Religião, Política e Espaço Público No Brasil
Religião, Política e Espaço Público No Brasil
Religião, Política e Espaço Público No Brasil
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RESUMO
Este texto tem por fim examinar a incontornável presença da religião na sociedade, no
Estado brasileiro e no espaço público. A partir de uma perspectiva histórica e
sociológica discute que a despeito da separação Igreja/Estado na formação
constitucional da República em 1891, a religião nunca deixou de ter presença e
influência no espaço público no país. Examina as estratégias pelas quais correntes
expressivas de igrejas cristãs (evangélico-pentecostais e católica) ocuparam a política e
o parlamento formando suas bancadas e frentes para estabelecer uma normatividade
legal através da qual valores de sua dogmática religiosa são embutidos e convertidos em
projetos que regerão políticas públicas. É o que se conceitua como uma
“confessionalização da política” ou uma “publicização da religião”. Por fim, busca-se
analisar no “calor da hora” a influência destas forças religiosas cristãs conservadoras na
proporcionalidade no Congresso Nacional eleito em 2018, suas preferências pelos
candidatos a presidente, sua interferência no resultado final do pleito com a eleição de
um governo conservador de direita e as perspectivas que essa interferência religiosa no
governo e no Congresso ensejará para o Estado Democrático de Direito no país.
PALAVRAS CHAVE
Religião; Política; Espaço Público; Cristianismo; Eleições 2018.
1
Marcelo Ayres Camurça Lima é doutor em antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É professor
associado da Universidade Federal de Juiz de Fora, onde leciona e pesquisa nos Programas de Pós-
Graduação em Ciência da Religião desde 1995, e no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
desde a época de sua fundação em 2004. Tem estágio pós-doutoral na École Pratique des Hautes Études e
foi professor visitante do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual do Ceará.
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INTRODUÇÃO
No Brasil, apesar da separação Igreja/Estado firmada na Constituição de 1891, a
religião nunca deixou de ter influência no Estado, na esfera pública e na política (ORO,
organização dos ritos cívicos da nação e da sagração das instituições do Estado: missas
religioso facultativo nas escolas públicas e na saúde, com o financiamento das Santas
recursos públicos para suas organizações religiosas e assistenciais consideradas por eles
de interesse público (PIERUCCI, 1988: MARIANO, 2011, p. 251). Desde sua entrada
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II e da Conferência de Medellin dos bispos da América Latina nos anos 1960-1970, vão
campo religioso brasileiro não mais buscando exercer sua supremacia, mas
extrapola uma condução estritamente religiosa para exercer papel decisivo na formação
LESBAUPIN, 1980).
No entanto, a partir dos anos 1980, por influência do longo Pontificado de João
2
Contemplarei as últimas eleições de 2018 e seus resultados mais adiante no texto.
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e legislar sobre políticas públicas de acordo com princípios católicos relativos à moral,
aliança com os evangélicos pentecostais, outras vezes para impedir sua expansão. Em
Portanto, devido ao papel histórico de uma matriz cristã, hoje dividida entre
esquema de poder
Filantropia”. O modelo foi criado com sucesso pela Igreja Universal no Reino de Deus,
(doravante referida no texto pela sigla IURD) e reproduzido pela maioria das outras
candidatos a posições políticas, que fazem suas campanhas eleitorais nos púlpitos e
outros ambientes eclesiais, dirigidos para os membros das igrejas. Com essa fidelização
91-92). Depois, nesta condição de deputados vão atuar nas Comissões de Comunicação
dos Parlamentos para obter concessões e rádios e TVs para suas igrejas. Paralelamente,
público-político3.
foram assinados entre as secretarias de ação social deste governo com entidades
3
Ainda que este esquema tenha sido o mais conhecido e eficaz, levanto aqui a hipótese de outro caminho
pelo qual evangélicos tenham ascendido ao meio político: o do circuito da música e da mídia gospel. A
música evangélica dita gospel, produziu um autêntico mercado fonográfico e de imagem que mobiliza
centenas de milhares de pessoas e de recursos. Neste sentido, por fora ou complementando o esquema que
descrevo acima, os chamados cantores e cantoras gospel através de sua fama tem conseguido galgar
postos nos parlamentos do Brasil a fora. O próprio Bispo Crivella foi cantor gospel; assim como o ex-
senador Magno Malta que iniciou sua carreira como cantor de “pagode gospel”. Da mesma forma as
cantoras Lauriette e Fiordelis eleitas nesta última legislação como deputadas federais. Por fim, registro
ainda, o Deputado Marcos Feliciano que montou todo seu acesso à política por suas pregações, adorações
musicais nos eventos dos “Gideões Missionários da Última Hora”, divulgados por DVDs com ampla
venda no meio evangélico. Para maior conhecimento do papel do mercado da música gospel na formação
do ethos evangélico, ver Costa (2019).
