Neurose Obsessiva E Toc: Um Diálogo Entre Psicanálise E Psiquiatria
Neurose Obsessiva E Toc: Um Diálogo Entre Psicanálise E Psiquiatria
Neurose Obsessiva E Toc: Um Diálogo Entre Psicanálise E Psiquiatria
Brasília
Junho de 2008
ANA PAULA DA SILVA ÁVILA
• Marcos Abel
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• Morgana Queiroz
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Introdução.......................................................................................................................5
1. Psiquiatria: Transtorno Obsessivo-compulsivo- TOC............................................6
1.1. Breve histórico...............................................................................................6
1.2. Considerações médicas..................................................................................8
2. Psicanálise: Neurose Obsessiva................................................................................21
2.1 Primeira fase: Neurose obsessiva e a Tese da defesa psíquica......................21
2.2 Segunda fase: Neurose obsessiva e Teoria da sedução................................ 24
2.3 Terceira fase: Neurose obsessiva e Teoria da libido.................................... 27
2.4 Quarta fase: Neurose obsessiva e a segunda tópica do aparelho psíquico .. 31
2.5 Neurose obsessiva hoje................................................................................ 35
3. Diálogo entre a psiquiatria e a psicanálise............................................................ 39
3.1 Considerações gerais................................................................................. 39
3.2 Diagnóstico ............................................................................................... 39
3.3 Tratamento ................................................................................................ .46
Conclusão......................................................................................................................52
Referências....................................................................................................................54
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Introdução
transtornos comórbidos com o TOC é regra e não exceção, com prevalência de depressão
maior de 60% a 85% dos casos, seguido da fobia simples (22-27%), hipocondria (23%),
transtorno dismórfico (20%), tricotilomania (18%), fobia social (11-18%), abuso ou
dependência de álcool (14-17%), transtorno do pânico (12-15%), transtornos alimentares
(5-20%), transtorno afetivo bipolar (13%) e síndrome de Tourette (7%).
A ocorrência simultânea da depressão com TOC pode exigir uma diferenciação
entre ideações depressivas sobre situações ou problemas desagradáveis da vida e as
obsessões verdadeiras. Sendo que estas ruminações são consideradas coerentes com o
humor deprimido. A grande diferença está no fato de que os obsessivos - compulsivos
tentam ignorar ou suprimir suas obsessões enquanto indivíduos deprimidos não tentam
suprimir suas ideações depressivas (RIGGS; FOA, 1999).
O mesmo fato, segundo esse autor, pode ocorrer também com transtornos de
ansiedade, que apresentam como uma de suas características a preocupação excessiva.
Estas preocupações também estão presentes no TOC, com a diferença de que neste é
sentida pelo indivíduo como inapropriadas enquanto naquela são cuidados excessivos
quanto a circunstâncias da vida real e são sentidas com apropriadas.
No entanto, o mesmo autor, reconhece em outro momento, que estudos evidenciam
que há uma grande variância no grau em que os indivíduos com TOC reconhecem seus
sintomas como irracionais ou sem sentido, desafiando o aspecto relacionado no DSM-III-R,
onde constava que indivíduos com TOC reconhecem as obsessões como sem sentido e as
compulsões como irracionais (RIGGS; FOA, 1999).
Outros autores, como Kipper e Cordioli (2000. p. 143), expõem que tipicamente os
pacientes com TOC reconhecem que os sintomas são excessivos ou irracionais, e apesar de
tudo não conseguem resistir às obsessões e compulsões.
Parra Torres (2004), no TOC os significados são atribuídos pela parte doentia e
vivenciados pela parte saudável com absurdos, ou seja, o indivíduo vive em um mundo que
não é seu, vivenciando as experiências ao mesmo tempo como familiares e estranhas, como
ocorrem na atmosfera pré-delirante.
Muitas vezes, durante o processo terapêutico, o indivíduo com TOC reconhece por
meio do insight a falta de sentido de seus pensamentos e ações, no entanto, perde este
esclarecimento quando se depara novamente com alguma situação que desencadeie seus
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sintomas.
Riggs e Foa (1999) questionam a importância de o processo diagnóstico levar em
consideração o indivíduo sem insight quanto ao sentido de seus sintomas, para serem
diagnosticados tendo TOC, devido à exigência atual de que o indivíduo tenha este insight,
podendo causar falhas no diagnóstico, gerando conseqüentemente, um tratamento
desapropriado.
Torres (2004) reforça esta observação, dizendo que o nível de insight do indivíduo
com TOC deve ser investigado com o intuito de esclarecer a existência de subtipos para o
TOC. Os indivíduos obsessivos podem ser classificados de acordo com bases
fisiopatológicas específicas, sendo a capacidade crítica um fenótipo clínico diferencial de
avaliação.
Neste contexto, levar em consideração as peculiaridades de cada paciente com TOC
é fundamental para que se estabeleça um diagnóstico diferencial com segurança, onde
dados sobre a idade de início do transtorno, bem como o sexo do paciente, e sua capacidade
crítica, a presença de tiques, febre reumática e a comorbidade com outras doenças devem
ser levantadas até mesmo para o entendimento da evolução e etiologia deste transtorno.
Riggs e Foa (1999), consideram que confusões diagnósticas podem acontecer, por
exemplo, em situações onde os conteúdos das obsessões do TOC podem ser tão bizarros
quanto os delírios esquizofrênicos, no entanto é possível fazer o diagnóstico diferencial
levando em consideração outros aspectos da esquizofrenia como o embotamento afetivo,
perda acentuada das associações e alucinações proeminentes.
Muitos transtornos apresentam quadros clínicos semelhantes ao TOC, podendo
confundir os limites diagnósticos, como é o caso das fobias e depressões, transtorno de
ansiedade generalizada (TAG), estresse pós-traumático (TEPT) e de pânico, transtornos
somatoformes, delirantes e esquizofrênicos, de controle de impulsos, transtornos
alimentares, de tiques e transtorno OC de personalidade (TORRES, 2004).
Cientificamente, ainda não foi possível esclarecer totalmente as causas que levam
ao surgimento do transtorno, sendo que muitos resultados e pesquisas realizadas a respeito,
apontam para o neurotransmissor serotonina como crítico na expressão dos sintomas do
TOC. Esta conclusão é decorrente da notável eficácia da droga serotoninérgica,
comipramina (CMI), na redução destes sintomas.
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Estes autores colocam ainda que os diversos estudos realizados nos últimos anos, na
área de neurobiologia, trouxeram um esclarecimento acerca da patofisiologia e dos fatores
biológicos relacionados ao TOC, aumentando as possibilidades de ser considerada doença
neuropsiquiátrica.
