Diagnostico e Saidas para A Economia Brasileira
Diagnostico e Saidas para A Economia Brasileira
Diagnostico e Saidas para A Economia Brasileira
JULIANE FURNO
2
Sumário
Executivo
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................8
LISTA DA
TABELAS
Tabela 1: Taxa de informalidade do Trabalho (%) Entre 2003 e 2010....................................................... 28
Tabela 2: Variação percentual do PIB e outras variáveis entre 2003 e 2010............................................ 36
Tabela 3: Receitas e Despesas (% PIB) entre 2003 e 2010...................................................................... 45
Tabela 4: Transações Correntes do balanço de pagamentos entre 2003 e 2010 (US$ milhões)............ 49
Tabela 5: Empreendimentos do PAC II – P&G........................................................................................... 83
Tabela 6: Desembolsos do BNDES no PAC II, em R$ Bilhões................................................................. 84
Tabela 7: Gasto em custeio do governo central – crescimento real e participação no PIB entre
2011 e 2014................................................................................................................................................. 94
Tabela 8: Trajetória da Dívida Líquida como proporção do PIB entre 2011 e 2014................................ 104
Tabela 9: Evolução em números absolutos e variação (%) acumulada na trajetória do
emprego segundo posição na ocupação por trimestres entre 2014 e 2016........................................... 114
Tabela 10: Rendimento real (médio) e variação acumulada por posição na ocupação entre
2014 e 2016............................................................................................................................................... 116
Tabela 11: Índice de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA (em %) 2014-2018 - Brasil........................ 129
Tabela 12: Números absolutos e variação percentual do número de trabalhadores segundo
posição na ocupação................................................................................................................................. 140
Tabela 13: Spread do ICC no sistema financeiro entre janeiro e novembro de 2020............................ 158
Tabela 14: Variação mensal da taxa de inflação (IPCA) por faixa de renda entre janeiro e
novembro de 2020..................................................................................................................................... 160
Tabela 15: Variação anual (12 meses) da inflação (IPCA) por faixas de renda...................................... 161
Tabela 16: Nível de ocupação, taxa de desocupação e pessoas fora da força de trabalho,
nos 1º, 2º e 3º trimestre de 2020............................................................................................................... 165
Tabela 17: Número total de trabalhadores (em milhares) por setores econômicos e
variação (%) entre o 1º e o 3º trimestres de 2020.................................................................................... 166
Tabela 18: Rendimento efetivo e habitual do trabalho e razão dos rendimentos por
posição na ocupação em novembro de 2020.......................................................................................... 167
Tabela 19: Percentual das pessoas fora da força de trabalho................................................................. 172
Tabela 20: Posição na Ocupação por trimestres selecionados............................................................... 174
Tabela 21: Rendimento médio efetivo, habitual e proporção do rendimento efetivo
sobre o habitual para o Brasil e setores selecionados para o 3º Trimestre de 2020 ............................. 175
Tabela 22: Gastos da União no enfrentamento a pandemia do Novo Coronavirus............................... 179
Tabela 23: Produção das lavouras dos principais produtos agrícolas (toneladas) –
estimação IBGE (Levantamento Sistemático da Produção Agrícola)..................................................... 194
Tabela 24: Distribuição absoluta e variação percentual dos trabalhadores pela posição na
ocupação por trimestres selecionados entre os anos de 2020 e 2021................................................... 218
Tabela 25: Dados Referentes a Falta de acesso a Saneamento Básico e seus impactos.
(Percentuais em parênteses).................................................................................................................... 250
Tabela 26: Perfil Socioeconômico e Impactos no Trabalho do Acesso ao Saneamento ....................... 251
Tabela 27: Tempo médio de deslocamento casa-trabalho no Brasil em 2019
(horas por semana)*.................................................................................................................................. 252
Tabela 28: Déficit Habitacional por Componentes................................................................................... 254
Tabela 29: Alíquotas do imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR)............................................ 265
Tabela 30: Decis e Medianas das Remunerações Públicas, por poder e nível federativo
para o ano de 2019 (valores correntes).................................................................................................... 267
Tabela 31: Servidores Públicos por Nível de Escolaridade separado por Nível Federativo ou
Poder no ano de 2019............................................................................................................................... 268
Tabela 32: Limites de Gastos e Quantidade de Servidores Públicos por poder à nível
Estadual e Municipal.................................................................................................................................. 269
Tabela 33: Contratações e entregas do PMCMV, por faixas de renda - 2009 a setembro de 2020...... 284
Tabela 34: Indicadores de Encadeamento............................................................................................... 324
Tabela 35: Multiplicadores Insumo-Produto.............................................................................................. 325
Tabela 36: Indicadores de Insumo-Produto (principais resultados)......................................................... 326
Tabela 37: Multiplicadores de Insumo-Produto (principais resultados)................................................... 327
5
LISTA DE
GRÁFICOS
Gráfico 1: Crescimento do PIB e médias por década................................................................................ 21
Gráfico 2: Salário mínimo Real/ Taxa de crescimento acumulada e ano a ano ...................................... 24
Gráfico 3: Evolução do Salário Mínimo Nacional real entre os anos de 1995 e 2014............................. 29
Gráfico 4: Taxa de crescimento dos preços das commodities em relação ao ano
anterior (em %)............................................................................................................................................ 33
Gráfico 5: Balança Comercial Agrícola brasileira anual (em bilhões de dólares)..................................... 34
Gráfico 6: Comportamento da Taxa SELIC, Taxa de Juros Norteamericana e EMBI+BRA
entre 2001 e 2014........................................................................................................................................ 39
Gráfico 7: Taxa de Juros ex ante anualizada ............................................................................................. 40
Gráfico 8: Índice da taxa de câmbio real efetiva e da taxa de câmbio nominal ....................................... 41
Gráfico 9: Total de Reservas Cambiais em Bilhões de dólares entre 2003 e 2010.................................. 42
Gráfico 10: Inflação acumulada 12 meses e intervalo da meta de inflação ............................................. 43
Gráfico 11: Fatores condicionantes da variação da Dívida Líquida do Setor Público/PIB ...................... 44
Gráfico 12: Trajetória da Dívida pública líquida como proporção ao PIB entre 2003 e 2010................... 46
Gráfico 13: Evolução do Salário Mínimo Nacional real, nominal e taxa anual de
crescimento entre janeiro de 2009 e janeiro de 2015................................................................................ 62
Gráfico 14: Rendimento médio real do trabalho principal entre 2009 e 2014........................................... 64
Gráfico 15: Distribuição dos reajustes salariais com base no INPC entre os anos de 2010 e 2014....... 66
Gráfico 16: Taxa de Desocupação no Brasil entre 2009 e 2014............................................................... 67
Gráfico 17: Despesas primárias totais da União como porcentagem do PIB entre 2011 e 2014............ 95
Gráfico 18: Fatores determinantes para a variação da Dívida Líquida do Setor Público (DLSP).......... 107
Gráfico 19: Taxa de desemprego e Nível de desemprego entre o 1º tri de 2014 e o 4º tri de 2016 ..... 112
Gráfico 20: Variação anual (%) dos trabalhadores ocupados segundo a situação de
ocupação entre o período de 2014 a 2017............................................................................................... 115
Gráfico 21: Taxa de investimento (% PIB) 2000-2016 - Brasil................................................................. 127
Gráfico 22: Evolução da taxa Selic (em %) de 2016 a 2018 - Brasil....................................................... 131
Gráfico 23: Variação do PIB por anos selecionados................................................................................ 154
Gráfico 24: PIB per capita real, em milhares de reais, de 1962 a 2020.................................................. 155
Gráfico 25: Saldo de Crédito total, Pessoa Jurídica e Pessoa Física entre novembro de
2019 e novembro de 2020. ...................................................................................................................... 157
Gráfico 26: Evolução da taxa básica de juros.......................................................................................... 159
Gráfico 27: Evolução do mercado de trabalho a partir dos dados do 3º trimestre
entre os anos de 2015 e 2016, em milhares de pessoas........................................................................ 163
Gráfico 28: taxa de participação na força de trabalho das pessoas de 14 anos ou
mais na semana de referência (%) 2020.................................................................................................. 164
Gráfico 29: Taxa composta da subutilização do trabalho referente ao trimestre
junho/julho/agosto entre os anos 2014 e 2020......................................................................................... 168
Gráfico 30: Nível de participação da população em idade ativa por sexo em (%) na
variação trimestral...................................................................................................................................... 172
Gráfico 31: Taxa de desocupação das pessoas de 14 anos ou mais de idade (%) por
sexo e por trimestres................................................................................................................................. 173
Gráfico 32: Percentual das mulheres na Força de Trabalho que está subocupada............................... 176
Gráfico 33: Produção Industrial Mensal por seções industriais com ajuste sazonal
(Índice de base fixa 2012=100) ................................................................................................................ 182
Gráfico 34: População ocupada na indústria (milhares) (eixo esquerdo) x Produção
Industrial (eixo direito)................................................................................................................................ 184
Gráfico 35: Volume das vendas do varejo com ajuste sazonal. Índice de
base fixa (2014=100)................................................................................................................................. 187
Gráfico 36: Variação acumulada de janeiro a novembro de 2020 em comparação com
mesmo período de 2019 do volume de vendas do varejo por atividades............................................... 188
Gráfico 34: População ocupada no comércio (milhares) (eixo esquerdo) x Volume do
comércio (eixo direito)................................................................................................................................ 189
Gráfico 37: Volume de serviços por categoria – Índice de base fixa (2014=100)................................... 191
Gráfico 38: Volume de serviços de informação e comunicação – Índice de base
fixa (2014=100).......................................................................................................................................... 192
Gráfico 39: População ocupada no setor de serviços (eixo direito) x volume de
serviços (eixo esquerdo)........................................................................................................................... 193
6
LISTA DE
FIGURAs
Figura 1: Volume de Gastos com Aquisição de ativo imobilizado – Petrobrás,
Vale e demais empresas do painel entre 1999 e 2013, em milhões de reais de 2012............................ 52
Figura 2: PIB real da indústria de transformação e grau de industrialização no Brasil
entre 1948 e 2017........................................................................................................................................ 74
Figura 3: Receitas, Despesas e Resultado Primário ajustados do governo central
(R$ milhões de dezembro de 2016).......................................................................................................... 105
Figura 4: Trajetória de crescimento do salário médio real e da produtividade no Brasil
entre o ano de 2004 e novembro de 2014. 2004=100............................................................................. 118
Figura 5: Educação infantil no orçamento efetivo da União (em reais)................................................... 148
Figura 6: Crescimento da renda do trabalho entre o quatro trimestre de 2014 e o
segundo trimestre de 2019........................................................................................................................ 150
Figura 7: Decomposição do desvio da taxa de inflação em relação à meta em 2021. ......................... 212
8
INTRODUÇÃO
O
Brasil é um país de grandes contrastes. Ao mesmo tempo em que é
uma grande economia; detentora de imensos e valorosos recursos
naturais; amplo mercado interno e uma base relativamente
diversificada do ponto de vista produtivo, produz e reproduz
características que não nos permitem - tal como afirmado por Caio Prado Junior
quando da observação do “sentido da colonização” brasileira – suplantar, em
absoluta, nossa “herança colonial”. O caminho trilhado rumo ao desenvolvimento
nacional brasileiro foi marcado pela permanência do “passado”, resquícios de
uma sociedade colonial pautada na lógica da empresa comercial, em que a
riqueza criada internamente não servia ao desígnio da concretização de uma
nação desenvolvida, senão que a reafirmação dos elementos que nos mantém
como país que reproduz as características do subdesenvolvimento, ainda que
com eventuais períodos elevação da renda média e melhorias na base da
pirâmide social.
O Brasil, de forma geral, alçou “voos curtos”, constrangido por margens estreitas
de manobra no campo internacional, por elites pouco compromissadas com
os interesses nacionais e com a ausência de um projeto de desenvolvimento
de longo prazo, capaz de lograr as condições para uma mudança estrutural,
que abrisse uma avenida para o sustentado crescimento, com competitividade
internacional e com redução da brutal desigualdade social. Segundo Celso
Furtado (1992), desde os anos 1980 nós abandonamos precocemente o
mercado interno como o espaço prioritário de acumulação e, de forma célere,
passamos ao retrato de uma “construção interrompida” com abandono do
padrão de crescimento que marcou o período nacional desenvolvimentista e a
opção por uma entrada subordinada e passiva na globalização produtiva.
Em que pese os desafios atuais, ainda somos parte daqueles que advogam
que esse país tem presente e tem futuro, mas - para construí-lo - é necessário
um esforço analítico e reflexivo sobre o passado, identificando os elementos
conjunturais e estruturais que concorrem para explicar a crise brasileira. Nós do
Centro de Estudos de Economia (CEE) do Instituto para a Reforma das Relações
entre Estado e Empresa (IREE) queremos ser parte desse debate e contribuir
com os grandes temas nacionais a partir de um estudo criterioso, denso e
plural sobre o Brasil, indo além da oferta de um preciso diagnóstico, senão que
buscando caminhos para a transformação, que se situam nos níveis de curto,
médio e longo prazo. Nosso desejo é contribuir com propostas concretas,
colhidas na literatura especializada e nos principais fóruns de debate, que sejam
Nossa motivação é que esse texto seja acessível a todos e todas que tenham
compromisso com o Brasil, por isso tentamos adaptar – ao máximo – nossa
linguagem e construir um texto que seja de leitura fluída. Por fim, esse trabalho
contou com algumas contribuições pontuais de pesquisadores que gostaria
de aproveitar o ensejo e agradecer imensamente: Daniel Fogo, Lígia Toneto,
Matias Cardomingo, André Cardoso, Marcelo Tonon, Felipe Cornélio e Bruno
Rodas.
Boa Leitura!
C
omo já apontamos na introdução e como Caio Prado Junior (2011)
teorizou, compreender a nação brasileira exige um olhar de longo
prazo, que articule questões estruturais com outras tantas de natureza
conjuntural. A colonização brasileira – ou o sentido da colonização
como conceituou o autor – marca profundamente a sociedade brasileira, ainda
que lá se vá mais de 500 anos. A estrutura produtiva e os objetivos da organização
econômica interna no período colonial ainda mantêm pontes com o Brasil de hoje,
a começar pela estrutura altamente concentrada da propriedade rural; a lógica
de especialização monocultora na produção de alimentos; o recurso ao trabalho
escravizado/superexplorado; a centralidade na produção para a exportação e a
dependência das economias centrais – embora modificadas ao longo do tempo.
Segundo Caio Prado Junior (2011), a colonização das américas é tão somente
um capítulo do processo mais amplo que envolveu a dinâmica do mercantilismo
com ênfase na dominância do capital comercial no recurso ao comércio marítimo
em um período que marcou a transição entre o modo de produção feudal e as
formas transitórias que desembocarão na consolidação do capitalismo. Novais
(1995) explorou a ideia de que a expansão comercial das grandes potências
possuía uma natureza essencialmente comercial/mercantil, fazendo recurso
às ideias de Caio Prado Junior. Novais, no entanto, foi além e identificou
que a expansão marítima logrou profundos sentidos comerciais e, também,
capitalistas, ainda que esse modo de produção estivesse na transição da sua
consolidação.
do comércio internacional, criaram uma situação que faz ser possível afirmar
que desenvolvimento e subdesenvolvimento não são exatamente “etapas” ou
“estágios” em que as nações são submetidas no seu percurso. São posições
estruturais, que nascem da forma como se propagou o comércio internacional e
a geração e internalização do progresso técnico. As nações centrais, a partir da
generalização do trabalho livre e o esgotamento da oferta de trabalho provida
pelas populações que emigravam das áreas rurais, fez com que o progresso
técnico - voltado ao atendimento da necessidade de poupar o fator de produção
relativamente mais escasso, isto é, o trabalho - se endogenizasse. Desta forma,
o conflito distributivo gerado pela pressão salarial incentivava a modificação
da estrutura produtiva com o aumento da dotação de capital por trabalhador,
da produtividade física dos fatores de produção e, por conseguinte, do próprio
mercado interno. Assim, a defesa da rentabilidade de seus negócios por parte
dos empresários, fazia com que a estrutura produtiva incorporasse avanços
tecnológicos e, ao fazê-lo, levava a um relativo aumento dos salários reais,
homogeneizando a estrutura social.
2. Comissão Econômica para América Latina. Foi criada em 1948 como um braço da Organização
das Nações Unidas (ONU) para pensar o desenvolvimento dos países periféricos.
Segundo Davidoff Cruz (1982), entre 1969 e 1973, a dívida externa brasileira
passou de 3,8 bilhões de dólares, em fins de 1968, para, em 1973, chegar a
12,6 bilhões. O discurso, à época, era de que recorrer a esses recursos externos
tinha importância crucial para a realização das altas taxas de crescimento do
produto interno.
Os contratos de dívida externa brasileira foram feitos com taxas de juros pós
fixadas. Até aí tudo bem porque o padrão dos juros internacionais era baixo
e compensava a opção pelo financiamento externo. No entanto, em fins da
década de 1970 – em função da crise internacional e dos questionamentos
a supremacia da moeda norte americana – o Banco Central Americano – o
FED – resolve fazer o que ficou conhecido na literatura como “choque de juros”
(DUMENIL & LÉVY, 2004). A elevação da taxa básica de juros norte americano
foi uma decisão para reafirmação do dólar como a moeda internacional - após
a crise do padrão de dólar-ouro e o findar lastro metálico da moeda, em 1971
– e da retomada do controle do sistema de crédito interbancário, que estava se
deslocando para fora, para o mercado offshore.
Essa crise vai abrindo precedentes para uma grande contestação das políticas
Keynesianas, do Estado desenvolvimentista e da atuação das empresas
estatais. Segundo Pochmann (2016), a recessão e a desaceleração das
economias centrais, com elevação da inflação e aumento do desemprego,
foi gerando um desgaste da capacidade das políticas de corte keynesiano
sustentarem a demanda agregada e o desenvolvimento de longo prazo.
Essa primeira parte da crise foi de mobilização das empresas estatais para que
estas captassem recursos no exterior, que seriam utilizados para cobrir déficits
fiscais do Estado. Depois da crise Mexicana e da ruptura do mercado internacional
de crédito, em 1982, o Brasil adentrou na segunda fase da década perdida,
com o esgotamento de qualquer recurso externo e a necessidade de vultosas
transferências de recurso ao exterior. Com o fim dos financiamentos voluntários
e o persistente déficit em transações correntes, passamos a precisar contar com
financiamento involuntário, mediante o socorro do FMI (CARNEIRO, 2002).
Em síntese, esse foi um período que ficou conhecido como “década perdida”
e foi marcado por um crescimento médio da economia brasileira de 1,6%,
padrão muito inferior as taxas elevadas de crescimento características do
período precedente. O fim da crise da dívida, que marca o soerguimento
de um novo padrão de crescimento da liquidez internacional, vai ocorrer –
concomitantemente – a uma orientação mais geral de política econômica que
ficou conhecida como “neoliberalismo” e externalizado em um novo padrão
de organização selado pelas diretrizes do “Consenso de Washington” em que
elementos como a disciplina fiscal e a abertura das economias se firmaram
como as características principais.
Para Furtado (2002), o Plano Real, baseado nas premissas monetaristas muito
em voga no debate sobre inflação na década de 1990, não compreendia a
2. A POLÍTICA MACROECONÔMICA
ENTRE 2003-2010
O
s chamados “anos 2000” são como normalmente os pesquisadores
caracterizam esse período da economia brasileira. Em que pese
a diversidade de avaliações sobre as causas que ensejaram os
dados desse período, é relativamente consensual a percepção de
que esses anos marcaram um ciclo virtuoso da economia brasileira, ainda que
curto. Para alguns autores, foi o Plano Real, o Tripé Macroeconômico e um
conjunto de políticas precedentes que explicam as condições que permitiram
a retomada do crescimento econômico com redução das desigualdades
sociais. Há aqueles, ainda, que creditam as características positivas do
período a “sorte” selada pelo ciclo de commodities que vivenciou a economia
brasileira no período supracitado. Há, por fim, aqueles que ressaltam, com
mais intensidade, a ação política enérgica dos governos petistas na condução
de uma política de desenvolvimento que conseguiu alinhar crescimento com
distribuição de renda.
Segundo Serrano e Summa (2015) três foram os fatores que operaram juntos
e são explicativos do crescimento sustentado, pela via da demanda doméstica,
entre 2003 e 2010. O primeiro deles diz respeito a expansão consistente no
consumo das famílias e no investimento residencial que, segundo os autores,
ocorreu devido a uma combinação entre rápido crescimento do crédito
imobiliário; forte criação de empregos – especialmente no setor formal -;
elevação do salário mínimo e do salário real e as transferências diretas do setor
público as famílias.
Por fim, o terceiro fator foi a resposta do investimento privado não residencial
aos estímulos da demanda estatal. Esse elemento é importante uma vez que
o investimento tende a ajustar a capacidade produtiva para o crescimento
tendencial da demanda agregada. Tão logo o ritmo de crescimento da
demanda foi percebido pelos agentes privados como um fenômeno sustentado,
o crescimento do investimento privado não residencial acelerou e, em conjunto
com o investimento feito pelo setor público, cresceu mais do que os outros
componentes da demanda agregada.