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denúncias na imprensa, sobre o caráter viciado da escolha dos beneficiários, que recaía,
no mais das vezes, sobre o eleitorado evangélico ou no meio onde este se encontrava
quem a imprensa acusou “de privilegiar fiéis da igreja na oferta de trabalho por meio do
de Deus (IURD), cantor gospel famoso, foi eleito senador da República para dois
mandatos, 2002 e 2010 e em 2016 chegou pelo voto popular a condição de prefeito do
Sua ação consistia em realizar projetos de irrigação nesta região árida, na abertura de
Em 2010. Crivella foi eleito de novo senador, com um quociente de 3.243, 289
Fazenda Canaã, amplamente repercutida pela mídia da igreja, através do slogan certeiro:
"Se deu certo no sertão, vai dar certo no Rio!" (MACHADO, 2006, p. 93). Entretanto,
neste caso, a questão filantrópica foi amplificada em relação à religiosa, pois ele estava
competindo para exercer um cargo majoritário, devendo ter uma adesão muito mais
ampla do que a dos eleitores pentecostais. Para estar condizente com esta pretensão
Esta tensão entre sua porção religiosa e sua outra política, quando almeja ser
insuperável para tipos com nítida vinculação de imagem a um grupo restrito Isto foi
sublinhado como um “dilema shakespeariano”, “ser ou não ser...” por estes sociólogos
seus adversários políticos vai acentuar essa sua condição religiosa, inflando a suspeita
de que sua pretensão a um cargo público visava favorecer apenas o seu público cativo
ser instrumento de um “projeto de poder de uma seita expansionista que compra redes
usar “crentes como militantes, gasta[r] fortunas nas eleições para eleger a sua bancada
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separatista” (VITAL; LOPES; LUI, 2017, p. 100-102). Da mesma forma, nas eleições
para o governo do Estado do Rio em 2014, o candidato do PMDB, Luiz Fernando Pezão
Porém, o maior feito de Crivella foi ter sido eleito para prefeito da megalópole
Ao longo do seu mandato, pelas medidas que foram tomadas, Crivella foi
acumulando uma série de embates com setores da classe média carioca: artistas,
acusação de uso de edifícios públicos para serviços religiosos de sua igreja, de forma
4
No seu programa eleitoral, exibiu cenas de uma reportagem da rede Globo de 1995, com acusações das
lideranças da igreja de extorquir dinheiro dos fiéis, da existência de “Caixa 2” através de seus
parlamentares, terminando com uma voz em off dizendo: “Você quer o sobrinho do Bispo Macedo no
governo?” (VITAL; LOPES; LUI, 2017, p. 102, 107).
5
Disponível em: https://extra.globo.com/noticias/rio/carnaval-prefeitura-reduz-subvencao-da-serie-em-
50-pelo-segundo-ano-23329373.html. Acesso em: 04 fev. 2019.
6
“Crivella veta no Rio a exposição Queermuseu, censurada em Porto Alegre. El País, 04/08/2018.
Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/10/04/cultura/1507068353_975386.html. Acesso
em: 05 fev. 2019.
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velada7; acusação de indicações para que os membros de sua igreja tenham preferência
“teocrática” nas suas políticas, que deveriam ser públicas e universais. Porém alguns
anuncia um corte nas verbas das Escolas de Samba, justifica que é para financiar
decisão.
Considero que neste particular, funcionam as duas lógicas, cálculo político, sim,
mas articulado com o atendimento as necessidades dos seus eleitores mais fiéis (nos
evangélicos pobres.
7
Funcionários da prefeitura fazem obra em Igreja Universal. Band News FM Rio. 16/02/2019.
Disponível em: https://twitter.com/bandnewsfmrio/status/1096857243604144128. Acesso em: 04 fev.
2019.
8
“Funcionários do hospital Gaffrée e Guinle denunciam que pastores indicam pacientes para furar a fila
do Sisreg” G1 , RJ, 30/08/2018 . Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-
janeiro/noticia/2018/08/30/funcionarios-do-hospital-gaffree-e-guinle-denunciam-que-pastores-indicam-
pacientes-para-furar-fila-do-sisreg.ghtml. Acesso em: 04 fev. 2019.
9
“Há cálculo político nas afirmações de Crivella’ afirma Christina Vital em entrevista”. Heinrich Böll
Stiftung. 01/11/2018. Disponível em: https://br.boell.org/pt-br/2017/11/01/ha-calculo-politico-nas-
afirmacoes-de-crivella-afirma-christina-vital-em-entrevista. Acesso em: 05 fev. 2019.
