Manual de Direito Da Família Final 26012014
Manual de Direito Da Família Final 26012014
Manual de Direito Da Família Final 26012014
Para que se possa ter uma visão correcta do Direito da Família, importa partir da noção da
própria família, à volta da qual gravitam as normas jurídicas que integram aquele ramo do Direito
civil.
Toda e qualquer pessoa com uma normal capacidade de discernimento tem a noção do que seja
família. Será, pois, a partir deste dado de cogniscência social que se procurará avançar as
diversas formas como na sociedade se apresentam os diferentes conceitos de família.
De um modo geral, a família pode ser entendida em vários sentidos, sendo três as principais: em
sentido lato, em sentido restrito e em sentido intermédio.
Em sentido lato a família compreende todas as pessoas que se encontram ligadas pelos laços
do casamento, de parentesco, de afinidade e da adopção. É a família alargada ou também
família linhagem, como frequentemente é designada.
Em sentido restrito, a família engloba o pai, a mãe e os filhos. É chamada família nuclear que
normalmente é considerada como a família conjugal. É a sociedade paterno-filial, como muitas
vezes é igualmente apelidada.
Em sentido intermédio, a família é composta pelo grupo de pessoas que vivem debaixo do
mesmo tecto. É a família-lar.
Na família em sentido lato, os elementos aglutinadores são a procriação, o casamento, o
parentesco, a afinidade e a adopção; na família em sentido restrito, os elementos aglutinadores
são o casamento e o patentesco natural no sentido de pais e filhos; na família em sentido
intermédio, o elemento de aglutinação é o lar, a domus.
O termo família tem um significado legal limitado. Como diz Jonathan Herring, o grande dilema
em definir “família” é o poder da definição e especialmente o estigma associado ao facto de
determinado grupo de pessoas não ser considerado como fazendo parte da família1.
No nosso caso, de acordo com o artigo 2.º da Lei n.º 10/2004, de 25 de Agosto (Lei da Família),
família é a comunidade de membros ligados entre si pelos laços de parentesco, casamento,
afinidade e adopção.
Como se pode depreender, e para dar razão a Herring, os companheiros da união de facto, os
parceiros homossexuais, não integram o grupo que a Lei designa por família. Mais ainda, os
compadres ou comadres não são, à luz da Lei, membros da mesma família, o que de alguma
forma conflitua com o entendimento de que o casamento africano é, também, uma aliança entre
dois grupos.
De qualquer modo, é a noção legal de família que consta do artigo 2º da Lei da Família que
interessa para a nossa disciplina.
1
Herring, Jonathan, FAMILY LAW, Third Edition, Pearson-Longman, Londres, 2007, p. 1
1
Prosseguindo a abordagem de algumas noções gerais sobre o Direito de Família, na perspectiva
atrás referenciada, de interesse se mostra perceber qual é a natureza jurídica da família.
A este propósito são fundamentalmente três as teorias que pretendem dar resposta à questão da
natureza jurídica da família, e que são:
2
social interessado na realização da ideia, praticam actos que são dirigidos por aqueles mesmos
órgãos, obedecendo a normas específicas.
Para esta concepção existem dois tipos de instituições:
- instituições-pessoas; e
- instituições-coisas.
Em ambas existe o mesmo princípio – uma ideia que é comungada por um grupo de pessoas,
surgindo a diferença do facto de na instituição-pessoa a ideia da obra se converter em sujeito,
enquanto que na instituição-coisa, esta é uma ideia normativa, uma regra de direito, que se
impõe a consciência dos indivíduos e obtêm a sua aprovação, sem gerar um sujeito.
Para a doutrina americana a instituição é uma maneira organizada de um grupo ou associação
de pessoas realizar uma actividade. Todavia, pressupõe-se que o grupo ou a associação esteja
estruturado e haja nele um sentido duradouro.
Neste sentido pode entender-se a família, em sentido amplo, como uma instituição e uma família
(individual) como um grupo ou uma associação.
A família é a instituição que preside na sociedade à procriação e educação dos filhos e à
transmissão do património por sucessão. Ao passo que uma família isoladamente é uma união
ou associação de pessoas.
Outros autores defendem a tese de que a família é uma instituição mais em sentido
sociológico do que jurídico, isto porque instituições jurídicas são conjuntos de normas de
Direito organizadas de forma sistematizada, presididas por princípios próprios e destinadas a
estabelecer direitos e deveres num determinado domínio da vida social.
Por sua vez, instituições sociológicas são padrões de cultura cuja transmissão se faz, de
ordinário, por via de educação.
Como corrente bastante forte existe ainda a que entende que a família é uma instituição
natural.
A família é uma instituição natural porque resulta do próprio desenvolvimento da natureza. Ela
surge com o próprio homem e é anterior ao próprio Estado.
Para uma melhor percepção do que se deve entender por Direito de Família, escolheu-se a
formulação apresentada pelo Prof. Antunes Varela, por nos parecer que é uma das noções
perfeita e exacta.
De acordo com aquele ilustre civilista “O Direito de Família é constituído pelo conjunto das
normas jurídicas reguladoras das relações entre pessoas ligadas pelos laços biológicos da
procriação ou pelo vínculo do casamento, da afinidade ou da adopção”2.
Como se pode depreender da noção apresentada, dela ressalta um aspecto de capital
importância que caracteriza o Direito de Família. É que o Direito de Família trata, no essencial,
das relações de carácter pessoal, relações estas que abrangem apenas certas e determinadas
pessoas.
2
Varela, Antunes, DIREITO DA FAMÍLIA, 1º Volume, 5ª Edição Revista, Actualizada e Completada,
Livraria Petrony, Lisboa, 1999, p.18.
3
Deste modo, que se deixe, desde logo, claramente precisado o tipo de relações que são
reguladas pelo Direito de Família.
O que neste ramo do Direito civil se procura regular, são relações de carácter pessoal,
acontecendo que, quando eventualmente se tratar de relações de natureza patrimonial, a sua
abordagem tem sempre como fonte a entidade social que é a família. Mais adiante haverá
oportunidade de melhor compreender estes aspectos, quando se analisar os caracteres do
Direito de Família.
Ainda no que respeita ao Direito de Famíla, quando se queira ter conhecimento mais preciso das
partes que compõem este ramo do Direito civil, é possível socorrermo-nos das ideias avançadas,
a tal propósito, pelo Dr. Diogo Leite de Campos.
Para este tratadista “O Direito de Família compreende duas divisões fundamentais: o direito
matrimonial, referente ao casamento como acto (como contrato), e como estado,
compreendendo as relações pessoais e patrimoniais dos cônjuges; e o direito de filiação.
Também este incluindo uma face patrimonial e outra pessoal”3.
Paralelamente a estas duas grandes divisões, aquele mesmo tratadista considera que o Direito
de Famíla abrange ainda “a eventual dissolução do casamento (divórcio), a sua nulidade ou
anulabilidade, bem como a interrupção do vínculo conjugal através da separação judicial de
pessoas e bens”4.
Com estas referências ainda que breves e genéricas, cremos estar situado o âmbito do Direito
de Família.
Antes de falarmos nas fontes do Direito de família, vamos recordar, muito rapidamente, os vários
entendimentos que a expressão “fontes do Direito” comporta, sabido que não tem um sentido
unívoco.
Referir, que esta recapitulação vem apenas feita a título introdutório, e nessa medida não pode
deixar de ser necessariamente sucinta tratando-se, como é o caso, de matéria já anteriormente
explanada, com a necessária profundidade, noutra disciplina.
A expressão “fontes do Direito” vem sendo objecto de muitos reparos por parte de conceituados
académicos, dada a sua grande ambivalência interpretativa que resulta num quase contra senso
da certeza do próprio Direito. Ainda assim, porém, é a expressão tradicionalmente consagrada e
utilizada por todos, com devidas cautelas para que não haja lugar a qualquer mal entendido.
O vocábulo “fonte” isoladamente considerado tem, de entre outros que não vem ao caso
considerar, o significado de nascente de água perene.
Utilizada em sentido figurado a palavra quer significar causa ou origem.
Na expressão “fonte de Direito”, aquela palavra está empregue em sentido figurado,
comportando diversas leituras conforme a perspectiva por que é encarada.
Assim:
4
Fala-se em fonte de Direito em sentido histórico quando se consideram as origens, a génese e a
formação dum sistema determinado. O Direito positivo moçambicano tem, neste sentido, como
fonte próximo o Direito português e como fonte mais remota e indirecta o Direito romano.
Como facilmente se compreende, o primeiro texto legal que importa apontar como fonte do
Direito de família é, indubitavelmente, a Constituição da República. Diploma este onde se podem
encontrar as grandes linhas programáticas do Estado relativamente à família. Por outro lado, na
lei fundamental situam-se ainda outros grandes princípios que têm de presidir e orientar o
conteúdo das normas ordinárias.
É assim que, de acordo com o preceituado no artigo 119, nº 2, o Estado reconhece e protege o
casamento como instituição que garante a prossecução dos objectivos da família, desde que
celebrado “nos termos da lei”. O nº 4 do mesmo artigo remete para a lei o estabelecimento das
formas de valorização do casamento tradicional e religioso, bem como a definição dos requisitos
do seu registo e a fixação dos seus efeitos.
5
Por outro lado, tendo por base o princípio universal da dignidade da pessoa humana, nº 3 no
citado preceito constitucional, consagra-se o princípio de que o casamento, entanto que acto
jurídico, se baseia no livre consentimento dos esposados.
Estes princípios acarretam, como consequência imediata, o não reconhecimento por parte da lei
dos chamados casamentos forçados, herdados ou prometidos.
Do texto constitucional importa retirar para o âmbito do Direito de família, enquanto sua fonte
normativa, os princípios da universalidade e igualdade dos cidadãos, em geral, perante a lei e do
homem e da mulher, em particular, nos domínios da vida política, económica, social e cultural,
princípios estes que se acham expressos nos artigos 35 e 36.
Do princípio da igualdade decorre, de imediato, um outro que é o princípio da não discriminação.
Por último, sempre interessa ainda ter presente o disposto no art. 47 da Constituição da
República, pela importância de que se pode revestir, em alguns casos, no domínio do Direito de
família. Aquela disposição consagra o princípio do interesse superior da criança, que já vem
contido em inúmeros instrumentos internacionais de que Moçambique é parte. O referido texto
da lei mãe impõe que todos os actos relativos às crianças, quer praticados por entidades
públicas, quer por entidades privadas, tenham principalmente em conta o interesse superior da
criança. Para a concretização do mencionado princípio, o nº 3 do artigo que temos vindo a citar
consagra o direito das crianças poderem “exprimir livremente a sua opinião, nos assuntos que
lhes dizem respeito, em função da sua idade e maturidade”.
O princípio do interesse superior da criança tem importantes reflexos, designadamente, no
regime tutelar de menores.
Para ultimar a referência a esta fonte do Direito de família, de interesse se mostra afirmar que é
fundamental ter presente aos princípios constitucionais acima indicados, na medida em que
sendo a legislação ordinária fonte do direito de família de hierarquia inferior à Constituição da
República, necessário é que se efectue um exercício, permanente, de verificação da
conformidade dos preceitos infra-constitucionais com disposições constitucionais.
O Direito de Família mostra-se regulado, essencialmente, na Lei nº 10/2004, de 25 de Agosto
(Lei da Família), que revogou o Livro IV do Código Civil – artigos 1560º a 2023º.
Ainda como relevantes fontes do Direito de Família importa destacar:
• O Código do Registo Civil aprovado pela Lei nº 12/2004, de 8 de Setembro, enquanto
diploma legal que contém normas reguladoras de actos jurídicos que se prendem
intimamente com importantes institutos familiares;
• Lei n.º 7/2008, de 09 de Julho (Lei de Promoção e Protecção dos Direitos da Criança);
• A Lei n.º 8/2008, de 15 de Julho (Lei que aprova a Organização Tutelar de Menores);
• O Código do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2006, de 23 de Agosto.
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Uma primeira referência caberá fazer a alguns princípios consagrados no Pacto Internacional
sobre os Direitos Civis e Políticos, ratificado através da Resolução nº 5/91, de 12 de Dezembro.
Do artigo 26 do referido Pacto extrai-se, de forma expressa, o princípio da igualdade das
pessoas perante a lei, ao dispôr-se que: “Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito,
sem discriminação, a igual protecção da lei. A este respeito, a lei deve proibir todas as
discriminações e garantir a todas as pessoas protecção igual e eficaz contra toda a espécie de
discriminação,...”
E, do artigo 23 retiram-se os seguintes grandes princípios:
• a família tem direito à protecção da sociedade e do Estado;
• é reconhecido a todo o homem e toda a mulher o direito de contrair casamento e fundar
família, desde que tenha idade núbil;
• admite-se que, por lei, se fixe idade mínima para contrair matrimónio;
• nenhum casamento se pode concluir sem o livre e pleno consentimento dos esposados.
Como segunda fonte de Direito internacional pode apresentar-se, pela sua importância, a Carta
Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, ratificada pela Resolução nº 9/88, de 25 de
Agosto.
O princípio da não discriminação extrai-se, de forma expressa, do arigo 2 de referenciada Carta.
Por outro lado do artigo 3, nºs 1 e 2, retiram-se os princípios da igualdade perante a lei e do
direito a igual protecção por parte da lei.
Finalmente do artigo 18 podem extrair-se ainda os seguintes princípios:
• a família deve ser protegida pelo Estado;
• o Estado tem a obrigação de assistir a família na sua missão de guardiã da moral e dos
valores tradicionais reconhecidos pela comunidade;
• o Estado tem o dever de velar pela eliminação de toda a discriminação contra a mulher e
de assegurar a protecção dos direitos da mulher e da criança estabelecidos em
declarações e convenções internacionais.
Uma terceira fonte de Direito internacional é a Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra as Mulheres, ratificada através da Resolução nº 4/93, de 2 de
Junho.
Um primeiro importante princípio decorre do que se consagra no artigo 9, nº 1, ao dispôr que os
Estados Parte “...Garantem, em particular, que nem o casamento com um estrangeiro nem a
mudança de nacionalidade do marido na constância do casamento produzem automaticamente a
mudança de nacionalidade da mulher, a tornam apátrida ou a obrigam a adquirir a nacionalidade
do marido.”
E, do nº 2 daquele mesmo preceito resulta a igualdade de direitos entre o homem e mulher no
concerne à nacionalidade dos filhos.
Do nº 1 do artigo 15 extrai-se, de forma expressa, o princípio da igualdade entre o homem e a
mulher perante a lei.
Por outro lado, do nº 2 do supracitado preceito retira-se um outro não menos importante princípio
– os Estados Parte reconhecem à mulher direitos iguais aos do homem no que respeita à
administração dos bens.
No tocante à escolha de residência e de domicílio, do nº 4 do artigo 15 retira-se o princípio da
igualdade de direitos entre o homem e a mulher.
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Por seu lado, no artigo 16 contêm-se também importantíssimos princípios no âmbito do Direito
de Família.
Assim, desde logo, se impõe aos Estados que adoptem as necessárias medidas para eliminar a
discriminação contra as mulheres, no que se refere ao casamento e às relações de família,
garantindo-se a igualdade de ambos os sexos nesse domínio.
E depois estabelecem-se ainda os seguintes princípios:
• o mesmo direito de contrair casamento;
• o mesmo direito de escolher livremente o cônjuge;
• o mesmo direito de contrair casamento de livre e plena vontade;
• os mesmos direitos e as mesmas responsabilidades na constância do casamento e
aquando da sua dissolução;
• os mesmos direitos e as mesmas responsabilidades enquanto pais no que respeita às
relações filiais, independentemente do seu estado civil;
• os mesmos direitos e responsabilidades em matéria relativa a tutela, curatela, guarda e
adopção de crianças;
• os mesmos direitos pessoais do marido e da mulher, incluíndo o respeitante à escolha
do nome de família, de profissão e ocupação;
• os mesmos direitos a cada um dos cônjuges em matéria de propriedade, aquisição,
gestão, administração, gozo e disposição dos bens, tanto a título gratuíto, como a título
oneroso;
• não se atribuir qualquer efeito à promessa de casamento e ao casamento de crianças;
• dever-se adoptar medidas legais com vista à fixação de uma idade mínima para o
casamento;
• dever adoptar-se medidas legais com vista a tornar obrigatório o registo do casamento
no registo civil.
A quarta fonte de Direito internacional é a Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada
através da Resolução nº 19/90, de 23 de Outubro.
O princípio da não discriminação acha-se consagrado, de forma expressa, no artigo 2 citada
Convenção.
De acordo com artigo 5, os Estados estão obrigados a respeitar as responsabilidades dos pais e
da família relativamente ao desenvolvimento da criança.
Do artigo 6 retira-se que logo após o nascimento a criança será registada, tendo direito ao nome,
à nacionalidade, a conhecer os seus pais e a ser cuidada por eles.
Em conformidade com o artigo 9 a criança não pode ser separada dos pais contra a sua
vontade.
À criança é reconhecido pelo artigo 12 o direito de expressar livremente a sua opinião sobre
todas as questões que lhe digam respeito, desde que tenha a necessária capacidade de
discernimento.
Os artigos 20 e 21 reconhecem o direito à tutela e à adopção.
No artigo 27 reconhece-se a obrigação dos pais tomarem todas as medidas conducentes ao são
desenvolvimento físico, mental e espiritual da criança.
No artigo 19 estabelece-se a obrigatoriedade de proteger a criança contra todas as formas de
abuso físico ou psíquico, descuido ou negligência.
Não menos importantes são os seguintes instrumentos de Direito Internacional:
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• a Declaração Universal dos Direitos do Homem;
• a Carta Africana dos Direitos e Bem Estar da Criança, ratificada através da Resolução
nr. 20/98, de 26 de Maio;
• o Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança,
relativo à venda de crianças, prostituição e pornografia infantil, ratificado pela Resolução
n. 43/2002, de 28 de Maio.
Com esta descrição de normas de Direito internacional dá-se por terminada a análise das fontes
jurídico-legais do Direito de Família, importando, de forma particular, chamar atenção para o
facto de muitos dos princípios enunciados terem reflexo imediato em algumas das disposições
contidas na Lei da Família em vigor.
A família é usualmente entendida como uma unidade social, como uma célula social, que se
situa entre o cidadão individualmente considerado e o Estado.
É, aliás, esta a concepção que vingou na nossa lei fundamental, conforme se pode verificar do
que se acha estatuido no nº 1 do atigo 119 da Constituição da República, ao estipular-se que: “A
família é o elemento fundamental e a base de toda a sociedade célula-base da sociedade”.
Tendo por base o elemento ora referenciado, aliado, por um lado, ao facto de que a família é ela
própria anterior ao Direito escrito, e que, por outro lado, o seu normal desenvolvimento impunha,
cada vez mais, que as relações entre os seus membros obedecessem a um conjunto de regras
de conduta e de procedimentos estáveis e permanentes, então torna-se facilmente
compreensível a razão da forte influência de princípios éticos, morais e de regras provenientes
de usos e constumes dominantes no respectivo meio social, bem como de princípios religiosos
nas normas jurídicas que regulam as relações familiares.
Paralelamente, tais normas procuram ajustar-se a essa mesma realidade social, às
características de cada tipo de sociedade, estabelecendo o equilíbrio entre as regras dominantes
e a norma jurídica reguladora das relações familiares.
É assim que em várias disposições da Lei da Família é possível encontrar exemplos desta
mesma realidade.
Deste modo, nos artigos 16º e 18º (casamento civil, religioso e tradicional) deparamos com
princípios influenciados por normas religiosas e tradicionais, no que respeite à regulamentação
do instituto do casamento; o casamento é monogâmico, o que revela a influência da religião
cristã; porém, no caso do falecimento de um polígamo, a lei reconhece às companheiras com
quem o autor se encontrasse a viver há mais de 5 anos o direito à alimentos, o que resulta da
influência da tradição.
Entre as várias disposições legais, onde é possível encontrar uma forte influência de conteúdo
ético, podem indicar-se as seguintes: os artigos 293º, nº 1, 323º e 427º, todos da Lei da Família.
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Os vários impedimentos matrimoniais previstos nos artigos 31º e 32º da Lei da Família justificam-
se por razões, inter alia, de ordem moral.
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c – PREDOMÍNIO DAS RELAÇÕES PESSOAIS SOBRE AS RELAÇÕES
PATRIMONIAIS
Como regra geral, no Direito de família há uma sebroposição, isto é, uma ascendência do
pessoal sobre o patrimonial, a tal ponto que muitos dos direitos e obrigações dos membros da
família derivam intimamente de um estado pessoal, tal como seja do estado casado, do estado
do parente, do estado de afim.
Como vimos anteriormente, quando nos debruçamos sobre a relevância do parentesco e da
afinidade, a obrigação de prestação de alimentos, de conteúdo patrimonial, resulta da existência
daqueles laços pessoais.
Outro exemplo evidente do princípio ora enunciado pode ser encontrado, quer no domínio dos
direitos recíprocos dos cônjuges (artigo 93º da Lei da Família), quer no tocante à obrigação de
prestar alimentos entre eles (artigos 419º e 423º da Lei da Família).
É ainda característico do Direito de família o facto de nele se regularem os estados a que acima
se fez referência, por tal forma que esses interesses se sobrepõem ao próprio grupo familiar.
Como consequência do que se acaba de dizer, compreensível se mostra que as relações
patrimoniais, reguladas no Direito de família, estejam fortemente dependentes de estados
pessoais.
Assim é, na verdade, quando atentamos nos efeitos patrimoniais do casamento,
designadamente, no respeitante aos bens dos cônjuges ou à responsabilidade pelas dívidas dos
cônjuges, que não existiriam se não fossem baseados na relação de casamento.
Em ambas as situações, a regulamentação deste tipo de relações patrimoniais está íntima e
indissoluvelmente ligada e, como tal, dependente de um estado pessoal, que é, neste caso, o
estado civil de casado, na medida em que apenas se pode considerar bens dos cônjuges,
quando estamos em presença de pessoas unidas pelo vínculo do casamento.
Note-se que os referidos direitos familiares pessoais, de um modo geral, revestem carácter
relativo, no sentido em que eles apenas vinculam determinadas pessoas, com exclusão de todas
as demais, razão pela qual os seus efeitos normalmente não operam em relação a terceiros.
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Encontramos um outro exemplo elucidativo no domínio do direito matrimonial; assim, o nº 1 do
artigo 42º da Lei da Família estipula que “a vontade de contrair casamento importa a aceitação
de todos os efeitos do casamento, sem prejuízo das legítimas estipulações dos esposos em
convenção antenupcial”. No nº 2 do referido artigo 42º, a Lei considera não escritas cláusulas
que se destinem a afastar ou modificar os efeitos do casamento, fora dos casos expressamente
admitidos pela própria lei.
Nesta perspectiva mostra-se impensável que, por convenção antenupcial, os nubentes acordem
entre si que um deles fica desobrigado de contribuir para as despesas domésticas ou do
cumprimento do dever de respeito, na medida em que tal declaração negocial ou manifestação
de vontade ofenderia frontalmente os deveres que a lei impõe a cada um dos cônjuges (ver
artigo 93º e seguintes da Lei da Família).
Do mesmo modo, a lei também não aceitará, naturalmente, que os nubentes convencionem,
entre si, a possibilidade do futuro cônjuge marido se vir a unir a várias mulheres, na constância
do casamento, na medida em que tal acordo se traduziria, necessariamente, na alteração de um
dos deveres recíprocos dos cônjuges, o dever de fidelidade, conforme o consagrado pelo artigo
93º da Lei da Família.
E, sempre assim será face ao Direito positivo, ainda que os futuros cônjuges, por pertencerem
ao mesmo grupo social, se orientem por regramento sócio-familiar, para o qual seja admitida a
poligamia.
