Manual de Direito Da Família Final 26012014

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• NOÇÃO DE FAMÍLIA – Entendimento Geral

Para que se possa ter uma visão correcta do Direito da Família, importa partir da noção da
própria família, à volta da qual gravitam as normas jurídicas que integram aquele ramo do Direito
civil.
Toda e qualquer pessoa com uma normal capacidade de discernimento tem a noção do que seja
família. Será, pois, a partir deste dado de cogniscência social que se procurará avançar as
diversas formas como na sociedade se apresentam os diferentes conceitos de família.
De um modo geral, a família pode ser entendida em vários sentidos, sendo três as principais: em
sentido lato, em sentido restrito e em sentido intermédio.
Em sentido lato a família compreende todas as pessoas que se encontram ligadas pelos laços
do casamento, de parentesco, de afinidade e da adopção. É a família alargada ou também
família linhagem, como frequentemente é designada.
Em sentido restrito, a família engloba o pai, a mãe e os filhos. É chamada família nuclear que
normalmente é considerada como a família conjugal. É a sociedade paterno-filial, como muitas
vezes é igualmente apelidada.
Em sentido intermédio, a família é composta pelo grupo de pessoas que vivem debaixo do
mesmo tecto. É a família-lar.
Na família em sentido lato, os elementos aglutinadores são a procriação, o casamento, o
parentesco, a afinidade e a adopção; na família em sentido restrito, os elementos aglutinadores
são o casamento e o patentesco natural no sentido de pais e filhos; na família em sentido
intermédio, o elemento de aglutinação é o lar, a domus.

 NOÇÃO JURÍDICA DA FAMÍLIA

O termo família tem um significado legal limitado. Como diz Jonathan Herring, o grande dilema
em definir “família” é o poder da definição e especialmente o estigma associado ao facto de
determinado grupo de pessoas não ser considerado como fazendo parte da família1.
No nosso caso, de acordo com o artigo 2.º da Lei n.º 10/2004, de 25 de Agosto (Lei da Família),
família é a comunidade de membros ligados entre si pelos laços de parentesco, casamento,
afinidade e adopção.
Como se pode depreender, e para dar razão a Herring, os companheiros da união de facto, os
parceiros homossexuais, não integram o grupo que a Lei designa por família. Mais ainda, os
compadres ou comadres não são, à luz da Lei, membros da mesma família, o que de alguma
forma conflitua com o entendimento de que o casamento africano é, também, uma aliança entre
dois grupos.

De qualquer modo, é a noção legal de família que consta do artigo 2º da Lei da Família que
interessa para a nossa disciplina.

• NATUREZA JURÍDICA DA FAMÍLIA

1
Herring, Jonathan, FAMILY LAW, Third Edition, Pearson-Longman, Londres, 2007, p. 1

1
Prosseguindo a abordagem de algumas noções gerais sobre o Direito de Família, na perspectiva
atrás referenciada, de interesse se mostra perceber qual é a natureza jurídica da família.
A este propósito são fundamentalmente três as teorias que pretendem dar resposta à questão da
natureza jurídica da família, e que são:

II.1. FAMÍLIA PESSOAL MORAL;


II.2. FAMÍLIA ORGANISMO JURÍDICO;
II.3. FAMÍLIA INSTITUIÇÃO.

II.1.Família Pessoa Moral


A corrente que entende família como sendo uma pessoa moral, fundamenta essa posição a
partir da circusntância de serem atribuídos à família direitos morais e patrimoniais. Para esta
corrente constituem exemplos de direitos morais: o direito de defender a memória dos mortos e
de exercer a defesa jurídica da família; são direitos patrimoniais: a propriedade dos bens que
integram recordações de família, a legitimidade, a propriedade dos sepulcros, etc.
Neste sentido que, a família seria uma pessoa colectiva moral.
Tal posição não pode ser aceite na ordem jurídica moçambicana, pois a lei se encarrega de
indicar as formas de constituição das pessoas colectivas e do seu reconhecimento. Na ordem
jurídica interna, a família não é uma pessoa colectiva e não possui personalidade jurídica
própria. Note-se que os direitos e deveres a que a Lei da Família (Lei n.º 10/2004, de 25 de
Agosto, que entrou em vigor no dia 21 de Fevereiro de 2005) se refere nos artigos 3.º e 4.º não
são em si mesmo direitos da família como entidade com personalidade jurídica própria, mas
antes direitos e deveres de cada um dos seus membros, atribuídos ou exercidos no interesse do
grupo familiar.
II.2 Família Organísmo Jurídico
No essencial, a doutrina defensora do entendimento de que a família é um organismo jurídico
fundamenta a sua posição partindo da similitude que existe, em termos organizativos, entre a
família e o Estado.
Assim, esta corrente considera que na família existe uma interdependência entre os seus
membros, como o mínimo de organização, em que cada um deles desempenha funções
específicas, ficando o interesse individual subordinado ao interesse mais geral da família.
Da mesma maneira, no Estado deparamos com uma relação de interdependência entre os
cidadãos, e os interesses destes subordinam-se, de igual modo, aos interesses do próprio
Estado.
A orientação não colhe pois razões ético-culturais parecem ser a razão de base para a
prossecução dos interesses da família, e não a organização em si.

II.3 Família Instituição


Para os defensores desta teoria, instituição é uma ideia de obra ou de empresa que se realiza e
perdura juridicamente no meio social.
Para a sua concretização, existe um poder que se organiza através de órgãos próprios, ao
mesmo tempo que os membros que compõem a referida organização, os membros do grupo

2
social interessado na realização da ideia, praticam actos que são dirigidos por aqueles mesmos
órgãos, obedecendo a normas específicas.
Para esta concepção existem dois tipos de instituições:
- instituições-pessoas; e
- instituições-coisas.
Em ambas existe o mesmo princípio – uma ideia que é comungada por um grupo de pessoas,
surgindo a diferença do facto de na instituição-pessoa a ideia da obra se converter em sujeito,
enquanto que na instituição-coisa, esta é uma ideia normativa, uma regra de direito, que se
impõe a consciência dos indivíduos e obtêm a sua aprovação, sem gerar um sujeito.
Para a doutrina americana a instituição é uma maneira organizada de um grupo ou associação
de pessoas realizar uma actividade. Todavia, pressupõe-se que o grupo ou a associação esteja
estruturado e haja nele um sentido duradouro.
Neste sentido pode entender-se a família, em sentido amplo, como uma instituição e uma família
(individual) como um grupo ou uma associação.
A família é a instituição que preside na sociedade à procriação e educação dos filhos e à
transmissão do património por sucessão. Ao passo que uma família isoladamente é uma união
ou associação de pessoas.
Outros autores defendem a tese de que a família é uma instituição mais em sentido
sociológico do que jurídico, isto porque instituições jurídicas são conjuntos de normas de
Direito organizadas de forma sistematizada, presididas por princípios próprios e destinadas a
estabelecer direitos e deveres num determinado domínio da vida social.
Por sua vez, instituições sociológicas são padrões de cultura cuja transmissão se faz, de
ordinário, por via de educação.
Como corrente bastante forte existe ainda a que entende que a família é uma instituição
natural.
A família é uma instituição natural porque resulta do próprio desenvolvimento da natureza. Ela
surge com o próprio homem e é anterior ao próprio Estado.

• NOÇÃO DE DIREITO DA FAMÍLIA

Para uma melhor percepção do que se deve entender por Direito de Família, escolheu-se a
formulação apresentada pelo Prof. Antunes Varela, por nos parecer que é uma das noções
perfeita e exacta.
De acordo com aquele ilustre civilista “O Direito de Família é constituído pelo conjunto das
normas jurídicas reguladoras das relações entre pessoas ligadas pelos laços biológicos da
procriação ou pelo vínculo do casamento, da afinidade ou da adopção”2.
Como se pode depreender da noção apresentada, dela ressalta um aspecto de capital
importância que caracteriza o Direito de Família. É que o Direito de Família trata, no essencial,
das relações de carácter pessoal, relações estas que abrangem apenas certas e determinadas
pessoas.

2
Varela, Antunes, DIREITO DA FAMÍLIA, 1º Volume, 5ª Edição Revista, Actualizada e Completada,
Livraria Petrony, Lisboa, 1999, p.18.

3
Deste modo, que se deixe, desde logo, claramente precisado o tipo de relações que são
reguladas pelo Direito de Família.
O que neste ramo do Direito civil se procura regular, são relações de carácter pessoal,
acontecendo que, quando eventualmente se tratar de relações de natureza patrimonial, a sua
abordagem tem sempre como fonte a entidade social que é a família. Mais adiante haverá
oportunidade de melhor compreender estes aspectos, quando se analisar os caracteres do
Direito de Família.
Ainda no que respeita ao Direito de Famíla, quando se queira ter conhecimento mais preciso das
partes que compõem este ramo do Direito civil, é possível socorrermo-nos das ideias avançadas,
a tal propósito, pelo Dr. Diogo Leite de Campos.
Para este tratadista “O Direito de Família compreende duas divisões fundamentais: o direito
matrimonial, referente ao casamento como acto (como contrato), e como estado,
compreendendo as relações pessoais e patrimoniais dos cônjuges; e o direito de filiação.
Também este incluindo uma face patrimonial e outra pessoal”3.
Paralelamente a estas duas grandes divisões, aquele mesmo tratadista considera que o Direito
de Famíla abrange ainda “a eventual dissolução do casamento (divórcio), a sua nulidade ou
anulabilidade, bem como a interrupção do vínculo conjugal através da separação judicial de
pessoas e bens”4.
Com estas referências ainda que breves e genéricas, cremos estar situado o âmbito do Direito
de Família.

