Documento 34
Documento 34
Documento 34
A Unidade Psiquiátrica no Hospital Geral surgiu através da Lei 10.216/2001, que delega a
responsabilidade do tratamento de usuários com sofrimento psíquico ao Estado, ocorrendo com a
participação da sociedade e da família. Esta lei começou a tramitar no congresso em 1989, este
projeto demorou aproximadamente doze anos para ser concretizado. Além da aprovação da lei, são
necessárias mudanças em portarias que efetivam as políticas públicas na área, com a participação da
família e da sociedade.
Ao se falar em saúde mental, temos dois modelos para cuidar do sofrimento psíquico, um modelo
asilar e um modelo psicossocial. O primeiro modelo dividiria a clientela em loucos e sãos, aqueles
que detém o saber técnico, se mostram acima daqueles que sofrem nesta perspectiva.
Em linhas gerais o segundo modelo busca uma prática mais reflexiva e compromissada com o
território de inserção do usuário, bem como um compromisso ético político, pautado em
movimentos históricos (como o da desinstitucionalização que ocorreu na Itália) e movimentos
teóricos (Costa-Rosa, 2000).
Dessa forma, iniciou-se uma Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) ligada a saúde pública que deveria
atender a todos os usuários que sofressem de algum transtorno mental.
Em 2011, a Portaria nº 3.088 cria o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) que passou a ser
referência para o atendimento destas demandas em saúde mental. Esses centros têm como objetivo
a ampliação do atendimento à saúde mental e a sua articulação com a rede pública de saúde
respeitando os direitos humanos e promovendo ações que combatam o estigma e preconceitos
vividos por esta população, bem como levar uma melhor qualidade de vida.
Segundo o Artigo 4º da Lei 10.216 A internação hospitalar só deverá ocorrer quando todos os
recursos extra hospitalares se mostrarem insuficientes.
A UPHG favorece a diminuição do estigma da doença mental, ao aproximar a Psiquiatria das demais
especialidades médicas dentro do hospital, além de possibilitar melhores cuidados para patologias
clínicas por meio do acesso a exames e interconsultas de outras áreas da saúde.
No contexto atual das RAPS, em acordo com a Portaria n. 148, de 31 de janeiro de 2012 (Brasil,
2012), as UPHG são estabelecidas de modo a cumprir os seguintes objetivos clínicos:
De acordo com a Portaria n. 148, até 10 leitos de clínica médica e pediatria, qualificados para o
atendimento destinado a indivíduos em sofrimento ou transtorno mental e com necessidades de
saúde decorrentes do uso de álcool, crack e outras drogas, podem ser implantados em hospitais
gerais (Brasil, 2012). De acordo com as necessidades e possibilidades locais, o manejo clínico em
casos de intoxicação aguda com internações breves pode ser realizado em unidades não
especializadas, caracterizando um arranjo terapêutico alternativo às UPHG.
Atribuições do Psicólogo
Seu papel é avaliar, observar e diagnosticar os motivos de uma primeira ou nova internação, e os
fatores psicológicos associados ao adoecer tanto do paciente quanto de sua família.
Nem todas as atividades descritas podem ser realizadas em uma internação breve.
Intervenções familiares
O psicólogo pode realizar grupos de família, nos quais devem ser explorados sentimentos de
espelhamento, apoio mútuo e compartilhamento de experiências; ou reuniões nucleares (paciente e
seus familiares), usando o momento da internação e do grupo para explorar pensamentos, atitudes
e sentimentos entre os familiares, sempre atentando para a manutenção da integridade e do
fortalecimento das relações, e evitando movimentos de ataque e a expressão de emoções
destrutivas, que costumam aparecer durante a internação (Cabral et al., 2009)
O conceito que mais parece ter importância para os quadros psiquiátricos graves é o de emoção
expressa (EE; Cabral et al., 2009).
