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Desenvolvimento Histórico da Refrigeração - Uma breve visão geral.

João M.D. Pimenta

RESUMO
No presente artigo apresentamos uma breve visão geral do desenvolvimento da refrigeração
desde a antiguidade até os dias atuais. Uma linha divisória é colocada na exposição do assunto
a qual reflete o surgimento da refrigeração mecânica que marca o fim de séculos de
dependência humana do clima, representada pelo uso do gelo natural. O artigo relata a evolução
dos fluidos refrigerantes que se seguiu após a invenção do refrigerador e que ainda se encontra
em curso. Finalmente são mencionados alguns dos principais avanços tecnológico relativos aos
componentes principais e controle do ciclo de refrigeração os quais serão tema de um outro
artigo complementar desta visão histórica, a ser publicado.
Palavras-chave: Refrigeração, História, Refrigerantes, Tecnologia

ABSTRACT
In this article we present a brief overview of the development of refrigeration from antiquity to
the present day. A dividing line is placed in the exposition of the subject, which reflects the
emergence of mechanical refrigeration that marks the end of centuries of human dependence
on the climate, represented by the use of natural ice. The article reports the evolution of
refrigerants that followed after the invention of the refrigerator, and which is still ongoing.
Finally, some of the main technological advances related to the main components and control
of the refrigeration cycle are mentioned, which will be the subject of another complementary
article of this historical vision, to be published.
Keywords: Refrigeration, History, Refrigerants, Technology

INTRODUÇÃO

A importância que a refrigeração tem no mundo moderno não é percebido pela maioria das
pessoas, mas pode ser vislumbrada quando se reflete sobre “como seria viver em um mundo
sem refrigeração”. A maioria dos seres humanos vivos hoje já nasceu desfrutando dos
benefícios trazido pelos ciclos de refrigeração nas suas diferentes aplicações, a começar pela
pelo refrigerador doméstico. Contudo, nem sempre foi assim e as pessoas mais idosas entre nós
poderão testemunhar isso, já que em sua juventude, 70 anos atrás, as condições eram bem
diferentes.

Viver em um mundo sem refrigeração implica em não desfrutar de coisas tais como ar-
condicionado, sorvete e cerveja gelada, intimamente ligadas com o bem-estar, importantes para
nossa qualidade de vida. Em um mundo sem refrigeração seria necessário ir às compras
diariamente em busca de carnes, frutas, verduras etc. já que a possibilidade de preservar esses
alimentos em um refrigerador seriam limitadas. Mas além dos benefícios citados, podemos
ainda considerar que um mundo sem refrigeração seria um mundo sem computadores, vacinas,
viagens espaciais, internet, redes sociais etc, já que tais avanços, essenciais no mundo atual, só
foram possíveis graças ao desenvolvimento da refrigeração.

Pode-se então perceber que a refrigeração é de fato um avanço tecnológico de grande impacto
e importância para a humanidade, como revelado por 2 pesquisas que colocaram a refrigeração
e o ar-condicionado lado a lado com o automóvel, o avião, o telefone e outras grandes
realizações do século XX (ASME 2010, NAE, 2023)
A refrigeração como a conhecemos hoje é resultado de quase 200 anos de evolução, com
inovações tecnológicas introduzidas num processo que continua atualmente. A seguir
apresentamos uma breve descrição dessa evolução, destacando os feitos mais marcantes.

A ERA DO GELO

Antes do advento da refrigeração como a conhecemos hoje, havia uma dependência de meios
naturais para a produção de frio, principalmente pelo uso do gelo transportado de regiões frias
e armazenamento para uso no verão. Por séculos processos de resfriamento dependiam do uso
de gelo natural, havendo registros datados de 1100 AC na China relatando a extração de gelo,
armazenamento e uso. No Egito antigo, vasos de argila com água eram semienterrados e
deixados ao frio da noite conseguindo se resfriar a água a baixas temperaturas e, sob condições
especiais, algum gelo era produzido. Um pouco mais tarde hebreus, gregos e romanos também
faziam uso de do armazenamento de grandes volumes de gelo e neve cobertos por material
isolante, para uso posterior em períodos de clima mais quente. Já na idade média, por volta de
1600, nas cortes de países como Itália Espanha e França, adotava-se um processo em que
garrafas com uma solução de água e salitre em seu interior eram rotacionadas mantendo uma
reação endotérmica que permitia atingir temperaturas sub 0°C.