A ideia, no entanto, que constava de forma mais geral nos PPA era que o
desenvolvimento do mercado de consumo de massas não seria um fim em
si mesmo, mas um meio pelo qual a manutenção da demanda agregada do-
méstica seria capaz de estimular a estrutura produtiva para crescer e seguir
atendendo a demanda por consumo interno. Esse estímulo se reverteria com
a participação das políticas industriais em aumento da escala, com ganhos de
produtividade e competitividade internacional.
Ou seja, nos 2000 o carro chefe do crescimento econômico esteve ligado, justa-
mente, aos setores de baixa diversificação produtiva e valor agregado. Segundo
Carvalho (2018) as transferências de renda via Bolsa Família, a política de valori-
zação do salário mínimo e a inclusão no mercado de consumo de uma parte ex-
pressiva dos brasileiros mais pobres levou a expansão dos setores que deman-
davam essa mesma mão de obra, menos qualificada. Esse foi o caso do setor
de serviços – especialmente serviços pessoais – e construção civil, que tiveram
crescimento expressivo nesse período. “Como esses setores empregam muitos
trabalhadores menos instruídos, o grau de formalização e os salários na base da
pirâmide subiram ainda mais, reforçando o processo” (CARVALHO, 2018, p. 12).
Dessa feita, houve um círculo virtuoso em que o aumento mais acelerado dos
salários nas ocupações que exigiam menor qualificação gerava um processo
de fortalecimento do mercado interno e do mercado de trabalho. Assim, a
redução das desigualdades sociais tem como principal elemento explicativo as
mudanças na base da pirâmide social, centralmente a valorização do salário
mínimo e as transferências diretas de renda. Estas transformações na base
da pirâmide social, por sua vez, repercutiam no padrão de consumo das
famílias, em que os produtos anteriormente adquiridos apenas pelos mais ricos
passaram a vigorar, em alguma medida, na cesta de consumo dos mais pobres
(CARVALHO, 2018).
Esse processo era sustentável na medida em que, ao mesmo tempo que crescia
a disponibilidade de crédito às famílias, expandia-se também o emprego,
especialmente o emprego formal, concomitantemente ao crescimento da renda.
O crédito, por fim, foi mais um elemento que reforçou o consumo das famílias.
A PEA por conta própria teve crescimento negativo nos anos 2000, e
foi mais significativo entre as mulheres, com -8,12%. No entanto, ainda
7,2% das mulheres trabalhavam na categoria “por conta própria”, contra
apenas 3,9% dos homens. Dessa forma, atesta-se que os anos 2000
apresentaram impactos positivos importantes para as mulheres, no
entanto, persistiram desigualdades estruturais. Além disso, ainda são
significativas as desvantagens femininas na absorção da PEA, uma vez
que na contagem estatística se invisibiliza elementos como o trabalho
da mulher na agricultura, a alta proporção do trabalho doméstico não
remunerado e grandes disparidades de remuneração (LEONE, 2015).
Isso porque com o real mais valorizado frente ao dólar – fruto de uma entrada
maciça de recursos estrangeiros via investimento direito externo e exportações
– as mercadorias consumidas no mercado interno se tornaram mais baratas
relativamente à renda. Não só as mercadorias importadas chegavam com um
menor preço ao mercado doméstico como também as próprias mercadorias
produzidas no Brasil – mas com diversos componentes importados – mantinham
um preço mais baixo. A apreciação cambial, portanto, contornou o movimento de
aceleração de inflação pelo componente de custo. Embora bom para o consumo
do trabalhador, a permanência de taxas reais de juros em patamares elevados –
que gerou, em parte, essa apreciação real da taxa de câmbio – contribuiu para a
deterioração da conta de transações correntes no balanço de pagamentos, já que
estimulou as importações, como veremos adiante.
Segundo Serrano e Summa (2018), essa expansão dos serviços – que foi
beneficiada pela tendência internacional e doméstica de baixa nos preços
Essa “inflação de serviços” vista de um ponto de vista mais geral foi, em alguma
medida, também distribuidora de renda na medida em que – em que pese os mais
pobres estarem incorporando serviços na sua cesta de consumo – as famílias de
renda mais elevada consomem, proporcionalmente, mais serviços na sua cesta
de consumo do que os trabalhadores de baixa renda. Ou seja, a valorização
monetária de serviços como o da empregada doméstica, trabalhadores da
construção civil e outros prestadores de serviços concorre para explicar uma
transferência de renda das famílias mais ricas para as famílias mais pobres. No
entanto, esse mesmo fenômeno sugere outras questões de fundo, como o retrato
de uma economia assentada em uma pobre estrutura produtiva, onde os salários
dos trabalhadores menos qualificados cresceram mais do que a produtividade
geral da economia e questões relativas a própria vulnerabilidade inflacionária,
uma vez que a persistência da inflação de serviços apenas se sustenta em
períodos de forte apreciação de cambial e ausência de outros choques de custo.
Com exceção de 2009, período em que a economia global sofreu de forma mais
intensa os efeitos da crise, o preço das commodities logrou trajetória contínua
de elevação, o que possibilitou que a melhora nos termos de troca ocorresse via
preços relativos e que a melhora na balança comercial também ocorresse pelo
efeito “volume” das exportações, não só preço, fruto do aumento da demanda.
2003-2005 2006-2010
Salário mínimo (% ao ano, em termos reais) 6,8 5,9
Investimentos federais (% ao ano, em ter-
mos reais) -4,7 27,6
PIB (% ao ano, em termos reais) 3,4 4,5
Consumo das famílias (% ao ano, em ter-
mos reais) 2,6 5,8
Investimento total (% ao ano, em termos
reais) 2 9,1
Exportações (% ao ano, em termos reais 11,7 2,5
Aqui se faz necessário atentar para uma certa flexibilização no tripé macroeconômico
que sustenta a política econômica desde a consolidação do Plano Real. Um
dos elementos dessa flexibilização, e que abriu possibilidade à expansão dos
investimentos, foi que estes – quando realizados pela União – saíram do cálculo
para fins de contabilização da meta de resultado primário, especialmente no âmbito
do PAC, reduzindo os constrangimentos fiscais à sua expansão.
Para Sicsú (2019), o consumo das famílias pode ser considerado um “motor” de
partida para que a economia brasileira tivesse alcançado uma condição virtuosa
de crescimento liderada pelos investimentos. Como mostra a tabela acima, o
consumo das famílias cresceu menos que o investimento nos governos Lula,
o que sugere – mais uma vez – que o rótulo de crescimento “liderado pelo
consumo” é, no mínimo, impreciso.
constitui como variável de ajuste, não contando com uma meta numérica, mas
sim com objetivo de deixar flutuar o valor nominal da moeda nacional frente à
moeda internacional, no caso atual o dólar norteamericano.
O gráfico abaixo nos mostra a taxa Selic definida pelo Copom e a taxa básica
norteamericana somada ao EMBI+BRA, isto é, uma medida de risco para a
dívida soberana brasileira. Como é possível observar, ao longo do período
compreendido entre 2003 e 2010, observa-se uma clara tendência de queda
tanto da SELIC quanto dos juros internacionais. Ademais, é importante observar
que, a despeito da queda tendencial da taxa nominal brasileira, as oscilações ao
Para Oreiro e Paula (2021) no que se refere a política cambial, a forte valorização
observada na taxa nominal e real de câmbio após 2005 levou o BC a adotar, no
final de 2006 e início de 2007, uma política de compra em massa de reservas
cambiais com o objetivo de reduzir a velocidade de apreciação da taxa nominal
de câmbio tentando com isso preservar a competitividade na indústria brasileira.
Vale lembrar o papel da apreciação do real frente do dólar para dirimir os impactos
da inflação de custo e a saudável recuperação do balanço de pagamentos.
Esses dois elementos são, historicamente, os principais determinantes de
surtos inflacionários em países subdesenvolvidos.
Apolítica fiscal, entre 2003 e 2008, gerou sucessivos e vultosos superávits primários,
ou seja, a diferença entre a arrecadação e as despesas primária, descontadas as
despesas financeiras. Com a grande crise financeira internacional, os resultados
primários se reduziram, embora tenham continuado positivos entre 2008 e
2010. O gráfico 11, construído a partir da metodologia apresentada por Borça
Jr e Barbosa Filho (2021) nos mostra os condicionantes da variação da Dívida
Liquida do Governo Geral (União, estados e municípios) e Banco Central (BCB).
Em preto, tem-se a variação do indicador, ou seja, quando a linha preta assume
valores positivos, observa-se um crescimento da dívida liquida. Outrossim, em
vermelho, tem-se o papel dos resultados primários, isto é, a diferença entre o que
se arrecada e o que se gasta excluindo-se as rubricas financeiras; em amarelo,
tem-se o efeito obtido a partir da diferença entre as taxas de juros reais pagas
pelo erário aos credores da dívida pública e o crescimento nominal do PIB; por
fim, em cinza, tem-se a agregação de todos os outros fatores que condicionam o
indicador, isto é, ajustes metodológicos, receitas e gastos não recorrentes, como
privatizações por exemplo, e flutuações no valor do estoque da dívida externa e
das reservas internacionais devido a variações cambiais.
Portanto, como podemos observar através do que foi discutido acima, o período
compreendido entre 2003 e 2010 foi marcado por uma grande estabilidade de
preços, dos indicadores fiscais e por uma tendência consistente de queda das
taxas de juros básica e real. Ao mesmo tempo e não obstante a tendência de
queda das taxas de juros, o diferencial entre juros internos e externos manteve-
se alto, o que em última instancia determinou uma grande valorização cambial.
O ajuste fiscal intenso de 2003 não foi concentrado, somente, nas despesas,
mas por aumento substancial da base de arrecadação, que cresceu cerca de 1
ponto percentual no primeiro governo Lula. O crescimento maior da economia
também fez crescer a arrecadação de impostos, ajudando a viabilizar a
expansão de investimentos e gastos públicos e ao mesmo tempo o acúmulo de
superávits primários.
Ainda com relação aos fatores políticos que interferem nas variáveis econômicas,
seria incompleto a análise do período supracitado sem uma contextualização inicial
do que foi o grande temor dos mercados com relação a possibilidade de eleição de
uma representante do Partido dos Trabalhadores (PT) ao posto mais alto do Poder
Executivo. Como já fizemos referência, ao longo de 2002, a inflação acumulada
de 12 meses medida pelo IPCA ficou acima de dois dígitos. De forma semelhante,
entre abril e outubro de 2002, o Índice de Câmbio real e efetivo se desvalorizou
em 62%, indo de 105 para 171. Nesse período, cresceu drasticamente a incerteza
no ambiente econômico. Barbosa Filho (2008) explica o baixo nível da confiança
sobretudo nos mercados financeiros a partir do fato de que Lula, um candidato
de esquerda e historicamente ligado a pautas que contrariavam os interesses do
mercado, liderava as pesquisas. Assim, com uma grande desconfiança por parte
dos agentes financeiros, uma inflação galopante e uma brusca desvalorização
cambial, a política econômica ao longo do biênio 2003-2004 foi bastante restritiva.
Se, por um lado, um câmbio apreciado, eleva salários reais e gera pressões
deflacionárias, por outro, há um efeito negativo perverso sobre a competitividade
internacional dos produtos manufaturados domésticos, o que, a médio-prazo,
afeta a indústria interna de transformação.
Vários motivos poderiam ser apontados como responsáveis por esta tendência
de queda, mas talvez o mais importante deles seja a apreciação cambial
constante que observamos ao longo de todo o período entre 2003 e 2010,
excetuando-se alguns intervalos em que a taxa cambial se desvalorizou em
função da crise financeira de 2008. Barbosa (2015) aponta para os efeitos da
valorização cambial sobre o crescimento econômico vivido nesse período:
Ainda no que tange a crise de 2008, para finalizar essa sessão, seus efeitos foram
intensos e bastante distintos a nível internacional. Pela posição da economia
brasileira – no que tange a dimensão estrutural dependente, subdesenvolvida
e periférica – crises externas têm potencial particularmente dramático. Como já
dizia Celso Furtado (2007), as crises econômicas logram impactos distintos no
Além disso, desde os anos 1990 – com a abertura financeira e a livre mobilidade
de capitais – os países periféricos têm estado ainda mais vulneráveis aos fluxos
de capitais do centro, que – quando param de verter – podem lograr situações
dramáticas nos seus respectivos balanços de pagamentos. Segundo Carvalho
(2018), os efeitos da crise de 2008 no Brasil, portanto, são similares aos
verificados em outros países de economias análogas e podem ser sintetizados
em: contração do crédito; queda nos preços das commodities; forte saída de
capitais estrangeiros e desvalorização do real frente ao dólar. Como resultado:
contração substancial da demanda doméstica que se espalhou por três
trimestres consecutivos de queda do PIB.
Ainda no que toca a política monetária, abriu-se uma linha de crédito do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para ofertar crédito
de curto prazo e os demais bancos públicos – Caixa Econômica Federal e Banco
do Brasil – ampliaram suas linhas de crédito que adotavam juros subsidiados.
O resultado foi que entre o período mais grave da crise, setembro de 2008 e
julho de 2009, houve um aumento de 33% na oferta de crédito pelos bancos
públicos. (CARVALHO, 2018).
Por fim, podemos fazer uma alusão aqui a outro momento da economia brasileira
imerso em um contexto de crise. Nos anos 1970 – sobretudo pós primeiro
choque do petróleo - segundo Barros de Castro (1985), abriu-se uma janela
história para duas distintas opções de política econômica: financiamento ou
ajustamento. A solução vitoriosa, que deu ensejo a elaboração do II PND (Plano
Nacional de Desenvolvimento), constitui-se em uma verdadeira operação de
crescimento em “marcha forçada”, quando o Brasil optou pelo financiamento
e o ataque às raízes dos gargalhos produtivos estruturais, incluso no campo
energético, em um período em que o restante dos países desenvolvidos optava
pelo recurso ao freio de mão puxado.
Pode-se usar essa analogia para compreender que, mais uma vez enquanto
o restante dos países centrais vivenciava uma crise e “puxava o freio de mão”
adotando um receituário de políticas centradas no aspectos monetário e de
austeridade no campo fiscal, que o Brasil adotou uma política de “marcha
forçada”, especialmente levando em consideração a sobrevida do PAC e a aposta
no investimento das empresas estatais, sobretudo a Petrobrás que, dado seu
Em que pese o primeiro mandato do governo Lula ter dado continuidade, em parte,
à política macroeconômica do governo FHC, por outro lado o governo pôs fim ao
veto que existia sobre a política industrial, e iniciou a formulação de uma política
que ficou conhecida como Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior
(PITCE), como resultado de amplos debates entre especialistas e empresários li-
gados ao setor. Segundo Cano e Silva (2010) “esta combinação contraditória criou
um grave paradoxo, na medida em que, estando fortemente limitado em mover os
instrumentos clássicos do câmbio, dos juros e do gasto público, não teria como sol-
tar as amarras para a política industrial.” (p. 6 e 7). A criação da PITCE e, um pouco
antes, do CNDI estimularam o debate sobre a adequação dos instrumentos do
Estado para garantir essa agenda desenvolvimentista. Assim, embora alguns as-
pectos da política macroeconômica tenham operado em sentido oposto, a criação
da ABDI e o BNDES – conjuntamente com o Conselho e a própria Política Industrial
– estruturaram um arranjo institucional básico pró-indústria (DE TONI, 2014)
Ela [PITCE] levantava alguns pontos base para a política industrial a ser
seguida e buscava o desenvolvimento da indústria através da transformação
da sua estrutura. Assim, apostava no aumento de eficiência a partir da
inovação tecnológica para o ganho de competitividade que a levasse a
uma inserção internacional mais favorável. (CARDOSO, 2019, p. 71)
a preservação das contas externas e, por fim, o fortalecimento não apenas dos
grandes grupos empresariais, mas ações focadas no desenvolvimento das micro
e pequenas empresas (CARDOSO, 2019). Assim, relacionados a esses quatro
desafios foram apresentadas quatro metas para o programa: a) ampliação do
investimento fixo, com o objetivo de elevar a FBCF para 21% do PIB até 20104;
b) elevação do gasto privado em P&D em relação ao PIB, com a meta de atingir
0,65% em 2010; c) ampliação da participação das exportações brasileiras no total
mundial para 1,25%. Em 2007 essa participação era de 1,18% e; d) elevação em
10% o número de empresas exportadoras brasileiras (CARDOSO, 2019)
Nesse sentido, a PDP reservou um importante papel a outra grande empresa estatal
que atuou, historicamente – salvo raras exceções como no Plano de Desestatização
do Governo Collor e no financiamento das privatizações no governo FHC – como um
braço da política de desenvolvimento industrial5, que foi o BNDES. A participação do
banco no programa previa um financiamento de R$ 210,4 bilhões para a indústria,
excluindo a infraestrutura que contava com outra fonte de financiamento (CANO &
SILVA, 2010). O financiamento dessas políticas é uma das questões fundamentais
para o Estado conseguir executar seus objetivos. Uma das principais instituições
de financiamento das políticas voltadas para o desenvolvimento industrial foram
4. A relação nesse período, 2008, era de 17,6% do PIB brasileiro (CARDOSO, 2019)
5. Ver mais em Almeida et alii (2014)
desigualdades regionais. O PAC retomou, ainda que de forma bem mais sim-
plificada em referência a outras trajetórias de planejamento estatal do período
desenvolvimentista, um conjunto de medidas de políticas setoriais e investi-
mentos – públicos e privados – contando com a execução de uma política fiscal
e financeira mais favorável a realização do investimento (ALMEIDA, 2015).
Ainda segundo Almeida (2015) os setores escolhidos para o PAC eram aqueles
que detinham a maior capacidade multiplicadora e reverberação em diversos
segmentos industriais, com a característica de serem realizados sob um olhar
regionalizado. O setor de P&G teve uma participação importante nessa política, já
que o tema da energia era um tema de destaque. O fato de muitos investimentos6
terem se concentrado na indústria de bens de capital e metal mecânica, deu mais
um fôlego aos setores que são fornecedores da Petrobrás e das demais empresas
que atuam na cadeia produtiva. Segundo o PNG da Petrobras de 2007-2011, o
Valor Adicionado pela Petrobras no país, acrescido do impacto na cadeia produtiva
dos investimentos e dos gastos operacionais, impactaram o PIB brasileiro em cerca
de 10% (ALMEIDA, 2015). Segundo Schutte (2016), em 2010 os investimentos da
Petrobras já representavam cerca de um terço do total dos investimentos do PAC.
Por fim, em que pese esse conjunto de iniciativa, havia um descompasso duplo:
a política macroeconômica em geral estava dissociada do esforço industrializante,
especialmente pelo binômino juros e câmbio apreciado, e em segundo lugar – e em
Segundo Morceiro et ali (2012), entre os anos de 2000 e 2008 cerca de 60%
das importações brasileiras foram de bens intermediários7. Esse fato reflete
as características da indústria nacional. O aumento nas importações de bens
intermediários pode sinalizar a ocorrência de desindustrialização e indica o baixo
nível de adensamento produtivo nas cadeiras de produção brasileira, que precisam
importar parte importante dos seus componentes para a produção dos bens finais.
Segundo Squeff (2011), somente a indústria de baixa tecnologia fugiu à regra de
elevação substancial da importação de bens intermediários, enquanto para as
demais – inclusive de média-baixa intensidade, o resultado foi negativo.
7. Bens intermediários são como partes, peças, sistemas e componentes que integram a
produção industrial brasileira
N
esse terceiro capítulo nos dedicaremos a analisar o período que
compreende o primeiro mandato da primeira mulher eleita presidente
da República brasileira, Dilma Rousseff. Em função dos diversos
fatores de ordem interna – inclusas no saturamento de um ciclo -
e de ordem política e ligados a cenário externo, separamos o período que
compreende o primeiro mandato daquele que é dedicado à análise da crise e
suas múltiplas determinações e interpretações.
Ainda que crescendo com taxas menores, o salário mínimo já havia acumulado
uma base de valorização expressiva até o ano de 2009, e pela política em
vigor de valorização do salário mínimo, que não apenas recompunha a inflação
passada mas também incorporava a variação do PIB dos dois anos anteriores, o
salário mínimo pode seguir apresentando crescimento real a despeito do baixo
crescimento do período de desaceleração da economia brasileira pós 2011.
Após um substancial reajuste de 9% no ano de 2012, as taxas de crescimento
anuais mantiveram-se estáveis, porém com crescimento real. Ao fim do período
analisado o crescimento do salário mínimo acumulou um ganho de 33% em
termos reais.
O aumento dos salários diretos, que tem relação umbilical com a política de
valorização do salário mínimo, logrou forte impacto sobre o perfil distributivo da
sociedade, além de um efeito positivo sobre a renda e o estilo de crescimento
(BASTOS, 2017). No bojo desse processo, a política de valorização do salário
mínimo, concomitante a importantes ganhos reais de salários percebidos
por diversas categorias profissionais, permitiu uma significativa redução da
desigualdade da renda do trabalho no país. Pela primeira vez, desde 1960,
houve um aumento substantivo da renda do trabalho com simultânea diminuição
do índice de Gini. Assim, o crescimento do PIB, o aumento do emprego formal,
a elevação da renda dos ocupados, a queda da inflação, o processo de
“bancarização” e a consequente ampliação do crédito levaram à emergência de
um vigoroso ciclo de consumo. (MANZANO, DOS SANTOS & TEIXEIRA, 2013)
Do ponto e vista mais histórico, o salário mínimo é um dos mais antigos e também
mais importante dos instrumentos de política pública brasileira, uma vez que ele
cumpre com objetivos sociais de redução da pobreza e das desigualdades bem
como a consecução de objetivos de ordem macroeconômica. Ao longo do tempo,
seu valor passou a ser utilizado, ainda que informalmente, como indexador de
variados tipos de contratos na economia (por exemplo, aluguéis) e como piso de
pagamento de diversas transferências públicas, tais como as previdenciárias,
as do seguro-desemprego, as de abono salarial e as de programas sociais,
como o Benefício de Prestação Continuada (BPC). (FOGUEL, ULYSSEA &
CORSEUIL, 2014).
