Manual de Elaboração TCC
Manual de Elaboração TCC
Manual de Elaboração TCC
REITOR
PRÓ-REITOR ADMINISTRATIVO
José Luiz Rosa Lordello
Virginia Genelhu
SUMÁRIO
1. Introdução ............................................................................................................................ 4
2. Orientações para a produção do Projeto de Pesquisa e do TCC do curso de Teologia ........ 4
3. Projeto de Pesquisa – MODELO .......................................................................................... 7
4. Projeto de Pesquisa – EXEMPLO PRONTO ..................................................................... 13
5. Artigo – MODELO ............................................................................................................ 18
6. Artigo – EXEMPLO PRONTO .......................................................................................... 25
7. TCC – MODELO ............................................................................................................... 38
8. TCC – EXEMPLO PRONTO ............................................................................................ 54
4
1. INTRODUÇÃO
A elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) deve ser estimulada nos Cursos de
Graduação, conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais de 2001, respeitando-se as
particularidades de cada Curso. Esse deve constituir um momento de participação em
situações reais ou simuladas de vida e trabalho, bem como de potencialização e
sistematização de competências e conhecimentos adquiridos ao longo de sua formação na
forma de pesquisa acadêmico-científica.
I. Deverá ter carga horária mínima de 100 (cem) horas em duas modalidades: a)
trabalho monográfico, individual, podendo versar sobre tema específico de
Teologia ou estudos do campo teológico mais amplo ou b) trabalho específico de
Teologia aplicado a organizações religiosas, organizações do terceiro setor e afins,
elaborado individualmente ou em grupo, acompanhado de fundamentação,
reflexão teórica e intervenção documentada;
II. O TCC deverá ser orientado por docente do curso e avaliado por docentes e/ou
profissionais, conforme resolução específica da Instituição de Educação Superior.
Portanto, como pré-requisito para a obtenção do título de Bacharel em Teologia, o(a) aluno(a)
terá que produzir um Trabalho de Conclusão de Curso – TCC do tipo monografia ou artigo
5
7º fluxo: TCC
Na disciplina PCA do 7º fluxo, o(a) aluno(a) desenvolverá o TCC propriamente dito,
apresentando os resultados da pesquisa devidamente documentados, sob forma escrita. Ao
final do semestre letivo, deverá apresentar seu TCC a uma Banca Examinadora, composta
pelo orientador e mais dois professores do curso de Teologia. Este PCA dedica-se a apresentar
as principais orientações de fundo teórico, metodológico e documental, segundo as novas
tendências e abordagens historiográficas, com vistas à elaboração da Monografia ou do Artigo
Científico, contemplando, ainda, a estrutura e a forma dos trabalhos acadêmicos. Seu produto
final, portanto, é o TCC.
7
TÍTULO DO TRABALHO
Subtítulo do trabalho (se houver)
Duque de Caxias
2018
9
1
Área
Escolher uma das linhas de pesquisa dos PCA’s estudados ao longo do curso que melhor
esteja relacionada ao tema da pesquisa:
2
Tema / título provisório
O tema refere-se ao assunto da pesquisa, geralmente expresso num termo específico que
esclareça o teor do que será pesquisado do TCC. Por exemplo: O tema da pesquisa é a relação
entre evangelização e ação social.
O título (provisório) deve, de igual forma, estar bem vinculado ao tema da pesquisa e ao seu
problema ou intenção. Pode ser utilizado um subtítulo. Neste caso, usualmente se faz da
seguinte maneira: o título é mais “chamativo” e o subtítulo é explicativo. Por exemplo:
“Evangelização integral: uma análise da relação entre evangelização e ação social a partir da
Teologia da Missão Integral”
3
Objetivo(s) da pesquisa
São apresentados nesse ponto os objetivos gerais e específicos que a pesquisa busca alcançar.
São suas hipóteses afirmadas com força de conclusão. Trata-se de afirmar o que se deseja
alcançar, defender, argumentar, provar e demonstrar por meio da pesquisa realizada. Deve-se
utilizar verbos no infinitivo para apresentar tais conteúdos. Exemplo:
“Esta pesquisa busca demonstrar que a evangelização e a ação social devem ser
compreendidas como integrantes fundamentais da fé cristã”.
10
4
Problema(s) da pesquisa
Neste ponto, deve ser indicado o problema (ou problemas) que a pesquisa busca solucionar.
Esta parte é central para o TCC/artigo acadêmico, pois só haverá uma pesquisa caso exista um
problema claramente percebido e compreendido. Os problemas de uma pesquisa são
apresentados sob a forma de perguntas. O número de problemas, elaborado sob a forma de
questões, deve corresponder ao número das hipóteses, apresentadas no tópico seguinte.
Exemplo:
“Por que a igreja cristã usualmente separa evangelização da ação social em sua prática de fé?”
5
Hipótese(s) da pesquisa
Neste ponto, apresentam-se as hipóteses de solução para os problemas levantados no quesito
anterior. Uma hipótese é a “promessa” de uma resposta ao problema levantado. Isto é, trata-se
da resposta vinculada ao problema levantado pela pesquisa. Exemplo:
“A igreja separa evangelização da ação social por ainda sofrer influências da filosofia
neoplatônica em sua teologia e prática.”
6
Metodologia da pesquisa
Nesse ponto, descreve-se a metodologia utilizada na pesquisa: 1) pesquisa bibliográfica; 2)
pesquisa de campo (com entrevistas sob a forma estatística); 3) entrevistas gravadas e
transcritas. Nos dois últimos casos – pesquisa de campo e entrevistas – deve-se inserir os
resultados obtidos como ANEXO(S) ao TCC. Em todos os casos, deve-se descrever de forma
detalhada o processo a ser utilizado pela pesquisa.
Também deve-se fazer aqui uma breve descrição do que será tratado em cada capítulo da
monografia.
7
Sumário (divisão dos capítulos)
Neste ponto, apresenta-se uma divisão (estrutura) da monografia. Esta divisão é provisória.
Serve apenas como “roteiro de viagem”, podendo ser alterada no decorrer da pesquisa.
Normalmente, divide-se em três capítulos, cada um com três subtópicos (embora esse número
possa ser ampliado, se for o caso). Um modelo básico poderia ser o seguinte:
11
1. Introdução
2. TÍTULO DO CAPÍTULO
2.1. Subtítulo
2.2. Subtítulo
2.3. Subtítulo
3. TÍTULO DO CAPÍTULO
3.1. Subtítulo
3.2. Subtítulo
3.3. Subtítulo
4. TÍTULO DO CAPÍTULO
4.1. Subtítulo
4.2. Subtítulo
4.3. Subtítulo
5. Conclusão
6. Referências bibliográficas
12
8
Bibliografia / Referencial teórico
Descrevem-se aqui as principais obras que serão utilizadas para a pesquisa (mínimo de 7
fontes, entre livros e artigos acadêmicos).
Exemplos:
CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. São Paulo: Cultrix/Pensamento, 2003.
CROATTO, José Severino. As linguagens da experiência religiosa: uma introdução à
fenomenologia da religião. 2ª edição. São Paulo: Paulinas, 2004.
DOWNING, David. C. S. Lewis: o mais relutante dos convertidos. São Paulo: Vida, 2006.
13
Duque de Caxias
2018
15
1
Área
Laboratório de Reconhecimento de Práticas de Ação Social e Política.
2
Tema (introdução ao tema) / título provisório
Tema: Relação entre evangelização e cuidado. Evangelho em proposta integral.
3
Objetivos da pesquisa
Essa pesquisa possui os seguintes objetivos:
Analisar criticamente o tipo de evangelização praticado pela igreja a partir de uma perspectiva
integradora do ser humano.
Identificar, à luz da fé cristã, as várias dimensões do cuidado na relação humana com o
mundo, com o próximo e consigo mesmo.
4
Problema(s) da pesquisa
O problema principal que norteia essa pesquisa é o seguinte: 1) por que em muitas ocasiões a
evangelização praticada pela igreja não leva em consideração outras dimensões da vida humana além
da meramente espiritual?
2) A Teologia da Missão Integral (TMI) pode nos auxiliar a responder a essa temática?
5
Hipótese(s) da pesquisa
Esta pesquisa possui como hipóteses de trabalho as seguintes propostas:
16
1) Em muitas ocasiões, a evangelização praticada pela igreja divide o ser humano em suas
dimensões espiritual e material (ou carnal) privilegiando a primeira em detrimento da
segunda. Isso ocorre por influências originadas da filosofia neoplatônica que ainda se faz
presente na reflexão e prática teológica.
2) A Teologia da Missão Integral proporciona uma visão integral do ser humano e da fé cristã.
Por isso, ela pode auxiliar a superar esse dualismo antropológico que, por vezes, caracteriza
a evangelização cristã.
6
Metodologia da pesquisa
A pesquisa será realizada através de pesquisa bibliográfica.
No terceiro capítulo, por fim, iremos propor uma evangelização integradora a partir da teologia
proposta pela Teologia da Missão Integral.
7
Sumário (divisão dos capítulos)
1. Introdução
2. Fundamentos da separação entre evangelização e cuidado
2.1. As influências do neoplatonismo.
2.2. A prática dualista da evangelização da igreja.
2.3. Consequências do dualismo para a fé cristã.
3. Dimensões do cuidado.
3.1. A integralidade do ser humano como lugar da evangelização cristã.
3.2. O cuidado com o próprio ser.
3.3. Alteridade: o cuidado com o outro.
3.4. O cuidado com o mundo.
17
8
Bibliografia / Referencial teórico
BOSCH, David J.. Missão transformadora: mudanças de paradigma na teologia da missão. São
Leopoldo: Sinodal, 2002.
ROCHA, Alessandro & VASCONCELLOS, Marcio Simão de. O poder da palavra na força do
Espírito: elementos da fé cristã na perspectiva da Teologia da Missão Integral. São Paulo:
Garimpo, 2016.
VICEDOM, Georg. A missão como obra de Deus: introdução à teologia da missão. São Leopoldo:
Sinodal, 1996.
COMBLIN, José. Teologia da missão. Petrópolis: Vozes, 1980.
LONGUINI NETO, Luiz. O novo rosto da missão: os movimentos ecumênico e evangelical no
protestantismo latino-americano. São Paulo: Ultimato, 2002.
MÜLLER, Karl. Teologia da Missão. Petrópolis: Vozes, 1995.
SCHERER, James A.. Evangelho, Igreja e Reino: estudos comparativos de Teologia da Missão.
São Leopoldo: Sinodal, 1991.
VICEDOM, Georg. A missão como obra de Deus: introdução à teologia da missão. São Leopoldo:
Sinodal, 1996.X
18
5. ARTIGO – MODELO
19
TÍTULO DO TCC
Subtítulo (se houver)
Duque de Caxias – RJ
2018
20
TÍTULO DO TCC
Subtítulo (se houver)
Professor(a) orientador(a):
Duque de Caxias – RJ
2018
21
____________________________
Professor (a) Orientador (a): Inserir nome do(a) professor(a)
UNIGRANRIO
____________________________________
Inserir nome do(a) professor(a) examinador(a)
UNIGRANRIO
____________________________________
Inserir nome do(a) professor(a) examinador(a)
UNIGRANRIO
Duque de Caxias – RJ
2018
22
RESUMO
Escrita de um breve texto que apresente o resumo da pesquisa, o(s) problema(s), a(s)
hipótese(s) e seus objetivos. O texto deve possuir no mínimo 500 caracteres, escrito em
espaçamento simples.
ABSTRACT
Introdução
Deve-se elaborar, nessa seção, uma introdução geral ao tema, apresentando o(s)
problema(s) da pesquisa, a metodologia e os referenciais teóricos utilizados. O objetivo da
introdução é apresentar aos leitores do texto o “estado da questão” que possa conduzi-los ao
tema pesquisado pelo(a) aluno(a). Trata-se, portanto, de situar o assunto pesquisado, de
apresentar o contexto da pesquisa, que coloca seus leitores a par de tudo o que já foi tratado
sobre o tema.
Tópico de desenvolvimento
Nesse e nos demais tópicos de desenvolvimento, o(a) aluno(a) deverá criar subtítulos
vinculados ao tema abordado em cada subtópico. A argumentação deve manter coerência,
sentido e clareza em sua proposta.
Tópico de desenvolvimento
Idem ao anterior.
Tópico de desenvolvimento
Idem ao anterior.
23
Conclusão
Deve-se elaborar aqui um texto conclusivo que ressalte as hipóteses descobertas durante
a pesquisa e proporcione caminhos para novas pesquisas na área estudada. Observação: todo o
artigo, contando da introdução até a conclusão, deve possuir entre 7-10 páginas.
Referências bibliográficas
Exemplo:
CROATTO, José Severino. As linguagens da experiência religiosa: uma introdução à
fenomenologia da religião. 2ª edição. São Paulo: Paulinas, 2004.
As normas da ABNT (norma NBR 6023) serão seguidas nas indicações bibliográficas
citadas nas notas de rodapé e na bibliográfica final. Exemplo:
Livro:
BETTENSON, H.. Documentos da igreja cristã. 4ª edição. São Paulo: Aste, 2001.
Dois autores:
ROCHA, Alessandro & VASCONCELLOS, Marcio Simão de. O poder da palavra na força
do Espírito: elementos da fé cristã na perspectiva da Teologia da Missão Integral. São
Paulo: Garimpo, 2016.
Obra organizada:
YUNES, Eliana (org.). Pensar a leitura: complexidade. São Paulo: Loyola, 2002.
Artigo de periódico
Artigo de jornal
Duque de Caxias – RJ
2018
27
Professor(a) orientador(a):
Duque de Caxias – RJ
2018
28
____________________________
Professor (a) Orientador (a): Inserir nome do(a) professor(a)
UNIGRANRIO
____________________________________
Inserir nome do(a) professor(a) examinador(a)
UNIGRANRIO
____________________________________
Inserir nome do(a) professor(a) examinador(a)
UNIGRANRIO
Duque de Caxias – RJ
2018
29
Resumo
A proposta deste artigo é abordar a relação entre teologia e ciência, buscando identificar suas
especificidades e seus pontos de contato. Teologia e ciência constituem duas áreas da vida
humana que são profundamente necessárias à compreensão do mundo e da própria identidade
de homens e mulheres. Nesse sentido, é necessário possuir uma perspectiva interdisciplinar,
capaz de sustentar o diálogo entre estas dimensões do conhecimento. A teologia e a ciência
saem enriquecidas desse diálogo: por um lado, ambas reconhecem seus espaços de reflexão.
Por outro lado, ambas também aprendem uma da outra novos enfoques metodológicos para
refletir sobre a vida e a experiência religiosa. Nessa reflexão, recebe especial importância a
teologia de Teilhard de Chardin, cujo pensamento tem ecoado novas maneiras de pensar o
universo.