• FONTES DO DIREITO DE FAMÍLIA

Antes de falarmos nas fontes do Direito de família, vamos recordar, muito rapidamente, os vários
entendimentos que a expressão “fontes do Direito” comporta, sabido que não tem um sentido
unívoco.
Referir, que esta recapitulação vem apenas feita a título introdutório, e nessa medida não pode
deixar de ser necessariamente sucinta tratando-se, como é o caso, de matéria já anteriormente
explanada, com a necessária profundidade, noutra disciplina.
A expressão “fontes do Direito” vem sendo objecto de muitos reparos por parte de conceituados
académicos, dada a sua grande ambivalência interpretativa que resulta num quase contra senso
da certeza do próprio Direito. Ainda assim, porém, é a expressão tradicionalmente consagrada e
utilizada por todos, com devidas cautelas para que não haja lugar a qualquer mal entendido.
O vocábulo “fonte” isoladamente considerado tem, de entre outros que não vem ao caso
considerar, o significado de nascente de água perene.
Utilizada em sentido figurado a palavra quer significar causa ou origem.
Na expressão “fonte de Direito”, aquela palavra está empregue em sentido figurado,
comportando diversas leituras conforme a perspectiva por que é encarada.
Assim:

IV.1. Fonte de Direito em sentido histórico


3
Campos, Diogo Leite, DIREITO DA FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES, 2ª Edição Actualizada, Almedina,
Coimbra, 2001, p. 28
4
Idem, p. 28

4
Fala-se em fonte de Direito em sentido histórico quando se consideram as origens, a génese e a
formação dum sistema determinado. O Direito positivo moçambicano tem, neste sentido, como
fonte próximo o Direito português e como fonte mais remota e indirecta o Direito romano.

IV.2. Fonte de Direito em sentido instrumental


Em sentido instrumental os textos, diplomas ou compilações em que se contenham normas
jurídicas, designadamente, os Boletins Oficiais, Boletins da República, a Constituição, Código
Civil consideram-se fontes de Direito.

IV.3. Fonte de Direito em sentido orgânico


São fontes de Direito em sentido orgânico, os órgãos com competência para a produção de
normas jurídicas.
Nesse sentido a Assembleia da República é fonte de Direito, como o é o Governo e o serão as
autarquias locais.

IV.4. Fonte de Direito em sentido sociológico

Em sentido sociológico, será fonte de Direito o circunstancialismo social que influencie e


determine a feitura da norma considerada.
Assim, o agravamento das medidas penais para os crimes de associação criminosa tiveram por
fonte o crescente índice de criminalidade, levada a cabo por verdadeiras organizações de
delinquentes.

IV.5 Fonte de Direito em sentido técnico-jurídico


Em sentido técnico-jurídico, fontes de direitos são os modos de formação e revelação do Direito
objectivo, os diversos processos de criação das normas jurídicas.
Nesse sentido a lei, o costume, a jurisprudência e a doutrina serão fontes de Direito.
Ao falar-se, nesta fase do nosso estudo, de fontes do Direito de família estamo-nos a querer
referir, tão simplesmente, aos principais textos legais que contém princípios orientadores e
reguladores deste ramo do Direito.

IV.5.1 Fontes de Direito Interno.

Como facilmente se compreende, o primeiro texto legal que importa apontar como fonte do
Direito de família é, indubitavelmente, a Constituição da República. Diploma este onde se podem
encontrar as grandes linhas programáticas do Estado relativamente à família. Por outro lado, na
lei fundamental situam-se ainda outros grandes princípios que têm de presidir e orientar o
conteúdo das normas ordinárias.
É assim que, de acordo com o preceituado no artigo 119, nº 2, o Estado reconhece e protege o
casamento como instituição que garante a prossecução dos objectivos da família, desde que
celebrado “nos termos da lei”. O nº 4 do mesmo artigo remete para a lei o estabelecimento das
formas de valorização do casamento tradicional e religioso, bem como a definição dos requisitos
do seu registo e a fixação dos seus efeitos.

5
Por outro lado, tendo por base o princípio universal da dignidade da pessoa humana, nº 3 no
citado preceito constitucional, consagra-se o princípio de que o casamento, entanto que acto
jurídico, se baseia no livre consentimento dos esposados.
Estes princípios acarretam, como consequência imediata, o não reconhecimento por parte da lei
dos chamados casamentos forçados, herdados ou prometidos.
Do texto constitucional importa retirar para o âmbito do Direito de família, enquanto sua fonte
normativa, os princípios da universalidade e igualdade dos cidadãos, em geral, perante a lei e do
homem e da mulher, em particular, nos domínios da vida política, económica, social e cultural,
princípios estes que se acham expressos nos artigos 35 e 36.
Do princípio da igualdade decorre, de imediato, um outro que é o princípio da não discriminação.
Por último, sempre interessa ainda ter presente o disposto no art. 47 da Constituição da
República, pela importância de que se pode revestir, em alguns casos, no domínio do Direito de
família. Aquela disposição consagra o princípio do interesse superior da criança, que já vem
contido em inúmeros instrumentos internacionais de que Moçambique é parte. O referido texto
da lei mãe impõe que todos os actos relativos às crianças, quer praticados por entidades
públicas, quer por entidades privadas, tenham principalmente em conta o interesse superior da
criança. Para a concretização do mencionado princípio, o nº 3 do artigo que temos vindo a citar
consagra o direito das crianças poderem “exprimir livremente a sua opinião, nos assuntos que
lhes dizem respeito, em função da sua idade e maturidade”.
O princípio do interesse superior da criança tem importantes reflexos, designadamente, no
regime tutelar de menores.
Para ultimar a referência a esta fonte do Direito de família, de interesse se mostra afirmar que é
fundamental ter presente aos princípios constitucionais acima indicados, na medida em que
sendo a legislação ordinária fonte do direito de família de hierarquia inferior à Constituição da
República, necessário é que se efectue um exercício, permanente, de verificação da
conformidade dos preceitos infra-constitucionais com disposições constitucionais.
O Direito de Família mostra-se regulado, essencialmente, na Lei nº 10/2004, de 25 de Agosto
(Lei da Família), que revogou o Livro IV do Código Civil – artigos 1560º a 2023º.
Ainda como relevantes fontes do Direito de Família importa destacar:
• O Código do Registo Civil aprovado pela Lei nº 12/2004, de 8 de Setembro, enquanto
diploma legal que contém normas reguladoras de actos jurídicos que se prendem
intimamente com importantes institutos familiares;
• Lei n.º 7/2008, de 09 de Julho (Lei de Promoção e Protecção dos Direitos da Criança);
• A Lei n.º 8/2008, de 15 de Julho (Lei que aprova a Organização Tutelar de Menores);
• O Código do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2006, de 23 de Agosto.

IV.5.2 Fontes de Direito Internacional.

No domínio do Direito internacional, como fontes de Direito de Família, importa referenciar os


tratados e as convenções a que Moçambique aderiu e, como tal, passaram a integrar a ordem
jurídica interna, embora muitos dos grandes e importantes princípios neles expressos já se
mostrem vertidos na Constituição de 2004.
De qualquer maneira sempre valerá a pena fazer-lhes uma especial referência.

6
Uma primeira referência caberá fazer a alguns princípios consagrados no Pacto Internacional
sobre os Direitos Civis e Políticos, ratificado através da Resolução nº 5/91, de 12 de Dezembro.
Do artigo 26 do referido Pacto extrai-se, de forma expressa, o princípio da igualdade das
pessoas perante a lei, ao dispôr-se que: “Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito,
sem discriminação, a igual protecção da lei. A este respeito, a lei deve proibir todas as
discriminações e garantir a todas as pessoas protecção igual e eficaz contra toda a espécie de
discriminação,...”
E, do artigo 23 retiram-se os seguintes grandes princípios:
• a família tem direito à protecção da sociedade e do Estado;
• é reconhecido a todo o homem e toda a mulher o direito de contrair casamento e fundar
família, desde que tenha idade núbil;
• admite-se que, por lei, se fixe idade mínima para contrair matrimónio;
• nenhum casamento se pode concluir sem o livre e pleno consentimento dos esposados.
Como segunda fonte de Direito internacional pode apresentar-se, pela sua importância, a Carta
Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, ratificada pela Resolução nº 9/88, de 25 de
Agosto.
O princípio da não discriminação extrai-se, de forma expressa, do arigo 2 de referenciada Carta.
Por outro lado do artigo 3, nºs 1 e 2, retiram-se os princípios da igualdade perante a lei e do
direito a igual protecção por parte da lei.
Finalmente do artigo 18 podem extrair-se ainda os seguintes princípios:
• a família deve ser protegida pelo Estado;
• o Estado tem a obrigação de assistir a família na sua missão de guardiã da moral e dos
valores tradicionais reconhecidos pela comunidade;
• o Estado tem o dever de velar pela eliminação de toda a discriminação contra a mulher e
de assegurar a protecção dos direitos da mulher e da criança estabelecidos em
declarações e convenções internacionais.
Uma terceira fonte de Direito internacional é a Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra as Mulheres, ratificada através da Resolução nº 4/93, de 2 de
Junho.
Um primeiro importante princípio decorre do que se consagra no artigo 9, nº 1, ao dispôr que os
Estados Parte “...Garantem, em particular, que nem o casamento com um estrangeiro nem a
mudança de nacionalidade do marido na constância do casamento produzem automaticamente a
mudança de nacionalidade da mulher, a tornam apátrida ou a obrigam a adquirir a nacionalidade
do marido.”
E, do nº 2 daquele mesmo preceito resulta a igualdade de direitos entre o homem e mulher no
concerne à nacionalidade dos filhos.
Do nº 1 do artigo 15 extrai-se, de forma expressa, o princípio da igualdade entre o homem e a
mulher perante a lei.
Por outro lado, do nº 2 do supracitado preceito retira-se um outro não menos importante princípio
– os Estados Parte reconhecem à mulher direitos iguais aos do homem no que respeita à
administração dos bens.
No tocante à escolha de residência e de domicílio, do nº 4 do artigo 15 retira-se o princípio da
igualdade de direitos entre o homem e a mulher.

