Nova Iorque, em 1929.
Na busca de atingir uma produção que pudesse ser competitiva com outras
regiões do Brasil, o governo brasileiro incentiva então a vinda de imigrantes para a
região, pois tanto para a população local quanto para o governo, o problema da
produção nessa região estava centrado na falta de mão-de-obra.
16
Esse processo foi denominado por muitos autores de “caipirização”. Em sua importante obra “Os Parceiros
do Rio Bonito” (1964), Antonio Candido analisou as transformações dos meios de vida, das formas de
organização social e cultura dos “caipiras paulistas” ou ainda do “mundo rústico” paulista. De acordo com
Candido (1964: 44), a “cultura caipira” é caracterizada, principalmente, por sua economia fechada, sendo
baseada na agricultura de subsistência, no trabalho isolado na cooperação ocasional.
51
Com a decadência da cultura do café no Estado de São Paulo, o incentivo à
imigração aumenta consideravelmente17. De 1874 a 1876 e de 1886 a 1900, os
movimentos imigratórios para a região foram significativos, surgindo assim novos
núcleos de povoamento, como Registro e Pariquera-Açu. A partir de 1920, a
imigração para o Vale, especialmente a japonesa, embora ainda recebendo incentivos
do governo, passa a ser realizada por meio de uma companhia própria, a KKKK-
Kaigai S/A Industrial de Além-Mar.
17
A política de incentivo à imigração data do início do século XIX.
52
"esquecido" pelo governo brasileiro, sendo que somente a partir da década de 1960
surgiram projetos para o desenvolvimento social e econômico da região.
18
Os diversos trabalho de campo me proporcionaram um conhecimento significativo das comunidades:
Ivaporunduva, Pedro Cubas, André Lopes, Sapatu, Nhuguara, São Pedro e Mandira. Com a aproximação e
vivência no cotidiano das comunidades foi possível perceber traços comuns, principalmente, em relação às
formas de utilização e de manejo dos recursos naturais. No entanto, em relação à organização social para o
enfrentamento de problemas diversos foi possível perceber grandes diferenças entre elas.
19
De acordo com Diegues (2000), o termo "População tradicional” designa um grupo de pessoas que detém
"um conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos que se reflete na elaboração de estratégias de uso
e de manejo dos recursos naturais; importância dada à unidade familiar, doméstica ou comunal e às relações
de parentesco ou compadrio para o exercício das atividades econômicas, sociais e culturais; importância das
simbologias, mitos rituais associados à caça, à pesca e atividades extrativas; dependência com a natureza, os
ciclos naturais, e os recursos naturais renováveis a partir dos quais se constrói um modo de vida ”
53
pequena comercialização de parte de sua produção, a fim de suprir necessidades outras
que a agricultura praticada não consegue proporcionar. (ANDRADE et alli, 2000)
54
desde o século XIX, aproximadamente, sendo a reciprocidade um atributo central desse
modo de convivência21. Essas práticas, embora comuns em todas as comunidades
estudadas e, segundo os informantes, realizada com regularidade, não pode ser
colocada como prática principal na atualidade. Para as atividades agrícolas,
principalmente a produção de banana para fins comerciais, são comuns também as
relações de assalariamento entre amigos ou vizinhos por um determinado tempo
(durante o roçado ou a colheita).
O rio Ribeira de Iguape sempre foi referência para todas as comunidades rurais
ao longo dele assentadas. Para as comunidades quilombolas, bem como para outras
comunidades ribeirinhas, ainda nos dias atuais, esse rio desempenha papel fundamental
como meio de comunicação, transporte, pesca, lazer, e para a perpetuação da dimensão
simbólica dos habitantes dessas áreas. (STUCCHI, 1998b)
21
As formas de sociabilidade existentes nas comunidades de negros encontradas no Vale do Ribeira, incluindo
principalmente os tipos de trabalhos descritos, podem ser compreendidas analisando as comunidades primeiro
a partir das características comuns de um bairro rural negro. Para tal, recorremos a Antônio Candido que, em
Os parceiros do Rio Bonito (1964), nos coloca que “ a necessidade de ajuda, imposta pela técnica agrícola e
sua retribuição automática, determinava a formação duma rede de relações, ligando uns aos outros os
habitantes do grupo de vizinhança e contribuindo para a sua unidade estrutural e funcional”. (CANDIDO,
1964: 89)
55
De acordo com Andrade (2000), até o início do século XX, a vida cotidiana das
comunidades negras do Vale do Ribeira permaneceu inalterada, inclusive em relação às
políticas públicas para a melhoria das condições de vida da população. Os estudos
apontam que a partir de 1930 começaram surgir algumas intervenções políticas com a
justificativa de tirar o Vale do atraso, da miséria e do isolamento. Essas intervenções e
as mudanças delas decorrentes, como veremos adiante, vieram a influenciar de modo
significativo o modo de vida dessas comunidades.
56
Vale aqui citar um importante apontamento de Sanches (2004: 65) no que se
refere às mudanças no modo de vida tradicional das comunidades negras:
22
Retomando a expressão cunhada por José de Souza Martins (1993), em seu livro A chegada do estranho.
57
De acordo com Sanches (2004), o processo de mudanças no modo de vida das
comunidades localizadas no Vale do Ribeira se intensifica a partir da década de 1960 e
1970, principalmente porque a região tornou-se um importante espaço de conflito no
contexto do regime militar instaurado no Brasil, entre os anos de 1964 a 1984.
58
2.3.1. As áreas naturais protegidas e os conflitos sociais
23
De acordo com Sistema de Unidade de Conservação (SNUC), as Unidades de Conservação no território
brasileiro estão divididas em duas grandes categorias de manejo: as Unidades de Proteção Integral e as
Unidades de Uso Sustentável. As Unidades de Proteção Integral têm como objetivo principal a preservação da
biodiversidade, a realização de pesquisas científicas e o lazer, sendo admitido somente o uso indireto dos
recursos naturais. Esse grupo é constituído das seguintes categorias de manejo: Estações Ecológicas, Reservas
biológicas, Parques nacionais estaduais e municipais; Monumentos Naturais e Refúgios de vida silvestre.
Já as Unidades de Uso Sustentável, têm como objetivo geral a compatibilização entre a conservação da
natureza e o uso sustentável de parte de seus recursos naturais. Entre elas estão: Área de Proteção Ambiental;
Áreas de relevante interesse ecológico; Florestas nacionais, estaduais e municipais; Reservas da Fauna;
Reservas de Desenvolvimento Sustentável; Reservas particulares do patrimônio natural
59
área, o tipo de unidade de conservação e o próprio manejo e gestão". (DIEGUES, 2000:
10)
(...) no Brasil ela está enraizada nas políticas públicas que ainda
enxergam os homens e a natureza como separados, mais grave ainda:
como opostos. E muito pior que isso se constroem soluções de
conservação que reafirmam esta separação. (FURLAN, 2000)
60
Até hoje há uma enorme resistência do movimento ambientalista, bem
como dos órgãos públicos, a qualquer tentativa de permitir a adequada
permanência dessas populações nas áreas que já ocupam. Recusam-
se a reconhecer que as práticas tradicionais (intencionalmente ou não)
permitiram a conservação da área. Desprezam o conhecimento para o
desenvolvimento de formas sustentáveis de aproveitamento da floresta.
Também não conseguem perceber que, se estas populações
permanecerem na área, usufrutárias que são da floresta, será do
interesse delas protegê-las de eventuais ações predatórias, facilitando
o controle sobre a área como um todo. (FURLAN, 2000)
As áreas destinadas à formação dos parques são, de acordo com o Estado, terras
devolutas e, nesse sentido, estão livres da presença humana e é sobre elas que recai o
ônus das restrições ambientais. No entanto, no caso do Vale do Ribeira, bem como de
outras regiões do Brasil, na verdade, ignora-se a ocupação secular e memorial das
comunidades negras. Ou seja, os parques e as áreas de proteção ambiental foram
implantados onde existiam populações vivendo, aproximadamente, desde o final do
século XVII e século XVIII. Para Diegues (2000), esse modelo de preservação dos
recursos naturais ignora o saber tradicional dessas comunidades sobre o meio do qual
fazem parte, impondo uma série de restrições que, na maioria das vezes, são
conflitantes com a maneira como tais comunidades utilizam os recursos naturais.