Abstract
The purpose of this article is to discuss the relationship between theology and science, seeking
to identify its specificities and its points of contact. Theology and science are two areas of
human life that are profoundly needed to understand the world and the very identity of men
and women. In this sense, it is necessary to have an interdisciplinary perspective, capable of
sustaining the dialogue between these dimensions of knowledge. Theology and science are
enriched by this dialogue: on the one hand, both recognize their spaces for reflection. On the
other hand, both also learn from each other new methodological approaches to reflect on
religious life and experience. In this reflection, Teilhard de Chardin's theology receives
special importance, whose thinking has echoed new ways of thinking the universe.
Keywords: Theology; science; interdisciplinarity; Teilhard de Chardin.
Introdução
1
É possível lembrar o conflito entre a Igreja medieval e Galileu Galilei, no século XVI, cujos desdobramentos
até recentemente foram sentidos pela teologia em sua relação com a ciência evolutiva.
2
Cf. RUBIO, Alfonso Garcia, A teologia da criação desafiada pela visão evolucionista da vida e do cosmo
em: AMADO, Joel Portella & RUBIO, Alfonso Garcia (orgs.), Fé cristã e pensamento evolucionista, p. 18.
30
A necessidade da interdisciplinaridade
O diálogo entre teologia e ciência exige, por sua própria natureza, uma perspectiva
interdisciplinar. Essa abertura epistemológica, capaz de gerar diálogo entre essas dimensões
do saber humano, só pode surgir num ambiente desvinculado de uma visão de mundo
positivista, característica do século XIX e início do XX. Assim, aquela espécie de saber
totalitário (enciclopédico), marca do século XIX-XX, seria abarcada por uma visão mais
integradora. Os saberes “recortados” desse período seriam reunidos, numa perspectiva de
interdisciplinaridade, respeitando suas respectivas áreas mas em mútua e constante relação,
numa verdadeira teia de relações. Assim, “fé e ciência devem ser domínios separados, mas
devem trabalhar levando-se em conta.”4. Tal relação de complementaridade só pode ocorrer
quando a arrogância científica e/ou teológica cede lugar à humildade de quem se percebe
como detentor de uma verdade não absoluta, mas parcial. E também quando se percebe que
ambas querem dar conta das questões que envolvem a existência humana, embora sempre de
perspectivas diferentes.
3
Cf., a respeito, a excelente análise feita por John F. HAUGHT, especialmente em sua obra: HAUGHT, John F.
Cristianismo e ciência: para uma teologia da natureza. São Paulo: Paulinas, 2009.
4
ARAGÃO, Gilbraz, Do transdisciplinar ao transreligioso em: TEPEDINO, Ana Maria & ROCHA,
Alessandro (orgs.), A teia do conhecimento, p. 134.
31
Para tanto, também é necessário que a teologia não se afaste do mundo, sob pretexto de
salvaguardar a própria mensagem. Caso o faça, ela poderá negligenciar a criação como espaço
de vida e atuação divina e humana, gerando uma hermenêutica teológica reprodutora de uma
divisão entre mundo natural e sobrenatural que, aliás, tem se mantido atuante desde o início
do cristianismo. Nas palavras de Alfonso Garcia Rubio:
Não se pode negar que essa teologia tem orientado um tipo de existência que separa o mundo da
salvação, a realidade da graça, a missão da igreja, o sentido dos sacramentos, a vida eterna, a
oração, o mundo do sagrado, etc., do mundo das realidades temporais, isto é, o mundo da
economia, da política, do comércio, das finanças, da educação, da ecologia e assim por diante.5
Ao enxergar a criação com essa lente dualista, o cristão se sente possibilitado para
participar da liturgia da igreja, levantando mãos para adorar ao Deus criador, ao mesmo
tempo em que, no “mundo natural” desvinculado de sua profissão de fé, vive alheio à ética do
reino de Deus. Liturgia vazia torna-se companheira da manipulação, da dominação e da
exploração do próximo e da criação, práticas dissociadas da fé por uma ruptura desastrosa
entre criação e salvação.
Mas como tornar realidade essa prática dialógica entre ciência e fé? Como superar
visões redutoras, de ambos os lados, a fim de produzir um ambiente onde se possa “escutar e
dizer, compreender e avançar, permanecer e mudar”6? Vale lembrar que para a fé cristã – e,
consequentemente, para a teologia que surge a partir dela – não se relacionar com a cultura na
qual está inserida significa trair seu próprio caráter, isto é, implica em não fazer a inculturação
necessária para afirmar as boas novas de Jesus. Aliás, esta relação entre fé e cultura, delineada
pela expressão inculturação da fé, é ponto essencial para o cristianismo, pois a fé nele
proclamada nunca é pura, antes, “toda fé é necessariamente fé inculturada”7.
De fato, cada contexto cultural reinterpreta a palavra original da fé cristã a partir de suas
próprias necessidades e características. Porque é experiência humana, a experiência da fé, do
encontro salvífico com Deus, sempre é previamente interpretada. Se negligenciarmos essa
necessidade de refletir sobre a inculturação da fé, e de dialogar com a cultura que vivemos,
perdemos o elemento essencial à própria fé cristã, a saber: a fé que surge do evangelho não é
mera representação, morta e estéril, mas sim ação, práxis, que se insere na vida cotidiana das
pessoas. Portanto, novas visões de mundo exigem novas formulações da fé e criativas
maneiras de expressá-la.
5
RUBIO, Alfonso García, Superação do dualismo entre criação e salvação, in MÜLLER, Ivo (org.),
Perspectivas para uma nova teologia da criação, p. 217.
6
AMADO, Joel Portella, Entre Deus e Darwin: contenda ou envolvimento? A respeito dos desafios que o
pensamento evolucionisa apresenta para a compreensão de Deus e vice-versa em: AMADO, Joel Portella &
RUBIO, Alfonso Garcia (orgs.), Fé cristã e pensamento evolucionista, p. 83.
7
MIRANDA, Mario de França, Inculturação da fé: uma abordagem teológica, p. 63.
32
Sendo assim, a teologia também precisa ser considerada por um novo ponto de vista.
Para tanto, podemos propor duas abordagens diferentes e complementares que se constituem
em dois caminhos possíveis para essa reelaboração. Nessa jornada, exige-se uma perspectiva
interdisciplinar, que una em diálogo ciência, teologia e cultura. Trata-se de rever conceitos da
teologia e da pastoral, objetivando um caminhar mais integrador entre as múltiplas dimensões
da vida humana. Do ponto de vista da fé cristã, que caminhos podem ser traçados aqui?
O primeiro caminho impele a teologia a repensar sua imagem de Deus. Fazer isso
implica, antes de tudo, em manter a perspectiva do Mistério em suas afirmações sobre Deus.
Nesse sentido, a teologia deve lembrar que toda linguagem religiosa é simbólica; remete a
algo transcendente que só é percebido porque se revelou, antes, na história humana. Daí poder
afirmar-se, também, que a impossibilidade da linguagem em apresentar Deus – como que
engaiolado porque definido / confinado – não é mera questão linguística. De fato, todas as
falas humanas sobre Deus fracassam em defini-lo. Esse fracasso, contudo, não é indicativo de
uma impossibilidade de se relacionar com Deus. Antes, pelo contrário: esse Deus que é
Mistério escolheu se revelar, numa proposta amorosa e graciosamente relacional, aos seres
humanos. Por isso, tanto o conteúdo como a forma desta revelação são essenciais para a
teologia em seu diálogo com a ciência moderna, pois muito da rejeição por parte de cientistas
à religião cristã surge do tipo de imagem que a teologia constrói de Deus.
Esta questão é extremamente séria e atual. De uma perspectiva cristã, imagens de Deus,
inteiramente dissociadas da vida humana e da própria revelação neotestamentária a respeito
de Deus, revelado em Jesus, podem servir de máscara para uma certa arrogância teológico-
eclesiástica de quem quer se apresentar como porta-voz da vontade absoluta da divindade.
Normalmente, quando isso ocorre, vincula-se uma imagem incorreta de Deus a um pensar
incoerente sobre Deus que traz muitos prejuízos à vida dos crentes e vários questionamentos
aos não crentes8.
8
Adolphe Gesché nos lembra que a pergunta sobre Deus é parte integrante da história humana. “A palavra Deus
existe. Sem dúvida, é a única certeza que consegue obter unanimidade. Com exceção disso, há a contenda para
saber se essa palavra tem um correspondente ou não e o que significa. [...] Com efeito, uma coisa é certa: ‘um
dia, em algum lugar’, homens forjaram essa palavra (e outros continuam recorrendo a ela). Ao menos uma vez
(de fato, incontáveis vezes), essa palavra fez sentido para o homem. Ora, nada daquilo que teve (e tem)
significado para o homem pode ser escamoteado. Portanto, para qualquer um, a questão de Deus se torna, sob
esta forma e por esse viés, uma questão indiscutível e primeira: qual é essa experiência de linguagem? O que ela
reveste? Qual realidade se dá a ver, a ler, a decifrar?” (GESCHÉ, Adolphe, Deus, p. 5, 28). No restante de seu
livro, Gesché apresenta vários caminhos para identificar os traços bíblicos do Deus que se revela no Judaísmo e
no Cristianismo. Cf., especialmente, o capítulo 3 deste livro.
33
O conteúdo da revelação de Deus é Jesus Cristo. Isso quer dizer, primeiramente, que
Deus se revela no humano, no Logos que se faz fraqueza humana, que se esvazia de si mesmo
em serviço (cf. Fl 2.5-8)9. Em outros termos, é a encarnação que nos permite conhecer a Deus.
Negligenciar esta imagem de Deus dada em Jesus resulta numa prática teológica agressiva,
fundamentalista e fanática que, em nome desse Deus criado pelo encontro da filosofia com a
sede de poder do ser humano, mata, destrói, esmaga e exclui muitas pessoas.
Essa revelação de Deus em Jesus implica também em refletirmos sobre a forma pela
qual esta revelação ocorre. Ela surge do encontro entre o desejo de Deus de relacionar-se com
a criação – o Deus-Trindade é relacional – e da kênosis (esvaziamento) que ele realiza ao
cumprir esse intento. É esse desejo de alteridade divina, de se relacionar com o outro criado,
que faz nascer a teologia como proposta de reflexão sobre o criador. Parece estranho, por isso,
que atualmente a teologia queira se desvencilhar dessas propostas. Ora, um Deus relacional
implica numa teologia igualmente relacional. Um Deus que se esvazia de si mesmo para, em
Cristo, reconciliar consigo mesmo toda a criação (2ª Co 5.19), requer uma teologia que faça o
mesmo em prol do outro. Por isso, é incompreensível uma teologia que se negue a apresentar-
se, humilde, ao diálogo com a ciência e a cultura.
Por seu próprio caráter, a revelação diz respeito ao que se passa no universo, mas trata
de uma dimensão da realidade que passa, necessariamente, despercebida pela ciência. E uma
teologia da natureza, sem negar o valor e a importância da ciência, propõe níveis de
profundidade na natureza que a ciência simplesmente não pode atingir. Assim, ambas,
teologia e ciência, tem seu espaço necessário na compreensão do universo. A revelação cristã
aponta para um Deus que se revela no e através do mundo observável (tanto pela teologia
como pela ciência); por isso, como diz Haught, “em virtude da encarnação, todo drama da
natureza que se desdobra ao longo de bilhões de anos é também a revelação de Deus” 10, e,
além disso, “o universo como um todo, em virtude da encarnação, encontra-se
indissociavelmente conexo com a revelação de Deus em Cristo.”11. Por isso, revelação é
muito mais que um conjunto de informações sobre Deus. Antes, revelação é “dom do próprio
ser e individualidade de Deus para e através de todo o universo”, e seu conteúdo é “o infinito
mistério do próprio ser de Deus.”12.
9
O termo grego usado pelo apóstolo Paulo para se referir a Jesus, nessa passagem da Carta aos Filipenses, é
kênosis. Esse termo significa “esvaziamento” e faz referência direta à encarnação de Deus em Jesus de Nazaré,
isto é, à afirmação da fé cristã de que Jesus é a expressa imagem do ser de Deus (cf. Hb 1. 3). Lido nessa
perspectiva, a kênosis representa um dos mais importantes temas teológicos contemporâneos.
10
HAUGHT, John F., Cristianismo e ciência, p. 61
11
Ibidem
12
Ibid., p. 63-64
34
Por isso, a imagem de Deus que surge da fé cristã é construída sobre dois fundamentos
que a caracterizam: a) A autoabnegação humilde de Deus, eterno gesto de rebaixamento que
possibilita a existência da criação, isto é, a kénosis divina; b) A promessa de Deus que abre
espaço à afirmação do futuro, isto é, a esperança escatológica. Dessa forma, a humildade e a
promessa divinas são expressões do amor incondicional que constitui a essência de Deus.
Porque ama, Deus se revela, e ao se revelar, se compromete com sua criação. Esta imagem
revelada de Deus encontra sua plenitude em Jesus, em quem a kénosis assume carne, suor e
sangue. Nesse sentido, Jesus revela um Deus “vulnerável, sofredor”, que, devido ao seu amor
pela criação, se esvazia de sua condição de Deus “todo-poderoso” para se entregar ao
universo. De igual modo, o Deus que se revela possibilita um futuro sempre novo.
Um segundo caminho possível para a teologia nesse diálogo com a ciência a conduz na
direção de repensar sua imagem acerca do ser humano e do cosmos. Nesse sentido, vale
ressaltar que o desejo pelo Mistério, que caracteriza o ser humano, é revelacional. Assim, o
mistério como condição antropológica é anterior a todas as coisas. Nesse voltar-se ao
Mistério, a teologia encontra seu papel de responder às questões-limite: sofrimento, dor,
angústia existencial e morte. Aliás, essa experiência é vivida por Jesus: na cruz, diante de uma
experiência-limite (a morte precedido pelo sofrimento injusto (Lc 23.41)), Jesus faz uma
questão-limite: “Deus meu, por que me desamparaste?” (Mt 27.46). Mas diante desse
mistério, Jesus se lança com esperança nos braços do Pai: “Pai, nas tuas mãos entrego meu
espírito” (Lc 23.46). Entre essas duas frases há palavra de perdão aos que não souberam
perceber um Deus que ama em sua kênosis na cruz. E entre essas duas frases também subsiste
o abismo do desespero e da perda de sentido que uma visão fundamentalista da vida (seja rela
religiosa ou científica) pode produzir.
