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Vocês podem sentir falta de algumas cenas mais detalhadas sobre Aaron,
ou desejar, sim, eu sei, mas terão mais cenas com ele no livro dos reis, então
mais cenas da época da origem dos lobos virão, não se preocupem.
Sofri para escrever este livro, realmente chorei bastante, porque a história
da Clere, mesmo sendo fantasia, é bem real no nosso dia a dia. Infelizmente.
Para salvar seu povo, ela tinha aceitado mover sua alcateia para Kimera,
um lugar mágico e seguro, onde viviam os antigos lobos.
Kleiri lutava bravamente com sua espada, matando cada humano que
aparecia na sua frente, com golpes fortes que lançavam ao chão o sangue dos
inimigos.
Sem conseguir reagir mais, sem forças, sentiu ser agarrada e arrastada.
Seu corpo ferido foi amarrado a um palanque de madeira e correntes
foram presas em seus braços, e estes, esticados para os lados. Ela gritou pela
dor e piscando, aturdida, viu tudo nublado.
Kleiri estava corroída de ódio e fúria, desesperada para tentar salvar seu
povo e pela arrogância do homem que os julgava tão levianamente, mas os
humanos sempre os perseguiram.
Kleiri olhou ao redor, rezando aos deuses que seu príncipe chegasse a
tempo e os libertasse. Que salvasse o que restava de sua pequena aldeia que
ardia em chamas, e então os soltados arrastaram mais lobos feridos, presos
nos fortes grilhões e os prenderam nas toras.
— Aaron! — gritou.
Ela ouviu os rosnados ferozes que retumbaram pela floresta em meios aos
gritos, espadas brandiram e o som do metal tilintando com eco encheram seus
ouvidos.
Ela sentiu o chão tremer, que pareciam batidas surdas. Lutando para não
perder os sentidos, com o gosto metálico do sangue em sua boca. Virou a
cabeça para o lado e viu homens com aqueles trajes dos normandos e aquele
homem que dizia que seu deus era o único deus e que eles eram demônios
que deveriam ser mandados para o inferno.
Ela não acreditava e nem sabia onde era o tal inferno, mas com certeza
não poderia ser pior do que estava vivendo naquele momento e sabia que os
deuses que acreditava a mandariam para Valhala onde esperaria por seu
príncipe.
Ele matava a todos, mas quando chegou até Kleiri, os olhos já quase não
o viam mais e suas pernas já não sustentavam seu corpo.
Mas a única coisa que ele viu em seus olhos foi o lindo amarelo, outrora
brilhantes, apagados, sem nenhum raio de sol e vida. Viu seu olhar
desesperado perdido no vazio e ele não podia fazer nada.
Aaron rosnou alto e uivou sua dor, que ecoou pelas montanhas entre
muitos cadáveres de lobos e humanos. Aaron chorou pela perda de sua amada
guerreira e companheira, e seus gritos? Bem... eles puderam ser ouvidos em
Kimera, na Terra e no universo dos deuses.
E ele chorou pelo vazio que viria pela frente, que seguiria seus dias
sozinho e frio, sem sua companheira de alma.
“A crueldade é um dos prazeres mais antigos da humanidade.”
(Friedrich Nietzsche)
A luta estava fora dos portões, pelo pátio e, temia, dentro do castelo.
Era imperativo que ele chegasse rápido ao castelo para averiguar a
segurança de sua família.
Rosnou, pegou o machado que estava preso nas suas costas em uma
bainha de couro, rosnou e atirou, ele girou várias vezes no ar e cravou no
peito de um dos soldados, que voou longe e caiu morto. Com sua espada,
cruzou e bloqueou o golpe de um dos romanos.
Ele havia saído com uma tropa de seus soldados para parar uma legião de
romanos que tentavam avançar depois das colinas do lado norte. Aaron não
permitiria que se aproximassem de seu território colocando-os em perigo.
Seu mundo deu um baque trágico e eles regressaram o mais rápido que
puderam, com o coração pesaroso pelos seus.
Quando ele viu chamas vindas de dentro do castelo, que era metade
madeira e metade pedras, pois ainda estavam o construindo, se transformou
na forma intermediária de seu lobo e rosnou alto em fúria, incentivando seus
lobos a acabarem com todos de uma vez por todas.
— Audrea! Igor!
Sentindo o peito oprimir ainda mais, ele encontrou a aia de Audrea caída
na escada, com a garganta cortada.
Ele sofreu por ela, pensando que estava muito apavorada com a guerra
que invadiu sua casa. Então, para seu horror, viu que Igor estava caído no
chão sobre uma poça de sangue, parecia que o corte fatal havia sido
deflagrado em seu pescoço. Estava com os olhos arregalados olhando o
vazio, aterrorizados.
— Não! Igor!
Aaron se transformou em humano novamente, correu até ele, ergueu sua
cabeça e rosnou alto e forte sua dor. Nunca sentiu tal dor semelhante a que
sentia ao ver seu primogênito assassinado.
Sua raiva reverberou e seu lobo conheceu a pura fúria e sede de sangue.
Ouvindo a respiração pesada de sua esposa, ele se virou e olhou para ela,
sabendo agora porque estava tão aterrorizada, olhava a seu filho morto pelos
humanos e ele não estava ali para protegê-los.
Ela não respondeu, arfava trêmula e Aaron olhou para ela, confuso.
— Audrea...
— O quê? Quem foi? Como eles entraram aqui? Mesmo com pouca
guarda, os humanos não conseguiriam entrar aqui!
— Fui... eu.
— O... o quê?
— Você transformou meu filho num monstro... eu disse que não queria
que ele fosse um lobo — disse com um ar insano.
Ele olhou para o seu filho, um rapaz tão bonito, forte e corajoso, no auge
de seus quinze anos, que tinha pedido a ele que o transformasse, pois queria
ser um lobo, que gostava do animal que seu pai tinha se tornado, assim como
seu tio e seus soldados. Ele honrava o seu sacrifício e sua luta.
Aaron trincou os dentes, porque não conseguia pensar em nada pior, não
conseguia suportar a dor que dilacerava seu coração.
A traição de sua esposa era uma trágica queda de seu espírito, de sua
honra, de seu amor e integridade. Nenhum rei poderia tomar aquilo de forma
boa ou compassiva.
Pior, um lobo.
Ele encostou a testa na de Igor e ressonou uma oração à Odin para que
recebesse seu bravo filho em Valhala, pois era forte e corajoso, ávido para
lutar e proteger seu reino, assim como seu pai. Beijou sua testa lentamente e
fungou para tentar suprimir as lágrimas que pareciam não obedecer aos seus
comandos de não caírem.
Cada lágrima derramada era uma onda de puro ódio que o tomava.
O líquido rubro pegajoso o deixou mais enjoado, mais irado e seu lobo
interior saltava tão furioso que podia ouvir os rosnados nos seus ouvidos.
Fechou os olhos por um minuto e se levantou, em toda sua estatura poderosa,
cerrou os punhos, lentamente, se virou e olhou para sua esposa, com os olhos
cintilando.
Audrea sabia seu destino, sabia que ele a mataria e vê-lo transformando-
se em sua besta era aterrorizante. Ela tinha medo e nojo dele.
E agora, toda a ira do monstro que somente o deixava mais alto, mais
forte, mais besta estava aflorando em vingança e dor.
— Ele não era mais meu filho, era uma besta, uma besta igual a você.
Você é o culpado pela morte dele, tudo é culpa sua.
— Não, você perdeu a sua quando aceitou a magia daquela bruxa maldita
e se transformou nisso. Você e aquela bruxa não me ouviram quando pedi
que não o transformasse, pois eu não queria meu marido virando um monstro,
mas me ouviram? Não. Você não era mais o príncipe com quem me casei.
Ela ficou calada e ele percebeu o que houve. Ele rosnou porque sua
esposa estava louca, claramente delirando, seus olhos estavam estalados e
estáticos, gaguejava.
— Você nunca me escuta, Aaron! Não eram meus inimigos, eram os seus,
mas disseram que poupariam as mulheres e crianças, eles disseram. Mas a
culpa é sua, deixou esses monstros viverem aqui, se transformou num, nosso
filho! Amaldiçoado! Você é um amaldiçoado! Eu livrei nosso filho de ser um
amaldiçoado!
Aaron não suportou mais segurar seu lobo dentro dele, era demais para
controlar. Sua ira estava solta. Ele queria sangue.
Rosnou em toda sua fúria, saltou pelo quarto, agarrou sua garganta e a
ergueu do chão, trombando-a contra a parede de madeira quebrando-a. Ela
somente gemeu pela dor, porque não conseguiu gritar ou falar nada, tentou
bater nele e tirar sua mão do pescoço, mas era inútil. Tentou esfaqueá-lo com
a faca que segurava, mas com um tapa dele, ela voou longe.
— Você que é uma mulher maldita! Como pode matar nosso filho? Como
pode? — gritou.
— Meu rei! — Rainar, seu guarda pessoal gritou da porta, aturdido com a
visão e sem entender o que estava acontecendo, mas Aaron parecia avesso
aos seus chamados, porque somente ouvia as palavras da mulher zunirem nos
seus ouvidos. — Aaron!
Aaron estava com tanto ódio por aquela mulher, tão fora da razão que
quase quebrou seu pescoço ou matou sufocada, mas, por fim, ouviu o pedido
do lobo.
O lobo era loiro, mantinha uma barba que era presa por um anel de ouro,
cabelos compridos quase até a cintura, com estreitas listas marrons e tranças
nas laterais. Sua espada estava ensanguentada e sua armadura de couro
trançado estava coberta de sangue.
Rainar era amigo de infância de Aaron e Kayli e foi o segundo lobo a ser
transformado. Quando Kayli partiu, ele ficou na Terra para proteger seu rei,
Aaron era seu melhor amigo e quem o rei depositava sua confiança.
Aaron queria matar Audrea, mas ao ouvir seu nome, teve um momento de
lucidez e rosnou novamente para ela, com aquele rosnar animalesco que seu
lobo traído ecoava no auge de sua fúria, com os olhos cintilando. Ela o
olhava com os olhos arregalados e viu a morte e ela não se importava.
— Ma... te-me...
— Hummm... A morte seria muito rápida para você. Não vou te matar,
sua louca, porque sua miséria acabaria, e não pretendo deixar que se safe pelo
que fez. Vou cuidar de você depois e não espere que eu seja misericordioso,
porque não serei. Se você acha que sou um monstro, vou te mostrar quão
monstro eu sou.
Ela arfou quase perdendo os sentidos e então ele rosnou e a jogou pelo
chão, fazendo-a tombar com toda força e rolar até os pés de Rainar.
— Prenda-a!
— O quê?
Ele saiu carregando Audrea, que gritava histérica e Aaron olhou seu filho,
escancarou a janela com a portinhola de madeira, arrebentando-a, deu uma
lufada de ar para seus pulmões e o cheiro da fumaça e sangue o deixou louco,
rosnou tão alto quanto pôde e depois uivou, lançando aos quatro ventos seu
pesar e sua dor e, na névoa da morte, sua fortaleza caiu em ruína.
Ele se julgou culpado por tê-la deixado sozinha, pensou que estariam
seguros e que ninguém ousaria lhe atacar e no mais, seus olheiros não haviam
avisado que tropas romanas estavam por perto vindo de outra direção.
Deveriam estar mortos ou fizeram parte da traição.
Seu povo estava morto, as casas estavam incendiadas e sua família estava
acabada e sua alma, bem, ela não existia mais, estava no limbo, sucumbida no
mar de tristeza e raiva.
Ele tinha dado a sua vida para salvar seu irmão Kayli e sua família, para
que pudessem estar juntos, mas agora tinha pagado o preço e perdeu a sua.
Era doloroso demais para capitular ou perdoar.
Kimera, 2 d.C.
Sua respiração estava pesada, cansada e triste. Sua mente estava tão
perdida na sua desolação e solidão, mesmo assim ouviu os passinhos mansos
de Yasmin que se aproximou dele.
Logicamente, que ele já se deu conta de que ela estava espiando-o, porque
adorava suas brincadeiras e tentar lhe dar sustos e como lobos também
sabiam que era quase impossível alguém se aproximar tanto sem ser
percebido, tanto pelo olfato aguçado como por sua audição.
Mas ele a deixou brincar e colocou um doce sorriso no rosto. Ela era uma
das poucas coisas que lhe dava alegria genuína nos últimos tempos.
Saltou diante dele, rosnou com a boca muito aberta e as mãozinhas com
os dedos dobrados como se fossem garras e ele arfou, riu e colocou a mão no
coração, fingindo estar assustado.
Ela riu e o olhou com aquele sorriso gigante, com os olhos brilhantes que
ele amava.
— Quando crescer mais, eu vou pedir para a mamãe para eu ser uma loba
também.
— Agora estou contente, pois minha princesa preferida está aqui para me
alegrar.
— Isso é verdade, mas se não fosse a única, ainda seria minha preferida.
Mas você deveria estar dormindo, está tarde.
— Deusas?
— Certo.
— Meu tio se sente sozinho e zangado e haverá muito tempo para que ela
chegue.
— Quem chegue?
— Sua companheira.
— Porque ela te traiu e foi muito má. Mas não é essa. É outra, uma boa.
— Eu ouvi.
— Ok, acredito que realmente ouviu, mas não haverá outra companheira.
— Não por um tempo, mas um dia ela virá e então salvará sua alma,
assim como o senhor vai salvá-la, porque ela estará triste também e é por isso
que existem as companheiras.
Aaron respirou fundo após ficar sem respirar por um momento, seu
coração realmente saiu do compasso.
— Isso foi sua mãe que lhe contou histórias para dormir, de princesas,
bruxas e castelos?
— Não, tio Aaron, os sussurros diziam que ela é única na vida do lobo,
que elas aparecem para fazer o lobo feliz, para seguir na sua vida, um amor
graaande assim. Uma companheira para cada lobo.
— Isso não é possível, porque não fomos criados pelos deuses, sua mãe
nos fez.
— Porque eu vi.
Ele não entendeu realmente suas palavras e ela parecia não dar real
importância, mas ele sabia que não tomaria outra esposa jamais.
Companheira de alma? Isso não seria verdade.
— Não vai poder fugir, tio, quando ela chegar, não vai conseguir fugir,
não.
— Vê?
— Oi, papai.
— Sim, que ele tem uma companheira de alma e ela tem os olhos cor de
ouro, igual seu anel.
O gigante sorriu, mas não disse nada, pegou a menina do colo de Aaron e
a colocou no chão.
— Muito interessante que disse que era um segredo e contou para mim.
— Quando ela chegar o senhor não vai mais ficar triste, vai sorrir de
novo.
Kayli queria repreendê-la, mas ele tinha tanta adoração pela sua filha que
rosnou, sorriu e a pegou no colo, abraçou-a forte e beijou sua bochecha,
depois a colocou no chão.
— Vamos, mocinha, vá para seu quarto antes que sua mãe descubra que
fugiu da cama.
Aaron seguiu o olhar de Kayli e sorriu com o pequeno sorriso que viu no
rosto do gigante. Ele era apaixonado por sua princesa.
Essas coisas amenizavam sua dor, porque pensava que seu sacrifício tinha
valido a pena.
Kayli sacudiu a cabeça, foi até o aparador e serviu duas canecas de vinho
e deu uma a Aaron.
— Sim, ela ama os lobos... Não foi sua culpa. Foi natural ter acatado o
pedido de seu filho. Você o queria como você, ao seu lado, e Audrea não
entendeu sua nobreza.
— Aquele lugar é meu lar. Aquele foi o legado que nosso pai nos deixou,
se abandonarmos, como eles sobreviverão, nosso castelo será saqueado por
invasores...
— Ele já foi saqueado, nosso povo está morto, os que restaram fugiram
para as florestas ou insistem em ficar lá nos escombros, mesmo com todos os
perigos, porque os romanos voltarão, e os que estão aqui precisam de nós.
Deixe nosso primo como nosso sucessor já que se negou a vir, para que cuide
dos lobos restantes. Não vale a pena sua vida, os romanos nunca irão parar
até ter matado a todos. Vai fazer o quê, viver escondido dos humanos? Ver o
que resta deles ser massacrado?
— Podemos combatê-los.
— Não podemos. Cada legião romana tem mais de cinco mil homens, nós
estamos em centenas. O fato de você ter dizimado suas legiões pequenas, não
quer dizer que fará novamente. Um guerreiro precisa saber a hora de recuar.
— Perderemos nosso reino.
— Ele já está perdido, nosso reino agora é aqui. Nosso povo está aqui. Eu
entendo sua convicção, eu também achei que sair de lá era uma fraqueza, mas
hoje vejo que não, são escolhas que tivemos que fazer e agora tem que fazer a
sua. Viver ou morrer. Nosso pai nos ensinou muitas coisas, inclusive saber a
hora de recuar, poupar nossas vidas e de nosso povo, ficar forte para lutar
novamente se for necessário. Já imaginou se eu não tivesse trazido a maioria
dos lobos para cá? Todos estariam mortos agora.
Aaron não disse seus sentimentos, mas Kayli, com o novo poder, leu sua
mente.
— Ela nos condenou pelo que nos tornamos. Audrea nunca aceitou nosso
lobo e... enlouqueceu, vi tanta loucura em seus olhos.
— Uma mãe que não aceitou o filho monstro que o pai criou. Seu filho
tinha orgulho de você, Aaron, ele escolheu e pediu que o transformasse. Sua
esposa foi fraca e não aceitou, não lhe tinha amor suficiente.
— Quão forte uma humana deveria ser para aceitar um ser como o nosso
que nos transformamos?
— Uma que não tem medo, uma que ame o lobo e queira dividir uma vida
ao lado dele, de coração. Somente uma pessoa com o coração puro pode amar
o desconhecido, o mágico. Talvez os deuses tenham realmente feito
companheiras para os lobos, lobas ou humanas.
Era algo bom demais para ser verdade e ele não estava acreditando que
algo tão bom estaria na sua vida.
Kimera, 1.813 d.C.
Átika havia conseguido fugir da prisão onde esteve presa por séculos e
havia roubado o pequeno Kalyan, o príncipe herdeiro de Kimera e os reis
estavam desesperados.
Mas a magia que a bruxa havia lançado com o sangue da criança não
poderia ser quebrada facilmente, a passagem já estava debilitada e agora
selada, não sabia por quanto tempo ficaria assim ou se Vanora um dia
conseguiria abri-la novamente.
Aaron estava com o coração partido e desesperado, não somente por isso,
o que já era demais para aguentar, mas por suas próprias esperanças se
partirem.
Ele foi até a janela, abriu e respirou uma lufada de ar gelado e tentou
controlar seu pânico.
— Por favor, precisa trazê-la de volta para mim, por favor! O que tenho
feito de errado para ser punido, o que eu fiz?
Ele rosnou e tomou coragem, não era um bebê para ficar chorando num
canto, trabalhou com afinco para transformar Kimera num lar e num reino
incrível que poria qualquer rei morto de inveja, não era mais rei, mas não se
importava, apenas precisava dela.
Então ele começou a lutar para conseguir que sua paz retornasse
novamente. Que amasse seu lobo e a força divina e mágica que tinha ganhado
e tivesse paciência para esperar.
Era filho de seu pai, protegido por Odin e ele era o que era.
E quando via Kayli, depois de todo sofrimento, pegar nos braços sua
pequena princesa de tranças que estava sempre com um sorriso no rosto,
sempre querendo pregar peças e tentar envolver todos em suas brincadeiras e
como o gigante feroz e animalesco aconchegava sua rainha bruxa, ele
pensava que seus sacrifícios havia valido a pena.
E ele desejava, um dia, poder ter uma família como aquela, que se amasse
e se entendesse. Que não traísse e assassinasse seus próprios filhos.
Em meio à sua bondade natural, sua força, sua ira e inteligência, ele
construiu um mundo, um novo homem, mais forte e sábio.
Na Terra, ele fora chamado de Aaron, O Implacável, mas em Kimera se
tornou Aaron O Pacificador. Mas poderia pacificar a si mesmo?
Ele estava nos banquetes e sorria, mas o sorriso era fraco, vazio e sem
alegria. Não havia nenhuma alegria na sua eterna espera.
E agora o que poderia lhe dar esperanças? Já não havia mais nenhuma
esperança, ou resquício de felicidade que pudesse impulsionar atos de
bravura ou rafasteleio das festas ou danças.
Clere rosnou e socou o saco de boxe e ele voou nas correntes que
tilintaram ruidosamente.
Ela respirou tentando controlar sua raiva e sua força, mas não funcionou,
bateu no saco de boxe, um golpe atrás do outro, o suor escorrendo pelo rosto
e corpo encharcando sua blusa de moletom preta e a calça legging, até se
irritar e socar forte fazendo-o arrebentar as costuras e a areia escorrer aos
seus pés.
— Merda!
Ele era muito alto, musculoso e seu braço e tórax direito inteiro tatuados
davam um ar mais selvagem. Sempre mantinha o cavanhaque bem aparado e
seu cabelo escuro e comprido um pouco ondulado estava solto, longo até o
meio das costas e molhados. Usava apenas uma calça de moletom azul-
marinho e estava sem camisa.
É, poderia dizer que era um lobo amedrontador e muito bonito, poderia
até dizer sexy como o diabo. Teria medo dele, se não soubesse que ele nunca
a machucaria.
— Olha, ela tem uma língua afiada. Não sabia que tinha uma, já que é
sempre tão calada. Não é meu clube e as fêmeas são bem-vindas. Pode treinar
aqui quando quiser.
— Verdade. Posso pegar outro saco? Acho que esse estava mal costurado.
Julian olhou o saco vazio, e o monte de areia no chão, estalou a língua nos
dentes e olhou seriamente para ela.
Por um instante, ela pensou que não trocaria o saco, e não gostou do jeito
que a olhava, parecia que queria ler sua mente, mas ela não permitia nunca
que alguém bisbilhotasse sua mente.
Ele deu um leve rosnado, soltou o saco das correntes e colocou outro.
— Obrigada.
— Onde aprendeu boxe? — ele perguntou.
— Internet.
Ele assentiu.
— Deve cuidar do seu cotovelo quando soca, se bater com força sem
posicionar o braço corretamente pode lesionar.
Ela o olhou aturdida pela lição e ficou mais aturdida quando ele sorriu no
canto da boca.
— Pensei que seu negócio era luta livre, soube que lutava... que Joan o
forçava a lutar.
Ele rosnou pela lembrança, queria poder ressuscitar Joan para poder matá-
lo ele mesmo.
— Parece divertido.
— Entendi.
— O jab começa com a palma da sua mão apontando para você, e então
seu braço rotaciona durante o golpe, e por fim o golpe atinge o oponente com
a palma da mão apontando para o chão. A rotação deve ser natural, deve
rotacionar o punho assim como seu braço. Para dar um soco com a mão
direita, posicione a perna esquerda à frente e a direita para trás, com os
joelhos ligeiramente flexionados. Relaxe o corpo. Quando o soco estiver
prestes a acertar o oponente, relaxe o corpo para encaixar o golpe e aumentar
sua força.
— Ok.
— Ok.
— Para um golpe mais forte, você deve movimentar seu corpo todo
para ter a força, o truque é focar em movimentá-lo totalmente em um
movimento, use suas pernas para impulsionar seu golpe e manter seu
equilíbrio.
— Ok.
Julian soltou seu braço e deu um passo se aproximando dela, o que a fez
olhá-lo nos olhos.
— O quê?
— Você tem cheiro de drogas.
— Não tenho.
— Acredite, tem. Talvez os outros não sintam, mas eu sinto, sou bem
familiarizado com elas. Não cheira como uma loba normal. Não devia mais
exalar cheiro das drogas dos laboratórios, todos já perderam seu cheiro.
Ela ficou sem jeito, correu até Julian, que gemeu no chão.
— E o aparelho.
— Só porque sou pequena e nova não quer dizer que sou uma fracote.
Ela estava gritando para ele parar. Só uma vez poderia ouvir seus rogos
e parar? Quando ele moveu rudemente entre as coxas, que eram contidas
contra a mesa de aço, ela chorou e chorou.
Mas a cabeça girava, parecia que seus pulsos sentiam ainda o constante
gelo do ferro que ele a prendia antes de violentá-la, ela nunca podia fugir ou
bater nele, mas lutava até seus pulsos sangrarem, mas drogada, era difícil.
Ela, ao fim, foi libertada, mas não o tinha pego, não tinha o matado. Ela
nem sabia se ele estava realmente morto, porque não viu seu cadáver. Os
lobos tinham matado todos na instalação, mas ela não tinha visto seu corpo
estripado. Depois podia ter morrido queimado e em pedaços quando
explodiram o prédio, onde não restaria nada nem para identificação. Os lobos
eram eficientes nisso.
Ela não sabia, e o não saber, a dúvida de que aquele verme ainda
respirava não a deixava esquecer dos seus olhos frios. Talvez só levasse mais
alguns anos e a imagem dele sumisse. Mas não era só ele, eram muitos,
muitos olhos frios, zombeteiros e maldosos que a perseguiam em seus
pesadelos.
Ela esticou os braços ao lado do corpo e suas garras feriram suas mãos ao
apertá-las em punho, o sangue pingando no piso e dissolvendo-se pela água.
Tinha ido ao clube ver se alguns exercícios ajudariam, pois a calmaria não
estava mais funcionando, não conseguia mais meditar, porque sua mente
estava correndo e não permitia se focar e acalmar, ouvir música clássica
estava a irritando mesmo que a amasse, ser boazinha e agradável o tempo
todo estava a deixando louca.
Então tentou algo mais agressivo para ver se seu estresse ia embora, mas
pareceu não dar muito certo.
Clere riu quando fez os macaquinhos de plástico voarem pelo quarto com
seus paraquedas e Lucian corria e saltitava atrás deles tentando pegá-los, ria
abertamente e batia palmas quando conseguia, como se fosse o melhor feito
do mundo.
Ela sorriu cheia de amor ao ver Lucian juntar seus brinquedos do tapete e
os levar ao baú.
— Hummm... Hummm...
— Oh, meu reizinho. Você está com soninho? Está na hora de um
cochilo.
Ele foi até ela e ficou a olhando segurando seu rosto com as mãozinhas e
chupava o bico e fazia um barulhinho. Ela amava quando ele fazia isso
quando estava com sono.
— Você é o bebê mais lindo e maravilhoso que jamais vi, Lucian, espero
que a vida seja sempre boa para você. Se depender de seu papai e sua mamãe
será, porque eles te amam muito e farão de tudo para te proteger, pena que
ninguém conseguiu me proteger.
Ele continuou a olhando com seus incríveis olhos azuis claros como o céu
em dia de sol, que ela tanto amava.
— Que milagre, seus braços parecem ter sonífero, precisa me ensinar essa
mágica.
Clere sorriu.
Ela foi até cômoda e pegou vários livros e elas saíram para o quarto de
Ester para não fazer barulho e acordar Lucian.
— Já o fiz.
— Sim. Eu os decorei.
— Sim.
— Sim.
— E estes dois?
— Já os li.
— Nos laboratórios.
— Merda.
— E quais mais?
— Sim, senhora.
— Como assim, longe dos outros lobos? Noah me contou que numa
mesma sala havia mais de uma jaula.
— A minha não.
— Experimentos.
Mas Ester sabia que havia muita coisa escondida em seu interior e seu
coração.
— Sabe, ouvi uns rumores de que andou havendo algumas lutas
interessantes no clube.
Ester riu.
— Nada passa despercebido nessa ilha, querida, é assim que uma alcateia
funciona.
— Ótimo... mas derrubar Julian acredito que tenha sido bem divertido.
Clere sorriu.
— O fato de eu ser pequena, não quer dizer que seja assim fraca. Eles me
tratam como um bebê.
Ester sorriu.
— Isso é maravilhoso e... — disse girando a mão para que ela continuasse
a falar.
— Sei lutar alguns golpes de artes marciais, macdrava, karatê e boxe. Sei
muito sobre medicina e o nome de todos os órgãos e tendões, músculos, veias
e tudo o mais, tem muitas aulas de tudo na internet. Filmes do Van Damme
também ensinam muito.
— Clere... Se você é assim tão inteligente e sabe tantas coisas, por que
fica às margens da alcateia? Por que fica somente cuidando dos bebês? Por
que estava ocultando suas habilidades? Isso é incrível!
— Eu não sei.
— Sim, há. Mas não é nada importante, talvez porque eu não queria
chamar atenção sobre mim. Acredito que tive toda a atenção para o resto de
minha vida naqueles malditos laboratórios.
— Ok, tudo bem, eu respeito isso, e acho incrível. Os dons são seus, pode
usar como quiser.
— Sim, é maravilhoso.
Clere sorriu lindamente o que a fez sorrir. Ela foi até Clere e acariciou seu
cabelo delicadamente.
— Tem que travar essa batalha e vencer. Deve ter orgulho do que sabe, de
seu conhecimento e de quem você é. Ser uma loba é maravilhoso, deve ter
orgulho de quem você é.
— Ser uma loba não era bom nos laboratórios. Os humanos nos
depreciavam, nos odiavam.
Baixa estima era uma coisa bem em alta nos lobos após aquela merda
toda.
— Talvez eu não entenda porque não vivi o que você e os outros viveram,
mas quero entender. Talvez eu nunca consiga compreender a extensão do
dano causado a você, mas, por favor, não faça isso, não se deprecie ou pense
que é um ser inferior. Confie em mim, daremos um jeito em tudo, eu
prometo. Tudo vai ficar bem. Os momentos fazem parte de nossa vida. O
passado, se deixarmos, consumirá nosso presente e não teremos um futuro. E
o futuro, é o resultado do que fazemos hoje, nossa felicidade nem sempre está
em nossas mãos como os lobos descobriram, mas depende de nós o que
fazemos com nossas lembranças, com o que a vida no dá, ou as mandamos
para baixo e ficamos lá com elas ou as deixamos lá, levantamos e
reconstruímos tudo. O futuro está em nossas mãos, pelo menos a maior parte
dele.
— Eu não tenho memórias boas que queira lembrar, mas não sei como
posso deixá-las lá embaixo.
— Olhe ao seu redor e veja quão bonito está o mundo que vive agora.
Sim, Clere estava vendo tudo cinza. O céu não parecia tão azul, o sol não
parecia tão quente, o cheiro do mato parecia inodoro. Não estava vendo
beleza em nada. Só parecia que o mundo a engoliria.
— Eu vou.
— Você não é mais forte pelo que você sofreu, e sim pela maneira que
quer continuar vivendo. Precisa encontrar a sua essência que ficou perdida lá
no fundo e fazer dela seu rumo. O que era seu sonho, sua vontade e sua força
original. Encontrar sua loba. Ela é forte e você precisa dela. Você é forte.
— “Se resistir, sempre será pior, e mais dor sentirá. Aceite seu destino,
Clere, você nos pertence. Seu futuro nos pertence”.
— A senhora é uma boa alfa, que os deuses sempre a protejam. Devo ir.
— Oh, passe na cozinha, Dada lhe preparou uns doces deliciosos.
— Clere?
— Um dia de cada vez, estarei aqui para ajudar, sempre. Você vai
conseguir superar tudo isso.
Maldição! Tinha que fechar a boca. Mas seu tempo estava acabando, e
não sabia como se salvar. E contar aos alfas somente a levaria à morte.
Isso lhe deu medo. Não, contar a verdade não era uma opção.
— Eu consigo... Eu consigo.
Clere não tinha certeza disso, mas foi para a cozinha com o coração
pesado. Quando entrou sorriu pelo cheiro gostoso no ar e olhou a doce
senhora que tirava uma forma do forno.
— Oi, Dada.
— Bem, e a senhora?
— Eu estou bem, mas o seu bem saiu muito xoxo, acredito que uma
xícara de chocolate quente e esses biscoitos de chocolate, uma receita nova
que testei, lhe tirarão de todo o tédio.
— Seu Kiki comerá isso tudo de uma vez e sim, seus bebês são a coisa
mais amada desse mundo.
— Maravilha!
— Dada, quando esteve sozinha na rua pensou que seria seu fim assim?
Teve esperança que um Dr. Herbert a salvaria?
— Não tive esperança de muita coisa, naquela época. Sentia muita
tristeza. Achei que morreria lá, sozinha num beco frio e escuro. Mas, assim
como há pessoas ruins que nos deixam desconfortáveis e sozinhas, nos
deixam mal, há seres de imensa luz e de coração bom que nos enchem de
amor e paz. Precisa ficar perto de pessoas assim, para te ajudar.
— Entendo.
— Pode achar que não merece as pessoas boas, minha menina, mas
acredite, você merece o melhor deles, e ele virá, sei disso.
— Um companheiro.
Clere riu.
— Bela história.
— Vou orar todos os dias para isso. Terá a sua, juro pelos anjinhos do
céu.
— Eu te amo, Dada.
— Eu também, querida.
Clere foi até ela beijou sua bochecha e foi para casa.
— Conto de fadas, uma besteira, eu estou mais para o dragão que cospe
fogo — sussurrou para si mesma. — Todos odeiam dragões.
Laboratório C-12, subúrbio de Berlim, Alemanha.
Ela quase tinha tido êxito se as malditas salas frias e duras não estivessem
cheias de canais de gazes tranquilizantes para derrubar um elefante, que era
acionado sempre que ela tinha êxito de se livrar das correntes ou entortar as
grossas grades de ferro de suas múltiplas celas.
Clere estava em pé, com os braços estirados para os lados, com grossos
braceletes de ferro ao redor dos punhos e tornozelos, uma coleira no pescoço
e as correntes eram muito grossas que prendiam os grilhões até a parede.
Aos dezesseis anos, ela estava forte, mas não o suficiente para rompê-las,
não que não tivesse feito antes, mas os cientistas tinham se aprimorado para
conter sua loba. E ainda ficava dentro de uma gaiola de ferro muito forte, que
era impossível rompê-la.
O que estava se tornando um hábito, pois nas suas contas, já tinha passado
a linha da morte por quatro vezes e os bastardos sempre conseguiam trazê-la
de volta e a colocavam num lugar mais difícil de escapar.
Os choques elétricos eram tão fortes agora, que poderiam fritar seu
cérebro e podia jurar que algo dentro dela havia arrebentado, porque a dor era
insuportável.
— Eu não quero mais isso, precisa parar! Você não sabe o que está
fazendo! — ela disse entredentes, seu corpo estava molhado de suor, os
músculos tensos e os nervos contraídos e doíam como se estivesse estirada,
prestes a arrebentar.
— É claro que eu sei o que estou fazendo e você deveria ser grata.
— Uma perfeição, Clere, queremos que sua loba seja a perfeição entre os
lobos.
Clere rosnou com toda fúria e a ira era tanta que sua cabeça queimava e
doía.
— Estou falando sério, Clere, se matar mais um dos meus guardas nas
suas súbitas crises de raiva, eu juro a você que vou estripar Naya e depois
Shay na sua frente.
— Não.
Outra descarga elétrica foi ativada e a sacudiu nas correntes. Ela tremeu,
gemeu e gritou pela dor. A sensação era de ter todos os seus nervos
arrancados de seu corpo. Ela trincou seus dentes para se segurar, e quando a
corrente elétrica parou ela tombou, ficando suspensa pelas correntes nos
pulsos, como se estivesse crucificada numa cruz.
Não faria o que ele queria, nem que a matassem de novo, pelo menos
tentaria evitar ao máximo.
Segurar a loba dentro dela para que não a usassem era quase uma missão
impossível, pois vivia zangada. Por mais que tentasse forçar sua mente a ser
tranquila, sua loba queria matar.
Era como fazer um leão faminto negar comer um suculento filé na sua
frente.
— Sabe o que eu quero que faça com seu tempo, Dr. Hertz? — indagou
entredentes, respirando com dificuldade, seus olhos amarelos brilhavam
como ouro, e eram realmente esplêndidos.
— Não seja desbocada, menina, já não te ensinei a ter respeito pelos mais
velhos?
Ela o olhou e seus olhos amarelos cintilaram de ódio. Ela o odiava tanto,
sentiu vontade de vomitar somente ao olhá-lo.
— Clere, solte sua loba, precisamos saber qual foi a evolução desde a
última vez da sessão de injeções.
Ela gritou pela dor e as garras de suas mãos cresceram, suas presas
alongaram e seus olhos cintilaram mais.
Eles tinham quebrado seu coração, sua vida, sua alma e tinham
conseguido quebrar sua loba.
Clere rosnou alto pela dor, pela fúria de sua loba, então, puxou as
correntes arrancando os grilhões presos na parede fazendo o concreto
despedaçar e não conseguiu mais segurar sua fera interior, não a que ela
amava, aquela que eles criaram.
Ilha dos Lobos, Grécia.
— Boa noite, filha, trouxe chá e torradas. Você não jantou de novo, mas
precisa comer alguma coisa.
— Só umas torradinhas.
Sua mãe não era mais a mesma, parecia envelhecida, cansada e triste, mas
era carinhosa e com aquele olhar de preocupação e pena.
— Estava preocupada com você, pois tem virado as noites sem dormir.
Eu te escuto rondando pela casa.
— Te vi chorando estes dias, depois que voltou de Atenas e que foi tirar
os documentos para poder dirigir. O que houve, não conseguiu passar?
— É... que vocês foram muito longe da outra vez, ele ficou preocupado.
— E o Sr. Papolus?
Sua mãe ficou calada e Clere franziu o cenho a olhando, sabendo que
havia algo errado, franziu o lábio, o que mostrava que estava com raiva.
— A senhora pediu para o alfa para não me deixar sair, sabendo que eu
não poderia desobedecê-lo.
Clere fechou os olhos e respirou fundo para não rosnar, uivar de raiva.
— Não acho que deveria sair da ilha, deveria ver suas coisas aí no
computador. E não deve chamar o beta Nico Papolus de Harley, deve chamá-
lo de beta ou Sr. Papolus. Já percebi como seus olhos brilham quando o vê,
pode tirar estes pensamentos da cabeça, Clere, ele tem companheira.
— Claro, mãe, o Sr. Nico Papolus, beta de Alamus. E eu sei que ele tem
companheira, imagina se eu poderia sequer pensar que um lobo como aquele
olharia para mim.
Claro, e nem era difícil, eles já deviam achá-la louca quando se vestia de
gótica e fazia as maquiagens negras, toda semana com uma cor diferente de
cabelo. Sua mãe tinha ficado horrorizada.
Clere apertou a xícara com a bebida, que quase a fez explodir em suas
mãos.
Mas todos tinham razão, não era seguro ela estar lá fora no meio dos
humanos e nem queria ser tocada por ninguém, tinha querido por Harley, no
entanto...
Sim, ela tinha deixado de ser uma menina aos dez anos de idade quando a
jogaram numa jaula, quando a estupraram e lhe injetaram drogas nas veias.
— Ok.
Clere suspirou e olhou para a sua mãe. Lana também tinha suas próprias
dores para carregar, tinha perdido o companheiro e por dez anos havia
pensado que ela estava morta. Ela não queria que sofresse mais.
— Não.
— Eu sei e eu a amo por isso e nem sabe como me ajudou chegar aqui e
vê-la, ter seu abraço, seu amor. E quando pude sentir seu cheiro, metade de
mim se calou, o calor em seu abraço e suas palavras me ajudaram a amenizar
meus tormentos. Seu amor me segurou mãe, mas, às vezes, me sinto muito
presa aqui.
Clere foi até ela e a abraçou forte, suspirou ao sentir seu abraço quente e
reconfortante.
— Boa noite.
Clere olhou para o chá e as lágrimas rolaram de seus olhos, porque ela
não tinha mais forças para segurá-las, ela já não conseguia aguentar aquela
bola entalada na garganta, e que a escuridão a envolvesse em um grande
buraco negro.
Seu mal-estar a estava matando, sua cabeça e seu corpo pesavam e doíam.
Sua alma pesava. Já tinha tomado uma quantidade de remédios que a alfa lhe
deu e não haviam adiantado.
A noite estava fria e havia muitas nuvens e a brisa parecia cortar seus
pulmões, mas não tinha nenhuma chance de refrescar sua cabeça. A neve já
havia derretido pelo fim do inverno e ela a achava tão bonita, tão pura.
Harley riu e correu até ela que estava sobre a moto e havia feito uma
curva em alta velocidade e ele gritou pensando que ela tombaria, mas não,
ela fez a curva, escorou a perna no chão e valentemente segurou a moto.
Ela era boa e radical com ela.
— Eu disse que consigo com elas, você que tem medo que eu sofra um
arranhão e minha mãe chute seu traseiro.
O gesto foi demais, e foi o impulso que Clere teve para se declarar para
ele.
A princípio, Harley não atinou o que ela faria, mas antes que Clere o
beijasse, ele piscou aturdido e se afastou, interrompendo o quase beijo.
— Clere...
— Só um beijo, Harley.
— Eu gosto, mas não assim, está confundindo as coisas, Clere. Você não
é a garota para mim.
Nossa, ela sentiu o baque bem na cara, seu coração partiu e ela viu a
realidade, os sonhos de que ele gostava dela como mulher não era verdade,
os sentimentos eram só dela.
Harley estava chocado a olhando, com aquele cabelo comprido até a
cintura com a barba longa, olheiras, ela percebeu que ele também estava no
inferno.
Ele estava diferente e ela nem tinha se dado conta de que não era por
causa dela. O mundo não a incluía e ela não sabia como fazer parte dele e
nem da vida de alguém. A dor foi cruel em seu coração.
— Desculpe, eu não quis ser rude, só que não posso transformar nossa
amizade num romance.
— Acha que não sou digna de ser uma companheira a sua altura?
— Não é nada disso. Eu queria... queria ser a pessoa que te daria amor,
segurança, uma família, mas não sou. Se eu aceitasse te dar o que você quer,
eu estaria mentindo e não seria justo com você.
— Clere, perdoe-me se fiz algo que te deu a entender que eu tinha mais
do que amizade para te dar. Precisa de alguém que possa amá-la como
merece.
— Sei que sou nova e inexperiente, mas podemos dar uma chance.
— Desculpe, mas não posso, amo outra pessoa e não posso fingir que
não.
Aturdido, Harley virou as costas e saiu e ela ficou ali, boquiaberta e
perdida, com o coração partido.
Então a melancolia tinha tomado conta dela e seu muro protetor que tinha
construído duramente tinha ruído, a onda de dor que atingiu seu coração foi
devastadora, porque serviu de gatilho para quebrar as defesas de Clere.
Tinha sido tão forte depois de ser libertada de seu inferno, mas as
memórias estavam a chicoteando, impiedosas, e ela não conseguia mais
afastá-las.
Clere não queria dormir para não sonhar, tentava fortemente empurrar as
lembranças fora para não reviver seu inferno, mas nada mais funcionava.
Ela tinha saído da jaula, mas continuava presa no passado, na vida que
não tinha, presa por achar que estava sendo um estorvo para todos.
Mortificada porque ela não era digna dele nem de ninguém.
Ela só era uma criança desesperada. Uma menina que perdeu sua
inocência, sua infância e juventude e não conhecia alegria ou amor, não
conhecia carinho ou compaixão.
Mal sabiam eles que ela já estava em mil pedaços, tão pequenos que não
sabia consertar.
Ser rejeitada doía como o inferno, ser tratada como um animal nojento
machucava.
Se sua mãe descobrisse o que estava acontecendo ficaria louca, então não
havia motivo para contar e dar mais um motivo para os lobos surtarem ao seu
redor.
Ela fechou os olhos e queria que o frio congelasse seu cérebro, quem sabe
assim os pensamentos congelariam e parariam de atormentá-la.
Estava com o cabelo curto, irregular, com fios mais longos na frente com
largas mechas azuis, um corte moderno que tinha feito no salão em Atenas.
Depois daquilo tinha saído poucas vezes e não ia muito longe da casa da
marina. E ela o mantinha curto, com uma tesoura, ela mesma, mas amava os
cabelos compridos dos lobos, porque eram lindos e fascinantes, fortes e
brilhantes como verniz com seus tons multicoloridos.
Ela deu uma leve risada, triste, porque repetia isso toda noite, mas a
esperança não estava mais ali e os dias estavam pesados demais, demorados
demais para passar, cinza, tudo estava cinza.
A única coisa que ainda a segurava era cuidar de Lucian e Lili, às vezes
cuidava dos filhos gêmeos de Kirian, porque os bebês eram a inocência que
ela não tinha. Eles a amavam, pura e simplesmente. Ela sentia alegria, porque
eram anjinhos lindos e amorosos. Lobinhos que não conheciam a negritude
do mundo, a maldade dos humanos, a sede nem a fome, a dor e o que era ser
insultado, ter seus ossos quebrados ou ser estuprada por um ou mais homens
nojentos.
Respirou fundo para tomar mais ar puro com cheiro de maresia misturada
com a madeira das árvores. Queria se transformar em loba e correr. Brincar
como os outros lobos faziam. Lobos gostavam de se divertir e correr, mas ela
não podia. Ela não podia mais ser uma loba igual aos outros e isso doía como
o inferno.
No outro dia faria o mesmo de sempre, na frente dos outros ela seria a
meiga e sociável, mesmo não puxando muita conversa.
Precisava de vida, de amor e respeito, de algo que ela não conhecia, algo
que poderia salvá-la de sua miséria.
O vento bateu nas árvores e ela as olhou, havia algo pelo ar, o mundo
oculto estava trabalhando e sussurrando, algo iria acontecer, mas ela não
conseguia ouvir, porque os seus gritos de dor e pedidos de ajuda e
xingamentos lascivos e depreciativos que recebia nos laboratórios estavam
mais altos que tudo.
Ela esfregou os braços, porque sentia sempre que sua pele estava
pinicando como ferroadas de abelhas, milhares delas.
Não era mais uma loba daquela alcateia, não era mais a Clere. E ela não
sabia mais o que era e não ter uma identidade formada, não poder ser mais
uma loba e correr livre era como a morte.
Pensou que, quando foi liberta estaria bem e salva, que tudo ficaria bem,
mas estava enganada, pois não podia contar a verdade, o alfa a expulsaria,
seria uma pária, isso se não a matassem.
Mas ele estava somente sendo amigável e cavalheiro. O que ela sentia era
somente seu organismo desregulado em ebulição.
A primeira vez que o viu foi chocante, o que quase tinha a levado à morte.
Ele era grande, mas ela daria conta e sem medo lutou bravamente. Clere
rosnou e bateu golpeando o lobo no estômago, que caiu aturdido e sem ar,
então ele se levantou e saltou. Clere agarrou o lobo no ar, girou-o e golpeou
o chão com ele com tanta força que o lobo esmoreceu. Ela cravou as garras
em seu peito e ele urrou pela dor e a empurrou longe, mas o lobo estava
muito ferido.
Então, ela sentiu uma vibração forte tomar seu organismo, como se todos
os pelos de seu corpo estivessem eriçados. O cheiro forte e másculo invadiu
suas narinas a desestabilizando e sua mente ficou embaralhada.
Ela se virou e suas vistas embaçaram, o viu vindo em sua direção entre
as árvores, como um deus poderoso, como um guerreiro dos filmes de
Hollywood. Andava rapidamente, passos largos e poderosos, mas parecia
que andava em câmera lenta na sua mente.
Ela não soube explicar a dor e euforia que seu coração foi tomado,
alguma coisa embolou no seu estômago causando um gelo ali.
Ele falou uma língua que ela não entendeu, a pegou no colo e ela
desmaiou.
Quando acordou na clínica da alfa, ela soube que ele não era uma
alucinação. Era o príncipe de Kimera.
— Alteza? O que faz aqui? — perguntou baixo para sua mãe não a
escutar.
Ela titubeou se ia ao seu encontro ou não, era tarde, mas seu coração
estava disparado e uma ansiedade a atingiu. Ponderou se devia ou não. Ela
sorriu e assentiu e ele a brindou com um lindo sorriso.
Foi até a cama, pegou uma manta e pôs nos ombros, sentou-se na janela,
virou e saltou para o andar de baixo. Parou na frente dele e ficaram se
olhando por um minuto.