Neste caso, é a própria lei que, de forma expressa, restringe o princípio da liberdade de
estipulação, como se conclui do preceituado pela alínea b) do artigo 119º da Lei da Família ao
não admitir que seja objecto de convenção antenupcial “a alteração dos direitos ou deveres, quer
paternais, quer conjugais”.
O que foi dito não equivale ao não reconhecimento da autonomia da vontade no domínio do
Direito de Família.
Desde logo, por exemplo, as pessoas gozam de ampla liberdade de celebração do matrimónio,
podendo, no âmbito de tal liberdade, escolher livremente entre não casar ou casar e, sem
prejuízo dos impedimentos matrimoniais, escolher livremente o seu parceiro.
No âmbito da liberdade de estipulação, o artigo 118º da Lei da Família atribui aos nubentes a
liberdade de fixar o regime de bens do casamento, quer escolhendo um dos regimes típicos quer
estipulando o que a esse respeito lhes aprouver, designadamente quanto à administração dos
bens.
A regra do predomínio de normas imperativas está intimamente ligada com o que se acabou de
dizer, quanto à limitação do princípio da autonomia da vontade neste ramo do Direito.
Na verdade, o Direito de família é caracterizado por um predomínio de normas imperativas (que
não podem ser afastadas por vontade das pessoas).
Ao contrário do que se passa com o Direito das Obrigações, em que as suas normas
reguladoras revestem mais natureza supletiva ou dispositiva, no Direito de Família, as normas
que o regem são caracterizadas por um acentuado predomínio da imperatividade sobre o
supletivo.
A título exemplificativo podem reter-se os seguintes casos:
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1 – Normas reguladoras dos requisitos para casamento – artigos 30º, 31º e
32º da Lei da Família;
2 – Normas que definem os direitos e deveres dos cônjuges - artigos 93º e
e seguintes da Lei da Família;
3 – Normas que fixam os fundamentos do divórcio e da separação judicial de
pessoas e bens – artigo 181º da Lei da Família.
Nos casos acabados de exemplificar, é evidente a natureza imperativa das normas que as
regulam.
Concluindo, pode afirmar-se que, no domínio do Direito de família e no que respeita às relações
familiares pessoais, predominam, como se viu, normas de carácter imperativo.
Já no que toca às relações familiares de natureza patrimonial, em larga medida, elas regem-se
por normas de carácter supletivo ou dispositivo.
A título de exemplo, atente-se na forma como se acham regulados os regimes de bens do
casamento – artigos 137º a 156º da Lei da Família.
O artigo 137º estabelece “Na falta da convenção antenupcial...”. Ora, como se pode atentar
desde logo desta disposição legal, está-se perante uma clara subordinação da lei ao princípio da
autonomia da vontade.
Todavia, dissemos que as relações familiares de natureza patrimonial se regem, em larga
medida, por normas de carácter supletivo ou dispositivo, porque mesmo no âmbito deste tipo de
relações é possível encontrar excepções ao seu caracter supletivo.
De facto, existem vários casos em que se verifica a predominância de normas de natureza
imperativa.
Constituem exemplos do que foi referido:
- As restrições ao princípio da liberdade de celebrar convenção antenupcial –
Artigo 119º da Lei da Família;
- A imutabilidade das convenções antenupciais – artigo 134º da Lei da Família.
Como se infere de tudo o que foi referido, no Direito de família, existe uma grande
predominância de normas imperativas, ao contrário do que acontece nos restantes ramos do
Direito civil.
f – OS DIREITOS FAMILIARES PESSOAIS COMO PODERES FUNCIONAIS
Para se compreender a afirmação de que os direitos familiares pessoais são poderes funcionais,
ou se se quiser, poderes-deveres, importará efectuar uma breve análise do conceito tradicional
de direito subjectivo.
O conceito tradiconal de direito subjectivo assenta no seguinte:
Direito subjectivo é o poder de se exigir de outrém um certo comportamento – direito subjectivo
propriamente dito; ou também, direito subjectivo é o poder de produzir certas consequências
jurídicas na esfera jurídica de outrém – direito potestativo (ex: as servidões – artigos 1534º e
1565º do C. Civil).
Nesta perspectiva, o titular de um direito subjectivo pode escolher livremente o modo de o
exercer, isto é, de exercer o direito como muito bem lhe aprouver ou até de não o exercer.
O titular do direito procura satisfazer um interesse seu, independentemente do interesse que a lei
procura tutelar, ao conceder-lhe tal direito subjectivo.
Relativamente à teoria tradicional, várias são as críticas apresentadas.
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Passamos em destaque as seguintes:
1 – Os direitos familiares pessoais são direitos a que não se ajusta a noção
tradicional de direito subjectivo.
Isto porque não são direitos que o seu titular possa exercer como queira.
Pelo contrário, o seu titular está obrigado a exercê-los de certa forma. Da forma que for exigida
pela função do direito, pelo interesse que eles servem.
Os direitos familiares são irrenunciáveis e intransmissíveis; são direitos cujo exercício é
controlado pela lei.
A este propósito, note-se a diferença que existe entre o exercício do poder parental e o exercício
de um direito de servidão.
O exercício do poder parental é irrenunciável e intransmissível, sendo controlado pela própria lei
– artigo 288º da Lei da Família. Pelo contrário, o titular de um direito de servidão pode a ele
renunciar ou mesmo transmití-lo, embora nas condições previstas pela lei.
2 – Teoria do abuso do direito.
Segundo esta teoria o titular do direito já não pode escolher livremente o modo do seu exercício.
O exercício do direito é abusivo nos casos extremos de completa desarmonia entre o exercício
do direito, nas circunstâncias concretas em que teve lugar, e a função do direito, isto é, o
interesse que a lei teve em vista tutelar, quando atribuiu o direito.
Esta a razão pela qual a ordem jurídica intervém, ou para obrigar a indemnizar por perdas e
danos, ou para tratar o titular do direito como se ele não detivesse esse mesmo direito.
Postas as coisas deste modo, pode dizer-se que há direitos subjectivos e directivos subjectivos.
O relevo da função do direito é umas vezes mais nítido e outras vezes mais apagado.
Há direitos subjectivos cujo exercício, em princípio, é livre e só em caso de flagrante contraste
entre o seu exercício e a sua função, a ordem jurídica intervém, reagindo a tal desajuste.
O artigo 280º, nº 2 do C. Civil dispõe que é nulo o negócio jurídico contrário a ordem jurídica ou
ofensivo dos bons costumes, enquanto que o artigo 405º, nº 1 do mesmo Código estabelece o
princípio da liberdade contratual, com as limitações impostas pela lei.
Assim sendo, a liberdade contratual mostra-se coarctada sempre que o negócio jurídico se
revele ofensivo dos bons constumes, porque, neste caso, a ordem jurídica intervém,
sobrepondo-se à liberdade negocial das partes, impondo a nulidade do negócio celebrado.
Outros direitos subjectivos há em que o seu titular os deve exercer de certa e determinada
forma, da forma que fôr exigida pela sua função.
Para os primeiros pode-se reservar a designação tradicional de direitos subjectivos e, para os
segundos, podem apelidar-se de poderes-deveres ou poderes funcionais.
Feita, deste modo, a distinção entre uns e outros, pode-se concluir que os direitos familiares se
inscrevem carecteristicamente no grupo dos poderes-deveres ou de poderes funcionais.
g – CARÁCTER DURADOURO DAS RELAÇÕES FAMILIARES
As relações jurídicas familiares revestem características duradouras e permanentes. Há mesmo
quem os considere como perpétuas.
A Lei da Família admite o divórcio, mas o casamento é presuntivamente, tido como perpétuo.
Não se deverá, no entanto, confundir, a perpetuidade do casamento com a sua indissolubilidade.
14
Os filhos são filhos e sê-lo-ão sempre, independentemente da continuidade do vínculo do
matrimónio. Os pais são pais e sempre continuarão a sê-lo, mesmo depois da sua morte. Por
outro lado, o vínculo da afinidade, uma vez constituído, perdura para sempre.
Como tal, que se compreenda que este tipo de relações jurídicas gere verdadeiros estados
pessoais, como sejam: o estado casado, o estado de divorciado, o estado do filho, de afim, etc.
Dadas as características das relações jurídicas familiares que se perceba então por que não é
possível opôr-lhe qualquer termo ou condição.
Por tudo isto que as relações familiares se distingam das relações obrigacionais que, por via de
regra, têm um carácter transitório.
h – TIPICIDADE DAS RELAÇÕES FAMILIARES
De uma forma geral, as relações jurídicas familiares são relações típicas, isto é, a sua
enumeração mostra-se fixada, de forma taxativa, pela lei.
De acordo com o que se dispõe no artigo 6.º da Lei da Família, as fontes das relações familiares
são a procriação, o parentesco, casamento, a afinidade e a adopção. São apenas estas as
fontes e mais nenhumas. Como se vê, está-se em presença de uma enumeração taxativa.
De modo idêntico se passam as coisas no que toca aos impedimentos do casamento – artigo
30.º e seguintes da Lei da Família. Os fundamentos da separação judicial de pessoas e bens do
divórcio litigioso são enumerados, também de forma taxativa, no artigo 181.º da Lei da Família.
Mesmo no que respeita às relações patrimoniais, no fundamental, pode afirmar-se que elas são
típicas, como acontece em relação aos regimes de bens, em que a lei estabelece regimes tipo,
permitindo que as partes possam os conjugar dentro de determinados parâmetros.
Esta a razão de ser por que se pode afirmar que, no domínio do Direito de família, ao contrário
do que se passa no Direito das obrigações ou dos contratos em especial, onde prevalece o
princípio da liberdade negocial, as relações jurídico-familiares obedecem ao princípio de
numerus clausus.
Com estas referências dá-se por terminada a análise quanto à tipicidade das relações familiares
e, deste modo, a apreciação que vinha a ser feita relativamente aos caracteres do Direito de
Família.
Como tal, de seguida, passar-se-á a analisar as fontes das relações jurídicas familiares.
Continuando a abordagem de noções gerais e conceitos do direito de família, vamos dar início
agora a um novo capítulo do nosso curso, que se prende com o que se deva entender por
parentesco, afinidade e adopção.
Daí que se mostre de reconhecido interesse o conhecimento e o domínio destes conceitos, bem
como o conjunto de regras jurídicas que a estas figuras estão associadas.
Atrás disse-se que as figuras jurídicas de parentesco, da afinidade e da adopção, por via de
regra, constituem fonte de relações jurídicas familiares.
15
Certamente que se poderia, neste momento, pertguntar se o casamento não é igualmente fonte
daquele tipo de relações. E, se o é, qual a razão por que não se lhe faz referência neste capítulo.
Importa aqui precisar que, de facto, o casamento constitui, normalmente, a fonte primária das
relações jurídicas familiares, e porque assim é reservamos-lhe um espaço próprio. E, nesta
altura do nosso estudo, vamo-nos preocupar tão só em fazer referência às demais fontes das
relações jurídicas familiares.
Deste modo está apresentada, em linhas gerais, a razão de ser da importância de que se
revestem as figuras jurídicas, que vamos passar a tratar.
A – PARENTESCO E AFINIDADE
A. 1 – PARANTESCO
A. 1. 1. 1 – NOÇÃO
Na verdade, foi o próprio evoluir da organização sócio-familiar, ao longo dos tempos, que
determinou as mutações que se têm operado em relação ao conceito de parentesco.
Por essa razão, o conceito de parentesco que se mostrar válido para determinada sociedade,
poderá não o ser, do mesmo modo, para uma outra sociedade.
No direito clássico a noção de parentesco tinha por base, não só o vínculo sanguíneo, mas muito
mais do que isso. Os vínculos próprios de relações comunitárias reflectiam-se no conceito de
parentesco.
16
Com o evoluir da organização familiar, os laços de parentesco, cada vez mais, têm vindo a
assumir-se como laços de sangue.
Na lei vigente, no 8.º da Lei da Família, é-nos dado o conceito de parentesco como sendo o
vínculo que une duas pessoas, em consequência de uma delas descender de outra ou de ambas
procederem de um progenitor comum.
Do conceito consagrado pela lei extrai-se claramante, que a noção de parentesco adoptada pelo
legislador assenta exclusivamente no vínculo de sangue. Neste domínio seguiram-se as grandes
correntes do direito moderno.
Na base do conceito jurídico de parentesco, adoptado pela lei, está o fenómeno biológico da
procriação. E, para este caso, tanto importa que ela esteja ligada ao casamento, a uma união de
facto ou mesmo a uma simples ligação carnal.
Nesta concepção, o pai e a mãe são sempre parentes do filho, quer estejam ou não unidos pelo
vínculo do casamento.
Relacionando o que atrás se disse com uma observação criteriosa da noção contida no artigo 8.º
da Lei da Família, estaremos em posição de melhor poder concluir que se está em presença de
um conceito escrito de parentesco, o qual tem por base apenas a comunidade de sangue.
Intimamente ligada com a noção de parentesco está a questão se saber como se estrutura o
vínculo de parentesco.
No artigo 9.º da Lei da Família procura-se estabelecer os parâmetros da estruturação dos laços
de parentesco, ao dizer-se que ele determina-se pelas gerações que vinculam os parentes um
ao outro; que cada geração compõe um grau; e que a série de graus constitui a linha de
parentesco.
A. 1.1.2 - LIMITES
Apesar de, no artigo 8.º da Lei da Família, se estar em presença de conceito estrito de
parentesco, este reveste ao mesmo tempo as características de um conceito amplo, já que em
conformidade com tal noção, sempre é parente a pessoa que descenda de uma outra ou que
proceda de um progenitor comum.
A noção ampla adoptada no artigo 8.º da Lei da Família, a ser aplicada sem qualquer critério,
traria sérias dificuldades e mesmo desvantagens para a vida jurídica dos cidadãos, na medida
17
em que as pessoas seriam parentes, sem que se estabelecesse algum tipo de distinção entre
elas.
A verdade é que a realidade social evidencia que há parentes mais chegados ou próximos e
parentes mais afastados ou menos chegados.
Esta realidade é, sem dúvida alguma, importante para o direito e, como tal, justifica-se que sejam
estabelecidos os chamados limites de parentesco.
Esta é, naturalmente, a razão de ser pela qual o legislador, no artigo 12.º da Lei da Família, veio
fixar os limites do parentesco.
Na referida disposição legal, como se pode ver, adoptam-se dois critérios diferentes, conforme o
tipo de linha que determina o vínculo de parentesco.
Nesta já se fixa um limite legal, que é o 8.º grau. Na vigência do Código Civil o limite era o 6.º
grau; o legislador da Lei da Família optou pela elevação do limite para melhor reflectir o tipo de
organização familiar prevalecente no país.
Deve, no entanto, salientar-se que a legislação portuguesa anterior ao Código Civil de 1967, por
exemplo, o Código Civil de 1867, até à sua reforma que teve lugar em 1930, atribua efeitos
jurídicos ao parentesco até ao 10º grau da linha colateral.
Mesmo, em termos de direito comparado, esta situação de parentesco não se mostra tratada de
forma uniforme pelas diversas legislações.
E, está bem de compreender que assim seja, se se tiver presente que esta é uma questão, que
muito tem a ver com o estádio de evolução organizativa da família, entanto que instituição social
que é.
À medida que a família tende a evoluir de tipo alargado para celular, assiste-se a um
restringimento da eficácia jurídica dos laços de parentesco a um grupo menor de pessoas.
Quando a nível sa sociedade, por razões de natureza social, religiosa ou outra, se pretende
atribuir relevância especial aos vínculos familiares derivados da família constituída face à lei,
verifica-se a preocupação de distinguir os que derivam de uma união legal, dos que advêm de
qualquer outro tipo de relacionamento.
18
Quando assim é, o primeiro tipo de vínculo designa-se por legítimo, ao passo que o segundo se
apelida de ilegítimo. No caso de Moçambique, tais designações são hoje inconstitucionais, por
contrariarem o princípio da igualdade e não discriminação em razão do estado civil dos pais.
Como atrás já foi referido, o parentesco determina-se pelas gerações que vinculam umas
pessoas às outras, formando cada geração um grau e compondo o conjunto de graus a linha de
parantesco – artigo 9.º da Lei da Família.
Pode, por outro lado, dizer-se que o parentesco se conta por linhas e por graus, tendo em conta
o que se acha preceituado nos artigos 8.º, 9.º, 10.º e 11.º, da Lei da Família.
Por linha deverá entender-se a série de pessoas que, integrando várias gerações ou graus,
descendem do mesmo tronco.
Numa primeira prespectiva, ela pode revistir a forma de linha paterna ou de linha materna.
Numa segunda prespectiva, aliás comum às linhas antes indicadas, poderá tomar as formas de
linha recta ou directa e de linha colateral, transversal ou obliqua.
A linha diz-se recta quando as pessoas descendem umas das outras (artigos 10.º, n.º 1, primeira
parte, da Lei da Família) e colateral quando as pessoas, não descendendo umas das outras,
procedem de um progenitor comum, ou seja, têm um ascendente comum (artigos 10.º, n.º 1,
segunda parte, da Lei da Família).
Por outro lado, numa mesma linha a proximidade do parentesco mede-se em função dos graus
nela existentes.
E, por sua vez, os graus de parentesco contam-se pelo número de nascimentos (ou de
gerações) que ligam uma pessoa à outra, na cadeia do parentesco.
Na contagem dos graus, em qualquer uma das linhas de parentesco, é importante ter presente
que nunca se considera, para esse efeito, o progenitor comum – artigo 11.º da Lei da Família.
Importa referir que sendo a linha colateral, para efeitos de contagem de graus, deverá subir-se
por um dos ramos e descer-se pelo outro, tendo, porém, em atenção a regra que se precisou no
parágrafo anterior.
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1º Caso
A X
│ │
B –C
D– E
Num caso desta natureza estar-se-á em presença de um vínculo de parentesco de linha recta
ascendente e paterna, em que o número de gerações ou graus é três (F, D e B), uma vez que
não se conta o progenitor (A).
Assim sendo, poderá dizer-se que F em relação a A, é um parente (descendente) em linha recta
paterna e de terceiro grau. E, que A em relação a F, é um parente (ascendente) em linha recta
paterna e em terceiro grau.
IIº Caso
Partindo-se de tais premissas, pretende-se saber que grau de parentesco existe entre A e F.
B–C
D–E
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Neste caso, está-se perante um vínculo de parentesco de linha recta, descendente e materna,
em que as gerações ou graus são também em número de três (C, E e F), tendo em
consideração que não se conta, par este efeito, o progenitor (A).
IIIº Caso
F é filho de C que, por sua vez, é irmão de B, sendo ambos filhos de A. Por outro lado, B tem
dois filhos, D e E.
Qual o vínculo de parentesco existente, por um lado entre F, D e E, e por outro lado entre C e E?
/\
B C
/ \ │
D E F
Dir-se-á que, neste caso, se está perante um vínculo existente de parentesco de linha colateral,
de terceiro grau.
IRMÃOS GERMANOS
Irmãos germanos ou bilaterais são irmãos, que são filhos do mesmo pai e da mesma mãe.
IRMÃOS CONSAGUÍNEOS
Irmãos consaguíneos ou unilaterais são os irmãos, que são filhos do mesmo pai e de mães
diferentes.
IRMÃOS UTERINOS
21
Irmãos uterinos ou unilaterias são os irmãos, que são filhos da mesma mãe e de pais diferentes.
A. 3 - AFINIDADE
A. 3.1.1 - NOÇÃO
A afinidade é o vínculo que liga cada um dos cônjuges aos parentes do outro.
Da noção acima apresentada deve-se retirar o princípio de que a afinidade apenas origina a
existência de vínculos entre um cônjuge e os parentes do outro. Sendo assim, os parentes dos
cônjuges, entre si, nunca são afins. É por isso que comumente se diz que a afinidade não gera
afinidade.
Com isto quer-se dizer entre afins não existe qualquer vínculo de parentesco, tendo em conta
que nenhum deles descende do outro e não têm progenitor comum.
Por isso, será incorrecto afirmar-se que se é parente por afinidade ou usar-se a expressão
parentesco por afinidade.
A afininadade é tão só uma de entre as várias fontes de relações jurídicas familiares e que se
distingue, de forma clara, do parentesco, como resulta da noção consagrada pela lei.
Decorre que foi dito acima que, do ponto de vista técnico-jurídico, não existe nenhuma relação
jurídico-familiar entre progenitores do marido e os progenitores da mulher, que na realidade
moçambicana de designam entre eles por compadres ou comadres.
Assim, na área do direito sucessório, esta questão reveste-se de primordial interesse, quando se
esteja em presença da sucessão de irmãos e seus descendentes, da sucessão de outros
colaterais, da sucessão de ascendentes e da sucessão de descendentes. Pois, como haverá
oportunidade de verificar, quando ocorra um destes tipos de sucessão, no âmbito da sucessão
legal, os afins nunca são chamados a suceder.
Como facilmente se extrai da noção de afinidade antes apresentada, constituem fontes desta
espécie de relação familiar o casamento e o parentesco.
O casamento é assim, face à lei, o único germen donde poderão emergir relações de afinidade,
desde que associado ao parentesco, que deve existir com o outro cônjuge. E, quando se fala de
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casamento, deve ter-se presente que se quer considerar tão só a relação matrimonial constituída
à face da lei.
Por essa razão, se não houver casamento legal, ainda que existam relações carnais ou mesmo
vida em comum, não chega a constituir-se o vínculo de afinidade.
Mas, as coisas passam-se de modo diferente quando ocorre a dissolução do casamento. Isso
deriva do tratamento que a lei dá a esta situação. Na verdade, na segunda parte do artigo 14º da
Lei da Família estabelece-se, de forma expressa, que o vínculo da afinidade não cessa com a
dissolução do casamento.
Quer isso dizer que as relações de afinidade já constituídas perduram para além da dissolução
do casamento. Ou seja, esta espécie de vínculo familiar prossegue mesmo depois de extinta a
sociedade conjugal, quer esta tenha por origem o divórcio, quer ele tenha resultado da morte de
um dos cônjuges. Mas uma vez dissolvido o casamento, que é a fonte da afinidade, não se
constituem novas relações de afinidade.
Portanto, os cunhados continuam a sê-lo e os sogros também, mesmo depois dos cônjuges se
haverem divorciado.
A. 3.1.3 – CONTAGEM
As relações de afinidade são também muito numerosas. Atrás falámos dos cunhados, mas
podemos aqui arrolar, entre outros, os tios, os sobrinhos e os próprios primos do outro cônjuge, e
dentro dos primos ainda se poderia falar dos primos de primeiro, segundo, terceiro, quarto grau e
por ai em diante.
Dai que se compreenda a necessidade que existe de definir e ordenar as relações de afinidade,
procedendo-se à sua contagem.
Em conformidade com as regras estabelecidas pelo artigo 14.º da Lei da Família, a afinidade
conta-se de igual modo como o parentesco, por linhas e por graus.
Quanto aos conceitos de linha e de grau, bem como quanto à forma como se procede à
contagem, remete-se para o que já foi referido, na parte deste curso, respeitante ao parentesco.
23
/\
B C
/ \ │
D E F–G
F é casado com G, sendo por sua vez, respectivamente filho e neto de C e A, sobrinho de B e
primo direito de D e E.
Como se teve oportunidade de ver anteriormente as linhas poderão ser recta e colateral, e há
tantos graus quantas as gerações que formam a respectiva linha.
Vistas as coisas deste modo, afirmar-se-á que G é afim de 1.º e 2.º graus, da linha recta
ascendente, em relação a C e A, respectivamente; e é afim de 3.º e 4.º graus, da linha colateral,
em relação a B e a D e E, respectivamente.
G é casada com F, que é filho de D, o qual tem o irmão E, sendo ambos filhos de B que, por sua
vez, é filho de A. B tem um irmão C, o qual tem o filho H, que é casado com I. Por seu lado I é
filha de L, sendo este filho de J.