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Por seu lado, no artigo 16 contêm-se também importantíssimos princípios no âmbito do Direito
de Família.
Assim, desde logo, se impõe aos Estados que adoptem as necessárias medidas para eliminar a
discriminação contra as mulheres, no que se refere ao casamento e às relações de família,
garantindo-se a igualdade de ambos os sexos nesse domínio.
E depois estabelecem-se ainda os seguintes princípios:
• o mesmo direito de contrair casamento;
• o mesmo direito de escolher livremente o cônjuge;
• o mesmo direito de contrair casamento de livre e plena vontade;
• os mesmos direitos e as mesmas responsabilidades na constância do casamento e
aquando da sua dissolução;
• os mesmos direitos e as mesmas responsabilidades enquanto pais no que respeita às
relações filiais, independentemente do seu estado civil;
• os mesmos direitos e responsabilidades em matéria relativa a tutela, curatela, guarda e
adopção de crianças;
• os mesmos direitos pessoais do marido e da mulher, incluíndo o respeitante à escolha
do nome de família, de profissão e ocupação;
• os mesmos direitos a cada um dos cônjuges em matéria de propriedade, aquisição,
gestão, administração, gozo e disposição dos bens, tanto a título gratuíto, como a título
oneroso;
• não se atribuir qualquer efeito à promessa de casamento e ao casamento de crianças;
• dever-se adoptar medidas legais com vista à fixação de uma idade mínima para o
casamento;
• dever adoptar-se medidas legais com vista a tornar obrigatório o registo do casamento
no registo civil.
A quarta fonte de Direito internacional é a Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada
através da Resolução nº 19/90, de 23 de Outubro.
O princípio da não discriminação acha-se consagrado, de forma expressa, no artigo 2 citada
Convenção.
De acordo com artigo 5, os Estados estão obrigados a respeitar as responsabilidades dos pais e
da família relativamente ao desenvolvimento da criança.
Do artigo 6 retira-se que logo após o nascimento a criança será registada, tendo direito ao nome,
à nacionalidade, a conhecer os seus pais e a ser cuidada por eles.
Em conformidade com o artigo 9 a criança não pode ser separada dos pais contra a sua
vontade.
À criança é reconhecido pelo artigo 12 o direito de expressar livremente a sua opinião sobre
todas as questões que lhe digam respeito, desde que tenha a necessária capacidade de
discernimento.
Os artigos 20 e 21 reconhecem o direito à tutela e à adopção.
No artigo 27 reconhece-se a obrigação dos pais tomarem todas as medidas conducentes ao são
desenvolvimento físico, mental e espiritual da criança.
No artigo 19 estabelece-se a obrigatoriedade de proteger a criança contra todas as formas de
abuso físico ou psíquico, descuido ou negligência.
Não menos importantes são os seguintes instrumentos de Direito Internacional:

8
• a Declaração Universal dos Direitos do Homem;
• a Carta Africana dos Direitos e Bem Estar da Criança, ratificada através da Resolução
nr. 20/98, de 26 de Maio;
• o Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança,
relativo à venda de crianças, prostituição e pornografia infantil, ratificado pela Resolução
n. 43/2002, de 28 de Maio.

Com esta descrição de normas de Direito internacional dá-se por terminada a análise das fontes
jurídico-legais do Direito de Família, importando, de forma particular, chamar atenção para o
facto de muitos dos princípios enunciados terem reflexo imediato em algumas das disposições
contidas na Lei da Família em vigor.

C – CARACTERES DO DIREITO DE FAMÍLIA


a – CONTEÚDO ÉTICO E INFLUÊNCIA DAS IDEIAS MORAIS, TRADICIONAIS E
RELIGIOSAS NAS MEDIDAS LEGISLATIVAS

A família é usualmente entendida como uma unidade social, como uma célula social, que se
situa entre o cidadão individualmente considerado e o Estado.
É, aliás, esta a concepção que vingou na nossa lei fundamental, conforme se pode verificar do
que se acha estatuido no nº 1 do atigo 119 da Constituição da República, ao estipular-se que: “A
família é o elemento fundamental e a base de toda a sociedade célula-base da sociedade”.
Tendo por base o elemento ora referenciado, aliado, por um lado, ao facto de que a família é ela
própria anterior ao Direito escrito, e que, por outro lado, o seu normal desenvolvimento impunha,
cada vez mais, que as relações entre os seus membros obedecessem a um conjunto de regras
de conduta e de procedimentos estáveis e permanentes, então torna-se facilmente
compreensível a razão da forte influência de princípios éticos, morais e de regras provenientes
de usos e constumes dominantes no respectivo meio social, bem como de princípios religiosos
nas normas jurídicas que regulam as relações familiares.
Paralelamente, tais normas procuram ajustar-se a essa mesma realidade social, às
características de cada tipo de sociedade, estabelecendo o equilíbrio entre as regras dominantes
e a norma jurídica reguladora das relações familiares.
É assim que em várias disposições da Lei da Família é possível encontrar exemplos desta
mesma realidade.
Deste modo, nos artigos 16º e 18º (casamento civil, religioso e tradicional) deparamos com
princípios influenciados por normas religiosas e tradicionais, no que respeite à regulamentação
do instituto do casamento; o casamento é monogâmico, o que revela a influência da religião
cristã; porém, no caso do falecimento de um polígamo, a lei reconhece às companheiras com
quem o autor se encontrasse a viver há mais de 5 anos o direito à alimentos, o que resulta da
influência da tradição.

Entre as várias disposições legais, onde é possível encontrar uma forte influência de conteúdo
ético, podem indicar-se as seguintes: os artigos 293º, nº 1, 323º e 427º, todos da Lei da Família.

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Os vários impedimentos matrimoniais previstos nos artigos 31º e 32º da Lei da Família justificam-
se por razões, inter alia, de ordem moral.

b – INCOERCIBILIDADE OU FRACA COERCIBILIDADE DAS NORMAS

A incoercibilidade ou a fraca coercibilidade das normas reguladoras das relações jurídicas


familiares têm a sua origem na natureza ética das próprias instituições familiares.
É por essa razão que, como regra geral, não se fixam sanções organizadas para o não
cumprimento de muitos dos deveres-obrigações familiares. A maioria das vezes o incumprimento
de obrigações familiares apenas é passível de simples censura ou reprovação social.
Esta é a conclusão que se pode tirar da análise de várias normas legais reguladoras das
relações de família.
Assim, como exemplo evidente do que se acaba de referir, pode constatar-se no tocante ao
dever de solidariedade, que comporta para os cônjuges a obrigação recíproca de entreajuda,
apoio e cooperação.
No caso do cônjuge que deixe de cumprir este dever, por via de regra, a lei não prevê a
aplicação de qualquer medida coercitiva. No entanto, sem dúvida alguma, tal situação
determinará sempre forte reprovação e censura, não só no âmbito do seio familiar, como até da
comunidade em geral. Poderá também ser fundamento da separação judicial de pessoas e bens
ou do divórcio.
A falta de cumprimento do dever de solidariedade não determina nunca a obrigação de
indemnizar por parte do cônjuge faltoso, como acontece com outros deveres jurídicos.
Como tal, não pode o cônjuge prejudicado pela falta de cumprimento do dever de solidariedade
fazer accionar o aparelho coactivo, neste caso o tribunal, para que o outro cônjuge seja
condenado a cumprir. Do mesmo modo, não poderá haver uma acção judicial para que o outro
cônjuge seja condenado no cumprimento dos deveres de fidelidade, de respeito, de confiança ou
de coabitação.
Por esta razão, muitos autores vêm como motivo desta falta de coercibilidade, o carácter privado
e íntimo que se encontra subjacente a esta espécie de deveres.
Porém, há casos em que o incumprimento de deveres-obrigações pode, de forma mais evidente,
conduzir à aplicação de sanções legais, até de natureza penal, que por via disso, se traduzem
em medida coercitiva por parte da própria norma legal.
Um caso desta natureza pode ser encontrado, por exemplo, numa situação em que se verifique
falta de cumprimento do dever de prestar alimentos. Neste caso, é possível obter a condenação
do cônjuge faltoso a prestar alimentos e, em caso de incumprimento da sentença condenatória,
recorrer-se à sua execução coerciva.
A falta de cumprimento da obrigação de prestar alimentos, quando os obrigados se colocam
intencionalmente em condições de não contribuírem para o sustento da família e por essa via
lesarem os interesses de filhos menores, constitui infracção penal prevista no nº 1 do artigo 4 da
Lei nº 8/2008, de 15 de Julho (Lei que aprova a Organização Tutelar de Menores).
Para os casos de não cumprimento da obrigação de prestar alimentos, pode haver lugar à
punição nos termos Lei nº 2053, de 22 de Março de 1952 (Lei sobre o abandono da família).

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c – PREDOMÍNIO DAS RELAÇÕES PESSOAIS SOBRE AS RELAÇÕES
PATRIMONIAIS

Como regra geral, no Direito de família há uma sebroposição, isto é, uma ascendência do
pessoal sobre o patrimonial, a tal ponto que muitos dos direitos e obrigações dos membros da
família derivam intimamente de um estado pessoal, tal como seja do estado casado, do estado
do parente, do estado de afim.
Como vimos anteriormente, quando nos debruçamos sobre a relevância do parentesco e da
afinidade, a obrigação de prestação de alimentos, de conteúdo patrimonial, resulta da existência
daqueles laços pessoais.
Outro exemplo evidente do princípio ora enunciado pode ser encontrado, quer no domínio dos
direitos recíprocos dos cônjuges (artigo 93º da Lei da Família), quer no tocante à obrigação de
prestar alimentos entre eles (artigos 419º e 423º da Lei da Família).
É ainda característico do Direito de família o facto de nele se regularem os estados a que acima
se fez referência, por tal forma que esses interesses se sobrepõem ao próprio grupo familiar.
Como consequência do que se acaba de dizer, compreensível se mostra que as relações
patrimoniais, reguladas no Direito de família, estejam fortemente dependentes de estados
pessoais.
Assim é, na verdade, quando atentamos nos efeitos patrimoniais do casamento,
designadamente, no respeitante aos bens dos cônjuges ou à responsabilidade pelas dívidas dos
cônjuges, que não existiriam se não fossem baseados na relação de casamento.
Em ambas as situações, a regulamentação deste tipo de relações patrimoniais está íntima e
indissoluvelmente ligada e, como tal, dependente de um estado pessoal, que é, neste caso, o
estado civil de casado, na medida em que apenas se pode considerar bens dos cônjuges,
quando estamos em presença de pessoas unidas pelo vínculo do casamento.
Note-se que os referidos direitos familiares pessoais, de um modo geral, revestem carácter
relativo, no sentido em que eles apenas vinculam determinadas pessoas, com exclusão de todas
as demais, razão pela qual os seus efeitos normalmente não operam em relação a terceiros.

d – LIMITAÇÃO DA AUTONOMIA DA VONTADE


No âmbito do Direito de família, ao contrário do que acontece com outros ramos do Direito, o
princípio da autonomia da vontade sofre, como é natural, grande limitação não só pelo interesse
público que se pretende prosseguir com a disciplina das relações jurídicas familiares, como
também em virtude de se sobrepôr o interesse da família aos interesses individuais dos seus
membros.
O que foi dito acima constitui a razão pela qual nas acções sobre o estado das pessoas (divórcio
litigioso, separação litigiosa de pessoas e bens, investigação de paternidade e outras) não é
permitida confissão, desistência e transacção, que importe afirmação de vontade sobre direitos
indisponíveis – artigo 299º, nº 1 do C. P. Civil.
É no âmbito da liberdade de estipulação que a autonomia se encontra mais fortemente limitada.
Por exemplo no que respeita à relação entre pais e filhos, o artigo 288º da Lei da Família afasta
expressamente a possibilidade daqueles renunciarem ao poder parental ou a qualquer dos
direitos e deveres que aquele poder lhes confere.