Conforme as civilizações evoluíam havia uma demanda crescente por refrigeração o que fez
surgir um grande setor industrial a partir do século 17, especializado em explorar
comercialmente o gelo natural em grandes quantidades, disponibilizadas a longas distâncias
(Fig. 1). Nomes importantes na evolução desse mercado foram Frederick Tudor, conhecido
então como “the ice king of the world” e Nathaniel Wyeth os quais percebendo o potencial do
gelo natural como o negócio se dedicaram ao desenvolvimento desse mercado revolucionando
a indústria na primeira metade do século 17. Tudor, enfocou principalmente o transporte
marítimo do gelo para países de clima tropical e desenvolveu técnicas de isolamento térmico e
construção que diminuíram as perdas no transporte de grandes volumes de gelo de 66 para 8%,
viabilizando de forma significativa com o negócio. Por sua vez, Wyeth desenvolveu métodos
para o corte, transporte e distribuição ágil e econômica de blocos uniformes de gelo.

Figura 1. Gravura de 1852 ilustrando a extração de blocos de gelo na região de Massachusetts durante o
século 19.i
A medida que a oferta de gelo aumentava mais companhias entraram nesse mercado os preços
caíram e a refrigeração por meio do gelo natural se tornou cada vez mais acessível à população.
O crescimento do setor foi grande nos Estados Unidos onde, de apenas 35 usinas de gelo em
1879 passaram a existir cerca de 2000 apenas 2 décadas depois, em 1909. Ao mesmo tempo o
gelo natural crescia em importância na balança comercial com grandes volumes exportados em
navios para países tropicais distantes. Em 1854 por exemplo registrou-se um total de 154.000
toneladas de gelo natural exportadas, apenas a partir do Porto de Boston.

No Brasil, lamentavelmente, não dispomos de registros históricos acessíveis sobre o uso do gelo
natural. Podemos relatar um único episódio referente ao desembarque de 160 toneladas de
gelo, trazidas dos Estados Unidos pelo navio Madagascar em 1834 (Pimenta, 2022). Nas
primeiras décadas do século XX, era comum nas cidades brasileiras a figura do “geleiro” (Fig. 2,
outra das muitas profissões de antigamente que desapareceram) que transportava em sua
carroça ou caminhão barras de gelo natural embrulhadas em sacos de aniagem, que eram
deixadas nas portas da residências. O comercio de barras de gelo no Brasil persistiu mesmo após
a introdução da refrigeração mecânica, sendo agora barras de gelo artificial (este autor
testemunhou tal atividade ainda nos anos 70, no Rio de Janeiro).

Figura 2. Vendedor de gelo em 1902, Belém/PA (Ibamendes, 2017)ii

A exploração industrial do gelo natural alterou a vida das pessoas e as relações comerciais
permitindo um maior crescimento das grandes cidades onde o acesso ao gelo natural facilitava
a distribuição de alimentos e algumas aplicações de resfriamento do ar em ambientes e câmaras
frias.

O gelo trazido em grandes quantidades de região distantes chegava na periferia dos centros
urbanos onde era armazenado em “ice houses” de grandes dimensões (Fig. 3a). Em seguida
carregamentos menores eram distribuídos aos consumidores nessas cidades sendo
armazenados em “ice houses” de menor capacidade (Fig. 3b).

