Caso Xxiii

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Caso XXIII 

A Sociedade Veiga Beirão & Associados contratou com António, a reparação geral do
escritório (sistema elétrico, sistema de infiltrações, canalização, cabinas de elevadores,
etc.), no valor de 25.000€. A obra foi concluída no dia 2 de dezembro de 2022 e, após a
devida verificação (efetuada no dia 5 de dezembro de 2022), comunica-se, no mesmo
dia, ao empreiteiro que a Sociedade está em plenas condições para a retoma dos
trabalhos, pagando-se o preço. Passados 4 anos e 11 meses, Carolina, Advogada, repara
que a iluminação do escritório está a apresentar falhas provenientes de um defeito no
quadro elétrico. No dia seguinte, comunica esse facto à Administração. Passados dois
meses, é comunicado a António que se denuncia o defeito do quadro elétrico e, no mês
seguinte à denúncia, que se pretende proceder à eliminação dos defeitos. António,
contudo, recusa a reparação com os argumentos: i) para o defeito identificado, já tinha
sido ultrapassado o prazo de denúncia de 30 dias; ii) subsidiariamente, mesmo se fosse
aceitável o prazo mais longo, já tinha sido ultrapassado o limite de 5 anos. Quid iuris? 

Sub-hipótese 1: Imagine que, em janeiro de 2023, após um forte temporal, o escritório


ficou inundado em consequência de infiltrações de água de chuva pelo telhado. A
Sociedade notificou de imediato o empreiteiro exigindo-lhe que procedesse à reparação
do telhado no prazo máximo de 8 dias. António recusa, pois afirma não ter tido qualquer
responsabilidade pelo dano, já que este foi devido a um temporal. Quid iuris? 

Subhipótese 2: Considere que a Sociedade Veiga Beirão tinha contratado com António a
construção de um novo escritório, tendo em conta a expansão da firma. O terreno era
propriedade do dono da obra e os materiais foram fornecidos por António. Uns meses
após a aceitação e entrega da obra, a Sociedade apercebe-se que as paredes estão a
ganhar manchas de humidade. Logo de seguida, comunica ao empreiteiro que pretende
que o mesmo pinte as paredes novamente no prazo de 10 dias. António não manifesta
qualquer interesse em cumprir, pelo que a Sociedade estabelece o prazo adicional de 20
dias para que o empreiteiro cumpra o contrato devidamente. Perante a inércia do
empreiteiro, a Sociedade decide resolver o contrato. Após a resolução, quem é o
proprietário e qual é o destino dado à obra? 

O pagamento do preço é o principal dever do dono da obra. Há uma regra especifica referente
ao momento do pagamento do preço: art. 1211º nº2. Por força deste preceito, o preço deve ser
pago no ato de aceitação da obra. Caso as partes nada estipulem e à falta de usos, o preço apenas
é devido a partir do momento da aceitação da obra, sendo indiferente o momento de aquisição
de propriedade sobre os materiais (sendo que essa aquisição opera nos termos do art. 1212º).

Verificação, comunicação e aceitação da obra:


O dono da obra deve verificar a obra após a sua conclusão e antes do momento da aceitação,
devendo essa atuação comprovar se a obra se encontra de acordo com o plano convencionado e
sem vícios (art. 1218º nº1).
Para ocorrer esta verificação, o empreiteiro deve cumprir o seu dever de comunicar a conclusão
da obra, bem como de colocar à disposição deste a mesma (art. 1218º nº2).

É discutida a qualificação da posição jurídica do dono da obra quanto à verificação:

 Ónus material ou encargo, dado que o dono da obra pode escolher não realizar a
verificação (importando um conjunto de consequências potencialmente negativas). É
um dever de comportamento, funciona no interesse de outras pessoas, mas não pode ser
exigido por estas o seu cumprimento.

 Dever do dono da obra: Atendendo à letra do art. 1218º e no mesmo sentido podíamos
interpretar o nº2 do art. 1228º, pois se o dono da obra pode estar em mora quanto à
verificação, esse indicia a existência de um dever.

Quanto ao prazo para a verificação:


O primeiro critério será sempre o da vontade das partes e depois é que partimos para os usos –
art. 1218º nº2.

Quanto às despesas da verificação:


Art. 1218º nº3: A lei não regula expressamente os encargos de verificação que não seja feito por
peritos. Parece que nessa caso, correm por conta do empreiteiro, exceto se se tratar de uma
verificação com um elevado grau de complexidade ou duração, caso onde suportará esse
encargo o dono da obra.
Na ausência de critério, a Doutrina segue o critério da razoabilidade e da boa-fé: cabe ao
empreiteiro suportar os custos da verificação quando não seja realizada por perito, na medida
em que são acessórios face ao cumprimento do seu dever de entrega da obra.

Após a verificação, existe o dever segundo alguns ou o ónus material (seguida pelo prof.
Regente) de comunicar o respetivo resultado ao empreiteiro – art. 1218º nº4.
É um ato jurídico simples no qual se comunica a existência ou inexistência de vícios (aparentes)
ou a existência de desvios ao plano convencionado. Não carece de nenhuma forma legalmente
exigível, sendo um ato consensual nos termos do art. 219º.
O CC não refere expressamente o prazo de comunicação, mas parece ser de aplicar o critério do
art. 1218º nº2 para o prazo de verificação.
Se a comunicação for no sentido de a obra se encontrar de acordo com o plano convencionado e
sem vícios, ela conterá, tacitamente, a aceitação da obra sem reservas. Caso a obra tenha
defeitos, tem o significado de recuso da aceitação e denúncia de defeitos, ou quando muito, de
aceitação com reservas e denúncia de defeitos.