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ciclo do PT (anos 2000) a divisão dos grupos religiosos cristãos entre PSDB e PT (anos
2010) e o ciclo atual do PSL, PRB, PSC, PSD, PP e DEM: o “centrão” (no governo
Temer e na eleição de Bolsonaro 2018). Em busca dos votos dos fiéis evangélico-
Com isso o main stream político legitimou a presença quase naturalizada dos
evangélicos em seu seio, com suas “bancadas” e “frentes”; exortações, bênçãos com
Por seu lado, a Igreja Católica no Brasil percebe que está perdendo terreno para
seja, através de lobby das cúpulas da hierarquia da Igreja, como a CNBB, junto a
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parlamentares e aos poderes estatais para fazer valer seus interesses. Desta forma,
decide investir diretamente nestes campos. Cria um esquema midiático das TVs
católicas como as: Rede Vida, Canção Nova, etc. (MARIANO, 2011, p. 249) e seus
agentes dos padres midiáticos: Marcelo Rossi, Jorjão, Zé Maria, Fábio de Mello,
Reginaldo Manzotti, etc. (SOUZA, 2005). Com isto a exposição pública dos seus
sempre possuiu no cenário público. Tal foi o caso da Concordata com o Vaticano
assinada pelo Governo Lula em 2008. Nela asseguravam-se garantias fiscais, proteção
de lugares de culto e do patrimônio histórico cultural dos bens da Igreja Católica, além
É preciso dizer, que este privilégio institucional à Igreja Católica gerou uma
reação do segmento evangélico que redundou na Lei Geral das Religiões, elaborada pela
preeminência no espaço público; quanto nos seus acordos e alianças para projetar
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assiste é uma perene e crescente influência das religiões majoritárias cristãs no espaço
educação, saúde, ciência. Com isto, se contrapõem a setores laicos (técnicos, cientistas,
organizados: coletivos feministas, LGBTs, MST, etc. (MARIANO, 2011, p. 252, nota
8). Setores estes, que desde a Constituinte de 1988, vem consolidando seus projetos de
das drogas, da inclusão dos direitos sexuais e reprodutivos no rol dos direitos humanos,
sentidos divergentes sobre o caráter laico do Estado. “O Brasil é um país laico” dizem
normativa como forma de gestão do bem comum. “O Brasil é um país laico, mas não
ateu” replicam os segmentos evangélicos e católicos, que desejam que valores religiosos
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republicana como referência formal. Atuam nos partidos existentes, formam bancadas,
10
Para uma discussão sobre a não conveniência de aplicar o rótulo de fundamentalista religioso às
estratégias conservadoras da direita religiosa evangélica contemporânea no Brasil, ver Burity (2018, p.
43-49).
11
Tomo aqui o conceito de conservador das formulações de Karl Mannheim enquanto um estilo de
pensamento que tem sua gênese na Europa conflagrada das revoluções dos séculos XVIII e XIX, como
reação ao Iluminismo. O conservadorismo se expressa através de uma mentalidade reativa que incorpora
valores pretéritos e os aplica, como forma de resistência, a conjuntura de transformações. É um tipo de
pensamento que apela para uma “intuição concreta” contra a idéia da razão universal, daí valorizar as
experiências concretas enraizadas, tidas como “naturais”, como: a família, a religião, o torrão natal
(MANNHEIM, 1982, p. 107-136.). A tipificação de conservador seguirá sendo aplicada às coligações
cristãs (evangélico-pentecostais e católica), tipo “bancada evangélica”, ao longo do texto. Inclusive com
compatibilidade com suas intervenções modernas e dentro do formato republicano.
12
A articulação entre as noções de modernidade e conservadorismo ou tradicionalismo parece ser uma
contradição em termos. Porém, dentro de uma perspectiva sociológica que busca superar dicotomias entre
estes dois momentos históricos, formas societárias e tipos de mentalidade e cosmovisão, ainda que
considerando a tensão entre os dois domínios, é preciso examinar as continuidades e complementaridades
entre ambos. Aqui a inspiração é a visão de modernidade de Giddens (1991).
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eleições de 2018
contribuições do sociólogo José Casanova, vê-se que este pode ser compreendido, de
esferas seculares: Estado, economia e ciência (CASANOVA, 1994); mas por outro,
atuando como um ator, dentre outros, na esfera pública, o que pode ser definido na
fórmula mais geral: religião, “fora da igreja”, segundo o comentário que Montero fez
força mobilizadora na sociedade civil. Isto se dá, quando opera em si mesmo, uma
que ocorreu, segundo ele, na Espanha, Polônia, Brasil, etc. (CASANOVA, 1994, p. 08).
exposição pública, em que a religião se deixa interferir por “outro não religioso” ou
“outro religioso” de forma “relacional” e esta interação amplia sua própria identidade
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religioso e do secular, penso que no Brasil atual a relação entre religião e política/gestão
determinação religiosa na esfera pública em tensão com uma menor influência dos
critérios laicos de secularização e autonomia nas religiões. O que tem se traduzido nos
políticas existentes13.
13
Mas, para além das divisões, há de forma geral uma presença cada vez mais naturalizada da religião no
campo da política. Um dos indicadores disto é o fato, de que nesta eleição de 2018, centenas de
candidatos usarem títulos religiosos na sua inscrição como candidatos a postos parlamentares. No Rio de
Janeiro, uma pesquisa detectou 521 casos, distribuídos em 313 intitulações como “pastor(a)”; 97
“irmão(ã)”, 40 “missionário”; 29 “bispo”, 17 “padre”, 9 “apóstolo”, 3 “frei”, 2 “reverendo” e 1
“presbítero” e também, fora do campo cristão, 10, “mãe/pai de santo. “Mais de 500 candidatos usam
títulos religiosos no nome de urna. UOL, Eleições 2018, por Lucas Gelape e Rafaela Putini, 20/08/2018.