No interior das residências e estabelecimentos estavam disponíveis “Ice boxes” (Fig. 3c), que
nada mais eram do que armários de madeira (carvalho, pinho, etc.) com paredes duplas,
revestidas com ardósia, porcelana, metal galvanizado, etc. e usando como isolante térmico
materiais tais como cortiça, carvão, serragem, algas marinhas, etc. Os blocos de gelo retirados
das “ice housea” eram mantidos no interior dessas “ice boxes” permitindo manter em seu
interior temperaturas na faixa de 5 °C, suficientes portanto para a preservação de alimentos é
outros itens, sendo necessário, evidentemente, repor periodicamente o bloco de gelo que se
fundindo lentamente no interior da “ice box”.

(a)iii (b)iv

(c)v

Figura 3. Detalhe da construção e interior de uma ice-house típica (a), uma ice house residencial datada
de 1827 em Brooklands Park, Greenwich, UK, fotografada em 1939, e uma antiga ilustração de uma ice
box típica observando-se o uso de um bloco de gelo natural com o armazenamento de itens sensíveis
como carne leite e manteiga.

O comércio eu uso do gelo natural persistiu mesmo após o advento da refrigeração mecânica,
por muitos anos ponto. consta que a Inglaterra, por exemplo, só cessou a importação de gelo
natural da Noruega por volta de 1930. Ainda mais tardiamente, em 1994, consta que a sede do
parlamento húngaro fazia uso de blocos de gelo em seu sistema de climatização projetado antes
da existência de refrigeradores.
O SURGIMENTO DA REFRIGERAÇÃO MECÂNICA

Apesar de todo avanço técnico e logístico alcançado na exploração comercial do gelo natural,
este atingiu seu limite sendo incapaz de atender a demanda crescente pelo produto e assim
limitando o crescimento econômico. Tal barreira só pode ser superada posteriormente, graças
a produção de blocos de gelo artificialmente por uma máquina operando como um refrigerador,
capaz de atingir temperaturas sub 0°C e assim congelar a água. A concretização de tal máquina,
contudo, não foi algo evidente e constituiu um grande desafio para a engenharia.

Podemos considerar que o surgimento da refrigeração mecânica tem seu embrião no


experimento realizado pelo Prof. William Cullen (1710-1790), em 1756, na Universidade de
Edimburgo (Fig. 4a). Neste experimento, Cullen realizou em laboratório a evaporação do éter
contido no interior de um recipiente mantido em pressão negativa (menor que a atmosférica)
graças à uma bomba manual de vácuo externa, atingindo baixas temperaturas graças ao calor
latente envolvido na vaporização de um fluido volátil, neste caso o éter (Fig. 4b). A importância
de tal experimento não deve passar despercebida já que na verdade trata-se de um experimento
pioneiro demonstrando o concito fundamental que rege o funcionamento da esmagadora
maioria dos sistemas de refrigeração modernos, i.e., a transferência de calor a temperaturas
menores que do ambiente pela transferência de calor latente de um fluido com características
adequadas.

(a)vi (b)vii

Figura 4. William Cullen (a) e seu experimento de laboratório de evaporação do ether em pressão
negstiva (b), demonstrando o conceito chave no qual se baseariam os futuros refrigeradores.

Quase um século depois, em 1834, Jacob Perkins (Fig. 5b) depositou a patente britânica num.
6662 na qual descrevia um ciclo de refrigeração no qual um fluido volátil (éter) era submetido
aos 4 processos básicos que compõem o ciclo de refrigeração por compressão a vapor tal qual
usado atualmente (compressão, condensação, expansão e evaporação). Tal patente
representou um marco no desenvolvimento tecnológico e pode ser considerada a primeira
descrição técnica de um aparato capaz de operar de forma cíclica como um sistema de
refrigeração tal como o conhecemos hoje. De fato, consta que Perkins teria contado com a
colaboração de Oliver Evans (1755-1819, Fig. 5a) o qual décadas antes, em 1805, havia descrito
o conceito patenteado por Perkins (ASME, 2020). Logo refrigeradores começaram a ser
construidos de acordo com a patente de Perkins (Fig. 5c).
(a)viii (b)ix