O direcionamento para fatores biológicos ocorre devido a algumas constatações
feitas acerca deste transtorno como início precoce, evidências de causas genéticas
constatadas por meio de estudos realizados com gêmeos e com famílias, certa
homogeneidade de sintomas em diversas culturas e ao longo da história, má resposta a
psicoterapias psicodinâmicas e bons resultados com técnicas comportamentais e
farmacológicas (TORRES, 2004).
De acordo com Kipper e Cordioli (2000), existem outras hipóteses para a etiologia
do TOC. Além da correlação que tem sido feita entre esse transtorno e anormalidades
serotornérgicas, outras evidências apontam para a relação do TOC com disfunções
cerebrais, alguns indícios mostram o importante papel dos gânglios de base.
Esses autores enfatizam que a neurociência tem conseguido avanços neste sentido,
ao utilizar técnicas de neuroimagem de alta resolução tornando possível avaliar a estrutura
e a função cerebral. Exames como a ressonância magnética (RNM), o PET (tomografia por
emissão de pósitrons) e o SPECT (tomografia por emissão de pósitrons) e o SPECT (single
photn emission computed tomography), sugerem uma base neurobiológica para o TOC.
Relatam ainda que as técnicas PET e SPECT permitem observar o
metabolismo cerebral, comparando-se pacientes com TOC antes e depois do tratamento
farmacológico e comportamental, estes pacientes, antes do tratamento apresentaram um
hirpermetabolismo do núcleo caudado e na região órbito-frontal, com o tratamento ele vai
reduzindo em direção ao normal.
As causas biológicas para o transtorno obsessivo-compulsivo estão sendo apontadas
amplamente por especialistas da área médica, que comprovam por meio de exames
avançados e uso de substâncias que realmente existe a possibilidade de haver uma relação
entre processos físicos e o TOC, mesmo não havendo unanimidade no modo de entender
estas relações.
Desta forma, por meio destes estudos de neuroimagem notaram-se as áreas cerebrais
mais relacionadas ao TOC, apesar das divergências, têm sido aceitas como principais o
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Kipper e Cordioli (2000), apontam que por meio de estudos utilizando pacientes
com TOC e um grupo controle percebeu-se que os pacientes com TOC apresentavam bem
mais disfunções no SNC, anormalidades na coordenação motora fina, movimentos
involuntários e função visuespacial. Desta forma percebeu-se que além das associações
observadas entre o TOC e doenças que afetam os gânglios de base, notaram-se também a
grande proporção de pacientes com esse transtorno que apresentam sinais neurológicos
leves.
Com toda a diversidade presente nos diversos casos de TOC, algumas
características que consideraram essenciais em todos eles: avaliação exagerada de riscos,
dúvida patológica e sensação de incompletude. Isso ocorre, por exemplo, no caso de uma
pessoa que precisa enxaguar 50 vezes um copo para certificar-se de que realmente está sem
detergente (TORRES, 2004).
A mesma autora considera a avaliação anormal de riscos uma característica comum,
relacionada à posição frágil e defensiva que assume o paciente obsessivo, onde geralmente
estes pacientes agem como se o pior estivesse sempre por acontecer, esperando uma falha
para se concretizar. Isso mostra que os comportamentos muitas vezes supersticiosos, que
esses indivíduos assumem, estão relacionados à tentativa de evitar estes eventos, visando
garantir segurança, proteção e exatidão, muitas vezes de forma mágica. Este temor
permanece sempre vivo no obsessivo, independendo da presença de objetos externos.
A dúvida patológica é uma característica marcante do TOC, tanto que no final do
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século XIX este transtorno era chamado pelos franceses como “a loucura da dúvida”.
Geralmente ela se manifesta como a impossibilidade de ter certeza de acontecimentos,
muitas vezes simples e até grotescos como fechar a janela, trancar o carro ou desligar o gás.
São dúvidas muitas vezes irracionais, como, por exemplo, se estão vestidos ou se matou
alguém sem perceber. É como se houvesse uma ruptura entre a ação e a realização que se
manifestaria em forma de dúvidas.
De acordo com Torres (2004), a sensação de incompletude também está ligada a
subtipos específicos do TOC como rituais de ordenação, simetria e colecionamento, ou até
mesmo lentidão obsessiva primária, havendo semelhança com indivíduos de Tourette que
sentem necessidade de repetir o Tique até que se sintam completos.
Estes casos, ainda segundo essa autora, causam menos ansiedade que aqueles com
obsessões relacionadas à contaminação, por exemplo, porém suas ações nunca chegam num
nível ideal de perfeição, havendo relação também com tiques, tricolomania, onicofagia e
traços compulsivos de personalidade. Em todos estes casos há um aumento de realização de
atos que não teriam uma explicação lógica, sendo executados até que houvesse uma
sensação de completude ou de que ficou correto, bem feito.
Se comparado a pacientes fóbicos, os indivíduos com TOC apresentam um grau de
dificuldade maior em esquivar-se da sensação de ansiedade. Enquanto no paciente fóbico a
ansiedade é eliciada somente na presença ou expectativa de contato com o estímulo externo
os indivíduos com TOC apresentam uma infinidade de outros estímulos capazes de
desencadear o desconforto. O TOC apresenta maior generalidade, principalmente por
associar-se também a estímulos sem sentido lógico, dessa forma, o foco de ansiedade pode
estar presente no mais variado número de objetos e situações, podendo estar relacionado
com o mundo externo ou interno (TORRES, 2004).
Esse autor considera ainda que os obsessivos seriam “superfóbicos” por
apresentarem uma elaboração mental mais complexa em relação aos estímulos fobígenos e
pela maior dificuldade que apresentam em evitar o mal-estar.
Mesmo com toda diversidade fenomenológica apresentada pelo TOC existem
algumas características marcantes e que apresentam mínimas variações em diferentes países
e culturas, e ao longo da história, expressam o sofrimento, as contradições e a vergonha
desse sujeito, sendo que o obsessivo perde sua liberdade ao sentir-se obrigado a realizar
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rituais os quais considera inevitáveis, não conseguindo controlar-se mesmo admitindo suas
atitudes como ridículas ou absurdas.
“O termo anancástico (do grego ananke: força e fatalidade) expressa exatamente a
inevitabilidade, a impossibilidade de escapar, a extrema falta de liberdade desses
indivíduos” (TORRES, 2004, p 293).