24
Vide anexo.
61
Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira – PETAR
Criado em 1958, como estratégia para racionalizar a extração do palmito, o
PETAR foi o primeiro parque que gerou conflitos com o modo de vida tradicional das
comunidades de quilombos do Vale do Ribeira, principalmente com Maria Rosa e Pilões.
62
Ivaporunduva, Porto de Pilões, Maria Rosa, São Pedro e Pedro Cubas. De fato, as terras
eram devolutas, mas ocupadas pelas comunidades, aproximadamente, desde o século
XVII /XVIII, gerando assim enormes conflitos.
25
Das 21 comunidades remanescentes de quilombos reconhecidas na região do Vale do Ribeira, apenas 5 conseguiram a
titulação no ano de 2000. São elas: Maria Rosa, Pilões, São Pedro, Pedro Cubas, Ivaporunduva
63
Diante desse quadro, muitas pessoas tornaram-se assalariadas nas fazendas
próximas às comunidades ou se submeteram à extração clandestina do palmito como
fonte alternativa de subsistência, exercendo assim atividades extratoras ilegais. Nesse
contexto, o papel desempenhado pelos agentes ambientais passa a ser visto pelas
comunidades como uma ameaça ao seu modo de vida, uma vez que eles agem, na
maioria das vezes, de forma bastante autoritária, usando várias maneiras de repressão,
como a aplicação de multas e, inclusive, o uso do poder de coerção.
64
2.3.2. Projetos de barragens para o rio Ribeira de Iguape
26
Os projetos de construção de barragens para o rio Ribeira de Iguape remontam à década de 1950 e 1960,
mas é somente a partir do final dos anos 80, quando se intensifica os debates e a possibilidade da construção,
que essa problemática passa a ser internalizada no pensamento e na ação das comunidades negras da região.
27
De acordo com Carril (1995:130), “a usina hidrelétrica Funil foi projetada com uma barragem de 70 m de
altura, formando um reservatório de cerca de 34 km2, gerando 150 megawatts de energia. Prevê que o
reservatório inundará mais de mil hectares dos 449.446ha. da Área de Proteção Ambiental da Serra do Mar,
na região de Pilões”. “A Usina Hidrelétrica Tijuco Alto, projetada pela CBA para ser construída na divisa dos
estados de São Paulo e Paraná, prevÊ a inundação de 52.800 hectares e remoção de 1200 famílias de
agricultores residentes na região de formação do lago.
65
Nessa ação civil, as justificativas foram elaboradas a partir de características
ambientais, como a questão das áreas de preservação, a composição dos solos, a
estrutura geológica, a mudança do regime hídrico, a possibilidade de ocorrência de
terremotos induzidos pelo enchimento do reservatório, conseqüências no Complexo
Estuarino do Lagamar etc., sendo secundários os argumentos sobre o direito das
populações quilombolas e a preservação da memória histórica.
O poder público da região, de uma forma geral, além de vários outros atores
sociais, se posiciona favorável à implantação das barragens, pois defende que, por meio
da compensação financeira e da geração de empregos decorrentes da construção, os
complexos hidrelétricos trarão o “desenvolvimento” e o “progresso” para o Vale do
Ribeira, usando ainda como forte argumento a utilização das barragens como
instrumento de contenção das enchentes.
66
debates e as reinvindicações acerca da construção das barragens, como um meio de
acabar ou diminuir as enchentes.
67
2.3.3. O direito constitucional: de bairros negros a remanescentes de
comunidades de quilombos
Até essa data, todos os estudos sobre esses segmentos de populações negras
do Vale do Ribeira tratavam-nas como bairros rurais ou comunidades rurais negras.
Nesse último caso, o fator de etnicidade recebia tratamento específico. Contudo, os
importantes estudos realizados até essa época, como os de Renato Queiroz no bairro
Ivaporunduva não fez referência à questão quilombola e sim referência ao
campesinato28.
28
“No período anterior à constituição de 1988, a antropologia não trabalhava com o conceito de
“remanescente de quilombo”. Entre o final dos anos 70 e inicio do 80, o objeto da antropologia eram as
populações negras em condições rurais, sendo o termo mais usualmente empregado para classificá-las o de
“comunidades negras rurais”. (QUEIROZ, 1983)
29
Ivaporunduva foi um dos primeiros bairros a receber o reconhecimento como “remanescente de
comunidade de quilombo”.
68
aparentes de traços de cultura africana, mas não a nível de análise
desse trabalho, a não ser aqueles que, juntamente com os de origem
indígena e portuguesa (e, por isso mesmo, de difícil identificação)
integram o que se convencionou chamar de “cultura caipira”, síntese
das contribuições mencionadas. Os negros eram, assim, caipiras.
(QUEIROZ, 1983:24)
69
Para Mirales (1998), a reivindicação legal se constitui numa das possibilidades
para a afirmação como sujeitos coletivos em busca de um lugar social. Assim, a luta pela
terra constitui um projeto político, por meio do qual a comunidade se (re)pensa e define
estratégias. Nesse caso, a lei pode ser vista como mediação e reforço das relações
entre grupos sociais. (THOMPSON,1987)
30
Furlan (2000) refere-se a identidade imposta pelas regulações externas ao território das comunidades
tradicionais
70
barragens no rio Ribeira forçou os quilombolas a se (re) pensarem como um grupo social
e buscarem na identidade cultural elementos para o fortalecimento de sua luta política e
social. De acordo com O'Dwyer (1995), muitas vezes a identidade cultural emerge como
resposta diante da situação de conflito e confronto com grupos sociais, econômicos e
agências governamentais, que passam a implementar novas formas de controle político
e administrativo sobre o território que ocupam.
31
O Artigo 216 estabelece o tombamento de todos os documentos e sítios detentores de reminiscências
históricas do antigo quilombo.
32
O Estado de São Paulo incluiu como condição para a obtenção do título definitivo dessas terras a
obrigatoriedade da organização de uma “Associação de Remanescente de Quilombos”. “ Esse não foi um
fenômeno que se deu apenas em São Paulo, mas também em âmbito nacional, quando as leis
regulamentadoras do artigo 68 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias versavam para
necessidade de a posse da terra e sua titulação serem coletivas e inalienáveis, sendo assim o título é emitido
para a associação” (Sanches, 2004: 28)
71
Até o presente momento, os projetos de construção das barragens da CESP
estão paralisados por falta de recursos do Governo do Estado. A de Tijuco Alto está
paralisada por decisão judicial, no entanto, novos estudos de impacto ambiental (EIA)
realizados durante o primeiro semestre de 2006 poderá derrubar a decisão da justiça,
dando inicio a obra de construção da barragem.
33
A titulação das terras quilombolas deve ser realizada respeitando as especificidades de ocupação das terras. Portanto, o
Poder Público deve garantir que a área titulada consiga abranger um determinado tamanho que possa garantir aos grupos
negros à reprodução de sua vida material, bem como (re) produção de sua vida imaterial, incluindo aí manifestações
culturais e específicas de cada comunidade.
72
PARTE II:
73
CAPÍTULO 3
São com os pés firmes que essas crianças vão todos os dias para a escola.
Acordam de madrugada, andam muitos quilômetros, atravessam o rio Ribeira,
pegam ônibus e chegam na escola.
74
3.1. Repensando a educação: lutas e desafios
75
Além das questões estruturais, observou-se a falta de um projeto pedagógico,
com uma proposta teórico-metodológica que contemple a pluralidade cultural e privilegie
como foco de estudo e análise o espaço geográfico local, identificando nele as formas
de produção historicamente construídas e os conflitos inerentes à ocupação territorial da
região. Isso dificulta a formação de uma reflexão crítica e sem preconceitos, tanto por
parte dos educandos como também dos próprios educadores, pois os quilombolas
acabam sendo encarados, nessas escolas, muitas vezes de forma esteriotipada.