— Olá, senhorita.
Ele estendeu a mão para que ela a tomasse, mas ela não fez e ele suspirou.
Ele sorriu.
— É que é uma roupa de dormir, não é apropriado sair na rua com ele.
Ele deslizou o olhar pelo seu corpo, observando sua camisa de mangas
compridas e sua calça um pouco larga e em seus pés usava um chinelo com
uma pluminha rosa.
Era estranha, mas ele a achou bonita e sexy. Ele subiu o olhar lentamente
e, quando seu olhar se encontrou com o dela novamente, ela estava com as
bochechas vermelhas.
— Usamos roupas, pois Vanora usa um feitiço em nós, então temos esse
costume, mas nos acostumamos a ficar sem roupa sem vergonha, não é um
problema, mas geralmente dentro do castelo ninguém fica nu na frente dos
reis. Por algum motivo, Vanora não ficava confortável, porque ela demorou
um pouco de tempo para ser transformada. Por isso fez o feitiço e depois nos
acostumamos, mas sabemos que os lobos na Terra não usam roupas, não me
incomoda.
— Preciso aprender sobre suas roupas, mudou muito desde que estive
aqui na última vez.
Sim, ele tinha vindo à Terra procurá-la, mas ela não estava.
Ela riu.
Ele assentiu e eles andaram até o clube e ela tinha sorte que as portas não
eram trancadas, afinal, quem assaltaria o clube?
Ela deu a caneca a ele, que bebeu e lambeu os lábios, ele fez aquilo
devagar olhando para ela que a desconcertou. Ele estava saboreando o
chocolate como nunca, jamais imaginou ver alguém saborear, sua boca
salivou e ela ficou com vontade de beber ou beijar seus lábios doces.
Aaron riu com vontade, o que a fez rir, ele tinha esse efeito nela, ela tinha
vontade de sorrir. Ele milagrosamente abrandava sua dor no corpo e sua
tristeza. Era algo natural e tinha percebido isso das outras vezes que o viu e
agora novamente.
— Eu estou bem, só um pouco enjoada, então por isso não vou beber o
chocolate porque é doce, mas logo passa.
— Não sei, foi um ataque que tive, pois minha cama estava... eu estava
sem sono, só quis dizer olá.
— Gostaria de ir ao terraço?
Ele assentiu e eles foram até lá e ela suspirou ao ver as nuvens abrirem
um bocado e a lua aparecer. Escoraram-se no balaústre e ficaram olhando a
paisagem.
— É bonito aqui.
— Não me canso de olhar o céu e o mar, o bosque. Deve ser lindo lá.
— Os lobos apreciam muito. Gostaria que eu a levasse em Kimera algum
dia desses?
— Oh, eu adoraria!
Clere engoliu em seco, deu um passo atrás, mas não conseguiu se afastar
mais, havia algo estranho demais nele, era tão familiar.
— Lembro?
— Sim — sussurrou.
Ele ergueu a mão para tocar seu rosto, mas ela deu um passo atrás e ele
parou.
Ela piscou aturdida e não soube o que dizer, mas suas palavras a
comoveram.
Ele colocou uma mão para trás das costas e estendeu a outra e ficou a
olhando. Clere olhou para a mão e não sabia o que fazer, pacientemente ele
esperou.
Aquilo parecia uma batalha, mas lentamente ela colocou sua mão na dele
e o calor a tomando foi arrebatador, um encaixe lento, forte e poderoso, fácil
e perfeito, ele acariciou o dorso da mão com o polegar então a trouxe para
seus lábios e lentamente beijou seus dedos.
Então olhou para a sua mão que parecia formigar, tocou com a ponta dos
dedos onde a beijou, seu coração estava pulando forte no peito e ela não
entendeu nada dos sentimentos que a atingiram.
Ela respirou fundo, entrou, lavou a xícara, guardou as coisas e voltou para
casa, saltou para a janela do segundo andar e foi se deitar com as luzes
acesas, mas demorou a pegar no sono, e, sem perceber, ela abraçou a mão
contra o coração como se sua mão beijada fosse preciosa.
Mal sabia que agora a dor instalada em seu coração era uma dor de
saudade.
Gália, ano 2 d.C.
Seus cabelos estavam trançados rentes à cabeça e presos para trás e com a
barba um pouco longa. Tinha traços de pintura negra no rosto feita de óleo
com pó de carvão, de um rito de guerra, e seus olhos, bem, com seu verde
magnifico de lobo, mas revestido de ódio e desejo de vingança.
Eles estavam no topo da colina observando o acampamento dos romanos,
a noite estava escura e sem lua, pois eram as trevas que ele queria trazer esta
noite.
— Eles são muitos, alfa, mas menos do que suas legiões normais, a
divisão que eles fizeram, uma para nos atacar no Norte e a outra para invadir
o reino os deixaram enfraquecidos agora — disse Rainar.
— Sim, muitos foram mortos pelos nossos lobos e o resto sucumbirá essa
noite. Não sobrará nada.
— Os romanos enviarão outras tropas. Roma não vai parar até tomar toda
a Gália e voltarão atrás de nós quando souberem que matamos todos.
— Sim, o farão, e lutaremos hoje até a morte, não viverá nem um único
maldito. E os outros que virão.
— Esses damos conta, mas os outros, não podemos vencê-los, não agora
que estamos debilitados.
Somente sua espada pesava cinco quilos, mas como a força de um lobo
era superior aos humanos, podia segurá-la com uma mão, e ele tinha a
destreza insuperável.
Ele tinha feito o que ele achava que tinha de ser feito para salvar os seus,
e agora, e agora iria vingá-los.
Ele uivou para seus lobos e guerreiros avisando para suas tropas se
aproximarem. Estavam em um número reduzido bem considerável. Seria
suicídio se somente fossem guerreiros normais, mas não eram.
Eles não tinham medo de morrer, de lutar até a morte, eram guerreiros e
medo não os acompanhava nas batalhas. Acreditavam que morrendo em
batalha, iam diretamente ao Valhala, com honra.
Os ventos uivavam, ele ouviu o som vibrante das patas batendo contra a
neve, patas de lobos e cavalos, os rosnados e gritos encheram o ar.
Valentia e determinação tinham marcado toda sua vida, e sabia que a sede
de sangue era forte e perigosa, mas não estava interessado em piedade ou
prisioneiros de guerra.
Era uma vez quando foi piedoso e bondoso, não naquele momento, pois a
vingança era seu alimento.
Aaron não teria nenhuma misericórdia, pois seu coração estava sangrando
e como humano convertido em lobo, não possuía coração de um, mas de dois,
por conseguinte, não era fraco ou vil.
Ele defendeu seu reino como nunca, mas seus portões foram devastados o
que ia contra qualquer ataque provido de honra de um guerreiro, não, havia
sido vilmente traído.
Ele viu parte dos soldados romanos montando seus cavalos para recuar e
proteger seu general, mas ele não permitiria. Correu através das lutas e fogo.
Aaron girou a espada cravou em um pescoço, cravou o machado no
estômago de outro, que levantou do chão e voou pelo campo, cravou
sucessivos golpes, derrubando um soldado após outro.
— Por que foge, romano? Não estava contente em matar as bestas que
veio caçar? — rosnou com a voz animalesca.
— É verdade...
Ele queria que Roma visse aquilo, que sua vingança atravessasse as
montanhas e se propagasse.
Kimera
A cela era escura e fria, iluminada somente por algumas tochas acesas.
— O quê?
Aaron jogou algo que rolou pelo chão até os pés dela, que arregalou os
olhos e gritou se afastando e o olhou com os olhos arregalados.
— O que é isso?
— Por que não me mata e acaba logo com isso? Sempre se vangloriou por
ser um homem honrado.
Aaron viu sua ira subir e tomar conta dele, mais do que já estava. Rosnou
e saltou sobre ela e mordeu sua garganta e com a boca ensanguentada recitou
o feitiço que Vanora havia conjurado e o ensinado, depois lhe deu outra
mordida e recitou a outra parte e ele se afastou.
Ainda gritando, ela caiu no chão e a magia dele se soltou e dançou como
uma onda de arco-íris ao redor deles, o vento se abatendo no cubículo e
Aaron olhou ao redor, com a raiva reverberando sob sua pele e sem acreditar
que algo estava acontecendo.
Ele não tinha certeza de que seria possível o feitiço funcionar novamente
e transformar uma humana em loba, como tinha feito com seu filho, ou ela
morreria no processo, mas ele não estava interessado em realmente saber,
queria vingança. Queria infligir dor nela, queria que sofresse o que ele estava
sofrendo.
— Já que você odeia os lobos, que punição maior do que ser uma?
A mulher sentiu seu corpo tremer, e gritou pelas sensações novas que a
acometeram e quase desmaiou.
— Eis sua sentença, minha amada esposa, será uma loba e viverá quantos
anos Kimera possa prolongar sua vida, pois se te matasse tenho certeza de
que não seria aceita nem no Outro Mundo e nem em Valhala, talvez a única
que te aceite para torturar sua alma seja Hell, e te jogaria em uma maldita
toca escura do submundo.
Sim, Aaron tinha dado sua sentença, a morte era boa demais para ela.
Deveria sofrer. E ele ainda achava que não havia castigo nenhum no mundo
que poderia infligir nela.
A dor em seu coração parecia que nunca sanaria. Estaria condenado pela
eternidade.
O estranho, é que mesmo tendo sido castigado por tudo, ele não
conseguia se arrepender de ter feito o que fez.
Ou estava louco.
— Pode perguntar sobre isso a eles? — Aaron disse aborrecido.
— Não se trata disso, deve-se ter cuidado ao lidar com os deuses, precisa
ter uma conexão, e eles vão ouvir ou não. Elas são personalidades próprias e
fortes, não ficam com suas portas abertas o tempo todo e não gostam de ser
incomodados. Eles escolhem ouvir e responder, abrir um canal para você ou
profetizar livremente através dos oráculos. Mas deve acreditar quando te digo
que não é uma boa ideia voltar e permanecer na Terra, Aaron, vai morrer! —
Vanora argumentou.
— Sou o rei...
— Será escrito que foi o guerreiro mais bravo de toda a Gália, que sofreu
e se sacrificou pelos que amava e lutou até o fim. Eu te garanto que os
romanos jamais irão se esquecer de você, que destruiu suas legiões de
soldados, mas se voltar agora eles suprimirão isso de você, morrerá e te
garanto que de forma que ninguém deveria morrer, pois os romanos são
conhecidos pelos seus castigos cruéis.
— Eles escolheram ficar, mas com o tempo podem mudar de ideia e vir
para cá onde estarão em segurança e podem recomeçar.
Então, Yasmin, que veio correndo loucamente por todo o castelo quando
teve a sensibilidade de saber que ele estava partindo, entrou no salão
esbaforida e gritou:
Aaron rosnou e deu mais dois passos, agarrado firmemente à sua espada,
quando foi surpreendido novamente.
— Kleiri! O nome dela é Kleiri! — Yasmin gritou desesperada.
— Por favor... Kleiri vai morrer se não estiver lá para salvá-la. Precisa
encontrá-la.
Mas ela não deu atenção e ficou olhando para ele, implorativa.
Ele não tinha mais nada para lutar e proteger na Terra, mas deixou sua
marca e sim, o massacre tanto do reino dos Nordur quanto das legiões
romanas com o tempo foi propagado e o nome Nordur nunca seria esquecido,
nem pelos romanos nem pelos lobos.
Aaron estava eufórico para buscar Clere para conhecer Kimera. Seu
coração estava exultante e até devia estar brilhando.
Ele sorriu se lembrando da sua pequena loba e como sempre que a via
seus cabelos estavam diferentes, tamanho, cor, estilo, era diferente e curioso,
um dia perguntaria se aquilo tinha algum objetivo.
O negócio todo é que gostava dela de todos os jeitos e as roupas que
usavam atualmente eram muito diferentes e com pouco tecido.
Quando viu Clere no torneio com uma calça muito curta, que suas pernas
ficavam totalmente nuas, realmente tinha o levado à loucura, a blusa era
minúscula e tinha muito dela aparente, tinha desnorteado sua mente de uma
forma absurda, estava difícil de conseguir se focar em alguma coisa e ficar
longe dela.
Ele tentou interagir com ela naquele dia, mas ela parecia arredia e de mau
humor. Foi gentil e respeitosa, mas não de muita conversa, mas soube que
algo a perturbava, porque o olhava com o olhar carregado de mil perguntas.
Desde o dia da guerra na Ilha dos Lobos que ele havia encontrado a
pequena loba em perigo nas mãos de um inimigo, seu coração e todo o resto
de seu corpo haviam acendido como uma tocha embebida de óleo posta no
fogo.
Ele soube que ela era sua companheira, pelo menos teve tudo girando
rapidamente na sua cabeça, sua promessa, as visões, as profecias de Yasmin,
os conselhos de Vanora, o reconhecimento na sua alma quando a viu, o amor.
Então tinha ido visitá-la algumas vezes, mas ela parecia distante e
respeitosa demais, apenas agradecida, até o torneio tempos depois, que
pareceu um pouco mais próxima. Ele estava se divertindo, até que ele a sentiu
e, quando se virou, a viu e sua mente sofreu um apagão, seu corpo aqueceu e
reagiu a ela e, claro, foi abatido por Petrus.
A sua luta com Petrus começou e ele lutou bravamente, nem colocando
toda sua força, porque ele sabia que era mais forte e se ele se empenhasse, a
luta não duraria nem um minuto e este não era o objetivo do torneio, era de
alegria, festa, interação e descontração.
O rei queria que os lobos de Kimera fizessem amizade com a alcateia de
seu filho, conhecido por eles como Erick.
Ambos riram.
Aaron se ajeitou lentamente, seu orgulho mais ferido que seu traseiro.
Petrus estava erguido atrás dele, rindo, e por bons motivos.
— Podemos repetir a luta, sem as damas para nos distrair, pois parecem
conspirar para a nossa derrota.
Aaron riu.
Empinou seu fino nariz e foi em direção às bebidas, rebolando seu belo
traseiro em um pequeno short branco que o fez gemer.
Mas havia algo de errado, ela não era uma loba comum, ela ainda tinha a
sua aura e força de uma guerreira, mas havia algo quebrado nela e depois que
a rainha havia lhe dito o que aconteceu com a alcateia dos lobos, presos pelos
humanos, ele havia conhecido uma fúria que há muito tempo não se
manifestava.
Não sabia exatamente o que tinha acontecido, mas sabia como era ser
caçado como uma besta do inferno pelos humanos, ele sabia na pele com era
sentir o desprezo e ter seu coração despedaçado.
Aprendeu a lidar com a sua dor assim como todos os lobos de Noah
tinham que aprender, mas saber que sua pequena loba tinha sofrido lhe doía o
coração.
Tinha que mudar suas táticas de aproximação, tinha que mudar seus
galanteios porque de nenhuma forma ele queria fazer algo que a fizesse ter
medo dele ou afastá-la, pois ele não podia mais ficar afastado, ele teria que
arrumar um jeito de contar quem ela era, se aproximar dela. Fazer com que
gostasse dele.
E ele não deixaria que ninguém mais a machucasse, porque se era certo
que os deuses fizeram uma companheira especial para ele, então que ela
viesse do jeito que fosse que ele aceitaria e faria de tudo para que ela fosse
feliz.
Suas visitas a ela eram esporádicas porque ele necessitava ir devagar, não
podia entrar como um búfalo faminto e jogá-la na sua cama e amá-la como
queria.
E não podia negar, estava gostando dos flertes gentis, da maneira
cautelosa que ela o olhava e mesmo sem ela ainda desconfiar quem era ele,
ela se sentia aturdida perto dele, olhava tentando desvendar segredos e ele
queimava até a alma.
Tinha que tomar algumas decisões diferentes, pensar e agir com cautela e
calma. Tinha que conquistar sua confiança e seu coração.
Uma decisão que poderia até ser simples, mas que poderia mudar o rumo
de sua vida.
E seu povo estava alvoroçado ao descobrir que ele tinha encontrado sua
companheira de novo e já começavam a conjecturar pelos cantos, nem sabia
como eles tinham descoberto.
Ele estava sentindo as mesmas sensações sob a pele e em seu corpo como
da outra vez há mil anos, ele ainda podia sentir o calor encher seu corpo
quando ele se aproximava dela. Era como estar febril, ansioso, nervoso e ao
mesmo tempo com uma alegria incomparável invadindo seu peito.
Ele estava com dor, e o conhecimento de como ele se continha, para dar-
lhe o tempo que ela precisava, para que se lembrasse dele e o reconhecesse
fazia com que se perguntasse se esta contenção era verdadeiramente o que ela
precisava.
Mas sabia que tinha muitos traumas e era o certo a fazer, ele esperaria
pacientemente ela vir a ele e convidá-lo ao seu leito, à sua vida novamente,
reivindicá-lo como seu companheiro.
Ele precisava beijá-la. Na verdade, estava desesperado por isso.
— Beta?
— O que é?
— Bem... hum...
— Ah, o que houve dessa vez? É que não consegue me deixar em paz um
momento?
— Sim, beta.
Ele não era tão musculoso quanto os outros, mas era muito forte.
Ele pegou uma, armou no arco e disparou a flecha que cravou numa
árvore, quase atingindo o lobo, que se assustou, estacou, olhou para a flecha e
o olhou com os olhos arregalados.
Aaron se moveu para ir até eles, mas Maddox deu um voo rasante sobre
eles e em forma Dhálea, sua forma de homem e com as asas, com as garras
dos pés semitransformadas, agarrou o lobo por uma perna, bateu as asas e
levantou voo, saracoteou um pouco no ar de propósito, enquanto o lobo
gritava histérico de cabeça para baixo, então Aaron riu, pois Maddox
sobrevoou o lago perto dali e soltou o lobo que foi gritando o caminho todo e
caiu na água.
— Bom dia, Aaron, está um dia lindo, não? Como está sua adorável
companheira?
Maddox fez uma reverência com a mão sobre o coração e saiu voando.
Antes que Aaron dissesse uma palavra para Kane, um dos lobos caídos se
levantou, rosnou e saltou sobre Kane, pelas costas, mas Aaron saltou do
cavalo num salto espetacular, agarrou o lobo no ar, girou e o jogou longe, que
saiu rolando pela grama. Aaron caiu em pé e rosnou.
— Olá, tio, vejo que veio se divertir um pouco. Uma ação antes do
desjejum é muito agradável.
— Seu sangue nórdico corre ágil e quente em suas veias, filhote. Quantas
vezes disse que não deve puxar uma briga?
Ele riu.
— Bem, eu não gosto, mas isso não lhes dá o direito de tomar minha
vingança em suas mãos. Tirem seus traseiros daqui de uma vez antes que eu
me irrite.
— Sim, tio.
— Vá, garanto que há lindas lobas esperando para servir seu pão quente.
Kane riu, fez uma reverência com a mão sobre o coração e saiu correndo.
Aaron ficou o observando até ele sumir entre as árvores. Amava os filhos
de Kayli, como se fossem seus próprios, e suspirou que ainda não tinha
conseguido ter um filhote. Não que as lobas de Kimera não tivessem se
empenhado em lhe dar alguns lobinhos, ou conquistar o posto de
companheira do beta, mas isso estava completamente fora de questão. Aaron
somente teria um filhote com sua companheira.
Ele se virou e viu Audrea espiar pela porta e ela suspirou, bateu nas saias
longas e saiu com as mãos na cintura, estava suja de barro e abóbora, que
provavelmente os jovens haviam jogado nela.
— Sou seu experimento particular, alvo de suas brincadeiras regadas à
cerveja. De repente, somente em um dia, tenho muitos salvadores.
— Kane se importa.
— Vejo que seu problema na cabeça continua. Pensa que algum dia eu te
levarei de volta ao castelo e te devolverei seu título como minha esposa?
— Já paguei pelos meus erros, seja bondoso e me perdoe. Serei uma boa
esposa dessa vez. Até nem reclamarei dos lobos.
— Pois, que pena que você não foi digna de ser abençoada pelos deuses e
ter um pouco de bondade nesse coração negro.
— Ah, disse bem, casa do seu irmão, reino do seu irmão, e o que você
tem, rei Aaron?
— Cale-se, mulher!
— De sua boca somente sai fel. Se hoje não tenho um reino é por sua
causa.
— Você diz que não me perdoa, enche a boca para falar em honra e
lealdade, mas você nunca foi leal a mim.
Aaron deu uma boa olhada nela, mesmo depois de tudo ainda mantinha
seu nariz empinado soltando suas loucuras. Não tinha entendido ainda o que
amar verdadeiramente significava. Talvez fosse culpa dele que ela ficou
louca, mas achava que tinha sido louco ao ter se casado com ela.
Ele não tinha intenção de passar muito tempo tentando dar sentido a isto,
tampouco. Tinha outros problemas, problemas muito maiores. Um em
particular: uma doce e linda loba que ele tinha que reivindicar. O pensamento
de Clere fez afastar a ideia de permanecer ainda na presença de Audrea.
— Se não tem abóboras para comer pode comer batatas, ou pode virar
loba, se embrenhar no bosque e caçar um cervo ou um coelho, o problema é
seu.
Aaron rosnou, tocou seu cavalo e saiu em disparada, antes que fizesse
com sua cabeça o mesmo que os lobos tolos fizeram com suas abóboras e
ignorou seus gritos irritantes que ficaram para trás.
Sim, tinha mais o que fazer, uma companheira adorável com um cheiro
que o embriagava e um sorriso lindo para cortejar.
Estava na hora de ela saber quem ele era e porque a visitava e todo o
sentimento que ele tinha guardado no coração.
Ilha dos Lobos, Grécia.
— Pois é aí que está seu erro. Pois poder controlá-la é o que define se
você vive ou morre. Se fizer o que eu mando será um bom soldado e os outros
podem te seguir, então terei um exército.
Mais uma vez, os sonhos que a acordaram, tão palpáveis que parecia real.
O suor, o grunhido, o terror e a raiva percorrendo seu corpo com frieza
gelada e tremores ásperos e violentos.
Suas mãos jogaram as mantas, seus braços estavam doloridos, suas pernas
rígidas, os músculos apertados, como se seu corpo todo estivesse com
câimbras, com mil agulhas furando sua carne. Bateu e estapeou seus braços e
pernas para ver se a sensação, o formigamento agonizante desaparecia.
Lutando para respirar, para ver o que ela poderia fazer para parar.
Respirar, tentou respirar ritmadamente, mas não adiantou nada. E as malditas
risadas se repetiam em sua cabeça.
Ela foi uma criança, agonizando no medo, pedindo por socorro que nunca
chegou, somente dez anos após e já não havia nada para salvar.
Uma lágrima solitária escorreu pela face de Clere e seus lábios tremiam.
Havia muitos sentimentos misturados: medo, terror, dor, raiva.
Clere já não era mais uma menina, mas não pensava que conseguiria se
transformar numa mulher com um futuro feliz. Ela teve a ilusão, mas se
quebrara, pois seus medos estavam se tornando realidade, percebeu que algo
terrível estava acontecendo. Sabia que tinha que sair dessa oscilação
imediatamente, mas não conseguia, sentia que perdia os sentidos. Indefesa e
exposta.
— Não. Não!
A dor no coração era forte como se tivesse uma faca cravada ali, e a dor
se alastrava para seu estômago e intestinos e pelo corpo todo, comprimindo
suas tensões nervosas, oprimindo seus músculos.
Tinha lutado tão fervorosamente para ser forte, para ter esperança e deixar
seu inferno para trás, mas algo tinha acontecido, pois a sensação que tinha é
que alguém a tinha agarrado e a jogado de cabeça no poço do inferno.
Nenhum barulho, sua mãe devia ter saído, pois sua audição não captava
nenhum barulho na casa, mas estava confusa, porque dentro da sua cabeça
havia gritos, vozes masculinas, choro dela e de outros lobos.
— Mãe!... Alfa!
Ela sentiu vontade de chorar, porque amava estar com as crianças, amava
estar com Lucian e a pequena Safira e, provavelmente, Annelise estaria ali
com seus dois bebês: Colin e Cassidy.
Ela amava os bebês e eles a amavam, não tinham medo dela. Mas não
poderia ir, pois estava descontrolada e poderia feri-los. Se ela ferisse Lucian,
o alfa a mataria.
Tentou fazer suas garras retrocederem e suas presas, mas não obedeciam.
Do mesmo modo, ela enviou sua loba retroceder, empurrando-a para as
profundezas quebradas do seu interior e tentou segurar o controle e lutou
contra a fome que rasgava seu sistema.
Mas a batalha estava quase perdida, a cada dia ficava mais difícil.
Manter-se saudável, com a mente no lugar, durante esses anos foi doloroso,
tudo estava quebrado, principalmente sua cabeça.
Inferno, ela não tinha nenhuma ideia do que era medo verdadeiro até se
ver perder o controle no meio da sua alcateia, das pessoas que amava e a
protegiam.
“Estava presa aquelas mesas metálicas geladas com seu corpo nu, num
frio terrível de inverno e sentia tanto frio que seus ossos poderiam trincar, as
luzes fluorescentes queimavam seus olhos e não conseguia respirar.
Ela sentiu suas mãos sendo presas, mãos cruéis prendendo seus braços e
pernas com fortes grilhões, ela lutou e resistiu, mas não conseguiu impedir.
Seus olhos varreram ao redor, olhando fixamente para ver quem estava
ali e pareciam todos iguais com suas roupas médicas brancas, jalecos e
máscaras cirúrgicas. Eles pareciam iguais, mas podia ver os olhos, olhos
que a perseguiam até hoje em seus pesadelos, frios e maldosos, querendo
estripar uma jovem para arrancar seus segredos e sua mágica. E o cheiro,
impregnado em suas narinas, a deixariam doente até a eternidade.
— Por favor...
Clere gemeu e se escorou na pia, tentando se segurar para não tombar no
chão, presa no limbo, ao meio de uma névoa escura.
Quão fantasma ela era agora no mundo dos humanos tanto quanto no
mundo dos lobos? Que importância tinha no mundo, o que poderia ser agora,
o que poderia fazer?
Eles não tinham conseguido seu intento, não obtiveram o que desejavam
com suas atitudes, porque ela não permitiu, mas a tinham danificado, a
quebrado.
Que opção tinha? Pegaria um barco para Atenas, um avião para algum
lugar bem longe? Como sobreviveria no mundo lá fora, sozinha? Não sabia,
mas era sua única chance ou...
Foi terrivelmente ingênua e agora era tarde, e não havia mais nenhuma
salvação para ela.
Clere olhou para a janela e avistou o magnífico verde da Ilha dos Lobos e
o mar, com sua cor azul turquesa e translucida, limpa, calma, maravilhosa e
quente. E ela nem conseguia mais enxergar a beleza daquilo, somente
enxergava tudo cinza e distorcido.
Talvez se acabasse com sua vida iria para o Outro Mundo, onde não
haveria maldade, violência. Talvez uma fada viesse para guiá-la pelo
caminho, oferecendo seus encantos e sua beleza etérea, amor, bondade e paz.
Encontraria seu pai, que fora morto pelos humanos.
Seu pai, amoroso e forte, um lobo magnífico, uma vida perdida e ele
sempre dizia que ela era preciosa e sua loba era perfeita.
Sim, era a única maneira de ela ter paz e que sua alcateia estivesse segura.
Precisava salvá-los.
Com a mão trêmula, apertou a ponta da faca contra o pescoço e uma gota
de sangue escorreu.
Uma voz que bateu no seu coração, forte, a tirando se seu surto, mas
ainda continuava tonta e perdida.
— Clere... por favor, solte esta faca, querida. Olhe para mim.
Clere piscou aturdida, mas não se moveu.
— Eu devo ir — sussurrou.
Ela lentamente se virou, mas manteve a faca na garganta e ela piscou para
tentar ver quem era o homem parado ali, não muito distante.
— Se acalme e abaixe a faca, por favor, faça isso por mim. Está tudo
bem, eu juro que vai ficar tudo bem.
Piscou.
Um homem alto, com a barba bonita e cabelos longos presos num rabo de
cavalo e uma mecha da franja caía no seu rosto, forte e belo estava na sua
frente, mas sua mente demorou a reconhecê-lo.
— Não vou me aproximar, mas quero que preste atenção na minha voz,
ok? Recorda quem eu sou? — Ela piscou e tentou focar nele. — Sou seu
amigo, olhe pra mim e vai se lembrar, sou seu amigo. Aaron.
— Aaron...
— O... príncipe.
Havia tanto desalento que ele pensou que nunca teria sentido algo tão
doloroso. E o desespero bateu nele mais forte quando mesmo sem ela se dar
conta ou sentir a dor, a ponta da faca havia cortado a pele mais um pouco e
um fio de sangue escorria pelo seu pescoço.
— Não há mais nada para fazer aqui, não posso ficar — ela sussurrou.
— Eu me esforcei tanto, fui tão forte como havia prometido para Naya.
Eu tentei, mas não consigo colocá-la de volta.
— O que saiu?
Aaron engoliu em seco, porque mesmo sem ele saber exatamente o que
era ele desconfiou que fosse dos laboratórios.
— Você é forte, és uma loba fabulosa e tem uma vida toda pela frente.
Aaron deu um passo à frente e ela deu um atrás e ele parou e xingou
mentalmente.
— Clere...
— Eu devo ir agora, acabar com toda esta dor... não posso mais. Ninguém
vai sentir minha falta.
— Todos vão sentir sua falta. Todos te amam, sua mãe, a alfa...
— Você pode viver agora, pode tentar reconquistar a vida que um dia
sonhou ou mais. Você é uma loba e você consegue, porque é forte e precisa
achar quem você é, aí dentro.
— Como viver se eu não sei mais o que sou? Não sou mais quem eu nasci
para ser.
Aaron ficou chocado com suas palavras. A dor que ela passava em suas
palavras era tão forte que emanava para ele como uma onda. O desalento nos
seus olhos sofridos quebrava seu coração em todos os níveis.
Isso fez ela parar e piscar aturdida, sem entender. Mais lágrimas rolaram
pela sua face.
— Não...
— Foi para isso que eu vim, te pedir ajuda, preciso de você.
— Você diz que não serve, que acha que ninguém precisa de você, bem,
pois eu preciso, vim de Kimera até aqui para lhe pedir ajuda, portanto seria
uma desfeita muito grande comigo e com o rei se... não me ajudasse.
— Não é certo.
— Olhe para mim, nos meus olhos, não estou mentindo, preciso de você,
de sua ajuda e eu te prometo que farei tudo para ajudá-la e vou fazer essa dor
ir embora.
Ela o olhou diferente dessa vez e ele sentiu esperança, porque algo na sua
miscelânea de palavras havia tocado nela.
— Eu fugi tanto de mim mesma que não sei mais quem eu sou. Se a alfa
soubesse quem eu realmente sou, não me deixaria cuidar de Lucian, nenhum
dos bebês. Nem eles mesmos quereriam me ver por perto. Eu seria uma
pária...
— Não, não por querer, não faria, porque são anjinhos, são tão puros e...
eles me amam como sou, não têm medo de mim.
— Todos deveriam ter medo de mim... eu não sou quem pensam que sou.
— Não sei o que te convenceram que é, mas não é. É uma preciosa loba,
uma criatura maravilhosa da natureza que somente merece ser amada e
cuidada.
— Ninguém pode me amar, príncipe.
Aaron sentiu seu mundo girar, porque a maneira que ela falou, tão
sentida, tão certa de que aquilo era verdade que ele ficou louco e seu lobo
rosnou furioso dentro dele.
Queria matar os bastardos que a machucaram tanto, para que não visse
nenhuma saída e se sentisse daquele jeito.
Por mim.
Ela o olhou confusa e perdida, pois não entendia porque ele precisava
dela. Quem precisaria de uma aberração como ela?
— Não entendo...
O desespero que ele viu ali era como se injetasse um veneno garganta
abaixo, queimando como o fel.
— Talvez haja algo muito bom lá na frente, somente não consegue ver,
porque agora sua dor está te cegando, mas acredite, há esperança.
— Somente enxergo infelicidade, tristeza e minhas memórias.
— Pode me ver?
Ele soube que ela estava confusa e perdida e não poderia sequer
vislumbrar um sinal do que ele estava querendo dizer.
Seu peito doía pelo medo por ela. Temeu fortemente que sua pequena e
inocente loba estivesse perdida para sempre. Mas ele não permitiria. Não
poderia perdê-la outra vez.
— Eu segurarei sua mão e não soltarei, nem agora nem nunca. Não pode
negar meu pedido, ficaria muito triste.
— Ficaria?
Ela o olhou desalentada e ele não gostou de suas próprias palavras, como
se ela tivesse obrigação com ele, não tinha e não queria que tivesse, queria
que viesse livremente, como deveria ser, mas para isso acontecer, teria que
resgatar sua loba quebrada e o terror estava tomando conta dele que não sabia
o que dizer.
Ele deu mais um passo à frente, lentamente e mais um e ela continuou ali,
parada, estática com as lágrimas banhando seu rosto, com o olhar cor de ouro
sem brilho, sem vida, perdido na dor.
— Eu estou presa!
— Você iria.
As lágrimas escorreram livres pela sua face pálida e ela o olhou tão
dolorosamente, que Aaron sentiu seu coração despedaçar e seus olhos
marejaram. Estava desesperado.
— Sim!
Seu rosto ficou tenso, seus olhos atormentados quando ela olhou
fixamente para ele, sem vê-lo.
Ele a trouxe para o seu peito e chorou desesperado, a dor rasgando seu
peito.
Então, ele não ouviu mais seu coração bater, Clere estava morta em seus
braços.
Sua magia libertou-se e inundou a cozinha numa onda, fazendo as louças
e talheres sobre a pia trepidar, cair e quebrar.
Quando ele se deu conta de que a perdeu novamente, que não ouviria
mais sua voz, as batidas do seu coração, não sentiria seu cheiro ou não teria
mais seu sorriso de menina, seu jeito sexy e natural, foi um grande choque
em seu sistema, tudo vibrou em desespero.
Rosnou alto e forte e depois uivou sua dor que retumbou pelo castelo e
todo o vale de Kimera.
A onda poderosa de sua dor emanou como uma onda de energia, e bateu
em Vanora, Kayli e os outros que estavam no salão principal e todos ao
redor.
Vanora derrubou sua taça de vinho e Kayli rosnou e se levantou.
— Aaron!
Ele gemeu, sentindo as mãos dela afastando-o e Kayli o puxou para trás,
segurando-o firmemente num abraço consolador. Mas ele não queria se
afastar.
— Por quê?
— É claro que você pode, você é uma bruxa poderosa, pode fazer
qualquer coisa!
— Não é assim que as coisas funcionam, Aaron, eu não posso tudo, há
leis que não posso quebrar. Há uma ordem natural das coisas, a magia cobra
seu preço.
— Você precisa trazer ela de volta, não vou suportar perdê-la novamente,
não posso.
Ela levantou, respirou fundo e olhou para Kayli, que rosnou vendo que
ela faria algo perigoso.
Uma luz começou a rodar dentro do círculo e a magia de Clere, sua aura
colorida que estava ausente começou a aparecer e dançar no ar ao redor delas,
navegando sobre o corpo de Clere com cores suaves e que, aos poucos, foram
ficando mais fortes.
— Pars ego dabo ei. Divina virtute et potentia, quae moventur super
terram. Mortem domini invocabo animae in manu teneret. Mortem domini
invocabo animae in manu teneret.
“Eu dou uma parte de mim. Energia divina e poder que move a terra.
Senhores da morte, eu os invoco e detenho essa alma em minhas mãos.
Senhores da morte, eu os invoco e detenho essa alma em minhas mãos!”
— Vanora, não! — Kayli gritou e tentou chegar até ela, mas a magia do
circulo o impediu.
— Feche...
Kayli rosnou a abraçando e olhou para Aaron, que correu até Clere e a
tomou nos braços.
Estupefato, ele viu sua garganta curada e seu coração batendo no peito,
mas estava desacordada. Olhou para Kayli e não conseguiu dizer nada por um
longo momento.
— Estou bem, querido, não se preocupe — Vanora disse tentando se
levantar — Leve-a ao seu quarto, Aaron, demorará algumas horas até que ela
acorde, está bem.
Ela assentiu.
Kayli não conseguia respirar e tocou a larga mecha branca em seu cabelo.
— Como podia não fazer? Não podia permitir que Aaron vivesse mais
tempo sem sua companheira.
— Ele deu sua vida por nós, Kay, devia isso a ele. Não sei o que os
deuses estavam pensando quando deixaram a linha de vida de Clere
aquebrantada, mas não podia permitir que essa tortura se alongasse. Ele
precisa dela e já sofreu a perda dela mais de uma vez. Quanto um
companheiro pode aguentar tais coisas?
— Eu sei, eu sei, está com a razão, querida, eu teria feito o mesmo, mas
me assustou de morte.
— Vamos ficar bem, meu amor. Só preciso descansar agora.
Ele rosnou, olhou para Kane e Yasmin no canto do salão olhando a tudo
com os olhos arregalados.
— Sim, querida, eu vou ficar bem, uma pequena troca, nada de mais.
— Suspeito que ainda não. Percebi algo errado com sua magia.
Kayli rosnou, querendo xingar, porque seu coração doía por sua
companheira, com medo de perdê-la, a pegou no colo e a levou para o seu
quarto para descansar.
Aaron a deitou em sua cama e respirou fundo, seu coração estava tão
desregulado que pensava que saltaria fora do peito.
Com cuidado retirou o pijama que ela vestia, que estava ensanguentado e
pegou uma terrina de água e um pano e limpou seu sangue, depois pediu uma
camisola emprestada para Yasmin e vestiu nela, cobriu-a com as cobertas e se
sentou na cama a olhando.
Ele devia estar com ela desde sempre, mas estava preso em outra
dimensão, sem poder sair, com o portal de Kimera fechado pelo feitiço de
Átika, quando roubou Erick, o tinha os deixado isolados.
Ele sabia que era questão de tempo para que se abrisse e ele pudesse olhar
a Terra novamente, mas a noção de tempo em Kimera era muito diferente da
Terra e ele tinha chegado tarde demais, tinham ferido sua loba, tinham
quebrado sua alma a ponto de ela querer tirar a própria vida.
O que tinham feito a ela? Se tivesse chegado a tempo poderia ter evitado
tudo. Se Vanora não tivesse quebrado regras e feito a troca, sacrificando a si
mesma, a teria perdido para sempre. Mas era o que tinha na sua vida, um
eterno lapso de tempo.
Sua mente ainda estava repassando os últimos minutos uma e outra vez.
Verdadeiro desespero em seu coração.
Ele teria que consertar aquilo, mas não sabia como e jamais imaginara
que depois de tanto tempo a tinha encontrado e esteve prestes a perdê-la, de
novo.
Ele se deitou na cama com ela em seus braços e não pôde se afastar, então
se aconchegou ao seu lado, sem soltá-la.
Ela era tão linda, tão suave e ele tinha pensado o dia que poderia tê-la em
seus braços de novo, mas jamais pensou que seria daquela maneira.
Mas não podia se enganar que o mal tinha passado, pois havia algo de
muito errado nela, ele podia sentir uma vibração que estava ao redor dela, era
apavorante, mas ele não sabia dizer o que era.
Ela era tão jovem, como os deuses poderiam ter feito uma companheira
tão jovem e que teria sido tão quebrada? E mesmo assim ela era a imagem de
Kleiri que se lembrava.
Não importava, somente o bem-estar dela. Ele a salvaria, não sabia como,
mas o faria. Era uma loba, feroz e forte, mas ao mesmo tempo era tão suave
como uma borboleta, que apenas um toque poderia quebrar suas asas.
Após algumas horas, Aaron despertou, respirou fundo e sentiu seu corpo
reagir ao perceber que sua companheira ainda estava adormecida em seus
braços.
— O que de mais terrível se pode fazer a uma mulher, com ela pior, a
uma criança.
— Sim, algo tão profundo e doloroso que ela não conseguiu controlar.
— Ela é muito jovem. Mas como posso deixá-la, se tudo o que meu
coração pede é que a proteja?
— Oh, sim, ela é muito jovem, mas é uma mulher e você tem dois mil
anos. Realmente uma diferença grandiosa. Mas isso não importa, ambos
devem conhecer a felicidade e o amor. Amor que só os lobos podem
conhecer. Tudo no universo tem sua hora, meu querido. Está na hora de
agarrar seu reino em suas mãos novamente, e ser o soberano de sua rainha.
Não precisa de um castelo, de súditos e jamais deveria se sentir inferior aqui.
Um rei sempre será rei, porque sua majestade está no coração. E sua honra
está aí, em seu peito, em sua história. O que você fez por seu irmão e por
mim, ninguém no mundo faria. Você se sacrificou para salvar Kayli e nossa
família, agora é hora de se salvar e ter a sua.
— Faremos tudo por sua companheira, irmão, ela vai ficar bem.
Ele assentiu, revigorado com as palavras de sua família. Sim, ele lutaria,
como pudesse.
— Minha companheira passou metade da sua vida presa numa jaula sendo
estuprada, picada e maltratada, sua mente está destorcida e ela beira ao caos e
à morte. Isso a estava matando, oras, ela se matou por causa disso!
— Pra quê? Para que corte o pescoço novamente? Não. Sou seu
companheiro e vamos fazer isso. Só preciso de um tempo, só um tempo.
— Rituais são poderosos e não devem ser feitos levianamente. Você pode
focar em uma coisa e atrair outra, ou simplesmente pode obter o que deseja,
depende da sua fé, na crença de que isso realmente vai funcionar. Se você
acredita que isso pode ajudar, então, talvez esteja certo.
— Eu penso que terá a essência do que seria Clere. Sem traumas, sem
imposição de seu terror, de seu mundo sombrio, mas... ainda penso que isso
faz parte dela e não sumirá totalmente. Dor de alma é profunda e
incontrolável. Se eu não apagar suas memórias completas, ela ainda as terá,
só que com menos intensidade, e eu posso tirar o que mais teme. Não vai
curá-la, mas pode amenizar um pouco isso tudo.
— O problema não é com o quê você pode lidar, e sim com o que ela
pode. Que tipo de companheira quer, Aaron? Quer criar uma ou salvar a que
você tem?
— Com o tempo, vou saber lidar com ela. Quando ela descobrir quem eu
sou para ela, vai melhorar, mas tem que ser com mais tempo.
— Ok. Mas deve estar atento, porque sua memória pode voltar a qualquer
momento. Vou apagar algumas de suas memórias, mas não todas, porque dez
anos são muita coisa. A mente trabalha de duas formas, a de maneira
consciente e a inconsciente, a consciente é onde estão as lembranças de sua
vida e a inconsciente são as memórias mais profundas e elas saem de lá para
a consciência de forma forte e poderosa. É difícil de controlá-las totalmente.
— Entendo.
— Acha que há a possibilidade disso ficar pior do que está agora? Ela
cortou sua própria garganta! Vi tanta dor e desespero nos seus olhos
apagados que pude sentir em minha carne.
— Imagino que sim, para ter perdido o alento de forma tão profunda,
imagino que sua dor tenha sido demasiada para suportar. Quem poderá saber
tudo que esta jovem passou?
— Posso.
— Dê a escolha a ela, Aaron, uma pessoa que viveu presa por tantos anos,
não gostaria de ser presa novamente. Há muitas formas de ser presa e todas
elas machucam. Prometa que vai contar a ela, e lhe dar a opção de querer elas
de volta.
— Ninguém, mas precisa lhe dar a opção. Ela nunca teve opção de nada
na vida, não pode tirar isso dela. Será um erro.
Ele respirou fundo e esfregou o rosto, cansado.
— O que disse?
— Eu não me importo.
— Está tudo bem, querida, faça o que ele deseja. Vamos lidar com as
situações em partes. No mais, acredito que Aaron tenha razão de que essa
situação não piore. Acho que esse é o extremo.
Ela macerou as ervas no almofariz, pegou uma das velas e passou a mão
sobre a chama. A chama saiu da vela pairando em seus dedos e ela a colocou
no almofariz e as ervas pegaram fogo, salpicando no ar pequenos spots de
faíscas e luz. As ervas estalavam e ela passou a mão sobre o fogo novamente.
— Eu levo suas memórias que um dia retornarão. Rerum ut suis mihi, ut
reddam dies unus — sussurrou.
Vanora virou as mãos para cima e olhou para o teto e recitou uma oração,
depois suspirou e apagou a velas.
Quando ela se virou e olhou para Aaron, ele estava ali, paralisado,
esperançoso que aquilo iria ajudá-la.
— Está feito.
Ela assentiu, foi até Kayli que beijou sua testa e eles ficaram olhando
Aaron se sentar na cama e segurar sua mão, acariciá-la docemente, uma mão
pequena dentro de sua mão grande e forte.
— Entendo, irmão, mas você a tirou de casa, vão sentir a falta dela e
ficarão preocupados, deve dizer a eles o que houve e onde ela está.
Aaron não queria deixá-la, mas sabia que Kayli estava certo.
— Obrigado, anjo.
Ele saiu do quarto e quando chegou ao salão do portal rosnou pela visão
da poça de sangue no chão e seu coração se descompassou novamente. Devia
ter trocado de roupa e alguém devia ter limpado aquele chão.
Tudo o que segurava o poder da ira dele era o fato de que não existia
nenhum humano dos laboratórios para ele matar e se vingar por dela.
A raiva reverberava sob sua pele, mas não conhecia os fatos totalmente,
somente queria matar uma dúzia de humanos por tê-la prendido e
machucado, queria salvar sua loba daquele sofrimento.
Uma coisa que ele tinha aprendido durante sua longa e complicada vida é
que não poderia subestimar a força de um lobo e que não poderia imaginar
quão profunda pode ser a dor que aflige a alma de alguém.
Dores físicas poderiam passar e ser curadas com o tempo, mas do coração
e a alma era algo muito profundo que poderia levar pessoas ao extremo.
Por dois mil anos, sua vida no mundo de Kimera havia o levado a uma
letargia e solidão que tentava forçosamente preencher com algumas lobas,
mas algo dentro dele não permitia ter se acasalado com nenhuma delas.
Sem saber de seu passado podia sentir que havia uma aura negra ao redor
dela.
Ele teria que descobrir seus segredos para cometer tal sacrifício, mas
agora, se algum maldito tocasse nela, ele esmigalharia todos os ossos de seu
corpo.
— Meu Deus, como esse menino está pesado, anda comendo tanto.
— Isso é.
— A deixei em casa, deve estar chegando, alfa, ela não anda dormindo
direito, então a deixei dormir um pouco mais.
— Estou preocupada com ela, anda diferente nos últimos tempos.
— Não sei o que fazer com ela, está cada dia mais calada, não come, não
dorme.
— Sim, senhora.
— Merda!
Ester correu pela casa abriu a porta do quarto, mas estava vazio, correu
para a cozinha e arregalou os olhos quando viu sangue no chão e uma faca
ensanguentada.
— O que há?
— Ela está ferida, veja todo esse sangue, e teve aquele rosnado.
— Pelos deuses, isso não me parece um pequeno corte e não sei de onde
veio esse rosnado, nem sei de quem foi.
— Não, por que estaria aqui? Sasha foi ao playground levar Lili, ela
deve estar ali.
— Há sangue em sua casa e ela sumiu, pensei que pudesse estar aí para
que cuidasse de seu ferimento.
Erick desligou e ligou para mais lobos e sua mãe entrou na casa e gritou
com a mão na boca.
Antes que eles saíssem da casa, uma luz cintilou na sala e Aaron
apareceu, assustando a todos.
Todos arfaram pelo susto e olharam estupefatos para o sangue nas roupas
de Aaron.
— Como? Como foi parar ali? Ela está bem? De onde é esse sangue? O
que o senhor tem a ver com isso? — Lana cravou-lhe de perguntas, agoniada.
— Quem é você?
— Eu lamento. Sua filha está bem agora, está descansando. Vim porque
não queria que estivessem preocupados, mas, na verdade, deveriam se
preocupar.