Gráfico 15: Distribuição dos reajustes salariais com base no INPC entre
os anos de 2010 e 2014
a partir do final da primeira década e início da segunda dos anos 2000, passa a
ser questionada essa caracterização “especial” da indústria, apontando a falta
de evidências empíricas para a constatação.
Ademais, este grupo de autores alertaram para que, embora seja notório o
movimento de perda de participação da indústria na produção brasileira, alguns
indicadores poderiam levar a uma superestimação desta queda. Bonelli e
Pessoa (2010) reconstroem estatísticas históricas que mudam a magnitude do
processo de “desindustrialização”. Tendo por base a participação da indústria
no Produto Interno Bruto, um dos mais utilizados indicadores para apontar
a trajetória decadente da indústria brasileira, os autores apontam que tais
estatísticas precisam ser apuradas. Isto é, o custo do investimento caiu muito
ao longo do tempo, tornando a participação da indústria no PIB nas décadas
de “auge” - entre 1970 e 1980 – artificialmente inflada, quando comparada às
últimas décadas. Em exercício matemático, os autores reconstroem a série de
preços correntes do produto industrial, o que reduz a queda dantes de 35% em
1980 para 15% em 2010 para um patamar próximo de 25% em 1980, caindo
apenas 10 pontos percentuais até 2010 (chegando aos mesmos 15%).
Com isso, a produção industrial como participação do PIB tende a cair a partir
de determinado “estágio” do desenvolvimento, mas a renda média permanece
elevada.
Tregenna (2009); Palma (2005) e Pochmann (2016) apontam que o processo que
ocorre no Brasil a partir da década de 1990 de perda sistemática de participação
da indústria no PIB, todavia, difere deste processo acima descrito. Sem que o Brasil
tivesse atingido patamares suficientemente elevados de renda média – e renda do
trabalho – e desenvolvido capacidades tecnológicas e de produção de conhecimento
endógenas competitivas, este movimento de arrefecimento da produção industrial
já se inicia, caracterizando o que os autores nomeiam de “desindustrialização
precoce”. Esse cenário, conhecido como “doença holandesa” estaria associado
a países com abundância de recursos naturais que tenderiam a pressionar a
apreciação cambial pela forte entrada de divisas, o que reduziria a competitividade
da indústria, motivando uma perda precoce da participação da indústria no PIB e
do emprego industrial no emprego total. Ou seja, a comparação do Brasil com uma
“média” de participação industrial de uma amostra tão heterogênea, desconsideraria
os diferentes estágios de desenvolvimento capitalista, as condições materiais e as
condições de desenvolvimento em cada país.
Para autores como Hiratuka e Sarti (2015), o que estaria acontecendo no mundo
seria uma “chinalização” da produção manufatureira global. Estas ondas de
deslocamento da produção global – tanto dos países centrais, quanto de países
periféricos – estariam sendo absorvidas por países asiáticos, em especial, pela
China, que concentra vantagens de escala e custos de produção, em meio à
uma mudança da lógica de concorrência global. Pari passu, os ativos intangíveis
ficam ainda mais concentrados nos países centrais.
Edmar Bacha8, um dos ideólogos do Plano Real, passou a repetir entre 2011 e
2012 que o necessário para que a indústria brasileira era um “Plano Real para
a Indústria”. Este consistiria em uma forte desvalorização cambial, que fosse
8. https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/56860-proteger-industria-e-ajudar-setores-e-
-politica-miope.shtml
A leitura que prevaleceu no primeiro Governo Dilma era de que era necessário
enfrentar o desafio estrutural imposto pela perda de participação da indústria.
O ciclo de crescimento baseado no consumo de massas fora extremamente
bem-sucedido, todavia era permeado por vulnerabilidades, como ficou patente
durante a crise de 2008-2009. Como define Ricardo Bielchowsky (2014), o ciclo
de consumo de massas no Brasil era alimentado por um ciclo de produção em
massa na China.
O Plano incluiu medidas fiscais como a redução do IPI sobre bens de investimento
e a proposta de financiamento do BNDES na ordem de R$ 600 bilhões na
indústria até o ano de 2015. Além disso, o Plano estava fortemente marcado
pela opção de impulsionar a indústria através da utilização das desonerações
fiscais, iniciadas em 2012 e centradas, basicamente, na desoneração da folha
de pagamento. Fora eleitos 1510 setores intensivos em mão de obra para
receber os benefícios. O PBM ainda trazia metas como a reforma do setor
Dentro do PAC Energia havia, ainda, um subgrupo - o PAC P&G - que tinha
como meta a ampliação da produção de Petróleo e Gás Natural, o provimento de
pesquisas exploratórias, a perfuração de poços e a construção de Plataformas
para o desenvolvimento da Produção.
11. A indústria naval foi inserida em todos os programas de política industrial desse perío-
do. Em 2007, a nos objetivos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) como um
dos setores de maior relevância para o cumprimento dos objetivos estratégicos de geração
de emprego e renda, bem como no Plano de Desenvolvimento Produtivo (PDP), em 2008,
e Plano Brasil Maior (PBM), de 2011, com metas relacionadas ao aumento do conteúdo
local, maior representatividade das empresas brasileiras fabricantes de navipeças, cres-
cimento da produtividade dos estaleiros e da participação de engenheiros no número de
empregos diretos no setor (PIRES et alii, 2012)
Quantidade de
Tipo de empreendimento
empreendimentos
Base de Apoio 7
Campos e Plataformas 41
Desenvolvimento e Produção 8
Dutos e Terminais 13
Exploração pré e pós sal 3
Fertilizantes 6
Gás Natural 11
Navios e Sondas de Perfuração 19
Novas Refinarias e Petroquímica 8
Pesquisas exploratórias 12
Refino - modernização e ampliações 21
Outros 12
Total 161
Fonte: Santos (2019) a partir de dados do Ministério do Planejamento. Elaboração:
CEE/IREE
Crescimento
Valores ( R$
agregado e ano
Bilhões)
a ano
Setores 2006-2009 2011-2014 (%) (%) a. a
Indústria 387 614 58,7 9,7
Petróleo e gás 205 378 84,3 13
Extrativa
60 62 3,3 7
Mineral
Siderurgia 28 33 16,8 3,2
Química 22 40 81,2 12,6
eletroeletrônica 20 29 46 7,9
Papel e
18 28 51,6 8,7
Celulose
Têxtil e
9 12 39,1 6,8
Confecções
Fonte: Coutinho (2011). Elaboração Própria.
A Tabela acima explicita a importância que adquiriu o setor de P&G no total dos
recursos despendidos pelo BNDES para o PAC II no interior dos investimentos
industriais. Assim, o conjunto dos empreendimentos selecionados para dar
conta dos objetivos do eixo de P&G só foram possíveis graças ao financiamento
público, que é de longo prazo e, como já vimos, opera com taxas de juros
subsidiadas, cumprindo com as prerrogativas de um banco de investimento que
serve –a cima de tudo – ao desenvolvimento nacional. Nas palavras de Luciano
Coutinho, na época Presidente do Banco, “O BNDES apoiará empreendimentos
em toda a cadeia produtiva de P&G visando a construção de um fornecedor
competitivo e global de bens e serviços associados a P&G”12. Além disso houve
corte bruscos nas taxas de juros de longo prazo (TJLP) dos empréstimos do
BNDES, que foram trazidos para o nível mais baixo da história brasileira (REIS,
2018)
12. https://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Hotsites/Relatorio_Anual_2011/
Capitulos/desempenho_operacional/insumos_basicos/oleo_gas_cadeia_produtiva_de_
peg_bens_de_capital_sob_encomenda.html
Assim, em que pese tenha havido uma inflexão não desprezível na política
econômica, a manutenção do “tripé macroeconômico” foi uma contradição não
resoluta, que em parte fez da política industrial um “enxugar gelo”14. A política
geral, conduzida pelos governos do PT tinha um amplo leque de alianças com
forças sociais que ia dos grupos industriais e grandes bancos até as diversas
centrais sindicais de trabalhadores de variados matizes ideológicas, tendo entre
essas forças políticas e sociais muitas contradições e antagonismos em seus
objetivos (CALIXTRE & FAGNANI, 2018).
Por fim, no que tange a um breve balanço da política industrial nesse período, os
resultados das políticas adotadas, todavia, não foram exatamente os esperados. A
política monetária, como já vimos, enfrentou grandes dificuldades por ter vivenciado
dois momentos bastante diversos da conjuntura financeira internacional. E, se nos
primeiros anos foi custosa a manutenção do real desvalorizado para o objetivo da
estratégia industrialista, apesar de ter sido possível conter a apreciação e reduzir
a volatilidade, em um segundo momento, a mudança da conjuntura financeira
internacional colocou em xeque a estabilidade alcançada.
13. Embora em 2013 tenhamos chegado no auge da queda da taxa de juros reais brasileiras,
isso não durou muito e a taxa voltou a subir logo em seguida.
14. Referência à uma expressão de Belluzzo https://jornalggn.com.br/analise/os-riscos-do-
-endividamento-em-moeda-estrangeira-nos-emergprecentes-por-luiz-gonzaga-belluzzo/
Nos primeiros anos, houve algum grau de sucesso na estratégia. Até 2013,
há uma mudança na composição dos investimentos, com o aumento da
participação do investimento privado – sem queda do investimento público. A
partir do 4º trimestre de 2013, ambos passam a cair. Para Rossi e Mello (2015), o
fracasso da estratégia industrialista adotada é fruto de componentes estruturais
e conjunturais. Do lado estrutural, houve baixa resposta das empresas às
políticas de oferta, uma vez que as empresas tinham um grau de “adaptação”
ao ambiente anterior aos incentivos, de câmbio valorizado e juros elevado,
o que trouxe perdas no curto prazo com a mudança da política econômica.
Ademais, os outros incentivos – subsídios e desonerações – apesar de amplos,
foram insuficientes para recuperar a rentabilidade em um ambiente de pressão
da concorrência internacional. Do lado conjuntural, os autores apontam fatores
como a crise política, a crise hídrica, que pressionou a política de controle das
tarifas energéticas e os efeitos da operação Lava-Jato, ao impactar diretamente
uma série de empresas nacionais, sobretudo da construção civil, restringindo a
capacidade de investimento.
É a partir dessa constatação que o primeiro governo Dilma vai propor uma
modificação substancial na política econômica, especialmente nos preços
relativos, com o objetivo de avançar na estrutura de oferta mantendo os avanços
do ponto de vista de consolidação da demanda, especialmente no que tange as
políticas de transferência de renda e da valorização do salário mínimo. A autora
Laura Carvalho (2018) denominou essa inflexão na política econômica de “agenda
FIESP” na medida em que a estratégia atendia as principais reivindicações do
patronato industrial brasileiro, e os autores Guilherme Mello e Pedro Rossi (2018)
conceituaram a mudança no eixo da política econômica de “estratégia industrialista”.
15. https://valor.globo.com/brasil/coluna/pais-mudou-sua-matriz-economica-diz-holland.ghtml
Soma-se à isso o fato de que data desse período um conjunto de revisões crítica,
inclusive pelo próprio FMI, da tese da “contração fiscal expansionista”, que logrou
primazia na orientação da política econômica quando da crise de 2008. Segundo
esse receituário, os multiplicadores dos gastos públicos seriam menores do que
o apregoado e sua expansão pioraria as perspectivas de crescimento uma vez
que impactariam de forma mais acentuada as expectativas dos agentes, que se
manteriam reticentes com relação as incertezas dadas pela piora do resultado
fiscal e elevação da dívida pública.
O próprio FMI16, que outrora foi um importante sustentáculo desse cânone já havia
reavaliado suas recomendações de política econômica para momentos de crise,
assumindo que a recessão mundial demandava um questionamento a esses
dogmas e apregoando um papel mais ativo, especialmente, da política fiscal.
No entanto, para que a taxa de juros pudesse ceder e seguir vigorando o equi-
líbrio macroeconômico selado pelo tripé17, houve um aperto significativo na po-
lítica fiscal no primeiro ano de governo, assim como nas condições de crédito
– o que se denominou de medidas macro-prudenciais. Já no final de 2010 o
governo decidiu pela promoção de um forte ajuste fiscal, que elevou a meta
de superávit primário para o ano de 2011 para a meta cheia, de 3,1% do PIB.
O ajuste foi feito, basicamente, pela redução dos gastos públicos, sobretudo
dos investimentos públicos, que amargaram uma redução de 17,9% em termos
reais – no total do investimento da administração pública – e de 7,8% no inves-
timento total das empresas estatais (SERRANO & SUMMA, 2015). A percep-
ção prevalecente naquele momento era de que a economia brasileira estava
atravessando um período de crescimento acima de seu potencial, aumentando
as pressões inflacionárias e o déficit externo. Com esse diagnóstico em mente,
o governo Dilma inicia seu primeiro ano promovendo uma contração fiscal de
rara magnitude, impactando diretamente os investimentos públicos. (MELLO;
ROSSI, 2018)
16. Em um texto assinado pelo seu economista-chefe da época traduzido como “A grande
moderação”.
17. Para manter a meta de inflação, um dos componentes do tripé macroeconômico, a
demanda interna tem que estar contraída, para que a inflação não passe da meta. Se a
proposta é reduzir os juros, a contenção tem que ser ainda maior, já que juros mais baixos
– por excelência – já estimulam o consumo, ou seja, a demanda agregada.
Com o lado fiscal “solucionado”, em meados de 2011 o Banco Central deu início
a política de redução da taxa básica de juros. Em outubro do ano de 2012,
depois de sucessivas quedas, a taxa SELIC chegou ao patamar nominal de
7,25% e aproximou-se, em termos reais, das taxas vigentes na maioria dos
países, ficando em 1,5% a.a
No entanto, o que era bom durou pouco. A inflação acelerou em 2012, estendeu-
se para 2013 e – associando-se aos resultados fracos no campo do crescimento
– estreitou as margens para seguir a política de juros baixos, revertendo o ciclo
de afrouxamento da política monetária. O combate à inflação, mais uma vez,
passou a ser o personagem principal do enredo e a ocupar as prioridades da
política econômica no ano de 2013. Assim, a autoridade monetária acabou
respondendo às pressões inflacionárias levando ao início de uma nova fase
de elevação da taxa básica de juros e passou a recorrer mais intensamente a
intervenções diretas no sistema de preços como instrumento auxiliar de controle
da inflação. (CASTRO & CAMARA, 2017).
Custeio
Cresc. Real (%) % do PIB
2011 0,7 7,6
2012 3,2 7,8
2013 7,80 8,1
2014 6,3 8,6
Fonte: Gentil e Hermann (2017). Elaboração: CEE/IREE
Além disso, desde o Plano Real, a inflação brasileira se afiança na âncora cambial,
com efeitos deletérios sobre a indústria nacional. Dessa forma, para enfrentar
as armadilhas da taxa de juros e do câmbio sobreapreciado, a política de viés
industrialista do período relegou ênfase sobre um maior controle da taxa de câmbio.
Portanto, tendo isso em mente, a política cambial passou a ser guiada por um
conjunto de orientações de caráter estratégico, que visavam – além de mitigar
esse problema da volatilidade cambial – controlar de alguma forma a inflação;
dotar a economia brasileira de estabilidade financeira; acumular reserva
internacional para a redução da vulnerabilidade e garantir que a mudança nos
preços relativos fosse um caminho para o soerguimento da atividade industrial.
Tal situação rompeu a frágil e instável alianças de classe que sustentavam a “frente
neodesenvolvimentista” (BOITO, 2012). A burguesia industrial, em que pese tivesse
sua agenda produtiva atendida, padecia de perdas nos seus ganhos de tesouraria,
porque também se adaptou à anos de juros elevados e passou a ter ganhos
expressivos ligados ao rentismo. Não somente por esse aspecto, mas o baixo
patamar de desemprego e os aumentos contínuos na renda média esmagavam a
taxa de lucro. O agronegócio, também muito beneficiado pela política econômica
desse período é dotado de uma natureza eminentemente conservadora e, também
rentista. Os próprios rentistas, aproveitando-se da fragilização do governo tentaram
reverter sua perda de poder no terreno da condução da política econômica,
especialmente no que tange aos juros, e buscaram capitanear a aliança das frações
burguesas para uma reconversão de caráter mais pró-neoliberal.
4. 2014-2016 DESACELERAÇÃO E
CRISE DA ECONOMIA BRASILEIRA:
Para Carvalho (2018) e Summa & Serrano (2015), a gestão da crise repousou
em um conjunto de políticas iniciadas no ano de 2011 ainda, sobretudo na
opção por um forte ajuste fiscal e aperto monetário que teria preparado o
terreno macroeconômico para a posterior fase de redução da taxa básica de
juros, seguida da redução da taxa de investimento – sobretudo aquele liderada
pelo investimento estatal. Para os autores, a redução da taxa de investimento
comprometeu o principal elemento impulsionador do ciclo anterior. Já o ajuste
fiscal de 2011 se insere no mesmo processo na medida em que ele preparou e
esteve na raiz da desaceleração da economia, o que, por sua vez, deteriorou
não somente o investimento público, mas, sobretudo, o investimento privado,
que depende fundamentalmente da expectativa de demanda.
para novas licitações. No entanto, tratava-se, nesse caso, de empresas que eram
pilares da economia brasileira. O resultado foi que as 29 empresas proibidas de
contratar com o Estado no bojo do processo de investigação, demitiram 1 milhão
de trabalhadores de forma direta, logrando um efeito muito superior a atividade
econômica do que dano inicial ao erário público (WARDE, 2018).
preços no varejo. Assim, com menos receita e lucros mais dirimidos a produção
foi desanimando. (SICSU; MODENESI; PIMENTEL, 2020). Diferentemente da
Grande Depressão nos EUA, no Brasil, em 2015, quem apertou o “gatilho” não
foram os proprietários de negócios senão que o próprio governo. Em síntese:
depois que o governo desencadeou corte de subsídios e aumentou os juros,
as empesas diminuíram a produção e começaram a diminuir, também, seu
nível de endividamento. Quando a taxa de lucro cai a baixo da taxa de juros
as empresas com dívidas pendentes tendem a buscar a amortização dessas
dívidas, até vendendo ativos. (SICSU; MODENESI; PIMENTEL, 2020)
A justificativa para essa opção de política econômica foi encontrada nos manuais
de macroeconomia ditos “convencionais”. A tese vitoriosa no debate econômico
para o enfrentamento à crise apregoava que a razão da recessão estava na perda
de produtividade da economia e no elevado custo fiscal da política econômica
da “Nova Matriz Macroeconômica” (NME) ou “estratégia industrialista” dos anos
2011 a 2014. De acordo com Barbosa Filho (2017), a crise de sustentabilidade
da dívida, provocada pela “gastança”, teria elevado o risco econômico do Brasil
que, por sua vez, teria elevado a taxa neutra de juros. Diante desse cenário,
a inflação dos preços administrados com o fim do represamento dos preços
em 2015 tinha pouca margem de contenção pela baixa credibilidade do Banco
Central, após um ciclo intervencionista. Finalmente, o ajuste fiscal de 2015 teria
sido insuficiente; de curta duração e baixa intensidade.
Segundo esta visão, a economia brasileira teria sido exposta a um duplo choque:
um pelo lado da oferta, outro pelo lado da demanda. Pelo lado da oferta, a
fracassada guinada da política econômica com a NME reduzira a produtividade
Diante deste cenário, a saída para a crise teria, por um lado, um componente de
curto prazo, baseado em um “choque de confiança”, com uma forte consolidação
fiscal que recuperasse a credibilidade do Banco Central e assegurasse
um ambiente crível de superávits e estabilização da dívida. Por outro, um
componente estrutural, que permitisse a recuperação da produtividade da
economia, com o crescimento da taxa de crescimento do produto potencial.
Não é difícil notar que esta visão foi vencedora do debate econômico em 2015/16.
O “choque de confiança” justificou um “choque institucional”, que expôs o país a
um forte turbilhão político, com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
Entre as primeiras medidas adotadas pelo governo Temer, estiveram um pacote
de ajuste fiscal, a aprovação do Teto dos Gastos, e a proposta de um Reforma
da Previdência, como sinalizações de compromisso com a consolidação fiscal.
Ainda assim, há críticos que apontaram que haveria necessidade de medidas
mais imediatas e menos gradativas. De outro lado, a Reforma Trabalhista
também esteve entre as principais medidas tomadas, como forma de estímulo a
produtividade pela redução de custos do trabalho incentivo a terceirização.