Psicoeducação
É característica dessa intervenção, na enfermaria de internação breve, ser composta por grupo de
familiares sem a presença do paciente (para promover ambiente mais acolhedor para possíveis
críticas e queixas dos cuidadores), possuir uma ou duas sessões (tempo médio de permanência de
internação) e ter tema definido.
Psicoterapia
O terapeuta da UPHG precisa lançar mão de uma psicoterapia flexível, voltada para as necessidades
e as angústias atuais do paciente, ser versátil e firme, sem ser rígido ou ameaçador. O objetivo é um
enfoque terapêutico mais direto, menos interpretativo, voltado para o aqui e agora. Uma
possibilidade envolveria encontros diários ou pelo menos 3 vezes/semana, curtos (20 a 30 min).
Oficinas Terapêuticas
Também o trabalho nas oficinas deve focar ações que terão um número reduzido de sessões, em
geral por 2 a 4 semanas, com a oferta de atendimentos no mínimo 1 vez/dia.
Trabalho em Equipe
CASO CLÍNICO
Discussão
Sadock (2007) explica que a esquizofrenia é um transtorno psiquiátrico grave, crônico, com
reagudizações (crises, ou seja, momentos em que os sintomas retornam ou pioram, por vezes
levando o paciente a uma nova internação ou inserção intensiva no serviço de saúde), que
geralmente se inicia na adolescência ou no início da vida adulta. Os sintomas-chave são os distúrbios
de forma e conteúdo de pensamento (incoerência de discurso, confusão mental e delírios),
alterações sensoperceptivas (alucinações, principalmente auditivas), comportamentos bizarros e
estranhos (desorganização, alterações catatônicas como estereotipias, mutismo e gestos ou
posturas bizarros), associados à falta de interação social e afetiva (embotamento, aplainamento de
expressão emocional e falta de motivação), além de prejuízo funcional grave e comumente
progressivo. Os quadros iniciais tendem a ser polimórficos e acompanhados de intensa angústia e
agitação, e podem estar associados ao uso de substâncias psicoativas, principalmente Cannabis.
Uma história mínima de 6 meses de adoecimento e sintomas é necessária para o diagnóstico.
Quadros de causa orgânica (como doenças do sistema nervoso central, alterações hormonais e
doenças autoimunes) são diagnósticos diferenciais e devem ser investigados.
CASO: Paciente internado em enfermaria de saúde mental. E., 20 anos, solteiro, sem filhos, estudou
até 8a série, desempregado há 6 meses (repositor em supermercado), sem religião, natural e
procedente do interior do estado de São Paulo. Pais separados, tem duas irmãs e reside com a mãe.
História da moléstia atual: Paciente internado pela 4a vez em 4 anos, nesse momento em uma
enfermaria de saúde mental de um hospital geral, em crise psicótica, com fala e comportamento
desorganizados, desconfiado e agitado. Não consegue explicar o que está acontecendo, mas durante
a entrevista grita “Sai!”, “Não!” e tapa os ouvidos com as mãos. Acompanhado pela mãe, que relata
que o paciente está há 15 dias sem dormir, quebrando objetos em casa e ameaçando-a com socos e
chutes. Já o paciente afirma que a mãe está “do lado deles” e acusa os vizinhos de desejarem sua
morte. Tem comportamentos estranhos, como gritar sozinho dentro do quarto, colocar as mãos nos
ouvidos e balançar a cabeça para os lados durante várias horas. Não toma banho há vários dias e
come somente alimentos que ele mesmo preparou, em geral enlatados, pois diz que as verduras
estão com gosto diferente e, portanto, envenenadas. Sem uso de medicação há pelo menos 2
meses. Até início do novo quadro, estava trabalhando e apresentava-se “sem problema nenhum”,
segundo a mãe.