(c)x
Figura 5. O primeiro refrigerador: a) Oliver Evans, b) Jacob Perkins e c) ilustração do artigo "One of the
First Ice Machines" publicado na revista Scientific American em 20 Jan. 1883 com uma máquina para
fabricação de gelo baseada na patente de Perkins

Anos depois, o escocês James Harrison implementou com sucesso um equipamento real de
refrigeração por compressão a vapor, similar ao proposto por Perkins depositando em 1856 e
1857 as patentes britânicas de número 747 e 2362, respectivamente. Poucos anos depois, na
exibição Internacional de Londres realizada em 1862 o refrigerador construído o Harrison foi
exposto ao público.

Um outro nome importante no desenvolvimento dos refrigeradores, foi John Gorrie (1803-1855)
um médico na Flórida que mesmo não tendo formação na área tecnológica, patenteou em 1851
uma máquina para a fabricação de gelo baseada no uso de um ciclo a ar. A motivação de Gorrie
para o desenvolvimento e registro dessa patente era nobre: pretendia curar seus pacientes
afetados pela malária pois acreditava que a doença fosse causada pelo clima quente e úmido da
região (não se sabia na época que o mosquito era responsável pela doença). Assim Gorrie
projetou uma máquina de refrigeração operando um ciclo a ar pensando na produção de gelo
artificial para assim climatizar as enfermarias dos hospitais, curando seus pacientes. Tristemente
Gorrie foi vítima de uma sórdida campanha o ridicularizando, movida pelas grandes empresas
que exploravam o gelo natural, às quais obviamente não interessava ver prosperar uma solução
capaz produzir gelo artificial. Tais empresas financiaram os jornais da época que publicaram
matérias difamatórias ridicularizando a ideia proposta por Gorrie que ao que consta morreu
pobre e amargurado.
A REFRIGERAÇÃO POR ABSORÇÃO

Além de todo o esforço no desenvolvimento de um ciclo de refrigeração por compressão a


vapor, havia em paralelo uma outra iniciativa que buscava desenvolver um ciclo de refrigeração
baseado, não na compressão, mas sim no processo de geração e absorção de vapor refrigerante.
Não aprofundaremos aqui os desenvolvimentos referentes a tais ciclos nos limitando a citar o
trabalho de Ferdinand Carré (Fig. 6a) inventor francês que em 1859 patenteou tal tipo de
sistema usando opar água amônia. Os primeiros refrigeradores por absorção foram então
contruidos na década de 1870 (Fig. 6b).

(a)xi (b)xii

Figura 6. Ferdinand Carré (a) e ilustração (b) de um aparato para fabricação de gelo, baseado na patente
de Carré, publicada no livro "Água", de Gaston Tissandier 4 ª Edição (1878).

Já na década de 1880, os sistemas de absorção de amônia propostos por Carré operavam no sul
do Texas, para fabricar 453 kg de gelo por dia, usando o calor da queima de lenha no gerador da
máquina. O sistema clássico de absorção usando o par água-amônia foi refinado nas décadas de
1930 e 1940 conseguindo-se dissociar a água da amônia no gerador obtendo-se um fluxo de
amônia quase pura. Nessa época, a maioria desses sistemas foi instalada em plantas
petroquímicas ou de gás (Briley, 2004)

Mais recentemente, ao final do século XX, o interesse pelas máquinas de refrigeração por
absorção voltou a crescer e inúmeras instalações foram implantadas usando chillers por
absorção, motivadas pelo incremento da oferta de gás natural na matriz energética mundial. Em
particular, projetos de cogeração foram executados em grande número, para geração
simultânea de energia elétrica em ciclos de turbinas a gás, a vapor ou usando motores de
combustão interna. Nestes o calor rejeitado no ciclo de geração de potência era utilizado para
produzir vapor/água quente, mas também água gelada graças ao uso de chiller por absorção de
queima indireta.