Pelo gráfico acima é possível notar que até 2014 embora com tendência de
redução na geração de postos de trabalho com carteira de trabalho, também
havia redução da informalidade. A partir da eclosão da crise e da agenda de
contração dos gastos públicos e de inflexão profunda no nível de investimento
público e privado, houve uma inflexão na trajetória de redução da informalidade
e um aumento na variação negativa no que tange a geração de postos de
trabalho protegidos pela legislação trabalhista. Na virada de 2016 para 2017
há uma expressiva variação de 5,5% nos vínculos informais, atestando uma
modificação deveras profunda na trajetória de redução da informalidade.
Posição na
ocupação e Variação
1º trimestre 4º trimestre 1º trimestre 4º trimestre 1º trimestre 4º trimestre
categoria do 2014-2016
2014 2014 2015 2015 2016 2016
emprego no (4º tri)
trabalho principal
Pela tabela acima nota-se que houve uma contração na renda real de todos
os setores, com ênfase maior nos trabalhadores menos protegidos, como os
trabalhadores do setor privado sem carteira de trabalho e os trabalhadores
por conta própria. Há, no entanto, um debate na literatura acadêmica que
identifica que os salários reais no Brasil estavam deveras apreciados na
comparação tanto internacional com países de renda média e estrutura
produtiva próximas a brasileira e, sobretudo, em relação ao nível da
produtividade no país. A partir de uma pesquisa comparada, que envolveu
um conjunto de país emergentes, Carrasco, Mello e Duarte identificaram
que, a partir de 2003, a participação da massa salarial no PIB cresceu
vertiginosamente, enquanto nos demais países do grupo de comparação a
mesma variável apresentou recuo.
Há ainda análises que apregoam que uma das causas da crise localizava-se
na redução das margens e taxas de lucros das empresas não financeiras em
decorrências da elevação sistemática do custo unitário da força de trabalho,
o que – ao esmagar os lucros – dirimiu as taxas de investimentos e deprimiu
a atividade econômica. Segundo Rocca (2015) a partir dos dados das Contas
Nacionais do terceiro trimestre de 2014, o investimento das empresas não
financeiras apresentou trajetória de queda contínua entre 2010 e 2014. Segundo
o autor, especialmente no setor industrial o problema central se manifestou
na redução das margens de lucros pelo aumento do custo unitário da força
de trabalho, que elevou-se muito acima dos preços reais das mercadorias
comercializadas. No período que compreende os anos de 2004 e 2014, o custo
unitário nominal do trabalho na indústria aumentou em quase 100% enquanto
os preços dos produtos importados cresceram na ordem dos 30%. Dessa
forma, ficava evidente a dificuldade dos empresários industriais de repassarem
plenamente os aumentos do custo do trabalho e outras elevações de custos
para os preços de venda, reduzindo, dessa forma, suas margens no que tange
a rentabilidade.
Rossi e Dweck (2016) advogam que o teto tinha como objetivo central um
novo regime fiscal para os gastos em saúde e educação, uma vez que os
demais poderiam ser reduzidos ou deixados de crescer por ação discricionário
do mandatário da Presidência da República. Os autores recuperam que os
mínimos para os gastos públicos com educação são regidos pelo Artigo 212 da
Constituição Federal e situam-se em 18% da receita Líquida de Impostos (RLI).
Já para a saúde, há um percentual da Receita Corrente Líquida (RCL) que é
escalado e chegou a 15% no ano de 2020. Esses valores eram percentuais
de receitas que poderiam ser maiores e, portanto, em termos reais poderiam
crescer. No entanto, com o teto de gastos, o valor nominal deles passou a ser
limite, somados a variação da inflação medida pelo IPCA bem como para os
demais gastos. Portanto, é falaciosa a afirmação de que, por serem despesas
constitucionais e com percentuais fixos, elas estariam fora do teto. O gasto com
saúde e educação também seguirá congelado, mesmo que a receita corrente
ou a receita de impostos cresça.
Rossi e Dweck (2016) simularam o que deve ocorrer ao longo do tempo com
os mínimos destinados a saúde e educação, e constataram que cairão em
proporção tanto as receitas quanto ao PIB. O mínimo para educação passará
de 14,4% da RLI em 2026 para 11,3% em 2036, e, para a saúde, em 2026 será
de 12% da RCL e em 2036 de apenas 9,4%. Nessa simulação as despesas
com saúde e educação, sob o agregado do PIB passarão de um total de 4%
para apenas 2,7%, enquanto a população brasileira será 10% maior.
Só existirá possibilidade desse “piso” para saúde e educação não ser “deslizante”
como apregoam os autores, caso haja redução de outros gastos, mas o que
também ficará dificultado em função do fato de que há uma parcela dos gastos
contidos com o teto que terão, necessariamente, que aumentar em termos de
volume empenhado em função do envelhecimento da estrutura demográfica
brasileira, que é o gasto com previdência social. Assim, para que o teto se
mantenha e o gasto com a previdência possa seguir aumentando, o ajuste,
provavelmente, irá ocorrer nas despesas discricionárias, aquelas que não
precisam de dotação orçamentária constitucional, e é, justamente nelas, que
se encontram parte importante dos empenhos financeiros, especialmente na
rubrica “investimentos” que é considerado todo o gasto que tem como impacto
a ampliação de capacidade produtiva, tais como gastos em infraestrutura,
estradas, máquinas e equipamentos, entre outros. Ou seja, tudo aquilo que é
fundamental para que a economia possa crescer mais no futuro, gerando mais
empregos e aumentando a produtividade sistêmica.
Há, no entanto, análises que apontam que – até 2021 – a proporção dos gastos
primários da União não sofreu redução, tampouco crescimento, a despeito
da inflação mais elevada nos anos de pandemia. A magnitude da mudança,
segundo Barbosa Filho (2022) varia de acordo com o conceito e a temporalidade
utilizada na análise.
No caso de a análise ter como referência não o ano de 2016, pela sua
excepcionalidade, mas o ano de 2015, a redução foi de apenas 0,8 pontos
percentuais. O certo é que o gasto em relação ao PIB deve levar em conta a
queda desse indicador no nosso último período. As projeções feitas por Rossi
e Dweck (2016) é que os gastos primários, em 2036, chegarão ao montante
de 12,3%, mas a simulação envolve crescimento econômico na casa dos 2%.
Ou seja, 12,3% é bem inferiores aos quase 20% que representavam antes
da consolidação do Teto de Gasto. Mais do que reduzir o tamanho do gasto
público, haverá uma compressão para aquele conjunto de gastos que não são
Cabe salientar que, se no início do governo Temer houve uma reação positiva
no estado em que a economia brasileira se encontrava, isso se deveu a
quatro elementos importantes que merecem um destaque. O primeiro como
um reflexo posterior das medidas adotadas pelo governo Dilma; o segundo, a
melhora nas expectativas decorrente do afastamento da presidenta Dilma; um
terceiro elemento diz respeito a posição que a economia se encontrava, com
uma forte base deprimida; e, por fim, a promessa do novo governo em seu
compromisso com a série de reformas estruturais necessárias para a retomada
do crescimento econômico.
governo, este foi capaz apenas de deslocar o país do quadro de recessão, com
uma taxa negativa em 2016 de 3,3%, para o de semi-estagnação, com um PIB
em 2017, de apenas 1,3%, a mesma variação observado no ano de 2018.
A política cambial, como já debatido, é uma outra maneira do banco Central atuar
na política monetária objetivando, entre outras coisas, equilibrar as contas externas,
conceder autonomia à taxa de juros da política monetária em relação à política
cambial e reduzir a volatilidade da taxa de câmbio (ARAUJO; TERRA, 2018).
Isso deriva da forte influência do câmbio sobre a inflação, que impele o Banco Central
a ter uma política de atuação sobre ela. Uma das alternativas que o BC utiliza para
tentar reduzir a volatilidade do câmbio é a atuação no mercado de derivativos, no
qual o BC pode assumir uma posição (compradora ou vendedora) e influenciar o
valor à vista do dólar através de contratos que refletem as expectativas do valor futuro
do câmbio, pois “as expectativas sobre o comportamento futuro da taxa de câmbio
influenciam o nível presente dela.” (ARAUJO; TERRA, 2018, p. 761).
No período que se inicia no ano de 2016 a ação do Banco Central foi mais
modesta, apesar das intervenções com valores nominais ainda altos, foram
gradualmente diminuindo e conseguiram apresentar um resultado positivo de
75 bilhões de reais. O ano de 2017 seguiu no mesmo sentido, onde o resultado
do Banco Central com swaps também foi positivo, fechando o ano com R$ 7
bilhões positivos. Já em 2018 o dólar volta a subir e o BC voltou a aumentar sua
posição em swaps cambiais. O ano iniciou com o dólar na casa dos R$ 3,22
e conforme se aproximou a eleição, o dólar caminhou até atingir o patamar de
R$ 4,20 no mês de setembro, que a partir de então passa a cair. Até então o
BC tinha acumulado perdas no valor de R$ 36 bilhões, entretanto conseguiu
diminuir este montante para menos R$ 15 bilhões.
Logo, a manutenção dos juros reais altos por muito tempo ajudou a manter
a economia na recessão e fizeram com que a rubrica de pagamento de
juros aumentasse no resultado do déficit nominal do governo, contribuindo
para diminuir o espaço fiscal, mostrando o imbricamento entre a política
monetária, fiscal e cambial. Manter a taxa de juros alta por mais tempo diante
de uma inflação muito abaixo da meta refletindo a ociosidade da economia e
o desemprego fez com que essa situação se arrastasse por mais tempo. O
uso dos swaps também fez com que aumentasse a rubrica do pagamento de
juros aumentasse, contribuindo para reduzir a capacidade fiscal do governo e
estender a crise (CARVALHO, 2019).
Segundo Dos Santos e Gimenez (2018), ainda do ponto de vista dos empresários,
a reforma trabalhista pode não lograr a retomada do crescimento pela fragilização
do mercado interno e impor ainda mais dependência do exterior, uma vez que
estamos diante de uma fase em que acentua-se o processo de concorrência
20. https://www.fiepr.org.br/reforma-trabalhista-modernizar-para-gerar-empre-
gos-2-95-340804.shtml
21. https://static.portaldaindustria.com.br/media/filer_public/c0/9e/c09e210e-a7bc-4e12-ad-
fa-7edebcf73578/20130206173400990740i.pdf
22. Entre 2016 foram movimentados mais de 30 25 milhões de pessoas entre admitidos
e desligados, gerando um saldo negativo de 1,32 milhão de desempregados, conforme
dados do CAGED de 2016.
Na síntese elaborada por Duck, Dutra e Silva (2019), a reforma foi estruturada
sob três paradigmas: a) admissão da autonomia privada da vontade; b) admissão
da negociação coletiva em prejuízo do trabalho, rebaixando o assegurado
na legislação estatal e; c) a desestruturação da categoria do emprego como
central do direito do trabalho e assegurador dos direitos previstos na CLT. No
que toca a esse último pontos, os autores advogam que o recurso a formas de
contratação heterogêneas avança para a desestruturação da própria figura de
“empregados”, na medida em que se admitem, dentro da mesma contratação
empregatícia, subcategorias de empregos mais vulneráveis em termos de
direitos, tais como o emprego intermitente; a terceirização da atividade-fim; o
MEI que presta serviços com subordinação entre outros.
É com base nesses elementos que afirmamos que está em curso um processo
acelerado de precarização da força de traça de trabalho, em contraposição
ao que era conhecido como Relação de Emprego Padrão (REP), assentada
naquilo que os defensores da reforma creditam como “atrasado”, baseado no
vínculo estável; jornada integral; trabalho dependente e socialmente protegido
em que padrões mínimo sobre jornada de trabalho, remuneração, seguridade
social e representatividade sindical era regulados por legislação ou acordos
coletivos acima do piso estipulado em lei. (NOGUEIRA & CARVALHO, 2021).
Do ponto de vista dos impactos da reforma, até agora eles não se mostraram
vigorosos nem coerentes com as principais promessas ensejadas nas
justificativas. Do ponto de vista da redução do contingente de desemprego,
que seria esperado pela redução do custo de admissão/demissão e do
incentivo ao investimento, temos que no período da aprovação da reforma, em
outubro de 2017, o número total de desempregados era de 12,740 milhões
de desempregados, perfazendo o total de 12,2% da força de trabalho. As
flutuações nesse indicador foram cíclicas e relacionaram ao comportamento do
PIB, permanente, portanto, na mesma situação de semi-estagnação. No último
trimestre de 2019 a taxa de desemprego estava em 11%.
23. https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/02/22/com-reforma-da-previdencia-gover-
no-estima-8-milhoes-a-mais-de-empregos-em-quatro-anos.ghtml
24. https://jornal.usp.br/atualidades/reforma-da-previdencia-criara-cenario-capaz-de-gerar-
-empregos/
Duas questões são importantes nesse tema: o primeiro é que o que determinou
a déficit no regime geral não foi a “explosão” dos benefícios, o que poderia
sugerir o gargalho do fim do bônus demográfico, mas a queda nas receitas.
Dessa forma, a desestruturação do mercado de trabalho, com reversão do
ciclo anterior de baixo patamar de desemprego e o avanço de formas não
tradicionais – como os vínculos via PJ, MEI e a variação substancial positiva no
total de trabalhadores informais e conta própria – determina o comportamento
das receitas previdenciárias.
No estudo realizado por Andaku e Biava (2019) foi constato que quanto menor a
remuneração média maior é a proporção de trabalhadores que não contribuem
para a previdência social. No conjunto dos ocupados, o rendimento médio dos
que contribuem para a previdência (R$ 2.703) é mais que o dobro do rendimento
dos que não contribuem (R$ 1.229). Ou seja, está se consolidando um modelo em
que, justamente, os mais pobres estão alijados desse direito social fundamental,
por um modelo de seguridade e previdência baseado em um padrão de
assalariamento e formalização que deixou de ser a regra pela desestruturação
célere do mercado de trabalho que vive o país de 2015 para cá.
Por fim, no campo das políticas sociais a inflexão também ensejou modificações
que contribuíram para o avanço das desigualdades sociais. A reflexão aqui
percorre dois pontos: o primeiro deles se relaciona diretamente com o novo
regime fiscal. A redução do total dispendido as despesas obrigatórias e
discricionárias impacta o nível de desigualdade pelo poder que a política fiscal
tem de desconcentrar a renda nacional. Aliás, no Brasil, o índice de redução
das desigualdades após o efeito da política fiscal é o maior da América Latina
(FAGNANI & ROSSI, 2018).
O segundo ponto tem relação com a concepção mais geral de política social, que
– por sua vez – concorre para explicitar o desenho de política social ofertado por
governos de corte neoliberal. Sucintamente, dentro dessa perspectiva, a extrema
pobreza seria algo indesejável, porém a desigualdade não. A desigualdade é
um resultado natural e, em boa medida, desejável, uma vez que a competição
é uma das molas propulsoras do progresso. Asim, as políticas sociais – sob os
auspícios do neoliberalismo – mudam de faceta em contraposição a forma com
que era desenhadas nas experiências pregressas de Estado bem Estar Social,
notadamente universais, de responsabilidade do Estado em colaboração com
os mercados e com objetivos de redução das desigualdades.
Isso sugere que o Programa Bolsa Família cumpriu papel pró-cíclico, ou seja,
ele foi ampliado quando houve crescimento da atividade econômica e passou
a ter comportamento declinante, justamente, pós 2015 quando observa-se um
aumento na pobreza e quando sua presença deveria ser mais intensificada.
Os recursos destinados ao pagamento do programa expandiram de forma
consistente desde sua criação até 2014, mais que triplicando o respectivo
orçamento. A partir de então, os recursos apresentaram reduções sistemáticas,
acumulando perda de 11%, passando de R$ 34,5 bilhões em 2014 para R$ 30,6
bilhões em 2018 (em valores de 2019). (IPEA, 2021).
25. https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2019/11/03/agenda-ddd-3d-paulo-guedes-
-desindexar-desvincular-desobrigar.htm
Como afirma Barbosa (2022), a política econômica do governo Temer foi quase
a mesma durantes seus quase três anos, com contração fiscal no Orçamento
primário, redução do poder de barganha dos trabalhadores, venda de patrimônio
público, redirecionamento da Petrobras para acionistas minoritários, retração
dos bancos públicos (com colapso no BNDES) e maior liberalização financeira
e regulatória.
6. A PANDEMIA DA COVID 19 E A
ECONOMIA BRASILEIRA
6.1.1. Introdução
Uma questão precede a análise de curto prazo: a economia brasileira ainda não
havia se recuperado da última grande crise econômica, que levou a recessão
de 2015-2016 e a mais lenta recuperação da história brasileira. Mesmo com
as revisões do PIB de 2018 e 2019, vivemos um período de semi-estagnação
econômica, incapaz de nos lograr condições de recuperação do padrão de
geração de riqueza interna que marcou o período pré-crise. A crise econômica,
e o conjunto de políticas destinada a dirimir seus efeitos e ensejar a retomada
do crescimento, agravaram a contração da demanda agregada através da
opção de reequilibrar as contas públicas apostando, sobretudo, da redução das
despesas primárias.
A forte opção pelas políticas de austeridade fiscal não só não foi capaz de
retomar o caminho do crescimento e do equilíbrio fiscal, quanto agravou
as desigualdades sociais – problema secular da sociedade brasileira – e
deteriorou, ainda mais, o mercado de trabalho. O novo mantra para a solução
dos problemas econômicos brasileiro passou a ser a “aprovação das reformas”.
Ainda que muito importantes, reformas não são capazes – por si mesmas –
de modificações estruturais. Para que o conjunto das reformas na agenda do
Congresso tenham condições de tornar o Brasil mais competitivo, moderno e
para nos fazer reencontrar a rota do desenvolvimento, é necessária a retomada
do crescimento econômico.
No entanto, em que pese as ações terem sido muito aquém das exigidas para que
o país atravessasse de forma menos conturbada a pandemia, o primeiro ano da
pandemia foi marcado por políticas anticíclicas muito importantes e fundamentais
para que a queda do produto do brasileiro fosse muito menos intensa do que as
primeiras projeções apregoavam. Especialmente o Auxílio Emergencial logrou
impactos expressivos não somente na recomposição mas, sobretudo, no aumento
da renda real disponível, com impactos inclusive na redução da pobreza e da
extrema pobreza no Brasil, além de diversas outras políticas que exploraremos
aqui, a despeito da falta de coordenação no campo sanitário.
O resultado agregado do ano foi uma queda muito menos expressiva do PIB
do que se aventava inicialmente. O FMI chegou a projetar que o Produto
brasileiro cairia em torno de 10% no ano de 2020, provavelmente levando em
consideração a falta de coordenação das políticas sanitárias e de isolamento
social e a situação pregressa de semi-estagnação econômica.
Gráfico 24: PIB per capita real, em milhares de reais, de 1962 a 2020
No que tange ao PIB Per capita a situação é mais dramática já que os anos
de baixo crescimento do Produto somam-se ao crescimento populacional. Em
geral, os jovens, os sem escolaridade, os nordestinos e os negros26 foram os
mais prejudicados no que tange a contração da renda do trabalho. Não custa
lembrar que a redução da pobreza que ocorreu no início dos anos 2000 até o até
a crise de 2015-2016, foi o misto de políticas sociais específicas e crescimento
econômico, no qual o segundo teve papel de mais destaque. Segundo estudo
da FGV27, partindo do patamar de 2019, o PIB per capita precisa crescer mais de
16% para que a pobreza seja organicamente radicada, ou seja, independente
de políticas específicas de transferência de renda.
26. https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/01/brasil-comeca-2021-com-mais-mise-
raveis-que-ha-uma-decada.shtml?utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_cam-
paign=compwa
27.https://portalibre.fgv.br/sites/default/files/2020-12/paper_viniciusbotelho_ibre_2020.pdf
28. https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/03/23/bc-muda-compulsorio-e-libera-tempo-
rariamente-r-68-bilhoes-ao-mercado-financeiro.ghtml
Gráfico 25: Saldo de Crédito total, Pessoa Jurídica e Pessoa Física entre
novembro de 2019 e novembro de 2020.
A Medida Provisória 992/2020, que ficou conhecida pela sigla (CGPE) Capital de
Giro para Preservação de Empresa, foi mais uma medida importante de proteção
ao crédito direcionado as micro, pequenas e médias empresas, com receita bruta
anual de até R$ 300 milhões. O CGPE permitiu a otimização do uso de capital
relativo a diferenças fiscais temporárias por meio de sua aplicação em novos
empréstimos por instituições autorizadas pelo BC. No entanto, em que pese as
ações propostas, o próprio Presidente do BC, Roberto Campos Neto, avaliou que
houve pouco direcionamento de recursos para as pequenas empresas.29
Entretanto, a principal ação, coordenada pelo BC, foi levar a níveis mínimos a
taxa básica de juros. Seguindo a tendência das principais economias, houve um
corte sistemático na taxa básica de juros, a Taxa Selic, que chegou ao menor
nível já registrado, 2% a.a.