11
Encontramos um outro exemplo elucidativo no domínio do direito matrimonial; assim, o nº 1 do
artigo 42º da Lei da Família estipula que “a vontade de contrair casamento importa a aceitação
de todos os efeitos do casamento, sem prejuízo das legítimas estipulações dos esposos em
convenção antenupcial”. No nº 2 do referido artigo 42º, a Lei considera não escritas cláusulas
que se destinem a afastar ou modificar os efeitos do casamento, fora dos casos expressamente
admitidos pela própria lei.
Nesta perspectiva mostra-se impensável que, por convenção antenupcial, os nubentes acordem
entre si que um deles fica desobrigado de contribuir para as despesas domésticas ou do
cumprimento do dever de respeito, na medida em que tal declaração negocial ou manifestação
de vontade ofenderia frontalmente os deveres que a lei impõe a cada um dos cônjuges (ver
artigo 93º e seguintes da Lei da Família).
Do mesmo modo, a lei também não aceitará, naturalmente, que os nubentes convencionem,
entre si, a possibilidade do futuro cônjuge marido se vir a unir a várias mulheres, na constância
do casamento, na medida em que tal acordo se traduziria, necessariamente, na alteração de um
dos deveres recíprocos dos cônjuges, o dever de fidelidade, conforme o consagrado pelo artigo
93º da Lei da Família.
E, sempre assim será face ao Direito positivo, ainda que os futuros cônjuges, por pertencerem
ao mesmo grupo social, se orientem por regramento sócio-familiar, para o qual seja admitida a
poligamia.
Neste caso, é a própria lei que, de forma expressa, restringe o princípio da liberdade de
estipulação, como se conclui do preceituado pela alínea b) do artigo 119º da Lei da Família ao
não admitir que seja objecto de convenção antenupcial “a alteração dos direitos ou deveres, quer
paternais, quer conjugais”.
O que foi dito não equivale ao não reconhecimento da autonomia da vontade no domínio do
Direito de Família.
Desde logo, por exemplo, as pessoas gozam de ampla liberdade de celebração do matrimónio,
podendo, no âmbito de tal liberdade, escolher livremente entre não casar ou casar e, sem
prejuízo dos impedimentos matrimoniais, escolher livremente o seu parceiro.
No âmbito da liberdade de estipulação, o artigo 118º da Lei da Família atribui aos nubentes a
liberdade de fixar o regime de bens do casamento, quer escolhendo um dos regimes típicos quer
estipulando o que a esse respeito lhes aprouver, designadamente quanto à administração dos
bens.

e – PREDOMÍNIO DE NORMAS IMPERATIVAS

A regra do predomínio de normas imperativas está intimamente ligada com o que se acabou de
dizer, quanto à limitação do princípio da autonomia da vontade neste ramo do Direito.
Na verdade, o Direito de família é caracterizado por um predomínio de normas imperativas (que
não podem ser afastadas por vontade das pessoas).
Ao contrário do que se passa com o Direito das Obrigações, em que as suas normas
reguladoras revestem mais natureza supletiva ou dispositiva, no Direito de Família, as normas
que o regem são caracterizadas por um acentuado predomínio da imperatividade sobre o
supletivo.
A título exemplificativo podem reter-se os seguintes casos:

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1 – Normas reguladoras dos requisitos para casamento – artigos 30º, 31º e
32º da Lei da Família;
2 – Normas que definem os direitos e deveres dos cônjuges - artigos 93º e
e seguintes da Lei da Família;
3 – Normas que fixam os fundamentos do divórcio e da separação judicial de
pessoas e bens – artigo 181º da Lei da Família.
Nos casos acabados de exemplificar, é evidente a natureza imperativa das normas que as
regulam.
Concluindo, pode afirmar-se que, no domínio do Direito de família e no que respeita às relações
familiares pessoais, predominam, como se viu, normas de carácter imperativo.
Já no que toca às relações familiares de natureza patrimonial, em larga medida, elas regem-se
por normas de carácter supletivo ou dispositivo.
A título de exemplo, atente-se na forma como se acham regulados os regimes de bens do
casamento – artigos 137º a 156º da Lei da Família.
O artigo 137º estabelece “Na falta da convenção antenupcial...”. Ora, como se pode atentar
desde logo desta disposição legal, está-se perante uma clara subordinação da lei ao princípio da
autonomia da vontade.
Todavia, dissemos que as relações familiares de natureza patrimonial se regem, em larga
medida, por normas de carácter supletivo ou dispositivo, porque mesmo no âmbito deste tipo de
relações é possível encontrar excepções ao seu caracter supletivo.
De facto, existem vários casos em que se verifica a predominância de normas de natureza
imperativa.
Constituem exemplos do que foi referido:
- As restrições ao princípio da liberdade de celebrar convenção antenupcial –
Artigo 119º da Lei da Família;
- A imutabilidade das convenções antenupciais – artigo 134º da Lei da Família.

Como se infere de tudo o que foi referido, no Direito de família, existe uma grande
predominância de normas imperativas, ao contrário do que acontece nos restantes ramos do
Direito civil.
f – OS DIREITOS FAMILIARES PESSOAIS COMO PODERES FUNCIONAIS
Para se compreender a afirmação de que os direitos familiares pessoais são poderes funcionais,
ou se se quiser, poderes-deveres, importará efectuar uma breve análise do conceito tradicional
de direito subjectivo.
O conceito tradiconal de direito subjectivo assenta no seguinte:
Direito subjectivo é o poder de se exigir de outrém um certo comportamento – direito subjectivo
propriamente dito; ou também, direito subjectivo é o poder de produzir certas consequências
jurídicas na esfera jurídica de outrém – direito potestativo (ex: as servidões – artigos 1534º e
1565º do C. Civil).
Nesta perspectiva, o titular de um direito subjectivo pode escolher livremente o modo de o
exercer, isto é, de exercer o direito como muito bem lhe aprouver ou até de não o exercer.
O titular do direito procura satisfazer um interesse seu, independentemente do interesse que a lei
procura tutelar, ao conceder-lhe tal direito subjectivo.
Relativamente à teoria tradicional, várias são as críticas apresentadas.

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Passamos em destaque as seguintes:
1 – Os direitos familiares pessoais são direitos a que não se ajusta a noção
tradicional de direito subjectivo.

Isto porque não são direitos que o seu titular possa exercer como queira.
Pelo contrário, o seu titular está obrigado a exercê-los de certa forma. Da forma que for exigida
pela função do direito, pelo interesse que eles servem.
Os direitos familiares são irrenunciáveis e intransmissíveis; são direitos cujo exercício é
controlado pela lei.
A este propósito, note-se a diferença que existe entre o exercício do poder parental e o exercício
de um direito de servidão.
O exercício do poder parental é irrenunciável e intransmissível, sendo controlado pela própria lei
– artigo 288º da Lei da Família. Pelo contrário, o titular de um direito de servidão pode a ele
renunciar ou mesmo transmití-lo, embora nas condições previstas pela lei.
2 – Teoria do abuso do direito.
Segundo esta teoria o titular do direito já não pode escolher livremente o modo do seu exercício.
O exercício do direito é abusivo nos casos extremos de completa desarmonia entre o exercício
do direito, nas circunstâncias concretas em que teve lugar, e a função do direito, isto é, o
interesse que a lei teve em vista tutelar, quando atribuiu o direito.
Esta a razão pela qual a ordem jurídica intervém, ou para obrigar a indemnizar por perdas e
danos, ou para tratar o titular do direito como se ele não detivesse esse mesmo direito.
Postas as coisas deste modo, pode dizer-se que há direitos subjectivos e directivos subjectivos.
O relevo da função do direito é umas vezes mais nítido e outras vezes mais apagado.
Há direitos subjectivos cujo exercício, em princípio, é livre e só em caso de flagrante contraste
entre o seu exercício e a sua função, a ordem jurídica intervém, reagindo a tal desajuste.
O artigo 280º, nº 2 do C. Civil dispõe que é nulo o negócio jurídico contrário a ordem jurídica ou
ofensivo dos bons costumes, enquanto que o artigo 405º, nº 1 do mesmo Código estabelece o
princípio da liberdade contratual, com as limitações impostas pela lei.
Assim sendo, a liberdade contratual mostra-se coarctada sempre que o negócio jurídico se
revele ofensivo dos bons constumes, porque, neste caso, a ordem jurídica intervém,
sobrepondo-se à liberdade negocial das partes, impondo a nulidade do negócio celebrado.
Outros direitos subjectivos há em que o seu titular os deve exercer de certa e determinada
forma, da forma que fôr exigida pela sua função.
Para os primeiros pode-se reservar a designação tradicional de direitos subjectivos e, para os
segundos, podem apelidar-se de poderes-deveres ou poderes funcionais.
Feita, deste modo, a distinção entre uns e outros, pode-se concluir que os direitos familiares se
inscrevem carecteristicamente no grupo dos poderes-deveres ou de poderes funcionais.
g – CARÁCTER DURADOURO DAS RELAÇÕES FAMILIARES
As relações jurídicas familiares revestem características duradouras e permanentes. Há mesmo
quem os considere como perpétuas.
A Lei da Família admite o divórcio, mas o casamento é presuntivamente, tido como perpétuo.
Não se deverá, no entanto, confundir, a perpetuidade do casamento com a sua indissolubilidade.