Deve ser ressaltado que a procura por tratamento por parte dos pacientes com TOC
geralmente é tardia, ocorrendo quando já houve comprometimento em sua capacidade
laborativa e pragmática, sendo que o tempo gasto desde o início dos sintomas até a procura
por tratamento, é em média, de sete anos. Esse tempo varia em decorrências da intensidade
dos sintomas e da capacidade crítica do sujeito (TORRES, 2004).
O tratamento geralmente é formado pelo conjunto de psicoterapia e o uso de
medicamentos antidepressivos de ação serotonérgica, podendo ser tricíclicos
(clomipramina) ou inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS). O efeito do
antidepressivo em pacientes com TOC independe da presença de depressão associada.
Geralmente, as doses são mais altas do que as usadas no tratamento da depressão e não
incompatíveis com as abordagens psicoterápicas. O período de latência para o início do
efeito pode chegar a 12 semanas (TORRES, 2004).
O fato de o TOC responder melhor a uma droga antidepressiva ao invés de ser
controlado por uma antiansiolítica faz com que ele se distancie dos demais transtornos de
ansiedade, apresentando indícios de possuir uma causa diferente desses transtornos.
Enquanto a droga antiansiolítica apenas reduz a ansiedade em relação aos sintomas, a droga
antidepressiva reduz as obsessões e compulsões (HOLMES, 1997).
Para esta autora, o uso de benzodiazepínicos só é recomendado em casos
excepcionais, sendo apenas coadjuvante no tratamento. O uso deste medicamento pode
causar dependência e até mesmo atrapalhar o processo de habituação em técnicas
comportamentais.
A clomipramina é a droga padrão no tratamento de TOC, no entanto deve ser
evitada em casos de doença cardíaca e risco de suicídio por ser letal em overdose. Muitos
pacientes resistem ao tratamento com medicamentos por suas características típicas de
superestimas os riscos e medo de perderem o controle e fazerem algo condenável
(TORRES, 2004).
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Os principais efeitos colaterais desta droga, comuns aos tricíclicos são boca seca,
obstipação, visão turva, náuseas, sudorese, ganho de peso e disfunções sexuais. É
recomendado o início do tratamento com doses baixas sendo aumentadas gradualmente
(TORRES, 2004).
Essa autora considera que a suspensão completa do tratamento medicamentoso
acarreta a volta dos sintomas, não sendo imediata mais depois de alguns meses de
interrupção, pelo fato de considerar o TOC um transtorno crônico, exigindo tratamento
medicamentoso contínuo.
Torres (2004), enfatiza ainda a existência de outras drogas no tratamento do TOC
como a venlafaxina e antidepressivos inibidores da MAO, cuja eficácia vem sendo estudada
em decorrência da existência de alguns casos refratários. Em alguns casos, quando a
monoterapia não é eficaz, é recomendada a associação de alguns fármacos como
clomipramina e ISRS ou a associação dos antidepressivos serotoninérgicos com
estabilizadores de humor em casos de comorbidade com transtornos de humor ou
neurolépticos quando há grande prejuízo da crítica.
“Considera também que em casos extremos possa haver a indicação de estimulação
magnética transcraniana ou neurocirurgia, abordagens disponíveis em poucos centros do
mundo” (TORRES, 2004, p.304). A autora afirma ainda que na maioria dos casos ocorre
uma melhora na qualidade de vida do paciente, pois os sintomas obsessivos perdem
relevância no contexto existencial. Mesmo em pacientes que apresentam menor capacidade
crítica, pode-se notar melhora, pois estes pensamentos obsessivos diminuem de intensidade
e freqüência, mesmo quando são utilizados apenas antidepressivos serotonérgicos, sem a
necessidade de utilização de neurolépticos.
A informação a respeito do transtorno e de seus efeitos também é de fundamental
importância durante o tratamento. Publicações direcionadas para este fim já estão presentes
no Brasil e faz com que o paciente e seus familiares tenham uma visão mais real do
transtorno. A família também sofre com esse problema, e, portanto, tem papel crucial na
evolução do quadro clínico.
Contudo, apesar de ser considerado um transtorno com quadro fenomenológico
diversificado e com inúmeras possibilidades, apresenta padrão de manifestação universal.
São marcados por pensamentos recorrentes e descabidos que trazem ansiedade e fazem com
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processo de defesa. Assim, o caminho tomado por este afeto determinará as principais
diferenças entre estas três patologias.
Os traços mnêmicos e os afetos contidos nas representações são irrenunciáveis, não
podendo ser erradicados. A defesa retira da representação a “soma de excitação”, ou seja, o
afeto do qual ela está carregada, tornando-a uma representação enfraquecida. Dessa forma,
a representação fraca não necessita de associações com a mesma intensidade anterior, mas,
a soma de excitação retirada desta representação precisa ser aproveitada de alguma forma
(FREUD, 1894).
Até a separação entre representações e afeto, Freud (1894), considera que o
caminho da histeria, das obsessões e das fobias é o mesmo, mas a partir daqui começam a
haver distinções. No caso da histeria este afeto desvinculado transforma-se em conversão
somática, assim, a excitação é liberada de uma forma desapropriada, podendo, às vezes,
retornar para a representação da qual se deslocou. Se isso ocorre o sujeito terá a
oportunidade de elaborar tal conteúdo ou de livrar-se novamente do mesmo por meio de um
ataque histérico.
Nos casos de obsessões e fobias, há uma diferenciação na forma como esta energia
agirá no sistema psíquico. De acordo com Freud (1894), nestes casos o indivíduo tem
predisposição para a neurose, mas não possui aptidão suficiente para a conversão. Assim, a
soma de excitação desvinculada da representação original permanece na esfera psíquica e
acaba por vincular-se a outras representações, sendo que as representações originais
enfraquecidas continuam na consciência, sendo muitas vezes consideras pelo sujeito como
sem importância ou idéias banais, porém, o afeto que estas continham originalmente e que
se associou a outra representação, torna a mesma forte e altamente significativa.
O fato do afeto da representação original se associar a uma representação substituta
pode ser considerada como origem dos “absurdos” verificados no pensar obsessivo, que se
justificam pela não adaptabilidade destas representações substitutas. Freud (1894), expõe
ainda no texto “As neuropsicoses de defesa” que para o médico experiente o afeto parece
justificável e compreensível, considerando, no entanto que chama a atenção, um afeto desse
tipo ligado a uma representação que não o merece.