Nota: Na falta de verificação e comunicação, o silencia ganha um valor declarativo e vale como
aceitação – art. 1218º nº5. Na hipótese de existência de vícios aparentes na obra, o empreiteiro
exime-se da respetiva responsabilidade – art. 1219º nº1 – dado que a aceitação presuntiva do nº5
é uma aceitação sem reservas.
A ausência de verificação ou comunicação só valem como aceitação da obra depois de se fazer
funcionar o art. 808º, interpelando o dono da obra para cumprir o dever em falta, dando para
isso um prazo razoável, ou depois de o empreiteiro ter perdido o interesse no cumprimento.
Antes disso há apenas uma situação de mora, cujo único efeito é a inversão do risco, nos termos
do art. 1228º nº2.

Podemos ainda admitir a possibilidade do dono da obra fazer a denúncia de defeitos mesmo sem
ter realizado a verificação da obra. Pode ocorrer quando o dono da obra detete defeitos no
exercício de fiscalização da obra, ou devido ao facto do próprio empreiteiro confessar a existe
cia de algum defeito. A situação visada no art. 1218º nº5 é aquela em que o dono da obra
simplesmente nada fez.

Feita a verificação e transmitido o seu resultado ao empreiteiro, o dono da obra deve ainda
proceder à respetiva aceitação, quando a obra se encontre de acordo com o plano convencionado
e sem vícios.
Apesar de serem atos autónomos, a verificação, comunicação e aceitação da obra estão
mediante uma relação incindível, ou seja, há uma ligação entre estes atos diversos.

Efeitos da aceitação da obra:

 Transferência da propriedade nas situações do art. 1212º nº1 (empreitada de coisa


móvel com materiais fornecidos pelo empreiteiro).
 Transferência do risco, nos termos do art. 1228º nº2.
 Irresponsabilidade do empreiteiro por vícios conhecidos do dono da obra e não
ressalvados e pelos vícios aparentes que se presumem conhecidos nos termos do art.
1219º nº1 e 2.
 Aceitação com reservas: Inicia o prazo de garantia legal ou convencional sobre os
defeitos ressalvados nos termos do art. 1224º nº1.
 Vencimento da obrigação de pagamento do preço – art. 1211º nº2.

Distinção de aceitação com e sem reserva:


A aceitação da obra pode não importar todos os efeitos acima referidos em sede de
responsabilidade do empreiteiro. A aceitação pode ser feita com ou sem reserva: art. 1219º 1
(sem reserva) e art. 1224º nº1 (com reserva). A aceitação da obra com reserva ocorre quando a
obra tem defeitos, mas o dono da obra a aceita, declarando não prescindir dos direitos que lhe
assistem. A reserva é feita de forma pouco afirmativa, sendo que aqui também vigora o princípio
da liberdade declarativa: as reservas podem ser efetuadas expressa ou tacitamente nos termos do
art. 217º.
A aceitação sem reserva ocorre se o dono da obra a aceitar, simplesmente, sem menção a
quaisquer defeitos que tenha encontrado: nesse caso, se a obra apresentar defeitos conhecidos
do dono da obra, considera-se que a aceitação sem reservas exonera o empreiteiro da
responsabilidade por esses defeitos – art. 1219º nº1.
Existindo uma aceitação sem reservas, presumem-se conhecidos os defeitos aparentes – art.
1219º nº1, sendo uma presunção inilidível, nos termos do art. 350º nº2. Ao dono da obra seria
possível privar não serem, apesar de aparentes os defeitos suscetíveis de conhecimento. Não
obstante, podemos questionar se é possível ao dono da obra elidir a presunção na hipótese de
não ter existindo verificação e de a obra se considerar presuntivamente aceite (art. 1218º nº5).
Não tendo existindo verificação, mas havendo defeitos aparentes, não se vê facilmente como
poderá o dono provar desconhecer, sem culpa, os defeitos aparentes. O objetivo do art. 1218º
nº5 é imputar uma consequência negativa ao dono da obra por não ter realizado a verificação da
mesma: aceitação da obra sem reservas, tal e qual como ela se encontrava, ou seja, mesmo com
defeitos aparentes.

A aceitação não está sujeita a forma especial, regente a liberdade de forma – art. 219º.
Também nada impõe o dever de aceitação ser expressa, podendo resultar de comportamento do
dono da obra sem outro sentido possível ou razoável (pagamento do preço não acompanhado de
qualquer outra declaração).

DEFEITOS BLA BLA BLA


Na eventualidade de dolo do empreiteiro na ocultação de um defeito da obra, suscita-se o
problema de saber até quando o dono da obra pode invocar os seus direitos. Não se aplica
nenhum prazo de denúncia, mas resta saber se o empreiteiro ainda é responsável perante o dono
da obra se este descobrir um efeito ocultado pelo empreiteiro depois de decorridos os prazos de
dois e cinco anos a partir da entrega da obra – art. 1224º e 1225º. Se sim, quais os prazos para
essa responsabilidade ser exigida?
Os direitos do dono da obra podem ser invocados mesmo após o decurso do prazo constante nos
artigos: o agente doloso não pode ser beneficiado. A partir do conhecimento dos defeitos, o
dono tem um prazo de 1 ano – art. 1224º nº1, sem sujeitação ao limite dos cinco anos – para
exercer judicialmente os seus direitos. Quem atua dolosamente não pode exigir da outra parte
uma atitude baseada na boa-fé subjetiva e ética – não havendo a equiparação entre o dever de
conhecimento e o conhecimento efetivo.

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