Literatura Infanto
Literatura Infanto
Literatura Infanto
Identificando a trajetória histórica da literatura Infantojuvenil desde sua origem até os dias de
hoje, no mundo
OBJETIVO
Ao término deste capítulo você será capaz de identificar a trajetória histórica da literatura
infantil desde a sua origem até os dias de hoje, no mundo. E, ainda, será capaz de definir a função
da literatura Infantojuvenil. Isto será fundamental para a sua compreensão sobre o legado que
a humanidade nos ofereceu, com encantadoras obras para serem oferecidas as crianças e aos
jovens. E então? Motivado para desenvolver esta competência?
Você já conhece bem a palavra Literatura? Já leu, provavelmente, os livros recomendados pelos
professores que preparam alunos para o ENEM ou leu fragmentos, contos, poemas ou até
resumos de alguns famosos livros, pertencentes ao acervo fabuloso da literatura universal. Pode
ter lembranças de aulas de literatura, nos idos anos de sua formação escolar.
Poderá até afirmar que não gostava de ler até o momento em que um determinado livro chegou
as suas mãos, ou mais recentemente se deparou em alguma Biblioteca Online e leu um e-Book
que desencadeou seu prazer com relação ao ato de ler.
É verídico afirmar que nós, os brasileiros ainda apresenta baixa performance na leitura. Isso é
revelado, na pesquisa realizada em 2016, por ocasião da 4.ª edição da pesquisa Retratos da
Leitura.
No Brasil, conduzida pelo Instituto Pró-Livro. Quando o esperado por tal instituto era um ativo
leitor que lesse a cada três meses um livro, eis que a realidade imposta sobre o solo brasileiro
revela que a média de leitura por habitante do nosso país é de 2,43 livros por ano. Qual é a sua
média de leitura por mês? Estas e outras questões sobre a Leitura nos remete a pensar em
Literatura. Tratamos de ler e isso remete a palavra Literatura.
Mas afinal o que a etimologia desta palavra esclarece aos leitores? Na origem latina, da palavra
Literatura, encontramos "litteris" que significa "Letras. E necessário tomar um cuidado especial
para não limitar o entendimento e vastidão do que seja literatura, apoiado a origem latina desta
palavra, apontada acima. Não é coerente limitar a literatura ao que pode ser encontrado escrito
ou impresso. Não se deve esquecer que existe há milênios no mundo, em diversos povos e
diversificadas línguas produção vultuosa de literatura oral, aquela que as pessoas decoram e
recitam nos momentos de lazer e que atingem as crianças que ainda não são capazes de ler.
Assim, na História da Literatura, modernamente, é possível afirmar que a literatura é a ciência
relacionada às letras, e diz respeito a uma arte específica relacionadas aos atos de ler e escrever.
Mas também aos atos relativos a literatura oral. Está envolvido na resposta do que seria a
Literatura os elementos envolvidos nos atos de elaboração e exposição de textos escritos ou
orais, em uma vastidão que vai dos versos de uma poesia aos textos em prosa, distanciados da
métrica dos versos e mais próximos das nossas naturais linguagens faladas ou escritas. A língua
é o material da literatura, como a pedra ou o bronze são o da escultura, as tintas o da pintura,
os sons o da música. Devemos perceber, porém, que a língua não é mera matéria inerte, como
a pedra, mas é, ela própria, uma criação do homem e, assim, carregada com a herança cultural
de um grupo linguístico. (WELLEK & Warren, 2003, p. 14)
Quando você reflete sobre aqueles livros da literatura universal, chamados de clássicos,
carregados de representações sobre a época em que forma escritos e potentes suficientemente
para ser ao mesmo tempo o retrato de um tempo e se perpetuar, com sua originalidade pelos
tempos distintos daqueles em que foram escritos, traduzidos para diversas linguas, lidos por
muitas gerações e em muitas regiões do mundo. Ao analisá-los você irá perceber que eles estão
relacionados a cultura letrada, antes das nossas existências de nossos avós, e ainda hoje em
muitas partes da Terra são ainda pertencentes ao cotidiano dos que possuem recursos
materiais, para adquirir tais obras, condicionalmente acessível aos que sabem ler e escrever ou
recebem ajuda de um familiar ou da professora para ouvir atentamente a leitura. "Nesse
sentido, literatura está ligada ao poder e ao prestígio das classes dominantes e é conservada na
medida em que expressa a visão do mundo e os interesses dessas camadas". (PAIVA, 2014, P.
17) Ainda assim, cercada destes imperativos econômicos, a literatura furou vários cercos e
sobreviveu através dos tempos, atravessando fronteiras, os leitores memorizaram suas
experiências com as leituras e compartilharam com as novas gerações sobrevivendo aos
momentos mais dramáticos da história da humanidade, guerras e tratados de paz e ressurgindo
em momentos históricos tão diferenciados daqueles em que viveu ou idealizou a pessoa que
escreveu uma obra determinada de literatura. O que significa aquilo que denominamos
atualmente como Literatura Infantojuvenil? E aquela literatura delimitada a um público
específico e que coincidentemente é o mesmo que conhece a literatura em suas casas e nas
escolas, em um período significativo das vidas de crianças, adolescentes e jovens. A literatura
feita ou que serve às crianças faz parte da literatura geral, sendo focada para o público
Infantojuvenil, estimuladoras do imaginário dos nossos pequenos filhos, netos ou alunos,
potentes o suficiente para auxiliar a compreensão e a resolução de conflitos internos de cada
indivíduo em particular" (SILVA, 2009, р. 136). Esta literatura Infantojuvenil originalmente, tanto
quanto nos dias atuais, estava relacionada aos processos de formação de meninos e meninas,
que pode ocorrer em muitos equipamentos culturais e bibliotecas, mas prioritariamente deverá
estar relacionado ao espaço escolar. O que não impede que os livros da literatura universal e
brasileira, estas belas páginas e verdadeiros tesouros da humanidade e do povo brasileiro,
graças ao intensivo progresso gráfico e ao mercado editorial, possam habitar às mentes de
inúmeras crianças e jovens. As literaturas feitas para as infâncias e os jovens ao redor do mundo
são, concomitantemente, coniventes e aprisionadas do intricado processo cultural encarregado
em formar futuros e libertos leitores.
É incontestável afirmar que a literatura produzida no ocidente pode ser entendida como um
todo harmônico. E o que representa o lado ocidental da terra? Qual é a civilização ocidental?
São todos países da União Europeia, das Américas do Norte, central e Latina, do vasto continente
africano é representado pela Africa do Sul, e ainda comporta a Austrália e Nova Zelândia, do
continente asiático. Aquilo que é denominado como literatura ocidental é, forçadamente e por
conta de sua origem, relacionada e deve muito as literaturas grega e romana e seus gigantescos
legados. Mas é somente isso? Evidentemente que não! É comprovado e igualmente
incontestável que as experiências de literatura Infantojuvenil foram tocadas, como a literatura
de modo geral, nos tempos medievais e modernos por interessantes influências não ocidentais,
nitidamente orientais, entre as quais é possível destacar a Biblia sagrada. Sobre as origens que
ocidente e oriente comungam, envolvendo a literatura, é bastante importante que você entenda
que o papel relevante evolutivo da literatura, através e em todos os tempos, a favor da
humanidade. Uma tarefa essencial é vasculhar as origens da Literatura Infantil, reconhecida
atualmente como clássica, a partir de seus ancestrais ou de sua célula-máter: a Novelística
Popular Medieval que, por sua vez, tem suas raízes mais remotas em certas fontes orientais
(India) ou, mais precisamente, indo-europeias. As famosas, e recoentemente lidas, histórias que
chamamos de infantis ou dedicadas, na contemporaneidade às crianças, pelos pais e
professores, desde bem pequenas, até os dias atuais, aqueles denominados clássicos infantis,
os belos e encantadores contos de fada ou contos maravilhosos de Perrault, Grimm ou
Andersen, ou as fabulas de La Fontaine, praticamente esquecemos (ou ignoramos) que esses
nomes não correspondem aos dos verdadeiros autores de tais narrativas. E quem seriam
originalmente os autores de tão recontadas obras da literatura infantil, nos mais diversos
tempos e nas mais distanciadas culturas? E incansável e recorrente vê-los como autores de obras
que as crianças insistem em amar, geração após geração, desde o século XVII. Se não são
autores, qual o papel que eles desempenharam ao colocar em livros tais velhos relatos da
humanidade? Hoje, já é de conhecimento que estes autores acima citados eram interessados na
literatura folclórica, obra primorosa dos povos de inúmeros países e colheram taus fantásticas
histórias anônimas, vivas através do boca-a-boca de diversas gerações de tantos povos,
perpetuando-as através da escrita, desde o apogeu da imprensa. A chamada Idade Moderna,
entre os anos 1453 e 1789, abarca o período da invenção da Imprensa e de seus múltiplos
desdobramentos nas publicações. Estes autores, exímios pesquisadores dos saberes orais
populares à época em que viveram, foram catalogando este rico acervo oral popular, já antigo
e compartilhado por muitas gerações e deram-lhes, a tais saberes do povo, um destino
importante e de caráter de preservação de tais saberes, a escrita, em livros, as sensacionais
coletâneas registradas com seus nomes como autores, apesar de serem apenas recriadores,
exercendo um papel muito importante à humanidade, não deixar que estas memórias literárias
populares fossem apagadas com o tempo ou restritas aos lugares e povos onde forma coletadas.
Estudiosos de todos os pontos da Terra e pertencentes às mais diferentes áreas de pesquisa
(Filologia, Linguística, Folclore, Etnologia, Antropologia, Historia, Literatura, Pedagogia, etc.) têm
tentado descobrir os misteriosos caminhos seguidos por essa Literatura Popular que, vinda da
origem dos tempos, chegou até nos. Mas esse fenômeno coloca problemas a maioria das vezes
insolúveis, tais como: Quando e Como teria sido criada a literatura? Qual teria sido sua
verdadeira forma no momento em que foi inventada? Por que teria nascido e resistido, através
de tempos tão primitivos, até o momento em que entra para a história, ao transformar sua fala
em escritura?
(COELHO, 2010, p. 06) Antes destes fabulosos compiladores de contos populares, os estudiosos
da Literatura reconhecem a existência daquilo que chamam de Literatura Primordial. Tal
literatura oral de diversos povos não era ainda imortalizada nos livros, como passariam a ser a
partir da Era Moderna, mas potente o suficiente para transmitir as novas gerações antigas e
maravilhosas histórias, por vários séculos. Tal potente conjunto de histórias, hoje já é sabido,
são narrativas orientais, tão antigas, anteriores ao aparecimento de Cristo, seguiram firmes no
futuro e constituído mundo cristão, unicamente pela via da oralidade. Aparentemente delicada
e incerta, a palavra, relacionada a literatura ou não, está presente na intenção humana de
comunicação com os seus semelhantes. Nós, os viventes, seja em que tempo for, precisamos
comunicar fatos e ideias e isso seria algo intrínseco a nossa humanidade. O impulso de contar
estórias deve ter nascido no homem no momento em que ele sentiu necessidade de comunicar
aos outros, certa experiência sua, que poderia ter significação para todos. Pode surpreender que
as historinhas contadas a você pelos seus familiares e que ainda hoje encontram novas versões
em nossa língua Português do Brasil são originadas de narrativas primordiais orientais. Aquelas
histórias denominadas de europeias, que supostamente teriam chegado com os portugueses,
as famosas, ancestrais e populares narrativas medievais. Aqui, no Brasil, chegaram e tomaram
rumos na literatura folclórica, ainda existente contemporaneamente no nordeste do Brasil
(literatura de cordel) e nas reconhecidas obras de literatura infantil (através dos registros feitos
por escritores cultos, como Perrault, Grimm, etc.). Examinando-se esses dois acervos literários
(o folclórico e o infantil) em Portugal e no Brasil, verifica- se que as versões folclóricas de certas
narrativas apresentam inúmeras variantes (dependendo das regiões onde se arraigaram);
enquanto as versões infantis se reproduzem praticamente inalteradas, nas várias edições que
se sucedem. É a mobilidade da vida (resultante da transmissão oral) contraposta à fixidez do
texto literário, determinada pela escrita. (Coelho, 2010, p. p.06). Os pesquisadores da Literatura
afirmam que chegou na Península Ibérica, no decorrer do reinado de Afonso, filho do rei
Fernando, na Espanha do século XIII. Uma versão árabe chega a Europa medieval, via Espanha,
e será matriz para uma importante produção de romance castelhano, autorizado por El Rey
Alfonso. Essa primitiva versão castelhana foi levada fora da Espanha e inspirou uma outra
publicação, feita na França, por iniciativa do médico Raymundo de Béziers, seguindo orientação
de Dona Juana de Navarra, a mulher de Felipe, o Belo. Ela não chegou a ver a obra finalizada em
1313 (século XIV) e entregue ao rei. Esta interessante obra pode ser vista até hoje na Biblioteca
Nacional de Paris. E a narrativa que serviu de matriz para estas duas publicações foi Calila e
Dimna (Kalila wa-Dimna ou Kalila e Dimna) é uma interessante coleção, com grande circulação
e repleta de fábulas (composições literárias curtas) orientais, oriundas da Índia, escritas na
Língua antiga sânscrita, ao que tudo indica por volta do século III, posteriormente forma
traduzidas para o árabe no século VIII, tendo como autor desta tradução um celebre escritor
arabe Ibn al-Mugaffa. Desta tradução árabe surgiram muitas outras obras escritas em diversas
línguas europeias e orientais, entre os séculos X a XIV. Tal tradução árabe do século VIII (por
volta dos anos 600 a.C) influenciou as conhecidas fábulas de la Fontaine. E do que trataria esta
obra? Das questões da vida em sociedade e dos príncipes e princesas e também de histórias
envolvidas com o mundo animal. Este manuscrito muito conhecido, produzido no Egito por volta
de 1310, é, provavelmente, o mais velho dos quatro manuscritos árabes Kalila wa-Dimna do
século XIV. Um dos poucos textos em árabe a serem ilustrados, este contém 73 miniaturas de
alta qualidade artística e são, portanto, um importante monumento de decoração de livro árabe.
Infantoiuvenil ocidental Diante destes fatos históricos, não é possível desconsiderar tais
publicações anteriores, dedicadas aos adultos e aos seus filhos conjuntamente. Seus
desdobramentos na História seguinte da Literatura infantil, que irá se desenvolver bastante no
século XVIII, aliada a uma mudança na visão sobre a infância. A visão da criança na Idade Média
brincando e convivendo em espaços comuns aos adultos, ouvindo suas narrativas mudou
drasticamente. Na Idade Moderna, inicialmente as crianças serão muito paparicadas por seus
pais, e, posteriormente, serão levadas aos rígidos colégios para aprender modos apropriados à
vida social. A literatura infantil deste século XVII terá uma ligação estreita com a Pedagogia,
dessa forma, confunde-se muito seu caráter artístico com sua função didático-pedagógica. Já no
século XV, Fénelon, evoluído escritor, foi o precursor da atual literatura dedicada especialmente
para as crianças, com a presença da moral da história, com personagens bons e maus para a
criança perceber facilmente os comportamentos morais esperados. Bem poderia ter recebido
um destaque maior na história da literatura moderna, mas o lugar de destaque foi dado ao
Charles Perrault.
Charles Perrault vivia França, no fim do século XVII, tendo publicado o livro Os contos da Mãe
Gansa. Perrault foi um hábil recolhedor dos famosos contos populares, apresentando as suas
morais das histórias. Além da já citado Contos de Mão Gansa, este importante autor de literatura
infantil irá ouvir do povoe registrar na escrita os seguintes e celebres contos e historias, escritas
para as crianças: Bela Adormecida, Chapeuzinho Vermelho, Gato de Botas, As Fadas, A Gata
Borralheira, Henrique do Topete e O Pequeno Polegar.
Identificando a traietória histórica da Literatura Infantojuvenil desde sua origem até os dias de
hoje no Brasil
A colonização portuguesa trouxe ao Brasil, a partir do começo do século XVI, o universo literário
em pleno desenvolvimento em Portugal. Esta influência vai desde as produções que tinham o
livro Calila e Dimna como protótipo, com as suas fábulas com príncipes e animais falantes até os
romances de amor, que encontraram na Europa alguns confrontos com o moralismo cristão à
época, no século XIV, e questionavam a origem árabe ou indiana de tais produções. Tais
produções do oriente chegaram via Espanha e foram impondo, nestas famosas fábulas, desde o
seu aparecimento em solo europeu, predominantemente, uma aposta utilitária, repassando
conceitos de vida esperados para as crianças e jovens incorporarem, neste intenso momento de
transição entre os tempos medievais e a Idade Moderna. Para entender a literatura neste
momento é preciso compreender o processo de transição entre a Idade Média e a Idade
Moderna ocorrido nos séculos XV e XVI e que teve como características fundamentais o
surgimento do movimento renascentista, a reforma religiosa protestante e a consolidação da
economia burguesa. A Europa passou por um período de organização política dos estados e deu
início à época das Grandes Navegações, que buscavam novas relações comerciais e terras a
serem conquistadas e exploradas. Isso, toca na nossa história brasileira! O Extenso processo de
civilização ocidental (do começo da Idade Média ao fim do século XIX reformulou os códigos de
comportamento, era necessário saber se vestir, ter bons modos, boas maneiras, cabendo aos
professores serem os promotores do que a literatura moderna chamava de saber viver (savoir-
vivre) e saber fazer (savoir-faire), destinado às elites, além do aprender a ler para continuar
sendo um leitor e escritor, pelo resto da vida. Assim, foi possível dar conta das existências dos
ricos, na Idade Moderna, lendo os seus diários, suas autobiografias, com exaustivos relatos da
vida cotidiana. Bakhtin (1993) lembra que as literaturas paródicas medievais são literaturas
recreativas, criadas durante os lazeres das festas com uma atmosfera de licença e liberdade.
Comenta que as recreações escolares e universitárias foram impulsoras de tais paródias,
ocorridas nas festas com grande liberdade de rir e brincar. Distante dos regulamentos escolares
aos quais usavam como inspiração para criar suas brincadeiras jocosas. A paródia medieval
converte em jogo alegre e totalmente desregrado tudo o que era considerado como sagrado e
importante aos olhos da ideologia oficial. E isso vai mudar drasticamente no decorrer da Idade
Moderna.
Tal literatura renascentista (entre os séculos XIV e XVI) aglutina as imagens do jogo, das profecias
paródicas, dos enigmas e imagens das festas populares, do carnaval e juntos contribuem para
modificar a sombria idade média, em festiva escrita, até que surjam os colégios para colocar
regras aos mais jovens. E a ousadia de humanizar o processo histórico, produzindo um
conhecimento lúcido e ousado dele, que vai marca este período. Mas com o avanço da Idade
Moderna e tantas influências dos jesuítas (que já aparecem no Brasil no século XVI) ficará menos
alegre e carnavalesco ser jovem, nos colégios. A palavra Infância vem da palavra Infans que
significa sem voz. Neste tempo as ideias avancadas determinavam a necessidade de ensinar as
novas gerações. O que deveria ser concluído até o 7.° ano de vida, na chegada da chamada Idade
da Razão. A literatura moderna vai trazer novos entendimentos, não bastara às crianças ensina-
las a falar, serão imperativas as habilidades da ler e escrever. Infantil passa a ser tudo
relacionado ao iletrado. Uma criança medieval era vista com o sentimento de linhagem,
pertencente a um clã e não dissociado dele. O que ela é por si própria, sua singularidade, suas
diferenças, típicos modos de agir e ser, ainda, não interessavam em nada. Do fim da Idade Media
até o século XIX, atravessando a Idade Moderna e indo além dela, surgem novos modos de
sentir, perceber e conceituar a infância como uma categoria, os pais já não aparecem como
indiferentes aos filhos. A criança, na Modernidade, será fruto de uma intenção e contenção de
maus condutas. O caminho percorrido foi sair dos excessivos castigos e intimidações para uma
busca, tão menos invasiva, de controlar internamente às mentes infantis. Natural que a
literatura infantil fosse atingida por este novo cenário e modo de pensar a infância A partir do
século XVII desenvolve-se uma preocupação com as distinções para a educação das crianças -
ou pelo menos dos filhos dos burgueses e Aristocratas. A ótica individualista e a constituição de
novas sociabilidades favorecem o afeto e o cuidado com a infância, que se expressa, por
exemplo, num maior empenho em planejar o futuro profissional dos filhos seja para assumir
cargos administrativos, para seguir uma profissão autônoma ou continuar os negócios da
família" (VEIGA, 2007, p. 38) Esta literatura humanística (no século XVI, data da chegada no Brasil
dos portugueses) será muito lida e está repleta de dicas para diminuir a paparicação com as
crianças, que era, então, o sentimento dos adultos relacionados à infância, surgindo um
consistente conjunto de normas e padrões que os adultos deveriam seguir para ter filhos bem-
educados. Um caso destas dicas é o livro de Erasmo de Rotterdam, o De Pueris que expressa
como os humanistas não poupavam críticas aos excessivos afagos, em detrimento de poucos
esforços para educá-los. Este universo medieval europeu, trazido em parte ao Brasil, dentro das
primeiras embarcações e pelos anos seguintes, principalmente no decorrer da permanência no
Nordeste, a partir de 1535, já em Pernambuco era composta por uma copiosa literatura
narrativa vinda de fontes distintas: uma popular e outra culta. A de fonte popular é a prosa
narrativa "exemplar", derivada das antiquíssimas fontes orientais ou greco-romanas. A de
origem culta é a prosa aventuresca das novelas de cavalaria, de inspiração ocidental. Nesta, são
realçados um idealismo extremo e um mundo de magia e de maravilhas completamente
estranhas à vida real e concreta do dia a dia. Naquela, afirmam-se os problemas da vida
cotidiana, os valores de comportamento ético-social ou as "lições advindas da sabedoria prática.
(COELHO, 2010, p. 25)
Outra contribuição importante, na investigação deste legado, deixado pelos colonizadores foi o
trabalho preciso de Florestan Fernandes. Ele estudou a relevância da cultura infantil e seu
destacado papel mediador e de transmissão folclórica, revelando, na ocasião de suas pesquisas,
que nas brincadeiras das crianças estavam elementos dos antigos romances, as novelas de
cavalaria, transformados em dramatizações infanto- juvenis. As pesquisas acontecerão em São
Paulo, entre 1942 e 1959, sendo uma excelente contribuição sobre as inter-relações entre o
folclore, na grande diversidade cultural paulistana, formada por tantos migrantes e a cultura
popular, sendo que todos estes elementos são profundamente tocados pelas intensas
transformações pelas quais passavam a cidade e a sua população, nas primeiras décadas do
século XX. Boa parte dos elementos constitutivos da cultura infantil são restos de romances
velhos, hoje transformados em jogos cênicos como "A Noiva", "Organdão", "Juliana, etc.; ou
antigas danças coreográficas, como "A Canoa Virou", o "Picoton", "Passei pela Barca" ?. "Ciranda
a Roda", etc. Todas essas composições são antigas. Os romances velhos datam do século XVI,
mas há composições anteriores e outras mais recentes (danças coreográficas) do século XVIII.
(FERNANDES, 2004, P. 246)
Este reconhecido pesquisador da USP, Florestan Fernandes, defendeu que as composições que
encontrou nas ruas paulistanas, nas horas de brincadeiras infantis, eram no passado
circunscritos aos adultos e com o passar dos tempos caíram nos interesses das crianças e as
crianças ensinavam umas às outras nas ruas. Da longínqua tradição ibérica aos cantares e
brincares infantis do século XX, na emergente capital paulista, iam sendo preservadas. Este autor
considerava tais antigos romances trazidos pelos colonizadores, desaparecidos das vidas adultas
tanto em Portugal e no Brasil também e estarem sobrevivendo nas ruas e nas horas do brincar
infantil.
A literatura infantil brasileira foi guerreira! Enfrentou dificuldades intensas e inúmeras até
conquistar sua hegemonia e seu reconhecimento, com sua pujante produção artística. Ao longo
do tempo, nas batalhas necessárias para ter seu lugar ao sol, percorreu-se um longo caminho,
partindo da importação e tradução para o português dos textos tradicionais até a sua
consolidação atual: No início, importaram-se os textos tradicionais e, com eles, o mesmo carater
didático e redutor decorrente da associação da literatura com os valores de um grupo social
hegemônico. Usou-se o texto infantil como difusor de preceitos e de normas comportamentais,
doutrinando-se as crianças. Uma retrospectiva voltada para o surgimento do gênero no Brasil
permite estabelecer quatro fases, cada uma delas limitada pelas concepções ideológicas que se
evidenciaram nas produções mais conhecidas. " (BECKER, 2001, p. 35). A literatura infantil
brasileira foi impulsionada com a criação da Imprensa Régia, no ano de 1808, possibilitando a
publicação de nossos primeiros livros, destacando-se a obra As aventuras pasmosas do Barão
de Munchausen e, em 1818, a coletânea de Jose Saturnino contendo uma coleção de histórias
morais relativas aos defeitos ordinários às idades tenras e um diálogo sobre geografia,
cronologia, história de Portugal e história natural. (LAJOLO; ZILBERMAM, 1986, p.23). Becker
aponta a existência as fases importantes da História da Literatura Infantil Brasileira e que você
verá agora.
O foco neste período foram as primeiras tentativas de formação de um público leitor infantil
brasileiro. E isso foi planejado utilizando o carater norteador advindo da Europa. Isso já é visível
em uma das primeiras publicações brasileiras que foi intitulada como Leitura para meninos. Era
uma coleção Dehistórias morais relativas aos defeitos ordinários às idades tenras e um diálogo
sobre geografia, cronologia, história de Portugal e história natural. O compromisso
pedagogizante, que marca a produção dessa época, revela a posição assumida pelos
intelectuais, preocupados, nesse momento histórico, com um projeto: a modernização do país.
(BECKER, 2001, p. 36). O foco era a defesa de que a escola seria um espaço para estimular valores
patrióticos entre os brasileiros, e a infância seria bom momento de começar este trabalho. Neste
caminho alguns autores brasileiros poderiam facilitar este percurso nacionalista.
Citam-se, entre as produções de autores nacionais com essa finalidade, Contos Pátrios e Através
do Brasil (Olavo Bilac e Coelho Neto), Era uma vez (Júlia Lopes de Almeida) e Saudade (Tales de
Andrade). Permeável às solicitações da sociedade, a literatura infantil integrou-se aos esforços
de instalação da cultura nacional, vinculada à escola e à valorização do nacionalismo". (BECKER,
2001, p. 36).
Da Segunda fase, de 1920 até 1945, período de intensa movimentação política, intelectual e
artística brasileira
Fase bastante influenciada pelo modernismo (1.ª metade do século XX. O modernismo foi
marcado pela busca pelo moderno, pelas originalidades e aberto ao polêmico, apreciando de
forma extensa o nacionalismo, a volta às origens, a valorização dos Povos Originários, os
indígenas e da língua falada espontaneamente pelo povo brasileiro, foram marcantes neste
período. A excluída cultura popular, as falas espontâneas do povo brasileiro e o folclore serão
do interesse de autores como Mario de Andrade, famoso modernista paulista. E neste intenso
e questionador cenário, em 1921, de aturada movimentação histórica e cultural, aparece
Monteiro Lobato. Quem foi Monteiro Lobato? O precursor da literatura infantil brasileira? José
Bento Renato Monteiro Lobato nasceu em Taubaté, estado de São Paulo, nasceu em 1882 foi
um importante escritor brasileiro. Ele editou e traduziu muitos livros. Este trabalho de edição e
tradução já era conhecido no brasil e realizado por Figueiredo Pimentel ("Contos da
Carochinha"). Monteiro Lobato foi imortalizado por sua grande contribuição à literatura infantil
brasileira, que corresponde à metade de suas publicações além de artigos, contos, crônicas
críticas, prefácios, livros não focados em temas da literatura infantil. Popular entre as crianças e
apreciado por sua escrita clara e de fácil entendimento aos pequenos leitores. O público
brasileiro conhece a irreverente, falante e independente boneca de pano, o menino Pedrinho,
sua avó Dona Benta e a irmã Narizinho. E quem não tem medo da Cuca? Monteiro Lobato, o
nosso precursor da literatura infantil brasileira, foi notável em oferecer uma nova roupagem e
impulsionar a produção de livros Infantojuvenil no Brasil. Incentivando a produção editorial
dedicada às novas gerações. Um escritor voltado para este público, um inovador de temáticas e
narrativas, preocupado em aproximar a linguagem e o tom cotidiano, as falas típicas brasileiras.
O que se resultou deste trabalho do autor foi a instauração de uma nova perspectiva, mudando
as mentalidades "em relação ao tipo de texto que se produzia para crianças. A criação literária
do autor paulista dirigida às crianças centrou-se no receptor e, nessa trajetória, seguia os passos
da elite artística, que buscava uma identidade de tipos e de linguagem na produção literária.
(BECKER, 2001, p. 36). Impulsionados por este movimento foram adaptadas e ganharam versões
na nossa língua, das produções consideradas como clássicos da literatura infantil, a valorização
do folclore nacional foi considerada como fonte de pesquisa para produções que ficaram
perpetuadas nas mentes brasileiras que leram Monteiro ou viram produções televisivas
baseadas em suas obras. Mesmo com as inovações, observa-se, em algumas obras, a
permanência do caráter pedagógico, especialmente naquelas que aproveitavam temas
históricos. Situa-se nesse caso, por exemplo, Aventuras de Hans Staden, de Monteiro Lobato,
que materializa a proposta educativa do autor. Com seu trabalho, procurava arejar a
metodologia da escola tradicional, buscando espaço, dentro do contexto da narrativa, para a
discussão de pontos polêmicos relacionados com a História do Brasil.
Com a ética e com o comportamento humano. Monteiro Lobato acreditava que a mudança de
mentalidade das novas gerações possibilitaria o avanço rumo ao tão desejado alinhamento do
Brasil com os países desenvolvidos. (BECKER, 2001, p. 37).
No momento da saída e superação dos horrores Segunda Guerra Mundial, encontra-se o cenário
interno brasileiro vendo a derrocada do autoritarismo de Getúlio Vargas, sob a égide de um
tempo de democracia, a geração de escritores a partir de 1946, sobreviveram aos tempos de
maior bonança política. Apesar do cenário internacional ser marcado pela Guerra Fria entre os
Estados Unidos e antiga União Soviética e, no Brasil, o Brasil era governado por Juscelino
Kubitschek. A literatura brasileira ganhará novo fôlego com uma preocupação apurada com a
forma literária, tanto na prosa quanto na poesia, em um movimento de pesquisa e busca por
novos conteúdos. Desse período da história contemporânea de nossa literatura brasileira,
podemos destacar os seguintes nomes: Lúcia Machado de Almeida, já notável com sua obra No
Fundo do Mar, lançada 1943, lançará Lendas da terra do ouro, em 1949. Outra reconhecida
escritora é Maria José Dupré, com a sua obra A Ilha Perdida, publicada em 1946, tais escritoras
são precursoras. Vinha surgindo um gênero ficção científica brasileiro, além de romance policial,
com o precursor Jerônimo Monteiro, com a sua obra A Cidade Perdida, publicada em 1948.
Tratam perfeitamente sobre este momento histórico a obra de Lajolo e Zilberman publicada em
1985 que traduzem a ótica da classe burguesa, enriquecendo com a modernização do país, mas
identificada com valores tradicionais, quais sejam, o culto à autoridade (legitimada pelo
pedagogismo das histórias) e ao passado. Por essa razão, as personagens urbanas, oriundas de
um meio rico, convivem harmonicamente com o ambiente rural, efetuado entre grupos
tradicionais e grupos emergentes, assim como as regras que estabelecem entre si. (BECKER,
2001, p. 40). Lajolo e Zilberman (1985) reflete sobre a importância da década de 1960 e
multiplicam-se, nos anos 60, a criação de algumas relevantes instituições e valorosos programas
relacionados à promoção da leitura e ricas discussões a respeito da literatura infantil brasileira.
São criações desta importante época a Fundação do Livro Escolar (1966), a Fundação Nacional
do Livro Infantil e Juvenil (1968).
Quarta fase: De 1970 até 1989, da Ditadura Militar aos tempos de redemocratização
Lajolo e Zilberman (1985), destaca que na década de 1970, o Instituto Nacional do Livro, que foi
fundado em 1937, iniciou um trabalho de coedição, desenvolvendo convênios, passando a
publicar inúmeras obras Infantojuvenil, isso promoveu uma circulação significativa de obras
voltadas às escolas. Nesta última fase e mais próximas dos dias atuais, a linguagem usada por
muitos escritores infanto-juvenis reencontram-se com os movimentos do Modernismo de 1922
e de Monteiro Lobato. Distanciando-se do padrão formal culto, privilegiou-se o coloquialismo
marcante da oralidade e registrou-se a presença de gírias, dialetos e falares regionais. A
narrativa infantil dessas duas décadas produziu obras diversificadas, modernos contos de fadas
e de ficção científica, narrativas de cunho social e policial. Além do abandono da postura
didático-pedagógica, ao mostrar personagens e enredos livres do estigma de modelos
exemplares, as produções inovaram pela representação do protagonista: crianças desajustadas
e/ou frustradas. O ambiente urbano em que ocorrem as histórias revelou uma sociedade
marcada por problemas socioeconômicos, pobreza, miséria, injustiça e marginalização.
Discutiram-se as fontes e o contexto dos valores que tradicionalmente caracterizaram as
histórias infantis. (BECKER, 2001, p. 41). Lajolo e Zilberman destacam que os livros infantis
passam a ser um pujante segmento editorial. Os autores e obras nacionais passam a receber
espaço considerável. Entre os anos 1975 e 1978 era possível contabilizar entre 1.890 títulos, era
possível somar 46,6% de textos exclusivamente nacionais. Esta quantidade era um avanço
considerável, comparativamente ao que informou, na década de 1940, o estudioso da educação
brasileira Lourenço Filho que as produções nacionais não iam além 30%, sendo que as traduções
ultrapassavam 70% do total.
São destaques desta produção brasileira contemporânea: Marcelo, marmelo, martelo (Ruth
Rocha), O soldado que não era (Joel Rufino dos Santos), História meio ao contrário (Ana Maria
Machado), Chapeuzinho amarelo (Chico Buarque de Holanda), Os colegas, A casa da madrinha,
Corda bamba (Ligia Bojunga Nunes) e Um dia toda azul (Marina Colasanti) (BECKER, 2001, p. 41).
Como chegamos ao século XXI com relação a literatura Infantojuvenil no Brasil? Muitos desafios
precisarão ainda ser vencidos para que consigamos promover futuros leitores entre as crianças
e jovens que estão nas escolas brasileiras. Transmitir, mais do que transmitir - mostrar a verdade
da literatura como 'lugar' de encontro, de aprendizado. Tornar o Brasil um país de leitores, não
só combatendo o analfabetismo. Deverão ser profundos compromissos dos governos brasileiros
e dos educadores a formação de leitores: Formar-se como leitor é adquirir cultura literária,
definir preferências de gêneros literários, de autores, ousar conhecer escritores desconhecidos,
explorar temáticas inatuais, fazer um catálogo de 'clássicos pessoais'. Magda Soares,
reconhecida pesquisadora brasileira, trouxe conhecidas contribuições inovadoras para o
entendimento de temas amplos sobre a alfabetização inicial. Esta autora reconhece a
importância do letramento literário. E o que seria letramento literário das criancas? Letramento
literário seria o processo de apropriação da literatura enquanto uma importante linguagem. Este
processo começa quando a criança ouve sua mãe cantar canções de ninar e que ouviu na infância
dela e seguirá pela vida da criança, nos equipamentos educacionais, sociais e culturais em que
passa. É evidente que a escola brasileira vem assumindo um papel mais preponderante deste o
final do século XX, instituindo o Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNDE), objetivando
principalmente a democratização do acesso às obras de literatura infarto- juvenil, nacionais e
estrangeiras.
Este programa ampliou o atendimento, levando às escolas publicações para alunos da Educação
Infantil ao ensino médio. Estas obras reúnem incluem produções editorias de prosa (contos,
novela, memórias, biografias, crônicas e teatro), em verso (poemas, cantigas, advinhas,
parlendas), bem como produções de livros de imagens e histórias em quadrinhos. Este acervo
diversificado de livros leva às escolas públicas brasileiras a oportunidade de ter livros disponíveis
e que poderão colaborar de forma lúdica para a formação de futuros leitores brasileiros das
crianças. A partir de 2008 foi programada uma maior distribuição de livros para as crianças que
estavam matriculadas na Educação Infantil (antes dos seis anos de idade) e nas séries iniciais (a
partir dos seis anos de idade). Estas conquistas brasileiras são muito significativas para um pais
como o Brasil. Nosso país é reconhecidamente um país com poucas e precárias bibliotecas, não
dispomos de um número considerável de livrarias. E os livros são bem caros para a grande parte
da população empobrecida. Quais os caminhos da literatura infantil brasileira contemporânea,
no século XXI, baseados na nossa produção editorial infantil? Ainda representa interesse intenso
de muitos professores brasileiros de Educação Infantil e de ensino fundamental, oferecer, nas
suas escolhas para os seus alunos livros de contos de fadas ou de animais, temas tradicionais e
consagrados como os que mais agradam às crianças. Antes que você fique indagando se seriam
somente estas as escolhas dos professores, é importante destacar que existe, no Brasil, uma
crescente produção "literária" para crianças, iniciada na última década do século XX, os temas
transversais, cada vez mais apreciados pelos professores e pela escola. A produção editorial
brasileira para crianças já é considerável com sugestões interessantes com narrativas que
apresentam como conteúdo a serem ensinados às crianças, temas como ecologia, inclusão
social, preservação do meio ambiente, respeito às diferenças em geral, entre tantos outros,
maior a possibilidade de assimilação dos valores pretendidos. E outra vertente em menor escala,
mas existente, são lançados livros com Temas que põem em relevo experiências cotidianas,
vivenciadas por qualquer ser humano, independente da idade, como a morte, o medo, o
abandono e a separação. É comum designarmos esses temas como temas delicados quando
pensamos no público infantil e, com frequência, oferecermos resistência em abordá-los,
especialmente no ambiente escolar. (SOARES, 2004, p. 37)
Existe uma correlação entre a natureza e a função da literatura. O uso de qualquer literatura
está intrinsicamente relacionado a sua natureza, interessa aquilo que a literatura representa
verdadeiramente, aquilo que ela é. Mas a função de uma determinada literatura é essencial, se
uma determinada forma de literatura perder a sua função será destinada a um valor e uso
secundário. Para melhor entender, pense em antigos objetos que tinham seu valor e função
destacados e deixaram de tê-los e viraram peças de um museu atualmente. A literatura
desenvolve um trabalho, possui um uso, permanece a milênios e percorreu muitas diferentes
épocas e povos. Possui o seu valor singular, sua utilidade e seriedade na vida das pessoas, é uma
forma de conhecimento, carregando de obra a obra um grau especifico de generalidade ou
particularidade. Este tema da função da literatura percorre longamente a vida de muitos
estudiosos ocidentais, desde Platão, na Grécia antiga aos dias contemporâneos. Os que leem
poesias estão mais preocupados com a beleza dos poemas do que em buscar as razões em si
mesmas. E esta experiência estética contagia os leitores no seu contato com os mais diversos
poetas da literatura brasileira e universal. Regina Zilberman (2008) defende que o "ensino pode
mostrar-se mais agradável e interessante, tanto para estudantes quanto para professores, se
incluir um pouco mais de poesia no cardápio" Os leitores não estão menos preocupados com os
encantos que sentem com os livros que caem às suas mãos do que com explicações detalhadas
e racionalistas sobre a literatura que os deixam maravilhados. São preocupações menos dos
leitores e mais dos preocupados com valores, arbitrariedades, utilidades e moralidades que
podem estar presentes nas discussões sobre as obras de literatura, em todos os tempos. As
indagações sobre o deleite do leitor deveriam ficam em segunda plano? Uma resposta seria
informar que a literatura possui inúmeras funções possíveis. E entre elas e como a mais essencial
e importante das funções estaria a função de fidelidade à sua própria natureza. Evidentemente
para os adultos que educam as crianças e adolescentes, em casa e nas escolas, deverá ficar claro
que a literatura Infantojuvenil possui funções significativas ligadas a educação, instrução e
distração. Sendo que a fruição não pode ficar fora, o prazer de ler não pode ser menosprezado
pela fixação em fazer algo para crianças e adolescentes lerem sobre as ideias que julgam que as
novas gerações devem absorver. Zilberman (2008) recomenda que não se aprende o que não se
gosta, de modo que dirige a ação pedagógica primeiramente para a apreciação de textos
literários, com os quais começa os ensinamentos. Algo que não poderá ficar fora da experiência
escolar com a literatura Infantojuvenil é a função lúdica intrínseca a ela. Ao propor uma forma
de leitura homogênea, são deixadas de lado outras formas literárias que os alunos, nas escolas,
já conhecem nas suas casas ou comunidades, carregadas das variações linguísticas que
possibilitam sentidos de identidade, de pertencimento a uma cultura, de divertimento, de
ludicidade, e que por preconceitos linguísticos não deveriam ficar fora das escolas para crianças,
jovens e adolescentes. É verdadeiro afirmar que o literário e o pedagógico estão relacionados
na literatura Infantojuvenil a muitos tempos. É delicado, nas escolas, uma escolha que
determine a prioridade do didático em prejuízo do lúdico em textos para crianças, transforma a
leitura em função pedagógica. Entretanto, arte e educação podem ser parceiras na fruição
literária, se a escola fornecer às crianças os estímulos adequados à leitura. É fator
preponderante aos que escrevem ou escolhem um livro de literatura Infantojuvenil não perder
de vista a expressão lúdica e artística. O adjetivo infantil e mais recentemente o juvenil atrelado
à literatura caracterizam o público a que se destina essa produção cultural: a criança e o jovem
(adolescente). A construção dessas fases da vida está diretamente relacionada ao modelo
burguês de família e à escola moderna. A função que foi atribuída à literatura infantil e juvenil
pode ser melhor compreendida através da análise da forma como a relação entre infância, e
mais tarde adolescência, escola e literatura foi sendo estabelecida. (PAIVA, 2004, P.69) A função
de instrução da literatura Infantojuvenil é muito relevante, sendo capaz de despertar o interesse
pela leitura nas crianças e adolescentes, acordando às mentes das novas gerações para a
curiosidade e descobertas interessantes, que não deixam de lado o prazer de ler. A função de
educação da literatura Infantojuvenil deverá primar pelo desenvolvimento da sensibilidade e do
senso crítico dos pequenos leitores. A literatura não deve ter por função facilitar ou pacificar,
pelo menos quando se fala em literatura para valer', e não nessa literatura de escape,
escamoteadora, de consumo rápido, que pode até emocionar, mas até essa emoção é evasiva.
É necessário ter uma cautela antes de cobrar que a literatura Infantojuvenil tenha uma nítida e
infalível função pedagógica e que haja como inibidora de um acesso à arte, livremente.
Zilberman afirma que a literatura infantil continuaria a ser vista como uma colônia da pedagogia,
trazendo inúmeros prejuízos, não é aceita como arte, por ter uma finalidade pragmática e a
presença do objetivo didático faz com que ela participe de uma atividade comprometida com a
dominação da criança.
Seriam inúmeras as funções e até as razões de lermos livros para as crianças e ofereceram aos
adolescentes e jovens. De modo que nossas razões para ler são tão estranhas como nossas
razões para viver. E a ninguém se concedeu poder para nos pedir contas sobre essa intimidade.
Colomer (2017) entende que existem três funções da literatura feita para as crianças e para os
jovens:
A escritora espanhola Colomer (2017) discute uma antiga mania de trazer padrões de bom
comportamento nas escritas para crianças ou a certeza de que fazer as crianças lerem seria fator
determinante para que escrevam bem no futuro. Esta importante especialista espanhola
defende que não é necessário fixar as escolhas com o foco estritamente em concepções
utilitaristas.
Teresa Colomer (2017) defende a literatura Infantojuvenil abre as portas ao imaginário coletivo.
E um conjunto potente de acessos as formas poéticas, dramáticas e narrativas promoverão um
considerável domínio da linguagem, oportunizando aos mais jovens as reais possibilidades de
posicionamentos diante do mundo em que vivem, com consciência da realidade ao redor deles
e com capacidade de enxergar o outro e suas diferenças (alteridade), com poderosos efeitos de
promoção e desenvolvimento da subjetividade. Uma atenção apropriada e aberta à percepção
ou capacidade leitora dos meninos e meninas é igualmente importante. Colomer ainda ressalta
a questão sexista e os distintos papeis destinados aos homens e mulheres. A literatura também
possui uma função socializante e pode ajudar a conservar ou questionar os modelos femininos
e masculinos na sociedade. E não podem ficar esquecidos que existem na história da literatura
extensos casos em que a literatura serviu para passar ideologias de manutenção de lugares
privilegiados aos homens em detrimentos das mulheres. Pode agora, neste instante da história,
realizar o contrário, socializar os seres humanos e questionar os estereótipos para homens e
mulheres. É inegável que a literatura infantil seja fonte de estimulação da mente, de percepção
intensa do real e suas amplas significações, oportunizando formas de consciência de alteridade
e si mesmo, possibilitando inúmeras leituras de mundo, abrindo caminhos para o conhecimento
da língua que já conhece desde que nascemos. A literatura Infantojuvenil desperta a imaginação
dos seus leitores, é promotora da criatividade, faz as novas gerações conhecerem o mundo em
que vivem e a vida humana, revelando a possibilidade de integração entre o real e o imaginário.
Na busca pelas funções da literatura infantil-juvenil é sempre bom ter em mente que a Literatura
Infantojuvenil é incontestavelmente literatura ou melhor, é arte: fenômeno de criatividade que
representa o mundo, o homem, a vida, através da palavra. Funde os sonhos e a vida prática, o
imaginário e o real, as ideias e sua possível impossível realização.
A literatura não deve ser vista como uma produção que carrega uma obrigação com relação ao
conhecimento, isso não quer expressar que não promova novos conhecimentos. E a literatura
ensina algo novo as crianças e adolescentes? Ensina, já que oferece e traz tanto os conceitos
morais e as atitudes desejáveis, e ainda amplia a capacidade de conhecimento do leitor,
facilitando o acesso a novas experiências que poderão auxiliá-lo na elaboração de novas
informações, ou ainda na reformulação do que já possui.
O futuro educador precisará entender que deverá ser um hábil crítico de obras Infantojuvenil a
serem oferecidas aos seus futuros alunos. Já não mais vivemos em um tempo que somente os
especialistas em literatura para as novas gerações são capazes de analisar as obras disponíveis
no mundo editorial brasileiro. Neste momento atual. oferecer obras infanto-juvenis às novas
gerações requer pedagogos e professores, suficientemente, capazes de realizar uma rigorosa
análise das obras disponíveis no mercado atual de publicações destinadas a este público. Tudo
começa com a própria especialização dos futuros mestres como hábeis leitores, e bons
conhecedores da nossa lingua portuguesa, falada e escrita no Brasil. É necessário um sério
compromisso em formar futuros, apoderados, críticos e autônomos leitores. E uma tarefa é
essencial e anterior: formar-se a si mesmo como um bom leitor. A obra literária não é um mero
reflexo das palavras do autor reproduzidas na mente do leitor, mas o resultado de uma interação
ao mesmo tempo receptiva e criadora e profundamente dependente da mediação da escola
para auxiliar o leitor a preencher as lacunas deixadas pelo autor, para auxilia-lo a entrar no jogo
do texto, a mergulhar no mundo da imaginação e da ficção, a dominar a linguagem literária para
reconstruir o universo simbólico contido nas palavras. (DALLA-BONA; FONSECA, 2018, p.45).
Evidentemente, as teorias aprendidas ao estudar Literatura Infantojuvenil colaborarão para a
formação de um educador de crianças e adolescentes capaz de realizar apuradas analises de
obras e não um buscador de listas já prontas e acabadas que poderão não falar à realidade de
uma escola específica, encravada dentro de uma realidade socioeconômica determinada. Cada
educador deverá ser capaz de compor a cada ano a sua atualizada lista de títulos, amplamente
avaliados, para serem oferecidos aos seus alunos. As teorias aprendidas ao estudar sociologia e
História da infância, psicologia e literatura infantil auxiliaram aos professores, nas horas de fazer
a sua lista de livros para seus alunos lerem durante o ano letivo. Tais leituras terão que
consolidar e estar apoiada em uma ideia contemporânea de infância e adolescência, fumemente
na mente de educadores das crianças e adolescentes, apoiados nestas certezas teóricas deverá
ser examinada cada obra de literatura Infantojuvenil, na hora de escolha de livros para seus
alunos lerem. O educador deverá examinar as definições de infância e literatura presentes em
cada obra pesquisada. Isso exige o exame consistente dos espaços em que formam
estabelecidos os vínculos entre o ser da criança e o que deverá ler, bem como as estratégias e
as normas que os textos propõem, as formas de acesso aos textos ou aos relatos, as relações
que estes estabelecem ou proporcionam com outros discursos e entre os diferentes atores
sociais. Outros elementos consideráveis deverão entrar no computo geral, na hora de escolha
de um livro, para determinada criança. E importante visualizar, apuradamente, o material usado
na confecção da obra, o formato de manuseio nas obras fisicas e a acessibilidade nas obras
virtuais. O educador deverá entender um pouco sobre as impressões mais favoráveis para a faixa
etária que trabalha é diferente escolher livros para crianças pequenas da Educação Infantil e
para os que estão concluindo o Ensino Fundamental), observando a inteligibilidade sintática e
lexical do texto, a elaboração imagética das ilustrações em termos de cores e formas, e outros
tantos elementos em um mar de publicações. Apoiando esta fina percepção das características
do leitor para a escolha de obras de literatura Infantojuvenil, de forma muito bem-humorada, o
autor do celebre livro Alice no País das maravilhas, afirmou: E agora, minha ambição (seria vã) é
ser lido por Crianças de 0 a 5 anos. Ser lido? Não, nem tanto! Mais justo é dizer: ser manuseado,
babado, ter as páginas dobradas, ser amarfanhado, beijado por aqueles pequenos leitores,
desconhecedores da gramática, aqueles Queridos, cheios de covinhas, que enchem de alegria o
Quarto de feliz algazaira, e o nosso coração de apaziguada alegria! (CARROL, 2015, p. 7).Esta
capacidade de fazer escolhas acertadas, baseadas em uma formação teórica e consistente do
docente, será essencial aos futuros profissionais que irão trabalhar na educação infantil
(contação de histórias pela professora) e no Ensino fundamental (formando leitores para a
autonomia para ler). O formador de leitores e o contador de histórias, papeis essenciais dos
professores, nas escolas, na educação básica no Brasil, requerem que eles sejam antes de tudo
habilidoso leitor de muitas obras, deverão conhecer os clássicos, antes de recomendá-los as
crianças e aos adolescentes. O conhecimento destas obras ajudará nos seus usos em sala de aula
para atrair a curiosidade e o desejo de ler dos seus futuros alunos. E, não desprivilegiar os livros
atuais. Quando perguntamos a uma pessoa se ela já leu um determinado livro clássico e coincide
com um livro que tenha apreciado é como ouvir alguém falando de uma deliciosa comida que
comia na cozinha da sua avó, na infância. (MINUZZI, 2017, p.117).
Literatura Infanto-juvenil 2
Identificando a importância dos contos de fadas modernos e tradicionais, através de sua história
Você será capaz de identificar a importância dos contos de fadas modernos e tradicionais,
percorrendo a história, conhecendo-lhes suas origens. Quem são os ancestrais dos contos
publicados na Europa, trazidos ao Brasil e ainda hoje presentes na indústria de entretenimento,
em jogos digitais, em peças de teatro infantil, em filmes feitos pela indústria cinematográfica
internacional e nas belas atualizações, nas novas edições dos livros clássicos, repletos de belos
contos de fadas e fascinantes imagens? De onde vieram, originalmente, as ideias que são
reutilizadas, nas lindas e encantadoras páginas que os pais leem para os seus filhos e que
reaparecem na chegada das crianças às escolas, presentes em objetos escolares como lancheiras
e até em fantasias de carnaval, ocupando um lugar preponderante na vida das crianças? Hoje,
filmes, discos e livros ricamente ilustrados fascinam as crianças, e também os adultos, contando
as mesmas histórias. Embora esses narradores e narratários pertençam a mundos tão distantes
no tempo.
Esta publicação da 1.ª coletânea de contos infantis, na França do século XVII, Contos da Mãe
Gansa, obra de Perrault, traziam oito histórias fabulosas e até hoje amadas pelas crianças, a
partir da coleta deste autor, das narrações orais populares. Antes de publicar estes célebres os
Contos, responsável pela origem da literatura infantil, Perrault apresentou na Academia
Francesa, no ano de 1691, certo conto popular em verso. Estava aberta a porta da literatura
clássica para as histórias do povo. Logo depois os oito contos em prosa da coletânea de 1697
realizariam a proeza de se tornarem conhecidos e admirados no mundo inteiro. Foi feita uma
dedicatória do filho mais novo de Perrault, Pierre Perrault, para a sobrinha do rei francês
ressaltando que os contos continham morais sensatas, muito apropriados à serem dedicadas a
uma princesa, devendo ser valorizados como importantes exemplos da vida do povo. Assim,
estavam escritos os materiais recolhidos por Pierre Perrault, trazendo ao convívio dos nobres
franceses a tradição folclórica popular, passando por uma sofisticação para agradar ao público
nobre francês e em uma versão escrita. O livro não traz o nome do autor na capa, mas a
dedicatória vem assinada por P. Darmancou, filho caçula do poeta Perrault. Até hoje se discute
se os contos foram escritos pelo pai, pelo filho ou por ambos. Ao que tudo indica foi feita a
quatro mãos e toda a polêmica sobre a obra está relacionada ao imenso sucesso dela.
Existe uma defesa que a afamada coletânea era realmente fruto de um trabalho de colaboração
entre o pai e o filho. O jovem escrevia os contos como exercício de redação, incentivado pelo
pai, que acabou se entusiasmando pela ideia de publicá-los.
Assim, o pai pegava os manuscritos do filho e os aperfeiçoavam na forma literária. Sendo assim,
eram do pai Perrault, os versos moralistas e os arranjos artísticos da frase literária. Esta
participação tão ativa do filho, Pierre Perrault nos leva a indagar se sua participação não seria
um dos fatores de tal obra ser tão apreciada pelas novas gerações?
Estas histórias contidas em Contos da Mãe Gansa, de Charles Perrault eram Cinderela ou A Gata
Borralheira, A Bela Adormecida no Bosque, O pequeno Polegar, Henrique do Topete,
Chapeuzinho Vermelho, O Barba Azul. As fadas e O Gato de Botas. Eram contos em versos e que
foram oferecidos à Infanta, neta do rei francês. As fadas é a história em que ficam mais evidentes
o prêmio para a personagem bondosa e o castigo para a maldosa. Enquanto o castigo é o
abandono e a morte, o prêmio obviamente é o casamento com um príncipe.
Este sucesso da coletânea do autor levou tais contos populares à alto prestigio junto à sociedade
burguesa, na Idade Moderna, sendo denominados como Contos de fadas. As fadas só aparecem
em quatro das oito histórias e a bruxa (fada-má) só aparece em uma delas, embora esteja
representada em outras pela madrasta (mãe-ma). As princesas, ou camponesas que se tornam
princesas, estão em cinco histórias.
E qual seria a importância de tais tradicionais contos de fadas, coletados por Charles Perrault e
escritos por ele, no século XVII e que poderia nos inspirar a usá-los ainda hoje, segundo o próprio
escritor? Perrault defende que para a moral ingênua e utilitária, os homens devem ser guiados
por poderes superiores (mágicos/divinos), que punem o vício e premiam a virtude. Sendo assim,
estes contos selecionados por este escritor francês usaram esse esquema nos contos em prosa,
escritos para às crianças com especial simplicidade e em formato poético, primando por ensinar
belas lições morais de honestidade, paciência, previdência, obediência e coragem para o
trabalho. Estas morais das histórias evocadas por Perrault, no ano de 1695, ainda seriam cabíveis
aos tempos em que vivemos? São princípios morais valorosos para as sociedades atuais e os
tempos em que vivemos? O fato é que caberá a criança ouvinte ou leitora dos contos tradicionais
realizar seus julgamentos de valores e os usos que poderão fazer deste material literário,
patrimônio da humanidade. Já nos contos modernos, os autores contemporâneos costumam ter
a preocupação de trazer questões que estão inseridas nas suas mentes, como pessoas inseridas
nos seus tempos. O que se pode afirmar é que será muito importante levar os velhos contos
populares, coletados e traduzidos por Perrault, aliviando a excessiva preocupação deste autor
com a moral da história, deixando que a própria criança tenha os seus ganhos singulares com a
leitura da Cinderela e sua malvada madrasta, no exato momento em que assiste um filme em
que aparece a Bela Adormecida e seus encontros e ajudas libertadoras. Refletindo com o
pensamento de Zilberman, é necessário ter cuidado em não repetir os erros de Perrault, com a
sua excessiva jornada em prol da moral burguesa, em considerar como hegemônicos e válidos
somente os valores sociais da burguesia, dividindo com os nobres e o clero os privilégios,
transmitindo valores burgueses do tipo ético e religioso e conformam o jovem a um certo papel
social. No século XVIII, os notáveis alemães Irmãos, Jacob e Wilheim Grimm, eram pesquisadores
do folclore e da mitologia alemã, curiosos em busca de antigas narrativas orais populares e
encontraram, no decorrer de suas pesquisas, duas mulheres, Ratherina Wieckmann e Jeanette
Hasseupflug, e os umãos Grimm ouviram e transcreveram as seguintes histórias que estas
mulheres narraram para eles: Branca de Neve e o os Sete Andes, A Gata Borralheira, Bela
Adormecida, Joãozinho e Maria, O Príncipe Sapo, O Ganso de Ouro, As três fiandeiras, O
Pequeno Polegar, Os músicos de Bremem, Os Sete Corvos, A Guardadora de Gansos e muitas
outras maravilhosas narrativas de vasto conhecimento popular. Inicialmente os Irmãos Grimm
publicaram de modo avulso, entre os anos 1812 e 1822, e depois foram agrupadas em uma
publicação intitulada de Contos de Fadas para Crianças e Adultos, que mais tarde ganhariam o
nome de Contos de Grimm.
Tatar (2013) comenta que os irmãos Grimm, Jacob Grimm (1785-1863) E Wilheim Grimm (1786-
1859), imortalizados por contos de fadas, coletaram contos populares e publicaram sua
coletânea, com dois volumes entre os anos de 1812 e 1815. Quando eles desenvolveram seu
primeiro plano de compilar contos populares alemães, tinham em mente um projeto erudito. A
intenção deles era captar a voz autêntica do seu povo, preservando com a escrita a encantadora
poesia oracular popular. Tesouros folclóricos inestimáveis ainda podiam ser encontrados
circulando em pequenas cidades e aldeias, mas os fios gêmeos da industrialização e da
urbanização ameaçavam sua sobrevivência e exigiam ação imediata. O título da obra era Kinder-
und Hausmärchen (Contos da infância e do lar) era composto de contos de fadas clássicos e de
lendas, piadas, anedotas e fábulas e muitas narrativas tradicionais populares. Os contos da
coletânea dos Grimm passaram a constituir um arquivo cultural do folclore alemão, de histórias
que, ao que se pensava, espelhavam e modelavam a identidade nacional. Foram vistas como
uma maravilhosa obra, preservando as encantadoras narrativas populares do povo alemã. Mas
não somente estão restritas a estas fontes. Os Irmãos
Grimm basearam-se em diversas fontes, tanto orais quanto literárias, para compilar a coletânea.
As anotações que fazem dos contos revelam o quanto se serviram de várias compilações
nacionais. Sendo possível afirmar que eles recorreram às fontes literárias e a equivalentes
europeus para preparar a versão folclórica de seus contos. Os esforços dos irmãos Grimm foram
intensos para colher as fontes populares do seu povo, dos seus contos orais, não tão extensas
como se pensou incialmente. Mas ouviram muitas fontes, anotaram variantes e criaram diversas
versões. Entre suas privilegiadas fontes estão mulheres da classe social desta dupla de escritores
dos contos de fadas e histórias contadas por narradores populares, entre elas estava a Dorothea
Wieman, filha de um estalajadeiro de ascendência franco-huguenote e viúva de um alfaiate, foi,
ironicamente, a mais famosa testemunha da autenticidade folclórica da coletânea. O que se
percebeu na escrita foi um distanciamento e alteração, nas versões dadas pelos Irmãos Grimm
das fontes orais relativas as narrativas na hora da colheita e na hora de fiar. E, assim, os Irmãos
Grimm narraram, do oral às suas escritas, distanciando-as da linguagem rude, do humor obsceno
e dos lances indecentes das versões populares. Eles estavam atentos, na escrita, nas ambições
eruditas e patrióticas que o movimentavam na escrita para crianças. Receberam muitas críticas,
desde serem contaminados pelos franceses e italianos até de conteúdos patéticos e de mau
gosto, a ponto de contaminar os pais a não querem comprá-los, antes da publicação, e eles
voltaram a reexaminar suas escritas. Receberam, ainda, reclamações sobre a tonalidade
grosseira de tais contos populares. E isso resultou em uma busca excessiva para apagar os traços
rudes tão criticados, das narrativas populares. E, por fim, mudaram o público alvo. O que fora
concebido inicialmente como documentos para estudiosos transformou-se gradualmente em
leitura para crianças na hora de dormir.
No século XIX, o autor dinamarquês Hans Christian Andersen escreveu a obra Eventyr, contendo
168 contos publicados entre os anos 1835 e 1877. O autor estava contagiado pelos ideários do
Romantismo na literatura, ancorado na injusta realidade à sua época e que explicam a tristeza
de alguns dos seus personagens e finais trágicos. Figuram entre os Contos de Andersen: O
Patinho feio, Os Cines Selvagens, A Rainha de Neve, João e Maria, A Roupa Nova do Imperador,
O Rouxinol e o Imperador da China, Os Sapatinhos Vermelhos, O Soldadinho de Chumbo, entre
outras belas narrativas. Estas admiráveis páginas de Andersen foram encontrados no folclore
nórdico e também criadas por ele, carregadas dos desejos populares, à época do autor, de
superação das injustiças que as camadas populares empobrecidas viviam, aliadas a fé religiosa
deste autor e de sua história de luta contra a sua própria pobreza. Hans Christian Andersen
(1805-1875) ficou notabilizado por maravilhosos contos como A roupa nova do imperador, A
pequena vendedora de fósforos, A princesa e a ervilha, O Patinho Feio e A Pequena Sereia.
Quanto a Sereia, este personagem deste autor, imortalizada pelo sofrimento e abnegação,
ganhou uma estátua de bronze, configurando conhecido monumento em Copenhague. O autor
teria padecido com o desenrolar de seus personagens, com os golpes neles infligidos e
condoendo-se de suas humilhações. Sofro com meus personagens', escreveu para um amigo.
'Partilho suas disposições de ânimo, sejam boas ou más’.
Uma das críticas ao autor é que ele teria infligido coisas más às boas pessoas, como na história
da Pequena vendedora de fósforos e também coisas boas a pessoas más, com no personagem
do Soldado de chumbo. Andersen é ao mesmo tempo reconhecido por sua vasta produção de
mais de 150 contos, sendo responsável por um revigoramento do conto de fadas e um
alargamento de seus limites para acomodar novos desejos e fantasias. Tendo publicado até uma
versão autobibliográfica, em formato de contos de fadas. Sua história pessoal é de um filho de
sapateiro e uma lavadeira, conseguindo ascender socialmente, com pouca instrução, tentou
fazer o teatro em Copenhague. Foi estudar somente aos 17 anos, em sala de aula com crianças
de 12 anos, sobrevivendo às repreensões do professor e zombarias dos pequenos colegas. Com
a ajuda de amigos, chegou a universidade. O primeiro contato de Andersen com contos
populares dinamarqueses acontecera no quarto de fiar do asilo em que sua avó trabalhava. O
menino entretinha com desenhos a giz as mulheres que lá trabalhavam, e elas retribuíam, ele
lembrou, contando-lhe histórias. O que Andersen descobriu no folclore de sua terra natal foi um
mundo tão rico quanto o das Mil e uma noites', mas um mundo que também infundia medo:
'Quando escurecia, eu mal ousava sair de casa. ' Já em 1830, no prefácio a uma história chamada
O fantasma, Andersen evocava o 'prazer' que fora ouvir contos de fadas e declarava sua intenção
de publicar um ciclo de contos populares dinamarqueses. (TATAR, 2013, p.275). Publicou um
livro intitulado Contos, escrito para crianças, em 1835, com os seguintes contos: O isqueiro,
Nicolão e Nicolinho, A princesa e a ervilha e As flores da pequena Ida. O próprio Andersen
explicou que tomava para si uma ideia para os adultos e depois conto a história para os
pequenos, sempre me lembrando que pai e mãe muitas vezes ouvem, e é preciso dar-lhes
também alguma coisa para suas mentes.
É um engano pensar que os contos de fadas fazem parte de uma longínqua história e que
remonta aos distantes primórdios da literatura feita para crianças, há muitos séculos atrás. Isso
não corresponde à verdade. Uma forma de esclarecer a importância do conto de fadas na
contemporaneidade é examinar a produção editorial Infantojuvenil brasileira. Os editores
recebem, ainda demanda de publicação de contos de fadas tradicionais? Evidentemente que
sim, é do interesse dos adultos, sejam pais, avós ou professores, que compram livros ou
escolhem livros para as escolas este universo literário. A importância de oferecer contos de
fadas tradicionais e os modernos para as crianças encontra cabimento na afirmação, vinda do
campo da literatura, ao declarar que está no encantamento da arte narrativa o motivo da
perenidade dos contos de fada. Este ato de polir, através dos mais diversos tempos, este
delicado tratamento literário perenizou os contos tradicionais. Outro elemento, de caráter
antropológico, a ser conferido, é lembrar que os contos de fadas representam os mitos
primitivos da humanidade, e é bom levá-los às crianças para terem contato com tais legados dos
nossos ancestrais. E com a ajuda da psicologia é possível entender que levar contos de fadas
tradicionais ou modernos proporcionam as crianças o contato com o envolvimento emocional
dos narradores, leitores e ouvintes que garante o encantamento produzido pela narrativa. E,
ainda, encontraremos razões históricas, filosóficas e da crítica literária, sempre que tais estudos
evocam que nos contos de fadas estão os elementos necessários para a transmissão de uma
ideologia que, em cada época, se adaptou aos interesses do grupo social responsável pela
reprodução e preservação das narrativas. O Psicanalista Bruno Bettelheim (1980), em sua
celebrada obra Psicanalise do conto de fadas, entende que os contos de fadas, como uma das
experiências mais adequadas para promover um encontro da criança com significados singulares
importantes. É relevante o fato dos adultos que cercam a criança desprender tempo para fazer
narrações de contos de fadas para suas crianças sejam familiares, pais, educadores e até
funcionários de algum equipamento cultural frequentada pela criança). Estes contos de fadas
encantadores, habilmente narradas, trazem à criança a herança cultural, de um modo muito
privilegiado para as crianças pequenas. Tais contos agem de forma salutar para melhor lidar com
as maiores dificuldades íntimas das crianças. Estas narrativas não são fixadas nas necessidades,
como grande maioria das cartilhas e manuais destinados a fazer a criança ler, fixados nas
habilidades, e descontextualizadas de maiores significados, indo além do divertimento e da
informação (presentes em muitos outros tipos de literatura infantil). São os contos de fadas que
se aprofundam, nos significados intensos e significativos, dos valores relativos ao viver,
prendendo a curiosidade da criança. Possibilitando um enriquecimento da vida, estimulando a
imaginação, o desenvolvimento e o esclarecimento de suas emoções mais íntimas e indizíveis,
não sendo discordante de suas ansiedades e de suas aspirações, e não desfazendo de suas
dificuldades e dores e trazendo alívios para os perturbadores problemas. Os contos de fadas
modernos ou tradicionais não deixam de lado aquilo que é a expressão da personalidade da
criança, que ouve ou ler um conto de fada. Precisando ser capaz de encarar com seriedade as
dificuldades e oferecendo oportunidades de promoção da confiança na criança em si mesma e
nas possibilidades do porvir. Em todos esses aspectos e em vários outros, no conjunto da
'literatura infantil' - com raras exceções -, nada é tão enriquecedor e satisfatório, seja para a
criança, seja para o adulto, do que o conto de fadas popular. Bettelheim (1980) defende que os
contos de fadas colaboram em uma tarefa essencial: a trazer sentidos ao turbilhão de
sentimentos das crianças, oferecendo suportes para colocar em ordem a casinha interior e
ordenar a própria existência. Entra no circuito da necessária educação moral que as crianças
precisarão obter e terão que ser convencidos do valoroso papel de bom comportamento moral,
sem abstrações, de forma tangível e significativa. Transmitindo significados manifestos e
latentes salutares à existência humana. Atingindo a mente, naquilo que o aparelho psíquico
apresenta: as instâncias consciente, pré-consciente e inconsciente. Tais contos de fadas lidam
com aqueles problemas universais e que perturbam o cotidiano infantil, fortalecendo o
desenvolvimento psíquico e aliviando as incógnitas advindas do pré-consciente e inconsciente.
Os professores devem entender que os contos de fadas são imprescindíveis. É este tipo de
narrativa que vai oferecer às crianças sugestões em forma simbólica indicando como podem
melhor lidar com suas inquietações existenciais. É preciso aprender a lidar com temas como a
morte e o envelhecimento. Nos contos de fadas são oportunizadas as convivências com as
nossas dificuldades humanas básicas. Bem como, tais contos de fadas oferecem dilemas
existenciais, com possíveis apreensões dos elementos importantes e as soluções dos problemas,
de forma bem simplificada, com personagens de fácil entendimento e decifração, capazes de
cometer as mais belas virtudes e as mais sórdidas maldades. Somos humanos demasiadamente
humanos! Os problemas morais são apresentados e demandam soluções e finais felizes! As mais
dolorosas angústias e os mais terríveis dilemas humanos são levados muito a sério: necessidade
de amor, medos de desvalorização, amor à vida e medo de morrer. O conto de fadas, por suas
imensas qualidades literárias, traz às crianças uma experiência de prazer, de encantamento e
fruição diante de uma obra de arte, agindo de forma singular para cada pequeno leitor e
trazendo significados impares aos que ouvem o mesmo conto de fadas, a depender do momento
em que vive. Os adultos que escolhem literatura para crianças precisaram ouvir os gostos das
crianças, elas saberão esclarecer o que precisarão ler ou ouvir. Há algo precioso em escolher
contos de fadas para as crianças eles as direcionam para o encontro com às suas identidades e
vocações, indicando caminhos ou experiências necessárias para o longo caminho de
estruturação do caráter. Trazem esperançosas lições para as adversidades da vida, elas serão
superadas, com a escolha do caminho do bem, dando força nas mais arriscadas empreitadas, as
futuras vitórias valem os maiores riscos. Longe de trazerem conselhos infalíveis e nem mostram
o mundo como ele é. Os contos de fadas exigem que o seu uso terapêutico se faça na busca de
cada um por suas próprias soluções. Cada um busque suas próprias verdades e soluções aos
seus pesares mais íntimos. Nos anos em que a criança permanece na Educação Infantil, dos três
aos seis anos, tendo a cada dia uma maior habilidade como falante da língua portuguesa,
domando as regras de sintaxe e expandindo o seu vocabulário, interessadas em tudo o que
envolve os atos de ler e escrever, os contos de fadas tradicionais e modernos são bastante
apropriados.
Isso nos leva, de certo modo, a eleger os textos dessa tradição como depositários desse mundo
encantado, e, com base nessas redes de sonho e imaginação, é possível agregar, em função das
mudanças históricas e sociais, elementos e espaços novos do universo infantil, que promovam
uma atualização das narrativas sem que se perca a fantasia, a tal ponto que não questionemos.
(SOARES, 2004, p. 40) E esta presença dos contos de fadas tradicionais e atuais na vida das
crianças deve muito ao fato da escola ter encontrado com a literatura e ter feito alianças que
não se desmancharam com o passar dos tempos, já há muitos séculos. Por mais que algumas
metodologias educacionais tenham primado por usos mais pragmático dos velhos ou atuais
contos de fadas não foram capazes de destitui-los desta maravilhosa viagem fantástica que
escutá-los ou lê-los traz aos seus pequenos leitores.
Os contos de fadas tradicionais são histórias advindas da tradição oral, recolhidas por escritores
como Perrault, os irmãos
Grimm, Andersen, entre outros. O maravilhoso atende a uma função literária e a uma função
psicossocial. Como os contos de fadas são exemplos das primeiras narrativas, ou seja, das
narrativas mínimas e de estrutura mais estável, o maravilhoso será o elemento mais propício
para a passagem de uma situação de equilíbrio para outra de desequilíbrio, ou vice-versa,
geralmente com o retorno ao equilíbrio inicial, modificado. (Khéde, 1986, p. 21). Enquanto obra
literária têm uma estrutura narrativa linear, em que a sequência da narração é igual à sequência
dos fatos, caracterizando a narrativa em ordem cronológica, a forma mais antiga de narrar,
herdada da literatura oral. Tais contos de fadas não apresentam nenhuma criação artística
individual existe, portanto, no plano da estrutura narrativa dos contos, isto é, na construção da
trama das ações que formam o enredo. Seria no plano da linguagem, no nível da manifestação,
ou seja, do estilo do narrador, que o artista dá a sua contribuição ao adaptar histórias de origem
folclórica. As narrativas populares devemos tais contos! Os contos de fadas tradicionais são
belas contribuições artísticas dos escritores, onde se usa o maravilhoso, o mágico, o humor,
baseados nas narrativas da tradição oral, colhidas por eles, primando pela criatividade, com
capacidade elogiável de produzirem uma comédia humana, antes da escrita, com a marca forte
do imaginário de suas épocas, capaz de colocar a magia dentro das situações mais cotidianas
das pessoas, potente o suficiente para unir a fantasia e o real, penetrando nos segredos da vida
familiar, vendo os conflitos, necessidades e cuidados, relacionados a vida doméstica. O termo
contes de fées é, todavia, estranhamente inapropriado, já que nem sempre existem fadas nas
histórias. Na verdade, ele foi criado para distinguir o que pertencia aos incultos e camponeses
do que era culto e aristocrático. Formulando um termo distinto, "conto de fadas' os escritores
também estabeleceram a distinção entre o que vinha diretamente da experiência e da luta social
e o que se transformou em fantasia. (CANTON, 1994, p. 33). Os contos de fadas, ganharam fama
com Perrault e por tais caminhos de sucesso foram seguidos pelos Irmãos Grimm (século XIX e
já tinham sido convertidos em sinônimo de literatura que agradava às crianças, determinando
uma escolha por histórias fantásticas, que aparecerão nos Contos, de Hans Christian Andersen
(1833), bem como na escrita clássica de Lewis Carroll, o comemorado livro Alice no país das
maravilhas (1863), assim como na escrita de Collodi, no conhecido Pinóquio (1883), e não sendo
diferente a escolha feita por James Barrie, em Peter Pan (1911). Partir do epicentro formado
pelos contos de Perrault implicou dirigir o foco sobre contos de fadas que tinham como cerne
dramas familiares, e não sobre chistes e charadas, sobre fábulas animais ou contos proverbiais
e admonitórios, frequentemente agrupados sob o título mais abrangente de contos de fadas.
(WARNER, 1999, p. 14).Os contos de fadas e os contos maravilhosos, ambos envoltos com a ideia
do maravilhoso, são as obras literárias que permitem bons encontros entre adultos e crianças,
desde dos tempos bem pequeninos. Neste incrível encontro, ao som de narrativas ou leituras
de livrinhos com suas belas imagens, as crianças vão sendo apresentadas à cultura dos seus
adultos mais significativos. Assim, é possível perceber que a vida não é simples, mas é possível,
temos o fantástico e o maravilhoso para aliviar as dores existenciais, sendo que os contos falam
até de intricados mecanismos sociais e econômicos. Contos são narrativas repletas de seres
maravilhosos, repletos de fantasia, em que um narrador apresenta personagens e o enredo, que
depois de muitas provações poderá chegar à um final feliz. E as fadas? São seres divinos, não
foram delineadas em seus aspectos físicos, mas as princesas, seres humanos, mereceram
requintes de descrição literária. As princesas dos contos de fadas poderiam servir de modelos
do comportamento às meninas e mulheres da burguesia. As fadas fizeram o seu acesso à
literatura, por intermédio das novelas de cavalaria, dos romances corteses, já que as Fadas ou
Damas com poderes mágicos, representavam diversas personificações, contidas no folclore
europeu e chegaram através dos colonizadores ao nosso país, Brasil. As fadas são seres
fantásticos ou imaginários, de grande beleza, que se apresentavam sob forma de mulher.
Dotadas de virtudes e poderes sobrenaturais, interferem na vida dos homens, para auxilia-los
em situações-limite. E como se perenizaram os contos do povo na literatura chamada de contos
de fadas? Através do esforço artístico do poeta burguês francês para perenizar sua ideologia. Já
quando se buscam os significados das funções femininas se descobre que muitos elementos
foram esquecidos ou propositalmente preteridos pela educação burguesa, poderão ainda ser
recuperados. Tudo depende dos valores predominantes na sociedade. Isso demonstra a
materialidade mutável deles. Os contos de fadas possuem vasta eficiência literária, conseguindo
demonstrar o máximo de rendimento emocional com um mínimo de manifestação verbal. E
capaz de comunicar muito com pequenas frases, demonstrando fortes impactos emocionais.
Não abrindo mão da verosimilhança (parece com o real), mesmo em cenários improváveis e
mágicos. Quanto à real interferência dos padrões sociais característicos daquela época em que
cada conto foi escrito (chamado de tempo da enunciação) fez com que aquele discurso do
narrador (chamado de enunciado) fosse definido, através de
doisnobjetivos: dirigir- se a um determinado tipo de receptor (a criança) e transmitir um
determinado código moral (a ideologia familista burguesa). Por isso a linguagem é ao mesmo
tempo simples como a dos narradores populares e literariamente trabalhada como a dos poetas,
para que o prazer da leitura (função poética da linguagem) facilitasse a recepção da mensagem.
(MENDES, 2000, p. 116). Os contos de fadas tradicionais são adaptações ricas e contraditórias
em que o artista procura ser fiel aos ritmos, aos tons e aos espíritos dos contos, O que não
representa que elaboração de um autor como Perrault não tenha sido bastante requintada. Os
efeitos desejados são obtidos com extraordinária economia de recursos, astúcia na construção
do texto e achados verbais de rara sutileza. Os contos de fadas podem ser definidos quanto ao
seu característico estilo literário, que envolve o seu receptor, ou seja a criança, levando em
consideração que os alicerces da sua estrutura discursiva eram os papéis sociais determinados
pelos adultos. E o objetivo dessa estrutura era a moralização dos hábitos femininos, desde a
infância até a maturidade. Os tais iniciais contos populares foram sofisticados, atraindo mais
leitores da classe hegemônica, entre os nobres e burgueses. O conto popular iniciou produziu
figuras inesquecíveis. As primorosas adaptações literárias dos contos, assim essas figuras
deixaram o universo da tradição folclórica em que viviam e se tornaram 'criações artísticas'. Há
três séculos elas habitam a imaginação de crianças e adultos nos mais diferentes rincões.
Bettelheim (1980), na obra já anteriormente comentada, A psicanálise dos contos de fadas,
esclarece as identificações de tantas gerações para os mesmos contos de fadas, contados e
recontados em tempos tão dispares e por povos tão pouco semelhantes. O herói (ou a criança)
parte para o mundo e poderá se encontrar, assim encontrara também o outro com quem será
capaz de viver feliz para sempre; isto é, sem nunca mais ter de experimentar a ansiedade de
separação. Este autor entende que o conto de fadas é dirigido para o futuro e orienta a criança
leitora, consciente e inconscientemente a abandonar seus desejos de dependência infantil e
conseguir uma existência mais satisfatoriamente independente. Freud (1908), em uma
importante obra dele, Escritores criativos e devaneios, indaga pela genealogia do material
criativo produzido pelos escritores, e questiona se estes primeiros traços de atividade
imaginativa estariam circunscritos na infância. Na percepção freudiana, os poetas e os escritores
criativos costumam, nas suas elaborações escritas, criar um mundo particular para si mesmos e
costumam acomodar este mundo novo aos seus próprios prazeres, reajustando as tensões,
tornando agradável os fatores que provocam desagrados. Quanto as crianças, estes
privilegiados leitores e ouvintes dos contos de fadas tradicionais, nos variados tempos e em
muitos lugares diferentes, de forma similar aos escritores criativos buscam no brincar da criança
a realização de um desejo que percorre toda a infância: querem/desejam ser grandes e adultos.
Santa Roza acredita que, neste trabalho publicado em 1908, o brincar é visto como uma das
primeiras manifestações da fantasia, um precursor da atividade imaginativa que rege a
produção literária e poética. Assim, vemos uma pista para entender as razões ou as desrazões
que levam a popularidade dos contos de fadas tradicionais entre o público infantil. Seus hábeis
escritores respondem às questões íntimas das crianças ao pensar ou ao sentir que melhor seria
a vida se fossem adultos. E o que lhe trazem os contos de fadas? Muitos fatos relacionados as
vidas dos pais, das madrastas, das mocinhas, dos rapazes, do amor, da morte, da dor, das
perseguições, dos sentimentos mais atrozes e das maiores felicidades ao final. Na visão
psicanalítica, a antítese de brincar não seria o sério, mas o que é real (Freud, 1908). Freud
acenava, seguramente, a esse real como a realidade dos adultos. Para Freud, o poeta e a criança
que brinca ocupam-se da mesma tarefa, ou seja, da criação de um mundo fantástico e que é
movido com a maior seriedade pelos dois. O que em si não implica que as crianças e os escritores
criativos confundam este mundo que lhes é com a realidade. Nesta obra de 1908, Sigmund Freud
defende que a irrealidade do mundo poético (é certo que o que escrevem os escritores criativos
não é a realidade!) produzem suas consequências sobre as técnicas artísticas, porque muito do
que, sendo real, não traz nenhum prazer, a realidade se impõe relutante contra a fantasia, mas
nada impede que ao escrever os escritores criativos e os poetas colaborem com as crianças, ao
revelar em seus personagens tantas emoções dolorosas e que se tornam em si mesmas fontes
de prazer para as crianças que tomam conhecimento de suas obras ou ao público em geral de
poetas e escritores criativos. Na impossibilidade de ser adulto aqui e agora, o brincar, e também
o ler ou ouvir contos de fadas tradicionais, as crianças são capazes de efetuar esta fantasia
possível e embarcar nos contos maravilhosos e seus personagens adultos. A diferença entre o
brincar e a criação literária reside no fato das crianças estarem impossibilitadas de exerces seus
desejos de poder e amor, só consegue fazer algo neste sentido através do faz-de- conta. Freud
afirma que o desejo que dirige o brincar da criança é o de tornar-se adulto. Esse desejo é regido
pela ilusão de que o mundo adulto proporciona a realização das fantasias. Freud (1908) entendia
que os escritores de romances, contos e histórias, nas criações deles, é possível encontrar,
inicialmente, a seguinte e essencial característica: todos criam um protagonista, constituído
como foco de interesse, que é atingido de inúmeros modos em um dado capítulo, são inúmeros
padecimentos e já no próximo capítulo da obra já é possível vê-lo restabelecido e na luta. Mal
saiu aos destroços em um primeiro volume da obra e já será possível ler que o herói, na obra
seguinte, conseguiu um resgate milagroso. Os leitores respiram sossegados! O herói destemido
e forte vence todos os obstáculos inimagináveis. Freud entende que este sinal de
invulnerabilidade, ou seja, está sempre lá no herói em sua integridade, em uma próxima página
de um conto, neste sinal de invulnerabilidade conjuga bem com o esforço que cada um de nós
(sua majestade o eu que vive em cada um de nós) persiste em viver. Cada um de nós é um herói
de todos os sonhos e de todos os contos, romances e histórias contadas as crianças. O fato do
herói contar em circunstâncias de intensos conflitos com o apoio de algum ser sobrenatural,
vindo ao seu socorro e solucionando imensas dificuldades e riscos é definidora dos contos de
fadas. E quem seria o herói? É aquele personagem que passa e suporta "amplas aventuras e
obtém vitória nas adversidades surgidas. Por isso ele é considerando o personagem principal,
cujas ações, pensamentos e sentimentos acompanhamos com maior interesse. O herói é
também chamado protagonista da história. Voltando ao Bettelheim (1980), com os
entendimentos freudianos, aqui anteriores, vai ficar mais inteligível que os contos de fadas
tradicionais ou contos maravilhosos podem ser definidos como auxílios essenciais para todos os
desafios existências que as crianças passam, ao longo de suas infâncias.
Os contos populares deste período medieval são fiéis em representar seus duros tempos. A
crueldade vai do marido que destratam as mulheres (em Grisélides), pai que deseja sua filha
(Pele de Asno), tempos de fome e abandono dos filhos (em João e Maria) e hábitos
antropofágicos de alguns povos medievais (em João e o Pé de Feijão). Na Idade Moderna tais
horripilantes e violentos traços medievais foram amenizados pelos celebrados publicadores dos
contos coletados e adaptados às suas épocas, nos séculos XVII e XVIII, Perrault e Grimm. O
declínio dos contos de fadas coincide com a chegada da Revolução Francesa, momento histórico
em que são confrontados os interesses das classes superiores e das classes inferiores. Com
grande influência entre os séculos XVII e XVIII, na Europa, foram trazidos para as Américas, no
do século XIX. Os valores e comportamentos-padrão estabelecidos pelos contos de Perrault
exerceram e continuam a exercer poder sobre a forma como lemos e interpretamos contos de
fadas hoje em dia, seja por intermédio das coleções ilustradas para crianças, das versões
cinematográficas de Walt Disney, dos anúncios de televisão ou de outras utilizações nos veículos
de comunicação de massa. (CANTON, 1994, p. 94-98). O Conto de fada pode referir-se aos mitos
de muitos povos. Um conto como Chapeuzinho Vermelho, com aparições semelhantes entre
diversos povos, centra sua origem no mito grego Cronos, capaz de engolir seus filhos e com um
final tranquilizador e marcado pela saída deles de dentro da barriga do pai. E esta temática,
retorna no século XI, em Fecunda Ratis, um conto maravilhoso de uma menina que usa um capuz
vermelho e foi devorada pelo lobo, mas consegue escapar no final e encher a barriga dele de
pedras.
Os Contos de Fadas Renovados narram histórias, que podem ter elementos dos contos
tradicionais, renovando-os e adaptando-os às nossas características sociais e aos contextos
sócio-históricos contemporâneas ao momento em que alguém lida com tal conto renovado. O
conto de fadas tradicional pode ser renovado, mas não desfigurado totalmente, bem como deve
manter o elemento da magia, essencial aos contos de fadas. Inúmeros usos no cinema, no teatro
e na TV acontecem com esta materialidade dos contos de fadas, renovando-os: Estas
transformações foram incorporadas internacional e interdisciplinarmente, já que os contos
foram escritos de diversas maneiras, narradas em diferentes línguas e encenados sob variadas
circunstâncias. Quando um novo produto cultural - seja um livro, um balé, ou uma peça de dança
- teatro contemporâneo - utiliza o conto de fadas como paradigma, estabelece um diálogo,
mesmo que não exclusivo, com Charles Perrault e a França do século XVII e com os Irmãos
Grimm na Alemanha do século XIX. (CANTON, 1994, p.59). Quando um escritor produz um novo
conto de fadas está realizando uma revisão estética e contando uma história que vai além da
trama literária, abrindo a possibilidade para o autor fazer suas ponderações e interpreta-lo.
Como em um jogo, a paródia de histórias antigas configura na tentativa de inovação de
convenções, tanto do ponto de vista formal quanto de seu conteúdo. Novos contadores de
histórias assimilam referências ancestrais e as modificam, apresentando soluções condizentes
com seu tempo, daí a validade da releitura desses contos. (ALBERT, 2006, p.41)
Os contos de fadas renovados como obras literárias criativas são obras vinculadas à inovação e
apresentam formas inusitadas, com firmes propósitos de exploração de linguagens que façam
rupturas e sérios questionamentos ideológicos e de visões de mundo e realidade. Por isso, o
valor literário tão-somente emergirá da renúncia ao normativo, o que implica abandono do
ponto de vista adulto, ampliação do horizonte temático de representação e incorporação de
uma linguagem renovadora, atenta ao discurso da vanguarda, às modalidades da paródia, enfim,
acompanhando a evolução da arte literária, que se dá sempre como ruptura e não como
obediência. (ZILBERMAN, 2003, p. 69). Com os contos de fadas renovados, os escritores
assumem o risco de questionar os usos pedagógicos dos contos de fadas, não se desprendendo
do fato deles serem obras de arte. Terá que mover esforços para trazer nova roupagem para os
contos de fadas, historicamente, fechados e degastados. Vale o esforço de escreverem com
originalidade, reutilizando o gênero e acrescentando elementos de questionamentos e críticas.
Enquanto os lugares em que os personagens dos contos tradicionais circulam são extremamente
rurais e viviam em um tempo remoto, em um Era uma vez, os contos de fadas renovados podem
trazer personagens vivendo em cenários urbanos e bastante contemporâneos, sendo que são
releituras dos contos de fadas tradicionais. Ainda que os personagens falem sobre este contexto
urbano e contemporâneo. Um bom exemplo é a obra história de Cinderela: uma biografia
autorizada (2004), nesta obra as personagens são garotas que mostram camisetas com
estampas do príncipe. As imagens bem contemporâneas são transmitidas, através dos
comerciais de roupas íntimas, imagens nos álbuns de família, madrastas e filhas flagradas pelas
lentes de um paparazzi numa ilha tropical, recortes de jornais, todos elementos presentes no
cotidiano atual. Neste conto de fadas renovado, são visíveis mudanças estéticas e
comportamentais comparadas a velha Cinderela, dos séculos XVII e XVIII. Cinderela é chamada
pelo codinome Cin'. Ela é uma garota moderna, do seu tempo, não inocente, muito
independente, nada frágil, nem padecendo de sérios sofrimentos. A semelhança com os contos
de fadas tradicionais está no começo do conto renovado: Era uma vez uma moça que se
chamava... bom, o nome de verdade não importa. As personagens do conto de Mastroberti
possuem alguns traços semelhantes às das versões da Cinderela, mas em nenhuma delas é
possível apontar uma correspondência plena com os papéis previstos. O narrador deste conto
de fadas renovado é diferente dos contos de Perrault e Grimm. É narrador-testemunha. Conheci
Cinderela menina ainda, quando morava na mesma ia em que estabeleci meu negócio. Bons
tempos aqueles, quando os ricos tinham não só muito dinheiro, mas muita, muita classe. A
família enfrentará problemas, a mãe dela morrerá e a futura madrasta já não parece com a má
esposa do pai dos contos de fadas tradicionais. O conto de Mastroberti, através da renovação,
e, ao contrário da padronização dos contos de fadas tradicionais, mostra Cinderela vencedora
de todos os obstáculos enfrentados. O Príncipe quer ser monge no Tibet e não se entende bem
com o pai e até chora. O conto renovado costuma questionar os papeis dos contos tradicionais.
A paródia, como se sabe, serve à crítica que resulta na inversão de pontos de vista e no
questionamento dos modelos parodiados. E até mesmo aquela frase comum aos contos de
fadas, 'Foram felizes para sempre', é diferenciado nos contos renovados. O cargo de Princesa
lhe prometia ser muito pesado. Mesmo Sua Alteza tinha suas recaídas e de vez em quando
voltava a falar do Tibete. Os contos renovados comportam temas e estratégias dos contos
tradicionais, levando-os para novidades, amalgamando-as a novos processos. O conto renovado
rever os clássicos contos de fadas para tratar de assuntos atuais. A exemplo das contadoras de
histórias de outros tempos, a autora realiza o rito de permanência de tradições, trazendo para
seus receptores atuais novos recUrSOS naITatIVOs. É característico dos contos renovados, as
alterações com relação ao enredo do conto tradicional, ocorrendo a intertextualidade (aquela
influência de um texto sobre outro) e mistura de estilos, com a presença de um narrador que
está atento e dialogando com quem lê, apresentando linguagem renovada, reflexiva, desafiante,
humorada e com a presença da fantasia, prazerosa, interativa, revisitando e aproveitando as
formas e os temas antigos, restringindo aquelas antiquadas lições de moral. Além de alargar
vários limites entre diversos gêneros e estilos, realizando uma ruptura com a realidade
contemporânea, chamando os leitores do conto renovado para repensar e criar, diante do novo
texto e a partir do momento presente e da própria sociedade em que vivem, que podem levar
aos questionamentos dos problemas e desigualdades da nossa realidade social, na busca pelo
novo. O autor de um conto renovado busca um encontro com os acervos de contos de fadas que
já são conhecidos pelos leitores. E o que se dá com o leitor do conto renovado? Reconhecendo
a fórmula do conto clássico e detectando a inversão, o leitor percebe que, por trás do conto
Cinderela: uma biografia autorizada, existe um questionamento da ordem vigente. No Brasil da
década de 1970, aconteceu uma vibrante movimentação pró-renovação do conceito de
literatura Infantojuvenil. No bojo destas transformações, eis que os contos de fadas cresceram,
foram renovados e tais frutos chegarão aos dias atuais, ganhando maior qualidade gráfica e
artística. Os autores foram sendo notabilizados por suas fabulosas obras, dialogando com os
seus vastos leitores, infantis e até adultos. As magias de tais contos de fadas renovados tinham
o objetivo de modificar a realidade.
Colasanti, no livro Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento (1978), em um período muito
delicado da vida nacional, em tempos sombrios e ainda longe dos tempos de redemocratização,
eis que surge uma obra, com vários elementos próprios dos contos de fadas tradicionais, como
os personagens (o rei e a rainha), o cenário (o castelo), o elemento maravilhoso (o unicórnio), a
atmosfera medieval. Ressurge o velho fantástico dos contos de fadas antigos, criado por Marina
Colasanti dialogando com fontes originais do conto de fadas, contestando-os também.
Marina Colasanti, em outro livro, Uma ideia toda azul (publicado em 1979), traz na sua escrita
um retorno à literatura infantil, com os reis rainhas, princesas e fadas, os habitantes dos contos
tradicionais. Em duas obras desta autora brasileira, primeiro na obra Uma ideia toda azul e
também na obra Doze reis e a moça do labirinto do vento (1983) existem personagens reis,
rainhas, princesas, fadas, tecelãs, sereias e unicórnios, os cenários remontam aos palácios e
espelhos. Algumas florestas e torres aparecem no texto sem ter qualquer compromisso com a
realidade ao redor. Com uma escrita bem simples, melodiosa e linear, repleta de lições
existências, para problemas tão contemporâneos ao viver da autora: solidão, morte, tempo e
amor. Sem saber o que fazer, a princesa pegou o alaúde e a noite inteira cantou sua tristeza. A
lua apagou-se. O sol mais uma vez encheu de luz as corolas. Outras obras, neste período
histórico e repressivo, apostaram neste projeto com o objetivo de desmitificar as criaturas do
reino das fadas. Elementos advindos dos textos de Perrault e Grimm forma repensados como
metáforas de graves situações sociais ou psicológicas. Tais visões contra o maniqueísmo destes
antigos escritores que vão surgem interpretações questionadoras brasileiras. A fada que tinha
ideias e Soprinho, de Fernanda Lopes de Almeida, A fada desencantada, de Eliane Ganem,
História meio ao contrário, de Ana Maria Machado, e Onde tem bruxa tem fada, de Bartolomeu
Campos Queirós.
Já Haroldo Bruno (1979), na sua obra O misterioso rapto de Flor-do-Sereno, criou uma narrativa
apoiada na linguagem popular e oral, aproximada da novelística medieval (novela arcaica) e ao
mesmo tempo do romance de cordel literatura nordestina com elementos da novelística
medieval, trazida pelos colonizadores). Seus títulos já são encantadoras narrativas O rapto da
meiga e branca Flor-do-Sereno, com a casa sendo violentamente atirada nos ares e outras
desordens do natural. De como o mágico Segismundo-corre-mundo sabe do endereço do
monstro. Sazafrás pela inscrição de fogo que se abre num céu de estrelas e relâmpagos.
É bom não esquecer que os contos de fada ou contos maravilhosos de Perrault, Grimm ou
Andersen, ou as fabulas de La Fontaine, praticamente esquecemos (ou ignoramos) que esses
nomes não correspondem aos dos verdadeiros autores de tais narrativas. Não se deve desprezar
e é necessário reconhecer, ao percorrer a história da literatura, de modo geral ou
especificamente, a história da literatura feita para o público Infantojuvenil, que os clássicos
infantis, estes maravilhosos contos de fadas tradicionais, devem ser reconhecidos, a partir de
seus ancestrais ou de sua célula-máter: a Novelística Popular Medieval que, por sua vez, tem
suas raízes mais remotas em certas fontes orientais (India) ou, mais precisamente, indo-
europeias. Arqueólogos, no século XIX, conduzindo importantes escavações na Itália,
encontraram evidências de que alguns lendas e histórias ditas como criadas eram histórias
verdadeiras, nas cidades italianas de Herculano e Pompeia evidências, no ano 79 d.C. (da nossa
era comum). Posteriormente, outras escavações em Tróia, encontram hieróglifos egípcios
reveladoras de produções antes de nossa Era comum (a.C). Isso motivou a busca por elementos
das culturas populares, guardadas nas memórias dos povos em diversos países da Europa e das
Américas, entre eles o nosso pais, Brasil. O material coletado reunia contos maravilhosos,
narrados pelos povos, patrimônio cultural imaterial destes povos falantes de diversas línguas e
que memorizaram e narraram histórias diversas e entre tais narrativas estavam Chapeuzinho
Vermelho, A Bela Adormecida e a Gata Borralheira.
Os contos de fadas são produções artísticas de uma das espécies literárias, pertencente ao
conjunto vasto de narrativas infantis, que são comumente ajuntadas quanto à origem, em
folclóricas e artísticas. As folclóricas são formadas de histórias criadas coletivamente pelo povo
em diferentes épocas, como fábulas, contos populares, lendas e contos de fadas tradicionais.
Quanto as artísticas, reúnem obras assinadas por autores, abarcando contos de fadas modernos,
textos infantis que, por sua brevidade, simplicidade e enredo e relação estreita entre discurso e
imagem, são denominados histórias cutas e narrativas formadas somente por imagens. Estas
extraordinárias pesquisas revelaram sobre as origens das narrativas orientais uma fonte anterior
a Cristo (a.C), na Índia, e que embasará outras fontes como a latina (greco-romana) e também a
céltico-bretã (verdadeiro nascedouro das encantadoras e amadas fadas). Fadas: são os seres que
fadam, isto é, orientam ou modificam o destino das pessoas. Fada é um termo originado do
latim fatum, que significa destino. Se as fadas são o símbolo do poder feminino, as princesas e
as camponesas que se tornam princesas são o símbolo da fragilidade, que deveria caracterizar
as mulheres terrenas, seres humanos submissos às contingências do destino e à moral
determinada pela sociedade. O poder divino das fadas e o poder masculino dos príncipes
deveriam comandar a sua vida. Bela Adormecida, Chapeuzinho Vermelho, Cinderela, a esposa
de Barba Azul, a filha bondosa, a princesa linda e estúpida, todas são personagens marcadas
pela fragilidade, que deveria ser a característica das mulheres e das crianças na sociedade
patriarcal. (MENDES, 2000, p. 129) Uma das pérolas encontradas e que pode ser vista como as
origens dos tradicionais Contos de Fadas e que estavam no manuscrito egípcio, localizado na
Itália, no século XIX, com atestados 3.200 anos de existência, anteriores as fontes indianas, era
o conto Os dois Irmãos. Com uma interessante narrativa e não incomum ao imaginário
nordestino brasileiro, em que uma mulher deseja comer a língua (ou o figado de um boi
estimado.
Foram várias publicações e que foram reunidas em 1785, compondo 41 volumes de diversos
autores, notabilizadas no século XVIII. Assim, é possível diferenciar os contos tradicionais, que
remontam aos povos do oriente, recitados e posteriormente escritos, da Índia para o mundo
Árabe, da publicação Árabe, daqueles outros e renomados escritores, a partir do século XVII e
XVIII na Europa, como Perrault, Grimm ou Andersen, das produções dos contos de fadas
modernos. É interessante observar e valorizar que os Contos Populares, provenientes da
tradição oral popular, perpetuados às novas gerações através da memória oral dos povos, foram
incansavelmente preservados e difundidos de forma oral. O importante estudioso russo Propp
(2001) ficou notabilizado por sua instigante pesquisa sobre as coincidentes narrativas, nos
contos maravilhosos, presentes em povos distintos e que jamais teriam tido qualquer
convivência. Ele indagava: Como explicaria que a história da princesa-rã se assemelhe na Rússia,
Alemanha, França, India, entre os peles-vermelhas da América e na Nova Zelândia, quando não
se pode provar historicamente nenhum contato entre esses povos? Seus estudos foram
essenciais para a compreensão de que muitas histórias apresentavam sequência de ações ou
funções narrativas muito semelhantes. Propp começoua indagar se haveria uma única origem e
fonte comuns aos povos, ainda que levando em conta suas distintas versões e seus temas
diferenciados. Isso conduz as pesquisas de Propp a seguinte pergunta e muitos
desdobramentos: Os contos folclóricos possuem uma origem comum e somente uma fonte de
onde todos surgiram, apesar dos diferentes temas e diferentes versões? A resposta para essa
pergunta só foi encontrada anos mais tarde, quando o linguista se dedicou à pesquisa das raízes
históricas dos contos maravilhosos (Propp, 1983). O resultado dessa pesquisa foi a descoberta
da suposta fonte comum: as práticas comunitárias dos povos primitivos. Entre essas práticas
destacam-se os ritos de iniciação sexual e as representações da vida após a morte. Para o autor,
esses dois motivos explicam a existência de dois ciclos de contos, dando conta da quase
totalidade das histórias hoje chamadas contos maravilhosos ou contos de fadas. (MENDES,
2000, p. 23).Conhecer esta história implica na necessidade de valorizar às fontes orais populares.
Propp foi relacionando os ritos dos povos, comparando-os aos contos de fadas e contos
maravilhosos, definindo que os mais velhos tinham papéis definidos, nos ritos de passagem,
tendo a responsabilidade de narrar para os jovens, em momentos anteriores às iniciações deles,
como uma condição indiscutível para ter acesso as suas responsabilidades adultas. O
nascimento do herói é acompanhado, em geral, de uma profecia sobre seu destino. Antes de
que se teça a intriga, já se revelam os atributos do futuro herói, defendia Propp sobre o herói
dos contos maravilhosos que analisou, com bastante atenção. E tal frase poderia ser uma
afirmação sobre os que passam pelos rituais de iniciação? Sobre os ritos de passagens, haviam
as narrativas passadas em segredo, tais narrativas eram relatos daquelas etapas que tais jovens
passariam nos rituais que os levariam aos seus devidos lugares nas suas comunidades primitivas.
Os adultos narradores já teriam passado por estes ritos e outros adultos antes deles também,
geração após geração. A narrativa tratava do ancestral mais antigo deles, adultos e dos jovens,
aquele que teria dito a responsabilidade de criar tudo: a raça e os costumes perpetuados. A
narração, que revelava ao neófito o sentido das práticas a que se submetia, fazia parte do ritual
e não podia ser divulgada. Era um segredo entre iniciador e iniciado, uma espécie de 'amuleto
verbal', que dava poderes mágicos a quem o possuía. E essas narrações foram-se transformando
nos mitos das sociedades tribais, conservados e transmitidos como preciosos tesouros,
instrumentos sagrados indispensáveis à vida da comunidade. (MENDES, 2000, p. 24) E para o
que serviriam os Contos Populares? O que teria levado tais povos, por gerações sem fim ao zelo
pela preservação? Na verdade, trata-se de um ato de prazer, cuja finalidade é exatamente fugir
aos hábitos rotineiros que marcam a monotonia da vida cotidiana. Tais povos entendiam que
um determinado conto popular, que além de tê-los ouvido na infância, mobilizou as suas
próprias ações de aprendê-lo, serem capazes de realizar excelentes e envolventes narrações,
destinadas aos seus filhos e netos, pelo simples fato de acreditarem que o conto seria um agente
de transmissão de valores éticos, conceitos morais, modelos de comportamento e concepções
de mundo. Revisitando os nossos contos tradicionais brasileiros encontramos narrativas
próprias do Brasil, de autoria anônima, de domínio popular e oferecidas às crianças e aos
adolescentes. E vale relembrar que outros tantos contos foram transmitidos pela tradição oral
nas várias regiões do Brasil, são variantes de relatos trazidos pelos povos que compõem a etnia
brasileira. E para o que servem os refinados contos de fadas, pós século XVII? Os esforços das
narrativas orais populares não deveriam ser mais valorizados, implicando até em pesquisa das
narrativas orais do povo brasileiro, trazendo-os para perto das novas gerações? Os Contos de
fadas tradicionais, assim denominados, são o resultado de pesquisa de consagrados autores
europeus, colhidos junto aos povos que os mantinham preservados, na oralidade e os remetiam
aos seus descendentes que acabavam por decorá-los e recitá-los, indiferente ao fato de não
saberem ler e escrever. O que seria semelhante entre as famosas histórias infantis de Perrault,
dos Irmãos Grimm e de Andersen: Seria que estes diferentes autores, agindo em tempos e
culturas distintas, é o fato de conseguirem o êxito de pesquisar e imortalizar com suas
publicações o imaginário de crianças e adultos de seus países.
Aqueles antigos contos de fadas, narrados ao pé da lareira para afugentar o tédio dos afazeres
domésticos, foram transplantados com grande sucesso para o quarto das crianças, onde
florescem na forma de entretenimento e edificação. E, assim constituíram-se um poderoso
legado cultural transmitido de geração em geração, fornecem mais que prazeres amenos,
enlevos encantadores e deleites divertidos. Contêm muito de "doloroso e aterrorizante". Tais
celebradas obras dos Irmãos Grimm e de Hans Christian Andersen tocaram, através dos tempos,
as mais diversificadas infâncias, pelo mundo. Nossos desejos mais profundos, bem como nossas
angústias mais arraigadas, misturam-se ao folclore e nele permanecem através de histórias que
ganham a predileção de uma comunidade de ouvintes ou leitores. E inegável que os contos de
fadas, com uma estrutura com começo, meio e fim bem nítidos ajuda a criança a compor uma
visão sobre a vida, que ela não tem como experiência e compreender em sua diversidade.
E isso precisará ser bem e habilmente valorizado. Se por um lado, existiram e existem seus
leitores encantados, sempre tiveram que enfrentar críticas ferrenhas. É, fundamental, não ser
esquecido na hora de fazer qualquer análise crítica dos usos de tal tipo de literatura infantil, que
os Contos de Fadas devem ser encarados como consideráveis depósitos de um consciente e um
inconsciente culturais coletivos. Assim, é um objeto cultural privilegiado! Já é reconhecido seu
intenso valor terapêutico, pelos psicólogos e psicanalistas. Bruno Bettelheim (1980) ressalta que
estes contos de fadas, ensinam às crianças que é salutar e inevitável lutar contra imensas
dificuldades na vida. O conto de fadas é apontado para o futuro e dirige a criança, em termos
que ela pode entender tanto na sua mente consciente quanto na inconsciente - a abandonar
seus desejos de dependência infantil e a alcançar uma existência independente mais satisfatória.
Esta autonomia da criança com tal material ninguém anula. Muitos psicólogos infantis usam
estes contos de fadas e os avaliam como poderosos veículos terapêuticos para ajudar crianças
e adultos a resolver seus problemas meditando sobre os dramas neles encenados. Os textos
possuem uma capacidade para serem usados como instrumentos facilitadores para enfrentar os
medos, lidar com os sentimentos mais hostis e os desejos prejudiciais. Ingressando no mundo
da fantasia e da imaginação, crianças e adultos garantem para si um espaço seguro em que os
medos podem ser confrontados, dominados e banidos. Um conto de fada traz uma possibilidade
de extração de prazer na dor, dando vida às figuras sombrias de nossa imaginação como bichos-
papões, bruxas, cambais, ogros e gigantes, os contos de fadas podem fazer aflorar o medo, mas
no fim sempre proporcionam o prazer de vê-lo vencido. Tatar (2013) lembra que o filosofo
Walter Benjamin teria louvado os heróis e heroínas dos contos de fadas, declarando que a coisa
mais sábia - assim o conto de fadas ensinou à humanidade nos velhos tempos, e ensina às
crianças até hoje – é enfrentar as forças do mundo mítico com astúcia e bom humor.
Eis um legado a ser mantido! Foi Walter Benjamin quem levantou a questão de que a moralidade
referendada nos contos de fadas não está isenta de complicações e complexidades. E isso se
evidenciou quando os primeiros comentadores dos contos de fadas não demoraram a perceber
que seus ensinamentos morais nem sempre coincidiam com os programas didáticos
estabelecidos pelos pais. Seria banal apresentar tal rico legado da humanidade, para uma
criança, somente tendo como finalidade as morais das histórias. Uma outra crítica seria uma
tendência de diversos personagens dos contos de fadas parecem estar sempre perseguindo a
boa fortuna à custa da mentira, da trapaça ou do furto. Muitos críticos esperariam que os contos
de fadas, escritos para crianças, deveriam ser uma orientação moral clara, positiva, junto com
mensagens de fácil compreensão.
Existiu, no nosso país, uma necessidade de construção de uma política pública de fomento da
leitura entre crianças e adolescentes. Assim, o governo brasileiro construiu diretrizes e isso exige
assumir seus compromissos na formação de leitores, nas camadas mais jovens da nossa
sociedade, criando possibilidades de acesso aos mais empobrecidos. Isso implica eficazes ações
governamentais e dos educadores para a formação de leitores infantojuvenil. O que representa
um extenso trabalho. Formar-se como leitor é adquirir cultura literária, definir preferências de
gêneros literários, de autores, ousar conhecer escritores desconhecidos, explorar temáticas
inatuais, fazer um catálogo de 'clássicos pessoais. Como é possível selecionar obras que possam
corresponder às necessidades do leitor infantojuvenil, observando critérios estéticos e
ideológicos, com as distintas diferenças socioeconômicas brasileiras? São justamente as
políticas públicas de fomento à leitura que irão disponibilizar os livros.
É essencial levar em conta que toda política da representação requer uma estética da identidade
a fim de que os indivíduos e os grupos se reconheçam como iguais em suas diferenças. Assim
como toda política da identidade requer uma estética da representação para que os indivíduos
e os grupos se reconheçam como tais em suas diferenças. (SOARES, 2007, p. 61) Ao mesmo
tempo que a Literatura representa a fantasia e o sonho, também vai relevando as dores
existências humanas, bem como os nossos lados humanos mais obscuros. Necessitamos desta
materialidade em nossas vidas. Escritores como Lygia Bojunga, Luiz Raul Machado e ilustradores
como Rui de Oliveira escolhem mostrar o humano naquilo que tem de contraditório, de escuro,
impenetrável, por vezes, e o fazem com delicadeza, sem escândalo, em comunicação intima com
a criança leitora. (LACERDA, 2007, p.56). Lacerda entende que estes autores trazem à tona, nas
suas reconhecidas escritas, personagens na plenitude em relação aos sentimentos
contraditórios que experimentam. Entre ir e ficar, liberar e prender, compreender e castigar,
trazendo aos pequenos leitores, como na obra de Lygia Bojunga Nunes, oportunidade deles se
depararem com as questões éticas e a falta delas e suas consequências. A literatura
infantojuvenil, tanto quanto qualquer outra literatura sabe e partilha o que sabe; ela é
cumplicidade e confiança, mesmo e principalmente, nos desvios que conduzem à perdição do
humano. Ela não deixa o leitor desamparado pelos caminhos em que vai pisando. A literatura
presta seu apoio ao desvendar muitos temas aos leitores. Ao não se esquivar dos temas
polêmicos, a literatura que também as crianças e jovens podem ler exerce esse papel vigoroso.
Ninguém poderá duvidar da fortaleza que as palavras escritas trazem. As ideias contidas nas
palavras circulam e seduzem, redefinem valores e geram novas formas de pensar e agir. Cabe a
cada um de nós criarmos as condições para que elas caminhem entre mais e mais brasileiros.
Existe uma necessidade de levar ao público infantojuvenil um potente e diversificado acervo de
livros, para a maioria da população mais desfavorecida socioeconomicamente e que estudam
em escolas de educação infantil e de Ensino Fundamenta públicas, no Brasil. As escolhas dos
livros vão exigir critérios de escolha, com clareza estética e ideológica. Estas conquistas
brasileiras são muito significativas para um país como o nosso. Nosso país é reconhecidamente
um país com poucas e precárias bibliotecas, não dispomos de um número considerável de
livrarias. E os livros são bem caros para a grande parte da população empobrecida, dificultando
o acesso do público infantojuvenil.
Outro ponto considerável é que já existem publicações, em uma escala menor, mas em
produção no Brasil, levando questões relativas aos temas que envolvem posicionamentos
ideológicos e que costumam até ser tabus como medo, morte, separação e abandono. Os
autores que produzem tais livros enfrentam corajosamente tais publicações, por decidirem que
são temas importantes, para a formação dos futuros leitores. E os professores que escolhem
tais obras devem ter a clareza que apostam em oferecer, embutidas nas narrativas, a pretensão
de oferecer a discussão de importantes valores aos leitores mirins. Que criança não
experimentou a morte de um ser querido? Que criança, na sociedade contemporânea, fica
afastada de um noticiário em que a morte é página banal, ou de uma diversão em que a violência
dá a cartada inicial? E os desejos imperiosos que não distinguem idade para se instalar? O desejo
de matar um irmão, a vontade de fazer algo terrivelmente proibido? (LACERDA, 2007, p. 62)
Outro aspecto significativo é que desde o final do século XX, no brasil, começa a persistir uma
ideia de produção editorial voltada para os chamados temas transversais, entendidos como
importantes pelos professores que os escolhem para serem lidos nas escolas e já são apreciados,
tanto pelos professores, como pelos seus alunos, na escola. Escolher um tema transversal é
tomar um claro posicionamento ideológico. Magda Soares, reconhecida autoridade em
questões relacionadas a alfabetização e letramento, reflete sobre o repetitivo e exaustivo
recurso de escolha de temáticas para as narrativas de livros infantojuvenil, que devem ser
repensadas, substituídas ou minimizadas. São as repetitivas temáticas, por escolha,
pedagógicas. E interessante aceitar que as temáticas podem e devem mudam.
Temáticas são discursos produzidos, e os discursos se alteram quando proferidos por diferentes
sujeitos, em diferentes tempos, e que devem ser repensadas por temáticas que aproximem a
produção literária para criança de referências estéticas, culturais e éticas mais próximas, tanto
quanto possível, do que se reivindica para a literatura. Isso significa que é necessário discutir a
escolha de temas que englobem representações do mal-estar contemporâneo. Isso demanda
uma boa vontade com tais temas, junto aos que editam literatura infantojuvenil e aos que
escolhem, sejam pais ou professores. O que está em debate é a oferecer ao público
infantojuvenil pleno acesso a atual produção literária questionadora da condição humana
contemporânea, focando suas complexidades.
É muito relevante lembrar que a nossa face humana é um "misto de bons e de maus
sentimentos, de atos sublimes e de atos abjetos, como colocar dentro do presente apenas a
porção positiva dessa face? Não estaríamos, assim, falseando o mundo apresentado a eles? Tais
temas próprios aos nossos modos de existir e pensar no século XXI, acabam por inquietar os
criadores, produtores, divulgadores e responsáveis pela comercialização da produção recente
de livros infantojuvenil. E acaba por estar presente nas mentes dos professores que acabam por
escolher para algumas crianças e adolescentes, talvez os únicos livros que eles terão a mão, dada
a forte desigualdade social presente na sociedade brasileira, colocando o espaço educacional
público como o lugar deste encontro com as leituras, com livros e a sendo a única oportunidade
de se formar como leitor. As editoras Cajueiro e Aleixo (2007) avaliam que editar livros
infantojuvenil requer o cuidado inicial de ler e avaliar os originais oferecidos pelos autores
infantojuvenil, vasculhando e encontrando o caráter estético do texto, fato que vai caracterizar
a obra como literária.
Isso facilitaria levar às crianças e os adolescentes a ter contato com os poderes valiosos de
transformação que a arte proporciona às novas gerações, através do contato com livros bem
escritos, com ilustrações bem-feitas e imaginativas, editados com cuidado e impressos como um
produto à altura de seu público, seres exigentes e questionadores. Isso seria o certificado, dado
pelo próprio público leitor infantojuvenil, da qualidade literária dos originais. Na visão das duas
editoras asseguraria a segurança com a escolha, sendo irrelevante qualquer tipo de crivo
temático, pelo qual não passariam textos que abordem assuntos considerados por muitos
'impróprios' para a criança, de acordo com regras e padrões de valores repetidos pela sociedade.
Alguns adultos consideram que haveriam temas impróprios para as crianças e os adolescentes,
seriam temas polêmicos e que ao serem restringidos, deixariam de contemplar presente
angústia dos pequenos e jovens leitores diante de um universo de enigmas, tabus e questões
existenciais, sobre o qual nem sempre há explicações. E um outro paradoxo seria a decisão de
não tocar em um tema que é tão comum a boa parte das crianças mais empobrecidas brasileiras;
ou seja, existe um temor de falar da violência, não levando em conta que o público leitor
infantojuvenil já é vítima e está inserido e imposto a uma realidade violenta, em muitas cidades
brasileiras. Quando um livro infantojuvenil é avaliado para publicação os elementos vão além
dos literários e temáticos, as editoras precisam levar em conta as previsões orçamentárias e de
custos. Isso responderia ao fato das editoras decidirem por posturas mais conservadoras e não
ousam publicar um livro cujo tema possa vir a ser considerado polêmico por boa parte dos
professores e colégios, evitando correr o risco de terem seu público-alvo reduzido.
Caberá aos professores abrirem os olhos e os corações para mais diversificados temas, capazes
de trazer um vasto e contemporâneo repertório cultural, vindos da arte literária e voltados para
a vida de crianças, adolescentes e jovens. Assim, deverão não escolher literatura infantojuvenil
que não contemplam a complexidade de angústias e questionamentos das crianças e dos jovens
e/ou os que podem lhes parecer ingênuos demais. Só a coragem de uma literatura em diálogo
com os chamados temas polêmicos permite atravessar as zonas menos iluminadas da psique
humana, a possibilidade de interrogar o mal, o esclarecimento sobre outras possibilidades de
realização erótica, para além do estabelecido por convenções; a convivência com pessoas que
fogem, por esse ou aquele aspecto, ao que se tem como normalidade; a indagação que permita
esvaziar os conteúdos que alimentam os vários preconceitos, a postulação adequada das
perguntas sobre o que está na raiz das gestações precoces, o mergulho no coração do sentido
da existência, só essas travessias poderão permitir, como Bartolomeu deseja: Que elas (as
crianças) sejam construtoras de um tempo em que a soberania dos homens se sobreponha a
outros valores.
A criança, na Modernidade, receberá maiores atenções. Dos terríveis modos de medievais, com
seus exagerados castigos e intimidações haverá uma busca por saberes e literatura disponível
aos pais para exercer um controle mais interno das mentes infantis. A literatura infantil nada
mais é do que uma vestimenta, uma roupa infantil que os enunciadores adultos colocam na
literatura para que possa ser lida e aceita como infantil pelos adultos- mediadores e pela própria
criança, que, por sua vez, acaba assumindo a idealização da infância e a dicotomia mundo adulto
X mundo infantil que a sociedade apresenta a ela em seu processo educativo. (SIMÕES, 2013, p.
222)
O que se deu, é aquilo que o historiador contemporâneo Aries vai chamar de sentimento
moderno de infância (Entre os séculos XV e XVI). As crianças e a infância começaram a ser vistas
como diferentes dos adultos, adultos incompletos, a quem deveriam ser oferecidos mimos ou
paparicação. No século XVII, aconteceram as pesquisas de Charles
Perrault e seu filho Pierre para transformar contos de fadas populares em escritas criativas e
com lições de moral ao final. Ao mesmo tempo, a educação dedicada e oferecida às crianças
mudou, todos estes fatos estavam subjugados ao fato da concepção e infância estar mudando,
ao menos para os filhos dos burgueses e Aristocratas, os mais abastados entre a população à
época.
Na medida em que surge uma visão individualista e são instauradas novas sociabilidades, com
possibilidades enxergar a infância, os afetos e cuidados mudam, surgindo um maior empenho
em planejar o futuro profissional dos filhos seja para assumir cargos administrativos, para seguir
uma profissão autônoma ou continuar os negócios da família. Isso já começa a constar nos livros.
É o caso da obra Gargântua e Pantagruel, onde o autor Rabelais critica o jogo como futilidade e
inutilidade, apreciando como instrumento de educação para ensinar conteúdos, gerar
conversas, ilustrar valores e práticas do passado ou, até, para recuperar brincadeiras dos tempos
passados. Pais e crianças foram dominados pelo discurso pedagógico dos humanistas, a infância
e as crianças ganham o lugar seres de pureza original e inocentes e este sentimento moderno
sobre elas vai perdurar entre os séculos XVII a XVIII, tempos fundamentais para o nascimento
da Literatura Infantil. Surgiram obras sobre civilidade, expressando a preocupação moderna e
burguesa com os bons modos, além da literatura específica para saber cuidar bem dos filhos,
sem ser violento ou condescendente demais. Assim a ênfase recai na formação moral, na cultura
geral, nas regras de comportamento e nos comedimentos necessários para a vida em sociedade.
E neste espirito do tempo que surge a obra de Fénelon, em 1687, Tratado sobre a educação das
meninas. Os humanistas dirigiam seus esforços e escritas à elite, alertando-os a refletir sobre os
mimos demasiados maternos, elucidando que os filhos eram crianças, que buscassem se divertir
com cadelinhas ou macaquinhos e que parassem de subestimar o momento tão eficaz para
modelar e formar às mentes das crianças, não sendo possível perder tempo e encaminhando-
os aos cuidados de bons preceptores que ensinavam as crianças nas casas dos ricos. Esta nova
valorização da infância provocou máxima união familiar e também, com o surgimento do novo
sentimento de infância, vindos de dentro dos livros dos pedagogos moralistas e dos humanistas,
para aprender a tratar bem e mudar os modos de agir com as crianças, disciplinando-as e
racionalizando os costumes. O cenário de surgimento da Literatura Infantil, a partir da
publicação de Perrault, mas ressalte-se que antes disso já Fénelon já publicara seu livro
dedicados as meninas, o século XVII, os filhos dos nobres e burgueses, deveriam ser vistos de
forma diferenciada com relação aos adultos. A criança moderna passou a ter um traje reservado
à sua idade que a distinguia dos adultos. Esse fato essencial aparece logo ao primeiro olhar
lançado ás numerosas representações de crianças do início do século XVII.
Amar os filhos é ter a preocupação psicológica e moral com eles, desprezando as suas
brincadeiras, primando pela sua educação, parando com as manias de vê-los como divertidos,
salvando-os do desamparo, da fragilidade, não descuidando e fazê-los se tornar adultos
racionais e éticos. Exercer papéis de ser pai e ser criança, no século XVII, passavam pelas páginas
dos livros, graças ao apogeu do desenvolvimento da Imprensa. Surgindo ao mesmo tempo um
importante espaço dedicado à infância. Os colégios da Idade Moderna existiam como um meio
de isolar cada vez as crianças durante um período de formação tanto moral como intelectual de
adestrá-las da sociedade dos adultos. Quanto mais educados socialmente forem os filhos dos
ricos, na Idade Moderna, mas iam se diferenciando dos filhos dos pobres. A antiga turbulência
medieval foi abandonada primeiro pelas crianças, e finalmente pelas classes populares: ela é a
marca dos moleques dos desordeiros, últimos herdeiros dos antigos vagabundos. E a literatura
infantil, surgida dos velhos contos populares, serão remodelados para servir a esta ideologia e
ao avanço do modelo burguês, da minoria rica neste momento nascente da literatura infantil. É
bom lembrar que a educação moderna foi elevada, a partir do século XV, com a existência de
uma tipografia, adequada para oferecer os livros impressos em quantidades expressivas. Entre
os séculos XV e XVI mudaram as formas de ver o mundo ao redor. As pessoas pularam de uma
sociedade medieval, que ainda era instigada pela oralidade, a grande maioria não sabia ler os
livros, mas eram capazes olhar as novas imagens modernas que apareciam nos livros. Assim, a
infância passou a ser etapa distinta da vida adulta e passou a ser uma das utopias da nossa
sociedade ocidental, e se o caráter de utopia nela se desconstitui conforme certos
desvendamentos científicos e sociais entram em ação, crescem os conceitos de
responsabilidade em relação a ela, serão reforçados cuidados rigorosos e a educação. E isso
interferiu na nascente literatura infantil. Deste modo, a experiência avassaladora diante à
criança que vai ser devorada precisa ser representada como uma das respostas à atração pelo
mal, a minimização do terror foi acontecendo em sucessivas atenuações do final cruento. Aqui
a autora trata provavelmente de Chapeuzinho Vermelho, um dos contos presentes na obra
inaugural de Perrault. Lacerda considera que assim sem que fosse abandonada a travessia do
medo capaz de assegurar à criança, ouvinte ou leitora, a salvação que todos - mesmo os
desobedientes ou temerários - merecem manter como expectativa. O papel da literatura seria
negociar entre os experimentos radicais do abismo e a existência humana uma chance de futuro
para ser vivido. Neste período histórico a criança passou a ter um papel diferenciado na
sociedade, motivando o aparecimento de objetos industrializados (o brinquedo) e culturais (o
livro) ou novos ramos da ciência (a psicologia infantil, a pedagogia ou a pediatria) de que ela é
destinatária. Possuidora de maior zelo e empenho dos adultos, a infância será o foco da
literatura nascente, no século XVII. A literatura infantil passou a ocupar, ao lado da escola e da
família, um papel fundamental, na formação dos indivíduos. Tendo sido facultativa, e mesmo
dispensável até o século XVIII, a escolarização converte- se aos poucos na atividade compulsória
das crianças, bem como a frequência às salas de aula, seu destino natural.
Conhecer este percurso da concepção de criança na modernidade, perceber que tal percurso
coincide com a invenção e uma literatura dedicada às crianças, com grandes produções para
este público, pelos séculos XVII e XVIII, ajuda a compreender o que foi carregado destes tempos
para os dias atuais, nas representações atuais sobre a infância. A noção, ou melhor, noções, que
temos de criança hoje em dia são vinculadas a essa idealização burguesa de infância,
principalmente no que diz respeito à concepção da criança como um ser diferenciado por sua
condição de ser em desenvolvimento, com mais necessidades que possibilidades de ação social
e por sua imaturidade intelectual e afetiva que demanda, do adulto, cuidados especiais para sua
proteção e desenvolvimento adequados. (SIMÕES, 2013, р. 224). Sendo assim é muito
complicado oferecer um conceito estável de infância e de literatura infantil hoje pois os
conceitos de infância vão alterar radicalmente o texto e são muito mais instáveis que os
conceitos referentes aos adultos [...] a cultura do livro toma decisões sobre a infância, e em
diversos sentidos a cria ou a destrói. HUNI, 2010, р. 94-95)
No nosso século XXI, várias infâncias e sociedades distintas coexistem desde aquelas que ainda
não conhecem as transformações sofridas pela escola e seguem trabalhando como adultos, até
aquelas que vivem imersas num mundo puramente tecnológico, também afastadas das
atividades lúdicas tão necessárias ao desenvolvimento do ser humano [...] tem-se, desse modo,
diferentes crianças em múltiplas realidades numa mesma sociedade e, assim, a escola se torna
um espaço de convergência de todas essas realidades. (GREGORIN, 2010, p. 227)
Segundo este autor estas diferentes combinações desses pressupostos geram diversas formas
de conceber a criança para a qual se produz literatura. As generalizações possíveis, nas
concepções de infância, que determinariam a nossa produção literária para o público
infantojuvenil, poderiam ser vistos no Brasil e podem ser delimitados em duas concepções bem
definidas e opostas. E exposta de uma maneira distinta por alguns teóricos.
Já para Coelho há a concepção tradicional' que se opõe a concepção de 'novo valor. Para outra
autora, Cunha, existe a concepção 'pedagógica'. Tais concepções clareiam a função social
aguardada da literatura infantil, partindo de distintas concepções de infância.
Brasil. Nos tempos do Brasil Colônia até a década de 1920, momentos dos precursores da
Literatura Infantil brasileira, onde os paradigmas vigentes eram o nacionalismo, intelectualismo,
o tradicionalismo cultural com seus modos de cultura a serem imitados e o moralismo religioso.
Isso representava a inspiração europeia, nada representativos e até em confronto com os
valores de um país que lutava pela busca de sua identidade e procurava ser valorizado enquanto
nação. Com estas obras dedicadas ao público infantil, a representação de criança era de um
indivíduo pronto para receber a educação como dádiva, como caráter divino, e amar sua pátria
como berço e fonte inesgotável de benevolências. Está escrita para crianças era um instrumento
pedagógico, com fins em repassar exemplos e doutrinas. O desenvolvimento e a definição da
literatura infantil brasileira alternaram-se entre as seguintes tendências: a tendência pedagógica
e a tendência, ocorrendo uma predominância da palavra-informação, tendência vinculada à
concepção conservadora de infância, ou da palavra- arte, decorrente da concepção
emancipadora da infância, como expressão do que seja a literatura infantil. Dentro deste
universo, qual a representação seria dada ao colonizador e qual a representação que seria dada
aos filhos dos povos originários que viviam aqui e dos africanos que vieram para cá na condição
de escravizados? Este momento inicial e nascente da nossa literatura infantil brasileira é
constituinte deste momento os seguintes escritores, Carlos Jansen com seus Contos seletos das
mil e uma noites, Robinson Crusoé e As viagens de Gulliver a terras desconhecidas, como
também o escritor Figueiredo Pimentel, com a sua relevante obra, Contos da Carochinha. E
ainda, Coelho Neto e Olavo Bilac, com Contos pátrios, bem como o escritor, Tales de Andrade,
com a obra Saudade.
Quanto ao Figueiredo Pimentel, no ano de 1894, a Editora Quaresma publicou o seu celebrado
livro Contos da Carochinha, primeira obra dedicada ao público infantil. Quem crianças eram
essas um pouco mais de cinco anos da Abolição da escravidão e da Proclamação da República?
Era dedicada aos filhos do povo, negros e indígenas? O que há de narrativas populares nos 40
contos desta obra teriam sido recolhidos por autores europeus Perrault, Grimm e Andersen,
pelos séculos XVII, XVIII e XIX. Este livro foi traduzido e se diz que foi adaptado para o Brasil.
Depois este autor publica o seu segundo livro dedicado a este público infantil, Histórias da Dona
Baratinha. Em suas produções, o autor apresentava estórias maravilhosas, poesia, e ainda, na
obra Álbum das Crianças, com Teatrinho Infantil, em outra obra Os meus Brinquedos, traz
canções de ninar ou cantigas de berço, bem como jogos e brincadeiras, passa pelos salões de
ruidosa alegria e aniversários, até o teatrinho, incluindo, ainda aí, nesta última movimentação
recreativa, uma tradução adaptada da comédia O Mentiroso, da Condessa de Ségur. O momento
seguinte, de ruptura e determinante do desenvolvimento da literatura infantojuvenil brasileiro,
da década de 1920 até aproximadamente a década de 1980, deve muito e foi muito marcada
pelo grande escritor Monteiro Lobato e suas obras dedicadas a este público. O que se pode
afirmar é que somente com o surgimento das obras de Monteiro Lobato que daremos um salto.
É com Monteiro Lobato é que tem início a verdadeira literatura infantil brasileira. Com uma obra
diversificada quanto a gêneros e orientação este autor elabora uma literatura centralizada em
alguns personagens, que percorrem e unificam seu universo ficcional. Monteiro Lobato, com a
obra Narizinho arrebitado, lança os alicerces da nossa verdadeira literatura infantil. Sendo
possível perceber um forte apelo à imaginação em harmonia com o complexo ecológico
nacional; a movimentação dos diálogos, a utilização ampla da imaginação, o enredo, a
linguagem visual e concreta, a graça na expressão". Assim, a literatura infantil brasileira era
contagiada com muitos valores linguísticos e temáticos renovadores, encontrando apoio para a
libertação de "cânones pedagógicos decorrentes da enorme fase da literatura escolar, fase essa
expressa, geralmente, em um português já de si divorciado do que se falava no Brasil. (ARROYO,
2011, p. 281). À luz daquele momento histórico e dos antecedentes da literatura oferecida ao
público infantil no Brasil é possível saudar a obra de Lobato e suas modificações diante deste
cenário à época. Existe uma defesa de que com a obra deste autor, os pequenos leitores
adquirem consciência crítica e conhecimento de inúmeros problemas concretos do país e da
humanidade em geral. Ele desmistifica a moral tradicional e prega a verdade individual, seria
esta obra instauradora da liberdade, sem coleiras, pensando por si mesma, a criança vê, num
mundo onde não há limites entre a realidade e a fantasia, que ela pode ser agente de
transformação. Aos olhos dos tempos em que vivemos, caberia perguntar que criança é essa de
Monteiro Lobato, qual sua cor e seu pertencimento cultural e étnico? Seriam racistas as obras
de Monteiro Lobato? Um homem que viveu entre os anos 1882 e 1948 trouxe uma fantástica
contribuição a literatura para crianças e adolescentes, ao mesmo tempo em que viveu em uma
época em que o racismo era gigantesco, com relação aos negros e indígenas. Apesar de crime,
o racismo, persiste ainda hoje e precisa ser combatido na escola. Já Monteiro teria sido pioneiro
em trazer personagens como a Tia Anastácia, com papéis significativos de repasse das narrativas
orais brasileiras. Será interessante que os professores o questionem à luz das discussões atuais
sobre a formação étnica do povo brasileiro, dos direitos de igualdade racial contemporâneas.
Ainda vale a pena ler o conto Negrinha, que representa uma crítica forte ao racismo presente
aos tempos contemporâneos deste autor. Trata-se de um livro de contos ficcional deste autor,
publicado em 1920. Lajolo comenta, sobre s fortes combates raciais no continente americano,
antes e depois da diáspora de povos africanos escravizados, que tanto no realismo e no
cotidiano do sítio de Dona Benta, o conflito é violento porque ele não era menos violento na
vida real, nem abaixo nem acima do Equador. E como ficou a nascente literatura infantil neste
cenário, tal literatura, representou uma das arenas mais tocantes na encenação deste conflito,
representa-o, no caso de Lobato, num discurso sinuoso que ao desvelar as convenções de
apaziguamento inaugura uma tradição que, ainda que do avesso, é hoje passada a limpo.
É importante ressaltar, que o papel da criança, ou como ela é representada, mudou com a obra
de Lobato, com relação aos seus antecessores, que fizeram uma literatura de adultos falando
para as crianças. Lobato prefere fazer como Dona Benta: senta-se na cadeira de pernas serradas
e, desse ângulo de visão, procura enxergar o mundo pelo olhar da criança. Assim, este
importante autor vai se deslocando da linguagem dos enfeites desnecessários, do autoritarismo
e do tom prelecional próprios do adulto que fala à criança e deixa a imaginação aflorar, com o
'faz de conta' dominado a ação. A contribuição deste autor e o seu reconhecido Sítio do Pica-
Pau Amarelo, indo além do seu tempo e chegando a inspirar outras obras para o público
infantojuvenil mais contemporâneas. Ele se faz presente na linguagem coloquial de Lygia
Bojunga, no olhar questionador dos personagens de Ana Maria Machado, no humor de Ruth
Rocha, só para citar os canônicos. Tais autores trazem mundos, como no mundo inventado por
Lobato, no Sítio do Pica-Pau Amarelo, são mundos 'sem coleiras' que os bons autores de hoje
nos revelam em suas histórias. Refletindo sobre os tempos posteriores a década de 1980 e de
1990, tempos pós-lobato, ainda bastante contagiada pela influência da obra de Lobato e suas
inovações, a caminhada da literatura infantojuvenil brasileira foi longa, envolta as abordagens
do cotidiano, com um toque realista, procurado ficar mais próxima da criança leitora,
estabelecendo uma escrita que dialoga e aguça a curiosidade deste público infantojuvenil, em
que o mundo e as crianças estariam em pleno processos e construções, longe de tentativas de
passar ideias e valores. O que permanece como crítica, ainda atual, é uma atuação precária ou
exclusão (por isso se fala tanto em inclusão) da representação de certas crianças, os filhos da
maioria empobrecida brasileira, sendo a literatura infantojuvenil, ainda um espaço privilegiado
de expressão, que corresponde aos modos de manifestação de alguns grupos, não de outros.
Apolinário E foi ouvindo as histórias que meu avô contava que percebi o que os povos
tradicionais podiam oferecer à cidade. [...] E isso me dá um álibi para usar as narrativas míticas
para falar às pessoas com a mesma paixão com que o velho falava comigo. Acho que foi assim
que surgiu em mim o interesse de narrar histórias para ajudar as pessoas a olharem para dentro
de si mesmas, compreenderem sua própria história e aceitá-la amorosamente (MUNDURUKU,
2009, p. 14-16). Onde estão os traços dos povos que se constituíram como matrizes do povo
brasileiro, na literatura oferecida ao público infantil? Quando o leitor consegue reconhecer-se
dentro de uma obra literária ou reconhecer o outro, diferente dele, ocorre um importante
processo: o processo de legitimação de identidades, mesmo que estes sejam múltiplos. Daí o
estranhamento quando determinados grupos sociais desaparecem dentro de uma expressão
artística que se fundaria exatamente na pluralidade de perspectivas.
E onde estão as representações das crianças negras e as indígenas na literatura infantojuvenil,
seriam restritas por motivos racistas? Ficaram de fora e ainda permanecem pouco evidentes?
Trata-se de um dos traços dominantes da estrutura social brasileira, que se perpetua e se
atualiza desde a Colônia, mas que passa ao largo da literatura recente. Se é possível encontrar
aqui e ali, a reprodução paródica do discurso racista, com intenção crítica, ficam de fora a
opressão cotidiana das populações brasileiras e as barreiras que a discriminação impõe às suas
trajetórias de vida. O mito, persistente, da 'democracia racial' elimina tais questões dos
discursos públicos. (DALCASTAGNE, 2005, p. 46). Uma outra discussão relevante é sobre a
inclusão das diferenças e dos diferentes no âmbito das discussões sobre a representação e
criança e adolescentes deficientes, negros, índios, falantes de variações linguísticas pouco
comuns nos centros das grandes cidades brasileiras ou no centro sul do país,na literatura
oferecida ao público infantojuvenil. Pensando na literatura como fonte de conhecimento, e no
livro como interface entre o leitor e as ideais ali contidas, a literatura infantojuvenil pode ser um
canal de formação e informação das crianças e jovens, entretanto, se essas histórias
representarem a deficiência com elementos explícitos e implícitos geradoras, propiciadoras e
solidificadoras de estereótipos e preconceito com relação à deficiência, não estarão condizentes
com o momento em que se vislumbra a inclusão escolar e social da pessoa com deficiência
(NORONHA, 2006, p. 15). Será um desafio para a representação das crianças e adolescentes, na
literatura brasileira destinada a eles e escrita por adultos, tratando de lidar com o imaginário e
o simbólico, para os próximos tempos, constituir-se no terreno propício à criação de novas
formas de relacionamento com a criança. Ao invés de seguir modelos, erigir-se um modelo. Ao
lidar com os símbolos, isso poderá facilitar a criação de ideais que podem gerar utopias ou
inovações precoces, adiantar-se às práticas do tempo. Sendo diferente dos campos da
pedagogia e da filosofia, a literatura infantojuvenil atua e é uma relação adulto-criança, situada
e influente no importante campo do simbólico e no campo do concreto, sendo fala e ação ao
mesmo tempo.
Normas e Valores
Constatando a representação da sociedade, suas normas e seus valores, é possível afirmar que
a literatura infantojuvenil brasileira não conseguiu escapar da manutenção dos status
estabelecidos e do pensamento dominante, na realidade social excludente brasileira, através de
um mecanismo que disfarça o caráter doutrinário encontrado em discursos como o religioso e
o político, pelo mito que se construiu de literatura infantil. Já foi possível perceber que desde
sua gênese brasileira, a literatura infantojuvenil surge com um campo para a difusão de suas
lições de moral, tanto quanto aconteceu na França de Perrault, no século XVII. Sendo assim, a
representação da sociedade, estava fincada com suas normas e seus valores, dominantes à
época. E, assim, foi estabelecida. É cabível aceitar que as obras literárias infantojuvenil brasileira
optam por valores, em uma sociedade profundamente plural, ainda que carregue um
agenciamento do imaginário dos pequenos leitores ou levando as crianças e adolescentes a
imaginar outros mundos. As normas e os valores dominantes foram representados, na sua
histórica origem, com uma vertente moralizante e educativa. Desde os primórdios, a literatura
infanto juvenil teve como um de seus objetivos básicos inculcar valores, mudar comportamentos
ou informar as crianças sobre os mais diversos assuntos através de histórias e personagens do
mundo ficcional. Isso se deu de um modo bastante contundente, com pragmatismo e mania de
informar. Um longo caminho será percorrido até que a literatura infantojuvenil no Brasil possa
ter outros lugares com relação aos valores dominantes na sociedade, de somente aceitação do
estabelecido, das normas e valores de grupos dominantes e com poder, em detrimento das
demais camadas da população, os excluídos. A literatura apresenta potenciais para operar
questionamentos de valores e normas, fazendo seus leitores refletirem sobre a realidade ao seu
redor e suas condições diante do mundo. Ao ser conduzido, pela experiência estética, ao lugar
do outro, a outro lugar, a diferentes formas de ver, conceber e organizar o mundo que não as
suas, o sujeito leitor tem a possibilidade de desnaturalizar as relações do contexto social
imediato, do qual faz parte, de construir um olhar sobre a tradição, o que, consequentemente
possibilita tomadas de posição em favor da construção de novas e melhores relações sociais.
(PAIVA, 2014, p.94) Por muitos tempos os valores e as normas foram exclusivamente dos que
detinham o poder político e econômico. Perpassa por ideal de embranquecimento e a
desqualificação das culturas e estéticas negras e indígenas e a superioridade dos povos brancos.
Pareciam invisíveis os valores dos povos que serviram de matrizes a maioria da população
brasileira. Um caso de revisitamento da obra de Andersen, realizado pela escritora e ilustradora
Rachel Isadora, do conto A princesa e o grão de ervilha. Esta autora foi a alguns países da Africa
para oferecer uma nova roupagem aos contos deste autor do século XIX. E a narrativa um tom
africano em substituição à visão e à paisagem europeias. Obviamente nessa obra revisitada o
príncipe que sai em busca de uma princesa para casar é negro, e é por países africanos como
Etiópia, Somália e Quênia que ele passa e encontra todas aquelas que lentamente vai
descartando até chegar a sua eleita. E preservada a condição humana, os valores e as normas,
ainda que as paisagens e os contextos mudem. Nelly Novaes Coelho vai comemorar o fato de
existir uma produção infantojuvenil desfocada do utilitarismo pedagógico, mais voltada a
Concepção de Novo Valor. Sendo uma literatura potente o suficiente para emocionar, divertir e
dar prazer, ao mesmo tempo, ensina novos modos de ver o mundo, de viver, pensar, reagir,
criar... E principalmente se mostra que é pela invenção da linguagem que essa intencionalidade
básica é atingida.
Cunha (1988) defende que a manifestação artística, literatura infantil, não representa uma
traição. Existe a predominância do adulto escrevendo para a criança, porém se este autor for
realmente artista, seu discurso abrirá horizontes, proporá reflexão e criação, estabelecerá a
divergência, e não a convergência. E suas verdadeiras possibilidades educativas estão aí. A
literatura infantojuvenil e a palavra, que é sua matéria-prima comporta a informação e a arte,
simultaneamente, lidando na família ou na escola com a palavra-arte como se ela fosse palavra-
informação. Trabalhamos com a literatura do mesmo modo que com a Matemática, ou a
Geografia: não distinguindo objetivos diferentes, não usamos estratégias diferentes. Desta
década de 1990 aos dias atuais, tempos de consolidação de um projeto de literatura
infantojuvenil brasileira, que embora tenha nascido, lá atrás como um recurso pedagógico, mas
cujas principais funções são o lúdico, o catártico e o libertador, além do cognitivo e do
pragmático, já que visa a preparar o indivíduo para a vida num mundo repleto de diversidades.
O que aparecia aqui eram as vozes infantis, seus cotidianos reais conflitos que poderiam ser
lidos/vistos/sentidos na literatura infantil de hoje, conflitos esses levados às crianças com uma
proposta de diálogo, não somente de imposição de valores, por meio de uma literatura que
busca a arte, e ser arte deveria e deve ser a característica primeira dela. Esta caminhada
percorreu tempos em que os livros infantis traziam representações dos modos como os adultos
queriam, seus valores e suas normas (e alguns continuam querendo) aos tempos em que a
literatura dialogam com um leitor cada vez mais perto do real de grande maioria da população
infantojuvenil brasileira.
E o que seria a poesia? Poesia carrega muitas definições. Pode ser aquilo que toca a
sensibilidade, que sugere emoções por meio da linguagem poética. Essa linguagem, porém, não
precisa ser somente escrita. O escritor Octavio Paz entendia que a poesia pode ser falada,
pintada e escrita. Ou seja, nada impede que um quadro ou uma música sejam poéticos, desde
que sigam alguns critérios. Este famoso escritor entendia que a poesia não deve ser utilitarista
e precisa transmutasse em imagens, constituindo-se em um modo bem simbólica de
comunicação. Já o Poema, no geral é formado por versos, e, ainda, existem poemas escritos em
prosa. Octávio Paz entende que os poemas são feitos de palavras, mas também podem ter
sonoridade e formar imagens mentais (através de figuras de linguagem), ou imagens gráficas
(através da distribuição das palavras na página. Possuindo, o poema, estrutura, ritmo, rimas e
estrofes. Estes elementos e os versos diferenciam os poemas das prosas. No decorrer da
antiguidade clássica e no classicismo moderno, era visto como um gênero literário em que se
usava o verso, a linguagem metrificada, e que era oposto ao gênero chamado prosa. Já no
período do Romantismo, passou estar a fazer parte da literatura em geral, junto com outros
textos que nem eram metrificados, mas possuíam propriedades artísticas e ficcionais. Passando
a significar as coisas que são significadas como belas e que trazem emoções diversas. O fato é
que a poesia é um produto social, trazendo as marcas dos contextos em que forma produzidas
e de seus produtores, tocando fundo na alma de seus interlocutores, provocando reações. Ao
ler uma poesia, o leitor vai de encontro com as marcas da contextualização em que foram
inspiradas aos poetas, e ainda, implicitamente a sociedade e a identidade de pertencimento de
que compôs a poesia.
Assim, a poesia não pode ser excluída na escola, para o público infantojuvenil. Assim, o brilhante
poeta Carlos Drummond de Andrade fez um pedido: O que eu pediria a escola, se não me
faltasse luzes pedagógicas, era considerar a poesia como primeira visão direta das coisas, e
depois como veículo de informações prática e teórica, preservando em cada aluno o fundo
mágico, lúdico, intuitivo e criativo, que identifica basicamente com a sensibilidade poética
(ANDRADE,1974). Refletindo em formas de utilizar poesia na sala de aula com criatividade e
sedução, uma das aproximações do público infantojuvenil poderá ser via Poesia Folclórica. A
poesia folclórica é bastante espontânea e se diferencia um pouco da Poesia Artística. Não tem
nenhum compromisso com a elaboração formal e linguística. Estes aspectos poderão atrair as
crianças, adolescentes e jovens que desconhecem a poesia, representando um caminho muito
potente. A poesia folclórica, como o adjetivo antecipa, tem origem popular, nasce e se perpetua
em meio às brincadeiras de roda, aos ditos populares e na repetição das parlendas aprendidas
com pais e avós. A poesia artística, por sua vez, e fruto da elaboração de um poema-artífice que
a construiu, procurando fixá-la em sua mais absoluta perfeição, aliando, para tanto, sonoridades
atraentes, léxico adequado à ludicidade pretendida, além de uma sintaxe inovadora e pouco
usual. (Assumpção, 2001, p. 63). Os professores que lidam com a preocupação de utilizar poesia
em sala de aula poderão trazer para seus alunos, crianças e adolescente, algumas das
manifestações da poesia folclórica, tais como trava-língua. Trava língua é uma manifestação
folclórica, apresentando sonoridade desafiadora, colocando a criança em uma posição de
disputa e busque ganhar a peleja, sem tropeços no esperado recitado. Existem inúmeros
recitados, do tipo: Quando o rato roeu a roupa do rei de Roma.
O pesquisador de cultura popular tradicional, Silvio Romero (1883), na sua obra Cantos
populares do Brasil, em
1883, fez registros registrou com o original deste conhecida quadrinha e o que se percebe é que
os versos eram diferentes do que as crianças conhecem hoje, revelando os assédios às mulheres
africanas ou afro-brasileiras escravizadas, sendo pejorativamente chamadas de mulatinha no
verso, assediadas por homens ricos e de posses da época: Batatinha quando nasce /Deita rama
pelo chão; Mulatinha quando deita / Bota a mão no coração. É perceptível que a rima precisou
provavelmente ser arrumada para ser apresentada e assimilada as brincadeiras infantis. As
modificações foram: 'deita a rama' foi trocada por "esparrama' ou 'espalha a rama', e a palavra
"mulatinha foi trocada "menininha. Hoje existe uma discussão sobre o termo mulata. E, bem
expressa, neste poema de cordel:
Ou de pardo e bronzeado
De racismo nomeado.
Cordel é um termo de origem portuguesa usado para designar o que hoje chamamos de
literatura de cordel. O termo faz referência ao modo como tradicionalmente esses textos eram
expostos para venda - fixados em barbantes, em uma espécie de varal. No Brasil, o uso de
cordéis não se consagrou, ainda que você possa encontrar por aí livros expostos dessa forma.
Os pequenos livretos, ou folhetos, são vendidos por seus produtores em feiras livres, nas ruas
ou mesmo de porta em porta. A trajetória dessa literatura remete ao período em que se
popularizou, na Europa, o uso da impressão de relatos. (FLACH; BARCELLOS; 2016, p. 35). Outra
possibilidade é usar as parlendas que podem ser recitadas naquela animada da dança da cadeira,
no exato momento em que alguma das crianças levanta cadeira, as demais crianças recitam: "foi
ver o vento perdeu o assento ou quando chove e faz sol ao mesmo tempo, e se diz que é
"casamento da raposa" ou frases que são repetidas e não carregam grande sentido "amanhã é
domingo, pé de cachimbo" Com a sonoridade dos versos já começamos a nos acostumar desde
a tenra idade, ao ouvir as canções de ninar ou acalantos. Sendo possível e realmente relevante
que as crianças tenham acesso a poesia nas salas de aula. A literatura de um modo geral traz
inquietação positiva, reflexão, emoção, evita os desânimos, nos traz os lenitivos que Freud
costumava falar que eram imprescindíveis para viver. A palavra cotidiana, ao mergulhar nas
águas da poesia, recupera-se, renova-se. E os leitores de poesia renovam-se com a palavra. A
poesia é formalista. Para deixar a palavra em forma, transforma, altera sentidos, reforça a
sonoridade, brinca. Se os dicionários preservam os significados coletivos dos vocábulos, a poesia
trabalha com o que há de único e insubstituível em cada palavra. A palavra sai do reino dos
catálogos e, na magia poética, refaz sua música. (PERISSE, 2014, p.97) Perissé (2014) afirma que
a poesia ensina, na sua propriedade ou possibilidade de deformação possível ou de ganho de
novos sentidos da linguagem. O leitor poderá presenciar uma recriação do mundo, sem
violências e com aberturas de sentidos e pular de um arranha-céus sem sofrer um arranhão,
rastejar em meio à guerra, morrer e ressuscitar, estirar-se, comprimir-se sem se romper ou
quebrar, é elástica, flexível, moldável, e essas propriedades físicas. As poesias, que são palavras
em ritmo, com sonoridade, são palavras potencialmente educadoras. E no encontro entre aluno
e poesia que se faz o conhecimento e a beleza. (E a beleza salvará o mundo, não é o que dizia
Dostoievski em O idiota?).
morTeremos de fome. O professor e o aluno, como qualquer outro ser humano, são poetas. E
necessário que está certeza não esteja fora da escola. Já que todos os professores são
professores porque são poetas. Em uma prova, no momento em que o professor de física solicita
seus alunos descrevam como seria possível definir a altura de um arranha-céus utilizando um
barômetro, estão todos fazendo poesia. Embora tenhamos nos acostumado a dizer "arranha-
céus" com o automatismo dos dizeres impensados, é belo imaginar (tirar a poeira da nossa
imaginação) o céu sendo arranhado por um edifício. Arranhando, provocando a gravidade, nova
diligência humana de arquitetar uma torre de
(ANDRADE,1974) A formação de futuros leitores autônomos passa pela poesia que possibilita
um excelente encontro íntimo com o ato de ler, sendo uma atividade educadora e
individualizadora. Solidificando, simultaneamente, as conexões entre os alunos e a tradição,
com a nossa língua portuguesa, com os mais elevados valores humanos, com a convivência
social, com os projetos coletivos. Mas a dedicação é individual: ler um poema, relê-lo, lê-lo em
voz alta, sussurá-lo, deixar que a nossa voz assuma a voz do poeta, e a dele a nossa.
São renovados com a poesia aluno e o professor, apoiados por esta linguagem inesperada da
poesia que renova. Se a soubermos ouvir, como quem ouve o esquecido bater do coração do
mundo, abrem-se os olhos da mente para algo óbvio. A poesia permite que o público
infantojuvenil consiga sentir o óbvio de modo novo. A poesia não devera ser utilizada na escola
como um mero luxo verbal, de modo pedante ou para pura exibição, é necessário levar a poesia
como aprendizado, como descoberta do óbvio, que está a um palmo do nosso nariz, ou na nossa
própria pele! Poesia como antropologia da pele, como história da pele. Perissé (2014) defende
que a palavra literária é autêntica quando ela traz verdades que afastam o tédio e o vazio
existenciais. A poesia faz parte desta palavra literária, que é viva vivificadora, provocadora, cheia
de sentido, humanizadora, criadora de vínculos - palavra rebelde, em suma. De fato, o que
levaria uma pessoa a criar ficção e poesia se não fosse a sua profunda insatisfação com a vida.
A criança e o adolescente que lê um poema, na escola ou a partir de uma provocação que surgiu
na escola, vivem a experiência de recriação dos poemas que leem, de descobertas de verdades,
despertando para o ato de ler as próprias existências, de um modo lúdico, intimo, criativo, com
interesse, senso crítico, argumento, com atenção para não perder o tema das poesias
(previamente preparado pelos professores) e realizando uma fuga para a realidade, tão ao gosto
dos poetas. Quando o leitor recria o texto, identifica sua melodia profunda, reproduzindo-a com
uma voz pessoal, com uma visão de mundo pessoal, e confere ao texto a chance de viver. Os
alunos passam, ao ler poemas, pela exigência de terem um compromisso, o desejo sincero de
encarar os grandes problemas, sem querer resolvê-los, dissolvê-los, extingui-los, como se o ser
humano fosse onipotente. Porque também somos tentados pela pretensão de ser mais altos do
que somos.
LITERATURA INFANTOJUVENIL – 4
Cada professor precisará pensar sobre a dimensão gigantesca que é cumprir a responsabilidade
de colaborar na formação de leitores. E imensa a emoção de estar envolvido no processo de
ajudar uma criança ou um adolescente a ser competente leitor. E que colaborará no processo
de fazê-los capazes de refletir e resumir as ideias absorvidas, produzindo escritas originais sobre
as suas leituras. Não somente preenchendo fichas de leitura. Aprende-se de maneira atrofiada
um compêndio literário, características meramente descritivas e superficiais de uma
determinada postura estética, e justapõe-se a isso o manuseio de fichas com resumos das obras
literárias. Quase nunca o aluno é levado a realizar uma real atividade de leitura da obra literária,
ou seja, exclui-se do ensino de literatura aquilo que justifica a própria existência da literatura: a
vivência estética do texto literário por seus leitores. (FERREIRA, 2010, p..135)
O professor, tanto da Educação Infantil como das séries iniciais e finais do Ensino Fundamental.
É imbuído da responsabilidade de capacitar seus alunos, com as necessárias competências para
serem bons leitores, que inicia até bem antes da alfabetização e do letramento. Isso vai exigir a
eliminação da mecanização do ato de ler, sem meditar e nem entender o que foi lido. Dissociar
alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro das atuais concepções
psicológicas, linguísticas e psicolinguísticas de leitura e escrita, a entrada da criança (e também
do adulto analfabeto) no mundo da escrita ocorre simultaneamente por esses dois processos:
pela aquisição do sistema convencional de escrita - a alfabetização - e pelo desenvolvimento de
habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que
envolvem a língua escrita - o letramento (SOARES, 2004, p. 14). O professor, consciente da sua
responsabilidade na formação de futuros leitores, terá que promover atividades diversificadas
e criativas, para as crianças entenderem as mais importantes funções sociais da escrita. E isso,
já começa quando eles notam o uso da escrita pelos adultos, pela experiência da leitura que os
adultos fazem para ela, pelo manuseio de livros e revistas, pelos jogos com letras e números.
Assim, experiências lúdicas para ampliar o contato com a nossa língua portuguesa, lendo-a, com
a ajuda de pais ou professores, constituem, no decorrer do processo de letramento, uma
preparação da criança para o trabalho escolar sistemático com o alfabeto e a linguagem verbal
escrita. A responsabilidade da escola e do Professor, na Formação do Leitor, passa pelo
planejamento de atividades diversificadas de contato com a literatura infantojuvenil, tomando
conhecimento de inúmeras linguagens, diferenciados gêneros e que poderão ser expressos de
muitos modos: verbalmente, gestualmente, em dramatizações, com músicas e por desenhos ou
outras formas plásticas. Sendo que uma forma de aproximação, entre tantas outras, pode ser as
narrativas orais brasileiras, que permitem diversas interações e podem estabelecer um caminho
que culminará no gosto pela literatura infantojuvenil, tempos depois.
Ao refletir sobre a importância do ato de ler, Paulo Freire (1989) entende que não é possível o
professor acreditar que para o aluno obter, ao longo de sua história escolar, a habilidade de
compreender criticamente os livros que irá ler, conta somente com a apropriação da
decodificação estrita e pura das palavras escritas ou de uma determinada linguagem escrita. E
necessário vasculhar a inteligência do mundo, segundo o autor.
A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa
prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem
dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a
percepção das relações entre o texto e o contexto. Ao ensaiar escrever sobre a importância do
ato de ler, eu me senti levado - e até gostosamente -a reler' momentos fundamentais de minha
prática, guardados na memória, desde as experiências mais remotas de minha infância, de
minha adolescência, de minha mocidade, em que a compreensão crítica da importância do ato
de ler se veio em mim constituindo. (Freire, 1989, p. 10) A responsabilidade da escola e do
professor, na formação do leitor, passa pela preparação dos alunos para conhecer e apreciar os
mais diversificados textos literários, apropriados ao público infantojuvenil. A literatura
infantojuvenil, em seus fantásticos textos, poderá oferecer expressivas experiências de leitura,
potentes o suficiente para alargar horizontes para o lado estético, presente e perceptível, na
escrita feita para crianças e adolescentes, tomando conhecimento de inúmeras representações
do mundo. Faraco (2012) recomenda que os numerosos textos dos escritores brasileiros podem
ser apresentados, nas salas de aula, aliados a outros textos verbais (originários de jornais ou de
divulgação científica), criando uma rede para múltiplas leituras do mundo e para a compreensão
do potencial expressivo da linguagem. Assim, a Responsabilidade da Escola e do Professor, na
Formação do Leitor passa pela utilização dos textos literários, contidos no universo da literatura
infantojuvenil, que trarão possibilidades de atividades em parceria com muitas e distintas
linguagens, como cinema, música e artes plásticas.
Isso poderá possibilitar aos educandos, na escola, com o apoio do professor, o entendimento de
muitas expressões artísticas, em suas extensões histórico-culturais. O valor, para a formação
humana das grandes obras de arte e da literatura reside justamente no fato de que elas
preservam e sintetizam a experiência histórica do gênero humano e por meio delas o indivíduo
pode vivenciar essa experiência como se fosse a sua própria vida. Por meio de um personagem
literário o indivíduo entra em contato com a síntese de muitas personalidades. (DUARTE, 2013,
p. 66)
Diversas e interessantes experiências com a literatura infantojuvenil podem chegar perto dos
interesses das crianças e adolescentes para o mundo da leitura, proporcionado uma
aproximação da literatura e da arte para a vida deste público infantojuvenil. Cabendo a escola e
ao professor, buscar um estudo das propriedades da linguagem verbal e de seus meios de
expressão, bem como das consequências pedagógicas dessas propriedades. Não é possível, ao
professor e ao conjunto de adultos que fazem a escola, desmentirem o fato de que as variadas
atividades escolares são relacionadas à cultura letrada, isso requer que o próprio professor seja
um sujeito bem letrado, ligado de forma muito profunda ao ato de ler. Faraco entende que não
é possível nenhuma escola ser letradora, ou seja, exerce sua responsabilidade em produzir
novos leitores, se seus professores não forem letrados. Impossível desenvolver nos alunos as
práticas sociais de leitura e escrita sem que os professores sejam leitores maduros e pessoas
que dominem a escrita com autonomia".
Soares (2001) comenta que não é para negara escolarização da literatura, o que precisa ser
condenado, criticado e superado é a imprópria, a equivocada, a inadequada escolarização da
literatura que se traduz em sua deturpação, falsificação, distorção, como resultado de uma
pedagogização mal compreendida que, ao transformar o literário em escolar, desfigura-o,
desvirtua-o, falseia-o.
A novidade trazida pela BNCC (2018) é que as linguagens possuem seus status próprios, dentro
do conjunto vasto a ser conhecido na escola, cabendo às escolas e aos professores possibilitarem
a cada criança ou adolescente uma contundente apropriação daquilo que é específico de cada
linguagem sem perder a visão do todo no qual elas estão inseridas. Mais do que isso, é relevante
que compreendam que as linguagens são dinâmicas, e que todos participam desse processo de
constante transformação.
Convidado a oferecer uma avaliação para o Ministério da Educação, Rodrigues (2017) fez uma
crítica contundente do espaço omisso destinado à literatura na nascente BNCC. O autor
considerada que a literatura estaria desprezada a um lugar de 'Educação Literária', focando no
aspecto das Linguagens.
O Ensino Fundamental - Anos Iniciais, que começa aos seis anos, devera oferecer os
componentes curriculares relacionados com muitas práticas, não esquecendo de privilegiar
culturas infantis tradicionais e contemporâneas, focando no processo de alfabetização. Saber
escrever e ler ampliará as possibilidades de construir conhecimentos nos diferentes
componentes, por sua inserção na cultura letrada, e de participar com maior autonomia e
protagonismo na vida social. É evidente que se está tratando das possibilidades de inserir a
criança na leitura, na literatura infantil e no trabalho com o texto literário apropriado a esta faixa
etária. Na etapa seguinte, do Ensino Fundamental - Anos Finais, os pressupostos da BNCC
apontam para a necessidade de realização das aprendizagens que possam possibilitar ampliação
das práticas de linguagem que começaram na etapa anterior, Ensino Fundamental - Anos Iniciais.
Sendo possível prever uma maior diversificação de contextos permite e aprofundando práticas
de linguagem artísticas, corporais e linguísticas que se constituem e constituem a vida social.
Evidentemente que isso significa a ampliação, com as potencialidades relacionadas na etapa
anterior (Anos inicias do Ensino Fundamental) com a nossa língua portuguesa, as possibilidades
de ler com mais proficiência, de diversas atividades mais complexas de inserção na leitura, na
literatura infantil e no trabalho com o texto literário. Sobre esta etapa última do Ensino
Fundamental a BNCC considera: É importante considerar, também, aprofundamento da reflexão
crítica sobre os conhecimentos dos componentes da área, dada a maior capacidade de abstração
dos estudantes. Essa dimensão analítica é proposta não como fim, mas como meio para a
compreensão dos modos de se expressar e de participar no mundo, constituindo práticas mais
sistematizadas de formulação de questionamentos, seleção, organização, análise e
apresentação de descobertas e conclusões. (BRASIL, 2018, p. 64).
Sendo recomendado pela BNCC, como Competências Especificas de Linguagens para o Ensino
Fundamental: Desenvolver o senso estético para reconhecer, fruir e respeitar as diversas
manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, inclusive aquelas pertencentes ao
patrimônio cultural da humanidade, bem como participar de práticas diversificadas, individuais
e coletivas, da produção artístico-cultural, com respeito à diversidade de saberes, identidades e
culturas.(BRASIL, 2018, p. 65)
A área de Língua Portuguesa deverá ser vivenciada com práticas de linguagem que levem em
consideração a leitura, entre tantos outros elementos. Devem acontecer conhecimentos
linguísticos amplos, entre eles, além da norma-padrão, textuais e discursivos diversos. Trazendo
uma diferenciação, diante de outros documentos curriculares nacionais, a BNCC recomenda que
as atividades escolares, ao longo do Ensino Fundamental, relacionadas a língua portuguesa, a
literatura, a norma padrão e outras multiplicidades da língua não deverão ser adotados como
um fim em si mesmo, devendo estar envolvidos em práticas de reflexão que permitam aos
estudantes ampliarem suas capacidades de uso da língua/ linguagens (em leitura e em
produção) em práticas situadas de linguagem. Fontes (2018) critica o fato de que a BNCC
encararia que os conteúdos, estariam atrelados, como proposta para o processo de
aprendizagem, ser pensado e ministrado, com o objetivo inicial e essencial de consolidar
linguagens. A literatura, nessa lógica, quando aparecer nas práticas docentes, visarão ao mesmo
objetivo central, que não é o seu próprio. Isso implica em posicionamentos ou possibilidades de
reconhecimento da importância da leitura, da literatura e do trabalho com o texto literário na
escola não somente vinculados ao objetivo de consolidar linguagens, havendo muito mais o que
e fazer com e na literatura, dentro da escola.
A BNCC (2018) recomenda que o Eixo Leitura abarque as práticas de linguagem que decorrem
da interação ativa do leitor/ouvinte espectador com os textos escritos, orais e multissemióticos
e de sua interpretação, sendo exemplos as leituras para: fruição estética de textos e obras
literárias; pesquisa e embasamento de trabalhos escolares e acadêmicos; realização de
procedimentos; conhecimento, discussão e debate sobre temas sociais relevantes; sustentar a
reivindicação de algo no contexto de atuação da vida pública; ter mais conhecimento que
permita o desenvolvimento de projetos pessoais, dentre outras possibilidades. (BRASIL, 2018,
p. 71). No Ensino Médio, etapa que será essencial para a consolidação da formação de leitores,
no público adolescente e juvenil, a BNCC recomenda que no campo artístico-literário, deve ser
procurado a aumento da relação e da análise mais intensificada com as manifestações artísticas
e culturais diversas. Fontes questiona que as orientações da BNCC estariam voltadas para as
diversas práticas que abarquem a linguagem. Nesse modelo, as práticas são evidenciadas e a
língua tem seu valor por sua função pragmática; por consequência, a literatura também será
validada por seus aspectos linguísticos específicos. ABNCC (Brasil, 2018) preconizaa importância
da formação do leitor literário e de desenvolver a possibilidade de fruição com a leitura,
prevendo a possibilidade dos alunos, no Ensino Médio, realizarem análises contextualizadas das
produções artísticas e dos mais diversos textos literários, destacando o uso dos clássicos, poucas
críticas são feitas na BNCC nas orientações para o campo artístico-literário. Defendendo que a
BNCC, não esclarece muito bem o valor da leitura literária clássica. Contudo, a escola deve
proporcionar espaço para a apreciação estética das obras, considerando igualmente a tradição
crítica e teórica em seu fazer, apresentando aos alunos as obras que se configuraram enquanto
tradição.
Desenvolvendo gosto literário na escola, mediando o prazer pela leitura, através de obras da
literatura infantoiuvenil
Antes de buscar estratégias para desenvolver gosto literário nas crianças e adolescentes que
estão na escola, existe uma etapa anterior e imprescindível. Cada educador precisará
desenvolver seu próprio gosto literário, que acabará por ser compartilhado com seus alunos, no
exercício profissional, exercendo de forma muito apropriada a mediação do prazer pela leitura,
nas escolhas acertadas e de conhecimento prévio, das obras da literatura infantojuvenil. E o que
pode acontecer com o educador?
Eu cresço, minha consciência se expande, eu vejo o mundo com mil olhos (os olhos dos meus
alunos), embriago-me diante da arte e supero o cotidiano por conta disso e, mais que tudo,
torno me uma pessoa mais convincente, em meus convites, quando solicito companhia para
novas contemplações. (PAULA, 2011, p. 40)
Cada professor precisará estar certo de que a literatura é, acertadamente, uma necessidade
universal, para todos, que na sua ausência deverá ser propiciada, para evitar a mutilação da
personalidade, porque pelo fato de dar forma aos sentimentos e à visão do mundo ela nos
organiza, nos liberta do caos e, portanto, nos humaniza. Negar a fruição da literatura é mutilar
nossa humanidade.
Sendo, essencial nesta tarefa de estimular o gosto literário, mediada pelo educador, junto às
novas gerações, estimulando o prazer pela leitura, com as obras da literatura infantojuvenil, ter
bastante clareza de suas escolhas e de suas certezas ao compartilhar saberes com os mais
jovens. Cabe então, ao professor de literatura, escolher as obras que proporá aos alunos, não
em função de uma atualidade que pode ser apenas um modismo, mas em função das qualidades
literárias de uma obra, passada ou recente. O tema não deve ser predominante na escolha,
porque o que caracteriza a obra literária é o como e não o que, sendo que a significação não
está, nela, separada da forma. (PERRONE-MOISÉS, 2008, p. 20)
É bom lembrar os que são crianças e adolescentes neste mundo contemporâneo, já nasceram
nativos digitais, que encontraram sentidos diversos no encontro com os textos literários da
literatura infantojuvenil, que já não são mais acessados apenas pelo livro físico, existindo
inúmeras formas digitais de ter contatos com tais produções literárias.
Abrindo tanto os seus significados quanto mostrar como eles são criados, na linguagem do autor.
Apoiando o aluno na busca de desvelamento dos sentidos da obra ou de pequenos elementos
que apoiarão no entendimento. Isso equivale ao aluno dizer ao educador: Você ampliou meus
horizontes e conferiu mais qualidade à minha vida. Isso só afirma que os educadores podem
fazer grandes encontros com seus alunos, mediados pelas obras de literatura infantojuvenil. E
certo que a literatura é um poderoso instrumento de educação, entrando nos currículos, sendo
proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo. Os valores que a sociedade
preconiza, ou os que considera prejudicais, estão presentes nas diversas manifestações da
ficção, da poesia e da ação dramática. (CANDIDO, 2011, p. 177). Para que a literatura
infantojuvenil possa entrar dentro da vida de crianças e adolescentes, nos dias de hoje, e operar
trazendo o gosto literário e o prazer na leitura, caberá ao professor procurar textos que possam
efetivamente dialogar com a sociedade em que o aluno vive e dela, muitas vezes, participa como
elemento ativo, quer como trabalhador formal ou informal. Além disso, é importante refletir
sobre o oferecimento de temáticas que tragam as dores existências e os sofrimentos comuns ao
viver, tais como separação, medo, abandono ou a morte, o medo, o abandono e a separação. E
comum designarmos esses temas como temas delicados quando pensamos no público infantil
e, com frequência, oferecermos resistência em aborda-los, especialmente no ambiente escolar.
Isso exige uma busca ativa por textos literários capazes de promover boas reflexões e debates,
indo além da procura em tais textos de simples evidências dos tempos que vivemos e as
temáticas próximas das vidas dos alunos. E importante que as temáticas que tocam próximos
das vidas dos alunos estejam modificados esteticamente pelo fazer literário, buscando o estético
que a arte poderá proporcionar aos alunos. Além dessa busca de entrosamento estético-
temático, há que se encontrar um diálogo constante com outras obras, autores e tempos, a fim
de que não se perca de vista toda a produção textual artística da humanidade. O professor-
mediador, movido pelo desejo de fazer com que seus educandos se tornem leitores, gostem de
ler, partindo de obras da literatura infantojuvenil que lhe apresentem outros mundos e eras
passadas, capazes suficientemente de serem articuladas com o hoje e o aqui em que estão tais
meninos e meninas. Desde as tarefas modeladoras, contidas nas epopeias, nas narrativas míticas
e tribais orais e posteriormente escritas; nas histórias infantis dos contos maravilhosos e das
lendas carregadas de seres elementais, toda a trajetória humana está preservada e vem sendo
vinculada através de centenas de gerações. Nada é equivalente à arte e a literatura nesse
processo de portar e transferir às gerações posteriores a essência do humano. (PAULA, 2011, p.
34).
Para cada pessoa uma determinada obra infantojuvenil respondeu às suas questões mais
íntimas, fazendo com algumas coisas que nem eram muito claras, se tornassem água cristalina.
A literatura infantojuvenil traduz para o leitor a realidade dele, mesmo a mais íntima, fazendo
uso de uma simbologia que, se exige, para efeitos de análise, a atitude decifradora do intérprete,
é assimilada pela sensibilidade da criança. O certo é que a literatura, feita para qualquer faixa
etária ou para múltiplas é um instrumento consciente de desmascaramento, pelo fato de
focalizar as situações de restrição dos direitos, ou de negação deles, como a miséria, a servidão,
a mutilação espiritual. Desenvolvendo o gosto literário entre seus alunos, mediando o prazer
pela leitura, através de obras da literatura infantojuvenil, o educador deverá já estar convencido
que os livros infantojuvenil, estes maravilhosos textos literários poderão aproximar as crianças
e incluí-los em outras espécies de textos, que serão oportunas para o público infantojuvenil,
para que cada criança que leia possa tornar-se um cidadão apto; porque a literatura, quando o
leitor dispõe de uma capacidade de leitura que não é inata, mas adquirida, dá prazer (e a função
do professor é exatamente a de demonstrá-lo). Isso favorecerá o surgimento de leitores mais
plurais, pluralidade que se constata na competência de ler diversos gêneros textuais e na sua
capacidade interpretativa, capacidade essa inesgotável. Outro recurso extremamente
contemporâneo é o uso de novas tecnologias, capaz de proporcionar originais configurações de
criação artística e a instaura universos literários e de relações humanas, cada vez mais
motivadores e propícios para o desenvolvimento da imaginação criadora e, consequentemente,
de indivíduos mais aptos para a vida em sociedade. As obras de literatura infantojuvenil deverão
chegar aos seus pequenos leitores e estes precisam receber o impacto de cada produção
literária, em suas vidas. E isso ocorre encontro entre da mensagem com a sua organização.
Assim, o conteúdo só atua por causa da forma, e a forma traz em si, virtualmente, uma
capacidade de humanizar devido à coerência mental que pressupõe e que sugere.
Utilizando o livro infantojuvenil em sala de aula é conveniente perceber que no nosso país a
literatura dedicada a este público, crianças e adolescentes, iniciou, historicamente, com um foco
forte e escolha firme por obras assumidamente pedagógicas, além de uma aposta na tradução
e adaptação de livros editados em Portugal, o pais colonizador do Brasil. A formação de novos
leitores, dentro do público infantojuvenil, exige o enfrentamento de todas as dificuldades que
possam isolar livro infantojuvenil e seu público. Isso exige tanto Políticas Públicas com este fim,
como programas bem estruturados e que levem os livros infanto-juvenis às escolas e assim
possam ser utilizados. Na dimensão territorial gigantesca e nas condições econômicas da
maioria da população, o espaço escolar e a biblioteca da escola pública passam a ser,
provavelmente, a exclusiva forma de encontro: meninas e meninas, com os livros infantojuvenil.
Isso ajudará no importante encontro entre cada criança e cada adolescente que vão sendo
formados como leitores, adquirindo cultura literária, conhecendo os gêneros literários e
escolhendo os seus preferidos, vasculhando os mundos externos e internos dos autores que
conhecem na escola e aprendem a amar, refletindo sobre temáticas de tempos e povos remotos
e adquirindo seus encontros com os seus livros clássicos preferidos. Esforços para aproximar as
crianças e os adolescentes dos livros infanto-juvenis nas escolas se tornaram mais consolidados
no final do século passado, com o chamado Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNDE.
Assim muitos livros infanto-juvenis, de autores brasileiros e estrangeiros, chegaram às mãos das
crianças, com diversificado número de obras voltadas aos estudantes brasileiros, de norte ao sul
do país, da Educação Infantil ao Ensino Médio, por todo o desenrolar da Educação Básica. Isso
trouxe bons resultados, já que é impossível desmentir que grande parte da população brasileira
não possui recursos para comprar livros. E os livros são bem caros para a grande parte da
população empobrecida. Sendo ainda muito escolhidos, pelos professores, livros de contos de
fadas ou de animais, temas bem antigos e que continuam animando os leitores infantis
brasileiros, além de muitos outros temas mais atuais e relativos aos problemas de
enfrentamento da preservação ambiental e as nossas diferenças étnicas, entre outras. Trazer
para dentro da sala de aula, boas e criativas possibilidades de utilizar o livro infantojuvenil,
abrindo possibilidades de conhecer diversos autores e seus livros infantojuvenil, remete ao fato
de existirem muitos e distintos encontros entre o ensino e literatura, ocorrendo que esta dupla
se interpenetram de diversos modos, variando segundo a concepção como foi entendida a
capacidade de os livros serem absorvidos e utilizados pelos professores. Sendo imprescindível
que o educador tenha sólido conhecimento anterior do livro infantojuvenil e do autor, antes de
leva-lo à sala de aula para utiliza-lo crianças e adolescentes.
Outra indagação bem pertinente é sobre a validade de utilizar as obras clássicas e as obras
atuais, ao mesmo, na escola.
É evidente que ambos podem e devem aparecer nas escolas. Não cabendo o questionamento
das razões para ler os livros infantojuvenil, escritos por autores clássicos, já tão afastados no
tempo e da realidade cotidiana dos alunos? Nessa mesma linha de entendimento, aprender
poesia seria algo totalmente dispensável visto que ela não tem qualquer utilidade imediata. Os
livros infanto-juvenis possuem mesmo conexão com os chamados livros clássicos. Trabalhar os
livros clássicos em sala de aula é uma ideia que não deverá ser descartada. Exigindo que os
professores os leiam, antes de proporem aos alunos a leitura. Os livros clássicos são aqueles
inesquecíveis, que causam uma imediata e gostosa lembrança, ao falar para alguém sobre eles.
E que voltam a ser lidos e são recomendados aos outros leitores, visíveis em outras criações
literárias posteriores as suas escritas e aos seus autores. Os clássicos são aqueles livros que
chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si
os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na
linguagem ou nos costumes).
Você pode não ter lido a Odisseia, mas provavelmente já leu outros livros ou entrou em contato
com manifestações artísticas que releem esse clássico, e assim também o conhece, mesmo que
indiretamente. Há, inclusive, uma expressão bastante consagrada e que você provavelmente já
escutou: quando, por exemplo, uma tarefa dá muito trabalho e acaba levando muito mais tempo
para realizá-la do que imaginamos no princípio, dizemos que foi uma 'odisseia' concluí-la
(MINUZZI, 2017, p. 14).
Assim, não se deve anular a possibilidade de aproximar os alunos desta possibilidade de ter um
livro clássico nas suas mãos. É importante acreditar que eles terão a possibilidade de
contemporaneizar obras e autores bem antigos. E clássico aquilo que persiste como rumor
mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível. Alguns Exemplos de autores clássicos
são: Sófocles (século V a.C) que escreveu obras maravilhosas e que nos tocam até hoje Ajax,
Antigona, As Traquinais, Edipo Rei, Electra, Filoctetes e Edipo em Colono. William Shakespeare
escreveu inúmeras peças teatrais e também poemas - a quantidade de obras escritas, bem como
a diversidade de assuntos abordados e de opiniões expressas, levou, inclusive, ao
questionamento se todos teriam a mesma autoria. Já Miguel de Cervantes, o criador do
conhecido, Dom Quixote, personagem que quer ardentemente ser um herói de cavalaria e crê
cegamente que o é - porém, a narrativa nos mostra um homem beirando à loucura, que combate
moinhos de ventos acreditando serem ferozes gigantes.
Quando um leitor está capacitado para ler interpretando o que é lido, nesta tarefa de interpretar
o texto, ele correlaciona-o à sua situação pessoal, de modo que a significação textual passa a
impregnar-se de sentido, isto é, da experiência humana, cultural e historicamente situada,
possibilitando que o texto se interponha como uma ponte entre o leitor e o mundo. Isso levar
ao estabelecimento de uma relação entre texto e contexto, o leitor responde à pergunta: Qual
é o sentido do texto? E simultaneamente encontra respostas para questões que o afligem. Isso
demanda um leitor capaz de fazer uma leitura crítica, possibilitadora de reflexão e de recriação,
porque atua sobre o sujeito, transformando-o e mobilizando-o para a produção ou criação de
um outro texto: o texto do leitor. O que pode se esperar entre o momento em que crianças de
Educação Infantil recebem livros habilmente ilustrados que as levam a perceber detalhes
significativos sobre a realidade exterior e falem as suas indagações intimas até a chegada no
Ensino Médio, já consolidadas como leitoras com autonomia, criticidade e liberdade, o esperado
é que a escola tenha feito o seu papel na formação dos leitores. Neste momento final da
educação básica é esperado que o leitor tenha consolidado a sua capacidade de relacionar os
livros que lê relacionando-a às manifestações do presente e do passado e integrando-a a outros
campos de expressão artística ou de conhecimento. A leitura transcende, mais uma vez, o
espaço do texto para integrar os horizontes de recepção e de produção e para fundamentar a
interpretação com dados do contexto estético-histórico-cultural que incluem a biografia do
autor, o estilo da época, as posições da crítica. (ASSMANN; MUGGE, 2008, p.50).
Fantasia é aquela faculdade humana referente a imaginação. Na sua etimologia, esta palavra
carrega o significado de uma capacidade da humanidade para conseguir reproduzir fatos
anteriores, já distanciados da vida cotidiana, usando imagens mentais ou representação de fatos
irreais, no dia-a-dia. A narrativa repleta de fantasias é o conto de fadas. Que ganharam este
nome para serem distinguidos entre aquilo que a dura vida dos povos medievais e suas lutas
pela sobrevivência e algo distinto que alterar-se em fantasia. E, assim, seguiu pela história da
literatura infantojuvenil. Até encontrar explicações psicanalíticas e que já ninguém mais dúvida
serem verdadeiras. Como a seguinte: Ingressando no mundo da fantasia e da imaginação,
crianças e adultos garantem para si um espaço seguro em que os medos podem ser
confrontados, dominados e banidos. A fantasia é algo intrínseco a vida infantil. É importante,
aos educadores que trabalham com literatura Infantil compreender que a fantasia auxilia nos
entendimentos, trazendo algum alivio a falta de entendimentos de muitas coisas ao redor dela.
Assim, a criança recorre as fantasias, nas suas tentativas de entender o mundo e a realidade que
a cerca. Desde o século XVII em livros e antes disso nas narrativas histórias de muitos povos,
como nos contos de fadas, a fantasia contida nos contos faz seu encontro maravilhoso com as
fantasias que já passam na cabeça das crianças. As histórias infantis são contos bem antigos e
ainda hoje podem ser consideradas verdadeiras obras de arte, lembrando sempre que seus
enredos falam de sentimentos comuns a todos nós, como ódio, inveja, ciúme, ambição, rejeição
e frustração, que só podem ser compreendidos e vivenciados pela criança através das emoções
e da fantasia. (RESSUREIÇAO, 2010, p.19)
A fantasia pode ser capaz de colaborar com as compreensões das crianças, pelo simples fato de
se aproximar mais do modo como elas veem o mundo, pois ainda são incapazes de compreender
respostas realistas. Não esqueçamos que as crianças dão vida a tudo. Para elas, o sol é vivo, a
lua é viva, assim como todos os outros elementos do mundo, da natureza e da vida. Sentimentos
pouco compreendidos intimamente vão aparecendo nos personagens que todos conhecem dos
contos de fadas e do viver, todos montados em uma materialidade distinta da realidade,
simbólica, com acontecimentos fantásticos. Assim, vivem melhor com o apoio destes instantes
fantásticos e distanciados do real, com situações sendo reveladas aos poucos, bem guardados.
A literatura infantojuvenil é, desde o seu nascimento, o depositário de diversas histórias repletas
de acontecimentos fantásticos. Na encantadora obra de Bettelheim (1980), sobre os contos de
fadas, ficou bem explicitado o potencial que os acontecimentos fantásticos, contidos em muitas
histórias infantis trazem para as crianças. Aliviando problemas psicológicos relacionados ao
crescimento, superação de decepções, dilemas, rivalidades entre irmãos, ser sustentáculo forte
para abandonar dependências das crianças, despertar positivos sentimentos de individualidade
e autovalorização, encarando pela frente o sentido de obrigação moral e sendo capaz de se
entender melhor com as suas instâncias mais ocultas da sua personalidade, como o
inconsciente.
A fantasia ajuda intimamente as crianças, trazendo-lhes habilidade de lidar com as coisas, não
através da compreensão racional da natureza e conteúdo de seu inconsciente, mas
familiarizando-se com ele através de devaneios prolongados - ruminando, reorganizando e
fantasiando sobre elementos adequados da estória em resposta a pressões inconscientes, o que
capacita a lidar com este conteúdo. (BETTELHEIM, 1980, p. 16). Isso os educadores podem
encontrar dentro dos velhos, e sempre atuais, contos de fadas, valorosos conteúdos e que
trazem novas dimensões à imaginação da criança que ela não poderia descobrir
verdadeiramente por si só. E ainda, com suas formas e estruturas sugerem imagens à criança
com as quais ela pode estruturar seus devaneios e com eles dar melhor direção à sua vida.
Oferecer livros para crianças é trazer estes elementos do fantástico. A própria ficção feita para
elas poderá dispor com maior liberdade da imaginação e dos recursos da narrativa fantástica,
ela extravasa as fronteiras do realismo. E tal propriedade, levada às últimas consequências,
permite a exposição de um mundo idealizado e melhor, embora a superioridade desenhada nem
sempre seja renovadora ou emancipatória. Os livros infanto-juvenis, como fábulas e contos de
fadas, encenam, sem fim, as lutas do bem contra o mal, mantendo através dos tempos a
presença da fantasia em seus enredos, como uma tradição bem preservada, que levam às
crianças o mundo encantado. Baseado nas maravilhosas redes de sonho e imaginação, é possível
agregar, em função das mudanças históricas e sociais, elementos e espaços novos do universo
infantil, que promovam uma atualização das narrativas sem que se perca a fantasia. E, em nome
desta tradição, que foi capaz de preservar a fantasia e atualizá-la, trazendo para dentro da escola
uma possibilidade de com potenciais incríveis. O imaginário, o fantástico, a irreverência, o
lúdico, o poético: ingredientes que emergem das obras, que se mesclam e que tornam a
literatura mais importante na formação humanista da criança e dos futuros adultos, homens e
mulheres do século XXI. (PAIVA; SOARES, 2008, p. 108).
Os Irmãos (p.149) Grimm aparecem no cenário europeus, onde viveram entre os séculos XVIII e
XIX trazendo as Narrativas do Fantástico-Maravilhoso de fundo folclórico ou popular, são as que
decorem do mundo da Fantasia, perfeitamente reconhecível como diferente do mundo real,
conhecido. O que eles buscavam eram as origens da realidade histórica nacional e dão de frente
com a fantasia, o fantástico, o mítico... e uma grande Literatura Infantil surge para encantar
crianças do mundo todo. É através deste trabalho primoroso dos Irmãos Grimm que o professor
pode trazer para a sala de aula as narrativas do fantástico maravilhoso porque todas elas, a
despeito de serem diferentes espécies literárias, pertencem ao mundo do imaginário ou da
fantasia.
Essas narrativas dos Irmãos Grimm, são encantadores, não devem ser desprezados por
trazerem: contos de encantamento = estórias que apresentam metamorfoses ou
transformações, por encantamento) ou contos maravilhosos = estórias que apresentam o
elemento mágico, sobrenatural, integra- do naturalmente nas situações apresentadas).
Apresentam também algumas fabulas = estórias vividas por animais); lendas (= estórias ligadas
ao princípio dos tempos ou da comunidade, e nas quais o mágico ou o fantástico aparecem como
"milagre" ligado a alguma divindade); contos de enigma ou de mistério (= estórias que têm como
eixo um enigma a ser desvendado); e contos jocosos (ou faceciosos, humorísticos, divertidos...).
(COELHO,2010, p. 152). Já as personagens das estórias maravilhosas vivenciam muitas
metamorfoses, bem aceitas por todos as personagens sofrem constantes e terríveis
transformações (normalmente adquirindo uma forma animal), sempre em consequência da
vontade maléfica e todo poderosa de alguém com poderes sobrenaturais. E tais personagem
seguem resignados aos fatos, pois são impotentes diante do Mal, que tudo decide. Um único ser
resiste a esse determinismo mágico e o vence: é o herói (ou a heroina), evidentemente quando
for essa a tarefa que lhe cabe cumprir, resistir ao Mal e vencê-lo. Bettelheim (1980) define que
o herói do conto de fadas possui um corpo capaz de fazer atos fantásticos. A criança se identifica
com o poderoso personagem que vence todo o mal. Tal identificação permite que ela consiga
conviver melhor com todas as suas inadequações, imaginárias ou reais, do corpo dela. Assim,
imagina que agora é herói e pode fazer coisas fantásticas e inimagináveis. Satisfaz com a
fantasia, com atos fantásticos que o seu herói preferido faz facilmente, satisfeitos em fantasia
para ficar em paz consigo mesma e com seu corpo. Este fabuloso encontro com os personagens
e com seus feitos fantásticos precisam ser vivenciados. Ao ouvir tais histórias é importante ter
a oportunidade de meditar sobre eles, na escola, recomenda Bettelheim (1980). Entendendo a
importância da exteriorização de personagens e acontecimentos fantásticos na literatura
infantojuvenil, a luz da psicanálise e da obra de Bettelher (1980), fica evidente que a criança vive
imersa na fantasia. Sendo que a fantasia preenche grandes lacunas para determinados e
essenciais entendimentos, impossíveis por outras vias, dada imaturidade ainda considerável da
criança. Os contos de fadas, à diferença de qualquer outra forma de literatura, dirigem a criança
para a descoberta de sua identidade e comunicação, e também sugerem as experiências que
são necessárias para desenvolver ainda mais o caráter. Os contos de fadas declaram que uma
vida compensadora e boa está ao alcance da pessoa apesar da adversidade - mas somente se
ela não se intimidar com as lutas do destino, sem as quais não se adquire verdadeira identidade.
Estas estórias prometem à criança que, se ela ousar se engajar nesta busca atemorizante, os
poderes benevolentes virão em sua ajuda, e ela o conseguirá. (Bettelheim, 1980, p. 32) São nos
contos de fadas que as crianças irão encontrar seus personagens necessários para a
exteriorização dos seus sentimentos mais íntimos, suas confusões, suas imprecisões. Ela vai
pegar tais personagens para exteriorizar seus desejos destrutivos, buscando satisfações, sempre
que tais personagens forem capazes de inspirar a identificação e a exteriorização de seus
sentimentos bem profundos. Assim, a fada boa poderá exteriorizar seus devaneios e a fada ma
conseguirá ser potente para uma exteriorização daqueles desejos destrutivos, sendo o lobo que
quer engolir a chapeuzinho eficaz na exteriorização daqueles receios que nem fala para
ninguém. Animais ferozes podem exteriorizar suas raivas, ciúmes e aborrecimentos. Tantas
contradições podem ser exteriorizadas, com o apelo da arte de contar narrativas, inventada pela
humanidade e que podem aliviar as dores existências e permitir que as novas gerações vivam
suas infâncias com momentos de alívio, com esta gama maravilhosa de fantásticos personagens
e acontecimentos, patrimônio cultural da humanidade e sempre reafirmadas pelos meninos e
meninas.