A BUSCA DE UM FLUIDO REFRIGERANTE ADEQUADO

Como o desenvolvimento dos primeiros refrigerador baseados no ciclo de refrigeração por


compressão, seguiu-se um intenso desenvolvimento tecnológico cuja principal frente referia-se
à experimentação com diferentes fluidos, em busca de um fluido refrigerante adequado. A Fig.
7 apresenta uma linha do tempo descrevendo tal evolução desde 1834 quando Perkins
depositou a primeira patente de um ciclo de refrigeração por compressão.

1ª Geração (1830s-1930s) 2ª Geração (1930s-1990s) 3ª Geração (1990s ...)


O que funcionasse Segurança e Durabilidade Proteção Ambiental
Ethyl Alcohol Chymogene Water vapour
NH3-H2O
H2O-H2SO4 NH3, R718 CFCs, CO2, NH3, HC’s,
SO2 Methyl
Ethyl
Ether
Methyl
CO2 Cloride
R40
HCFCs,
HFCs, Blends
HCFCs, HFCs,
HFOs...
?
Ether Methylene
Caoutchoucine Cloride R600a, R290
R30 1900 2000
1850 1950

1834 1920’s 1929 1974 1984 1987 1997 2016


Jacob Perkins 1° Compressor Thomas Midgely Jr. et al. Rowland e Molina Descoberta do Protocolo de Protocolo Emenda de
1ª Patente de um Hermetico Desenvolvimento Artigo sobre CFC buraco na camada Montreal de Kyoto Kigali
ciclo de dos CFC’s e Camada de de ozônio, no polo
refrigeração Ozônio sul.

Figura 7. Linha do tempo representativa da evolução dos fluidos refrigerantes e outros eventos
relevantes.

O primeiro século da indústria de refrigeração (1830-1930 aprox.) é marcado pelo uso de grande
número de substâncias, investigadas quanto ao seu potencial de uso, marcando uma primeira
geração de fluidos refrigerantes. Nesse período, pela falta de um setor industrial capaz de
produzir fluidos sintéticos mais elaborados, usavam-se essencialmente fluidos naturais.

Gradativamente a refrigeração mecânica tornou-se mais disseminada e nas primeiras décadas


do século XX já se encontrava bem estabelecida no setor industrial, mas era ainda incipiente no
setor comercial e praticamente inexistente no setor residencial. Havia de fato dificuldades
técnicas e operacionais bastante limitantes devido às características dos refrigerantes naturais
então em uso que eram tóxicos e/ou inflamáveis, tendo ocorrido graves acidentes (alguns fatais)
devido a vazamentos, principalmente no setor residencial.

Nesse período de disseminação da refrigeração vazamentos eram frequentes devido,


sobretudo, à tecnologia construtiva precária usada. Os compressores eram então do tipo aberto
acionados por correia e usavam prensas gaxeta com baixa capacidade de vedação. Uma medida
inicial para corrigir esse problema consistiu em melhoramentos na vedação e posteriormente
na adoção de selos mecânicos, permitindo reduzir significativamente os vazamentos. Com isso
os primeiros refrigeradores domésticos começaram a aparecer nas residências ainda
modestamente pois em 1921 foram registrados apenas 5000 refrigeradores fabricados nos
Estados Unidos, um número muito reduzido, mesmo para essa época.

Apesar dos melhoramentos na vedação, os vazamentos ainda ocorriam e eram uma grande
barreira ao avanço comercial da refrigeração. Para que houvesse uma maior aceitação do
público consumidor, sobretudo no setor doméstico, os refrigeradores deveriam se tornar mais
baratos, seguros, confiáveis e livres de manutenção. Dois desenvolvimentos foram
determinantes para tal: i) os sistemas completamente herméticos, e; ii) novos fluidos
refrigerantes.
Os esforços na busca por fluidos refrigerantes sintéticos seguros e de uso eficientes do ponto de
vista termodinâmico foram iniciados ainda no final do século XIX quando o primeiro CFC foi
sintetizado em 1890 por Frederick Swartz, um químico professor na universidade de Gent na
Bélgica. Contudo apenas bem mais tarde, em 1928, a síntese do CFC12 foi aprimorada e sua
aplicabilidade como fluido refrigerante não inflamável não tóxico e termicamente eficiente foi
comprovada graças ao trabalho de uma equipe de pesquisa na GM equipe essa formada por
Charles Kettering e chefiada por Thomas Midgley Jr (Fig. 8). O sucesso desse trabalho foi tal que
em pouquíssimo tempo (1931) a produção comercial dos CFCs teve início, rapidamente
ganhando o mercado nas aplicações residenciais. Logo em seguida vários refrigerantes tornaram
se populares além do R12 tais como R11, R113, R114 e R22 (este um HCFC). Em 1963 seu uso já
representava 98% da produção industrial no setor.