Em primeiro lugar, pretende-se saber qual a relação familiar que existe entre G, A e C? A
resposta a esta pergunta será a seguinte:
Porque G é casada com F, sendo A e C parentes deste, tendo por base a noção de afinidade
consagrada no artigo 14.º da Lei da Família, dir-se-á que G é afim de A na linha recta
ascendente e no 3.º grau. E será afim de C, na linha colateral e no 4.º grau, tendo para este
efeito presente as disposições conjugadas dos artigos 14.º, 10.º e 11.º, da Lei da Família.
Em segundo lugar, pretende-se saber que relação familiar existirá entre I, B, D e E? A reposta a
dar a esta questão será a seguinte:
Sendo I casada com H, o qual é parente de B, D e E, de acordo com o estatuido pelo artigo 13.º
do C. Civil, entre I, B, D e E há uma relação de afinidade. I é afim de B na linha colateral, no 3.º
grau. Relativamente a D e E, I é afim na linha colateral e no 4.º grau, tendo presente o estatuido
pelas disposições conjugadas dos artigos 14.º, 10.º e 11.º, todos da Lei da Família.
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A. 4.1 – PARENTESCO
Há um efeito comum muito importante que resulta do parentesco e que se prende com o direito
sucessório.
Quando morre uma pessoa são chamadas a suceder-lhe os seus parentes, porque a lei
reconhece relevância jurídica às relações familiares desta natureza.
No caso da sucessão, a lei considera os parentes sempre e de uma forma geral como
sucessíveis, razão pela qual se pode falar da existência de um efeito comum. A este propósito
veja-se o disposto no artigo 2133.º do C. Civil.
Contudo, deve notar-se que, não obstante tratar-se de um efeito comum, o indicado em relação
aos parentes referidos no artigo 2133.º do C. Civil, a lei estabelece uma hierarquia entre os
parentes, que está em consonância com o grau de parentesco.
Esta mesma situação de hierarquia é ainda mais evidente no caso dos herdeiros legitimários,
como se pode ver do que se dispõe no artigo 2157.º do C. Civil.
Ressalta-se que subjacente a esta hierarquização, ou por outras palavras, na base do critério de
hierarquia está, sem margem para dúvidas, a maior ou menor proximidade do parentesco.
Esta mesma situação de hierarquia é ainda mais evidente no caso dos herdeiros legitimários,
como se pode ver do que se dispõe no artigo 2157.º do C. Civil.
Ressalta-se que subjacente a esta hierarquização, ou por outras palavras, na base do critério de
hierarquia está, sem margem para dúvidas, a maior ou menor proximidade do parentesco.
Ao lado deste efeito comum, pode deparar-se com efeitos especiais, que a lei atribui a certo tipo
de relações familiares, como sejam:
25
• A obrigação alimentar, cuja noção se acha expressa no artigo 407.º da Lei da Família,
é imposta, por lei, a determinados parentes, como sejam, os descendentes, os
ascendentes, os irmãos, os tios – conforme preceitua o artigo 413.º da Lei da Família.
Os unidos de facto, enquanto durar a união, estão igualmente reciprocamente
vinculados à prestação de alimentos.
• Os casos de impedimentos do Juíz previstos nos artigo 122.º, nº 1, alíneas b), d), f) e
g) e artigo 124.º, ambos do C.P.Civil.
A. 4. 2– AFINIDADE
E, de facto, quanto a este tipo de relação familiar são bem menores os seus efeitos jurídicos, em
comparação com o parentesco, onde o leque dos efeitos é bem maior.
26
Para tal, deve ter-se presente o que se dispõe no artigo 363.º, n.ºs 1 e 2, da Lei da Família,
quanto à constituição do Conselho de Família. Por outro lado, o artigo 413.º, n.º 1, alínea g),
impõe a obrigação de prestar alimentos ao padrasto ou madrasta relativamente a enteados
menores ou incapazes, a cargo exclusivo do respectivo cônjuge, de que não estejam separados
de facto.
• artigo 31.º, alínea c) da Lei da Família, que considera a afinidade em linha recta como
impedimento (dirimente relativo) do casamento;
• artigo 32.º, alínea c), conjugado com o artigo 36.º, ambos da Lei da Família, que prevê
como impedimento impediente o vínculo da tutela, curatela e administração legal de
bens, quando o tutor, curador ou administrador de bens seja afim na linha recta do
incapaz.
Os restantes efeitos não vão ser aqui enumerados, mas dir-se-á que constam de legislação
especial.
Ressalte-se, entretanto, que embora teoricamente a afinidade tenha limites idênticos aos do
parentesco e, portanto, deixa de produzir efeitos a partir do 8º grau da linha colateral, a verdade
é que quase não existem no direito normas legais, que atribuam efeitos jurídicos às relações de
afinidade na linha colateral, para além do 2.º grau [cfr.al.b), d), f) e g) e do nº 1, do artigo 122.º
do C.P.Civil].
E dissemos quase, por que há, na verdade, alguns quantos casos em que tal não acontece,
como seja:
• artigo 127.º, n.º1, alínea a) do C.P. Civil (suspeição do juiz), que reconhece efeitos à
afinidade até ao 4º grau da linha colateral;
• artigo 104.º, n.º 2 do C.P. Penal (impedimentos), que se atribui efeitos à afinidade até ao
3.º grau da linha colateral;
• artigo 112.º, n.º 1 do C. P. Penal (suspeição do juíz), que reconhece efeitos jurídicos à
afinidade até ao 4.º grau da linha colateral.
B – ADOPÇÃO
A palavra adopção provêm do latim “a doption”, que é expressão formada de ad que significa
(por), e optione que quer dizer (opção).
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A adopção, enquanto fonte de relações jurídicas familiares e instituto jurídico, tem
profundas raízes históricas.
Na bíblia existem algumas referências sobre adopção como a de Moisés pela filha de Faraó
(êxodo 2:10), Efraim e Manasses por Jacó e Ester por Mardoqueu.
O Código de Hamurabi, escrito por volta de 1700 ac, estabelecia algumas normas sobre
adopção. Dizia o art. 185 do Código “Se um homem adoptar uma criança e der o seu nome a ela
como filho, criando-o, este filho crescido não poderá ser reclamado por outrem.”
O instituto conheceu uma fase de declíneo a partir do séc. XV e XVI, quando o Direito Canônico
passou a considerar o sacramento matrimonial como fonte privilegiada da família. Por isso, os
vínculos de sangue fundados no casamento prevaleciam sobre aqueles que resultassem de
relações extra-conjugais. A diferenciação entre filhos legítimos e ilegítimos, que até
recentemente vigorou no nosso ordenamento jurídico, é consequência da influência da religião,
que protegia o matrimónio de forma especial.
O instituto da adopção readquire a sua vitalidade e suscita novo interesse aos legisladores no
fim das guerras mundiais. As guerras deixaram grande número de crianças sem pais, e muitos
pais sem filhos. “Milhares e milhares de crianças, caídas em orfandade, ficaram votadas nessa
época ao abandono e à miséria, nos países mais atingidos pela conflagração. A crise económica
de 1928, que atingiu os países socialmente mais evoluídos, agravou ainda mais a situação. Na
luta contra o flagelo da criminalidade juvenil, muitos dos estudiosos dos problemas, da infância
desvalida, reconheceram na adopção, apesar do seu limitado alcance prático, uma das melhores
armas de combate ao estado de carência moral e afectiva em que as crianças abandonadas se
encontravam”.
Desde então até aos tempos mais recentes, a adopção evoluiu no sentido de passar a ser
entendida mais como um meio de proteger os menores, que estivessem em estado de
abandono, do que uma forma de preservar o nome ou o património dos adoptantes.
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Este sentido de protecção da criança está subjacente de forma clara, quer na Declaração dos
Direitos da Criança Moçambicana (Resolução n.º 23/79, de 26 de Dezembro), quer na própria
Convenção sobre os Direitos da Criança (Resolução n.º 19/90, de 23 de Outubro) e quer na
Carta Africana dos Direitos e Bem Estar da Criança (Resolução n.º 20/98, de 26 de Maio).
Com esta breve introdução ao instituto da adopção, pensamos ter contribuido para que torne
mais perceptível o seu conceito.
Segundo Diogo Leite Campos, a “adopção é um vinculo de parentesco legal, moldado nos
termos jurídicos da filiação natural, embora com esta não se possa confundir, nem haja qualquer
ficção legal a fazê-lo.”
Tendo por base a mesma realidade, o Prof. Eduardo Santos conceptualiza a adopção como
sendo uma filiação artificial, ficticia que cria um laço jurídico de filiação entre duas pessoas,
adoptante e adoptado. O autor, diferentemente do que sucede com Diogo Leite Campos, não
equipara a adopção à filiação natural, como é entendimento da doutrina maioritária.
Apesar das pequenas diferenças entre os autores, a maioria equipara a adopção à filiação
natural, pelo menos no que respeita aos efeitos. Aliás, alguns, como o Professor Pereira Coelho,
consideram mesmo que a adopção gera o parentesco legal, por justaposição ao parentesco
natural.
A acepção de que a adopção é parentesco legal, constitui a posição assumida por algumas
legislações, entre as quais se contam, a colombiana, a venezuelana e guatemalteca.
Todavia, o Prof. Antunes Varela chama a atenção para o facto de não obstante a adopção não
proceder a um facto biológico, ela tem origem numa realidade sociológica, psicológica e afectiva,
que merece, em termos incontestáveis, a tutela da lei, desde que com isso se não sacrifiquem os
interesses superiores da família natural, legitimamente constituída.
Em conformidade com o que estatui o artigo 15º da Lei da Família, a “adopção é o vínculo que, à
semelhança da filiação natural mas independentemente de laços de sangue, se estabelece
legalmente entre duas pessoas nos termos dos artigos 389º e seguintes”.
Por outras palavras, poderá dizer-se que se trata do surgimento de um vínculo jurídico entre
duas pessoas, vínculo esse determinado por decisão judicial; vínculo que, salvas as excepções
estabelecidas por lei quanto aos efeitos, é idêntico ao da filiação natural, mas que não tem a ver
com laços de sangue.
Tendo por base o que se disse a título de intróito e atento ao conceito de adopção estabelecido
por lei, não será difícil visualizar quais são os fins a que se destina este instituto jurídico.
29
• Dar uma família a um filho sem família;
Na vigência da lei anterior (Código Civil de 1967), essencialmente no que tangia a adopção
plena, era evidente a dupla finalidade, tendo por base o que dispunha o artigo 1981º, nº 1, parte
final, do C. Civil.
A adopção plena só era admitida quando requerida por duas pessoas casadas há mais de 10
anos e sem filhos; a adopção, neste caso, prosseguiria a finalidade de dar um filho a uma
família. Por outro lado, só podiam ser adoptados plenamente órfãos ou filhos de pais incógnitos,
caso em que a finalidade era dar uma família a um filho sem família.
Mas, se se atentar no que preceituava a lei em relação à adopção, em geral, poderá afirmar-se
que o seu fim primordial prendia-se com a defesa da infância em situação de abandono,
vulgarmente designada por infância desvalida.
E tal asserção afigurava-se confirmada pela lei, se se tiver presente a limitação que vinha
contida na alínea b), do nº 1 do artigo 1974º do C. Civil (adoptando devia ser menor de 14 anos)
e no facto da adopção ser decretada pelo Tribunal de Menores – artigo 1973º do C. Civil – o qual
só podia decretar a adopção se esta apresentasse reais vantagens para o adoptando – artigo
1974º, nº, alínea a) do C. Civil.
Para demonstrar que a finalidade de dar família a uma criança não se mostra de relevância
especial no novo quadro legal, basta mencionar que a Lei da Família admite que duas pessoas
com filhos possam adoptar. Porém, mantêm-se as exigências de que a adopção deve trazer
vantagens concretas para o adoptando e este deve ser menor, como veremos quando
estivermos a analisar os requisitos.
Mas também se afirma que a adopção serve um interesse público. A ideia de que serve um
interesse público funda-se, não só no facto de se exigir uma sentença judicial, mas também na
circunstância de ela ser irrevogável, porque uma vez constituída não pode ser alterada, embora
a lei admita a revisão da sentença nos casos especificamente previstos no artigo 405º da Lei da
Família.
B. 2 – MODALIDADES DA ADOPÇÃO
O Código Civil de 1967 previa duas modalidades de adopção: a adopção restrita e a adopção
plena. A diferença entre a adopção plena e a adopção restrita residia sobretudo na extensão dos
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efeitos de uma e outra modalidade. A adopção restrita produzia os efeitos especialmente
previstos por Lei, mas o adoptado mantinha as relações com a família natural; pelo contrário,
com a adopção plena, o adoptado adquiria a situação de filho, sendo como tal tratado para todos
os efeitos legais, salvo no que respeitava aos impedimentos matrimoniais.
No que respeita aos sujeitos envolvidos (requerentes), a Lei prevê as modalidades de adopção
plural (por duas pessoas) e adopção singular (por uma pessoa).
Temos, por um lado, os requisitos gerais e, por outro, os requisitos específicos, respeitantes aos
requerentes e ao adoptando.
Do artigo 391.º, n.º 1, da Lei da Família, refira-se serem os seguintes os requisitos gerais da
adopção:
• Capacidade de integração.
Antes, exigia-se que a adopção trouxesse “reais vantagens”; entretanto, no novo texto legal foi
preferida a terminologia “vantagens concretas”. Com tal inovação, pretendeu-se deixar claro que
as vantagens não sejam hipotéticas, mas que sejam efectivamente demonstradas; visto que a
adopção é precedida de um período de adaptação de no mínimo seis meses, com
acompanhamento dos Serviços da Acção Social, é possível, terminado tal período, aferir-se num
caso concreto e do ponto de vista das condições morais e materiais, a adopção é ou não
vantajosa para o menor.
Dada a exigência feita por lei, sempre se deverá ter bem presente que, a sentença do Tribunal
de Menores não se limita a realizar um mero juízo de legalidade, mas sim emite um verdadeiro
juízo de oportunidade e de valor, quando entende e decide que a adopção apresenta para o
adoptado vantagens concretas.
Com o segundo requisito geral, o legislador pretende evitar que a adopção implique um sacrifício
injusto para os outros filhos do adoptante.
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Tem-se defendido que as desvantagens em termos sucessórios que a adopção possa acarretar
não poderão ser incluídas no conceito de sacrifício injusto. Pelo contrário, a adopção poderá pôr
em causa os interesses dos outros filhos se, de forma substancial, afectar o desenvolvimento
físico e psíquico dos filhos do adoptante. Sobre este assunto o Prof. Antunes Varela apresenta o
seguinte exemplo: “Se o casal ou progenitor adoptante já não tiver condições econômicas para
os sustentar, obrigando-os a passar privações, ou se, a introdução duma nova criança no lar for
onerar especialmente uma das filhas, já sobrecarregada com a lida da casa.”
Por último, a lei impõe como requisito geral que o requerente e adoptando revelem capacidade
de integração; ou seja, que estabeleçam laços de afecto e aproximação semelhantes aos da
filiação natural. Será durante o período de adaptação que os Serviços de Acção Social irão
verificar se as duas partes revelam ou não a necessária capacidade de adaptação.
Por força do Artigo 393.º da Lei da Família, exige-se, para a adopção plural, que os requerentes
reúnam cumulativamente os seguintes requisitos:
Um primeiro aspecto, na adopção singular, tem a ver com a cessação do vínculo com os
ascendentes biológicos, sem prejuízos do que se acha disposto quanto aos impedimentos
matrimoniais. Assim, decretada a adopção, fica afastada a possibilidade de se reestabelecer o
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vinculo familiar entre o adoptado e seus parentes naturais, mesmo que o adoptante depois
venha a contrair casamento com o ascendente natural do adoptado. Neste caso, do ponto de
vista legal, o ascendente biológico que depois da adopção contrai casamento com o adoptante é
tratado como afim do adoptado; querendo o ascendente biológico reestabelecer os laços de
filiação terá que recorrer a uma adopção singular.
Outro aspecto relativo à adopção singular tem a ver com a inexistência de normas especiais de
registo civil dos adoptados. Na verdade, sendo o adoptante singular, por hipótese, do sexo
masculino, este será considerado como pai do adoptado, para efeitos de registo civil, mas a lei
nada dispõe quanto a indicação da mãe.
Situação diversa se verificará quando a adopção recair, no momento em que ocorre, sobre o
filho do cônjuge ou da pessoa com que o adoptante mantêm comunhão de vida ou viva em união
de facto. A relação familiar anterior entre o adoptado e seus parentes e colaterais naturais se
mantêm.
A nosso ver, com a adopção singular, o(a) adoptante deveria assumir a posição do pai ou da
mãe, mantendo-se as relações entre o adoptado e o progenitor de sexo oposto ao do(a)
adoptante. Assim, sendo o adoptante do sexo masculino, o adoptado seria considerado filho do
adoptante e da mãe biológica; no caso inverso, o adoptado seria considerado filho da adoptante
e do seu pai biológico. Foi esta a solução adoptada na Lei de Família de Angola, com a qual
concordamos plenamente.
Olhando para o Artigo 393.º da Lei da Família, pode-se concluir que o requisito temporal de
vigência mínima de três anos, de casamento ou união de facto, justifica-se pela necessidade de
assegurar a estabilidade da relação e evitar que os cônjuges ou os unidos de facto tomem uma
decisão precipitada ou irrefletida. Quanto à idade mínima e os limites fixados em relação às
idades do adoptado e adoptante, dizer que o legislador pretendeu assegurar a maturidade dos
adoptantes e evitar grandes discrepâncias de idades, condições necessárias para que o(s)
adoptante(s) possam exercer com a necessária autoridade o poder parental sobre o adoptado.
De acordo com Prof. Antunes Varela, “exige-se naturalmente que o adoptante tenha maturidade
de espírito e estabilidade social necessária para cuidar seriamente da educação do adoptando.”
Explana ainda o autor que, na adopção efectuada por “pessoa idosa ou casal de idade
avançada, è grande o risco de a adopção fracassar por desajustamento natural de costumes,
hábitos e modo de vida entre adoptante e adoptado ou constituirá má adopção.”
De acordo com a Lei, em regra, podem ser adoptados os menores de 14 anos e podem adoptar
indivíduos com idade não superior a 50 anos. Dispõem ainda o n .º 4 do art. 393.º que, “salvo
casos ponderosos a diferença de idades entre adoptado e adoptante não deve ser inferior a 18
anos nem superior a 25 anos.”
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Relativamente à legitimação do adoptando dispõem o artigo 395.º que a adopção pode recair
sobre:
• Os menores filhos do cônjuge do adoptante ou da pessoa com quem este viva em união
de facto ou comunhão de vida há mais de três anos;
Note-se que, diferentemente do que sucede com a união de facto, cuja noção consta do artigo
202º da Lei da Família, nenhuma noção legal da “comunhão de vida” é apresentada. Dever-se-á,
deste modo, entender-se por “comunhão de vida” a situação de vida em comum (comunhão de
cama, mesa e habitação) sem que entretanto estejam reunidos os requisitos da união de facto,
designadamente, quando um dos companheiros da comunhão esteja ligado formalmente por
casamento anterior não dissolvido, facto que impossibilita a atribuição dos efeitos da união de
facto. Situações desta natureza (em que um dos cônjuges passa a coabitar com outra pessoa)
ocorrem normalmente quando há separação de facto entre os cônjuges sem o propósito de
retomar a vida conjugal.
Dispõem o n.º 1 do art 396.º da Lei da Família que “para que haja lugar à adopção é necessário
o consentimento do adoptando quando maior de 12 anos, do cônjuge, não separado de facto, do
adoptante, dos pais naturais do adoptando, ainda que menores e mesmo que não exerçam o
poder parental, dos filhos do adoptante, quando maiores de 12 anos.” No entanto o tribunal
poderá dispensar o consentimento das pessoas que o deveriam prestar, se estiverem privadas
do uso normal das faculdades mentais ou por qualquer outra razão se houver dificuldade em as
ouvir.
No que respeita ao adoptando, o artigo 399º da Lei da Família manda que seja ouvido quando
tenha mais de 7 anos de idade. Não se tratará neste caso de obter o consentimento do menor
mas de colher a sua opinião, que deverá ser considerada no processo de decisão. O facto da lei
estabelecer o dever de audição só a partir dos 7 anos, não poderá ser entendido como
impeditivo da audição do adoptando com menos de 7 anos; na verdade, tratando-se de um
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processo integrado na jurisdição voluntária, o Juiz poderá, se assim achar conveniente, ouvir os
menores com idade inferior a 7 anos.
O processo vem hoje regulado na Lei n.º 8/2008, de 15 de Julho, e obedece a duas fases
distintas, sendo a primeira instrutória e a segunda decisória.
Não se verificando situação que determine indeferimento liminar, o Juiz ordena a remessa dos
autos aos Serviços da Acção Social para inquérito social, a ser concluído no prazo de 30 dias.
Poderá haver indiferimento liminar, por exemplo, se o adoptando já tiver atingido 19 anos ou
quando se trate de um requerimento para adopção plural feito por duas pessoas não casadas e
que não tenham vida em comum. A diferença de idades entre o adoptante e adoptando não pode
fundamentar um indeferimento liminar, já que o n.º 4 do artigo 393.º da Lei da Família, abre
espaço para casos ponderosos, que só podem ser verificados na fase instrutória.
Durante o inquérito social, os Serviços da Acção Social procedem ao estudo da situação dos
requerentes ou do requerente, bem como do adoptando, para aferir se aqueles reúnem
condições para adoptar e se a adopção pode trazer vantagens para o adoptando.
Concluído o inquérito, é elaborado relatório contendo o parecer dos Serviços da Acção Social.
Se o processo de adopção tiver que prosseguir, o Juiz fixa o período de integração do adoptando
na família dos requerentes e as formas como tal integração se deve processar.
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família dos requerentes da adopção. Antes da decisão, o tribunal pode ordenar diligências de
prova que reputar necessárias.
Apresentado o relatório e parecer final dos Serviços da Acção Social o juiz ordena que os autos
vão com vista ao Ministério Público para que, no prazo de cinco dias, se pronuncie sobre o
pedido na qualidade de curador de menores.
O tribunal ordena depois que sejam notificadas as pessoas que, por lei, devem dar o seu
consentimento e procede às audições obrigatórias, se os consentimentos não tiverem sido
prestados antes, nos termos do n.º 2 do artigo 397.º da Lei da Família.
Finalmente, e nos termos do artigo 100.º da Organização Tutelar de Menores, não havendo
necessidade de mais diligências, é proferida sentença, no prazo de oito dias, decretando ou
negando a adopção.
A sentença que decretar a adopção é lida em sessão pública, com a presença das partes
interessadas, sendo notificados os Serviços da Acção Social.
V. Efeitos da adopção
Relativamente aos efeitos da adopção, dispõem o n.º 1 do artigo 400.º da Lei da Família que,
pela adopção, o adoptado adquire a situação de filho do adoptante e integra-se com os demais
descendentes na família deste, extinguindo-se as relações familiares entre o adoptado e seus
ascendentes e colaterais naturais, sem prejuízo do que se acha disposto quanto a impedimentos
matrimoniais. Assim, o filho adoptivo se desliga de qualquer vinculo com os pais e parentes
biológicos, salvo quanto aos impedimentos matrimoniais, que persistem por razões de ordem
morais e eugênica.
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Salientar que se um dos cônjuges adoptar o filho do outro cônjuge ou se a adopção recair sobre
o filho da pessoa com que o adoptante viva em união de facto ou mantenha comunhão de vida,
manter-se-ão as relações entre o adoptado e seu progenitor (cônjuge do adoptante) e seus
respectivos parentes.
Um outro efeito específico prende-se com a proibição de se estabelecer a filiação natural, tendo
em conta a necessidade de proteger a estabilidade do vínculo que, como outros vínculos
jurídico-familiares, reveste a característica da perpetuidade.