Disponível em: https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/eleicao-em-numeros/noticia/2018/08/20/mais-
de-500-candidatos-usam-titulos-religiosos-no-nome-de-urna.ghtml. Acesso em: 11 fev. 2019.
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produção econômica. Estas forças deram explícito suporte e vocalizaram seus interesses
religião aceita e tem uma abertura para a transformação dos costumes, da ética e dos
de Ciro e que convergiram, ainda que com marcadas divergências, para a candidatura do
PT no 2º turno.
Católicos – Bolsonaro 29%, Hadadd 25%, Ciro 11%, Alkmin 9%, Marina 3%
Evangélicos – Bolsonaro 40%, Hadadd 15%, Ciro 7%, Alkmin 9%, Marina 5%
Kardecismo – Bolsonaro 40%, Hadadd 13%, Ciro 13%, Alkmin 7%, Marina 3%
Afro-Brasileiras – Bolsonaro 15%, Hadadd 24%, Ciro 15%, Alkmin 6%, Marina 13%
Ateus – Bolsonaro 16%, Hadadd 28%, Ciro 19%, Alkmin 7%, Marina 6%
Sem religião – Bolsonaro 25%, Hadadd 22%, Ciro 15%, Alkmin 7%, Marina 3%
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longo das últimas legislaturas (2006, 2010) a chamada Frente Parlamentar Evangélica
cristã”, assim como uma “frente em defesa da família e apoio a vida” com cerca de 180
ilegal todo tipo de aborto. Atualmente a legislação permite o aborto em caso de risco de
vida e em caso de estupro. Este projeto agora espera encaminhamento para votação em
15
Pesquisa Ibope de 15 de outubro para presidente por sexo, idade, escolaridade, renda, região, religião e
cor. G1, Eleições 2018, 16/10/2018. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/eleicao-
em-numeros/noticia/2018/10/16/pesquisa-ibope-de-15-de-outubro-para-presidente-por-sexo-idade-
escolaridade-renda-regiao-religiao-e-cor.ghtml. Acesso em: 11 fev. 2019.
16
A sigla significa Projeto de Emenda Constitucional, que pode representar uma adição ou modificação
ao texto da Constituição original da Lei Maior, sem que sejam feridos os seus princípios básicos. Para
ser aprovada, a proposta deverá obter os votos de três quintos, no mínimo, do número total de deputados
da Câmara em cada turno da votação. Ou seja, aprovação de 308 dos 513 deputados.
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MG); proposta referendada pelo deputado recém eleito pelo Ceará Heitor Freire (PSL-
promovem uma reação amplificada como se elas fossem provocar uma hecatombe de
moral”18.
Intentam então, fazer prevalecer leis, como dito acima, que proíbem aborto até
pretérita, sem considerar as transformações por que tem passado a sociedade. Dentre
estas transformações destaca-se: o fato de que as mulheres são muitas vezes as guardiãs
17
“Cultos, alertas e chamados movem a ‘bancada da Bíblia’ no Congresso”. Isto É./Estadão, 12/08/2018.
Disponível em: https://istoe.com.br/cultos-alertas-e-chamados-movem-a-bancada-da-biblia-no-
congresso/. Acesso em: 11 fev. 2019.
18
Noção formulada por Stanley Cohen em 1972 para dar conta de temores sociais em relação a
determinados comportamento e grupos considerados desviantes e promotores de possíveis transformações
sociais. Produz-se então uma amplificação da pretensa ameaça e rotulação do antagonista como uma
ameaça social (COHEN, 1972).
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flexibilidade colocada pelo Novo Testamento que derroga a visão autoritária do Antigo
2018 para o Congresso Nacional, temos que esta elegeu candidatos em 25 dos 26
PRB, onde atua a Igreja Universal concentrou a maioria dos eleitos, com 22 deputados,
seguido do PSC com 7, do PSD também com 7, do PP com 6 do DEM com 6, (o que
líder da Frente Parlamentar Evangélica não se elegeu; assim como o conhecido senador
19
“Análise: Para ser coerente, a bancada evangélica precisa abandonar a defesa do Antigo Testamento.
Stefano Salles em Época, 03/10/2018. Disponível em: https://epoca.globo.com/analise-para-ser-coerente-
bancada-evangelica-precisa-abandonar-defesa-do-antigo-testamento-23124916. Acesso em: 11 fev. 2019.
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de suas confederações de igrejas foram as que mais elegeram parlamentares, 32, sendo
IURD com 19 deputados, em 3º as Igrejas Batistas com 12, dentre estes, Eduardo e
Hasselman (PSL-SP). Depois das três igrejas que concentram mais parlamentares,
Maranata com 2 deputados. Outras nove igrejas elegeram o restante dos parlamentares.
faziam em legislaturas anteriores, agora querem ser propositivos em termos de leis: “Ao
invés de segurar a pauta da esquerda (...) [ela] que trate de obstruir para segurar nossos
20
“Renovada, bancada evangélica chega com mais força no Congresso”. Congresso em foco. UOL, por
Luísa Marini e Ana Luíza de Carvalho, 17/10/2018. Disponível em:
https://congressoemfoco.uol.com.br/legislativo/renovada-bancada-evangelica-chega-com-mais-forca-no-
proximo-congresso/. Acesso em: 15 fev. 2019.