Figura 8. Thomas Midgley Jr. e Charles F. Kettering, que lideraram o desenvolvimento que tornou os CFCs
uma alternativa comercial, revolucionando o setro de refrigeração.

O desenvolvimento dos fluidos sintéticos representou uma revolução, tornando possível que
aparelhos de refrigeração e ar-condicionado fossem produzidos em instalados aos milhões no
mundo inteiro.

A questão ambiental

O sucesso na aplicação dos fluidos sintéticos marcou uma segunda geração após os fluidos
naturais caracterizada como uma solução perfeita de segurança durabilidade e desempenho
que perdurou bom quase por mais de meio século, até a década de 90.

Nos anos 70 contudo, pesquisadores importantes começaram a discutir a degradação da


camada de ozônio. Em 1973, James Lovelock detectou a presença de CFCs na atmosfera. Um
ano depois, Sherwood e Molina alertaram para a destruição do ozônio atmosférico causada
pelos CFCs comprovando cientificamente uma relação de causa-efeito na qual os CFCs utilizados
pela indústria de refrigeração eram um dos grandes responsáveis pela destruição da camada de
ozônio.

As reações a esse grave problema não tardaram a acontecer. Já em 1977 ocorreu o primeiro
encontro Internacional promovido pela ONU/UNEP, dedicado à discussão da preservação da
camada de ozônio. De imediato, já em 1978, o uso não essencial de CFCs em propelentes e
aerossóis foi banido nos Estados Unidos. Anos mais tarde, em 1984, pesquisadores da estação
britânica na Antártica detectaram a existência de um “buraco na camada de ozônio”, publicando
tal descoberta em um artigo na revista Nature em maio de 1985.
Os sucessivos fatos relacionados a camada de ozônio levaram em assinado em 16/09/1987 à
assinatura do Protocolo de Montreal que entrou em vigor em 01/01/1989 implementando ações
relevantes em prol da preservação do ozônio na atmosfera. Essencialmente limitações a
produção e uso dos CFCs entre outros fluidos foram impostas, segundo um plano de eliminação
de seu uso (phase-out) que teve e continua tendo revisões sucessivas, a última delas em 2016
na cidade de Kigali.

face as limitações impostas no uso de gases refrigerantes contendo cloro em sua composição
(CFCs, HCFC) a indústria mundial disponibilizou alternativas de gases sintéticos, compatíveis com
a preservação da camada de ozônio. Alguns desses gases alternativos isentos de cloro já estavam
disponíveis, tais como o R134a e cresceram rapidamente em importância. Com isso a solução
do impacto ambiental relativo à destruição da camada de ozônio estava parecia estar em vias
de se resolver, percepção esta que não perdurou por muito tempo.

Aquecimento Global

No início da década de 1990 o aquecimento global começou a ser discutido com maior ênfase
apontando-se entre outros os fluidos refrigerantes sintéticos como gases de efeito estufam
responsáveis por uma parcela significativa das emissões totais equivalentes de CO2. Neste caso,
além das emissões na geração de energia usada pelos sistemas de refrigeração, vários fluidos
refrigerantes, por si só, amplificavam o aquecimento com potencial milhares de vezes superior
ao CO2, quando liberados na atmosfera devido a vazamentos e outras operações de carga,
descarga e descarte.