Esse mistério de Deus permeia a criação inteira, gerando vínculos de relação
intersubjetiva entre os seres criados. Nesse sentido, toda a criação participa do mesmo
mistério de Deus, não numa perspectiva panteísta (Deus não se dissolve na criação), mas sim
numa leitura panenteísta, isto é, a presença de Deus ilumina desde dentro toda a realidade,
sem se confundir com as coisas criadas. Isso confere uma dimensão mística à existência
humana e ao cosmos. É nesse ponto que as reflexões propostas por Teilhard de Chardin
revelam-se necessárias ao tema. Para Teilhard, o universo conta com uma noosfera, isto é, a
esfera da mente: uma “camada de pensamento da história da terra, uma rede formada de
pessoas, sociedades e criações culturais e tecnológicas.”13. Segundo Teilhard, a noosfera é um
13
Ibid., p. 113
35
dos mais interessantes desenvolvimentos da história do universo. Por isso, nas palavras de
Haught:
O empirismo mais lato de Teilhard, que restitui a dimensão do pensamento a seu domínio
próprio na natureza, coloca em xeque a metafísica materialista do naturalismo científico
subjacente ao moderno reconhecimento de que o universo carece de propósito. Ao mesmo
tempo, a recusa de Teilhard a separar a subjetividade ou o pensamento da natureza como um
todo, proporciona à teologia um meio de tornar inteligível a crença cristã, segundo a qual Deus
atua na natureza de maneira muito íntima e efetiva, ainda que sempre misteriosa.14
Dessa forma, um reino de matéria desprovido de mente nunca existiu, já que a matéria
já estava impregnada da mente e do espírito desde o início do universo. Além disso, não mais
se enxerga a vida pela lente dualista do corpo versus espírito, pois para Teilhard, matéria e
espírito “são rótulos de duas tendências polares na evolução da natureza, não dois tipos
isolados de substância. (...) Além disso, é o espírito, e não a matéria, que imprime solidez e
consistência ao cosmo.”15.
Além da dimensão mística (fundamentalmente necessária para o fazer e o refletir
teológico em nosso tempo), essa perspectiva resgata uma compreensão salvífica do cosmos.
Nas palavras de Garcia Rubio, “a criação já é o começo da salvação. Na criação, encontramos
já o movimento kenótico em Deus”16. E mais: o universo inteiro é resignificado como espaço
litúrgico para celebrar a Deus, rompendo toda ótica dualista. O universo é visto como espaço
de vida, e não de morte. Aliás, numa perspectiva da teologia da criação, Deus não criou ou
criará; Deus cria. O sábado do descanso divino não é ausência do ato criativo de Deus, mas
sim convite à criação que participe (celebrando, criando) deste ato da criação. Por isso, devido
à vida exuberante que surge de Deus, como dom à sua criação, o sol levanta-se todas as
manhãs, de forma regular, “por nunca se cansar de levantar-se”; ou, ainda nas palavras de
Chesterton:
Talvez Deus seja forte o suficiente para exultar na monotonia. É possível que Deus todas as
manhãs diga ao sol: “Vamos de novo”; e todas as noites à lua: “Vamos de novo”. Talvez não
seja uma necessidade automática que torna todas as margaridas iguais; pode ser que Deus crie
todas as margaridas separadamente, mas nunca se canse de criá-las. Pode ser que ele tenha um
eterno apetite de criança; pois nós pecamos e ficamos velhos, e nosso Pai é mais jovem do que
nós. A repetição na natureza pode não ser mera recorrência; pode ser um BIS teatral.17
Reafirma-se, portanto, a atuação relacional de Deus com sua criação, como resultado de
sua kênosis, que o leva, em nome de seu amor, a dar espaço para que o outro seja, bem como
14
Ibid., p. 113-114
15
Ibid., p. 114
16
RUBIO, Alfonso Garcia, A teologia da criação desafiada pela visão evolucionista da vida e do cosmo em:
AMADO, Joel Portella & RUBIO, Alfonso Garcia (orgs.), Fé cristã e pensamento evolucionista, p. 38
17
CHESTERTON, G. K., Ortodoxia, p. 100
36
a esperança cristã de que toda esta criação está conectada com o ser humano e será também
integralmente redimida por Deus-Criador-Salvador (cf. Rm 8.19-23).
Conclusão
A relação entre teologia e ciência ainda precisa ser desenvolvida de forma mais plena e
dialogal. Essa abordagem interdisciplinar, longe de descaracterizá-las enquanto disciplinas
independentes, auxilia no enriquecimento tanto da teologia como da ciência. Se a teologia
afirma a criação como espaço onde Deus se faz presente, animando todas as coisas com a
força de sua Ruah, a ciência cria novas e interessantes lentes de análise para enxergar tal
criação de um viés mais meticuloso. Tal abordagem também propicia análises sobre as
questões ecológicas, vistas tanto sob o ponto de vista da ciência como da teologia. Exemplo
recente dessa proposta, aliás, é a Carta Encíclica Lautado Si’, elaborada pelo Papa Francisco
em 2015. Esse documento da Igreja mereceria maiores estudos, sobretudo de grupos
protestantes no Brasil.
É nesse sentido que, do ponto de vista cristão, é possível tratar do tema da entropia, a
destinação do universo para sua destruição. A partir desta nova imagem de Deus, do ser
humano e do cosmos, inter-relacionados mutuamente, não se compreende a entropia como
palavra definitiva para o futuro do ser humano. Antes, pelo contrário: a entropia anuncia,
paradoxalmente, novo momento criacional. O caos é combustível da evolução do mundo
rumo ao seu pleno desenvolvimento. Em termos teológicos, poderíamos dizer que morte de
Cristo na cruz foi um momento entrópico – pois a entropia faz parte do universo em evolução
– mas dela surge o novo. Nesse sentido, a ressurreição de Cristo anuncia o fim da entropia,
cujo climax é a nova criação. Só quando se vê a ressurreição como anúncio do fim da
entropia, pode-se pensar num tempo (eternidade) em que não haverá mais entropia, quando
Deus “lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem
pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram” (Ap 21.4). Dessa forma, quando Deus
for tudo em todos (I Co 15.28) e “quando este corpo corruptível se revestir de
incorruptibilidade, e o que é mortal se revestir de imortalidade, então se cumprirá a palavra
que está escrita: tragada foi a morte pela vitória.” (I Co 15.54); então a morte (entropia) será
vencida. Por isso, a entropia não tem a última palavra! Ela é necessária para o processo
evolutivo, maneira que Deus escolheu conduzir sua criação, mas haverá o momento de seu
fim.
37
O futuro é sempre melhor, pois é futuro do criador. Todo pecado entrópico – isto é, toda
destruição da alteridade do outro – será revertido na afirmação da individualidade de cada ser
humano, reconhecida e valorizada por Deus, que dá a cada um “uma pedrinha branca e sobre
ela um nome novo que somente quem o recebe conhece.” (Ap 2.17). Pensar teologia a partir
desta esperança é a maneira de se relacionar com a ciência e com a cultura que nos cerca.
Referências bibliográficas
AMADO, Joel Portella & RUBIO, Alfonso Garcia (orgs.). Fé cristã e pensamento
evolucionista: aproximações teológico-pastorais a um tema desafiador. São Paulo:
Paulinas, 2012.
CARDENAL, Ernesto. Vida en el amor. Buenos Aires: Carlos Lohlé, 1972.
CHESTERTON, G. K.. Ortodoxia. São Paulo: Mundo Cristão, 2008.
GESCHÉ, Adolphe. O sentido. São Paulo: Paulinas, 2005.
HAUGHT, John F. Cristianismo e ciência: para uma teologia da natureza. São Paulo:
Paulinas, 2009.
MIRANDA, Mario de França. Inculturação da fé: uma abordagem teológica. São Paulo:
Loyola, 2001.
MOLTMANN, Jürgen. O Espírito da vida: uma pneumatologia integral. Petrópolis:
Vozes, 2010.
MÜLLER, Ivo (org.). Perspectivas para uma nova teologia da criação. Petrópolis: Vozes,
2003.
SCHILLEBEECKX, Edward. História humana: revelação de Deus. São Paulo: Paulus,
1994.
TEPEDINO, Ana Maria & ROCHA, Alessandro (orgs.). A teia do conhecimento: fé, ciência
e transdisciplinaridade. São Paulo: Paulinas, 2009.
38
7. TCC – MODELO
39
TÍTULO DO TCC
Subtítulo (se houver)
Duque de Caxias – RJ
2018
40
TÍTULO DO TCC
Subtítulo (se houver)
Professor(a) orientador(a):
Duque de Caxias – RJ
2018
41
____________________________
Professor (a) Orientador (a): Inserir nome do(a) professor(a)
UNIGRANRIO
____________________________________
Inserir nome do(a) professor(a) examinador(a)
UNIGRANRIO
____________________________________
Inserir nome do(a) professor(a) examinador(a)
UNIGRANRIO
Duque de Caxias – RJ
2018
42
DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTOS
RESUMO
Escrita de um breve texto que apresente o resumo da pesquisa, o(s) problema(s), a(s)
hipótese(s) e seus objetivos. O texto deve possuir no mínimo 500 caracteres, escrito em
espaçamento simples.
ABSTRACT
SUMÁRIO
1. Introdução ........................................................................................................................... xx
2. Título do primeiro capítulo ................................................................................................. xx
2.1. Subtópico .............................................................................................................. xx
2.2. Subtópico .............................................................................................................. xx
2.3. Subtópico .............................................................................................................. xx
3. Título do segundo capítulo ................................................................................................. xx
3.1. Subtópico .............................................................................................................. xx
3.2. Subtópico .............................................................................................................. xx
3.3. Subtópico .............................................................................................................. xx
4. Título do terceiro capítulo .................................................................................................. xx
4.1. Subtópico .............................................................................................................. xx
4.2. Subtópico .............................................................................................................. xx
4.3. Subtópico .............................................................................................................. xx
5. Conclusão ........................................................................................................................... xx
6. Referências bibliográficas .................................................................................................. xx
Anexos (se houver) ................................................................................................................. xx
47
1. INTRODUÇÃO
Deve-se elaborar, nessa seção, uma introdução geral ao tema, apresentando o(s)
problema(s) da pesquisa, a metodologia e os referenciais teóricos utilizados. O objetivo da
introdução é apresentar aos leitores do texto o “estado da questão” que possa conduzi-los ao
tema pesquisado pelo(a) aluno(a). Trata-se, portanto, de situar o assunto pesquisado, de
apresentar o contexto da pesquisa, que coloca seus leitores a par de tudo o que já foi tratado
sobre o tema.
2. TÍTULO DO CAPÍTULO
Cada capítulo de uma monografia deverá ser bem estruturado, de forma que apresente
um pensamento coerente e argumentações bem fundamentadas nas fontes pesquisadas. O
ideal é que cada capítulo apresente um subtema alinhado ao tema principal da monografia.
Cada capítulo deverá possuir, em média, 10 páginas.
3. TÍTULO DO CAPÍTULO
Cada capítulo de uma monografia deverá ser bem estruturado, de forma que apresente
um pensamento coerente e argumentações bem fundamentadas nas fontes pesquisadas. O
ideal é que cada capítulo apresente um subtema alinhado ao tema principal da monografia.
Cada capítulo deverá possuir, em média, 10 páginas.
4. TÍTULO DO CAPÍTULO
Cada capítulo de uma monografia deverá ser bem estruturado, de forma que apresente
um pensamento coerente e argumentações bem fundamentadas nas fontes pesquisadas. O
ideal é que cada capítulo apresente um subtema alinhado ao tema principal da monografia.
Cada capítulo deverá possuir, em média, 10 páginas.
5. CONCLUSÃO
Deve-se elaborar aqui um texto conclusivo que ressalte as hipóteses descobertas durante
a pesquisa e proporcione caminhos para novas pesquisas na área estudada. A conclusão deve
possuir em média 2 páginas.
52
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Exemplo:
A fonte deverá ser Times New Roman, tamanho 12 para o corpo do texto, tamanho 11
para citações em destaque e tamanho 10 para as notas de rodapé
Página no modelo A4, com as seguintes margens: 3cm superior; 2cm inferior;
2cm direita; 3cm esquerda.
Espaçamento entre as linhas = 1,5 (excetuando-se citações em destaque com mais de três
linhas, notas de rodapé, referências bibliográficas e legendas de fotos ou gráficos, que
deverão ser digitados com espaçamento simples). O texto deve ser justificado. Parágrafo =
1 cm, com 0 cm para o antes e o depois de cada parágrafo.
Citações em destaque (acima de 3 linhas) deverão possuir espaçamento simples entre as
linhas, tamanho da fonte = 11, recuo de 1cm da margem esquerda.
As normas da ABNT (norma NBR 6023) serão seguidas nas indicações bibliográficas
citadas nas notas de rodapé e na bibliográfica final. Exemplo:
Livro:
BETTENSON, H.. Documentos da igreja cristã. 4ª edição. São Paulo: Aste, 2001.
Dois autores:
ROCHA, Alessandro & VASCONCELLOS, Marcio Simão de. O poder da palavra na força
do Espírito: elementos da fé cristã na perspectiva da Teologia da Missão Integral. São
Paulo: Garimpo, 2016.
Obra organizada:
53
YUNES, Eliana (org.). Pensar a leitura: complexidade. São Paulo: Loyola, 2002.
Artigo de periódico
Artigo de jornal
Duque de Caxias – RJ
2018
56
Duque de Caxias – RJ
2018
57
____________________________
Prof. Me. Marcio Simão de Vasconcellos
____________________________________
Prof. Dr. Alessandro Rodrigues Rocha
UNIGRANRIO
____________________________________
Prof. Especialista Antonio Lucio Avellar Santos
UNIGRANRIO
Duque de Caxias – RJ
2018
58
DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, de todo o meu coração, por que escolheu esvaziar-se de sua divindade
e encarnar para que compreendêssemos o seu projeto para a humanidade: o Reino!
Agradeço à minha família: Sonia, minha mãe, in memorian, pois muito do que sou hoje
devo à ela: mulher incrivelmente batalhadora. Te amo mãe! Diego José, meu paizão, que
dedicou a vida para criar a mim e à minha irmã. E desdobrou-se por nós quando minha mãe se
foi! Te amo pai! À minha irmã (um pouco mãe, um pouco filha), Tatiana, por ser minha
melhor amiga e companheira, te amo irmã! À minha sobrinha Alayne por colorir meus dias, te
amo como se você fosse minha filha!
Aos pastores Paulo Vicente e Milton Pereira... agradeço a vocês, pois fizeram grande
diferença em minha vida!