— É de Clere.
— Tipo o quê?
— O quê?
— Isso é mentira! Ela não faria isso! — Lana gritou e foi à sua frente. —
Leve-me até minha filha. O que fez à minha filha?
— Sim.
— Assim foi.
— Mas... nós tentamos de tudo por ela... pensei que estava estranha nos
últimos tempos, mas não imaginei que estava tão profundamente perdida.
— Acho que nunca ninguém consegue medir e prever esse tipo de coisa.
Não conseguimos enxergar quão profunda era sua dor. Estava sempre
tranquila, brincando com as crianças — Kira disse.
— Oh, meu Deus! Quando alguém carrega seus demônios por muito
tempo dentro da sua cabeça, eles começam a tomar conta, a dominar, eles se
tornam mais fortes e fica difícil de comandá-los, mandá-los para baixo —
Ester disse horrorizada e pesarosa.
Noah rosnou e passou a mão pelos cabelos. Ele sabia bem o que era falhar
ao cuidar de uma menina traumatizada e quebrada, ele sabia bem por causa
de Jessy. Ele conhecia o inferno de perto, todos eles.
— Ela me disse que odeia sua loba — Ester disse e respirou fundo e todos
arfaram espantados.
— Oh, meu Deus, isso é terrível! Como pode odiar sua loba?
— Talvez ela culpe sua loba pelo que passou, afinal, se não fosse uma,
não estaria presa num laboratório sofrendo todo tipo de tortura e
experimentos.
— Todos os lobos têm, pelo menos é isso que os deuses sussurraram para
o Oráculo.
— Yasmin?
Houve um silêncio tão estrondoso que poderia se ouvir uma agulha cair
no chão.
— Eu sabia que tinha algo mais nessa história, suas visitas... — Lana
sussurrou chocada. — Mas não quis acreditar, o senhor é um príncipe...
— Parece que não é somente ela que pensa que não significa algo
importante e tem valor suficiente para ser minha companheira, uma princesa.
Seria uma rainha se eu ainda fosse rei, mas esses títulos não me importam,
ela é minha companheira e é isso que importa agora — disse zangado
olhando para Lana, que se espantou e arregalou os olhos.
— Sim, assim como é agora, o que me espanta é que ela não saiba disso.
— Eu perguntei a ela se sabia o que ela era, me disse que sabia, pensei
que todos sabiam — Ester disse confusa.
— Sim, não quis outra alcateia e nem outro castelo. Abri mão disso para
estar em Kimera.
— Jesus...
— Não sei se todos o fazem, acredito que não, se cumprem seus destinos,
quando vão para o Outro Mundo não voltam, mas nós, os antigos,
acreditamos na vida após a morte e que somente um deus pode trazer uma
alma de volta à vida terrena. Sofri sua perda terrivelmente, então o Oráculo
me deu outra esperança, e assim, esperei mais todo esse tempo.
— Jesus Cristo, eu estou chocada. Como deve ter sido difícil para o
senhor esperar tanto tempo e perdê-la — Ester disse e Noah nem balbuciou
nenhuma palavra, menos Erick, pois nunca tinham ouvido tal coisa.
— Sim, isso tudo pode dar certo. Não será fácil, mas ela precisa se
fortalecer e conseguir reunir forças para quando olhar para estes traumas,
para suas memórias elas não ferirem mais. As cicatrizes estarão ali e isso será
para sempre, mas ela está com as feridas abertas agora, exposta e isso dói,
machuca ao ponto de se perder, de querer fazer parar.
— E irá. Com sua bondade, sua força e seu amor. Ela precisa de uma
perspectiva de vida, tio, ela precisa ser amada e isso deve ser maior do que o
que a segura nas sombras — Erick disse.
— Acredito que somente o senhor poderá fazer tal coisa, porque ela é sua
companheira de alma e não há maior ligação, maior amor do que este —
Ester disse esperançosa.
— Nós temos uma surpresa programada para ela nesse fim de semana, o
senhor pode trazê-la até lá?
— Que surpresa?
— Nós planejamos uma festa surpresa para ela, seu primeiro baile, pelo
seu aniversário. Está convidado também.
— Ah...
Todos ficaram olhando para o vazio e olharam uns aos outros chocados,
perdidos e estupefatos.
— Está tudo encaminhado e acredito que isso pode lhe ajudar muito com
todos estes acontecimentos — Ester respondeu.
— Bem, acho que a ideia de Harley de dar a festa para Clere pode cair
como uma luva, isso vai animá-la e verá como todos nós a amamos. Ela deve
ter alegrias agora — Kira concordou.
— Jesus Cristo, acho que meus cabelos ficaram brancos! Por Deus,
vamos limpar esse sangue dessa casa antes que eu vomite! — Ester exclamou
estressada.
Kimera
Aaron acordou de seu sono, gemeu pela luz que entrava pela janela,
piscou aturdido ao se dar conta de que estava deitado em sua cama e a
pequena loba estava em seus braços.
Era estranho como ela se parecia tanto com a antiga Kleiri e ainda assim
era muito menor em tamanho, tanto de antigamente como das lobas de sua
própria alcateia, era magra e mais baixa, mas era torneada e deliciosa e
mesmo assim ficava perfeita em seus braços.
Quando ele se deu conta de que quase a perdeu novamente, que não
ouviria mais sua voz, as batidas do seu coração, não sentiria seu cheiro ou
não veria mais seu sorriso, seu jeito sexy e natural, foi um grande choque em
seu sistema, tudo vibrou em desespero.
Ele podia ser um lobo forte, mas estava cansado de tantos trancos da sua
vida louca. O príncipe podia pensar que sucumbiria à escuridão, que estaria
perdido nesse infinito, mas finalmente ela tinha sido enviada a ele novamente
e mesmo que tudo tenha dado errado de início, tinha-a, salva em seus braços.
Agora sua escuridão sumiria e lhe traria luz e ele desejava que a luz dele
pudesse trazê-la para seus braços sem medo e resgatá-la da sua escuridão. E
não importava que a loba estivesse com problemas, se por dentro ela era pura
e merecia ser salva, assim como ele.
Havia uma calmaria na sua cabeça e no seu coração, e aquela cama macia
e perfumada estava tão boa... mas estava quente e ela percebeu que estava
envolta, não em uma coberta e sim de braços fortes, e o cheiro masculino
parecia tão familiar... e somente pelo seu cheiro, sem olhar para seu rosto
soube que era Aaron.
Seu coração acelerou e um quase pânico tomou conta dela, mas ao mesmo
tempo em que queria saltar da cama e fugir daquele contato de um homem
em suas costas que parecia aterrador, ela desejava ficar, pois se sentia
protegida.
Ela se virou em seus braços e ficou olhando para ele dormir e mais uma
vez um arrebatamento tomou conta dela. Ele a estava aquecendo, protegendo,
coisa que havia prometido, só não se lembrava de quando e sua cabeça disse
para não ter medo e não fugir.
Um sonho lindo que não queria acordar. Se só lhe fosse permitido ter um
momento bonito na vida nos braços de alguém que lhe desse amor seria
somente em seus sonhos, então, suspirou e se aconchegou mais em seus
másculos braços.
Aaron respirou fundo e a abraçou mais forte, trazendo-a mais para seu
peito e era tão perfeito que quase chorou como um bebê.
Então ela percebeu que o contato físico não era um sonho, que não podia
ser algo tão real, que realmente estava na cama com o príncipe de Kimera.
Arfou, saltou da cama num salto que a fez atravessar o quarto e bateu
num cômodo de madeira e uma bacia de louca com uma jarra dentro para
lavar as mãos caiu e espatifou no chão e ela ficou olhando com os olhos
arregalados para ele.
Aaron se sentou na cama num solavanco, olhou-a aturdido e assombrado,
ela rosnou para ele, assustada, espantada e aturdida, com a cabeça girando
rápido sem se situar na situação novamente, estava acordada agora e a
situação era a mesma do sonho.
Ela arfava nervosa olhando para ele, olhou ao redor pelo quarto.
— Onde estou?
— Kimera.
— O príncipe.
Clere não disse nenhuma palavra, porque seu olhar se prendeu no dele e
ela focalizou perfeitamente seu rosto e Aaron ficou tonto da maneira que ela
o olhava.
Ela era realmente muito pequena, frágil aparentemente, mas ele sentiu a
força nela, o coração de aço de determinação e a resolução obstinada que a
enchia, a força de uma alfa que estava perdida em si mesma.
Mas ele sentiu algo mais, algo que não sabia identificar, além do lado
escuro, um lado sensual de sua natureza, isto lhe despertou desejo, mas
quando deu um olhar intenso e curioso, acalorado sobre ela, tentando lê-la,
tentando descobrir o que ocultava e o que pensava, ela se mexeu inquieta e
ele parou de especular.
Ela sorriu nervosa pela sua brincadeira e ele sorriu, porque amou seu
sorriso encantador, ela tinha pequenas covinhas que ele amava.
— Acha meus miolos fritos bonitos também?
Aaron respirou fundo pensando se contava ou não. Não queria que ela
sofresse, mas tinha medo que, quando ela soubesse o que fez, perdesse a
confiança que tanto tentava construir, e isso era mentir e ele nunca mentia.
Bem, talvez mentisse quando dizia que estava bem e não estava, mas não
sabia se podia considerar isso uma mentira.
— Acha?
— Sim.
— Li numa revista que as pessoas que sofrem algum trauma forte podem
esquecer alguns acontecimentos que o causaram.
— Está?
— Oh.
— Sei que está me ocultando algo, mas está fazendo isso para me
proteger de algo ruim, não é?
Aaron piscou aturdido por ela conseguir saber o que estava acontecendo,
mesmo não se lembrando do que era.
Ela assentiu, porque não sabia o que estava acontecendo, mas ele lhe
inspirava tanta paz, tanta tranquilidade e havia algo de errado com seu corpo
quando ele se aproximava. Era familiar.
— Vou confiar em você.
— Vou te provar que pode fazê-lo. Mas já que quer confiar em mim então
vou te contar o que fiz, pois não quero que pense que estou mentindo para
você.
— O que é?
— Eu pedi para Vanora apagar suas memórias e ela apagou, não todas,
mas algumas, talvez algumas mais feias.
— Está brava?
Clere respirou fundo e ele percebeu que ela se acalmou. Sua companheira
sempre o surpreendia até a morte.
— Eu agradeço por isso. Acho que foi bom, mas não esconda nada de
mim ou faça nada sem me perguntar, ok?
— Ok. Quer elas todas de volta?
— Pode até ter esquecido algo importante, não sei, foi aleatório, talvez as
que mais temia foram temporariamente apagadas.
— Sim.
— Sou uma pessoa torta, eu agradeço por tentar me ajudar e ter tanta
paciência comigo.
— Acredito que sua vida também não tenha sido nada fácil, que tenha
também muitas cicatrizes e lembranças ruins.
— O suficiente.
— Considere feito.
Aquela frase acariciou seu coração e sua alma de muitas maneiras. Ela já
não sabia quem era realmente, mas sabia que iria descobrir, logo.
E mesmo que Clere ainda não tivesse noção nenhuma do que estava
acontecendo e porque Aaron estava ali a tomando nos braços, ela sentiu a
energia vibrante e calorosa que veio dele e a mensagem sussurrada no vento
pelos deuses anunciando que era hora de dois companheiros de alma se unir.
Podia levar tempo, podia demorar em ajeitar as coisas, mas Aaron fez a
promessa de salvar sua pequena loba e, no processo, salvar a si mesmo e ele
não permitiria errar mais uma vez.
Ele a levou para a sala de banho onde havia uma espécie de piscina
pequena de pedras e da parede, com pedras brutas, saía uma pequena
cachoeira de água. Parecia como um banho romano, mais rústico.
— É onde me banho.
— Como é possível?
— Sim, obrigada.
— Molhou-me toda!
— O quê?
— Hum... não me conhece, e apesar de ser loba, achei que ficaria mais
confortável se estivesse vestida.
— Sim.
Ela ficou olhando para ele com os olhos arregalados e sem entender nada.
— Nenhum. Por favor, tome seu banho, eu não olharei se não quiser, mas
ficarei aqui.
Foi difícil tirar os olhos dele. Sua mente rodava rápido quase a deixando
tonta e fortemente tentou se focar. Ela tocou a chemise branca longa que
agora estava molhada e colada em seu corpo.
Ela o olhou de canto de olho porque ele podia ver tudo dela, pois o tecido
ficou translucido e moldava seu corpo e seus seios e ficou envergonhada.
Nunca havia se lembrado de estar envergonhada antes por um homem olhá-la
e ver seu corpo, seus seios.
Nojo sim, sabia que sentia, mas não dele. Pensou em tirar a camisola, mas
achou melhor não. Ele a deixava tonta e confusa e seu corpo ficou estranho.
Ela engoliu em seco, pegou uma bucha e uma barra de sabão rústico que
estava na beirada, cheirou e era deliciosamente perfumado. Então começou a
lavar-se, deslizando a bucha em seu corpo, pelos braços, pescoço, mesmo
sobre o fino tecido de linho.
Queria matar alguns humanos pelo que tinham feito a ela, queria socar a
cara de algum deus pelo que tinha feito a ele.
Era uma presepada que tinham armado para ambos. Eles eram
companheiros, assim os deuses tinham determinado, mas o destino sempre
tentava separá-los, de um jeito ou de outro. Podia ser uma piada, mas no
fundo de seu coração sabia que era certo a fazer e nunca desistiria de tentar
mantê-la.
E isso era desesperador, porque ele não sabia se podia salvá-la do seu
inferno, que agora ele fazia parte. E se não pudesse?
— Ops...
Clere tinha preferido usar a terrina para lavar o cabelo do que ir debaixo
da água que caía pelas pedras. A maneira doce com que ela riu e a pegou da
água o fez amá-la. Pelos deuses, queria dar o mundo a ela.
Clere o olhou espantada e com a respiração presa, foi para trás e ele parou
e esticou o braço para que ela parasse.
Uma carícia, doce e maravilhosa que a fez chorar, ela abriu os olhos e
ficou olhando para a água que caía, ouvindo seu doce som, sentindo o
acalento de suas mãos em seus cabelos, lavando-a com cuidado, com carinho.
Ela não sabia direito por que aquilo tudo lhe doía o peito, mas tocou
fundo. Sua cabeça atrapalhada não lhe permitia entender por que aquilo
atingia seu coração tão fortemente.
— Vire-se.
Ela não se mexeu. Então ele a pegou pelos ombros e lentamente a virou
até que seus olhos se encontraram. E ele ficou chocado porque ela estava
chorando e tocou suas lágrimas.
Ela pensou para ver se era isso que sentia, medo ou repulsa, mas não era,
era doloroso, mas novo, era de receber o carinho, até então desconhecido,
então negou.
Ela assentiu.
Ela não se lembrava de que ele tinha dito todas aquelas coisas, que era seu
companheiro, não se lembrava do pesadelo que haviam passado. Vanora
havia apagado aquele momento e com isso sua declaração.
— Desejo.
Então, ela tocou seus cabelos e ele quase rosnou pelo toque. Deuses,
previa uma nova leva de torturas em sua vida. Se ele tinha conhecido as
piores trevas da eternidade, agora havia começado outra fase e nem tinha
noção do sofrimento que viria. Mas era de uma forma boa, em partes. Não
desistiria.
Ela riu.
— Sim.
Oh, ele quis morrer. Então ele estendeu a mão e esperou. Ela ficou o
olhando sem entender e lentamente levou a mão na sua. Ele a virou, sem tirar
os olhos dela e beijou seus dedos demoradamente.
Ele não sabia se ia para a frente ou para trás, pois a imagem dela pelo
espelho enorme no canto do quarto o fez paralisar.
Ela vestia um vestido carmim, que abria em sino, longo até o chão, um
pouco mais longo atrás, as mangas eram justas até os cotovelos e abriam
caindo em camadas mais longas nos punhos, a gola tinha uma larga faixa de
bordados, sobre o vestido, havia um corpete na cintura preto em brocado com
pequenos bordados de fio de ouro, que ia até abaixo do busto preso com
cadarços entrelaçados.
Seu cabelo curto estava penteado para trás e tinha uma delicada tiara de
ouro com pingentes longos presos nas laterais que caíam pelos seus ombros.
— Nunca pensei que este espelho teria uma imagem refletida tão bela no
seu nobre estandarte — ele sussurrou e ela sorriu lindamente.
— Acha que estou bela? Quer dizer... amei essa roupa, faz eu me sentir
em casa, tipo como se eu estivesse num conto de fadas ou num filme de
época. Sempre que via Vossa Alteza na ilha e sua família, eu senti vontade de
usar uma dessas roupas.
Ele franziu o cenho, se aproximou e ela foi se virar, mas ele a segurou
pelos ombros a fazendo olhar o espelho.
Por um momento tentou fugir, mas ele a segurou, não de forma rude, mas
a travou, confusa. E ele a olhava no espelho sobre a sua cabeça.
— Como não? Olhe seu rosto... nariz arrebitado, pele perfeita e deve ser
sedosa como uma pele de pêssegos, seus olhos são como o sol radiante num
dia de verão, lábios rosados e perfeitamente delineados... — Que ele sonhava
em beijar. — Bela e fresca como uma manhã de primavera. Essa cor ficou
bonita em você, realçou sua beleza.
— Não.
Deus, como ele era lindo! Assim de tão perto deixava sua cabeça tonta,
seu aroma era forte e poderoso que a envolvia como se fosse um abraço
invisível, uma força que parecia puxá-la para mais perto dele.
— Não estou, por favor, acredite, jamais irei mentir para você, minha
palavra é minha honra. Você significa mais para mim do que posso descrever
ou expressar.
Ele estava sentindo um turbilhão no peito e não entendia como ela não
sentia nada por ele. Se ela pelo menos se lembrasse dele, o reconhecesse...
Seu coração doía perdido e com medo. E raramente sentiu algum medo na
sua longa vida. Talvez só precisasse de tempo para ela vê-lo como seu
companheiro, para reconhecê-lo.
Paciência, pediu.
— Porque eu me importo.
Clere sentiu sua garganta embolar sabendo que tinha algo muito errado na
sua cabeça, acreditou nele, e suas palavras tocaram fundo em seu coração.
— Deixe as feridas para trás. Deixe seu coração curar. Sei que pode estar
cansada e confesso que eu também estava, mas agora podemos nos revigorar.
— Não entendo.
Ela sorriu e assentiu e ele suspirou aliviado e contente. Ele pegou sua mão
e beijou seus dedos.
Aaron sorriu e, pelos deuses, era o sorriso mais encantador e sedutor que
ela já viu na vida, sua voz era hipnotizante, um som baixo e profundo. Sua
voz era muito mais rouca que a da de Noah, tinha uma cadência baixa, forte e
elegante.
E aquele rosto, nariz comprido, perfeitamente reto, uma linda boca com
lábios naturalmente perfeitos e uma pequena covinha nas bochechas quando
ele estava sorrindo. Perfeitas. Sobrancelhas arqueadas em um tom dourado
escuro. Cílios negros ao redor dos olhos com seu verde magnífico que não
tinha visto nos outros lobos, um verde-claro magnífico.
Ele ofereceu o braço dobrado a ela que enganchou e eles saíram pelo
castelo, e ele ia mostrando cada parte, o que era, onde dava os cômodos de
cada um.
— Nem todos falam inglês ou outro idioma, somente nossa língua natal,
que no seu mundo seria uma língua morta.
— Qual é?
— Oh, seu castelo então ficava na Gália? Ouvi as histórias de Erick, mas
não me localizei onde isso seria hoje em dia.
— Sim. Toda a região era a Gália, que hoje são Bélgica, França e Itália.
Nosso território era chamado de Gália Bélgica, depois se tornou Gália
Romana e hoje sei que chamam de Bélgica.
— Você viu?
— Vi, mas hoje está tudo muito mais diferente de nossa época, dois mil
anos é muito para conseguir preservar a história.
— Jura?
— Sim.
— Sim, oh, meu Deus, lá está ele! Podemos ir lá, por favor?
— Estupendo!
— Não.
— Não, minha mãe morreu no parto de meu irmão mais novo, muito
antes, meu irmão morreu alguns anos depois de febre.
— Sinto muito. O que houve depois?
— Sinto muito.
— Sim, era normal. Era sábio ter proximidade com o oculto, adquirir
sabedoria e apoio dos deuses para reinar. Muitos reis sentiam-se seguros em
saber que um mago ou uma bruxa estavam por perto para ajudar e assim,
sentiam maior proximidade com os deuses, sentiam-se mais confiantes e
fortes para reinar e ir à batalha. A religião celta era nosso dia a dia, naquela
região, principalmente por Vanora, pois nossos povos conquistados ali eram
celtas e gauleses. Com nossa chegada, nosso reino ficou miscigenado, meio
celta, meio nórdico, mas era permitido pelo rei. Os celtas faziam rituais e
predestinação, ouvir os oráculos era normal. Nada demais, nada anormal,
pois também tínhamos a crença forte das profecias e dos deuses nórdicos.
— Foi assim que nosso rei conheceu Vanora?
Clere suspirou com o que ele disse, pensou que nada mais seria tão lindo
como o jeito que ele descreveu Vanora, como todos a amavam. Sim, sentiu
uma pontada de ciúmes.
— O quê?
Clere piscou aturdida o olhando sem entender nada. Ela não acompanhou
o raciocínio no primeiro momento.
— Oh... desculpe, eu não estava com ciúmes, somente achei muito bonito
como falou dela.
Ele sorriu.
— Claro... Quando tiver minha companheira, nada mais será tão
importante quanto ela, morrerei por ela se for preciso. Erguerei meus
exércitos e matarei qualquer um que tente feri-la e ela será a estrela do meu
céu à noite e meu sol radiante de dia.
Clere suspirou encantada e sim, ainda sentia ciúmes, pois desejou ser
protegida e amada assim.
— Não posso afirmar. Estou curioso com esse negócio de filmes. Ouvi
Kayli e Vanora falarem sobre, parece que os encantou. Espero conhecer.
— Eu posso lhe mostrar, também adoro assistir filme com um grande pote
de pipocas com Coca-Cola ou café. Luca me viciou.
— Iremos.
— Se eu soubesse usar magia, agora mesmo eu faria aparecer uma bacia
de pipoca.
Aaron riu.
— Vanora sempre adverte sobre usar mal a magia. A magia fez a Terra
palpitar quando decidiram usar magia para seus ganhos pessoais, sem um
intento de bom coração. Vimos isso no passado. A magia mal usada
corrompeu os celtas, e em vez de se unirem para lutar contra os romanos,
dividiram-se e então perdemos. Os humanos se voltaram contra a magia e
contra nossos lobos, pois quando os viam, os achavam sobrenaturais demais,
e os lobos odiaram as bruxas e feiticeiros pelo que tiveram que suportar e
carregar para si. Pelo menos, os que ficaram na Terra depois que Kayli e eu
partimos. Os lobos que ficaram desejavam guerra, os que foram para Kimera,
desejavam paz.
— Sim, eu soube.
— Foi muito difícil quando Kayli virou aquela besta, Vanora quebrou a
maldição após longos anos de sofrimento.
— Sim, a maior parte dela. E boa parte dos nossos guerreiros tomou um
bocado para si.
— Podia.
— O que houve?
— Os rios e as terras do meu reino se tornaram vermelhos pelo sangue
dos romanos, celtas, lobos e bruxas, tornaram a morte como uma nuvem que
pairava no ar, como uma névoa cinzenta.
— Naquele tempo era muito difícil perder uma guerra assim, não?
— Gosto daqui, é tão lindo e mágico, mas ainda não sei meu lugar no
mundo.
“Ao meu lado”, ele pensou. Ele assentiu e não sabia o que dizer.
— Qual foi a outra motivação? A que você disse que o fez mudar de ideia
de voltar e lutar?
— O quê?
— Quem é?
— Sua companheira?
— Sim.
— Ainda não a tenho em meus braços, mas um dia espero ter. E quando
isso acontecer ela nunca mais partirá.
— Bem, na época não foi nada romântico, mas os bardos podiam deixar
uma desgraça ser cantada de forma inspiradora.
— Sim.
— Oh, eu adoraria!
— Então assim será.
— É que onde eu estava presa não havia acesso à luz do sol. Não sei
como ele entrou lá.
— Vagalume?
— Sim, eu me lembro de chorar e pedir ajuda, que ele voasse para longe e
trouxesse alguém para me salvar.
— Entendo e lamento.
— Nunca pensei ter inveja dos pássaros, mas tenho. São livres para voar
aqui. Imaginava que era o vagalume lançando-me pelas janelas e voando pelo
céu azul, entre as nuvens, em liberdade.
— Eu sei, mas tem momentos que minha mente volta na cela fria, com
pouca luz, por isso não consigo dormir com as luzes apagadas. Sinto o frio do
aço gelado impregnado em meus ossos. Quando ando parece que ouço o
tilintar das correntes, sinto meu estômago embrulhado por gosto de sangue e
drogas.
— Lamento, espero que eu possa curar todas essas lembranças ruins que
ainda restaram.
— Eu também.
— Ele pode ser rei, mas é um lobo e nós adoramos correr pelos bosques e
caçar nossa comida.
Ela sorriu. Eles pararam diante uma porta alta de madeira maciça e ele
sorriu.
Ele sorriu lindamente, beijou o dorso de sua mão e saiu correndo. Ela
arfou quando ele saltou sobre um enorme tronco e no meio do salto se
transformou em lobo.
Ela arfou e riu, encantada o olhando. Seu lobo era enorme, maior que os
outros e era simplesmente magnífico, seu pelo era marrom com mechas
pretas, douradas e prateadas, fios longos que ela desejou embrenhar seus
dedos.
Ele parou, virou-se e a olhou, então uivou um adeus, que a fez sorrir e
sumiu entre as árvores.
“Ainda não a tenho em meus braços, mas um dia espero ter. E quando
isso acontecer ela nunca mais partirá.”
Clere revirou aquela frase na sua cabeça e seu coração se afligiu, e ali
estava o mesmo sentimento de antes, ele estava procurando uma companheira
e isso a perturbava, então ela percebeu que algumas lobas a olhavam de longe
e cochichavam dela.
Que maravilha, ali eles também cochichavam sobre ela. O que havia de
errado com ela, afinal? Ela se concentrou e tentou ouvir sua conversa.
Clere ia entrar até que um homem muito belo e com os cabelos muito
compridos e loiro, pareceu espantar as mulheres que saíram correndo
rapidamente, então veio em sua direção.
— Olá.
— Todo mundo em Kimera conhece seu nome. Não ligue para elas,
senhora, sempre há línguas afoitas para importunar.
— Bem, era sua antiga alfa. Ela morreu há séculos. Elas eram de sua
alcateia e nós as resgatamos. Os lobos estão curiosos por você estar aqui.
— Isso é ótimo. Estou muito contente por estar aqui e que está bem.
Aaron precisa de você.
Clere se espantou com o que ele disse, mas antes que ela perguntasse o
que queria dizer com aquilo, ele a interrompeu:
Por que a reverenciava daquele jeito? Ela abriu a boca para perguntar o
que estava acontecendo, mas o belo homem se transformou no lobo, ficou a
olhando por um minuto e saiu correndo para caçar.
Clere andou pelos corredores que eram escuros e havia várias tochas
presas nas paredes e candelabros com velas acesas.
Tocou alguns com os dedos, encantada, andou pela sala e do outro lado
havia duas mesas grandes cheias de coisas, assim como duas gigantescas
estantes nas paredes cheia de vidros com líquidos coloridos, pergaminhos,
potes e ervas de todos os tipos, sobre as mesas havia livros abertos,
almofarizes, muitas ervas e velas acesas, uma lareira que estava acesa e tinha
um pequeno caldeirão pendurado sobre o fogo com algo que fervia.
— Oh, perdoe-me, eu não quis invadir... eu... hum, o príncipe Aaron disse
que eu podia entrar.
Vanora sorriu e veio até a mesa. Colocou a cesta ali e pegou alguns
galhos da planta e colocou no caldeirão.
Vanora riu encantada e colocou duas xícaras com pires muito elegantes
sobre a mesa, o que Clere estranhou, pois a louça parecia de séculos atrás,
mas não medieval ou do período antes de Cristo, o que confundiu sua cabeça.
— Eu? Tomar?
Ficou com medo de tomar, mas quando viu a rainha tomá-lo, achou que
não era nada de mais, então bebeu.
— Sim. Kalyan Ragnar Nordur. Foi a última vez que alguém de Kimera
colocou os pés na Terra. Depois Átika o levou embora e lacrou a passagem.
— Sim.
— Sinto muito.
— Está no passado agora, devo me regozijar por ter meu filho de volta,
uma adorável cunhada e minha preciosa Safira. Foram muitos presentes que
fez apagar tanta dor.
— Ela faz o mobile rodar, é uma bruxinha — disse rindo e Vanora riu
orgulhosa.
— Que bom que não sofre mais pelo passado, é uma esperança que
podemos deixar tudo para trás. Espero que um dia eu consiga chegar a isso.
Olhou para a rainha e a achou linda demais, usava um vestido rosa com
lilás que arrastava no chão com camadas de tecidos muito finas e delicadas, o
busto era ornado com pedras e bordados e ela não usava a coroa na cabeça, e
seu cabelo estava solto e caía até a cintura. Parecia estar à vontade, sem
cerimônias.
Clere reparou que havia uma larga mecha branca na frente, que parecia
que não existia antes.
— Não me ofende.
— Oh, parece que aqui todos leem minha mente com mais facilidade.
Vanora riu.
— Pode ser, pois está mais aberta e receptiva aqui, Clere, e estou contente
que esteja. Nem sabe como alivia meu coração. Esta mecha eu ganhei por
ajudar alguém muito cara para nós. Um sacrifício para afastar a dor de
alguém.
— Sinto muito.
— O que é isso?
— Sim. O tempo era regido pela lua, que era amplamente estudada e
respeitada, o calendário foi suprimido pelo calendário romano. Chamavam
calendário lunar. Há alguns deles diferentes dependendo da região.
— Oh, esses romanos estão começando a me irritar. — Vanora riu. —
Como era? Não entendo essa língua, deve ser a celta, gaulesa?
— Sim, minha língua natal. Os nomes dos meses eram nomes de árvores.
— Que legal!
— Sim, muito forte ainda na Irlanda, onde era sua casa. Sabe, tínhamos o
mês negro, e não sei se foi consciência ou não, ele realmente se tornou negro,
o tempo em que aquele mago transformou Kayli naquela besta e tempo
depois quando eu perdi meu filho.
— Sim, ser uma bruxa, uma druida ou uma Senhora das Castas, como eu
sou, tinha muita importância. Nossas palavras eram respeitadas, nosso
conhecimento era admirado. As pessoas buscavam os curandeiros para sanar
suas doenças porque acreditavam no seu poder de cura. Não nos temiam nem
ridicularizavam.
Vanora sorriu.
— Muito difícil, mas acho que eles fazem muito esforço para não fazê-lo,
hoje o ego de um homem tem que sobrepor a todos, e não admitem ver uma
mulher superior a um homem ou ser poderosa — Ela baixou a voz,
sussurrando: — Mas somos.
Clere sorriu.
Vanora riu.
— Muito complexo.
— Sim, nós sentimos a magia, nós somos a pura magia do divino —
Vanora disse e sorriu. — Com o passar dos anos, eles nos queriam submissas
a eles, com medo, mas não somos nada disso. Bruxas não são más e lamento
que nos viram assim durante séculos e séculos, mas o que mais os assustava
era que nós vemos o que os outros não veem.
— Pena que os humanos criam um inferno para nós, podiam ser bons,
mas tem tantos ruins, tanto homens quanto mulheres. Tinha mulheres nos
laboratórios e elas não se importavam conosco.
— Eu lamento, isso foi horrível pelo que você passou e estarei aqui
sempre para ajudar.
Clere ficou olhando para ela como se quisesse perguntar algo, como se
quisesse dizer algo muito importante, mas a mensagem não chegava, não
esclarecia na sua mente.
Vanora sorriu.
Vanora a observou e pensou em contar algumas coisas, mas sabia que não
era hora.
— Um portal.
— Coisas?
Clere se dirigiu até a parede. Havia uma espécie de fumaça que dançava
pela parede, mas não parecia poder passar ou ver nada, dos dois lados
escorria um filete de água que parecia conter pontinhos azuis brilhantes nela.
— Por quê?
— Porque ele buscava algo muito precioso para ele. Ele ficava horas no
portal observando, buscando qualquer pista que pudesse obter. Algumas
vezes interferimos, e resgatamos lobos e até alguns humanos. Uns nos
chamaram, acreditando na nossa sobrevivência. Outros resolveram nos
ignorar passando a informação de que os reis haviam desaparecido
completamente, mortos há dois mil anos.
Isso chocou Clere, que perdeu a fala por um momento. Porém, mordeu a
língua porque queria perguntar, o fato de saber que ele procurava uma
companheira mexeu com sua cabeça.
— Ele a encontrou.
— Perdeu?
— Deixarei que ele lhe conte se for de seu desejo. Já disse demais. Mas
oro todos os dias para que ele finalmente encontre sua paz e seja feliz.
Clere não sabia por que o assunto a incomodou tanto, pior que, quando
ele mencionou, ela espremeu as mãos e olhou para a rainha que a observava.
— Eu lamento...
— Deve vigiar suas ações agora. Seja corajosa, forte e mantenha sua
mente clara, pois, quando a água está turva e poluída, quando há uma camada
de sujeira sobre a água, é impossível ver sua pureza.
— Você precisa sair desse lamaçal que está presa e, quando vir a luz que
está na sua frente, a escuridão vai sumir. Não será fácil, mas você consegue.
Vai ter que olhar para seus tormentos e dar as costas para eles.
— Eu vou tentar.
— Obrigada.
— Clere?
— Sim, Majestade?
— Uma coisa que eu aprendi é que o amor de companheiros de alma é o
mais forte que jamais existiu, mas é preciso calma e muita sabedoria. Quando
o coração e a mente estão em tempestade, a única coisa que vemos é o vento
forte, as nuvens negras, os trovões. Quando encontramos a calma e a
sabedoria, sabemos que as tempestades passam e depois vem a brisa fresca e
o sol. Você não conhece o amor, mas vai conhecer. Não conhece a calma,
mas precisa encontrar. Quando descobrir quem você quer ser, vai encontrar
força para lutar. No momento só posso dizer que vai encontrar suas respostas
ao lado de Aaron. Não tenha medo.
Clere estava chocada, mas não conseguiu dizer nada, então Vanora saiu e
ela ficou ali, atordoada.
Os preparativos correram por todo o dia e ao entardecer muitas fogueiras
estavam acesas com os espetos cravados em um animal, que era assado sobre
elas. As pessoas estavam por todos os lados rindo, dançando, brincando e
bebendo vinho, cerveja e hidromel.
Havia uma fogueira baixa, estreita e comprida que chamou sua atenção.
— De nada, é seu.
— Pedido?
— Vamos, agora você amarra a fita num galho da árvore e faz um pedido
para o povo das Fadas, então pega uma vela e uma fruta e coloca no pé da
árvore, como oferenda para que elas fiquem contentes e realizem seus
pedidos.
Clere animou-se, pegou uma vela e acendeu, pegou uma maçã e colocou
junto às outras e respirou fundo, fez um desejo e amarrou a fita num dos
galhos da árvore que estava encantadora, cheia de lacinhos.
Aaron pediu que ela o amasse e nunca mais fosse tirada dele.
Clere sentiu algo percorrer seu corpo e a deixou perturbada. Ela ficou sem
jeito, sorriu e respirou fundo tentando desviar o olhar abrasador dele, sim, ele
a olhava de uma forma que ninguém nunca olhou, era tão intenso que a
deixava tonta.
— Coloca na cabeça.
— Obrigada, é linda.
— Está contente?
— Sim, estou adorando, tudo é tão lindo aqui e sua festa é maravilhosa.
Seu reino é mágico e me enche de emoção estar aqui.
— Claro!
Daria tudo o que a fizesse sorrir, pois assim, ele afastaria sua tristeza e
estaria mais próximo de recuperar sua loba. E vê-la rir daquela maneira,
realmente enchia seu coração de felicidade e esperança.
Ela foi alegre no meio das flores, abriu os braços e girou rindo dos
vagalumes que voavam ao seu redor e riu mais quando um se sentou em sua
mão e ela o observou.
— É tão bom ser livre, não é, pequena luz? Quando eu era criança, a
gente pegava os vagalumes, colocávamos dentro dos vidros somente para
observá-los, queria descobrir como era possível um animalzinho brilhar dessa
maneira, mas mamãe nos ensinou que não poderíamos ficar com eles presos,
porque animais não podem ficar presos, devem ser livres, então a gente os
pegava, os observava e depois soltávamos. Todos os animais devem ser
livres, inclusive os lobos. Estar em jaulas não é bom.
— Promete?
— Prometo.
Ele sorriu e acariciou sua mandíbula. Ela se espantou, deu um passo atrás
e o olhou com os olhos arregalados.
— Desculpe.
É que morria por tocá-la, era quase um inferno não tomá-la nos braços,
doía, realmente doía.
— Não precisa pedir perdão, é que eu não estou acostumada com carinho,
mas... gostei.
— Gostou?
— Sim. — Ela tocou sua mandíbula e ficou sem jeito. — Foi doce.
Ele sorriu porque amou o jeitinho dela, meigo, suave, amava as pequenas
coisas. E ele amava a ela.
Aaron engoliu em seco. Como podia amar alguém que mal conhecia?
Afinal, ela não era a mesma mulher, mas amava, sim, amava Clere. Era
estranho, diferente e doloroso. Mesmo sendo parecidíssima com a outra, ela
não era a mesma pessoa. Ele não sabia explicar, aquele negócio de
companheiros de alma realmente lhe dava um nó no cérebro e embaralhava
suas ideias, mas era o que era e ele não tinha como negar e nem queria, seu
tempo de negação já tinha passado há muito tempo.
Ela abriu os olhos e ficou olhando para ele, tentando entender seus
sentimentos. Tocou a mão dele e Aaron poderia uivar aos céus de felicidade.
Quando ele tomou sua mão, ela não se afastou e ele a levou para comer,
beber e dançar, bater palmas ao embalo da música. Todos estavam contentes
e felizes, rindo e brincando.
E, apesar de Clere observar que era o centro das atenções dos fuxicos,
ninguém foi rude ou lhe disse algo ofensivo.
Tudo foi maravilhoso e Clere foi dormir naquela noite com alegria e
parecia embalada em uma nuvem de lindos sonhos, e sim, uma coisa que não
conseguiu tirar da sua cabeça foi o lindo príncipe que não saiu de seu lado
nem por um momento. Gentil, lindo e fazia seu coração bater mais forte.
Clere suspirou sonhadora e reforçou seu pedido às fadas para que seu
desejo se realizasse, que um dia ela tivesse seu companheiro de alma como os
outros lobos e pudesse ser amada de verdade.
Erick olhou para a bolsa e para o seu tio com a sobrancelha erguida e
cruzou os braços.
— Uau, você pelo menos foi meio modesto com um saquinho, diferente
de meu pai que chegou com um baú de moedas — disse rindo.
— Bem, tio, não pode. Isso seria apenas uma peça rara e valiosa de
museu, nenhum lugar vai aceitar essas moedas.
— Oh, então eu preciso que troque essas moedas para mim, por dinheiro
que usam aqui. Tenho mais ouro se precisar e joias.
— Entendi.
— Sim... entendo...
— Bem, isso me parece genial, porque então não juntamos as duas coisas
e o senhor será seu acompanhante nos passeios, afinal ela não poderá fazer
isso sozinha, precisa de um acompanhante — Erick concordou.
— Eu serei o acompanhante.
— Entendo sua preocupação com ela, alfa Noah, e o considero muito por
isso. Mas, como já disse antes, aquela garota é minha companheira e, de
agora em diante, ela será minha responsabilidade. Eu tomarei conta dela e
darei tudo o que necessita.
Aaron assentiu e olhou para Erick, que passou a mãos pelos cabelos e
respirou fundo.
— Ela aceitará.
— Cartão de crédito?
— Sim, uma única tarjetinha plástica que pagará qualquer coisa com ela
onde quer que vá.
Erick riu.
— Definitivamente.
Ilha dos Lobos, Grécia.
E quando viu que havia uma dança especial com o beta de Alamus, ele
não conseguiu segurar um rosnado de frustração, pois queria ele lhe dar esses
momentos memoráveis e não outro macho e, por mais que Erick tivesse lhe
explicado, ainda estava cheio de ciúmes.
Harley queria lhe compensar e pedir desculpas por algo, mas ele não tinha
entendido realmente o que era, pois o macho era acasalado e sua
companheira, uma loba realmente impressionante, estava junto e estava
prenhe, então não era um galanteio ou um pretendente que poderia ver como
um risco.
Achou aquela dança que chamavam de valsa muito perto um do outro, o
que lhe incomodou, mas respeitou, pois não quis tirar seus momentos, e
observou tudo quase como um mero espectador no canto do salão.
Ela estava contente e emocionada e percebeu que tudo isso era muito
importante para ela, então se conteve até que pudesse se aproximar. Estava
afoito demais para ficar pisando em ovos.
— Eu sei.
Yasmin riu.
— Não estou, não. Só não gosto que o beta de Alamus tenha tido essa
ideia e eu não.
— Ele é seu amigo e foi muito gentil em pensar em dar uma festa para o
seu aniversário, já que isso lhe foi privado por muitos anos.
Aaron rosnou e Kayli o pegou pelos ombros, o virou para que o olhasse e
ele parasse de olhar para Clere e Harley dançando.
— Eu também acho.
— Um pouco pequena para uma loba, mas muito graciosa e bonita.
— Sei que é.
— Isso é uma valsa, tio, mas não precisa dançar uma valsa, apenas a
pegue nos braços e deixe que ela te veja, te sinta, somente se embale.
— Mas ela é muito jovem e somente necessita ser cortejada como uma
princesa merece.
Yasmin olhou para trás e viu Alexander na sua cadeira de rodas, junto
com os alfas de Alamus, e olhou de volta para Aaron fazendo um beicinho.
— Eu vi.
— Pelos deuses, mais essa agora — Kayli rosnou baixinho e Vanora riu.
Realmente desejava que fossem felizes e estava contente que ele tinha
salvado sua semideusa, não que aquilo de semideusa tivesse entrado na sua
cabeça, porque não tinha.
Ele estava usando uma calça marrom e botas e uma túnica azul-escura
com a gola bordada em fios de ouro, um cinto na cintura e um cordão largo
de ouro. Uma roupa distinta de um príncipe, estava escorado na porta do
terraço com os braços cruzados e a olhava.
Estava escorado mais para o lado de fora, então deu um passo adentro,
abaixou um pouco a cabeça quando passou pelo batente da porta, porque era
mais alto que ela.
Seus cabelos estavam mais curtos até os ombros, pois havia cortado e
pareciam mais bonitos e brilhantes e suas mechas loiras estavam mais
ressaltadas, assim como os fios prateados nas têmporas. Havia aparado um
pouco a barba também.
Ele ainda estava ali por ela, não ia embora, ele tinha se mantido afastado e
ela ficou em dúvida se devia se aproximar, e com toda a agitação ela o tinha
visto, mas não se aproximou.
Mas sabia que ele gostava de sua companhia e ela gostava da dele, porque
era fácil, bom e tranquilizante. Quando ele estava perto havia algo palpitando
em seu coração e ficou mais do que contente que ele estava ali naquele dia
tão especial em que lhe presenteavam com uma linda festa.
Mas havia algo mais sobre ele. Uma atração que parecia quase perigosa.
Sentia que havia algo familiar e seu estômago ficava cheio de borboletas
voando, pelo menos era a sensação que sentia, como um frio no estômago,
suas mãos tremiam e, não conseguia parar de observá-lo e não gostava
quando o perdia de vista. Bonito, bonito demais para sua sanidade mental.
Mas ficou pensativa se ele era já bonito assim antes de ser lobo. Era um
homem a ser reparado, um que deveria ter o toque que seria prazer puro. Um
homem que desejou, mesmo sem entender como era realmente desejar um
homem. Havia amado quando ele lhe tocou a mão e o rosto, quando acariciou
e lavou seus cabelos. Queria descobrir mais.
E o jeito que a olhava, com aquele olhar quente, sem piscar, que dizia mil
coisas e a desconcertava, com desejo, mas era agradável, porque ele mantinha
o controle. Podia senti-lo lutando por isso. Senti-lo se esforçando por isso.
Se virou para ele novamente pensando se deveria ir falar com ele, pois
não queria ser inconveniente, mas ao olhar para ele novamente sentiu outro
baque e seu corpo ficou tenso, quando ele descruzou os braços e veio em sua
direção. Ela enfiou o resto de doce na boca para ver se a glicose a fazia se
centrar.
Ele fez o que sempre fazia, ofereceu a mão esperando que ela lhe desse
livremente e ela fez, encaixou sua mão na dele e ele beijou o dorso.
Senhor, sim, ele era saído de um livro de contos de fadas, com seu reino e
tudo.
— Boa noite, Alteza — disse fazendo uma mesura e sem saber como
reagir naturalmente.
— Obrigada.
— Presente?
— Acha que lhe daria uma joia falsa? — perguntou aturdido e ela riu.
— Claro que não, mas pensei que seria uma bijuteria, isso é muito caro,
por que me dá algo tão caro?
Clere estava chocada e sorriu emocionada para ele e olhou a pulseira com
tanto amor, prazer e encanto, que Aaron ficou feliz.
— Sim. Permita-me.
Ele colocou a pulseira no seu pulso e então passou o dedo num vergão e
ela puxou a mão.
Ele quis rosnar e matar alguém. Então, carinhosamente pegou seu pulso,
se abaixou e lentamente beijou as cicatrizes, depois pegou sua outra mão e
fez o mesmo e a olhou, e Clere quase chorou.
Olhou-a tão de perto e colocou as mãos para trás das costas, porque
queria tocar mais nela, era quase impossível se controlar.
Então ele sorriu olhando sua roupa bonita, seus olhos maquiados e seus
cabelos.
Clere ficou desconcertada como a olhava daquele jeito, se ela não fosse
muito, muito cuidadosa, ele acabaria possuindo sua alma. E isso era bom?
Não sabia ainda. Ela tinha o pressentimento de que Aaron poderia ser um
pouco devastador, ou muito.
— Por quê?
— Quando o quê?
Ela ficou olhando para ele como se tivesse esquecido o que ia dizer. Que
os guardas a machucavam agarrando seus cabelos.
— Acha?
— Sim, deve fazer tudo o que te agrada. Eu gosto assim e gostei da outra
cor também.
Um flash rápido passou por sua mente de um homem gritando com ela e
agarrando seus cabelos a dor pareceu picar seu couro cabeludo e ela tocou
sua nuca.
Ela tentou forçar para se lembrar mais, mas ele tocou sua face com as
pontas dos dedos, docemente e isso quebrou totalmente suas lembranças e ela
o olhou aturdida.
Aaron sentia isso sobre ela também, tudo era forte e diferente e tudo os
deixava desconcertados.
— Dançar?
— Sim, bem... não sei dançar essa música que está tocando agora, mas se
me permite, eu gostaria de tentar.
— Devo dizer que é bem interessante. Mas não entendo, Yasmin disse
somente se embalar.
Clere riu.
— Sim, eu gostaria.
Então, ele ofereceu a mão e ela sorriu e a tomou, foram para o meio do
salão e eles se embalaram por três músicas seguidas e Luca, que estava dando
um de DJ, pareceu se esmerar de tocar músicas lentas e românticas para
incentivá-los a dançar mais e eles não perceberam nada ao seu redor, porque
ficaram perdidos nos olhares um do outro, mas todos se afastaram, deixando
o centro só para eles, olhando-os com curiosidade.
Ele estava com as mãos na sua cintura e Clere com as suas nos ombros
dele.