Embora para o grande público o aquecimento global devido as emissões de gases de efeito
estufa resultantes da atividade humana seja visto como algo recente, na comunidade científica
esse era um problema conhecido de longa data. Ainda no século 19, em 1750, Svante Arrhenius
já alertava para o fato de que o CO2 proveniente da queima de carvão e óleo intensa causada
pela Revolução Industrial poderia contribuir para o aquecimento do planeta.

Os primeiros e mais antigos registros da concentração de CO2 na atmosfera forneciam valores


de aproximadamente 280 PPM. Em 1955 o cientista americano Charles Keeling relatou um valor
de 315 ppm. Hoje, segundo medições recentes pelo NOAA a média global encontra-se por volta
de 415 PPM. Esse aumento contínuo e regular da concentração de CO2 na atmosfera é um fato
bem constatado e atribuído às atividades humanas que emitem gases de efeito estufa na
atmosfera. Face a perspectiva de um aquecimento global e suas consequências, a comunidade
científica se mobilizou definido medidas necessárias.

Com a realização da Conferência Rio 92 foi criada a UNFCCC que definiu como objetivo a
estabilização das emissões de CO2 aos níveis de 1990 por volta do ano 2000 (o que não foi
cumprido). Seguiu-se o Protocolo de Kyoto em 1997 propondo reduzir as emissões de gases de
efeito estufa (Dióxido de carbono, metano, óxido nitroso, hidrofluorcarbonos, perfluorcarbonos
e hexafluoreto de enxôfre) pelos países desenvolvidos em 5.2% dos níveis de 1990 no período
de 2008 a 2012.

Novos Fluidos e Estratégias de Mitigação

O Protocolo de Kyoto impactou o setor de refrigeração ao impor restrições ao uso de gases


com elevado GWP, como os HFCs. Novas alternativas de fluidos refrigerantes sintéticos se
fizeram necessárias, levando ao desenvolvimento dos HFOs que são hidrofluor-olefinas de
baixíssimo GWP, tais como os refrigerantes R1234yf e R1234ze. Tais novos refrigerantes são
inflamáveis, mas em um nível bastante baixo o que justificou a criação de uma classificação
adicional quanto a flamabilidade.

Além do desenvolvimento de novas alternativas de gases refrigerantes de baixo GWP


verificou-se O crescimento do uso de fluidos refrigerantes naturais tais como a amônia, os
hidrocarbonetos e o dióxido de carbono, plenamente compatíveis com a necessidade
premente de se adotar soluções compatíveis com a preservação ambiental já que possuem
ODP e GWP nulos ou de valor desprezível. Assim, houve um crescimento considerável do
número de aplicações utilizando esses gases refrigerantes naturais, marcando um novo
período histórico de desenvolvimento caracterizado pela adopção de soluções comprometidas
com a conservação ambiental.

EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA DOS COMPONENTES E SISTEMAS

Desde a invenção da refrigeração diferentes avanços tecnológicos foram realizados em busca


de maior eficiência energética, menor impacto ambiental, maior segurança operacional e
robustez e redução de custos. O desenvolvimento de fluidos refrigerantes que relatamos aqui
é uma das facetas desse avanço, mas outras contribuições relevantes têm sido dadas,
marcando a história dessa evolução.

Os componentes do sistema de refrigeração têm sido aprimorados e novas tecnólogas tem


sido desenvolvidas para a realização dos processos que são parte do ciclo. Inicialmente o
projeto dos compressores evoluiu a fim de eliminar vazamentos de refrigerante, substituindo-
se os prensa-gaxetas por selos mecânicos aprimorados e, mais tarde, eliminando os mesmos
em prol de uma construção hermética/semi hermética entre as décadas e 1920/1930, que
prevalece até os dias atuais. Além disso, alternativas aos compressores a pistão, usados desde
o século 18, foram introduzidas comercialmente tais como o compressor centrífugo entre
1930/1940 (Forofrio, 2010; ACR Latinamerica, 2018) de parafuso no início da década de 1960
(Briley, 2004) e espiral ou scroll entre as décadas de 1980 e 1990. Mais recentemente, os
mancais magnéticos que eram desenvolvidos desde 1976 foram adaptados para uso em
compressores de chillers por volta de sendo comercialmente disponíveis a partir de 2001
(Moorhouse et al, 2020).