29. https://www.youtube.com/watch?v=QpQCQvGP2D8&feature=emb_logo
Por fim, as incertezas que rondam a economia global em períodos de crise atuam
como redutoras dos Investimentos Externos Diretos (IED) e outras modalidade
de capital externo à periferia. Os agentes, premidos pelas incertezas globais,
tendem a alocar a sua riqueza em ativos mais seguros e que sofrem menores
desvalorizações. Nesse caso o dólar e os títulos da dívida pública americana
ganham primazia. Somado a esse movimento natural do fluxo de capitais em
períodos adversos, avaliamos que a forma negacionista e ineficiente de provimento
de medidas de combate a pandemia corroborou com o movimento de fuga
recorde de capitais do Brasil. A crise política e a falta de coordenação de medidas
econômicas e sanitárias pelo Executivo federal foram importantes no movimento
de depreciação do câmbio, com o episódio símbolo da demissão do Ministro
No ano de 2020 fomos premidos por uma tempestade perfeita no que toca
à inflação. Se por um lado a inflação de demanda não se fez presente, fruto
de uma economia deprimida, a inflação de custos foi a marca da vez. A forte
apreciação do dólar com relação ao real, o maior contingente exportado de
insumos e matérias primas somado ao aumento do preço internacional das
commodities fez as mercadorias, principalmente os alimentos, pesarem no
agregado da inflação. A partir de agosto o IPCA passou a apresentar sucessivas
altas mensais e a inflação medida pelo IPCA fechou o ano em 4,52%, levemente
acima da meta mas dentro da banda de variação, um cenário surpreendente
para a inflação baixa que marcou a economia brasileira até o meio do ano.
Tabela 14: Variação mensal da taxa de inflação (IPCA) por faixa de renda
entre janeiro e novembro de 2020
30. https://madeusp.com.br/2020/10/por-que-a-desvalorizacao-do-real-em-2020-nao-serve-
-como-defesa-do-teto/
Tabela 15: Variação anual (12 meses) da inflação (IPCA) por faixas de renda
Pelas tabelas acima percebe-se que a inflação afetou muito mais as rendas
mais baixas em função da natureza da inflação de custos recair principalmente
em bens e – dentre esses bens – nos alimentos e bebidas, setor responsável
por parte expressiva do cômputo final do índice. A importância que os alimentos
têm na cesta de consumo das famílias, principalmente das mais pobres,
facilita o “pass trough” cambial. Os principais itens alimentares sofreram com a
desvalorização cambial. Segundo Boletim Macro Ibre/FGV, os alimentos foram
os vilões da inflação de 2020, e acumularam altas expressivas, principalmente
para o produtor. O caso do arroz foi emblemático e exemplifica como nem
toda a variação de custo conseguiu ser repassada ao consumidor. O IPA do
arroz acumulou um aumento de 92,6% até novembro de 2020, enquanto ao
consumidor a alta foi de 57,1%. Em sentido contrário, os preços administrados
e o preço dos serviços têm impedido a inflação de acelerar ainda mais, tendo
avançado 0,9% e 1,6%, respectivamente.
O IGP-M e o IPA-10 são dois outros índices que ensejaram forte preocupação, mas
que já começam apresentar tendência a desaceleração. O IGP-M, por ser um índice
altamente dolarizado, ligado sobretudo ao preço das commodities, fechou com alta
de 23,14%, mas já em clima de redução. As matérias-primas brutas caíram 0,74%
em dezembro. Entre elas, as principais contribuições partiram das commodities,
com redução do preço, principalmente, da soja, do bovino e do milho. O IPA-10,
calculado pela FGV, também registrou desaceleração e também era um índice que
preocupava demasiadamente pelas sucessivas altas. Em dezembro, o índice de
preços ao produtor amplo registrou queda. Parte disso se explica pelo mesmo motivo
que reduziu o montante do IGP-M – o preço das matérias primas brutas – e também
o movimento de desaceleração da apreciação taxa de câmbio e do preço dos bens
intermediários, que tem um papel relevante na composição do índice, com taxas
caindo de 4,2% para 2,7% em dezembro. Ainda assim, é importante ressaltar que a
inflação dos preços no atacado está bem mais elevada que ao consumidor. O choque
de custos não conseguiu ser repassado na sua integralidade aos consumidores, em
função da queda acumulada da renda e da deterioração do mercado de trabalho.
A boa notícia é que, embora o choque sob os alimentos e outros bens tenha sido
significativo, os fatores que explicam esse aumento não tendem a ter efeitos de
permanência ao longo do tempo. O dólar já está cedendo e, com a retomada
das atividades econômicas e dos fluxos de comércio mundial, a maior oferta
de commodities tende a reduzir seu preço em dólar. Segundo Boletim Macro
do Ibre/FGV, os mencionados fatores que explicam o choque inflacionário não
revelam características de permanência, no sentido de produzirem aumentos
expressivos contínuos e generalizados de preços. No entanto, o grande
problema é, se via câmbio e via expectativas de inflação, o choque contamine
outros segmentos, principalmente os serviços, avançando para um quadro de
alta disseminada nos preços, mas isso vai esbarrar na dinâmica econômica
deprimida e na enorme capacidade ociosa.
No gráfico acima fica expresso que o mercado de trabalho não conseguiu reagir
desde a grande crise de 2015-2016. A crise do Novo Coronavírus atinge uma
estrutura laboral marcada pelo crescimento dos trabalhadores desempregados,
dos “conta própria” e dos trabalhadores do setor privado sem carteira de trabalho.
Por outro lado, há uma contração entre os trabalhadores do setor privado com
carteira de trabalho, atestando um menor grau de proteção dos trabalhadores.
Taxa de desocupação
das pessoas de 14 anos
12,2 13,3 14,6
ou mais de idade, na se- 20%
mana de referência (%)
Pessoas de 14 anos ou
mais de idade, fora da
força de trabalho, na 67281 77781 78565
17%
semana de referência
(milhares)
32. https://oglobo.globo.com/economia/com-pandemia-pais-perde-89-milhoes-de-vagas-
-em-apenas-um-trimestre24570428#:~:text=RIO%20%E2%80%94%20A%20crise%20
econ%C3%B4mica%20gerada,nesta%20quinta%2Dfeira%20pelo%20IBGE.
empregador foram bem mais tímidas no Brasil, que apenas operou uma linha
de crédito especial e o adiamento do recolhimento de tributos.
Dessa forma, trabalhadores com rendas mais elevadas – que ganham acima
de 3 salários mínimos – podem ter apresentado queda na sua renda entre
33.https://observatorio-politica-fiscal.ibre.fgv.br/posts/politicas-que-estao-sen-
do-adotadas-para-o-combate-ao-covid-19-experiencia
34. https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/nota-do-cecon-MP936-F2.pdf
35. https://www.contabeis.com.br/noticias/43338/mp-936-reducao-e-suspensao-de-contra-
to-atinge-10-milhoes-de-pessoas/#:~:text=O%20site%20disponibilizado%20pelo%20gover-
no,meses%20de%20vig%C3%AAncia%20do%20programa.
36. https://www.aguia.usp.br/noticias/49310/
37. https://www.folhape.com.br/economia/quase-a-metade-dos-brasileiros-viu-renda-fami-
liar-diminuir-na/151704/
Como indicado na tabela acima, houve uma variação deveras superior entre
o percentual de mulheres que deixaram a força de trabalho em relação aos
homens. Enquanto a variação acumulada, para eles, perfaz 8%, para elas
chega a 14%.
38. https://iree.org.br/wp-content/uploads/2020/12/3-Boletim-IREE-de-Poli%CC%81tica-E-
cono%CC%82mica-Novembro-de-2020.pdf
Pela tabela acima fica evidenciado que ocupações tais como “Outros
Serviços” – que compreendem, entre outros, os chamados serviços pessoais,
especialmente às famílias – tiveram uma redução de 30% no total de ocupados
entre o último trimestre de 2019 e o 3º trimestre de 2020. Nesse setor estão
fundamentalmente mulheres. Além disso, setores tipicamente femininos como
trabalho doméstico e alojamento e alimentação também figuram entre as
ocupações que mais perderam postos líquidos de trabalho, onde – mais uma
vez – as mulheres têm predominância.
Os setores que são identificados por maior presença feminina sobre o total de
mulheres ocupadas, se destacam como aqueles em que é maior a diferença
entre o rendimento habitualmente recebido e o efetivamente recebido na
pandemia. Para o setor onde estão alocadas as atividades de serviços pessoais,
como cabelereiros, estética e outros serviços pessoais, a proporção entre o
efetivamente recebido foi apenas 43% do rendimento habitual.
A queda da renda nos setores ligados aos serviços – entre os quais compreendem
os serviços pessoais, às famílias e de alimentação – faz surgir uma situação
aparentemente paradoxal. Enquanto a massa total de rendimentos da
população brasileira como um todo e, especialmente das mulheres, caiu nesse
período de crise, o rendimento médio se elevou. Enquanto os homens tiveram
uma variação negativa de 1% na diferença entre o rendimento médio recebido
no último trimestre de 2019 e no terceiro trimestre de 2020, as mulheres
experimentaram uma elevação na renda média de pouco mais de 2%, segundo
dados da PNADC. A explicação para isso reside, justamente, no fato de que
os trabalhados que mais abarcam mão-de-obra feminina terem sido os mais
destruídos durante a crise atual. Assim, se são retiradas as rendas mais baixas
do computo final, a média se eleva, embora a massa total salarial tenha recuo.
O que tange a massa de rendimentos totais, as mulheres tiveram uma perda de
17%. Dessa forma, a elevação da renda média confirma que os empregos de
menor remuneração foram os mais destruídos.
39. https://folhadirigida.com.br/mais/noticias/mercado/sebrae-anuario-perfil-trabalhadores
Sob essa ótica, o ano de 2020 representou uma expansão inédita nas cercas de
suas terras comuns, ao menos no que se refere aos gastos públicos federais. Como
resposta à crise pandêmica fizemos o maior programa de transferência de renda
da nossa história e realizamos um dos maiores gastos discricionários no mundo.
Ainda segundo o órgão, esse avanço dos gastos será responsável por um
déficit do governo central em 2020 próximo aos 11% do PIB (equivalente a R$
779,8 bilhões, ou em outros termos, mais de onze vezes o orçamento previsto
para a prefeitura de São Paulo em 2021). Tamanha diferença entre despesas
e receitas tem sido acomodada através de uma significativa expansão da
dívida pública. Segundo dados do Banco Central, a dívida bruta do governo
geral aumentou 12 pontos percentuais na comparação entre novembro último e
2019, atingindo o patamar de 88% do PIB. Vale destacar, entretanto, que entre
outubro e novembro do último ano tivemos a primeira variação negativa na
série desde novembro de 2019.
Dos quase R$ 600 bilhões investidos em créditos extraordinários para lidar com
a pandemia, nada menos que 69% foram destinados ao Auxílio Emergencial
41. https://www.conjur.com.br/dl/decreto-legislativo-2020-coronavirus.pdf
Tal destinação, fruto de trabalho do Congresso que ampliou tanto o valor, quanto
o escopo do Auxílio proposto inicialmente pelo Governo42, foi responsável pela
maior política de redução da pobreza e da desigualdade que o Brasil já realizou.
Em agosto último atingimos o patamar de 38,8 milhões de pessoas vivendo
com menos de US$ 5,5 por dia (aproximadamente R$ 29,7 pelo câmbio do
mês) e 5,2 milhões de pessoas com menos de US$ 1,9 por dia (aprox. R$
10,26), respectivamente as linhas de pobreza e extrema pobreza definidas pela
ONU43. Segundo Carvalho e Rossi (2020) o auxílio emergencial ao beneficiar
direta e indiretamente mais de 80 milhões de pessoas, foi capaz de neutralizar
inteiramente o aumento das desigualdades na renda do trabalho. Para os
50% mais pobres, o auxílio foi suficiente para levar a renda média para o nível
habitual recebido anteriormente.
Apesar do número significar que temos uma população um pouco maior que a
do Canadá vivendo em situação de pobreza, esses números são os menores
em mais de quatro décadas.
42. Anúncio de auxílio para trabalhadores informais por Paulo Guedes em 18/03/2020:
https://www.youtube.com/watch?v=2qV1euU68Ww
43. https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,reducao-do-auxilio-piora-renda-e-mais-
-pessoas-caem-na-pobreza-ou-miseria,70003536406
Não há dúvidas de que o custo dessa política social foi bastante elevado. Ainda
que o mundo inteiro tenha atuado de forma enfática para atenuar os efeitos da
crise, o mercado de títulos brasileiros já manifesta certo receio por parte dos
chamados agentes de mercado em relação à nossa trajetória de gastos. Entre
agosto de 2020 e janeiro deste ano a taxa de juros para títulos pré-fixados
com vencimento em 24 meses saltou de 3,93% para 5,2%, enquanto a taxa
para títulos de 48 meses saiu de 5,3% e chegou a 6,7%. O aumento do prêmio
de risco, ainda que em níveis baixos para nosso histórico de juros elevados,
evidencia a necessidade de buscar soluções para o desequilíbrio fiscal.
Ainda assim, o aumento dos juros no longo prazo tem feito com que a Secretaria
do Tesouro Nacional opte por encurtar o prazo de vencimento da dívida, a fim
de aproveitar dos juros mais baixos. Segundo a IFI, em outubro passado o
prazo médio da Dívida Pública Federal foi de 3,7 anos, sendo que 43% vencia
em até dois anos e 15% deverá ser paga nos primeiros quatro meses de 202144.
44. https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,vencimento-de-titulos-no-inicio-de-
-2021-poe-governo-e-investidores-em-alerta,70003477152
45. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/12/16/senado-aprova-lei-de-diretrizes-orca-
mentarias-para-2021- que-segue-para-sancao-presidencial
46. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1468431&fi-
lename=PEC+241/2016
6.1.6.1. INDÚSTRIA
A indústria entrou na crise do coronavírus sem estar recuperada da crise de
2015/16. Em fevereiro de 2020, mês que antecedeu as bruscas quedas em
decorrência do alastramento da pandemia, a produção industrial geral ainda se
encontrava 8,9% abaixo da produção de dezembro de 2014. O duro cenário para
a indústria no país, que não conseguiu lograr satisfatórias taxas de crescimento
nos últimos anos, piorou a condição que o setor entrou na crise. Com grande
dependência do mercado doméstico – principal destino da produção – o
baixo dinamismo da economia brasileira, combinado a um quadro jurídico e
político desfavorável e perda da inserção externa industrial, dificultaram um
desempenho mais exitoso da indústria na segunda metade da última década.
Nesse cenário, a chegada da crise da Convid-19 atacou a indústria brasileira
em um momento de fragilidade.
47. https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2020/12/economia-pode-ter-recuperacao-in-
clusiva-pos-covid-com-responsabilidade-fiscal.shtml
48. https://www.iedi.org.br/artigos/top/analise/analise_iedi_20201104_industria.html
49. https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/07/menos-de-20-do-credito-para-socorrer-empre-
sas-foi-desembolsado.shtml
50. https://valor.globo.com/financas/noticia/2021/01/04/credito-a-empresas-registra-expan-
sao-em-quase-todos-os-setores-da-economia-aponta-bc.ghtml
51. https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/09/81-das-micro-e-pequenas-industrias-
-estao-sem-acesso-ao-credito.shtml
52. https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/09/81-das-micro-e-pequenas-industrias-
-estao-sem-acesso-ao-credito.shtml
empresas, o cheque especial tem taxas em torno de 295% ao ano. Foi só quando
passaram a vigorar as linhas especiais de crédito, como o Programa Especial
de Acesso ao Crédito (Peac), administrado pelo BNDES, e o Programa Nacional
de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe)53, que
contou com recursos do Fundo Garantidor de Operações (FGO), 54administrado
pelo Banco do Brasil, que a liquidez chegou às MPMEs. Ainda que tenham
sido lançadas no primeiro semestre, entre maio e junho, o socorro efetivamente
chegou apenas nos últimos meses do ano. Em novembro as MPMEs foram
responsáveis por receber 41% dessas verbas55. Dessa forma, ainda que o
crédito tenha estado entre as principais políticas para sustentar as empresas
durante a pandemia, o acesso desigual aos recursos deve impor também uma
recuperação desigual entre as empresas.
57. https://bricspolicycenter.org/os-efeitos-da-pandemia-no-mercado-internacional-de-mine-
rio-de-ferro/
58. https://bricspolicycenter.org/os-efeitos-da-pandemia-no-mercado-internacional-de-mine-
rio-de-ferro/
59. https://www.gov.br/pt-br/noticias/financas-impostos-e-gestao-publica/2021/01/balanca-
-comercial-fecha-2020-com-superavit-de-us-50-9-bilhoes#:~:text=Em%202020%2C%20
a%20balan%C3%A7a%20comercial,foi%20de%20US%24%2048%20bilh%C3%B5es.
60. https://www.gov.br/pt-br/noticias/financas-impostos-e-gestao-publica/2021/01/balanca-
-comercial-fecha-2020-com-superavit-de-us-50-9-bilhoes#:~:text=Em%202020%2C%20
a%20balan%C3%A7a%20comercial,foi%20de%20US%24%2048%20bilh%C3%B5es.
6.1.6.2. COMÉRCIO
61. https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/01/12/analise-caso-ford-expoe-falta-de-
-competitividade-da-industria-no-brasil.ghtml
Gráfico 35: Volume das vendas do varejo com ajuste sazonal. Índice de
base fixa (2014=100)
62. https://www.dw.com/pt-br/sem-aux%C3%ADlio-emergencial-brasil-deve-ter-mais-de-
-20-milh%C3%B5es-em-pobreza-extrema/a-56220720
63. https://valor.globo.com/grandes-grupos/noticia/2020/12/30/comercio-tem-otimismo-mo-
derado-com-sinais-positivos.ghtml
64. https://www.cielo.com.br/boletim-cielo-varejo/
6.1.6.3. SERVIÇOS
O setor de serviços foi o setor mais impactado pela pandemia e o único que
ainda não retomou o patamar de fevereiro. A queda acumulada de fevereiro
a abril foi de 17,3%, livre de efeitos sazonais, e em novembro – último dado
disponível – o setor ainda estava 3,9% abaixo do patamar pré-pandemia.
Apesar da tendência de recuperação, a letargia da retomada do setor é
preocupante pois é responsável por 70% da economia brasileira e mais de
50% dos empregos. O resultado do setor é o principal responsável pela queda
do PIB no ano. No acumulado de janeiro à novembro, o volume de serviços
no país se encontrava 8,3% abaixo do observado em 2019, em comparação
com o mesmo período.
Entre os segmentos, o que foi mais impactado pela pandemia foi o de serviços
prestados às famílias - muito prejudicado pelo isolamento social - que caiu 62,0%
ao todo e ainda está 25,8% abaixo do patamar de fevereiro, na comparação
dessazonalizada. Por outro lado, o segmento de serviços de informação e
comunicação - essencial durante o período da quarentena e para as adaptações
de teletrabalho - registrou uma queda bem menor, de 4,9%, e em novembro já
estava 2,6% acima do patamar de fevereiro. Já o segmento de transportes,
serviços auxiliares aos transportes e correio também esteve entre os maiores
impactados pela pandemia e restrições de atividades presenciais, com queda
de 23,2%, porém acusa alta mais expressiva recentemente impulsionado pelas
vendas online e pelo desempenho do setor agrícola, estando atualmente 5,0%
abaixo do patamar de fevereiro.
O isolamento representou uma grande dificuldade para o setor, que tem boa
parte da dinâmica presencial, tendo conseguido terem melhores desempenho
os segmentos que conseguiram se adaptar. A queda da renda e o elevado
desemprego também impactaram negativamente o setor, sobretudo de
serviços não essenciais que foram cortados pelas famílias, enquanto os gastos
com bens essenciais se elevaram. Com o corte do auxílio emergencial pela
metade, o ritmo de recuperação do setor já arrefeceu, passando de uma média
de crescimento de 3,4% ao mês entre junho e setembro, na comparação livre
de efeitos sazonais, para média de 1,6% ao mês em outubro e novembro, na
mesma comparação.
6.1.6.4. AGROPECUÁRIA
65. https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/conjuntura/201124_cc_49_nota_21_
agropecuaria.pdf
Outro fator que chamou atenção durante o ano foi a alta dos preços dos
alimentos, muito superior a inflação geral da economia. Enquanto o subgrupo dos
componentes do IPCA “Alimentação no domicílio” teve alta de 18,2% na média
do ano, o índice geral fechou o ano em +4,5%. Os produtos que mais impactaram
no resultado foram o óleo de soja (103,79%), o arroz (76,01%), o leite longa vida
(26,93%) e as carnes (17,97%). Além desses, outros produtos que também
possuem peso importante na cesta de consumo brasileira como a batata-inglesa
(67,27%) e o tomate (52,76%) também tiveram fortes elevações em 2020.
Como causas da alta dos preços dos alimentos, podemos destacar de um lado,
a desvalorização do real, que incentivou a expansão das exportações, reduzindo
a oferta interna. De outro, tem sido destacado por alguns economistas (e até
por Paulo Guedes)66 que o aumento da demanda interna, com a expansão
do consumo das famílias impulsionado pelo Auxílio Emergencial, teria elevado
a demanda sobretudo de bens de primeira utilidade.
66. https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/economia/audio/2020-11/gue-
des-atribui-ao-auxilio-emergencial-aumento-do-preco-dos-alimentos#:~:text=Os%20alimen-
tos%20foram%20os%20principais,e%20do%20arroz%2C%2018%25.