Ela sorriu encabulada, deu uma espiada ao redor e percebeu que vários
lobos estavam parados os olhando, o que foi estranho.
— Claro.
— Um fone de ouvidos.
— Ouço música com ele, amo música. Uso para outra coisa também, na
verdade.
— Que coisa?
— Nunca vi nada tão bonito como esta ilha, mas o verde daqui é diferente
da Irlanda, o bosque lá era mágico e eu sempre esperava para ver se
conseguia ver as fadas. Eu e Rania costumávamos ir ao círculo das fadas nos
esconder atrás dos arbustos e ficávamos quietas, esperando para ver se
alguma fada aparecia.
— Eu não a vi mais depois que fomos capturados. Soube que ela foi
morta. Ela amava as fadas. Talvez uma fada veio e a salvou dos homens
maus. Aliás, quase não há crianças, moças da minha idade na verdade, na
ilha. Havia muitas crianças de minha idade quando fomos capturados.
Desapareceram todas.
— Sinto muito.
— Por quê?
— Porque assim ela não sofreu. Não foi torturada e não teria sua cabeça
estragada como eu tenho agora. Tenho certeza de que uma fada a levou e está
feliz.
— Não sei o nome de felicidade, quer dizer, conheço o nome, mas não sei
o que é ser feliz. Acredito que a última vez que fui feliz foi quando era uma
menina, antes de tudo. Mas... hoje estou feliz, porque amei a surpresa. É só o
que posso me lembrar, e os momentos com o senhor em Kimera.
— Sabe... Nós podemos fazer uma lista de coisas que podem trazer
felicidade e então vamos fazendo e experimentando, o que acha?
— Então, Clere, aproveitando esse nosso acordo, tenho uma proposta para
você.
— Proposta?
Ela se virou para Aaron, o olhando curiosa. E ele parecia mais bonito à
luz do luar, deixava-a sem fôlego.
Quando ele dava aquele pequeno sorriso no canto da boca, tudo parecia
mais encantado e ela paralisou quando ele se aproximou.
Ele segurou seu rosto entre as mãos e acariciou suas bochechas
levemente.
— Aaron.
— Aaron.
— Este é seu primeiro baile, sua primeira dança que eu gostaria de ter te
proporcionado.
— Por quê?
— Lembrar-me do quê?
Pequena, ela gostava quando a chamava assim, era tão carinhoso e com
seu sotaque era perfeito. Amava seu inglês com sotaque de um dialeto antigo.
— O que é?
— O quê?
— Meu acompanhante?
— Sim, lembra quando você falou da lista de felicidade e agora falou que
podíamos fazer coisas?
— Sim.
Ela piscou e, então, quando se deu conta do que ele estava pedindo,
realmente não conseguiu deixar de sorrir e suas bochechas ficaram
vermelhas. Jesus, tudo nela ficou quente e foi uma sensação nova, porque não
conhecia.
— Você gostaria?
— Sim. Mas um príncipe não tem mais o que fazer do que passear?
— Sou?
— Sim.
— O senhor me protegerá?
Senhor, ele queria viajar com ela? Protegê-la? Ela não estava
entendendo por que ele fazia todas aquelas coisas por ela. Ela iria viajar e
conhecer lugares? Era muita informação bombástica e inesperada.
— E, querida, tudo o que você quiser, eu estou aqui para fornecer, Clere,
o que mantiver você segura, feliz e perto de mim, eu estou aqui para te dar.
Apenas me diga o que quer e concederei.
— Eu... fico tão feliz com isso, pois é tão especial e com o coração, me
sinto segura com o senhor... Parece que nada de mal vai me acontecer. Que
ninguém vai me machucar de novo.
— Não vai. Juro-lhe isso. Então... você aceita?
Ela riu lindamente, porque estava encantada e uma força nova surgiu
dentro dela. Uma esperança de que as coisas poderiam ser bonitas.
Ele sorriu, estendeu sua mão e ela a olhou e lentamente colocou a sua na
dele, sentindo lentamente o calor que a acalmava e a agitava ao mesmo tempo
tomar conta dela, e assim fazia o mesmo com ele, ao sentir sua mão suave e
pequena dentro da dele.
Quando a festa acabou e todos voltaram para suas casas, Aaron não queria
partir e não queria deixá-la na ilha, queria levá-la de volta para Kimera, mas
deixou que sua mãe a tivesse por um momento. Estava preocupada e feliz de
tê-la, como podia negar isso a ela?
E ele sorriu, embriagado ainda com o toque de sua pele, com o seu
perfume delicioso e viciante.
Mas ele soube que agora era a sua vez. Não seria fácil, mas estava forte
para fazer tudo o que fosse possível e até o impossível.
Aaron saiu do salão onde estava o portal. Ele não havia a encontrado, mas
podia sentir que ela estava se aproximando, mas se deu conta de algo. Tinha
coisas a resolver sobre si mesmo. Sua companheira não poderia chegar
quando ele ainda não tinha fechado aquela porta maldita da sua vida.
O lobo que cuidava das celas abriu-a e Aaron entrou e parou na porta. Ele
olhou para Audrea, que estava sentada em uma cadeira entrelaçando algumas
tiras de palha, havia somente duas velas acesas nos candelabros que
iluminavam a cela. Seu cabelo estava solto e longo até a cintura, usava um
vestido marrom surrado.
Não havia nenhum traço da esnobe e bela rainha do passado, que gostava
se ostentar suas joias e seu poder.
Ela tinha livros e pergaminhos com tinteiro e pena sobre a mesa, um prato
de comida e havia uma cama com cobertas quentes.
Ao longo dos anos, a cada vez, ele tinha lhe aberto a misericórdia para um
rogo, um pequeno alento na sua prisão, mas ele nunca tinha a perdoado a
ponto de libertá-la.
— Não.
— O quê?
— Por quê?
— Porque não quero mais esse ódio em meu coração, agora tenho algo
mais importante para tratar.
— Perdoou-me?
— Já não sinto mais nada em relação a você. Quanto à sua vida daqui por
diante, é seu assunto.
— Oh, que triste que não terá criadas para cozinhar seu alimento. Poderá
aprender algo por si mesma. O conhecimento engrandece a alma, Audrea, se
é que ainda tem uma. Ruri, leve a senhora até a sua cabana. Dê-lhe alguma
roupa, mantimentos e sementes, até que aprenda a plantar sua própria
comida. Somente o necessário.
— Sim, beta.
Aaron se virou e foi sair, mas parou na porta da cela e a olhou seriamente.
— Kayli anulou nosso casamento, não somos mais marido e mulher. Está
por si mesma.
Aaron voltou à sua busca e no ano de 1.110 d.C. ele encontrou sua
companheira de alma.
Atenas, Grécia.
— Sim, Kira me emprestou a casa, achei que aqui seria mais libertador do
que a casa do alfa, que fica aqui do lado.
— Parece aconchegante.
— Não há luxo, mas você disse que queria ser apenas Aaron aqui, então
acha que pode não gostar? Quer dizer, é um príncipe acostumado ao luxo.
— Erick trouxe minha moto e um carro para que possamos usar. Eles
colocaram uma tevê nova, pois disse que a que tinha era antiga.
— Eu sei.
Ela riu foi até ele, o puxou e o fez sentar numa cadeira de vime branca
que fazia jogo com uma mesa, que tinha na varanda. Ajoelhou-se e pegou seu
pé.
— Por quê?
Ele foi andando até a areia e parou na beira da água, era límpida e mansa,
sem ondas, de um azul que se encontrava com o céu e era realmente uma
beleza. Arfou quando recebeu uma jorrada de água na cara e ele piscou
aturdido e olhou para Clere, que ria.
Ele rosnou e quando viu que ela estava se divertindo, rosnou de novo,
mais alto e jogou água nela. Clere riu alto e gritou quando ele saiu correndo
saltitando na água para pegá-la, a alcançou e a derrubou na água e os dois
travaram uma luta jogando água um no outro, rindo e brincando, até se
cansarem.
— Não faz mal, fazia tempo que não fazia uma extravagância.
— Está livre aqui para fazer o que quiser. Essa casa será nosso porto
seguro, onde voltaremos de nossas aventuras.
Ele sorriu.
— Acho que precisamos comprar roupas novas para você. Não pode sair
por aí usando uma túnica de antes de Cristo.
— Sim, acho que minhas roupas de Kimera não são bem-vindas aqui.
Ela riu.
— O que é um supermercado?
— Nós. — Ela riu mais com a cara de espanto que ele fez. — Quer fugir?
É tarde para isso.
Ele rosnou e negou.
— Bem, faremos o que for necessário, nunca pensei que comprar comida
era uma aventura e nem fazê-la.
Ele riu.
— Ok.
— Está ótimo. Oh, e aqui podemos pedir comida, por delivery, na ilha não
podíamos pedir, então aqui podemos. Será divertido.
— Sim.
— Interessante.
— Isso é um chuveiro.
Ela tinha dito que era o mesmo que andar numa carruagem sem cavalos e
ele tinha desejado que fosse mais simples, mas ela parecia dominar bem a
geringonça com rodas.
Até então, Aaron não tinha óculos para esconder seus olhos, como Clere
estava usando, então, isso somente ajudou a causar maior impacto.
O que foi um sofrimento foi encontrar roupas que servisse nele pelo seu
tamanho. Puderam contar com um pequeno milagre.
O cubículo realmente irritou Aaron, mas por ela ele faria qualquer
sacrifício.
Ele abriu a porta nu e ela rosnou, jogou as roupas em cima dele e fechou a
porta, após ouvir um gritinho histérico da mulher que estava perto dela.
— Por quê?
— Claro.
— Obrigado.
Ele estava com uma calça jeans e uma camisa de seda preta, um blazer
preto e óculos escuros.
— Jesus...
— Acredito que tudo ficará perfeito em você, mas precisamos provar para
que não levemos algo feio ou que não sirva. Foi difícil conseguir essas roupas
desse tamanho. Se não fosse tão demorado pediria por encomenda.
Ele suspirou e ela riu, porque soube que homens não apreciavam tal coisa
como as mulheres.
Aaron não estava nem um pouco interessado nos flertes das moças que os
estavam atendendo, pois ele só tinha olhos apara ela e, apesar das roupas
serem estranhas, eram bonitas. E tudo ficava lindo nela.
Depois ela escolheu mais um monte de coisa que não mostrou para ele.
Com muitas sacolas, saíram e ela olhou no mapa para ver onde tinha o tal
supermercado.
O casal causou outro furor no mercado, mas, por sorte deles, não havia
muitas pessoas.
— O que mais gosta de comer?
— Carne.
— Bolo de carne?
— Bom.
— O que é isso?
Que novidade estar picando verduras para uma salada e tomando uma
taça de vinho cada um.
A beleza daquilo para os dois foi inusitado, nunca imaginariam que algo
tão banal seria prazeroso, porque entre tudo estavam ajudando um ao outro,
descobrindo as coisas e conversando.
Aaron jamais pensou na sua vida que faria tais coisas, mas com ela foi
estupendo, aqueceu seu coração de forma absurda, ele estava encantado com
ela, com sua maneira suave e como estar alegre trazia uma aura deliciosa ao
redor dela.
Aaron não podia acreditar que a tinha e estava naquela jornada com ela.
Fabuloso.
Aaron podia sentir que seu coração estava cheio de amor para dar a ela.
Ela estava amando sua amizade, sua companhia. E, ainda sem saber, já
estava o amando.
Ela foi à frente do espelho e a fragrância de rosas penetrava em suas
narinas até alcançar o cérebro.
Era o dia a dia que ele amava, adorava acordar e saber que ela estava por
perto. Segura. Era um sofrimento delicioso. Nunca tinha achado uma mulher
tão linda usando somente um roupão branco.
Ela deu uma leve secada no cabelo e o penteou, então pegou a tesoura.
— Talvez a ideia de cortar seus cabelos não seja muito boa... Gosto dos
seus cabelos como estão.
Ele sorriu.
— Isso é verdade. Por que faz isso? Cortes e cores? Sei que gosta, mas há
algo mais.
— Entendo, em partes.
— Você é uma cadela sem valor, deve ser adestrada como a qualquer
cão, quem sabe assim ganha o direito de comer seu jantar. Talvez lhe
devesse servir isso numa tigela no chão como os cães comem. Se fosse mais
obediente poderia ter regalias, mas não, é só mais uma vira-lata teimosa.
Quem pode gostar de você assim?
— Eu gosto de ti.
— Gosta?
— Gosto.
— Você acha?
Como um doce toque podia afastar seus pensamentos ruins e a dor. Ela
sorriu e acariciou sua barba.
— Aaron, que tipo de emoção você está sentindo para seus caninos
crescerem o tempo todo?
— Desejo, acredito.
— Desejo?
— Sim, eu a desejo muito.
Ela ficou o olhando por um longo momento. Ele sentia desejo e não
avançava querendo que lhe desse sexo, ele era um cavalheiro e se importava
com seus sentimentos. Aquilo mexia com ela e com seu corpo.
Desejo, o que sentia em seu corpo seria desejo? Era estranho, porque
sentia aquelas sensações somente com ele.
Mas percebeu que ele não estava brincando. Homens de sua espécie eram
muito eróticos, para dizer o mínimo, extremamente quentes. E a partir do
minuto em que o conheceu, sentia o olhar quente sobre ela. E mesmo tendo
pouca idade, era capaz de deixar a paixão de menina aflorar pelo homem
mais velho?
Ele era maduro, forte e exalava sensualidade máscula. E sem contar que
era simplesmente lindo. Ele estava usando um suéter azul em caxemira, que o
deixava elegante e calça jeans que mostravam deliciosamente suas coxas
musculosas. Um guerreiro em roupas de luxo.
Ela percebeu que ele sabia que o estava admirando e uma irresistível
vontade de se aproximar tomou conta dela. Adorava o jeito que ele a olhava e
ele também estava gostando de perceber como ela estava mudando a maneira
de olhá-lo, podia ver no ouro brilhante dos seus olhos que o cativava
instantaneamente, e teve que lutar para desviar o olhar dela.
Aaron segurou seu rosto entre as mãos e acariciou suas bochechas com os
polegares e a olhou profundamente.
Mas ela não era assim e ele tinha que ter paciência, conquistá-la, fazê-la
se sentir segura com ele, se entregar, então, ele sabia que ela se arriscaria, e
daria a chance de lhe mostrar que poderia amá-la como merecia e ela poderia
retribuir. E ela tinha deixado ele beijar seu rosto sem se afastar. Um grande
passo.
Ele olhou para o pescoço dela e chegou a salivar com o desejo de mordê-
la e reivindicá-la, sentiu uma forte dor na virilha e nos dentes.
— Internet.
Ela sorriu e se virou, pegou sua mão e o levou para a cozinha onde a mesa
do café estava os aguardando.
— O que é isso?
— Sério?
— Sim.
Ela fechou o livro, o olhou e Aaron a olhava com o olhar tão intenso, que
ela teria caído e sorriu sem jeito.
— Quero ir aí hoje.
— Isso é um balanço?
Ela riu.
Ele riu por ela tê-lo chamado de príncipe guerreiro na sua antiga língua.
Sabia que não era muito seguro provocá-lo, mas adorava e seu corpo todo
agitava e esquentava quando ele a olhava daquele jeito, forte, poderoso, sexy
e quente como o inferno. Naquele inferno ela gostaria de se queimar.
Já não estava conseguindo conter que sentia algo por ele. E as coisas na
sua cabeça atrapalhavam muito, mas algo chamava mais forte do que as
advertências ou pesadelos.
Era tipo uma luta confusa entre medo e desejo que ela não sabia lidar.
— É como te vejo.
Ela quase mordeu a língua porque como a olhou soube que era algo
depravado e ela pensou que podia fazer algo, realmente. Como poderia? Ela
não dominava seu coração. Afinal, achava que não dominava nada sobre ela,
desde o conhecido ao desconhecido.
— Vou me trocar.
Ele rosnou quando ela passou por ele, porque seu cheiro deixou suas
vistas embaçadas.
Aaron pagou os bilhetes para os dois, mas não estava muito propenso a
subir naquela geringonça.
— É sim, senhor, são cabos de aço e vocês usarão esse cinto de escalada
que está conectado a outro cabo de aço, para sua proteção, caso haja algum
acidente — explicou o rapaz.
— Cair do balanço.
— Vamos juntos.
— É mais emocionante.
— Garota, você tem que saber que ser aventureira não é o mesmo que ser
louca.
Ela riu.
— Prontos?
— Sim.
Duas idas e vindas e ela abriu os olhos e olhava tudo estupefata e não
conseguia parar de rir e gritar, o que fazia ele rir.
Ele se firmou com a dobra dos braços e passou as mãos detrás das costas
dela e a trouxe, mas perto dele e ficaram se olhando, perdidos naquele vai e
vem, com a adrenalina alta, com o coração batendo forte e descompassado.
Aquilo não foi planejado e aquela posição era do tipo que enlouquecia
qualquer um, ainda mais dois lobos quentes que queriam rolar em uma cama
e ficavam pisando em ovos.
— Me segura?
— Estou segurando.
Ela sorriu, fechou os olhos inclinou a cabeça para trás e foi para trás e
abriu os braços e ele ficou a segurando na parte baixa das costas.
O balanço ia e vinha e o vento fazia seus cabelos voarem livres e ele viu,
aquela pequena e bela loba solta, confiando nele, vivendo aquele momento
louco com o máximo que podia, e assim, arrebatou mais uma parte do
coração dele, de forma absurda. O amor que já habitava o coração de Aaron
somente se alastrou tomando mais espaço e ele amou cada segundo, cada
batida de coração.
Ela veio para a frente e se agarrou ao seu pescoço e seus rostos estavam
tão pertos, seus lábios estavam quase se tocando, o momento quente estava
ali e ela se moveu mais e sentou sobre sua ereção o fazendo rosnar e seus
olhos cintilaram.
Então, não havia nada mais a fazer a não ser se entregar e ela o abraçou
forte.
E ele foi perfeito, quente, intenso e amoroso. Não havia nada mais
perfeito naquele momento e os dois desejaram que não estivessem ali e sim
numa cama.
Quisera ele que tivesse mágica para poder estalar os dedos e sumirem dali
e caírem em casa, num piscar de olhos.
Mas a mágica do feitiço que possuía, provinda de Vanora, era uma linha
reta, ele poderia sair e voltar de Kimera de apenas um ponto a outro e não
cruzar lugares dentro da Terra.
Então, pacientemente e com uma alegria renovada, eles foram para a praia
de Glyfada e era uma beleza inesquecível.
— Foi divertido.
E quente.
— Bom.
Quando voltaram para casa estavam cansados e felizes, prontos para mais
aventuras.
A dor era excruciante e em seu último suspiro ela o viu, em meio às
chamas, correndo em sua direção.
Ela gemeu e esfregou os olhos e secou-se com a toalha, ficou ali por um
momento até que todas as sensações dolorosas e o coração dolorido e que
batia descompassado voltasse ao prumo.
Ela chegou à cozinha, estacou quando o viu e o ficou olhando. Ele estava
vestido com uma calça de agasalho preta, uma camiseta branca e descalço,
com os cabelos soltos e despenteados, mas nunca o achou mais divino, sorria
olhando a cafeteira passar o café, como se fosse a coisa mais brilhante que já
viu na vida.
— Bom dia, minha pequena. Olhe meu grande feito, consegui fazer essa
geringonça que faz café funcionar! Terá seu café esta manhã.
Ele o fez e fechou os olhos e ficaram assim por longos minutos, então ela
se afastou e o olhou e ficaram perdidos por mais um momento. Ele sorriu e
acariciou seu rosto docemente.
— Se eu soubesse que ganharia um abraço caloroso desses por fazer um
café, eu teria feito isso há mais tempo. — Ela riu e foi difícil segurar as
lágrimas. — O que houve?
— Uma aldeia ou algo, eu estava presa e com medo... você estava lá,
vindo para mim entre as chamas, havia muito barulho, senti dor e acordei. Foi
doloroso e estranho.
— O quê?
Abraçou-a o mais forte que pôde e não queria soltá-la nunca mais.
Como poderia explicar a ela que não tinha sido um sonho e sim, eram
suas memórias de um tempo passado que tinham vivido.
Como explicar para a sua cabeça, já confusa, que ele a tinha encontrado e
a perdido, assassinada pela igreja que impunha a mãos de ferro sua religião e
que eles, os pagãos, os lobos, deveriam morrer.
— Está tudo bem, querida, foi só um sonho, isso não faz mais parte de
nossa realidade agora. Você está aqui agora e estou com você, ninguém vai te
ferir ou nos separar.
Como Vanora tinha mexido com suas memórias talvez a magia tenha
aberto algumas portas do passado que a fizeram relembrar em forma de
sonho. Um terrível pesadelo que ele tinha vivido e a dor que se seguiu depois
quase o destruiu.
Ele pensou que tinha perdido sua companheira de alma para sempre e
estava relegado a viver sozinho para a eternidade, ou o tempo que Kimera lhe
submetesse.
Então os deuses tinham lhe dado mais uma chance e mandado Clere de
volta para ele em outro tempo.
Agora se perguntava quantas vezes teria que ver sua companheira morrer.
— Estamos seguros e juntos agora, querida, que tal bebermos esse café,
hum?
Ela riu e uma lágrima escorreu pela face quando viu que ele também
estava emocionado, com sentimentos que ela nem entendeu, porque estava
sofrendo naquele momento e, ao mesmo tempo, tão feliz de estar com ele
naquele abraço maravilhoso.
— Desculpe.
— Tinha uma parte em inglês e, apesar de meu inglês ser mais antigo do
que o que estava escrito ali, eu entendi muitas coisas.
O bom daquela época atual que estavam é que não queimavam mais
bruxas e nem lobos nas fogueiras, mas, por outro lado, os prendiam em
laboratórios e os abriam com bisturis. O mundo e os pensamentos arcaicos
pareciam que não haviam mudado muito, somente as técnicas de tortura e
morte.
Ele respirou fundo, passou os dedos em sua testa como se quisesse tirar as
coisas ruins. Afastou-se, sorriu e bateu as mãos.
— Sim, seria delicioso, espere... vou fazer também uma coisa que acho
que gostará.
— Vitamina?
— Devíamos trazer criadas de Kimera para nos fazer comida, já que gosta
de ficar aqui.
— Não, eu quero aprender e viver isso, e faz parte das nossas descobertas,
você prometeu que as faria comigo.
Ele rosnou e ela riu mais e passou a mão no cabelo para tirar o leite,
pegou um pedacinho de morango que estava na sua bochecha e colocou na
boca.
— Isso é bom.
Ele rosnou de novo e deu um passo até colar nela e Clere não se afastou e
ficaram se olhando intensamente.
— Já disse que gosto quando rosna assim? — ela disse num sussurro.
Ela estacou e viu nos olhos dele que tinha pensamentos depravados.
Debateu-se se dizia sim ou não, sem entender o que implicaria aquilo.
— Pode...
Ele tocou seus lábios com os seus docemente, um roçar, depositando ali
um suave beijo, quase sem tocar, que quase a fez suspirar, então, devagar,
medindo seu ato e tirando todo o sabor que desejava, ele os lambeu, do
queixo aos lábios, depois lambeu o queixo deslizando pela sua mandíbula até
chegar à orelha. Clere fechou os olhos e parou de respirar.
— Deliciosa.
Clere estava chocada e parecia que havia um rastro de fogo onde ele tinha
lambido. E tinha gostado.
Ela olhou para seu corpo e desviou o olhar. Ele rosnou novamente e ela o
olhou intrigada e quente.
— O que há de errado?
— É que não consigo ficar longe, deixar minhas mãos longe de você e
não quero que se espante ou fuja ou se sinta desconfortável.
— Desculpe.
— Eu... bem...
— Mas?
— O que sente?
— Eu não sei, mas com você é muito intenso e não me recordo que já
tenha sentido algo do tipo por ninguém.
Isso emocionou seu coração e Clere engoliu em seco, pois ele a desejava.
— Gosta de mim?
Ele a achava linda? Nunca ninguém tinha dito que era linda.
— O quê?
— Tocá-lo?
— Sim, como quiser, no seu tempo, meu corpo é seu para explorar e
perder seu medo, não te tocarei se não deseja, mas se me tocar pode perder
parte de seu medo, porque você domina a situação, entende?
— Sim.
Ele estava morrendo para que ela o tocasse, silenciosamente fez uma
oração aos deuses para que lhe dessem paciência e força para tal tortura, mas
o pensamento dela colocar suas delicadas mãos sobre ele quase turvou sua
mente.
Clere pensou por um momento, sentiu medo, mas seu desejo e vontade de
tocá-lo que a estava atormentando por dias era maior.
Lentamente ela levou a mãos no seu peito e Aaron fechou os olhos por
um momento, porque a sensação foi forte, então a olhou e seus olhos
brilhavam de puro deleite.
— Por você.
Ela o olhou nos olhos e ficaram assim por um longo momento e ela
deslizou a mãos em seu peito, subiu pelo seu ombro e desceu pelo braço.
Ela deslizou de volta pelo tórax e as pontas dos dedos deslizaram pelos
gomos marcados de sua barriga. Engoliu em seco quando viu que sua calça
de moletom estava volumosa e inchada, ele estava excitado.
Clere se emocionou com sua atitude, ele estava querendo que ela perdesse
o medo dos homens, e ela poderia fazer isso?
Ela sorriu quando viu que ele usava a cueca boxer que haviam comprado.
— Estou me acostumando.
Ela respirou novamente e devagar baixou a cueca e ele tirou pelos pés
jogando para o lado e ela o olhou de cima abaixo, inteiramente nu e ele era
lindo, inteiro, e realmente fixou seu olhar em seu membro que estava
inchado, excitado e era grande e ela fechou os olhos quando imagens vieram
à mente, então ela olhou para ele, para ter certeza de que era ele.
Ela beijou seu mamilo e sugou-o devagar e ele rosnou. E seu membro
agitou-se em sua mão.
Ele apertou as mãos nas costas que chegaram a doer, porque ao fazer isso
ela envolveu seu pênis em sua mão. Poderia gozar bem ali somente com esses
pequenos toques torturantes.
Soltou-o e deu um passo atrás e Aaron quase implorou para que ela
continuasse, não podia se afastar ou perder aquele momento glorioso.
Ela lavou-o lentamente tocando seu corpo com suavidade e carinho, com
curiosidade e encantamento, porque ele percebeu sua comoção ao enfrentar
seus fantasmas, ultrapassar as barreiras de seu horror, estava descobrindo que
podia ser bom e prazeroso.
Aaron lentamente tirou o pijama que ela usava, e ao fim ambos estavam
nus no chuveiro. Ele passou o dorso dos dedos em seu colo e deslizou pelo
seu seio.
Não era nada depravado ou abrupto, era suave como toques de borboleta e
Clere estava encantada e não sentiu nenhum medo ou repulsa, mas porque era
ele, que de alguma forma tinha esse poder sobre ela. E gostou.
— Também o sinto.
— Como?
Clere ficou o olhando aturdida e queria dizer sim, mas algo a impediu e se
afastou. Nunca teve um orgasmo, nunca conheceu um corpo de homem que
lhe desse prazer, esta viagem mágica pelo qual os homens e mulheres faziam
sexo, esta explosão que se formava e era incômoda desejando mais,
desejando explodir, que a rasgava e enchia de desespero e ansiedade até sua
alma.
— Desculpe, eu não posso. Ainda não. Talvez precise fazer isso consigo.
Aaron ficou ali aturdido e estático, gemeu de dor e tocou seu membro.
— Ah, minha pequena, nossa viagem está sendo uma grande surpresa.
Seu amor era tão grande no peito que se sentia tonto, mas estava
preparado para aquilo e muito mais, uma grande descoberta que valia sua
vida inteira.
E sua pequena loba em breve seria sua, para sempre. Ela estava o tocando
livremente, curiosa e maravilhosa.
Envergonhada, ela sorriu e nenhum dos dois soube o que dizer, ele
deslizou seu olhar carregado de prazer ao vê-la e admirando que estava
usando uma calça jeans justa e uma regata preta, linda.
— Sim, e você?
— Bem.
— Posso lhe fazer uma pergunta? — ela perguntou meio sem jeito.
— Sim.
— Acha que todo lobo encontra sua companheira de alma?
— Não sei, acredito que sim, já temos visto muito sobre isso.
— Acha que sempre são bons um para o outro? Quer dizer, não os fazem
sofrer?
— Não, podem sofrer por outros motivos, não que se firam um ao outro.
— Então, se acha que no seu peito não há nada maior do que sente por
ela, então, eis aí sua companheira verdadeira, acha que pode fazer tudo por
ela?
— Sim.
Ela ficou pensativa, respirou fundo, sorriu e arrumou o café que tinha
passado na cafeteira e colocou na mesa, cortou o bolo e sorriu observando o
enorme guerreiro pegar um bocado e virá-lo na boca devagar, olhando o
pedaço no prato com curiosidade.
Clere abriu o maior e lindo sorriso e ele pensou que elogiar as pequenas
coisas que ela fazia, faria que lhe brindasse com aquele sorriso maravilhoso e
a deixava contente. Devia fazer sempre isso.
Ela bebeu seu café e ficou pensando sobre companheiros, sobre o que
tinham feito e como tinha sido devastador em seu coração. Como ele
despertava sentimentos nela.
— Por que devo usar isso? Se apagar a luz, não verei nada.
— Ainda bem que viemos a esta hora, assim a sessão está vazia, porque
se você rosnar desse jeito perto das pessoas elas sairão gritando.
Ela riu e beijou sua bochecha, o que o espantou, mas gostou, deveriam
fazer isso mais vezes, porque ela ficava contente, realmente. E o cinema era
realmente uma grande invenção.
— Ok, viremos sempre, eu também amei, mas não pode levantar, sentar e
rosnar quando tiver outras pessoas na sala.
Ela riu.
— Vamos para casa, temos reservas para o jantar num bom restaurante
essa noite.
— Deuses, me protejam.
— Você acha?
Ela sorriu mais ainda, então ela andou até ele e foi o caminho curto e mais
sexy dela que ele já tinha visto e Clere não estava fazendo esforço nenhum
para parecer sexy.
— Linda.
Ele tocou a pulseira que ela estava usando, que tinha lhe dado.
— Você está muito elegante com esta roupa, fica bem de terno.
— É a primeira vez que visto esse tipo de roupa, confesso que é estranho,
mas no século XIX tinha umas gravatas parecidas com isso. Pelo menos em
dois períodos.
Aaron não sabia se dizia ou não, já havia lhe dito, mas não acreditou e
depois tinha esquecido junto com suas memórias.
— Minha companheira.
O pensamento lhe trouxe tristeza, mas ela não deixou transparecer, pelo
menos tentou.
— E... a encontrou?
— Não.
— Eu encontrei você.
Ele a fez parar de falar colocando o dedo indicador nos seus lábios.
— Vai me contar?
— Vou.
— Nunca.
E naquele momento Clere não queria que ele encontrasse nenhuma outra
mulher, queria que ele continuasse com ela, olhando-a e a tocando.
Porque ele era o único homem que ela não tinha medo que a tocasse.
Harley já nem fazia mais parte dos seus pensamentos. Era só a lembrança de
um amigo.
E na sua cabeça revirada ela ainda não tinha entendido que o que sentia
por ele era amor, pois ela não conhecia tal sentimento, então não conseguia
identificá-lo para nomeá-lo.
Seu coração doeu por pensar que ele ficaria com outra, mas tentou afastar
a dor.
— Hum... — Ela tentou desviar seu desejo... o que estava difícil. — Não,
me parece sempre bonito. Ficou lindo com essas roupas modernas. Eu
também gosto de te ver naquelas roupas que usa em Kimera. Parece que faço
parte de um filme antigo.
Ele tinha aprendido a ter uma paciência e calmaria incrível. Mas diante
dela ficava ansioso, perdido e exultante, seu coração estava sempre
disparado, seus desejos sempre aflorados e seu membro sempre vivo e
sedento de sexo.
Mas tudo era por ela, nem um segundo lhe passaria desafogar-se com
qualquer mulher que fosse. Agora estando tão próxima, tão bela, seu perfume
era embriagador e ele ficou louco.
Clere era sua vida e ele esperaria o quanto precisasse pelo dia que ela
pediria que a tocasse.
Havia esperado por tantos anos, mas nada se comparava a esta tortura de
não poder tocar, não poder amá-la, não poder dizer as vontades e desejos,
tudo que estava entalado na garganta, uma doce e pecaminosa tortura.
— Internet.
Ele riu.
— Quer me beijar.
— Como sabe?
Ele riu, e depois mordeu os lábios. Ele tentava ao máximo impedir que ela
lesse seus pensamentos, pois não queria que ela descobrisse as coisas desse
jeito. Se ela entrasse...
— Desculpe, é que está tão linda que eu realmente não consigo controlar
meus pensamentos.
Ele riu, arqueando-se para trás e sua gargalhada encheu o quarto. Sentir
alegria era maravilhoso.
Um carinho que não somente atingiu sua pele, mas o seu coração. Então,
ele se afastou, lentamente passou a mão em seu pescoço e a fez virar a cabeça
para o lado e ele depositou um beijo em seu pescoço.
Queria mais e sua mente ficava confusa. Ela abriu os olhos e o olhou e
seus olhos estavam brilhantes, majestoso.
— Ok.
Ela titubeou porque ele a chamou de sua rainha. Ele possuía um título de
rei e a colocava em seu patamar, o que a deixou confusa e ligeiramente
atordoada.
Mas ela não teve tempo de questionar sobre isso, uma leve brincadeira
devia ter sido.
Ele pegou em sua mão e a puxou para fora do quarto, antes que ele
perdesse a cabeça cheia de desejo descontrolado e a jogasse na cama,
amando-a até perder a sanidade.
Clere sorriu quando Aaron puxou sua cadeira para que sentasse e sentou-
se do outro lado.
— É lindo aqui.
— O faremos.
Aquilo não lhe agradou, sentiu ciúmes. O garçom voltou com a garrafa e
serviu as taças e trouxe um prato com refinados canapés, o qual a fez sorrir
com a reação de Aaron.
— Hum, por que tenho a impressão de que vou ficar com fome?
— Acho que devo concordar, mas valerá a experiência, deve ser gostoso.
— Um brinde a nós.
— Sou real.
— Assim com estas roupas parece, mas com as de Kimera realmente não
parece. Os dias que passei em Kimera parecia que estava num filme, numa
festa a fantasia ou algo assim. Foi tão encantador.
— Talvez fosse bom, mas eu acho que tenho que aprender a estar no meio
dos humanos. Um pouquinho de cada seria interessante — disse sorrindo e
ele sorriu também. — Quando estava nas jaulas, eu sonhava, às vezes, como
seria se eu sobrevivesse e o que aconteceria, se eu teria uma família, um
companheiro, se eu voltaria a ter um lar. Amo muito a ilha, mas ainda não é
meu lar.
— A escolha é sua, fiz porque tentei te ajudar e foi no que pensei, mas se
quiser reverter isso e se lembrar de tudo, pediremos para Vanora.
— Tudo bem, então vamos nos focar só nas coisas boas e aproveitar
nossa viagem e numa nova vida, ok?
— Ok.
— Até agora sua lista foi divertida.
— Pode fazer sua lista para que eu possa fazer com você.
Ele riu.
— Farei.
Aaron olhou para a mulher, que quase o engoliu com os olhos derretendo-
se sobre a mesa. Educadamente, ele acenou um cumprimento com a cabeça,
mas logo olhou para Clere.
— A achou bonita?
— Você... gostaria de sair com ela? Deveria sair com ela, se te agrada.
— Bem... ela parece ser fina e rica e é toda bonita com seu salto agulha,
sua maquiagem perfeita e roupa de grife. Ela te olha como se quisesse te
devorar e o jeito que ela joga seus peitos para a frente, que eu acho que são
de silicone, porque vi isso na internet, demonstra que está muito interessada
em você.
— Sua lista de qualidades da moça são bem grandes.
— Sim, só não sei se seria boa de cama, mas eu não entendo muito bem
de nada disso, então, como eu não me encaixo no perfil, não saberia dizer,
mas... ela é do seu perfil, eu acho, não sei se é de linhagem nobre, mas é fina,
deve ser.
— Ela tem muitos atributos, sim, que poderiam servir para mim.
— Deveria.
— Entendo.
— Acha que eu deveria sair com ela? Aceitar que me deitasse em sua
cama, e aceitasse seus beijos e carinhos?
Clere trincou os dentes e seus olhos cintilaram, mas ela engoliu em seco e
tentou se conter, mas sua loba estava dando piruetas raivosas dentro dela.
— Se te agrada...
— Poderia.
— Você sabe que também está em alta conta, não sabe, Clere?
— Eu? Não estou.
— Minha mãe disse que um beta não... ela acha que eu não estava à altura
de um beta, imagine de um alfa ou... ou um príncipe, nem sonhar com um rei.
— Clere, você é uma mulher bonita. Certamente você não precisa que eu
lhe diga isso. Já falamos sobre isso.
Ela deu de ombros novamente, sentindo que era uma verdade ou talvez
não, não sabia responder.
— Seria normal eu acho, tanto como lobas desejam estar contigo assim
fariam as humanas, é muito bonito e um nobre. Quem não gostaria disso?
— Você gostaria?
— Obrigado.
— Não sabia.
Ela sorriu.
— Não sei, mas talvez a vida aqui seja mais curta. O efeito da magia de
Kimera dura por um tempo enquanto estamos aqui desse lado, se for
permanente creio que podemos voltar a ter uma vida mortal, quer dizer igual
aos lobos daqui.
— Isso te assusta?
Ele a olhou e Clere engoliu em seco, pois o olhar dele ficou quente e
intenso, o que a desnorteou.
— Acho que não, gostaria de estar com ela para a eternidade, nunca
quereria separar ou perdê-la. Não sei ao certo o que preferiria, mas viver mais
dois mil anos ao lado dela, me parece muito bom.
— Ela será uma mulher de muita sorte em ter você como companheiro.
— Sente?
Uma emoção quente e forte se abateu em seu coração e seu corpo agitou-
se.
— O quê?
— Pode?
Deus, estava louca! Cutucar aquele homem não era muito sábio, ou era?
Ela respirou fundo, molhou a mão na água fria e colocou na testa, estava
queimando, como sempre, mas sorriu, porque as palavras dele a deixaram
insana, seu coração batia descompassado.
— Coragem, mulher.
Ela saiu do banheiro e parou no corredor quando avistou ao longe a mesa
que Aaron estava e a mulher loira estava em pé ao seu lado um tanto
debruçada sobre ele.
Clere rosnou baixo e pensou que podia arrancar seus cabelos num puxão,
rasgar sua garganta, mastigar e cuspir fora.
Ela seguiu para a mesa, mas a mulher foi para a sua antes que chegasse.
Clere espichou os olhos para o cartão e viu que tinha seu nome e um
número que deveria ser seu telefone, mas não disse nada, mas a mulher
estava com um sorriso idiota e debochado na cara, o que irritou demais Clere.
— Vamos?
— Sim.
Aaron levantou e puxou a cadeira para ela se levantar, pegou na sua mão,
entrelaçando os dedos nos dela e pegou o cartão na outra.
Clere gelou porque ele nem disfarçou ou escondeu. Mas para seu espanto
maior, ele foi até a mesa da mulher e colocou o cartão sobre ela.
Quando estavam no carro, ela respirou fundo e o ligou. Clere ainda não
estava acreditando que Erick tinha emprestado o seu Porsche para ela e Aaron
andarem em Atenas, mas como ele ficou muito espremido nele, ela foi até a
casa da marina e tinha trocado, pegando uma Nissan Frontier. Ela não sabia
se tinha um dono específico, mas na casa ficavam todas as chaves e
documentos de todos os carros e motos.
Clere foi até ele e tirou seus sapatos e meias, depois tirou o paletó e a
gravata.
— São porcarias, minha mãe disse, mas de vez em quando uma porcaria é
um manjar.
Ele sorriu e aquela noite foi perfeita, mais do que perfeita, porque eles se
aproximaram mais e a cada minuto se entrosavam e se encantavam um com o
outro.
— O que faremos amanhã? — ele perguntou com a boca cheia do
sanduíche.
O check-in foi rápido e cada um havia ido para seu quarto e, apesar de ser
um do lado do outro, a distância realmente incomodou ambos.
Clere não gostou de ficar só no quarto e depois que arrumou sua bagagem
foi até o dele e bateu na porta.
Rapidamente, Aaron a abriu e lhe brindou com um lindo sorriso.
— Eu incomodo?
Clere entrou no quarto dele e olhou ao redor, era muito parecido com o
dela com o mesmo luxo que ela havia ficado impressionada. Nunca tinha
visto nada parecido e amava.
— Aaron.
— Claro.
Aaron foi ao frigobar, o que ele achou incrível, pegou uma garrafa de
água e serviu em um copo e deu a ela.
Ela riu.
— Do que ri?
Aaron estacou e se deu conta do que fazia, sim ele servia a ela e isso não
incomodou, em nenhum momento.
Sorriu por isso, porque ele estava descobrindo outro Aaron dentro dele.
— Combinamos que não seríamos nobre e plebeu aqui, certo? Somente
duas pessoas em busca de uma aventura.
— Obrigada, Aaron.
— Há um restaurante no hotel.
— Não... é que... bem, isso ainda é novo, é bom, mas vamos com calma.
Por hoje.
Ele sorriu.
Aaron foi até um aparador que continha várias bebidas e pegou um vinho,
abriu e serviu as taças e, enquanto Clere andou pelo quarto o olhando
admirada, era realmente um luxuoso e bonito quarto.
Tudo em cores neutras, com bonitos quadros nas paredes, ela olhava um a
um e foi até uma pequena estante onde havia botões eletrônicos e, curiosa, ela
tocou em um que fez um estalo alto.
— Sabe, Clere, eu sempre quis fazer isso, parece que os choques não te
importam mais, então tive que inventar um novo castigo para ver se para de
matar meus guardas. E como vai se curar dessas feridas, espero que esta
noite lembre-se de que se o fazes de novo a açoitarei na frente e atrás.
Ela saltou e se virou olhando assustada para Aaron, que a olhava com o
olhar assombrado.
— Calma, sou eu, está tudo bem.
Pior é que ele não somente conseguia ler os pensamentos dela, mas
conseguia ver flashes das imagens contidas em suas memórias. Era uma
espécie de poder que seu lobo tinha, um que desconhecia, mas somente
estava acontecendo com ela.
Mas isso lhe servia de motivação para nunca desistir, se chatear com ela
ou pensar que não era digna dele. Ela era tudo e mais, o que tinha suportado
era terrível e ele tinha medo de saber tudo o que havia na sua cabeça, coisa
que ela não se lembrava.
— Por quê?
— Sim, mas isso apagaria dez anos de sua vida, seria muito mais confuso.
Ela respirou fundo e o abraçou mais forte.
Ele beijou sua testa e foi pegar a taça e ela ligou o aparelho de som que
ficava no painel na parede.
Aaron chegou ao seu lado e lhe entregou a taça de vinho e ela agradeceu
com um sorriso e bebeu.
Ela sorriu e mostrou com o dedo, vendo-o pegar o telefone e ligar para o
restaurante pedindo a refeição e como o achou encantador tentando falar as
palavras difíceis.
Mas não poderia elevar aqueles pensamentos. Apesar de ele estar naquela
viagem com ela, eram somente amigos. Um príncipe poderoso como ele
jamais se apaixonaria por uma loba insignificante como ela. Apreciaria a
viagem, sua companhia e estava tudo bem, pois logo ele encontraria sua
companheira e esqueceria dela.
Então, ele entendeu algumas coisas. Ela não tinha nada e queria abraçar
tudo.
E uma força nova o regia quando estava com ela, ele tinha esse frescor,
essa ânsia de vida, ele queria provar com ela essas sensações, queria viver o
frescor da descoberta.
Aaron parou ao lado dela e abriu os braços, olhou para cima e fechou os
olhos, então vivenciou a chuva cálida beijar seu rosto.
Seu coração bateu mais forte, porque já tinha tido todo tipo de chuva
sobre si durante sua vida, mas nada se comparou àquilo.
Era libertador.
Aaron, sem sair de sua posição, tocou a mão dela, acariciou seus dedos
docemente, as mãos molhadas e frias se aqueceram, Clere sentiu seu coração
descompassar com seu toque mágico.
Ousou mais um toque, entrelaçou seus dedos nos dela. Então, ela abaixou
cabeça e o olhou, e ele fez o mesmo, sem soltar as mãos. Puxou-a devagar, a
fazendo andar até ele, até que se encostasse em seu peito, então, sua outra
mão deslizou para as suas costas e ergueu a que a segurava, puxando-a mais
para si.
— Obrigada.
Ele soltou de sua mão, abraçou-a forte, e ela o abraçou de volta, mas
continuaram a se embalar.
Ela não queria se afastar, mas ele deu um passo atrás. Quem queria comer
e deixar aquele momento? Mas era o que tinham e tinham ganhado muito.
Então, ela fechou os olhos e ele sentiu seu mundo girar, porque ela lhe
dava permissão, tocou seus lábios levemente, num beijo tímido, suave, mas
ao mesmo tempo era tão significativo e intenso.
Tocar seus lábios molhados da chuva foi estupendo, tanto que pela suave
sensação de seus lábios ele fechou os olhos, pensou em se afastar, mas o
pensamento voou para longe, as batidas na porta foram esquecidas e ficaram
inaudíveis, porque tudo ao seu redor desapareceu.
Nunca soubera o que era um beijo e era mágico, sua imaginação tinha
sido torpe nas suas divagações e sonhos sobre um beijo, como seria, mas
agora sabia e pensou que era a coisa mais deliciosa que fez na vida. Um beijo
doce, carinhoso, temeroso, delicioso, com lábios cálidos e suaves, mas ao
mesmo tempo quente e intenso.
— Sentiu isso? — ele sussurrou, com a mão sobre o coração dela e Clere
pousou sua mão sobre a dele.
Ele sorriu, beijou seu nariz, seu olho e depois o outro, sua testa e depois a
olhou nos olhos que estavam perdidos num mar infinito de confusão, mas ele
também viu o desejo, a surpresa, o despertar de algo grande que estava por
vir. Algo que eles não entendiam inteiramente, mas queriam tomar posse.
— Eu a magoei?
— Não...
— Mas...
Ele se calou e ficou aturdido, porque claro que nunca foi beijada, ela não
poderia com seu passado.
Ele segurou seu rosto entre as mãos, limpando suas lágrimas com os
polegares e lentamente se aproximou, beijou uma lágrima e depois a outra,
então selou um doce beijo em seus lábios, com toda a ternura que ele pensou
que conhecia.
Ela ficou o olhando aturdida e podia ver luz dançando nos seus olhos de
lobo.
Ele a estava honrando, ela mal acreditava nas palavras, ou que pudesse
ser possível.
— Tem diferença?
— Muito boa.
— Ficaremos bem?
— Ok.
Aaron saiu do banheiro quase correndo, porque ele mesmo não queria
deixá-la, queria despi-la e amá-la, beijá-la novamente, fazê-la sua, mas sabia
que devia ir devagar. Apesar de ela ter se aberto para ele, para sua presença,
sabia que ela tinha muitas ressalvas e não queria estragar sua chance com ela
ou causar-lhe dano.
Talvez ele tivesse algum interesse nela além da amizade. Afinal, amigos
não se beijavam assim. Pelo menos era o que pensava, não que fosse muito
entendida em relacionamentos.
Tinha amado seu beijo, as sensações tão fortes, que seu corpo ainda
latejava, não sentia o frio da chuva, somente o calor do corpo dele que tinha a
envolvido.
Ele tinha a feito se sentir linda no dia do baile e sempre o dizia, então ela
compreendeu que talvez ele sentisse algo, um carinho por ela e que sim, suas
palavras sempre foram verdadeiras. Ele a tinha salvado, tinha desejado viajar
com ela e tinha a beijado. Disse que queria ter sido sua primeira dança.