21
“Renovada, bancada evangélica chega com mais força no Congresso”. Congresso em foco. UOL, por
Luísa Marini e Ana Luíza de Carvalho, 17/10/2018. Disponível em:
https://congressoemfoco.uol.com.br/legislativo/renovada-bancada-evangelica-chega-com-mais-forca-no-
proximo-congresso/. Acesso em: 15 fev. 2019.
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filhos; projeto da “Escola sem partido”, legislação coibindo nas escolas conteúdos
“doutrinação de esquerda”.
Para tal, estão respaldados em uma base eleitoral avultada, atualmente, segundo
pesquisas, 66% dos evangélicos e 48% dos católicos apóiam campanhas pelo
Estado sobre a sexualidade, apóiam a transferência das crianças das escolas públicas
para creches confessionais com o ensino religioso e, por fim da luta contra o que
uma igreja pentecostal com os dedos em forma de arma, gesto político de Bolsonaro,
22
“‘Lobos devoradores’ e o cristofascismo no Brasil”. Magali Cunha, Carta Capital, 20/02/2018.
Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/blogs/dialogos-da-fe/201clobos-devoradores201d-e-o-
cristofascismo-no-brasil/. Acesso em: 11 fev. 2019.
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esse fenômeno articulando-o a uma reflexão que foi formulada na Europa nos 1970 pela
teóloga alemã Dorothee Sölle23. Esta cunhou o termo “cristofascismo” para caracterizar
as relações das igrejas cristãs luteranas na Alemanha dos anos 1930 com o III Reich de
Hitler. Esta afinidade do cristianismo alemão daquela época com o nazismo emergente
se deu pela aversão que estes cristãos tinham pela República democrático-laica de
Weimar, tida por eles como um “poder irreligioso” e pelo vislumbre da alternativa
Brasil atual, a adesão destes cristãos brasileiros ao projeto de uma supremacia branca e
controle dos seus corpos e por fim a acusação de “comunista” a projetos políticos que se
opõem ao seu, tudo isto permite, guardadas as distâncias históricas, esta comparação
diferenças.
atravessado, de novo, pela divisão entre os dois projetos e concepções do papel público
das religiões:
entregue pelo seu líder, o deputado Hizeku Takayama, acompanhado pelo Ministro da
Secretaria Geral da Presidência do governo Temer, Ronaldo Fonseca, “pela sua defesa
23
Idem.
146
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seguida, a IURD anuncia seu apoio a Bolsonaro, pelo Bispo Macedo e o entrevista na
Record no mesmo horário do debate dos candidatos na rede Globo26. Ana Paula
Batista da Lagoinha também manifesta seu apoio27. No que diz respeito aos católicos,
Bolsonaro visita o cardeal Orani Tempesta onde firma compromisso em cima de alguns
pontos: “o direito pleno à vida (...) combatendo toda lei e decisão a favor do aborto; “o
as mãos na cabeça do candidato fazem uma “oração em línguas”. Recebe ainda apoio do
24
“Bancada evangélica da Câmara oficializa apoio a Bolsonaro”. UOL, Estadão, por Constança Rezende,
04/10/2018. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-
estado/2018/10/04/bancada-evangelica-da-camara-oficializa-apoio-a-bolsonaro.htm. Acesso em: 16 fev.
2019.
25
“Presidente da CGADB visita Bolsonaro e declara apoio ao presidenciável, CAGDB, 14/10/2018.”
Disponível em: http://www.cgadb.org.br/2018a/index.php/home/features-2/noticias/presidente-da-cgadb-
visita-bolsonaro.html. Acesso em: 16 fev. 2019.
26
“Bispo Macedo declara apoio a Bolsonaro” Estadão, Política, por Felipe Frazão, 30/09/2018.
Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,edir-macedo-declara-apoio-a-
bolsonaro,70002526353. Acesso em: 16 fev. 2019.
27
“Após apoiar Bolsonaro, Ana Paula Valadão chorae revela que perdeu sucesso nas igrejas. TV em
Fóco, por Lucas Medeiros, 10/12/2018. Disponível em: https://www.otvfoco.com.br/apos-apoiar-
bolsonaro-ana-paula-valadao-chora-e-revela-que-perdeu-o-sucesso-nas-igrejas/. Acesso em: 16 fev. 2019
28
“Bolsonaro visita arcebispo do Rio e assina compromisso com valores conservadores. Isto É,
17/10/2018. Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/brasil/bolsonaro-visita-arcebispo-do-rio-e-
assina-compromisso-com-valores conservadores,b06fdae856628b16e5d178b76f9429c4p9bh2qja.html.
Acesso em: 16 fev. 2019
147
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29
“Os soldados de Cristo batem continência ao capitão (parte II) Segunda Opinião, por Emanuel de
Freitas, 06/10/2018”. Disponível em: https://segundaopiniao.jor.br/os-soldados-de-cristo-batem-
continencia-para-o-capitao-parte-ii-por-emanuel-freitas/. Acesso em: 16 fev. 2019.