“Toda vez que se fala em quilombos, tem um rótulo e esse rótulo tem
sempre uma direção negativa. Quando chega na cidade, você percebe
que as pessoas vêem a gente como o pessoal do quilombo que é
contra o progresso, que são contra as barragens, então a barragem vai
trazer o progresso e os quilombolas são contra, então são pobres. Tudo
nessa linha, que faz com que as pessoas desconheçam o quilombo.”
(Oriel, membro da comunidade quilombola do Ivaporunduva)
34
Essa carta será melhor detalhada no final desse capítulo.
76
Paulão, um dos mais jovens líderes do Ivaporunduva, acredita ser fundamental
que os professores tenham uma melhor formação. Em sua opinião, há por parte dos
educadores um despreparo, além da falta de conhecimento sobre a história do
continente africano e a questão dos negros brasileiros, o que resulta na deficiência do
ensino étnico-racial.
“Vai ter que desenvolver trabalhos para discutir quilombos, vai ter que
fazer material. O professor já ganha uma merreca e vai ter que estudar
bastante essa temática. Vai ter que tentar sentar na cadeira e ler sobre
quilombos, sobre o conceito, sobre um monte de coisas. O trabalho do
professor que tem que dar aula no Brasil já é desgastante e
estressante, imagine que vai ter ler e estudar para trabalhar com um
grupo específico. Então, ele trabalha ainda com a idéia de universal e
hoje, a educação, pelo menos para o parâmetro do MEC não é mais
universalista”
77
conhece a história do Vale do Ribeira. A história que passou no Vale do
Ribeira, as pessoas conhecem muito pouco. Isso é uma coisa que vai
ter que ser explorado. É uma outra coisa que também vai ter que ser
explorado no campo da educação é que tem um público diferenciado
que necessita de ter uma intervenção diferenciada. (Oriel, quilombola
do Ivaporunduva)
Na fala acima e nas anteriores, é nítida a preocupação com uma escola que
considere os valores culturais e a identidade quilombola. Dificuldade de acesso,
proposta metodológica imprópria, material didático generalista e atemporal, formação
dos professores inadequada constituem as faces de um mesmo problema: a educação
universalista que vigora no Vale do Ribeira, autenticada pela falta de diálogo entre os
diferentes sujeitos sociais envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.
78
Dada a realidade ambiental e sócio-cultural do Vale do Ribeira, conforme a
discussão do capítulo anterior, tinha como hipótese no momento da elaboração do
projeto de pesquisa, que as propostas educacionais já tinham inserido a história de sua
gente e a geografia regional como eixos norteadores de seus trabalhos. Buscava-se
identificar no currículo de ensino de geografia do ensino Fundamental II, os conteúdos
específicos que abordassem questões locais e regionais.
79
3.2.1. Barragens
80
representa caminhos para o desenvolvimento econômico da região, promovendo um
excelente mercado de trabalho, gerando dessa maneira, renda para a população.
81
Será papel da escola propor situações capazes de estimular o diálogo entre os
sujeitos e seus contextos (histórias, culturas, organizações sociais etc.) a fim de
promover a circulação de informações sobre diferentes questões. No caso específico da
disciplina de geografia, é fundamental que a proposta didática e os conteúdos estudados
estimulem os alunos à elaboração de um conhecimento crítico sobre a realidade social,
na qual estão inseridos.
35
É considerada também a região menos povoada do Estado de São Paulo (HOGAN, CARMO &
RODRIGUES, 1999). Sua ocupação remete ao início da colonização européia com atividades tradicionais de
subsistência, extrativismo e mineração, porém permaneceu à margem do “progresso econômico” e do
desenvolvimento do país, sendo que somente a partir da década de 1960 começaram a surgir projetos
governamentais de desenvolvimento para a região (ANTUNIASSI & REISMANN, 2001).
82
Tabela 1: Renda média da população do Vale do Ribeira
Faixa de renda (em salários
Região do % Acumulada Estado de São Paulo% Acumulada
mínimos) Vale do Ribeira
Sem renda 51,4 51,4 1,4 1,4
Até 1 17,9 69,3 15,5 16,9
De 1 a 2 16,6 85,9 22,5 39,4
De 2 a 5 9,9 95,8 36,1 75,5
>5 3,8 99,6 24,1 99,6
(...) não se pode fazer uma utilização irrefletida de dados como esses, a
qual poderia levar à conclusão de que, além de pobre e miserável, a
população viveria em situação de completa indigência, haja vista a alta
proporção (quase 70%) de famílias com renda ali de até um salário
mínimo. (SEKIGUCHI, 1999: 413)
36
O IDH é composto pelos seguintes indicadores: saúde, que representa a esperança ou expectativa de vida
ao nascer; educação - alfabetização e escolarização e renda, medida pelo PIB (Produto Interno Bruto) de cada
município.
37
De acordo com o IBGE são consideradas regiões com baixo IDH aquelas que apresentam índices entre 0 e
0,499; com IDH médio aquelas em que o índice se encontra entre 0,500 e 0,799 e as regiões que apresentam
índices entre 0,800 e 1 são consideradas com IDH alto.
83
Embora o IDH do Vale do Ribeira seja considerado médio, pois está na faixa
média (entre 0,500 e 0,799), esse índice é um dos mais baixos do Estado de São Paulo,
sendo que as demais regiões apresentam IDH superior a 0,800. É importante ressaltar
também que entre os municípios que compõe a região do Vale do Ribeira, as
disparidades são enormes. O município de Registro apresenta o IDH mais alto (0,835),
como pode ser observado na Tabela 2 anexa, intitulada “População e IDH do Vale do
Ribeira (2000)”.
84
os universos sociais e culturais dos alunos, já que vivem nas áreas do entorno das
unidades. Contudo, quando o conhecimento é apenas declarativo, ou seja, quando não
existe uma problematização da questão, os alunos apenas absorvem a informação, não
podendo obter uma posição crítica. Citar como exemplo e não abrir a discussão sobre os
diversos aspectos da questão, não significa uma aprendizagem significativa de fato.
85
3.2.3. A história de ocupação negra na região
Saber em que bairro mora não significa conhecer o universo cultural da criança,
ou seja, a localização do bairro por si só não informa sobre o seu modo de vida, sobre o
seus costumes e tradições. De fato, o que as entrevistas indicaram é que os professores
demonstram pouco conhecimento sobre os aspectos da vida quilombola e, por isso, as
experiências vividas pelas crianças quilombolas não são valorizadas no contexto
escolar.
86
Um aspecto que chamou a minha atenção foi o apontamento da maioria dos
professores sobre a expressão oral das crianças:
Conforme salientado por autores como Grant (1997), Canen (1995), Khan (1994)
e Soares (1995), ignorar o padrão lingüístico do aluno significa transmitir-lhe a
mensagem de que este é inferior, reduzindo-lhe a auto-estima e fragilizando seu auto-
conceito identitário e cultural. Além do mais, por não estabelecer pontes com seu
universo cultural de origem, torna-se bastante improvável que o ensino do novo padrão
lingüístico seja absorvido, legitimando-se uma homogeneização cultural artificial que irá
contribuir para a exclusão deste aluno no sistema educacional.
De acordo com Canen (2001), a escola produz a exclusão dos grupos sociais
cujos padrões étnicos-culturais não correspondem aos padrões dominantes. Ainda que
87
não seja objeto de nossa reflexão, vale ressaltar que os docentes, muitas vezes,
apresentam uma expectativa em relação ao desempenho dos alunos de padrões
culturais diferentes da cultura dominante, carregada de esteriótipos e até mesmo
discriminando essas crianças. Para Canen (1995,1996, 1997b) e Candau (1995) é
fundamental que a escola desenvolva práticas pedagógicas que valorizem a diversidade
cultural. Ressaltam ainda que é necessária uma formação docente que capacite os
professores na inserção da pluralidade cultural, a partir de práticas pedagógico-
curriculares apropriadas.
