Artigo Jornalismo Cultural
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Artigo Jornalismo Cultural
O QUE É CULTURA?
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Pois, não é preciso sair de casa para visualizar uma exposição em Paris ou assistir a um show na
França, visto que a globalização nos faz ficar conectados e possibilita maior acesso cultural, assim como
fornece boas possibilidades para o profissional da área cumprir sua função.
Contextualização
“Que todos entendam e que os eruditos respeitam.” A frase dita no século XVII,
mais precisamente em 1696, pelo primeiro teórico do jornalismo, o alemão Tobias Peucer,
já sentencia a vocação do jornalismo como obra cultural. Qual seja: a de dizer coisas
complexas por meio de formas muito simples.
O jornalismo cultural, por sua vez, como uma especialidade dentro do jornalismo,
emerge historicamente no fim do século XVII, segundo pesquisas do historiador Peter
Burke (2004). Tal fato situa-se em um período em que o próprio jornalismo ganha
contornos mais definidos em toda a Europa, deixando de ser uma aparição periódica para
se tornar uma narrativa institucionalizada socialmente, ganhando ampla difusão,
periodicidade e mercado.
Os primeiros impressos que indicam a cobertura das obras culturais datam de 1665
e 1684 e são representados pelos jornais The Transactions of the Royal Society of London
e News of Republic of Letters. Ambos faziam cobertura das obras literárias e artísticas,
além de relatarem as novidades sociais. “A resenha de livros foi uma invenção do fim do
século XVII” (Burke, 2004, p. 78).
O gosto nacional pelas crônicas, até certo ponto, sempre foi uma forma de atrair a
literatura para o jornalismo, praticada por jornalistas, escritores e, sobretudo, por híbridos
de jornalista e escritor. De Machado de Assis a Carlos Heitor Cony, passando por João do
Rio, Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Otto Lara
Resende, Ivan Lessa, entre outros (Piza, 2004, p. 33).
E seria a partir dos anos 1950 que os jornais impressos brasileiros criariam o
caderno de cultura como seção obrigatória em suas edições diárias e, especialmente, no
fim de semana. Quem inaugura tal seção de forma pioneira é o Jornal do Brasil em 1956,
com o Caderno B. Editado por Reynaldo Jardim e diagramado por Amílcar de Castro, o
caderno “se tornou o precursor do moderno jornalismo cultural brasileiro” (Piza, 2004, p.
37). Reunindo em suas páginas os mais significativos representantes da cultura nacional,
como Ferreira Gullar, Clarice Lispector, Bárbara Heliodora e Décio Pignatari, entre
outros, o caderno tornou-se uma referência para a crítica cultural de sua época e até hoje é
lembrado como ponto alto da prática do bom jornalismo cultural.
Assim, antes se entendia (e, por vezes, ainda se entende) que há uma cultura “alta”
e uma cultura “baixa”, esta de menor qualidade, compreendendo todas as criações
populares, massivas e mercantis como objetos que não mereceriam reconhecimento e
análise de sua importância nas práticas sociais. Ao contrário disso, os artistas eruditos e as
formas artísticas tradicionais eram (e são) merecedores de um status e um tratamento
crítico diferenciado. A designação de “arte” seria conferida a poucos e seriam esses
denominados artistas que mereceriam tratamento mais crítico, interpretativo e analítico do
jornalismo. Ao contrário disso, os produtos da indústria cultural (novelas; reality shows,
programas de auditório e música popular) são sempre alvo de críticas severas, ganhando
apenas destaque nas colunas de fofoca e na agenda de eventos.
ainda mais complicado quando deparamos com diálogos entre esses campos, antes
separados. Assim, o que dizer quando Maria Bethânia canta músicas de Zezé de Camargo
e Luciano, ou quando Adriana Calcanhotto interpreta letras de Claudinho e Buchecha?
Dessa forma os dois caminhos adotados até então para definir o jornalismo cultural
ora recorriam à idéia de cultura como “cultura erudita” (desqualificando, em contrapartida
, os produtos da indústria cultural), ora perdiam-se em uma definição muito ampla e pouco
elucidativa do que seja cultura, tornando-se, ambos, insuficientes. É nesse momento que o
jornalismo cultural se vê diante da necessidade de trilhar um terceiro caminho. Eis a crise
de identidade do jornalismo cultural e simultaneamente a crise no ensino do jornalismo
cultural.
Para buscar respostas a essas indagações, há um recurso teórico muito rico quando
estamos diante de algo em transformação ou em crise, que é, paradoxalmente, voltar ao
passado. E, por mais que o jornalismo cultural tenha sofrido muitas mudanças durante sua
história, há sempre alguns aspectos que se mantêm vivos e potentes em sua trajetória.
Assim, se recorremos ao passado é para encontrar nele o que permaneceu, apesar da
passagem do tempo e das mudanças. E, nessa busca, encontramos duas regularidades
fundamentais. Primeiro, a necessidade de democratizar o conhecimento e, segundo, seu
caráter reflexivo. São elas que definem o jornalismo cultural como uma prática singular e
importante para a sociedade.
a) Democratizar o conhecimento
Nos primórdios do jornalismo cultural, The Spectator já colocava como missão
“trazer a filosofia para fora das instituições acadêmicas para ser tratada em clubes e
assembléias, em mesas de chá e café” (Burke, 2004, p. 78). Assim, o jornalismo cultural
nasce com a função de mediar o conhecimento e aproximá-lo do maior número de
pessoas. A intenção era a de não restringir a uma elite a esfera das artes, da filosofia e da
literatura. Havia nisso um entendimento da função social do jornalismo cultural como
locus adequado para dar acesso irrestrito a todo saber, fato esse que se torna uma
regularidade no jornalismo cultural.
