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Mundo da
Economia
Para uma Crítica aos Manuais de
Introdução à Economia
Francisco J. S. Teixeira
Apresentação
Giovanni Alves
Prefácio
Aquiles Melo
Posfácio
Rodrigo de Almeida
Projeto editorial
2022
O
professor Francisco José Soares Teixeira é um exímio
mestre do ensino da Economia Política clássica (e
neoclássica). É autor de vasta obra de esclarecimento
da crítica da Economia Política, esforço mental que faz há
mais de trinta anos. Num país de pouca reflexão crítica
como o Brasil, isso é memorável. Teixeira é quase uma
“espécie em extinção” no cenário intelectual da Economia
Política brasileira, remando contra a corrente do pensa-
mento neoclássico, liberal-keynesiano e pós-modernista.
É um pensador obscecado com o rigor na explicação de
autores clássicos (e neoclássicos) da Economia Política e
da teoria social visando nos habilitar com o ferramental
critico-cognitivo necessário para entendermos o estranho
mundo do capital. Teixeira trata do básico fundamental
para passos mais largos de enfrentamento - no plano do
pensamento critico - da barbárie social que nos atordoa.
O professor Teixeira dedica-se há décadas à elaboração
teórico-critica. É um homem da teoria no sentido digno da
palavra. A reflexão teórico-critica (e metodológica) é um
esforço intelectual-mental desprezado pela Universidade
brasileira hoje completamente imersa no neopragmatismo
academicista de “especialistas sem espírito, sensualistas sem
Aquiles Melo
É
sabido que a publicação, em 1890, da obra magna
do economista inglês Alfred Marshall, intitulada
de Princípios de Economia, inaugurou a transição
da antiga Economia Política para o que se convencionou
chamar hoje de Economia. Mas não apenas isso. Esta obra
foi também responsável pela instituição da Economia como
um campo de estudos específico – outrora a economia se
encontrava como um ramo da história – produzindo assim
uma profunda alteração no âmbito do ensino dessa ciência.
Em sua obra, Marshall realizava a síntese da economia
política clássica com os elementos centrais da doutrina
marginalista. No entanto, ele o fez de forma condensada e
sistematizada, onde toda a teoria econômica se encontrava
agora na forma de um compêndio. Seu livro viria a ser uti-
lizado como fundamento para os manuais de introdução à
economia por todo o mundo anglo-saxão e europeu.
Desde então, o ensino de economia em todo o mundo,
tanto em suas disciplinas básicas até mesmo as mais avançadas,
se baseia não mais na leitura e reflexão crítica das teorias e
seus fundamentos, mas sim numa apreensão concisa destes,
1
SIMONSEN, Mário Henrique. Teoria econômica e expectativas
racionais. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, vol. 34,
n. 4, p. 455-496, out/dez, 1980.
2
SAY, Jean-Baptiste. Tratado de economia política. São Paulo, Abril
Cultural, 1983, pp. 67-68
Agosto de 2022
O
s manuais de introdução à Economia pouco ou
quase nada diferem entre si. A forma de exposição
nem sempre segue um padrão rígido. No entanto, o
conteúdo é sempre a mesma coisa. Com efeito, partem da
suposição de que os recursos são escassos para, daí defende-
rem a idéia de que o mercado é a forma mais eficiente para
administrar o uso dos bens e serviços. Deve-se ao autor de A
Riqueza das Nações, Adam Smith, a defesa do livre-mercado
como condição necessária e incontornável para o desenvol-
vimento das nações. Afinal, para ele, o homem nasce com
certa inclinação natural, inscrita em sua própria natureza,
a viver do intercâmbio de uma coisa por outra. É por isso
que o homem é um ser da troca.
Para emprestar maiores razões ao seu conceito de homem,
Smith não tem cerimonia de apelar para ilustrações esdrúxulas,
como o fato de que “ninguém jamais viu um cachorro fazer
uma troca justa e deliberada de um osso por outro, com um
segundo cachorro. Ninguém jamais viu um animal dando
a entender a outro, através de gestos ou gritos naturais: isto
é meu, isto é teu, estou disposto a trocar isto por aquilo.”
(Smith, 1985, p.49). Ora, se o homem é um ser da troca,
é sua disposição natural viver numa sociedade de mercado,
somente assim poderá permutar, toda parte excedente da
produção de seu trabalho, que ultrapasse seu consumo, pelos
produtos de outros indivíduos que, como ele, levam para o
Afinal,
E
ra noite alta quando Washington foi subitamente
arrancado dos braços de Morfeu. Banhado de suor,
correu para a janela do quarto. Abriu as portinholas,
escancarando suas duas bandas: cada uma para um lado.
Uma rajada de vento soprou seu rosto encharcado de suor,
causando-lhe uma sensação de alívio e frescor. Sentindo-se
mais confortado, Washington espichou o pescoço para fora
do quarto e olhou para o céu.
O brilho das estrelas iluminou o cubículo onde ele descan-
sava da longa viagem que fizera da capital até o alto sertão
central; lugar onde nascera e que sempre visitava nessa época
do ano, para matar a saudade dos pais e dos amigos que
ainda teimavam em viver naquelas brenhas quase desérticas.
Não demorou muito para a claridade das estrelas se apagar.