30
“Na CNBB, Hadadd firma compromisso pró-vida e contra a violência. CUT, 11/10/2018. Disponível
em: https://www.cut.org.br/noticias/na-cnbb-haddad-firma-compromisso-pro-vida-e-contra-a-violencia-
0d95. Acesso em: 17 fev. 2019.
31
“Dom Andrietta, votar em quem? Em quem tem histórico a favor de trabalhadores, idosos, sem teto e
desempregados. Vio Mundo 04/10/2018”. Disponível em: https://www.viomundo.com.br/politica/dom-
andrietta-votar-em-quem-em-quem-tem-historico-em-favor-de-criancas-adolescentes-jovens-
trabalhadores-idosos-sem-teto-e-desempregados.html. Acesso em: 17 fev. 2019.
32
“Hadadd se reúne com evangélicos e recebe apoio para o segundo turno, Brasil de Fato, por Lú Sodré,
17/10/2018. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2018/10/17/haddad-se-reune-com-
evangelicos-e-recebe-apoio-para-o-segundo-turno/. Acesso em: 18 fev. 2019.
148
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sobre o papel que a religião deve ter no espaço público. No caso da Frente Parlamentar
prevalecendo a idéia da supremacia cristã. Por outro lado setores também consideráveis
da Igreja Católica, da CNBB, das Pastorais, alguns sem manifestar um apoio explícito a
minoritários que deram seu apoio explícito a candidatura Hadadd, defendem uma
eleitoral da coligação de direita que apoiou Bolsonaro, se consolida no poder uma visão
das garantias que o Estado (laico) deve assegurar à liberdade religiosa (principalmente
políticas públicas e sociais, as normas jurídicas, emanadas dos poderes conferidos pela
soberania popular, ainda que incorporando valores religiosos com o mesmo status de
pedagógicas, sanitárias, etc. Neste sentido, como já havia sugerido o filósofo Jurgens
Habermas, os valores éticos, morais religiosos podem ser apropriados na cultura política
149
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e instituições democráticas, mas, desde que passem por um processo de tradução de seu
discurso religioso para o idioma secular, instrumento das deliberações formais nos
Estado, onde a cidadania, e não a religião deve ser o critério do bem comum. Disse ele:
“Deus acima de tudo. Não tem essa historinha de Estado laico não! O Estado é cristão e
a minoria que for contra, que se mude. As minorias têm que se curvar às maiorias”33.
CONCLUSÃO
próceres da campanha de Bolsonaro, na casa do candidato vitorioso, logo após ter sido
segmento religioso nas políticas públicas que seriam aplicadas pelo executivo.
33
“Sem essa de Estado Laico, somos um Estado Cristão”, afirma Bolsonaro. GospelPrime, 10/02/2017.
Disponível em: https://www.gospelprime.com.br/sem-estado-laico-somos-cristao-jair-bolsonaro/. Acesso
em: 20 fev. 2019.
34
O candidato do PSL o ex capitão do Exército Jair Bolsonaro venceu as eleições com 57.797,847 votos,
55,13% dos votos válidos contra 47.040.906, 44,87% dos votos dados ao professor universitário
Fernando Hadadd do PT. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/poder/eleicoes/2018/apuracao/2turno/brasil/. Sobre a repercussão da
oração de Magno Malta no primeiro pronunciamento de Bolsonaro depois de eleito. Disponível em:
https://www.gazetaonline.com.br/noticias/politica/eleicoes_2018/2018/10/em-discurso-bolsonaro-da-a-
palavra-a-magno-malta-que-faz-oracao-1014153897.html. Acesso em: 20 fev. 2019.