Não, tinha importância, pelo menos para ela. Seu primeiro beijo. E tinha
sido maravilhoso. Maravilhoso demais, ela tinha amado e desejava mais.
Como não tinha levado uma roupa, enrolou a toalha nos cabelos e vestiu o
roupão branco que o hotel oferecia e gostou porque era macio e perfumado.
Saiu do banheiro e foi até a saleta e ali estava ele com a mesa posta com os
pratos.
— Que tal jantarmos ambos usando isso, vi que tinha dois no banheiro.
— O quê?
— Bem, se o objetivo é fazer coisas que nunca fizemos na vida, essa seria
uma.
Ela riu.
Ele foi para o banheiro e ela sorriu, foi até a mesa e olhou tudo. Era tão
bonito e arrumado: a carne, os legumes, os pratos eram de louça fina, os
talheres arrumados harmoniosamente, o cheiro era magnífico, ela fechou os
olhos e aspirou o aroma delicioso.
— Cães comem no chão, tem sorte que ganhou um bom pedaço de carne
hoje. Talvez se você se comportasse melhor e não nos desse tanto trabalho
comeria como uma pessoa.
Logo Aaron retornou e ela riu quando o viu usando o robe branco e
sentou-se à mesa. Ela serviu um pouco mais de vinho e deu a ele. Fizeram um
brinde e beberam, depois comeram.
De repente, não sabiam o que dizer, não havia muitas palavras, mas os
olhares estavam ali, olhares diferentes e encantados.
— Sim, a televisão é uma invenção estupenda. Mas acho que nossa sessão
de filmes hoje vai ter que ser cancelada. Não poderemos ficar com a tevê
ligada enquanto tiver raios e trovões, é perigoso queimá-la. Minha mãe disse.
Amanhã te mostrarei mais dela, prometo.
— Precisa me ensinar a usar o tal telefone que o Erick me deu. Ele disse
que posso falar com ele daqui até na ilha.
Ele sentou-se ao seu lado, Clere riu e aceitou a taça que lhe oferecia.
— Também gosto dessas invenções. Mas essa televisão é um pouco velha
para o nível do quarto, mas também gosto de um pouco de velharias.
— Imbatível.
— Eu gosto.
Ele ofereceu o braço para abraçá-la e ela deixou que ele a abraçasse.
Suspirou e se acalmou em seu peito.
— Alguém se feriu?
— Não, mas foi um baita susto, ficamos no escuro, sem luz e estive no
quarto escuro até que minha mãe chegou para me pegar, eu fiquei com medo
do escuro e depois só piorou... nos laboratórios — disse pensativa.
— Boa noite.
Quando ela foi sair, ele segurou sua mão. Os olhares se prenderam e ele
se abaixou e beijou seus lábios docemente, um beijo e mais outro, até que,
com a língua, os abriu e dançou em sua boca.
— Boa noite — ele disse, e meio tonta ela sorriu, entrou no seu quarto e
fechou a porta, se encostou nela e sorriu tocando os lábios com os dedos,
sonhadora.
Aaron fechou a sua se encostou nela e fechou os olhos. Colocou a mão
sobre o coração porque estava batendo forte. Desejava mais dela, precisava.
Ela tinha permitido o beijo e tinha retribuído. Ele havia imaginado como
seria, tinha até sonhado com seu beijo, mas tinha sido melhor do que
imaginara.
Sua jornada beirava ao desespero, a batalha era mais difícil do que uma
luta de espadas, mas estava amando cada minuto.
“As almas escuras não são aquelas que escolhem existir no abismo do
inferno, mas são aquelas que escolhem se libertar do abismo e se mover
silenciosamente entre nós.”
(Dr. Samuel Loomis)
— Clere?
Ele olhou ao redor procurando-a e tentou ligar a luz do abajur, mas não
acendeu.
— Inferno! Clere!
Seu ouvido captou um sussurrar abafado e sua pele pinicou com um
desconforto, que ele sabia que era por causa dela.
Sempre que ela estava com medo, sua magia reverberava sob sua pele,
como um aviso de que ela precisava dele.
— Clere?
— Trí sióg bheag ag imirt cois an locháin,Thit duine isteach agus chaill
sí a sreangán. Ghlaoigh Mamaí an draoi a thug freagra:"Níl níos mó sióga
ag imirt ag an lochán!”.
— Ei, pequena, pode ouvir minha voz? Escuta minha voz e volta para
mim, Clere.
— Clere, ouça minha voz, volte para mim, está tudo bem, minha pequena.
Clere! — falou firmemente.
— O príncipe.
— Seu príncipe, volta para mim. Está tudo bem, está segura agora.
Duas lágrimas escorreram pela sua face e ela por fim saiu de seu surto.
— Estava escuro.
— Eu sei, mas está tudo bem agora. Venha, vamos voltar para a cama.
Ela assentiu e ele pegou o celular e viu a força em que ela o segurava,
quase ferindo as mãos, desligou-o e com cuidado a pegou no colo e a deitou
na cama e logo deitou puxando-a para seus braços.
Ao primeiro momento, ela retesou o corpo por ele tê-la prendido, mas o
poder da aura de Aaron a envolveu e a deixou sentindo-se segura, era um
bálsamo quando ele a abrandava. Ele puxou a coberta e logo o calor a
envolveu e parou de tremer.
— Está tudo bem, minha pequena loba, tudo vai ficar bem agora,
tranquilize-se e repouse, estarei aqui, está segura.
— Eu sei, por isso vou ficar aqui te abraçando, para que se sinta segura,
não vou a lugar nenhum, pode confiar em mim.
Ele beijou sua testa e acariciou seu cabelo e sentiu que as lágrimas dela
ainda corriam molhando seu peito e isso o deixou louco, até que ela suspirou
profundamente e adormeceu.
Ele não sabia se ao fim daquilo ele venceria aquela batalha ou se estaria
inteiro, mas não podia desistir, nunca o faria. E aquilo era uma promessa.
Acariciou suas costas com as pontas dos dedos e a malha fina de seu
pijama era suave e ainda sonhava como seria tocá-la, amá-la como sua
mulher. Sentir seu corpo contorcer-se debaixo dele, estar dentro dela, beijar
cada centímetro, sentir o gosto de sua pele. Se tocá-la assim já era
maravilhoso, como seria o dia que ela se entregasse a ele?
Morreria se ela fugisse dele, se ela não conseguisse vê-lo como seu
companheiro. Ele simplesmente sucumbiria.
Ela estava adormecida e serena, nem pareceu que tinham passado por
aquele terror durante a noite. A luz havia voltado e a chuva estava suave e era
acalentadora e sem trovões.
Ele desejou ficar ali na cama para a eternidade, com ela segura em seus
braços, sua respiração em seu peito fazia cócegas de maneira suave e ele
fechou os olhos para sentir o perfume de seus cabelos. Acariciou suas costas
e amou como ela enroscou suas pernas nas dele.
Seu corpo delicioso era um banquete que ele desejava provar. Amava
olhar para ela e admirar as curvas do seu corpo.
Mas nada de seus devaneios tinha sido comparado ao que tinha sido
Kleiri ou o que Clere era, uma camaleoa que mudava de estilo e de cabelos
com tanta facilidade, que o deixava tonto.
Ele soube que ela acordou quando suspirou profundamente e sua
respiração mudou, mas não a soltou, continuava abraçado e esperou para ver
sua reação.
Por um momento, ela retesou o corpo e ele pensou que ela saltaria longe,
mas não, ficou ali, calada por alguns minutos, até que seu corpo relaxou.
Ela ergueu a cabeça para olhá-lo, mas não se afastou, ele acariciou seus
cabelos e a olhou e ficaram de frente um para o outro.
— Oi.
— Oi.
— O que aconteceu?
— Desculpe.
— Obrigada.
— De nada.
— Isso é bom.
— O que é bom?
— Acordar aqui, me sentindo segura.
— Fico contente. Acho que o dono do hotel não vai ficar muito contente,
porque acho que destruí sua porta.
— Arrombou a porta?
Ela o ficou olhando com todo o choque, com o puro efeito que ele poderia
causar nela. Coisas que ela jamais imaginou que passaria estava acontecendo.
— Sim, é muita coisa para suportar, poucos o fariam, você luta, é uma
loba de muito valor. Sinto muito pelos seus temores.
— Obrigada.
Ele a valorizava e nunca tinham valorizado por ser uma loba. Na verdade,
tinha sentido raiva de ser uma, de ser punida por ser uma. Ela odiava sua loba
por muitos motivos, lembrava-se de uns, mas não se lembrava de outros e
ouvi-lo elogiá-la era um grande efeito sobre ela. Era muito importante que ele
a valorizasse.
Ele acariciou sua bochecha com a ponta dos dedos, deslizando sobre sua
mandíbula.
— Børnene får mange års glæde. Deres tid her vil altid være fuld af ros
og ære. Skæbnen vil være stærkere end nogen anden. De er sønner af Odin
og vil have deres styrke.
— O que significa?
— Os seus filhos terão anos de júbilo. O tempo deles aqui será sempre
cheio de louvor e glória. O destino será mais forte de qualquer outro. São
filhos de Odin e terão sua força.
— Dinamarquês.
— É, eu acho que não sou muito bom com as palavras bonitas para as
senhoritas.
— Tempo eu tive, mas nunca tive alguém que eu realmente quisesse dizer
alguma poesia.
— Bom, já que achou horrível, eu diria que não foi um privilégio, mas
sim uma coitada.
Senhor todo-poderoso.
— Eu também.
Clere prendeu a respiração quando ele levantou os olhos dos seus lábios e
a olhou nos olhos. E lá estava o olhar ardente dele de novo. Eles estavam
calmos, brilhantes, mas demonstrando seu poder e mil desejos e promessas.
Ela não podia falar. As palavras pareciam presas em sua garganta, lhe
faltava o poder de expulsá-las.
Clere via verdade nas suas palavras e atitudes, ele estava a adulando, mas
não tinha motivo escuso nenhum para fazê-lo. E ela não tinha medo dele,
gostava que a tocasse. Como seria ter mais? Como seria ter mais que um
beijo?
Nenhum homem jamais a fitara assim antes, nenhum homem jamais a fez
se sentir como se fosse o centro de seu desejo e somente ela pudesse saciá-lo,
de forma bonita. Apesar de sua péssima experiência com os homens, ela não
sentia repulsa dele e tinha curiosidade do que era ser realmente amada, fazer
sexo sem dor, com cuidado e carinho, com desejo de dar prazer em vez de dar
dor ou ser subjugada. Poderia fazer isso?
Ela assentiu.
Aaron estava no mesmo impasse, se fazendo as mesmas perguntas.
E quando ele ergueu o olhar encontrou o dela e não havia mais barulho,
zunidos, não havia tormenta.
— Sinto uma paz em você agora, pequena... Sua aura mudou, sua energia
dolorosa me machuca, mas agora sinto outra coisa vindo de você.
Ela sempre o achou lindo, mas agora era mais, porque havia mais coisas,
mais encantamento. Teve vontade de beijá-lo, e seu coração estava
descompassado e a garganta ficou seca.
Sem tirar os olhos dos dela, medindo suas reações, ele lentamente
deslizou os dedos pelo seu colo e sobre seu seio, sobre o pijama, seu bico do
seio ficou duro e saliente sob a roupa e a sensação foi deliciosa.
Lentamente e quente como o fogo, ele observou seu corpo exalar o cheiro
da sua excitação.
Ela suspirou, porque por um momento somente quis que seu passado todo
sumisse e ela tivesse uma vida nova, com ele.
Lentamente ele se aproximou e a beijou, lento e quente, então sua língua
abriu seus lábios e encontrou a sua, dançando deliciosamente. Quando
aprofundou o beijo ele rosnou ao ouvir o gemido dela, gemido de prazer, sua
mente voou, livre e contente.
Ele queria beijar seus seios? Ela piscou aturdida, e por um momento não
sabia o que fazer, aquilo era uma coisa nova, então, um tanto encabulada
assentiu.
Quando ele abriu os botões de sua camisa com deliberada lentidão, Clere
teve que lutar para respirar enquanto a ponta dos dedos dele passava sobre a
sua pele.
Os pelos finos que cobriam seu corpo arrepiaram-se sob as pontas dos
dedos dele, quando um gemido ficou preso na garganta, ele desabotoou toda
a camisa e abriu e ela não o parou ou recuou.
Então ele tocou sua barriga, sua cintura com a ponta dos dedos, toques
suaves, mal roçando sua pele, subiu para seus seios e, olhando nos olhos, ele
repetiu o que havia feito antes, tocou seus mamilos eriçados e rosados. Seus
seios eram lindos, então ele abaixou a cabeça e, devagar, passou a língua em
um deles.
Havia desejo dela lá, no odor doce dela, na tensão que se formava entre
eles a cada vez que ele se aproximava dela havia fome. O odor era como uma
chuva de verão suave. Era fresca, como o odor da primavera, e uma umidade
doce que ele sabia que podia ficar muito viciante e estava louco para beber, e
só melhorava.
Ela era tudo o que ele podia ter desejado como companheira. Era o sonho
que ele se permitiria desejar. Era uma tentação que ele sabia que nunca
poderia se permitir perder. Uma promessa que ele havia feito a si mesmo, um
voto. E esta pequena mulher estava virando sua cabeça de uma vez, enchendo
seu coração e mesclando suas almas.
E Clere arriscou tocá-lo, seus ombros, sua pele quente, seus músculos
fortes e poderosos, embrenhou os dedos em seus cabelos e fechou os olhos,
porque tudo era demais.
Ele subiu beijando seu pescoço, sua mandíbula e alcançou sua boca e a
beijou profundamente, deitou sobre ela e gemeu por sentir seu corpo nu
contra o dele, beijou envolvendo sua língua na sua.
Então ele pegou sua mão e guiou-a pelo seu corpo e, quando ela sentiu
seu membro rijo em sua mão, ele afastou-se de seus lábios e se olharam e ela
piscou aturdida.
— Tudo bem, querida, vamos com calma, ok? — Ela assentiu, porque
não podia falar. — Um dia teremos tudo o que merecemos, te darei tudo o
que necessita.
Ele beijou seu seio novamente, deu uma lambida rodeando o mamilo,
fazendo-a gemer e, então, para espanto dela, ele respirou fundo, fechou sua
camisa e beijou seus lábios.
— Comida, agora.
Ela dormiu com ele nu na cama, desviou o olhar para conter a luxúria que
a atingiu. Aaron pegou o telefone e ligou para o restaurante e ela sorriu como
ele já estava dominando o telefone e pediu que levassem o café no quarto.
Levantou-se e foi ao banheiro e não conseguiu parar de olhar para o corpo
dele, tinha um traseiro realmente estupendo.
Aquilo tinha sido erótico, doce e quente, suave, como um carinho e amou,
amou ser tocada. Amou a atitude e cuidado com ela, e soube que ele sofria
com a ereção permanente, e mesmo assim ele a respeitava, pedia sua
aprovação.
Ela sentia o calor invadir seu corpo quando sentia seu olhar quente sobre
si, aquecendo sua pele, abrindo as portas de uma libido e de pensamentos que
ela não teve por ninguém, nem mesmo quando achava que sua paixonite por
Harley era algo verdadeiro.
Agora ela sabia a diferença, como sua mente e seu coração tinham vagado
nas águas da enganação. E não foi culpa de ninguém ela ter se enganado,
afinal, que tipo de sentimento de carinho tinha aprendido nos últimos anos?
Nada.
E como havia sido tão tola de não perceber antes que o que sentia por
Aaron era algo tão grande, como ele mexia com tudo nela, seu ser, sua alma e
seu coração, era carnal e era espiritual. Aaron mexia com todas as camadas
de sua existência.
E não podia negar que saber que um príncipe, ora rei, um beta de todos os
lobos do mundo a adorava e desejava era como massagear seu ego de forma
bem considerável.
Até agora não conseguia lidar se isso era bom ou ruim, o que sabia é que
não deveria mandá-lo embora para nada, porque sabia que sentiria sua falta, o
vazio que sentia antes não era mais bem-vindo.
Ela o queria por perto e isso não poderia mais negar, apesar de que
alguma coisa pinicava na sua nuca como uma advertência.
Só que ela não sabia identificar o que era porque não conhecia o amor ou
a paixão ou se era algo que havia esquecido.
Aquilo devia somente ser uma aventura para ele, assim como a viagem? E
esse pensamento a incomodou.
Talvez sentisse medo por saber que um dia ele partiria quando achasse
sua companheira que estava buscando.
— Sim. É maravilhosa.
Ela ficou olhando para ele, que parou a xícara do café no meio do
caminho.
— O que foi?
— Seu lobo é lindo, um dia me deixará vê-lo? Quer dizer, o vi em
Kimera, mas foi muito rápido — Clere perguntou e Aaron se espantou.
— Obrigada.
Ela se levantou e ele a olhou vendo que estava com um bonito maiô preto
sob a saída de banho de crochê branco. Ela colocou uns óculos escuros e um
chapéu de abas largas.
— Está bonita.
Clere riu.
— Sim, mas minha alfa é bem elegante, ela usa também. Vou ao banheiro
um momento enquanto você vai ao seu quarto e veste sua roupa de banho.
— Está bem.
Foi mágica a sensação que percorreu todo seu corpo, quase a fez chorar.
Aaron rosnou, porque senti-la tocando-o foi estupendo.
— Sim.
Seus olhos marejaram, a energia que ele exalava era estrondosa e ela o
abraçou.
O mundo girou tragicamente e ambos não sabiam o que fazer, não sabiam
como era tão forte aquela sensação, intensa, forte, arrebatadora, maravilhosa.
Ela segurou sua cara, acariciou docemente e encostou sua face na dele.
— Minha loba?
— Por quê?
Aaron esperava que a loba seria magnífica e majestosa. Morria por vê-la,
queria correr com ela, caçar, brincar.
Ele suspirou, mas agradeceu, pois estavam mais próximos com isso.
Ele riu e ela o acariciou e, sem se controlar, ela beijou sua face.
— Ok.
Ele fez uma cara de safado que ela arfou. Fez de propósito para se mostrar
nu para ela, e pior, saiu nu no corredor e foi para o seu quarto e Clere arfou
de susto e riu, porque se alguém o visse andando nu no hotel chamariam a
polícia, ele era louco... e adorável.
Olhou para suas mãos, parecia que a sensação dos seus pelos ainda estava
ali, seu coração estava emocionado e apaixonado.
Mas não entendeu por que não podia se transformar, isso lhe deu medo. O
que havia esquecido?
A praia não era muito grande, mas havia um quiosque do hotel onde
ofereciam guarda-sóis e espreguiçadeiras e serviço de bar com garçom que os
atendia na areia. Muito requintado e fabuloso. Clere ficou encantada.
Clere ficou ali, encantada olhando para aquela beleza e ao fundo havia
alguns veleiros e lanchas brancas que somente deixavam a paisagem mais
linda.
Era como um grande quadro azul que alguém tinha pingado algumas
gotas de tinta branca. Clere sorriu com sua visão do lugar, e sentaram-se nas
espreguiçadeiras.
Ele respirou fundo, levantou-se, pegou Clere no colo, o que a fez arfar,
pois não estava esperando tal coisa.
— Um beijo?
Ele assentiu.
Ela suspirou e olhou para ele, lindo de óculos escuros e ela o abraçou
mais forte e, sem que ela esperasse, ele a beijou, um beijo poderoso e lascivo,
quente e molhado. E quando Clere soltou de seus lábios sem fôlego e espiou
discretamente para o lado, ela sorriu.
Ele riu deliciosamente, que encheu a praia, beijou seus lábios e se abaixou
com ela em seus braços.
— Bem, isso eu não sei, acredito que estes barcos são diferentes dos
barcos de milênios atrás, e você também não saiba?
— Isso não.
— Podemos contratar alguém que saiba e possa nos levar para o alto-mar,
talvez visitarmos algumas outras ilhas por aqui. Tinha algo disso num papel
no quarto do hotel. Você gostaria?
— Bem, então vamos pedir ali se há como contratar alguém que nos leve.
Eu vou, já que falo a língua.
— Você não precisa pagar por tudo, eu tenho dinheiro que o alfa me deu.
Um cartão de crédito.
— Sim.
Ela saiu pela areia e Aaron riu e ficou observando-a andar, como se
movia graciosamente rebolando com seu lindo maiô. Ele ficou espantado
com tais roupas e como, às vezes, ela se espantava com as coisas. Clere era
pura e transparente nas suas reações e falava o que pensava e era inocente em
muitas coisas.
Ele gostava disso, rosnou baixo engolindo de volta seu desejo. E pensou
que seria fácil de conter, pobre coitado.
Ela tirou a saída de praia e deitou para tomar sol e ele não conseguia tirar
os olhos dela. O desejo o engolia e o fazia ficar excitado o tempo todo, o que
era um inferno.
Ela era linda e sensual sem fazer nenhum esforço, era natural das lobas
serem assim, femininas, graciosas, muito belas. Mas nenhuma o perturbou
como ela, ele não tinha olhos para nenhuma outra loba, perdeu
completamente qualquer interesse em outra mulher.
Suas curvas eram belas e generosas e queria poder deslizar suas mãos por
ela. Sentia ânsia, morria somente de pensar. A pequena prévia que teve foi
maravilhosa.
Era inacreditável como ele estava apegado a ela, não conseguia imaginar
ela fora de sua vida e esperava que um dia ele conseguisse dissipar suas
dores.
No começo pareceu ficar tonto, até sua cabeça atinar que a pequena loba
estava em perigo, então ele rosnou alto e forte e correu através do bosque,
usando seu instinto de lobo, rosnou alto quando ao longe ele a avistou
lutando com um lobo enorme.
Ele rosnou alto e sua força a atingiu. Clere rosnou e chutou o lobo para
longe dela e se perdeu na imagem que tinha na sua frente.
Soube na hora, que ela havia sentido o baque igual a ele quando o viu.
Não havia dúvidas, era ela, um pouco diferente de Kleiri, mas era a sua
companheira. Sua alma e sua aura eram as mesmas, e se assim fosse, o
amor.
O lobo a agrediu e ela desmaiou, o que só impulsionou sua raiva,
rapidamente ele matou o lobo e quando a tomou nos braços, seu mundo
girou, e entregá-la para os lobos tinha sido muito difícil, doloroso, então
Vanora apareceu horrorizada pela morte da nova Senhora das Castas e os
levou a todos de volta à Kimera.
Se ela era seu presente, e estava tendo a segunda chance, então ela seria
dele.
Agora, ali estava ela, aos seus cuidados. E mesmo com todos os
problemas ele jamais desistiria dela, custasse o que custasse.
Ela era dele e quando ele disse a si mesmo “ela é minha” na sua cabeça,
sua vida mudou completamente.
— Sabe nadar?
— Bem, eu te seguro.
Clere gritou, o agarrou pelo pescoço e ficar pele a pele com ele foi
chocante.
Ela arfou e o olhou com os olhos arregalados e ele rosnou. Ficou aturdida
com aquela proximidade, seu corpo tremeu e ao contrário do que pensava,
estar em seus braços a acalmava.
Clere ficou aturdida e tentou raciocinar, mas sabia, tinha que lutar.
Ela engoliu em seco e acreditou nele. Não queria deixar que suas
memórias a perturbasse e estragasse seu dia lindo.
Aaron ficou emocionado, porque ela estava lutando contra seus medos,
era forte e corajosa e ele apreciou muito.
Eles ficaram se olhando nos olhos, tão próximos, seus corações batendo
forte no peito que um podia sentir o outro.
— Posso fazer umas perguntas?
— Sempre pensei que era calada, agora sempre gosta de falar. Erick me
disse que você era fechada como uma concha.
— Eu não.
Ela o olhou emocionada e queria aquilo para ela, que alguém fizesse
qualquer sacrifício por ela, que a amasse sem reservas. Gostaria que ele a
amasse.
Pensar que ele poderia encontrar sua companheira e se afastar dela não
lhe caiu bem. Não gostou da sensação de outra mulher ter sua atenção. Ele
merecia uma boa mulher, que o amasse e não lhe ferisse o coração, mas...
— Por que diz tal coisa? É claro que é digna de ter um, os deuses fizeram
um companheiro para você. Acredite, pequena, ele vai te amar e te honrar por
toda a vida. E ele está mais perto do que imagina.
Então, olhou para seus lábios e ficou pensando no beijo que ele havia lhe
dado e sua respiração ficou difícil. Quando ela ergueu os olhos, viu o calor
emanar de seus olhos, olhando-a com fome.
Valha-me que ela rosnou porque mesmo na água fria estava quente. Ela se
aproximou dos seus lábios e lhe deu um suave beijo no canto da boca. Aaron
ficou tão espantado que ela lhe beijou, que ficou parado, sentindo a sensação
deliciosa, então ela beijou o outro canto da boca e depois seus lábios, ele
rosnou em sua boca e a beijou de volta, um delicioso e provocante beijo,
envolvendo sua boca com reverência.
Ele a segurou pelo traseiro e a puxou mais para ele e ela enlaçou sua
cintura com as pernas.
Acariciando suas costas com uma mão e com a outra seu traseiro, ele
lentamente batia os pés para não afundarem.
Podia sentir que ele estava excitado, sentir seu membro inchado contra
seu maiô, excitado por ela e isso fez sua mente voar. Ele era grande e
poderoso, e imaginou como seria tê-lo dentro dela.
Ela se moveu, seu sexo roçando em seu membro e ele rosnou, olhando-a
com fome e o pensamento de desejar aquilo a atordoou.
— Não posso negar que desejo isso, pequena, queria muito estar dentro
de você. Senti-la quente e apaixonada, dizendo meu nome enquanto te tomo,
montando-a e dando-lhe todo o prazer que merece. Garanto-lhe que não
haverá dor nem sofrimento, somente prazer e alegria, desejo de verdade. O
dia que estiver pronta, eu estarei aqui para reverenciar seu corpo e seu
coração, como merece.
— Vamos sair?
Ela assentiu novamente, ele nadou para o veleiro, a ergueu para a escada e
depois subiu.
Ficaram mais algumas horas andando de barco e passando por bonitos
lugares e curtindo pequenas carícias e doces beijos, depois voltaram para o
hotel.
Clere estava febril, desejando ir além, mas não sabendo como enfrentar
seus medos. Queria prová-lo, mas não sabia se podia. O desejo começou a
turvar sua mente.
Aaron entrou no quarto, empurrou a porta com o pé, a puxou pela mão e a
colocou contra a porta, a ergueu fazendo-a entrelaçar sua cintura com as
pernas, pressionando-a com seu corpo e se esfregou nela, beijando-a
loucamente, devorando sua boca.
— Sim.
Ofegante, Clere ficou perdida, sem saber se fugia ou pedia mais. Foi para
o seu banheiro e colocou a banheira encher, ficou olhando por um longo
tempo no espelho por ver se acalmava o calor que seu corpo estava
acometido. Estava louca de desejar sexo com ele, depois de tudo. Queria, mas
não sabia se conseguiria.
Que inferno era ter a sua cabeça fodida. Como os homens podiam destruir
uma mulher com suas atitudes violentas e desumanas? Tinha lido que
algumas mulheres nunca se recuperam de serem violadas uma vez, imagina
ela por dez anos e todo o resto? Ela não queria ser uma delas. Queria viver.
Queria viver o amor plenamente, conhecer o prazer.
Aaron deu umas voltas pelo quarto, rosnou dolorido tocando a si mesmo.
Seu membro estava implorando por ela, mas não podia ir em frente.
— Juro que, se eu não enlouquecer, vou morrer antes da hora. Deuses!
Ele rosnou e riu de sua própria desgraça, mas o sorriso ficou nos lábios,
ela o tinha beijado, ela tomou a iniciativa e seu coração estava exaltado e
contente.
— Posso fazer isso? Eu desejo fazê-lo, mas minha cabeça não deixa...
Ela apertou as pernas, pois estava excitada e, por mais que sua cabeça e
seu coração fossem contraditórios, ela queria vencer seus medos.
— Clere, estou indo para o meu quarto, até mais tarde! — Aaron gritou.
Não queria que fosse, ela tomou coragem, respirou fundo e saiu do
banheiro.
— Mostre-me... mostre-me como é ter prazer sem dor. Um dia disse que
poderia me tocar e me aliviar, então me mostre. Se existe algo entre nós além
da amizade, então me mostre.
— Está sofrendo.
Emocionado e com o coração pulsando forte cobriu a mão dela com a sua.
Clere lentamente abriu a bermuda e a deslizou pelas pernas deixando-o nu.
— Eu também estou sofrendo e não quero mais ter medo. Você é a única
pessoa que confio para fazer isso.
— Por favor, quero conhecer o amor, mesmo que você não o sinta. Tem
carinho por mim, disse que desejava.
Beijou-a lento no começo, então passou a mão nas costas dela e a trouxe
para seu corpo, colocou as mãos abaixo do seu traseiro e a ergueu, e andou
pelo quarto com ela escarranchada em sua cintura e quando chegou à cama
deitou sobre ela.
— O que é?
Ele beijou seus lábios, desfez o laço do maiô, se ajoelhou e lentamente ele
deslizou-o pelas suas pernas ela pousou os pés em suas coxas.
Ele veio por cima dela novamente beijando sua mandíbula, o pescoço,
desceu pelo seu colo e tomou o seio na boca sugando o mamilo rígido
fazendo-a gemer.
Escorado em um braço ele tinha a outra mão livre para tocá-la, deslizando
a mão em sua pele deliciosa, tocando e sentindo suas curvas que ele tinha
sonhado tocar, beijar. Beijou sua barriga e desceu e ela gritou, arfando, e o
olhou quando ele lentamente lambeu seu sexo.
— Você quer ter o que nunca teve, pois te darei isso e mais.
Ele abriu seu sexo com os dedos e lentamente se deliciou com sua língua.
Aaron gemeu porque simplesmente amou fazer isso com ela.
Ela gemeu alto quando ele introduziu um dedo dentro dela, depois dois,
movendo devagar, preparando-a, excitando-a, fazendo com que sentisse
prazer e não dor, que ela sentisse como era ser amada com respeito. Ele
banqueteou-se e se empenhou em arrancar um orgasmo dela, fazendo as
chamas queimaram dentro dela como uma corrente de lava e ela gemeu alto,
quase desesperada com aquelas sensações novas.
— Aaron...
Ela gritou mais alto quando, de repente, seu corpo reagiu de forma
absurda, ela gritou e se contorceu fortemente. Suas vistas turvaram, estrelas
pipocaram, quando sentiu algo forte acontecer dentro de si e ele rosnou
sentindo sua excitação intensa.
— Não aguento...
Ele subiu e deitou-se sobre ela, que arfava como se o ar não chegasse o
suficiente, trêmula com as reações intensas de seu corpo.
— Não pare...
— Estou.
— Me quer?
— Eu quero...
— Olhe para mim, minha loba, olhe para mim e saberá que sou eu te
amando com todo o meu coração.
Ele moveu-se mais algumas vezes, entrando fundo e ela gemeu alto e
disse seu nome novamente. Ele a beijou, sufocando seus gemidos, e então ele
se desfez dentro dela, soltando seu gozo e seu prazer, soltando sua alma.
Aaron rosnou alto e forte, que ressoou no quarto e sem controlar ele
soltou sua magia e a onda poderosa do seu lobo derrubou algumas coisas
dentro do quarto, as cortinas voaram, e Clere olhou para a onda colorida e
então as lágrimas caíram, ela estava arrebatada.
Não podia ser nada, apenas um descontrole, o arco-íris era lindo e ela
tentou tocar com a mão e era pura energia, seu coração estava transbordando,
ela engoliu em seco tentando se controlar, mas não conseguiu, pois a emoção
era forte demais.
— Eu te machuquei?
Negou.
Ele respirou fundo e olhou ao redor e nem ele mesmo conhecia a tal
magia desgarrada de seu corpo. Ele gemeu, porque suas presas crescidas
doíam.
Ela assentiu.
— Eu sinto.
E ela estava perdida de medo que ele partisse, e ele leu seus pensamentos.
— Mas...
— O que imaginou?
— Bom...
Ele fechou os olhos e acariciou sua bochecha num carinho de lobo, lento
e delicioso. Clere o abraçou forte, suspirando.
E ambos desejaram jamais sair daquela cama, se soltar de seus braços, ela
chorou silenciosamente e ele somente a abraçou o máximo que pôde para que
ela soubesse que era ele.
Deus, ele pensava que seu coração sairia pela boca, pois era realmente
intenso o que seu corpo sentia, o sofrimento que era evitar reivindicá-la, seu
coração arrebatado que ele mesmo teve vontade de chorar.
Ela queria reivindicar Aaron e isso a chocou como o inferno, pois agora
ela sabia o que era ser amada e cuidada. E queria reivindicá-lo como
companheiro, isso era algo grande. E estava fodida.
“Aquele que luta com monstros deveria tomar cuidado para não se tornar
um.”
(Friedrich Nietzsche)
— Vamos explorar sua loba, Clere, vamos ver o quanto de dor pode
suportar e quanto de força pode nos dar. Espero que sobreviva, porque as
outras lobas não o fizeram.
— Por favor... me soltem, por favor, me deixem ir, por favor! Não!
Suas garras estavam alongadas e ela tentou arranhar, mas logo seus
braços e pernas foram presos com fortes correias de ferro grosso na cama.
Com os olhos arregalados e com medo do que viria, ela tentou lutar e
gritar, mas estava contida e seu corpo tremeu com a forte descarga elétrica
que a coleira que estava no seu pescoço deu.
Ela tremeu, girou os olhos e, quando parou, sentia todo seu corpo
queimar e formigar e a dor era atroz e todas suas forças se foram.
Injeções foram aplicadas, tubos de líquidos que não sabia o que era
foram injetados em suas veias e a última coisa que viu foi o cientista pairar
sobre ela.
— Agora, Clere, seja uma boa menina e vamos iniciar seu novo ciclo de
testes. Temos grandes planos para você.
E a imagem virou para uma imensa sala de metal e havia sangue e gente
morta para todo lado, e seus próprios gritos quase a deixaram surda.
Calçou os tênis de correr, mas não retirou a camiseta longa até as coxas
que usava e assim, com as pernas nuas ela saiu na sacada do hotel que ficava
no primeiro andar, e saltou sobre o balaústre caindo silenciosamente no
térreo.
Ela correu pela praia até chegar ao final, saltou algumas pedras e entrou
num pequeno bosque, saltando os arbustos, desviando das árvores e, quando
chegou ao bairro com asfaltos e casas, saiu correndo pelo asfalto e parou
numa esquina. Não havia movimento, carros passando, pessoas, nada, devia
ser alta madrugada.
Arfando pelo cansaço, olhou ao redor, com seus sentidos ligados e lhe
chamando a atenção que algo estava errado, sua pele pinicou e o sangue
correu mais rápido em suas veias, o coração fora do prumo.
Rosnou alto, que ecoou pela noite, suas garras e suas presas alongaram
querendo sangue.
Ela correu e rosnou furiosa, bateu no peito do homem que estava do lado
de fora, que nem sequer teve tempo de perceber sua presença, ele voou pelo
beco batendo na parede de tijolos e caiu desmaiado com o peito sangrando.
O outro olhou para ela com os olhos arregalados e ela rosnou para ele,
que gritou como uma menininha histérica, o que só irritou Clere, porque era
um covarde. Ele bateu numas caixas que estavam no beco, jogando nela,
como se surtisse algum efeito.
Ela saltou sobre ele, cravou o punho cerrado no seu peito, que o
atravessou até as costas, e rosnou na sua cara.
Em um puxão, Clere tirou a mão do seu tórax e ele tombou no chão sem
vida. Ela se virou para carro com a mulher ainda gritando. Cerrou o punho e
deu um soco no vidro traseiro do carro estilhaçando-o. O homem se assustou
e a mulher gritou histérica.
Clere a pegou pelo braço e puxou-a para fora. Abriu a porta da frente e a
fez sentar-se no volante.
— Hum... tsc... tsc... Covardes medrosos, mas, para subjugar uma mulher
arrancando sua dignidade, se sentem grandiosos. Bom, tenho uma notícia
para vocês: odeio estupradores.
Ele foi à sua frente e ela estava com o olhar parado olhando pela vidraça e
para o mar e não respondeu.
— Clere!
— O quê?
— O que aconteceu? Onde estava? De onde é esse sangue? Machucou-se?
Ela baixou o olhar e olhou suas mãos e seus dedos estavam alongados, as
garras salientes. E havia muito sangue, por toda ela.
— Não sei.
Aaron olhou a porta do quarto e viu que estava fechada, olhou o balaústre
e viu que tinha marcas de sangue, havia pulado ali.
— Por Hell.
— Você saiu?
Ele olhou suas mãos, mas não havia ferimento nenhum, pelo menos
nenhum corte aparente.
— Não me lembro.
— Precisa se lembrar. Talvez nem seja uma pessoa que você machucou,
um animal talvez? Você saiu do hotel?
— Quem?
Ele trincou os dentes, estava começando a entender o que ela pode ter
visto e feito.
O sangue e sua dor eram uma afronta ao animal rosnando dentro dele. Ele
sentia seu lado selvagem ameaçando assumir o controle, a liderança.
Aquela era sua companheira. Não importava que ele não a tivesse
reclamado ainda. Ela era sua, e que os deuses o ajudassem queria ele mesmo
matar os bastardos.
Ele sentia o cheiro de sua dor, o corpo dela estava tenso com o sofrimento
que circulava por todo seu corpo. A cabeça dele girou, os misteriosos olhos
verdes piscaram com raiva viva enquanto a fitava.
— Entendo sua raiva, mas não pode sair por aí e matar estupradores,
como uma renegada ou justiceira.
— Sei lá, por acaso esse tal Oráculo não serve pra nada? Diga quem vai
cometer um crime e vai lá e prende essa raça bandida e impede que
machuquem mais mulheres. Nem todas conseguem se defender e fugir. A
prisão não cura ninguém da maldade, e somente infla seus demônios. Um
estuprador não tem cura, não se redime.
— Eu sei e entendo, mas você não pode. Um dia pode ser pega e ser presa
e daí o que faremos, Clere?
— Se eu não faço nada, então tenho culpa. Eu deveria fazer justiça, por
elas, a polícia não faz e a lei não faz. Alguém precisa fazer isso, e... as
crianças... precisam ser protegidas.
— Fazer justiça com as próprias mãos pode trazer uma boa parcela de
alívio. Entendo o que é querer vingança, já bebi dessa taça. Mas não podemos
deixar que a sede de vingança nos envenene a mente.
— Parece que eu não sou tão boazinha assim como tenho me mostrado.
— Sim.
— É sonâmbula?
— Não que eu saiba. Mas... tenho tido clarões e memórias confusas que
fazem minha cabeça doer, pesadelos. Às vezes, correr ou fazer algum
exercício me acalma.
— Não me lembro.
Ela respirou fundo e suas mãos voltaram ao normal e seus olhos pararam
de cintilar e suas presas diminuíram.
Ele orou aos deuses para que ninguém a tivesse visto daquele jeito, pelo
menos que quem a viu estivesse morto.
Isso lhe causou um arrepio pela espinha. Tinha que protegê-la melhor,
aquilo foi uma loucura sem fim.
— Pode ter tido um sonho ruim que a fez sair, mas seria bom se lembrar
de quem é esse sangue, se é daqui perto ou não, se essa pessoa pode te
reconhecer... se está viva.
— Não está louca. Está tudo bem, você vai ficar bem.
— Por que aquelas pessoas me odiavam tanto? Por que odiavam minha
loba?
— Sinto muito, querida, mas tenho certeza de que sua loba é linda,
perfeita e um dia esse trauma vai passar, você vai ficar bem e pode trazer sua
loba de volta e, então, vamos correr juntos no bosque, em Kimera, na praia e
será muito divertido.
Ela chorou e ele chorou com ela e beijou sua testa e a abraçou.
— Estou segura?
— Sim, está, mas não pode sair sozinha e fazer estas coisas que fez hoje,
precisa me prometer que não sairá mais assim. Pode prometer isso pra mim?
Vamos deixá-los lá fora e agora aqui, estamos só eu e você. Seguros. Vamos
tomar um banho e descansar, está bem? Está segura comigo. Juro-te.
— Prometo.
Então, ele ligou a ducha e a colocou embaixo e entrou no boxe com ela.
— Durma, querida, estou aqui, vamos descansar e amanhã será outro dia.
Lidaremos com o que vier.
Ela fechou os olhos e ficou quieta, mas sua cabeça rodopiava e demorou a
se apaziguar.
Ah, como seria difícil! E Aaron não tinha ideia de onde estava se
metendo.
Quando acordou, Clere estava em seus braços, piscou aturdida o olhando
dormir placidamente.
Ela ficou olhando seu lindo rosto, então seu olhar deslizou pelo seu corpo
nu e o lençol lhe cobria o quadril.
Tão forte e másculo e sorriu ao ver que seu pé ficava para fora da cama
porque era muito alto.
Ela levou a mão pelo seu braço musculoso e o tocou com a ponta dos
dedos, mas temeu que ele acordasse. Tocou cada tatuagem que ele tinha e
amou todas. Eram tão lindas. Ele era lindo, cada parte dele.
Tentando ignorar fortemente sua libido aflorada gemeu porque seu sexo
se contraiu.
— Merda!
Ela levantou cuidadosamente para não o acordar, mas quando se virou ele
estava com os olhos abertos, olhando-a, e foi como ligar o interruptor do
desejo, impossível de fugir.
— Bom dia.
— Bom dia.
— Tudo bem?
— Sim.
Aaron gemeu a beijando de volta e com a mão na sua nuca a puxou mais
para ele e aprofundou o beijo, sedento e desejoso.
Clere afastou os lençóis e ambos estavam nus. Beijou sua mandíbula, seu
pescoço e ele rosnou alto quando ela mordeu e lambeu seu mamilo.
Ela desceu beijando seu corpo e ela parou olhando seu membro, olhando
com calor e questionamentos, então ela o tocou com a mão, sentindo-o.
Ela não disse uma palavra, mas ele imaginou e leu alguns pensamentos
desconexos na sua cabeça. Clere estava curiosa, lutando com o prazer e a dor
na sua cabeça.
Ela o olhou e ele rosnou quando massageou sua ereção para cima e para
baixo e sentir sua mão era mais que delicioso, era mais do que esperava.
Ela estava selvagem e ele amou aquilo, linda e poderosa sobre ele,
tomando o que queria, soltando-se e tentando conhecer o sexo de uma outra
forma. Era um presente que não imaginou que ganharia. Sua loba estava
cheia de desejo e queria tomar. Surpreendente e fascinante.
Ele acariciou seus seios em suas mãos e ela fechou os olhos para sentir.
— Monte-me se me deseja, Clere. Tome o que quer.
— Deseja-me?
— Sempre.
Ela o beijou e ele deslizou as mãos pelas suas costas e sua bunda,
fazendo-a roçar seu sexo em sua ereção e gemeu. Estava quente e ele ficou
louco.
Clere ergueu-se e o olhou e ele entendeu o que ela queria, ele agarrou seu
membro e posicionou-o em sua entrada e ela, no seu tempo, o tomou.
— Não me deixará?
Mas o que ele viu não parecia contente, parecia que ela não acreditou nas
suas palavras. Precisava falar a verdade. Ele rosnou quando ela se moveu
com mais força, cavalgando-o e cravou as unhas em seu peito, fazendo-o
rosnar.
Ela o montou como queria, trazendo o prazer para os dois enquanto ele a
acariciava em seus seios, sua cintura, suas costas e seu traseiro ajudando-a a
montá-lo, aumentando seu prazer, mostrando que amava tocá-la, que amava
seu corpo, que amava estar com ela.
Ele retirou os cabelos de seu rosto e beijou sua testa. Então, cansada, ela o
olhou e beijou seus lábios, lhe brindando com um sorriso tímido misturado
com um malandro.
— Você é maravilhosa. Estou feliz que esteja vindo para mim, pequena.
— Precisamos de um banho.
— Adoraria.
Ela beijou seus lábios e saiu para o banheiro e Aaron ficou ali, confuso,
inebriado e apaixonado.
Fez uma leve oração aos deuses, porque ele estava no céu.
Era tarde quando pediram almoço e ela limpou o sangue que havia no
quarto. Ele chegou do banheiro de banho tomado e sentou-se à mesa.
Clere mordeu o pão de pita com carne e queijo derretido e ele não tirava
os olhos dela.
Paralisou quando ele se inclinou e lentamente passou o polegar em seus
lábios limpando o queijo derretido, um arrepio desceu pela sua espinha pelo
carinho que pareceu tão fácil e espontâneo, e ela não conhecia nenhuma
sensação assim, não que pudesse se lembrar.
Ele lambeu seu dedo tão sedutoramente que a mente de Clere deu um
baque.
A cabeça dela girava pelo grande guerreiro, porque a tratava com tanto
encantamento, era generoso e paciente, amoroso e sexy como o inferno.
— Ai, Jesus...
— Achou algo?
— O que foi?
— Pelos deuses!
— Mas não há pista nenhuma, nem falaram de uma moça que tenha me
visto, nada, parece que não havia câmeras na rua por ali e ninguém viu nada.
— É possível, mas rezarei para que não. E que seja abafado, aqui diz que
parece ser um ataque de um grande animal, que não tem rastros ou pistas.
O celular tocou e ela quase o derrubou pelo susto. Quando viu que era
Erick que ligava, soltou o celular sobre a mesa e olhou para Aaron com os
olhos arregalados.
— Não o quê?
— Sei lá, diga alguma coisa. Que não estamos em Paxos, estamos em
outro lugar.
— Fale você. Você é uma autoridade, diga qualquer coisa e ele acreditará.
— Eu falo com o Erick como, aqui nessa coisa? — Ela riu. — Está
achando isso divertido?
— Não, estou rindo de nervoso. Aperta aqui e fala com ele, como se ele
estivesse na sua frente.
Ele rosnou e colocou o celular na frente da boca e ela pegou sua mão e
levou ao ouvido.
Quando Erick disse “olá”, Aaron rosnou e olhou o aparelho e Clere riu
mais.
— Vejo que não está usando seu celular, tio, está desligado.
E rasgando bandidos.
— Sim.
— Não...
— Muito bem.
— Ok.
— Adeus, tio.
— Adeus.
— Prometo. Mas eu tenho muita raiva dentro de mim, minha ira foi mais
forte e parti para cima deles sem dó. Talvez tenha exagerado partindo-os em
pedaços, mas não podia permitir que estuprassem aquela garota. Pode ter sido
errado, mas não me arrependo, aquela garota estaria morta ou com a mente
destroçada. Isso é imperdoável. A justiça faria o quê? Nem prenderia os
vermes e a moça estaria marcada para sempre e amanhã eles estuprariam
outra mulher. Minha loba não permitiu, ela é muito forte.
— Todos os lobos são fortes, você tem que saber lidar com ele, tem que
controlá-lo. Todos nós temos que encontrar o equilíbrio. Somos dois seres
num corpo e podemos controlar.
Ela respirou fundo.
— O que é isso?
Isso a estava matando, podia sentir. E isso que tinham apagado muitas de
suas memórias.
— Talvez.
— Louca, resumindo.
— Você não é louca, só precisa se curar dos seus traumas. Foram muitos
anos. Com o tempo vai passar. Sua cabecinha está confusa, mas vai ficar tudo
bem. Vamos cuidar disso. Você precisa ser forte, Clere.
— Farei.
— Ótimo. Você é uma guerreira e mesmo ferida, vai se levantar e seguir
em frente.
— Sim, eu fiz, e por isso que estou te dizendo. Primeiro deixei a dor me
consumir, então depois veio o ódio. Busquei a vingança. Então veio mais
ódio e dor.
— Eu escolhi a paz.
— Valeu a pena?
— Cada minuto.
— Bom, sim, de vez em quando, oremos que não hoje ou nos próximos
dias.
Como era bom ser mimada por ele. Ele representava tudo de novo,
esperança, alegria, proteção. Era lindo e perfeito.