RESUMO
A presente pesquisa pretende investigar a ação e mensagem de Jesus de Nazaré, que declara
ter como missão fazer a vontade do Pai (Jo 4,34). Esta vontade se torna evidente se
analisarmos seriamente os textos neotestamentários, consiste no estabelecimento do Reino de
Deus. Diante da relevância deste tema para aqueles que se declaram seguidores de Jesus,
buscamos, inicialmente, conceituar Reino de Deus e resgatar historicamente as expectativas
messiânicas que o povo de Israel tinha com relação a esse tema, assim como, ressaltaremos os
grupos religiosos e suas expectativas messiânicas na época de Jesus. Logo depois,
pensaremos, efetivamente, sobre o Jesus histórico e refletirmos sobre sua proposta – o Reino
de Deus – baseados no evangelho de Lucas e demonstraremos como a vida de Jesus foi
vivida, basicamente, para anunciar o Reino. Por fim, demonstraremos como a visão
escatológica é determinante para a prática eclesiológica, analisando a tensão entre o “já” e o
“ainda não”, as primeiras comunidades de fé, em Atos dos Apóstolos, e concluiremos falando
sobre a missão da Igreja como agência sinalizadora do Reino de Deus.
ABSTRACT
The present research intends to investigate the action and message of Jesus of Nazareth, who
declares that his mission is to do the will of the Father (Jn 4,34). This will becomes evident if
we seriously analyze the New Testament texts, it consists in establishing the Kingdom of God.
In view of the relevance of this theme to those who declare themselves to be followers of
Jesus, we initially sought to conceptualize the Kingdom of God and to rescue historically the
messianic expectations that the people of Israel had with regard to this theme, as well as
emphasizing religious groups and their expectations messianic in the time of Jesus. Soon
after, we will think effectively about the historical Jesus and reflect on his proposal - the
Kingdom of God - based on the gospel of Luke and demonstrate how the life of Jesus was
basically lived to proclaim the Kingdom. Finally, we will demonstrate how the eschatological
vision is decisive for ecclesiological practice, analyzing the tension between the "already" and
the "not yet", the first communities of faith, in Acts of the Apostles, and conclude by talking
about the Church's mission as signifying agency of the Kingdom of God.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 10
2. REINO DE DEUS E EXPECTATIVA MESSIÂNICA .................................................. 11
2.1. Abordagem conceitual sobre o reino de Deus ....................................................... 11
2.2. A expectativa messiânica em Israel ...................................................................... 13
2.3. Grupos religiosos da Palestina no período de Jesus de Nazaré ............................. 17
3. REINO DE DEUS E A PROPOSTA DE JESUS DE NAZARÉ ................................... 22
3.1. Um olhar sobre o Jesus do Reino .......................................................................... 22
3.2. O Reino de Deus: uma análise a partir do Evangelho de Lucas ........................... 25
3.3. A vida de Jesus como anúncio do Reino ............................................................... 29
4. REINO DE DEUS COMO MODELO DE UMA ECLESIOLOGIA RELEVANTE . 34
4.1. O Reino de Deus como anúncio escatológico para a prática eclesiástica ............. 34
4.2. O Reino de Deus na prática da igreja cristã primitiva: uma leitura de Atos dos
Apóstolos .............................................................................................................. 38
4.3. A igreja cristã como sinal do Reino de Deus ........................................................ 43
5. CONCLUSÃO .................................................................................................................. 49
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 51
63
1. INTRODUÇÃO
Através da leitura das obras lucanas (Lucas/Atos dos Apóstolos) temos um acesso
à história da vida, ministério, morte e ressurreição de Jesus de Nazaré. De posse desse
conhecimento, olhando para as nossas igrejas atuais e observando as práticas cristãs ali
desenvolvidas, muito facilmente nos espantaremos com tamanha discrepância entre o
que Jesus viveu/pregou e o que hoje nossas comunidades de fé vivem/pregam. Nesse
sentido, o estudo do tema aqui proposto é de suma importância porque nos revela o
conteúdo mais central do evangelho, a saber: o reino de Deus. A partir da análise da
vida e ministério de Jesus de Nazaré, especialmente baseados nos textos lucanos,
buscaremos refletir sobre sua proposta - o Reino de Deus.
A presente pesquisa busca refletir sobre a pregação e a prática de Jesus de Nazaré
com o objetivo de relacioná-las com a realidade da vivência da fé cristã em nossos dias.
Como caminho para essa reflexão, buscaremos respostas para algumas questões:
Que ideias o povo de Israel tinha sobre o Reino de Deus? Qual era a sua expectativa
messiânica? Como Jesus de Nazaré interpretava o Reino de Deus? Qual foi a
importância desse tema para sua vida e sua pregação? Como a tensão entre o “já” e o
“ainda não” pode contribuir para nossa prática eclesiológica? Como essa tensão se
configura hoje? Qual contribuição as comunidades primitivas nos oferecem? Existem
hoje igrejas sinalizadoras do Reino de Deus, na mesma perspectiva, anunciada por Jesus
de Nazaré?
No primeiro capítulo, falaremos de forma breve sobre o conceito do Reino de
Deus a fim de entender a profundidade da pregação de Jesus. Falaremos sobre as
expectativas messiânicas judaicas e sobre as tradições messiânicas que estavam vigentes
durante o ministério do Jesus para percebermos o contexto em que Jesus estava quando
viveu e pregou. Contaremos para isso com o apoio de alguns autores, entre os principais
estão: Oscar Cullmann, Hans Kessler, David Bosch, Jon Sobrino, Milton Schwantes e
Alfonso G. Rubio.
No segundo capítulo, abordaremos de forma breve o tema do Reino de Deus na
proposta de Jesus de Nazaré, lançando um olhar sobre o Jesus histórico para
compreendermos melhor sobre quem foi o homem por trás do Cristo da fé. Em seguida,
analisaremos a proposta do Reino feita por Jesus, a partir do evangelho lucano,
buscando pistas para compreender o que era que Ele de fato estava propondo. Por fim,
demonstrarmos como a vida de Jesus, com suas palavras e atitudes, anunciou o Reino.
64
Os autores principais aqui serão: José Antônio Pagola, David Bosch, Albert Nolan e
Maria Clara Bingemer.
O último capítulo considera que a visão escatológica influencia a postura e a
prática eclesiológica. Nesse sentido, buscamos superar algumas visões escatológicas
historicamente difundidas e, já que nosso tema central é o Reino de Deus, pensarmos
sobre a tensão entre o “já” e o “ainda não”, refletindo em como esta possibilidade pode
alterar o comprometimento da igreja com o mundo à sua volta. Logo depois, propomos
a análise das primeiras comunidades cristãs no livro de Atos, refletindo sobre a questão
da koinonia, característica principal das primeiras comunidades. E, por fim, fazemos um
convite à Igreja de hoje, com o intuito que ela se permita uma autorreflexão sobre sua
prática cristã. Os autores que contribuirão neste capítulo serão: Bosch, Stott e
Moltmann.
A presente pesquisa apresenta a seguinte proposta: é necessário haver um contato
com estudos a respeito do Jesus histórico, e do ambiente no qual Ele exerceu sua
pregação, pois o seguimento de Jesus, tem sido trilhado através dos tempos, quase que
exclusivamente, baseados nas afirmações sobre o Cristo da fé, porém, entendemos que,
de igual forma precisamos levar em conta os estudos e as perspectivas sobre o Jesus
histórico, do qual afirmamos ser discípulos e discípulas. Cremos que urge a necessidade
de haver mais estudos sérios sobre o Jesus histórico e sobre o Reino que Ele demonstra
e anuncia.
Ao longo do tempo, houve um grande distanciamento entre a pregação/vida de
Jesus e o comportamento da Igreja hoje em relação à proposta do Reino de Deus. A
partir dessa premissa, questionamo-nos: Porque existe um tão grande abismo entre a
proposta de Jesus de Nazaré e as propostas das Igrejas atuais? Nossa hipótese principal
é a seguinte: O Reino de Deus, tema que permeou a vida e pregação de Jesus de Nazaré,
é hoje negligenciado pela maioria das igrejas locais em sua prática eclesiástica e
teológica.
Nosso objetivo é demonstrar que o Reino de Deus, não pode ser negligenciado
dessa forma, mostrando que, além do Reino de Deus ser uma realidade futura (AINDA
NÃO), é fato inquestionável que ele JÁ se fez presente com a vinda de Jesus de Nazaré
e que nós, discípulos e discípulas do Mestre, temos a responsabilidade de vivenciar os
valores do Reino em nossa sociedade que tanto carece de modelos de justiça, paz e
amor. Devemos demonstrar, assim como Jesus, que o Reino está entre nós!
65
Qualquer tentativa de explicar ou falar sobre Reino de Deus que não busque
resgatar historicamente as ideias e as expectativas messiânicas que o povo de Israel
tinha sobre ele, torna-se instantaneamente invalidada, pois foi naquele tempo e naquela
cultura que este conceito começou a tomar forma. Quando Jesus de Nazaré encarnou, já
haviam conceitos formados e grandes expectativas com relação ao Reino de Deus.
Portanto, ressaltamos a necessidade de retornar à história judaica, com o objetivo de
traçar o desenvolvimento teológico da noção de Reino de Deus em Israel a fim de
percebermos como esse conceito é interpretado por Jesus e pela nascente fé cristã.
Percebemos então que Deus é denominado com o termo melek (rei), e o termo
malkuth é usado para designar o seu poder. A malkuth do Senhor é descrita em
grandeza, exaltação e domínio sobre tudo.20
No hebraico existem três termos ligados à noção de reino: melukâ, malkut e
mamlakâ que são traduzidos para o grego como basileia. A expressão grega Basileia tou
18
BOSCH, David J., Missão transformadora: mudança de paradigma na teologia da missão, São
Leopoldo: Sinodal, 2002. p. 52.
19
PADILLA, René & PINO, Carlos A. Del, Reino, igreja e missão, São Paulo: Seminário Presbiteriano
do Brasil e Missão Oriente, 1998. p. 12.
20
Ibid., p.13.
66
21
II Sm 7.12-16
22
PADILLA, René e PINO, Carlos del, Reino, Igreja, Missão, São Paulo: Seminário Presbiteriano do
Brasil e Missão Oriente, 1998. p.18.
23
BOSCH, David, Missão Transformadora: Mudanças de Paradigma na Teologia da Missão, São
Leopoldo: Sinodal, 2002. p.52.
67
que apresentava traços nacionais judaicos. Porém, dentro deste enfoque comum a todos,
podem apresentar-se os conteúdos mais diversos.24
24
CULLMANN, Oscar, Cristologia do Novo Testamento, São Paulo: Custom, 2003. p.149-150.
25
Ibid., p.150.
26
Cf. SOBRINO, Jon, O reino de Deus e Jesus: compaixão, justiça e mesa compartilhada. In:
BINGERMER, Maria Clara; BORGMAN, Erik; CAHILL, Lisa Sowle; QUEIRUGA, Andre Torres.
Jesus como Cristo: o que está em jogo na Cristologia?, Petrópolis: Vozes, 2008. (grifo meu)
(Concilium – Revista Internacional de Teologia)
27
KELLER, Hans, Cristologia. In: SCHNEIDER, Theodor (org). Manual de Dogmática, Petrópolis:
Vozes, 2008. p. 222.
68
28
I Sm 9.16; 24.7.
29
II Sm 2.21; II Sm 14.2.
30
CULLMANN, Oscar, Cristologia do Novo Testamento, São Paulo: Custom: 2003. p.152.
31
Ibid, p.155-156.
32
SCHWANTES, Milton, O rei-messias em Jerusalém. Observações sobre o messianismo davídico
nos Salmos 2 e 110, in: https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/CA/article/viewFile/
1551/1985, acessado dia 20/9/2014h.
69
a seu Deus (v.8) podendo agir como agente plenipotenciário de Deus na subjugação dos
povos (v.9).
A relação entre Javé e seu ungido, isto é, o Messias, não poderia ser mais estreita.
O auge dessa proximidade está no v.7 “tu és meu filho, eu mesmo hoje te gerei”.
Embora saibamos que a filiação divina era comum neste contexto no Antigo Oriente,
neste texto, temos a ideia de adoção e não de geração física do rei pelo ser divino.
Schwantes esclarece que aqui, “O rei é gerado no dia da entronização, isto é, (...),
através da posse, é assumido e adotado como filho de Deus”.33
É importante percebermos que embora esta adoção, seja distante da explicação
mítica na qual o soberano é gerado pela divindade, ainda assim, a adoção do soberano
como filho, ao ser empossado, confere ao rei uma autoridade ímpar, pois, através desta
qualificação o rei é tido como dependente de Deus, mas também é investido da
autoridade dele, tornando-se seu representante autorizado e plenipotenciário. Além
disso, vemos no v.8 que o rei tem a promessa de ser sempre atendido em suas orações.
Pela gramática do Salmo 2, deduz-se que ele está relacionado ao momento
presente da entronização de um rei em Jerusalém. Entretanto, as promessas atribuídas à
este rei são de tão grande proporção que não se esgotam naquele momento presente,
antes, ultrapassam-no. É fato que os governos de Davi, Salomão, Jeroboão II e
Azarias/Uzias tiveram uma considerável extensão, mas nunca alcançaram os reinos da
terra (v.8). Sendo assim, percebemos o quanto as dimensões expostas no v.8 extrapolam
e transcendem o momento presente.
Analisando agora o Salmo 110, Schwantes34 defende a relacionalidade entre o rei
e Sião, embora não se fale explicitamente do rei davídico e do ungido, o autor conclui
que os conteúdos se referem a ele. A temática é a mesma do salmo 2: “o rei é o
subjugador de inimigos e de nações”35. Schwantes discorre sobre quatro ângulos
enfocados pelo Salmo 110:
Primeiro: O mais relevante é que o rei é feito assentar-se à direita de Javé. (...). Isso pode
referir-se à posição do templo em relação ao palácio real ou pode ter outro significado
original. Por exemplo, também pode referir-se a um trono real que seria colocado
próximo à arca. Decisivo é que o rei é colocado num lugar de honra máxima (Salmo
45.10; 1 Reis 2.14). Segundo: (...) a qualificação do rei como “sacerdote para sempre
segundo a ordem de Melquisedeque” (v.4). Esta titulação pode ter sido atribuída ao rei no
decorrer do ritual da posse, no próprio santuário. (...). Isso nos há de parecer estranho.
33
Ibid, p. 6.
34
Ibid, p. 8.
35
Ibid, p. 9.