150
Estudos de Sociologia, Recife, 2019, Vol. 2 n. 25
para ocupar um ministério importante, mas relegado ao ostracismo que o fez abandonar
a vida pública, ainda que com os protestos dos seus pares evangélicos35, foi sintomático
da Lagoinha, Damares Alves foi nomeada Ministra dos Direitos Humanos. Do mesmo
modo, suas escolhas para compor as secretarias deste Ministério revelam a intenção
deste passar a ser um nicho de ações religiosas conservadoras para os segmentos sociais
igreja evangélica e não a política que vai mudar a nação”37; ou que a igreja evangélica
35
Depois de reiterados anúncios de que o ex-senador evangélico Magno Malta, aliado de primeira hora do
candidato Bolsonaro junto ao segmento evangélico, iria compor um Ministério do governo Bolsonaro, ele
não foi chamado e se retirou ressentido da política. Disponível em:
https://oglobo.globo.com/brasil/minha-vida-nao-depende-de-bolsonaro-diz-magno-malta-sobre-cargo-no-
governo-23282441. Lideranças evangélicas representadas pelo pastor Silas Malafaia criticaram o
esquecimento do nome do ex senador dizendo que foi imerecido pela dedicação deste a campanha e ao
projeto presidencial de Bolsonaro: “Malta, perdeu a eleição porque se dedicou a campanha de
Bolsonaro”. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/minha-vida-nao-depende-de-bolsonaro-diz-
magno-malta-sobre-cargo-no-governo-23282441. Acesso em: 20 fev. 2019
36
A Ministra Damares nomeou para as Secretarias que compõe o Ministério, pessoas de extração
religiosa conservadora, na maioria evangélica, mas também católica: para a Secretaria de Proteção Global
que cuida das políticas de combate ao trabalho escravo e as demandas dos LGBTs, foi nomeado o
procurador da fazenda e pastor da Igreja Batista da Lagoinha (mesma Igreja da ministra) Sérgio Augusto
de Queiroz; para a Secretaria da Mulher, a deputada Tia Heron da neopentecostal Igreja Universal, depois
anota-se o registro de outra nomeação, a de Sônia Winter, ex-feminista e atualmente católica do
movimento “Escola Sem Partido” ; para a Secretaria da Juventude, a jovem vereadora de Santa Catarina,
Jayana Nicaretta Silva, católica e também ligada ao movimento da “Escola sem Partido”; para a
Secretaria de Promoção da Igualdade Social, Sandra Terena, índia de confissão evangélica que
protagonizou a infundada denúncia sobre prática de infanticídio nas aldeias do Alto Xingu; para a
Secretaria da Família, Ângela Gandra, representante da União dos Juristas Católicos e filha do jurista
Yves Gandra, católico conservador ligado a Opus Dei. Disponível em:
https://oglobo.globo.com/sociedade/conservadores-religiosos-vao-comandar-politicas-de-direitos-
humanos-23347701;https://www.poder360.com.br/governo/damares-nomeara-ex-feminista-em-cargo-no-
ministerio-dos-direitos-humanos/. Acesso em: 20 fev. 2019.
37
Disponível em: http://m.leiaja.com/politica/2018/12/07/futura-ministra-coleciona-declaracoes-
polemicas/. Acesso em: 20 fev. 2019.
151
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perdeu espaço quando deixou a teoria da evolução entrar nas escolas”38, no que tange a
função precípua do cargo que ocupa. Outro desconforto para os evangélicos diante do
de três nomes para o cargo de Ministro da Cidadania, o que foi feito, e, no entanto, o
Osmar Terra39.
religiosos de ocupação do espaço público - que tem seu maior cacife no seu bloco
parlamentar na Câmara Federal - podem ser contidos pela principalidade que os projetos
38
Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2019/01/09/ministra-damares-se-envolve-
em-nova-polemica-a-teoria-da-evolucao.ghtml. Acesso em: 20 fev. 2019
39
Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/indicacao-de-osmar-terra-e-da-cota-dele-bolsonaro-
diz-presidente-de-frente-evangelica,e032b547872b9d62244f50075d9b8af86g6ltpfs.htm, Acesso em: 28
fev. 2019 l
152
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Também não quero dizer com isto, que a bancada evangélica desconsideraria uma
“pauta econômica”, de cunho liberal, nem que seu projeto “moral” não possa se
que o projeto do Partido Social Cristão, que abriga representantes de diversas igrejas
evangélico às eleições de 2014, o Pastor Everaldo deste partido, “fez o discurso que
moralidade pública” (ALMEIDA, 2017, p. 14). Mas o que desejo frisar, é que na
religioso, que afora seus nichos secundários, não consegue imprimir um conteúdo
Mourão, que expressa o ponto de vista militar – setor de presença crucial no atual
embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para a cidade de Jerusalém, por questões de
para quem esta proposta de cunho político profético religioso, era um compromisso de
40
Disponível em: https://www.revistaforum.com.br/maia-fara-avancar-pauta-economica-mas-nao-
agenda-moral-apostam-especialistas/. Acesso em: 28 fev. 2019.
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Humanos sobre a Teoria da Evolução, afirmou que “não se deve misturar ciência com
religião”43.
Convenções Batistas, etc. – não repercutiram tanto em seu favor, nos postos chaves e
nas políticas até agora enunciadas pelo governo empossado. Tudo isto, a despeito destes
41
Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,desenvoltura-de-mourao-desperta-a-ira-
de-evangelicos,70002714747. Acesso em: 28 fev. 2019.
42
Disponível em: https://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2019-02-01/mourao-aborto.html. Acesso em:
28 fev. 2019.
43
Disponível em: https://www.metropoles.com/brasil/ciencia-e-tecnologia-br/marcos-pontes-sobre-
damares-nao-se-deve-misturar-ciencia-e-religiao. Acesso em: 28 fev. 2019
44
Em eleições anteriores os evangélicos e católicos cindiram-se entre candidatos presidenciais, como
naquela de 2010 quando importantes expressões do meio evangélico apoiaram a candidatura Dilma
Roussef do PT, como Manoel Ferreira presidente da Convenção Nacional das Assembléias de Deus e
deputado federal (PP/RJ), o bispo e Senador Marcelo Crivella da IURD (PRB/RJ), o senador Magno
Malta (PR/ES), o deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ) e Robson Rodovalho da igreja Sara Nossa Terra
(PP/DF) além do católico Gabriel Chalita candidato ao governo de SP pelo PMDB. Apoiaram a
candidatura José Serra do PSDB, o pastor Silas Malafaia da Assembléia de Deus Vitória em Cristo, o
pastor Paschoal Piragine da Igreja Batista em Curitiba, os bispos católicos D. Aldo Pagotto arcebispo da
Paraíba, D. Luiz Gonzaga Bergonzini, bispo de Guarulhos, bispos da Regional Sul da CNBB, o padre
José Augusto da TV Canção Nova (MARIANO; ORO, 2009, p. 11-38)
154
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senadores.