Ela acariciou sua barba macia, pegou um pedaço de carne e deu a ele, que
apreciou o gesto como uma carícia bem no coração e assim um alimentou o
outro entre beijos e carícias, lentas e deliciosas. E foi divino.
— Sério? Acha que eu o vi em outra vida? Mas... você não teve outra
vida.
— Oi... oi, mãe. Sim, es-estou bem, está tudo bem. Não, eu estava
distraída e me assustou, nada de mais.
Clere pensou que estava ligando porque viu algo no jornal sobre os
cadáveres, mas não, somente para saber se estava bem.
— Tudo bem, mãezinha, não se preocupe, está tudo bem, hoje vamos
passear na praia, são belíssimas e estou me divertindo. O príncipe? Bem... ele
está bem. Sim... ele é muito respeitoso. — Ela sorriu olhando para ele, que
rosnou baixo. — Não, ele não foi rude nem me obrigou a fazer nada que eu
não quisesse. É um cavalheiro... Não se preocupe, eu estou muito feliz,
prometo. Ok, beijos. Sim, ligarei, prometo.
— Se eu acreditasse que existe um inferno, eu iria para lá. — Ela riu e ele
fez o mesmo.
O evento com os humanos foi esquecido, pelo menos não fizeram mais
nenhum comentário e Clere cuidava das notícias e o tal animal não foi
encontrado e nem a moça apareceu para testemunhar.
Ela não se importava em nada com os defuntos, porque não ligava que
tinha matado os bastardos estupradores. Os humanos podiam investigar o que
fosse, mas nunca chegariam até ela. Porque os lobos não possuíam nem o
sangue e nem um DNA considerado humano. Os testes dariam inconclusivos.
O que preocupava eram as imagens, mas não acreditava que tivesse alguma.
— Para se bronzear.
— Bronzear?
— Tomar sol, ficar moreno do sol, fazer marquinhas, fica bonito estar
bronzeado, é sexy.
— Hummm...
Ele estava pegando uma cor dourada pelo sol grego e isso somente o
deixava mais lindo do que nunca.
Clere o olhou e sentiu desejo, seu corpo estava levemente dolorido pelo
sexo da noite e pela manhã, mas não se importou, era diferente e bom, estava
tão emocionada, tinha conhecido o paraíso e agora precisava mais.
— Como quiser, está delicioso aqui, mas eu quero pintar meu cabelo hoje,
então vai demorar um pouquinho para irmos ao restaurante.
— De novo?
— Sim, mas garanto que não perderemos o famoso pôr do sol de Paxos.
Após o banho, ambos saíram da água de mãos dadas. Ela pegou seu
chapéu e bolsa na espreguiçadeira e seguiram para o hotel.
Não era fácil ter a sua cabeça ferrada, mas estava contente demais para
esquecer os beijos e a vontade de estarem juntos. Havia se formado uma
ligação forte demais entre eles, mas sabia que era somente algo temporário,
porque ela ainda tentava se convencer de que era um flerte legal de
companheiros de viagem, e como ela estava a fim de curar sua cabeça fodida,
seus traumas e se divertir, Aaron era mais do que bem-vindo.
Ele estava usando uma calça jeans que mostrava uma bunda deliciosa e
coxas musculosas e uma camiseta preta justa que agarravam seu corpo forte e
grande e ele tinha feito um rabo de cavalo. Ela suspirou ao admirá-lo.
Quem imaginaria que ali num hotel da Grécia haveria um casal de lobos
de verdade? A Grécia era mágica na sua mitologia, mas nenhum humano
poderia sequer imaginar que naquele país havia tanta magia de verdade, o
príncipe e ela ali, tantos outros na Ilha dos Lobos e uma alcateia enorme em
Creta.
Pena que os humanos não conseguiam ficar felizes com sua existência,
odiavam-nos e isso lhe trouxe tristeza em seu coração.
Gostaria que fossem amigos e pudessem ir e vir sem ter que se esconder e
ela ter que usar lentes de contatos para esconder seus olhos.
Ele não escondia, porque não havia modernidade que o fizesse colocar
algo em seus olhos, então, usava os óculos escuros o tempo todo ou os
mostrava.
Seu coração deu um tombo no peito, parecia que sua saudade dela nunca
mais findaria e esperava que pudesse viver mais mil anos ao seu lado,
desfrutando dela de todos os jeitos, mimando-a para fazê-la feliz.
Ela parou na sua frente e ele pegou sua mão, beijou seu dorso e depois
beijou sua bochecha e apareceu suas covinhas que ele amava.
— Era outra coisa, mas você com lábios de sabor algodão-doce me parece
delicioso. Não imagino como é o sabor, mas deve ser bom.
— Sim. Mas nada impede que o faça agora. A não ser que não queira.
— Eu também não.
Estavam cavalgando juntos num prado belo e verde e ela ria feliz ao
estar na frente de Aaron que cavalgava um cavalo branco.
— Hum, por que acho que está testando minhas habilidades? — zombou.
— Eu? Por que faria tal coisa? Tenho certeza de que as outras
habilidades de minha companheira, que ainda não conheço, são perfeitas
como sua pontaria e... a maneira que me toca.
Ele deslizou o dorso dos dedos em seu braço desnudo até onde chegava a
braçadeira de couro que ela mantinha nos pulsos até o cotovelo.
Riu divertida.
— Bem, Alteza, eu tenho certeza de que me esmerarei ao seu contento,
mas vai ter que se esmerar para me agradar.
Aaron, vendo a sua loba, riu de deleite que encheu seus olhos de prazer,
ele se transformou em lobo e correu atrás dela.
Após colocar os servos nos alforjes dos cavalos, voltaram para a alcateia
onde naquela noite seria preparado um banquete, onde haveria festa, muita
cerveja e dança ao redor da fogueira.
Clere arfou, se soltou dele e deu um passo atrás, olhou para Aaron com os
olhos arregalados e ficou paralisada.
— Não... foi algo maravilhoso e tão bonito, mas não era real, porque era...
eu e você, mas era em outro lugar, outra época, eu estava vestida de roupas
de couro, tipo essas que usam em Kimera. Foi um sonho, isso, eu estava
sonhando acordada. Como vi das outras vezes.
Porque estava com ele e o coração dela batia tão cheio de sentimentos e
euforia, mas sua cabeça confusa não entendeu exatamente o que estava
acontecendo.
— Você só me dá boas memórias, Alteza, mas era um sonho, pois não era
real.
— Um bonito sonho.
Sim, Vanora tinha mexido com suas memórias, que tinha misturado tudo.
Senhores dos céus, que bagunça que tudo tinha ficado!
Ao entardecer, eles foram caminhar na Praia de Mongonissi, uma das
pequenas de Paxos, e era realmente deslumbrante.
Clere tinha descoberto que amava frutos do mar, azeitonas e queijos, tanto
quanto Aaron. Lobos eram mais chegados à carne vermelha, mas, naquela
praia, na beira do paraíso, com a brisa quente que os brindava como um beijo
de amante, com o pôr do sol avermelhado no horizonte, nada mais perfeito
que frutos do mar e, claro, uma cerveja gelada.
Ela colocou uma azeitona na boca e gemeu de prazer.
Ela foi pegar mais uma, mas Aaron segurou sua mão sobre a travessa e
ela o olhou espantada. Sem tirar os olhos dos dela, ele afastou sua mão,
pegou uma azeitona e lentamente ofereceu diante de sua boca.
Ela engoliu em seco e seu estômago revirou. Ele ia fazer aquilo de novo?
Alimentá-la? Na frente de todos?
Lentamente, ela abriu a boca e ele colocou a azeitona em sua boca e ela
fechou os lábios e ele não retirou os dedos, aquele movimento fez com que
ela agarrasse seus dedos com os lábios e ele puxou devagar e gemeu de
prazer.
Era uma tortura deliciosa e o prazer era gigantesco e ele lambeu seus
dedos para sentir o sabor da oliva e dos seus lábios que era um maldito
afrodisíaco, então não resistiu, se aproximou e beijou seus lábios, invadiu sua
boca e mordeu a azeitona em meio à dança erótica de sua língua e se afastou.
Aaron fez de conta que nada aconteceu, pegou sua cerveja e bebeu, jogou
outra azeitona na boca e respirou fundo com ar de vencedor, olhando o mar.
Clere rosnou baixo em sua garganta e apertou os punhos porque uma
enorme excitação atravessou seu corpo, mas se controlou e respirou fundo,
tomou um enorme gole da cerveja gelada, o que fez Aaron sorrir mais.
O demônio estava jogando com ela, e estava ganhando, porque ela ficava
chocada com seus movimentos e atitudes sem nenhum aviso, deixando-a
tonta.
— Esse lugar é muito bonito, por que o escolheu na sua lista de lugares?
— perguntou despreocupado.
— Ok.
— Sim, eu gosto.
— Pelas fotos vi que aqui o pôr do sol é realmente mágico e tem o melhor
ouzo e mariscos também, além disso que estamos comendo.
— Hum... Provaremos.
— Vamos lá, quem toma sua cerveja forte não deve ser pior que isso.
Ele riu e ambos tomaram em dois goles da bebida e Clere tossiu e bateu
no peito e Aaron riu e os dois caíram na gargalhada.
— Bem, por enquanto sim, pois quero conhecer tudo aqui, é tão lindo que
parece que nunca terei o bastante, mas em outro momento poderemos ir a
outro país, gostaria de conhecer a Itália, talvez conhecer o Brasil, tenho um
primo, Gael, que é o alfa da alcateia de lá. Mas no momento não queria
abusar do presente que os alfas me deram comprando passagens exorbitantes.
— Tenho dinheiro, pode ir onde quiser.
Oh, Deus, todos os lobos beijavam como ele? Não importava, porque só
queria os beijos dele. Só esperava que sim, porque toda mulher deveria ser
beijada daquela maneira.
Ela riu com o pecaminoso, era só um beijo e sabia que era normal
humanos beijarem-se em público, mas ela não era acostumada.
Clere riu baixinho e o cutucou nas costelas com o cotovelo. Aaron deu
um gemido baixo, lhe deu sorriso e passou os dedos pelos cabelos, e quando
olhou para o garçom depositou os pratos sobre a mesa e a olhou novamente,
um olhar rápido para o brutamonte ao seu lado e o moço quase saiu correndo.
— O assustou.
— Não conhece o que é estar assustado, mas estava desejando você.
Então ele gentilmente pressionou seus lábios nos dela, deslizou sua língua
ardente e ávida, explorando as cavidades sensíveis da sua boca.
Ela passou a língua nos lábios molhados do beijo e podia sentir o peito
doer e ouvir as batidas descontroladas de seu coração.
Senhor, que a acudisse, porque ela não estava tentada a ser acudida.
Atenas
Clere não estava com medo e nem arrependida do que fez e ele também
não se importava, mas somente queria protegê-la, então voltaram para a casa
de Kira.
E ela teve certeza de que seria capaz de fazer qualquer coisa por ele, para
ele lhe brindar com o mais lindo sorriso que já viu na vida.
— Sei.
— Pode.
Ele respirou fundo. Pensou que pediria algo material como presente, mas
ela pediu seus sorrisos. Pelos deuses, ele lhe daria o mundo se pudesse e ela
tinha todos seus sorrisos.
Ela foi para trás e deu espaço para ele entrar e fechar a porta do boxe e,
quando ele chegou até ela deixou que a água o banhasse, então olhou-a com
aquele olhar quente que quase a desmontava.
Então gentilmente pressionou seus lábios nos dela para abri-los, deslizou
sua a língua em sua boca e a beijou ardentemente, deslizou seus lábios pela
sua mandíbula, seu pescoço e com a voz rouca e a respiração entrecortada
sussurrou ao seu ouvido:
— Os seus lábios serão os únicos que beijarei nessa vida, nunca haverá
ninguém mais, porque desejo que somente tu estejas comigo, hoje e sempre.
Você é minha e eu sou seu para sempre.
— O que eu disse?
— Do que se lembrou?
Aaron parou de respirar, não queria que se lembrasse do que ela tinha
feito.
— Sim, porque eu estava confusa e sofrendo por algo e não sei o que é.
Está um tanto embaralhado na minha cabeça. Devo ter me lembrado de coisas
ruins ou tive um pesadelo, mas então você estava ali...
— Sim.
— Eu levei.
— Por que está aqui comigo? Por que veio na viagem comigo? Tem me
rondado, me abordado com suas visitas há muito tempo.
Aaron sentiu seu coração dar uma parada e a garganta embargou. Era o
momento.
— É porque é verdade.
— O quê?
— O quê?
— É por isso que estou aqui, que tenho estado todo esse tempo,
navegando perdidamente desesperado nas suas lembranças, tentando te
proteger do mundo que a atormenta, de suas próprias memórias e tentando te
conquistar, conquistar sua confiança e seu amor. Mostrar-te o grande amor
por ti que guardo no peito.
— Repita isso.
— Por que não? Sou tão horrível assim, que não gostaria que eu fosse o
seu companheiro?
— Não sei quem meteu na sua cabeça que não é importante e que não é
valiosa, mas, acredite, para mim é valiosa e linda, inteligente, forte e nobre.
Eu, como um ser da realeza, acho que és perfeita para mim. — Clere não
conseguia respirar. — Você sabe, não sabe, Clere? Você sente aqui.
— Sim.
— Mas... eu não...
— Sim, você. Porque você é digna de ser uma princesa, digna de ser uma
rainha. Digna de mim e eu espero ser merecedor de você.
Espantada e estupefata, não sabia o que dizer, pois tudo cintilava na sua
mente e a esperança de algo ter realmente sentido na sua vida era
maravilhoso.
Devia estar bêbada ou delirando, mas seu coração gritava que sim.
— Sim, já sabes.
— Jamais vou te deixar, nunca, minha loba. Você é minha e nem a morte
pode nos separar. Posso te mostrar quão feliz estou?
— Acredito.
— Somos companheiros?
Ele a ergueu e ela o abraçou com as pernas e o beijou, regados pela água
quente e deliciosa que os banhava.
Ele rosnou pelo desejo e seu membro que estava ereto e pulsante,
gloriosamente excitado.
Ele assentiu.
Ah, e agora ela entendeu a maioria das coisas que sentia em seu corpo.
Era uma loba acasalada e nem sabia. Por isso sentia vontade de reivindicá-lo,
quando suas presas cresciam, por isso as presas dele estavam sempre
crescidas, queria reivindicá-la.
— Bem, então vou ter que te convencer. — Ela riu e chorou, pois era
difícil de acreditar. — Gostaria que eu fosse seu companheiro?
Sim, assim era e suas emoções descarrilharam. Ele era tudo o que ela
desejou e sonhou.
Era o mais primoroso, o maior prazer doloroso que ele conheceu em sua
vida.
Ela suspirou e fechou os olhos. Deus, a voz dele rouca e sensual. Falando
lentamente era demais para gerir, mexia com sua mente e corpo e ela assentiu
porque estava queimando por ele.
Aaron deslizou as mãos pelas suas costas, desceu para seus quadris e
beijou seus lábios, encostou-a contra a parede e a penetrou lentamente, e ela
estava quente e escorregadia.
Ele deslizou a mão pela sua virilha e tocou seu sexo circulando o dedo em
seu clitóris, o que a deixou louca e se agarrou em seus ombros, gemendo.
Deus, como ele amou seus doces gemidos, como ela se permitia ser
tocada por ele.
Clere arfou quando sentiu o peso dele sobre seu corpo nu, e arfou
sentindo um pouco de medo, então ela abriu os olhos e olhou para os dele,
verdes e brilhantes, quentes de desejo e seu medo foi embora, porque era ele.
Mas ele nunca tinha conhecido tal prazer ou necessidade, tampouco. Isso
estava queimando dentro dele, roubando seu controle, deixando-o tão faminto
por seu beijo e seu corpo que ele tinha de cerrar os dentes para evitar
implorar por misericórdia.
Mudando seus quadris, ele moveu-se até que ele se ajoelhou na cama,
separando as pernas dela, e olhando seu sexo, deslizando lentamente o olhar
sobre seu corpo. Adorando-a e vendo como se movia dentro e fora dela.
Como era bela a união de seus corpos e sua conexão.
Ele deslizou mãos sobre seu seio, deslizou pela sua barriga e pelo seu
sexo, então olhou nos olhos e acariciou seu clitóris, fazendo-a se contorcer e
saiu dela.
— Deseja-me, Clere?
Ela se segurava em seus ombros, suas unhas raspando sua pele, o que o
fazia rosnar.
Ele morreria por ela. É o que toda mulher sonharia ouvir. Ela tinha aquele
homem maravilhoso tocando-a e amando-a. Coisas que ela sonhou em ter e
pensou que não podia obter. Não foi o amor ou a devoção que a assustaram,
no entanto.
Foi que seu corpo reagia a ele de forma despudorada e o medo que
sempre pensou que nunca mais a abandonaria estava perdido em algum lugar.
Ela o desejava, não tinha medo que o queria dentro dela, tinha medo de
perder aquilo, perdê-lo, porque os alertas na sua cabeça não cessavam.
Queria tudo dele e o tinha, mas não entendeu porque o medo de perdê-lo
anda estava ali.
Ele lhe deu todo o prazer que conhecia, explorou seu corpo, chupou,
sugou e mordeu, suas presas cresceram e ela gemeu quando as sentiu roçar
seu mamilo dolorido.
Aaron ficava louco com ela, simplesmente rendido a ela. Deuses! Amava-
a debaixo dele, então ele a olhou enquanto ela respirava desesperada e o
olhou nos olhos. Ele beijou docemente seus lábios.
Ela possuía uma alma quebrada, que jamais conheceu a necessidade que
tinha do toque de alguém até ele chegar. E ele pertencia a ela, seu
companheiro.
Aaron enterrou seu rosto em seu pescoço, e ela o abraçou forte e ambos
rosnaram em um êxtase intenso, explodindo num prazer que os deixou com
as vistas nubladas, sentidos desgovernados e mente voando por um orgasmo
estupendo. O mundo todo pareceu rodar.
Ele girou na cama e a trouxe para deitar em seu peito, abraçando-a forte,
com os corações batendo forte.
Sua mulher.
Ele gemeu pela dor em seus dentes e passou a língua para senti-las,
grandes desejando mordê-la, e reivindicar a loba em seus braços. Ele faria,
em breve.
Embora cada toque somente fazia crescer mais o desejo, ansiava por mais,
tudo dela. A pequena loba tocava sua alma, aquecia-a. Construía um fogo
dentro dele onde não tinha havido nada, a não ser um frio, um vazio, um
buraco, uma assombrada concha de um homem do que um dia fora.
As mãos dele desceram por suas costas, até suas ancas, e voltaram a subir,
numa deliciosa carícia.
Ela estava sentada em uma cadeira forrada de peles, seu cabelo loiro
longo estava preso de forma antiga com frisos e tranças, que caíam sobre
seu vestido simples, mas que destacava sua posição social dentro da sua
aldeia.
— Alfa, ele está aqui! — avisou um lobo afoito que entrou no salão.
Ele parou diante dela e fez uma reverência honrosa com a mão sobre o
coração.
Ele a respeitava como alfa da alcateia e via a força nela, via a guerreira
forte que era e isso somente enchia o seu coração de amor por ele.
— Minha senhora.
Aaron abriu o mais lindo e perfeito sorriso cheio de saudade e com fome
em seus olhos, que fez seu coração se revirar no peito.
— Nosso dia se alegra com sua presença, é dia de festa e regaremos esta
noite com muita carne e vinho.
Os olhos de lobo cintilaram em apreciação de sua dama e de sua loba e,
mentalmente, ele falou com ela dizendo quanto a desejava em seus braços e
como estava saudoso.
— Sim. Eu aceito ser sua companheira. Eu falei com meu povo e iremos
com você para Kimera. O cerco dos humanos está se fechando e receio que
seja perigoso estarmos aqui por mais tempo, temo pelo meu povo.
— Seu povo estará seguro em meu lar... nosso lar. — Ela sorriu. — Está
pronta para se tornar minha princesa, minha companheira?
— Estou pronta. Ser sua companheira é o que mais desejo nesse mundo.
— Somente peço que espere nossa colheita acabar e então pode nos
buscar e nos levar para Kimera. Não podemos desperdiçar comida, pois
seria uma afronta aos deuses que nos abençoaram com abundância e fazer
caso ao trabalho de nossos lobos. Só mais uns cinco dias e estaremos
prontos para partir.
— Sou toda sua, meu senhor. Tens meu corpo, minha alma e meu
coração, para a eternidade.
— Para a eternidade.
Aaron tomou seus seios nas mãos e rosnou quando ela, sem parar de
mover-se sobre seu membro quente e poderoso, abaixou-se para tomar a sua
boca com fome, e a carícia que seus cabelos longos fizeram sobre seu peito o
deixou inebriado.
Ela era maravilhosa, sexy e dona de si e ela tomava o que queria, tudo
dele e ele amava.
A luz estava acesa, como sempre, com o coração pulsante tocou seu
ombro e olhou para Aaron, espantada. Ele estava ao seu lado e dormia
tranquilo.
Clere estava suada e ofegante, tomou um gole de água do copo que estava
na mesinha de cabeceira e caiu na cama olhando para o teto.
O que diabos estava acontecendo com sua cabeça com aqueles sonhos?
Não conseguia entender.
Sua mente ainda não tinha atinado que os sonhos tinham relação com a
alfa morta e com a companheira que ele perdeu, um detalhe importante que
ela ainda não tinha feito a conexão.
Ela suspirou e se virou para Aaron e sorriu. Como o amava, Aaron era seu
companheiro e ela o amava perdidamente.
Essa era a única coisa que tinha certeza na sua vida bagunçada.
— Clere?
— Clere?
Aaron piscou aturdido, pois, Senhor, ela estava linda, sem nenhuma
maquiagem, cabelo molhado e uma descuidada camiseta sobre sua nudez,
então sorriu um pouco encabulada.
A doce memória dos seus lábios, dos seus beijos, de como o olhava, o
beijava e o desejava, tudo tão mágico, as memórias do que haviam vivido na
noite anterior tomou conta dos dois.
— Bom dia.
Ele olhou para a mesa e estava bonita e arrumada com pães quentes e um
cheiroso café.
— Sim.
Ele andou até ela e acariciou sua bochecha docemente.
Ele abriu o maior e lindo sorriso de sua vida. Estava sonhando, não era
possível.
— Sim, foi o que me disse ontem à noite. Fiquei pensando sobre isso hoje
de manhã quando acordei e fiquei te olhando dormir.
— Gosta disso?
— Sim, eu gosto.
— Sei disso.
— Sim.
Clere o mordeu, olhando para seus olhos e a fruta nunca lhe pareceu tão
deliciosa. E assim ele pegou um grão de uva e repetiu o gesto. Ela pegou
outro grão e ofereceu a ele.
Aaron abriu a boca para receber. Então, ela depositou uma uva e um doce
beijo.
Aquele carinho era bom demais para ambos, que não conheciam tanta
gentileza e carinho entre duas pessoas.
Queria que jamais pensasse nada ruim, que somente tivesse pensamentos
e memórias boas, sentimentos bons, que o desejasse sem medo ou pudores. E
sorriu ao captar seus pensamentos ousados, ainda um tanto tímida.
E ele gostou de saber que causava esse efeito nela, sinal de que o negócio
era recíproco, o que encheu seu coração de felicidade.
E assim um alimentou o outro e não viram o tempo passar. Entre um
bocado de comida e outro trocavam suaves carícias, desfrutando de conhecer
o corpo um do outro. De conhecer seu companheiro.
Seu coração estava carregado de ansiedade e euforia, podia dizer que era
felicidade, amor.
Nunca pensou que esse sentimento existisse. Seus algozes que povoavam
sua mente agora estavam afastados, empurrados para baixo, que mal se
lembrava de sua fisionomia.
Pois estando com ele somente queria pensar nele, estar segura em seus
braços e o sentimento que tinha dentro de seu coração era tão forte e pleno
que lhe dava coragem de seguir em frente e não desistir novamente, porque
não queria que ele sofresse.
Ela acariciou seu rosto, observando seus lindos olhos, admirando como
ele era lindo.
— Ok, temos. Mas uma coisa que não pensei em aprender na minha vida
era cozinhar e lavar pratos.
— Ok. Obrigada. Há uma loba que limpa a mansão sempre, ela poderia
vir aqui, foi ela que limpou a casa para que viéssemos aqui.
— Ok, pode ser ela. Você me parece muito contente quando voltamos
aqui nessa casa. — Suspira.
— Também gosto. E qual será nosso novo destino? O que está na sua
lista? O que está olhando aí?
— Quero fazer uma tatuagem. Estou buscando imagens. Está na minha
lista.
— O que pensa?
— Quero fazer uma loba e uma borboleta. Escolhi essas duas. O que
acha?
— Mas o quê?
Aaron ficou a olhando sério e respirou fundo, não concordava, mas era o
que desejava.
— Está bem, então vamos procurar se na cidade há alguém que faça para
você.
— Liguei para Konan e ele pediu para a sua humana do clube, Cassandra,
uma indicação, já que ele disse que ela tem muitas tatuagens. Virá comigo?
— Claro.
Ele riu.
— Já tenho algumas.
— Como a sua.
— Sim.
— O que está escrito nessas runas dos seus dedos? Têm cinco, uma em
cada dedo.
— Um dia te contarei.
— Sim, para uma específica. Algo que eu esperava muito. Minha vida era
uma espera longa.
— Realmente linda.
A imagem era o rosto de uma belíssima mulher guerreira, loira com
tranças nos cabelos e algumas pinturas no rosto. Ela passou as imagens para o
celular.
— Sim.
— Vamos, ou vai ficar aí? Seja corajoso, enfrenta mil guerreiros com um
machado e tem medo de uma motinha?
Como havia dois tatuadores, cada um seguiu para uma sala e passaram a
tarde vendo os desenhos sendo tatuados sobre suas peles. E, por sorte, ela
tinha levado os fones, porque o barulho da máquina de tatuagem realmente
lhe doía os ouvidos.
Ela riu.
— Sim. Gosto de alimentar meu cérebro, pena que a maioria das pessoas
a usa somente para fazer porcarias.
Ele tocou a imagem da loba em seu braço.
— Passarão.
— De avião.
— Não dá para ir de barco ou carro, sem ter que subir naquela lata
voadora?
Ele rosnou fazendo uma careta novamente. Ela riu, colocou os óculos
escuros e o capacete, ele fez o mesmo e foram para casa fazer as malas.
Sentado na janela do avião, Aaron arriscava dar umas espiadas para a
paisagem e as nuvens. Pensou que já tinha vivido tudo na sua vida, mas não,
ele não estava preparado para todas as aventuras no mundo humano com sua
pequena loba. Interessante, mas estressante.
Ele rosnou novamente e ela apertou mais sua mão, trouxe até seus lábios,
beijou-a e a segurou contra o coração. O gesto emocionou muito Aaron, que
respirou fundo e sorriu. Como sua companheira era preciosa e carinhosa, tão
diferente de tudo que já conhecera. Em vez de ele acalentá-la, ela o fazia,
porque ele que estava nervoso.
Ela estava aberta para ele depois de tudo e percebia quão maravilhosa ela
era, como seu coração era bom e caloroso, como queria agradá-lo e lhe
demonstrar carinho, via como seu olhar sobre ele havia mudado. Agora ela o
olhava como se fosse a coisa mais importante do mundo.
Havia o equilíbrio onde os dois queriam dar e receber. Isso devia ser
como os companheiros deveriam viver, um acalentando o outro, um fazendo
coisas para agradar e em outro momento deveria ser agradado, sendo um o
companheiro do outro.
Devia ser assim que seu irmão vivia com Vanora, porque ele nunca tinha
presenciado uma briga sequer na longa vida. Pequenos problemas ou
discussões pareciam desaparecer brevemente.
Tão diferente do que ele e Audrea foram, pois sempre foi uma eterna
tempestade.
— Nunca vou me acostumar a andar nessa coisa, mas por você farei o
sacrifício.
Ela riu lindamente. Aaron beijou sua bochecha, num beijo doce e suave e
ambos ficaram de mãos dadas e ela se escorou em seu ombro, num meio
abraço delicioso e a viagem foi suave e fácil.
Levaram uma hora num voo direto para chegar a Rhodes e Clere parecia
uma criança inebriada com o lugar.
No hotel Best Wester Plus Plaza, escolheram uma suíte no último andar,
que podiam ter uma grande sacada privada e poderiam ver o mar e tinha uma
Jacuzzi privada na varanda.
— Elas são uma subespécie, Jersey Tiger Moth. Elas vêm aqui, onde
passam o verão para se reproduzirem. Depois as fêmeas voam para um lugar
mais seco e escuro para colocarem seus ovos, depois morrem.
— É silencioso aqui.
— Não. E me espanta que esteja preocupado que te vejam nu, para quem
andou nu no corredor do hotel.
— Não estou preocupado por mim, mas sim por ti, não quero que te sinta
desconfortável se os humanos te virem despida.
Clere sentiu seu coração aquecer, pois ele se preocupava com tantas
coisas para protegê-la, não queria que a assediassem ou a constrangessem.
Aaron rosnou, mas achou bom, quem sabe a água gelada apagasse seu
fogo eterno.
Ela estava numa cachoeira muito maior que aquela, que era pequena.
Aaron estava na água a olhando intensamente, com o olhar quente, e ela,
nua, entrou na margem e nadou até ele, deleitando-se em seus braços e
beijando-o sedutoramente.
Clere piscou aturdida ao voltar a si e olhar para Aaron, era estranho, pois
era ela, mas não se parecia com ela em algo que já tinha vivido, parecia uma
memória perdida no tempo.
Sentiu ciúmes, mas o estranho é que a mulher era ela, sem ser ela. A
mesma que vinha sonhando... e ele.
Ele sorriu e a fez deslizar novamente pela água. Tê-la nos seus braços era
maravilhoso e o mundo inteiro se apagava.
Lentamente ela acariciou sua barba enchendo a ambos de uma carícia
amável e perfeita.
— Eu entendo.
— Às vezes sim, desse tempo. Mas, às vezes, não parece eu. Nunca vivi,
parece mais um sonho, um bonito sonho.
— Com você.
— É um sonho bom?
Clere ficou apreensiva se deveria contar, mas olhando para ele, em seus
olhos, sua língua simplesmente destravou:
— Você estava na água e tinha uma cachoeira maior que essa, eu ia até
você, mas meu cabelo era longo até a cintura, loiro com tranças, ela tinha
uma tatuagem ou uma pintura de linhas finas na testa e sobre o nariz.
— Foi um sonho tolo, eu sei. Como posso sonhar com outra pessoa e
pensar que era eu?
— Não acho que seja tolo. E não são sonhos, pequena, são memórias.
Ele ficou a encarando e ela piscou, pois viu que Aaron queria dizer algo, e
começou a ligar um ponto no outro.
Aaron sentiu seus olhos marejarem. Ele pensou que morreria junto com
ela no passado, pois sua dor foi horrenda.
Ela olhou com horror para ele, e uma lágrima de Aaron escorreu em sua
face e ela o beijou e o abraçou tão forte quanto pôde.
— Sim.
— Acredite, é verdade.
Ela tocou seu ombro, pois na sua memória ela soube que ele tinha sido
reivindicado.
— Você me reivindicou como seu lobo, mas com os séculos passando, ela
desapareceu e eu fiquei vazio de novo.
Clere arfou horrorizada. Que tamanha dor ele tinha sentido!
Ela riu e chorou, pois era como um sonho que não queria acordar. Não
podia acreditar em tamanha loucura.
Ele tinha sofrido tanto, e necessitava curá-lo de suas dores. Seu rei, seu
príncipe, seu lobo, era seu companheiro e a amava.
Seu coração explodiu com o conhecimento do amor que ela sentia, que
estava enterrado nas profundezas de sua alma e seu coração, vindo à tona.
Dos sacrifícios que ele fez por ela, de tanto sofrimento e injustiça que ambos
tinham sofrido.
— Eu te amo, Aaron.
— E eu sou seu.
E mesmo que tudo parecesse cedo, rápido e ousado demais, suas almas já
estavam unidas há muito tempo e Clere se deu conta disso e esse
conhecimento a levou ao extremo.
Aaron suspirou, roçou sua bochecha na dela e seus lábios pairaram sobre
os seus por um momento, então a beijou, lento no início, uma carícia, então
ela retribuiu seus avanços, abrindo-se a ele, permitindo que a tomasse.
Ele passou a beijá-la e afagá-la nos pontos que sabia serem os mais
sensíveis e encorajava-a a fazer o mesmo com ele.
Não demorou para que Clere estivesse totalmente úmida e preparada para
recebê-lo no interior do corpo ávido.
Ele a fez entrelaçar suas pernas em sua cintura enquanto ela respirava
ofegante e o olhou com os olhos cintilantes de desejo.
Lentamente, ele foi penetrando-a para que seu corpo se adaptasse a ele.
Ouvir seus doces gemidos e arfados era um som maravilhoso para os seus
ouvidos. Ele rosnou quando estava dentro dela completamente e fechou os
olhos para reverenciar a sensação maravilhosa, então se moveu dentro dela,
em movimentos ritmados, acelerou o ritmo das estocadas e ambos foram
levados a uma turbulência erótica e desenfreada.
Soltando-se do beijo, ele olhou para ela, sabendo que tinha que esforçar-
se por mostrar algum controle sobre o animal que surgia para tomar tudo de
uma vez, mais do que apreciar o doce sabor dela.
— Você é minha.
Olhando para a sua pele pálida e suave, o contorno belo dos seus seios, as
gotas cristalinas da água banhando seu corpo, era como uma linda fantasia.
Não podia ser real. Nada na vida dele tinha parecido tão belo. Nem as visões
mágicas que tinha visto em toda sua vida podiam se comparar a ela, nada era
tão imperativo para a sua vida quanto esta mulher o era.
Ao sentir a língua dele lambendo seu ombro, Clere sentiu uma urgência
desconhecida, suas presas cresceram e seus olhos cintilaram.
Clere estava emocionada, seu coração batia descontrolado. Sim, era o que
ela queria, não havia dúvida de quem eram um para o outro.
— Sim, assim é.
— Eu reivindico você, Aaron Nordur, como meu companheiro, e dou
minha vida a você, para a eternidade. Todo o meu amor é seu, o único que
conseguiu afastar minhas tristezas e me mostrou o que é o amor e que posso
ser amada e valorizada.
Aaron rosnou pela dor e prazer, seus olhos cintilaram e não esperou mais
nada, mordeu-a. Suas magias se soltaram, vagando sobre eles, ao seu redor, e
ambos tiveram seu orgasmo. Tão forte que ambos gemeram alto aferrando-se
um no outro.
Aaron saiu da água e sentou-se numa pedra, com ela no seu colo.
Que loucura que fizeram, alguém poderia tê-los visto. Ele olhou para o
céu e suas vistas estavam embaçadas, seu coração estava fora de prumo e
carregado de uma emoção louca.
Algo se agitou ao redor deles. Ele olhou para as árvores que se moviam
ao vento e sentiu algo estranho. Franziu o cenho olhando ao redor, mas não
conseguiu identificar o que aconteceu, o que estava errado.
Ela estava fraca, tombada em seus braços e Aaron não queria soltá-la. A
pequena loba suspirou e passou o polegar sobre as runas tatuadas nos cinco
dedos de Aaron, da mão pousada em sua coxa.
— O que é?
— Clere.
— O quê?
— Eu sempre soube.
— Buscava a mim?
Ela o beijou, emocionada, com o coração aos pulos que doía no peito.
Quando se soltaram encostaram as testas e ficaram ali, unidos e emocionados.
— O que há de errado?
— Somos companheiros.
— Gostaria de ficar aqui para o resto da vida, mas temos que ir. — Ela
assentiu, ainda dormente. — Você está bem?
— Eu te tenho, companheira.
A forma que eles se aproximaram foi tão sutil, suave e natural que Clere
se sentia compelida a ficar perto e não sentir repulsa ou medo dele, nunca
sentiu. Ela tinha se entregado abertamente e a felicidade que conheceram era
atordoante.
Eles se vestiram e naquele dia voltaram para o hotel e não saíram mais,
pois estavam necessitando estarem sozinhos e seguros.
Mas, no outro dia, continuaram seus passeios por Rhodes e aquela viagem
parecia um conto de fadas, porque Clere se abriu para Aaron como um botão
de uma rosa que desabrochava.
Era quase inacreditável que depois de tudo, ela estivesse andando na rua,
entre os humanos com um homem maravilhoso, amoroso e milenar, de mãos
dadas, ambos aprendendo e conhecendo ao mundo e a si mesmos.
Os passeios somente serviram para trazer prazer e felicidade ao casal,
tudo estava perfeito e maravilhoso, desfrutaram do Palácio do Grão-Mestre
dos Cavaleiros de Rhodes, ao Colosso de Rhodes. Amaram a praia de
Prasonisi, banhos deliciosos e prazerosos na Kallithea Spings, grandes
descobertas no Museu Arqueológico, no Aquário de Rhodes e nas ruínas
Dóricas.
Aquilo era a liberdade que ela ansiava. Tudo estava bem aparentemente, e
eles estavam felizes.
Mas, o que eles não haviam percebido ao soltarem suas magias e unirem-
se como companheiros de alma naquele dia na cachoeira, é que a magia de
Clere não era suave e brilhante com as cores do arco-íris, comum a todos os
lobos.
Atenas
— Hum... sei. Sua lista parece bem inofensiva, apesar de enorme. Então,
quando vejo, estamos em algo perigoso. Como quando disse que queria andar
de balanço e veja, o balanço era num penhasco.
Ela riu.
— Oh, como reclama esse guerreiro que cortava cabeças com sua espada,
enfrentou uma legião de romanos bárbaros e tem medo de uma motinha!
Pensei que tinha superado da outra vez.
— O que é isso?
— O quê?
— Aonde vai? Clere, volte aqui! Não acho uma boa ideia, mulher!
— Eu vou ficar bem. Fique aqui, por favor, e observe a moto número 8,
porque eu estarei nela.
Ela riu.
— Não.
— Men den ledsager, jeg gik for at finde, vil gore mig skor!
Aaron ficou aturdido olhando para ela. E quando ia abrir a boca para dizer
algo mais, ela sorriu na multidão, girou nos calcanhares e sumiu de suas
vistas. Aaron ficou ali, paralisado.
— Merda!
— Meus deuses...
Ele desceu os degraus e pensou em correr atrás dela e tirá-la de lá, então
ele pensou em quem ela era, uma loba forte e precisava fazer suas coisas,
desafiar seus limites, mas isso ia matá-lo do coração no processo.
A corrida iniciou e ele não conseguiu tirar os olhos da moto número oito,
a velocidade era alucinante, e ela era perfeita, dominava a moto como
nenhum deles. Era como se as duas fossem uma só.
Ele parou de respirar quando viu ela que estava mais atrás, ultrapassava
um e outro piloto, entre voltas e mais voltas.
Tudo pareceu levar uma eternidade e na última volta Clere passou a
última moto que estava na sua frente e passou a linha de chegada.
Aaron rosnou, e humanos saíram da sua frente assustados, ele saiu dali
apressadamente dando a volta nas arquibancadas, até chegar onde ela deveria
estar, com o coração aos pulos.
E então, quando ele conseguiu chegar, ele a viu subindo num pequeno
pódio. Em primeiro lugar.
— Meus deuses.
Aaron se abrandou por ela estar bem, mas a atenção de tantos humanos
sobre ela era aterrorizante, não por ele, mas temeu por ela. Se alguém a
tocasse...
Clere ria com o sorriso mais lindo do mundo quando colocou o troféu
sobre a bancada da lareira e o olhou, com as mãos na cintura.
— Lindo.
— E você ganhou...
— Eu ganhei.
Ela riu, correu e se jogou em seus braços. Ele riu a agarrou e a rodou no
ar e depois a beijou loucamente.
— Bem, sou um bom piloto, ganhei meu primeiro troféu na vida. Poderia
fazer isso mais vezes.
Ele rosnou e ela riu e respirou fundo, contente e Aaron não conseguiu
mais brigar com ela, porque podia sentir nas batidas de seu coração
descompassado o quanto estava feliz. E ele seria a última pessoa que tiraria
algo dela. Ele fechou os olhos e a abraçou forte.
Como era bom conquistar algo que queria, como era bom ter a satisfação
de realizar algo desafiador e conseguir.
Como era bom ser livre, sentir-se livre e que podia fazer muitas coisas,
ser normal, apesar de saber que eles não eram normais, isso dava uma
sensação inimaginável. E ele a amou por isso.
— Olá, alfa!
— Oh, que maravilha, sinto que está contente, sua voz soa divina — Ester
disse contente.
— Fico feliz que seus passeios estejam sendo agradáveis. Como está seu
relacionamento com o príncipe, ele está sendo agradável?
— Estão seguros?
— Estão em Atenas?
— Hoje sim.
— O que é o Olimpo?
— Como?
— Eu te salvarei.
— Pode pedir que a alfa que a pegue aqui e a leve lá no tal clube? Preciso
ir a Kimera.
— Jura?
— Sim.
Tinha amado tudo, o clube era lindo, a música fantástica, tinha amado a
humana, dona dele, e sacou na hora que Konan estava caidinho por ela, tudo
o mais, amou as dançarinas nos pole dance e jurou que queria aprender
aquilo.
Bebeu uns goles de champanhe e tinha dançado, até tudo parecer girar.
O segundo erro foi ir sem Aaron para ajudá-la a contar para os alfas que
tinha se acasalado com o príncipe de Kimera, que ambos tinham se
reivindicado.
Sua mãe ficaria louca quando soubesse. Até explicar tudo e convencê-los
de que Aaron tinha feito tudo direito e não a obrigado a nada, o alfa tinha
rosnado bastante. Ela entendia, pois ele somente queria que ela ficasse bem.
Noah era protetor ao último e isso ela admirava, mas estava feito e ela não se
arrependia nem um milímetro.
Tudo estava bem até que sentiu que precisava ir para casa, porque algo
estava errado com ela e foi até o banheiro.
Parecia estar funcionando, até que seus ouvidos pararam de zunir e captou
algo que fez todos os pelos do seu corpo eriçar, um choro... um choro suave e
abafado.
Não era com ela, devia entrar e cuidar da sua vida. Ela caminhou para a
porta e ia entrar, então, ouviu o choro novamente, doloroso, uma voz suave
de alguém pequena e assustada.
Clere olhou para o outro lado, para o prédio no final da rua e o cheiro
impregnou em suas narinas. Cheiro de sexo, de sujeira e de medo. Uma voz
masculina rebuscada encheu seus ouvidos e outro choramingo.
Ela correu, rosnou e saltou sobre uma escada de incêndio e mais um salto
caiu na outra varanda, espiou pela janela, e todo seu mundo deu um baque.
A luz estava apagada e somente havia uma luz amarela no abajur e havia
um homem nu, estuprando uma menina pequena, bem pequena, que não
deveria ter nem três anos de idade. Ele tapava sua boca e olhava para os seus
olhos arregalados e aterrorizados enquanto o verme tentava enfiar seu
membro grotesco em sua vagina.
Clere viu suas vistas escurecerem, seu corpo tremeu e sua loba rosnou
descontrolada dentro dela.
Era uma pequena loba fraca de tantos tranquilizantes, sem forças para
lutar ou combater tantos homens que insistiam em violentá-la. Riam dela,
chamando-a de nomes ruins.
Não tinha qualquer noção do tempo, mas parecia tempo demais, e então,
quando cansou de chorar e gritar pedindo por sua mãe, recebeu vários
dardos de tranquilizantes em seu magro corpo, e aos choros recebeu seu
violador dentro da cela.
Puxou seus cabelos, bateu em seu rosto, arranhou seu corpo pequeno e
frágil. Ele agarrou-a pelos braços e segurou-os por cima da cabeça com uma
mão enquanto erguia a camiseta igual a que todos usavam. Depois lhe abriu
as pernas à força com o joelho e entrou nela, arrebentando sua virgindade,
fazendo-a sentir a dor atravessar seu corpo e o sangue escorrer.
Todas as vezes que tentou lutar, a coleira de choque era acionada e a dor
atravessava seu corpo tão fortemente que pensava que seu cérebro estava
sendo frito.
E pensar que não havia só homens, mas também mulheres naquele lugar.
Era inacreditável pensar que uma mulher pudesse fazer aquilo, mas sim,
havia.
Clere gemeu, engoliu a bílis que subiu pela garganta e tentou lutar contra
as lágrimas.
Clere sentiu a dor violenta em suas entranhas, foi para trás e bateu nas
grades da varanda, arfou e perdeu a voz. A dor pulsou latente no seu corpo, o
sangue, o nojo, o desespero, tantos gritos, tantos que tapou os ouvidos para
tentar pará-los. Gemeu fortemente e as lágrimas correram soltas. E então viu
a si mesma novamente.
Bisturis que cortaram mais fundo que um humano podia suportar, seus
cortes abertos e expostos que lhe infligiram. Tentou se lembrar de sua loba e
não conseguiu, porque ela não existia mais.
Ela sacudiu sua cabeça. Não estava aqui. Era só um sonho. Isso era tudo.
Precisava resistir, mas não conseguiu.
Clere sentiu o frio e o medo em sua alma novamente. Ela não estava mais
em um lugar a salvo. Estava lá dentro do inferno novamente.
Ela quis tentar se confortar, embora soubesse que não existia nenhum
conforto que ela podia ter. E não havia nada que os outros lobos pudessem
fazer. Sua mãe, seu pai e Gael estavam mortos, foi o que disseram. Então ela
parou de gritar e chamá-los.
Ela trincou seus dentes e rosnou, enfurecida, o animal dentro dela rasgava
em sua mente com garras malignas querendo fugir.
A mesa gelada de metal que haviam a prendido, sendo tomada por trás,
sem dó, sem remorso.
Outra mesa onde estava tão dopada de drogas, ligada a vários aparelhos
e piscou aturdida os olhando, os frascos com um líquido azul ligados a canos
que eram injetados em seus braços através de grossas agulhas, entrava em
suas veias como fogo, queimando seu corpo e seu sistema.
Ela tinha matado, matado muitos, não só humanos, estavam lá, jogados
aos seus pés ensanguentados.
Os pelos de sua loba apareceram, mas não como a magia dos lobos, eles
cresceram pelo seu corpo, sua coluna arqueou e os olhos ficaram salientes e
tortos, suas patas eram deformadas e as garras maiores que o normal. Suas
juntas eram grossas e tortas, seus ossos tortos e fora do lugar.
Sua mandíbula alongou revelando uma boca com dentes tortos e longos,
entremeados um sobre o outro, mortais e afiados.
Clere rosnou furiosa que retumbou pelo ar da noite, bateu com as patas na
janela, estilhaçando tanto o vidro como os batentes de madeiras.
O homem gritou assim como a criança, que foi jogada da cama. O homem
gordo e imundo caiu para trás e bateu no armário.
Um corte, dois, dez. Clere batia suas garras incessantemente uma e outra
vez, sobre o imundo homem estraçalhando sua cara, mordeu sua garanta
arrancando um pedaço, rasgou o resto do corpo, rasgando sua vergonha e sua
imundície e a fera não teve nenhuma piedade dos gritos e dos olhos
arregalados apavorados do homem.
A fera cheirou e rosnou furiosa. Como que aquela mulher podia permitir
que aquele homem molestasse sua filha daquele jeito? Sabia e não fazia
nada? Quem se importava com as crianças sofrendo? Estavam mais
interessadas nos seus prazeres mundanos que a segurança de pequenas
criaturas que deveriam ser protegidas a todo custo.
Uma mulher que andava na rua topou com ela e começou a gritar
estridentemente e ficou acossada contra a parede de uma loja. Clere, em
retorno, rosnou de volta. A mulher emudeceu, com os olhos arregalados.
Então um silêncio se fez e a fera colocou a criança no colo da mulher e saiu
correndo.