70
Contudo, no antigo oriente o reinado costumava ter dignidade sacerdotal. Sabemo-lo das
nações circundantes (confira Salmo 14.18-20). No próprio Antigo Testamento,
deparamos com diversas evidências de que os reis assumiram funções sacerdotais: 1
Samuel 13.9; 2 Samuel 6.12-14, 17-19, 24-25; 1 Reis 8.14.62; 2 Reis 22-23. Terceiro: o
v.7 (...) se refere à proximidade do rei com seu Deus. Estou aludindo à expressão: “a
caminho ele (= o rei) bebe da torrente” (v.7a). Deve ser uma alusão a um ato no ritual de
entronização, realizado junto à Fonte de Giom, ao leste da encosta, na qual se situa
Jerusalém. Esta fonte era sagrada. Confirmam-no 1Reis 1.38-39 e Salmo 46.5. (...). O
sentido da fonte não é, pois, outro do que o do templo: apontar para a proximidade e
presença de Javé. Quem bebe das águas, achega-se ao divino. Incorpora-o. Assume suas
forças. Torna-se apto a enfrentar os inimigos (v.5-6). Quarto: (...), o v.3 delineia em
símbolos a origem divina do soberano. (...) “O rei divino vem de alturas bem acima da
terra, vem do mundo de Deus.”36
Em resumo, Schwantes constata que o salmo 110 ritualiza a submissão das nações
que contestam o reinado de Jerusalém e, ainda, realça a relação entre o rei, como
ungido, e Javé. Destacando os quatro pontos acima, ele constata a estreiteza da relação
entre o divino e a realeza davídica, fator que impulsionou uma determinada leitura do
messias com um tom bélico-militar, que purificaria Israel da presença pagã, isto é, de
seus inimigos.37
Sobrino corrobora com o estudo do reino de Deus na tradição de Israel mostrando
que esse povo, baseado em sua fé em Deus, continuou acreditando na “passagem de
Deus pela história” e nomeou essa passagem como reinado de Deus. O reinado de
Deus: “(...) transforma uma realidade histórico-social injusta em outra justa, na qual
reina a solidariedade e na qual já não há pobres (cf. Dt 15.4)”38
O reinado de Deus, para Sobrino, é algo benéfico, formal e libertador, pois Deus
passa pelo mundo afim de libertar o povo da opressão para que tenha vida. Segundo
Sobrino, Deus é compassivo e descentrado de si mesmo. Sobrino explica que assim
como não há povo sem reino, não há reino sem povo, mostrando a dimensão
essencialmente social do Reino de Deus.
Para concluir, o Prof. Dr. Pe. Ari Luís do Vale Ribeiro39, esclarece-nos que a
evolução do messianismo no Antigo Testamento não se deu de forma homogênea, antes
36
Ibid, p. 9 e 10.
37
Cf., a respeito, CULLMANN, Oscar, Cristologia do Novo Testamento, São Paulo: Custom, 2003p.
154.
38
SOBRINO, Jon, O reino de Deus e Jesus: compaixão, justiça e mesa compartilhada. In:
BINGERMER, Maria Clara; BORGMAN, Erik; CAHILL, Lisa Sowle; QUEIRUGA, Andre Torres.
Jesus como Cristo: o que está em jogo na Cristologia?, Concilium, 2008, p. 69 [381].
39
Cf. RIBEIRO, Ari Luís do Vale, Jesus e os movimentos messiânicos. In:
http://revistas.pucsp.br/index.php/culturateo/article/viewFile/15490/11569, acessado dia 20/9/2014 às
14:36h.
71
essa evolução foi sendo moldada a partir do desenvolvimento de certos temas e crenças
originados na religião israelita primitiva. Ele reitera que o povo de Israel tinha uma fé
no poder e na salvação que se instauraria por intermédio de Javé. Em consequência
desta fé, Javé se manifesta, na medida em que Israel compreende seu poder e sua ação
na sua história.
Ribeiro destaca que, geralmente, os elementos do messianismo trazem os ideais
de um Israel do futuro, correspondente ao Reino de Javé, e que, nem sempre, o
messianismo implica a ideia de um rei ou libertador futuro. Segundo este autor, a
aliança pode ser identificada como o momento fundante e referencial da história de
Israel, através da qual, este se torna o povo e o Reino de Deus se estabelece. A partir
deste núcleo é que o messianismo se torna universal. Com o estabelecimento da
monarquia israelita, o messianismo assume a forma da monarquia, e o próprio rei Davi,
com sua dinastia, transforma-se em elemento determinante.
40
RUBIO, Alfonso Garcia, O encontro com Jesus Cristo Vivo, São Paulo: Paulinas, 1994. p.24-25.
41
Cf. MORIN, E. Jesus e as estruturas de seu tempo. São Paulo: Paulus, 2003.
72
42
Confira, para o que se segue, o excelente artigo Jesus, o Messias, escrito por J. B. Libânio do qual
parte dessas informações sobre os grupos sócio-religiosos na época de Jesus foi retirada. Artigo
disponível em: http://www.senhoradorosario.org/2012/09/pe-libanio-jesus-o-messias.html (acessado dia
20/9/2014 às 12:15h)
43
SAULNIER, Christiane e ROLLAND, Bernard, A Palestina no tempo de Jesus, São Paulo: Paulus,
1983. (Cadernos Bíblicos; 27), p. 56
73
aniquilamento de todos os ímpios e o triunfo dos santos. Querem estar sempre ritualmente
prontos para essa guerra santa, mas, ao contrário dos zelotas, recusam-se a iniciá-la
enquanto Deus não lhes der o sinal.45
44
Ibid., p.57.
45
Ibid, p. 58.
46
Ibid, p. 55.
74
Aqui, há uma divergência, pois Richard Horsley e John Hanson 47, defendem que
“os zelotas” não apareceram antes de 67-68 d.C. Segundo eles, não há provas de que
tenha havido um movimento organizado, motivado religiosamente, que tivesse
defendido a revolta armada contra Roma entre 6 e 66 d.C. Entretanto, é fato que, nesse
período, anterior à revolta, houve uma série de pequenos movimentos. Entre estes,
temos dois grupos: os sicários e os salteadores. Horsley e Hanson afirmam que “os
zelotas” são uma elaboração acadêmica moderna e tem pouca relação com a história
judaica real do primeiro século, isso porque, em primeiro lugar, a maior parte das ideias
que se julgavam características dos zelotas, provavelmente eram ideias comuns no
judaísmo palestinense. Em segundo lugar, porque, fora os zelotas, é possível perceber
significativas semelhanças entre Jesus e os diversos movimentos até então reunidos,
formando, ainda que de forma artificial, um monolítico movimento de libertação.
Acreditava-se que a oposição estava concentrada unicamente no movimento dos zelotas,
entretanto, o que se percebe hoje é que quase todos os movimentos e eventos tinham
orientação anti-romana, especialmente os movimentos mais organizados, liderados por
profetas ou messias populares, que buscavam conscientemente um tipo de libertação.
Apesar de constituírem-se em grupos diferentes, percebemos pontos em comum
que sintetizam a figura de um messias político, e dele se esperava a restauração da
glória do império davídico. Os judeus do século I esperavam um messias que fosse de
descendência davídica e que oferecesse libertação política, aniquilando qualquer poder
estabelecido no paganismo, visando o estabelecimento de uma sociedade justa de
acordo com a Torá.48 Percebemos então, o quanto os contemporâneos de Jesus,
inclusive seus discípulos, possuíam uma compreensão messiânica influenciada por esses
grupos. Quando afirmavam que Jesus era o Messias, eles faziam isso dentro de seus
paradigmas messiânicos.
47
Cf. HORSLEY, Richard A. & HANSON, John S., Bandidos, profetas e messias: movimentos
populares no tempo de Jesus, p.9-10.
48
Cf. GRELOT, Pierre, Esperança judaica no tempo de Jesus. Disponível em:
http://books.google.com.br/books?id=PQ30aB4NmVQC&pg=PA211&lpg=PA211&dq=No+s%C3%A9c
ulo+I,+os+judeus+de+forma+geral+esperavam+um+messias,+filho+de+Davi,+que+realizasse,+em+prim
eiro+lugar,+sua+liberta%C3%A7%C3%A3o+pol%C3%ADtica+e+exterminasse+as+pot%C3%AAncias
+pag%C3%A3s&source=bl&ots=m-beo3lMo_&sig=uedobJ5VL2O976b86961M3kvF20&hl=pt-
BR&sa=X&ei=O1RYVKzeGMWZ
gwSNpYD4CA&ved=0CB0Q6AEwAA#v=onepage&q=No%20s%C3%A9culo%20I%2C%20os%20jud
eus%20de%20forma%20geral%20esperavam%20um%20messias%2C%20filho%20de%20Davi%2C%20
que%20realizasse%2C%20em%20primeiro%20lugar%2C%20sua%20liberta%C3%A7%C3%A3o%20po
l%C3%ADtica%20e%20exterminasse%20as%20pot%C3%AAnc&f=false
75
A pregação de Jesus foi muitas vezes mal compreendida pelos discípulos e por
todos aqueles que o ouviam, pois ora percebiam que Jesus atendia às expectativas
messiânicas de todos os grupos, ora notavam que ele não atendia completamente a
nenhuma delas. Quando Jesus falava dos mistérios do Reino, o povo e os discípulos
ficavam fascinados por ele e por suas palavras, porém o entendiam conforme suas
limitadas perspectivas. Simultaneamente, nutriam também expectativas reduzidas em
relação a ele, que não correspondiam ao que Jesus sentia ser sua missão.
Apesar de ser o tema central da pregação de Jesus, o Reino de Deus não era
exclusividade de sua pregação. O Reino de Deus era o desejo mais profundo de Israel.
Entretanto, Jesus de Nazaré, a partir de sua experiência de Deus, oferece um novo
horizonte à esperança que já havia no coração do povo.49
Devido a situação de opressão em que povo de Israel se encontrava, a expectativa
de um Reino de libertação era sua esperança. A mensagem da proximidade do Reino de
Deus é proclamada por Jesus como Boa Notícia, que não demanda esforço humano, o
que já estava destacado na passagem de Is 52.7, que anuncia o senhorio de Iahweh.
O ungido com o Espírito de Iahweh50 é enviado aos pobres, cativos, e oprimidos.
A pregação de Jesus está embasada nesta expectativa da chegada do Reino, em que os
doentes são acolhidos, tratados e curados51, os demônios são expulsos52, as crianças são
respeitadas53 e pecadores públicos tem a oportunidade de recomeçar uma vida nova54.
É fato que a expressão Reino de Deus tem raízes na tradição judaica, e Jesus
sabia disso quando ensinava os discípulos a orarem dizendo: “Pai, venha o teu Reino”55.
A grande expectativa de Israel era o reinado de Deus, que mudaria o curso da história,
libertando Israel das opressões e começando uma época de justiça, paz e prosperidade.
Neste contexto, as ideias de Jesus eram revolucionárias, sua concepção de Reino
de Deus era bastante diferente, assim como seu relacionamento com o próprio Deus.
Para Jesus, Deus não era um imperador que dominava o povo. Jesus experimentava
Deus como seu Abbá, ele via o reino de Deus como o reino do Pai amoroso que incluía
os pobres, os pequenos, os pecadores, os marginais e os perdidos.
49
PAGOLA, José Antônio, Jesus: aproximação histórica, Petrópolis: Vozes, 2012. p. 116.
50
Is. 61.1
51
Mt. 4.23.
52
Mt. 12.28.
53
Mc. 9.36-37.
54
Mt. 21.31.
55
Lc. 11.2.
76
56
NOLAN, Albert, Jesus Antes do Cristianismo, São Paulo: Paulus, 1987. p.15
57
Cf. MYRE, André, Jesus e seu movimento, in: MAINVILLE, Odette (org.), Escritos e ambientes do
Novo Testamento: uma introdução. Petrópolis: Vozes, 2002
58
BOFF, Leonardo. A águia e a galinha, Petrópolis: Vozes, 1997. p. 15
77
59
BINGEMER, Maria Clara, Jesus cristo: servo de Deus e messias glorioso, São Paulo: Paulinas, 2008.
p. 11,12,13.
60
Ibid, p.14, “Itálico do autor”
61
Cf. NOLAN, Albert, Jesus Antes do Cristianismo, São Paulo: Paulus, 1987.
62
Ibid, p.39.
63
O “público alvo” de Jesus é claramente perceptível nos evangelhos. Citaremos aqui apenas textos
lucanos, pois esta é a delimitação da presente pesquisa. Ver: Lc 4.18-19; 5.13; 5.27; 6.20-21; 7.34; 7.37-
39; 8.27; 10.21; 14.13 e 21; 15.1-2; 18.10-22.
78
jogadores. Ainda incluía-se nesse rol os que não pagavam o dízimo e os que eram
negligentes quanto à observância da guarda do sábado e da pureza ritual.
Para algumas dessas pessoas, era teoricamente possível sair dessa situação,
entretanto, as leis e os costumes eram tão complicados que as pessoas que não eram
educadas (e a educação relacionava-se ao conhecimento das Escrituras) eram também
incapazes de saber o que se esperava delas. Nesse sentido, podemos dizer que não havia
saída para esses pecadores da classe social dos pobres, eles eram cativos. Fica uma
pergunta: porque Jesus escolheu os pobres e oprimidos como público alvo de seu
ministério?
Para Nolan, a resposta a esse questionamento é respondida através do sentimento
mais acentuado em Jesus nos quatro evangelhos: a compaixão.64 O autor explica que a
palavra compaixão não exprime com fidelidade tudo o que o vocábulo grego transmitia,
isto é, compaixão, na língua portuguesa, não é capaz de expressar em inteireza o que
Jesus sentia. Isso porque o verbo grego slapgchnizomai, é derivado do substantivo
splachnon que significa vísceras, entranhas ou coração, ou seja, as partes interiores do
sujeito de onde surgem as emoções mais fortes. E, provavelmente, devido à esse tão
forte sentimento, Jesus partiu para libertar as pessoas de toda forma de sofrimento e
angústia.
Nolan continua sua exposição mostrando que, na época de Jesus, existiam
médicos, mas eram poucos. Logo, destacavam-se os curandeiros, adivinhadores e
exorcistas (pessoas a quem os pobres recorriam a fim de livrarem-se de suas doenças
e/ou de seu ‘pecado’). Sabemos, pelos relatos neotestamentários, que Jesus curou a
muitas pessoas, mas o fato é que ele era bem diferente desses profissionais de sua
época.65 Pois Jesus de Nazaré tinha a preocupação de estabelecer contato físico com as
pessoas doentes66. Embora usasse preces, Jesus não confiava em fórmulas mágicas, mas
no poder da fé, afinal não foi por acaso que tantas vezes foi usada a expressão “a tua fé
te salvou”67.
Nolan afirma que a motivação de Jesus para realizar milagres era a compaixão e
que seu único desejo era libertar as pessoas de seus sofrimentos. Além disso, ele
desejava despertar a mesma compaixão e a mesma fé nas pessoas ao seu redor, pois ele
acreditava que somente isso poderia tornar o poder de Deus efetivo entre eles.