O que se nota no Vale do Ribeira, portanto, é que na maioria das vezes, ocorre a
desqualificação dos universos culturais das crianças em termos de negação, bem como
a desqualificação em comparação à cultura dominante.
88
3.2.5. Outras reflexões sobre o ensinar/ aprender geografia
89
Os estudos de geografia devem, dessa maneira, proporcionar ao aluno a
compreensão crítica da realidade em está inserido. Assim, é fundamental que a
geografia propicie o reconhecimento e valorização dos aspectos do lugar, pois é a partir
disso que o aluno será capaz de se sentir pertencente, de maneira crítica, ao lugar e ao
mundo em que vive.
Como aponta Straforini (2001), a geografia tem por objetivo analisar e interpretar
o espaço geográfico, onde o homem, por meio de suas relações com o ambiente em que
vive, produz e reproduz esse espaço. Portanto, é papel da escola, como um dos lugares
onde se produz conhecimento, subsidiar os alunos no enriquecimento e sistematização
das informações para que sejam capazes de interpretar o mundo que os cerca.
90
É preciso que o professor, junto com seus alunos, observem e reflitam
sobre o espaço vivido e descubram as representações que os
indivíduos inseridos nos diferentes grupos sociais têm sobre o espaço
de vida percebido. Os diferentes olhares sobre o lugar, através das
variadas linguagens, fazem parte da compreensão do espaço
geográfico onde o estudante e o grupo social estão inseridos. Para
compreender e atuar sobre esse espaço produzido através das
diferentes temporalidades é preciso observar as permanências visíveis
na paisagem e as invisíveis que estão presentes, muitas vezes, tão
somente nas representações sociais ou até no imaginário das pessoas
e dos grupos sociais, as quais emergem através da fala das pessoas e
de suas ações e intervenções no espaço construído. (PONTUSCHKA,
1998: 73)
É possível para cada um dos estudantes ser e viver o Brasil e o Vale do Ribeira.
Mas para isso, cabe aos educadores, às instituições e ao movimento dos quilombolas
promoverem o diálogo permanente entre escola, comunidade e sociedade envolvente.
O objetivo da pergunta não era obter uma resposta detalhada sobre os estudos
de geografia do ano anterior, mas sim conseguir identificar dentro do universo de
conteúdos estudados por aquelas crianças na disciplina, um assunto, tema ou conteúdo
que tenha ficado marcado na memória das mesmas. Esse foi o caminho escolhido pela
91
minha experiência como docente na disciplina de geografia. Quando um conteúdo é
assimilado pela criança e, principalmente, quando os assuntos estudados fazem a
criança se sentir parte integrante do meio social em que vive, se reconhecendo nele ou
simplesmente conhecendo e valorizando o seu espaço, o seu lugar ou sua história,
certamente não é apagado tão rápido da sua memória.
Tudo isso nos chama atenção para refletir sobre a própria formação dos
professores e os materiais didáticos utilizados, mais precisamente sobre o material
adotado nas escolas públicas da região. As respostas e os questionamentos dos
professores me forçaram a uma reflexão sobre os cursos de formação de educadores na
região do Vale do Ribeira. Segundo os professores entrevistados, durante o curso,
nenhuma disciplina abordou conteúdos específicos da geografia ou da história regional.
Não foi contemplada na presente pesquisa, uma análise dos cursos oferecidos pela
92
instituição de ensino superior por eles citada, pois esse não era o objetivo38. O que
pretendemos é ressaltar que os professores que ministram aulas nas escolas públicas
da região não tiveram a oportunidade em seus cursos de formação do magistério e/ou
da graduação em obter conhecimentos sobre o Vale do Ribeira. Por outro lado, os
cursos de formação continuada são oferecidos, mas poucos deles freqüentam.
Comparando a freqüência nesses cursos, as entrevistas apontam que, entre professores
do ensino fundamental I e II, os primeiros aproveitam melhor essas oportunidades.
38
Os professores entrevistados fizeram magistério no CEFAM, no município de Registro e/ou cursaram curso
superior de pedagogia, história ou geografia na Faculdade SELESUL, também localizada no município de
Registro. Vale ressaltar que todos os professores entrevistados tinham mais de 6 anos de formados.
93
estabeleceram no território brasileiro. Ao escrever sobre a formação do povo brasileiro,
Darcy Ribeiro (1996:22) apresenta o Brasil como uma “etnia” nacional, resultado da
confluência de diversas matrizes.
Durante o século XX o país cordial, por meio de uma política racial implícita,
incentivou a imigração européia e asiática no território brasileiro, oferecendo concessões
que nunca foram dadas aos negros, que já estavam aqui trabalhando. As vantagens de
acesso à terra e empregos tinham como objetivo o “branqueamento” do país de mulatos.
Portanto, a miscigenação de etnias e o sincretismo religioso foram processos vividos
intensa e dramaticamente no Brasil desde 1500. (CANDAU, 2002: 59)
94
Nesse contexto, as propostas curriculares educacionais vigentes no país,
acabaram por restringir à diversidade cultural a uma “cultura comum” ou a cultura das
classes sociais dominantes, e somente menciona “as contribuições” das minorias
sociais: das mulheres, dos negros, dos índios, dos imigrantes etc.
É importante ressaltar que essa visão se fez presente também nos próprios livros
didáticos durante décadas, passando até mesmo informações e conhecimentos
equivocados para as crianças sobre os povos indígenas que formaram o Brasil, por
exemplo. Quando os europeus chegaram aqui encontraram uma grande diversidade de
povos com inúmeros e diferentes costumes, línguas e tradições e não um único povo
indígena. Da mesma maneira, com relação aos povos africanos, os quais vieram de
diferentes lugares do continente africano e, portanto, não constituíam um único grupo
cultural, como apresentado nos livros didáticos, e sim povos com inúmeras diferenças
culturais. (Candau:2002)
De acordo com Brandão (1981), foi somente a partir dos anos 60 que propostas
pedagógicas, visando articular educação e cultura ganharam mais fôlego e consistência,
com as experiências educativas que aconteceram fora da escola. As experiências mais
significativas dentro desta perspectiva, desenvolveram no âmbito da educação popular -
em geral de caráter não formal - influenciada diretamente pelo pensamento de Paulo
Freire39.
39
De acordo com Brandão (1981: 18), no início dos anos 60, a proposta de Paulo Freire para a alfabetização
de adultos, testadas nas periferias de Recife e no interior do Rio Grande do Norte, tornou-se nacionalmente- e
mais tarde mundialmente- conhecida devido a sua inovação pedagógica e aos resultados obtidos: mais de 300
trabalhadores alfabetizados em 45 dias pelo método das palavras geradoras. O método Paulo Freire- como
ficou conhecido- implicava na formação de “Círculos de Cultura’’. O processo de alfabetização dos adultos,
95
A valiosa contribuição de Paulo Freire para discutir a relação entre educação e
cultura não pode deixar de ser mencionada. Freire, numa de suas importantes obras “A
pedagogia do oprimido” (1970), escreve que “ninguém educa ninguém, ninguém educa a
si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”
Ou ainda,
se desenvolviam a partir de palavras significativas do universo cultural dos alfabetizandos. Esses Círculos de
Cultura se espalharam por todo o Brasil, sendo fortemente perseguida durante o Regime Militar de 1964.
96
democrática só pode ocorrer a partir do reconhecimento das diferentes situações sociais
e dos universos culturais presentes nas salas de aula, e também da identificação das
relações de poder existente entre eles. A partir da heterogeneidade cultural, segundo
Apple (1996), é possível identificar temas e conceitos relacionados às identidades
culturais, por meio das quais os alunos se reconheçam.
Dessa forma,
“a desnaturalização da cultura escolar dominante nos sistemas de
ensino se faz urgente, buscando caminhos de incorporar positivamente
a diversidade cultural no cotidiano escolar.” (CANDAU, 2002: 106)
97
autonomia, a competência para o trabalho, a valorização da diversidade e o exercício da
cidadania40.