Analisando suas considerações, Freud (1894) aponta as características dessa teoria,
que podem ser provadas e aquelas que por ele foram supridas. O primeiro ponto que levanta
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casos esta representação ocorre de forma completamente inconsciente não deixado nenhum
traço na memória do sujeito (FREUD, 1894). Freud acrescenta que este estado emocional
não tende ao desaparecimento justamente por se tratar de uma representação substituta, ou
seja, ela está ocupando o lugar de algo que está reprimido.
estratégia utilizada como saída para a questão traumatizante. O que não acontece por meio
de uma elaboração normal, mas através de uma defesa patológica ou repressão. Levando
estes aspectos em consideração, Laplanche (1988) acrescenta:
Com estas palavras Freud inicia a apresentação de sua tese sobre “O papel da
sexualidade na etiologia das neuroses” (1905). Nesta tese faz um breve resumo sobre o
caminho que traçou desde as considerações feitas em relação às causas da neurastenia
estarem relacionadas a fatores sexuais até “Os três ensaios da teoria sexual” (1905).
Durante este percurso, Freud (1905), afirma que apesar de ter atribuído à
sexualidade a causa das neuroses simples, tentava cultivar uma teoria psicológica pura, no
que se refere as psiconeuroses (histeria e neurose obsessiva), onde os fatores sexuais só
interessavam como um entre várias causas emocionais.
Ao tratar a histeria, Freud percebeu que após percorrer a história do sujeito em
busca de seus traumas psíquicos dos quais derivavam seus sintomas histéricos, acabava
chegando a experiências pertencentes à infância e relacionados à vida sexual (FREUD,
1905). Somente levando em conta estes traumas infantis era possível elucidar a doença e
prevenir seu ressurgimento, estabelecendo-se assim a importância das experiências sexuais
para as psiconeuroses. Os que fizeram com que estes fatores infantis ganhassem ainda mais
destaque dentro da doutrina psicanalítica conforma dispõe Freud:
Todas estas mudanças evidenciam muito mais do que um engano cometido por
Freud, como ele mesmo coloca, revela a evolução do entendimento sobre as neuroses. A
partir dessas descobertas, Freud considera possível esclarecer, os maus-entendidos, as
insuficiências e os deslocamentos que a doutrina padecia anteriormente.
Com esta correção os “traumas sexuais infantis” passam a ser entendidos como
“infantilismo da sexualidade”, muitas modificações ocorrem anunciando uma possível
modificação da teoria vigente na doutrina psicanalítica. As influências da sedução na
infância e a exagerada ênfase dada às influências acidentais sobre a sexualidade não são
mais consideradas. Assim, apesar de Freud (1905) nunca tê-los negado, o fator da
hereditariedade e da constituição voltaram a predominar. Enfatizando que na teoria
Freudiana, ao contrário das outras áreas a “constituição sexual” tomou o lugar da
constituição neuropática geral.
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Dessa forma, tendo como base a organização biológica de cada período, a libido se
configura de diferentes formas ao longo do desenvolvimento do indivíduo, relacionando-se
com a zona erógena que varia em cada fase, estabelecendo uma relação objetal específica.
Cada zona erógena gera uma fantasia básica assim, quando tentamos nos ligar a um objeto
e somos surpreendidos por sentimentos de medo e destruição, o Ego mobiliza grande
quantidade de energia durante os mecanismos de defesa e assim é estabelecido um ponto de
fixação, tornando o Ego mais frágil e menos resistente a situações difíceis, fazendo com
que o excesso de angústia ocasione um retorno a esse ponto de fixação. O neurótico,
portanto, relaciona-se com o mundo por meio de uma fantasia infantil por ter regredido a
um estágio anterior em decorrência de algum evento traumático (RAPPAPORT, 1981).
Assim ocorre no caso da neurose obsessiva, como é evidenciado em um terceiro
momento a partir de 1905, em “Três ensaios sobre a teoria sexual”, onde Freud enfatiza a
importância das zonas erógenas e das pulsões parciais. Desta forma as defesas do Eu
operam de forma regressiva ao estágio anal, estabelecendo em 1908, a ligação entre o
objeto anal e a neurose obsessiva a partir do artigo “Caráter e erotismo anal”, considerando
que é deste vínculo que surgem sintomas como a preocupação com a ordem, limpeza e com
os de teimosia (JULIEN, 2002).
Essa teoria que trata sobre os produtos da transformação do erotismo anal,
consolidou-se em 1913, com a elaboração de uma primitiva organização “pré-genital” da
libido dando continuidade a importante investigação de Jones sobre “O ódio e o erotismo
anal na neurose obsessiva” (ABRAHAM, 1970). Foi Jones que impulsionou Freud em
direção à associação entre erotismo anal e neuroses obsessivas, convencendo-o desta forma
que havia uma relação entre este dois fenômenos e que haveria um estágio “sádico-anal” na
organização libidinal.
Esta interferência é manifestada em muitos momentos pelos neuróticos obsessivos,
mostrando um antagonismo clinicamente evidente que aponta para uma organização
instintiva sádico-anal, que se revela sobre o aspecto de formações reativas, como
manifestações que expressam conteúdos muitas vezes contrários aos impulsos anais ou
sádicos. Por isso os neuróticos obsessivos se consideram ao mesmo tempo, limpos e sujos,
bondosos e cruéis (FENICHEL, 2000).
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Abraham (1970) descreve que neste período, Freud considerava que os sintomas da
neurose obsessiva eram resultado da regressão da libido ao estágio anal do
desenvolvimento, marcada pela presença de componentes instintivos anais e sádicos. Esse
fato trouxe revelações tanto no que diz respeito às características peculiares do neurótico
obsessivo, quanto em relação à formação do caráter obsessivo.
Freud coloca em sua descrição do caráter anal três pontos que considera como
características marcantes em certos neuróticos. Um amor à ordem que muitas vezes se
transforma em formalismo; uma parcimônia que facilmente se transforma em avareza; uma
obstinação que pode tornar-se uma irada rebeldia.Colocou que nestas pessoas o ato de
esvaziar os intestinos apresentam para elas uma importância particular (ABRAHAM, 1970
apud FREUD, 1913).
Se durante esta fase o sujeito se sentisse reprimido, este prazer se sublimaria ao
prazer das artes, como pintar, modelar, ou seguiria o caminho da formação reativa em
direção a um amor especial a limpeza, por exemplo. Segundo Freud, também existiria uma
tendência às pessoas com um caráter anal ter a tendência em associar inconscientemente
fezes a dinheiro e a acharem que fazem tudo melhor que o outro, além de uma tendência a
deixar tudo para fazer num último momento (ABRAHAM, 1970).