Interessante notar que no estudo de Dias Silva e Barbosa, para o caso dos EUA,
autores frisam que a despeito dos evangélicos terem sido força decisiva na eleição do
pauta moral exigida por eles. Isto se deu porque a orientação governamental privilegiou
uma pauta econômica neo-liberal e as negociações geopolíticas com a URSS (Silva &
Barbosa, 2019:202-204)45, com extrema semelhança com o que vemos se desenhar aqui,
considerável dificuldade.
45
“Com sua notória habilidade, e falando fluentemente a linguagem do evangelicalismo, Ronald Reagan
conquistou a maioria dos votos evangélicos americanos, sendo com isso impulsionado à vitória nas
eleições presidenciais de 1980, ao apresentar uma agenda de campanha que parecia representar todas as
posições políticas e anseios morais e espirituais dos fundamentalistas protestantes. No entanto, apesar de
ter-se comprometido pessoalmente em representar a causa conservadora e fazer os valores políticos e
morais dos evangélicos serem ouvidos e melhor compreendidos em todo país, após eleito, e em seus dois
mandatos (1981-1989), Reagan, “o ungido dos tradicionalistas”, frustrou as expectativas sobejamente
otimistas deste grupo de eleitores. A realidade é que, pelo fato da ênfase principal do governo do
presidente americano ter sido a economia nacional e a relação com a (hoje extinta) União Soviética,
Reagan acabou por negligenciar os temas considerados como prioridade pelos evangélicos
fundamentalistas, frustrando, assim, a liderança destes conservadores sociais religiosos” (SILVA;
BARBOSA, 2019, p. 191, 192, 196, 197, 202-204).
155
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Não obstante, temos que levar em conta a virada conservadora (BURITY, 2018;
ALMEIDA, 2017) que se assiste na sociedade brasileira, de uma forma explícita desde
sem dúvida dará respaldo a esses projetos, se chamado for a se pronunciar. Da mesma
forma, como procurei demonstrar acima, este bloco político religioso, a cada legislatura
vem ganhando em expertise e capacidade de operar com êxito os meandros dos códigos
pública. O que se dará com a devida reação dos setores ditos laicos de diversas
(MARIANO, 2011) e dos demais segmentos religiosos ditos “esclarecidos” que aceitam
Safatle (2018), este foi um entrevero postergado, ou não suficientemente travado, que
agora assume dimensões de embate inadiável, para uma definição dos rumos da
sociedade brasileira.
46
No que tange a uma tipologia das forças religiosas no espaço público, Burity (2018) formulou um
esquema de “três ‘modelos’ de ocupação do espaço público ao longo das últimas três décadas” (p. 34).
Para meu argumento neste texto, acerca dos embates sobre concepções morais e sociais entre/dentro (d)as
forças religiosas – que aparecem neste texto no trecho onde menciono a repartição das religiões entre as
candidaturas de Bolsonaro e Hadadd e agora nesta conclusão – identifico e destaco os dois primeiros
“tipos” do “modelo” de Burity, a “via político-eleitoral pentecostal” e a “incidência pública ecumênico-
ativista. O primeiro tipo, associo à bancada evangélica e o segundo, às forças religiosas que aceitam a
laicidade do Estado e a secularização da sociedade. Burity aponta também, no cenário atual, uma “clara
prevalência da via político eleitoral [pentecostal] em detrimento das outras duas” (BURITY, 2018, p. 35).
156
Estudos de Sociologia, Recife, 2019, Vol. 2 n. 25
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ABSTRACT
This text aims to examine the inescapable presence of religion in society, in the
Brazilian State and in the public space. From a historical and sociological perspective, it
argues that despite the separation of Church and State in the constitutional formation of
the Republic in 1891, religion never ceased to have presence and influence in the public
space in the country. It examines the strategies by which expressive currents of
Christian (Evangelical-Pentecostal and traditionalist Catholic) churches have occupied
politics and parliament forming their benches and fronts to establish a legal normativity
through which values of their religious dogmatics are embedded and converted into
projects that will govern public policy. It is what is conceptualized as a
"confessionalization of politics" or an "advertising of religion". Finally, it is sought to
analyze “in the heat of the moment" the influence of these conservative Christian
religious forces on proportionality in the National Congress elected in 2018, their
preferences for presidential candidates, their interference in the final result of the
election with the election of a conservative government and the prospects that this
religious interference in government and in Congress will bring to the Democratic State
of Law in the country
KEY WORDS
Religion; Politics; Public space; Christianity; Elections 2018.
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