40
A nova LDB e os seus documentos normativos tiveram como base para a sua formulação, os princípios
básicos dos documentos “Declaração Mundial sobre Educação para Todos de 1990” e o Relatório da Unesco
de 1996. A primeira, fruto da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtiem, na
Tailândia em, em 1990, preconizou os seguintes pontos considerados fundamentais para uma educação
democrática e fortalecedora da cidadania: redução das desigualdades; a eliminação dos preconceitos e
esteriótipos como condição para a garantia de educação de qualidade para todos; a educação centrada na
aprendizagem de fato, não em requisitos para a obtenção de certificados; abordagens ativas e participativas
dos conteúdos escolares; a consideração com a cultura e a comunidade locais; a aprendizagem vinculada ao
conhecimento científico e tecnológico contemporâneo. Em 1996, a Unesco- Organização das Nações Unidas
para a Educação, Ciência e Cultura- publicou o Relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o
Século XXI, explicitando os pilares da educação: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver,
aprender a ser, os quais tornaram-se referência para a educação mundial.
41
Parâmetros são documentos de caráter não-compulsório, editados pelo MEC para cada segmento da
educação nacional, com um enfoque metodológico que orienta escolas e professores sobre como trabalhar os
conteúdos curriculares para o desenvolvimento das competências. Os PCN´s apresentam princípios
educativos e propõem uma articulação entre os objetivos, conteúdos, orientações didáticas e critérios de
avaliação, constituindo assim uma orientação para a prática pedagógica dentro de cada área do
conhecimento. Os parâmetros curriculares podem contribuir não somente para a definição dos componentes
curriculares como também para a visualização de possibilidades de trabalho interdisciplinar, mas,
diferentemente das Diretrizes Curriculares Nacionais emitidas pelo Conselho Nacional de Educação, são
documentos de caráter não-compulsório, ou seja, o professor e a escola utilizarão os PCNs se, quando e
41
como considerarem apropriado”. (Oliveira, 112). “É bom lembrar que cabe a cada sistema de ensino
regulamentar a aplicação das novas diretrizes da educação naquilo que possa haver de específico em sua
área de responsabilidade. Para tanto, conselhos estaduais e conselhos municipais de educação têm emitido
seus próprios documentos normativos que, obviamente não cabem ao escopo desse trabalho, mas cujo
conhecimento é essencial para quem tenha responsabilidade direta com a educação”. (Oliveira, 46)
42
Esses temas foram escolhidos devido a relevância social de cada um deles, principalmente no que se
refere aos obstáculos encontrados na educação para o exercício da cidadania da população brasileira.
98
Os PCN's elegeram a Pluralidade Cultural como um dos Temas Transversais,
incentivando o reconhecimento da multiculturalidade existente em nosso país como um
dos temas fundamentais para a construção de cidadania.
43
“É proposto, também, em interação com os demais temas transversais, a saber, Saúde, Educação Sexual,
Ética, Meio Ambiente, colaborando para entrelaçá-los na abordagem que faz dos direitos humanos, da
liberdade de consciência, de opinião, dos direitos da criança e do adolescente, da temática da igualdade entre
homens e mulheres, em uma proposta que toma em consideração a realidade da sala de aula, portanto viável,
apresentada para ser efetivada. Propõe, além disso, estratégia didática de “intercâmbio”, cooperando para o
adensamento dos projetos pedagógicos das escolas, pela via da interação com a sociedade e comunidades,
99
A fundamentação ética, o entendimento de preceitos jurídicos, incluindo
o campo internacional, conhecimentos acumulados no campo da
História e da Geografia, noções e conceitos originários da Antropologia,
da Lingüística, da Sociologia, da Psicologia, aspectos referentes a
Estudos Populacionais, constituem uma base sobre a qual se opera tal
reflexão que, ao voltar-se para a atuação na escola, deve ter cunho
eminentemente pedagógico. (PCNs, 1997)
100
obrigatório a inclusão da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, no currículo oficial
da rede de ensino.
101
3.4. A escola que queremos...
Para lutar pelo direito, garantido pela nova LDB a uma educação que valorize a
identidade cultural e respeite o modo de vida quilombola, no ano de 2002 representantes
de várias comunidades remanescentes de quilombos do Vale do Ribeira se reuniram na
cidade de Registro com o objetivo de discutir os aspectos da educação que acreditam
ser mais apropriados para a realidade social e cultural das escolas localizadas próximas
às comunidades. A partir dessa discussão foi elaborada uma carta, a qual
posteriormente foi enviada ao Presidente do Conselho Nacional de Educação. (vide
anexo 2)
102
Foram vários os pontos discutidos e reivindicados na carta. A começar pela
desvalorização da experiência e cultura quilombola. Segundo as reivindicações, a escola
acaba por afastar os alunos dos valores da comunidade e a maioria dos professores, por
não conhecer os costumes quilombolas, menospreza o modo de vida desse povo,
reforçando a discriminação racial. Se por um lado, a escola desqualifica ou nega a
identidade cultural quilombola, por outro, também não oferece o conhecimento suficiente
para estas crianças viverem na cidade. Para os quilombolas, a escola deve ensinar os
conhecimentos elaborados e construídos pelas diferentes ciências ao longo do
desenvolvimento da humanidade, mas também não pode desvalorizar o conhecimento
tradicional.
103
Trecho da Carta enviada ao Ministro da Educação
em 2002
Como resposta à forte luta dos quilombolas do Vale do Ribeira por uma educação
que não negue a história e a cultura do povo negro da região e, assim, propicie às
crianças o fortalecimento da identidade cultural quilombola, em 2006 foi fundada a
primeira escola quilombola do Vale do Ribeira, a Escola Estadual Maria Antônia Chules
Princesa. Localizada em área da comunidade André Lopes por decisão dos
representantes das comunidades remanescentes de quilombos do Vale do Ribeira, a
escola atende aos alunos das comunidades: Ivaporunduva, André Lopes, Sapatu,
Nhuguara, São Pedro e Galvão. O ensino engloba desde 1ª série do ensino fundamental
I ao 1º ano do ensino médio.
O projeto pedagógico da escola Maria Antônia Chules Princesa tem como eixo
condutor o resgate e valorização da cultura quilombola. Porém, a diretora da escola
admitiu que seus professores ainda não estão capacitados para tal projeto.
Isso nos mostra que, mesmo quanto respaldados por diretrizes de políticas da
Educação, os professores ainda não estão preparados para serem agentes de
104
mudança, como aquelas preconizadas por Paulo Freire, em sua obra Pedagogia do
Oprimido (1975):
44
O decreto 4887/03 visa garantir às comunidades quilombolas a posse da terra e o acesso a serviços, como
saúde, educação e saneamento.
45
“O trabalho da Coordenação-geral de Diversidade e Inclusão é feito em conjunto com a Secretaria Especial
de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Fundação Cultural Palmares e mais 22 ministérios.
105
CAPÍTULO 4
106
4. 1. A Escola do Ivaporunduva
A sala de aula é pequena e sua estrutura física é simples, com carteiras antigas
que se misturam com as carteiras novas, enviadas recentemente pelo governo. Algumas
estantes pequenas, com poucos livros compõem o cenário da sala de aula; esses livros
são de acesso a todos os alunos. Ali encontrei livros diversos, de histórias infantis,
histórias infanto-juvenis, de uma literatura também variada. No entanto, durante as
minhas “fuçadas” não encontrei livros específicos sobre negros ou quilombos e nem
mesmo algum material sobre o Vale do Ribeira.
Ao lado daquela, há uma outra estante. Essa bem mais nova e com chaves. É
nela que a professora guarda os materiais didáticos enviados pelo Estado, incluindo
lápis, cadernos e canetas. Os livros didáticos e os paradidáticos também são guardados
nessa estante, como forma de preservá-los, segundo a professora.
46
Até 1998 eram três salas de aula: uma de 1ª e 2ª série, outra de 3ª e 4ª série e outra do pré. Devido ao
pequeno número de alunos, foi reduzido para uma sala de fundamental I e permaneceu a sala do pré, a qual
atualmente tem 11 alunos.