Assim, cessam as relações entre o adoptado e a família natural, ainda que tal filiação natural
ainda não esteja estabelecida, designadamente através da perfilhação.
Porque o adoptado e seus descendentes são integrados na família do adoptante, entre eles
passam a vigorar os efeitos do parentesco, nomeadamente no que respeita aos impedimentos
matrimoniais.
Contudo, pode, de acordo o n.º 1 do artigo 405.º da Lei da Família, requer-se a revisão da
sentença que a tiver decretado, quando haja vícios essenciais na sua constituição.
A revisão da sentença poderá ocorrer igualmente nos casos previstos no artigo 771º do C.
Processo Civil.
V. Adopção Internacional
O n.º 1 do artigo 60º do C.Civil moçambicano, manda aplicar à constituição da filiação adoptiva
“a lei pessoal” do adoptante, quando se trate de adopção singular. Nos casos em que a adopção
é requerida por marido e mulher, a mesma disposição, manda aplicar a lei nacional comum e, na
falta desta, a lei da residência habitual comum e, se esta também faltar, a lei com a qual os
requerentes tenham uma relação mais estreita.
As relações entre o adoptante e o adoptado, e entre este e a família natural, estão sujeitos à lei
pessoal do adoptante ou, no caso de adopção feita por marido e mulher, à lei nacional comum
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ou, na falta desta, à lei da residência habitual comum ou, se esta também faltar, à lei com a qual
os requerentes tenham uma relação mais estreita (ver nº 2 do artigo 60º, conjugado com o artigo
57º, todos do C. Civil).
Visto que com a adopção o adoptado integra-se na família do adoptante, faz sentido que seja a
lei pessoal do adoptante a regular, tanto a constituição da filiação adoptiva como a relação entre
o adoptante e o adoptando. A lei, porém, em alguns casos exige que seja respeitada a lei de
origem do menor; assim, nos termos do nº 3 do artigo 60º do C.Civil, a adopção não é permitida
se a lei que regula a relação entre o adoptando e a família natural não conhecer o instituto da
adopção ou não o admitir em relação a quem se encontre na situação familiar do adoptando.
Outro mecanismo que a lei moçambicana prevê para a protecção dos menores é a constante do
nº 1 do artigo 61º do C.Civil, de acordo com o qual, se a lei pessoal do adoptando exigir o
consentimento deste como requisito para a adopção, será a exigência respeitada. Do mesmo
modo, tal como estabelece o nº 2 do já citado artigo 61º, se for exigido consentimento de terceiro
pela lei que regula relações familiares ou de tutela entre o adoptando e tal terceiro, será a
exigência respeitada.
Resulta das disposições legais acima que, perante um caso de adopção internacional (ex.
adopção de menor moçambicano por estrangeiro, adopção de menor estrangeiro por
moçambicano, adopção de menor estrangeiro requerida por um estrangeiro), o tribunal deverá,
depois de se certificar que possui competência internacional para o efeito, determinar qual a lei
reguladora da constituição da filiação adoptiva, ao abrigo das normas de conflito vigentes.
Embora a norma de conflito que inicialmente nos remete para a lei aplicável seja o artigo 60º do
C. Civil, há que ter em conta as normas contidas no artigo 15º do C. Civil (sobre qualificações) e
nos artigos 16º e seguintes do C. Civil, sobre reenvio. Pode suceder que, preenchidos os
requisitos do artigo 17º (transmissão de competências), no lugar da lei designada pelo artigo 60º
do C. Civil seja aplicável uma terceira ou outra que seja competente na cadeia da transmissão
de competências; por outro lado, pode a lei inicialmente designada devolver a competência para
a lei moçambicana, nos termos do artigo 18º do C. Civil.
Deste modo, será aplicada a lei moçambicana quando os requerentes sejam moçambicanos,
sem prejuízo do disposto no nº 4 do artigo 60º e no artigo 61º, todos do C. Civil; ou seja, dever-
se-á determinar se a lei que regula a relação entre o adoptando e a sua família natural admite a
adopção e, se sim, quais os requisitos exigidos por tal lei para quem se encontre na situação
familiar do adoptando (requisitos respeitantes ao adoptando). Por outro lado, embora sendo
aplicável a lei moçambicana para a questão principal da constitituição da filiação adoptiva, há
que verificar se nenhuma lei que regula as relações de família, entre o adoptando e sua família
natural, ou de tutela, entre o adoptando e o seu tutor, exige consentimento de uma terceira
pessoa (diferente do adoptando) como requisito ou condição para a adopção e, em caso
afirmativo, tal consentimento deve ser obtido.
Sendo o menor moçambicano, por força do nº 3 do artigo 60º e do artigo 61º, ambos do C. Civil,
independentemente do preenchimento dos requisitos estabelecidos na lei estrangeira
considerada competente, para que seja decretada a adopção, devem estar igualmente
preenchidos os requisitos previstos no artigo 395º da Lei da Família (que define a situação
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familiar em que o menor se deve encontrar para ser adoptado) e obtidos os consentimentos a
que se refere o artigo 396º da Lei da Família.
Como se pode depreender, nem sempre a Lei da Família moçambicana é a única aplicável para
os casos de adopção internacional apreciados por tribunais moçambicanos; nos casos em que a
adopção de menor moçambicano é requerida por estrangeiro, salvo os casos de retorno de
competência previstos no artigo 18º do C. Civil, a lei moçambicana só é aplicável no que respeita
aos requisitos atinentes a quem pode ser adoptado e consentimentos exigidos por lei.
O que ficou dito não afasta a regra geral de aplicação das normas processuais da lex fori em
todos os casos apreciados por tribunais moçambicanos. Serão, portanto, aplicáveis à adopção
internacional as normas processuais constantes da Organização Tutelar de Menores, aprovada
por Lei n.º 8/2008, de 15 de Julho e, subsidiariamente, as normas comuns de processo. No
processo de qualificação primária (das normas do direito estrangeiro aplicável à questão de
fundo), devem ser afastadas as normas estrangeiras de natureza processuais, que, regra geral,
não devem ser aplicadas pelo Juiz moçambicano.
Moçambique ainda não ratificou a Convenção de Haia sobre a Protecção das Crianças e a
Cooperação em Matéria de Adopção Internacional, de 29 de Maio de 1993. A Convenção
estabelece, entre os Países membros, importantes mecanismos de coordenação, que permitem
mitigar os riscos associados à deslocação de menores do País de origem para o País de destino.
Deste modo, para os tribunais se certificarem da condição, incluindo a idoneidade, de
requerentes estrangeiros e para o necessário acompanhamento do menor adoptado no País de
destino, a alternativa é o uso de mecanismos de cooperação bilateral entre os Países.
Enquadramento e noção
Perante a situação de crianças órfãs e vulneráveis, a Lei da Família de 2004 veio acrescentar
mais uma alternativa de amparo familiar, introduzindo o instituto da Família de Acolhimento.
Da Fundamentação da Lei da Família retira-se que o instituto da família de acolhimento foi
introduzido “para dar cobertura a uma situação que tem vindo a ser comum no nosso País, de
famílias que têm tomado à sua guarda crianças órfãs ou abandonadas, sem que tenham
enveredado pelo caminho da adopção ou tutela”.
É na esteira do entendimento vertido na Fundamentação que a Família de Acolhimento vem
definida no artigo 381.º da referida Lei como sendo um “meio alternativo de suprir o poder
parental, verificada a impossibilidade da adopção e de tutela” .
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A introdução do instituto da Família de Acolhimento, traduz o reconhecimento, pelo
legislador, de que as famílias estão, de forma única, equipadas para proporcionar às
crianças o amor, a compreensão e o apoio emocional de que carecem, essenciais para
a sua saúde física e mental e consequente harmonioso desenvolvimento.
A impossibilidade de adopção ou tutela deve ser vista do ponto de vista legal. Trata-se
de situações em que não se verificam os requisitos legais estabelecidos para a adopção
ou tutela e também dos casos em que, no confronto entre aquelas duas formas de
colocação do menor numa família e o acolhimento, este se mostra como a alternativa
que melhor serve os interesses superiores do menor.
Assim sendo, a impossibilidade da adopção e da tutela deve ser vista sem ignorar o
facto da jurisdição de menores ser de equidade se orientar por princípios de bom senso,
não estando sujeita a critérios de legalidade estrita5. Em especial, o interesse superior
da criança, tal como previsto no n.º 3 do artigo 47.º da Constituição da República de
Moçambique, deve ser o princípio orientador em todos os actos relativos às crianças.
Da conjugação dos artigos 340.º e 341.º da Lei da Família também se alcança que o
Tribunal pode optar por entregar o menor à família de acolhimento, mesmo existindo
parentes que poderiam exercer a tutela; a decisão do Tribunal será neste caso baseada
no interesse superior do menor.
5
Ver artigo 3 da Organização Tutelar de Menores, aprovada pela Lei n.º 8/2008, de 15 de Julho.
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Apesar da Lei fazer referência reiterada a cônjuges, a verdade é que o acolhimento pode ser
feito por companheiros da união de facto e mesmo por uma pessoa. Na verdade, da
interpretação do artigo 382.º, alínea c), da Lei da Família, se retira que, apenas um dos cônjuges
pode providenciar pelo acolhimento, quando separado judicialmente de pessoas e bens que,
como sabemos, pode ser convertida em divórcio. Ora, se o cônjuge separado judicialmente de
pessoas e bens, que pode posteriormente ser divorciado, pode providenciar pelo acolhimento,
sem obter o consentimento do outro cônjuge, decorre daí ser possível o acolhimento singular,
isto é, por uma só pessoa. Sendo assim, nenhuma razão legal justificaria a exclusão dos unidos
de facto. Aliás, outro não pode ser o entendimento se se tiver em conta que a adopção, que cria
laços muito mais fortes que o acolhimento, pode ser feito por pessoas casadas, por pessoas
unidas de facto ou vivendo em comunhão de vida e por uma só pessoa (adopção singular).
O artigo 383.º da Lei da Família, que fixa como idade máxima do menor a acolher os 16 anos.
Para além do requisito da idade do menor a acolher, a integração deste na família de
acolhimento deve apresentar vantagens para o seu bem-estar e desenvolvimento e deve ser
feita com o consentimento dos seus pais naturais ou ascendentes que o tenham à sua guarda,
desde que exerçam plenamente o poder parental.
Desde logo a lei não faz cessar o vínculo entre o acolhido e a sua família natural, como se
depreende do artigo 384.º da Lei da Família.
Na relação entre os cônjuges ou pessoas que acolhem e o acolhido, o artigo 385.º da Lei da
Família estabelece como efeitos:
As pessoas que acolhem exercem plenamente o poder parental sobre o acolhido, com
as necessárias adaptações;
Os que acolhem o menor devem alimentos a este durante a sua menoridade;
O acolhido, depois de atingir a maioridade, constitui-se na obrigação de prestar
alimentos aos que o acolheram, na falta de outras pessoas obrigadas, previstas no
artigo 413.º da Lei da Família, em condições de prestar alimentos.
Quando ao exercício do poder parental, importa frisar que o artigo 330.º da Lei da Família prevê
como meios alternativos de suprir o poder parental a tutela ou o acolhimento. Assim sendo, o
regime aplicável ao exercício do poder parental pelos que acolhem um menor é o mesmo que o
do exercício do poder parental pelo tutor.
Assim, no exercício do poder parental, o tutor e a(s) pessoa(s) que acolhe(m) o menor, para
além dos actos que os pais naturais não podem praticar sem autorização do tribunal, deve(m)
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solicitar autorização do tribunal para a prática dos actos previstos no artigo 349.º da Lei da
Família6.
O acolhimento, por ser um meio alternativo de suprir o poder parental, tal como a tutela, cessa
quando o menor atinge a maioridade civil. A Lei, porém, excepcionalmente prevê no n.º 3 do
artigo 385.º da Lei da Família a obrigação de prestação de alimentos que incumbe ao ex-
acolhido em relação às pessoas que o acolheram.
Quanto aos direitos sucessórios, a integração do menor na família de acolhimento não afecta a
sua posição em relação à família natural. O n.º 1 do artigo 386.º da Lei da Família claramente
estabelece que o menor mantém todos os direitos sucessórios, sendo por isso herdeiro legal,
legítimo e legitimário, da sua família natural.
Na relação com a família de acolhimento, o menor é herdeiro legítimo, ocupando a quinta classe
de sucessíveis na hierarquia estabelecida no artigo 2133.º do C. Civil. Nada obsta, de qualquer
modo, que o menor seja instituido por contrato ou testamento como herdeiro em relação à
totalidade da herança, se não existirem herdeiros legitimários.
Quanto aos impedimentos matrimoniais, eles mantêm-se na relação entre o acolhido e a sua
família natural, já que, como foi dito, não cessa a tal relação.
O vínculo que liga o acolhido aos cônjuges da família de acolhimento constitui impedimento
impediente previsto na alínea d) do artigo 32.º da Lei da Família.
6
O artigo 349.º, n.º 1, alínea a), da Lei da Família, faz uma remissão errônea ao artigo 299.º da mesma
Lei. A remissão correcta é ao artigo 296.º da Lei da Família. o artigo 349.º da Lei da Família corresponde
ao artigo 1938.º do C. Civil e este fazia menção ao artigo 1887.º do mesmo Código, que actualmente
corresponde ao artigo 296.º da Lei da Família. E faz sentido que assim seja pois a lei pretende atribuir ao
tutor menos poderes que os pais naturais.
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O processo relativo à integração do menor na família de acolhimento vem regulado nos artigos
114 a 117 da Organização Tutelar de Menores (OTM), aprovada pela Lei n.º 8/2008, de 15 de
Julho.
Depois da fase instrutória, que corre nos mesmos termos que no processo de adopção, no
relatório final, se o parecer for favorável à integração do menor na família de acolhimento, os
Serviços da Acção Social devem informar das razões da impossibilidade da adopção e da tutela.
Nos termos da OTM, artigo 117, n.º 1, o tribunal pode fixar um período de integração não
excedente a 3 meses, tendente a verificar a capacidade de integração entre o menor e a família
de acolhimento. Fixado o período de integração, o menor pode ser entregue à família de
acolhimento e só depois deste período e revelando-se capacidade de adaptação, na sequência
do relatório final dos Serviços da Acção Social e promoção do Ministério Público, o tribunal pode
decretar o acolhimento. Tal como na adopção, o posicionamento dos Serviços da Acção Social e
do Ministério Público não são vinculativos.
O acolhimento, como dissemos, sem prejuízo das excepções previstas por lei, cessa com a
maioridade do acolhido. Mas o tribunal, com fundamento no artigo 387.º da Lei da Família,
quando a permanência na família de acolhimento não satisfaça o interesse superior do menor,
pode determinar o afastamento deste da tal família.
Os efeitos da integração, nos termos do artigo 388.º da Lei da Família, cessam com o trânsito
em julgado da sentença que decrete o afastamento da família de acolhimento.
I – União de Facto
Moçambique tornou-se independente em 1975 e herdou o Código Civil Português, de 1966, que
reconhecia efeitos ao casamento civil e ao casamento católico. Com a consagração do princípio
43
da laicidade do Estado, as disposições do Código Civil sobre o casamento católico deixaram de
vigorar no ordenamento jurídico Moçambicano, porque inconstitucionais.
Nos termos do artigo 202.º da Lei da Família, entende-se por união de facto “a ligação singular,
existente entre um homem e uma mulher, com carácter estável e duradouro que, sendo aptos a
celebrar casamento não o tenham celebrado”; por outro lado, a mesma disposição estabelece
que “a união pressupõe a comunhão plena de vida por tempo superior a um ano”.
7
Fundamentação da Proposta de Lei que Altera as Disposições do Código Civil Atinentes às Normas
Reguladoras das Relações de Família
44
poderão afastar a aplicação da lei estrangeira competente, com fundamento na
excepção de ordem pública.
A união deve ser singular: tal significa que à união de facto apenas é dada tutela
jurídica quando ela não seja polígama; por esta razão, se um dos companheiros da
união de facto contrai casamento, cessam ipso facto e para o futuro os efeitos da união
de facto, passando a vigorar os efeitos do casamento; quanto às uniões polígamas, a
excepção é apenas em relação aos alimentos pois, nos termos do artigo 426.º da Lei da
Família, “em caso de morte, as companheiras que com o falecido viviam em união
polígama têm direito a ser alimentadas pelos rendimentos dos bens do falecido”;
Quanto à aptidão para contrair casamento, não se colocam dúvidas quanto aos efeitos duma
relação de coabitação existindo um impedimento dirimente. Neste caso não pode existir união de
facto, por inaptidão de um ou ambos para contrair casamento.
Nos termos do Código Civil de Macau, por exemplo, a existência de impedimento impediente não
obsta a que a união de facto produza os seus efeitos.
Parace ser esta a solução a perfilhar também no nosso caso, tendo em conta as razões
principais proclamadas pelo legislador ao introduzir o instituto da união de facto, que se prendem
com a necessidade de “tutelar a situação dos filhos e dos bens patrimoniais”8.
8
Fundamentação da Proposta de Lei que Altera as Disposições do Código Civil Atinentes às Normas
Reguladoras das Relações de Família.
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O regime da união de facto é normalmente invocado no momento da sua dissolução. Tendo as
partes vivido, durante mais de 12 meses e de forma ininterrupta, em condições análogas às dos
cônjuges, não vemos razões para afastar a presunção de paternidade e maternidade ou de não
reconhecer o esforço comum na aquisição, conservação e frutificação do património, que justifica
que o regime de bens da união de facto seja o da comunhão de adquiridos. Até porque, mesmo
no casamento, boa parte dos impedimentos impedientes são susceptíveis de dispensa por
razões de interesse público ou relativas às famílias dos nubentes. Justifica-se, também, a
manutenção dos efeitos da união de facto existindo um impedimento impediente porque
ocorrem, sem dúvidas, razões de interesse público e relativas às famílias dos companheiros da
união de facto, que são reputadas como marido e mulher, com óbvias consequências no seu
relacionamento com terceiros.
A nosso ver, a “aptidão para contrair casamento” deve ser entendida em sentido restrito, ou seja,
quando existam impedimentos dirimentes, quer relativos quer absolutos.
Assim sendo, se um dos cônjuges, na pendência do divórcio, passar a coabitar com uma terceira
pessoa, ainda que esta nova relação tenha carácter estável e duradouro, não poderá ser
considerada de união de facto, por existência de impedimento dirimente absoluto do casamento
anterior ainda não dissolvido. Só poderá passar a existir união de facto e a produzir os seus
efeitos, com o trânsito em julgado da sentença de divórcio.
Em Portugal, o Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, introduziu no Código Civil uma nova
disposição sobre a data em que se produzem os efeitos do divórcio. Assim, de acordo com o n.º
1 do artigo 1789.º do Código Civil Português, os efeitos do divórcio produzem-se com o trânsito
em julgado da respectiva sentença, mas retrotraem-se à data da propositura da acção 9. Por
outro lado, a mesma disposição admite que, mediante requerimento de qualquer dos cônjuges,
os efeitos retrotraiam à data em que a coabitação tenha cessado.
O artigo 203.º da Lei da Família prevê alguns dos efeitos10 da união nos seguintes termos:
“1. A união de facto releva para efeitos de presunção de paternidade e maternidade, nos
termos do disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 225º e na alínea c) do nº 2 do artigo 277.
9
É esta também este, essencialmente, a solução que resulta do artigo 262.º do Código Civil Francês.
10
A união de facto também produz efeitos no domínio da legislação da função pública, de impostos,
segurança social etc.
46
2. Para efeitos patrimoniais, à união de facto aplica-se o regime de comunhão de
adquiridos.”
Ao n.º 2 do artigo 203.º da Lei da Família têm sido, entre nós, atribuidos sentidos diferentes.
Há quem entenda que a união de facto apenas releva para efeitos de partilha, segundo o regime
de comunhão de adquiridos, no momento da dissolução. O nosso entendimento é diferente.
Para a correcta interpretação do n.º 2 do artigo 203.º é importante, antes de mais, compreende o
significado de “regime de bens”.
Para Antunes Varela entende-se por regime de bens “ o conjunto de preceitos (normas ou
cláusulas negociais) que regulam as relações de carácter patrimonial (quer entre os cônjuges,
quer entre eles e terceiros) ligados à vida familiar”11.
Entendido neste sentido amplo, o regime de bens do casamento e, por conseguinte, da união de
facto, abrange todos os preceitos que regulam as relações de carácter patrimonial, incluindo as
dívidas.
Embora a noção de regime de bens apresentada por Pereira Coelho seja, na essência, similar à
de Antunes Varela, aquele autor considera haver efeitos patrimoniais do casamento que são
independentes do regime de bens. E entre os efeitos patrimoniais independentes do regime de
bens, a que Pereira Coelho chama de “regime primário”, incluem-se: administração dos bens,
dívidas dos cônjuges e bens que respondem por elas, partilha de bens do casal etc 12 . Mas
entendemos que o autor apenas quis se referir à sistemática adoptada no Código Civil, sem com
isso tomar posição divergente da do Professor Antunes Varela.
No nosso entender, é no sentido amplo, tal como descrito pelo Professor Antunes Varela, que
devemos interpretar a referência feita pelo n.º 2 do artigo 203.º ao regime de bens de comunhão
de adquiridos.
Se o entendimento fosse o de que o n.º 2 do artigo 203.º da Lei da Família apenas pretendeu dar
às partes, após a dissolução da união, o direito de reclamar a partilha dos bens comuns,
teríamos algumas situações indesejáveis e absurdas, que jamais poderiam ter sido pretendidas
pelo legislador. Na verdade, se à união de facto não fossem aplicadas as disposições que
regulam os efeitos patrimoniais do casamento, poderíamos ter situações como as seguintes:
O companheiro não poderia usar dos meios de defesa reconhecidos aos cônjuges nos
casos de alienação de bens comuns; com efeito, por exemplo, nos termos do n.º 3 do
artigo 103.º da Lei da Família, vigorando o regime de comunhão de adquiridos o imóvel
próprio ou comum só pode ser alienado com o consentimento do outro cônjuge; ora, se
este regime não fosse aplicável aos companheiros da união de facto, o companheiro que
não desse o seu consentimento na alienação do imóvel próprio do outro, ainda que
11
Antunes Varela, ob.cit, p. 423
12
Pereira Coelho e Guilherme Oliveira, ob.cit. p.119
47
constituísse a casa de morada da família, não teria qualquer meio para obter a
invalidade do acto;
A propósito das dívidas, José Pitão entende que “…a comunhão de vida gerada pela união de
facto, com a consequente contribuição de ambos os membros, quer com o rendimento do seu
trabalho, quer com a sua participação nas tarefas domésticas, proporciona o aparecimento de
situações patrimoniais que bem mereciam a tutela do direito. É o caso, por exemplo, do
mobiliário adquirido para rechear o lar comum, as despesas contraídas com a alimentação,
vestuário ou saúde do agregado familiar ou do casal homossexual, o apartamento que se
comprou para nele instalar a casa de morada. Ora, neste tipo de situações levanta-se
pertinentemente a questão da propriedade dos bens adquiridos ou da responsabilidade pelas
dívidas contraídas, quer num, quer noutro, na constância da união de facto13”.
O texto da Lei da Família é o seguinte: “para efeitos patrimoniais, à união de facto aplica-se o
regime de comunhão de adquiridos”.
Não nos parece que a pretensão do legislador fosse tão somente de remeter para as regras de
classificação de bens em próprios e comuns e para as de partilha dos bens comuns.
O texto “para efeitos patrimoniais…” levanta, desde logo a questão seguinte: para que efeitos
patrimoniais? A interpretação correcta, a nosso ver, deve ser aquela que é abrangente. Para
nós, o que se retira do n.º 2 do artigo 203º é que à união de facto aplica-se o regime de
comunhão de bens e todos os efeitos patrimoniais do casamento conexos ao tal regime, no
domínio da administração de bens, da alienação de bens e dívidas.