Antecedentes pessoais: Até os 16 anos, o paciente costumava ser um rapaz bastante comunicativo,
gostava de sair com os amigos ou ficar em casa com eles vendo programas de TV, tirava notas
satisfatórias na escola. Depois, passou a ter progressivo isolamento social e emocional, falando cada
vez menos com a mãe, voltando da escola e indo direto para o quarto. Tirava notas cada vez mais
baixas, apesar de passar o dia todo no quarto, o que a mãe supostamente acreditava que seria para
estudar. Deixou de sair com amigos e ver televisão, passatempo que apreciava bastante. Em 6
meses, iniciou com agitação psicomotora, ficava andando pela casa sem motivo, hostil e agressivo
contra a mãe, quebrando objetos e falando sozinho (solilóquios, sendo comportamento sugestivo de
alucinações). Passou a dizer que estavam tramando “coisas” contra ele, mas não podia dizer quem e
nem o quê; costumava gritar palavras ofensivas toda vez que via ou ouvia os vizinhos pela janela.
Apresentou uso de Cannabis esporadicamente (2 a 3 cigarros por mês), desde aproximadamente os
15 anos, tendo parado há alguns meses antes desse quadro, já que não saía mais de casa, nem ia
para a escola. Após passagem por um serviço de pronto-atendimento, foi encaminhado a um CAPS
Infantojuvenil (CAPS IJ) e diagnosticado com quadro de esquizofrenia, mas não seguiu o tratamento.
Teve sua primeira internação com 16 anos (2 meses após piora do quadro), na ala psiquiátrica de um
hospital universitário, tendo sido hospitalizado por 3 meses, com remissão parcial dos sintomas:
continuava ouvindo vozes que comentavam seu comportamento e o xingavam, acreditava que seus
vizinhos estavam tirando seu pensamento de sua cabeça mesmo a distância (delírios de roubo de
pensamento). Na alta, foi novamente encaminhado para o CAPS IJ, mas não chegou a ir ao serviço.
Depois de 1 ano, apresentou nova crise aos 17 anos, sendo novamente internado e então
encaminhado para um CAPS III Adulto (já que completaria 18 anos em pouco tempo). Sabe-se que
aderiu ao tratamento no novo CAPS por alguns meses, tendo até arranjado emprego em um
supermercado, voltado a se relacionar com amigos e pensado em terminar o Ensino Médio. Foi
internado, em junho de 2015, na Enfermaria de Saúde Mental. Havia parado a medicação há 2
meses. Em todas as internações, apresentava quadro semelhante ao da primeira crise, melhorando
dos sintomas com o uso de medicação adequada.
Discussão do caso
Desde sua entrada na enfermaria, a equipe do CAPS de referência participou ativamente das
tomadas de decisões e construção da proposta terapêutica, sendo que essa participação é de
extrema importância para a manutenção do vínculo e adesão do paciente e sua mãe no tratamento
proposto. O psicólogo, além dos atendimentos individuais realizados com o paciente, também foi o
responsável por estabelecer esse contato com o CAPS, que possibilitou a articulação de cuidados na
Rede de Saúde Mental.
Nas crises, os pacientes costumam ficar agressivos e apresentar riscos a si mesmos e a outras
pessoas, principalmente se associados a delírios persecutórios, alucinações proeminentes e uso de
drogas. A confusão mental, a desorganização psíquica e a agitação graves podem ser fatores de
indicação de observação ou internação em ambientes protegidos (CAPS ou unidades psiquiátricas) e
a falta de suporte familiar costuma requerer um cuidado mais próximo. Alguns CAPS dispõem de
leitos de observação integral (24 h), além de atividades desenvolvidas durante o período diurno. Os
leitos de observação psiquiátrica (tanto para internações breves ou mais prolongadas) em hospital
geral contam com equipe multiprofissional ao longo do dia. Entretanto, a descontinuação do
tratamento acaba promovendo o retorno dos sintomas e a emergência de novas crises. Em torno de
75% dos pacientes que abandonam a medicação apresentam piora dos sintomas no curso de 1 ano
(Liu-Seifert e Kinon, 2005).
REFERÊNCIAS:
Baptista, M. N., & Dias, R. R. (2018). Psicologia hospitalar: teoria, aplicações e casos clínicos. 3ª
edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 340 p.