A importância em esclarecer a relação do neurótico obsessivo com a pulsão anal
está na relevância do entendimento da relação do neurótico obsessivo com o outro. Durante
um momento de conflito com o objeto ocorre uma regressão a esta fase do desenvolvimento
(fase anal), caracterizada por uma ambivalência entre amor e ódio, expulsão e retenção. Ao
sair da fase oral e entrar no estágio anal, o sujeito deixa uma fase onde era nutrido pelo
outro para ingressar em outra onde terá que se sujeitar à demanda do outro. Abraham
(1970) sugere que durante esta etapa do desenvolvimento a criança transfere para o objeto
os sentimentos que anteriormente (na fase oral) encontravam-se ligados ao narcisismo.
Esta regressão trás consigo a presença de idéias dicotômicas que paralisam o sujeito
e o impedem de fazer escolhas. Isso ocorre porque ao fazer uma escolha ele terá que
suportar a perda de algo, sendo justamente neste ponto que ele se torna impotente.
De acordo com Bolvet (2005) na primeira fase do estágio anal-sádico os desejos
destrutivos com intenção de incorporação são predominantes enquanto na segunda fase é o
desejo de posse que proporciona uma satisfação narcisica em relação ao objeto. Este autor
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coloca que diferentemente da integração das pulsões na fase fálica, durante este estágio
ocorre uma dissociação das diferentes pulsões parciais, com separação entre os elementos
eróticos e sádicos.
O neurótico obsessivo, dessa forma adquire algumas peculiaridades que formam seu
caráter. Dor (1991), ressalta a tendência obsessiva do dominar e controlar o outro. Esse fato
se relaciona a outro muito comum em relação ao comportamento obsessivo que geralmente
busca que o outro diga o que deve fazer para que não tenha que pensar sobre seus próprios
desejos, além de reduzir o misterioso do desejo do outro. Dessa forma o obsessivo é
compelido a responder incessantemente ao desejo do outro, numa constante posição de
insatisfação, onde o gozo lhe parece algo impossível e onde ele próprio sacrifica-se pelo
gozo do outro.
Com esta análise, Freud coloca esta sensação de “dever” como própria da neurose
obsessiva. Este “dever” está intimamente relacionado com o superego, que segundo ele é a
interiorização do interdito paterno, o que desenvolve a consciência moral do sujeito. Este
processo é desencadeado com o declínio do complexo de Édipo. Ele afirma que no supereu
reina a pulsão de morte, que pode se tornar hipermoral e cruel (JULIEN, 2002).
Fenichel (2000) coloca que o medo do castigo e da perda da afeição parental gera
ansiedade, distintas das demais que geram outras defesas. Para não correr esse risco a
criança pode passar a disfarçar seu modo “natural” de reagir, para agradar os pais. Dessa
forma, as proibições colocadas pelos pais são internalizadas, e as regras passam a vigorar
mesmo na ausência dos pais. Esse autor coloca que parte do Ego se transformou em “mãe
interna”, a qual ameaça uma retirada possível do amor.
As alterações que acontecem dentro do Ego que visam ajustar a introjeção das
proibições parentais, são precursores do Superego. Fenichel (2000) coloca que a relação
entre a formação do superego está tão relacionada com a aprendizagem de hábitos
higiênicos que Ferenczi denomina os precursores do superego como “moral de esfíncteres”.
Os sintomas obsessivos geralmente distorcem as exigências da realidade
instintiva, por outro lado outros manifestam as ameaças antiinstintivas do superego. No
caso do “homem dos ratos” relacionado acima, fica evidente a possibilidade de ocorrer uma
luta entre as duas formas de sintomas, gerando no neurótico obsessivo sentimentos de
dúvida e comportamentos de anulação (FENICHEL, 2000).
Em 1913, com a publicação do artigo “A disposição à neurose obsessiva” Freud
estabelece um vínculo entre essa neurose e as pulsões erótico-anais e sádicas. “As pulsões
parciais já estão concentradas numa escolha de objeto, embora o primado das zonas genitais
ainda não esteja estabelecido” (JULIEN, 2002, p.137).
Em 1926, por meio da neurose obsessiva, Freud explica como o sadismo da erótica
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de uma segunda. Dessa forma, Freud (1926) afirma que a primeira ação seria “racional”,
sendo justificada pela pretensão de evitar um evento específico e a segunda tendo
motivação “irracional”. O indivíduo nesta situação age com se quisesse anular seu passado
por meio de atos motores, esse fato pode esclarecer também a tendência obsessiva às
repetições.
O segundo mecanismo de defesa, o isolamento, também verificado na esfera
motora, ocorre devido ao fato de que na neurose obsessiva a experiência não é esquecida,
ela é isolada, não possuindo conexões associativas, ao ser destituída de seus conteúdos
afetivos e não reproduzidos por processos comuns de pensamento. Dessa forma, o
isolamento motor tem como objetivo assegurar uma interrupção da ligação no pensamento,
quando algo desagradável ou significativo acontece ao neurótico obsessivo ele intercala um
momento em que nada deve acontecer, onde ele não deve fazer ou perceber nada (FREUD,
1926).
Freud (1926) considera que este esforço para manter-se no isolamento está
relacionado ao tabu de tocar, marcante na neurose obsessiva. Segundo ele, obedecendo-se a
esse tabu se torna possível impedir o contato entre as catexias objetais agressivas e
amorosas, sendo o ponto central de um sistema de proibições.
Sendo assim, quando um neurótico instala intervalos entre uma e outra impressão
ele está na verdade evitando o contato simbólico entre seus pensamentos, pois, isolar é
impedir a possibilidade de contato.
O superego pode censurar o sujeito de outras formas. Freud (1925), em seu artigo
“Inibições, sintomas e ansiedade”, coloca que as inibições podem servir como auto-
punição. Ele coloca o exemplo de uma inibição no contexto profissional, porque levar as
atividades a diante traria êxito e lucro, recompensas que o rigoroso supereu proibiu. Dessa
forma o ego acaba também desistindo dessas conquistas, para não entrar em conflito com o
supereu (FREUD, 1925).
38
obsessivas, ele considera que nestes pensamentos há muitas premissas das obsessões
combatidas.Esse processo ocorre como conseqüência do processo inicial de recalcamento,
que mantêm conteúdos que não condizem com a realidade ou com o superego, afastados da
consciência, porém, apesar de disfarçados a ansiedade e a tensão geradas por esta
incompatibilidade se mantém, ocasionando o desencadeamento de novas defesas para
aliviar os sintomas, resultando num processo secundário.
No caso da neurose obsessiva, os mais conhecidos mecanismos de defesa
secundários são as próprias compulsões, que surgem para aliviar a ansiedade resultante dos
pensamentos obsessivos, que por sua vez estão ocupando o lugar deixado vago por algum
conteúdo reprimido.