As dúvidas que são suscitadas em Moçambique, não se coloca em boa parte de Países
Africanos de Língua Portuguesa. Com efeito:
13
Pitão, José, União de Facto________
14
Código da Família de Angola, aprovado pela Lei nº 1/88, de 20 de Fevereiro
48
113º que “caso a união de facto não possa ser reconhecida por falta de
pressupostos legais, ela será atendida para além dos casos previstos nesta lei,
quando se verifique enriquecimento ilícito 15 nos termos gerais da lei,
designadamente para o efeito de partilha de bens comuns e para atribuição do
direito à residência comum”.
No caso Brasileiro, o Código Civil16 contém uma disposição muito próxima à contida na Lei da
Família Moçambicana; com efeito, o artigo 1.725.º do Código Civil Brasileiro “na união estável,
salvo contrato escrito dos companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o
regime de comunhão parcial de bens”.
Discutindo o alcance da tal disposição, na questão relativa à alienação dos bens na união
estável e embargos de terceiro, Rodrigo Toscano de Brito17, entende que, no silêncio do Código
Civil quanto à administração dos bens e quanto às dívidas, a interpretação do artigo 1.725.º do
Código Civil de 2002 resulta na aplicação do artigo 1.663.º do mesmo Código, que regula a
administração dos bens entre os cônjuges e regime de dívidas contraídas pelo cônjuge
administrador.
Madaleno18 também é da opinião que “decorre do artigo 1.725.º do Código Civil uma presunção
plena de comunhão dos bens amealhados durante a convivência estável, com a aplicação literal
dos dispositivos pertinentes ao regime de comunhão parcial de bens prevista para o casamento”;
ou seja, entende que são aplicáveis à união estável os artigos 1.663.º à 1.666.º do Código Civil,
que regulam o regime de comunhão parcial no tocante a propriedade, administração dos bens e
dívidas dos cônjuges.
III – CASAMENTO
15
O sublinhado é nosso.
16
O Código Civil Brasileiro vigente foi aprovado pela Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002.
17
de Brito, Rodrigo Toscano, Afeto, Ética, Família e Novo Código Civil Brasileiro – Anais do IV
Congresso Brasileiro de Direito da Família, IBDFAM/DelRev, Belo Horizonte, 2004, p. 552
18
Madaleno, Rolf, Curso de Direito de Família, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2008, p. 810
49
A – NOÇÕES GERAIS
O casamento é tão antigo como a própria humanidade. A Bíblia (Gênesis 2:21 a 24)
relata que o Senhor Deus tomou uma das costelas de Adão e dela formou uma mulher.
Ao ver a mulher, Adão terá dito que “esta agora é osso dos meus ossos e carne da
minha carne: esta será chamada varoa, porquanto do varão foi tomada.” No mesmo
relato bíblico acrescenta-se o seguinte: “Portanto, deixará o varão o seu pai e a sua
mãe e juntar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma só carne”.
Desde tempos bem remotos este instituto sofreu forte influência de regras religiosas.
E, bem se compreende que assim seja, uma vez que o fenómeno religioso é anterior à
existência do próprio Estado.
Mesmo com o aparecimento do Estado e com a sua evolução, entanto que instituição,
a influência das regras religiosas sobre o instituto do casamento sempre se tem feito
sentir, de forma mais ou menos intensa.
50
individual, por um lado, e colectiva, por outro, preferiu uma formulação mais
abrangente.
Para o sistema de casamento civil obrigatório o Estado não admite outra forma de
casamento senão o casamento civil, celebrado segundo as suas leis e por elas
regulado. O direito matrimonial do Estado é obrigatório para todos os cidadãos,
independentemente da religião que professem ou da sua tradição.
Note-se, porém, que nada obsta que, vigorando o sistema de casamento civil
obrigatório, os cidadãos possam contrair matrimónio segundo as regras próprias da
sua confissão religiosa ou da sua tradição, mas tal matrimónio não apresenta qualquer
relevância jurídica para o direito estadual. Apenas se reconhece como válido o
casamento que tenha sido celebrado em conformidade com as leis do Estado, ou seja,
o casamento civil.
51
Assim, o sistema matrimonial de casamento civil facultativo pode apresentar duas
modalidades.
Para uma delas, o Estado permite que os cidadãos celebrem o casamento segundo a
sua religião ou tradição, e atribui efeitos jurídicos a esse mesmo casamento. Contudo,
apenas lhe concede os efeitos próprios do casamento laico ou civil, sujeitando-o ao
mesmo regime.
Neste último caso, portanto, está-se perante dois institutos diferentes, um que se
regula pelo Direito civil e outro que se rege pelo Direito religioso ou tradicional.
52
celebrados de acordo com uma religião, seja, hindu, islâmica, judaíca, católica,
protestante ou budista ou ainda de acordo com a tradição.
Não significava isso que os cidadãos não pudessem celebrar casamentos de acordo
com a sua religião ou tradição; podiam, mas o Estado não reconhecia efeitos jurídicos
aos tais casamentos; aliás, a possibilidade de celebração de casamentos religiosos
decorria da já reconhecida liberdade de praticarem qualquer religião. Deste modo, se
o cidadão pretendesse ver atribuída eficácia jurídica ao seu casamento, teria de o
celebrar nos termos estabelecidos pela lei civil, ou seja, para além do casamento
religioso ou tradicional, teria de realizar de novo casamento, que obedecesse às regras
das leis do Estado, para que pudesse adquirir eficácia jurídica.
É importante ter sempre presente este princípio constitucional, para nos podermos
situar perante o sistema matrimonial actual.
Atento ao que dispõe o n.º 2 do já referido artigo 16.º da Lei da Família, constata-se
que o sistema de casamento vigente é o de casamento civil facultativo, na primeira
modalidade; ou seja, apenas se admite a celebração do casamento de acordo com as
normas religiosas ou do Direito consuetudinário, sendo os efeitos os previstos para o
casamento civil.
53
aprovar um complexo quadro de normas de conflito que permitiriam a determinação
das normas aplicáveis nas situações em que pessoas oriundas de tradições ou religiões
diferentes pretendessem celebrar casamento entre si.
Na falta da compilação a que nos referimos acima e das normas de conflito, não se
mostra recomendável avançar-se para o sistema de casamento civil facultativo na sua
segunda modalidade.
Vamos agora abordar algumas teorias perfilhadas pela doutrina, com o objectivo de
procurar dar resposta à complexa questão da natureza jurídica do casamento,
enquanto acto.
Em momento anterior, já se havia dito que algumas legislações procuram evitar esta
querela doutrinária, abastendo-se de definir o que se deva entender por casamento.
Por consequência, o casamento seria um puro acto do poder do Estado, um puro acto
administrativo.
Porém, tendo por base o disposto no n.º 2 do artigo 190.º do Código do Registo Civil,
não se pode dizer que a declaração do Conservador seja constitutiva do casamento;
aquela disposição legal estabelece que “prestado o consentimento dos contraentes, o
casamento considera-se celebrado, o que o conservador proclama...”.
54
Grande parte dos civilistas define negócio jurídico como facto voluntário lícito, cujo
núcleo essencial é constituído por uma ou várias declarações de vontade, que tem por
objectivo a produção de certos efeitos jurídicos, com ânimo de que esses efeitos sejam
tutelados pelo Direito, ou seja, para que a lei atribua efeitos jurídicos correspondentes
com a intençao do autor ou autores, do sujeito ou sujeitos intervenientes no negócio.
E, para esta corrente doutrinal, face à definição de negócio jurídico acima apresentada,
o casamento seria um negócio jurídico familiar. Mais ainda, o casamento seria o mais
importante de todos os negócios jurídicos familiares.
A este propósito, no entanto, é bom ter sempre presente que o princípio fundamental
em que assenta o negócio jurídico é o da autonomia da vontade.
Por isso, existem autores que, partindo do facto de que o princípio da autonomia da
vontade se encontra significativamente restringido no casamento, consideram não se
poder afirmar que o casamento seja um negócio jurídico.
1 – a fixação imperativa, por parte da lei, dos efeitos pessoais do casamento – ver a
este propósito os artigos 93 a 97º, ambos da Lei da Família;
Todavia, sempre existem autores que afirmam que, não obstante tais limitações, o
princípio da autonomia da vontade subsiste e não se mostra prejudicado, uma vez que
os nubentes sempre têm a liberdade de casar ou não casar, de casar com a pessoa que
entendam, bem como de escolher o regime de bens.
55
A.3.3 CASAMENTO COMO CONTRATO
Outros autores entendem que o casamento não é um contrato, porquanto não se lhe
aplica os princípios gerais dos contratos e, como tal, o casamento assume as
características de instituição.
Embora o casamento seja um negócio jurídico bilateral com características que não se
limitam aos de um mero contrato, temos que reconhecer que em larga medida
encerra em si características de um contrato. Aliás, a lei mantem a orientação de que a
promessa de casamento, para ser válida, deve revestir a natureza contratual (artigo
19.º, n.º 1 da Lei da Família); porque o objecto do contrato promessa é a celebração do
contrato definitivo, forçoso é concluir-se que o legislador continuou a encarar o
casamento, também, numa perspectiva contratual.
B. CARACTERÍSTICAS DO CASAMENTO
19
Ver artigos 176 e 189 a 192 da Lei da Família e 349 a 353 do Código do Registo Civil
20
Ver artigos 195 a 197 da Lei da Familia e artigos 349 a 353 do Código do Registo Civil
56
1 – O casamento como negócio jurídico bilateral, entre duas pessoas de sexo
diferente
O que ficou dito não significa que o fim último do casamento seja a procriação, senão
vejamos:
57
2 – O casamento como negócio pessoal
Quando nos referimos aos caracteres do direito de família, indicámos como uma
característica sua, a natureza pessoal.
Quando aqui se alude à natureza pessoal, quer-se referir aquela espécie de negócio
que não tem, na sua essência, por objectivo a constituição, modificação ou extinção de
relações de natureza patrimonial. Antes pelo contrário, no negócio pessoal tem-se em
vista actuar sobre o estado das pessoas ou na situação familiar.
Uma outra característica desta espécie de negócios consiste em que negócios pessoais
só se podem celebrar pessoalmente, não se admitindo a representação.
Poderia, no entanto, ser-se levado a pensar que esta não constituiria uma das
características do negócio pessoal, quando se admitisse a possibilidade da celebração
de casamento por procuração, como é o nosso caso, tendo em conta que no artigo
48.º da Lei da Família se consagra aquela figura.
Contudo, esta posição seria de rejeitar, pois a lei, ao admitir o instituto do casamento
por procuração, apenas introduziu uma excepção ao princípio geral de que o
casamento é estritamente pessoal.
58
constar a procuração de instrumento público ou documento escrito e
assinado pelo representado com reconhecimento presencial da
assinatura.
É importante reter que, mesmo hoje, nem todas as legislações consagram este tipo de
princípios. Em alguns casos, admite-se como casamento a situação resultante de
simples coabitação acompanhada de posse de estado.
Na realidade, a lei impõe que, no casamento, por um lado, a vontade das partes se
manifeste apenas segundo determinada forma, ao contrário do que se passa com os
negócios jurídicos em geral, aonde vigora o princípio da liberdade de forma. Por outro
lado, a celebração do casamento obecede a um conjunto de procedimentos que a
própria lei prevê, desde o processo preliminar de publicações até ao ritual que deve
ser observado no acto de celebração do casamento (ver artigos 163.º e seguintes e
artigo 190.º, todos do Código do Registo Civil).
Quanto à declaração dos nubentes, ao invés do que se passa com outros negócios
solenes, em que se exige que as declarações de vontade sejam reduzidas a documento
escrito, no casamento a sua validade está condicionada a que a manifestação da
vontade dos nubentes seja expressa na cerimónia da celebração do matrimónio.
B – PROMESSA DE CASAMENTO
Justifica-se que se faça esta abordagem, tendo em conta que se está perante um tipo
de contrato com características particulares, como vamos ter a ocasião de constatar.
59
O facto de, na própria lei, se precisar que se está perante um contrato, ou seja, um
negócio jurídico bilateral, isto só nos leva a ter que concluir que, neste caso, tem de
haver dupla manifestação de vontade negocial, o que afasta, de imediato, a
possibilidade da existência de declaração tácita e de promessa de casamento
unilateral.
Esta mesma noção se pode retirar, de forma clara e precisa, do que dispõe o artigo
19.º da Lei da Família. Desta disposição legal, se retira que a promessa é válida se for
de duas pessoas de sexo diferente, aptas a celebrar casamento.
Poderá colocar-se a questão de saber se nos casos excepcionais em que a Lei admite o
casamento de pessoas com mais de 16 anos, previstos no n.º 2 do artigo 30.º da Lei da
Família, poder-se-á igualmente considerar a promessa de casamento válida.
Por outro lado, importa referir que, como se infere do disposto pelo artigo 19.º da Lei
da Família, a existência e a consequente validade deste contrato não depende de
qualquer forma legal, já que, na lei, não se fixa nenhuma forma especial.
Pode, assim, afirmar-se que, no caso da promessa de casamento, vigora a regra geral
da liberdade de forma, que se acha prevista no artigo 219.º do C. Civil.
Significa isto que são suficientes, para que se tenha por constituída a promessa de
casamento, meras declarações tácitas, desde que evidenciem um compromisso firme,
assumido por ambos, de vir a contrair casamento no futuro.
Do artigo 19.º da Lei da Família resulta que o contrato promessa de casamento não dá
direito a exigir a sua celebração, nem a reclamar outro tipo de indemnizações, para
além do que se acha fixado no artigo 22.º daquela mesma Lei, quando se verifica falta
de cumprimento.
60
Do que acaba de se afirmar, desde logo se retira que a afectivação de uma promessa
de casamento não faculta, nem aos promitentes, nem a terceiros, o direito de exigir a
realização do casamento. Em bom rigor, a impossibilidade de se exigir coactivamente a
realização do casamento resultaria sempre do n.º 1 do artigo 830.º do C. Civil; com
efeito, a execução específica seria contrária à natureza do casamento, que deve
sempre se basear no mútuo e actual consentimento.
Do enunciado pela Lei, no artigo 19.º da Lei da Família, claramente se retira que o
regime da promessa de casamento apresenta especificidades, que o distinguem do
regime geral do contrato promessa.
Atento ao que estabelece o n.º 1 do artigo 410.º do C.Civil, infere-se que, no que não
se mostrar previsto na Lei da Família ou noutras normas especiais, ao contrato
promessa de casamento são aplicáveis as disposições legais relativas ao casamento,
exceptudas as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao
contrato promessa de casamento.
Aplicando a regra do artigo 410.º, n.º 1 do C. Civil, diriamos que, no caso de existência
de impedimento impediente, a promessa de casamento é válida, mas há que ter em
conta que a sua eficácia depende da verificação de algumas condições, como veremos
seguidamente.
Ora, se o casamento não deve ser celebrado enquanto o impedimento impediente não
cessar, não for dispensado ou julgado improcedente, de nada valeria reconhecer
eficácia aos contratos promessa de casamento em relação aos quais se verifique
aquele tipo de impedimentos, enquanto existirem tais impedimentos.
61
Assim, embora válida a promessa de casamento celebrada existindo impedimento
impediente, a mesma é ineficáz enquanto não cessar o impedimento, não for
dispensado21 ou julgado improcedente.
O mesmo não poderá ser dito no que respeita às disposições especiais do casamento
sobre a anulabilidade do casamento celebrado com falta de vontade ou com vontade
viciada por erro ou coação; na verdade, o regime da anulabilidade aplicável ao
casamento nos casos de falta ou vícios da vontade se baseia na necessidade de
garantir estabilidade e segurança da relação matrimonial. Por assim ser, quanto ao
regime da falta e vícios da vontade, à promessa de casamento serão aplicáveis as
disposições relativas aos negócios jurídicos no geral, designadamente os artigos 240.º
e ss.
* NATUREZA JURÍDICA
Da promessa deriva, por isso, tão só uma situação ou estado de facto, uma relação de
carácter moral e social.
21
Os impedimentos dispensáveis são os previstos no artigo 37.º da Lei da Família, seguindo o processo
previsto nos artigos 327.º e 328.º do Código do Registo Civil, e ainda na Lei que aprova a Organização
Tutelar de Menores.
62
Contudo, porque o legislador não poderia ficar indiferente e até desinteressar-se,
compreende-se que se estabeleça a obrigatoriedade de indemnizar.
Esta corrente procura encontrar argumentos no n.º 1 do artigo 227.º do C. Civil, para
defender aquela posição.
Uma outra ideia, que também se poderá adiantar, seria a de considerar que se estaria
perante um abuso de direito. Isto porque a promessa de casamento é um contrato
válido para a ordem jurídica, que pode ser resolvido ou denunciado até por vontade
unilateral de uma das partes.
No que respeita ao primeiro aspecto, vale a pena recordar que o casamento, nos
termos do artigo 119.º, n.º 3, da Constituição da República, se baseia no livre
consentimento. E, como consequência, a vontade de contrair casamento deve ser
manifestada no próprio acto da celebração do casamento.
63
Se a lei admitisse o recurso ao tribunal para se exigir o cumprimento coercivo da
promessa, contrariar-se-ía o princípio do livre consentimento, pois o casamento seria
celebrado contra a vontade de um dos nubentes. É por essa razão que o n.º 1 do artigo
19.º da Lei da Família, de forma expressa, afasta o direito de exigir a celebração do
casamento. Esta também seria a solução nos termos do artigo 830.º do C. Civil, que só
admite a execução específica quando esta seja compatível com a obrigação resultante
da promessa e a natureza do casamento não é compatível com a sua celebração
coerciva.
Âmbito da indemnização.
Para uma melhor percepção, interessa analisar tal direito em dois aspectos distintos,
designadamente, quanto aos sujeitos e quanto ao objecto.
Sujeito activo
A indemnização só pode ser pedida pelo nubente inocente, pelos pais ou por terceiros
que tenham agido em nome daqueles, como resulta expressamente do disposto pelo
nº 1 do artigo 22º da Lei da Família.
Não são sujeitos activos terceiros que não tenham agido em nome dos pais do
inocente.
Sujeio passivo
A lei não enumera as situações que constituem justo motivo para o rompimento da
promessa, sendo confiada no julgador a responsabilidade de ajuizar, caso a caso, se
existe ou não aquele motivo. No geral poderá dizer-se que haverá justo motivo ou
justa causa quando segundo as concepções que dominam a esfera social dos nubentes,
a continuação do noivado e a celebração do casamento não possam ser razoavelmente
exigidas a um ou a ambos os esposados.
64
Um exemplo pode ser aquele em que um dos promitentes, sem invocar qualquer
razão, rompe a promessa. Por não existir justo motivo, o promitente que rompe a
promessa passa a ser sujeito passivo da obrigação de indemnizar.
Um outro exemplo de justo motivo poderá ser o facto dum dos promitentes ter
mantido, depois da promessa de casamento, relação amorosa com terceira pessoa de
que vem a nascer um filho. Por ser exigível que os promitentes adoptem um
comportamento compatível com a sua condição de indivíduos que assumiram o firme
compromisso de celebrar casamento, não será exigível que o promitente fiél cumpra o
acordado. No exemplo dado, o promitente fiél poderá romper a promessa (com justo
motivo) e o promitente infiél será o culpado, por ter dado causa a que aquele
rompesse a promessa.
No entanto, para que se possa reconhecer como válido o justo motivo, o facto que lhe
der causa terá de ser anterior à própria retratação, competindo ao nubente que se
retratiu fazer prova desse facto.
- Quanto ao objecto
As partes terão de observar o disposto na última parte do n.º 1 do artigo 19.º da Lei
da Família, isto é, não poderão ser reclamadas outras indemnizações que não sejam as
previstas no artigo 22.º da Lei da Família.
Deste modo, a clásula penal não poderá funcionar no sentido de serem reclamadas
outras indemnizações para além das despesas feitas ou obrigações contraídas na
previsão do casamento. Em rigor, a cláusula penal só pode funcionar no sentido
limitativo, mas nunca para conferir ao lesado uma indemnização superior às despesas
efectivamente feitas ou obrigações efectivamente assumidas na previsão do
casamento.
Uma outra questão que se poderia levantar seria a de saber se, paralelamente às
indemnizações previstas pelo artigo 22º da Lei da Família, não poderá existir uma
outra indeminização, que tenha por base as regras gerais da responsabilidade civil.
65
Ainda no relativo ao regime da promessa de casamento, é importante salientar que,
mesmo quando se comprove a existência de despesas feitas ou obrigações contraídas
na previsão do casamento, atento ao disposto no n.º 3 do artigo 22.º da Lei da Família,
a indemnização terá que ser fixada segundo o prudente arbítrio do tribunal,
atendendo no seu cálculo, não só à medida em que aquelas despesas e obrigações se
mostrarem razoáveis perante as cirscunstâncias do caso concreto e à condição
económica dos contraentes, bem como às vantagens que, independentemente do
casamento, umas e outras possam ainda proporcionar.
Importa também ter presente que a não realização do casamento por incapacidade
dolosa (o conceito de dolo consta do artigo 253.º do C. Civil) do nubente, do mesmo
modo, dá lugar a indemnização, conforme se vê do estatuído pelo n.º 2 do artigo 22.º
da Lei da Família.
Obrigação de restituir
Um outro efeito tem a ver com o dever ou, por outras palavras, com a obrigação de
restituir.
Conforme resulta do disposto pelo artigo 20.º da Lei da Família, o dever de restituir
incide:
- sobre os donativos que cada um deles tenha recebido de terceiro (n.º 1); e
66
- sobre cartas e retratos pessoais do outro promitente (n.º 2).
Mas, para que haja lugar à obrigação de restituir, exige a lei a verificação de um
requisito essencial, que consiste no facto de se impôr que o donativo tenha sido feito
por virtude da promessa e na pressuposição da realização do casamento.
Restituição que opera nos moldes do que se acha estabelecido para a nulidade ou para
a anulabilidade do negócio jurídico e não do que se encontra previsto no
enriquecimento sem causa, como resulta claramente da parte final do n.º 1 do artigo
20.º da Lei da Família.
Portanto, como se pode concluir, a lei impõe que se verifique a existência de nexo
objectivo entre o donativo e a promessa de casamento, o qual terá de ser feito sempre
na expectativa de que o matrimónio se realizará.
Por outro lado, deve ter-se em atenção, entretanto, que as coisas, que se tenham
consumido antes da retratação, não se encontram abrangidas pelo dever de restituir,
conforme preceitua expressamente o n.º 2 do artigo 20.º da Lei da Família.
Para finalizar esta matéria, interessa fazer alusão ao facto do direito de exigir a
restituição de donativos ou de indemnizar caducar ao cabo de seis meses, contados
desde a data em que teve lugar o rompimento ou em que ocorreu a morte do
promitente, como resulta claramente do disposto pelo artigo 23.º da Lei da Família.
Por essa razão, em vez de se estudar o que é preciso para que se verifique um
casamento válido e regular entre duas pessoas, analisa-se, antes, quais são obstáculos
à verificação válida e regular de um casamento.
67
Do que se dispõe no artigo 29.º da Lei da Família pode concluir-se, que terá capacidade
matrimonial quem não estiver atingido pelos impedimentos matrimoniais previstos
pela lei.
Porém, a verdade é que, para o caso a verificação de impedimento dirimente, a lei não
consagra a nulidade do casamento, mas tão só a sua anulabilidade, conforme se vê dos
artigos 30.º, 31.º e 56.º, al. a), da Lei da Família.
Podemos então afirmar que os impedimentos dirimentes são aqueles que obstam à
celebração do casamento sob pena de anulabilidade. Ou seja, se, apesar da existência
dum impedimento dirimente, por qualquer motivo, nomeadamente o
desconhecimento, o casamento é celebrado, o mesmo será anulável.