64
NOLAN, Albert, Jesus Antes do Cristianismo, São Paulo: Paulus, 1987. p.48.
65
Ibid, p.51-59.
66
Mt 8.3; Mc 1.31; 1.41; 6.56; 8.23.
67
Lc 7.50; 8.48; 17.19; 18.42.
79
Mais do que curar os doentes, Jesus misturou-se socialmente com eles. Embora
isso, para nossa sociedade, não seja algo tão espantoso assim, Nolan lembra com muita
propriedade que:
Nas sociedades onde existem barreiras entre as classes (...), a separação é mantida por
meio de tabu em relação à mistura entre os diferentes grupos. Não se partilha refeição ou
banquete, não se faz celebração, não se participa de diversões com pessoas que pertencem
a outros grupos sociais. No Oriente Médio sentar-se à mesa com alguém ou partilhar
refeição constitui forma de associação e amizade particularmente íntimas.68
Jesus, ao contrário das demais pessoas de sua época, não respeitou esse tabu. E
por isso, ficou conhecido como “comilão e beberrão, amigo de publicanos e
pecadores”69. Nolan enfatiza que o fato de Jesus sentar-se à mesa com os pecadores
representava perdão implícito de seus pecados. O’Connor vem reforçar esta
compreensão:
Um convite para uma refeição era sinal de aceitação. Resultava da confiança e oferecia
proteção. (...). A hospitalidade que Jesus dispensou aos cobradores de impostos e aos
pecadores teria sido inevitavelmente interpretada à luz de parábolas como as do grande
banquete (cf. Mt 22, 1-10), do convidado sem traje (Mt 22,11-14) ou da parábola das dez
virgens (cf. Mt 25, 1-13). Nesta o banquete simbolizava o Reino de Deus e para os
excluídos teria sido natural entender a escolha de Jesus por tais companhias como a
afirmação de que eles herdariam o Reino de Deus.70
Naquela época, a compreensão comum era a de que, os pecados eram dívidas que
se deviam a Deus e o perdão significava o cancelamento da dívida.
Perdoar em grego (aphemi) significa cancelar, desobrigar ou libertar. Perdoar alguém é
libertá-lo da dominação da história de seu passado. Quando Deus perdoa, ele esquece
nosso passado e retira as consequências presentes ou futuras das transgressões.71
Os gestos de Jesus demonstravam que era isso o que ele tinha em mente. Ele
esquecia o passado das pessoas. Tratava-os como quem não tinha mais dívidas com
Deus e que por isso, não precisavam mais ser castigadas ou rejeitadas. Embora Jesus
não tenha expressado isso em palavras, nota-se que elas não eram necessárias, assim
como o pai do filho pródigo não precisou dizer por meio de palavras que ele o havia
perdoado. A acolhida de Jesus valia mais que qualquer palavra.
68
NOLAN, Albert, Jesus Antes do Cristianismo, p.60.
69
Mt 11.19.
70
MURPHY-O’CONNOR, Jerome, Jesus e Paulo: vidas paralelas, São Paulo: Paulinas, 2008. p. 82
71
NOLAN, Albert, Jesus Antes do Cristianismo, p.64.
80
Lucas fez uso das seguintes fontes: o Evangelho de Marcos e a Fonte de Ditos (ou Q).
Além disso, o destinatário do texto eram comunidades em transições devido à Guerra
Judaica que levou Jerusalém à destruição e transformou o judaísmo.
A igreja cristã, que iniciara como um movimento de renovação dentro do judaísmo, havia
passado por uma transformação quase completa nas quatro décadas precedentes. Ela já
não estava atraindo um número significativo de judeus para a fé em Jesus Cristo. Para
todos os efeitos práticos, havia se tornado uma igreja gentílica.73
A igreja para a qual Lucas endereça seus escritos era uma igreja de segunda
geração que tinha perdido o fervor e a dedicação, características dos conversos da
primeira geração. Essa segunda geração já não esperava com tanto entusiasmo a volta
de Cristo.
A fé da igreja era posta à prova em pelo menos duas frentes: a partir de dentro: houve um
esmorecimento do entusiasmo; a partir de fora, havia hostilidade e oposição tanto por
parte de judeus quanto de pagãos. Além disso os cristãos gentílicos se deparavam com
uma crise de identidade.74
Ao perceber essa crise, Lucas resolve ajudar esses cristãos, pois ele entendia que:
A história de meio século não podia ser simplesmente ignorada, mas precisava ser
reinterpretada (cf. Schweizer 1971:137-146). Lucas ofereceu essa reinterpretação de um
modo singular. Ele sustentou que os cristãos do seu tempo não estavam realmente numa
situação menos vantajosa do que os primeiros discípulos de Jesus, que o Senhor
ressurreto ainda estava com eles, particularmente através de seu Espírito que os estava
orientando continuamente para assumirem novas aventuras. Jesus ainda estava presente
em sua comunidade, em seu “nome” e em seu “poder”, através dos quais o passado
adquiria eficácia.75
72
BOSCH, David, Missão Transformadora: Mudanças de Paradigma na Teologia da Missão, São
Leopoldo: Sinodal, 2002. p.114.
73
Ibidem.
74
BOSCH, David, Missão Transformadora: Mudanças de Paradigma na Teologia da Missão, p.114
e 115.
75
Ibid, p.115.
76
Ibid, p.113.
81
Deus toma partido deles devido à situação de injustiça a que eles eram submetidos. Os
pobres são convidados a participar do Reino, não porque sejam melhores do que os
ricos, Lucas não aborda a questão de um ponto de vista meritocrático, antes, é a situação
injusta e miserável em que o pobre se encontra que faz com que o Deus do Reino
intervenha em seu favor.77
Bosch defende que esse ponto de vista é mantido em todo o evangelho lucano,
como podemos observar na bem aventurança dos pobres e nos ais dirigidos aos ricos 78,
na parábola do rico insensato79, na parábola do rico e do Lázaro80 e no comportamento
de Zaqueu81.
Além dos pobres, vemos que as crianças no tempo de Jesus também eram
desprezadas e desvalorizadas, mas Jesus diz que “quem não receber o reino de Deus
como uma criança de modo algum entrará nele”82, neste texto o que está em jogo,
segundo Rubio, é a gratuidade do Reino e não o caráter das crianças.
Em relação ao Reino de Deus, procurem ser como crianças, que recebem algo do adulto
sem pensar que se trata de uma obrigação, de uma exigência ou de algum merecimento.
Não sejam como os adultos que pensam que têm direitos em sua relação com Deus, que
este fica obrigado a pagar-lhes o salário que merecem pelo seu bom comportamento! Não
sejam como aqueles que estabelecem uma relação comercial com Deus!83
Aqui, podemos dizer que o objetivo de Jesus era comunicar o Reino de Deus
como um dom, um presente, que ultrapassa os limites dos sistemas meritocráticos do ser
humano. Se Jesus exigisse de nós a pureza da criança para adentrarmos no Reino,
provavelmente, poucos de nós o alcançaríamos.
Além dos pobres e das crianças, outro grupo que te destaque no ministério de
Jesus são os pecadores. Em Lucas, eles também são convidados para participarem do
Reino. Vale ressaltar que o termo pecador no Novo Testamento designava não somente
pessoas de má conduta, mas também pessoas consideradas impuras: cobradores de
impostos, pastores, estrangeiros e até mesmo doentes.
Na parábola do fariseu e do publicano84, sabemos que, embora o fariseu se
considere justo, também é pecador. Mas como confia em suas próprias obras, não se
deixa atingir pela misericórdia de Deus. Ele quer o salário pela sua própria justiça e
77
RUBIO, Alfonso Garcia, O encontro com Jesus Cristo vivo, São Paulo: Paulinas, 1994. p.37.
78
Lc. 6.20-24
79
Lc. 12.16-21
80
Lc. 16.19-31
81
Lc. 19.1-10
82
Lc. 18.17
83
RUBIO, Alfonso Garcia, O encontro com Jesus Cristo vivo, p.38.
84
Lc. 18. 9-14
82
rejeita o dom de Deus. Rubio destaca que nem todos os fariseus compartilhavam dessa
atitude farisaica. Entretanto, este tipo de comportamento: “Constitui uma tentação
constante para a vida eclesial. Seria como uma espécie de planta parasitária que
acompanha a árvore frondosa da vida cristã, podendo, se a pessoa ou a comunidade se
descuidar, sugar-lhe a vitalidade.”85
Jesus veio para os doentes. Os sadios não precisam de médico. Então Jesus
acolhe aqueles que reconhecem que dele precisam. Ele come com os pecadores e
hospeda-se na casa de alguns deles86. Essas atitudes de Jesus com relação aos pobres e
marginalizados de seu tempo constituíram um sinal da atuação do Reino de Deus na
história humana.
Sobre o fim da vingança, Lucas retrata o momento em que Jesus está na sinagoga
e lê Isaías 61. Bosch destaca que, originalmente, este trecho foi dirigido aos judeus que
retornavam do exílio babilônico e estavam desanimados devido à perda da liberdade e à
destruição de sua terra. No texto de Isaías foi feita, a esses ex-exilados, a promessa da
inversão daquela condição em que se encontravam. Israel além de se recuperar, acertaria
as contas com seus opressores87.
Retornando ao cenário em que Jesus lê essa passagem, podemos dizer que seus
ouvintes naquele contexto, tinham a expectativa de serem libertos da dominação
romana. Entretanto, Jesus surpreende a todos quando lê somente a primeira parte de Is
61.2: “apregoar o ano aceitável do Senhor” e não lê “e o dia da vingança de nosso
Deus”. Ao fazer isso, Jesus omite elementos que se referem à Israel e à Sião, e também,
os elementos que são hostis aos gentios.88
Bosch destaca que há outras passagens em que Jesus omite o tema da vingança.89
Para este autor, essa atitude de Jesus é intencional, tanto pela repetição de omissões
quanto pelo acréscimo:
‘E bem-aventurado é aquele que não achar em mim motivo de tropeço’ (Lc. 7.23). Em
outras palavras: bem-aventurada é toda pessoa que não se ofende com o fato de que a era
da salvação difere daquilo que ela esperava, que a compaixão de Deus para com os
pobres, os excluídos e os estrangeiros – inclusive para com os inimigos de Israel –
suplantou a vingança divina!90
85
Ibid., p.41 e 42.
86
Lc. 15.1-2 e Lc. 19.5-7
87
BOSCH, David, Missão Transformadora: Mudanças de Paradigma na Teologia da Missão, p.142
e 143.
88
Ibidem
89
Lucas 7.22. Em resposta à João, Jesus emenda diferentes passagens: Is 35.5, Is 29.18 e Is 61.1,
omitindo novamente as referências à vingança que estão contidas nesses textos originalmente.
90
BOSCH, David, Missão Transformadora: Mudanças de Paradigma na Teologia da Missão, p.145.
83
Assim como este episódio, em outros textos em que Lucas conta sobre os
samaritanos91 percebemos a recusa de Jesus em adotar sentimentos vingativos em
relação a eles. Assim, vemos que durante seu ministério, Jesus adotou uma postura de
resistência não-violenta e uma postura de amor ao inimigo em palavra e ação. Na
comunidade de Jesus, não há espaço para vingança.
Além disso, importa salientar, o caráter gratuito do Reino de Deus. Na oração do
Pai Nosso92 Jesus ensina a orar pedindo a vinda do Reino, que é um dom gratuito pois
vem pela ação e pela iniciativa de Deus. Rubio destaca que o Reino:
Constitui um dom tão valioso que não existe esforço humano capaz de conquista-lo ou de
comprá-lo: só pode ser recebido como dom. Ao ser humano cabe abrir-se a esse dom
estupendo, acolhendo-o com alegria e gratidão. (...) Em relação ao dom do Reino de
Deus, a atitude fundamental do ser humano resume-se na abertura, na receptividade, no
acolhimento. Como ponto de partida para receber o dom do Reino, é indispensável que o
ser humano reconheça a própria incapacidade de auto-salvar-se.93
91
Lc 10.25-37 e Lc 17.11-19.
92
Lc.11.2
93
RUBIO, Alfonso Garcia, O encontro com Jesus Cristo vivo, p.41 e 42.
94
Lc.4 .43.
95
Lc.6.20.
96
Lc.9.2.
97
Lc.9.11.
98
Lc.10.9.
99
Lc.12.31.
100
Lc.13. 18-22.
101
Lc.17.21.
102
Cf. PAGOLA, Antonio. Jesus: aproximação histórica, Ed. Vozes, 5ª ed, 2012.
84
ouvintes de Jesus sabiam do que ele estava falando, afinal como já vimos, “o Reino de
Deus” fazia parte das aspirações de Israel. Para Pagola, o Reino de Deus é a chave
hermenêutica para compreender o sentido que Jesus dá à sua própria vida e para
entender o projeto que ele quer ver realizado. A declaração: “Eis que o Reino de Deus já
está entre vós”103 surpreendeu os ouvintes de Jesus, pois Israel ainda estava dominado
pelos romanos e os camponeses permaneciam oprimidos pelas classes poderosas.
Entretanto, Jesus falou e atuou movido por uma convicção: Deus e sua força salvadora
já estão aqui, a intervenção decisiva de Deus não é apenas um sonho distante, é algo real
que já se pode perceber agora, já se pode sentir sua presença salvadora.
Enquanto os contemporâneos de Jesus falavam sobre uma futura manifestação de
Deus, Jesus dizia que o reino já chegou, está aqui. O anúncio de Jesus, segundo Pagola,
demonstra que:
não se deve pensar numa vinda visível, espetacular ou cósmica do reino de Deus. É
preciso aprender a captar sua presença e seu senhorio de outra maneira, porque “o reino
de Deus já está entre vós. (...) Jesus (...) procura (...) convencer a todos de que a vinda de
Deus para impor sua justiça não é uma intervenção terrível e espetacular, mas uma força
libertadora, humilde mas eficaz, que está aí, no meio da vida, ao alcance de todos os que a
acolherem com fé. (...) A acolhida do reino de Deus começa no interior das pessoas em
forma de fé em Jesus, mas se realiza na vida dos povos na medida em que o mal vai
sendo vencido pela justiça salvadora de Deus.104
Para Pagola, Jesus de Nazaré deixa bem claro que a vinda de Deus é algo bom,
que Deus não vem para ajustar as contas com quem não cumpre os mandamentos, muito
menos para impor domínio religioso. O reino de Deus não tem a ver com religiosidade.