Um clarão incandescente desceu do céu e entrou quarto aden-
tro, deixando Washington praticamente às cegas. Tremendo
dos pés à cabeça, voltou para cama e ficou sentado até sua
visão começar a divisar as coisas ao seu redor. Passado algum
tempo, o medo se foi. Washington continuava sentado à
beira da cama, quieto; quase em estado catatônico.
seja o que for que ele retire do estado que a natureza lhe forne-
ceu e no qual o deixou, fica-lhe misturado ao próprio trabalho,
juntando-se-lhe algo que lhe pertence, e, por isso mesmo, tornan-
do-o propriedade dele. Retirando-o do estado comum em que
a natureza o colocou, anexou-lhe por esse trabalho algo que
exclui do direito comum de outros homens (Locke, 1978, p. 45).
seja lá como for, ao que não quero dar importância, ouso afir-
mar corajosamente o seguinte: – a mesma regra de propriedade,
isto é, que todo o homem deve ter tanto quanto possa utilizar,
valeria ainda no mundo sem prejudicar a ninguém, desde que
existisse terra bastante para o dobro dos habitantes, se a inven-
ção do dinheiro e o tácito acordo dos homens, atribuindo um
valor à terra, não tivesse introduzido – por consentimento –
maiores posses e o direito a elas [...] (ibidem., p. 4/49).
***********
Formação e Desenvolvimento
do Pensamento Econômico
A
Economia Política é filha de uma época em que o
capitalismo ainda estava longe de se constituir como
um modo de produção plenamente desenvolvido.
Com efeito, essa ciência começa a ensaiar seus primeiros
passos num tempo em que a França ainda era uma econo-
mia praticamente feudal. É aí que se desenvolve o que passou
a ser conhecido pela história do pensamento econômico
como Fisiocracia.
François Quesnay sobressai-se como um dos seus maio-
res expoentes, cuja genialidade faz lembrar Aristóteles. Se,
para Marx, o gênio desse filósofo brilha por descobrir uma
relação de igualdade na expressão de valor das mercadorias,
o talento de Quesnay notabiliza-se por sua investigação da
interdependência do fluxo circular de renda e das despesas
entre as classes sociais; como assim descreve no seu famoso
Quadro Econômico.
Referindo-se a Marx, Kuntz (1982, p. 20) destaca que,
para o autor de O Capital,
1
TEIXEIRA, Fco. Trabalho e Valor: Contribuição para a Crítica da
Razão Econômica. São Paulo: Editora Cortez, 2004.
Indivíduo A Indívuduo B
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Individuo A Indivíduo B
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2
Exemplo retirado do livro A Filosofia da Ciência (Alves, 1981).
3
“Assim como a linguagem obedece a leis de uma gramática, que é a
Lógica, assim também o universo cósmico, o mundo das coisas, obedece
cada coisa que possuímos tem dois usos, dos quais nenhum
repugna a sua natureza; porém, um é próprio e conforme a sua
destinação, outro desviado para algum outro fim. Por exemplo,
o uso próprio do sapato é calçar; podemos também vendê-
-lo ou trocá-lo para obter dinheiro ou pão, ou alguma outra
coisa, isto sem que ele mude de natureza; mas este não é o seu
uso próprio, já que ele não foi inventado para o comércio. O
mesmo acontece com as outras coisas que possuímos. A natu-
reza não as fez para serem trocadas, mas, tendo os homens uns
mais, outros menos do que precisam, foram levadas por esse
acaso à troca (Aristóteles, 1999, .p. 20).
U
m ano se passou desde o dia em que Spock se encon-
trou com Washington. O sol começava a se despedir
do dia, quando a nave de Spock possou nos arre-
dores da casa em que encontrara Washington naquela noite
de verão escaldante. Sentiu o mesmo vento quente bater em
sua face, com bafo de mormaço.
“Será que o Sr. Washington se encontra aí?” – pensou
Spock. “Ele havia me dito que iria fazer um curso de pós-gra-
duação fora do país. Se a memória não me falha, ele iria
para os Estados Unidos da América do Norte. Talvez tenha
ido mesmo! É... parece que foi mesmo. Nem sequer ouviu
o barulho da nave quando eu cheguei!”
Enquanto pensava, Spock se aproximava do quarto de
Washington. Bateu na janela e esperou por algum tempo.
Nada! A janela continuava fechada. Foi então que Spock
resolveu empurrar uma das bandas da janela para ver se
tinha alguém lá dentro. Quão não foi sua surpresa, lá estava
Washington debruçado sobre uma pilha de livros.
Num dos cantos da mesa, viu o texto que havia deixado,
cheio de rabiscos à margem, certamente eram anotações
de passagens que lhe chamaram a atenção. Como ele pare-
cia alheado do mundo, Spock bateu com força na madeira
E
sta epígrafe de Aristóteles, “apossada” por Hegel em
duas das suas principais obras, Fenomenologia do
Espírito e A Ciência da Lógica, bem que poderia ser
a palavra de ordem que sintetiza a crítica de Teixeira ao
Estranho Mundo da Economia. Noutras palavras, muito
se tem falado sobre Smith, Ricardo, Keynes, Marx, dentre
outros autores importantes que compõem o “cânone” da
Economia. Todavia, o que se falam deles, na grande maioria
das vezes, principalmente nos manuais de Economia, os
tornam desfigurados, deformados, portanto, irreconhe-
cíveis. Não obstante, cabe se perguntar pelas causas da
desfiguração desses autores. Trata-se de um problema de
forma, visto que os manuais são resumidos? Ou será um
problema de conteúdo, de uma simplificação de autores
que, por natureza, são complexos? É tudo isso e muito
mais! O livro faz uma profunda crítica não só a formação
fragmentada e aligeirada que se tem hoje nos cursos de
Economia, mas, e talvez isso seja mais importante, é que o