Ela corria pelo meio da rua, na contramão e os carros vinham contra ela.
Mas Clere não se abalou, isso somente a assustou com as luzes fortes em seu
rosto e com o barulho das buzinas e freadas, um dos carros ia bater nela, mas
ela juntou as duas mãos e bateu no capô do carro que afundou, travou e sua
traseira levantou no ar, girou passando por cima dela e tombou estilhaçando
no chão.
Um carro de polícia surgiu à sua frente e Clere parou, rosnou para ele,
irritada, pois as luzes azuis e vermelhas que piscavam feriam seus olhos.
Ela desviou do carro, bateu com um braço na lateral dele e o carro voou
longe, caindo e capotando três vezes.
Ela bateu em outro carro, que voou e bateu num poste de luz que caiu
arrebentando os fios e soltando faíscas por todo lado, fazendo as luzes dos
prédios ao redor apagarem.
A fera se virou para eles, respirou fundo e rosnou tão alto e com um urrar
distorcido, que eles gemeram pela dor nos ouvidos.
Era maior, musculosa, peluda inteira, suas mãos eram enormes e as garras
longas e afiadas, era como o lobo em pé, deformado.
— Liam!
— É ela, alfa, está com o rastreador. Essa coisa é Clere! — Liam gritou.
— Merda!
Ela nem titubeou, pois não sabia mais o que era seguir a ordem de um
alfa. Seu convívio de alcateia estava muito desfocado para que sua besta
sequer cogitasse obedecer Noah, sua besta não reconhecia tal comando e sua
mente parecia distante de reconhecer algum deles, o que espantou a todos.
Liam saltou sobre ela tentando contê-la, mas ela o agarrou pela camisa,
girou-o no ar e o tombou no chão, rasgando a camisa e seu peito. Foi pisar
em seu peito, mas Erick segurou sua pata e tentou tombá-la, dando tempo de
Liam rolar para longe.
Ela soltou um rosnado tão alto, que todos gemeram pela dor nos ouvidos.
Konan rosnou, se abaixou e o carro passou raspando por cima dele, ele
olhou para trás e depois para ela com os olhos arregalados.
— Konan!
— Estou tentando!
Kirian olhou com os olhos arregalados para a besta, que rosnou tão alto
que eles tiveram que tapar os ouvidos novamente.
— Boa pergunta.
Clere rosnou e tentou agredir Ester, que segurou seu braço e, com toda
força tentou segurá-la, mas logo a fera a jogou longe caindo e rolando sobre
um carro, que estilhaçou seus vidros.
Os lobos atacaram de uma vez e ela rasgou o peito de Konan, que rosnou
pela dor, cambaleando para trás, bateu na lateral das costelas de Kirian, que o
fez gritar pela dor. Ester gritou e o amparou-o assustada.
Não poderiam mais ficar na rua arriscando serem pegos pelos humanos.
Julian saltou por trás com os punhos fechados golpeando suas costas, o
que fez ela rosnar pela dor e tombar nas quatro patas.
— Clere!
Um carro da polícia com as sirenes ligadas foi entrar no beco, mas Aaron
rosnou alto, furioso, pois os humanos tinham conseguido de novo atingir sua
companheira, bateu com o machado de baixo para cima na frente do carro,
que travou num solavanco, e sua frente foi destruída, voando pela rua, então
ele rosnou furioso, agarrou com uma mão o que sobrou da frente do carro e
com um puxão para cima, fez o carro voar no ar e rodopiar e capotar pela rua.
Aaron rosnou furioso e, chocado, olhou para Clere e o rosnado dela ecoou
pela noite.
Outro carro veio correndo pela rua, Aaron rosnou furioso com os olhos
cintilando, jogou o machado que saiu girando pelo ar, bateu contra o vidro
dianteiro do carro que se desgovernou, girou bruscamente para o lado, travou
as rodas e capotou duas vezes pela rua ficando de cabeça para baixo.
Aaron jurou poder sentir as mãos suarem e uma sensação de pânico
começou a enchê-lo, sufocando sua garganta e ameaçando roubar sua
sanidade.
Ele, mais uma vez, conhecia o terror e medo de perder sua companheira.
Inferno, ele tinha a ideia do que era medo verdadeiro, mas agora sentia terror,
sentindo o eterno looping de sua vida cair na sua cabeça e ele poderia perder
sua companheira.
Toda deliciosa com seu ar jovial e toda bonita num vestido preto com
seus cabelos com aquele corte moderno, curto e despojado, ora rosa, ora azul,
preto, que a deixava totalmente o contrário do que um dia tinha esperado de
sua mulher, mas que ele amava, ser destruído e virado naquela coisa.
— Com mil demônios, está parecendo Kayli, há dois mil anos, mas muito
pior — Aaron disse pesaroso e consternado, mas ficou chocado, pois ela não
era como Kayli. Ela era uma loba deformada.
— Acho que nós que estamos bem assustados — Ester sussurrou e Noah
rosnou, segurando o peito ensanguentado.
Ela rosnou e bateu num latão de lixo jogando contra Aaron, que desviou,
mas não recuou e continuou se aproximando.
— Ei, lobinha, fique calma. Está tudo bem, não vou machucar você.
Precisa se transformar, Clere, eu sei que pode fazer isso.
Clere rosnou alto, mas não se moveu do lugar e Aaron pareceu ter tocado
e chamado sua atenção, no primeiro momento ela titubeou como se quisesse
reconhecê-lo, confusa.
— Oi, loba. Que tal devolver minha Clere, hã? Volte para mim, meu
amor. Você pode e está tudo bem.
— Oi, amor, pode me ouvir? Está tudo bem, vim para te levar para casa.
Está segura, eu estou aqui. — Aaron fez o que todos temiam, ele segurou o
rosto dela entre as mãos olhando bem dentro dos seus olhos. — Volta para
mim, amor, minha princesa, por favor, volta pra mim. Lute com a fera, Clere,
domine-a, dome-a, você consegue... Precisa domá-la, faça-a te obedecer.
Você é mais forte do que sua fera, lute e volte pra mim.
— Agora, Kira!
Noah, Erick, Julian e Konan saltaram juntos sobre ela tentando-a segurá-
la para não fugir, mas a fera rosnou zangada, e num solavanco jogou todos
longe de uma vez.
— Mas que diabos foi aquilo? Você viu aquilo? — um dos policiais
perguntou assustado, sem entender o que tinha visto.
O outro policial franziu o cenho, mas não conseguia dizer o que tinham
visto exatamente, um animal grande, muitas pessoas altas, um flash de luz,
tudo borrado, estranho e incompreensível.
Ela arfou, bufou e agora parecia muito cansada, desolada então rosnou
uma e outra vez batendo nas grades.
Erick xingou, porque a situação tinha saído do controle tão rápido e, por
mais que estivessem seguros em casa, haviam humanos estripados pela
cidade, carros tombados, outros pegando fogo, postes derrubados, carros
batidos e uma loba que virava um lobisomem como nos filmes de terror e
agora nem ele sabia o que pensar ou o que fazer, mas respirou fundo e tentou
atinar os pensamentos.
— Não pode deixar Clere numa jaula, Noah! — Ester exclamou chorosa.
— Merda!
Clere rosnou, chacoalhou, bateu nas grades as entortando, mas não o
suficiente para sair, mas as grades começaram a entortar e os lobos arfaram.
— Acalme-se, Clere, por favor, por favor, precisa voltar para mim —
Aaron sussurrou. — Eu prometi que ela nunca mais estaria presa numa jaula.
Olhe onde está.
— Eu não entendi... achei que eram somente seus traumas, que não falava
de uma fera de verdade. Eu apaguei sua memória e isso impediu que eu visse
a verdade.
— Não foi sua culpa, Aaron. Se formos nos condenar com o que poderia
ter sido ou o que não vimos então também sou culpada, pois eu não vi quão
depressiva estava e que o fato de nunca ter visto sua loba era isso, o que ela
queria se livrar — Erick disse.
— Ela estava com medo, talvez, com medo que a julgássemos — Ester
disse e secou uma lágrima.
— Ela disse que se soubessem nunca a deixariam cuidar dos bebês. Ela
disse que nunca os machucaria, mas achava que não entenderiam e a
matariam. Ela não tinha mais nenhum amor-próprio, aqueles bastardos
destruíram tudo e quando pensei que a tinha a salvo... — Aaron discorreu.
— Foi um gatilho, algo a fez acordar e soltar sua fera. Não foi por querer
que ela fez isso, transformando-se no meio da cidade, matando pessoas —
Ester disse.
— Oh, inferno!
Clere saltou dentro da jaula rosnando tão alto que os lobos taparam os
ouvidos pela dor em seus tímpanos.
— Talvez por isso que ela não ficava com os outros lobos, sua cela era
especial, para mantê-la presa, e as drogas que usavam para que estivesse
controlada deveria ser muito forte.
— A força que ela precisou fazer para manter esta coisa oculta é que
estava a destruindo.
— Eu senti o cheiro dela, uma das drogas que usaram em mim e Logan,
que nos fazia perder a mente e não reconhecer ninguém. Quase matei Petrus
por causa disso.
— Como poderia saber que era isso, somente achei que ainda tinha o
cheiro, mas que não podia ser grave.
— Temos que tirá-la daí, Noah! Somos sua família, não podemos deixá-la
numa jaula!
A sua mãe entrou correndo e foi se aproximar, mas Clere rosnou e bateu
contra as grades e choramingou.
— Clere... Oh, meu Deus, o que fizeram com minha filha? — Lana
exclamou horrorizada.
— Não adianta pedir, ela não consegue voltar — Liam disse e respirou
fundo, triste.
Clere uivou sua dor, pedindo que a matassem. A voz dela ecoou na
cabeça de todos, de forma distorcida, não como sua loba deveria ser se
comunicando com eles. A dor era palpável. Todos se calaram, mudos e
estáticos e Aaron engoliu o nó de sua garganta que estava o sufocando.
— Clere, sou eu, seu companheiro, por favor, vamos consertar isso.
Precisa se acalmar e se transformar.
Todos estavam sem ação, sem saber como ajudá-la; e pior, podiam
imaginar a dor que Aaron estava sentindo ao ver sua companheira daquele
jeito.
Clere estava tão feliz no clube que não conseguiu atinar como as coisas
tinham piorado em questão de meia hora.
Aaron respirou fundo, pois sabia a sensação de tal caso, pois tinha
passado algo semelhante e sabia a dor que aquilo tudo representava para
todos, também lamentou por si mesmo, novamente passava uma provação
pesada demais para qualquer um.
Foi então que a viram arfar, como se tivesse atingido seu limite, cansada.
A tristeza agora estava surgindo mais forte e talvez, na sua cabeça estragada,
sua loba e seu lado humano estivessem lutando.
Clere inalou lentamente, ela estava cansada, mas quieta porque também
estava amedrontada.
Ela era frágil aparentemente, mas ele sentiu a força nela, o coração de aço
de determinação e a resolução obstinada que a enchia, mas sabia que tinha
uma coisa horrorosa apagada dentro dela pela magia, mas jamais imaginou tal
coisa.
Noah sentiu seu mundo desabar, porque ele não se conformava que os
malditos humanos tivessem destruído uma fêmea como ela, tão doce e meiga,
uma criança, como eles haviam quebrado sua loba.
Isso pesava em seus ombros, porque, como alfa, era responsável pela sua
alcateia e ele não tinha conseguido salvá-la por tanto tempo. Ela tinha ficado
nas mãos dos bastardos por longos dez anos.
Não era de se admirar que ela tivesse tentado tirar a própria vida, e teria
conseguido se não fosse Aaron impedi-la.
— Como não soubemos disso todo este tempo que ela esteve aqui?
— Não sabemos lidar com tudo que aqueles malditos fizeram, como
podíamos imaginar tal coisa?
Aaron saltou até a jaula, agarrou sua patinha, mas ele conseguiu se soltar.
Ele foi até Clere e se escorou em sua perna e começou a latir e resmungar,
tentando escalar em sua coxa.
Noah rosnou e enfiou o braço entre as grades, mas a jaula era grande e ele
não alcançou Lucian, pois a jaula era presa na parede, onde ela estava.
Ele resmungou ignorando Noah, olhou para ele e uivou curto, bateu as
patinhas em Clere, que rosnou.
— Ester, perdoe-me, ele fugiu quando abri a porta. Pensei que estava
dormindo, saiu em disparada como se soubesse exatamente aonde ir. Pelos
deuses, quem é essa?!
— O quê?
Ele puxou sua mão deformada com as garras afiadas e, mesmo sem Clere
querer, deixou, e ele levou sua mão até seu bumbum e bateu a sua mãozinha
ali. Ele estava pedindo que ela o ninasse para dormir como sempre fazia.
Lucian não tinha medo dela e amava tanto sua babá, que não se importou
de ela estar naquele estado, como uma besta selvagem e Clere havia abaixado
sua fúria e animosidade para não machucar o bebê.
— Meu Deus!
— Abra a porta — Aaron pediu a Kira, que fez um suave movimento com
a mão e a porta da jaula se abriu.
Ester e Noah queriam correr e ir até ela e pegar seu bebê, mas em seus
corações eles souberam que ela não o machucaria. Ela tinha consciência dele
e de Aaron.
— Volte para mim, Clere, por favor, volte para mim — ele sussurrava
docemente. — Vou cuidar de você agora.
A fera parecia rendida, cansada e sua dor era grande demais, que emanava
pela sala como uma onda de energia ruim que deixava o estômago de todos
enjoado.
Clere estava perdida, mas ao sentir o amor verdadeiro que vinha de Aaron
e daquele pequeno filhote que não tinha tido medo dela, ela conseguiu que
sua mente distorcida e raivosa se acalmasse.
Eles jamais tinham visto um lobo se transformar daquele jeito. Eles eram
rápidos em se tornar lobo à humano, mas ela não, seu processo era lento e as
transformações visíveis. Era realmente tenebroso.
— Está tudo bem, querida, vai ficar tudo bem, eu prometo. Shhh...
tranquila agora.
— Parece que Lucian e Aaron tem um efeito muito grande sobre ela. Não
os ataca — Noah disse.
— Sua besta não ataca porque é má, ela ataca porque está com raiva e
dor... — Ester disse secando as lágrimas.
— Sim. Quem ela matou não foi porque somente sua besta queria sangue.
Ela matou para se defender e defender quem não podia fazê-lo. Talvez uma
maneira de se vingar quando ela não pôde fazê-lo — Kira disse.
— Creio que sim, e acredito que as mortes há semanas em Paxos foi coisa
dela, não é, Alteza?
— Sim, foi ela. Numa madrugada saiu sem que eu visse, atacou três
homens que atacaram uma moça.
Clere fungou e olhou para ela e Ester viu tanta dor ali, que era impossível
não chorar.
Clere assentiu, mas Ester viu que ela não acreditou muito naquilo. Estava
triste demais. Beijou Lucian na testa, que estava adormecido e entregou para
Ester.
Ester gemeu ao ver que Lucian estava sujo de sangue de Clere, mas não
quis dizer nada, só o desespero tomando conta.
Aaron foi abraçá-la novamente e falar com ela, mas Clere se afastou dele
e se isolou embolada no canto da cela e sua respiração ficou pesada e
pesarosa e todos ali ao redor olhavam horrorizados e doentes.
E não doía somente seu corpo cravejado de balas, que ninguém conseguia
explicar como não estava morta, mas a dor de suas memórias que voltaram e
estavam enchendo sua mente, frescas como o inferno.
E Aaron sentiu uma dor descomunal, ao ver que ela não queria nem que
ele se aproximasse dela. O medo de perdê-la tomou conta e não sabia o que
fazer.
Quando Clere olhou para o futuro, só viu escuridão e nada mais. Ninguém
poderia amar uma casca vazia e quebrada, uma loba que não era loba.
Mesmo com a porta aberta da jaula, Clere não saiu e chorou o restante da
noite até amanhecer, até cansar, até não haver mais nada.
As horas que se seguiram foi uma tortura para todos, as memórias saíram
todas de uma vez, uma atrás da outra, bombardeando a mente de Clere como
um filme de terror, como se todos os dez anos de sofrimento estivesse a
torturando novamente.
Dor que poderia acabar com a vida de uma fêmea, que talvez nunca
superasse ou conseguisse seguir em frente.
As mulheres, como se supunha, eram o sexo mais frágil e doce, mas eram
mais fortes do que todos pensavam, mas dez anos era muito tempo para gerir
ou suportar. Quão ferida ela estava sem ter mais sua loba, sua identidade.
Noah rosnou e queria matar alguém, porque sentia muita raiva ao pensar
como os homens podiam ser nojentos e infligir estupros às mulheres e isso
podia quebrar suas almas de forma irrevogável, e sim, eles estavam por todos
os lados, mas ele nunca tinha visto isso nas alcateias, muito menos na sua.
— Entendo.
— Obrigado.
— Venha, tio, vou lhe mostrar onde é a clínica — disse Erick, cansado.
Era espantoso, mas sabia que aquele lobo faria de tudo por ela e que com
o tempo talvez pudesse curar suas feridas, como tinha acontecido com os seus
lobos acasalados.
Como um lobo poderia viver sem seu animal? Não podia imaginar tal
coisa.
Mas respirou fundo para tentar pensar e resolver o pepino que tinham
causado em Atenas.
Não sabia o que fazer, mas a decisão não era muito boa.
— Teimoso! — resmungou.
Ester rosnou e saiu, indo para a clínica seguindo Erick e Aaron com uma
Clere desacordada no colo, afinal, tinha curativos para fazer.
Noah estava com o peito rasgado pelas garras de Clere, mas a sua dor
maior era outra: era a loba destruída que ele não conseguiu salvar.
— Deve ser alguma coisa que deram a ela, que acelera sua recuperação.
— Sim, aqueles loucos fizeram isso com ela, se curar mais rápido é até
um doce de criança.
— Onde posso banhá-la? — Aaron perguntou.
— Nosso banheiro tem banheira, um boxe grande, creio que ela precisará
de ajuda para banhar-se. Esses curativos podem molhar, não descolará.
Hum... os chuveiros do clube são muitos bons também e é espaçoso.
— Serve.
— Você está aqui, então não há outro lugar que eu deva estar. — Ela deu
um leve sorriso, apagado e triste. — Está com dor, pequena?
— Não posso fazer nada se sinto essa dor, meu coração está quebrado.
Deve estar decepcionado.
— Como?
— Ainda não sei, mas estarei ao seu lado, sempre. Você nunca estará só
novamente, sabe disso, não é, Clere? Companheiros estão juntos, no bem e
no mal, na alegria e na tristeza, e eu cuidarei que isso aconteça.
Ela o olhou e sabia que não recuaria, estavam ligados e imaginava como
estava sendo difícil para ele lidar com isso, era um fardo pesado demais para
suportar depois de tudo.
Clere olhou para o enorme curativo que ele tinha no peito e com a mão
trêmula o tocou e seus olhos se encheram de lágrimas, porque era o inferno
saber que foi ela que tinha o machucado, arrebentava seu coração.
— Eu sinto muito...
— Estou bem, não se culpe por isso, eu sei que você não fez de propósito.
Ela soluçou dolorosamente e ele a abraçou forte, aferrada aos seus braços.
Deuses, queria morrer!
— Eu não sou um lobo fraco e não desistirei de você. Você tem medo do
que eu poderia suportar em sua vida, Clere? Você pode ter alguns defeitos,
mas não é uma covarde. É uma guerreira, corajosa, boa e forte, que cuida da
vida de todos, e luta melhor que qualquer guerreiro. Seu sacrifício está
cravado na minha carne e eu a honro como fiz séculos passados, como farei
agora e sempre. Entendo o que fez agora, tentou tirar sua vida para proteger
os seus. Mas sou seu companheiro e não vou me afastar, esta não é uma
opção.
— Você não é forte pelo que você sofreu, e sim como deseja viver e lidar
com seus problemas, precisa continuar vivendo, encontrar a essência que
estava perdida e fazer dela seu rumo. O que era seu sonho, sua vontade e sua
força. Encontrar sua loba. Ela é mais forte que tudo e pode não parecer, mas
está aí. Eu vi a mulher que é, como estávamos, precisa se agarrar a isso.
— Não, aquilo é o que fizeram com ela, mas você a trará de volta. Se
resistir, sempre será pior, é mais dor que sentirá. Aceite seu destino e
enfrente.
— Eu tenho medo.
Ela suspirou e assentiu, mas ele viu que não estava convicta com suas
palavras. O fato de ser uma princesa ainda não tinha entrado na sua cabeça.
— Isso mesmo, Clere, Aaron tem razão, a dor pode transformar ou pode
matá-la, então você tem que escolher. Vai se agarrar ao fio de esperança,
viver e tentar encontrar a felicidade? É possível, Clere, é possível. — Clere
sorriu e secou uma lágrima ao ouvir Ester. — Espelhe-se nos outros lobos, foi
difícil para todos, mas eles encontraram um meio. Olhe para Jessy, ela passou
por semelhante coisa e sofreu muito para dar o primeiro passo. Sasha ficou
cinco anos correndo atrás dela. Sei que é difícil, mas eu te garanto que vamos
achar um jeito de te consertar e, um dia, você vai olhar para trás e mandar
aqueles filhos da puta para o inferno, porque eles tentaram, mas não
conseguiram nos vencer.
Aaron respirou fundo, saiu do chuveiro e Ester lhe entregou uma toalha e
outra para Clere. Ele se secou rapidamente e colocou sua roupa e foi ajudá-la
a secar-se, pois estava lenta.
— Vista isso, querida, vai ficar aquecida até sua mãe te trazer uma roupa.
Precisa descansar e dar o tempo para se curar, colocarei um soro e te
colocarei para dormir por alguns dias se quiser, para se curar e ficar forte —
Ester disse entregando um roupão, com as mãos tremendo, pois também
estava em choque.
— Eu sei que tem medo de machucar quem ama, mas eu acredito que não
vai.
— Não preciso dizer, meu amor, eles sabem e não estão com raiva de
você. Sabem que foi algo que os humanos fizeram, todos conheciam sua doce
loba antes dessa tragédia toda. E depois, poderá dizer você mesma. Todos
querem ajudar e estarão com você hoje e sempre. Sempre damos um jeito nos
nossos.
— É claro que eu quero, minha filha. Eu estarei aqui por você hoje e
sempre, não importando quão ruim as coisas estejam.
— Desculpe, mãe.
Clere chorou em seu abraço forte e caloroso, sua mãe estava triste, mas
não derramou lágrimas, pois já tinha chorado todas.
— Alfa, Noah pediu que retornassem agora para o salão — Kirian disse
da porta do banheiro, sem ser intimidado com o rosnado que Aaron deu, pois
ele estava plantado como uma montanha sobre a loba, com medo, pavor,
raiva e desespero, mas pronto para proteger Clere do que fosse.
Kirian não tinha se movido longe de Ester para a sua proteção, estava
chocado e seu instinto protetor estava ligado. Konan estava no fim do
corredor, escorado na parede com os braços cruzados, atento e a postos.
Nunca imaginaram que um dia teriam que estar alertas para proteger
algum lobo de Clere, da pequena e doce loba que todos amavam.
— Está tudo bem, alfa — Clere disse consternada. — Eu sabia que isso
aconteceria.
— Si vis pacem, para bellum – “se quer paz, prepare-se para a guerra” —
Aaron sussurrou e estendeu sua mão para que ela tomasse, como sempre. Ela
titubeou sem saber que a tomava ou não, respirou fundo, assentiu e a tomou,
saiu do banheiro seguida de Ester e Kirian e Konan foram atrás.
— Sim, alfa.
— Vamos julgá-la.
— Ah, não vai, ela é minha companheira e já passou por muita coisa. Não
vou deixar que seja humilhada.
— Aaron, ele está certo. Noah é meu alfa e sim, eu devo ser julgada,
porque ataquei sua alcateia.
Todos olharam estarrecidos para Clere. Estava serena e ela respirou fundo
quando Noah a olhou zangado.
Clere olhou ao redor e foi horrível ter o olhar inquisitivo de todos sobre
ela, sentiu-se mal e envergonhada, desesperada, na verdade.
— Estou pronta.
Ester respirou fundo e foi até Noah e o fez sentar na cadeira e começou a
tratar seus cortes no peito.
Tinha belos rasgos das garras de Clere no peito e braços, com sangue
seco, e parte que ainda escorria.
Noah havia ficado tão nervoso que não deixou Ester cuidar de seus
ferimentos, não parava de andar de um lado a outro, fazendo ligações,
falando com um e outro e no tempo que Clere permaneceu na jaula, Ester
cuidou de todos os feridos e estava sem dormir e muito cansada.
Clere o olhou e a todos que mantinham certa distância dela, olhando para
ela com cautela, medo e susto. Que ótimo, ela tinha alcançado o cume de sua
desgraça. Tinha quase matado seu alfa e seus amigos... e seu companheiro.
— Bem, além de meia dúzia dos nossos, o apartamento que invadiu não
sobrou muita coisa para juntar, mas, segundo a polícia, você destroçou dois
homens e um mulher, nas ruas deixou meia dúzia de corpos humanos feridos,
um rastro de sangue pela cidade, um monte de destroços e vou dizer, garota,
essa coisa que se transformou é realmente forte e assassina — Erick disse
nervoso.
Ela respirou aliviada, sentia pelos humanos, parte deles não, pois os
mataria de novo, mas não se perdoaria se matasse um lobo.
— Clere, por que infernos estava escondendo essa coisa de mim? Tem
ideia do perigo que expôs toda a alcateia diante dos humanos? Polícia ao
nosso encalço, humanos estripados. Você vivia dentro da minha casa
cuidando do meu filhote! — Noah gritou zangado.
Ela fez uma careta e isso realmente era uma merda. O alfa parecia muito
zangado, e decepcionado. Ela merecia isso e pior.
Clere olhou para todos esperando explicações, podia ver muitas emoções
em seus rostos. Sabia que todos queriam perguntar, entender ou matá-la.
Aquilo era um julgamento, sua sentença seria naquele dia e ela soube que era
seu fim.
— Querido, sei que está nervoso, mas se acalme! A última coisa que
precisamos é de dois lobos aos socos. Aaron está protetor com sua
companheira. Se fosse comigo, você também estaria. Ela pode ter errado,
mas é a vítima aqui — sussurrou mentalmente para ele, que fechou os olhos
por um minuto.
Noah estava louco de ódio, mas sabia que precisava esfriar a cabeça para
ser justo. Sentimentos no calor das emoções sempre deixavam os lobos com
ar assassinos. E ele queria matar, mas seu alvo não era Clere, então buscou o
foco para ser justo, saber e entender quem era o vilão ali.
— Príncipe Aaron, ninguém aqui quer fazer mal à sua companheira, nossa
querida Clere. Somos uma família e estamos em choque com o que vimos e
tivemos que ligar. Somente precisamos de explicações agora, e sei que nos
entende. A situação é delicada e precisamos acalmar os ânimos — Ester
disse. — Nosso alfa é justo e confiamos nele e em suas decisões. Noah cuida
de nós como ninguém, daria sua vida por qualquer lobo aqui, incluindo Clere.
Será sábio e justo, como sempre foi.
— Quer dizer que é mais forte do que nós somos, mesmo sem estar na
forma da loba?
— Pelo menos três vezes mais. Mais forte, mais rápida, resistente, mais
perigosa. Não é só minha audição que é mais aguçada, olfato mais forte,
visão, tolerância à dor. Mas o fato de tentarem dominar a loba, dar-lhe
comandos com que ficasse obediente às suas ordens, ela parou de ouvir.
— Como?
— Eu perdia a consciência e não a comandava quando me transformava.
A loba é aquilo que viram. Só mantenho controle quando meus olhos estão
laranjas e minhas garras estão semidespidas. Depois disso, quando se tornam
vermelhos, a transformação toma conta e minha loba fica sem raciocínio, sem
memória, sem piedade tanto com humanos ou lobos, homem ou mulher.
— Por isso nunca a vi em forma de loba, nesse tempo depois que foi
resgatada. Nunca a vi ir correr no bosque, pela praia, nunca vi sua loba —
Ester disse.
— Por isso sempre dizia que sentia dor no estômago e comia mal — sua
mãe comentou e Clere assentiu.
— No começo pareceu mais fácil, porque estava tão aliviada de ter sido
liberta, mas com o passar do tempo a loba queria sair. Eu estava sendo
engolida pela minha depressão e desespero, pela escuridão, e quando vi que
iria me transformar eu tentei... — As lágrimas escorreram pela sua face e a
voz lhe fugiu.
— Se matar... foi por isso que cortou sua garganta no dia que a resgatei.
Porque estava prestes a se transformar, vi seus olhos laranjas, e para proteger
a todos cortou a própria garganta — Aaron disse desolado. — Estava se
sacrificando pela sua alcateia. Queria protegê-los e a mim, que estava com
você. E estava cansada de lutar.
— O quê?
— Não tocará nela, Noah. Terá que passar por cima de mim.
— O quê?
— Não somos companheiros, não mais. Eu não quero que esteja aqui.
Aaron a olhou com os olhos arregalados sem entender o que ela estava
fazendo.
— Clere, sei que está assustada e revoltada, mas não pode me afastar.
— Querida, eu entendo...
— Vai deixar estas pessoas arruinarem sua vida para sempre, ou vai lutar
e colocá-los sob suas patas? Se você acha que é o monstro que eles criaram,
então será, mas se acredita que é a pessoa maravilhosa que eu amo, então
será.
— Eu tentei.
Clere soube que ele faria e isso poderia destruí-lo, não podia permitir. Ele
já tinha feito sacrifícios demais pelos outros.
— Já estão mortos.
— Eu sei, Noah os matou, mas você não e então essa raiva ainda dói em
você porque quer vingança por suas próprias mãos. Então, como isso não é
mais possível, precisa matá-los aí, dentro da sua cabeça. Mate-os, Clere,
então se libertará. Precisa fazer isso e não haverá mais sacrifícios, de
ninguém — Aaron falou.
— Por favor, não. — O apelo em sua voz machucou, mas ela não recuou.
— Não pode retroceder assim, Clere, tinha evoluído muito.
— Porque esqueci quem sou. Foi uma fantasia que vivemos, mas acabou.
— Eu estou fazendo.
Ele se inclinou para a frente, as palmas das mãos apoiadas dos lados da
cadeira e o olhar dele era como duas labaredas quentes e zangadas e quase a
queimou.
Ela fungou e ele soube o quanto doía nela dizer isso, porque ele estava
sentindo, rasgando seu peito.
Primeiro Aaron estava em choque, então ele ficou aturdido, que mal
conseguiu ligar um pensamento no outro, depois veio a indignação e a ira.
As lágrimas banharam seus olhos e ele estava no limite, mas ela virou-se
na cadeira que estava sentada e deu as costas para ele.
— Vá, tio, eu cuidarei dela, prometo — disse Erick, baixinho, o olhando
significativamente com palavras veladas.
Aaron rangeu os dentes para evitar desatar uma ladainha para convencê-la
de que aquilo não era o que iria acontecer. Mas sabia que com os ânimos
exaltados não adiantaria argumentar, confiava em Erick.
Ele saiu da sala e Clere quase tombou pela dor em seu coração, mas era
aquilo que tinha na sua vida, uma merda total e, ao fim, ela morreria de
qualquer maneira. Mandá-lo embora foi a mesma coisa que cortar seu
pescoço, de novo.
Aaron saiu, mas, sem ela saber, ele ficou no corredor onde podia ouvi-la.
— Erick, cuide de Aaron, tive que mandá-lo embora, pois ele lutaria e
não posso permitir que faça mais nenhum sacrifício. Eu o amo demais para
permitir que ele se machuque. Ele merece uma boa loba, uma inteira. Talvez
as lobas que ouvi cochichando em Kimera tivessem razão, um príncipe
merece mais do que uma criança problemática e impura. O que falariam
agora em saber que sou realmente estragada?
— Sei que mereço morrer pelo que fiz, não culpo vocês. Eu já estou
acostumada a morrer de qualquer maneira. Só me mantenha morta dessa vez.
— Somente será mais uma vez, conheço a sensação. Não tenho medo,
tenho almejado isso por mais de dez anos. Não poderei ser banida, porque
colocaria em risco pessoas e lobos lá fora, então a única saída para mim é a
morte.
— O que quer dizer que conhece a morte mais de uma vez, para não
trazermos você de volta. Que merda é essa?
— Desejou morrer.
— Que veredito?
Ester sentiu seu rosto banhar nas lágrimas e sua mãe sentou-se numa
cadeira porque não aguentava suas pernas. Os lobos mal respiravam.
Jessy estava paralisada, ela tinha uma ideia do que Clere tinha passado,
pois seu passado não era muito diferente, mas Clere tinha outros tipos de
demônios além dos seus. Não imaginava que não existia mais uma loba.
Um lobo não ter mais seu lobo para se transformar era como estar oco,
vazio, desolado e perdido num mundo sombrio. Sua alma estava morta e seu
corpo flutuava nas brumas do inferno.
— Não se culpe, por Rania, Jessy, salvou-a de uma vida miserável. Ela
não teria sobrevivido. Ela deve estar com as fadas agora no Outro Mundo.
Coisa que rezei por tantos anos de minha vida. Quiçá alguém tivesse
quebrado meu pescoço e me poupado de viver no inferno.
Jessy arfou e cobriu a boca com a mão. Clere tinha lido sua mente. Houve
arfados, sussurros e gemidos de dor tão fortes que os lobos sentiam a pele
pinicar.
Houve um silêncio terrível até que Noah deu um passo à frente, atônito, e
cerrou os punhos. Queria matar, queria ressuscitar todos aqueles malditos
humanos e matá-los novamente. Queria sangue, queria vingança. Seu
tormento nunca findava. Cada lobo que caía era uma parte dele que caía
junto.
Noah teve esperança de que Clere tivesse sido salva, mas não, ela estava
enjaulada, na ilha, dentro de si mesma.
Aaron ouviu tudo através da parede e seu coração sangrava, mas a amou
por tentar protegê-lo. E sim, ela estava certa, se a condenassem à morte ele
interferiria e a tiraria dali, lutaria.
— Eu tive esperança quando fui resgatada, pensei que teria uma chance
de viver, de ser amada, eu só tentei sobreviver, mas muitas vezes eu quis
morrer. Aaron me trouxe de volta e apagou minhas memórias e então,
conheci a vida, o amor, conheci Aaron. Eu esqueci quem eu era, que tinha
essa loba deformada.
— Eu entendo, mas devia ter me contado.
— Você não perdeu. Foi valente e tentou o mais que pôde — Ester disse e
engoliu um soluço, tentando ficar firme diante da alcateia. — Não é fácil
combater uma depressão que te engole, você passou por muita coisa. Estava
com medo e eu não percebi.
— Como sabem?
— Parece que a humanidade está voltando à barbárie, não têm mais medo
de mostrar sua índole. Os humanos bons parecem que estão se tornando
raros... — Kira disse, arrasada e todos rosnavam e falavam indignados. — Se
algo acontecesse a Safira, eu ficaria louca.
— Mas... eu a peguei.
— Eu a salvei?
— Sim, querida, você salvou! Entrou lá, estripou aquelas pessoas nojentas
e salvou o bebê! Vê? Não é esta besta selvagem animalesca que pensa, Clere.
— Eu entendo que fiz algo inusitado, mas ainda foi um desastre na cidade
e aceito minha punição, seja ela qual for, alfa. Mas não resta muitas opções,
minha morte é o único meio de parar a besta.
Clere estava realmente confusa, pois não esperava tais palavras. Ela olhou
para todos, que a olhavam e não havia fúria naqueles olhares. Não a matariam
ou a expulsariam?
— Entendo que foi um pesadelo para você. A mente é poderosa, ela tem o
poder de criar ou destruir. Ou você a domina ou ela te domina. É normal
sentir medo, mas não podemos deixar que ele nos domine. Não é errado cair
e se sentir tão triste e desesperada ao ponto de cometer tolices, mas precisa
levantar e continuar andando. Você consegue, eu acredito e tenho fé em você.
Eu entendo e desculpo por não ter contado, entendo seu medo. Vamos
consertar toda essa bagunça, juntos — Ester disse firmemente. — Esse é meu
veredito. Não haverá punição aqui.
Clere estava tão emocionada com sua alfa, que as lágrimas escorreram
livremente e acreditou nela. Olhou para Noah, que estava sério as olhando e
esperou seu veredito.
Noah respirou fundo, foi mancando até sua frente e ele pôde ver a
desolação no olhar dela ao ver que o tinha ferido.
— Clere, eu sinto que não tenha confiado em nós para contar seu segredo
e não estamos zangados com você. Bem, talvez um pouco zangado, sim. Mas
você é uma vítima dos humanos, então se eles sofreram algumas baixas, não
me importo, mereceram, mas você tem que tomar cuidado, pois não podemos
ser descobertos e você não pode correr o risco de ser apanhada por eles. Não
podemos estar nos jornais, entende?
— Não. Sou sua família ainda, mas você é uma loba acasalada, agora
pertence à Kimera.
— Você precisa aprender sobre alcateias, Clere. Você é uma alfa, é mais
forte que meia dúzia de machos juntos. Se eu não tivesse visto, não teria
acreditado. Não sei por que ninguém te contou isso, mas você é uma alfa.
— Sim.
— Isso pode ser certo, vimos como Aaron te freou no beco, como que por
um momento ele foi o único a alcançar sua mente, então, se assustou e se
zangou com a polícia e o agrediu, mas não teria feito e ele teria conseguido te
controlar, te alcançar, assim como aconteceu com Lucian. Não queria feri-lo,
tentou afastá-lo, salvou aquela criança daquela família horrível.
— Aaron é seu porto seguro, e as crianças são tão puras que não sentem
medo de sua fera, você se sente livre com eles. Eles são um acalento para a
sua alma, e acredito piamente que, com o tempo, poderá dar um jeito nisso
sem que machuque ninguém, mas não posso negar que estripar um estuprador
de crianças faz muito bem à alma — disse Ester.
— Com isso concordo, apesar de não ser correto diante as leis dos
humanos — Noah disse.
— Talvez minha mãe tenha algum jeito de ajudar nisso — Erick disse.
— Sua mãe?
— Bem, ela consertou meu pai quando foi transformado numa besta
selvagem, não imagino como ele era naquela época, mas, pelo olhar
horrorizado de Aaron quando viu Clere, não me parece muito diferente.
Clere olhou para ela, como se tivesse chifres; depois olhou para Erick,
que a olhava sério; e depois para Noah, que estava intimidante na sua postura
poderosa com os braços cruzados no peito. Então olhou para o restante dos
rostos perplexos com tudo aquilo.
— Sim.
— Acredito que todo lobo aqui tenha seu inferno, Clere, e se há uma
coisa que aprendi nos meus longos anos nessa alcateia, é que todos têm uma
segunda chance — Liam disse e Clere o olhou intensamente.
Se eles tinham acolhido um pária, por que não acolheriam uma loba com
problemas? E sim, cada dia a alcateia lhe surpreendia, nunca tinha visto tanta
bondade em sua vida.
— Verdade, eles não terão nenhuma prova e eles vão esquecer essa
história — Erick disse.
— Sei que isso te machuca demais, toma todas suas energias e quebra seu
coração, assim como o nosso, o meu, pois eram nossa família, mas eu não
perguntarei quem eram esses lobos e ninguém aqui o fará. Isso morre aqui e é
uma ordem minha. O que aconteceu nos laboratórios fica nos laboratórios.
Nosso foco agora será te curar — Noah disse.
— Eu acredito que devemos tentar. E se pensa que Aaron vai desistir, está
redondamente enganada, Clere. Companheiros não se abandonam, nunca, ele
virará céu e terra para achar uma cura para você. Virá novamente por você —
Erick disse e Clere sentiu um fio de esperança e seu coração bateu mais forte.
Noah respirou fundo e esfregou os olhos cansados.
Todos os lobos concordaram e Clere sentiu algo tão forte que estava
sufocando.
Sua mãe correu até ela a abraçou fortemente, e ambas choraram juntas e
Ester foi até elas e as abraçou. Noah se virou e olhou para os seus lobos.
— Há um velho ditado, muito antigo e sábio que diz, que quando um lobo
passa por muitas atribulações e alguém lhe diz: “Você não pode passar por
esta tempestade”. Mas o lobo com seu espírito guerreiro, mesmo ferido, caído
e à beira de sucumbir, se levanta e diz: “Eu sou a tempestade”. Então, ele luta
de novo e de novo até que a tempestade se abrande, que as nuvens negras se
dissipem e os ventos parem de derrubar as árvores, então ele respira fundo,
rosna ferozmente, acendendo a magia de seu lobo, urrando para o universo e
sua esperança se acende e, então, luta mais. E ao fim... ele vence. Nós
venceremos. Unidos, sempre! — Noah disse e todos os lobos rosnaram e
gritaram e uivavam.
Kimera
Era tudo demais para entender, raciocinar estava difícil, pois sua mente
estava uma bagunça.
Ele parou na janela e puxou o ar com força com a mão no coração, pois
parecia que havia um corte profundo e exposto.
Olhou para a porta e queria voltar, porque deixá-la para trás foi quase tão
doloroso, que parecia que lhe tinham arrancado o coração do peito.
A dor de seu coração era tão grande que não podia respirar.
Seus olhos marejaram e sua garganta queimava. E então ele olhou para o
céu com as lágrimas escorrendo e não sabia o que fazer.
— Por que todo o meu sacrifício se não posso salvá-la agora? Pra quê?
Aaron não se moveu ao ouvir seu irmão atrás dele, mas a dor só
transbordou e ele chorou aos soluços.
Kayli andou rapidamente e abraçou Aaron por trás, que agarrou seu braço
e se deixou abraçar, tombado em seu peito.
Aaron era de seu sangue e daria seu sangue por ele. Eram irmãos, amigos,
guerreiros unidos como nunca, e estariam até o fim.
— Não irá.
— Estou aqui, irmão. Ela não vai desistir, ela é uma guerreira, conseguirá.
Ela virá por você e lutará.
“Loucura é esperar resultados diferentes fazendo tudo exatamente igual”
(Albert Einstein)
Semanas depois...
— Posso entrar?
— Ih, que “estou bem” mais sem graça, não senti firmeza, tente de novo.
Clere sorriu, era impossível não amar Ester, sua alegria e dedicação para
com os lobos era contagiante.
— Entendo.
— Mas seu olhar está muito triste e isso eu sei o motivo e não vai ser aqui
que vai fazer sumir isso.
Clere suspirou.
— Jesus amado, como seu cabelo cresceu rápido! Quase não te reconheci!
— Dada disse espantada, com as mãos na cintura.
— Mas está linda assim, eu amei, olhe essas tranças, que maravilhosas!
— Obrigada.
— Dada, você vai me engordar desse jeito, todo dia me traz alguma
guloseima. Se já não bastasse minha mãe — disse sorrindo.
— Bem, faz duas semanas que o mandou embora. Ele prometeu que lhe
daria tempo, mas disse que não desistiria.
— Resgatar Aaron?
— Kira... Ela me disse que os lobos de Kimera estão contra mim, dizem
que sou fraca para Aaron. Que não posso ser sua princesa e beta. É o que
estão cochichando.
— Mais essa agora. As lobas estão com inveja porque elas desejariam ser
a princesa de Aaron e os machos, bem, eles viram a fraqueza e não viram sua
força. Vai ter que conquistar. Vai ter que se impor, Clere. Acredite, pois
passei por algo semelhante e não foi fácil. Aaron vale isso, então, saberá o
que fazer para tratar sua loba. Kira está pesquisando sobre isso junto de
Vanora.
— Então lute, minha loba. Empine esse lindo nariz, faça todos os lobos de
Kimera se ajoelharem, colocarem a mão sobre o coração e uivar para o céu, te
honrando, porque é o que você merece. Se conseguir fazer isso, então o
mundo estará aos seus pés. Lembre-se: você é a princesa companheira,
ninguém mais.
— Oh, meu Deus glorioso! Eu amo tanto meus lobinhos, amo sim, e
quero fazer um enorme bolo de casamento! — Clere e Ester olharam
espantadas para Dada. — O quê? Casamento sem bolo não é casamento.
Clere estava andando pela estrada, que a levaria até a casa de Erick, com
o coração cheio de ansiedade e amor, quando estacou. Olhou ao redor, porque
sabia que somente poderia sentir aquelas sensações com ele por perto. Aaron.
Ela lentamente abriu os olhos e ali estava ele, escorado numa árvore,
olhando-a intensamente. Tudo em seu interior saiu do lugar, a garganta
embargou e queria correr e abraçá-lo.
Então, uma lágrima escorreu pela sua face, porque a emoção ao vê-lo era
demais e Aaron continuou a recitar o poema, para total espanto dela:
— Decorou o poema.
— Você disse que era seu preferido, então quis lê-lo todo. Queria me
sentir próximo, e tudo o que sentimos um pelo outro não desaparecerá. Eu só
queria te olhar, mesmo sem falar com você. Eu estava com saudade. É que,
na verdade, eu não estou sabendo lidar muito bem com o fato de que não
posso ficar com minha companheira. Será que poderia pelo menos sair para
jantar, ou tomar um café? Sei que prometi te dar um tempo para se adaptar,
mas a saudade me obrigou a vir te espiar.
Ela ficou o olhando e, quando ele pensou que ela negaria ou iria embora,
ela lentamente sorriu e o coração de Aaron falhou uma batida pela
expectativa. Ela se aproximou e tocou seu rosto docemente, acariciando sua
barba rala.
Se soubesse que ele não havia a cortado por todos aqueles dias, e ela tinha
crescido muito e ficado embriagado solitariamente pelas noites frias.
Aaron fechou os olhos para sentir seu toque mágico e poderoso, um
simples toque que virou sua alma do avesso e aqueceu seu corpo gelado.
Então ele se espantou quando ela o abraçou com os braços ao redor da sua
cintura e encostou a face em seu peito.
— Já lidei com muita coisa na minha longa vida, tenho certeza de que
posso lidar com você porque eu acredito e confio em você e estamos juntos
nisso.
— Como companheiros?
Clere engoliu com dificuldade. O turbilhão dentro dela era quase demais
para suportar. Como poderia desistir dele se ele não se importava que ela
fosse toda errada.
Era um príncipe poderoso e poderia dar a vida por ela. Amá-la sem
ressalvas.
Então ela faria tudo por ele, faria o impossível para se curar e colocar sua
cabeça torta no lugar.
— Alô.
— Sou eu.
— Está vindo?
— Eu estava indo para sua casa, mas encontrei algo lindo no caminho.
— Mudou de ideia de estar com seu companheiro ou essa coisa linda que
encontrou no caminho tem dois metros de altura?
— Sim...
— Ia atrás de mim?
— Sim, eu ia implorar seu perdão por eu ter te ferido e... saber se estaria
disposto a tentar, comigo, encontrar um jeito de me consertar. Não quero
mais me esconder, não quero mais sentir repúdio por mim mesma, não quero
mais sofrer. Quero um futuro, quero uma vida, uma que não conheci... antes
de você chegar. Então, se o alfa não arrancou minha cabeça e está me dando
mais uma chance, eu vou agarrar e fazer de tudo para conseguir estar com
meu companheiro e ser digna de ser sua princesa. — Aaron estava
engasgado, mal conseguia respirar. — Lamento todos os sacrifícios que fez
por mim, Aaron. Lamento ter feito você sofrer. Os deuses estavam um pouco
de mau humor no dia que disseram que eu seria sua companheira.
Ela riu vendo aquele homem maravilhoso e perfeito que estava na sua
frente e segurou seu rosto entre as mãos, e seu corpo tremeu, porque o toque
dele a deixava desequilibrada e ele sorriu quando viu sua brincadeira.
— E se não achar?
— Vou confiar.
Ela assentiu.
Então uma lágrima rolou pela face de Aaron e ele a beijou, porque ele
mesmo estava destruído e precisava ser forte, e morria por ela, sofria por ela e
a amava perdidamente.