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Os filhos são filhos e sê-lo-ão sempre, independentemente da continuidade do vínculo do
matrimónio. Os pais são pais e sempre continuarão a sê-lo, mesmo depois da sua morte. Por
outro lado, o vínculo da afinidade, uma vez constituído, perdura para sempre.
Como tal, que se compreenda que este tipo de relações jurídicas gere verdadeiros estados
pessoais, como sejam: o estado casado, o estado de divorciado, o estado do filho, de afim, etc.
Dadas as características das relações jurídicas familiares que se perceba então por que não é
possível opôr-lhe qualquer termo ou condição.
Por tudo isto que as relações familiares se distingam das relações obrigacionais que, por via de
regra, têm um carácter transitório.
h – TIPICIDADE DAS RELAÇÕES FAMILIARES
De uma forma geral, as relações jurídicas familiares são relações típicas, isto é, a sua
enumeração mostra-se fixada, de forma taxativa, pela lei.
De acordo com o que se dispõe no artigo 6.º da Lei da Família, as fontes das relações familiares
são a procriação, o parentesco, casamento, a afinidade e a adopção. São apenas estas as
fontes e mais nenhumas. Como se vê, está-se em presença de uma enumeração taxativa.
De modo idêntico se passam as coisas no que toca aos impedimentos do casamento – artigo
30.º e seguintes da Lei da Família. Os fundamentos da separação judicial de pessoas e bens do
divórcio litigioso são enumerados, também de forma taxativa, no artigo 181.º da Lei da Família.
Mesmo no que respeita às relações patrimoniais, no fundamental, pode afirmar-se que elas são
típicas, como acontece em relação aos regimes de bens, em que a lei estabelece regimes tipo,
permitindo que as partes possam os conjugar dentro de determinados parâmetros.
Esta a razão de ser por que se pode afirmar que, no domínio do Direito de família, ao contrário
do que se passa no Direito das obrigações ou dos contratos em especial, onde prevalece o
princípio da liberdade negocial, as relações jurídico-familiares obedecem ao princípio de
numerus clausus.
Com estas referências dá-se por terminada a análise quanto à tipicidade das relações familiares
e, deste modo, a apreciação que vinha a ser feita relativamente aos caracteres do Direito de
Família.
Como tal, de seguida, passar-se-á a analisar as fontes das relações jurídicas familiares.

II – PARENTESCO, AFINIDADE E ADOPÇÃO

Continuando a abordagem de noções gerais e conceitos do direito de família, vamos dar início
agora a um novo capítulo do nosso curso, que se prende com o que se deva entender por
parentesco, afinidade e adopção.

Trata-se de matéria de relevante importância no domínio do direito da família, se se tiver em


linha de conta que aquelas figuras constituem ou podem constituir, seja qual fôr o sistema
jurídico, fonte de relações jurídicas familiares.

Daí que se mostre de reconhecido interesse o conhecimento e o domínio destes conceitos, bem
como o conjunto de regras jurídicas que a estas figuras estão associadas.

Atrás disse-se que as figuras jurídicas de parentesco, da afinidade e da adopção, por via de
regra, constituem fonte de relações jurídicas familiares.

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Certamente que se poderia, neste momento, pertguntar se o casamento não é igualmente fonte
daquele tipo de relações. E, se o é, qual a razão por que não se lhe faz referência neste capítulo.

Importa aqui precisar que, de facto, o casamento constitui, normalmente, a fonte primária das
relações jurídicas familiares, e porque assim é reservamos-lhe um espaço próprio. E, nesta
altura do nosso estudo, vamo-nos preocupar tão só em fazer referência às demais fontes das
relações jurídicas familiares.

Deste modo está apresentada, em linhas gerais, a razão de ser da importância de que se
revestem as figuras jurídicas, que vamos passar a tratar.

A – PARENTESCO E AFINIDADE

A. 1 – PARANTESCO

A. 1. 1 - NOÇÃO – LIMITES – FORMA DE CONTAGEM DE GRAUS

A. 1. 1. 1 – NOÇÃO

O conceito de parentesco pode revestir características mais ou menos amplas, conforme os


princípios que lhe servem de fonte, ou por outras palavras, consoante os princípios em que se
inspirem.

Na verdade, foi o próprio evoluir da organização sócio-familiar, ao longo dos tempos, que
determinou as mutações que se têm operado em relação ao conceito de parentesco.

Por essa razão, o conceito de parentesco que se mostrar válido para determinada sociedade,
poderá não o ser, do mesmo modo, para uma outra sociedade.

E, dentro de um mesmo país, se o estado de desenvolvimento da sociedade não se mostrar


uniforme e com ela a própria família, bem como acontecer que nos deparemos com situações,
em que a figura ao parentesco apresente características diferentes, em função da forma
evolutiva da família em cada zona.

Esta, aliás, a razão principal do evoluir do próprio direito.

No direito clássico a noção de parentesco tinha por base, não só o vínculo sanguíneo, mas muito
mais do que isso. Os vínculos próprios de relações comunitárias reflectiam-se no conceito de
parentesco.

16
Com o evoluir da organização familiar, os laços de parentesco, cada vez mais, têm vindo a
assumir-se como laços de sangue.

É assim que se compreende que no direito moderno se restrinja a noção de parentesco a um


vínculo de sangue, de natureza biológica.

Na lei vigente, no 8.º da Lei da Família, é-nos dado o conceito de parentesco como sendo o
vínculo que une duas pessoas, em consequência de uma delas descender de outra ou de ambas
procederem de um progenitor comum.

Do conceito consagrado pela lei extrai-se claramante, que a noção de parentesco adoptada pelo
legislador assenta exclusivamente no vínculo de sangue. Neste domínio seguiram-se as grandes
correntes do direito moderno.

Na base do conceito jurídico de parentesco, adoptado pela lei, está o fenómeno biológico da
procriação. E, para este caso, tanto importa que ela esteja ligada ao casamento, a uma união de
facto ou mesmo a uma simples ligação carnal.

Nesta concepção, o pai e a mãe são sempre parentes do filho, quer estejam ou não unidos pelo
vínculo do casamento.

Relacionando o que atrás se disse com uma observação criteriosa da noção contida no artigo 8.º
da Lei da Família, estaremos em posição de melhor poder concluir que se está em presença de
um conceito escrito de parentesco, o qual tem por base apenas a comunidade de sangue.

Intimamente ligada com a noção de parentesco está a questão se saber como se estrutura o
vínculo de parentesco.

No artigo 9.º da Lei da Família procura-se estabelecer os parâmetros da estruturação dos laços
de parentesco, ao dizer-se que ele determina-se pelas gerações que vinculam os parentes um
ao outro; que cada geração compõe um grau; e que a série de graus constitui a linha de
parentesco.

A propósito da forma de contagem de graus voltar-se-á a esta mesma questão.

A. 1.1.2 - LIMITES

Apesar de, no artigo 8.º da Lei da Família, se estar em presença de conceito estrito de
parentesco, este reveste ao mesmo tempo as características de um conceito amplo, já que em
conformidade com tal noção, sempre é parente a pessoa que descenda de uma outra ou que
proceda de um progenitor comum.

Por esta via a linha de parentesco e, consequetemente, o vínculo familiar estender-se-ia de


forma ilimitada. Se nos baseássemos na crença de que os primeiros progenitores da raça
humana foram Adão e Eva, diríamos até que todos somos parentes.

A noção ampla adoptada no artigo 8.º da Lei da Família, a ser aplicada sem qualquer critério,
traria sérias dificuldades e mesmo desvantagens para a vida jurídica dos cidadãos, na medida

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em que as pessoas seriam parentes, sem que se estabelecesse algum tipo de distinção entre
elas.

A verdade é que a realidade social evidencia que há parentes mais chegados ou próximos e
parentes mais afastados ou menos chegados.

Esta realidade é, sem dúvida alguma, importante para o direito e, como tal, justifica-se que sejam
estabelecidos os chamados limites de parentesco.

Esta é, naturalmente, a razão de ser pela qual o legislador, no artigo 12.º da Lei da Família, veio
fixar os limites do parentesco.

Na referida disposição legal, como se pode ver, adoptam-se dois critérios diferentes, conforme o
tipo de linha que determina o vínculo de parentesco.

Tratando-se de parentesco na linha recta (ascendente ou descendente) a lei reconhece-lhe


efeitos jurídicos, seja qual fôr o seu grau. Nesta linha não se estabelece qualquer limite, para
efeitos da sua eficácia jurídico-legal. Obviamente que tendo em conta a natureza humana, a
morte encarrega-se de limitar o número de parentes na linha recta.

Ao contrário se passam as coisas quando se trata de parentesco na linha colateral.

Nesta já se fixa um limite legal, que é o 8.º grau. Na vigência do Código Civil o limite era o 6.º
grau; o legislador da Lei da Família optou pela elevação do limite para melhor reflectir o tipo de
organização familiar prevalecente no país.

Deve, no entanto, salientar-se que a legislação portuguesa anterior ao Código Civil de 1967, por
exemplo, o Código Civil de 1867, até à sua reforma que teve lugar em 1930, atribua efeitos
jurídicos ao parentesco até ao 10º grau da linha colateral.

E, de uma forma geral, em termos de normas consuetudinárias em Moçambique reconhece-se


efeitos jurídicos ao parentesco na linha colateral até ao 10.º.

Mesmo, em termos de direito comparado, esta situação de parentesco não se mostra tratada de
forma uniforme pelas diversas legislações.

E, está bem de compreender que assim seja, se se tiver presente que esta é uma questão, que
muito tem a ver com o estádio de evolução organizativa da família, entanto que instituição social
que é.

À medida que a família tende a evoluir de tipo alargado para celular, assiste-se a um
restringimento da eficácia jurídica dos laços de parentesco a um grupo menor de pessoas.

Quando a nível sa sociedade, por razões de natureza social, religiosa ou outra, se pretende
atribuir relevância especial aos vínculos familiares derivados da família constituída face à lei,
verifica-se a preocupação de distinguir os que derivam de uma união legal, dos que advêm de
qualquer outro tipo de relacionamento.

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Quando assim é, o primeiro tipo de vínculo designa-se por legítimo, ao passo que o segundo se
apelida de ilegítimo. No caso de Moçambique, tais designações são hoje inconstitucionais, por
contrariarem o princípio da igualdade e não discriminação em razão do estado civil dos pais.

A. 1. 1.3 – FORMA DE CONTAGEM DE GRAUS

Como atrás já foi referido, o parentesco determina-se pelas gerações que vinculam umas
pessoas às outras, formando cada geração um grau e compondo o conjunto de graus a linha de
parantesco – artigo 9.º da Lei da Família.

Pode, por outro lado, dizer-se que o parentesco se conta por linhas e por graus, tendo em conta
o que se acha preceituado nos artigos 8.º, 9.º, 10.º e 11.º, da Lei da Família.

Por linha deverá entender-se a série de pessoas que, integrando várias gerações ou graus,
descendem do mesmo tronco.

No entanto, a linha pode ser prespectivada de diversas formas.

Numa primeira prespectiva, ela pode revistir a forma de linha paterna ou de linha materna.