107
despedidas, pois sabiam que eu adorava. A força na voz daquelas crianças, somada à
energia de suas mãos batendo nas carteiras, como se fossem tambores, me comovia
muito todas as vezes, sendo impossível não ficar emocionada.
“ (...) até o ano passado o professor vinha, dava aula e ia embora. Não
ficava mais um tempinho. Não conhecia as nossas festas. Não
conversava muito com a gente. Assim, não dava pra ele conhecer
nossos costumes e o nosso jeito de viver.” (Depoimento de um
informante quilombola)
108
Para os quilombolas é fundamental que nos primeiros anos de escolaridade, as
crianças já aprendam a história de seu povo para que, quando chegarem ao ensino
fundamental II não tenham vergonha de sua condição étnica e consigam enfrentar de
forma construtiva e tranqüila os possíveis questionamentos acerca de sua identidade.
Para Élson, membro da comunidade Ivaporunduva, atualmente cursando o 4º ano de
pedagogia, é necessário que a criança quilombola tenha um espaço dentro da sala de
aula para discutir e compreender determinados aspectos da vida econômica e cultural
da comunidade, pois só assim será capaz de valorizar a história de seu povo.
109
de trabalhar junto a uma comunidade grande e organizada como essa. O seu objetivo é
desenvolver uma proposta pedagógica integrando, de fato, a escola e a comunidade na
busca de uma educação que valorize a identidade cultural quilombola e que forme
cidadãos críticos, conhecedores de sua realidade social e capazes de lidarem com a
sociedade envolvente.
Para ser aceita na comunidade como professora foi necessário apresentar sua
proposta de trabalho aos representantes da Associação da Comunidade Ivaporunduva,
explicitando os conteúdos a serem trabalhados e os principais objetivos de sua proposta
de ensino. O eixo norteador do projeto de trabalho pedagógico da professora é o resgate
e a valorização da história e cultura do povo quilombola, já citado anteriormente, o que
vem de encontro com as necessidades e a demanda da comunidade. A proposta teve
aprovação imediata desses representantes.
110
Outro passo fundamental para a aproximação com a comunidade, segundo
análise da professora, foi a reunião realizada logo no início da aulas com os pais de
todos os alunos. Nessa ocasião, a professora falou sobre os combinados realizados com
os alunos, incluindo as normas de convivência na escola, postura de estudante,
vestuário, utilização do material escolar, entre outros. E, principalmente, explicou a
proposta de trabalho, antecipando que os alunos fariam, no decorrer do ano, entrevistas
com familiares, incluindo os avós, tios e os próprios pais, com o objetivo de resgatar a
história do bairro.
111
O primeiro curso foi promovido pelo MEC, juntamente com a Secretaria Estadual
de Educação e a Secretaria Municipal de Ensino, no município de Eldorado. A
participação não era obrigatória, no entanto, todos os professores que atuavam na
época em áreas quilombolas ou do entorno foram convidados. Esse curso atendia a
reivindicação das comunidades quilombolas do Vale do Ribeira, expressa por meio da
carta enviada ao Ministro da Educação em 2002, conforme referência no capítulo 3.
Entre vários pontos reivindicados, a formação dos professores foi uma questão
amplamente ressaltada:
112
elaborou um roteiro de trabalho a ser desenvolvido com os alunos, envolvendo
entrevistas com as pessoas mais velhas e palestras com os líderes da comunidade.
“Em cada escola que a gente trabalhava (sic), a gente tinha (sic) um
roteiro para seguir. Um roteiro de pesquisa do bairro e depois
apresentava no curso. Aí a gente conhecia (sic) a história. Esse estudo
a gente fez (sic) com as crianças do Nhuguara
Aí fui aprendendo com os moradores do bairro e pessoas de fora
também. Aprendi bastante”
47
De acordo com os PCNs, “A inserção do tema meio ambiente na prática pedagógica do professor visa
contribuir para a formação de cidadãos mais conscientes para participarem na realidade socio-ambiental, de
maneira a comprometer-se com a vida e com o bem estar de cada um e de todos” (Brasil, 1997)
113
formaram a base teórica para a organização do projeto e, posteriormente, para a
reflexão dos resultados da proposta.
48
A professora Roseli atualmente é a diretora da Escola Quilombola Maria Princesa Chules, localizada no
bairro André Lopes. Essa professora desempenhou um importante papel na alfabetização das crianças da
região, o que resultou na sua escolha para assumir a direção da escola quilombola.
114
4.3. Projeto Quilombo: um novo planejamento de aulas em busca da cidadania
Paulão, membro da comunidade, era o professor naquele dia. A aula tinha como
temática as plantas medicinais. Muitas eram plantas em cima da mesa e o professor
explicava, discutia e ouvia as opiniões, possibilitando assim uma aula muito participativa.
Sentamos no fundo da pequena sala de aula para observar aquele momento tão
interessante.
115
O Projeto Quilombo é constituído dos seguintes temas:
História do bairro;
Ivaporunduva hoje;
Historia da Escola;
Plantas medicinais;
Remédios caseiros;
História da Igreja;
Supertições;
Lendas;
Dialeto;
Simpatias;
Ritos de morte;
Pratos típicos;
Frutas;
Tipos de artesanato;
Peixes;
Origem do nome;
Ditos/provérbios;
Histórias;
Festas;
Dança;
Música de raiz;
116
de várias doenças. Além do resgate cultural e a valorização do conhecimento tradicional
do povo quilombola, o estudo vai de encontro ao grave problema da falta de recursos
financeiros para a aquisição de medicamentos convencionais que a população enfrenta
no Vale do Ribeira.49
49
O quilombo Ivaporunduva faz parte do Projeto de Desenvolvimento Sustentável de Plantas medicinais e
aromáticas, é já está fazendo o manejo e explorando espécies nativas como: pariparoba, embauba, cana do
brejo, jaguarandi, espinheira-santa e cipó-abuto.
117
Podemos verificar, portanto, um grande esforço da docente para trazer o universo
cultural das crianças para dentro da sala da aula. Os temas propostos constituem fonte
de conhecimento e aprendizagem, ao mesmo tempo em que ampliam o espaço da sala
de aula para o restante da comunidade, pois exigem procedimentos de pesquisa no
próprio bairro e entrevistas com pais, avós, familiares e representantes da comunidade.
Ou seja, para o desenvolvimento da prática pedagógica, segundo a professora, é
fundamental a interação entre a escola, a criança e a comunidade.
118
compreender a sociedade que vive, a sua história e o espaço por ela
produzido como resultados da vida dos homens. Isso tem de ser feito
de modo que o aluno se sinta parte integrante daquilo que ele está
estudando. Que o que ele está estudando é a sua realidade concreta,
vivida cotidianamente, e não coisas distantes e abstratas.
119
4.3.1. O Projeto Quilombo na prática escolar
A. Observações de aula
120
Uma das aulas de geografia observada tratou sobre os rios que passam pela
comunidade. Antes da saída com os alunos para reconhecimento dos principais
córregos e rios, a professora buscou identificar, por meio de perguntas, os
conhecimentos prévios dos alunos sobre os seus espaços de vivência.
121
ciclo da água. A partir disso, foi organizada uma atividade para que os alunos
observassem durante todo o mês de março os dias chuvosos, ensolarados e nublados.
Os dados coletados serviram de base para a elaboração de um gráfico de barras
informando sobre o comportamento do tempo durante o mês observado. A professora
montou um painel com os gráficos dos alunos, intitulando-o de Quantidade mensal de
chuvas, sol e dias nublados em Ivaporunduva e pendurou na parede da sala de aula.
Prosseguindo esse relato, outra aula observada que chamou a minha atenção foi
que tratava sobre a questão do lixo. Nessa aula, a professora realizou a leitura de um
texto informativo retirado de um livro didático sobre a problemática do lixo no município
de São Paulo. A problematização do tema e o levantamento de questões estimularam os
alunos à reflexão sobre as diferenças e semelhanças entre o lixo produzido em São
Paulo e o lixo produzido no quilombo.