A psicanálise, ao colocar o conflito no centro da vida psíquica, acaba por conceber a
defesa como um fenômeno intrapsíquico. As defesas possuem sua importância adaptativa,
pois elas minimizam o conflito, reduz a tensão e retoma o equilíbrio, tendo papel
fundamental na possibilidade de lidar com a ansiedade interna ou externa (BATEMAN;
HOLMES, 1998).
Contudo existem características da personalidade neurótica obsessiva que são
extremamente marcantes e que estão inter-relacionadas com os aspectos etiológicos deste
transtorno, funcionando como mecanismos de defesa, fazendo com que o comportamento
obsessivo muitas vezes seja estereotipado como de alguém com escrúpulos, caráter,
possuidor de senso de moral e respeitos, mas que na verdade não é senhor do seu próprio
desejo que se apresenta fragmentado em necessidade e deveres a se cumprir.
Lima (2001) relata que enquanto o histérico encarna a falta, o obsessivo visa
obturá-la, o que faz a qualquer preço, em detrimento de seu desejo e através de sua
inteligência e racionalização, nem sempre, entretanto, fazendo justiça ao que se propõe – é
conhecido o famoso “emburrecimento” neurótico. Suturando a divisão que o histérico, por
sua vez, explicita, ele abole a clivagem, esquiva-se da castração, devota-se a preencher o
intervalo, mas, sobretudo, vigia para perseguir o desejo ali onde o fareja, mirando-o com
seu implacável voto de morte.
Esta autora continua, apontando que uma atitude obsessiva marcante é o fato de os
obsessivos estarem sempre prontos para tudo, desde que não se comprometam. Neste
sentido, vale lembrar que ele dá tudo, ou seja, na verdade não dá coisa alguma, donde não
42
qualidade de vida.
44
3.2 Diagnóstico
exercem relação funcional. Dessa forma, as obsessões podem ser caracterizadas quando
meras formalidades não podem ser interrompidas pelo indivíduo, por considerarem seus
rituais necessários por motivos diversos, como evitar uma situação temida, por exemplo.
Esses sintomas são considerados característicos tanto para a psiquiatria quanto para
a psicanálise havendo distinções, porém, no modo de entender a origens dos mesmos.
Enquanto os psicanalistas freudianos consideram as elaborações referentes aos mecanismos
de defesa e aos constantes conflitos com o superego, no momento do diagnóstico, os
psiquiatras comportam-se de acordo com os padrões médicos, prezando sempre pela
postura científica, destacando-se a tendência a associar essa patologia a outras de origem
física, as quais já se possuem maiores níveis de conhecimento no que diz respeito aos
processos biológicos.
No modelo peculiar da clínica psicanalítica esses sintomas serão considerados como
tendo um sentido para o sujeito, sendo que esse sentido está relacionado com a trama
inconsciente. O psicanalista abre espaço para que o indivíduo se manifeste livremente,
pedindo para que ele fale de si mesmo, sendo esse, o método, para desvendar o significado
do sintoma (PRISZKULNIK, 2000).
Em contrapartida, a constante busca pelo cientificismo e objetividade que marcam a
medicina no curso da sua história, como era de se esperar, também estão presentes nos
diagnósticos psicopatológicos. Dessa forma os diagnósticos psiquiátricos seguem um
padrão pré-estabelecido, constituindo-se de um roteiro pormenorizado e rigoroso
(PRISZKULNIK, 2000). Esse padrão está relacionado com a classificação das doenças,
com o objetivo e facilitar a correlação, sendo que o objetivo principal desse diagnóstico
será a realização de um tratamento que estirpe o sintoma, sem levar em conta seu
significado.
No Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-III-R; 1987)
foram pela primeira vez especificados os critérios diagnósticos para o TOC, definindo-se as
obsessões e as compulsões separadamente, o que reflete os três aspectos fundamentais
desse transtorno: as obsessões são definidas como eventos mentais e as compulsões como
eventos comportamentais. Assim, as obsessões e as compulsões podem estar conectadas ou
ocorrer independentemente uma da outra, sendo que essa edição do manual defende que os
indivíduos sempre reconhecem a ausência de sentido das suas obsessões e compulsões
46
sintomas não revelam sua importância apenas por aquilo que são, mas principalmente por
aquilo que escondem ou revelam. Para Freud (1926), o sintoma surge como uma
manifestação inconsciente, sendo considerado o retorno do recalcado na forma de uma
mensagem, que pode ser decifrada.
Nas propostas do DSM-IV, o diagnóstico, logicamente, exige a presença de
obsessões e/ou compulsões, mas faz distinções em relação a peculiaridades desses
sintomas, considerando que as obsessões não podem ser confundidas com preocupações
excessivas com problemas da vida real, sendo distinguidas desses por seu caráter intrusivo
e desapropriado. As compulsões surgem nesse contexto na tentativa de neutralizar o efeito
das obsessões, sendo respostas às mesmas ou a regras rígidas que podem se manifestar na
forma de comportamentos repetitivos (Ex: lavar as mãos) ou atos mentais (Ex: contar).
O uso que a psiquiatria faz desses manuais, não tem a finalidade de uma simples
orientação, mas, de definição diagnóstica. Por meio da prática clínica, essa abordagem tenta
delimitar cada vez mais os sintomas, com o intuito de tornar os diagnósticos mais precisos.
No mesmo sentido, Almeida et al (1996), coloca que “como profissionais de saúde
não podemos nos basear em hipóteses não comprovadas nem refutáveis para orientarmos o
tratamento de nossos pacientes” (p. 175). Ressalta que o diagnóstico deve aliar o
diagnóstico axial sindrômico ao conhecimento das bases biológicas e psicossociais dos
principais transtornos de ansiedade, evidenciando uma perspectiva científica.
De acordo com esses autores, o diagnóstico deve ser bem detalhado, abrangendo
vários aspectos da vida do paciente, como comportamentos disfuncionais, cognições,
crenças, reações corporais, impacto dos problemas sobre a vida, conflitos, tratamentos
realizados, causas de melhora e piora, ganhos secundários, freqüência e intensidade dos
sintomas.
A psiquiatria utiliza como método de levantamento de informações, para
fundamentar seus diagnósticos, técnicas de entrevista, exame físico, exame do estado
mental que pode ser focado em vários aspectos como generalidades, avaliação do estado
das funções impressivo-gnósicas, avaliação dos processos psicológicos afetivos, avaliação
do estado da psicomotricidade, avaliação do estado de atenção e da consciência-vigilância,
memória, orientação e exames complementares (RIGGS e FOA, 1999).