Pagola constata que: “O que preocupa a Deus é libertar as pessoas de tudo quanto as
desumaniza e as faz sofrer.”105 Diferentemente de João Batista, Jesus não fala da ira de
Deus, mas de sua compaixão. “Deus não vem como juiz irado, mas como pai de amor
transbordante”.106 Pagola analisa o Reino não como a vitória dos bons sobre os maus,
mas sugere que:
Se Deus vem reinar, não é para manifestar o seu poderio acima de todos, mas para
manifestar sua bondade e torná-la efetiva. É curioso observar como Jesus, que fala
constantemente do “reino de Deus”, não chama a Deus de “rei”, mas de “pai”. Seu
reinado não é para impor-se a ninguém pela força, mas para introduzir na vida sua
misericórdia e encher a criação inteira com sua compaixão.107
103
Lc.17.21
104
PAGOLA, Antonio. Jesus: aproximação histórica, p. 122, 123.
105
Ibid., p. 124.
106
Ibid, p. 126.
107
Ibidem
85
Pagola esclarece que o reino de Deus, apresentado por Jesus era muito simples,
estava ao alcance de todos os que o ouviam e, que além disso, ele também anuncia o
reino através de um processo de cura individual e social. Entretanto, Jesus não
reivindica para si o poder de cura, para ele é Deus quem está atuando com poder e
misericórdia. A saudação usual com que Jesus despedia os enfermos e ‘pecadores’ era:
“vai em paz”. Essa expressão demonstra que:
Jesus lhes deseja o melhor: saúde integral, bem estar completo, uma convivência feliz na
família e na aldeia, uma vida cheia das bênçãos de Deus. O termo hebraico shalom ou
“paz” indica a felicidade mais completa; aquilo que mais se opõe a uma vida indigna,
infeliz, maltratada pela enfermidade ou pela pobreza. Jesus entende o reino de Deus como
um reino de vida e de paz.109
Para Jesus os milagres não eram uma fórmula mágica para suprimir o sofrimento
humano no mundo, mas constituíam-se em sinal para mostrar de que forma é preciso
agir para acolher o reino de Deus na vida humana. Por isso Jesus a sua atuação está
atrelada à geração de uma sociedade mais saudável. Ele anunciava a todos a boa notícia
de Deus: não haviam exclusões. Refletindo sobre o comportamento de Jesus de Nazaré
podemos nos questionar: o que Jesus esperava concretamente?
Pagola mostra que a irrupção de Deus requer transformação. Para ele o anúncio do
reino de Deus está intimamente ligado com um despertamento da esperança e uma
convocação à mudança na maneira de pensar e agir. Essa questão elucida-se ainda mais
quando percebemos que para falar de conversão, Jesus, nos evangelhos, utilizava o
verbo metanoein, que significa justamente mudar a maneira de “pensar” e de “agir”. Ao
que parece Jesus queria ver um povo no qual se pudesse dizer que Deus reinava.
Pelo que sabemos, Jesus nunca teve em mente uma estratégia concreta política ou
religiosa para ir construindo o reino de Deus. O importante, segundo ele, é que todos
108
Ibid, p. 127.
109
Ibid, p. 129.
86
Entretanto, embora Jesus não tenha elaborado uma estratégia política ou religiosa,
os escritos neotestamentários nos mostram que ele não só denunciava o que era oposto
ao reino de Deus, como também, nunca se calou, sempre que podia, sugeria um estilo de
vida que estivesse de acordo com o reino do Pai. Pagola lembra que:
Ele vê as pessoas angustiadas pelas necessidades mais básicas: pão para por na boca e
roupa para cobrir o corpo. Jesus entende que, entrando na dinâmica do reino de Deus,
essa situação pode mudar: “Não andeis preocupados com vossa vida, com o que
comereis, nem com vosso corpo, com o que vestireis. [...] Buscai antes de tudo, o reino de
Deus e essas coisas vos serão dadas por acréscimo”. Ele não apela com isto a uma
intervenção milagrosa de Deus, mas a uma mudança de comportamento que possa levar
todos a uma vida mais digna e segura.111
Jesus mostra a seus ouvintes que se Deus chega oferecendo a todos seu perdão é
necessário exercer o mútuo perdão e o cancelamento de dívidas. Neste sentido, o
evangelho de Lucas, mostra que Jesus vem proclamar o grande Jubileu de Deus.
De acordo com o relato de Lucas, Jesus inicia sua atividade atribuindo-se estas palavras:
“o Espírito do Senhor está sobre mim, me ungiu para anunciar aos pobres a boa notícia;
enviou-me para proclamar a porque libertação aos cativos e a vista aos cegos; parada
liberdade aos oprimidos e proclamar um ano de graça do Senhor”.112
Jesus fala com toda a naturalidade do reino de Deus como algo que está presente e, ao
mesmo tempo, como algo que está por chegar. (...). O reino de Deus não é uma
intervenção pontual, mas é uma ação continuada do Pai, que pede uma acolhida
responsável, mas que não se deterá, apesar de todas as resistências, enquanto não alcançar
sua plena realização. Já está “germinando” um mundo novo, mas só no futuro alcançará
sua plena realização.113
Nesse sentido, podemos dizer que, a vida de Jesus anunciou o reino de Deus que
já está aqui, mas embora o reinado já exista, ele ainda é uma semente, e esta semente
110
Ibid., p. 134.
111
Ibid, p. 136.
112
Ibid., p. 138.
113
Ibidem.
87
necessita ser semeada no mundo, o que é, sem dúvida, neste momento, papel de seus
discípulos.
Maria Clara Bingemer114, oferece uma grande contribuição no estudo da missão
de Jesus. Segundo ela, o Reino de Deus além de ser dom e graça, é também missão e
tarefa, pois o próprio Jesus além de empenhar suas forças neste projeto, também
ensinou aos que o seguiam a fazerem o mesmo. Bingemer, demonstra que a primeira
coisa que Jesus fez em seu ministério apostólico foi reunir uma comunidade. Veja
como:
A comunidade de discípulos, tal como aparece nos evangelhos, era um grupo
relativamente amplo. Não se limitava apenas “aos 12”. Assim consta expressamente em
Mt 8,21 e 27,57. O mesmo se dá em Mc 4,10 e 10,32. Pode-se afirmar que foi um grupo
numeroso: 72 deles foram enviados por Jesus a uma missão especial (Lc 10,1.17). (...).
Em repetidas ocasiões, os evangelhos distinguem nitidamente esse grupo do povo em
geral (...). Tratava-se, portanto, de um grupo de pessoas diferenciadas d resto do povo,
com vínculos que as uniam muito estreitamente, afetiva e efetivamente. Pode-se, por
conseguinte, afirmar que constituíam uma comunidade.115
Foi por essa causa que Jesus formou um grupo de discípulos. Neste grupo se
viveu o desapego total de bens, o compartilhamento, a não imposição ao outro, além de
desfrutar da companhia de Jesus e aprender com ele como relacionar-se com ricos e
114
Cf. BINGEMER, Maria Clara, Jesus cristo: servo de Deus e messias glorioso, São Paulo: Paulinas,
2008.
115
Ibid., p. 64-65.
116
Ibid., p.70.
88
Neste capítulo, nossa proposta é demonstrar como a tensão entre o “já” e o “ainda
não”, característicos do Reino de Deus segundo a visão neotestamentária, pode nos
auxiliar no estabelecimento de uma eclesiologia mais saudável, biblicamente coerente e,
por isso, mais relevante para o mundo. Vale lembrar que uma visão escatológica que
privilegie somente o além (isto é, o “ainda não” do reino de Deus) imobiliza a igreja em
sua missão; por outro lado, a missão cristã que abandonar a esperança da plenitude em
prol da prática no presente (isto é, o “já” do reino) descaracteriza o que a fé cristã num
Deus Criador-Salvador propõe.
Nesse sentido, falaremos sobre a tensão entre o “já” e o “ainda não”; analisaremos
a igreja de Atos dos apóstolos e enfim, pensaremos sobre o papel da Igreja hoje,
lembrando que não há como negar a existência da tensão escatológica entre o “já” e o
“ainda não” e que, portanto, a Igreja deve constituir-se como instrumento que demonstre
que o Reino “já está entre nós” e como sinal antecipatório da plenitude do “ainda não”,
oferecendo esperança à humanidade.
117
BOSCH, David, Missão Transformadora: Mudanças de Paradigma na Teologia da Missão, p.606.
118
STOTT, John, Ouça o Espírito Ouça o Mundo: como ser um cristão contemporâneo, São Paulo:
ABU, 1992. p. 420
90
mundo a ponto de excluir a dimensão transcendente. Esses dois pontos de vista opostos
entre si representam compreensões excludentes que trouxeram grandes prejuízos à
compreensão e prática cristãs. Nesse sentido, podemos afirmar a necessidade urgente de
uma alternativa que vá além delas. Faz-se necessário um olhar escatológico que seja
voltado para o futuro sim, que não perca a dimensão da esperança, mas que também não
abandone o aqui e o agora. Precisamos de uma escatologia que esteja constantemente
envolvida na tensão criativa entre o “já” e o “ainda não”. E a partir desta escatologia
mais coerente com a fé bíblica, precisamos refletir sobre a prática eclesiológica que dela
surge. Em conformidade com esta ideia, John Stott afirma que:
A base teológica para esta tensão vai ser encontrada no próprio ensinamento de Jesus
acerca do Reino de Deus. Todo mundo concorda que o reino se manifestou claramente
em seu ensino, como também que ele anunciou a vinda desse reino.119
O envio dos discípulos para os confins da terra (At 1.8) foi a única resposta que [eles]
obtiveram para sua pergunta de quando o reinado de Deus seria inaugurado em sua
plenitude. Não existe, pois, a opção de engajar-se ou na história da salvação ou na história
119
STOTT, John, Ouça o Espírito Ouça o Mundo: como ser um cristão contemporâneo, São Paulo:
ABU, 1992. p.422
120
BARROS, Levy da Costa. O fututo na promessa - Perspectivas da escatologia de Jurgen
Moltmann. p. 250. Disponível em pdf em: https://www.metodista.br/revistas/revistas-
ims/index.php/ER/.../940, acessado em 04/11/2014 às 15:33h.
91
profana. A história da salvação não constitui uma história à parte, um fio separado que se
desdobra no interior da história secular. (...) A escatologia cristã perpassa, logo, todos os
três tempos: o passado, o presente e o futuro.121
Assim, entendemos, como Bosch, que o Reino de Deus já veio, está vindo e virá
em plenitude. O reino de Deus já veio com Jesus122. O reino de Deus está vindo na
medida em que cada cristão se engaja para, assim como Jesus, sinalizá-lo123. E temos a
esperança de que virá em plenitude124. O que não pode nos escapar, como cristãos, é a
certeza de que Deus já governa e de que nós somos, aqui e agora, os embaixadores
desse reino. Como diz Stott:
Jesus disse que o seu povo deveria impregnar a sociedade como sal e luz. A partir destes
modelos, pode-se deduzir que Jesus esperava que os seus seguidores influenciassem o
mundo para o bem. Afinal, ambas as coisas [o sal e a luz] refletem coisas práticas e
efetivas na vida.125
Além disso, Jesus em seu ministério terreno nos ensinou a orar dizendo: “venha o
teu reino; seja feita a tua vontade, assim na terra, como no céu.126”. Essa oração coloca
em Deus a dimensão do “ainda não” do Reino de Deus, entretanto, ela não tira de nós a
responsabilidade do “já”, de manifestar esse reino aqui e agora, denunciando as
estruturas de poder e qualquer realidade anti-reino de que tomemos conhecimento.
Bosch conclui que com a morte e ressureição de Cristo:
121
BOSCH, David, Missão Transformadora: Mudanças de Paradigma na Teologia da Missão, São
Leopoldo: Sinodal, 2002. p.606-607. [grifos meus]
122
Lc.17.21
123
Jo. 14.12
124
Ap. 21.5
125
STOTT, John, Ouça o Espírito Ouça o Mundo: como ser um cristão contemporâneo, p.435 [grifo
meu]
126
Lc. 11.2b
127
BOSCH, David, Missão Transformadora: Mudanças de Paradigma na Teologia da Missão, p.607.
92
realidades. NEle se cumpre prolepticamente (um ato com potencialidades a serem ainda
manifestas) o futuro Divino (MOLTMANN, 1964:336).128
O que temos visto hoje, com muita frequência, nos discursos teológicos
conservadores é uma linguagem escatológica confusa, que poucos compreendem, que
mais se parece um quebra-cabeça de mil peças, onde se esconde a vontade de Deus.
Hoje vivemos em meio à ameaça de destruição total da natureza e, com a violência e a
injustiça crescendo em níveis alarmantes. Diante dessa realidade, não podemos adotar,
por exemplo, os parâmetros de escatologia da comunidade de Qumran, “para a qual o
irreversível juízo de Deus viria sobre os ímpios, razão pela qual esta comunidade
deveria separar-se do mundo e adotar uma vida de passivo e expectante isolamento.”129
É óbvio que isolar-se do mundo e adotar a passividade como estilo de vida,
práticas que por muito tempo vigoraram entre algumas comunidades de fé, e porque não
dizer, ainda hoje estão aí, tem como consequência efeitos desastrosos para a prática
pastoral e para prática cristã de sinalização do Reino de Deus. Analisando desta
perspectiva, podemos concordar com Barros e afirmar que:
Um cristão que procura orientar sua vida por tal perspectiva jamais se sentirá convocado
a ser instrumento de Deus pela paz, pelas mudanças sociais visando a maior dignificação
da vida, pela preservação do meio ambiente na amplitude de sua biodiversidade. Uma
elaboração teológica que aliena o ser humano de sua própria história referindo-se a um
tempo futuro trans-histórico não merece o título de escatologia, (...)130
A escatologia cristã é algo muito sério para parecer-se com um happy end de
histórias infantis. Ela não pode ter os olhos voltados somente para o fim, até porque o
128
BARROS, Levy da Costa. O fututo na promessa - Perspectivas da escatologia de Jurgen
Moltmann. p. 251. Disponível em: https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/ER/.../940,
acessado em 04/11/2014.
129
BARROS, Levy da Costa. O fututo na promessa - Perspectivas da escatologia de Jurgen
Moltmann. p. 251. Disponível em: https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/ER/.../940,
acessado em 04/11/2014.
130
Ibidem.
131
Ibid., p. 252. [grifo meu]
93
fim é intrínseco a uma história que o determina de certa forma. Barros nos esclarece
que:
Na raiz da crítica de Jürgen Moltmann está a percepção de que as formas conservadoras
de interpretar o futuro (amplamente difundidas em ambiente protestante latino-
americano), são, em verdade, o mascaramento de uma atitude hostil ante à realidade que
se vive hoje. Uma tal compreensão não permite que surja a mínima identificação da vida
e da criação como um convite ao engajamento, à militância transformadora.132
Entretanto, vale lembrar que nossos esforços aqui para a implantação de uma nova
ordem social e política, por melhores que sejam, no máximo sinalizam o reino, porém,
jamais concretizarão totalmente o projeto do Reino de Deus. Isso por que, segundo
Bosch, a “transformação de Deus difere das inovações humanas. (...) Ele está sempre à
nossa frente”.134 Ou, como diz Stott:
Assim, pois, embora esteja certo defender a justiça social e tentar melhorar ainda mais a
sociedade, tornando-a mais agradável a Deus, nós sabemos que ela nunca será perfeita.