67. https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/09/17/ibge-confirma-que-pas-voltou-ao-mapa-
-da-fome-em-2018-diz-pesquisador.ghtml
68. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/10/08/possivel-veto-da-uniao-euro-
peia-a-acordo-com-mercosul-em-razao-da-politica-ambiental-repercute-no-senado
6.1.6.5. FINANCEIRO
O setor financeiro foi o primeiro a ser duramente impactado pelos efeitos da
pandemia, mais vulnerável ao quadro internacional. Já em 9 de março, quando
sequer havia óbitos por coronavírus no Brasil a bolsa de valores brasileira
registrou o primeiro “circuit breaker” do ano, dispositivo que não era acionado
desde o “Joesley day”, e maior queda da B3 desde 199869. Nesse dia, os
mercados já receosos por conta da rápida disseminação da crise do coronavírus,
responderam à decisão da Opep de cancelar os cortes de produção de petróleo,
que levaram a um desabamento dos preços da commodity em -24,1%. Nesse
primeiro dia de interrupção das operações da bolsa, a Petrobras foi a empresa
mais atingida, perdendo mais de 90 bilhões em valor de mercado70.
O setor financeiro foi o primeiro a cair, mas também o primeiro a dar sinais
de retomada enquanto os setores produtivos ainda patinavam. A recuperação,
mesmo que lenta e gradual, foi motivada justamente pelas respostas – internas e
externas – à crise, com o anúncio de grandes pacotes para “salvar” a economia.
Externamente, destacam-se o pacote fiscal de US$ 2 trilhões anunciado pelo
Congresso estadunidense71 e a injeção de liquidez com as taxas de juros
próximas de zero ou mesmo negativas promovidas pelos bancos centrais do
mundo – em especial, FED e BCE.
72. https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/novas-medidas-de-bancos-bus-
cam-impacto-positivo-para-as-mpe,539d51f30ec01710VgnVCM1000004c00210aRCRD
73. https://www.infomoney.com.br/mercados/ibovespa-retoma-o-nivel-pre-carnaval-e-fecha-
-semana-com-alta-de-29-dolar-cai-a-r-512/
74. https://www.ey.com/pt_br/financial-services/transformacao-do-setor-bancario
6.2.1. Introdução
O ano de 2021 marcou o segundo ano da Pandemia do Coronavírus e é
possível afirmar que ele se dividiu em dois: os primeiros meses apresentaram
ventos otimistas, ainda embalados com a renda disponível pelos efeitos do
auxílio emergencial; uma inflação elevada, mas controlada em alguns setores e
uma política monetária ainda expansionista. Dessa forma, o primeiro trimestre
de 2021 foi, com os dados que temos em mãos até o momento, o único
trimestre de crescimento positivo, fechando em 1,2% de alta em relação ao
último trimestre de 2020, especialmente puxado pela atividade agropecuária
pela ótica da produção e pelo investimento na ótica da demanda.
75. https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,bancos-fecham-mil-agencias-este-ano-
-por-conta-de-pandemia-e-avanco-da-digitalizacao,70003513191
Até mesmo o FMI tem insistido para que economias como a brasileira -
endividadas na própria moeda não cessem os estímulos fiscais, já que
os efeitos da pandemia não se encerram com o fim da propagação do
vírus, mesmo contando com a vacina. Ainda que a manutenção do auxílio
emergencial ou alguma outra alternativa no campo da transferência de
renda elevem o endividamento público no curto prazo, no longo prazo esses
estímulos também elevam a base da razão dívida/PIB, podendo reduzir a
proporção do endividamento mesmo que ele se eleve do ponto de vista
nominal.
A nova lei também faz uma mudança quanto aos objetivos da Política Monetária.
Por decreto presidencial, o objetivo final da condução da política monetária era
a perseguição da meta de inflação. Agora, a lei prevê que, sem prejuízo do
objetivo principal de estabilidade de preços, o COPOM deve buscar também o
pleno emprego e a suavização do ciclo econômico.
76. https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/02/banco-central-nao-faz-politica-fiscal-
-mas-joga-luz-ao-debate-diz-campos-neto.shtml
77. https://valor.globo.com/politica/noticia/2021/02/10/camara-aprova-lei-que-permite-abrir-
-conta-em-dolar-no-brasil-texto-vai-ao-senado.ghtml
78. https://valor.globo.com/opiniao/coluna/nova-lei-cambial-um-projeto-de-alto-risco.ghtml
a choques externos, característica essa que tem sido dirimida pelo acúmulo de
reservas internacionais pelo Banco Central. O projeto proposto, então, pode
nos colocar novamente à mercê das flutuações externas, causando grande
prejuízo a estabilidade da economia brasileira e a diminuição da efetividade da
política econômica nacional.
Cabe ressaltar que a política monetária afeta todos os brasileiros, e suas decisões
impactam diretamente o conflito distributivo. Se de um lado os defensores da
autonomia do Banco Central alegam melhoras no controle inflacionário por uma
instituição autônoma, pode-se argumentar, de outro lado, que existem estudos
que apontam uma piora na desigualdade como um reflexo da autonomia. Uma
mudança desse tamanho passou no Congresso sem que houvesse um debate
de maior densidade junto à sociedade.
79. https://www.conjur.com.br/2018-fev-27/contas-vista-precisamos-debater-custos-riscos-
-regime-juridico-bc
Assim, numa economia que não cresce ou cresce pouco, ou seja, o bolo ano a
ano continua do mesmo tamanho e na qual uma parte consegue proteger seus
rendimentos e outra parte não, os “pedaços do bolo” passam a ser redivididos,
favorecendo aqueles que possuem a aludida capacidade de se proteger da
inflação. De forma semelhante, a inflação, ao redistribuir a renda em favor dos
mais ricos, prejudica as perspectivas de crescimento da economia, pois os mais
pobres tendem a gastar com consumo uma maior parcela da renda que recebem.
Ou seja, quando a inflação redistribui a renda aumentando a desigualdade, se
reduz, tudo o mais constante, a demanda agregada da economia.
A meta de inflação fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para 2021
era de 3.75%, contando com uma tolerância de 1.5% superior e inferior a meta.
O Banco Central do Brasil (BCB) é o responsável pelo cumprimento desta meta
ao ajustar a taxa básica de juros aos desvios da inflação de sua meta. Em
verdade, o pressuposto teórico da institucionalidade do regime de metas de
inflação caracteriza a inflação como um processo fundamentalmente oriundo
de pressões de demanda. Quando advinda de choques de oferta, o protocolo
do regime de metas condiz com um alongamento do prazo de convergência
do índice inflacionário a meta. Nesta seção, vamos, em primeiro lugar, analisar
o IPCA e seus componentes, bem como o indicador de inflação por faixa de
renda do IPEA. A seguir, vamos discutir a estratégia do BCB ao longo de 2021
em sua gestão da política monetária e, por fim, discutiremos brevemente as
perspectivas para 2022.
Gráfico 45: IPCA cheio mensal (em azul, à dir.) e IPCA cheio
acumulado em 12 meses (em laranja, à esq.).
Abaixo, tem-se a inflação acumulada por faixa de renda entre jan/21 e nov/21.
Sistematicamente a inflação das faixas de renda mais baixas ficou acima dos
índices que incidem sobre a cesta de consumo das faixas de renda mais altas.
Tal fator pode ser explicado pelo fato de que a inflação dos serviços, que tem
maior peso no orçamento daqueles de maior renda, ficou abaixo do índice
geral, ou seja, pressionou o índice para uma queda. Por outro lado, também
é possível explicar a maior incidência da inflação na cesta de consumo dos
mais pobres a partir do fato de que bens comercializáveis, como alimentos, e
monitorados, como os derivados de petróleo, possuem um maior peso em seus
orçamentos.
Entre agosto de 2020 e março de 2021, a Selic foi fixada pelo Copom em 2.00%
ao ano. Em março, teve-se uma primeira elevação de 0.75%, a qual foi objeto de
controvérsias, pois se, por um lado, a inflação apontava forte tendencia de alta,
por outro, a economia continuava com grande capacidade ociosa. Ademais,
os críticos apontavam que a inflação vivida e vindoura era oriunda de choques
de oferta e que, portanto, elevações da taxa de juros - que supostamente
devem atuar sobre a demanda agregada – seriam improprias para o controle
inflacionário. Neste raciocínio, o BCB deveria manter, ao apostar que os choques
se dissipariam rapidamente, a taxa de juros em níveis baixos, sinalizar para o
não cumprimento da meta inflacionária em 2021 e sua convergência para os
anos seguintes, quando os choques de oferta se dissipassem.
Ao mesmo tempo, a taxa de juros real ex-ante que a partir do segundo semestre de
2020 apresentava valores negativos, com a alta da taxa básica nominal, passou a
subir a partir de março/21, terminando o ano de 2021 em 3.8%, nível considerado
restritivo pelo BCB em seu Relatório de Inflação de Setembro de 2021.
Se, por um lado, a elevação dos juros afeta a atividade com uma certa
defasagem de tempo, por outro, um dos principais canais de transmissão
da política monetária aos preços é o canal cambial. Como vimos acima, os
preços mais sensíveis ao cenário externo, em especial a variação cambial e a
preços internacionais, como as commodities e derivados de petróleo, foram um
dos principais responsáveis pela alta inflação vivida em 2021. Neste âmbito,
a gestão da taxa básica afeta a variável cambial ao aumentar ou reduzir o
diferencial entre os juros internos, a taxa nominal básica, e os juros externos,
o juro básico norteamericano acrescido de uma medida de risco soberano, no
caso abaixo o EMBI+Brasil. O gráfico 7 nos mostra que a medida em que a taxa
interna foi se elevando, com a taxa básica norteamericana estável e a medida
de risco também relativamente estável, o diferencial se elevou rapidamente, o
que deveria gerar um influxo de capitais externos no país e a apreciação da
taxa de câmbio. Todavia, não é isto que observamos no segundo semestre.
Esta “anomalia” pode ser explicada, por hipótese, pelos seguintes fatores:
Pela tabela acima nota-se que o desemprego tem cedido no Brasil, voltando
a aproximar-se da taxa de desemprego do período pré-pandemia. Elementos
como a cobertura vacinal e o fim das restrições ao funcionamento das atividades
econômicas- especialmente aos serviços que são mais empregadores de mão-
de-obra – concorrem para explicar porque a taxa de desemprego está cedendo
concomitantemente ao aumento da taxa de participação.
Variação
Posição na ocupação e
ago-set- jan-fev- abr-mai- ago-set- ago-set-out 2020
categoria do emprego no
-out 2020 -mar 2021 -jun 2021 -out 2021 com o mesmo
trabalho principal
período em 2021
Empregado no setor privado,
exclusive trabalhador
doméstico - com carteira de
trabalho assinada 31325 31515 32098 33876 8%
Empregado no setor privado,
exclusive trabalhador domés-
tico - sem carteira de trabalho
assinada 9980 10244 10605 11956 20%
Trabalhador doméstico 4509 4713 4906 5513 22%
Empregador 3818 3697 3719 3859 1%
Conta própria 22141 23560 24643 25638 16%
Não somente por essas modalidades informais ou pouco protegidas, mas outro
ponto que podemos avaliar como negativo nesse balanço é que a estrutura
laboral brasileira tem apontado para um aumento persistente da taxa composta
Ainda sobre o perfil desses trabalhadores, o que puxou para cima o número
total de subocupados foi basicamente os trabalhadores por conta própria e
os trabalhadores domésticos informais, sem registro em carteira trabalho.
Somados, os dois grupos respondem por 70% dos 2 milhões a mais de pessoas
na condição de subocupados.
Quase seis em cada dez acordos e convenções coletivas que foram fechados no
mês de julho findaram com percentuais de reajustes salariais aos trabalhadores
menores que o INPC. Somente um em cada quatro acordo e convenções
chegaram a ter ganhos reais aos trabalhadores. O piso médio ficou em R$
1.345,00.
Não obstante, o cenário fiscal futuro ainda enseja grandes incertezas que em
nossa visão decorrem da má modelagem da regra conhecida como ‘teto de
gastos’. Como muitos economistas têm alertado desde sua implementação,
esta regra é muito restritiva e impede a realização de uma política fiscal
anticíclica. Ademais, ao congelar os gastos públicos em termos reais, acaba-se
por determinar uma trajetória de redução do Estado, fato que não leva em conta
as necessidades em termos de serviços públicos de uma população que cresce
a cada ano. Desta forma, a incerteza que decorre desta regra advém de sua
pouca legitimidade social e também da constatação de que seu cumprimento
seria muito difícil, o que abre precedente a especulações sobre qual regra
entraria em seu lugar.
Um outro ponto que começou a ser debatido neste ano e, por contingências
políticas foi deixado de lado, é a Reforma Tributária progressiva e que corrija
distorções de nosso sistema atual é extremamente importante para uma maior
eficiência econômica e para a redução de desigualdades.
proposta foi aprovada, nos dois turnos do Senado Federal, a PEC 186, que
recria um auxílio emergencial que caiba no valor total de 44 bilhões, com essa
despesa sendo paga com créditos extraordinários e, portanto, fora do teto de
gastos. A duração, a abrangência e o valor das parcelas ficarão a carga de
definição pelo Executivo, mas, pelo valor liberado, sabe-se que o programa terá
um escopo bastante reduzido em relação ao que foi o auxílio em 2020.
A PEC 186 foi fruto da unificação de duas propostas que já estavam tramitando
no Congresso: a PEC emergencial e a PEC do pacto federativo. Em síntese,
essas PEC criam regras fiscais com o objetivo de comprimir ainda mais o gasto
público. A Proposta institui os chamados “gatilhos” mais cortes nos gastos
públicos – tais como a proibição de criação de novos gastos, contratação de
trabalhadores, reposição salarial pela inflação e promoção de funcionários
públicos. Os gatilhos serão acionados sempre que as despesas obrigatórias
atingirem 95% das despesas totais. A perspectiva de diversos institutos de
pesquisa é que a economia brasileira ainda operará em déficit primário por
mais seis ou sete anos. Isso significa que os gatilhos, diferentemente do auxílio
emergencial, não são “emergenciais” e tendem a e perpetuar ao logo tempo,
uma vez que só haverá aumento dos gastos discricionários – pela redução
da participação das despesas obrigatórias nas despesas totais – quando a
arrecadação for fiscal for superior ao crescimento das despesas.
80. https://madeusp.com.br/wp-content/uploads/2021/02/NPE007_site.pdf
81. Uma aritmética fiscal confortante, em tradução livre. Uma tradução da reportagem feita
por Renato Prelorentzou publicada no Estado de S. Paulo em 16 de fevereiro está disponí-
vel nesse link.
82. https://www.youtube.com/watch?v=RM_QXhBLwQ4&t=2850s
83. Uma aritmética fiscal desprazerosa, em tradução livre.
6.2.5.1. Indústria
Pelo lado da oferta, o setor enfrentou uma grande pressão de custos, e dificuldade
de obtenção de insumos. O Índice de Preços ao Produtor (IPP) registrou alta
de 28,4% para o total da indústria entre janeiro e novembro. A desarticulação
das cadeias produtivas globais, com a dissincronia entre paradas e aberturas
de fábricas tanto internamente quanto globalmente, desorganizou a produção e
elevou os custos de produção. Pesquisa realizada pela Confederação Nacional
da Indústria (CNI), aponta que 72% das empresas obtiveram no último ano
dificuldade de conseguir insumos importados e 69% obtiveram problemas em
acessar insumos domésticos.
6.2.5.2. Comércio
6.2.5.3. Serviços
O setor de serviços foi o que demonstrou a mais lenta recuperação após o choque
da pandemia, passando o ano de 2020 inteiro sem atingir o patamar antes da
chegada da Covid-19. Contudo, diferentemente da indústria e do comércio, este
caminha para o final do ano em nível superior à antecedência do choque.
Gráfico 56: Volume dos Serviços com ajuste sazonal (Índice de base fixa.
2014=100)
6.2.5.4. Agropecuária:
A agropecuária foi o setor de destaque na recuperação em 2020. A queda foi
menor, a recuperação foi mais rápida e foi o único setor a apresentar uma
performance positiva no ano. O ano de 2021 começou com grande euforia, com
o robusto crescimento de 5,7% do PIB do agronegócio no primeiro trimestre
em relação ao trimestre anterior e 5,2% com relação ao mesmo período do
ano anterior. O bom desempenho da atividade econômica no primeiro trimestre
foi positivamente impactado pelo setor de agropecuária seja diretamente, pela
expansão do setor, seja pelo impacto que teve nos Investimentos, através da
aquisição de máquinas e equipamentos agrícolas.
A alta dos custos de produção pela inflação dos insumos prejudicou a produção
de leite, onde também é esperada retração no ano, de 4,9%. O embargo da
China às exportações brasileiras de carne bovina, que durou três meses, foi
extremamente prejudicial para o setor. O país asiático é destino quase metade
das exportações brasileiras de carne bovina, e as exportações orbitam em torno
de 20% a 30% da produção. Com isso, além da queda nas vendas, o preço do
A inflação dos alimentos foi uma marca no ano de maneira geral, pressionada
pelos custos dos insumos – tanto pela desarticulação das cadeias produtivas
globais, quanto pela desvalorização do real frente ao dólar – e pelos fatores
climáticos supracitados. Em um ano de aumento da pobreza e marasmo do
mercado de trabalho – com elevado desemprego e perda dos rendimentos
médios reais do trabalho – a alta dos preços atingiu em cheio sobretudo as
classes mais pobres, trazendo de volta ao cenário brasileiro a fome, havendo
mais de metade da população passado pelo ano em situação de insegurança
alimentar.
Para 2022, a expectativa para a produção é de que alguns itens vegetais, como
o milho e o café, apresentem recuperação, e que a soja bata novo recorde
produtivo. A recuperação da pecuária, por sua vez, depende em boa parte da
ausência de novas restrições por parte da China com relação à carne bovina,
e da queda dos custos de produção do leite – esta última pouco esperada, ao
menos ao longo do primeiro semestre.
6.2.5.5. Financeiro
O início do ano de 2021 no setor financeiro foi movido pela expectativa de
melhoras na economia. Por um lado, o início da vacinação, ainda que tardia,
apontava para uma perspectiva de retomada da economia com maior solidez,
a partir da imunização da população. Por outro, os resultados da atividade
do primeiro trimestre que corroboravam com as expectativas, sustentaram
um semestre praticamente inteiro de melhores expectativas. Enquanto os
investidores da Bolsa de Valores comemoravam ganhos expressivos com
aplicações no mercado financeiro, inaugurando um “touro de ouro” em frente
à sede da Bolsa de Valores no centro de São Paulo, o Brasil assistiu durante o
ano de 2021 o aumento da pobreza e o retorno da fome.
Fatores climáticos, como as geadas de julho e a seca, que provocou uma crise
hídrica e energética, afetaram as perspectivas com relação ao lado produtivo da
economia. A alta dos preços da energia e das commodities valorizou as ações
dessas empresas, que possuem um peso relevante no mercado financeiro
brasileiro. Todavia, o outro lado da moeda foi que a aceleração da inflação
e pressão de custos sobre a esfera produtiva motivaram o rebaixamento
das expectativas com relação ao desempenho da economia brasileira, sem
demanda que sustentasse a projeção de crescimento esperada anteriormente.
Os resultados frustrantes no segundo trimestre e no terceiro trimestre, que
nos trouxeram a um quadro de recessão técnica1, inverteram a trajetória de
valorização do índice Ibovespa no segundo semestre.
No contexto de alta das taxas de juros, o setor bancário foi beneficiado com
aumento dos spreads e ganhos de tesouraria. A ligeira perda de receita dos
bancos de 2020, de 1,6%, e menor lucro líquido, foi amplamente compensada
em 2021. A somatória dos balanços dos bancos foi ampliada em 55,9% ao longo
do ano. Houve também um movimento de intensa bancarização, amplamente
reforçado pelo Auxílio Emergencial, que incorporou 14 milhões de pessoas
novas no sistema bancário. Esse movimento foi favorecido pela flexibilização
e modernização da regulação, que acelerou a digitalização com inovações
amplamente difundidas como foi o caso do PIX. A digitalização, somada a
um quadro de redução de direitos trabalhistas, levou também à expansão de
seguros de vidas e previdência privada em bancos digitais e fintechs, que se
expandiram em 24% e 14%, respectivamente.
A inflação foi uma das grandes “vilãs” de 2021, encerrando o ano largamente
acima da meta (em 10,06%, quando a meta era 3,75%, com teto em 5,25%),
o que agravou o quadro de crescimento da pobreza e volta da fome. Os itens
que mais impactaram a alta do nível geral de preços foram os preços chamados
“administrados” – combustíveis, gás e energia – e alimentos e bebidas. A alta
dos combustíveis e gás foi motivada pela forte desvalorização do real frente
ao dólar ao longo do ano e da recuperação dos preços do petróleo, em
cenário em que a política de preços da Petrobras repassa diretamente essas
movimentações para o preço dos produtos finais. A elevação desses preços
tem efeitos em cadeia sobre outros preços da economia, elevando os custos
de frete e transporte da indústria. A alta dos preços da energia elétrica esteve
relacionada à crise hídrica-energética, sem planejamento de suavização com
as outras fontes energéticas disponíveis. O encarecimento das tarifas além
de pesar no bolso dos consumidores, também pressiona os custos de todos
os setores da economia real. Finalmente, a alta dos preços dos alimentos e
bebidas, motivada pelo câmbio e pelo enfraquecimento e desestruturação de
programas de regulação de estoques e de compras públicas, têm efeitos mais
severos sobre as famílias mais pobres que frente ao elevado desemprego e
perda de rendimentos, tiveram seu poder de compra ainda mais corroída pela
inflação.
Nesse cenário, o Banco Central optou ao longo do ano por elevar drasticamente
a taxa básica de juros, encerrando o ano em 9,25%. No início do ano passado, a
previsão era que a Selic terminasse o ano entre 3 e 4%. Embora a inadimplência
tenha permanecido controlada ao longo de 2021, o grau de endividamento tanto
das famílias quanto das empresas atingiu níveis recordes. O elevado grau de
comprometimento dos agentes econômicos em cenário de alta de juros deve
atuar como mais uma restrição à recuperação econômica neste ano. Além do
mais, destacamos os efeitos que a elevação dos juros tem também sobre os
serviços da dívida pública, impactando os indicadores fiscais.
Mundo afora antigos “dogmas” têm sido reavaliados por economistas das
mais diversas correntes. É o caso do uso da política fiscal como forma de
induzir o crescimento, o papel do Estado na redução das desigualdades,
a importância de direitos trabalhistas. Temas como mudanças climáticas e
crise ambiental tomaram protagonismo importante no debate econômico em
âmbito internacional, inclusive pautando a agenda econômica e de relações
internacionais de diversos países. O Brasil enfrenta a dura necessidade de
se recuperar de uma crise profunda e de longa duração. O debate plural,
democrático e aberto a reavaliações de remédios e resultados adotados no
último período é fundamental para recolocar o país em uma trajetória de
crescimento, combatendo as mazelas herdadas desse período de crise.
A inflação foi uma das grandes “vilãs” de 2021, encerrando o ano largamente
acima da meta (em 10,06%, quando a meta era 3,75%, com teto em 5,25%),
o que agravou o quadro de crescimento da pobreza e volta da fome. Os itens
que mais impactaram a alta do nível geral de preços foram os preços chamados
“administrados” – combustíveis, gás e energia – e alimentos e bebidas. A alta dos
combustíveis e gás foi motivada pela forte desvalorização do real frente ao dólar
ao longo do ano e da recuperação dos preços do petróleo, em cenário em que a
política de preços da Petrobras repassa diretamente essas movimentações para o
preço dos produtos finais. A elevação desses preços tem efeitos em cadeia sobre
outros preços da economia, elevando os custos de frete e transporte da indústria.
A alta dos preços da energia elétrica esteve relacionada à crise hídrica-energética,
Nesse cenário, o Banco Central optou ao longo do ano por elevar drasticamente
a taxa básica de juros, encerrando o ano em 9,25%. No início do ano passado, a
previsão era que a Selic terminasse o ano entre 3 e 4%. Embora a inadimplência
tenha permanecido controlada ao longo de 2021, o grau de endividamento tanto
das famílias quanto das empresas atingiu níveis recordes. O elevado grau de
comprometimento dos agentes econômicos em cenário de alta de juros deve
atuar como mais uma restrição à recuperação econômica neste ano. Além do
mais, destacamos os efeitos que a elevação dos juros tem também sobre os
serviços da dívida pública, impactando os indicadores fiscais.
Mundo afora antigos “dogmas” têm sido reavaliados por economistas das mais
diversas correntes. É o caso do uso da política fiscal como forma de induzir o
crescimento, fortalecendo o papel do Estado na redução das desigualdades.
Temas como mudanças climáticas e crise ambiental tomaram protagonismo
importante no debate econômico em âmbito internacional, inclusive pautando
a agenda econômica e de relações internacionais de diversos países. O Brasil
enfrenta a dura necessidade de se recuperar de uma crise profunda e de longa
duração. O debate plural, democrático e aberto a reavaliações de remédios
e resultados adotados no último período é fundamental para recolocar o país
em uma trajetória de crescimento, combatendo as mazelas herdadas desse
período de crise.
Esse, certamente, não é o único trabalho com natureza tão ousada e necessária,
em uma quadra da nossa história que as questões curto-prazistas parecem ter
ganhado centralidade. Mas, certamente, é um desses esforços que ofertamos a
sociedade para que, coletivamente, possamos imprimir os avanços necessários
para que a utopia do Brasil desenvolvido volte a ser parte dos nossos debates
do presente e do futuro.
O investimento residencial privado (boa parte da construção civil), que depende das
condições de crédito no mercado imobiliário, pode ser um importante componente
de dinamismo da demanda e do crescimento, mas também de instabilidade, por
sua tendência a gerar bolhas especulativas, com grande potencial de contágio
ao restante da economia, a exemplo do que ocorreu a partir de 2007 com a crise
do subprime nos EUA. O ciclo geralmente começa com uma redução da taxa de
juros básica da economia, o que, com o tempo, vai afetando as taxas de juros de
diversos prazos, inclusive a do mercado de hipotecas.
De todo modo, é importante ter em mente que as classes sociais de renda mais
baixa têm de modo geral uma propensão a consumir maior do que as de renda
mais alta. Concomitantemente, como pode ser observado no gráfico 58, o
peso dos tributos indiretos sobre a carga tributária total é muito grande, taxando
excessivamente o consumo e por consequência os mais pobres.85 Desse
modo, é vital pensar numa reforma tributária que não só simplifique, mas
também redistribua o peso da tributação, tornando-a mais progressiva. 86
O setor público por sua vez possui vários instrumentos para estimular o
crescimento direta e/ou indiretamente. Os instrumentos que atuam diretamente
são aqueles cujo efeito primário é garantido, se há ociosidade dos fatores de
produção, como no caso do crescimento do investimento público, em que a
realização de uma obra é per se um aumento na produção, esse pode ser um
dos motores fundamentais. (sem considerar os efeitos de indução do consumo
dos trabalhadores empregados na cadeia). O mesmo vale para o consumo
84. Aqui consideramos apenas uma mudança em nível nas transferências de renda. Caso
haja uma mudança em taxa de crescimento das transferências de renda haverá uma mu-
dança na taxa de crescimento da produção. Para uma apresentação mais detalhada sobre
efeito nível e taxa na taxa de crescimento ver Freitas e Serrano (2015).
85. Ver Silveira et al (2022) para uma discussão referente aos efeitos distributivos da carga
tributária brasileira,
86. A questão referente a Reforma Tributária é discutida na parte das propostas referentes
à Justiça Social.
87. Importante notar que não apenas a realização de mais trabalho justifica a contratação
de mais pessoal. Uma maior agilidade e/ou qualidade no serviço público prestado também
podem justificar a contratação. Mesmo uma menor sobrecarga de trabalho, quando houver,
pode ser uma justificativa.
88. No caso de uma desvalorização cambial, o efeito sobre a produção pode ser muito dú-
bio. Primeiro pode ocorrer uma disputa cambial com outros concorrentes, que enfraqueça
ou anule a desvalorização cambial inicial. Segundo que, uma desvalorização cambial que
diminua o salário real à preços internacionais, pode ocasionar na situação em que diminui-
ção do consumo pelos trabalhadores mais do que compense o aumento das exportações.
Os instrumentos que atuam a partir da renda são aquelas que atuam ao alterar
a renda das famílias. Como já discutido, políticas de transferência de renda
afetam o crescimento econômico ao induzir o consumo das famílias. Além
de programas de redistribuição de renda, temos também as aposentadorias.
Esse tipo de política de renda pode ocorrer também de forma não monetária,
como no caso de um aumento no consumo público em que o governo passa
a distribuir gratuitamente, ou de forma subsidiada, bens de consumo para as
famílias, como no caso de material escolar, insumos médicos e medicamentos.
Nesse caso, mesmo que as famílias já fossem consumir ao menos uma parte
desses itens por si só, elas passariam a consumir mais com outras coisas dado
o espaço aberto em seu orçamento.
Citamos aqui alguns dos instrumentos que a política econômica tem para
afetar o nível da produção. É importante notar que a combinação dessas
também define a composição da produção. O crescimento da produção pode
tanto significar a expansão da parte do agronegócio que desmata a Amazônia,
quanto a saída do Brasil do mapa da fome. Ou seja, o sentido para o qual o
país avança importa e muito.
Centro- Brasil
Norte Nordeste Sudeste Sul
-Oeste (Total)
Centro- Brasil
Norte Nordeste Sudeste Sul -Oeste (Total)
Residências
Rendimento com sanea- 2.950,23 2.500,60 3.057,88 3.316,11 3.684,43 3.028,06
Mensal do mento
Trabalho, em
Residências
R$ (valores
sem saneamen- 593,21 428,27 795,06 811,42 834,49 514,99
correntes de
to básico
2019)
Total 1.745,59 1.634,49 2.812,14 2.632,66 2.589,44 2.392,50
Residências
com sanea- 9,59 8,68 9,56 9,58 9,88 9,23
mento
Escolaridade
Residências
Média (2019)
sem saneamen- 5,74 5,25 5,66 5,59 5,54 5,34
to básico
Número de
69.475 234.917 265.985 99.274 52.760 722.411
Afastamentos Afastamentos
do trabalho
por diarreia ou Custo em
vômito (2017) milhões de R$ 807,97 5.349,11 9.806,80 1.773,73 427,90 18.165,50
(correntes)
Por outro lado, o país possui hoje uma matriz energética, majoritariamente
hidrelétrica, muito mais limpa do que o resto do mundo. No que tange a sua
capacidade energética, o maior desafio do país é ampliá-la com foco em
superar a sua vulnerabilidade frente ao nível de chuva, porém mantendo a
sua baixa emissão de carbono.
Ano – 2019
Situação
Sem Mais de
do domi- Mais de Mais de Mais de Mais de Mais
rendimento 2a3
cílio 1/4 a 1/2 1/2 a 1 1a2 3a5 de 5
Total até 1/4 salários
do salário salário salários salários salários
do salário míni-
mínimo mínimo mínimos mínimos mínimos
mínimo mos
Especificação
Número de % do Número de % do Número de % do Número de
% do Total
Domicílios Total Domicílios Total Domicílios Total Domicílios
Habitação
1.296.754 22,9 1.490.695 25,0 1.423.686 24,3 1.482.585 25,2
Precária
Ônus
Excessivo
2.814.391 49,7 2.952.708 49,5 3.045.653 51,9 3.035.739 51,7
do aluguel
urbano
Déficit
Habitacional 5.657.249 100 5.970.663 100,0 5.870.041 100,0 5.876.699 100,0
Total
Como se pode ver no gráfico acima, em 2019, 61,1% das cargas do país
foram transportadas através das rodovias (considerando os TKUs (tonelada-
quilômetro útil) movimentados), 20,7% pelo modal ferroviário, 13,6% pelo
aquaviário (cabotagem e hidroviário), 4,2% pelo dutoviário, e 0,4% pelo aéreo.
A desproporção do modal rodoviário se torna ainda mais evidente, quando se
considera sua participação na matriz do transporte de cargas em países como
os EUA (43%), China (35%) e Austrália (27%)94. Ou, ainda, ao se constatar que
densidade da malha ferroviária do Brasil (3,6 km/mil km²) é muito menor do que
a observada em países com dimensões iguais ou superiores à sua: a dos EUA
é 8,5 vezes maior, a da Índia, 6 vezes e a da China, 4 vezes95.
97. A poupança privada aumenta também com uma expansão fiscal. Se houver uma
propensão a importar maior do que zero, parte dessa poupança privada irá para o setor
externo da economia. Nesse caso, enquanto o país conseguir manter sua solvência na
moeda internacional, ele conseguirá, se permitido pela institucionalidade local, realizar uma
expansão fiscal até o pleno emprego dos fatores de oferta.
98. Importante notar que medidas como o corte de impostos para os mais ricos, como
preconizado pelo Trickle-Down Economics, de modo geral não melhora, ou melhora pouco,
a vida dos mais pobres. Isso porque os mais ricos têm uma menor propensão a gastar a
partir da sua renda corrente, e em alguns casos já tem um nível de consumo que indepen-
de da mesma dado o seu estoque de riqueza acumulado.
parte do capital pode fugir do país. Dessa forma, a tributação sobre os mais
ricos, mesmo que ocorra, é limitada pela própria institucionalidade global.99
Nesse sentido, apesar de uma situação de pleno emprego com o orçamento
equilibrado ser o preferível, talvez apenas o deficitário seja factível politicamente
(KALECKI, 1944).
Por meio da chamada PEC dos Precatórios, proposta pelo ministro da economia
Paulo Guedes, o país deixou de pagar neste ano 50 dos 89 bilhões de
precatórios devidos. O motivo seria que, dadas as regras fiscais, o pagamento
integral dos débitos da União impediria o reajuste do Auxílio Brasil. O atraso
do pagamento desses precatórios, depois de todo o processo judicial que
lhes deu causa ganha, mina a credibilidade fiscal do setor público, uma
vez que aumenta a incerteza sobre o pagamento por parte do governo das
suas responsabilidades financeiras. Desse modo, os agentes ficarão mais
reticentes à prestar serviços à União, fazendo que com que eles cobrem um
prêmio de risco dada a incerteza de receberem o pagamento. Assim, ao invés
de atrasar ou limitar o pagamento, o governo deveria alterar a legislação
para que o pagamento dos precatórios, que demoram anos para serem
julgados, não fossem contabilizados nos limites previstos pelas regras
fiscais, protegendo o seu pagamento de pressões políticas. Essa mudança
de postura traria credibilidade fiscal ao governo que assumir em 2023, diminuindo
a incerteza jurídica e política daqueles que prestam serviço ao governo.100
99. Uma saída seria trabalhar para restabelecer alíquotas tributárias mais altas sobre os
mais ricos nos países centrais, ou a instauração de mecanismos de controle de capital. E
obviamente, a própria tributação pode focar em ativos onde a elisão seja mais difícil, como
imóveis e herança.
100. A certeza de que o governo irá honrar os seus compromissos financeiros talvez seja
a única credibilidade fiscal que de facto importa para os seus credores. Como o governo
brasileiro não tem problemas com passivos externos, o único medo é um calote na dívida
pública.
101. Importante notar que se a EC 95/2016 não for alterada por meio de lei, o crescimento
dos gastos continua sendo limitado pelo IPCA.
Uma segunda linha argumentativa para a aprovação do Teto de Gastos era que
ele forçaria uma maior racionalidade do Governo Federal nas suas despesas
primárias. O cerne dessa argumentação era de caráter moral contra uma
presumida ineficiência associada à uma gastança irresponsável: uma vez que o
governo não compreendia que haveria limites para os seus gastos, esse não se
preocupava em realizar medidas para torná-los mais eficientes. Nesse sentido,
o congelamento do orçamento federal em termos reais faria com que para
que o governo federal ampliasse um gasto, outro tivesse que ser cortado. Isso
faria com que a disputa por recursos levasse à uma alocação mais ideal dos
recursos a serem gastos. O que o idealismo dessa argumentação ignora é a
materialidade em que se dá a disputa do orçamento: independentemente do
montante, os setores organizados e com maior poder de barganha conseguem
uma maior fatia do orçamento. Assim, os gastos públicos ocorrem dentro de
uma disputa política onde a correlação de forças é o fator determinante da sua
alocação. Nesse sentido, o que definirá quando para a criação ou ampliação de
um gasto for preciso cortar outro, se isso ocorrerá ou não, é a força política desse
gasto, não os seus méritos em termos de resultado e impacto. A EC 95/2016
é, portanto, um mecanismo de concentração de recursos do orçamento
público nos setores de maior poder político da sociedade.
102. A Lei de Responsabilidade Fiscal trata de vários outros pontos também, alguns que
trataremos mais a seguir.
103. O Teto de Gastos também pode inviabilizar o cumprimento da Regra de Ouro, uma vez
que o espaço fiscal deixado depois dos gastos obrigatórios seja inferior ao necessário para
que as despesas de capital sejam superiores às operações de crédito.
104. O caráter pró cíclico da Meta do Resultado Primário está presente em vários aspectos
da Lei de Responsabilidade Fiscal.
cortar ainda mais os gastos, o que por sua vez deprime ainda mais o nível de
atividade e assim por diante. Nesse sentido, a Meta de Primário contraria o
ideal de uma política fiscal contracíclica, em que o governo deveria buscar
amenizar os ciclos.
Uma proposta que é muitas vezes ventilada como uma possível substituta da
Meta de Resultado Primário é a adoção de uma meta de dívida pública no médio
prazo. Essa proposta tem diferentes versões, algumas similares à americana em
que se estabelece um teto nominal para a dívida, outras estipulam um limite em
relação ao PIB. No que todas se assemelham, entretanto, é a forma como a
política fiscal passa a ser delimitada de forma pró cíclica pela política monetária.
Dado um aumento da taxa de juros real, a expectativa do nível da dívida pública no
médio prazo aumentará, de modo que para que uma mesma meta da dívida seja
cumprida deva haver um recuo da política fiscal frente ao originalmente planejado.
Dado o impacto que a política monetária tem sobre a economia, em especial no
setor de construção civil e de bens duráveis, um aumento da taxa de juros teria
uma tendência contracionista. Desse modo, o caráter pró cíclico da meta de
dívida fica claro num cenário de aumento da taxa de juros internacional em
que fosse necessário aumentar a taxa de juros doméstica, uma vez que a
tendência contracionista da política monetária seria reforçada pelo recuo
forçado da política fiscal. Além disso, caso se considere a proporção da dívida
pública e o PIB, sendo o PIB o denominador, ao ser impactado pode fazer com
que a posição efetiva se afaste ainda mais da meta.
Um aspecto relevante não tratado até aqui é a situação fiscal para os entes
subnacionais. A LRF estabeleceu várias restrições para a atuação dos estados
e municípios, limitando os gastos e o seu endividamento frente às suas receitas
líquidas. Ao mesmo tempo, desde a Constituição Federal de 1988 os entes
subnacionais ficaram atribuídos de obrigações em relação à prestação e ao
financiamento dos serviços públicos como saúde e educação.105 É possível
observar isso a partir do gráfico abaixo:
Gráfico 60: Trajetória dos vínculos de trabalho do setor público por nível
federativo. (1990 = 100)
105. Ao longo dos anos 90, a União teve uma postura evasiva em relação à responsabili-
dade do provimento dos serviços públicos da construção do Estado de Bem Estar Social
brasileiro previsto na Constituição de 1988. Desse modo, o repasse de muitas atribuições
aos entes subnacionais no período ocorreu de forma não só conflituosa, mas também des-
coordenada e desigual (LOPREATO, 2002).
106. Nos apêndices de seu trabalho, Mora e Giambiagi (2005) apresentam uma tabela com
simulação de anos de austeridade necessários para que estados ficassem abaixo do limite
de endividamento estipulado pela LRF (200% da receita líquida real). Naquele período,
eles estipularam vários cenários para o crescimento das receitas líquidas reais (RLR) e
da taxa de juros real. Em casos em que a proporção do endividamento para a RLR fosse
maior do que 300% e as condições de juros estabelecidas, seriam demandadas décadas
de austeridade para que a relação ficasse abaixo dos 200%.
No caso das receitas tributárias do município, o principal fator a ser feito é uma
revisão do cálculo do Imposto Territorial Rural. Quando o ITR foi pensado, a
proporção de terras improdutivas era muito maior do que hoje. Com a expansão
do agronegócio, os descontos dados pelo grau de utilização da terra (GUT)
passou a ser benefício fiscal para os grandes proprietários de terras, como
podemos ver na Tabela abaixo:
brasileiras. A especificidade desse tributo seria que ele seria cobrado nos
postos das grandes cidades brasileiras, num claro desincentivo ao uso do carro
em áreas densamente povoadas.107 Caminhões de frete urbano, ônibus e vans,
seriam restituídos dessa contribuição para evitar uma transferência desse custo
no preço dos seus serviços.
Nível e/ou Poder 1º Decil 2º Decil 3º Decil 4º Decil MEDIANA 6º Decil 7º Decil 8º Decil 9º Decil
Executivo 1188 1447 1776 2186 2695 3343 4222 5499 8174
Legislativo 1168 1587 2096 2784 3613 4671 6287 8832 14790
Judiciário 4381 6038 7705 9212 11138 12814 14701 17495 21806
Federal 2625 4122 5210 6367 8263 10319 12774 16437 20599
Estadual 1457 1986 2505 3124 3862 4651 5729 7315 10409
Municipal 1098 1297 1527 1796 2156 2605 3184 4042 5719
Executivo Federal 2595 3932 5000 5978 7236 9152 11178 14132 19311
Legislativo Federal 1776 2535 3563 4491 5729 7655 10808 15609 24461
Judiciário Federal 8253 10838 12275 13613 14830 16407 18343 20718 23443
Executivo Estadual 1427 1916 2415 2944 3613 4361 5279 6617 9301
Legislativo Estadual 1327 1996 2844 3822 4990 6597 8822 12695 18802
Judiciário Estadual 4172 5459 6357 7505 8373 9740 11647 13832 18413
Executivo Municipal 1098 1297 1527 1796 2146 2585 3164 4002 5639
Legislativo Municipal 1078 1387 1737 2156 2735 3493 4481 5998 8942
TOTAL 1198 1467 1816 2255 2794 3493 4461 5938 9212
107. Mesmo que a adoção desse tributo levasse a uma fuga dos postos de gasolina dos
centros urbanos para aos arredores da cidade, isso por si só já geraria um desincentivo
para o uso de carro como meio de transporte público.