Numa segunda prespectiva, aliás comum às linhas antes indicadas, poderá tomar as formas de
linha recta ou directa e de linha colateral, transversal ou obliqua.

A linha diz-se recta quando as pessoas descendem umas das outras (artigos 10.º, n.º 1, primeira
parte, da Lei da Família) e colateral quando as pessoas, não descendendo umas das outras,
procedem de um progenitor comum, ou seja, têm um ascendente comum (artigos 10.º, n.º 1,
segunda parte, da Lei da Família).

Finalmente, numa prespectiva a linha poderá ser descendente ou ascendente, consoante se


parta do ascendente para o descendente, ou deste para aquele (artigo 10.º, n.º 2 da Lei da
Família).

Por outro lado, numa mesma linha a proximidade do parentesco mede-se em função dos graus
nela existentes.

E, por sua vez, os graus de parentesco contam-se pelo número de nascimentos (ou de
gerações) que ligam uma pessoa à outra, na cadeia do parentesco.

Na contagem dos graus, em qualquer uma das linhas de parentesco, é importante ter presente
que nunca se considera, para esse efeito, o progenitor comum – artigo 11.º da Lei da Família.

Importa referir que sendo a linha colateral, para efeitos de contagem de graus, deverá subir-se
por um dos ramos e descer-se pelo outro, tendo, porém, em atenção a regra que se precisou no
parágrafo anterior.

Seguidamente apresentam-se algumas situações práticas, que exemplificarão as regras antes


indicadas.

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1º Caso

F é filho de D e E, sendo por sua vez D filho de B e C. B é filho de A, enquanto C é filha de X.

Admitamos que se quer saber qual é o grau de parentesco existente entre F e A.

A X

│ │

B –C

D– E

Num caso desta natureza estar-se-á em presença de um vínculo de parentesco de linha recta
ascendente e paterna, em que o número de gerações ou graus é três (F, D e B), uma vez que
não se conta o progenitor (A).

Assim sendo, poderá dizer-se que F em relação a A, é um parente (descendente) em linha recta
paterna e de terceiro grau. E, que A em relação a F, é um parente (ascendente) em linha recta
paterna e em terceiro grau.

IIº Caso

F é filho de D e E, sendo E filha de B e C. E, por seu lado, C é filha de A.

Partindo-se de tais premissas, pretende-se saber que grau de parentesco existe entre A e F.

B–C

D–E

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Neste caso, está-se perante um vínculo de parentesco de linha recta, descendente e materna,
em que as gerações ou graus são também em número de três (C, E e F), tendo em
consideração que não se conta, par este efeito, o progenitor (A).

IIIº Caso

F é filho de C que, por sua vez, é irmão de B, sendo ambos filhos de A. Por outro lado, B tem
dois filhos, D e E.

Qual o vínculo de parentesco existente, por um lado entre F, D e E, e por outro lado entre C e E?

Apreciando a primeira situação, a do vínculo existente entre F, D e E.

Está-se em presença de vínculo de parentesco de linha colateral, pois as pessoas não


descendem umas das outras, mas descendem de um mesmo progenitor. E, por outro lado, trata-
se de parentesco de quarto grau, porque não se conta o progenitor comum (A).

/\

B C

/ \ │

D E F

Analisando agora a segunda situaçãi, a do vínculo existente entre C e E.

Dir-se-á que, neste caso, se está perante um vínculo existente de parentesco de linha colateral,
de terceiro grau.

A. 2 – IRMÃOS GERMANOS, CONSAGUÍNEOS E UTERINOS

Relacionado com a problemática do parentesco, de relevância se mostra conhecer os conceitos


de irmão germano, consanguíneo e uterino.

IRMÃOS GERMANOS

Irmãos germanos ou bilaterais são irmãos, que são filhos do mesmo pai e da mesma mãe.

IRMÃOS CONSAGUÍNEOS

Irmãos consaguíneos ou unilaterais são os irmãos, que são filhos do mesmo pai e de mães
diferentes.

IRMÃOS UTERINOS

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Irmãos uterinos ou unilaterias são os irmãos, que são filhos da mesma mãe e de pais diferentes.

A. 3 - AFINIDADE

A. 3.1 – NOÇÃO – FONTE E DURAÇÃO – CONTAGEM

A. 3.1.1 - NOÇÃO

A afinidade é o vínculo que liga cada um dos cônjuges aos parentes do outro.

Esta é a noção consagrada pela lei, no 13.º da Lei da Família.

Da noção acima apresentada deve-se retirar o princípio de que a afinidade apenas origina a
existência de vínculos entre um cônjuge e os parentes do outro. Sendo assim, os parentes dos
cônjuges, entre si, nunca são afins. É por isso que comumente se diz que a afinidade não gera
afinidade.

Com isto quer-se dizer entre afins não existe qualquer vínculo de parentesco, tendo em conta
que nenhum deles descende do outro e não têm progenitor comum.

Por isso, será incorrecto afirmar-se que se é parente por afinidade ou usar-se a expressão
parentesco por afinidade.

A afininadade é tão só uma de entre as várias fontes de relações jurídicas familiares e que se
distingue, de forma clara, do parentesco, como resulta da noção consagrada pela lei.

Decorre que foi dito acima que, do ponto de vista técnico-jurídico, não existe nenhuma relação
jurídico-familiar entre progenitores do marido e os progenitores da mulher, que na realidade
moçambicana de designam entre eles por compadres ou comadres.

É importante reter-se esta ideia, na medida em que, em diversas situações, se mostra


determinante possuir um domínio perfeito destes conceitos jurídicos.

Assim, na área do direito sucessório, esta questão reveste-se de primordial interesse, quando se
esteja em presença da sucessão de irmãos e seus descendentes, da sucessão de outros
colaterais, da sucessão de ascendentes e da sucessão de descendentes. Pois, como haverá
oportunidade de verificar, quando ocorra um destes tipos de sucessão, no âmbito da sucessão
legal, os afins nunca são chamados a suceder.

A. 3.1.2 – FONTE E DURAÇÃO

Como facilmente se extrai da noção de afinidade antes apresentada, constituem fontes desta
espécie de relação familiar o casamento e o parentesco.

O casamento é assim, face à lei, o único germen donde poderão emergir relações de afinidade,
desde que associado ao parentesco, que deve existir com o outro cônjuge. E, quando se fala de

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casamento, deve ter-se presente que se quer considerar tão só a relação matrimonial constituída
à face da lei.

Por essa razão, se não houver casamento legal, ainda que existam relações carnais ou mesmo
vida em comum, não chega a constituir-se o vínculo de afinidade.

Poderiamo-nos também questionar se, em resultado da dissolução do casamento o vínculo da


afinidade não se extinguiria.

Mas, as coisas passam-se de modo diferente quando ocorre a dissolução do casamento. Isso
deriva do tratamento que a lei dá a esta situação. Na verdade, na segunda parte do artigo 14º da
Lei da Família estabelece-se, de forma expressa, que o vínculo da afinidade não cessa com a
dissolução do casamento.

Quer isso dizer que as relações de afinidade já constituídas perduram para além da dissolução
do casamento. Ou seja, esta espécie de vínculo familiar prossegue mesmo depois de extinta a
sociedade conjugal, quer esta tenha por origem o divórcio, quer ele tenha resultado da morte de
um dos cônjuges. Mas uma vez dissolvido o casamento, que é a fonte da afinidade, não se
constituem novas relações de afinidade.

Portanto, os cunhados continuam a sê-lo e os sogros também, mesmo depois dos cônjuges se
haverem divorciado.

A. 3.1.3 – CONTAGEM

As razões apresentadas anteriormente, para justificar a necessidade de se graduar o


parentesco, aplicam-se da mesma maneira para a afinidade.

As relações de afinidade são também muito numerosas. Atrás falámos dos cunhados, mas
podemos aqui arrolar, entre outros, os tios, os sobrinhos e os próprios primos do outro cônjuge, e
dentro dos primos ainda se poderia falar dos primos de primeiro, segundo, terceiro, quarto grau e
por ai em diante.

Dai que se compreenda a necessidade que existe de definir e ordenar as relações de afinidade,
procedendo-se à sua contagem.

Em conformidade com as regras estabelecidas pelo artigo 14.º da Lei da Família, a afinidade
conta-se de igual modo como o parentesco, por linhas e por graus.

Quanto aos conceitos de linha e de grau, bem como quanto à forma como se procede à
contagem, remete-se para o que já foi referido, na parte deste curso, respeitante ao parentesco.

De seguida apresentar-se-á um exemplo de como se processa a contagem na afinidade.

23
/\

B C

/ \ │

D E F–G

F é casado com G, sendo por sua vez, respectivamente filho e neto de C e A, sobrinho de B e
primo direito de D e E.

Que tipo de relação de afinidade existe entre G e os parentes de F, seu marido?

Como se teve oportunidade de ver anteriormente as linhas poderão ser recta e colateral, e há
tantos graus quantas as gerações que formam a respectiva linha.

Vistas as coisas deste modo, afirmar-se-á que G é afim de 1.º e 2.º graus, da linha recta
ascendente, em relação a C e A, respectivamente; e é afim de 3.º e 4.º graus, da linha colateral,
em relação a B e a D e E, respectivamente.

Nota-se que G, em relação a C e a A, é um um afim descendente.

Um outro exemplo que se poderá apresentar, será o seguinte:

G é casada com F, que é filho de D, o qual tem o irmão E, sendo ambos filhos de B que, por sua
vez, é filho de A. B tem um irmão C, o qual tem o filho H, que é casado com I. Por seu lado I é
filha de L, sendo este filho de J.

Em primeiro lugar, pretende-se saber qual a relação familiar que existe entre G, A e C? A
resposta a esta pergunta será a seguinte:

Porque G é casada com F, sendo A e C parentes deste, tendo por base a noção de afinidade
consagrada no artigo 14.º da Lei da Família, dir-se-á que G é afim de A na linha recta
ascendente e no 3.º grau. E será afim de C, na linha colateral e no 4.º grau, tendo para este
efeito presente as disposições conjugadas dos artigos 14.º, 10.º e 11.º, da Lei da Família.