122
Ilza problematizou a afirmação do aluno, perguntando: “por que será que tem
tanta garrafa descartável no lixo de São Paulo?” Os alunos levantaram algumas
hipóteses, incluindo que as pessoas de São Paulo gostam de tomar muito refrigerante e
que em São Paulo, o refrigerante é barato, por isso, as pessoas consomem mais. A
professora discutiu com os alunos que em São Paulo tem milhões de habitantes,
enquanto no quilombo tem um número infinitamente inferior de pessoas, portanto, o lixo
produzido em São Paulo será bem maior.
123
B. Relatos sobre a prática
De acordo com o relato da professora, uma importante aula foi sobre a história da
Igreja do Ivaporunduva. O convidado palestrante foi o “seu” Pedro, membro da
comunidade. Sr. Pedro contou quando e como a Igreja foi construída e relatou também
como eram rezadas as missas. Além de ressaltar, a importância da Dona Maria Joana,
dona dos escravos de Ivaporunduva, responsável pela construção da Igreja de Nossa
Senhora do Rosário dos Pretos.
124
A história do continente africano é de grande importância no programa da
professora Ilza, pois há uma preocupação com a temática da ancestralidade. A fala
abaixo revela o caminho adotado para percorrer o tema:
Uma das dificuldades apontadas pela professora para trabalhar esse tema é a
falta de material, a começar pelo próprio livro didático. Ela comenta que tem poucos
livros e cada livro traz uma história diferente, o que torna o trabalho um pouco difícil. A
falta de recursos didáticos, como mapas e um globo terrestre também dificultam o
trabalho escolar.
125
Diante da importância do tema, já revelado na fala dos estudantes, achei
conveniente realizar uma análise do material utilizado na aula. É importante salientar
que o texto utilizado pela professora não faz referência às diferentes regiões da África,
de onde os negros vieram. Somado a isso, o mapa do continente utilizado para
representar o caminho dos africanos até o Brasil, não traz as divisões político-
administrativas do continente, passando uma idéia para as crianças, as quais estão
iniciando a leitura cartográfica, da África como um único país e não como um continente
com vários países, possuindo uma grande diversidade cultural.
Vale ressaltar que o mesmo livro traz um mapa do Brasil intitulado “Quilombos”;
primeiramente, o mapa não contém as divisões político-administrativas do território
brasileiro. Isso constitui novamente um problema à medida que essas crianças não têm
acesso a outros recursos cartográficos, incluindo um mapa político do Brasil, por
exemplo. Dessa forma, as crianças não conseguem identificar em quais estados
brasileiros estão localizados os quilombos indicados no mapa. Vale ressaltar que, dos
pontos representando os quilombos no mapa, somente um deles está nomeado - o
Quilombo dos Palmares - por ser a única referência “criada” pela historiografia oficial
brasileira.
Logo abaixo do mapa, uma pergunta: “Você vai pesquisar para descobrir como
eram*50 os quilombos. Anote suas descobertas no caderno”. A começar pela palavra
descobrir. Os alunos não vão descobrir algo novo, eles vão conhecer e compreender
como eram os quilombos a partir de um conhecimento já sistematizado por outras
pessoas. Penso que a própria palavra descobrir, nesse contexto, carrega implicitamente
uma certa superioridade de um povo em relação a outro. Além disso, o assunto é
sempre remetido ao passado, não fazendo qualquer referência às comunidades
remanescentes de quilombos existentes na atualidade.
50
* grifos meus
126
As observações realizadas e os relatos da professora, apesar de fazerem parte
de um projeto que ainda está iniciando, trazem importantes elementos para
entendermos como o ensino de geografia abre possibilidades efetivas para realização da
(re) construção identitária. Cabe agora desenvolver uma reflexão sobre as possibilidades
e os limites tanto do projeto em si como do envolvimento dos alunos.
127
Para vários pesquisadores, como Callai (1998b), Gebran (1990), Kaercher (1998)
e Straforini (2001), o ensino de Geografia representa um importante instrumento para a
formação do cidadão por meio de um posicionamento crítico em relação às questões
sociais do país, ao mesmo tempo que representa a possibilidade de valorização das
diferentes culturas presente no território brasileiro.
De acordo com Callai (2005), começamos a fazer a leitura do mundo antes de ler
a palavra. Nesse sentido, “a questão principal é exercitar a prática de fazer a leitura do
mundo”. Para a autora, a leitura do mundo é fundamental para que todos nós possamos
exercitar a cidadania. As atividades propostas devem, portanto, promover o
conhecimento do mundo com o objetivo de instrumentalizar o aluno a se inserir na
sociedade como sujeito cidadão. Nesse sentido, Callai (2005) nos coloca que,
A realidade local das crianças, onde se dá a sua existência material, deve ser o
ponto de partida, assim os temas de estudo de geografia devem ser elaborados a partir
da realidade concreta da vida das crianças, bem como o espaço a ser estudado deve
ser claramente definido e próximo dele, como o bairro, o município e a rua.
128
(...) Ao permitir e criar as condições para que ele trabalhe com a sua
realidade próxima, o aluno estará conhecendo, de modo mais
sistemático, o lugar em que vive e construindo os conceitos necessários
tanto para as aprendizagens futuras como para a sua vida”. (Calai,
2003: 78)
Quando os mais velhos contam como eram e onde se localizavam as casas, por
exemplo, abre-se a possibilidade dos alunos estabelecerem comparações e perceberem
também o espaço como uma construção social e, portanto, que se modifica ao longo da
história, dando origem a diferentes paisagens.
129
disso, ao discutirem sobre a importância dos rios para a vida da comunidade, a aula
contribuiu também para despertar nos alunos uma postura de responsabilidade sobre o
meio ambiente. A sistematização dos conhecimentos sobre a realidade local abriu a
possibilidade dos alunos se sentirem pertencentes à mesma e, portanto, com
responsabilidades em relação à vida social da comunidade.
Straforini (2001) ressalta que nas séries iniciais, a realidade deve constituir o
centro de todo o processo desencadeador, pois é na realidade da criança que se
encontra a concretude do mundo. No entanto, o autor aponta que a ênfase dada à
realidade somente será libertadora à medida que não se proponha a uma descrição
linear e superficial dos seus acontecimentos e objetos presentes no lugar de vivência
das crianças. É necessário ir além, buscando comparações e generalizações a partir do
conhecimento de outras realidades.
130
mas para isso, é preciso buscar outras referências que permitam entender o fenômeno
ou assunto estudado, pois como ressalta Callai (2003:78):
Foi principalmente a partir dos anos 80, com o Construtivismo, que a realidade
dos alunos adentrou nas escolas, tornando parte do processo ensino-aprendizagem.
Baseado nas etapas do desenvolvimento cognitivo da criança, o Construtivismo parte
sempre da relação direta da criança e o objeto a ser conhecido, ou seja, “uma relação
empírica, perceptiva e imediata do mundo, ou ainda, uma relação objetiva do indivíduo
com o seu imediato concreto”, de acordo com Straforini (2001). Segundo essa
perspectiva, o processo de aprendizagem ocorre a partir do “eu” em círculos
concêntricos, que vão se ampliando e tornando-se mais complexos à medida que a
criança avança na série. É nesse contexto, que o estudo do bairro e/ou da cidade
adquiriu uma posição de importância inédita na escola. (Straforini: 2001)
131
uma visão distorcida do espaço geográfico. Assim, mesmo priorizando o imediato
concreto, a disciplina de geografia continua, segundo o autor, fragmentada e com uma
rígida hierarquia escalar:
132
quilombo Ivaporunduva, a questão das barragens não é algo abstrato em suas vidas,
estando presente cotidianamente em suas casas, nas rodas de conversas dos adultos,
nas assembléias da Associação e na mídia, ou seja, as crianças vivem essa questão.
Não é esperado que uma criança de sete anos possa compreender toda a
complexidade das relações do mundo com o seu lugar de vivência e vice-versa.