O projeto dos condensadores e evaporadores evoluiu para permitir equipamentos mais


compactos, com maiores coeficientes de transferência de calor e menor carga de refrigerante.
Dispositivos de expansão que eram operados manualmente no início da refrigeração passaram
a operar de forma automática com a introdução da válvula termostática em 1927 (Larsen e
Busch, 2020)

Desde os primeiros sistemas de refrigeração, ficou clara a inviabilidade do controle manual e a


necessidade de introdução de controles automáticos. Um marco inicial nesse contexto foi a
patente de um termostato em 1883, por Warren Johnson (Brachmann , 2018). A revolução
digital na década de 1980 impactou enormemente o setor de AVAC-R permitindo supervisionar
os sistemas graças a intensificação do uso de sensores atuadores e controladores. Entre os
muitos avanços surgiram as válvulas de expansão eletrônicas que passaram a ser
comercializadas na virada entre a década de 80 e 90 (Parker, 2013). Outro avanço importante
foi a introdução dos variadores de frequência no início da década de 1980 (ETHW, 2022) os quais
se tornaram dominantes como método de controle de capacidade pelo ajuste automático da
rotação dos compressores e consequentemente da vazão de refrigerante.
CONCLUSÃO

Neste artigo apresentamos uma breve revisão histórica do desenvolvimento da refrigeração


desde antiguidade. Como exposto, desde o advento da refrigeração mecânica que pôs fim a
séculos de exploração do gelo natural, a evolução tecnológica do setor foi marcada inicialmente
por questões ligadas ao desempenho e segurança mas ao final do século XX passou a ter como
vetor predominante a questão ambiental, o que prevalece nos dias atuais. Por fim, conhecer a
história tecnológica permite que como profissionais do setor tenhamos consciência de “como
chegamos até aqui”, as barreiras que precisaram ser vencidas, os obstáculos que permanecem
e “para onde vai” a refrigeração no futuro próximo.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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PIMENTA, João. Refrigeração: Introdução. Agosto a Dezembro de 2022. Notas de Aula.


Apresentação MS PowerPoint.

Links para figuras no texto.

i
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Ice_Harvesting,_Massachusetts,_early_1850s.jpg
ii
Fonte: http://www.ibamendes.com/2017/09/fotos-antigas-do-estado-do-para-vii.html
iii
https://woods2012.wordpress.com/history/ice-house/
iv
https://www.ideal-homes.org.uk/greenwich/assets/galleries/blackheath-park/ice-house-1939.ht
v
https://www.homemesh.com.tw/item/42531/3
vi
Licence: Public Domain Mark. Credit: William Cullen. Stipple engraving by W. Howison, 1847, after W.
Cochrane. Wellcome Collection. Disponível em: https://wellcomecollection.org/works/yvyxvsgm
vii
Pimenta, notas de aula
viii

https://sv.wikipedia.org/wiki/Oliver_Evans#/media/Fil:Oliver_Evans_(Engraving_by_W.G.Jackman).jpg
ix

https://en.wikipedia.org/wiki/Jacob_Perkins#/media/File:Portrait_of_Jacob_Perkins_Esqr_(4672666).jp
g

https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jacob_Perkins%27_Ice_Machine_1834_from_Scientific_Ameri
can_Article.jpg#filelinks

xi
https://www.e-pics.ethz.ch/index/ETHBIB.Bildarchiv/ETHBIB.Bildarchiv_36346.html

xii
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ferdinand_Carr%C3%A9#/media/Ficheiro:AppareilCarr%C3%A9.jpg

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