Em segundo lugar, pretende-se saber que relação familiar existirá entre I, B, D e E? A reposta a
dar a esta questão será a seguinte:

Sendo I casada com H, o qual é parente de B, D e E, de acordo com o estatuido pelo artigo 13.º
do C. Civil, entre I, B, D e E há uma relação de afinidade. I é afim de B na linha colateral, no 3.º
grau. Relativamente a D e E, I é afim na linha colateral e no 4.º grau, tendo presente o estatuido
pelas disposições conjugadas dos artigos 14.º, 10.º e 11.º, todos da Lei da Família.

A. 4 – RELEVÂNCIA JURÍDICA DO PARENTESCO E DA AFINIDADE

24
A. 4.1 – PARENTESCO

Às relações de parentesco reconhece-se maior ou menor relevância jurídica consoante a


proximidade ou afastamento dos laços de familiaridade, que aquele vínculo gera.

E, dessa relevância jurídica podem decorrer efeitos comuns e efeitos especiais.

Há um efeito comum muito importante que resulta do parentesco e que se prende com o direito
sucessório.

Quando morre uma pessoa são chamadas a suceder-lhe os seus parentes, porque a lei
reconhece relevância jurídica às relações familiares desta natureza.

No caso da sucessão, a lei considera os parentes sempre e de uma forma geral como
sucessíveis, razão pela qual se pode falar da existência de um efeito comum. A este propósito
veja-se o disposto no artigo 2133.º do C. Civil.

De entre vários, um outro exemplo da relevância jurídica do parentesco, poderá encontrar-se no


que dispõe a lei relativamente à sucessão legitimária – artigo 2157.º do C. Civil.

Contudo, deve notar-se que, não obstante tratar-se de um efeito comum, o indicado em relação
aos parentes referidos no artigo 2133.º do C. Civil, a lei estabelece uma hierarquia entre os
parentes, que está em consonância com o grau de parentesco.

Esta mesma situação de hierarquia é ainda mais evidente no caso dos herdeiros legitimários,
como se pode ver do que se dispõe no artigo 2157.º do C. Civil.

Ressalta-se que subjacente a esta hierarquização, ou por outras palavras, na base do critério de
hierarquia está, sem margem para dúvidas, a maior ou menor proximidade do parentesco.

Esta mesma situação de hierarquia é ainda mais evidente no caso dos herdeiros legitimários,
como se pode ver do que se dispõe no artigo 2157.º do C. Civil.

Ressalta-se que subjacente a esta hierarquização, ou por outras palavras, na base do critério de
hierarquia está, sem margem para dúvidas, a maior ou menor proximidade do parentesco.

Ao lado deste efeito comum, pode deparar-se com efeitos especiais, que a lei atribui a certo tipo
de relações familiares, como sejam:

• A relação paterno-filial a qual é, sem dúvida, a mais importante relação de parentesco.


Desta relação familiar surge como efeito mais destacado e relevante o poder parental,
o qual se traduz num complexo de poderes e deveres, que a lei atribui ou impõe aos
pais. Poderes esses que se destinam a reger a pessoa e os bens dos filhos menores,
conforme resulta dos artigos 283.º e ss da Lei da Família.

25
• A obrigação alimentar, cuja noção se acha expressa no artigo 407.º da Lei da Família,
é imposta, por lei, a determinados parentes, como sejam, os descendentes, os
ascendentes, os irmãos, os tios – conforme preceitua o artigo 413.º da Lei da Família.
Os unidos de facto, enquanto durar a união, estão igualmente reciprocamente
vinculados à prestação de alimentos.

• A obrigação de exercer a tutela como resulta do que se encontra estabelecido no artigo


340.º da Lei da Família e a obrigação de fazer parte do conselho de família, que
segundo o artigo 363.º da Lei da Família é imposta a certos parentes.

• As restrições ou os impedimentos matrimoniais previstos nas alíneas a) e b) do artigo


31.º da Lei da Família (impedimentos dirimentes relativos) impostos a certo tipo de
parentes – os parentes na linha recta em qualquer grau e aos parentes até ao terceiro
grau da linha colateral; o impedimento estabelecido na alínea b) do artigo 32.º da Lei
da Família (impedimento impediente) fixado também para determinado grau de
parentesco – parentes no quarto grau da linha colateral.

• Os casos de impedimentos do Juíz previstos nos artigo 122.º, nº 1, alíneas b), d), f) e
g) e artigo 124.º, ambos do C.P.Civil.

• Os casos de impedimentos do Ministério Público e funcionários da secretaria previstos


no artigo 125.º do C.P.Civil.

• Os fundamentos de suspeição dos Juízes e funcionários previstos nos artigos 127.º e


134.º do C.P.Civil.

• Os casos em que as pessoas podem recusar-se a depor como testamunhas previstos


no artigo 618.º/A do C.P.Civil.

A. 4. 2– AFINIDADE

É normal afirmar-se que são poucos os efeitos jurídicos da afinidade.

E, de facto, quanto a este tipo de relação familiar são bem menores os seus efeitos jurídicos, em
comparação com o parentesco, onde o leque dos efeitos é bem maior.

Em todo o caso, do vínculo da afinidade resultam também efeitos jurídicos.

26
Para tal, deve ter-se presente o que se dispõe no artigo 363.º, n.ºs 1 e 2, da Lei da Família,
quanto à constituição do Conselho de Família. Por outro lado, o artigo 413.º, n.º 1, alínea g),
impõe a obrigação de prestar alimentos ao padrasto ou madrasta relativamente a enteados
menores ou incapazes, a cargo exclusivo do respectivo cônjuge, de que não estejam separados
de facto.

Outros efeitos resultam das seguintes disposições legais:

• artigo 31.º, alínea c) da Lei da Família, que considera a afinidade em linha recta como
impedimento (dirimente relativo) do casamento;

• artigo 32.º, alínea c), conjugado com o artigo 36.º, ambos da Lei da Família, que prevê
como impedimento impediente o vínculo da tutela, curatela e administração legal de
bens, quando o tutor, curador ou administrador de bens seja afim na linha recta do
incapaz.

Os restantes efeitos não vão ser aqui enumerados, mas dir-se-á que constam de legislação
especial.

Ressalte-se, entretanto, que embora teoricamente a afinidade tenha limites idênticos aos do
parentesco e, portanto, deixa de produzir efeitos a partir do 8º grau da linha colateral, a verdade
é que quase não existem no direito normas legais, que atribuam efeitos jurídicos às relações de
afinidade na linha colateral, para além do 2.º grau [cfr.al.b), d), f) e g) e do nº 1, do artigo 122.º
do C.P.Civil].

E dissemos quase, por que há, na verdade, alguns quantos casos em que tal não acontece,
como seja:

• artigo 127.º, n.º1, alínea a) do C.P. Civil (suspeição do juiz), que reconhece efeitos à
afinidade até ao 4º grau da linha colateral;

• artigo 104.º, n.º 2 do C.P. Penal (impedimentos), que se atribui efeitos à afinidade até ao
3.º grau da linha colateral;

• artigo 112.º, n.º 1 do C. P. Penal (suspeição do juíz), que reconhece efeitos jurídicos à
afinidade até ao 4.º grau da linha colateral.

B – ADOPÇÃO

B. 1 – ORIGEM, NOÇÃO E EFEITOS GERAIS DA ADOPÇÃO

A palavra adopção provêm do latim “a doption”, que é expressão formada de ad que significa
(por), e optione que quer dizer (opção).

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A adopção, enquanto fonte de relações jurídicas familiares e instituto jurídico, tem
profundas raízes históricas.

Na bíblia existem algumas referências sobre adopção como a de Moisés pela filha de Faraó
(êxodo 2:10), Efraim e Manasses por Jacó e Ester por Mardoqueu.

O Código de Hamurabi, escrito por volta de 1700 ac, estabelecia algumas normas sobre
adopção. Dizia o art. 185 do Código “Se um homem adoptar uma criança e der o seu nome a ela
como filho, criando-o, este filho crescido não poderá ser reclamado por outrem.”

Assim, com a adopção pretendeu-se garantir a perpetuação do nome, de títulos e inclusive da


propriedade fundiária de famílias, que não tinham descendentes. Era um meio de fazer perdurar
o nome da família e de garantir a preservação de património. Nesta fase, claramente se
vislumbra que a adopção visava, de forma privilegiada, prosseguir os interesses dos adoptantes;
compreende-se, por isso, que as normas então vigentes conferiam uma ampla liberdade de
escolha do adoptado, visto que o interesse em causa era essencialmente do adoptante.

Apesar de todos os povos da civilização patriarcal conhecerem o instituto da Adopção, o seu


desenvolvimento deveu-se essencialmente ao Direito Romano. Foi no Direito Romano que este
instituto foi amplamente difundido, encontrando a disciplina e o ordenamento jurídico sistemático.

O instituto conheceu uma fase de declíneo a partir do séc. XV e XVI, quando o Direito Canônico
passou a considerar o sacramento matrimonial como fonte privilegiada da família. Por isso, os
vínculos de sangue fundados no casamento prevaleciam sobre aqueles que resultassem de
relações extra-conjugais. A diferenciação entre filhos legítimos e ilegítimos, que até
recentemente vigorou no nosso ordenamento jurídico, é consequência da influência da religião,
que protegia o matrimónio de forma especial.

Após a Revolução Francesa, a adopção ressurgiu através do Código Napoleônico de 1804,


como acto jurídico capaz de estabelecer o parentesco civil entre duas pessoas. O Código
Napoleônico regulamentou a adopção no titulo XIII arts. 343-360.

O instituto da adopção readquire a sua vitalidade e suscita novo interesse aos legisladores no
fim das guerras mundiais. As guerras deixaram grande número de crianças sem pais, e muitos
pais sem filhos. “Milhares e milhares de crianças, caídas em orfandade, ficaram votadas nessa
época ao abandono e à miséria, nos países mais atingidos pela conflagração. A crise económica
de 1928, que atingiu os países socialmente mais evoluídos, agravou ainda mais a situação. Na
luta contra o flagelo da criminalidade juvenil, muitos dos estudiosos dos problemas, da infância
desvalida, reconheceram na adopção, apesar do seu limitado alcance prático, uma das melhores
armas de combate ao estado de carência moral e afectiva em que as crianças abandonadas se
encontravam”.

Desde então até aos tempos mais recentes, a adopção evoluiu no sentido de passar a ser
entendida mais como um meio de proteger os menores, que estivessem em estado de
abandono, do que uma forma de preservar o nome ou o património dos adoptantes.