Contudo, privá-las de estabelecer hipóteses, observar, descrever, representar e construir
explicações é uma prática que não condiz mais com o mundo atual e uma educação
voltada para a cidadania. (STRAFORINI, 2001: 56-57)
133
O ensino de geografia deve estimular, portanto, a criança não identificar apenas
quais são os elementos mais significativos do bairro que mora, mas perceber que morar
no bairro Ivaporunduva é resultado de uma história que se iniciou em outro tempo e
espaço. Se a identidade cultural quilombola está atrelada ao território, é a partir dele que
a criança deve começar a fazer a leitura do mundo, ou seja, o conhecimento e a
comparação com outras realidades devem permear as propostas pedagógicas.
134
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
135
Se até 1988, essas comunidades eram definidas como sendo bairros rurais
negros, a partir dessa data, os agentes externos respaldados pelo artigo
constitucional – pesquisadores, agentes do governo, meios de comunicação –
passam a defini-las como comunidades quilombolas. Assim, mais que auto-
reconhecimento, a denominação “remanescente de quilombo” torna-se uma
identidade política à medida que é a partir dela que as comunidades vão lutar
pelos direitos garantidos constitucionalmente.
136
Os intensos trabalhos de campo possibilitaram a minha participação em
diferentes momentos da vida cotidiana do quilombo Ivaporunduva. Situações
diversas, incluindo festas, reuniões com agentes externos à comunidade,
resolução de conflitos internos, entre outros, propiciaram a apreensão da realidade
cotidiana daquelas pessoas, indo além, portanto, do que é possível compreender
somente por meio das entrevistas ou conversas informais, travadas entre o
pesquisador e o objetivo da pesquisa. Dentre os inúmeros fatos e situações
marcantes dessa vivência prolongada, a presença das crianças em todos os
momentos vivenciados durante a pesquisa, chamaram a minha atenção.
137
O que se nota é que a maioria dos professores de geografia ainda não está
capacitada para lidar com as peculiaridades sócio-culturais locais e ambientais da
região. Por não conhecerem as diferentes culturas existentes na sala de aula,
acabam por negar o diferente. Assim, se com as entrevistas realizadas com os
professores de geografia do ensino fundamental II, o objetivo era identificar, a
partir dos conteúdos e as propostas didáticas, elementos que avançassem na
valorização da identidade cultural das crianças quilombolas, com o
desenvolvimento da pesquisa identificamos, principalmente, elementos que
caracterizam a homogeneização cultural, indo contrariamente ao que
buscávamos: elementos de valorização e (re) afirmação de identidades, no caso, a
identidade quilombola.
O Projeto Quilombo, por outro lado, nos mostra que é possível propor uma
educação mais adequada à realidade do aluno e do seu lugar. Ao reconhecer e
valorizar o conhecimento tradicional latente na comunidade, o projeto mostra que
é possível superar as amarras de uma escola com o currículo rígido. Ao propor
trabalhar o quilombo, trazendo para a sala de aula as diversas contribuições da
comunidade, se interrompe a possibilidade dos alunos permanecerem nas práticas
de uma educação bancária. Assim, a escola pode transformar a criança de um
observador atônito num sujeito importante na construção do conhecimento.
138
É preciso proporcionar aos estudantes a compreensão e o conhecimento do
seu lugar de maneira crítica e para isso, o lugar deve estar relacionado com o
mundo. Não considerando, por exemplo, a problemática das barragens, a escola
perde a oportunidade dos alunos serem mais sujeitos no processo ensino-
aprendizagem, cria uma distância entre a escola e a comunidade. As barragens
não existem de forma concreta, porém também não é abstrata à medida que está
presente na vida cotidiana dos quilombolas, ou seja, é uma preocupação
constante, discutidas em suas casas, reuniões, conversas informais e,
principalmente, nas assembléias.
139
regionais, visto que o Vale do Ribeira, possuidor de aspectos ambiental, social e
cultural, constitui um vasto território para essas possibilidades. Portanto, um
processo formativo para os professores se faz necessário; mas para isso, o
docente tem de estar aberto à aquisição de novos conhecimentos.
A luta pela escola que querem já tem resultados positivos, a começar pela
construção da primeira Escola quilombola do Vale do Ribeira. No entanto, foi
possível constatar que mesmo representando um avanço, essa escola ainda
apresenta limites e desafios. A falta de cursos de formação de professores
constitui um desses limites, é preciso sanar a falta de entendimento da proposta
de uma escola diferenciada. Ao mesmo tempo é desafiador para toda a equipe
pedagógica elaborar um projeto que autentique essa escola, visto que é uma
situação nova em nosso país.
140
Constitui um desafio para escola desenvolver propostas pedagógicas que
valorizem as múltiplas identidades dos diferentes povos que formam o nosso país,
por meio de um currículo que propicie ao aluno o (re)conhecimento de suas
origens, ao mesmo tempo em que se reconhece como cidadão brasileiro.
141
LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO
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148
Anexo 1: Tabela 2: População e IDH do Vale do Ribeira (2000)
149
Registro, 16 de novembro de 2002
ILMO SR.
PROF. DR. JOSÉ CARLOS DE ALMEIDA
DD. PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
150
Diante disto, queremos lhe dizer como deve ser a Escola de que necessitamos:
Que ensine os conhecimentos das ciências e outros importantes
produzidos pela humanidade;
Que o conhecimento transmitido possibilite ao aluno, quando adulto, possa
ficar tanto na comunidade como se estabelecer na cidade;
Que prepare as crianças e jovens a viver positivamente o confronto entre
as tradições da comunidade e os apelos da vida moderna;
Que tenha base em nossa cultura, que respeite a terra e a natureza;
Em que a vivência dos alunos em casa e na comunidade seja mais
valorizada;
Cuja denominação tenha referência na Comunidade, estando ligada à
história dos antepassados;
Com arquitetura adequada ao ambiente natural e cultural;
Com todos os equipamentos e instalações necessárias: laboratório,
biblioteca completa, espaço físico para teatro, música, dança, lazer,
esporte, horta, etc.
Com livros que atinjam nossa realidade e tratem sobre a África, do tráfico,
da contribuição dos africanos para a construção do Brasil, dos negros de
outros países das Américas;
Merenda com cardápio próprio e merendeira da comunidade;
Com Jardim I de qualidade;
Com ensino fundamental para jovens e adultos;
Com professores que respeitem a dignidade e a igualdade;
Que os professores que não sejam quilombolas participem da vida da
comunidade;
Que evite aos alunos ter de sair de madrugada para ir à escola e viajar por
estradas ruins e em conduções sem nenhuma segurança; e também escola
de ensino médio com localização que possa atender comunidades
quilombolas de vários municípios, evitando-se assim, que os alunos não
passem o dia viajando para ir e voltar à Escola.
Para essa escola queremos professores:
Bem formados que conheçam a nossa cultura e estejam integrados à
nossa realidade, valorizem o nosso passado e participem da construção de
nosso futuro;
151
Que conheçam os costumes e a qualidade de vida das crianças e jovens
quilombolas;
Que tenham compromisso com a comunidade;
Informado sobre a história da África e dos negros brasileiros;
Que sejam compreensivos, perseverantes, disponíveis, dinâmicos,
comunicativos, observadores, pacientes e acolhedores com todos,
independente da raça;
Conhecer a raiz da cultura afro;
Que ensinem a disciplina necessária para estudar, reforcem os
ensinamentos dos pais na valorização do meio ambiente e do cultivo da
terra;
Que ouçam a comunidade, conheçam a sua dinâmica e trabalhem em
conjunto com ela;
Que valorizem o ofício dos pais e as mãos calejadas das crianças que
trabalhem na roça;
Que não usar os alunos como se fossem instrumentos de trabalho par
apenas ganhar seu salário.
152
Conheçam as leis especialmente as que protegem os negros, como por
exemplo, artigos 215 e 216 da Constituição Federal e o artigo 68 do ADCT.
153
Escola do Ivaporunduva: professora Ilza e os alunos
154
Escola: momentos diversos
155
Foto: Lisângela Kati do Nascimento
156