Beijaram-se com paixão, loucura e sofrimento, entre lágrimas e com seus
corações carregados de loucura, de amor e esperança.
— Eu te amo, Aaron.
— Nunca mais.
— Que incômodo?
— Meu corpo parece que está febril e minha pele está quente, sinto... meu
corpo vibrar e realmente acho que tem alguma coisa de lobo louco dentro de
mim. Como se estivesse ligada.
— Está com frenesi.
Ela riu quando viu ele dar aquele sorrisinho malandro no canto da boca.
Aaron a abraçou e a beijou e, quando ela sentiu seu corpo vibrar, abriu os
olhos e arfou, pois estava no quarto dele em Kimera.
— Seu quarto.
— Sim, uma ponte aérea, como dizem na Terra. Não posso ir a pontos
diferentes. — Ela riu da brincadeira. — Podemos ir jantar agora? Tenho
reserva em Atenas.
— Atenas?
— Sim.
— Não?
Ele a abraçou pela cintura e um clarão se fez e ela gritou quando colocou
os pés no chão e olhou aturdida ao redor, por um segundo pensou que ele a
tinha levado para a ilha novamente ou a um restaurante, mas ficou
boquiaberta quando viu onde estava. Na frente da casa de Kira.
— O que... por que estamos aqui?
— Sim.
— Oh, ok. Uau, ela mandou pintar, está linda. E há mais vasos de flores e
esse jardim não tinha antes.
— Nós.
— O quê?
— Minha?
— Você amou esta casa, encontrou um lar em seu coração. Então Kira me
vendeu a casa.
Clere se virou e o olhou. Como poderia não amar aquele homem, que era
tão poderoso forte e com títulos tão nobres e estava ali numa casa simples e
bonita, mas nada condizente com a realeza, somente porque a amava e queria
lhe dar um lar que amasse, com ele.
Ele sorriu com o coração aos pulos e andou até ela e segurou seu rosto em
as mãos.
— Pode?
Ela enlaçou seu pescoço com os braços ficando na ponta dos pés e ele
rosnou baixinho sentindo-a se encaixar em seu corpo.
— Eu quero ter você, meu rei particular, e eu quero ser sua de verdade,
me entregar de corpo e alma somente a ti, meu companheiro, e jamais
seremos separados. Porque minha vida não tem sentido nenhum sem você.
Luz da minha vida, o que me dá força para lutar.
Ele rosnou e ela riu, saiu correndo para a praia, deu um salto enorme e
caiu na água e ele ficou a olhando por um minuto, vendo-a rir e chamá-lo.
Ele rosnou sensualmente, tirou a camisa social que usava com um puxão,
fazendo os botões voarem para todo lado, mas isso não importava e num
segundo ele abandonou a calça jeans preta no chão.
Aquilo era felicidade, era amor, era vida e ele tinha e os problemas eles
resolveriam, mas agora somente queria amar sua companheira. E ele iria.
Seu celular tocou e ele rosnou, não gostava de ser incomodado quando
estava trabalhando, mas era insistente e ele franziu o cenho ao ver que não
era uma ligação e sim uma chamada de vídeo.
— Bem, eu me acasalei.
Gael veio para a frente porque pensou que não tinha ouvido direito.
— Quem?
— Acho que você deve ter ouvido falar que os reis, os originais, lá de
dois mil anos atrás, existem, não é?
— Ouvi os rumores, mas achei que não era certo, liguei para Erick e ele
me confirmou, ainda custo a crer, mas não posso duvidar de Erick.
— Inacreditável.
— Bem, acredito que em alguns dias, se tudo der certo, vamos fazer uma
cerimônia, sei que é longe, mas está convidado.
— Clere, eu estou muito contente por você, desejo que seja muito feliz e
que finalmente deixe o inferno para trás.
— Eu estou tentando.
— Seria uma honra para mim, mas Penélope está prestes a dar à luz e
receio que não seja o momento para me ausentar do Brasil.
— Sim, um menino.
— Oh, que maravilha! Estou tão contente, pode dizer a ela que lhe desejo
toda felicidade do mundo com seu bebê?
— Eu direi e tenho certeza de que ela adoraria estar com você. Quem
sabe, mais para a frente, eu não vá à Grécia te visitar? Estou devendo, mas
está muito complicado sair daqui com meus negócios.
— Eu entendo perfeitamente. Quem sabe, eu possa ir ao Brasil também,
gostaria de conhecer e quem sabe o rei vá também, pois sei que ele está
visitando as alcateias.
— Perfeito.
Gal ficou preocupado com Clere, mas percebeu que estava bonita e
contente, talvez o companheiro pudesse ajudá-la a se recuperar. Olhou para o
porta-retratos de sua filha e sorriu. Ela era preciosa e linda, estava
construindo sua família com um lobo valoroso que a amava muito.
Família... ele sentia falta. Se Clere tinha se acasalado com um príncipe de
dois mil anos seria mesmo possível que as companheiras de alma existissem?
E ele teria uma?
Mal sabia ele que sim, ele tinha uma companheira de alma e que, em
breve, ela estaria chegando a Teófilo Otoni e viraria sua vida de cabeça para
baixo.
Kimera
— Para fazer a poção não foi fácil, o feitiço será ativado quando
mesclarem suas magias, reivindicarem seu companheiro e dividirem... tudo.
As magias serão unidas e separadas e com isso deve curar as deformações da
loba de Clere, sem que corra perigo de vida, pelo menos, o perigo que dê
errado será menor do que tentar curar sua loba da outra maneira.
— Mas nós éramos acasalados e com isso nossa magia se misturou, não?
Mas eu me transformei e parece-me que não mudou nada.
— Sim, mas não o suficiente para que consertasse sua loba, por isso
precisa de um feitiço de cura específico. Você precisa despertar para uma
nova vida, se conectar profundamente com a magia, com o universo e com a
magia de Aaron. A cura está dentro de você, a magia do lobo está dentro de
você, mas só você tem que encontrar a força para retomar sua loba de volta.
Você precisa se abrir e aceitar a luz da magia. Precisa acreditar.
— Você é uma alfa, forte, poderosa e a força está aí e nós vamos resgatá-
la. Vai funcionar.
— Por que acho que não está contando tudo, Vanora? — Clere disse
estreitando os olhos.
Clere se virou e olhou para a loba, que era sua criada privada designada a
ela sempre que esteve ali.
— Cale a boca você também. E pare de fazer fofocas do que acontece
comigo no palácio pela Kimera toda ou arrancarei sua língua.
— Saia, Kara!
— Está certa, querida, desculpe. Bem, esse feitiço vai mesclar suas
magias, seus poderes e sua força na forma mais crua, Aaron vai absorver
parte de sua magia e você parte da dele. Mas não é uma simples transferência
como mesclar as magias na reinvindicação normal.
Aaron e Clere ficaram olhando para Vanora sem respirar e Kayli que
estava ao lado de Vanora, xingou entredentes.
— Bem, então isso não vai acontecer — Clere disse com a voz baixa.
— Sei que eu disse que íamos tentar tudo e que eu lutaria até o fim, faria
de tudo para consertar isso, mas não, esse feitiço não posso fazer.
— Sim, há, posso consertar parte de sua loba fisicamente, mas seria
extremamente doloroso e ela pode morrer. Há também a possibilidade de que,
mesmo que a transição dê certo, ambos podem ficar com alguma deficiência
física de sua loba.
— Tipo o quê?
— Merda...
— Não, não farei isso, colocar sua vida em risco não, nem pensar, Aaron.
Obrigada pela ajuda, Majestade, mas a resposta é não.
Clere saiu da sala e foi para o quarto. Aaron respirou fundo e olhou para
Vanora e Kayli.
— Aquela magia que você fez da outra vez poderia ser feita de novo?
Aaron saiu e foi para o quarto e Clere estava andando de um lado a outro.
Ele colocou a taça sobre a mesa e foi até ela.
— Clere...
— Não posso colocar você nessa situação, não deixarei que faça tal coisa.
— Não está. Se eu morrer você morrerá também, não posso permitir que
se sacrifique desse jeito por minha causa. E se ficar com alguma deformação?
E se eu morrer?
— Querida. Não vai acontecer de novo e eu acredito que não tenha maior
sacrifício do que já fiz, para poder estar com você durante dois mil anos ou
todas as outras coisas que fiz por Kayli, por Kimera.
— Nunca me machucou, pequena, porque nunca fez nada para isso, não
foi você. E eu não me arrependo de nada que eu fiz, porque sacrificaria mais
mil anos para ficar com você, mas não posso mais viver sofrendo sua perda, é
como arrancar meu coração e esmagá-lo entre os dedos. Ainda sinto a dor
dentro de minhas entranhas pelas outras vezes. Vi-te morrer por duas vezes,
não posso ver mais uma, nunca mais e não suporto que você não tenha sua
loba, imagino como deve ser doloroso.
Clere estava engasgada, ela não pensou nem por um momento que ele
aceitaria tal coisa. Que faria tal sacrifício por ela. Isso encheu seus olhos de
lágrimas e sua garganta embargou.
— Imagino o que tenha sofrido quando me viu morrer por duas vezes,
sinto muito.
— Isso é passado, não me importa mais, tenho você agora e quero estar
junto a ti e usufruir de tudo o máximo que posso. Podemos fazer isso; e se
sobrevivermos, podemos ir a muitos lugares que queria: viajar, conhecer o
mundo. Te darei e realizarei todos seus desejos, te darei o mundo e nunca
mais permitirei que nenhum humano ou lobo te machuque.
Ele riu e assentiu, beijou-a, respirou fundo e encostou sua testa na dela.
— Juntos — assentiu.
Ele fechou os olhos e deslizou o nariz pela sua bochecha e pescoço. Com
os olhos fechados, fez o carinho de lobo, extasiado com sua suavidade.
— Como amo seu cheiro, pequena. Quando ele ficou muito fraco, porque
estava longe, era como se eu não conseguisse respirar. Preciso de você por
perto. Meu mundo é o céu quando está nele, e quando estava longe somente
havia escuridão e trevas.
— Sim, senti o mesmo, um imenso poço escuro. E senti muita falta da sua
risada e das nossas trapalhadas.
Ele sorriu, agarrou sua nuca e a trouxe para si, num beijo avassalador.
Era um prazer puro ser amada por ele, esquentava seu corpo, seu coração
e alma, seu interior ficava banhado na lava quente com apenas um toque, um
beijo. Poderoso, um alfa que finalmente queria somente ter felicidade para si
mesmo e sua companheira.
Um homem que a abraçou com força e ainda com uma delicadeza sem
machucá-la, sem violência e com puro amor. Um animal cheio de fome que a
defendia como um lobo feroz que era.
Ela arfou quando ele rosnou e seu vestido partiu-se em farrapos e foi
jogado longe e ele se desfez de sua roupa então ela tocou seu peito e admirou
o homem poderoso que tinha diante de si e que ia reivindicá-la como sua
novamente, do jeito que mudaria suas vidas profundamente.
— E você é meu.
Seu corpo ficou tenso, sentindo o prazer dentro dela quando ele a beijou e
alcançou seu sexo quente e acariciou-a, tocando explorando, incitando-a ao
prazer.
Ele olhava fixamente seus seios nus, seus mamilos rígidos e estendeu uma
mão para eles e apertou, girando o mamilo entre os dedos e então a olhando,
ele baixou a cabeça e o levou à boca, sugando e mordendo com força, a
fazendo-a gritar.
A mulher que ele tinha segurado nos braços morta já não estava mais ali,
não havia a menina assustada, a mulher sem vida e sem futuro, não; ali estava
a loba forte, quente e sensual que ele amava. As duas eram dele e ele estaria
ali para cuidar da frágil e tomar a forte, e tudo o que necessitasse.
Ele não viu nenhum medo nos seus olhos, só fome, desejo e calor. Ela era
uma mulher tentadora, selvagem, sedutora, faminta. Estava molhada e
desesperada por seu toque, sussurrando seu nome e pedindo por mais.
Qualquer outro homem não teria valorizado ou dado prazer, ela nunca
tinha recebido e ele lhe dava, queria seu toque porque ele lhe dava prazer,
amor e paixão.
Seu membro estava duro, quente e pulsante, e ela sorriu ao ouvi-lo rosnar
em seu seio quando ela o pegou em sua mão e o massageou, pensou que ele
gozaria e gostou de fazê-lo rosnar de prazer, sim, ela amava.
Então, ela fez mais, tocou acima e abaixo, até a base, em suas bolas,
sentindo o sangue pulsando e estremeceu sentindo-o pesado e quente.
Para ele, não havia maior prazer que segurá-la contra ele, sentir o gosto de
sua pele nas suas suaves lambidas e sugadas. E ele amava quando ela o fazia.
E ele a faria se soltar mais com o tempo, até que o devorasse todo.
Cada toque de sua língua, também tocava sua alma, aquecia-a. Colocava
fogo dentro dele, deixava o desespero do amor urgente.
As mãos dele desceram por suas costas, até suas nádegas, enquanto seus
dedos a deixavam louca, exalando o calor de dentro dela, agarrando-a mais
perto.
Ela arfava, buscando ar, as mãos dela seguravam seus ombros enquanto
os dedos dele lutavam para não agarrarem as nádegas dela e tomá-la de uma
vez.
E mais ainda ela se abriu para ele dando espaço para se encaixar em seu
corpo, recepcionando-o, ele rosnou, pois sabia exatamente quando ela
deixava suas ressalvas para trás e se abria, se entregava, sentia seu aroma
mudar e o desejava intensamente.
— Você me quer, princesa?
— Sim. Fomos feitos um para o outro, então creio que não há meio de
fugir, se negar, isso pode ser a cura para nós dois.
— Assim é.
Seus lábios moveram-se sobre sua boca, bombeando sua língua pelos
lábios dela, sugando-a, ele rosnou de novo quando ele a penetrou.
Ele teve que fechar seus olhos enquanto baixava sua cabeça uma vez
mais, seus lábios acariciando o pescoço dela, movendo-se dentro dela outra
vez. Ele passou sua língua em seu ombro e pescoço, preparando sua pele tão
doce e suave, sempre perfeita.
Quando estavam na beira do orgasmo ele sentia que todo seu ser queria
mordê-la, e parar o ato foi difícil, ele rosnou puxou-a e sentou na cama
colocando-a escarranchada em seu quadril, sem sair de dentro dela, então a
olhou e ela estava com os olhos brilhantes, suada, bochechas rosadas,
respirando com dificuldade, selvagem e poderosa.
Ela assentiu com uma ponta de medo fazendo-a tremer, mas não recuou.
— Por ti estou pronta para qualquer coisa.
Ele sorriu, beijou seus lábios suavemente, pegou a taça e colocou entre
eles.
Ele respirou fundo e bebeu da taça, logo deu a ela que bebeu a outra
metade. A taça foi jogada no chão e ambos, com os olhos cintilando, unidos
pelo sexo, uniram-se pelo amor.
Ele a abraçou com mais força fazendo-a mover-se sobre seu membro,
arrancando um gemido deles e aumentaram seus movimentos, e a loucura
voltou, e na borda, eles fizeram suas presas alongarem e juntos, um mordeu o
ombro do outro, reivindicando seus lobos.
Houve a explosão de dentro de seus corpos e a poção fez sua parte, reagiu
e, quando eles soltaram suas magias como ondas de arco-íris da dele, com a
cor mais forte que todos os outros lobos; e a dela, com cores suaves e
manchas negras e cinzas e vermelhas, elas se encontraram e começaram a
dançar juntas.
Clere gritou de medo e dor e Aaron rosnou pelo mesmo, segurou-a entre
os braços, protegendo-a, então elas formaram redemoinhos no ar sobre eles,
forte e ruidoso balançando a cama.
Aaron ficou assustado e a protegeu com seu corpo, então a magia
aconteceu, a magia foi totalmente sugada de seus corpos, e eles sentiram um
gelo tomar suas veias, numa sensação agonizante que fizeram ambos
gemerem, como se a vida estivesse se esvaindo deles arrancada a ferro.
— Aaron!
— Te tenho, pequena.
Clere gritou porque doía, assim como ele, como se suas vísceras
estivessem sendo arrancada de seus corpos.
Então toda a aura colorida saiu deles e eles ficaram tombados navegando
nas brumas da inconsciência, como se a vida estivesse se esvaindo
lentamente.
E o silêncio se fez.
Aaron e Clere estavam desacordados na cama sobre os lençóis
bagunçados, presos nas brumas do inconsciente.
E assim eles também conseguiram sua paz naquela noite, esperando que o
dia nascesse com nova vida para os amantes e companheiros de alma, que por
fim mereciam a felicidade, ansiosos para ver se estavam curados ou não.
— Essa é a ideia mais louca que você já teve, Clere! — Aaron exclamou
espantado. — Foi para isso que chamou os lobos de Noah e os de Kimera e
pediu que se reunissem no pátio?
— Sabe, você é a única pessoa na minha vida que me acha louca e fala na
minha cara.
— Isso deveria ser bom? Eu estava achando bom, mas agora tenho
minhas dúvidas.
Ela riu, e para seu espanto, não estava nervosa ou com medo. Era algo
sem precedentes.
— Você é uma guerreira, é uma loba de valor, não precisa empunhar uma
espada e um escudo para mostrar isso. Você é diferente da outra Clere e está
tudo bem com isso. Os lobos não são burros, Clere, sabem que não é a
mesma pessoa.
Aaron rosnou.
— Eu sei, você sabe, mas eles não sabem, precisam ver. Você sabe que
tenho que fazer isso. Acredite, esta sou eu, nua e crua. Demorei a me
encontrar e não quero esconder mais nada de ninguém, seja bom ou ruim.
— Eu amo você e amo quando rosna assim quando te deixo louco, mas
não vou voltar atrás da minha prova.
— Está bem! Pelos deuses, estou envelhecendo neste último mês tudo que
não envelheci em dois mil anos.
Ele bufou.
— Depois lhe darei uns tapas em seu traseiro por me desafiar, loba.
Ela riu novamente e ele a abraçou de volta fortemente, segurou seu rosto
entre as mãos e, nervoso, a olhou nos olhos.
— Clere...
— Prometa.
— Prometa!
— Prometo.
Ele rosnou, beijou seus lábios com sofreguidão e desespero e ela retribuiu
apaixonadamente.
Kayli, mesmo contrariado com a situação, pois achava que aquilo era uma
loucura, acatou ao pedido de Clere. Ela soube que ele não acreditava que ela
conseguiria tal feito, o que só a impulsionou a seguir em frente.
Clere, dona de si, demonstrando seu poder e força, andou até o círculo e
todos olharam para ela espantados.
Se uma coisa teve que elogiar a si mesma é que não demonstrou medo,
nenhuma ressalva perante todo aquele povo e ela sabia o que viria, porque
tinha observado os lobos de Kimera, e não seria fácil vencê-los.
Ela vestia uma calça de couro marrom justa, bota até os joelhos, uma
chemise branca e uma armadura dourada cheia de desenhos em relevo que
emoldurava seu corpo. Uma armadura que somente a família real usava, o
que já espantou a todos.
No seu rosto havia uma linha pintada na testa que descia pelo seu nariz e
descia no queixo uma que atravessava sobre as sobrancelhas e uma runa
desenhada em cada têmpora.
Vanora estava certa, estava tudo dentro dela, devia usar para algo que
valesse a pena, para salvar a si mesma e sua loba, porque, se ela falhasse,
destruiria Aaron no processo.
— Estou vendo e não acredito que fomos chamados aqui para isso. Disse-
nos que era um torneio, Erick! — Noah disse chocado.
— Estão loucos? Desde quando Clere sabe lutar com espadas? — Ester
exclamou.
— Bem, é o que veremos agora e isso deve ser algo muito importante,
senão não estariam fazendo. Acha que Aaron permitiria isso se não tivesse
um grande propósito? — Erick disse.
Kayli levantou a mão para que todos parassem de falar, porque todo
mundo estava chocado e todos se calaram.
— Ah, o que há pessoal, estão com medo de uma loba pequena chutar
suas bundas? Podem acreditar, sou mais forte do que pareço e isso não é um
treinamento.
— Alfa, não pode permitir tal loucura, vão matá-la. Olha o tamanho dela
para aqueles lobos! — Lana implorou para Ester e Noah, que estavam tão
espantados quanto os outros.
— Merda!
Então Kirian rosnou, pegou sua espada e foi à frente de Clere, no meio da
roda.
— Acredito que é importante para você fazer isso, garota — Kirian pediu,
sério.
— Vamos lutar.
— Vamos lá, Clere, você consegue! Mostre a que veio, garota! — Ester
gritou nervosa. Clere a olhou e colocou a mão em punho em seu coração em
forma de respeito à sua alfa.
Então, ela respirou fundo, olhou para Kirian e ficou na posição de luta.
Ela atacou com a espada com ele no chão, que rolou e desviou do seu
golpe, saltou ficando em pé e girou se defendendo de um dos golpes e depois
outro que ela dava com força, que quase ele não conseguia defender.
— Parece...
Ele rosnou, atacou com golpes fortes e ela se defendeu bravamente com a
espada e o escudo. E quando ela atacou, o fez com uma rapidez que deixou o
lobo aturdido, e seus golpes eram violentos e fortes.
O homem era muito grande e todos ficavam espantados como ela era forte
a ponto de não tombar com aqueles golpes brutais, e o lobo não parecia estar
a poupando de nada.
Clere gritou, girou, bateu com o peito derrubando o lobo, saltou sobre ele
e o prendeu com o braço. Saltou, girou numa estrela no ar e saltou novamente
indo para longe dele. Rosnou e chutou nas suas costas e ele voou longe, bateu
no grupo de lobos derrubando quatro no processo.
Ela bateu num golpe baixo, girou a espada sobre a cabeça e gritou,
rosnando, bateu tão forte que a espada se quebrou e o lobo caiu do chão.
Rápido, ela chegou até ele, mas a espada estava em sua garganta.
Bem, certo que ela tinha pedido o desafio, mas eles estavam empenhados
em provar sua bravura e, diferente do torneio, eles não estavam brincando, se
ela bobeasse teria um machado cravado em seu coração.
— Pode desistir se está com medo — o lobo disse e ela bufou irônica.
— Amigo, se cheguei até aqui, acha que desistirei? Por meu príncipe farei
qualquer coisa. Não era uma princesa forte e que o merecesse que queriam,
que não o envergonhasse? Então, eu mereço e vou arrastar sua bunda no
chão.
O lobo rosnou alto e furioso e os golpes começaram com força bruta, o
metal tilintando alto, e ela revidou seus golpes brilhantemente. O machado
era pesado e ela o girou somente com uma mão, bateu contra ele que revidou.
O lobo saltou sobre ela como uma montanha, bateu contra ela, quebrando
seu escudo e a derrubou, cortando seu rosto e braço.
Todos arfaram e Aaron chegou a dar dois passos para a frente, mas parou.
Num salto espetacular saltou sobre ele com um joelho no chão e o outro
em seu peito, sacou a adaga e colocou-a em sua garganta.
Noah rosnou espantado e andou até chegar mais à frente para ver tudo
melhor.
Ela engoliu em seco, não de medo, mas porque sua garganta estava seca.
Assentiu, um tanto cansada, então Audrea, que era da sua altura, se
aproximou com uma jarra de barro e uma taça, encheu de água e lhe ofereceu.
Clere piscou aturdida, olhou espantada para Aaron, que fez uma carranca
e deu um passo à frente.
A mulher olhou para ele com o olhar significativo e bebeu da água para
mostrar que não estava envenenada nem nada.
Aaron piscou aturdido, assim como todos fizeram, e Clere sorriu, pegou a
taça e bebeu.
— Obrigada.
A mulher sorriu, saiu da roda e Aaron piscou mais aturdido ainda, quando
Audrea sorriu para um lobo que estava ao seu lado, e ele colocou a mão em
seu ombro, abraçando-a e saíram. Eles eram um casal? Ela tinha oferecido
água para a princesa?
Após um minuto de choque, Aaron entendeu que Audrea fez aquilo para
selar uma trégua, um momento de deixar seu passado para trás.
Então ele olhou para Clere. Sim, ela era seu futuro.
Então ela foi para o ataque, um soco, mais outro, intercalando socos e
chutes, golpes perfeitos de Karatê, até que rosnou alto, saltou no ar e
deflagrou um Yoko Tobi Gueri, com uma perna dobrada e a outra estirada,
batendo com toda força o pé no estômago de Sasha, pois ela foi tão rápida
que ele não conseguiu se defender.
Ele perdeu o ar, arfou e foi jogado metros longe, rolando pelo chão e
quase ficando desacordado, sem conseguir se levantar.
Liam e Jessy correram até ele e o tiraram da roda, estava sem ar e tonto,
mas ficaria bem.
— Sua loba é... sem precedentes, tio — Kane disse para Aaron, que nem
piscava vendo tudo. Ele sabia que era forte e tinha dons peculiares, mas
aquilo era excepcional. O orgulho latejava em seu peito.
Ele impôs contra ela um golpe poderoso e forte que a fez tombar no chão
num baque surdo que lhe roubou o ar, ela gemeu pela dor, mas não desistiu.
Quando ele vinha em sua direção como uma jamanta, ela saltou e ficou de
pé, mas não a tempo dele bater nela e seu golpe a fez ferir o peito e derrubar
suas adagas e bateu nela, que rolou pelo chão.
Ele saltou sobre ela, mas ela chutou seu peito e ele voou longe, ela saltou
para trás, saltou de novo, alcançou Kane que estava assistindo a tudo perto de
seus pais e Aaron.
Ela caiu na frente dele e numa rapidez incrível, pegou seu arco, duas
flechas de sua aljava, girou e atirou as duas de uma vez só, e cada uma delas
acertou as pernas do lobo, que caiu.
Todo mundo congelou, não respirou e estavam tão aturdidos que não
conseguiram emitir outra reação nos minutos seguintes.
Arfando de cansaço, Clere se virou e sorriu para Kane, que a olhava como
se tivesse chifres.
— Obrigada, Alteza.
Ele rosnou porque não gostou de ver sangue nela, isso deixava seu lobo
louco, mas era um guerreiro e isso não devia impeli-lo de lutar e ela engoliu
em seco e sentiu um frio no estômago e todos continuavam chocados.
— Obrigada.
Aaron rosnou por machucá-la e derrubá-la, mas ele não podia dar a
entender que estava brincando ou a poupando e não estava.
Todos arfaram e pensaram que ele tinha vencido, pois ela demorou a se
levantar.
Com passos pesados e fortes, ele foi até ela. Clere viu as vistas nubladas e
sentiu o sangue escorrer, mas rosnou alto, saltou agarrando sua espada caída
e se pôs de pé e num impulso rápido ela bloqueou o golpe dele e segurou.
Clere rosnou, e seus olhos cintilaram, ela empurrou Aaron e ele não
conseguiu segurar e foi para trás e cambaleou, segurou o equilíbrio com uma
perna atrás.
Ela puxou a sua espada para trás e com a outra mão bateu com a palma da
mão em seu estômago e ele voou longe, caiu e derrubou a espada.
Todo mundo arfou espantado.
Quando ele foi se levantar, ela soltou sua espada, rosnou e saltou sobre
ele, e o tombou no chão. Ele a agarrou, e com o joelho a jogou por cima da
sua cabeça.
Ela bateu no chão, mas agarrou os braços dele e o puxou, Aaron foi
levantado do chão, voou e tombou num golpe seco.
Ela saltou e caiu de joelhos no chão, apoiando com as mãos e rosnou, ele
se virou e ajoelhou com um joelho, pronto para dar impulso e saltar, a
olhando, e, para seu choque, seus olhos estavam laranjas.
Ela rosnou e saltou num impulso poderoso, como um lobo saltando bateu
com as mãos nos seus ombros e os dois rolaram pelo chão, saltaram mais de
dois metros e tombaram mais adiante e os lobos do círculo arfaram
assustados e se afastaram abrindo espaço para não serem derrubados.
Ela saltou novamente, rosnou olhando para ele e suas presas estavam
longas, atacou Aaron, que não teve tempo de se levantar completamente e se
firmar e quase caiu com o soco que ela deflagrou em seu rosto, outro e mais
outro intercalando os braços e depois de dois ele segurou seu golpe e bateu
em seu estômago.
Ela arfou e foi para trás, saltou novamente sobre ele, cruzou as pernas em
seu pescoço, girou e os dois caíram no chão e ela o enforcou com as pernas.
Aaron arfou e tentou se soltar, mas não conseguiu.
Quando ele estava sufocando, o rei veio à frente e Vanora fez o mesmo,
arfando de susto e, quando o rei abriu a boca para parar a luta, ela rosnou, o
soltou, girou e escarranchou sobre Aaron, puxou uma adaga da sua bota e
colocou na sua garganta, e rosnou na sua cara.
Tudo parou, ninguém se moveu ou respirou, um movimento e ela mataria
Aaron.
— Eu venci, companheiro.
Aaron piscou aturdido para assimilar tudo, estava numa espécie de surto,
então sorriu de volta e assentiu.
Clere sentiu algo cutucar e baixou os olhos e Aaron tinha uma pequena
adaga cravada logo abaixo de sua armadura. Ela o olhou aturdida e ele ainda
sorria e ela riu alto, beijou-o novamente num beijo apaixonado, que todos
riram e sussurraram pela sensualidade de tudo, aflorada e escancarada.
Clere tinha vencido o desfio, ela tinha derrotado todos e estava moída,
mas em pé. Bom, talvez se batesse um vento forte a derrubasse.
Aaron foi até ela e ela ficou paralisada, porque a cara dele não parecia
muito boa, parecia muito sério.
E assim fez Ester, Lana e os outros lobos de sua alcateia e com os olhos
marejados de lágrimas, com a garganta embargando, quase a sufocando, ela
viu cada lobo de Kimera se ajoelhar.
Clere não conseguia respirar, falar nada, pensou que cairia porque suas
pernas estavam dormentes e bambas.
Aaron se levantou, foi até ela e emocionado – porque seu coração estava
entalado na garganta –, orgulhoso, a pegou nos ombros.
— Eu ganhei.
— Sim, minha pequena e forte guerreira.
— Obrigada.
— Não.
Todos estavam esperando para ver o que estava acontecendo, sem saber
do significado daquilo.
Ela assentiu, porque era para aquele momento que tinham seguido em
frente e ela fechou os olhos por um minuto para tomar coragem, abriu os
olhos e olhou nos seus lindos olhos verdes e com isso teve a coragem que
precisava.
E ali estava ela, uma gigante e fenomenal, do mesmo tamanho que ele,
uma loba com pelos loiros, longos e macios, com pequenas mechas escuras
nas pontas das orelhas, costa e rabo. Ela abriu os olhos e estavam amarelos,
brilhantes da cor do sol, não estava deformada, suas patas estavam normais,
seu focinho, suas presas estavam normais.
— Sim!
Ele riu e veio até ela lhe fazendo o carinho de lobo, indo ao redor dela,
olhando e tocando-a toda e Clere olhou a si e chorou.
Ela se transformou em humana rápido e fácil, sem dor, como era a magia
dos lobos.
Agora mais uma loba havia sido curada, pelo menos parte de suas dores e
sofrimentos, o que era possível naquele momento.
Ela voltou até Aaron, riu, chorou e se ajoelhou, abraçou-o, que ainda se
mantinha em forma de lobo. Chorou abraçando seu companheiro.
— Eu te amo, Clere, minha guerreira, eu te amo.
— Sim, conseguiu.
— Obrigada.
— Sim! Sim!
Clere respirou fundo, deu o comando e puff, era uma loba de novo, riu às
gargalhadas e saltitou ao redor de Aaron como uma criança feliz e contente,
ria e chorava e todos em Kimera estavam loucos e emocionados.
Ao fim, ela era a escolhida, o presente do lobo, feito por um deus, e era
forte e poderosa, como uma princesa de Kimera deveria ser, digna do
príncipe dos lobos.
Aaron saiu correndo para os campos verdes e floridos e Clere o
acompanhou e ela correu como nunca, sentindo o chão em suas patas,
sentindo o vento em seus pelos, saltou arbustos e flores, rosnou e uivou, riu
aos céus e, então, a natureza mágica de Kimera respondeu ao seu regozijo e a
abraçou.
Ester olhava tudo com as lágrimas caindo livremente e ela olhou para
Noah quando ele secou uma com os dedos suavemente.
Ela riu e saltou em seu pescoço e ele a rodou no ar, rindo, e a festa seguiu
pelo resto do dia com carne e muita bebida e dança.
Kimera
Aaron esperava por ela na frente dos lobos, usando uma roupa suntuosa,
calças marrons, botas, uma jaqueta de brocado grossa, azul-escura, com o
colarinho cravejado de pequenas pedras preciosas.
Havia uma larga corrente de pedras, como se fosse um colar que caía em
seu peito, e seus cabelos estavam trançados no topo da cabeça e caíam pelos
ombros.
Tão lindo e perfeito que ela sentiu seu coração derreter e não foi diferente
com ele quando a viu.
Clere observou seu amado Aaron, ele não estava vestido como um
guerreiro e sim como um príncipe, mas ele era grandioso em todas as suas
versões, como rei, como príncipe, alfa ou beta, ou um homem simples
tentando dominar uma cafeteira ou o controle remoto da TV.
Ele era tudo e todos e ela amava cada pedacinho, cada face, cada batida
de coração.
Quando ela chegou à frente dele parecia que o mundo ao redor não
existia. Ele pegou em suas mãos e beijou o dorso de uma e depois a outra.
Clere olhou para o lado e viu um tapete de flores no chão onde eles
passariam por cima para chegar ao altar e ficou encantada.
Os lobos de Kimera estavam ali e todos os lobos de sua alcateia, lindos e
sorridentes, com as crianças que lhe acenaram adeus, sua mãe.
Clere quis chorar, sua garganta estava embargada, todos estavam ali por
ela e Aaron.
Ela nunca imaginou que seria o centro das atenções, de forma bonita, era
um conto de fadas que estava se tornando realidade e mal podia acreditar.
Ela respirou fundo e afastou os pensamentos, aquele dia não era para ter
pensamentos tristes, pois seu coração estava transbordando de felicidade.
Olhou para o céu e estava ensolarado, sem nuvens, quente e perfeito, mas
estranhou que havia pequenos floquinhos caindo do céu, pairando no ar e ela
ergueu a mão para pegar algum, curiosa.
— O que é isso?
— Presente?
— Quem?
Aaron indicou atrás dela com a cabeça. Ela se virou, ficou boquiaberta e
parou de respirar, agarrando a mão dele com força.
— Jesus...
Clere piscou rapidamente, pois pensou que estava sonhando. Era uma
visão extremamente chocante. Depois do povo de Kimera e seu luxo e beleza,
jamais pensou que veria algo num nível mais elevado, mas estava vendo.
— Estou sonhando?
— Encanta meu coração que tenha nos brindado com sua presença,
Cristal — Aaron disse fazendo uma reverência formal.
— Você... você é uma fada?
— Sim, eu sou.
— Espero que nunca o façam, mas estou imensamente feliz que me deu
essa honra.
Clere tapou a boca para não dizer mil coisas que voavam na sua cabeça.
Queria rir e saltitar como uma criança ao ganhar um presente.
Clere olhou e dentro da pedra parecia que havia uma fumacinha suave
branca com pontinhos brilhantes em tom de azul.
— Oh, que lindo!
— Para que sua vida se encha de bondade e alegrias, para sua proteção e
para que se lembre de que o mundo é mágico e poucas pessoas têm a dádiva
de conhecer sua magia. Que os deuses os abençoem na sua união e que
reinem juntos para a eternidade.
— Oh!
Clere riu quando uma pairou na sua frente e não era um passarinho. Era
uma pequena fadinha brilhante que batia suas asinhas, ela deu uma risadinha,
acenou e saltitou pelo ar e riu quando pairou na frente de Lucian e o fez rir e
depois de Lili e os outros bebês, que tentaram pegá-las.
Clere olhou para Aaron, que sorria contente por ver sua felicidade.
Aaron ergueu sua mão unida na dela e Kayli enrolou uma fita larga azul
com bordados florais e recitou uma oração, abençoando-os.
Vanora ofereceu uma taça de vinho, Aaron bebeu um gole e Clere outro.
Depois, numa almofada trouxeram os anéis com o brasão dos Nordur e
cada um colocou no dedo do outro.
Clere riu emocionada porque foi tudo tão rápido e lindo, que parecia que
estava num sonho, flutuando numa nuvem.
— Viva!
— Então, Aaron, disse que tinha algo a dizer. Vamos, diga — o rei disse
feliz.
Aaron respirou fundo e olhou para Clere.
— Sim, nós queremos viajar para mais alguns lugares da lista de minha
companheira, ir em outros lugares fora da Grécia também e queremos
aprender um pouco mais sobre as coisas modernas.
— Nosso lar será aqui e um pouco lá, mas eu acredito que é hora de você
ter um beta que fique responsável pelas minhas funções enquanto estou fora.
— O quê? Mas não precisa deixar de ser beta porque se acasalou, Aaron.
— Bem, eu sei, mas não sei quanto tempo tiraremos para nós, mas Kane
pode cuidar melhor de Kimera do que eu no momento, não quero que fiquem
desassistidos em minha ausência.
— Eu?
— Foi uma honra estar ao seu lado por tantos séculos, irmão, mas agora
Kane tomará conta dos lobos na minha ausência e sempre poderá vir a mim
para conselhos. Minha espada sempre estará empunhada por Kimera.
— Não, não me deve nada. Estão felizes e desejo que sua jornada agora
seja só de alegrias.
— Eu sei.
Ele beijou Yasmin na testa e ela se afastou.
Aaron olhou para Clere e sorriu. Então ela, com um sorriso gigante,
enfiou a mão no seu decote, tirou um papel e o desdobrou, tirou um
minúsculo lápis e riscou.
Ele pegou a lista e riu, estava enorme com itens que ele nem imaginava o
que eram, e ela havia acabado de riscar três itens: “Ver uma fada”, “Ser a
princesa e não o dragão” e “Ser feliz”.
— Nunca estive tão feliz em toda minha vida. Jamais pensei que um dia
eu seria uma princesa de verdade e você não somente trouxe minha loba de
volta, me trouxe vida, me libertou da minha prisão, me mostrou o que é o
amor e que eu o mereço.
— Nunca pensei que os deuses fariam uma loba tão especial para mim.
Estarei sempre aqui para te ver protegida e amada como merece.
E aquele foi o dia mais feliz que Clere e Aaron pensaram em viver, pelo
menos até ali, pois muitos outros viriam.
Aaron passou as mãos dos ombros e desceu pelos braços e sorriu ao olhar
suas novas tatuagens, uma loba majestosa e feliz e uma borboleta com as asas
abertas e imponentes.
A cura completa demoraria ainda, mas a cada dia dava para ver a
diferença de sua melhora.
Clere finalmente foi libertada de sua prisão e conheceu como é ser amada
por um homem e ser reverenciada por ser uma loba e uma mulher.
Agora podia correr com sua loba, voar como uma borboleta e brilhava
como um vagalume, com sua luz própria.
— Será que está tudo bem? Grita e sofre, não acaba nunca? — perguntou
nervoso e rosnando.
Aaron bebeu e rosnou, então parou e olhou para a porta quando ouviu o
choro do bebê e, com ele, uma explosão de energia eclodiu no quarto e os
atingiu como uma onda, os fazendo arfar e gemer.
— O quê?
— É um alfa e poderoso.
Aaron estava petrificado. Seu filho nasceu alfa? Com aquele nível de
energia?
Quando ela o olhou, Aaron pôde ver sua alegria e encantamento, chorava
de felicidade. Seu coração batia forte no peito, desgovernado, ao ver a cena
maravilhosa que encheu seu coração de amor.
— O que significa?
— “O Lobo” em nórdico.
— Ei, filho, estou aqui, seu pai. Estarei aqui sempre para ti, te protegerei
com minha vida. Bem-vindo, Lobo.
Quando Aaron falou com ele, o pequeno o olhou com lindos olhos verdes
como os seus.
Aaron ficou mais emocionado. Era inegável a onda de energia que vinha
dele.
Ele tinha um filho lobo, nascido e amado, e Clere o amaria com todo o
coração. Seria aceito por sua mãe e por todo o seu povo.
— Com certeza, um lobo que marcará sua história. Com uma força
excepcional. Um príncipe lobo legítimo — Vanora disse enquanto ele olhou
para ela e Kayli e assentiu.
— Obrigada, fico contente que está junto comigo nisso, significa muito
para mim. Acha que o casal que adotou a pequena Karina cuidará bem dela?
— Jura? Conseguiu que cuidássemos dela até arrumarem seu novo lar?
— Sim, estará sob nossos cuidados por um tempo, acho que a identidade
de um rico empresário e filantropo que Erick criou para mim tem bastante
credibilidade. Como advogado, o homem tem uma lábia invejável.
— Erick é bom nisso. Fico tão feliz que os lobos estão nos apoiando,
contanto que sejamos discretos.
— Bem, com isso concordo. A triste notícia é que a polícia soltou o tio
estuprador.
— O quê?
— Mas a outra boa notícia é que acho que ele se afogou no mar Egeu e
virou comida de tubarão.
— Você disse que não poderíamos fazer justiça com nossas mãos,
companheiro.
— Com o pai que tem, será o homem mais valoroso de toda Kimera e da
Terra, não é, meu amorzinho? Temos muito orgulho e amor por seu papai.
— Está?
— Vamos, garoto, sua mamãe é doida. E agora tem que me ajudar e nos
acompanhar nas aventuras.
— Sim, será.
O lobo que teria muitas aventuras para viver e uma história para escrever,
um lobo inigualável com a força e espírito dos antigos guerreiros e alfas.
Valkirk, Gália Bélgica.
— E o que a Senhora das Castas, que pensei ser uma mulher que ninguém
colocaria os olhos em vida, porque é uma fantasia, faria em Valkirk? —
Kayli perguntou.
— Bem, meu senhor, eu acho que ela mesma poderá responder suas
perguntas, porque está a caminho. Acredito que deva estar chegando.
— Ora essa, a missiva chegou quase depois que a própria Senhora. E por
que está pálido desse jeito, homem? Parece que viu a própria Hell.
— Assim é, irmão.
Eles não sabiam se era a mulher ou o lobo que andava ao seu lado que
causava mais impacto.
Eles não viram seu rosto completamente, pois o capuz de sua longa capa
marrom com uma barra de peles cobria parte dele, somente deixando visível
sua boca e mandíbula, mas a energia poderosa que ela emanava era quase
palpável.
Ela vestia um vestido lilás e azul, que arrastava no chão e era a única
coisa que podia ver sob a capa, com as mãos cobertas repousadas na frente do
corpo que saíam de uma pequena entrada de uma pequena manga e estavam
pousadas levemente uma em cima da outra, cobertas por correntes e pequenas
pedras preciosas presas em seus dedos. Ela andou tão suavemente que parecia
flutuar.
Ao chegar a frente ao rei, ela parou e o lobo parou e sentou, o que deixou
todos ainda mais estarrecidos, nunca tinham visto um lobo domesticado e
eram muito raros naquela região.
Ela fez uma reverência cordial e lentamente puxou o capuz para trás e o
choque foi completo, principalmente de Kayli. Quando ela sorriu, suas vistas
pareceram embaçar e seu coração bateu descontrolado.
O cabelo liso e negro como a noite, intensos olhos azuis e a pele alva e
perfeita, lábios rosados e desejáveis e a voz melodiosa como um canto de
sereia.
Seu pai também estava, mas foi mais rápido em se recompor e omitir seu
espanto.
Vanora olhou para Kayli, porque seu esforço de parecer indiferente a ele
foi inútil e sentiu um baque em seu coração. O guerreiro era lindo, forte e
muito alto. Desestabilizou Vanora completamente que, de repente, perdeu as
palavras. Pessoalmente, ele era ainda mais impactante.
O homem riu.
Vanora estava totalmente desconcertada .
Quando tinha visto Kayli nas águas, seu coração tinha saído do prumo e
uma ansiedade tinha tomado conta dela, mas agora, diante dele, o choque foi
mais absurdo e a maneira que a olhou, como se estivesse no mesmo grau de
entorpecimento que ela, foi também chocante.
Foi quase demais, e sua mente tinha se apagado e claro que seu
desconcerto não tinha passado despercebido.
Se ela fosse uma bruxa comum sim, mas uma Senhora, nunca.
Então ela fez algo que os deixou mais estupefatos, retirou a capa e deu a
sua aia.
Kundan olhou para a sua roupa e suas joias, vestia-se com uma rainha de
posses. Ele só não sabia se uma rainha se vestiria assim no todo, mas ela era
uma bruxa e isso poderia ser interessante.
Eles jamais tinham visto tanta riqueza e luxo sobre uma pessoa só.
Todos arfaram e ficaram a olhando espantados.
Kayli, naquele exato momento, olhando seu corpo moldado naquela roupa
estranha e magnífica, desejou ter aqueles seios empinados sob suas mãos e
lábios.
Ele devia ter feito algum som alto, um resmungo ou um gemido, porque o
lobo o olhou e rosnou e ela sorriu e acariciou sua cabeça.
Aaron fez uma reverência com a mão no coração e ela assentiu com a
cabeça, então olhou para Kayli, que a olhava fixamente e fez o mesmo e
soltou uma missiva.
— É um prazer, Senhora.
Sua voz abalou suas estruturas, forte, medida e profunda. Vanora sentiu
seu corpo reagir a ele e esquentar. O que havia de errado com ela?
— Vou mandar lhe preparar um aposento. Mas já aviso que não temos
luxo aqui.
O rei fez um sinal com a mão e uma serviçal veio para guiar os servos de
Vanora para seus aposentos.
Sua barba era longa e dividida ao meio, presa com dois elos de metal, em
seus ombros mantinha uma grossa pele de animal, pois o inverno estava indo
embora, mas ainda se fazia presente ao entardecer.
Ela sorriu e os acompanhou até a mesa e sentou, Aaron cedeu seu lugar a
ela como cortesia, portanto, ela ficou sentada ao lado do rei que ficava na
cabeceira e de frente para Kayli na mesa retangular.
Ela teria muita sorte se não engasgasse com o veado que tinham servido,
ou morresse afogada com o vinho.
Podia ver que quem ocupava a grande mesa de madeira rústica, eram os
guerreiros mais próximos do rei e a família e ela pousou os olhos sobre a
mulher que a olhava, não muito contente.
— Igualmente.
A criada encheu sua taça de vinho e ela bebeu, porque estava com a
garganta seca.
Ela olhou para Kayli sobre a borda do copo e ele pegou um pedaço de
carne e comeu, sem tirar os olhos dela, e ela pensou que seu calor era
resultado do olhar predador dele, mas era uma sensação desconhecida, nova e
intrigante.
Talvez não tivesse sido uma boa ideia suas peripécias para fugir um
pouco das tias e cair no colo de um guerreiro como ele.
Não podia recuar agora, tinha tido muito trabalho para convencer suas tias
de que ela devia fazer aquilo para o bem do reino de Valkirk e aprimorar seus
conhecimentos.
— Sim.
Ela sorriu, mas não recebeu um sorriso de volta e ela olhou para Aaron
que estava prestando atenção nas suas explicações, muito interessado.
Kayli sentiu o desejo cru e selvagem tomar conta da sua mente. Desejou
sugar aqueles lindos e delicados dedos, beijar aqueles lábios rosados e
perfeitos, sentir o gosto de sua boca.
A luxúria nunca tinha batido tão forte nele como com aquela mulher e
podia jurar que sua cabeça girava.
Ele observou como ela pegou um pedaço grande de carne e deu na boca
do lobo que estava sentado ao seu lado no banco.
Kayli olhou para o seu pai e viu que ele também estava encantado com a
mulher e seu lobo. Quem não ficaria? Ele estava e não era pouca coisa.
— Interessante, nunca tinha visto tal coisa. Lobos são ferozes e selvagens.
— Lars pode ser bem selvagem quando ele quer — disse sorrindo.
— Hum...
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