108. O nível 1 compreende as pessoas com ensino fundamental incompleto, o nível 2 com-
preende as pessoas com fundamental completo e médio incompleto, o nível 3 as pessoas
com ensino médio completo ou superior incompleto, o nível 4 compreende as pessoas
com nível superior completo e o nível 5 compreende pessoas com alguma pós-graduação,
mesmo que ainda estivesse em curso. (IPEA, 2021)
109. Limites estabelecidos pelo Art. 18 da Lei 101/2000.
Como podemos observar, a distribuição dos limites dos gastos com pessoal
para os poderes não corresponde às suas proporções relativas de servidores
públicos em relação ao total. Desse modo, a Lei de Responsabilidade Fiscal
permite que os servidores do Poder Judiciário e do Legislativo consigam
barganhar muito mais do que os servidores do Executivo. Dessa forma, um
estado pode se ver impossibilitado de dar reajustes ou reestruturar carreiras
e categorias que estão desvalorizadas ao passo que concede aumento para
outras que ganham muito mais, dado essa distribuição desproporcional
estabelecida pela LRF.
Quando se trata dos gastos com o custeio da máquina pública, esse muitas
vezes é tido vilão que cresce impedindo o investimento público. Isso é muitas
vezes repetido pelo fato de que o investimento público nas últimas décadas
teve um crescimento bastante menor do que o resto do gasto público. Isso em
parte é explicado pela transição demográfica pela qual o país passou, o que
acarretou num aumento dos gastos previdenciários, bem como pelo fato de
que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu como objetivo a construção de
um Estado de Bem-estar Social, cuja oferta de serviços obrigatoriamente passa
pela expansão com o número do pessoal111.
110. O Atlas do Estado Brasileiro/IPEA (2021) não discrimina os membros do Ministério Pú-
blico em separado, nem aponta se estão incluídos no Poder Judiciário. Por conta disso, os
limites para o gasto com pessoal em proporção à receita líquida não somam os 60% totais.
Essa imprecisão, no entanto, não altera em nada as interpretações tiradas da tabela.
111. Não é possível dissociar o crescimento do número de vínculos públicos do governo
geral nas últimas décadas, como pode ser visto no Gráfico acima com o aumento da oferta
de bens públicos previstos pela CF88.
112. Por gastos autônomos aqui, queremos nos referir a gastos que não dependem das
decisões de produção das empresas privadas da economia analisada (FREITAS e SER-
RANO, 2015). Outros gastos autônomos além do investimento público são o consumo do
governo, as transferências de renda, o consumo financiado via crédito ou riqueza acumula-
da, gastos com P & D, investimento residencial e exportações.
113. Obviamente que os outros gastos autônomos também são indutores do investimento
produtivo das empresas privadas. Aqui procuramos apenas observar com mais destaque a
relação investimento público e privado.
Como já discutido no capítulo 3, após mais do que dobrar entre 2007 e 2010,
o investimento do Governo Central se estagnou entre 2010 e 2014, ainda que
num nível muito maior do que no início do período anterior (ORAIR e SIQUEIRA,
2018, p. 947). Para além dos problemas ligados às questões orçamentárias,
Dweck e Teixeira (2017) apontam para o fato de que a própria capacidade
estatal tinha chegado num limite dado o nível alto do investimento público. Isso
se deveu à ausência de projetos volumosos de investimentos em períodos
anteriores, como pode ser visto no Gráfico acima, que por sua vez atrofiou a
capacidade empreendedora do Estado (Dweck e Teixeira, 2017, p. 24).114
114. Orair e Siqueira (2018, p. 944) apresentam em seu trabalho um gráfico referente à pro-
porção do investimento do setor público (inclusive estatais) em relação ao PIB entre 1947
e 2015. Nesse é possível ver uma tendência de crescimento desse percentual até os anos
finais da década de setenta, com uma acentuada queda da fração do investimento público
no PIB só sendo revertida em meados da década de 2000.
Para além dos investimentos com a Eletrobrás, deve ser realizada uma política
industrial no que tange o desenvolvimento nacional de painéis solares. Nesse
sentido, o governo federal estabeleceria uma Meta de Superávit Energético
Público115, que poderia cumprir instalando painéis solares em todos os edifícios
federais em que fosse possível. Além de ampliar a capacidade energética do
país, tal medida diminuiria as despesas do governo com a conta de luz. Além
disso, essa medida estabeleceria um volume considerável de demanda
por painéis solares, o que por si só seria um incentivo ao investimento e
desenvolvimento em território nacional. A questão de geração, economia e
eficiência energética deve ser sempre presente nos planos de investimento, até
para que as atividades governamentais sejam o menos impactadas possíveis
em períodos em que haja o aumento dos custos de energia.
Fonte: Elaboração Própria com dados de Gobetti (2007), Orair (2016) e IBGE. Total em
negrito. Valores atualizados com o Deflator Implícito do PIB.
seria mediante à um exame realizado por todos os alunos logo após à matrícula
na graduação.117 Os alunos que não tivessem um desempenho satisfatório
em uma ou mais disciplina teriam então um semestre de reforço nas áreas
deficientes antes de começar as disciplinas de graduação.
117. As provas seriam voltadas aos conhecimentos do Ensino Médio especificamente necessários
para a graduação a ser cursada pelo aluno.
for factível, tanto em termos físicos quanto legais, o governo federal deve atuar
como mediador para facilitar a transição para um modal que traga maior bem-
estar para a população. Quando a transição for impraticável no curto e médio
prazo, o governo federal deve atuar para garantir a integração tarifária entre os
diferentes modais nas cidades.
Em 2021, o MCMV foi substituído em 2021 pelo Casa Verde Amarela, com
o discurso de reformulá-lo e ampliá-lo, mas nesse mesmo o investimento em
programas habitacionais – que havia apresentado um valor anual médio de
R$ 11,3 bilhões entre 2009 e 2018 -, foi reduzido para apenas R$ 1 bilhão,
aproximadamente, passando, ademais, a ser menos direcionado aos estratos
mais pobres da população124. Com esse ritmo, dificilmente o déficit habitacional
será resolvido. Desse modo, é importante a retomada e o crescimento do ritmo
do MCMV. Além disso, é preciso colocar uma regulação mais rigorosa no que
tange a construção das residências. Tanto o espaço livre para a construção
de comércios e praças, quanto na própria qualidade da residência em si.
Outro aspecto a se considerar é o governo estabelecer como regra para as
habitações do MCMV o uso do aquecimento solar para água do banho e da
energia solar para o condomínio como um todo, uma vez que a instalação
desses equipamentos é mais barata e muito mais prática quando o edifício está
sendo construído do que depois dele pronto.
Frente a esse quadro dramático, até entre os mais liberais há um certo consenso
de que a reversão desse quadro dramático exige articulação entre diversas
políticas públicas e sua articulação com a iniciativa privada. Sem o Estado e
a elaboração de adequadas políticas públicas dificilmente a reversão desse
cenário será alcançado apenas pelo livre jogo das forças de mercado, ainda
que práticas de responsabilidade social pela iniciativa privada sejam louváveis
e devam certamente ser estimuladas.
A prefeitura de São Paulo aplicou um programa com essa natureza, que foi
fundado em 2002 sob o nome de Programa Operação Trabalho (POT). No
ano de 2015 havia trabalhadores qualificando-se na área de jardinagem e
conservação, e sua contrapartida comunitária era a construção de hortas
públicas comunitárias e a conservação e melhoria das praças públicas.
Tal programa, além de prover qualificação profissional e a possibilidade de
trabalhadores da base da pirâmide social experimentarem a possibilidade de
maior mobilidade social, lograva impactos comunitários significativos, tanto na
oferta de alimentos quanto na melhoria dos espaços públicos. Além disso, a
renda gerada, na medida em que se concentrava nos trabalhadores com maior
propensão marginal a consumir, dinamizava o comércio e os serviços social,
gerando efeitos multiplicadores em cadeia.
Há, por outro lado, questões que são de caráter estrutural e correspondem
a transformações na estrutura produtiva do capitalismo, com o avanço do
trabalho imaterial, por demanda e da automação de atividades de natureza
rotineira. Nesse caso, identificamos que a Seguridade Social deverá avançar
para uma política de natureza universal, em que o seu acesso não é
apenas contributivo, mas se estende aos trabalhadores mesmo sem vínculo
empregatício ou associado a modalidades de Micro Empreendedor Individual e
Pessoa Jurídica.
Por essa razão, sugerimos tentativas de ampliar a seguridade social para além
do vínculo com a condição de assalariamento formal, para que os direitos
sociais sejam mais amplamente efetivados, sobretudo para aqueles que já são
os trabalhadores mais precarizados.
A concentração da renda tem, quando olhada pelo prisma oposto, dos 10% mais
pobres, dispõe sobre a situação dramática da sociedade brasileira. Para esse
contingente, são necessárias até nove gerações para que seus descendentes
atinjam a situação de renda média do país. A desigualdade no Brasil tem cor
e tem raça, o que complexifica o tema e exige um conjunto mais alargado de
instrumentos para seu enfrentamento.
127. A recente pesquisa de Boissel e Matray (2022) para o caso francês estimou que ao
aumentar a taxação sobre dividendos as firmas em geral passaram a investir e contratar
mais, bem como pagar melhor os seus funcionários.
Uma outra tributação federal sobre patrimônio que até hoje não foi regulamentada,
e que poderia facilmente ser cobrada junto ao IRPF, é a do Imposto sobre
Grandes Fortunas (IGF), que poderia incidir sobre os patrimônios maiores do
que 20 milhões de reais128, com uma taxação progressiva de 0,5% até 1,5% em
caso de patrimônios superiores a 350 milhões de reais. Um ponto importante
seria o de criar uma modalidade especial do IGF para membros do poder
político e cargos, especialmente para o nível federal, que fosse mais alto e
incidisse não só sobre o patrimônio no país, mas também, a uma taxa mais alta,
sobre o patrimônio que esteja fora do país. O intuito dessa modalidade especial,
seria o de garantir que um membro do governo protegesse o seu patrimônio,
colocando-o numa offshore no exterior, por exemplo, de uma política pública
que o mesmo encampasse. Em conjunto a regulamentação do IGF, o Brasil
deve atuar fortemente a níveis internacionais contra os paraísos fiscais e as
práticas de offshore, bem como melhorar o seu controle de capitais.
Defendemos que o IPTU deve passar a ser recolhido pelo governo federal, em
conjunto com o IRPF ou o IRPJ. Isso para garantir também uma progressividade
do imposto também no que tange ao número de imóveis que cada pessoa tem,
de modo a diferenciar a alíquota sobre quem tem um imóvel de quem tem
dois ou mais.129 Além disso, com a criação do PIX, o Brasil tem condições de
criar um sistema para pagamentos de aluguel, de modo a fiscalizar melhor o
cumprimento da função social dos imóveis. Nesse sistema, haveria uma taxa
no momento do pagamento do aluguel, que seria restituída nas transferências
sociais ou descontados do IRPF/IRPJ, para coibir quem tentasse burlar a
128. Ao mesmo tempo em que a (des)valorização dos ativos do patrimônio deveriam ser
feitas anualmente, o piso mínimo para a tributação seria obviamente corrigido anualmente
pelo IPCA ou outro índice de inflação.
129. Isso não se tornaria uma peculiaridade única do país, com países como o Reino Unido
já adotando essas práticas.
130. Os municípios podem fazer uma parceria com a União para serem eles a cobrar e
fiscalizar a tributação, de modo a ficarem com boa parte
Outro ponto importante é que na atual formatação do ICMS, com a Lei Kandir
estabelecida em 1996 pelo governo FHC, há um incentivo à reprimarização
relativa131 da pauta de exportação. Isso porque, a Lei Kandir isenta as
exportações de serem tributadas pelo ICMS, porém não isenta os insumos
utilizados na produção. Desse modo, produtos com baixo processamento,
como commodities agrícolas e minerais, conseguem um preço extremamente
competitivo, uma vez que a última etapa, a exportadora, tem um peso muito
grande na composição do valor adicionado do produto. Enquanto isso, os
preços de bens industrializados, onde há uma longa cadeia produtiva com
diversas empresas contribuindo para o valor adicionado do produto, a isenção
do ICMS tem um efeito muito menor.
131. Por reprimarização relativa aqui nós estamos nos referindo à queda da participação rela-
tiva dos produtos industriais na cesta de exportação, e não do valor ou volume absoluto.
132. https://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dadosabertos/publicacoes/PublicacoesAr-
quivos/publicacao-479/topico-521/Relato%CC%81rio%20Si%CC%81ntese%20BEN%20
2020-ab%202019_Final.pdf
Portanto, nosso desafio de curto prazo passa pela redução das queimadas e do
desmatamento, elementos mais simples porque não envolvem comprometimento
e/ou modificação sistêmica das fontes energéticas nem do padrão de crescimento
econômico. Dessa forma, o desmatamento zero é condição imediata,
mais simples e se liga a uma potencialidade, expressa pela necessidade de
investimentos em pesquisa e desenvolvimento, buscando fazer do setor agrícola
brasileiro uma fonte de inovações tecnológicas, capaz de produzir mais com
menos ocupação territorial, avançando, sobretudo, em ganhos de produtividade.
Para tanto, a Embrapa é um grande trunfo, empresa com grande capacidade
técnica de inovações no setor, que deve estar a serviço de uma agricultura de
baixo carbono e de reduzida expansão da fronteira agrícola.
A preservação ambiental deve estar aliada a uma agenda que equilibre os ganhos
de escala e de divisas provenientes do agronegócio – com as devidas medidas de
preservação ambiental – e a agricultura familiar, fundamental para o suprimento
alimentar de qualidade da nação brasileira. A soberania e segurança alimentar
devem fazer parte da agenda de desenvolvimento sustentável, pois impactam
a capacidade do Brasil – celeiro do mundo – dar de comer a quem tem fome.
Os pequenos produtores exercem uma agricultura mais diversa e, em geral com
menos uso de agrotóxicos, o que impacta não só na conservação dos solos e das
águas quanto, sobretudo, na qualidade dos alimentos.
Contudo, para que a transição de fato seja uma realidade, o principal é garantir
maior eficiência energética, com a ampliação da matriz elétrica com uso de
fontes renováveis de energia para substituição dos combustíveis fosseis,
principalmente na indústria e nos transportes. Os passos, para tanto,
passam por aprimorar a regulação para a entrada e desenvolvimento de novas
tecnologias visando o incentivo da redução de combustíveis fosseis e aumento
da parcela dos renováveis. Atualmente, no entanto, as políticas públicas têm
se centrado no incentivo a fontes não renováveis. A redução dos tributos sobre
diesel e gasolina, sobretudo, vão na contramão do projeto de transição.
133. https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/05/22/mais-de-800-milhoes-de-pessoas-
-no-mundo-nao-tem-acesso-a-energia-eletrica-diz-banco-mundial.ghtml
134. https://www.climatepolicyinitiative.org/pt-br/o-brasil-tem-tudo-o-que-precisa-para-uma-
-transicao-energetica/
135. https://www.absolar.org.br/noticia/mp-998-fim-do-subsidio-as-renovaveis-abre-diver-
gencias/
136. https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2016-09/petrobras-deixara-setores-
-de-biocombustiveis-petroquimica-e-fertilizantes
137. https://www.irena.org/energytransition
O grande desafio das mudanças provocadas pelo avanço das Energias Renováveis
(ERV) é a imprevisibilidade e a variabilidade da sua geração. Enquanto os sistemas
elétricos desenvolveram-se com fontes que permitem alimentar de forma síncrona
todos os pontos de conexão, as energias renováveis não são integradas ao
sistema da mesma forma, elas se conectam ao sistema através de um dispositivo
eletrônico chamado inversos, que não estoca energia inercial.
Com a maior participação das ERVs, essas três funções tornam-se mais
complexas. A perda de inércia ameaça o equilíbrio instantâneo da rede, e a
variabilidade assim como a imprevisibilidade de sua geração dificultam o
planejamento da operação e podem vir a ocorrer dificuldades no atendimento
à demanda, caso as ERVs não estejam gerando eletricidade no momento
necessário – tipicamente, em casos de ausência de vento ou sol, que podem
durar dias, de acordo com sua geolocalização. Assim, é preciso prestar
atenção às condições de acompanhamento da carga e do equilíbrio do
sistema com o crescimento das ERV. 139
138. https://infopetro.wordpress.com/2020/11/05/entendendo-as-transformacoes-do-setor-
-eletrico-em-transicao/
139. https://infopetro.wordpress.com/2020/11/05/entendendo-as-transformacoes-do-setor-
-eletrico-em-transicao/
Ainda segundo os autores e que defendemos para tratar desse tema, é preciso
discutir um novo marco normativo de proteção dos trabalhadores por
plataformas que estabeleça claramente diferenciações entre emprego e
trabalho autônomo e que neste último caso assegure, entre outros aspectos, 1)
parâmetros de remuneração justa, com valores mínimos e percentuais máximos
de taxação pelas plataformas; 2) regras públicas democráticas para plataformas
140. https://teoriaedebate.org.br/2022/06/20/trabalho-decente-em-plataformas-digitais-a-
genda-urgente-de-um-governo-democratico/
Em muitos países, e até no Brasil, tem se discutido uma jurisprudência no que toca
ao estabelecimento da fiscalização e de vínculos de emprego em algumas
modalidades, com a devida aplicação do conjunto da legislação trabalhista.
Para tanto, é necessário haver um programa específico no âmbito do Ministério
do Trabalho em parceria com o Ministério Público do Trabalho. Além do vínculo
se faz necessário um conjunto de ações de busquem fomentar a constituição
de plataformas em ferramentas abertas, sejam as de propriedade dos
próprios trabalhadores, individualmente ou de forma cooperativada, ou mesmo
do poder público. Desta forma, é possível articular potencial tecnológico com
outras formas de organização social, considerando valores como governança
democrática, dados para o bem comum, trabalho associado, tecnologias livres
e trabalho decente.141
141. https://teoriaedebate.org.br/2022/06/20/trabalho-decente-em-plataformas-digitais-a-
genda-urgente-de-um-governo-democratico/
Além de serem de longo prazo, os créditos do BNDES têm uma alocação muito
concentrada no financiamento de despesas associadas com o investimento
produtivo das empresas, como a compra de máquinas e equipamento ou a
construção de obras civis. A despeito de sua atuação muito circunscrita, o banco
de desenvolvimento detém uma participação elevada no crédito bancário. Em
2011, respondeu por quase 21% desse total, o que correspondia a mais de 10%
do PIB. (TORRES FILHO & COSTA, 2012).
Ocorre que nos últimos anos o banco vem sendo alvo de questionamentos.
Segundo Pereira e Miterhof (2018), os focos de questionamento envolvem
questões fiscais (o impacto na dívida bruta e o “subsídio” ou custo fiscal implícito
associado à diferença entre a Selic e a TJLP); de política monetária (a TJLP
provocaria uma perda de sua potência e seria um dos fatores responsáveis
pelos juros altos); de escolhas dos investimentos apoiados (os ditos “campões
nacionais”, o financiamento às exportações brasileiras de bens e serviços de
engenharia etc.); e até de ordem criminal.
A segunda mudança foi via a edição da Medida Provisória n. 777, que mudou
a TJLP para a TLP (Taxa de Longo Prazo), na perspectiva de fazer o custo
do funding institucional do BNDES convergir, linearmente e em um prazo de
cinco anos, para a taxa que é negociada em mercados secundários de um título
público indexado ao IPCA, eliminando o custo fiscal implícita da diferença de
remuneração entre os recursos emprestados ao BNDES e o custo do serviço da
dívida. Portanto, a nova taxa é igual à NTN-B de cinco anos, um título indexado
ao IPCA ao qual se soma uma parcela de taxa de juros fixa, que em dezembro
de 2016 estava em cerca de 6% a.a., em julho de 2017 estava em 4,7% a.a. e
em setembro de 2018 era de 5,5% a.a. (PEREIRA & MITERHOF, 2018).
Para tanto, será discutido de forma breve como os setores podem ser capazes
de contribuir para ampliação do produto da economia, bem como gerar emprego
e renda para a classe trabalhadora. No entanto, antes de avançar na análise
de resultados, será apresentada rapidamente elementos básicos da chamada
análise insumo-produto.
Indústrias de
1,29 1 1,52 1 2,04 1 1,91 1
transformação
Outras atividades de
0,92 8 1,33 3 1,38 2 1,52 2
serviços
Transporte, armazenagem
1,11 3 1,03 5 1,04 4 0,97 7
e correio
Multiplicadores
Atividades
Produto Ordem VA Ordem Salário Ordem Emprego Ordem
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BONFIM, M. Nova CLT completa um ano. 1º nov. 2018. In: UOL: o melhor
conteúdo. Versão em português. São Paulo, 1996-2019. Disponível em:
https://economia.uol.com.br/ reportagens-especiais/apos-um-ano-reforma-
trabalhistanao-criou-empregos-prometidos-e-informalidade-cresceu/ index.
htm#nova-clt-completa-um-ano.
FREITAS, F; SERRANO, F. Growth rate and level effects, the stability of the
adjustment of capacity to demand and the Sraffian supermultiplier. Review
of Political Economy, v. 27, n. 3, p. 258-281, 2015.
OIT, World Employment and Social Outlook 2015: The Changing Nature of
Jobs, 2015. Disponível em http://www.ilo.org/global/research/global-reports/
weso/2015- changing-nature-of-jobs/WCMS_368626/lang--en/index.htm
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