Por seu lado, por impedimentos impedientes deve entender-se aqueles que, não
acarretando a anubilidade do casamento, simplesmente obstam a que ele se realize
licitamente. Consequentemente, o casamento celebrado a existência de impedimento
artigos 32.º, 73.º e 74.º da Lei da Família.
68
São dirimentes absolutos, aqueles que obstam uma pessoa de se casar com quem quer
que seja. São, portanto, aqueles impedimentos que, por gerarem autênticas
incapacidades, impedem a pessoa, a quem respeitam, de poder casar com qualquer
outro indivíduo.
São dirimentos relativos, aqueles que apenas obstam uma pessoa de casar com certa
ou certas pessoas, ou seja, são impedimentos que apenas obstaculizam ao casamento,
entre si, daquelas que o pretendam celebrar. Por isso, pode-se dizer que se trata de
verdadeiras iligitimidades.
Tendo por base as soluções adoptadas pela lei, quanto aos impedimentos impedientes,
é possível ainda diferenciar entre impedimentos impedientes dispensáveis e não
dispensáveis, consoante se admita ou não a sua dispensa.
Para tal efeito, dispensa é o acto pelo qual a autoridade competente, tendo em
atenção as circunstâncias especiais do caso concreto, autoriza a celebração do
casamento, a despeito da verificação do impedimento. Ou seja, ao conceder a
dispensa, a autoridade que autoriza a celebração do casamento, está a passar por de
cima do impedimento por considerar que, no caso concreto se verificam razões de
interesse público ou relativas às famílias dos nubentes, que constituem circunstâncias
peculiares que justificam que a permissão se sobreponha aos interesses de ordem
geral, em que assenta a proibição.
Saliente-se que, como resultado das alíneas a), b) e c), do nº 1 do artigo 37.º da Lei da
Família, são apenas três os casos em que a lei admite a possibilidade de dispensa.
A dispensa compete ao Conservador ou, se algum dos nubentes for menor, ao Tribunal
de Menores, tal como previsto no n.º 2 do artigo 37.º da Lei da Família, seguindo o
processo regulado nos artigos 327.º e 328.º do Código do Registo Civil.
69
Sendo um dos nubentes menor, o processo a ser seguido pelo Tribunal de Menores
vem regulado na Lei n.º 8/2008, de 15 de Julho, que aprova a Organização Tutelar de
Menores, que no seu artigo 148 remete ao artigo 1425.º e seguintes do C. P. Civil.
O impedimento impediente da oposição dos pais ou tutor, pode ser suprido por
decisão judicial, estando o processo regulado no artigo 329.º e seguintes do Código do
Registo Civil.
IMPEDIMENTOS DIRIMENTES
Por tal razão, que se imponha analisar cada espécie, de forma separada.
- a demência; e
A lei fixa uma idade mínima para que se possa celebrar o casamento.
Como tal, todo aquele que não possua a idade mínima estabelecida por lei, não pode
contrair validamente casamento.
Deste modo, não pode contrair matrimónio quem não tiver completado 18 anos de
idade.
A anublidade do casamento, por falta de idade nupcial, mostra-se regulada nos artigos
57.º, 58.º , nº 1, al. a), 63.º e 67.º, n.º 1, al. a), todos da Lei da Família.
- os cônjuges;
- o Ministério Público;
- o tutor;
- o curador.
Os prazo dentros dos quais a acção pode ser instaurada vêm previstos no artigo 67.º,
n.º 1, al. a), da Lei da Família. Assim, o cônjuge que tiver contraido casamento sem
idade núbil pode instaurar a acção até seis meses depois de ele atingir a maioridade,
enquanto que as restantes pessoas com legitimidade podem fazé-lo dentro de um ano
depois da celebração do casamento, mas nunca depois da maioridade ou emancipação
plena.
Há, sem dúvidas, uma incongruência na fixação dos prazos acima referidos. A idade
núbil é fixada em 18 anos e excepcionalmente em 16 anos, o prazo de um ano para as
restantes pessoas jamais poderá prolongar-se até à maioridade, que é atingida aos 21
anos. Poderá fazer sentido aquela disposição legal se num futuro exercício legislativo a
maioridade for fixada em 18 anos.
Como se sabe, o vício da anubilidade de qualquer acto ou negócio jurídico não pode
ser invocado a todo o tempo, porque está sujeito a prazos, fixados imperativamente
pela lei.
71
Daqui decorre que a interposição da acção de anulação, que tenha por fundamento a
existência de impedimento dirimente absoluto baseada na falta de idade nupcial, está
sujeita também a prazos.
Relacionado também com a idade para casamento valerá a pena, por último, dar uma
breve ideia de como esta questão é tratada por outras legislações.
Em Portugal, a partir da reforma legal de 1977, pode contrair casamento quem tiver
mais de 16 anos de idade (artigo 1601.º do C. Civil português).
O Código da Família de Angola, aprovado pela Lei n.º 1/88, de 20 de Fevereiro, fixa no
n.º 1 do seu artigo 24.º a idade núbil em 18 anos. O n.º 2 do artigo 24.º do C. Civil
angolano admite, mediante autorização do representante legal, o casamento de
homem que tenha completado 16 anos e de mulher que tenha completado 15 anos,
quando poderandas circunstâncias do caso e tendo em conta o interesse dos menores,
seja o casamento a melhor solução.
Nos casos em que o menor é órfão e não está à guarda de pessoa adulta, a Lei do
Botswana manda que o consentimento seja prestado pelas autoridades
administrativas locais do lugar da residência.
Por via de regra, a idade nupcial tem muito a ver com regras de ordem fisiológica e
psicológica, as quais variam bastante de país para país, embora se verifique uma
tendência crescente para ligar a idade mínima para casamento à idade em que se
atinge a maioridade. Com a fixação de idade mínima para o casamento pretende-se
assegurar que os nubentes tenham a necessária maturidade psicológica para assumir
22
A Lei entrou em vigor no dia 28 de Dezembro de 2001.
72
as responsabilidades decorrentes do casamento e que fisicamente estejam preparados
para o cumprimento dos deveres conjugais, dentre os quais o do débito conjugal.
Estabelece a lei, na al. b) do n.º 1 do artigo 30.º da Lei da Família, que constitui
impedimento dirimente absoluto, a demência notória, ainda que durante os intervalos
lúcidos23, bem como a interdição ou a inabilitação por anomalia psíquica.
Deste modo, pode concluir-se que se exige que a demência seja notória, mesmo que
não haja decisão judicial anterior a decretar a interdição ou a inabilitação do demente.
Note-se, entretanto, que para o artido 30.º da Lei da Família a palavra notória está ali
usada em sentido diferente da utilizada no artigo 257.º do C. Civil quanto à
incapacidade acidental.
Já para o caso do artigo 30.º da Lei da Família, a demência será notória, não só quando
fôr do conhecimento do outro nubente ou fôr objectivamente reconhecível, mas
também quando fôr geralmente reconhecida no meio social, embora possa ser
eventualmente ignorada do outro nubente, principalmente nos casos de interválos
lúcidos.
Neste sentido também se posicionam Antunes Varela e Pires de Lima24 para quem “por
demência notória entende a lei, não só a que é visível, ostensiva, patente, observável
por quem quer que seja, mas também a que é geralmente conhecida no meio, não se
tornando necessário que ela seja reconhecível para o outro nubente, ou deste
conhecida, como seria se o impedimento fosse ditado no interesse particular do outro
contraente”.
23
Na República da África do Sul, no caso [Prinsloo’s Curator Bouris v. Crafford and Prinsloo, 1905, T.S.]
foi decidido que o casamento celebrado durante lucidum intervallum era válido, desde que o nubente
estivesse em condições de compreender a natureza e as consequências do casamento.
24
Código Civil Anotado, Volume IV, 2ª Edição Revista e Acualizada, Coimbra Editora, 1992, pg. 83
73
Uma vez que a demência sempre tem de ser notória, para a lei não importa se o
demente estava ou não lúcido, no momento em que contraiu matrimónio. O que
apenas interessa saber é se a demência se manifestava de forma notória, e nada mais.
Se a demência era notória, para efeitos jurídico-legais, deixa de ter interesse saber se o
demente estava ou não lúcido, quando celebrou o casamento. Pois, a lei não protege
nem atribui qualquer espécie de relevância jurídica a esse facto.
Posto isto, interessará agora saber quem terá legitimidade para poder intentar a
respectiva acção de anulação e em que prazo ele deve ser instaurada.
No que respeita à primeira questão, a resposta vem contida no artigo 63.º da Lei da
Família. Têm, assim, legitimidade para propôr a acção de anulação as pessoas
indicadas atrás, quando tratámos do primeiro impedimento dirimente absoluto.
E, quanto aos prazos, eles são os mesmos que referimos para o caso da falta de idade
nupcial, quando tenha havido interdição ou inabilitação por anomalia psíquica.
Razões de ordem psicológica pois os nubentes devem ter a consciência do acto que
praticam. Para além de razões de ordem psicológica, a lei também pretende evitar a
transmissão hereditária das taras psíquicas e a celebração de casamentos instáveis
devido as anomalias de temperamento de um dos cônjuges que até podem resultar
em actos de violência. É essencialmente por este último conjunto de razões que se
justifica a manutenção do impedimento mesmo durante os intervalos lúcidos, pois
nestes o nubente demente tem a consciência do acto que pratica.
74
Relacionado com a demência, pergunta-se também que valor poderá ter o casamento,
quando alguém case em estado de embriaguês, em estado de delírio, intoxicado ou,
por qualquer modo, se encontre acidentalmente privado das sua faculdades mentais.
A resposta a esta última questão terá de ser encontrada, com recurso ao preceituado
pelos artigos 56.º, al. ab), e 60.º, al. a), da Lei da Família.
Assim, se a privação das faculdades mentais fôr de tal ordem, que exclua a capacidade
de querer ou de entender, ou seja, exclua o próprio casamento – no sentido
estritamente pessoal de querer casar, então o casamento será anulável. Todavia, se o
nubente mantinha a normal capacidade de querer e de entender, de modo a perceber
o acto que estava a praticar – a celebração do casamento, ainda que as suas
faculdades mentais estivessem diminuidas no momento da prática daquele acto, o
casamento não se poderá anular, ele será válido.
A este propósito importa atentar que, quando a privação das faculdades mentais atinja
nível tal que determine exclusão da capacidade de querer e de entender, a pessoa não
está em condições de poder manifestar, de modo livre e esclarecido, a vontade de
contrair casamento, como exige tanto o artigo 43.º da Lei da Família, bem como o
artigo 190.º, n.º 1, al. e) do C. Reg. Civil.
Num caso deste tipo, falta de vontade, a acção de anulação somente poderá ser
intentada pelo cônjuge, em relação ao qual a vontade faltou.
Com isto não se quer dizer que não possam prosseguir na acção outras pessoas.
De facto, de acordo com o disposto pelo nº 2 do artigo 64.º da Lei da Família, podem
continuar a lide, se o cônjuge tiver falecido na dependência da causa:
- os herdeiros; e
- os adoptantes.
E, quanto ao prazo para propôr a acção fundada na falta de vontade, de acordo com o
artigo 68.º da Lei da Família, ela terá de ser intentada até um ano após a celebração do
casamento.
75
O objectivo central do legislador terá sido o de evitar a verificação de situações de
bigamia, o que afinal de contas já se considerava como crime, conforme o estipulado
no artigo 337º do C. Penal.
O artigo 30.º da Lei da Família refere-se à dissolução do casamento, matéria essa que
será objecto de tratamento em fase mais avançada deste curso.
Porém, neste momento interessará reter que por dissolução do casamento, e só para o
efeito do combinado por aquele preceito legal, se deverá entender a que resulta da
morte, do divórcio e da anulação do casamento. Um casamento inexistente, que nem
sequer produz efeitos putativos, jamais poderá constituir impedimento matrimonial.
Uma outra questão é relativa aos casamentos católicos, que eram admitidos ao abrigo
do Código Civil, antes da entrada em vigor da Constituição de 1975, e depois da
entrada em vigor da nova Lei da Família, a par de outros casamentos religiosos.
A este propósito, é preciso ter sempre presente a data em que se celebrou este tipo de
casamento, havendo que distinguir três períodos:
Se o casamento católico tiver sido celebrado antes de 25 de Junho de 1975 e tiver sido
registado, por transcrição, constitui impedimento dirimente absoluto.
Se, pelo contrário, o casamento católico tiver sido contraído depois de 25 de Junho de
1975 mas antes da entrada em vigor da nova Lei da Família, já não constituirá
impedimento matrimonial, uma vez que a lei não lhe atribuia qualquer relevância
jurídica. O mesmo se diga em relação aos demais casamentos religiosos celebrados
naquele período.
76
Mas a partir de 22 de Fevereiro de 2005, com a entrada em vigor da Lei n.º 10/2004,
de 25 de Agosto, três modalidades de casamento são admitidos. Bastará que o
casamento esteja registado, qualquer que seja a sua modalidade, para constituir
impedimento matrimonial.
A lei estabelece, de forma precisa, que quando tiver sido declarada a morte presumida
de um dos cônjuges, o outro pode contrair novo matrimónio ( n.º 1 do artigo 116º do
C. Civil).
Assim sendo, num caso deste género, nunca poderá ocorrer a situação prevista pela al.
c) do artigo 30.º da Lei da Família.
Uma última questão que se poderia levantar está relacionada com a existência de
vínculo matrimonial assente em casamento celebrado antes da entrada em vigor da Lei
da Família, segundo os usos e costumes locais.
A nova Lei da Família também admite a celebração dos casamentos tradicionais. Deste
modo, os casamentos tradicionais celebrados depois de 1976 só constituirão
impedimentos matrimoniais se tiverem sido registados.
77
entanto, deverá também tomar-se em consideração a regra estabelecida no nº 2 do
aludido preceito legal, de acordo com a qual tal acção não poderá ser instaurada nem
prosseguir enquanto estiver pendente acção de anulação do primeiro casamento do
bígamo.
Por força do disposto no artigo 67.º, n.º 2, última parte, da Lei da Família, no caso em
que o segundo casamento é celebrado estando ausente o primeiro cônjuge, a anulação
fica dependente da prova de que este (o primeiro cônjuge do bigamo) era vivo à data
da celebração do casamento. Portanto, a acção pode ser intentada, mas o tribunal,
antes de decretar a anulação, terá de obter do autor a prova de que o primeiro
cônjuge do bigamo era vivo no momento da celebração do segundo casamento.
Dever-se-á entender que o n.º 2 do artigo 67.º da Lei da Família refere-se à ausência
presumida e à ausência justificada, mas já não à morte presumida que, como vimos,
produz os mesmos efeitos da dissolução do casamento.
Com efeito, o artigo 1643.º, n.º 1, al. c), do C. Civil, fixava um prazo de até seis meses
depois da dissolução do casamento para a instauração da acção de anulação fundada
na existência de casamento anterior não dissolvido26.
25
A lei brasileira diferencia os impedimentos matrimoniais das causas suspensivas do casamento, que
entre nós teriam a designação de impedimentos impedientes.
26
A mesma solução ainda vigora em Portugal, tendo também sido mantida na Guiné-Bissau e Macau.
78
A nova disposição, o artigo 67.º da Lei da Família, fixa um prazo de um ano após a
celebração do segundo casamento do bigamo. Isso significa que, decorrido tal período,
prevalecendo a situação de bigamia, nada mais pode ser feito. Óbvio que tal solução,
que até resulta na consagração indirecta da poligamia, suscita a questão de saber se,
decorrido tal prazo de caducidade, os dois casamentos do bígamo passam a produzir
efeitos validamente, já que a lei não contempla a sanção de nulidade do casamento.
Tanto no aspecto dos efeitos pessoais como no que aos efeitos patrimoniais diz
respeito, não existe nenhum regime legal estabelecido para situações de poligamia27.
Coloca-se então a questão de saber, em relação a qual dos cônjuges o bigamo deve
cumprir o dever de coabitação ou de fidelidade; mais ainda, numa situação em que
tanto o primeiro casamento como o segundo casamento são celebrados segundo o
regime de comunhão geral ou de comunhão de adquiridos, haveria uma sobreposição
de efeitos.
O Código da Família de Angola, aprovado pela Lei n.º 1/88, de 20 de Fevereiro, embora
também não preveja o vício de nulidade, para o caso de bigamia admite que a acção
de anulação do segundo casamento do bígamo possa ser instaurada “a qualquer
tempo, mas nunca depois de decorridos dois anos após a dissolução do casamento” 28.
A nosso ver, a solução para o problema apontado passa por uma alteração legislativa.
Justifica-se que, no caso específico do impedimento anterior não dissolvido, a sanção
seja a nulidade29, mas com tratamento específico no que tange aos efeitos putativos,
precisamente para evitar a sobreposição dos efeitos putativos com os efeitos do
casamento anterior não dissolvido do bigamo.
Os impedimentos dirimentes relativos, como já se sabe, são os que obstam a que uma
pessoa possa casar com certa ou certas pessoas e apenas com essa ou essas, e não
com quaisquer outras. Por essa razão se afirma que se trata de verdadeiras
ilegitimidades.
27
Excepção seja feita ao caso de apanágio previsto no artigo 426.º da Lei da Família, nos termos do qual
a pessoa que se encotrasse a viver com o autor da sucessão em união polígama há mais de 5 anos, tem
direito a ser alimentado pelos rendimentos dos bens deixados pelo de cujus.
28
Ver artigo 70.º, n.º 1, al. c), do Código da Família de Angola.
29
Na Índia, a Lei Especial do Casamento de 1954 (Special Marriage Act 1954) prevê, nas secções 4 e 24,
que o casamento é nulo se existir outro cônjuge vivo no momento do casamento; a mesma solução é
adoptada na Índia pela Lei de Casamento Hindú de 1955 (secções 5 e 11) e é aplicável ao casamento
cristão, tendo em conta o disposto na Lei do Divórcio da Índia de 1869. No caso do casamento
muçulmano, qualquer casamento é nulo se for contraído com mulher de outro homem. A solução da
nulidade também vem consagrada em vários países, designadamente, a África do Sul, Botswana,
Inglaterra e Brasil.
79
No artigo 31.º da Lei da Família encontram-se enumerados os impedimentos
dirimentes relativos. De acordo com o mencionado preceito legal, tais impedimentos
são os que a seguir se indicam:
Comparando o texto legal acima com o que vinha disposto no artigo 1602.º do C. Civil,
constata-se que no tocante ao parentesco na linha colateral, atendendo a realidade
sócio-cultural do nosso País, alargou-se o impedimento até ao terceiro grau da linha
colateral.
Outra inovação da Lei da Família que se mostra controversa é a não previsão da prova
da paternidade e maternidade não reconhecidas, no processo preliminar de
publicações.
Antes do Código Civil de 1967, não existia nenhuma previsão expressa sobre a prova
de paternidade não reconhecida no processo de publicações.
Duas teses dividiam, então, a doutrina. Uma era no sentido de que, num caso daquela
natureza, não existiria nenhuma espécie de impedimento matrimonial.
Para além disso, adiantava-se que admitir como juridicamente relavante uma tal
situação, seria negar o princípio da individualidade do estado. E, o estado das pessoas
é indivisível.
30
Carimo, Abdul e outros, Lei da Família Anotada, UTREL, 2005, pg. 24.
80
A outra tese era no sentido contrário, criticando a primeira por a considerar uma
excelente ilustração dos métodos da jurisprudência dos conceitos, do rígido princípio
lógico do tudo ou nada, tão característico da jurisprudência conceitual.
Para eliminar qualquer tipo de dúvida que se pudesse levantar sobre esta questão, o
Código Civil de 1967 cuidou de tomar posição sobre este problema. O artigo 1603º do
C. Civil, com a epígrafe “Parentesco ilegítimo não reconhecido”, admitia que pudesse
ser feita prova do parentesco não reconhecido apenas para o efeito de impedir a
celebração do casamento.
Assim sendo, uma vez que se provasse a existência de vínculo de parentesco, tal
vínculo constituia impedimento matrimonial.
Estranhamente, aquela disposição do Código Civil não tem correspondente na nova Lei
da Família. Certamente que o legislador foi traído pela inconstitucionalidade da
referência ao parentesco ilegítimo. A verdade é que apenas a designação era
inconstitucional, mas não se poderia daí ignorar que poderiam existir filhos nascidos
fora da constância do casamento e ainda não reconhecidos31.
Em defesa da teoria da não consideração do vínculo não reconhecido, para além dos
argumentos que eram apresentados pelos defensores de tal posição antes do Código
de 1966, o aplicador da lei pode ser levado a considerar que, sendo o nascimento um
facto sujeito a registo obrigatório, tal como estabelece o artigo 1.º, n.º 1, al. a), do
Código do Registo Civil, aprovado pela Lei n.º 12/2004, de 8 de Dezembro, não
existindo disposição legal em contrário, tal facto não pode ser invocado para qualquer
que seja o efeito enquanto não for lavrado o respectivo registo, como também dispõe
o artigo 2.º do mesmo Código.
Trata-se, a nosso ver, duma grave omissão do legislador, para uma questão que, muito
antes da entrada em vigor do Código Civil de 1966, era largamente debatida.
Quanto à questão em análise, entendemos existir uma lacuna cuja integração deve ser
feita no espírito do sistema, aceitando-se a prova do parentesco apenas para efeitos
de declaração de impedimento matrimonial, durante o processo de publicações.
31
No Código Civil Português, o artigo 1603.º foi mantido, com uma nova redacção dada pelo Decreto-Lei
n.º 324/2007, de 28 de Setembro. Foi eliminada a referência à ilegitimidade, mantendo-se, no resto, o
texto anterior.
32
Gonçalves, Cunha, Tratado, VI, pg. 126, citado por Pires de Lima e Antunes Varela no Código Civil
Anotado, Vol. IV, 2ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1992, pg. 94.
81
que a lei não permite impedi-lo, é uma singular e estranha maneira de executar a lei e
flagrantemente contrária às regras da denúncia dos impedimentos e seu julgamento”.
Antunes Varela argumenta que “legalizar tais relações equivalia a descer ao mais baixo
nível de degradação social, segundo as concepções éticas há muito radicadas nos
povos civilizados”33.
A razão de ser da sua consagração legal, em tanto que impedimento matrimonial, está
indissoluvelmente ligado com o facto de se pretender evitar à eliminação física do
outro cônjuge, como meio de tornar possível a celebração do casamento entre os
conluiados.
No relativo a este impedimento, deve ter-se em atenção que, para a lei, não se torna
necessário que o homicídio tenha sido cometido com intenção única de se vir a
contrair novo matrimónio. Não interessa igualmente que o nubente com quem o
homicida pretenda contrair casamento tenha participado ou não na prática do crime.
33
Varela, Antunes, Direito da Família, 1º Volume, 5ª Edição Revista, actualizada e complementada,
Livraria Petrony, Lisboa, 1999, pg. 238.
82
Há quem entenda que a proibição não deveria existir se o homicida não cometeu o
crime com intenção de vir a contrair matrimónio com o cônjuge da vítima. Paulo
Nader, por exemplo, entende que “se o delito teve por objectivo tornar o cônjuge
sobrevivo livre para convolar núpcias com o seu autor ou cúmplice, o facto é repulsivo e
justifica plenamente o impedimento. Quando o delito não resulta de plano diabólico
para viabilizar o consórcio, a proibição legal é discutível do ponto de vista axiológico. O
interesse no casamento pode surgir muito tempo após o fato..., revelando-se, para o
caso, injustificável a vedação. O impedimento, na hipótese, redundaria em verdadeira
punição para o cônjuge supérstite”34.
Isso significa que não basta que tenha havido um simples despacho de pronúncia por
crime daquela natureza, ou que uma vez instaurado processo-crime, ou que este se
encontre na fase de instrução preparatória ou até contraditória.
A lei exige, a este propósito, que o nubente tenha sido já efectivamente condenado
pela prática de crime de conjugicídio, por sentença já transitada em julgado.