(...) Somente Cristo, ao voltar novamente, irá erradicar o mal e entronizar a justiça para
sempre. E esse dia nós aguardamos com ansiedade.135
Porém, nossa constante preocupação, é que isso não seja motivo de acomodação e
neutralidade. Pelo contrário, a certeza da vitória por parte de Deus e o exemplo de Jesus
de Nazaré, deveriam nos servir de motivação para o engajamento na transformação das
132
Ibidem.
133
Ibid., p. 255.
134
Ibid., p.608.
135
STOTT, John, Ouça o Espírito Ouça o Mundo: como ser um cristão contemporâneo, p.436
94
4.2. O Reino de Deus na prática da igreja cristã primitiva: uma leitura de Atos dos
Apóstolos
destaca que, apesar da palavra koinonía ser usada por Lucas apenas uma única vez em
At 2,42, de fato ela é o ponto chave para compreensão daquelas comunidades:
a definição da koinonía foi dada pelo próprio Lucas ao escrever que “todos os que tinham
abraçado a fé reuniam-se e punham tudo em comum: vendiam suas propriedades e bens, e
dividiam-nos entre todos, segundo as necessidades de cada um” (2,44-45). Essa
concepção recorre em 4,32 onde se lê que “a multidão dos que haviam crido era um só
coração e uma só alma. Ninguém considerava exclusivamente seu o que possuía, mas
tudo entre eles era comum”.139
O autor destaca que em Atos 2.42, Lucas demonstra quatro dimensões diversas de
koinonía nas primeiras comunidades de fé: “E perseveravam na doutrina dos apóstolos
[1], e na comunhão [2], e no partir do pão [3], e nas orações [4].”140 De acordo com este
texto, a koinonía é o fundamento da autocompreensão da comunidade primitiva. A
comunhão não estava reduzida à justiça e ao estabelecimento de um modo de vida
igualitário mas também incluíam as dimensões da espiritualidade e da comunhão entre
irmãos. Assim, os quatro níveis verificados neste versículos sintetizam o ideal
comunitário cristão retratado pelos escritos lucanos.
Nesse sentido Barreto cita Dupont para observarmos que:
A à qual, segundo At 2,42, os primeiros cristãos se mostravam
assíduos, esclarece-se pelo que 2,44 e 4,32 referem da maneira de terem eles “tudo em
comum”. Esta não reside simplesmente no fato de juntos
participarem (...) dos mesmos bens, ou na solidariedade resultante desta participação
comum; adquire uma tonalidade ativa, a saber, os cristãos tiram as consequências dessa
solidariedade, praticando com perseverança a colocando tudo o que
possuíam em comum. Sua atitude é o oposto do egoísmo individualista do “cada qual
para si”7; é o cuidado pelo outro (Fl 2,4; 1Cor 10,24.33; 13,5; Rm 15,2), a exemplo de
Cristo que, “sendo rico, fez-se pobre por nosso amor (2Cor 8,9). Esta
consiste mais especialmente em pôr tudo à disposição dos
necessitados, sem nada reservar para si só; assim aparece como a manifestação concreta e
o sinal sensível da união dos corações e das almas.141
139
BARRETO, Alfredo Rafael Belinato. Koinonía cristã: pressuposto hermenêutico da comunidade
primitiva dos atos dos apóstolos - Disponível em: www2.pucpr.br/reol/index.php/
10CT?dd1=5633&dd99=pdf, acessado em 29/10/2014, p. 415 e 416.
140
Atos 2.42
141
DUPONT apud: BARRETO, Alfredo Rafael Belinato. Koinonía cristã: pressuposto hermenêutico
da comunidade primitiva dos atos dos apóstolos. Disponível em: www2.pucpr.br/reol/index.php/
10CT?dd1=5633&dd99=pdf, acessado em 29/10/2014, p. 416 e 417.
96
142
Ibid., p. 417.
143
Ibid., p. 420.
144
Ibid., p. 421.
145
COMBLIN. José. Atos dos Apóstolos. Volume I: 1-12. Comentário Bíblico. Petrópolis: Vozes, (São
Bernardo do Campo: Imprensa Metodista e São Leopoldo: Sinodal) 1987. p.9
97
146
Ibid., p. 13
147
Lc 14.15-24
148
At 10,1-11,18
149
COMBLIN. José. Atos dos Apóstolos. Volume I: 1-12. Comentário Bíblico. Petrópolis: Vozes, (São
Bernardo do Campo: Imprensa Metodista e São Leopoldo: Sinodal) 1987. p.17
98
preciso observar que a fé cristã não se rendeu ao Império romano; antes, de acordo com
Lucas, a igreja serviu-se deste para a prática da sua missão.
Outro problema envolvia a presença de ricos e pobres nas comunidades lucanas.
Classe que nunca antes, no mundo antigo, ocuparam o mesmo espaço, agora estavam
juntas. A solução de Lucas é a comunhão. Devido à comunhão que se instaurou
naquelas comunidades no livro de Atos não se fala mais em “pobre” 150 porque na
comunidade em que há a koinonia, a distância entre ricos e pobres desaparece porque os
ricos distribuem seus bens e os põem à disposição da comunidade. Na comunhão os
pobres deixam de ser pobres e os ricos se libertam do amor ao dinheiro.151
Em Atos 5.12-16 vemos que as comunidades lucanas viviam cercadas pela
admiração e respeito do povo pois a presença de Deus era evidente nela. Apesar de seus
problemas internos, era sem dúvida, uma comunidade que sinalizava o Reino de Deus.
Aqueles que desejam seguir a Jesus deveriam de fato perguntar-se: “o que é para
ele o mais importante, o centro de sua vida, a causa à qual se dedicou por inteiro, sua
preferência absoluta?”152. E, ao lermos os textos neotestamentários, podemos afirmar,
como já o fizemos no capítulo anterior, que Jesus dedicou a sua vida ao Reino de Deus.
Percebemos claramente que:
O que ocupa o lugar central na vida de Jesus não é Deus simplesmente, mas Deus com
seu projeto sobre a história humana. Jesus não fala de Deus simplesmente, e sim de Deus
e seu reino de paz, compaixão e justiça. Não chama as pessoas a fazer penitência diante
de Deus, mas a “entrar” em seu reino. Não convida, simplesmente, a buscar o reino de
Deus, mas a “buscar o reino de Deus e sua justiça”. Quando organiza um movimento de
seguidores, que prolonguem sua missão, não os envia a organizar uma nova religião, mas
a anunciar e promover o reino de Deus.153
Reino de Deus é a vocação maior da igreja, nossa tarefa última. Não podemos deixar de
anunciar que o:
projeto de Deus é nosso objetivo primeiro. A partir dele se nos revela a fé cristã em sua
verdade última: amar a Deus é ter fome e sede de justiça como ele teve; seguir a Jesus é
viver para o reino de Deus como ele viveu; pertencer à Igreja é comprometer-se com um
mundo mais justo.154
154
Ibid., p. 569.
155
C.f.: BORGES, Fantico Nonato Silva. A índole escatológica da igreja: um estudo do “já” e do
“ainda não” à luz do sétimo capítulo da Lumen gentium. 2010. 193f. Dissertação (Mestre em
Teologia) – Pontifícia Unversidade Católica do Rio de Janeiro (PUC RIO), Rio de Janeiro, 2010.
Disponível em: http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0812673_10_cap_04.pdf (acessado
dia 4/11/2014 às 4:09h).
156
Ibid., p. 154.
157
Ibid., p. 155.
158
Ibid., p. 156.
100
Nossa vocação é ser sinal da presença de Jesus no mundo. Assim como Ele não se
esquivou diante das estruturas deste mundo, especialmente diante das estruturas de
poder e dos grupos especialmente massacrados por elas, nós devemos como discípulos
dele dar continuidade ao projeto do Reino de Deus pelo qual Ele deu sua vida.
Neste sentido, a tensão entre o “já” e o “ainda não” da plenitude das promessas deixa-se
transparecer na vida de cada fiel em Cristo, isso para que, chamados à vida cristã,
estarmos com o Senhor e, estando com Ele, vivermos na santidade. (...) Esse chamado a
ser santo não é uma coisa para o futuro, mas, sim, experiência para o hoje da história. Isso
porque a santidade é marca da vida cristã. Um cristianismo que não produz santidade de
vida, justiça, amor e paz é considerado estéril e infrutífero.160
159
Ibid., p. 117.
160
Ibid., p. 118. A palavra hebraica geralmente traduzida por santo é a palavra kadosh, que corresponde à
palavra grega agios, que na origem significavam simplesmente separado. Cf., a respeito: http://
www.dicionarioinformal.com.br/santidade/ (acessado dia 28/10/2014).
101
Sua criação”161. Ora, a passagem explicada acima é a de 1ª Pedro 1.16: “Porquanto está
escrito: Sede santos porque Eu sou santo”. Na continuidade desse texto, a carta de Pedro
orienta a “andar com temor durante o tempo da vossa peregrinação” (1ª Pe 1.17). Nesse
sentido, ser santo implica em ingressar no mundo, mantendo um bom testemunho de
vida em Cristo. Analisando este versículo, o mesmo livro afirma que a palavra indica
conduta, comportamento, modo de viver, estilo de vida. A palavra é usada para denotar a
atividade pública, a vida em relação com os outros. Sendo santos, como membros de um
povo santo, eles teriam de mostra sua santidade em todo tipo de relacionamento com
outras pessoas.162
161
RIENECKER, Fritz & ROGERS, Cleon. Chave linguístca do Novo Testamento grego. São Paulo:
Vida Nova, 1995. p. 554.
162
Ibidem.
163
BORGES, Fantico Nonato Silva. A índole escatológica da igreja: um estudo do “já” e do “ainda
não” à luz do sétimo capítulo da Lumen gentium. 2010. 193f. Dissertação (Mestre em Teologia) –
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC RIO), Rio de Janeiro, 2010. p.126. Disponível
em: http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0812673_10_cap_04.pdf (acessado dia
4/11/2014).
164
Ibid., p. 127.
102
Fica claro, para nós, que, a realidade da Igreja ainda não é a etapa definitiva.
Sendo assim, a Igreja não pode ser o ponto de chegada, ela é na verdade, a linha de
largada. Nossa vida, enquanto cristãos, deve ser uma estrada onde o “já” do Reino seja
sinalizado constantemente e que também esteja aberta às possibilidades do “ainda não”.
Sinalizar o “já” do Reino e estar atento ao “ainda não” de sua plenitude implica em que
cada cristão deva responsabilizar-se por seus irmãos de caminhada, afinal, caminham
juntos pela mesma estrada e, também requer uma atenção especial ao próximo,
convidando-o a caminhar pelo mesmo caminho. Desse modo: “(...) a tensão
escatológica implica, em cada fiel, um agir em função do Reino, um vivenciar “já”, no
presente, os elementos da esperança última.”165 Em consequência disso, nota-se que:
O Reino “já” presente nas palavras de Cristo, sobretudo na sua ressurreição, vai
direcionando a comunidade de fé à consumação da esperança. Neste sentido, o Povo de
Deus antecipa real-simbolicamente essa esperança-última, em todo seu conteúdo de
sentido, justiça e verdade. Ao seguir Jesus ela “já” pode ser na história um sinal
antecipatório da plenitude da Esperança. Essa experiência de já antecipar a graça, como
expressão do reino presente, faz parte fundamental da comunidade cristã. (...) Mas esse
antecipar implica um “ainda não” (...). Assim, a esperança implica um futuro, “ainda não”
alcançado, esperança que se efetiva na realidade da Igreja (...).166
Entendemos assim que a Igreja é como uma semente do Reino, que deixando-se
germinar, tem potencial para tornar-se sinal escatológico da esperança final. Em outras
palavras, a igreja é sinal do reino, e é nessa perspectiva que ela encontra o impulso pra
desenvolver sua missão.
Ela na sua caminhada, sob a proteção e a guia do Espírito, inspira e anima seus membros
a caminharem para a plenitude da esperança sem, no entanto, descuidarem das obrigações
inerentes à vida cristã. Por ter consciência de “ainda não” possuir a plenitude da
esperança, a Igreja infunde no coração de seus membros o desejo de progredir no
conhecimento e no amor de Deus. 167
A Igreja tem a função de fazer com que o “já”, através da experiência da graça,
aqui neste mundo, seja uma profecia do “ainda não”. O “já” só será profético na medida
em que a Igreja construa, através do serviço, as condições necessárias para que o “ainda
não” possa, de fato, ser sinalizado para a comunidade. Podemos dizer que, a realidade
da Igreja, deve incluir diariamente a tensão entre o “já” e o “ainda não”, pois embora a
165
Ibid., p. 129.
166
Ibid., p. 133.
167
Ibid., p. 136.
103
Igreja viva na promessa do ainda não, ela sabe que não pode descuidar da missão de
desde “já” visibilizar o Reino de Deus na comunidade onde se encontra, aqui na
história. A infidelidade a essa missão pode fazer com que a Igreja perca a sua
identidade, deixando de ser agência sinalizadora do Reino.
Para se fazer parte da comunidade de Jesus. a principal atitude exigida era a
disponibilidade incondicional para servir o outro. Jesus não tolerava que ninguém se
impusesse sobre ninguém, e não havia lugar em sua comunidade para poder ou
dominação. Nesse sentido, Bingemer acrescenta que:
O seguimento de Jesus e a pertença à sua comunidade implica uma extrema atenção (...)
para servir as necessidades básicas, materiais e corpóreas dos seres humanos: dar pão aos
que têm fome, água aos que têm sede vestir os nus, evangelizar os pobres e libertar os
cativos. Tampouco se trata de um programa para santificar almas mediante uma
conversão apenas individual e interior dos corações. Jesus não se limitou a converter os
indivíduos, mas desde o primeiro momento deixou claro que Deus seu Pai tinha um
projeto que ultrapassava em muito os limites da subjetividade pobremente pessoal. Trata-
se de um projeto para transformar a realidade no sentido do senhorio de Deus, a
construção de uma nova humanidade.168
168
BINGEMER, Maria Clara, Jesus cristo: servo de Deus e messias glorioso, p. 70.
104
5. CONCLUSÃO
169
Cf. PAGOLA, Antonio. Jesus: aproximação histórica, Ed. Vozes, 5ª ed, 2012.
105
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS