Kragh - Introducao A Historiografia Da Ciencia - 2001
Kragh - Introducao A Historiografia Da Ciencia - 2001
Kragh - Introducao A Historiografia Da Ciencia - 2001
Sumario
Prefacio V
3. Objectivos e justificacao 37
7. Hist6ria hipotetica 79
8. Estrutura e organizacao 85
9. Hist6ria da ciencia anacr6nica e diacr6nica 99
10. Ideologia e mitos na hist6ria da ciencia 119
Bibliografia 217
Indice 231
IV IINTRODU<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA CIENCIA
Helge Kragh
Aarhus, Abril de 2002
PREFAcIO Iv
Prefacio
A presente obra tern por tema aquilo que penso ser 0 essencial da his-
toriografia da ciencia. Nela abordo uma serie de problemas que, sugiro,
SaD de importancia fundamental para qualquer autentico estudo histo-
HelgeKragh
Junho,1986
ASPECTOS DO DESENVOL VIMENTO DA HISTORlA DA CIENCIA 11
1. Aspectos do desenvolvimento
da historia da ciencia
Segundo estes, 0 atomismo nao devia a sua existencia ao pagao e ateu Demo-
crito, mas sim ao profeta Moises, Tal opiniao serviu para consolidar 0 ato-
mismo com autoridade social no seculo XVII. Gradualmente, a medida que a
ciencia passou a ser considerada merecedora de respeito por direito proprio, a
Antiguidade tornou-se des necessaria como forma de legitimacao e as referen-
cias aos grandes nomes do passado vieram a parecer superfluas.
A forma historica que embelezou grande parte da ciencia mais antiga esta
bem ilustrada nas obras de Joseph Priestley, The History and Present State of
Electricity (1767) e History and Present State of Discoveries Relating to Vision,
Light and Colours (1772). Trata-se de trabalhos pioneiros versando 0 que
entao era considerada investigacao de vanguarda, mas nem por isso deixavam
de ser apresentados como "historias". Priestley era urn entre os muitos que
encaravam a evolucao historica como parte natural das ciencias, uma recolha
do que fora alcancado e dos problemas ainda por resolver. Deste modo atri-
buiu-se urn papel a historia nas ciencias da epoca. Em total concordancia
com Priestley, 0 astronomo e historiador de astronomia frances, lean-Sylvain
Bailly encarava a historia da ciencia como urn relatorio sobre "0 que fizemos e
o que podemos fazer."?
Para Priestley e seus contemporaneos, a historia da ciencia era primordial-
mente urn utensilio, cujo valor dependia do progresso da investigacao levada
a cabo nessa altura.'
1 Sailor (1964), reimpresso em Russell (1979), pp. 5-19. Cf., tarnbem, Hunter (1981).
2 Bailly (1782), vol. 3, p. 315.
3 Priestley (1775), pp. VI-VII.
41 INTRODU<;AO A HISTORIOGRAFIA DA CIENCIA
hist6rias sao, como e evidente, muito mais necessarias num estado mais
desenvolvido da ciencia do que na sua infancia, Presentemente, as des-
cobertas filos6ficas SaD tantas, e tao dispersas as noticias que delas SaD
dadas, que nao e possivel a homem algum chegar a saber tudo 0 que foi
feito como base para as suas pr6prias investigacoes. E, segundo parece,
esta circunstancia tera atrasado em muito 0 avanco das descobertas.
Tomei como regra pessoal, e creio ter-lhe sido sempre fiel, nao tomar
em atencao os erros, equivocos e altercacoes dos estudiosos da electri-
cidade ... De born grado votaria ao eterno esquecimento todas as que-
relas que nao tenham contribuido para a descoberta da verdade. Se
dependesse de mim, nunca a posteridade viria a saber que alguma vez
houve algo como inveja, ciume e sofismas entre os admiradores do
meu estudo favorito.
modo de encarar a ciencia que seria seguido pela Royal Society no futuro. A
Royal Society e as actividades organizadas em ligacao a ela deveriam ser
4 Ibid., p. Xl.
ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO DA HISTORIA DA CIENCIA IS
baseadas numa visao empirica da ciencia, e nao nas ideias de foro mais dedu-
tivo, adoptadas por pensadores continentais como Descartes.
Devemos ter presente que, nos seculos XVII e XVIII, a palavra "historico"
era frequentemente usada em sentido diferente daquele que tern hoje. Urn
"fenorneno historico" significava frequentemente urn fenomeno factual, con-
creto, e uma "historia" meramente urn relato das condicoes factuais, sem que
fosse necessario que estas pertencessem ao passado. Por exemplo, as referen-
cias de Bacon a "historias" que deveriam ser investigadas pela ciencia futura
diziam respeito a assuntos ou areas de investigacao concretos. Mantivemos
este significado da palavra "historia" na expressao "historia natural".
A perspectiva verdadeiramente historic a, segundo a qual 0 passado tern
valor em si proprio e, por conseguinte, nao carece de legitirnacao relativa-
mente ao presente, era praticamente inexistente antes do seculo XIX. Havia
sem duvida pensadores, a nivel individual, em particular 0 filosofo italiano
Giambattista Vico (1668-1744), que destacavam a importancia da perspectiva
historica, Mas 0 pensamento de Vico permaneceu isolado ao longo de to do 0
seculo XVIII que, pelo contrario, se caracterizou por uma tendencia que so
pode ser descrita como anti-historica. A Era das Luzes encarou a historia
como urn instrumento de progresso no comb ate contra a antiga ordem feu-
dal. So a evolucao recente era digna de interesse, enquanto 0 passado era
geralmente encarado como irracional e inferior. Leibniz foi urn dos muitos
que acreditaram que 0 estudo da historia da ciencia podia contribuir para urn
conhecimento aprofundado de como tinham surgido as ideias cientificas.
Encarava a historia da ciencia como urn contributo para a forrnulacao da ars
inveniendi com que ele e muitos outros sonhavam:"
13 Darwin (1872).
14 Todhunter (1861), Todhunter (1865), Todhunter (1873).
15 Whewell (1837), Whewell (1840).
10 I INTRODUc,:AO A HISTORIOGRAFIA DA CI£NCIA
estudo das fontes primarias, nao fazia parte do programa de Whewell, 0 qual
se baseava numa leitura exaustiva mas algo fortuita das fontes contempora-
neas. Em vez de utilizar meramente a hist6ria da ciencia como uma coleccao
de exemplos de teses filos6ficas, Whewell queria apoiar-se na hist6ria, ou
inclusive, dela extrair uma metodologia cientifica exacta. Para Whewell a his-
t6ria e a unica fonte fidedigna para urn conhecimento filos6fico da ciencia,
Este ponto de vista e, por vezes, classificado como "historicista", em oposicao
ao ponto de vista "logicista" segundo 0 qual sao os criterios logicos que deter-
minam a filosofia da ciencia, sendo a hist6ria em principio irrelevante. Urn
contemporaneo de Whewell, 0 fil6sofo John Stuart Mill (1806-1873), defen-
deu uma posicao pr6xima do logicismo."
A nocao de hist6ria da ciencia defendida por Whewell e representativa da his-
t6ria orientada filosoficamente que foi adoptada e desenvolvida mais tarde, prin-
cipalmente por estudiosos que se inspiraram no positivismo. Mach, Berthelot,
Ostwald e Duhem eram todos eles cientistas de renome que combinavam a
perspicacia do especialista com urn interesse filos6fico pela hist6ria da ciencia.
Considerando a visao anti-hist6rica da ciencia que 0 positivismo logico veio a
erigir mais tarde, e extraordinario verificar ate que ponto 0 positivismo, nos
seus inicios, utilizou activamente a hist6ria da ciencia na sua argumentacao,
o interesse de Ostwald pela hist6ria da ciencia revelou-se atraves da publica-
~ao de uma serie de reedicoes de contributos classicos da fisica e da quimica, a
chamada serie Ostwald's Klassiker:" Iniciada em 1889, esta serie abrange mais
de 250 volumes de traducoes de textos originais. A intencao de Ostwald ao
publicar esses volumes era permitir que os cientistas tivessem urn acesso facil
as publicacoes originais dos seus predecessores, para que nao se vissem forca-
dos a consultar apenas extractos ou versoes inferiores. Vinte anos mais tarde,
Karl Sudhoff publicou uma serie correspondente de classicos da rnedicina."
A integracao da ciencia, filosofia e da hist6ria num to do e ainda mais evi-
dente em Ernst Mach (1838-1916), fisico e fil6sofo austriaco. Segundo Mach,
o metodo hist6rico era adequado para se obter uma melhor compreensao do
rnetodo cientifico. Die Mechanik, provavelmente a obra mais importante de
Mach, e caracteristica da sua visao relativamente a hist6ria da ciencia." A
intencao de Mach e principalrnente filos6fica, uma vez que mantern urn dia-
logo com os cientistas do passado, atraves do qual critic a os seus metodos e
CHFC-IHC-02
121 INTRODU<;:Ao A HISTOruOGRAFIA DA CIENCIA
Para dar urn exemplo, essa influencia pode ser encontrada na historiogra-
fia da quimica, Assim, Hermann Kopp (1817-1892) criticou a historiografia
simplesmente cronol6gica, assim como a sua tendencia para apresentar todo
o progresso em quimica a urn nivel linear direccionado para 0 presente." Urn
seu conternporaneo, historiador frances de quimica, Ferdinand Hoefer
(1811-1878) fez igualmente bastante uso do metodo critico." Baseou 0 seu
trabalho no estudo de textos originais, incorporou nele fontes da hist6ria da
medicina, da arte e da tecnologia e adoptou uma atitude critica em relacao a
textos que encaravam 0 progresso como fixado a partida. Contudo, a forma
como Hoefer utilizava 0 metodo critico modemo nao era tipica do seculo XIX,
altura em que urn requisito tao basico como 0 de fomecer referencias precis as
e distinguir entre fontes primarias e secundarias nao era ainda reconhecido
como uma necessidade. A obra Mechanik de Mach, ja mencionada, e caracte-
ristica sob esse aspecto. Mach baseou 0 seu livro numa leitura detalhada de
textos originais mas, em muitas das suas rnultiplas citacces, nao se da ao tra-
balho de indicar a sua fonte.
Em contraste com a hist6ria analitica de disciplinas individuais, baseada
num certo topico, encontra-se a hist6ria sintetica da ciencia, em que a enfase
e posta na unicidade da ciencia e na sua interligacao com outros aspectos da
vida social e cultural. De acordo como seu programa positivista, Auguste
Comte (1798-1857) defendeu este tipo de hist6ria da ciencia. Em 1832,
embora sem exito, propos a introducao de uma cadeira de Hist6ria da Ciencia
no College de France. Essa cadeira, a primeira do genero no mundo, foi even-
tualmente criada em 1892 e entregue a urn seguidor leal de Comte." 0 pai do
positivismo escreveu:"
S6 agora faz sentido criar uma tal cadeira, dado que antes os diferentes
ramos da filosofia natural nao tinham ainda adquirido 0 seu caracter
definitivo, nem tao-pouco revelado as suas varias ligacoes ... Nesta fase
do nosso conhecimento, 0 saber humano, uma vez que est a re!acio-
nado com as suas partes positivas, po de pois ser encarado como uma
unidade e, em consequencta, a sua hist6ria pode ser subsequentemente
compreendida. Mas a hist6ria da ciencia, impossivel sem essa uni-
dade, esforca-se por tomar essa unidade cientifica mais completa e
mais clara.
21 Kopp (1843-1847).
2Z Hoefer (1842-1843). Encontram-se pormenores sobre a historiografia da quimica em Weyer (1974).
23 0 professor era um certo Pierre Laffitte que, embora chefe da igreja positivista em Paris, era de uma
total incompetencia como historiador da ciencia. Ver Paul (1976).
24 Traduzido de Fichant e Pecheux (1971), p. 52.
ASPECTOS DO DESENVOLVlMENTO DA HISTORIA DA CIENCIA 113
o modo de exposicao design ado historico, ainda que pudesse ser rigo-
rosamente seguido relativamente aos pormenores de cada ciencia em
particular, permaneceria puramente hipotetico e abstracto no seu
aspecto mais importante, pois consideraria isoladamente 0 desenvolvi-
mento dessa ciencia, Ao inves de apresentar a verdadeira hist6ria da
ciencia, tenderia a dar uma impressao totalmente falsa dessa mesma
hist6ria. Estou convicto de que a hist6ria da ciencia e da maior impor-
tancia. Penso inclusivamente que ninguern conhece plenamente uma
ciencia enquanto nao conhecer a sua hist6ria. Mas tal estudo deve ser
considerado como inteiramente separado do estudo dogmatico da
ciencia, sem 0 qual a hist6ria seria ininteligivel.
2. Engels (1886), citado aqui a partir da traducao dinamarquesa, Marx e Engels (1971), vol. 2, p. 372.
ASPECTOS DO DESENVOL VIMENTO DA HISTORlA DA CIENCIA 115
No final do seculo XIX, houve uma tendencia entre alguns cientistas para
dar prioridade, unilateralmente, ao metodo cientifico, em detrimento dos
metodos em vigor nas humanidades, ineluindo a historia, Cientistas eminen-
tes como Wirchow, Haeckel e Ostwald, defendiam que 0 estudo da historia
devia ser radicalmente alterado e subordinado it nova cultura dominada pela
ciencia. Sem serem minimamente influenciados por Marx, falavam desdenho-
samente da tradicional "historia burguesa", com 0 seu enfoque em reis, guer-
ras e diplomacia. Pretendiam assim substituir esse tipo de historia por uma
historia universal baseada no progresso da ciencia. Como e natural, os histo-
riadores profissionais reagiram fortemente contra 0 que viam como reivindi-
cacoes arrogantes e agressivas por parte da ciencia. Na Alemanha, historiado-
res como Droysen, Dilthey e Meinecke sublinharam que a historia era uma
disciplina humanistica, uma Geisteswissenschaft, cujos metodos e objectivos
eram incompativeis com os das ciencias naturais. A distincao rigida entre os
dois tipos de conhecimento era urn factor que contribuia para 0 facto de os
historiadores ignorarem, na generalidade dos casos, a historia da ciencia e da
cultura. Em alternativa, esses campos eram deixados a cientistas e historiado-
res amadores. A historia da ciencia era atribuido urn papel primordial na
visao que os cientistas alemaes tinham de uma historia universal da cultura.
Assim, 0 fisiologo e fisico Emil Du Bois-Reymond (1818-1896) coneluia que
"a ciencia natural e 0 orgao absoluto da cultura e a historia da ciencia a histo-
ria da humanidade propriamente dita.?"
Uma determinada fraccao de historia da ciencia foi escrita por motivos
patrioticos, destinando-se a chamar a atencao para a excelen cia da ciencia da
nacao ou a defender exigencias de prioridade nacional. Raoul Iagnaux (1845-?),
por exemplo, apresentava a quimica como uma ciencia essencialmente fran-
cesa. Os historiadores e quimicos franceses prestavam uma veneracao quase
religiosa a Lavoisier, consider ado nao so como 0 fundador da quimica, mas
tambern urn simbolo do poderio frances." Muitos alernaes minimizaram a
importancia historica de Lavoisier e, em contrapartida, destacaram 0 papel
desempenhado pelos quimicos alernaes anteriores, como Paracelso e Stahl.
Essa historia baseada em motivacoes nacionalistas significava que a ciencia se
tornara urn emblema de prestigio, urn factor ideologico de importancia
nacional. A historia da ciencia tambern viria a desempenhar urn papel fulcral
27 Schorlemmer (1879).
28 Du Bois-Reymond (1886), p. 271. Cf. Mann (1980).
29 Jagnaux (1891). Ver tambem Bensaude-Vincent (1983).
161 INTRODUC;:AO A HISTORIOGRAFIA DA CIENCIA
30 Draper (1875).
31 E vasta a literatura versando hist6ria da medicina. Como introducao, ver Pelling (1983).
32 Guerlac (1963), p. 807. E possivel encontrar inforrnacao bibliografica pormenorizada sobre 0 desen-
volvimento da.hist6ria da ciencia em Thackray (1980) e em Corsi e Weindling (1983).
ASPECTOSDO DESENVOLVIMENTODA HISTORIADA CIENCIA 117
sua atitude critica relativamente as historias das ciencias particulares que ate
entao tinham constituido a maior parte da historia da ciencia transparece na
seguinte citacao: 33
33 Tannery (l912-1950), vol. 10, p. 106. Aqui citado de Hall (1969), p. 212.
34 Duhern (l905-1907), Duhern (l906-1913), Duhern (l913-1959).
35 Duhern (l905-1907), vol., p. Ill.
181 INTRODU<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA CI£NCIA
36 Wohwill (1909).
37 Heiberg (1912).
38 Merz (1896-1914).
39 Dannemann (1910-1913). Darmstaedter (1906).
ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO DA HISTORIA DA ClJONCIA 119
44 Sarton (1936), p. 5.
45 Sarton (1927.1948).
ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO DA HISTORIA DA CIENCIA 121
final do seculo XIX e on de 0 clima ideo16gico era favoravel as suas visoes. Esse
antecipado interesse americano estava ligado ao desejo de atrair estudantes
para as ciencias naturais progressivas. Havia em grande parte uma tendencia
propagandistica e mission aria. A hist6ria da ciencia tinha de ter uma intencao
moral, para se to mar 0 brilhante relato do progresso triunfante da razao cien-
tifica atraves do mundo inteiro. Num prospecto de 1914, 0 ana anterior a
chegada de Sarton aos EUA, afirmava-se que "uma visao geral das ciencias
tende a aumentar 0 respeito mutuo e a elevar 0 sentimento hurnanitario, A
hist6ria da ciencia pode ser ensinada a gentes de todos os credos e cores, e nao
pode deixar de incutir no coracao de todo 0 homem ou mulher jovens a fe no
progresso humano e a boa vontade para to do 0 genero humano.?"
Como e natural, Sarton nao era 0 unico responsavel pelo movimento da
nova hist6ria da ciencia. Charles Singer (1876-1960), pelo menos, devera ser
igualmente referido. Foi ele 0 responsavel pela criacao de urn Departamento
de Hist6ria e Metodos da Ciencia no University College, Londres, em 1923. A
visao de Singer relativamente a hist6ria da ciencia coincidia, em termos
gerais, com a de Sarton.
Concluimos assim este esboco sobre a hist6ria da hist6ria da ciencia, Par-
tes do seu desenvolvimento posterior serao discutidas nos capitulos seguintes.
2. Historia da ciencia
I "A distincao entre a historia tal como aconteceu (0 curso dos acontecimentos) e a historia como e
pensada, a distincao entre a propria historia e a historia meramente experimentada tern de desapare-
cer; nao e apenas falsa, e destituida de sentido." Oakeshott (1933), p. 93. Cf. a discussao em Danto
(1965), pp. 71 e seguintes.
241 INTRODU<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA CIENCIA
esta visao idealista da historia. E, ainda que 0 fizessernos, isso dificilmente tra-
ria muita diferenca, em term os praticos, para a investigacao historica.
o termo historiografia provern muitas vezes de Hz, significando textos
sobre historia, Na pratica, a historiografia pode ter do is significados. Pode sig-
nificar simples mente escrita (profissional) sobre historia, ou seja, descricoes
dos acontecimentos do passado escritas por historiadores. Mas pode igual-
mente significar teoria ou filosofia da historia, ou seja, reflexoes teoricas sobre
a natureza da historia (Hz). Com este ultimo significado, a historiografia e
pois uma metadisciplina, sendo 0 seu objecto Hz. A historia puramente des-
critiva nao sera historiografia em si mesma, mas po de ser alvo de uma analise
historiografica,
A historia tern a ver com as actividades humanas, de preferencia com as
actividades socialmente relevantes. Ha facto res nao humanos que se incluem
naturalmente na historia, uma vez que influenciaram actividades humanas.
Por exemplo, se estivermos interessados na agricultura da Baixa Idade Media,
temos de tomar em consideracao as variacoes climaticas durante esse mesmo
periodo. 0 clima nao revela urn desenvolvimento historico mas sim temporal.
Quando se fala da historia do clima ou da historia das estrelas e num senti do
diferente, mais trivial, que a historia propriamente dita, a qual se liga exclusi-
vamente ao comportamento e conhecimento humanos. Segundo Olaf Peder-
sen, a historia da ciencia nao se relaciona especialmente com problemas "his-
toricos" no sentido aqui utilizado. "A historia," diz ele, "e apenas 0 estudo do
desenrolar no tempo deste ou daquele acontecimento humano, atraves de
uma serie de condicoes sucessivas ... nos construimos urn ponto de vista histo-
rico a partir do momenta que comecamos a organizar os acontecimentos
tendo 0 tempo como parametro."! Contudo, esta atitude nao con segue captar
o caracter unico da historia, nem cobre totalmente a pratica historica, 0 mero
relato cronologico das varias fases de urn acontecimento ("Acordei as 6,30,
tomei 0 pequeno-almoco as 7, fui para 0 trabalho as 7,40 ... ") nao e historia,
Por outro lado, os estudos historicos podem perfeitamente incluir urn mergu-
lho num passado em que a organizacao temporal ou nao e incluida ou nao
tern qualquer importancia.
De acordo com muitos historiadores, os fenomenos devem ser suscepti-
veis de ser descritos na sua individualidade condicionada pelo tempo e pelo
local, para poderem ser especificamente historicos, 0 que esta subjacente a
esta formula e a ideia de que os acontecimentos que sao historic os sao unicos
2 Pedersen (1975), p. 8.
HISTORIA DA CI~NCIA 125
historiador.
A ciencia (C2) historicamente relevante diz respeito as actividades ou
comportamentos dos cientistas, incluindo factores de importancia para aque-
les, des de que essas actividades estejam relacionadas com empreendimentos
cientificos. Assim, C2 e ciencia como comportamento humano, quer esse
comportamento conduza ou nao a urn conhecimento verdadeiro e objectivo
7 Beyerchen (1977). Muitos dos mais conceituados historiadores da ciencia nunca tiveram uma forma-
cao cientifica. Bastara talvez mencionar os nomes de Edwin A. Burtt, Alexandre Koyre e Herbert But-
terfield.
8 Canguilhem (1979), p. s.
9 Ha, evidenternente, numerosos exemplos de obras que negligenciam injustificadamente os aspectos
tecnicos da ciencia de que se ocupam. Assim, Lewis Feuer analisa extensivamente as contribuicoes de
Einstein, Bohr e Heisenberg, ao que parece sem ter lido nem compreendido as suas obras cientificas.
Ver Feuer (1974).
CHFC-IHC-03
281 INTRODU<;:Ao A HISTORIOGRAFJA DA ClENClA
10 A definicao de Sarton de hist6ria da ciencia, tal como e dada em Sarton (1936), projecta assim sobre 0
passado um ideal empirista moderno, Como se disse no capitulo I, a definicao de Sarton tornava
muitos homens importantes da ciencia, como Galeno, cientificamente desinteressantes.
1\ Ross (1962).
HISTORIA DA ClENClA 129
12ShapineThackray(1974),p.ll.
13Gillispie (1970-1980), vol. 1, prefacio. Relativamente a demarcacao da "ciencia", os editores do Dictio-
nary afirmaram ser sua politica cobrir as areas "que nos tempos modernos entram na esfera de accao da
maternatica, fisica, quimica, biologia e geociencias" (0 italico e meu). Ibid.
30 I INTRODU<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA CIENCIA
em (pelo menos) duas pessoas cada urn, urn tecnologo e urn cientista, e
estuda-los como individuos separados. E isto e tanto mais assim, quanta e
certo que a distincao entre ciencia e tecnologia e relativamente recente. Aeon-
tece apenas que as inovacoes especificamente tecnologicas nao pertencem ao
dominio exclusivo da historia da ciencia, A historia da tecnologia e dema-
siado importante para ser tratada como urn apendice da historia da ciencia.
Devia ser tratada, em primeiro lugar, como urn tern a independente e merece-
dor de estudo por direito proprio. Felizmente, tem-se verificado ultimamente
urn acrescimo de interesse em faze-lo."
Ao avaliar 0 primeiro grupo de actividades mencionado, que pode incluir 0
14 Tal como 0 testemunha 0 crescente nurnero de publicacoes peri6dicas especializadas, por exemplo,
Technikgeschichte, Technology and culture e History and Technology.
150 executor testamentario de Newton, Thomas Pellet, considerou as rimas de textos soltos e manuscri-
t05 nao cientificos "papeis revoltantes, lixo" que "nao mereciam ser impresses". 0 primeiro grande
biografo de Newton, 0 fisico David Brewster, ficou ernbaracado ao deparar com os interesses menos
ortodoxos e, consequentemente, minimizou-os na sua biografia. Brewster (1855).
HISTORIA DA CIENCIA 131
que essa linha nao tern grande significado e quebra a continuidade historica
de maneira artificial. Os monumentos megaliticos, como, por exemplo, Sto-
nehenge, foram utilizados provavelmente com fins astronomicos. Partindo
deste principio, os monumentos SaG a prova de uma actividade cientifica pri-
mitiva. A parte mais antiga de Stonehenge data de 2700 a.c. pelo que, creern
muitos cientistas, faz parte da historia da ciencia." A data aceite como sendo
o inicio da historia da ciencia depende das fontes disponiveis e da flexibili-
dade que queiramos conferir ao termo ciencia. Gordon Childe atribui de born
grado actividades cientificas a seres que viveram antes do Homo Sapiens com
base no argumento de que 0 fabrico de ferramentas e uma forma embrionaria
de ciencia. "Podera parecer urn exagero, mas nao deixa de ser verdade que
qualquer ferramenta e uma incorporacao de ciencia. Isto porque e uma apli-
cacao pratica de experiencias recordadas, comparadas e recolhidas da mesma
especie que as que foram sistematizadas e sintetizadas em formulas, descri-
coes e prescricoes cientificas.r'" Nao e particularmente importante que se
aceite ou nao que Stonehenge ou 0 conhecimento neolitico da natureza per-
tencem a historia. Na realidade, pouco importa que tais fenornenos sejam
estudados por historiadores da ciencia, por arqueologos ou etnologos, desde
que sejam estudados.
Nao ha uma delimitacao temporal natural para a historia da ciencia.
Embora, tradicionalmente, a historia trate 0 passado, e dificil encontrar
argumentos convincentes segundo os quais 0 presente nao se prestaria a urn
tratamento historico. De facto, nos ultimos anos tem-se verificado uma ten-
dencia crescente para escrever historicamente mesmo acerca de actividades
cientificas correntes ou muito recentes. Contrap6e-se por vezes que historia
contemporanea da ciencia e uma designacao ilegitima. Algumas das objec-
coes mais comuns SaG as seguintes: (1) A historia contemporanea (da cien-
cia) diz respeito a cientistas vivos e aos seus resultados e baseia-se sobretudo
nas recolhas e declaracoes escritas de cientistas vivos. 0 historiador do
nosso proprio tempo que se serve dessas fontes tera dificuldade em alcancar
22 A arqueoastronomia trata da astronomia pre-historica, Nos ultirnos tempos, este campo atraiu grande
atencao e esta presentemente estabelecido como um subcampo da historia da ciencia. Tem 0 seu pro-
prio jornal, Archaeoastronomy (publicado pela primeira vez em 1979), que se ocupa exclusivamente
de astronomia pre-historica. A ideia de que Stonehenge foi criado como uma especie de observatorio
astronornico foi defendida no seculo XIX por Normal Lockyer, mas so fundamentada nestas ultimas
decadas, Ver Thom (1971). Contudo, a interpretacao arqueoastronornica dos megalitos nao foi aceite
por todos os especialistas. Assim, um arqueologo considera-a "uma especie de versao acadernica apu-
rada de arqueologia de astronauta ... As interpretacoes parecem ser subjectivas, e impostas pelo obser-
vader". Daniel (1980), p. 7l.
23 Childe (1964), p. 15.
341 INTRODUC;:AO A HISTORIOGRAFlA DA CllONClA
... nao se po de conduir que a historia da ciencia, como his tori a, seja
crucial, excepto para os casos em que a teoria em questao tenha sido
defendida no passado. Suponhamos, por exemplo, que, para avaliar
cabalmente as provas, em 1953, da existencia e singularidade do ADN,
tinhamos de examinar 0 desenvolvimento dessa teoria de 1945 a 1953.
Isso nao iria requerer os talentos especiais de um historiador da cien-
cia ... certamente que 0 estudo de desenvolvimentos em ciencia nao
requer quaisquer tecnicas historicas especificas - ou, pelo menos, nao
as tecnicas agora ensinadas por alguns historiadores da ciencia.
26 Urn exemplo: na sua muito louvada biografia de Einstein, Abraham Pais exime-se de comentar alguns
trabalhos de Einstein com 0 seguinte fundamento: "Dado que este assunto [terrnodinamica relati-
vista) permanece controverso ate aos dias de hoje, nao se presta ainda a uma avaliacao hist6rica." Pais
(1982), p. 154.
27 Cf. Hendrick e Murphy (1981).
28 Giere (1973), p. 289 e p. 290.
OBJECTIVOS E JUSTIFICA<,:Ao 137
3. Objectivos e justificacao
I Truesdell (1968), p. 305. Segundo Truesdell, alguns fisicos recentes, incluindo ele proprio, foram con-
duzidos a novos resultados em mecanica racional atraves do estudo das obras de Cauchy, datando de
1820. Outro exemplo, mais espectacular ainda, e a descoberta do chamado efeito Zeeman pelo Prernio
Nobel Pieter Zeeman, em 1896. Zeeman foi inspirado pela narrativa de Maxwell sobre 0 insucesso de
Faraday ao tentar encontrar a influencia do magnetismo sobre as riscas espectrais. Depois de ter estu-
dado 0 trabalho original de Faraday, Zeeman repetiu-o com equipamento mais avancado e detectou
de imediato 0 efeito que escapara a Faraday.
381 INTRODu<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA CIENCIA
analitico destin ado a avaliacao critica dos metodos e conceit os que surgem na
ciencia actual. Como foi mencionado no capitulo 1, esta era uma ideia favo-
rita de Mach. Mais ou menos explicitamente, a ideia esta subjacente a muitas
obras que of ere cern uma analise historica critica de conceitos fulcrais (tais
como espaco, tempo, evolucao ou causalidade) tal como surgiram ao longo
dos tempos. Na opiniao de Max Jammer, as obras do passado nao podem
comunicar directamente 0 conhecimento que a ciencia actual requer. E tare fa
do historiador competente analisar os problemas do passado de tal modo que
estes se tornem acessiveis e relevantes para 0 cientista actual.'
III. A hist6ria da ciencia tern uma importante funcao como base para
outros estudos metacientificos, tais como filosofia e sociologia da ciencia,
Quanto as funcoes que a hist6ria da ciencia pode desempenhar para a filoso-
fia, existem, em termos gerais, dois tipos. 0 fil6sofo pode utilizar indutiva-
mente a hist6ria da ciencia, de tal modo que, a partir do seu conhecimento do
modo como pensaram e agiram cientistas eminentes, generalize essas expe-
riencias hist6ricas sob a forma de doutrinas filos6ficas. Era esse 0 programa
de Whewell. Ora, em contrapartida, as doutrinas filos6ficas podem ser verifi-
cad as pela comparacao com dados da hist6ria da ciencia. Assim, a hist6ria da
7 Considerando a vasta circulacao de Science ill History de Bernal, de salientar que tarnbem os pontos de
vista de Bernal pertencem a mesma categoria de argumeutos que se reporta ao presente. Toda a men-
sagem da obra de Bernal assenta na conviccao de que a hist6ria da ciencia se justifica por poder
demonstrar 0 valor do progresso cientifico e a sua dependencia de condicoes sociais. Bernal (1969),
em particular pp. 1219 e seguintes.
OBJECTIVOS E JUSTIFICA<;:Ao 141
seu nivel teorico."" Mas tambern Krober admite que a hist6ria da ciencia e
algo diferente e maior que urn mero elemento da ciencia da ciencia: "Seria de
todo errado falar de uma simples incorporacao de textos de hist6ria da ciencia
sob a designacao de ciencia da ciencia, ou imaginar que eles possam ser rele-
gados para uma posicao de subalternos da ciencia da ciencia.?"
IV. Tal como foi defendido por Duhem, a hist6ria da ciencia pode ter uma
importante funcao didactica na demonstracao da verdadeira natureza do
conhecimento cientifico (cf. capitulo 1). Sao muitos os argumentos, alguns
bons e outros maus, a favor de urn ensino da ciencia orientado historica-
mente. II Alguns deles sao propagandisticos dado que afirmam que 0 usa da
hist6ria se justifica pela sua alegada capacidade para apresentar as ciencias de
modo "mais suave", tornando-as mais atraentes numa altura em que sao enca-
radas com suspeita por muitos jovens. Certo autor argumenta a favor do
historia da ciencia pode ser usada para defender que muitos cientistas eminen-
tes estiveram e estao profundamente empenhados em questoes humanistas,
contendo a sua ciencia aspectos humanos fulcrais. Mas tais argumentos nao
deveriam ser utilizados ideologicamente, para silenciar os criticos da ciencia
contemporanea. Alern do mais, nao e urn verdadeiro argumento em favor da
humanidade da ciencia dizer que Einstein era urn habil violinista ou que
Oppenheimer escrevia poesia e estudava filosofia budista. Sob este aspecto, a
historia da ciencia deveria antes ser utilizada para perguntar qual 0 motivo
por que a maior parte da nossa ciencia de hoje nao pode mais ser encarada
como uma expressao do esforco humanista.
CHFC·IHC·04
441 INTRODU<;:AO A HISTORlOGRAFIA DA CIENCIA
os seus tern as, intelectuais ou nao, com outros topicos e metodos historicos.
Novas perspectivas, inspiradas sobretudo pela historia social e economica,
tern vindo a ser incorporadas na disciplina. Embora a historia da ciencia se
tenha tradicionalmente debrucado sobre os contributos de cientistas erni-
nentes, os seus interesses sao hoje muito mais vastos e geralmente dirigidos
para fenornenos colectivos. Nacoes, firmas, instituicoes politicas, institutos
e sociedades cientificas sao estudados por cada vez mais historiadores, mui-
tos dos quais empregados pelas proprias instituicoes que analisam. Quanto as
disciplinas cientificas, a fisica tern tradicionalmente desempenhado urn papel
predominante na historia da ciencia. As ultimas decadas do seculo XX teste-
munharam uma grande importancia dada as ciencias nao fisicas, incluindo
a geofisica, as ciencias biologicas, as ciencias humanas e as pseudociencias.
Mas seja qual for a ciencia ou 0 tema em estudo, a historia da ciencia e cada
vez mais considerada pelos seus estudiosos como urn campo da historia e
nao da ciencia.
Os problemas que rodeiam 0 objectivo e relevancia da historia da ciencia
ligam-se estreitamente a questao de saber ate que ponto aprendemos com a
historia, Nao podemos aprender com a historia da ciencia a resolver proble-
mas cientificos especificos. Mas podemos avaliar e compreender melhor a
nossa ciencia actual, no seu contexto social, com a ajuda do conhecimento da
sua historia, A historia da ciencia proporciona-nos urn fundo comum de
experiencia, onde podemos, mais ou menos claramente, identificar tenden-
cias e relacoes. A partir destas, podemos aprender como agir no sentido de
consolidar ou enfraquecer tendencias de hoje. Mas 0 facto de podermos
aprender com a historia da ciencia a planear melhor 0 futuro da propria cien-
cia nao implica uma aceitacao de uma historiografia pragrnatica da ciencia.
A historia da ciencia pode, por si so, fazer-nos recordar que as formas
em que a ciencia e hoje conduzida nao sao as unicas form as possiveis, mas
que resultam de uma escolha socialmente condicionada entre muitas alter-
nativas. A referencia a correntes historicas conhecidas po de dar-nos infor-
macae sobre quais os aspectos da ciencia que sao "naturais" ou partes ine-
rentes a ciencia per se. E, mais importante, pode tarnbern dar-nos inforrna-
cao sobre quais os aspectos que, nao sendo "naturals", sao determinados
culturalmente e, por conseguinte, fazem parte do contexto social da ciencia
actual. Foi a historia da ciencia em particular que nos ensinou que a crenca
positivista numa ciencia livre de consideracoes valorativas e culturalmente
in de pendente e urn mito. E, mais que qualquer outra area, incluindo a filo-
sofia, foi a historia da ciencia a ensinar-nos que 0 metodo cientifico, enten-
dido como uma doutrina absoluta, canonizada, e urn artiftcio.
F
4 Ver, por exemplo, a excelente discussao em Schaff (1977), pp. 181 e seguintes.
ELEMENTOS DE TEORIA DA HISTORIA 149
o historiador sem factos nao tern raizes e e futil; os factos sem histo-
riador estao mortos e nao tern significado... Louvar urn historiador
pela sua exactidao e como louvar urn arquitecto por usar madeira da
melhor qualidade ou cimento devidamente misturado no edificio que
constroi, Esta e uma condicao necessaria ao seu trabalho, mas nao ea
sua funcao essencial.
A questao dos factos historicos e mais profunda que a do estatuto histo-
rico em si. Tern igualmente a ver com 0 facto de saber quando alguma coisa,
seja ela qual for, e, realmente, urn facto. Segundo 0 positivismo, existem rela-
tos puros de observacao que nao se alteram quando ha mudancas no enqua-
dramento tea rico e que sao, por conseguinte, inquestionavelmente factuais. 0
fisico e cientista ingles William Gilbert (1544-1603) levou a cabo experiencias
pioneiras sobre magnetismo que expos no livro De Magnete, publicado em
1600. Como e do conhecimento geral, as experiencias e respectivas interpreta-
coes de Gilbert foram fortemente influenciadas pelas suas opinioes teoricas,
6 Hesse (1960). A impossibilidade de estabelecer factos cientificos absolutos e urn aspecto geral cuja rele-
vancia nao se aplica somente as primeiras ciencias. Os historiadores que insistem em basear as suas
obras em tais factos encontrarao igualmente problemas na ciencia moderna. Para extensa literatura em
apoio desta afirrnacao, ver Shapin (1982).
7 Carr (1968), p. 22.
ELEMENTOSDE TEORIADA HISTORIA 151
8 Beard (1935). De salientar que Ranke nao era realmente urn historiador positivista no sentido do
seculo XIX. Na realidade, rejeitou a pretensao positivista de reduzir a hist6ria a uma "fisica social"
e sublinhou que a soma dos factos sobre 0 passado nao e, de modo algum, identica a hist6ria do
passado.
9 A citacao e de Farbenlehre de Goethe, publicado em tres volumes em 1810. Traduzido aqui de Cangui-
Ihem (1979), p. 15.
521 INTRODU<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA CIENCIA
o historiador nao e urn observador do pass ado que ficou para tras
do seu proprio tempo. Nao 0 pode ver objectivamente, tal como 0
presente, para cujas "necessidades praticas" ele elabora uma resposta." Dai se
conclui que a historia tern de ser, e deve se-lo, comprometida. Senao, sera urn
cultivar sem vida do passado, desprovido de qualquer significado ou interesse.
Como disse Nietzsche, que formulou parte do program a do presentismo ha
mais de cern anos atras, sera uma historia arqueologica em vez de critica."
No seculo passado, 0 presentismo foi em diferentes versoes uma teoria
popular, especialmente devido a revolta radical do filosofo italiano Benedetto
Croce (1866-1952) contra a visao positivista da historia. Carr, cujas simpatias
iam para 0 presentismo, conclui como segue: 17
15 Neste contexto, "necessidades praticas" nao devem ser entendidas no senti do de necessidades mate-
riais. Segundo Croce, as necessidades praticas podem ser "urn requisito moral, 0 requisito de com-
preender a situacao pessoal para que a inspiracao, a accao e a boa vida se Ihe possam seguir. Podera
ser urn requisito meramente econ6mico 0 de se discernir a vantagem pessoal. Pode ser urn requisito
estetico, como 0 de conseguir esclarecer 0 sentido de uma palavra, ou de uma alusao, ou de urn estado
de espirito, para plena mente compreender e apreciar urn poema; ou ainda urn requisito intelectual,
como resolver urn problema cientifico, corrigindo e ampliando a inforrnacao sobre os seus term os, na
falta da qual nos encontravamos perplexos e duvidosos". Croce (1941), p. 17.
16 Nietzsche (1874).
ser acolhida pela historia da ciencia, Pensa ele que a teoria de Croce vai ao
encontro do ideal dos historiadores de que a historia devia ter a capacidade de
ser compreendida pelos individuos vivos aos quais se dirige e de exercer urn
efeito sobre eles. Se, como Finnochiaro, aceitamos a visao de historia de
Croce, somos levados a conduir - como 0 fez 0 proprio Finnochiaro - que a
historia da ciencia deve vir ao encontro de uma necessidade presente. Dada a
pressuposicao de que a historia da ciencia e uma resposta para os problemas
dos cientistas, serao os contributos de cientistas em exercicio que irao assumir
particular importancia para a historia da ciencia, enquanto as obras de histo-
ria do res profissionais terao urn interesse meramente arqueologico."
Deveriamos, nesta altura, realcar 0 facto de que a visao de historia de Croce,
pelo menos se encarada no seu conjunto, e inaceitavel como base de uma
autentica historia da ciencia; ou, ja agora, de qualquer outro tipo de historia. Se
encarada seriamente, a teoria de Croce e a negacao de toda a historia que reivin-
dica a capacidade de distinguir entre enunciados historicos verdadeiros e falsos.
De igual modo, para Croce, as analises de fontes de inforrnacao nao passam de
uma redaccao de cronicas superficiais. Em principio, 0 historiador pode e deve
dispensar as fontes, sejam elas quais forem, dado que a historia propriamente
dita e "uma verdade que extraimos da nossa mais intima experiencia"." Qual 0
Mas como pode 0 historiador saber que a sua reencenacao resultou, que
SaG realmente os pensamentos de Arquimedes que esta a repensar? Neste
aspecto, Collingwood nao prop6e quaisquer criterios, mas tudo leva a crer
que isso sera determinado subjectivamente pela intuicao do historiador.
A reencenacao de Collingwood e, na realidade, uma reco nstituicao
racional dos pensamentos dos agentes historicos. Uma tal reconstituicao
nao necessitaria de tomar a serio os pensamentos autenticos do agente e,
portanto, nao se dirige primordialmente ao passado autentico.:" Ainda
segundo Collingwood, nao e uma actividade intelectual qualquer que pode
22 Ibid., p. 304.
23 Ibid., p. 296.
24 A apreciacao que Collingwood faz da ciencia de Einstein em cornparacao com a de Newton mostra
c1aramente a ideia de reconstituicao racional na analise de Collingwood. 0 conhecimento que Eins-
tein tinha das teorias de Newton, embora baseado em livros de texto correntes e nao nas obras de
Newton propriamente ditas, e para Collingwood prova suficiente de que Einstein se debrucou sobre
os pensamentos de Newton. "Assim, Newton vive em Einstein do mesmo modo que qualquer expe-
riencia passada vive na mente do historiador, como experiencia passada e reconhecida como pas-
sada ... mas aqui e agora em conjunto com um desenvolvimento de si pr6pria, parcialmente constru-
tivo ou positivo e parcial mente critico e negativo." Collingwood (1980), p. 334. Para a nocao
modern a de reconstituicao racional, ver Lakatos (1974).
ELEMENTOS DE TEORlA DA HIST6RlA 157
25 Ibid, p. 308.
26 Cf. Hall (1969), pp. 217-219.
581 INTRODU<;:AO A HISTORlOGRAFIA DA CllONCIA
27
0 argumento da reflectividade contra 0 cepticismo na sua forma mais energies podera nao ser logiea-
mente irrespondivel, mas com certeza que enfraquece a posicao do ceptico. Ver Collins e Cox (1976),
p.430.
OBjECTIVIDADE EM HISTORIA 159
5. Objectividade em historia
CHFC-IHC-OS
60 I INTRODU<;:AO A HISTORlOGRAFIA DA CIENCIA
I Bloch (1953), pp. 48-60. Nagel (1961), pp. 576-581. Atkinson (1978), pp. 42-51.
OBJECTIVIDADE EM H1ST6RIA 161
conhecimento proveniente das experiencias mais anti gas continua valido. Por
outras palavras, se aceitarmos que e possivel ter urn conhecimento fiavel do
passado.
Assim sendo, a opiniao que contrasta urn presente em relacao ao qual ha
urn acesso empirico fiavel e urn passado que foi despojado dessa qualidade
nao conduz a uma analise mais profunda. Como ja foi dado a entender mais
acima, essa opiniao colide com uma das oposicoes alegadas pelos cepticos, a
oposicao entre ciencia natural objectiva e historia nao objectiva. Se 0 conhe-
cimento do passado nao pode ser objectivo porque respeita ao passado, tal
... nao e verdade que 0 historiador s6 consiga ver 0 que se passa no seu
laborat6rio atraves dos olhos de outra pessoa. E certo que ele nunca
chega antes de a experiencia estar concluida. Mas, sob determinadas
circunstancias favoraveis, essa experiencia deixa urn rasto de residuos
que ele pode observar com os seus pr6prios olhos.
... so urn conhecimento relativo como este pode ser objectivo. Porque
quando urn determinado sistema de referencia foi adoptado e se che-
gou a urn consenso quanto a uma determinada finalidade da investiga-
cao, dai advem eo ipso urn criterio para a seleccao dos materiais histo-
ricos que nao pode ser arbitrario e subjectivo, mas antes tern uma
natureza objectiva em funcao do sistema de referencia em questao.
Ao contrario do que sucede no relativismo, a veracidade dos postulados
historicos nao depende de quem os formula, e de onde, quando e em que cir-
cunstancias sao formulados. 0 factor subjectivo nao pode ser total mente erra-
dicado da historia, E parte integrante do conhecimento historico, Mas 0 tipo
de subjectividade que aqui esta em discussao - a "boa subjectividade" como
lhe chama Schaff - nao e incornpativel com 0 reconhecimento objectivo das
ocorrencias historicas. Por outro lado, a "ma subjectividade" destroi a credi-
bilidade da historia, Esta e a subjectividade que resulta dos preconceitos, inte-
resses pessoais, simpatias politicas, etc., do historiador. Esta subjectividade
tende a produzir ideologia em vez de conhecimento.
Em vez de formularmos urn criterio geral de objectividade historica,
podemos tentar encontrar as razoes pOI que alguns postulados historicos, em
7 Ibid.
s Schaff (1977), pp. 275 e seguintes. Cf. tambern Mandelbaum (1971), que proporciona elaborada argu-
mentacao em prol da historiografia objectiva.
661 INTRODU<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA CIENCIA
todo 0 caso, nao SaD objectivos. Essas razoes nao podem ser puramente nor-
mativas, antes devem reflectir a pratica historiografica actual, ou seja, as
nocoes mais ou menos intuitivas que 0 historiador tern de quando os postula-
dos hist6ricos se afastam da objectividade. Poderiamos sugerir, por exemplo,
que se urn relato hist6rico X deve ser encarado como nao-objectivo, deveria
pelo menos conter algumas deficiencias." Se X nao pode ser criticado de
forma alguma, nao duvidamos da sua objectividade. Mas que faltas ou defi-
ciencias serao suficientes para rotular X como nao-objectivo? Nao podera ser
uma deficiencia qualquer. Se assim fosse, nao haveria relato interessante que
fosse objectivo. X pode conter enunciados falsos mas essa nao e uma condicao
nem necessaria nem suficiente de nao-objectividade. As deficiencies que liga-
mos a falta de objectividade de urn relato sao, por exemplo, contradicoes,
fontes forjadas, enunciados deliberadamente falsos (mentiras) e interpreta-
coes sujeitas a preconceitos. 0 aparecimento de tais deficiencias tornara urn
relato criticavel mas nao necessaria mente nao-objectivo.
Herrneren sugeriu que duas outras condicoes deveriam ser satisfeitas. Em
primeiro lugar, as deficiencias deveriam tornar X enganoso, no sentido de dar
uma imagem distorcida da realidade hist6rica. Em segundo lugar, 0 relato
enganoso deveria ser partidario, isto e, deveria favorecer determinados inte-
resses sociais. Porem, 0 partidarismo, em si, nao e urn criterio de nao objecti-
vidade (a realidade pode ser partidaria). Herrneren recomenda 0 procedi-
mento seguinte como teste pratico para avaliar ate que ponto urn relato X e
nao-objectivo: (1) Verificar se ha algumas deficiencias em X. (2) Verificar se
dessas deficiencias resulta que X se tome enganoso. (3) Identificar os interes-
ses ou faccoes que tern a ver com 0 assunto tratado em X. (4) Verificar se X
favorece uma ou mais dessas faccoes, (5) Verificar se esse favoritismo e devido
ao facto de X ser enganoso, ou seja, se X favoreceria de igual modo as faccoes
em questao se X nao fosse enganoso.
Nao ha duvida de que esta definicao de objectividade esta totalmente de
acordo com a intuicao hist6rica. Mas nao e, contrariamente ao que Herme-
ren ere, urn criterio que possa ser usado simultaneamente com diferentes
pontos de vista historiograficos. Historiadores defendendo visoes muito dife-
rentes, concordarao talvez que a definicao apreende a nao-objectividade
mas, apesar disso, divergirao quanta a saber ate que ponto urn determinado
relato e objectivo. Poderemos sempre argumentar que 0 que e uma deficien-
cia sob urn ponto de vista nao 0 e sob outro. 0 conteudo de palavras como
9 Herrneren (1977).
OBJECTIVIDADE EM HISTORIA 167
10 Gilbert e Mulkay (1984), p. 124. Encontra-se uma s61ida critica a abordagem de Gilbert e Mulkay em
Shapin (1984).
681 INTRODU<;:AO A H1STORIOGRAFIA DA CIJ:NClA
... n6s, tal como Popper, nao nos preocupamos com 0 contexto da
descoberta, ou antes, com a criatividade. Estamos preparados para a
aceitar como uma "caixa negra"; ... Preocupamo-nos com os processos
de aceitacao e rejeicao de conviccoes, urn processo que se inicia logo
que se implementa uma ideia.
6. Explicacocs
Urn modelo causal pouco consensual foi 0 sugerido por Carl Hempel em
1942, segundo 0 qual os acontecimentos hist6ricos tern de ser explicados
nomol6gica e dedutivarnente.' 0 modelo de Hempel e tarnbem conhecido
como modelo DN (dedutivo-nomologico) ou como "teoria da lei de cober-
tura [covering law]." Esta ligado ao ideal positivista da ciencia, uma vez que
transpoe 0 padrao de explicacao das ciencias naturais para as ciencias sociais e
hist6ricas. De acordo com Hempel, 0 principio subjacente as explicacoes e0
seguinte: para que urn acontecimento X (explanandum) seja explanavel, X
tera de ser dedutivel a partir de do is conjuntos de premiss as precedentes que
constituem 0 que explana (explanans). Temos uma serie de dados c., c2, ••• , Cn
(condicoes antecedentes) e uma serie de leis gerais Lp L2, ••• , Lm que cob rem
X e cj• Em linguagem formal:
Cp C2, ••• , Cn
L» L2, ••• , Lm
portanto: X
3 Hempel (1942), reimpresso numa versao ligeiramente modificada em Hempel (1965), pp. 231-243.
Ver igualmente Gardiner (1952). 0 conhecirnento-nornologico respeita a aspectos nao particulares,
generalizaveis de objectos, que se considerem representativos de classes, e nao objectos individuais.
EXPLlCA<;:OES 171
mesmo a maio ria, das explicacoes tal como sao utilizadas na pratica, No que
respeita it hist6ria, muito poucas sao as explicacoes que concordam com 0
modelo DN, em parte porque as leis de cobertura nao sao normalmente for-
muladas em hist6ria. Contudo, tern sido defendido, em favor da relevancia do
modelo, que tais leis sao de facto utilizadas nas explicacoes hist6ricas habi-
tuais, mas de forma implicita. Quando nao sao formuladas e porque sao, por
exemplo, postulados triviais sobre 0 comportamento habitual das pessoas.
Tais postulados, semelhantes a leis, podem ser postulados sobre 0 comporta-
mento de uma pessoa racional em determinada situacao.
Consideremos a seguinte questao: "Porque e que Kepler acreditava que a
6rbita de Marte era eliptica (e nao circularjr'" De acordo com 0 modelo DN,
uma explicacao pode ser postulada formalmente como segue:
Aqui P simboliza "a 6rbita de Marte e eliptica", enquanto Rp R2, ••• , Rn_1
refer em 0 conhecimento de Kepler relativamente a Marte, incluindo os dados
empiric os de Tycho Brahe.
Mas a explanacao do modelo DN sugerida por Kepler nao pode ser enca-
rada como uma explicacao hist6rica satisfat6ria. 0 mais importante para 0
5 Ibid., p. 52.
6 Gallie (1964), p. 108.
EXPLICA<;:OES 173
accao como aceitavel a nao ser que a tenhamos compreendido. Outro aspecto
atraente e que as explicacoes, de acordo com esta maneira de ver, podem con-
sistir na referencia as circunstancias que tornaram uma accao possivel, dei-
xando as explicacoes de ser necessarias. A questao "porque e que X descobriu
P no ana t?" requer, de acordo com 0 modelo DN, razoes a partir das quais 0
mendelismo. Uma explicacao possivel podia ser esta "por haver urn esmaga-
dor apoio empirico a favor da teoria mendelista". Mas se it mesma questao
fosse dada a seguinte resposta: "por haver provas empiricas contra a teoria
mendelista", sentimos desde logo que nao se trata de nenhuma explicacao,
embora possa ser verdade. Se houvesse provas empiricas concludentes contra
o mendelismo na altura em que Jones 0 aceitou, entao seria de esperar, dado
que se considera ser Jones uma pessoa normal, racional, que foi por outras
razoes que Jones apoiou 0 mendelismo.
o proprio conceito de racionalidade esta sujeito a modificacoes historicas
e culturais. Em que tipo de racionalidade nos devemos apoiar para nas expli-
cacoes historic as? Aquela que 0 historiador considera como racional (a pre-
sente) ou a encarada como racional pelo agente historico? Poderemos fazer
uso de leis tais como "todo 0 agente racional aceita teorias desde que exista
forte apoio empirico a favor delas" relativamente a periodos em que esta lei
nao era de facto aceite? A questao tern a ver com decidir ate que ponto devera
o historiador aceitar 0 comportamento real dos agentes historicos e 0 cur so
real dos acontecimentos, tal como estes sao revelados pelas melhores fontes
possiveis, como constituindo uma explicacao: ou se deveria talvez criticar 0
agente por nao ter agido com racionalidade suficiente, por outras palavras,
investigar se as motivacoes do agente eram bem fundamentadas em relacao it
norma de racionalidade dessa epoca (ou do presente). No que respeita it his-
toria da ciencia e das ideias, Laudan respondeu assim:"
10 Ibid, p.188.
EXPLICAc,:OES 175
racionais pelo que, consequentemente, devem ser usados. Mas nao existe urn
criterio absoluto de racionalidade que se harmonize com as licoes da hist6ria
da ciencia. Se usarmos padroes de racionalidade modernos na avaliacao de
ocorrencias historicas, isso conduzir-nos-a quase de certeza a anacronismos.
Regra geral, as explicacoes hist6ricas SaD encaradas como resposta a per-
guntas relativas a urn porque. Finnochiaro critic a este pressuposto e contrapoe
que as explicacoes, uma vez que se referem a descobertas, SaD respostas a per-
guntas introduzidas com urn porque nao," Em vez de perguntarmos "porque
e que Galileu descobriu a 6rbita parab6lica dos projecteis?", deveriamos, de
acordo com Finnochiaro, perguntar: "Porque nao foram descobertas, antes de
Galileu, as traject6rias parab6licas dos projecteisi" As duas questoes nao SaD
CHFC-IHC-06
761 INTRODU<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA CIENCIA
fen6menos em larga escala enquanto nao tivermos deduzido uma sua descricao
a partir das disposicoes, conviccoes, recurs os e inter-relacoes dos individuos"."
Consequentemente, explicacoes "holisticas" no sentido de regras que vao alem
do individual nao tern qualquer justificacao. A este ponto de vista da-se 0 nome
de individualismo metodol6gico. De acordo com esta doutrina, todas as expli-
cacoes que se baseiam no "espirito da epoca", "luta de classes", "interesses
sociais" ou "ambiente intelectual" sao pseudoexplicacoes, Segundo Popper, 0
7. Historia hipotetica
formulada nos term os em que Maxwell 0 fez, a radio nao teria sido inventada;
ou talvez que a hist6ria da radio tivesse seguido urn rumo diferente do que
teve. As duas versoes do postulado contrafactual nao SaD equivalentes. "Se
nao X, entao nao Y" equivale a dizer que X e condicao necessaria de Y e cons-
titui pois uma assercao bastante energica. "Se X nao tivesse ocorrido, entao Y
nao teria ocorrido do modo como 0 fez" e uma assercao mais fraca, mas fre-
quentemente mais razoavel, Nao exclui a possibilidade de que Y pudesse ape-
sar de tudo ter ocorrido, talvez mais tarde e sob uma forma diferente.
A historiografia hipotetica pode realizar-se com 0 uso de clausulas cete-
ris paribus, ou, por outras palavras, utilizando urn pressuposto do tipo
sendo-tudo-o-resto-igual. A ideia e estabilizar todos os factores men os os
que estao a ser estudados, de modo que essas relacoes possam ser estudadas
isoladamente, sem a "perturbacao" que, de outro modo, adviria dos outros
factores. Argumentos do tipo ceterisparibus SaD contrafactuais, dado que tudo
o resto nao e igual. Uma ocorrencia hist6rica X influenciara toda uma serie de
outras ocorrencias de urn modo incalculavel e desconhecido. Se pretender-
mos saber ate que ponto X foi causa de Y, podemos pressupor que todas essas
outras ocorrencias nao foram influenciadas por X. Nesse caso, nao estudaria-
mos a hist6ria real, mas uma hist6ria hipotetica.
Temos de usar de cui dado ao extrair conclusoes de situacoes contrafac-
tuais. Por exemplo, nao e verdade que "se nao A, entao nao B" implique sem-
pre que "0 motivo para B foi A". Ha varias razoes pelas quais nem sempre
conseguimos encontrar 0 motivo para B com 0 auxilio de postulados contra-
factuais." A fim de calcular a validade de "se nao A, entao nao B" trabalhamos
com uma clausula ceteris paribus no sentido de que 0 mundo teria sido 0
4 Nagel, (1961), p. 589. 0 papel dos condicionais contrafactuais nas teorias cientificas e um assunto
complexo. Ver, por exemplo, Goodman (1955), pp. 13- 35 e Suppe (1977), pp. 36-45.
5 Gould (1969).
821 INTRODU<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA ClfNCIA
donde "se A, entao B" nao exclui a possibilidade de outras causas para B, alem
de A. Em casos como estes, 0 postulado "se nao A, entao nao B" nao e equiva-
lente a "A foi a causa de B". "Se Ptolomeu tivesse urn born telesc6pio, nao
teria criado 0 seu sistema astron6mico" e urn postulado hist6rico aceitavel,
formulado contrafactualmente; mas nao implica que "a razao por que Ptolo-
meu criou 0 seu sistema astron6mico foi nao dispor de urn born telesc6pio".
Para urn historiador, este ultimo postulado nao tern sentido.
Os postulados da hist6ria da ciencia hipotetica podem constituir urn meio
para indicar a dependencia ou independencia de varies programas de investi-
gacao. Por exemplo, Kuhn escreve que 0 programa de investigacao inicial de
Einstein era "urn programa tao pr6ximo e independente do de Planck que
teria provavelmente conduzido it lei do carpo negro, mesmo que Planck nao
tivesse existido"." Este e urn postulado contrafactual, uma vez que Planck
existiu realmente e Einstein nao descobriu a lei do corpo negro. 0 que Kuhn
pretende sublinhar e que toda a l6gica subjacente ao programa de Einstein era
tal que, apesar de independente do program a de Planck, apontava contudo
para 0 resultado alcancado primeiro por Planck. Nem Kuhn nem outros
podem, obviamente, saber com toda a certeza se a lei do corpo negro teria
sido descoberta se nao fosse Planck. Mas a partir do conhecimento dos traba-
lhos de Einstein podem encontrar-se argumentos validos para afirmar que,
sendo tudo 0 res to igual, era isso que teria acontecido.
A situacao seria muito diferente se Einstein tivesse realmente descoberto a
lei em causa, independentemente de Planck. Por exemplo, podiamos desco-
brir urn manuscrito de Einstein nao publicado, provando que ele 0 fizera.
Tratar-se-ia entao de uma descoberta simultanea e independente, e a conjec-
tura feita por Kuhn tornar-se-ia conhecimento hist6rico. Quest6es contrafac-
tuais do tipo men cion ado podem, pois, nalguns casos, ser respondidas com
urn firme "sim": a saber, nos casos de descobertas simultaneas e independen-
tes. Se Al descobriu X no tempo t e A2 descobriu X aproximadamente na
me sma altura, mas independentemente de AI> podemos concluir que X teria
sido descoberto aproximadamente no tempo t, mesmo que Al nao tivesse
existido. Como e obvio, esta possibilidade s6 se aplica a respostas afirmativas.
"Se Al nunca tivesse existido, X nao teria acontecido" nao po de ser confir-
mado do mesmo modo. Ou Al foi 0 unico a descobrir X, caso em que e urn
postulado geral, claramente contrafactual; ou A2 descobriu X simultanea e inde-
pendentemente, caso em que 0 postulado e falso; ou X nunca foi descoberto, e
neste caso 0 postulado carece de significado.
8. Estrutura e organizacao
I Olszewski (1964). Olszewski recomenda que 0 historiador utilize "a periodizacao [que) corresponde a
logica interna do processo em observacao", p. 195. Assim, sugere que as ideias de Leonardo sobre
aeronautica, datando de cerca de 1500, devem ser encaradas como posteriores ao voo em balao de
Montgolfier (t"783). Segundo Olszewski, as consideracoes prematuras de Leonardo e os voos planados
de Lilienthal (1891) devem ser vistos como sendo historicamente contemporaneos. Para uma defesa
mais generalizada do uso do tempo nao cronologico em historia, ver Kracauer (1966).
861 INTRODU<;:Ao A HISTORIOGRAFlA DA CIENCIA
2 Spengler (1926).
3 Sarton discute a questao da irnportancia relativa dos periodos historicos em Sarton (1936), pp. 20 e
seguintes.
4 Crombie (1953), p. 1.
ESTRUTURA E ORGANIZA<;:AO 187
5 Koyre (1968), p. 21. "Fisica moderna", na terminologia de Koyre, signifiea a fisiea do seculo XVII.
881 INTRODUc;:Ao A HISTORIOGRAFIA DA CTENCIA
60 conceito de Revolucao Cientifica foi introduzido por alguns autores franceses no final do seculo
XVIII. Ver Cohen (1976).
7 Greene (1985), p. 102.
ESTRUTURA E ORGANIZA<;:AO /89
historiador que trabalhasse sobre 0 mesmo tema cern anos depois ajuizaria
dos meritos dos Principia de maneira muito diferente.
CHFC-IHC-07
921 INTRODUc;:Ao A HISTORIOGRAFIA DA CIENCIA
----4----J--------------~-----L------~------~----{> Tempo
~ t2 t' l'
Hist6ria vertical
Figura 1. Dois modos de organizar a hist6ria da ciencia, 0 topico ao longo do eixo vertical pode
ser uma disciplina cienttfica, uma area de problemas ou urn tema conceptual.
geometria nao pode perrnitir-se estudar apenas geometria pura; deve estar
preparado para estudar tarnbem as hist6rias da arte, arquitectura, filosofia,
cartografia, fisica e talvez varies outros campos.
Regra geral, uma especialidade cientifica de determinado periodo estara
ligada ou tera aspectos em comum com outros elementos do periodo. E este
todo complexo, a que Laudan chama uma tradicao de pesquisa, que constitui as
verdadeiras unidades da hist6ria da ciencia." De acordo com Wolf Lepenies: 13
Cientistas houve que, nos termos das divisoes modernas da ciencia, atraves-
saram frequentemente, no seu trabalho, as fronteiras disciplinares. Nao consi-
deravam que essas fronteiras entre disciplinas fossem muito nitidas, Por exem-
plo, Copernico nao deveria ser apenas considerado um astr6nomo, r6tulo que
teria deixado at6nitos os seus conternporaneos e, certamente, 0 pr6prio Coper-
nico. Copernico foi c6nego no cabido de uma catedral, estudou Medicina e
Direito, ocupou-se de economia te6rica e pratica - e tambern interessou-se por
astronomia. Se isolamos Copernico, 0 astr6nomo, de Copernico, 0 provisor, 0
medico, 0 jurista e 0 humanista, nao ficaremos apenas com uma visao distor-
cida do erudito polaco. Privar-nos-emos igualmente de possiveis ligacoes verti-
cais entre os pontos de vista astron6micos de Copernico e as actividades que
dominavam tambem a sua vida. 0 mesmo se aplica it maio ria de outros cientis-
tas de epocas anteriores: Buffon nao foi apenas um historiador natural, nem
Maupertuis apenas um fisico, nem Herschel apenas um astr6nomo, nem Steno
apenas um geologo, nem Priestley apenas um quimico,
Apesar das critic as que se podem fazer contra as hist6rias de disciplinas
horizontalmente organizadas, seria um erro acompanhar Lepenies no total
repudio dessa abordagem. Pelo menos nalguns casos, e possivel identificar dis-
ciplinas e temas especializados em periodos anteriores sem cair em pecado de
anacronismo. Acontece apenas que esses temas raramente sao identicos aos
temas modernos e s6 raramente permanecem imutaveis ao longo de extensos
periodos de tempo. 0 risco em que incorremos ao abstrairmo-nos de ligacoes
importantes integradas verticalmente depende do periodo e da disciplina em
estudo. Um isolamento disciplinar crescente e caracteristico do tipo de cien-
cia altamente organizada e especializada que se desenvolveu desde a entrada
no seculo xx. Por conseguinte, no que respeita it ciencia actual, e menos pro-
blematico organizar horizontalmente a hist6ria. A necessidade de adoptar
uma abordagem vertical, interdisciplinar, nao e uma questao de principio
mas de contingencia hist6rica.
Embora a historiografia organizada vertical mente evite os problemas liga-
dos it identificacao de uma disciplina estavel ao longo de um maior periodo
de tempo, fica aberta a outros problemas. 0 historiador que segue 0 conselho
dado por Knight e Lepenies, investigando a ciencia de um curto periodo de
tempo, incluindo a sua integracao na vida intelectual e na sociedade em geral,
talvez esteja a privar-se de obter conhecimentos sobre as causas hist6ricas da
situacao em analise. 0 grau de arbitrariedade na escolha do periodo ou disci-
plina nao sera frequentemente menor que 0 grau de arbitrariedade que se nos
depara nas observacoes feitas fora do seu campo pelo historiador de pendor
horizontal.
941 INTRODU<;:Ao A HISTORIOGRAFIA DA CIENCIA
Urn tipo especial de organizacao da historia que con tern aspectos tanto
horizontais como verticais esta ligado it tese dos temas hist6ricos invariantes ou,
resumidamente, tese da invariancia, Segundo esta tese, a historia pode ser
encarada como uma variacao num numero relativamente diminuto de tern as
constantes ou ideias unitarias [unit-ideas] que se manifest am em diferentes
alturas em ramos de cultura de maxima importancia, De acordo com Arthur
Lovejoy, urn importante defensor da tese da invariancia na historia das ideias,
as ideias unitarias podem ser comparadas aos atornos de elementos. Tal como
as centenas de milhares de composicoes quimicas podem ser entendidas
como combinacoes de poucos tipos de atomos, as formas extremamente
variadas na historia das ideias podem ser concebidas como combinacoes de
umas poucas ideias unitarias." Dado que tenta integrar diferentes elementos
que constituem a cultura e, simultaneamente, segui-los ao longo do tempo, a
tese pode ser encarada como uma tentativa para ladear 0 conflito entre as his-
toriografias horizontal e vertical. Lovejoy faz a seguinte descricao da tese:"
Desde Lovejoy, a tese das ideias unitarias invariantes tern sido desenvol-
vida por muitos autores. Urn destes, Mendel Sachs, fisico e filosofo, escreve: 17
15 Lovejoy (1976), p. 5.
16 Ibid., p. 15.
17 Sachs (1976), p. 125.
ESTRUTURA E ORGANIZA<;:AO 195
De acordo com Sachs, esta tese e apoiada por um exame dos pontos de
vista de Maim6nides (1135-1204) e Espinosa (1632-1677). Esses pontos de
vista revel am ser "analogos" ou estar "em concordancia" com as modernas
teorias dos campos em fisica, tal como surgem desde Faraday a Einstein. 0
conceito de campo e, pois, considerado uma ideia unitaria invariante. Do
mesmo modo varies historiadores fixaram-se no que consideram serem
semelhancas 6bvias entre conceitos da filosofia natural classica e da ciencia
actual. Assim, Sambursky pensa que 0 conceito de espayO na teoria da relati-
vidade e "algo parecido" com 0 que se encontra em Arist6teles; e que 0
pneuma dos est6icos tem uma "estreita semelhanca" com 0 eter de Newton e
"nao e totalmente diferente" do conceito de campo da fisica moderna." E
conclui dai que "a logica intima dos padroes cientificos de pensamento per-
maneceu imutavel com a passagem dos seculos e 0 nascimento e desapareci-
mento de civilizacoes" .19
18 Sambursky (1963), pp. 96,135 e 137. Para urn outro exernplo, ver Gunter (1971) em que se atribui ao
fil6sofo Bergson (l859-1941) ter proposto 0 essencial da cosmologia moderna, relativista, anos antes
de Einstein. Outras vers6es da tese da invariancia tern a ver com categorias mais abrangentes, pontos
de vista abarcando todo 0 mundo. Fleck (l980) desenvolveu, em 1935, uma teoria de ideias invarian-
tes, colectivas e arquetipicas, de que se serviu para urn estudo da hist6ria da medicina. Para uma
nocao algo semelhante, mas aplicada it hist6ria da fisica recente, ver Brush (1980).
19 Sambursky (1963), p. 203.
20 Holton (1973), Holton (1978). Ver igualmente Merton (1975).
ESTRUTURA E ORGANIZA<;:AO 197
ideia unitaria no sentido que the e atribuido por Lovejoy. Desempenhou urn
papel predominante na astronomia, des de Platao a Kepler, e pode ser reconhe-
cida em diversos modelos ciclicos, no ambito das ciencias naturais e fora dele;
em opinioes religiosas, em teorias economicas, em fisiologia (a teoria de Har-
vey da circulacao sanguinea) e na fisica (0 conceito de Galileu da inercia circu-
lar). Mas a ideia do circulo como uma forma de movimento natural e magni-
fica perdeu subitamente 0 seu atractivo magico, pelo menos nas ciencias natu-
rais. Tratou-se de uma consequencia directa da descoberta, por Kepler, das
orbitas nao circulares dos planetas. Na ciencia moderna, a doutrina do circulo
desapareceu. Trata-se, pois, de urn exemplo de urn tern a conceptual que fun-
cionou durante longo tempo como uma ideia unitaria mas que nao e verda-
deiramente invariante. E apenas, em sentido largamente figurado, que pode-
mos dizer que a doutrina do circulo se revestiu de alguma importancia durante
os ultimos 300 anos. Por exemplo, os actuais modelos ciclicos, como os que
encontramos em ecologia e em economia, nada tern a ver com a doutrina do
circulo. Os historiadores que tentam seguir 0 rasto da doutrina do circulo,
encarada como uma ideia invariante, ate a ciencia actual SaG forcados a inter-
pretar a historia da ciencia de forma artificial.
o problema do uso da tese da invariancia sobre longos periodos de
tempo e tender a introduzir conceitos e formas de pensamento modernos na
ciencia primitiva, em vez de a estudar em term os das suas proprias premissas.
Por exemplo, 0 conceito de continuidade tanto surge no pensador estoico
Crisipo (280-208 a. C.) como nos maternaticos e fisicos do seculo XIX. Com
boa vontade, e possivel acornpanha-lo por todo 0 periodo entre urn e outros.
Mas os contextos em que a ideia surge, e os significados que SaG atribuidos a
ideia de continuidade, de certo nao SaG os mesmos em Crisipo e em Gibbs ou
Cantor. Nao ha verdadeira inforrnacao historica em afirmar que a mesma
ideia unitaria, neste caso a continuidade, se manifesta em Crisipo e em Gibbs.
Se a intencao e dizer algo acerca do pensamento de Crisipo como fenomeno
historico, entao analogias mais ou menos forcadas com ocorrencias muito
posteriores so podem fazer mais mal que bem."
Numa forma mais vertical da tese da invariancia, tal como se en contra em
Holton e noutros, ha menos perigo de historiografia anacronica. Aqui trata-se
de localizar temas particulares num cientista particular, e nao de realcar a
constancia temporal desses temas. Quando urn individuo se ocupa de coisas
diferentes, como sejam a fisica e a economia, e mais que razoavel supor que os
mesmos valores e principios gerais desempenham urn papel tanto nas activi-
dades fisicas como economicas, embora se manifestem de maneiras diferen-
tes. E portanto tambern razoavel investigar ate que ponto tais principios
podem ser identificados nas varias actividades do cientista; e, ainda, se urn
principio que surgiu numa del as podera eventualmente ter sido transferido
para outra. Numa investigacao da pre-historia da mecanica classica, Michael
Wolff reexamina a teoria do impetus." Esta teoria, que teve grande influencia
na Baixa Idade Media, afirma que urn corpo em movimento continua a
mover-se em virtude de uma forca imprimida ou "impetus" que e transferida
do motor para 0 proprio corpo em movimento. Enquanto os historiadores da
ciencia tern tradicionalmente considerado a teoria do impetus como perten-
cendo a flsica, Wolff concebe-a como uma ideia muito mais abrangente igual-
mente familiar em contextos economicos, tecnologicos e teologicos. Por con-
seguinte, estuda 0 tern a do impetus ou a ideia de causalidade da transferencia
como se se tratasse de uma ideia unitaria invariante. 0 conceito fisico de
impetus estava estreitamente ligado a consideracoes economicas no pensador
da Baixa Antiguidade Classica, Filopao (cerca de 500 d. C.). 0 tema do impe-
tus pode ser de novo encontrado em Oresme (c. 1300-1385) e em Buridan
(c. 1320-1382) tanto no contexto da filosofia natural como no da economia.
Embora 0 tema do impetus que aparece em Ores me e Buridan nao seja 0
mesmo que surge em Pilopao, 0 proprio facto de que Oresme, Buridan e
outros nao eram meramente teologos e filosofos naturais, mas se debrucavarn
tambern sobre problemas econornicos, e razao suficiente para nos perguntar-
mos se a teoria do impetus esta relacionada com 0 modo como estes filosofos
encaravam a economia. Por outras palavras, se existem elementos isornorficos
nos pontos de vista de Oresme e outros, ao nivel da filosofia natural e da eco-
nomia. Wolff argumenta que 0 principio de causalidade da transferencia e urn
desses elementos isomorficos e que, alern disso, a teoria ftsica, medieval, do
impetus resulta da ideia de impetus prevalecente na economia e na tecnologia.
Independentemente de a teoria de Wolff ser defensavel ou nao, e valido alar-
gar a perspectiva da historia da ciencia de modo a serem igualmente tornados
em consideracao campos como a economia e a tecnologia. Os campos cienti-
ficos nao deviam ser estudados isoladamente ou ligados apenas a correntes do
campo das ideias, como tern sido a tendencia na tradicao Lovejoy-Koyre.
24 Wolff (1978).
HISTORlA DA ClENClA ANACRONICA E DIACRONICA 199
De acordo com a visao anacronica, a ciencia do pass ado devia ser estudada
a luz do conhecimento que temos hoje, e na intencao de compreendermos
este ultimo desenvolvimento, particularmente quanta ao modo como conduz
ao presente. Considera-se legitimo, senao mesmo necessario, que 0 historia-
dor "intervenha" no passado com 0 conhecimento que possui em virtude da
sua Iocalizacao posterior no tempo. A historiografia anacronica, no sentido
aqui usado, implica urn certo tipo de anacronismo, mas nao e anacronica no
seu sentido depreciativo habitual.
Hoje em dia, a historia anacronica da ciencia so raramente constitui uma
estrategia historiografica consciente. Pelo contrario, e grande a concordancia
em tecer louvores a urn ideal nao anacronico, Mesmo assim, na pratica, a his-
toria anacronica da ciencia esta muito difundida e e dificil de evitar. A dou-
trina esta ligada a visao presentista da historia, a qual pode ser encarada como .
justificacao teorica da historiografia anacronica. Alern disso, tal perspectiva e
legitima sob os pontos de vista que encaram 0 objectivo da historia da ciencia
como ligado, em primeiro lugar, a situacao presente (d. capitulo 3). A crer-
mos que e tarefa do historiador da ciencia compreender 0 conteudo da cien-
cia mais antiga e transmitir essa compreensao aos cientistas de hoje, entao
uma forma de apresentacao tendencialmente anacronica sera natural. Consi-
derar-se-a assim que urn texto foi compreendido se 0 seu verdadeiro con-
teudo, no sentido corrente, puder ser exposto com urn formalismo mcderno
e usando 0 conhecimento moderno.
Varies estudos da historia da terrnodinamica seguiram este preceito.'
Truesdell transformou em virtu de este tipo de historiografia anacronica cujo
interesse principal reside numa reconstituicao logicamente satisfatoria do
aspecto que a ciencia anterior poderia ter tido. Na opiniao de Truesdell, 0
I Truesdell (1980).
'Ibid., p. 4
100 I INTRODU<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA CIENCIA
4 Um exemplo e 0 de Wightman (1951), onde Harvey e retratado como um cientista moderno, de espi-
rito emplrico, que "afastou todos os obstaculos com pontos de vista precisos sobre 0 assunto" (p. 345,
italico meu). Fludd nao figura no livre de Wightman.
1021 INTRODU<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA CIENCIA
8 Ibid., p.B!.
9 Fichant e Pecheux (1971), p. 89.
IO Bachelard (19S1b), p. 27.
1041 INTRODU<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA CIENCIA
Iremos agora ver algumas das formas pelas quais a historiografia anacr6-
nica Whig pode tipicamente redundar numa hist6ria da ciencia condenavel.
(B) Pormalizacao
15 Segundo Dijksterhuis (1961), p. 29, "a lei fundamental da dinamica aristotelica [ej ... 0 antigo analogo
da formula fundamental da mecanica classica, F = m. a".
HISTORlA DA CIENCIA ANACRONICA E DIACRONICA 1107
CHFC·IHC-08
1081 INTRODU<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA CIENCIA
19 Skinner (1969). Enquanto Skinner se ocupa essencialmente da historiografia das ideias politicas,
Lindholm aplicou critica semelhante it historiografia da ciencia. Aquilo a que Lindholm chama "a
hip6tese da clareza" e amplamente identica it "rnitologia da coerencia" de Skinner. Lindholm (1981).
HISTORIA DA CIENCIA ANACRONICA E DIACRONICA 1109
20 Fermia (1981).
21 Westfall (1958).
110 I INTRODU<;:Ao A HISTORJOGRAFIA DA ClfNCIA
22 Figala (1978), p. 108. Enquanto Figala quer fazer de Newton um predecessor de Bohr, 0 cientista
russo Vavilov encarou-o como sendo predecessor de Rutherford. "Assirn, temos bases suficientes para
acreditar que Newton tinha uma boa nocao da complexidade do atorno quimico e conjecturou, inclu-
sive, a existencia de um nucleo atornico diminuto e extremamente estavel. Neste sentido, Newton foi
um predecessor de Rutherford." Vavilov (1947), p. 55.
23 Lindholm (1981).
HISTORIA DA CllONCIAANACRONICA E DIACRONICA 1111
(D) Antecipacao
Ha uma longa tradicao na historia da ciencia que procura saber que pessoas
ou teorias foram os pre curs ores de uma teoria posterior particular. Recente-
mente, esse interesse tern sido criticado por muitos autores. 26 Mas a critica nao
e de modo algum nova. Foi formulada com grande precisao pelo fisico fran-
ces Jean-Baptiste Biot (1774-1862) ha 150 anos:"
28 Glass, Temkin e Straus (1968), p. 172, aqui citado de Sandler (1979), p. 189.
HISTORIA DA CI£NCIA ANACRONICA E DIACRONICA 1113
29 Cf. Heimann e McGuire (1971). A principal obra de Boscovich, Theoria Philosophiae Naturalis, foi
publicada em 1758.
HISTORIA DA CIENCIA ANACRONICA E DIACRONICA 1115
A historia mostra-nos que jamais uma teoria fisica foi criada de uma
so vez. A formacao de qualquer teoria fisica sempre se processou por
uma serie de retoques que, partindo de uns primeiros esbocos quase
informes, conduziram gradualmente 0 sistema a fases mais acabadas ...
Uma teoria fisica nao e 0 produto subito de uma criacao; e 0 lento e
progressivo resultado de uma evolucao.
33 "S6 em face do que ocorreu mais tarde, poderemos dizer que estes postulados parciais se referem ao
mesmo aspecto da natureza." Kuhn (1977), p. 70." ... os "descobridores simultaneos" descobriram
coisas muito diferentes e e s6 sob a influencia da cornpreensao obtida a partir dos seus resultados con-
jugados que as suas descobertas parecem identicas." Elkana (1974), p. 178.
HISTORJA DA Clf.NCIA ANACRONICA E DIACRONICA 1117
era agora visto sob uma nova perspectiva. E so a luz de desenvolvimentos poste-
riores que tern algum sentido afirmar que Mendel nao foi apreciado pelos seus
contemporaneos, Se tentarmos ler as obras de Mendel estritamente no seu con-
texto diacronico, surgir-nos-ao como contribuicoes bastante ortodoxas para a
tradicao do melhoramento das plantas na investigacao botanica, e nao uma
antecipacao revolucionaria de genetica, E certo que muitas das experiencias e
interpretacoes de Mendel eram originais e ele proprio sentiu que a sua novidade
nao era reconhecida pelos seus contemporaneos. Porern, dado que ninguern
compartilhou da opiniao de Mendel acerca do seu proprio trabalho, a originali-
dade deste nao faz parte da historia diacronica. Num contexto diacronico, Men-
del nao foi mal interpretado no seu tempo, mas foi sim compreendido."
Ao que parece, temos pois de funcionar com do is Mendels. 0 que e visto
na perspectiva do seu tempo e ai nao cabe a pergunta "porque foi Mendel
ignorado ou mal compreendido na sua propria epocai", 0 outro e 0 Mendel
do seculo XX, 0 originador das leis da genetica, E neste ultimo contexto que a
pergunta pode ser feita. Mas e uma pergunta que, na realidade, devia ser
"porque se acreditou, a partir de 1900, que Mendel fora ignorado ou mal
compreendido?" Neste caso, diz precisamente tanto respeito ao conheci-
mento da genetic a no inicio do seculo XX como ao Mendel historico.
Concluimos que, na pratica, 0 historiador nao se vi: confrontado com uma
escolha entre uma perspectiva diacronica ou anacronica, Geralmente, ambos os
elementos deviam estar presentes, dependendo as suas importancias relativas
do tema particular a ser investigado e da intencao da investigacao. 0 historia-
dor da ciencia tern de ser uma pessoa com a cabeca de Iano que, ao mesmo
tempo, e capaz de respeitar os pontos de vista diacronico e anacronico, em con-
flito. De acordo com 0 historiador da ciencia holandes, Hooykaas: 37
1 Althusser (1975), p. 52. Podemos encontrar um debate abrangente do conceito de ideologia em Pla-
menatz (1970).
2 Cf. Graham, Lepenies e Weingart (1983), pp. IX-XX.
120 I INTRODUc;:AO A HISTORIOGRAFlA DA CIENCIA
qualquer outra razao se en con tram na periferia da do uta republica esta muito
espalhada." E nao e totalmente infundada.
A hist6ria da ciencia pode funcionar ideologicamente de uma diferente
forma da usada externamente na glorificacao politica, religiosa ou nacional.
Nomeadamente, proporcionando uma base mitico-historica para a concep-
<;:aoque os cientistas tern da sua disciplina e do seu pr6prio papel no respec-
tivo desenvolvimento. Este tipo de hist6ria e interno, dirigido aos cientistas
ou aos principiantes do campo e, habitualmente, produzido pelos pr6prios
cientistas. Os cientistas nao SaDmeramente os objectos passivos da hist6ria da
ciencia, Sao igualmente consumidores e produtores de hist6ria da ciencia,
Na terminologia de Kuhn, podemos dizer que uma forma de hist6ria dis-
ciplinar surge como uma parte necessaria do paradigma de uma disciplina
cientifica. 0 elemento hist6rico aparece especialmente nos exemplares, os
tipos comuns compartilhados de solucoes concretas de problemas, que ser-
vem de modelos de como a especialidade deve ser conduzida. Os exemplares
SaDretirados sobretudo da hist6ria da ciencia. 0 conhecimento dos exempla-
res hist6ricos e dos pais fundadores da disciplina ou instituicao SaD parte
importante do processo de socializacao pelo qual 0 cientista tem de passar a
fim de ser consider ado como um dos praticantes da disciplina. A hist6ria da
ciencia que faz parte da tradicao da disciplina ou instituicao constitui 0 modo
como 0 cientista se ve a si pr6prio e a sua tradicao cultural: como se desenvol-
veu 0 seu tema, que areas e metodos tern valor, quem foram os fundadores e
as autoridades da disciplina, quais SaDos seus fins mais elevados, etc. A este
tipo de hist6ria institucionalizada da ciencia tem sido chamada "hist6ria dos
cientistas" [working history].12 Nao se trata meramente de uma hist6ria retros-
pectiva, mas de uma hist6ria pratica e voltada para 0 futuro que fornece ins-
trucoes sobre a pratica a seguir por aqueles que trabalham na disciplina ou a
ela querem aceder.
Devido a sua funcao pratica na sociologia da comunidade cientifica, a
"hist6ria dos cientistas" e mitica, Ate que ponto oferece uma descricao ver-
dadeira do desenvolvimento e irrelevante. A "hist6ria dos cientistas" consti-
tui· um quadro de referencia quase hist6rico com implicacoes relacionadas
CHFC·IHC·9
1241 INTRODU<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA CIENCIA
sobre a luz enquanto vibracoes do eter, Young estava de facto em divida para
com essas especulacoes. "Urn exame mais detalhado dos varies escritos de
Newton", concluia Young, "mostrou-rne que foi ele na realidade 0 primeiro a
sugerir uma teoria tal como a que tentarei defender; e que as suas pr6prias
opinioes nao sao tao diferentes das desta teoria como agora quase universal-
mente se supoe.''" Portanto, Young tentou rever a hist6ria da optica a fim de
estipular as mudancas que ele acreditava deverem ser introduzidas nessa dis-
ciplina. Contudo, na epoca, a teoria de Young pouco imp acto obteve na
comunidade cientifica. Te6ricos anteriores que estudaram 0 fen6meno da
vibracao, tal como Benjamin Franklin, foram frequentemente criticados com
bases quase historicas por contestarem 0 que se acreditava ser a optica de
Newton. E tambern Young foi criticado por reafirmar velhas hip6teses carte-
sian as que estavam em conflito com 0 que 0 grande Newton ensinara.
No final da decada de 1850, a lei da conservacao da energia foi geralmente
aceite e reconhecida como uma das pedras angulares da ciencia. Contudo,
dado que 0 conceito de energia nao se encontra de todo em Newton, dificil-
mente se poderia fazer brilhar a sua gloria sobre a lei da energia. Nem era
necessario, nessa altura, legitimar 0 principio vitorioso da conservacao da
energia. Mesmo assim, alguns cientistas senti ram que 0 prestigio da tradicao
newtoniana so poderia permanecer intacto se, tambern neste caso, a continui-
dade hist6rica pudesse ser restaurada. Consequentemente, Tait e Thomson,
dois dos cientistas mais eminentes da Inglaterra vitoriana, reinterpretaram
passagens dos Principia de Newton, de tal forma que Newton surgiu como 0
14 Young (1802), p. 12. As rcferencias que Young faz a Newton nao deveriam ser interpretadas apenas
como uma tentativa de legitimar a sua teoria. A explicacao da ''censura newtoniana" sobre a razao por
que a teoria de Young nao obteve reconhecimento imediato exagera a autoridade do "Newtonia-
nismo". Vide Cantor (1983), pp. 129-146 e Worrall (1976), pp. 112-114.
IS De acordo com 0 biografo de Tait, 0 mito foi concebido da seguinte forma:
"A conservacao da Energia," diz ele [Tait], um dia, a Thomson, "deve estar em Newton algures, basta
conseguirmos encontra-la." Volta ram entao, eles proprios, a ler cuidadosamente 0 original em latim
de Principia e dentro em pouco descobriram 0 tesouro nas ultimas linhas do "Scholiurn it Lex III."
Knott (1911), tal como citado (em ingles) em Elkana (1974), p. 49.
1261 INTRODU<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA CIENCIA
que marcou uma epoca, publicado em 1789. Lavoisier tinha uma consciencia
viva da sua missao como revolucionario e que ria apresentar 0 seu trabalho
como urn fundamento totalmente novo da quimica. A fim de sublinhar que a
quimica cientifica s6 tinha comecado a existir com ele, Lavoisier ignorou com-
pletamente os trabalhos de quimicos anteriores. Mencionar esses trabalhos,
ainda que para os criticar, pensou Lavoisier, diminuiria a sua pretensao de total
originalidade. Embora a obra de Lavoisier nao se servisse da hist6ria, sem
duvida que provocou uma revisao radical da historiografia da qulmica."
Nos Principles of Geology de Lyell (1830), outra das obras classicas de cien-
cia, a hist6ria nao foi ignorada. Pelo contrario, a obra de Lyell era prefaciada
com quatro capitulos em que a hist6ria das ciencias geol6gicas era exaustiva-
mente discutida. Essa versao da hist6ria da geologia, gra<;:asao exito de Lyell,
obteve urn reconhecimento que sobreviveu durante geracoes. Historiadores e
geologos aceitaram a hist6ria de Lyell como definitiva e compuseram a sua ima-
gem do desenvolvimento da geologia em conformidade com 0 que Lyell escre-
vera. Historiadores modernos e mais criticos demonstraram 0 caracter mitico
desta tradicao e encaram a hist6ria de Lyell como sendo primordialmente urn
escrito de promocao pessoal." A principal mensagem no prefacio hist6rico de
Lyell era que, ate 1830, a geologia se encontrava numa fase primitiva, nao cien-
tifica, de desenvolvimento e eram os Principles of Geology que, libertando-se dos
preconceitos anteriores, inauguravam a era da que viria a ser a geologia cienti-
fica. Tal como Lavoisier conseguira tornar-se 0 Newton da quimica, Lyell que-
ria estabelecer-se como 0 Newton da geologia. A fim de transmitir firmemente
a sua mensagem, Lyell produziu uma hist6ria distorcida que consistia num
punhado de grandes cientistas com ideias fundamentalmente inadequadas ou
err6neas sobre a evolucao da Terra. A tactica de Lyell consistiu parcialmente em
inventar contradicoes em geologia que nao existiam realmente e, parcialmente
tambern, fazer com que as opinioes contrarias a sua parecessem ridiculas. A sua
propaganda magistral deu frutos durante mais de urn seculo.
Num conselho muitas vezes citado, Einstein disse certa vez: "Se querem
descobrir alguma coisa com os fisicos te6ricos sobre os metcdos que usam,
aconselho-vos a aderir estritamente a urn principio: nao deem ouvidos as
suas palavras, fixem a vossa atencao nos seus actos."J8 Este e urn conselho
geralmente valido que nao se deve restringir aos fisicos te6ricos. Mas nao
16 Bensaude-Vincent (1983).
17 Porter (1976). Laudan (1983).
I. Einstein (1933), p. I.
IDEOLOGIA E MITOS NA HISTORIA DA CllONCIA 1127
devia ser interpretado como se implicasse que 0 que conta SaD apenas as con-
tribuicoes cientificas publicadas. Sob urn ponto de vista historico, as palavras
dos cientistas, as suas reflexoes retrospectivas sobre 0 que se esta a passar nao
podem ser radicalmente separadas das suas accoes, As narrativas historicas sai-
das das maos dos cientistas nao reflectem as suas contribuicoes cientificas, mas
antes a imagem que fazem de si proprios e da sua ciencia. Para 0 historiador, as
narrativas de historia da ciencia mais ou menos amadoras dos cientistas consti-
tuem urn valioso material de inforrnacao no que respeita as atitudes e imagens
pessoais dos cientistas.
Encaremos brevemente a atitude de Einstein relativamente a historia da
ciencia. Como tantos outros cientistas, Einstein utilizou frequentemente a his-
toria da ciencia e desenvolveu a sua propria visao de como a historia da fisica
devia ser apresentada." Do seu ponto de vista, e tarefa da historia da ciencia
reconstituir os conceitos e principios exemplares que possam servir para estru-
turar 0 desenvolvimento da ciencia de modo significativo. 0 proprio trabalho
semi-historico de Einstein e ilustrativo deste programa. Trata-se de historia
exemplar, nao factual. Concentra-se em temas conceptuais (tal como 0 con-
ceito de campo) que SaD estruturados e seleccionados de modo idealizado, a fun
de revelarem ligacoes que nao surgem na historia factual. Assim sendo, Einstein
organizou frequentemente os materiais historicos sem se sentir obrigado a res-
peitar a sua ordem cronologica, Aparentemente, Einstein nao tinha em grande
conta os historiadores da ciencia, acerca dos quais declarou que "sao filologos e
nao compreendem a que os fisicos pretendem atingir, como pensaram e se
debateram com os seus problemas". 20 Encontrou 0 seu ideal de uma historia da
ciencia nas obras de Ernst Mach, mais fisico que historiador. Devia ser evidente
que nao ha motivo para transferir a autoridade de Einstein da fisica para a his-
to ria. Ese as suas opinioes sao, apesar de tudo, de interesse e porque SaD as opi-
nioes de urn dos gigantes da ciencia.
Em 1912, tres fisicos alernaes, Max Laue, Walter Friedrich e Paul Knip-
ping, descobriram em Munique que os raios X produziam urn padrao de
difraccao se transmitidos atraves de urn cristal. Esta importante descoberta
nao so provou a natureza ondulatoria dos raios X, como tambern a estrutura
" Byrne (1980). A analise de Byrne, a que da 0 titulo de "Teoria de Einstein sobre a Hist6ria da Cien-
cia", exagera 0 interesse e a cornpetencia de Einstein na historia. Einstein foi um grande fisico, mas
nao um historiador. 0 prirneiro fundarnento de Byrne para a sua intcrpretacao e "Einstein and
Infeld" (1938) que e urn trabalho popular e serni-historico. Considerando 0 facto de os autores terern
pretendido que fosse urna discussao - "a chat" (prefacio) - torna-se forcado analisa-lo como se se tra-
tasse de uma contribuicao seria para a hist6ria da ciencia.
20 Nurna conversa com Robert Shankland em 1950. Citado de Holton (1973), p. 327.
1281 INTRODU<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA CIENCIA
21 Forman (1969).
IDEOLOGIA E MITOS NA HISTORIA DA CllONCIA 1129
aceites que interessavam muitos fisicos europeus. Assim, (1) e (2) nao chegam
para explicar satisfatoriamente 0 motivo por que haviam de ter sido Laue,
Knipping e Friedrich a descobrirem a difraccao por raios X. 0 motivo que
leva Forman a chamar a (1') e (2') mitos, em vez de meros erros, e que ele
acredita que cumprem uma particular funcao legitim ante para os cientistas
implicados na cristalografia de raios X, isto e, "reforcar a tradicao e dota-la de
urn prestigio maior, ao liga-la no passado a uma realidade mais vasta, melhor,
mais sobrenatural, de eventos iniciais"." Forman adopta aquilo a que chama
uma perspectiva antropol6gica. Cre ele que, essencialmente, uma comuni-
dade cientifica moderna pode ser analisada utilizando os mesmos metcdos
sociol6gicos e psicol6gicos que sao utilizados pelos antrop6logos no estudo de
tribos primitivas."
As tecnicas presentes na formacao de mitos, segundo Forman, estao liga-
das, em primeiro lugar, ao erguer de barreiras que 0 her6i do mito tern de
ultrapassar e, em segundo lugar, a apresentacao da descoberta como moral-
mente exemplar, ou seja, metodologicamente correcta. Contudo, no caso da
difraccao por raios X, 0 her6i mitico nao e urn individuo mas urn ambiente.
Diz Forman: 24
o mito cumprira tanto melhor a sua funcao social quanta mais nume-
rosos e dificeis forem os obstaculos que 0 her6i mitico tern de ultra-
passar. S6 desta forma podemos compreender as afirrnacoes cada vez
mais categ6ricas desacreditando a teoria da rede espacial. E e igual-
mente assim que podemos compreender a afirmacao de que as primei-
ras experiencias implicaram exposicoes de muitas horas, quando e
quase certo que, de facto, nao chegaram a durar trinta minutos. 0
fisico, contudo, pede algo mais aos seus mitos que 0 selvagem - eles
tern de estar em consonancia com 0 que ele sabe ser a boa fisica, e tern
de ser internamente consistentes, mesmo se nao plausiveis ... Uma
22 Ibidem, p. 67.
23 A provocadora perspectiva antropol6gica de Forman relaciona-se com 0 programa desenvolvido, uns
anos mais tarde, pela tao chamada "Edinburgh School". "... quem estuda 0 conhecimento natural sen-
tir-se-a livre para experimentar atraves de quaisquer metodos e teorias gerais das ciencias sociais. Na
medida em que estes metodos e teorias parecem ter merito no contexto da arte ou religiao, ou nas
cosmologias das sociedades sem escrita, ou outro cenario qualquer, podem ter utilidade igualmente
no estudo da ciencia. Como uma forma tipica de cultura, a ciencia deve aceitar que quaisquer meto-
dos desenvolvem a nossa cornpreensao geral de cultura", "Barnes and Shapin" (1979), p. 10.
24 Forman (1969), pp. 69-70. A atitude critica de Forman relativa ao "cientista-como-historiador"
(scientist-as-historian) nao enfraqueceu ao longo dos anos. Por isso, numa revisao de ensaio de 1983:
"... para os cientistas, a hist6ria nao e 0 campo de batalha para encontrar a verdade, mas principal-
mente de celebracao e congratulacao deles pr6prios". Forman (1983), p. 826.
130 I INTRODU<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA CIENCIA
cientista."
F: "Mites e anedotas - estas uma especie de mitos menores - tern fun-
coes importantes e talvez mesmo legitimas na ciencia contempora-
nea ... mas porque pretendem ser historicos, os mitos e as anedotas
SaD subversivos para a historia."
E: "Porque ha-de 0 historiador invocar mitos para a preservacao do
"cla" cristalograficor Nao teria este grupo encontrado a sua identi-
dade, como foi 0 caso, no interesse comum, nos metodos comuns e
problemas de pesquisa similares, bem como na experiencia comum
do desenvolvimento do seu campo - ou seja, em termos factuais e
nao mitologicos?"
F: « ••• 0 cientista, qua cientista, nao da valor ao facto historico: a histo-
ria esta totalmente subordinada as necessidades do presente e, na
realidade, apenas sobrevive na medida e sob a forma em que serve
essas necessidades presentes ... desde que evite questoes de "priori-
dade", os seus cole gas nao estao obrigados - alias, nem sequer auto-
rizados - a criticar a sua exposicao tomando como base estarem os
factos historicos incorrectamente expostos."
E: "os verdadeiros cientistas nao SaD historiadores diplomados; em vez
disso, tiveram a experiencia pessoal de terem crescido com 0 seu
tern a e de conhecerem as motivacces prevalecentes durante 0
Ewald levant a aqui algumas questoes que sao realmente fulcrais para a
historiografia da ciencia. Na minha opiniao, justifica-se que Forman rejeite
os relatos historicos de cientistas activamente imp lieados como testemunhas
da verda de, tal como os historiadores estao justificados para 0 fazer em
muitos casos (mas nem sempre ou incondicionalmente, como e evidente).
Convern frisar que Forman nao acusa verdadeiramente os cientistas de ape-
nas produzirem mitos. E para a ciencia personificada, para 0 cientista como
cientista, que a realidade historica e irrelevante. Na pratica, os cientistas
enquanto vivos nunca sac apenas cientistas e podem perfeitamente ser exce-
lentes historiadores.
Admitidamente, 0 historiador nao pode "reconhecer motivacoes a partir
das paginas dos jornais". Mas pode apontar inconsistencias, examinar mate-
rial por publicar e, de outras formas ainda, usar os metodos da critic a histo-
rica para descobrir motivacoes, Como salienta Ewald, 0 historiador nao pode
evitar completamente ser influenciado pelo seu conhecimento post factum. E
isso e tanto mais verdadeiro quando se trata daqueles cientistas que fazem
comentarios sobre pesquisas nas quais estiveram implicados. Utilizando uma
perspectiva diacronica, 0 historiador pode, pelo menos, minimizar a distor-
yao que tende a introduzir-se devido a sua situacao no tempo. Mais ainda, 0
11. Fontes
la Cartas
Ib Diaries, registos de laboratories
Ic Blocos de apontamentos, apontamentos pessoais
ld Manuscritos e primeiros esbocos de obras cientificas
2a Protocolos e livros de aetas de instituicoes cientificas
2b Relatorios e contas de instituicoes cientificas
2c Candidaturas a lugares, amincios de lugares e avaliacoes dos candidatos;
documentos relativos a adrnissao em sociedades eruditas e instituicoes
semelhantes
2d Requisicoes de patentes e exposicoes oficiais de patentes
FONTES /135
Fontes individuais
Confidenciais: l a, Ib, lc, l d, Sd (2c, 2d)
"Sernipublicas": 3a, 3b, Sa
Publicas: 3c, 4c, Sa, 7a, 7b (4a, 4b)
2 Dahl (1967).
1361 INTRODu<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA CIENCIA
Fontes institucionais
Confidenciais: 2a, 2b
"Semipublicas": 6b
Publicas: 2b, 6a, 8b
9a Edificios, laborat6rios
9b Instrumentos, maquinas, aparelhos
9c Modelos concretos, estampas e esquemas
9d Produtos quimicos, herbarios, coleccoes de hist6ria natural
3 Knight (1975).
FONTES 1137
que tenho a dizer mas, acima de tudo, dar-lhe a conhecer as razoes, subter-
fugios e acasos da fortuna que levaram as minhas descobertas.:" Mas Kepler
e uma excepcao, tanto em relacao as normas existentes no seu tempo, como,
em particular, as de periodos posteriores. Contudo, vale a pena salientar
que a norma de publicacao em vigor, com a sua aguda distincao entre os
contextos de descoberta e de justificacao, nao e uma parte necessaria do dis-
curso cientifico. Nalgumas fases do desenvolvimento cientifico, indicadas
como "concretas" por Caneva, fazia parte da integridade cientifica apresen-
tar provas e processos de pensamento tal como estes tinham surgido verda-
deiramente ao cientista. Este modelo nao era apenas considerado de born tom
4 Estranhamente, alguns arquivistas e historiadores consideram essas fontes superfluas e que "dados de
ensaios e experiencias deviam ser destruidos a partir do momento em que a inforrnacao que contern
tenha sido condensada em relatorios publicados ou em resumos estatisticos". M. J. Brichford tal como
citado em Elliot (1974), p. 30.
5 Para urn guia recente de arquivos, bibliografias, catalogos, manuais, etc., ver Jayawardene (1982).
6 as contextos de descoberta e justificacao sao discutidos em muitos livros sobre teoria da ciencia. Ver,
por exemplo, Lakatos e Musgrave (1970).
7 Citacao de Koestler (1960), p. 124. Ha urn paralelo moderno no ensaio fundamental de Einstein sobre
cosmologia de 1917, "Kosrnologische Betrachtungen zur allgemeinen Relativitatstheorie", Na introdu-
cao, Einstein diz que "ira conduzir 0 leitor pela estrada que eu mesmo percorri, estrada bem aspera e
cheia de curvas, porque de outro modo nao creio que ele tenha muito interesse no resultado no final
da viagem". Traducao inglesa em Einstein et al. (1923), p. 179.
1381 INTRODU<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA CI~NCIA
8 Traduzido de um antigo livro sobre eJectromagnetismo, escrito pelo Fisico e fisi6logo alernao Paul
Erman, pouco depois da descoberta de 0rsted. Citado de Caneva (1978), p. 83.
FONTES 1139
CHFC-IHC-IO
140 I INTRODUC;:AO A HISTORIOGRAFIA DA Clf.NCIA
caracter e a vida da pessoa que morreu. As necrologias sao, pois, quase sern-
pre, descricoes acriticas ou, pelo menos, favoraveis de uma vida. Alern disso,
sao geralmente escritas pelos cole gas ou alunos do falecido, para os quais a
necrologia tender a a servir como urn elo na hist6ria funcional da sua tradicao
disciplinar. Em resumo, as necrologias sao exemplos do tipo de historiografia
mitica que discutimos no capitulo 10.
A consulta de bibliografias pode muitas vezes constituir uma boa introdu-
cao para urn trabalho de hist6ria da ciencia. As bibliografias podem ser esta-
belecidas de muitas maneiras diferentes, por exemplo, a bibliografia de urn
tern a ou disciplina em determinado periodo, ou bibliografias de cientistas
individuais. Relativamente a muitos cientistas, exist em bibliografias mais ou
seu desejo de tratar urn determinado tema. Formula questoes sobre esse tema
e constr6i uma ideia do que deseja saber. Essas questoes conduzirao natural-
mente a fontes especificas susceptiveis de responderem a essas questoes e,
provavelmente, conduzirao a outras. A situacao problernatica original it-se-a
transformando ao longo do processo de pesquisa, em parte como resultado
do estudo das fontes.
A primeira fase consistira em procurar e identificar as fontes relevantes
para 0 problema que foi determinado. Essa po de revelar-se uma tare fa dificil,
dependendo da natureza do tema e da sua situacao no tempo. Sera
frequentemente boa ideia comecar pelas fontes secundarias, em particular pelas
obras que outros historiadores tenham escrito sobre 0 mesmo assunto ou sobre
assuntos semelhantes. Desta forma, e possivel poupar muito trabalho de refe-
rencia morose e terminar relativamente depressa uma estimativa das fontes que
necessitarao de exame mais minucioso. Contudo, por mais exaustivamente que
o historiador busque as fontes, nunca conseguira basear urn estudo em todas as
fontes relevantes. E impossivel saber se se iria encontrar informacao relevante
em fontes que nao foram consultadas. E as fontes irrelevantes poderiam, apesar
de tudo, acabar por ser relevantes. E a interpretacao da fonte que determina a
sua relevancia para a questao colocada pelo historiador.
Depois de ter escolhido as suas fontes, 0 historiador deveria, em principio,
examinar a respectiva autenticidade. Por outras palavras, deve ter em atencao
a possibilidade de serem falseadas. Conheco apenas urn unico caso de elemen-
tos forjados na hist6ria da ciencia, mas este e tao completo e grotesco que
merece ser mencionado." Diz respeito a urn certo Vrain-Lucas que fabricou
J3 Isis Critical Bibliography (anualmente). Tarnbern, Bulletin Signaletique (tres vezes por ano).
14 Merton (1957). Vma fraude cientifica mais bem conhecida e 0 caso de Piltdown. Os f6sseis de Piltdown
foram "descobertos" em 1912 e, durante 40 anos, foram aceites como prova da existencia de urn
homem pre-historico. 56 em 1953 se compreendeu que 0 homem de Piltdown era uma fraude cuida-
dosamente planeada. Ver a discussao em Brannigan (1981), pp.133-142. 0 homem de Piltdown foi
forjado pela ciencia da paleoantropologia e nao propriamente pela hist6ria da ciencia, Nesse aspecto,
difere do caso Vrain-Lucas.
FONTES 1143
saberemos com toda a certeza e por boas razoes. 0 facto de Calvino nunca ter
mencionado Copernico e urn exemplo de prova documental negativa e, como
tal, tern urn estatuto diferente do que se aplica ao tipo habitual de prova posi-
tiva. Assim, embora Calvino nao faya qualquer mencao a Copernico ou ao seu
sistema astron6mico, e 6bvio que poderia ter algum conhecimento de ambos.
Mas nao podemos deixar de concordar com Rosen que 0 silencio de Calvino e
no minimo intrigante, caso tenha tido realmente conhecimento do sistema de
Copernico.
A visao do mundo de Calvino era definitivamente contraria a de Coper-
nico, mas daqui nao decorre ser razoavel supor que ele fosse anticoperniciano.
o alegado anticopernicianismo exige documentacao positiva provando que
Calvino reagiu realmente a teoria de Copernico. Dado 0 significado contro-
verso que Copernico veio a ter para a teologia e vida intelectual na Europa, e
tentador identificar as ideias de Copernico em quaisquer afirrnacoes cosmol6-
gicas a partir da segunda metade do seculo XVI. Ao que parece, foi isso que
fez White. Na realidade, 0 cornentario de Calvino ao verso do Salmo 93 nao
contern qualquer referencia polemic a a Copernico. Mas White, sabendo que 0
7 Crosland (1978), p. 5.
A VALIA<;:AO DAS FONTES 1153
Todas estas fontes sao valiosas mas possuem diferentes graus de autentici-
dade. Assim, e obvio que b e c, dado que se baseiam em declaracoes orais fei-
tas muitos anos depois da criacao da teoria, nao podem ser considerados
como tendo 0 mesmo grau de autenticidade que d e e. Nao ha motivos para
julgar que os dois Henrys nao tenham relata do 0 que pensavam que Dalton
teria dito. Mas nao podemos de forma alguma ter a certeza de que os seus tes-
temunhos (escritos) reproduzam fielmente as declaracoes (orais) de Dalton.
Alern disso, de acordo com a versao transmitida pelos Henrys, as declaracoes
orais foram realizadas, respectivamente, 20 e 26 anos depois da forrnulacao da
teoria, pelo que as declaracoes de Dalton poderiam perfeitamente estar mar-
cadas pelo esquecimento e pela racionalizacao apos 0 acontecimento.
A versao de Thomson, baseada na prova c, tern de ser posta de parte por-
que nao e consistente com os materiais de fontes primarias, mais autenticas.
Os blocos de apontamentos de Dalton revelam que 0 seu trabalho com 0 metano
eo etano so se iniciou em 1804, ao passo que a sua tabela de pesos atomicos
AVALlA<;:Ao DAS FONTES 1155
(que pode ser encarada como a expressao directa da teoria atomica) se encon-
tra ja em apontamentos datados de 1803. Mas entao porque contou ele uma
historia diferente a Thomson em 1804, quando tudo estava ainda fresco na sua
memoria? Pode ter acontecido que Dalton se referisse a sua solucao recem-des-
coberta para a composicao dos hidratos de carbono e que Thomson tenha
interpretado mais tarde essa conversa como referindo-se a descoberta da teoria
atomica." Talvez Thomson entendesse mal a resposta de Dalton ou este perce-
besse mal a pergunta de Thomson ... A ausencia de fiabilidade do relato de
Thomson pode ser igualmente constatada nas diferentes versoes que deu da sua
conversa. Em 1831, afirmava ele: 9
Nao sei quando the ocorreram [a Dalton] pela primeira vez as ideias.
Muito provavelmente surgiram-Ihe gradualmente, sendo adoptadas em
consequencia das suas investigacoes experimentais .... A nao ser que a
minha memoria me atraicce, a teoria de Dalton foi originalmente
deduzida a partir das suas experiencias com gas olefiante e carbureto
de hidrogenio.
CHFC-IHC-II
1561 INTRODu<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA CltNCIA
... se, par urn lado, nao somos obrigados a atribuir grande importancia
as declaracoes orais de Dalton, por outro lado, as suas declaracoes
escritas tern bem maior peso nas nossas consideracoes. E certo que
Meldrum parece ter adoptado a atitude de que nada do que Dalton
disse sobre a origem da teoria quimica merece 0 mais pequeno credito,
Porem, segundo 0 que conhecemos do caracter de Dalton, e imp ens a-
vel que ele tenha feito a sua declaracao com 0 prop6sito de iludir a
posteridade. A declaracao parece mais urn relato cuidadosamente ela-
borado e destin ado a ser apresentado por Dalton a uma audiencia dis-
tinta na Royal Institution. Foi redigida sete anos apenas ap6s 0 aconte-
cimento; as datas indicadas como sendo as da criacao da primeira
(1801) e da segunda (1805) teorias sobre gases combinados estao
essencialmente correctas; e tambern nao ha razao para supor que a
mem6ria de Dalton tenha falhado. Obviamente nao podemos enten-
der a declaracao de Dalton como sendo literalmente exacta. No
entanto, ir ao ponto de a desacreditar completamente tal como Mel-
drum 0 faz ... e ir longe de mais.
14 Esta era a conclusao de Partington depois de ter tentado, em vao, reproduzir experimentalmente os
dados relatados por Dalton. Partington (1939), p. 279.
15 Nash (1956), p. 108.
1581 INTRODU<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA CIENCIA
1805 como 0 ana critico poderia ter sido urn simples engano, como sugeriram
Roscoe e Harden. Mas muito dificilmente tera sido esse 0 caso, dado que os
blocos de apontamentos revelam que a ideia de Dalton sobre as misturas gaso-
sas surgiu pela primeira vez urn ana apos 0 mes de Setembro de 1803. Por con-
seguinte, a aceitacao incondicional por Roscoe e Harden do relato de Dalton de
1810 tern uma vez mais de ser posta de lade em funcao do desacordo entre esta
e outras fontes mais fiaveis, Note-se que, uma vez mais, se esta a utilizar urn
argumento de plausibilidade: Dalton podia ter escrito 1805 por mero engano e
podia ter concebido a sua teoria de misturas de gases em 1803, embora tal nao
constasse dos seus apontamentos. Mas e mesmo muito pouco plausivel,
Seja qual for a resposta relativamente it origem da teoria atomica de Dal-
ton, ela tern de ser baseada em fontes. Parte da confusao it volta desta questao
deve-se ao facto de sermos tentados a resolver uma questao que nao corres-
ponde realmente it realidade historica, Nomeadamente, a questao "que aeon-
tecimento deu origem it teoria atomicai". Podem ter estado envolvidos mui-
tos acontecimentos, durante urn longo periodo de tempo. A origem da teoria
atornica seria talvez melhor descrita como urn processo evolutivo do que
como urn evento subito. "Em certo sentido", escreve Arnold Thackray, "a
teoria de Dalton nao teve uma origem, foi antes algo herdado e so gradual-
mente tornado explicito e formalizado, em resposta a quest6es levantadas
pelo seu trabalho sobre gases.?"
Experiencias de Galileu
16 Thackray (1966), p. 51. Ver, tarnbem, Thackray (1972), que inclui uma critica ao "continuo desejo de
explicar a obra de Dalton em termos de eventos cruciais e exitos decisivos", p. 40.
17 Para alern dos titulos men cion ados, ver, por exemplo, Shea (1972) e Drake (1970).
AVALJA(':AODASFONTES 1159
Quando a obra Dialogo foi traduzida para ingles, em 1661, esta orgulhosa
replica aprioristica era demasiado ernbaracosa numa Inglaterra fortemente
influenciada pelo empirismo de Bacon. Pensar que Galileu, logo ele, era capaz
de negar 0 valor crucial das experiencias! A resposta de Salviati foi suavizada
da seguinte maneira:"
Estou certo de que 0 efeito sera tal como te digo, porque e necessario
que assim seja ...
Fui urn filosofo duas vezes melhor que esses outros, porque eles, ao
dizerem 0 oposto do efeito, acrescentaram ainda a mentira de 0 terem
presenciado por recurso a experiencia: eu fiz a experiencia, mas antes 0
Esta fonte deve ser encarada como prova fidedigna do facto de Galileu ter
levado a cabo as experiencias que, em 1632, deu a en tender nao haver reali-
zado." Embora se confirme que Galileu estava realmente convicto quanta ao
resultado antecipado da experiencia, nao se tratou meramente de uma expe-
riencia pensada. Por conseguinte, a carta dirigida a Ingoli enfraquece a inter-
pretacao de Galileu como platonico.
Urn caso semelhante passa-se com a investigacao de Galileu sobre os
movimentos de projecteis, atraves da qual demonstrou que as trajectorias
dos projecteis eram parabolicas. Galileu publicou a sua argurnentacao
sobre este ass unto nos Discorsi, onde des creve como sendo baseado em
experiencias de pensamento. "Concebo mentalmente urn movel projectado
sobre urn plano horizontal..." diz ele. Seria entao a descoberta de Galileu
nao experimental? Se tivesse levado a cabo experiencias rea is, esperar-se-ia
que as tivesse mencionado em vez de sublinhar que eram hipoteticas, Con-
tudo, Drake descobriu alguns apontamentos, ate entao desconhecidos,
onde Galileu regista experiencias cuidadosas feitas com bolas num plano
.I
1621 INTRODUc,:Ao A HISTORlOGRAFIA DA CI~NCIA
... torna-se aparente que Galileu estava a descrever como uma concep-
yao mental algo que observara cuidadosamente e com os seus proprios
olhos trinta anos antes. Os primeiros historiadores da ciencia apressa-
ram-se a conduir que fora isso que ele fizera. Historiadores recentes da
ciencia, criticando os seus predecessores, apressaram-se, pelo contra-
rio, a conduir que Galileu trabalhara a partir de matematica pura, sem
cornprovacao empirica; foi a fe nas formas ideais platonicas, mais que
a atencao aos pormenores fisicos, que abriu 0 caminho para a ciencia
moderna, afirmam. No que se refere a Galileu, os primeiros historia-
do res estavam mais perto da verdade.
33 Ronald Naylor repetiu cuidadosamente as experiencias relatadas por Galileu, mas foi incapaz de con-
firmar os resultados de Galileu. Concluiu entao que este provavelmente nao obtivera esses resultados
por meio de experiencias com 0 plano inclinado. Naylor (1974). Shea, outro estudioso de Galileu,
resumiu 0 debate que se estabelecera como segue: "Koyre concluiu que essas experiencias [bolas em
pianos inc1inados com cronometragem suficientemente exacta 1 estavam para 1<1 do alcance da arte da
experirnentacao e, posto que Settle demonstrou que Galileu podia ter realizado a experiencia do plano
inc1inado, Drake concluiu que ele conseguiu realmente os resultados de Settle. Mas decerto que 0
mais que podemos afirmar a partir das experiencias de Settle, se estas reproduzem fielmente as de
Galileu, e que Galileu poderia ter obtido resultados identicos mas nao que 0 tenha feito necessaria-
mente." Shea (1977), p. 85. Ora, e certo que 0 historiador nao tern 0 direito de concluir que uma
experiencia foi realmente levada a cabo s6 porque pode ser repetida (ver tambern capitulo 14). Mas
tarnbern nao the e licito concluir que desacordos moderados, tais como os demonstrados por Naylor,
provam que a experiencia nao foi realizada tal como e relata do. to 0 que Shea faz.
34 Truesdell (1968), p. 307.
35 Citado de Drake (1978), p. 19.
1641 INTRODU<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA CIENCIA
36 Ibid., p. 20 e p. 415. Mas consultar tambem 0 trabalho classico de Cooper (1935), que apresenta de
forma detalhada as fontes, incluindo 0 relato de Viviani. Cooper concluiu que Galileu nao levou a
cabo a experiencia enquanto ensinava em Pisa.
37 Lodge (1960), p. 90.
AV ALlAC;:Ao DAS FONTES 1165
cientista pode ter motivos para apresentar as suas accoes de modo diferente
do sucedido. Em relacao a conflitos de prioridade, por exemplo, poderia
sobrestimar, consciente ou inconscientemente, a sua pr6pria contribuicao,
alterar datas ou, de qualquer outra forma, suprimir uma realidade que ele
pudesse ter desejado ser diferente. Nao e dificil encontrar exemplos de afir-
macoes nao fiaveis dos tipos mencionados. A ausencia de fiabilidade pode ser
estabelecida quando as afirrnacoes nao podem conciliar-se com outros aeon-
tecimentos bem documentados ou quando 0 mesmo cientista relatou a
mesma ocorrencia em termos que entram em conflito. 0 relato de Dalton
sobre a origem da teoria at6mica e disso exemplo.
1681 INTRODUC;:AO A H1STORIOGRAFIA DA CIENCIA
base para a criacao da teoria da relatividade. Foi tambern desse modo que
Jaffe as interpretou: "Em 1931, muito pouco antes da morte de Michelson,
Einstein atribuiu publicamente a sua teoria a experiencia de Michelson."?
Devem mencionar-se tres pontos de interesse historiografico em ligacao a
prova de 1931 e conclusao de Jaffe.
Os textos sao sempre dirigidos a urn publico e, em certa medida, irao reflectir
os desejos ou as reaccoes esperadas desse publico. No caso de Einstein, a
atmosfera que rodeava 0 discurso era nitidamente empirista; 0 elo (rnitico)
entre Einstein e Michelson fora evidenciado por Millikan e Michelson em dis-
curs os anteriores ao de Einstein. Tal como Holton escreve, "0 palco e as
expectativas estavam preparados para a resposta de Einstein". Perante essas
expectativas e a atmosfera geral da assembleia, Einstein dificilmente poderia
servir-se da ocasiao para destruir publicamente 0 mito sobre 0 qual assentava
grande parte da fama do idoso Michelson.
Contudo, muitos anos depois, Einstein esclareceria que a experiencia de
Michelson nao representara praticamente papel algum na descoberta da teo-
ria da relatividade. R.S. Shankland levou a cabo uma serie de entrevistas com
Einstein onde 0 assunto foi referido. De uma conversa tida em 1950, Shan-
kland descreve: 6
Quando the perguntei como soubera da experiencia de Michelson-Morley,
disse-me que tivera conhecimento del a atraves dos escritos de H. A.
Lorentz, mas que so depois de 1905lhe despertara a atencaol
E, ainda, de uma conversa tida em 1952:7
Einstein disse que nos anos 1905-1909 meditou muito sobre 0 resul-
tado de Michelson, as suas discussoes com Lorentz e outros e os seus
pensamentos sobre a relatividade geral. Compreendeu entao (assim
me disse) que tambern estivera consciente dos resultados de Michelson
antes de 1905, em parte atraves da leitura dos ensaios de Lorentz e
ainda mais porque simplesmente considerara que esse resultado de
Michelson era correcto .•
Finalmente, numa carta de 1954, Einstein escreveu:"
Porem, uma leitura critica da obra de Ampere revela que esse metodo nao
foi a base de (todas) as suas conclusoes teoricas. Para Ampere, 0 rnetodo
9 Einstein (1982), p. 46. Traducao de notas tomadas por J. Ishiwara, que assistiu ao discurso de Einsten,
feito em alernao, na Universidade de Quioto, a 14 de Dezembro de 1922.
10 Citado de Dubem (1974), p. 196.
CHFC-IHC-12
1721 INTRODU<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA CIENCIA
ernpirico era urn ideal e uma profissao de fe rnetodologica, nao a sua auten-
tica pratica. Ampere pretendia que 0 seu publico encarasse a theorie mathe-
matique como sendo baseada no metodo newtoniano consagrado e talvez
estivesse mesmo convencido de ter seguido esse metodo. Mas, como Duhem
assinalou, os dados de Ampere sac totalmente inadequados ao tipo de conclu-
soes indutivas a que se refere; muitas das experiencias descritas por Ampere
sac imprecisas e carecem de pormenores importantes. Segundo Duhem, a
verdadeira pratica de Ampere estava em completo desacordo com a apresen-
tacao que Ampere dela fez:"
II Ibid.
12 IIbid., p. 198.
HISTORIAS DE CIENTISTAS 1173
13Woolgar (1976). Os pulsares sao objectos celestes que emitem sinais de radio com pulsacao rapida de
frequencia regular. Foram pela primeira vez detectados em 1967 por urn grupo de astr6nomos da
Universidade de Cambridge.
14 Ibid., p. 400.
HISTORlAS DE CIENTISTAS 1175
15 Ibid., p. 399.
HISTORIA EXPERIMENTAL DA ClENClA 1177
Se e certo que 0 passado nao pode ser anulado, pelo menos num sentido
po de ser estudado por metodos experimentais. A historia experimental da
ciencia nao tern sido usada nem extensiva nem sistematicamente e as opinioes
a seu respeito dividem-se. Por urn lado, poderiamos mencionar 0 historiador
italiano L. Belloni, que desenvolveu 0 metcdo experimental, particularmente
na historia da medicina e da biologia. De acordo com Belloni, a reconstitui-
cao de experiencias historicas e de especial valor como metodo suplementar
para a interpretacao de textos:'
resultado sera sempre determinado. Mas dado que as leis naturais sao inde-
pendentes do tempo ou, por assim dizer, ahistoricas, 0 elo entre a situacao
experimental e 0 resultado objectivo sera valido para todos os periodos histo-
ricos. Podemos utilizar 0 nosso conhecimento das leis da natureza para invali-
dar relatos historicos; nao acerca dos pensamentos e accoes dos seres huma-
nos (que constituem a verdadeira essencia da historia), mas acerca dos feno-
menos errrrelacao aos quais os pensamentos e accoes estavam ligados. Por
exemplo, se urn quimico do seculo xv relata que fabricou ouro a partir de
materiais que nao continham ouro, sabemos que esse relato e falso. Os nossos
conhecimentos de quimica e da teoria atomica dao-nos essa certeza. 0 facto
de os alquimistas estarem enganados nao torna as suas obras menos interes-
santes historicamente. Sabemos que nao foi ouro 0 que 0 quimico fez. Mas,
entao, 0 que 0 fez acreditar nisso? Se 0 relato do alquimista e suficientemente
pormenorizado e compreensivel, 0 historiador pode repetir hoje a sua expe-
riencia e analisar 0 respectivo produto, usan do metodos actuais. Se a expe-
riencia reconstituida for uma reproducao exacta da original, podemos ter a
certeza de obter 0 mesmo resultado que 0 que foi obtido hi 500 anos. Obte-
mos, assim, conhecimento acerca de uma questao historic a por meio de uma
experiencia, 0 conhecimento do pass ado atraves deste processo so e possivel
porque, em ultima analise, as ideias de que nos ocupamos na historia da cien-
cia sao ideias sobre aspectos concretos da Natureza. Outras formas de historia
nao possuem esta capacidade.
A reproducao moderna de eventos historicos sugerida so se aplica a even-
tos que possam ser isolados e repetidos, ou seja, que sejam regidos por leis
causais. No caso do alquimista, e de igual importancia saber quais eram as
razoes que justificavam 0 estatuto da alquimia no seculo XV, como pensavam
os alquimistas, que ligacoes havia entre a alquimia e a astrologia, etc. Nestes
casos, 0 metodo experimental nao pode ter qualquer utilidade. Nao podemos
recriar as condicoes sociais e religiosas do seculo XV com qualquer grau de
certeza, nao podemos toma-Ias como objecto de verdadeiras experiencias.
HISTORIA EXPERIMENTAL DA CIENCIA 1179
3 Dijksterhuis (1961), p. 340. Para objeccoes ao uso da reconstrucao lakatosiana ver McMullin (1970) e
Holton (1978).
180 I INTRODU<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA CIENCIA
que uma experiencia quimica com urn. Mas se fizermos urn estudo exaustivo
do dima cientifico e intelectual que existia no tempo de Lavoisier, a experien-
cia po de ajudar-nos a compreender melhor Lavoisier. Entao tornou-se uma
especie de repeticao de uma experiencia historica,
A historia experimental da ciencia pode proporcionar informacao sobre se
as experiencias relatadas se realizaram ou nao ou se foram meramente pensa-
das. Se ha textos historicos que descrevem resultados de experiencias que
entram decididamente em conflito com as repeticoes modernas, temos razoes
para duvidar da realizacao da experiencia e dos resultados descritos. Se, por
outro lado, a experiencia descrita corresponde as experiencias reconstituidas,
temos razoes para crer na autenticidade do relato. 0 controlo moderno que
podemos exercer deste modo nao precisa de ser experimental. Nao sera mais
do que uma mera comprovacao teorica de que os resultados experimentais
que foram descritos concordam com 0 conhecimento aceite actualmente.
Assim, nao precisamos de repetir as experiencias dos alquimistas para saber
que nao fabricavam ouro.
Sao aqui necessarias duas chamadas de atencao restritivas: em relacao a
"verificacao" acima mencionada, 0 mero facto de que 0 relato historico coin-
cide com 0 conhecimento actual nao e, em si, base suficiente para aceitar 0
periodo era exactamente 0 mesmo para cada amplitude. De facto, este nao e 0
caso das grandes amplitudes e Galileu nao po de simples mente te-las me dido
nas suas experiencias. Mesmo assim, nao ha motivo para duvidar da autenti-
cidade dos relatos de Galileu. Galileu sabia que 0 periodo nao e precisamente
constante para gran des amplitudes; simplesmente encarou 0 desvio como nao
tendo importancia e dai te-lo registado como inexistente.
As circunstancias que rodeiam 0 relat6rio experimental tornam a simples
falsificacao praticamente impossivel. As cornprovacoes efectivas requerem
tarnbem urn conhecimento mais lato da situacao experimental primitiva e do
metodo, a fim de repetir exactamente a experiencia hist6rica. Acontece fre-
quentemente que esse conhecimento nao existe e a experiencia reconstituida
enferrnara de tanta incerteza em relacao a original que se torna impossivel
retirar quaisquer conclus6es.
Uma vez mais, podemos encontrar urn exemplo nos Discorsi. Nessa obra,
Galileu (Salviati) refere uma estranha experiencia com agua e vinho." Urn
globo de vidro com urn pequeno furo e enchido com agua e colocado, com 0
orificio voltado para baixo, sobre uma tigela de vinho tinto. Vi entao, diz
Galileu, que 0 vinho tinto subiu para 0 globo enquanto a agua des cia para
dentro da tigela, sem que os fluidos se misturassem; no fim, 0 globo estava
cheio de vinho tinto e a tigela cheia de agua. Tera Galileu feito esta experien-
cia cujo resultado parece estar em contradicao com 0 que sabemos acerca do
movimento de fluidos? Koyre aceitou evidentemente a aplicabilidade do
metodo experimental, dado que escreve: 5
Fez-se conduzir cloro seco sobre uma mistura de alumina pura, que
foi mantida incandescente dentro de urn tubo de porcelana. Dado que
a alumina se pede assim separar do oxigenio, as suas partes combusti-
veis combinaram-se com 0 cloro e, ao faze-Io, formaram urn com-
posto volatil que foi facilmente recebido num recipiente de recolha
que, naturalmente, tivera de ser munido de urn tubo exaustor para 0
6 Ibid.
7 MacLachlan (1973).
8 Fogh (1921).
'Traduzido a partir do fac-simile em Kjolsen (1965), p. 105. A citacao aqui reproduzida refere-se ape-
nas ao primeiro passo da sintese do aluminio, isto e, a producao de cloreto de a1uminio nao aquoso.
No segundo passo, 0 cloreto era transformado numa arnalgarna por dissolucao em mercuric. 0 metal
era obtido em forma pura por destilacao da arnalgarna.
HISTORIAEXPERIMENTALDACIENCIA 1183
10 Citado de Kolsen (1965), p. 108.0 contetido da carta para Schweigger, incluindo a sua referencia ao
carbono, foi publicado no mesmo ano em Annalen der Physik und Chemie de Poggendorf.
1841 INTRODU<,:Ao A HISTORIOGRAFIA DA CIENCIA
geologia e biologia evolutiva, incluem aspectos que nao sao repetiveis e, nesse
sentido, sao ciencias "historicas". A paleozoologia estuda as reliquias f6sseis de
animais extintos. Se as reliquias tivessem desaparecido, ver-se-ia forcada a tra-
balhar como urn historiador. Urn ponto central na geofisica moderna e 0
estudo de como a massa da Terra se distribui a volta do seu centro e por que
razao assim acontece. 0 estudo dos textos cuneiformes da antiga Babil6nia pro-
varam ser de grande importancia para essa questao. Os babil6nios registaram
observacoes cuidadosas da Lua e dos planetas, incluindo eclipses lunares que
cronometraram em relacao ao nascer e ao por do Sol. Se os cientistas rnodernos
calcularem a que altura do dia urn eclipse, visivel na antiga Babil6nia, ocorreu,
sucede que existe uma discrepancia entre os registos babil6nicos e 0 valor calcu-
lado. A discrepancia nao e justificada em termos de dados babil6nicos impreci-
sos mas devido ao facto de 0 comprimento do dia ir gradualmente aumentando
devido ao abrandamento da rotacao da Terra. A comparacao dos calculos
modernos com os registos babil6nicos indica que a alteracao na velocidade de
rotacao da Terra nao po de ser unicamente devida aos efeitos das mares terres-
tres, mas tambem de alteracoes na distribuicao da massa no interior da Terra.
Os efeitos que nao resultam de mares podem ser calculados com bastante preci-
sao com base nos textos cuneiformes, que ajudam assim os geofisicos a melho-
rar os seus modelos do interior da Terra." Os dados babil6nicos tern, evidente-
mente, de ser interpretados e tornados inteligiveis pelo historiador de ciencia
antes de poderem ser transmitidos ao geofisico. Tambem noutras areas da his-
t6ria da astronomia ha exemplos em que dados hist6ricos foram utilizados com
exito na investigacao moderna e de como poderiam ter desempenhado urn
papel util caso tivessem sido utilizados."
Por mais interessantes que sejam estes exemplos da relevancia que os
dados hist6ricos podem ter para a ciencia, nao devemos esquecer que repre-
sentam excepcoes, E dificilmente se podera chamar a estas excepcoes hist6ria
da ciencia propriamente dita.
13 Stephenson (1982).
14 Grosser (1979), p. 41 e p. 139.
A ABORDAGEM BIOGRAFICA 1187
tema, e a apresentar 0 cientista retratado como urn her6i, ao passo que os seus
opositores e rivais serao os viloes. Quando tal sucede, a biografia degenera na
chamada hagiografia, hist6ria acritica, a preto e branco. Nao ha a minima
duvida de que a biografia cientifica prepara 0 palco para 0 tipo de descricao a
preto e branco que Agassi descreve como hist6ria indutivista da ciencia.' Nao
e por coincidencia que os mitos de antecipacao e outras form as de hist6ria
rnitica florescem na literatura biografica.
A passagem da hist6ria a mito, aspecto comum a muitas biografias, esta
ligada ao facto de a biografia se dirigir muitas vezes a urn publico mais
alargado. As biografias SaG quase 0 unico tipo de literatura da hist6ria da
I Ver Hankins (1979). Exemplos notaveis de biografias cientificas modernas, que ajudaram a inverter a
tendencia, incluem Drake (1978), Manuel (1980), Westfall (1980) e Morselli (1984).
2 Agassi (1963).
CHFC-IHC-I3
1881 INTRODU<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA CIENCIA
ciencia que consegue dar origem a best-sellers. Mas estas obras tao lidas, tais
como a biografia que Eve Curie escreveu de sua mae, Madame Curie, rara-
mente ascendem aos padroes que desejarfamos ver associados a biografia
cientifica. Para que uma biografia desperte urn grande interesse no tempo
presente, tera de apelar para 0 leitor, quer preparando a cena para ligacoes
disciplinares actuais, quer atraves do seu conteudo de drama humano. Se
estes elementos nao existem na vida real do sujeito, 0 bi6grafo sente-se ten-
tado a inventa-los ou imagina-los. Quem se ira incomodar a ler to do urn livro
acerca de urn cientista que, comprovadamente, representou urn papel de
relevo no seu tempo, mas cuja contribuicao se revelou urn beco sem saida e
cuja vida, ainda por cima, foi tudo menos dramatic a?
A biografia que glorifica e romantiza apresenta tipicamente 0 her6i como urn
genio forcado a lutar contra urn mundo contemporaneo estupido que ergueu
todo 0 tipo de obstaculos no caminho das suas ideias brilhantes; ideias conside-
radas brilhantes porque antecipam, ou podem ser vislumbradas, no conheci-
mento moderno. Esses obstaculos nao terao frequentemente qualquer suporte
na realidade, nao passando de mero estratagema para fortalecer a nossa admira-
c;:aopelo her6i (se ele os ultrapassa) ou para desculpar a sua ausencia de exito (se,
apesar de tudo, nao consegue ultrapassa-los). Como ja vimos, este tipo de mito
nao se confina ao tipo mais popular de hist6ria da ciencia. E, obviamente, dever
do historiador destruir os mitos, onde quer que possam ser encontrados.
Quanto a romantizacao, poucos casos na hist6ria da ciencia sao cornpara-
veis a narrativa da morte do rnatematico frances Evariste Galois (1811-1832).
De acordo com a hist6ria corrente, propagada por praticamente todos os bi6-
grafos de Galois, este era urn genic incompreendido cujas brilhantes teorias
foram suprimidas pelo establishment matematico. Vitima das circunstancias,
envolveu-se no turbilhao politico da epoca e foi encarcerado em virtude das
suas simpatias republicanas. Mesmo na prisao, Galois nao deixou, contudo,
de desenvolver as suas ideias matematicas, mais tarde conhecidas como teoria
de grupos. Em 1832, 0 jovem Galois envolveu-se numa infeliz relacao amo-
rosa que, ainda de acordo com a hist6ria corrente, resultou num duelo de
honra com urn inimigo politico. Na noite antes do duelo, Galois "passou as
horas fugazes lancando febrilmente no papel 0 seu testamento cientffico, ... 0
que ele escreveu nessas ultimas horas desesperadas, antes do amanhecer
mantera ocupadas geracoes de maternaticos durante centenas de anos".'
Galois morreu no duelo, com apenas vinte anos de idade.
, Segundo a obra largamente difundida, Men of Mathematics, de E.T. BeU, publicada pela primeira vez
em 1937. Citada aqui de Rothman (1982), p. 112.
A ABORDAGEM BIOGRAFICA 1189
Contudo, a sua reputacao [de Galois] nao assenta, tal como a hist6ria
da ciencia, numa lenda que insiste que urn genic cientifico esta acima
de qualquer censura na sua vida privada, ou no mito de que qualquer
contemporaneo que nao tenha apreyo pelo seu genio s6 pode ser urn
idiota, urn assassino ou uma prostituta. A nocao de que 0 genic nao
tolera a mediocridade e urn lugar-comum demasiado antigo para ser
adoptado acriticamente como hist6ria exacta.
Podemos dizer pelo menos uma coisa com seguranca acerea da biogra-
fia: as ideias e opinioes expressas pelo nosso sujeito vieram de uma
6 Hankins (l979), p. 5.
A ABORDAGEM BIOGRAFICA 1191
16. Prosopografia
I Stone (1971) ajudou a conseguir que os historiadores da ciencia redescobrissem 0 metodo prosopografico.
2 Cf. Cowan (1972).
3 Ostwald (1909).
1941 INTRODUc,;Ao A HISTORlOGRAFIA DA CIfNCIA
1873, escreveu uma obra ambiciosa, Histoire des sciences et des savants depuis
deux siecles, onde sistematicamente utilizou metodos estatisticos no estudo
dos factores que promovem ou entravam 0 progresso cientifico, Candolle
investigou a dependencia da ciencia face a hereditariedade e a facto res institu-
cionais, relacionando as carreiras de cientistas de vanguarda com 0 seu
ambiente educativo ou com as carreiras de seus pais. Sob muitos aspectos, a
obra de Cando lle balizou as perspectivas e os rnetodos que, muitos anos
depois, iriam constituir a base das modernas sociologia da ciencia e ciencia da
ciencia. Embora 0 livro de Candolle tenha sido traduzido para alernao em
1911, a pedido insistente de Ostwald, nao teve qualquer influencia imediata
na hist6ria da ciencia." Foi s6 em meados da decada de 1930 que os soci6logos
P. Sorokin e R. K. Merton usaram metodos semelhantes na hist6ria da ciencia
e tecnologia (ver capitulo seguinte). Merton inspirara-se no livro de Candolle
que, muito embora negligenciado pelos historiadores da ciencia, era bem
conhecido dos sociologos. 0 Handbuch zur Geschichte der Naturwissenschaf-
ten und Technik, publicado por Ludwig Darmstaedter, em 1908, teve urn
papel importante nas investigacoes de Merton e em outras investigacoes den-
tro da mesma corrente. 0 livro e uma colectanea ordenada cronologicamente
de aproximadamente 13 mil descobertas e invencoes.
As fontes usadas pelo historiador de orientacao prosopografica diferem das
fontes usadas pela hist6ria intelectual da ciencia. As analises de conteudo de
publicacoes cientificas, de cartas e manuscritos nao sao particularmente interes-
santes para 0 prosop6grafo. As fontes que se coadunam com 0 seu objectivo sao
biografias colectivas, tabelas de descobertas, protocolos e anuarios de instituicoes
cientificas, registos academicos e muitas outras coisas. Urn primeiro passo con-
sistira muitas vezes em consultar 0 Dictionary of National Biography (Inglaterra).
Particularmente para a ciencia do seculo XIX, 0 velho Handworterbudi de Pog-
gendorf e uma fonte unica de dados biograficos que, em prosopografia, desem-
penhou urn papel semelhante ao Handbuch de Darmstaedter. 5
Os estudos sobre desenvolvimento de comunidades e disciplinas cientifi-
cas sao urn genero que utiliza rnetodos identic os aos da prosopografia. Neste
genero, 0 interesse reside em saber como se origina uma determinada disci-
plina cientifica, como se desenvolve e desintegra, por exemplo; como e a
estrutura social da disciplina; qual a sua base paradigmatica: quais as pessoas
que fazem parte da comunidade em questao e como se relacionam entre si;
como se transmitem as caracteristicas e valores da disciplina a novas areas
6 Ben-David e Collins (1966). Mullins (1972). Fisher (1966), Fisher (1967). Edge e Mulkay (1976).
Lemaine et al. (1976).
7 Na maior parte dos casos, as redes mestre-pupilo sao enganosas, particularmente quando cob rem
varias geracoes, Como exemplo, ver Pledge (1959), p. 200, que parece dar a entender que Max Planck
(1858-1947) estava de algum modo ligado a Claude-Louis Berthollet (1748-1822).
1961 INTRODU<;:AoA HISTORIOGRAFIADA CIENCIA
Monod
Streisinger
Jacob
Kellenberger
~ Kal~er Doermann
Maaloe = Watson Woollman Evans '- / Kalckar .
An~Delbnick Weigle
Crick Demerec
Szilard
Novick Visconti
= co-auto ria
---colegas
_ - - - - estudante de
if)
OJ 1400
10
u-
ti:!
.~ 1200
120 :0
;:j
P- 1000
100 OJ
0 "0
.~ if) 0 800
+-'
tI:!
OJ
>-< 80 .~
0 +-'
~ +-'
;:j
tI:!
600
S;:j tI:! 60 ~
u
if) S;:j
0
u
400
0
>-< > 40
0
OJ 0
t:: >-<
S OJ 20 OJ 200
';:j "0 S
';:j
Z
0
eo co
Z 0 ,....
r-, r-, ,.... r-, ,....
0 Ii) 0 0 Ii)
M "f "f Ii) Ii) <0 co m 0 ~ N M
m m m m m ~ m co co m m m m
Ano Ano
Figura 3. A figura da esquerda mostra 0 nurnero cumulativo de autores ligados it pesquisa sobre
bacteriofagos, e a da direita 0 numero cumulativo de publicacoes sobre a teoria dos invariantes.
Note-se que urn crescimento cumulativo linear, como na teoria dos invariantes 1895-1915, cor-
responde a estagnacao, ou seja, 0 mesmo numero de novos artigos por ano. Quando 0 grafico se
apresenta quase horizontal, como no caso de 1935-1941, isso significa que quase nada se publi-
cou.Reproduzido de Crane (1972), pags. 177 e 178, com a permissao da Chicago University Press.
I2 Thackray (1974). Para objeccoes a abordagem de Thackray, ver a mesma publicacao, 80 (1975), pp.
203-204.
PROSOPOGRAFlA 1199
3 Merton (1938). Merton ja antes usara metodos quantitativos na hist6ria da ciencia, ver Merton e Soro-
kin (1935). Exposicoes sobre 0 desenvolvimento da hist6ria quantitativa da ciencia incluem Merton
(1977) e Thackray (1978).
4 Gilbert e Woolgar (1974). Gilbert (1978). Edge (1979).
5 Cf. Narin (I978).
HISTORlOGRAFIA CIENTOMETRlCA 1203
CHFC-IHC-14
2041 INTRODU<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA CIl'.NCIA
,,
200
I 200
I
I
I
I
I 160
I
I
, I
I
. \I Menard (1971).
12 Solla Price (1963), p. 41.
I30 maternatico frances A. Cauchy (1789-1857) escreveu quase 800 publicacoes cientificas, 0 seu colega
irlandes A. Cayley (1821-1895) cerca de mil e 0 quimico frances M. Berthelot (1827-1907) foi autor de,
nada mais nada menos, 1600 publicacoes. Porern, estes exemplos de eminentes cientistas, altamente
produtivos, sao excepcionais. Theodore Cockerell (1866-1948), professor de Historia Natural, publicou
3 904 trabalhos durante toda a sua vida. Embora nao esteja registado no Guinness Book of Records, este
constitui talvez urn recorde mundial em terrnos editoriais.
14
0 diagrarna aparece em SoUaPrice (1963), p. 29, Rescher (1978), p. 169 e Dobrov (1969), p. 66.
HISTORIOGRAFIA CIENTOMETRICA 1207
90 ,
,
,,,
I
80
I
70 x 2 em 20 anos - I
I
60
,I
---...
~Cl~
50
~ ~ 5-
rt>
en
'" '"
•..• '"
~ ~ Q.
40
~ £ ~. Elementos quirnicos
30
20
10
1730 1750 1800 1850 1900 1950
Elementos pre-historicos Tempo
16Ver, por exemplo, Yuasa (1962), que conclui que os centros predominantes da ciencia desde 0 seculo
XVI passaram da Italia, atraves de Inglaterra, Franca e Alemanha, para os EUA. Uma descoberta que
pouca necessidade tern do apoio quantitativo providenciado por Yuasa.
17Simonton (1976). Note-se a diferenca nas perspectivas adoptadas por Solla Price e Simonton.
Enquanto Solla Price pretende determinar a influencia em geral das guerras sobre a producao cienti-
fica, a analise de Simonton e feita "com a finalidade de determinar a relacao causal especifica entre a
guerra ao nivel social e a descoberta cientifica ao nivel individual." Ibid., p. 135. Para uma versao ela-
borada dos estudos de ciencia quantitativos de Simonton, ver Simonton (J 984).
18Extraido de Sorokin (1937). A tabela de Sorokin e principalmente baseada em dados de Darmstaedter
(1906).
19Solla Price (1980).
20 Ibid., p. 180.
11 Ibid.
HISTORJOGRAFJA CIENTOMETRICA 1209
Solla Price contou entao todos os eventos cientificos numa serie de obras
cronol6gicas do tipo das de Darmstaedter e determinou os desvios da taxa de
crescimento regular, exponencial. 0 resultado surge na figura 6 que, na opiniao
de Solla Price, revela uma divisao valiosa e objectiva em periodos. A razao pela
qual Solla Price tern tanta fe na curva reside no facto de corresponder bem it
intuicao do historiador acerca dos periodos de subito progresso e de estagnacao."
o facto de, na realidade, confirmarmos 0 resultado atraves da cornparacao
com a analise hist6rica qualitativa implica que a aceitemos, afinal, como uma
especie de lista de verificacao. Isto aplica-se em geral it historiografia quantita-
tiva e, assim sendo, coloca sob uma luz problematic a a tese de uma perspec-
tiva melhor e mais objectiva: se a hist6ria quantitativa da ciencia tern real-
mente urn estatuto superior, entao porque seria necessario avaliar e corrigir
os seus resultados por comparacao com a analise hist6rica "subjectiva"?
As tecnicas cientometricas baseiam-se no pressuposto tacite de que, pelo
menos em principio, e possivel localizar precisamente descobertas cientificas no
tempo e de que 0 desenvolvimento da ciencia pode ser compreendido atraves da
adicao cumulativa de tais eventos. Isto transparece claramente na tecnica crono-
l6gica que acabamos de mencionar, quando uma descoberta especifica e atri-
buida a urn ana especifico. Mas tal ponto de vista e antiquado e enganoso. As
descobertas cientificas nao sao, habitualmente, eventos discretos; sao processos
que raramente se podem localizar num tempo ou num espaco particulares.
Alem do mais, pode frequentemente ser dificil decidir se uma descoberta
foi realmente feita ou se nao tera sido transformada numa descoberta retros-
pectivamente.f
Podemos concluir provisoriamente que a historiografia quantitativa,
baseada na contagem de cientistas, publicacoes ou descobertas, enferma de
uma quantidade de defeitos metodol6gicos e de parcialidade inerente.
Encaremos agora uma outra historiografia quantitativa que tern alcancado
alguma influencia nestes ultimos anos, a saber, 0 recurso a tecnicas que se
22 Para alem do exposto, Solla Price tira ainda as seguintes conclusoes, de maior alcance, dos dados. (1) A
Revolucao Industrial nao e uma realidade hist6rica objeetiva, mas antes urn r6tulo c6modo, devido it
periodizacao arbitraria utilizada pelos historiadores. (2) Embora sendo uma realidade, a Revolucao Cien-
tifiea nao marea 0 inicio do desenvolvimento da ciencia moderna; Copemico, Galileu, Kepler e Boyle
forarn predeeessores do arranque eientifieo que s6 veio a verifiear-se no final do seculo XVIII. (3) Contra-
riamente ao que frequentemente se afirma, as fases de arranque da quimiea e da biologia nao foram tar-
dias; a astronornia e a mecanica e que inieiaram 0 seu desenvolvirnento excepcionalrnente cedo.
23 Cf. Brannigan (1981).
210 I INTRODU<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA CIENClA
+0,5
'"
i:: x 2,0
.
Copernico Revolucao
Cientifica
.::l Revolucao
0:0 Industrial
u xl,5
~
'0
c
'c":
0
0.. 0
~
0
i::
Bismarck
.5'" +1,5
~ Guerra dos ..
U'" +2,0
Boers
Guerra dos '; .. Revolucoes 1.' Guerra Mundial
30 Anos francesa e
2.' Guerra Mundial
americana
-0,5
1500 1600 1700 1800 1900 2000
Tempo
24 SCI cornpoe-se de varias seccoes. AMm do Citation Index, ha urn Source Index, incluindo novas publi-
cacoes, e urn Permuterm Subject Index, que classifica as contribuicoes de acordo com a especialidade e
palavras-chave.
HISTORIOGRAFIA CIENTOMETRICA 1211
"Urn primeiro exemplo e 0 de Small (1981), que soma 21 mil publicacoes e 167 mil referencias, Con-
tudo, os volumes sao de reduzido valor para 0 historiador da fisica. 0 editor fez uma escolha muito
apertada de publicacoes peri6dieas, excluindo revistas como Comptes rendues, Nature e Die Naturwis-
senschaften. Presumivelmente, a escolha e feita porque estas revistas nao eram exclusivamente dedica-
dos 11 fisica. No entanto, nao deixa de ser um facto que muitas contribuicoes importantes para a fisica
apareeeram nelas. A exclusao da maioria das revistas assoeiadas 11 fisica aplieada ou 11 fisiea interdisci-
plinar contribui para 0 desequilibrio geral da obra.
26 Moravesik e Murugesan (1975).
2121 INTRODU<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA ClJONCIA
carta a Niels Bohcr, a quem agradecia por nunca ter deixado de fazer referen-
cia it fisica alerna: "com isto, os cole gas da mesma area dos paises inimigos,
que normalmente pretendem suprimir todas as realizacoes alemas, serao pre-
sumivelmente obrigados tarnbern a reconhecer que a ciencia alema nao se
deixara rebaixar, nem mesmo durante uma guerra.?"
Outra quebra da etica cientifica e 0 plagio mais ou menos manifesto que
sempre foi urn fen6meno real em ciencia." Nesses casos, as referencias nao
cob rem as publicacoes que constituem a base do plagio. Num estudo sobre a
sociologia da fisica moderna de alta energia, Gaston descobriu que cerca de 50%
dos fisicos entrevistados estavam certos de que, numa ou noutra altura, nao
tinham sido citados como lhes era devido. Urn dos informantes disse: "Acontece
muitas vezes que as pessoas que nao publicaram muito nao se referem ao nosso
trabalho, porque a unica maneira que tern de conseguir que 0 seu paper seja
impresso e nao se referir ao paper anterior que fazia 0 mesmo."?"
Das reservas expressas acima conclui-se que a medicao por citacoes nao
pode, sem qualificacao, ser aceite como medida fiavel de impacto. Nao ha
duvida de que, em muitos casos, a frequencia da citacao reflecte realmente
impacto, mas nao se deve atribuir a essa medida nenhum estatuto particular
de objectividade ou fiabilidade, quando comparada com avaliacoes baseadas
numa verificacao qualitativa.
Tern sido utilizadas redes de citacoes para identificar as contribuicces par-
ticularmente importantes numa disciplina ("papers-chave" ou "publicacoes
nodais"): a saber, as contribuicoes a que outras publicacoes da disciplina se
referem com grande frequencia. A figura 7 representa uma tentativa no sen-
tido de determinar se a famosa obra de Mendel, datada de 1865, na qual esta-
beleceu os fundament os da genetica, permaneceu desconhecida para os seus
contemporaneos, como afirma a versao aceite na hist6ria da biologia. As des-
cobertas de Mendel foram redescobertas em 1900 por de Vries e outros,
sendo s6 a partir dai que as suas obras tiveram alguma influencia no desen-
volvimento da biologia. 0 facto de 0 ensaio de Mendel, publicado em 1866,
ter sido citado por cinco publicacoes, incluindo a Encyclopedia Britannica,
entre 1869 e 1894, revela que nao foi totalmente ignorado. Alem disso, a
publicacao peri6dica em que 0 artigo de Mendel apareceu, Verhandlungen des
naturwissenschaftlichen Vereins in Brunn, tambem nao era nenhuma publica-
yao obscura; 115 bibliotecas e institutos cientificos europeus, incluindo a
Citacoes pre-redescoberta
Redescoberta
Figura 7.0 padrao de citacoes relativo ao artigo de Gregor Mendel de 1865. Reproduzido de
Garfield (1970), pag. 670, com a perrnissao de Macmillan Journals Limited.
30 A respeito da descoberta de Mendel e respectivo destino, ver Zirkle (1964), Olby (1966) e Vorzimmer
(1968).
2141 INTRODU<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA ClENClA
A tecnica das citacoes nao dara, por si mesrna, qualquer ajuda para res-
ponder a estas questoes, em parte porque as referencias nao prestam qualquer
informacao sobre a cornpreensao que 0 autor que as faz tinha delas, ou sobre
o contexto em que se refere a elas. Por exemplo, 0 medico alemao W. Focke
(1834-1922) referia-se as descobertas de Mendel num livro que foi com-
prado por Darwin. Mas nao foi por esse meio que Darwin veio a conhecer
os trabalhos de Mendel. 0 exemplar do livro de Focke que pertenceu a Dar-
win ainda hoje existe e ha bons motivos para crer que Darwin nunca 0 leu:" a
parte onde Focke se refere a Mendel esta ainda por abrir. Relativamente a H.
Hoffman (1819-1891), urn botanico alernao, sabemos que Darwin leu a
publicacao em que e feita referencia a Mendel. Embora Darwin tenha prova-
velmente visto a curta referencia de Hoffman a Mendel, nao podemos dai
inferir que Darwin tambern estivesse a par das investigacoes de Mendel. 56
estudando 0 conteudo da referencia de Hoffman ou, por outras palavras,
trabalhando em termos qualitativos, podemos verificar que, "apesar da sur-
preendente proximidade entre Mendel e Darwin, os dados fatidicos da hist6-
ria parecem ter rolado no senti do de impedir qualquer intercomunicacao"."
A partir da referencia de Hoffman dir-se-ia que ele nao compreendeu, e de
qualquer forma nunca mencionou, a intencao das investigacoes de Mendel;
precisamente a intencao que teria interessado Darwin.
N uma serie de estudos, Sullivan e outros examinaram cuidadosamente 0
31 Os habitos de leitura de Darwin incluiam a aposicao de uma marca pessoal, indicando que a obra lhe
tinha passado em frente dos olhos. Essa marca nao aparece no livro de Focke.
32 Vorzimmer (1968), p. 8l.
"Sullivan, White e Barboni (l977a), Sullivan, White e Barboni (1977b), Sullivan, White e Barboni
(1979).
34 Lakatos e Musgrave (1970), pp. 91-196.
HISTORIOGRAFIA CIENTOMtTRICA 1215
35 Sullivan, White e Barboni (1979), p. 323. 0 estudo de Edge e Mulkay mencionado na citacao e Edge e
Mulkay (1976).
2161 INTRODUc;:Ao A HISTORIOGRAFlA DA CIENCIA
Bibliografia
Agassi, J. (1963). Towards an Historiography of Science. Gravenhage: Mouton & Co. (Beiheft 2 of
History and Theory).
Agassi, J. e Cohen, R.S., (eds.), (1981). Scientific Philosophy Today. Dordrecht: D. Reidel.
Belloni, L. (1970). "The repetition of experiments and observations: its value in studying the
history of medicine (and science)". Journal of the History of Medicine and Allied
Sciences, 25, 158-167.
Ben-David, J.; Collins, R. (1966). "Social factors in the origin of a new science: the case ofpsy-
chology". American Sociological Review, 31, 451-465.
Bensaude- Vincent, B. (1983). "A founder myth in the history of sciences? The Lavoisier case." In
Graham, Lepenies e Weingart (1983), pp. 53-78.
Bernal, J. D. (1969). Science in History. (4 vols.). Harmondsworth: Pelican.
Beyerchen, A. D. (1977). Scientists Under Hitler: Politics and the Physics Community in the Third
Reich. New Haven: Yale University Press.
Blake, C. (1959). "Can history be objective?" In Gardiner (1959), pp. 329-343.
Bloch, M. (1953). The Historian's Craft. Nova Iorque: Vintage Books.
Bloor, D. (1976). Knowledge and Social Imagery. Londres: Routledge and Kegan Paul.
Brush, S. G.; King, A. L., (eds.) (1972). History in the Teaching of Physics. Hanover (New
Hampshire): University Press of New England.
Brush, S. G. (1974). "Should the history of science be rated X?". Science, 183, 1164-1172.
Buchdal, G. (1962). "On the presuppositions of historians of science". History of Science, 1, 67-77.
Butterfield, H. (1949). The Origins of Modern Science, 1300-1800. Londres: G. Bell & Sons.
Butterfield, H. (1950). "The historian and the history of science". Bulletin of the British Society for
the History of Science, 1,49-57.
Butterfield, H. (1951). The Whig Interpretation of history. Nova Iorque: Charles Scribner's Sons.
Editado pela primeira vez em Londres, 1931.
Butts, R. E.; Hintikka, J. (eds.) (1977). Historical and Philosophical Dimensions of Logic, Methodology
and Philosophy of Science. Dordrecht: D. Reidel.
Byrne, P. H. (1980). "The significance of Einstein's use of the history of science". Dialectica, 34,
263-274.
Clark, J. T. (1971). "The science of history and the history of science". In Roller (1971), pp. 283-296.
Cohen, I. B. (1963). "History of science as an academic discipline". In Crombie (1961), pp. 769-780.
Cohen, I. B. (1977). "History and philosophy of science". In Suppe (1977), pp. 308 349.
Cole, F. J.; Eames, N. B. (1917). "The history of comparative anatomy: a statistical analysis of the
literature". Science Progress, 11, 578-596.
Coleman, W. (ed.) (1981). French Views on German Science. Nova Iorque: Arno.
Collins, H. M.; Cox, G. (1976). "Recovering relativity: did prophecy fail?" Social Studies of Science, 6,
423-444.
Conant, J. B. (1961). Science and Common Sense. Clinton (Mass.): Yale University Press.
Cooper, L. (1935). Aristotle, Galileo, and the Tower of Pisa. Port Washington, Nova Iorque:
Kennikat Press.
Corsi, P.; Weindling, P. (eds.) (1983). Information Sources in the History of Science and Medicine.
Londres: Butterworths.
-
BIBLIOGRAFIA 1219
Cowan, R. S. (1972). "Francis Galton's statistical ideas: the influence of eugenics". Isis, 63, 509-528.
Croce, B. (1941). History as the Story of Liberty. Londres: Alien and Unwin.
Crombie, A. C. (1953). Robert Grosseteste and the Origins of Experimental Science, 1100-1700.
Oxford: Clarendon Press.
Crosland, M. P. (1978). Historical Studies in the Language of Chemistry. Nova Iorque: Dover.
Darmstaedter, L. (1906). Handbuch zur Geschichte der Naturwissenschaften und der Technik.
Berlim.
Dewey, J. (1949). Logic, the Theory of Inquiry. Nova Iorque: H. Holt and Co.
Dijksterhuis, E. J. (1961). The Mechanization of the World Picture. Londres: Oxford University
Press.
Dobbs, B. J. T. (1975). The Foundation of Newton's Alchemy. Or "the Hunting of the Greene Lyon".
Cambridge: Cambridge University Press.
Dolby, R. G. A. (1980). "Controversy and consensus in the growth of scientific knowledge". Nature
and System, 2,199-218.
Drake, S. (1970). Galileo, Studies: Personality, Tradition, and Revolution. Ann Arbor (Mass.):
University of Michigan Press.
Drake, S. (1975). "The role of music in Galileo's experiments". Scientific American, Iunho 98-104.
Drake, S.; MacLachlan, J. (1975). "Galilee's discovery of the parabolic trajectory". ScientificAmer-
ican, Marco 102-110.
Draper, J. W. (1875). History of the Conflict between Religion and Science. Nova Iorque.
Dray, W. H. (1957). Laws and Explanations in History. Oxford: Oxford University Press.
CHFC·IHC·15
220 I INTRODU<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA CIENCIA
Duhem, P. (1974). The Aim and Structure of Physical Theory. Nova Iorque: Atheneum. Publicado
pela primeira vez em Paris, 1906.
Durbin, P.T. (ed.) (1980). A Guide to the Culture of Science, Technology and Medicine. Nova Iorque:
Free Press.
Einstein, A. (1982). "How I created the theory of relativity" Physics Today, Agosto 45-47.
Einstein, A.; Infeld, L. (1938). The Evolution of Physics. Nova Iorque: Simon and Schuster.
Elkana. Y. (1977). "The historical roots of modern physics." In Weiner (1977), pp. 197-265.
Elkana, Y. eta/. (eds.) (1978). Towards a Metric of Science. Nova Iorque: John Wiley.
Elliott, CA. (1974). "Experimental data as a source for the history of science." American Archivists,
37,27-35.
Engels, F. (1886). Ludwig Feuerbach und der Ausgang der klassischen deutschen Philosophie.
Estugarda.
Ewald, P. P. (1969). "The myth of myths: comments on P. Forman's paper". Archive for History of
Exact Sciences, 6, 72-81.
Fang, J.; Takayama, K. P. (1975). Sociology of Mathematics and Mathematicians. Nova Iorque:
Paideia.
Feigl, H.; Brodbeck, M. (eds.) (1953). Readings in the Pilosophy of Science. Nova Iorque:
Appleton-Century- Crofts.
Fermia, J. V. (1981). "An historicist critique of "revisionist" methods for studying the history of
ideas". History and Theory, 20,113-134.
Feuer, L. (1974). Einstein and the Generations of Science. Nova Iorque: Basic Books.
Figala, K. (1978). "Newtons rationale System der Alchemie". Chemie in unserer Zeit, 12, 101.
Fisher, C. S. (1966). "The death of a mathematical theory: a study in the sociology of knowledge".
Archive for History of Exact Sciences, 3,137-159.
Fisher, C. S. (1967). "The last invariant theorists. A sociological study of the collective biogra-
phies of mathematical specialists". European Journal of Sociology, 8, 216-244.
Fisher, N. (1982). "Avogadro, the chemists, and historians of chemistry". History of Science,
20, 77-102, 212-231.
Fogh, I. (1921). "Uber die Entdeckung des Aluminiums durch Oersted im Jahre 1825". Kongelige
Danske Yidenskabemes Selskab, Matematisk -Fysiske Meddelelser, III, 14, 1-17 E 15, 1-7.
Forman, P. (1969). "The discovery of X-rays by crystals: a critique of the myths". Archive for
History of Exact Sciences, 6, 38-71.
Forman, P. (1973). "Scientific internationalism and the Weimar physicists". Isis, 64,151-178.
Frankel, H. (1976). "Alfred Wegener and the specialists". Centaurus, 20, 305-324.
Prangsrmyhr, T. (1973-1974). "Science or history: Georges Sarton and the positivist tradition in
the history of science". Lychnos, 104-144.
Galilei, G. (1914). Dialogues Concerning Two New Sciences. Trad. H. Crewe A. de Salvio, Nova
Iorque: Macmillan. Publicado pela primeira vez em 1638.
Galilei, G. (1963). Dialogues Concerning the Two Chief World Systems. Trad. S. Drake, Berkeley:
University of California Press. Publicado pela primeira vez em 1632.
Galilei, G. (1974). Two New Sciences, including Centres of Gravity and Force of Percussion. Trad. S.
Drake, Madison: University of Wisconsin.
Gallie, W.B. (1964). Philosophy and the Historical Understanding. Londres: Chatto and Windus.
Gardiner, P. (1952). The Nature of Historical Explanation. Oxford: Oxford University Press.
Gaston, J. (1971). "Secretiveness and competition for priority in physics". Minerva, 9, 472-492.
Giere, R. (1973). "History and philosophy of science: intimate relationship or marriage of conve-
nience?". British Journal for the Philosophy of Science, 24, 282-297.
Gilbert, G. N.; Woolgar, S. (1974). "The quantitative study of science: an examination of the
literature". Science Studies, 4, 279-294.
Gilbert, G. N.; Mulkay, M. (1984). "Experiments are the key". Isis, 75, 105-125.
Gillispie, C. C. (ed.) (1970-1980). Dictionary of Scientific Biography. (16 vols.). Nova Iorque:
Charles Scribner's Sons.
Glass, B., Temkin, 0.; Straus, W.1. (eds.) (1968). Forerunners of Darwin: 1745-1859. Baltimore:
John Hopkins Press.
2221 INTRODU<;:AO A HISTORIOGRAFIA DA CIENeIA
Goodman. N. (1955). Fact, Fiction, and Forecast. Cambridge, Mass.: Harvard University Press.
Graham, 1. R. (1972). Science and Philosophy in the Soviet Union. Nova Iorque: Alfred A. Knopf.
Graham, 1., Lepenies, W.; Weingart, P. (eds.) (1983). Functions and Uses of Disciplinary Histories,
Dordrecht: D. Reidel.
Greenaway, F. (1958). The Biographical Approach to John Dalton. Memoirs and Proceedings of
the Manchester Literary and Philosophical Society, vol. 100.
Greene, M. T. (1982). Geology in the Nineteenth Century. Ithaca: Cornell University Press.
Grmek, M. D., Cohen, R. S. e Cimino, G. (eds.) (1980). On Scientific Discovery. Dordrecht: D. Reidel.
Gunter, P. (1971). "Bergson's theory of matter and modern cosmology". Journal of the History of
Ideas, 32, 525-542.
Hahn, R. (1975). "New directions in the social history of science". Physis, 17,205-218.
Hall, A. Rupert (1969). "Can the history of science be history?". British Journal for the History of
Science, 4, 207-220.
Hankins, T. 1. (1979). "In defence of biography: the use of biography in the history of science".
History of Science, 17, 1-16.
Harrison, J. (1978). The Library of Isaac Newton. Cambridge: Cambridge University Press.
Heimann, P. M.; McGuire, J. E. (1971). "Newtonian forces and Lockean powers: concepts of
matter in eighteenth-century thought". Historical Studies in the Physical Sciences,
3,233-306.
Hempel, C. G. (1942). "The function of general laws in history". Journal of Philosophy, 39, 35-48.
Hendrick, R. E.; Murphy, A. (1981). "Atomism and the illusion of crisis: the danger of applying
Kuhnian categories to current particle physics". Philosophy of Science, 48, 454-468.
Hermeren, G. (1977). "Criteria of objectivity in history". Danish Yearbook of Philosophy, 14, 13- 35.
Hesse, M. B. (1960). "Gilbert and the historians." British Journal for the Philosophy of Science,
11,1-10,131- 142.
Holton, G. (1969a). "Einstein and the "crucial" experiments". American Journal of Physics, 37,
968-982.
Holton, G. (1969b). "Einstein, Michelson and the "crucial" experiments". Isis, 60,133-197.
Holton, G. (1973). Thematic Origins of Scientific Thought. Cambridge (Mass.): Harvard Uni-
versity Press.
Holton, G. (1978). The Scientific Imagination: Case Studies. Cambridge (Mass.): Harvard
University Press.
Hooykaas, R. (1970). "Historiography of science, its aim and methods". Organon, 7, 37-49.
Hooykaas, R. (1973). Religion and the Rise of Modern Science. Edimburgo: Scottish Academic
Press.
Howson, C. (ed.) (1976). Method and Appraisal in the Physical Sciences. Cambridge: Cambridge
University Press.
Hull, D. L. (1979). "In defence of presentism". History and Theory, 18, 1-15.
Hunter, M. (1981). Science and Society in Restoration England. Cambridge: Cambridge University
Press.
Jacob, J. R. (1977). Robert Boyle and the English Revolution. Nova Iorque: Burt Franklin.
Jaffe, B. (1960). Michelson and the Speed of Light. Nova Iorque: Doubleday & Co.
Iaki, S. L. (1978a). The Origin of Science and the Science of its Origin. Edimburgo: Scottish Academic
Press.
Iaki, S. L. (1978b). The Road of Science and the Ways to God. Edimburgo Scottish Academic
Press.
Iayawardenc, S. A. (1982). Reference Books for the Historian of Science. Londres: Science Museum.
Ioravsky, D. (1955). "Soviet views in the history of science". Isis, 46, .3-13.
Knight, D. (1975). Sources for the History of Science. Nova Iorque: Cornell University Press.
Knight, D. (1985). "Scientific theory and visual language". Acta Universitatis Upsaliensis, New Series,
22,106-124.
Koestler, A. (1960). The Watershed. A Biography of Johannes Kepler. Nova Iorque: Doubleday
Anchor.
Kohlstedt, S. G.; Rossiter, M. W. (eds.) (1985). Historical Writing on American Science. Filadelfia:
History of Science Society (vol. 1 of Osiris, 2."d series).
Kracauer, S. (1966). "Time and history". History and Theory, Beiheft 6, 65-78.
Krafft, F. (1976). "Die Naturwissenschaften und ihre Geschichte". Sudhoffs Archiv, 60, 317-337.
Kuhn, T. S. (1970a). The Structure of Scientific Revolutions. Chicago: University of Chicago Press.
Kuhn, T. S. (1977). The Essential Tension: Selected Studies in Scientific Tradition and Change.
Chicago: University of Chicago Press.
Kuhn, T. S. (1978). Black-Body Theory and the Quantum Discontinuity. Oxford: Clarendon Press.
Kuhn, T. S. (1984b). "Revisiting Planck". Historical Studies in the Physical Sciences, 14,231-252.
Lakatos, l. e Musgrave, A., eds. (1970). Criticism and the Growth of Knowledge. Cambridge:
Cambridge University Press.
Lakatos, 1. (1974). "Die Geschichte der Wissenschaft und ihre rationalen Rekonstruktionen", In
Diederich (1974), pp. 55-119.
Laudan, L. (1977). Progress and its Problems. Londres. Routledge and Kegan Paul.
Lemaine, G. et al. (eds.) (1976). Perspectives on the Emergence of Scientific Disciplines. Haia:
Mouton & Co.
Lilley, S. (1953). "Cause and effect in the history of science". Centaurus, 3,58-72.
Lindholm, L. M. (1981). "Is realistic history of science possible?" In Agassi e Cohen (1981),
pp.159-186.
Lodge, O. (1960). Pioneers of Science. Nova Iorque: Dover. Publicado pela primeira vez em Lon-
dres, 1896.
Losee, J. (1983). "Whewell and Mill on the relation between philosophy of science and history
of science." Studies in History and Philosophy of Science, 14, 113- 126.
Lovejoy, A. O. (1976). The Great Chain of Being. Cambridge (Mass.): Harvard University
Press. Publicado pela primeira vez em Cambridge (Mass.), 1936.
Mach, E. (1960). The Science of Mechanics. A Critical and Historical Account of its Development.
LaSalle (Illinois): Open Court. Publicado pela primeira vez em Leipzig, 1883.
MacLachlan, J. (1973). "A test of an "imaginary" experiment of Galilee's". Isis, 64, 374-379.
BIBLIOGRAFIA 1225
Mandelbaum, M. (1971). The Problem of Historical Knowledge. Nova Iorque: Books for Libraries
Press.
Marx, K.; Engels, F. (1971). Karl Marx of Friedrich Engels. Udvalgte Skrifter. (2 vols.). Copenhaga:
Tidens Forlag.
McMullin, E. (1970). "The history and philosophy of science: a taxonomy". In Stuewer (1970),
pp. 12-67.
Meldrum, A. N. (1910-1911). The Development of the Atomic Theory. Memoirs and Proceedings of
the Manchester Literary and Philosophical Society, vols. 54 e 55.
Menard, H. W. (1971). Science: Growth and Change. Cambridge (Mass.): Harvard University
Press.
Mendelsohn, E., Weingart, P.; Whitley, R. (eds.) (1977): The Social Production of Scientific
Knowledge. Dordrecht: D. Reidel.
Merton, R. K.; Gaston, J. (eds.) (1977). The Sociology of Science in Europe. Carbondale (Illinois):
Southern Illinois University Press.
Merz, J. T. (1896-1914). A History of European Thought in the Nineteenth Century. (4 vols.). Lon-
dres. Reimpresso, Nova Iorque: Dover, 1965.
Mikulinsky, S. (1974). "Alphonse de Candolle's Histoire des sciences et des savants depuis deux
siecles and its historical significance". Organon, 10,223-243.
Mikulinsky, S. (1975). "The methodological problems of the history of science". Scientia, 110, 83-97.
Moravcsik, M. J. Murugesan, P. (1975). "Some results on the function and quality of citations".
Social Studies of Science, 5, 86-92.
Mullins, N. C. (1972). "The development of a scientific specialty: the phage group and the origins
of molecular biology". Minerva, 10,51-82.
Narin, F. (1978). "Objectivity versus relevance in studies of scientific advance". Scientometrics, 1, 35-4l.
Nash, L. K. (1956). "The origin ofDaltons chemical atomic theory". Isis, 47,101-116.
Naylor, R. (1974). "Galilee and the problem of the free fall". British Journal for the History of
Science, 7, 10-134.
Needham, J. (1943). Time: The Refreshing River. Londres: Allen and Unwin.
Newton, 1. (1966). Principia. Berkeley: University of California Press (Traducao de Motte, publi-
cado pela primeira vez em Londres, 1729).
Nietzsche, F. (1874). Unzeitgemasse Betrachtungen: Vom Nutzen und Nachteil der Historie fur das
Leben. Leipzig.
Nye, M. J. (1981). "N-rays: an episode in the history and psychology of science". Historical
Studies in the Physical Sciences, 11, 125-156.
Oakeshott, M. J. (1933). Experience and its Modes. Cambridge: Cambridge University Press.
Olszewski, E. (1964). "Periodization of the history of science and technology". Organon, 1, 195-206.
0rsted, H. e.(1856). Anden i Naturen. Copenhaga. Publicado pela primeira vez em Copenhaga,
1851 (Traducao inglesa: The Soul in Nature, Londres, 1852).
Pais, A. (1982). Subtle is the Lord. The Science and the Life of Albert Einstein. Oxford: Oxford
University Press.
Partingon, J. R. (1939). "The origin of the atomic theory". Annals of Science, 4, 245-282.
Paul, H. W. (1976). "Scholarship versus ideology: the chair of the general history of science
the College de France, 1892-1913". Isis, 67, 376-398.
Pearce Williams, L. (1966a). "The historiography of Victorian science". Victorian Studies, 9,197-204.
Pearce Williams, L. (1975). "Should philosophers be allowed to write history?". British Journal for
the Philosophy of Science, 26, 241-253.
Pelling, M. (1983). "Medicine since 1500." In Corsi e Weindling (1983), pp. 379-409.
Popper, K. R. (1961). The Poverty of Historicism. Londres: Routledge and Kegan Paul.
Popper, K. R. (1969). "A pluralist approach to the philosophy of science." In Streisler et al.
(1969), pp.181- 200.
Porter, R. (1976). "Charles Lyell and the principles of the history of geology". British Journal for
the History of Science, 9, 91-103.
BIBLIOGRAFIA 1227
Priestley, J. (1775). The History and Present State of Electricity. Londres. Publicado pela primeira
vez em Londres, 1767.
Pyenson, L. (1977). ""Who the guys were": prosopography in the history of science". History of
Science, 15, 155-188.
Pyenson, L. (1982). "Cultural imperialism and exact sciences". History of Science, 20, 1-43.
Rainoff, T. J. (1929). "Wave-like fluctuations of creative productivity in the development of west-
European physics in the 18th and 19th centuries". Isis, 12, 287- 319.
Ranke, L. (1885). Geschichte der romanischen und germanischen VOlker von 1494 bis 1514. Leipzig.
Publicado pel a primeira vez em 1824.
Reingold, N. (1981). "Science, scientists, and historians of science". History of Science, 19, 274-283.
Rescher, N. (1978). Scientific Progress. Oxford: Basil Blackwell.
Roller, H. D. (ed.) (1971). Perspectives in the History of Science and Technology. Norma
(Oklahoma): University of Oklahoma Press.
Roll-Hansen, N. (1980). "The controversy between biometricians and Mendelians: a test case for the
sociology of scientific knowledge". Social Science Information, 19, 501-517.
Rosen, N. (1960). "Calvin's attitude towards Copernicus." Journal of the History of Ideas, 21,431-441.
Ross, S. (1962). "Scientist: the story of a word". Annals of Science, 18,65-86.
Rothman, T. (1982). "The short life of Evariste Galois". Scientific American, Abril, 112-120.
Russell, C. A. (ed.) (1979). Science and Religious Beliefs. Sevenoaks (Kent): Open University.
Sachs, M. (1976). "Maimonides, Spinoza and the field concept in physics". Journal of the History
of Ideas, 37, 125-13J.
Sailor, D. B. (1964). "Moses and atomism." Journal of the History of Ideas, 25,3-16. Reimpressao
em Russell (1979), pp. 5-19.
Sarnbursky, S. (1963). The Physical World of the Greeks. Londres: Routledge and Kegan Paul.
Sandler, l. (1979). "Some reflections on the protean nature of the scientific precursor". History of
Science, 17, 170-190.
Sarton, G. (1936). The Study of the History of Science. Cambridge (Mass.): Harvard University
Press.
Sarton, G. (1952). Horus. A Guide to the History of Science. Waltham (Mass.): Chronica Botanica.
Schrodinger, E. (1954). Nature and the Greeks. Cambridge: Cambridge University Press.
Seeger, R. J. (1965). "Galilee, yesterday and today". American Journal of Physics, 32, 680-698.
Segre, M. (l980)."The role of experiment in Galileo's physics". Archive for History of the Exact
Sciences, 23, 227-252.
Shankland, R. S. (1963). "Conversations with Albert Einstein". American Journal of Physics, 31,
47-57.
2281 INTRODUC;:AO A HISTORIOGRAFIA DA CIENCIA
Shapin, S. (1974). "The audience for science in eighteenth century Edinburgh". History ofSci-
ence, 12, 95-121.
Shapin, S. (1975). "Phrenological knowledge and the social structure of early nineteenth-century
Edinburgh". Annals of Science, 32, 219-243.
Shapin, S. (1982). "History of science and its sociological reconstruction." History of Science, 20,
157-211.
Shapin, S.; Thackray, A. (1974). "Prosopography as a research tool in history of science: the British
scientific community 1700-1800". History of Science, 12, 1-28.
Shea, W. R. (1972). Galileo's Intellectual Revolution. Nova Iorque: Science History Publications.
Shea, W. (1977). "Galilee and the justification of experiments". In Butts e Hintikka (1977),
pp.81-92.
Shore, M. F. (1981). "A psychoanalytic perspective". Journal of Interdisciplinary History, 12,89-113.
Simonton, D. K. (1976). "The causal relation between war and scientific discovery". Journal of
Cross-Cultural Psychology, 7, 133-144.
Simonton, D. K. (1984). Genius, Creativity and Leadership: Historiometric Inquiries. Cambridge
(Mass.): Harvard University Press.
Skinner, Q. (1969). "Meaning and understanding in the history of ideas". History and Theory,
7, 3-53.
Small, H. G. (1977). "A co-citation model of a scientific speciality: a longitudinal study of colla-
gen research". Social Studies of Science, 7, 139-166.
Small, H. G. (ed.) (1981). Physics Citation Index 1920-1929. 2 vols., Filadelfia: Institute for Scien-
tific Information.
Snow, C. P. (1966). The Two Cultures and a Second Look. Cambridge: Cambridge University
Press.
Solla Price, D. J. de (1956). "The exponential curve of science". Discovery, 17,240-243.
Solla Price, D. J. de (1963). Little Science, Big Science. Nova Iorque: Columbia University Press.
Solla Price, D. J. de (1972). "Science and technology: distinctions and interrelationships." In
Barnes (1972), pp. 166-180.
Solla Price, D. J. de (1974). Science Since Babylon. Nova Iorque: Yale University Press.
Solla Price, D. J. de (1980). "The analytical (quantitative) theory of science and its implica-
tions for the nature of scientific discovery." In Grmek, Cohen e Cimino (1980),
pp.179-189.
Sorokin, P. A. (1937). Social and Cultural Dynamics. Nova Iorque: American.
Spengler, 0.(1926). The Decline of the West. Londres: Allen an Unwin.
Steffens, H. (1968). Indledning til Philosophiske Forelcesninger. Copenhaga: Gyldendal. Publicado
pela primeira vez em Copenhaga, 1803.
Stephenson, R. (1982). "The skies of Babylon". New Scientist, 19 de Agosto, 478-481.
Stern F., ed. (1956). The Varieties of History. Nova Iorque: Meridian.
Sullivan, D.; White, D. H.; Barboni, E. J. (1979). "The interdependence of theory and experiment
in revolutionary science: the case of parity violation". Social Studies of Science, 9,
303-327.
Suppe, F. (ed.) (1977). The Structure of Scientific Theories. Urbana (Ilinois): University of Illinois
Press.
Tannery, P. (1912-1950). Memoires scientifiques. (17 vols.). Paris: Gauthier-Villars.
Thackraj, A. (1966) "The origin of Dalton's chemical atomic the theory: Daltonian doubts
resolved". lsis., 57, 35-55.
Thackray, A. (1972). John Dalton. Critical Assessments of his Life and Science. Cambridge
(Mass.): Harvard University Press.
Thackray, A. (1974). "Natural knowledge in a cultural context: the Manchester model". American
Historical Review, 79, 672-709.
Thackray, A. (1978). "Measurement in the historiography of science". In Elkana et al.
(1978), pp. 11-30.
Thackray, A. (1980). "History of science". In Durbin (1980), pp. 3-69.
Vavilov, S. J. (1947). "Newton and the atomic theory". In Newton Tercentenary Celebrations,
Londres: Royal Society of London.
Vickers, B. (ed.) (1984). Occult and Scientific Mentalities in the Renaissance. Cambridge: Cambridge
University Press.
Vorzimmer, P. J. (1968). "Darwin and Mendel: the historical connection". Isis, 59,77-82.
Walden, P. (1944). Drei [ahrtausende Chemie. Berlim: W. Limpert.
Watkins, J. W. N. (1953). "Ideal types and historical explanation". In Feigl e Brodbeck (1953),
pp.723-743.
230 I INTRODUc,:AO A HISTORIOGRAFIA DA CIENClA
Westfall, R. S. (1980). Never at Rest. A Biography of Isaac Newton. Cambridge: Cambridge Uni-
versity Press.
Weyer, J. (1972). "Prinzipien und Methoden des Cherniehistorikers." Chemie in unserer Zeit,
6,185-190.
Weyer, J. (1974). Chemiegeschichtsschreibung von Wiegleb (1790) his Partington (1970).
Hildesheim: Gerstenberg.
Whewell, W. (1837). History of the Inductive Sciences. (3 vols.). Londres: Reimpressao em Lon-
dres: Cass, 1967.
Whewell, W. (1840). The Philosophy of the Inductive Sciences, Founded upon their History.
(2 vols.). Londres.
Whewell, W. (1867). "On the influence of the history of science upon intellectual education."
In Youmans (1867), pp.163-189.
Whitaker, M. (1979). "History or quasi-history in physics education". Physics Education,
14,108-112.
White, A. D. (1955). A History of the Warfare of Science with Theology in Christendom. Londres: Arco
Publishers. Publicado pela primeira vez em Nova Iorque, 1896.
Wightman, W. (1951). The Growth of Scientific Ideas. Edimburgo: Oliver and Boyd.
Wohlwill, E. (1909). Galilei und sein Kampf fur die Copernicanische Lehre. (2 vols.). Hamburgo.
Wolff, M. (1978). Geschichte der Impetustheorie. Frankfurt: Suhrkamp.
Wood, P. (1983). "Philosophy of science in relation to history of science". In Corsi e Weindling
(1983), pp. 116-135.
Woodall, A. J. (1967). "Science history - the place of the history of science in science teaching".
Physics Education, 2, 297-305.
Woolgar, S. W. (1976). "Writing an intellectual history of scientific development: the use of
discovery accounts". Social Studies of Science, 6, 395-422.
Worrall, J. (1976). "Thomas Young and the "refutation" of Newtonian optics: a case-study in
the interaction of philosophy of science and history of science". In Howson
(1976), pp. 181-210.
Youmans, E. L. (ed.) (1867). Modern Culture. Londres.
Young, T. (1802). "On the theory of light and colour." Philosophical Transactions of the Royal
Society of London, 92,12-24.
Yuasa, M. (1962). "Center of scientific activity: its shift from the 16th to the 20th century."
Japanese Studies in the History of Science, 1, 57-75.
Zirkle, C. (1964). "Some oddities in the delayed discovery of Mendelism". Journal of
Heredity, 55, 65-72.
INDICEREMISSIVO 1231