Uma outra questão não menos importante tem a ver com o facto de saber se o
encobridor estará ou não incluido na previsão daquele preceito legal.
Ora, a resposta a dar a tal questão tem de ser necessariamente negativa, quando se
tenha presente os conceitos de autor, cúmplice e de encobridor.
Tendo por base o tipo de situações, que abarca a figura do encobrimento, mostra-se
compreensível que o legislador não a tenha querido abranger na previsão do artigo
31.º da Lei da Família
Por tal razão, mostra-se compreensível e aceitável que a lei não tenha querido
contemplar aquele tipo legal de crime, entre os impedimentos dirimentes relativos.
34
Nader, Paulo, Curso de Direito Civil, citado em Farias, Cristiano Chaves e Rosenvald, Nelson, Direitos
das Famílias, 2.ª Edição, Lumen Juris Editora, Rio de Janeiro, 2010, pgs 144 e 145.
83
Note-se também que, para os efeitos do estatuido pelo artigo 31.º da Lei da Família, a
lei atribui a mesma relevância, quer o crime se tenha consumado, quer tenha revestido
a forma frustrada ou mesmo tentada.
Ora, a sanção que a lei prescreve, para o caso de casamento existindo qualquer dos
impedimentos dirimentes relativos previstos no artigo 31.º da Lei da Família, é a
anulabilidade, como se vê do estatuido na al. a) do artigo 56.º da Lei da Família.
No que diz respeito à legitimidade para intentar a respectiva acção de anulação, têm
competência para o fazer as pessoas indicadas, quer no n.º 1, quer no n.º 2 do artigo
63.º da Lei da Família, e que já foram enumeradas, ao tratarmos dos impedimentos
dirimentes absolutos.
O prazo para se propôr aquela mesma acção é o previsto na alínea b), do n 1.º, do
artigo 67.º da Lei da Família, ou seja, um ano a contar da celebração do casamento.
* IMPEDIMENTOS IMPEDIENTES
- PRAZO INTERNUPCIAL
84
O tal prazo, tanto para o cônjuge varão como para o cônjuge mulher, se justifica por
uma questão de decoro social. Deste modo, no caso de dissolução do casamento por
morte de um dos cônjuges, o prazo internupcial constituirá uma espécie de luto oficial
que a lei impõe ao cônjuge sobrevivo.
A fixação de único prazo internupcial para homem e mulher, de seis meses, constitui
uma inovação da Lei da Família, marcadamente influenciada pelo princípio da
igualdade. Na verdade, o n.º 1, do artigo 1605.º do C. Civil, fixava o prazo de cento e
oitenta dias para o varão e trezentos dias para a mulher.
Na fixação dos seis meses, o legislador teve em vista um prazo que, quanto à mulher,
resguardasse a presunção de paternidade (pater is est) resultante do casamento com o
anterior marido e, desta forma, evitar-se a dupla presunção de paternidade. É que, nos
termos do artigo 207.º da Lei da Família, o momento da concepção do filho é fixado
dentro dos primeiros cento e ointenta dias dos trezentos que precedem o nascimento.
As razões que acabámos de expôr possibilitam, por si só, que se passe a ter uma
compreensão adequada, dos motivos que nortearam o legislador a estabelecer tal
imposição legal.
Quanto ao prazo mencionado, o n.º 2 do artigo 33.º da Lei da Família determina que o
mesmo seja contado a partir da data do trânsito em julgado da sentença de divórcio
ou de anulação. Visto que a dissolução também pode resultar da morte de um dos
cônjuges, forçoso é concluir-se que a contagem do prazo neste caso inicia na data do
falecimento.
O n.º 2 do já referido artigo 33.º, prevê algumas situações em que o prazo internupcial
cessa. Em rigor, o prazo internupcial não cessa, mas a sua contagem deixa de ser feita
a partir do trânsito em julgado da sentença do divórcio, como veremos de seguida.
Um dos requisitos do divórcio não litigioso, previsto no n.º 2, do artigo 195.º, da Lei da
Família, é a separação de facto por mais de um ano consecutivo. Para a conversão do
divórcio litigioso em não litigioso, devem estar reunidos os requisitos legais, dentre os
quais a separação de facto por mais de um ano. Porquanto o divórcio não litigioso só
pode ser decretado verificado tal requisito (mais de um ano de separação), no
momento em que ocorre já terá decorrido o prazo de seis meses fixados por lei como
prazo internupcial.
85
a separação ou sobre a data em que tiver sido decretada pela conservatória, conforme
os casos (artigo 198.º, n.º 1, da Lei da Família). Assim sendo, no momento da
conversão, já que terão decorrido pelo menos três anos de separação, considera-se
que o prazo internupcial de seis meses já terá decorrido.
Essa a razão pela qual a um casamento celebrado com a verificação deste tipo de
impedimento, se aplica tão só a sanção prevista no n.º 1 do artigo 74.º da Lei da
Família. Sanção esta que reveste natureza patrimonial.
Apreendido que está o que se entende por parentesco no quarto grau da linha
colateral, o que agora interessa reter, é o facto da lei não estabelecer nenhuma
diferença de tratamento para o parentesco, seja qual for a fonte que esteja na sua
origem.
86
Note-se que, também atendendo à realidade sócio-cultural do nosso país, a Lei da
Família prevê o parentesco no quarto grau da linha colateral como impedimento
matrimonial. Na lei anterior, o parentesco no terceiro grau constituia impedimento
impediente e no quarto grau não constituia qualquer impedimento.
O artigo 328.º, n.º 2, do C. Reg. Civil, estabelece a exigência de audição dos pais ou do
tutor, sempre que possível, caso algum dos nubentes seja menor, dando a entender
que o conservador pode decidir sobre a dispensa do impedimento mesmo quando um
dos nubentes seja menor.
A Organização Tutelar de Menores foi aprovada pela Lei n.º 8/2008, de 15 de Julho,
sendo esta mais recente em relação ao C. Reg. Civil, aprovado pela Lei n.º 12/2004, de
8 de Dezembro. Ora, considerando, por um lado, que a lei nova prevalece sobre a
antiga (artigo 7.º, n.º 2, do C. Civil) e, por outro lado, que o C. Reg. Civil, ao estabelecer
o processo de dispensa, é instrumental da Lei da Família, forçoso é concluirmos que a
dispensa de impedimento impediente é da competência do tribunal de menores
quando um dos nubentes seja menor.
35
O texto do n.º 2 do artigo 37.º da Lei da Família é o seguinte: “A dispensa compete ao Conservador
ou, se algum dos nubentes for menor, ao Tribunal de Menores”. Deste texto se extrai claramente que a
competência dos tribunais de menores não é em sede de recurso das decisões tomadas pelas
conservatórias.
87
Um casamento celebrado, sem que se tenha obtido previamente a respectiva
dispensa, está sujeito à sanção prevista pelo n.º 2 do artigo 74.º da Lei da Família, que
reveste natureza patrimonial, a qual se traduz na impossibilidade para o primo ou
prima de receber do seu consorte qualquer benefício quer por doação, quer por
tratamento.
Neste aspecto, o artigo 74.º não corresponde ao que vinha previsto no artigo 1650.º
do C. Civil, na medida em que este dispositivo previa a sancão para o tio ou tia, visto
que o parentesco no terceiro grau da linha colateral constituia impedimento
impediente. A sancão não era aplicável ao sobrinho ou sobrinha, porque se pretendia
evitar que a ascendência da tia ou tio sobre aqueles resultasse em ganhos
patrimoniais.
Nenhum reparo pode ser feito à redacção do artigo 1650.º, ao prever tio e tia, porque
numa relação de parentesco no terceiro grau da linha colateral, necessariamente um
deles é tio ou tia. O mesmo não pode ser dito em relação ao artigo 74.º da Lei da
Família, que apenas reserva a sancão ao primo ou prima.
Não se compreende porque razões se punem os primos, que em princípio nem sequer
mantêm uma relação de ascendência de um em relação ao outro, e deixa-se impune o
cônjuge que contrai casamento com o filho do sobrinho (sobrinho-neto), sendo claro
que, neste caso, se justificava a punição daquele cônjuge que têm ascendência sobre o
outro.
Este constitui o terceiro impedimento impediente previsto por lei, na al. c) do artigo
32.º da Lei da Família.
88
parentes ou afins na linha recta, irmãos, cunhados ou sobrinhos, enquanto não tiver
decorrido um ano sobre o termo da incapacidade e não estiverem aprovadas as
respectivas contas, se houver lugar a elas.”
Como resulta evidente do texto legal, este impedimento tem carácter temporário, uma
vez que só subsiste, enquanto não tiver decorrido um ano sobre o termo da
incapacidade e não estiverem aprovadas as respectivas contas, se a elas houver lugar.
Conveniente se mostra também reter que o instituto da tutoria constitui um dos meios
legais de representação dos menores – artigo 330.º e seguintes da Lei da Família,
assim como dos interditos – artigos 138º e 139º do C. Civil, enquanto a curadoria
assiste os inabilitados – artigos 152º e 153º do C. Civil. Por sua vez, ao administrador
legal de bens incumbe administrar os bens do menor – artigo 374.º e seguintes da Lei
da Família .
36
Coelho, Francisco Pereira e De Oliveira, Guilherme, Curso de Direito da Família, Volume I, 3a Edição,
Coimbra Editora, Coimbra, 2003, pags. 317 e 317.
89
Família, retira-se que o impedimento do vinculo da tutela, curatela e administração
legal de bens impede o casamento:
Assim, de acordo com este último preceito legal, o vínculo da adopção restrita obsta
ao seguinte tipo de casamentos:
Supomos, serem bem patentes, as razões subjacentes a este impedimento. Elas são
essencilamente de ordem ética. Com o acolhimento criam-se laços afectivos entre os
membros da família de acolhimento e o acolhido; aliás, aquele que acolhe exerce
plenamente o poder parental sobre o acolhido. Pretende-se igualmente evitar que a
ascendência dos membros da família de acolhimento sobre o acolhido ou seus
descendentes possa condicionar o consentimento para o casamento.
Um aspecto de maior interesse, que deverá estar sempre presente, tem a ver com o
facto do parentesco, para efeitos do impedimento que temos vindo a tratar, só se
apresentar relevante, quando se mostre estar legalmente reconhecido, conforme
resulta do preceituado pelo n.º 2 do artigo 35.º da Lei da Família.
90
O impedimento do vínculo do acolhimento, tal como acontece com alguns dos
restantes impedimentos impedientes, também é susceptível de dispensa, de acordo
com o previsto pela al. b) do artigo 37.º da Lei da Família.
Trata-se, sem dúvidas, duma solução absurda. Absurda porque pune-se o acolhido e
deixa-se impune o membro da família de acolhimento, cuja ascendência sobre o
acolhido deveria ser suspeita, justificando-se que a punição recaisse sobre este e não
sobre aquele. A solução consagrada por lei é ainda mais absurda porque nem todos os
parentes na linha recta do acolhido estão abrangidos pelo impedimento do vínculo do
acolhimento (apenas os seus descendentes).
Assim sendo, olhando para a história do artigo 74.º da Lei da Família e, sobretudo,
para o fundamento da sancão de natureza patrimonial imposta por violação de
impedimentos impedientes, urge alterar aquela disposição, passando a prever-se a
punição dos membros da família de acolhimento e não ao acolhido, seu cônjuge ou
descendentes.
91
Convirá, entretanto, ter em devida atenção que, para a lei, se exige a existência de um
despacho de pronúncia e não de simples acusação, sendo, por isso, importante que se
possua um domínio perfeito do conceito correspondente a estas duas figuras do
processo penal.
Poderá sempre optar-se pela anulação do casamento com fundamento no erro que
vicia a vontade, ao abrigo dos artigos 56.º, al. b) e 61.º, ambos da Lei da Família. Ou
seja, com fundamento no conjugicídio punido com pena superior a dois anos de prisão.
Só que, para tal anulação, a lei, por um lado, exige que o outro ignore, de forma
desculpável, a ocorrência do facto que fundamenta a anulação (artigo 61.º da Lei da
Família) e, por outro lado, apenas atribui legitimidade para anulação ao cônjuge que
seja vítima do erro (artigo 65.º da Lei da Família).
Porquanto os que acolhem um menor exercem plenamente o poder parental (artigo 385º, n.º
1, da Lei da Família) deve entender-se que o impedimento impediente em causa abrange
também a oposição destes.
92
O facto de constituir o último impedimento indicado pela lei, não deve ser
interpretado como eventual indicação de menor importância, bem pelo contrário,
tendo em conta que se trata de impedimento, que se reveste de grande interesse,
dadas as repercussões que tem no matrimónio.
Note-se que o impedimento previsto por lei é de oposição dos pais ou tutor do
nubente menor e não de falta de autorização37. Tal significa apenas é a oposição (e não
a falta de autorização), que constitui requisito negativo de prosseguimento do
processo de casamento; aliás, a lei estabelece uma presunção de consentimento nos
casos em que os pais são notificados pelo conservador para deduzirem oposição e não
o fazem dentro do prazo legal (artigo 182.º, n.º 2, do C. Reg. Civil).
Cumpre ainda esclarecer que tal impedimento só faz sentido para menores com mais
de 18 anos ou 16 anos, nos casos excepcionais previstos no n.º 2 do artigo 30.º da Lei
da Família. Com efeito, os menores sem idade núbil ou nupcial carecem de capacidade
de gozo para contrair casamento e o casamento por eles celebrado será sempre
anulável, independentemente de hipotética autorização dos pais ou tutor. Por outras
palavas, só aos menores com idade núbil mas que não tenham atingido a maioridade
civil (21 anos) é permitido contrair casamento com consentimento dos pais ou tutor e
caso estes apresentem oposição, estar-se-á perante um impedimento impediente.
A este respeito, o artigo 180.º do C. Reg. Civil estabelce o princípio da necessidade dos
menores não emancipados comunicarem aos pais ou ao tutor o seu propósito de
casar, bem como a necessidade de pedirem o seu consentimento.
O consentimento pode ser prestado por qualquer das formas previstas no artigo 181.º
do C. Reg. Civil. Do que dispõe o n.º 2 do artigo 181.º do C.Reg.Civil, conclui-se que, o
consentimento pode, nos casos ai referidos, ser prestado por quem tiver o menor a
seu cargo, confirmado pela entidade administrativa do local da residência.
37
Em Portugal, o Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, alterou a redacção do artigo 1604.º,
passando a prever como impedimento, “a falta de autorização dos pais ou do tutor para o casamento
do nubente...”
93
Ocorrendo qualquer uma das situações indicadas no artigo 311.º da Lei da Família, que
ditam o impedimento temporário de um dos pais, cabe ao progenitor não impedido o
exercício do poder parental, incluindo a faculdade de dar o consentimento para
casamento.
Não nos parece que, neste caso, se possam levantar nenhumas dúvidas.
O instituto da tutela acha-se regulado pelos artigos 337.º e seguintes da Lei da Família
e tenha-se em atenção que a designação de tutor não ocorre só quando um menor se
ache em situação de desamparo, mas também quando se verificar que tenha havido
interdição.
Já nos referimos, em momento anterior, aos casos em que os que devem prestar o
consentimento são notificados para deduzirem oposição dentro dum prazo, findo o
qual e no silêncio dos notificados, presume-se ter havido consentimento.
Por remissão feita pelo n.º 1 do artigo 184.º do C. Reg. Civil, a oposição pode ser
deduzida por qualquer dos meios previstos no n.º 1 do artigo 181º do mesmo Código.
Da oposição tem de ser notificado, pessoalmente, o respectivo nubente, como resulta
do disposto pelo nº 2 do artigo 184.º do C. Reg. Civil.
94
De acordo com o estipulado pelo nº 3 do artigo 184.º do C. Reg. Civil o nubente, a
quem não tenha sido concedida autorização para casar, pode reclamar da oposição
para o tribunal de menores.
O texto do nº 4 do artigo 184.º do C. Reg. Civil sugere que da decisão proferida pelo
tribunal não caberá recurso. Esta disposição corresponde ao que vinha estabelecido no
n.º 4 do artigo 177º do C. Reg. Civil aprovado pelo Decreto n.º 21/76, de 22 de Maio.
Sucede que o novo Código do Registo Civil, aprovado pela Lei n.º 12/2004, de 8 de
Dezembro, contem um capítulo relativo ao processo de suprimento de autorização
para casamento de menores, nos artigos 329.º a 331.º. Estabelece o n.º 3 do artigo
331.º do C. Reg. Civil que da decisão do juiz cabe recurso, solução que é contraditória
com a prevista no n.º 3 do artigo 331.º do mesmo Código, nos termos do qual da
decisão do juiz NÃO? cabe recurso.
A mesma sancão é aplicada ao menor que casar sem ter solicitado o consentimento
dos pais ou de pessoas que o deviam prestar, podendo fazé-lo.
D – FORMALIDADES DO CASAMENTO
* GENERALIDADES
De facto, enquanto que, em relação aos restantes negócios solenes, a sua solenidade
se caracteriza pela exigência de um requisito de forma - documento escrito, o qual
deve conter a declaração negocial das partes, ou por outras palavras, a manifestação
de vontade, já para o caso do casamento, a forma requerida para a sua validade e até
para a sua existência, é bem diferente.
95
A manifestação de vontade dos nubentes tem de ser expressa na cerimónia da
celebração do casamento, em tanto que negócio jurídico, e caracterizada pela
assinatura do respectivo assento.
Por isso, é comum, entre os autores, afirmar-se que com todo este peculiar formalismo
e com toda a solenidade que rodeia o casamento, terá pretendido a lei realçar a
importância do matrimónio, a sua responsabilidade e transcendência, bem como o
relevo de que se traduz para a sociedade em geral38.
- Celebração do casamento; e
- Registo do casamento.
38
Ver Coelho, Pereira, Curso de Direito de Família, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 2003, págs.319 e
320, Campos, Diogo Leite, Lições de Direito de Família e de Sucessões, Almedina, 1990, pág. 197 e Profs.
Varela, Antunes e Lima, Pires, Noções Fundamentais de Direito Civil, Vol. II, 5ª Edição, 1962, págs. 164 e
165
96
A solenidade própria do processo de celebração do casamento, que inclui publicidade, é
imposta por lei tendo em conta a sua excepcional “importância social39”. Com o casamento, as
pessoas adquirem um novo estado, formam uma família que, nos termos nº 1 do artigo 119 da
CRM, é o elemento fundamental e a base de toda a sociedade; a Lei da Família vem realçar a
importância da família ao considerar, no seu artigo 1º, que ela é a célula base da sociedade,
factor de socialização da pessoa humana.
que seja evitada a celebração de casamentos viciados, que possam vir a ser anulados,
com os graves inconvenientes daí advenientes, principalmente para os filhos.
A conservatória do registo civil da área em que qualquer dos nubentes tiver domicílio ou
residência durante, pelo menos, os últimos 30 dias antes do início do processo preliminar de
publicações); é apenas um local, e não vários, onde o processo é organizado;
39
Antunes Varela (pag 210, Dto Família, 1o Volume, 5a Edição)
40
O artigo 120, nº 2 da CRM deixa implícitos alguns objectivos a serem prosseguidos pela família:
assegurar o crescimento harmonioso da criança e educar as novas gerações nos valores morais, éticos e
sociais; assegurar a educação da criança formando-a nos valores da unidade nacional, no amor à pátria,
igualdade entre os homens e mulheres, respeito e solidariedade. Para o alcance dos objectivos, da
família, a lei impõe uma série de deveres no artigo 4º da Lei da Família
97
Têm legitimidade para requerer a instauração do processo preliminar de publicações, os
nubentes ou seus representantes.
Início do processo
À pretensão dos nubentes é dada publicidade por meio de edital que é afixado pelo
conservador à porta da conservatória, durante 8 dias consecutivos, tal como estabelece o
artigo 170.º do C.Reg. Civil. Com os editais pretende-se levar ao conhecimento do público a
realização do casamento, com o objectivo de permitir que sejam conhecidos possíveis
impedimentos matrimoniais.
41
Sendo um dos nubentes estrangeiro, há que verificar se tem ou não capacidade para o casamento de
acordo com a lei aplicável. Por força do artigo 49.º do C. Civil, a capacidade para contrair casamento é
regulada, em relação a cada nubente, pela respectiva lei pessoal, que nos termos do n.º 1 do artigo 31.º
do C. Civil é a da nacionalidade.
98
O Código do Registo Civil, no artigo 173.º, n.º 1, estabelece o princípio de que qualquer
pessoa pode declarar os impedimentos, de que tiver conhecimento, até ao momento
da celebração do matrimónio.
Repare-se que ao conservador do registo civil se impõe que faça constar do processo
de casamento o impedimento que tenha sido deduzido ou de que tenha conhecimento
e sustar o seu andamento, até que cesse o respectivo impedimento, seja dispensado
ou julgado improcedente por decisão judicial, como se extrai do n.º 2 do artigo 173.º
do C. Reg. Civil.
O artigo 174.º do C. Reg. Civil obriga sempre a que o funcionário do registo realize
diligências complementares, tendentes a verificar a identidade dos nubentes e a sua
capacidade matrimonial.
Se o casamento tiver que ser celebrado em conservatória diferente daquela onde decorreu o
processo preliminar de publicações, é passado certificado que é remetido à conservatória
escolhida para a celebração do casamento, nos termos do artigo 177.º do C. Reg. Civil.
99
A primeira situação em que é dispensado um prévio processo de publicações é a dos
casamentos urgentes. Por força do que dispõe o artigo 44.º da Lei da Família, “quando haja
fundado receio de morte próxima de algum dos nubentes, é permitida a celebração de
casamento independentemente de processo preliminar de publicações e sem intervenção do
funcionário do registo civil”. Os casamentos celebrados nestas condições são denominados
“casamentos urgentes”, cujas formalidades vêm previstas no artigo 191.º e seguintes do C.
Reg. Civil42.
Caso o casamento urgente não seja homologado, por verificação de qualquer das causas
previstas no artigo 46.º da Lei da Família, o mesmo é considerado inexistente, tal como comina
o artigo 53.º, al. b), da Lei da Família.
Por força do artigo 25.º da Lei de Família, a celebração do casamento tradicional segue as
regras estabelecidas para o casamento urgente; ou seja, não é necessariamente precedido de
processo preliminar de publicações, mas este deverá ser organizado a posterior; aliás, o artigo
227.º do C. Reg. Civil, expressamente, condiciona a efectivação do registo do casamento
tradicional à organização do processo de publicações nos termos do artigo 163.º e seguintes
do mesmo Código.
Do que acabamos de dizer, resulta que o processo de publicações é exgível para as três
modalidades de casamento: o civil, o religioso e o tradicional. O casamento urgente, qualquer
que seja a modalidade, pode ser celebrado sem prévia organização do processo de
publicações, que será organizado após o casamento. O casamento tradicional, seguindo o
regime do casamento urgente, também pode ser celebrado antes do processo preliminar.
Fica também claro que o casamento urgente pode ser precedido de processo preliminar de
publicações. Basta imaginar uma situação em que, depois do despacho do conservador
autorizando a celebração do casamento e antes da data indicada para acto, se verifica uma
situação determinativa de receio de morte de um dos nubentes. Numa situação como a
descrita, pode ser celebrado casamento urgente sem intervenção do funcionário do registo
42
Apesar de mencionada no artigo 191.º do C. Reg. Civil, a eminência de parto deixou de ser uma
condição autónoma do casamento urgente, visto que o direito substantivo o suprimiu, por se entender
que o parto já não representa o risco de morte, como sucedia no tempo do Código Civil de 1967. Assim,
à eminência de parto terá que ser associado, em cada caso concreto, um alto risco de morte, para ser
permitido o casamento urgente.
100
civil e a sua homologação dependerá de decisão do funcionário, nos termos do n.º 1 do artigo
45.º da Lei da familia, sem necessidade de novo processo de publicações.
* CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO
Deste princípio decorre que o processo preliminar pode ser organizado numa
conservatória do registo civil (a da residência de qualquer dos nubentes) e o
casamento ter lugar noutra conservatória.
A Lei da Família, como já foi referido em momento anterior, consagra três modalidades
de casamentos: o civil, o tradicional e o religioso. A diferença fundamental está nas
formalidades para a celebração de cada uma daquelas modalidades de casamento.
E, note-se que aquela manifestação de vontade nunca poderá estar afectada por
qualquer causa que consubstancie falta de vontade ou vontade viciada por erro ou
coação, situações que acarretam, somo consequência, a anulabilidade do casamento,
como resulta dos artigos 56.º, al. b), 60.º, 61.º e 62.º da Lei da Família.
101
Do segundo princípio, na lei, o princípio de que a vontade de contrair casamento é
estritamente pessoal. Tal não significa que no acto da celebração do matrimónio
tenham de estar ambos os nubentes para cada um deles manifestar, de forma
estritamente pessoal, a sua vontade.
Admite a lei, no n.º1 do artigo 48.º da Lei da Família, que um dos nubentes se possa
fazer representar por procurador, no acto do casamento. No entanto, impõe-se que o
procurador detenha poderes especiais para esse acto e que da procuração conste o
nome do outro nubente e a indicação da modalidade de casamento (se civil,
tradicional ou religioso) – cfr, artigo 1620º , n.º 2, da Lei da Família.
No artigo 47.º da Lei da Família e no artigo 189.º do C. Reg. Civil estão indicadas as
pessoas, cuja presença se mostra indispensável, e que são as seguintes:
A presença das pessoas acima indicadas constitui pressuposto essencial para ser
validamente celebrado o casamento, razão pela qual a falta de qualquer delas
determinada que não se considere como válido o matrimónio.
Manter a entrada aberta ao público pode, em alguns casos, não ser de fácil
concretização, nomeadamente nos casos de apartamentos e condomínios. O
importante é ter presente que a publicidade visa não só garantir que os nubentes
102
expressem livremente o seu consentimento, como também permitir que os
impedimentos sejam denunciados.
Não prevê a nossa lei qualquer obrigatoriedade de aconselhamento prévio quanto aos
efeitos do casamento, nem é exigível que no acto de casamento o conservador faça
menção aos principais efeitos do acto. É assim que muitos casais ficam a saber do
regime de bens aplicável depois de celebrado o casamento; aliás, muitos nem sabem
da possibilidade de celebração de convenção antenupcial e da sua importância.
A lei não trata, como era de esperar, das formalidades de celebração do casamento
religioso. O casamento religioso é celebrado de acordo com os procedimentos
previstos nas normas da religião específica da escolha dos nubentes.
Porém, para o casamento religioso produzir efeitos civis, terá que ser precedido de
processo preliminar de publicações e de apresentação de certificado passado pela
conservatória competente, atestando que os nubentes reunem os requisitos para o
casamento, como se extrai do preceituado no artigo 26.º da Lei da Família e no artigo
186.º do C. Reg. Civil. O certificado de casamento irá atestar apenas a capacidade para
a celebração exigida na lei, podendo, por isso, a religião aplicar as suas próprias
normas para determinar se os nubentes satisfazem os requisitos para o casamento
religioso43.
43
Por força do artigo 24 da Lei da Família, o casamento religioso e o tradicional só podem ser celebrados
por quem tiver a capacidade matrimonial exigida na lei civil.
103
Nada impede que seja celebrado casamento civil antecedido ou seguido de casamento
religioso não registado, como é prática na nossa sociedade, prática essa que é anterior
à Lei da Família.
Repare-se que a Lei não prevê a possibilidade de qualquer dos nubentes ser
representado por procurador, como se admite para o casamento civil e religioso. A
representação de um dos nubentes no casamento civil é expressamente admitida nos
artigos 47.º, al. a), e 48.º, ambos da Lei da Família, e no artigo 189.º, n.º 1, do C. Reg.
Civil. Para o casamento religioso, igual permissão vem contida no artigo 50.º, n.º 1, al.
a), da Lei da Família, o mesmo não sucedendo em relação ao casamento tradicional,
como claramente se constata do preceituado no artigo 51.º da Lei da Família e no
artigo 221.º do C. Reg. Civil.
Não deixa de ser questionável a solução de impor a presença dos dois nubentes no
casamento tradicional. Na verdade, o casamento tradicional moçambicano envolve as
famílias dos nubentes nas várias etapas da sua celebração, sendo possível que
membros da família dum dos nubentes o representem no acto de casamento. Embora
se compreenda a intenção do legislador de desencorajar práticas tradicionais que
conflituam com o princípio do mútuo consentimento, julgamos que salvaguardado
esse princípio deveria ser admitida a representação de pelo menos um dos nubentes,
nos moldes que as próprias normas do direito consuetudinário a admitem para a
celebração do casamento.
104
* REGISTO DO CASAMENTO
E, compreende-se que assim seja, já que, regra geral, só depois de efectuado o registo
poderá ser feita prova da existência de um matrimónio. Sem o registo, em princípio,
não se poderá invocar a sua existência legal, quer pelas partes, quer por terceiros,
como se alcança do disposto no artigo 91.º da Lei da Família.
O registo faz a prova plena dos factos dele constantes, não podendo ser ilidida senão
pelos meios que a lei consigna – a este propósito veja-se o artigo 347º do C. Civil e o
artigo 4º, nº 1 do C. Reg. Civil.
O registo de casamento pode ser lavrado por inscrição, conforme o estabelecido pela
al. c) do artigo 63.º do C. Reg. Civil, ou por transcrição, como resulta do preceituado
pelas als. b), c), e g) do nº 1 do artigo 64.º daquele mesmo Código e pelo artigo 78.º da
Lei da Família. O n.º 2 do artigo 64.º do C. Reg. Civil admite ainda o registo por
transcrição dos casamentos celebrados segundo os usos e costumes locais celebrados
antes da entrada em vigor da Lei da Família.
Do disposto pelos artigos 202.º e 212.º do C. Reg. Civil resulta que o assento de
casamento religioso ou civil não urgente deve ser lavrado e assinado imediatamente
após o acto da sua celebração. O mesmo deverá, em princípio, suceder com a
assinatura da acta do casamento tradicional, conforme resulta dos artigos 222.º a
224.º do C. Reg. Civil; até porque, por força do disposto no artigo 225.º do C. Reg. Civil,
a autoridade comunitária tem o prazo de 03 dias para remeter o duplicado da acta à
conservatória competente.
Do preceituado pelo n.º 1 do artigo 229.º do C. Reg. Civil ressalta que o casamento
produz efeitos desde a data da sua celebração, uma vez que se tenha efectuado o
registo. E, tais efeitos sempre se manterão, ainda que o registo se venha a perder.
Como se pode ver do que se referiu até este momento, o registo não apresenta
carácter constitutivo, no sentido de que não constitui formalidade de substância,
essencial e necessária para a existência ou validade do acto.
* CASAMENTOS URGENTES
A matéria do casamento urgente foi abordada acima, quando se fez referência aos
casos de dispensa do processo preliminar de publicações.
105
Tendo em consideração as particularidades próprias desta modalidade de casamento,
impôr-se-á que se teçam algumas considerações, relativamente a esta espécie de
matrimónio.
Mas, para que possa celebrar-se casamento urgente, a lei impõe que se verifiquem
certas e determinadas circunstâncias. Significa isso que apenas se admite a celebração
daquele tipo de matrimónio, quando ocorram certas circunstâncias, indicadas
taxativamente pela lei, como foi referido em momento anterior.
Quando ao receio de morte próxima que é um dos fundamentos previsto nos artigos
28.º44 e 44.º da Lei da Família, convêm notar que é exigível que se faça prova dos
factos que concorrem para tal receio, cabendo o ônus de prova aos próprios nubentes
ou aqueles que promoverem o registo do casamento.
Dos nºs 2 e 3 do artigo 44.º da Lei da Família e do nº 1 do artigo 192.º do C. Reg. Civil
resulta expresso que do casamento civil urgente é lavrado, oficiosamente, assento
provisório. E, uma vez este lavrado, o conservador do registo civil organiza
oficiosamente o processo de publicações, com base na certidão do assento, ao que se
seguirá a homologação ou não do casamento – cfr. artigos 192.º a 194.º do C. Reg.
Civil.
- a não verificação dos requisitos exigidos por lei para que ele possa ter lugar ou
a não observância das formalidades prescritas nos artigos 191.º e 192º do
C.Reg. Civil;
44
Para o casamento religioso e tradicional, para além do receio de morte próxima, a Lei admite a
celebração do casamento urgente ocorrendo grave motivo de ordem moral.
106
finalidade de se obter decisão judicial, que declare a validade do casamento. E, têm
legitimidade para impôr aquele recurso:
- os cônjuges;
- os seus herdeiros; e
- o Ministério Público.
E – VÍCIOS DO CASAMENTO
Nesta parte do nosso estudo, desde logo, se mostra importante relembrar os conceitos
de validade e de invalidade do negócio jurídico.
E, à qualidade contrária, não produção de efeitos, pelo menos dos normais efeitos, por
reacção da ordem jurídica à violação de preceitos seus, diz-se invalidade.
Nos negócios jurídicos em geral, a invalidade pode revestir três graus, a saber:
107
A diferença entre a inexistência a nulidade por vezes é
considerada de pouca importância prática; de qualquer modo,
quando falamos de níveis de invalidade, parece inegável que no
caso de nulidade a lei chega a admitir ter existido um facto
jurídico, enquanto no caso de inexistência o facto não chega a
existir no mundo jurídico.
Duas são as razões essenciais, que a doutrina apresenta a favor da consagração desta
figura jurídica, relativamente ao casamento.
A primeira razão assenta do casamento, em alguns casos, ser atingido por vício de tal
gravidade, qua a aplicação do regime da anulabilidade se mostraria insuficiente.
Naturalmente que são os casos, em que não se verificam os pressupostos legais da
anulabilidade.
Uma segunda razão tem a ver com o facto de que, em tais situações, não se poder
admitir, que aquela espécie de casamento pudesse produzir algum tipo de efeito
jurídico.
A este propósito, é preciso ter presente que no caso da anulabilidade, a lei admite que
o casamento possa ainda produzir alguns efeitos, os chamados efeitos putativos.
Os casos de inexistência previstas pela lei, no artigo 53.º da Lei da Família, são quatro:
109
- falta de competência funcional da autoridade ou da entidade que
celebrou – al. a) do artigo 53.º da Lei da Família;
Na referida al. a) do artigo 53.º da Lei da Família prevê-se a situação do casamento ter
sido celebrado perante quem não tinha competência funcional para o realizar.
Portanto, esse caso ocorerrá sempre que o casamento tenha sido celebrado por
pessoa que não se achava investido de poderes para o efeito.
Ainda a propósito desta causa de inexistência, deverá ter-se presente o que dispõe o
artigo 54.º da Lei da Família, quanto a funcionários de facto, na medida em que não se
considerará juridicamente inexistente o casamento celebrado perante quem, sem ter
competência funcional para o acto, exercia publicamente as correspondentes funções,
excepto se ambos os nubentes conheciam a falta de tal competência, no momento em
que se celebrou o matrimónio.
O disposto naquela última disposição legal constitui, como se pode concluir, uma
autêntica excepção à regra da inexistência do casamento, quando celebrado perante
quem não tem competência pra o efeito, a que se refere a al. a) do artigo 53.º da Lei
da Família.
Neste caso, trata-se da situação do casamento ter sido realizado por funcionário do
registo civil que, embora não detivesse os poderes necessários por não desempenhar
funções que a tal o habilitariam, exerce de facto as referidas funções.
110
Um casamento contraído em tais circunstâncias, não só não se considerará como
inexistente, como também não será susceptível de ser anulado, uma vez que nenhuma
disposição legal lhe dá esse tratamento.
Isto justifica-se porque se pretende dar protecção jurídico-legal dos nubentes estarem
de boa fé.
Como referimos, uma outra excepção à regra geral da inexistência consagrada pela al.
a) do artigo 53.º da Lei da Família verifica-se no caso de se tratar de casamento
urgente.
Com efeito, na al. c) do artigo 53.º da Lei da Família a causa justificativa da inexistência
é deteminada pelo facto de ter havido falta de declaração expressa de vontade por
parte de um dos nubentes ou de ambos, ou do procurador que representava no acto
um dos nubentes.
Só se poderá estar em presença de uma causa deste género quando um dos nubentes
não se pronunciou nos termos do estipulado pela al. e) do n.º 1 do artigo 190.º do C.
Reg. Civil ou nos termos em que o pronunciamento é exigido na celebração do
casamento religioso ou tradicional.
111
Como se pode constatar trata-se de situação bem diferente da que se acha
contemplada nos artigos 56.º, al. b), 60.º e 61.º, todos da Lei da Família, pois no caso
previsto pelos referenciados preceitos legais existiu uma declaração negocial, o que
acontece é que ela se mostra inquinada, em razão de falta de vontade ou em
consequência da vontade de estar viciada.
A terceira causa, falta de consentimento, como já foi referido atrás, pode ser ditada
pela verificação de vícios relacionados com a procuração, que esteve na origem do
casamento por procuração, os quais se acham enumerados, de forma expressa, na al.
d) do artigo 53.º da Lei da Família.
- ser nula a procuração por não conter poderes especiais para o acto ou
por nela não se designar expressamente o nome do outro nubente.
Note-se que a Lei ainda obriga a que na procuração para o casamento seja indicada a
modalidade de casamento, mas uma omissão em relação a esse aspecto não
determina a inexistência do casamento.
Algumas das novas correntes civilistas, que se têm vindo a desenhar no mundo,
afastam-se da posição assumida pelo legislador do C. Civil de 1967.
Mas, não vamos neste momento tecer quaisquer considerandos à volta de tais
doutrinas.
112
Do primeiro princípio extrair-se a conclusão de que a invocação da inexistência do
casamento não está sujeito a qualquer prazo.
* ANULABILIDADE DO CASAMENTO
Por tal razão, que não se justifique repetir agora o que já foi dito a tal respeito.
Assim, passaremos a centrar agora a nossa exclusiva atenção nas causas enumeradas
nas als. b) e c) do artigo 56.º da Lei da Família.
113
As situações, que na lei se consideram como falta de vontade na declaração negocial
produzida, acham-se enumeradas no artigo 60.º da Lei da Famílial e são as seguintes:
Em todas estas situações é importante reter que chegou a haver declaração negocial
da parte dum ou ambos os nubentes, mas o que efectivamente se passou, é que essa
mesma manifestação negocial se apresenta viciada, em consequência de se ter
registado falta de vontade, determinada por uma das causas acima indicadas.
Passemos agora a analisar cada uma das causas determinativas da existência de falta
de vontade do contraente, na manifestação negocial por ele produzida, que se acham
indicadas no artigo 60.º da Lei da Família.
A primeira causa da falta de vontade ocorrerá sempre que o declarente não tenha tido
consciência do acto que praticou.
E, é importante salientar que, para existir um caso desta natureza, é necessário estar-
se em presença de situação, em que a falta de livre exercício da vontade foi motivada
por incapacidade acidental.
Uma outra situação que constituirá, de igual modo, causa de anulabilidade prevista na
al. a) do artigo 60.º da Lei da Família, por se traduzir em falta do livre exercício da
vontade, será o caso do nubente estar em estado avançado de embriaguês ou em
estado de delírio que não lhe permite entender o sentido da declaração produzida.
114
Tratar-se-á do caso do nubente ter celebrado casamento com o irmão gémeo da
pessoa, com quem de facto queria casar; ou também, de um cego que casa com
pessoa diferente daquela com quem queria contrair matrimónio, por esta ter sido
substituída na cerimónia de casamento, sem que o nubente tenha dado conta.
Estar-se-á em presença deste tipo de causa quando a declaração negocial tenha sido
obtida, coagindo-se fisicamente quem a emitiu.
Quando ocorra um caso desta natureza, inubitável se mostre que se está perante
situação de falta de vontade dos nubentes em contrair matrimónio.
Para uma melhor compreensão desta causa de anulabilidade será de interesse ter
presente o conceito jurídico de simulação, que se acha expresso no n.º 1 do artigo
240.º do C. Civil.
Análise essa que se impõe seja feita, de forma separada, apreciando em primeiro lugar
a viciação motivada por erro e, em segundo lugar, a viciação ocasinada por coação.
Quanto à viciação da determinação da vontade por erro, nos artigos 61.º e 62.º da Lei
da Família estabelecem-se os pressupostos que relevam como erro-vício no domínio
do casamento. Por tal razãoque interesse atentar devidamente no que se dispõe
naquelas normas jurídicas sobre a referida matéria.
115
As causas relevantes de erro, que vicia a vontade, encontram-se contempladas no
artigo 61.º da Lei da Família e são as seguintes:
Por outro lado, conforme se extrai do disposto pelo n.º 1 do artigo 62.º da Lei da
Família o erro tem de ser desculpável e essencial.
Deste modo, que se tenha de concluir que, neste caso, se está perante a consagração
de dois requisitos gerais de que dependerá a relevância jurídica do erro nesta matéria,
os quais se traduzem, como se viu, na desculpabilidade e na essencialidade.
O erro deve ser desculpável no sentido de que a sua ignorância não resulta da falta de
diligência normal do nubente que o invoca. Parte a lei do pressuposto de que a
convivência anterior ao casamento e as circunstâncias em que ela ocorre, bem como o
conhecimento mútuo que se obtem antes do casamento, devem conduzir a que cada
nubente tenha conhecimento de informações relevantes sobre a conduta e o passado
do outro. Numa situação em que os primeiros encontros entre os nubentes ocorrem
nas instalações de uma cadeia, sendo ambos reclusos, não é aceitável que o nubente
nada pergunte ao outro sobre as razões da reclusão e venha mais tarde alegar que
ignorava o facto deste ter cometido crime antes do casamento.
Ou seja, só quando não tenha havido incúria do nubente e se trate de situação que
não era de normal percepção do homem mediano, se poderá dizer que se está perante
erro-vício (erro desculpável), para efeitos de causa de anulabilidade do casamento.
116
Quanto ao segundo requisito geral, essencialmente do erro, a própria lei tratou de
apresentar a sua definição, no n.º 2 do artigo 62.º da Lei da Família, que estabelece
que “o erro não se considera essencial quando se mostrar que, mesmo sem ele, o
casamento teria sido celebrado, ou se o conhecimento da realidade não provocar no
nubente enganado justificada repugnância pela vida em comum”.
A primeira traduz-se em que o casamento não chegaria a ser constraído sem o erro, a
que fora induzido o nubente.
Só quando se verificar uma das duas condições agora descritas existirá essencialmente
no erro.
Posto isto, debrucemo-nos então sobre os aspectos em que deve incidir o erro para
efeitos da anulação do casamento, enumeradas no artigo 61.º da Lei da Família45.
A primeira causa indicada traduz-se na prática por parte de um dos nubentes, e que o
outro desconhecia, de qualquer crime doloso a que corresponda pena superior a dois
anos, quando a sua consumação tenha ocorrido antes da celebração do casamento.
Deve-se ter em atenção que, para os efeitos desta disposição legal, apenas releva a
prática de crime doloso. Assim sendo, sempre cairá fora da previsão da lei toda a
conduta delituosa, que revista natureza meramente culposa.
Por outro lado, ao crime doloso tem de corresponder sempre pena de prisão superior
a dois anos.
Importante é ainda salientar que, para efeitos de relevância do erro, a lei não exige
que tenha havido condenação anterior ao casamento.
Assim, para que se mostre relevante esta circunstância, enquanto erro que vicia a
vontade, bastará que dos nubentes houvesse praticado, por exemplo, um crime de
peculato ou de falsificação antes da celebração do casamento, e que tal ilícito penal
venha a ser denunciado já na constância do matrimónio, originando, desse modo,
45
O artigo 1636 do Código Civil previa também como casos de erro que vicia a vontade o desconhecimento dos
seguintes factos em relação ao outro nubente: nacionalidade ou estado diferente do que lhe era atribuido ou de
que se arrogava, a impotência funcional incurável, absoluto ou relativa ou alguma deformidade física irremediável,
que existissem já antes do casamento e a falta de virginidade da mulher ao tempo do casamento. Entendeu o
legislador que aqueles factos não justificavam a anulação do casamento, por serem situações normalmente
perceptíveis no momento de conhecimento mútuo que antecede o casamento. Quanto à falta de virgindade da
mulher, para além de tal disposição se mostrar desajustada à realidade actual era inconstitucional, porque
descriminatória.
117
conhecimento público da referida conduta delituosa. De qualquer modo, tendo em
conta o princípio da presunção de inocência, só poderá ser intentada a acção de
anulação depois da condenação com transito em julgado.
Para uma melhor percepção das proposições que os civilistas assumem em relação a
esta questão, valerá a pena consultar as obras de Pires de Lima, Braga da Cruz e
Pereira Coelho.
Em qualquer das situações, do nosso ponto de vista, cremos que se impõe que se faça
prova do facto – prática de crime doloso a que corresponda pena superior a dois
anos, o que terá de ser feito pelo nubente enganado, ao qual incumbirá demonstrar
que desconhecia aquele facto, e tal demonstração poderá ser feita por qualquer dos
meios admitidos por lei.
Na alínea b) do artigo 61.º inclui-se situações, tais como, a prática reeiterada de actos
criminosos, de natureza dasonrosa, condutas habituais que tenham a ver com vício do
jogo, a prostituição, a devassidão de costumes e a corrupção de menores.
Deve, porém, ter-se em devida conta um aspecto particular, que foi referido em
momento anterior. A conduta, que evidencia vida e costumes desonrosos, tem de
revestir as características de procedimento continuado ou habitual, durante um
espaço temporal significativo, e não de situação esporádica ou isolada.
Uma outra causa de anulabilidade do casamento a que se refere a al. b) do artigo 56.º
da Lei da Família é a coação moral. Tratando-se de matéria devidamente tratada em
sede de Teoria Geral do Direito, não se mostra relevante entrar em detalhes.
Relativamente à ameaça, sem si mesma, sempre importará entender que não é todo o
tipo de ameaça, que poderá constituir coacção, para os efeittos do cominado no citado
dispositivo legal.
Assim, a ameaça de um mal, que pode ser grave, pode não ser reprovável e,
consequentemente, pode não justificar a aplicação deste comando legal, se a ameaça
se inscrever no exercício de um direito ou no cumprimento de uma obrigação.
É evidente que se trata de uma ameaça de um mal grave, por se traduzir na perda de
liberdade em relação a uma pessoa, mas a ela não está associada a ilicitude, porque se
contempla no cumprimento de uma obrigação que a lei impõe aos cidadãos.
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A propósito da ilicitude sempre se deve ter em devida conta que o simples temor
reverencial não pode considerar-se como ameaça ilícita, como seja o receio de
desagradar à família, porque se sabe que o pai não gosta do nubente.
Para efeito que acaba de ser referido deve ter-se presente o que dispõe, a este mesmo
propósito, o nº 3 do artigo 255º do C. Civil ao estabelecer: “Não constitui coacção a
ameaça do exercício normal de um direito nem o simples temor reverencial”.
Para terminar a apreciação que temos vindo a fazer quanto às causas de anulabilidade
do casamento, importa referenciar a situação consagrada na al. c) do 56.º da Lei da
Família.
Quando a falta das testemunhas diga respeito ao caso de casamento urgente, tal
situação conduzirá à sua não homologação, como se vê, quer da al. a), do nº 1 do
artigo 46.º da Lei da Família, quer dos artigos 191º e 195º do C. Reg. Civil, e a
consequência da não homologação é a inexistência jurídica do referido casamento,
como resulta do preceituado pela al. b) do artigo do 53.º da Lei da Família.
Passando a analisar a matéria que se relaciona com saber quem tem legitimidade para
requerer a anulabilidade.
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