Desafios Do Homem Trans Na Consulta Ginecológica
Desafios Do Homem Trans Na Consulta Ginecológica
Desafios Do Homem Trans Na Consulta Ginecológica
Resumo: O transgênero é uma pessoa cuja identidade de gênero difere do sexo registrado no
nascimento. Dado isso existem barreiras ao acesso a cuidados adequados e culturalmente
competentes contribuem para as disparidades de saúde em pessoas trans. Sendo assim o
objetivo deste estudo foi identificar as principais barreiras éticas encontradas por homens
trans ao acesso a um serviço de saúde ginecológico. Para isso, realizou-se uma revisão
bibliográfica narrativa, nas principais bases de dados em saúde. Observou-se que o homem
trans se depara com diversas barreiras no que tange ao acesso à saúde ginecológica. Tais
como: dificuldades no acolhimento, dificuldades em marcar consulta, falta de preparo técnico
dos profissionais. Logo, pode-se concluir que o acesso aos cuidados à saúde pela população
trans masculina é ainda incipiente e necessita de melhor preparo técnico por parte dos
profissionais. Ressaltando a importância clínicos compreendam as questões médicas
específicas que são relevantes para essa população.
INTRODUÇÃO
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Acadêmico do curdo de Medicina - UNIFIMES. Email: farmagyngo@gmail.com.
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Acadêmico do curdo de Medicina - UNIFIMES.
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Docente da UNIFIMES.
ser aceito como um membro do sexo oposto associado a um sentimento persistente de grande
mal-estar e de inadequação em relação ao próprio sexo anatômico (OMS, 1993).
O indivíduo transgênero sente desconforto com a genitália e caracteres sexuais
secundários a ele designado, bem como também ao papel social que a sociedade atribui a este
sexo. Isso traz o desejo de submeter-se a um procedimento cirúrgico e tratamento com
hormônios, para tornar seu corpo tão conforme quanto possível ao sexo desejado (LARA,
2013).
A etiologia do transexualismo parece não estar bem esclarecida sobretudo, há indícios
que seja neurobiológica, uma vez que tem-se observado um padrão de características
anatômicas cerebrais de transexual homem para mulher (mulher trans) similar ao padrão
feminino. Enquanto que o transexual mulher para homem (homem trans) tenha semelhanças
com o padrão masculino (GARCIA-FALGUEIRAS, 2008; SANTARNECCHI, 2012;
KRUIJVER, 2000).
Tem-se demonstrado ainda alterações micro estruturais na substância branca do
cérebro de homem trans, indicando que alguns fascículos não terminaram o processo de
masculinização durante o desenvolvimento. Isso reforça a teoria de que a transição de gênero
está associada a alterações na diferenciação do cérebro do feto ainda no útero materno.
Existem também evidências de que os esteroides sexuais possuem correlação com a
identidade de gênero, pois, um pico de testosterona no segundo mês de vida intrauterina pode
masculinizar o cérebro fetal masculino, enquanto a falta deste pico gerando fetos com cérebro
feminino (ZHOU, 1995; BAO, 2011; RAMETTI, 2011).
A realização da transição varia de cada indivíduo e do acesso que este indivíduo tem
ao sistema de saúde. Uma vez que alguns optam por cirurgia torácica e genital e outros
somente a torácica, alguns optam somente pela terapia farmacológica. Logo, observa-se que
nem todos os membros da comunidade transgênero passarão por intervenção farmacológica
ou cirúrgica, pois a transição de cada indivíduo é única (STENZEL, 2020).
Uma vez realizada a cirurgia de afirmação de gênero sexual, os transgêneros
necessitam lidar com diversas situações que confrontam o seu status atual, como por exemplo
frequentar um médico ginecologista. Sabe-se da importância desse profissional no
acompanhamento da reposição hormonal que é realizada por toda vida, tornando necessário
estar atento ao risco de homem trans desenvolver câncer de endométrio, câncer de colo do
útero, câncer de mama (URBAN, 2011).
Sem a realização da cirurgia, homens trans continuam tendo útero e ovários, e
mulheres trans têm próstata, portanto os exames de rastreamento são necessários. Tornando
essencial que médicos e clínicas de saúde estejam preparados para acolher e receber esse
perfil de paciente (SBM, 2022).
Sendo assim, o presente estudo teve como objetivo identificar as principais barreiras
éticas encontradas por homens trans ao acesso a um serviço de saúde ginecológico.