O desempenho da clínica psiquiátrica começa com a entrevista psiquiátrica, vale
48
ressaltar que segundo Miranda-Sá (2001), a entrevista é um meio comumente utilizado para
realização de diagnósticos, relatando ainda que a grande diferença entre diagnósticos
psicológicos e diagnósticos psiquiátricos é que o primeiro pode ser aplicado a qualquer
pessoa enquanto o segundo somente a pessoas enfermas, consistindo no estabelecimento de
contato com o paciente, também podendo atender a fins terapêuticos.
Na clínica psicanalítica não são usados métodos de entrevista, por meio da
associação livre o sujeito acaba revelando o inconsciente, sendo que esse processo também
é utilizado como etapa preliminar, que segundo Freud (1913) consiste em duas ou três
semanas de sondagem, com o intuito de conhecer o caso e direcionar a análise.
“A entrevista psiquiátrica é uma modalidade de ato profissional, representando um
meio para o diagnóstico, misturando aspectos técnicos, institucionais, semiológicos e
terapêuticos” (MIRANDA-SÁ, 2001, p.80). Sendo que a grande distinção da entrevista
psiquiátrica está no acréscimo do exame físico, sendo um dos únicos instrumentos
psiquiátricos de diagnóstico clínico.
O exame físico é um segundo procedimento adotado pela clínica psiquiátrica,
devendo ser realizado mesmo nas situações mais rotineiras, utilizadas para avaliar indícios
de enfermidades físicas, assim como a presença de delírios, síndrome tóxica ou sintomática.
Caso seja necessário, o paciente deve ser encaminhado para uma avaliação específica com
outros especialistas, para realização de exames, como cardiológicos, neurológicos ou
dermatológicos (MIRANDA-SÁ, 2001).
Não desconsiderando a importância do exame do estado físico, principalmente no
sentido de identificar patologias físicas relacionadas ao sistema nervoso, esta atitude revela
o modo como o psiquiatra se comporta frente às psicopatologias. Abordadas como qualquer
outra patologia física, o paciente é diagnosticado e medicado, desconsiderando para fins de
diagnóstico todos os fatores emocionais presentes na construção e curso do transtorno.
A etapa do diagnóstico em que a psiquiatria mais se aproxima do psiquismo do
paciente é o chamado, exame do estado mental. Esse exame tem como objetivo avaliar o
estado mental e as condições comportamentais atuais do paciente, da forma mais completa
e precisa possível. Miranda-Sá, (2001, p.141), acrescenta: “Tal como sucedeu no exame
físico, no qual foram avaliadas as estruturas e funções corporais, no exame mental
examinaram-se sistematicamente os processos psíquicos do paciente e seu comportamento
49
manifesto”.
Essa avaliação psicológica, realizada na clínica psiquiátrica, tem por fim, identificar
a presença de sintomas que definam alguma patologia psíquica, assim como acontece no
exame físico, onde consideram existir um percurso linear entre a doença e o sintoma. Dessa
forma, o exame mental é realizado através de um roteiro sistematizado para avaliar as
condições atuais do indivíduo em relação a aspetos afetivos, capacidade de consciência,
memória, atenção, orientação, psicomotricidade, pensamento inteligente, imaginação e
senso de realidade (MIRANDA-SÁ, 2001).
Esse autor afirma que é através desses procedimentos ocorrem os diagnósticos
psiquiátricos, utilizando-se desses métodos para identificação tanto da neurose obsessiva
(TOC), quanto para as demais patologias, e por meio do qual a medicina considera
proporcionar conhecimentos científicos no reconhecimento das enfermidades.
No caso do Transtorno Obsessivo-compulsivo (TOC), a área médica considera
importante destacar os seguintes aspectos para realização de um diagnóstico diferencial
preciso dessa patologia. O DSM IV aponta que, para ocorrer o diagnóstico de TOC é
preciso haver obsessões e compulsões recorrentes, insistentes, irracionais e consumirem um
tempo maior que 1h por dia, causar sofrimento acentuado ou prejuízo significativo, a
perturbação não deve ter relação com efeitos fisiológicos diretos de alguma substância.
Já o CID-10 afirma que o transtorno é caracterizado essencialmente por idéias
obsessivas ou por comportamentos compulsivos recorrentes de modo repetitivo e
estereotipado. Em regra geral, elas perturbam muito o sujeito, o qual tenta, freqüentemente
resistir-lhes, mas sem sucesso. O sujeito reconhece, entretanto, que se trata de seus próprios
pensamentos, mas estranhos à sua vontade e em geral desprazerosos.
Para Riggs e Foa (1999), o primeiro fator considerado é a co-morbidade do TOC
com outros transtornos associados. Esses autores relatam que geralmente junto ao TOC
ocorrem queixas relacionada à depressão, esquiva fóbica, ansiedade e preocupação
excessiva (1999, p. 220).
Com base no conhecimento psicanalítico podemos fazer inferências em relação a
esses casos de co-morbidade apresentados. A preocupação da psiquiatria com esses fatores
se relacionam ao fato de se preocuparem excessivamente com os sintomas, não levando em
consideração que certas características podem estar intimamente relacionadas à estrutura
50
obsessiva. A depressão pode ter sua origem na angústia sentida pelo sujeito que se sente
obrigado a realizar ações que na maioria das vezes o distanciam de suas atividades
cotidianas, podendo trazer isolamento e solidão.
Já a esquiva fóbica se associaria a esta neurose pelo fato do sujeito, muitas vezes
evitar situações que evocam as obsessões, pois seu desencadeamento é sentido por ele de
forma desagradável. Mesmo os sintomas de ansiedade e preocupação excessiva se
relacionam ao quadro da neurose obsessiva, sendo o primeiro mais ligado à sensação
provocada pelo surgimento dos sintomas e o segundo estaria relacionado à associação que o
obsessivo-compulsivo faz entre fatos catastróficos e ações muitas vezes irrelevantes.
Para a psicanálise, existem outros fatores relevantes, que devem ser considerados
para se efetivar o diagnóstico. A psicanálise considera aspectos característicos da neurose
obsessiva, como sentimento de culpa, postura rígida, presença de paradoxos entre
conteúdos instintivos e comandos do superego, sintomas muitas vezes relacionados à
masturbação, vivenciada com um desejo instintivo que posteriormente acarreta sentimento
de autopunição, que estão relacionados à própria estrutura dessa neurose.