Ora, se os críticos defendem que abandonar essa linguagem, com seus requintes, é
baixar a qualidade da obra e trair a cultura, o único caminho que deixam é continuar a
escrever para a minoria. Noutras palavras, só existe arte para uns poucos e raros. É claro
que não concordamos com isso, e aí estão várias obras, aceitas pelo público, que negam
essa tese aristocrática (Gullar, 1963, p. 19).
b) Caráter reflexivo
Em contrapartida, não o torna uma disciplina isolada das demais, mas ao contrário.
Como afirma o jornalista Daniel Piza, “há uma riqueza de temas e implicações no
jornalismo cultural que também não combinam com seu tratamento segmentado; afinal, a
cultura está em tudo, é de sua essência misturar assuntos e atravessar linguagens” (Piza,
2004, p. 7). Nesse sentido, é da natureza da própria disciplina o diálogo com as disciplinas
humanísticas e práticas. Dialoga, assim, com filosofia, antropologia, mídia e cultura, ética
e legislação e, simultaneamente, se relaciona com as disciplinas práticas e específicas
como jornalismo on-line, rádio, TV, técnicas de reportagem e texto em revista. Se as
primeiras fundamentam e sensibilizam os alunos para compreender com mais abrangência
a realidade social e culturalmente dada, as últimas oferecem as potencialidades e
variedades de suportes e formas de mediação necessárias para o conhecimento cultural.
• Capacitar o aluno a fazer leituras reflexivas dos produtos culturais por meio de
uma formação teórica cultural que contemple tanto a realidade local como a global, o que
implica conhecer as complexas interações contemporâneas entre o local e o global, a
identidade e a massividade, a alteridade e o compartilhamento na sociedade
contemporânea.
Iremos, a seguir, detalhar cada uma dessas premissas que norteiam a formação de
futuros jornalistas que atuarão na área cultural.
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a presença de outros que vêem o que vemos e ouvem o que ouvimos garante-nos a
realidade do mundo e de nós mesmos; e, embora a intimidade de uma vida privada
plenamente desenvolvida, tal como jamais se conheceu antes do surgimento da era
moderna e do concomitante declínio da esfera pública, sempre intensifica e enriquece
grandemente toda a escala de emoções subjetivas e sentimentos privados, esta
intensificação sempre ocorre às custas da garantia da realidade do mundo e dos homens
(Arendt, 2004, p. 60).
Aqui a esfera pública confunde-se tanto com a própria concepção que temos do
mundo e da realidade quanto também com a que temos dos homens. Por isso, ter
visibilidade nessa esfera e dar a aparecer um fato social nesse espaço público é constituí-
lo como real. E constituí-lo é também uma forma de poder, já que, ao ganhar visibilidade,
pode-se reivindicar um espaço e mobilizar outros atores em prol de sua causa. É
exatamente nesse ponto que a mídia – como campo de visibilidade – passa a ter papel
central para entendermos essa luta simbólica de reconhecimento e constituição de valores
publicamente aceitos.
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O jornalista tem, mais do que uma técnica, uma ética. Para tanto, deve ser
preparado por meio de matérias que o capacitem a refletir sobre a cultura à sua volta
(tanto no âmbito local como em sua relação com o global), o que inclui uma boa formação
em filosofia, história, realidade brasileira, antropologia, ética, teorias da comunicação e
teorias do jornalismo. Sem que o aluno tenha uma boa formação humanística, a prática
não é encarnada de um sentido forte e transformador. Assim, consideramos que não há
uma dissociação entre prática e teoria. A teoria confere um aprimoramento da prática, e a
prática motiva reflexões teóricas, numa relação dialética.
Assim, não se trata mais de encontrar uma verdade última ou de acreditar que os
fatos possuem uma objetividade em si, mas de buscar produzir uma narrativa equilibrada,
o que implica ouvir as várias versões do fato, de diferentes fontes; apresentar a
controvérsia; verificar documentos e dados que comprovem ou não o fato; buscar não
tomar partido; entre outras condutas técnicas/éticas. É nesse ponto que técnica e ética se
encontram no jornalismo. Segundo Eugênio Bucci:
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buscam uma experiência estética que ora cumpre uma função puramente sensível,
ora uma função política e reflexiva. Assim, o jornalismo cultural descortina as obras
culturais (a literatura, a música, o cinema, as artes plásticas etc.) em seu sentido forte, no
que possuem de estético e ético. A dimensão estética deve ser então entendida como
“aquelas coisas cujos fins devem incorporar qualidades de sentir” (Peirce).
Referências bibliográficas
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LIMA, Alceu Amoroso. O jornalismo como gênero literário. 2. ed. Rio de Janeiro:
Agir, 1969. 64 p.
NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra. São Paulo: Martin Claret, 2006.
SHUDSON, Michael. Discovering the news. New York: Basic Books, 1978.