METODOLOGIA
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Constituição Federal do Brasil (1988), em seu artigo 196, preconiza que a saúde é
direito de todos os brasileiros e dever do Estado. O Conselho Federal de Medicina (CFM), por
meio da Resolução 2665/2019, garante ainda o acesso, sem qualquer tipo de discriminação,
aos serviços de saúde, e garante assistência médica ao transgênero no que tange à atenção
integral e especializada nas fases de acolhimento, acompanhamento ambulatorial,
hormonioterapia, procedimentos clínicos, cirúrgicos e pós-cirúrgicos.
Na composição da atenção médica especializada, para o atendimento ao transgênero é
necessária equipe mínima é composta por pediatra (para pacientes com até 18 anos),
psiquiatra, endocrinologista, urologista, ginecologista, cirurgião plástico e, outros
profissionais da área da saúde, conforme a necessidade de cada caso, de acordo com o
chamado “ Projeto Terapêutico Singular” proposto ao paciente (CFM, 2019).
Apesar de todo esse aparato legal, sabe-se que a população transgênero enfrenta
diversos desafios no atendimento com o ginecologista, sobretudo o homem trans. Dentre os
desafios encontrados tem-se a recusa de atendimento de prestadores de cuidados médicos,
assédio no ambiente médico ou falta de conhecimento de saúde transespecífica entre
prestadores de cuidados médicos. Por isso, torna-se essencial a discussão sobre esse assunto, a
fim de preparar os médicos para tal atendimento, provendo opções seguras e eficazes que
visam o conforto pessoal com o próprio gênero e a saúde geral da pessoa transgênero. Uma
vez que tal formação específica não é abordada a fundo durante a educação médica
(COLEMAN, 2012).
Segundo James (2015), 33% das pessoas transgênero entrevistadas relataram atraso no
atendimento médico por motivos de discriminação e desrespeito dos prestadores de serviços
médicos, 28% assédio verbal em um ambiente médico e 19% tiveram negados serviços
devido à sua identidade de gênero. Em contrapartida, no estudo conduzido por Vance (2015)
cerca de 62,4% se sentiram à vontade para fornecer terapia médica transgênero e 47,1% se
sentiram confiantes em fazê-lo, apesar de que reforça a necessidade de capacitação dos
profissionais de saúde em relação ao atendimento ao transgênero. Dentre os transgênero o
homem transgênero sofreu maior discriminação no acesso aos serviços médicos do que a
mulher transgênero (STENZEL, 2020).
Além disso, homens transgênero têm taxas mais baixas de rastreamento de câncer do
colo do útero, chegando a 37% menos chances de estar em dia com os exames de rastreio em
comparação com mulheres cisgênero. Tal situação pode estar relacionado ao medo de
discriminação pela sua condição o que leva a evitar a busca de serviços de saúde (JAMES,
2016). E também da dificuldade de se encontrar um especialista com conhecimento na saúde
de transgênero (SANCHES, 2009).
O homem trans tem maiores conflitos com atendimentos médicos do que mulheres
trans. Os conflitos no atendimento à população transgênero, tem sido mais identificado em
profissionais de mais idade do que em médicos recém-formados. Bem como também observa-
se que profissionais de saúde homens têm percepções negativas em relação à comunidade
transgênero significativamente maiores que as mulheres ou outros gêneros. O transgêneros
demonstram experiências positivas de atendimento em locais mais inclusivos. Pois
consideram o sistema de saúde muito binário. Todavia ainda existem clínicas ginecológicas
que não realizam atendimento ao transgênero masculino (BOSSI, 2020).
Para Porsch (2016) além da barreira profissional, a pessoa transgênero enfrenta
também a falta de empatia por parte da equipe de trabalho dos colaboradores do médico.
Além de todo esse processo, existe ainda o desconforto de ter que explicar aos prestadores de
cuidados primários sobre as suas reais necessidades de saúde (REISNER, 2010; BRADFORD,
2013; VON VOGELSANG, 2016). Em consonância a tudo isso, existe o paradigma do
modelo binário, construído e estabelecido socioculturamente que enfrenta grandes barreiras
para incorporar a visão plural de gênero, levando às relações conflituosas de caráter ético,
podendo fomentar episódios de discriminação (GOMES, 2021).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todo esse contexto de generificação, denota evidente a necessidade da discussão sobre
a saúde transespecífica no ambiente do atendimento à saúde, sobretudo na ginecologia. Pois,
os problemas no atendimento ginecológico de homens trans são oriundos da baixa produção
acadêmica dentro da temática. Mesmo que no âmbito legal o transgênero esteja amparado
com direitos à saúde, o que se observa no cotidiano ainda é um vácuo de desinformação entre
os profissionais que atuam na cadeia de promoção à saúde. O que leva a uma dualidade entre
os direitos éticos legais e a prática médica no cotidiano.
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