A neurose obsessiva também é caracterizada, segundo visão psicanalítica, pela
presença da regressão ao estágio anal-sádico do desenvolvimento, o que gera tendências
francas e ocultas à crueldade, ou formação reativa contra elas, além de impulsos eróticos-
anais, a orientação a esse estágio revela-se às vezes sob a forma de formações reativas
como mansidão supercompensatória, sentimento exagerado de justiça ou asseio,
incapacidade de qualquer agressão e escrupulosidade em todos os assuntos que se
relacionam com dinheiro. Além de amor à ordem, frugalidade e obstinação (FENICHEL,
2000).
Ainda segundo esse autor, a orientação instintiva sádico-anal pode ser facilmente
identificada no quadro clínico, pois em geral os neuróticos obsessivos se mostram em
conflitos entre agressividade e docilidade, crueldade e mansidão, sujeira-limpeza,
desordem-ordem. Sendo que essas características são notadas no comportamento do
indivíduo, sendo identificados em sua aparência exterior. Esses comportamentos
contraditórios originam-se da mistura entre formações reativas e impulsos anais ou sádicos.
Podemos compreender que os impulsos que são rejeitados pelo neurótico obsessivo
estão atrelados tanto a tendências edipianas fálicas e impulsos masturbatórios genitais,
51
quanto à estreita relação com o estágio sádico-anal. Sendo que a defesa se dirigiu primeiro
para o complexo de Édipo que posteriormente foi substituído pelo sadismo anal, em uma
tentativa defensiva contra o complexo de Édipo (FENICHEL, 2000).
Esse autor evidencia através de um caso clínico, como pode ser identificado o
processo regressivo responsável pela formação da neurose obsessiva, conforme segue:
3.3 Tratamento
Laplanche e Pontalis (2001 apud GIROLA, 2004, p.35) definem a neurose como
“uma afecção psicopatogenica em que os sintomas são a expressão simbólica de um
conflito psíquico que tem raízes na história infantil do sujeito e constitui compromissos
entre desejos e defesa”. Ignorando o que é subjetivo, ao transformar a neurose em
transtorno, a psiquiatria ganha a possibilidade de tratá-lo como tal, transformando o que
antes era próprio do sujeito para o que é próprio da patologia.
De acordo Cordioli (2000), as dosagens de antidepressivos utilizados para tratar o
transtorno obsessivo são bem maiores que as utilizadas para depressão. A resposta a este
tratamento não é imediata, podendo demorar até doze semanas para o início dos efeitos. O
médico costuma iniciar o tratamento com doses médias, não havendo resposta no prazo de
oito a nove semanas, é recomendado o uso de dosagens máximas. Não havendo resposta a
uma droga, o médico tende a experimentar outras, sendo que em 20% dos pacientes que
não respondem efetivamente a uma droga responderá a outra.
Desta forma, ainda seguindo o que foi exposto por Cordioli (2000), mesmo nos
casos de adaptação ao medicamento, os índices de recaídas chegam a 90%, sendo mais
comuns após quatro meses da interrupção do tratamento. No entanto, também se pode notar
recaídas em pacientes durante o uso do medicamento, sendo menos propensos a recaídas,
conforme coloca Cordioli (2000), pacientes que aliam o tratamento farmacológico à terapia
cognitivo-comportamental. Em geral a medicação é utilizada por longos períodos, sendo
que em pacientes que apresentaram três ou quatro recaídas leves ou moderadas ou de duas a
quatro recaídas severas, geralmente é recomendado à utilização de medicamentos por
55
Conclusão
Esse aumento súbito de interesse, por um lado atende a demanda atual da sociedade,
ao trazer resultados rápidos, com o desenvolvimento de psicofármacos, que apesar de
apresentarem efeitos paliativos, reduzem gradualmente os sintomas, trazendo alívio para o
obsessivo-compulsivo. Por outro lado, apresenta seu aspecto lucrativo que se investigado,
evidencia o caráter especulativo das pesquisas nessa área.
Dessa forma, nos cabe interrogar se o aumento de diagnósticos desse transtorno se
relaciona a aspectos culturais, interpessoais, intrapsíquicos ou neurofisiológicos. Ao falar
de aspectos culturais e sociais cabe ressaltar a relação primária estabelecida com os pais. Já
nos intrapsiquícos referimo-nos a estruturação psíquica do indivíduo e por último a
neurofisiologia que se refere à descoberta da influência do processo de recaptação da
serotonina como desencadeador de sintomas. Esse conhecimento trouxe à medicina a
possibilidade de tratar esse transtorno com antidepressivos, o que tornam esses diagnósticos
extremamente lucrativos para a indústria farmacêutica.
A terapia psicanalítica aparece nesse contexto como uma alternativa para libertar o
indivíduo do uso contínuo de medicamentos. Apesar das críticas sofridas desde seu
surgimento, consideramos que a psicanálise oferece a melhor alternativa para os obsessivo-
compulsivos, que terão a oportunidade de reorganizarem seus desejos, pois, distintamente
da psiquiatria, a psicanálise busca ir à causa dos sintomas.
Em relação aos avanços da neurociência, também consideramos de extrema
relevância e nossa defesa em relação ao método psicanalítico, não tem a intenção de
mostrar o contrário. No entanto, nos posicionamos contra os métodos paliativos utilizados
para encobrir os sintomas obsessivos, em nada proporcionando de definitivo para o sujeito,
que sofre com efeitos colaterais de remédios e técnicas que nem ao menos tiveram sua
eficácia comprovada de forma definitiva. Sendo que o sintoma passa a ter mais valor do
que o próprio sujeito.
Como fator atenuante, nesse contexto, temos que a terapia psicanalítica é inacessível
para a grande maioria da população, sendo que a presença de psiquiatras em centros de
saúde e hospitais públicos é imensamente comum. Mesmo para aqueles que são
beneficiados com planos de assistência médica, dificilmente são encontrados psicanalistas
conveniados, retratando que esse serviço ainda não é visto como essencial.
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Referências
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Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais: DSM – IV. 4º ed. Porto
Alegre: Artes médicas, 1995/2002.
61
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SALOMÃO, Jayme (Dir.). Edição standard brasileira das obras psicológicas completas
de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976. v. VII. 1906.
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SALOMÃO, Jayme (Dir.). Edição standard brasileira das obras psicológicas completas
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FREUD, Sigmund. Inibição, sintoma e angustia. In: SALOMÃO, Jayme (Dir.). Edição
standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de
Janeiro: Imago, 1976. v. XX. 1926.
RIGGS, David S.; FOA, Edna B. Transtorno obsessivo-compulsivo. In: BARLOW, David
H. Manual Clínico dos Transtornos Psicológicos. Porto Alegre: Artmed, 1999.