28
Este sentido de protecção da criança está subjacente de forma clara, quer na Declaração dos
Direitos da Criança Moçambicana (Resolução n.º 23/79, de 26 de Dezembro), quer na própria
Convenção sobre os Direitos da Criança (Resolução n.º 19/90, de 23 de Outubro) e quer na
Carta Africana dos Direitos e Bem Estar da Criança (Resolução n.º 20/98, de 26 de Maio).

Com esta breve introdução ao instituto da adopção, pensamos ter contribuido para que torne
mais perceptível o seu conceito.

Segundo Diogo Leite Campos, a “adopção é um vinculo de parentesco legal, moldado nos
termos jurídicos da filiação natural, embora com esta não se possa confundir, nem haja qualquer
ficção legal a fazê-lo.”

Tendo por base a mesma realidade, o Prof. Eduardo Santos conceptualiza a adopção como
sendo uma filiação artificial, ficticia que cria um laço jurídico de filiação entre duas pessoas,
adoptante e adoptado. O autor, diferentemente do que sucede com Diogo Leite Campos, não
equipara a adopção à filiação natural, como é entendimento da doutrina maioritária.

Apesar das pequenas diferenças entre os autores, a maioria equipara a adopção à filiação
natural, pelo menos no que respeita aos efeitos. Aliás, alguns, como o Professor Pereira Coelho,
consideram mesmo que a adopção gera o parentesco legal, por justaposição ao parentesco
natural.

A acepção de que a adopção é parentesco legal, constitui a posição assumida por algumas
legislações, entre as quais se contam, a colombiana, a venezuelana e guatemalteca.

Todavia, o Prof. Antunes Varela chama a atenção para o facto de não obstante a adopção não
proceder a um facto biológico, ela tem origem numa realidade sociológica, psicológica e afectiva,
que merece, em termos incontestáveis, a tutela da lei, desde que com isso se não sacrifiquem os
interesses superiores da família natural, legitimamente constituída.

No caso de Moçambique, do mesmo modo que no parentesco e na afinidade, é também a lei, de


forma expressa, que nos dá a noção do que se deve entender por adopção.

Em conformidade com o que estatui o artigo 15º da Lei da Família, a “adopção é o vínculo que, à
semelhança da filiação natural mas independentemente de laços de sangue, se estabelece
legalmente entre duas pessoas nos termos dos artigos 389º e seguintes”.

Por outras palavras, poderá dizer-se que se trata do surgimento de um vínculo jurídico entre
duas pessoas, vínculo esse determinado por decisão judicial; vínculo que, salvas as excepções
estabelecidas por lei quanto aos efeitos, é idêntico ao da filiação natural, mas que não tem a ver
com laços de sangue.

Tendo por base o que se disse a título de intróito e atento ao conceito de adopção estabelecido
por lei, não será difícil visualizar quais são os fins a que se destina este instituto jurídico.

A adopção persegue, as mais das vezes, uma dupla finalidade:

29
• Dar uma família a um filho sem família;

• Dar um filho a uma família que não o tem.

Na vigência da lei anterior (Código Civil de 1967), essencialmente no que tangia a adopção
plena, era evidente a dupla finalidade, tendo por base o que dispunha o artigo 1981º, nº 1, parte
final, do C. Civil.

A adopção plena só era admitida quando requerida por duas pessoas casadas há mais de 10
anos e sem filhos; a adopção, neste caso, prosseguiria a finalidade de dar um filho a uma
família. Por outro lado, só podiam ser adoptados plenamente órfãos ou filhos de pais incógnitos,
caso em que a finalidade era dar uma família a um filho sem família.

Mas, se se atentar no que preceituava a lei em relação à adopção, em geral, poderá afirmar-se
que o seu fim primordial prendia-se com a defesa da infância em situação de abandono,
vulgarmente designada por infância desvalida.

E tal asserção afigurava-se confirmada pela lei, se se tiver presente a limitação que vinha
contida na alínea b), do nº 1 do artigo 1974º do C. Civil (adoptando devia ser menor de 14 anos)
e no facto da adopção ser decretada pelo Tribunal de Menores – artigo 1973º do C. Civil – o qual
só podia decretar a adopção se esta apresentasse reais vantagens para o adoptando – artigo
1974º, nº, alínea a) do C. Civil.

Com a entrada em vigor da Constituição da República de 2004 e da Lei da Família de 2004,


reforça-se a finalidade de dar família a um menor sem família. Na verdade, embora a adopção
possa prosseguir a finalidade de dar um filho a uma família que não tenha filho, esta finalidade é
secundária, atento ao princípio constitucional do interesse superior da criança.

Para demonstrar que a finalidade de dar família a uma criança não se mostra de relevância
especial no novo quadro legal, basta mencionar que a Lei da Família admite que duas pessoas
com filhos possam adoptar. Porém, mantêm-se as exigências de que a adopção deve trazer
vantagens concretas para o adoptando e este deve ser menor, como veremos quando
estivermos a analisar os requisitos.

Mas também se afirma que a adopção serve um interesse público. A ideia de que serve um
interesse público funda-se, não só no facto de se exigir uma sentença judicial, mas também na
circunstância de ela ser irrevogável, porque uma vez constituída não pode ser alterada, embora
a lei admita a revisão da sentença nos casos especificamente previstos no artigo 405º da Lei da
Família.

B. 2 – MODALIDADES DA ADOPÇÃO

O Código Civil de 1967 previa duas modalidades de adopção: a adopção restrita e a adopção
plena. A diferença entre a adopção plena e a adopção restrita residia sobretudo na extensão dos
30
efeitos de uma e outra modalidade. A adopção restrita produzia os efeitos especialmente
previstos por Lei, mas o adoptado mantinha as relações com a família natural; pelo contrário,
com a adopção plena, o adoptado adquiria a situação de filho, sendo como tal tratado para todos
os efeitos legais, salvo no que respeitava aos impedimentos matrimoniais.

O regime da adopção contido na nova Lei da Família é próximo ao da anterior modalidade de


adopção plena. A Lei da Família introduziu, por outro lado, o instituto da “Família de
Acolhimento”, cujos efeitos são essencialmente os mesmos que eram reconhecidos à adopção
restrita.

No que respeita aos sujeitos envolvidos (requerentes), a Lei prevê as modalidades de adopção
plural (por duas pessoas) e adopção singular (por uma pessoa).

B.3 – REQUISITOS DA ADOPÇÃO

Temos, por um lado, os requisitos gerais e, por outro, os requisitos específicos, respeitantes aos
requerentes e ao adoptando.

B.3.1 Requisitos Gerais

Do artigo 391.º, n.º 1, da Lei da Família, refira-se serem os seguintes os requisitos gerais da
adopção:

• Vantagens concretas para o adoptando;

• Não pôr em causa as relações e os interesses de outros filhos do adoptante;

• Capacidade de integração.

Antes, exigia-se que a adopção trouxesse “reais vantagens”; entretanto, no novo texto legal foi
preferida a terminologia “vantagens concretas”. Com tal inovação, pretendeu-se deixar claro que
as vantagens não sejam hipotéticas, mas que sejam efectivamente demonstradas; visto que a
adopção é precedida de um período de adaptação de no mínimo seis meses, com
acompanhamento dos Serviços da Acção Social, é possível, terminado tal período, aferir-se num
caso concreto e do ponto de vista das condições morais e materiais, a adopção é ou não
vantajosa para o menor.

Dada a exigência feita por lei, sempre se deverá ter bem presente que, a sentença do Tribunal
de Menores não se limita a realizar um mero juízo de legalidade, mas sim emite um verdadeiro
juízo de oportunidade e de valor, quando entende e decide que a adopção apresenta para o
adoptado vantagens concretas.

Com o segundo requisito geral, o legislador pretende evitar que a adopção implique um sacrifício
injusto para os outros filhos do adoptante.

31
Tem-se defendido que as desvantagens em termos sucessórios que a adopção possa acarretar
não poderão ser incluídas no conceito de sacrifício injusto. Pelo contrário, a adopção poderá pôr
em causa os interesses dos outros filhos se, de forma substancial, afectar o desenvolvimento
físico e psíquico dos filhos do adoptante. Sobre este assunto o Prof. Antunes Varela apresenta o
seguinte exemplo: “Se o casal ou progenitor adoptante já não tiver condições econômicas para
os sustentar, obrigando-os a passar privações, ou se, a introdução duma nova criança no lar for
onerar especialmente uma das filhas, já sobrecarregada com a lida da casa.”

Por último, a lei impõe como requisito geral que o requerente e adoptando revelem capacidade
de integração; ou seja, que estabeleçam laços de afecto e aproximação semelhantes aos da
filiação natural. Será durante o período de adaptação que os Serviços de Acção Social irão
verificar se as duas partes revelam ou não a necessária capacidade de adaptação.

B.3.2 Requisitos Específicos

B.3.2.1 Requisitos relativos aos requerentes: adopção plural ou conjunta

Por força do Artigo 393.º da Lei da Família, exige-se, para a adopção plural, que os requerentes
reúnam cumulativamente os seguintes requisitos:

• Estarem casados ou viverem em união de facto há mais de três anos e não se


encontrarem separados de facto;

• Que ambos tenham mais de 25 anos de idade; e

• Possuam condições morais e materiais que possibilitem o desenvolvimento do menor.

B.3.2.2 Requisitos relativos aos requerentes: adopção singular

Ao lado da adopção plurar ou conjunta, temos a adopção singular. O legislador admite a


adopção singular independentemente da situação familiar do adoptante. Assim, podem adoptar a
titulo individual os solteiros, viúvos, divorciados, separados ou casados desde que:

• Possuam condições morais e materiais que garantam o são crescimento do menor;

• Tenham mais de vinte e cinco anos de idade.

Podem ainda adoptar individualmente o cônjuge, sendo o adoptado filho do cônjuge do


adoptante, e os unidos de facto, sendo o adoptado filho da pessoa com que o adoptante
mantenha comunhão de vida há mais de três anos.

Relativamente a adopção singular (por parte do adoptante), algumas questões se levantam e


podem suscitar dúvidas quanto aos efeitos da adopção.

Um primeiro aspecto, na adopção singular, tem a ver com a cessação do vínculo com os
ascendentes biológicos, sem prejuízos do que se acha disposto quanto aos impedimentos
matrimoniais. Assim, decretada a adopção, fica afastada a possibilidade de se reestabelecer o

32
vinculo familiar entre o adoptado e seus parentes naturais, mesmo que o adoptante depois
venha a contrair casamento com o ascendente natural do adoptado. Neste caso, do ponto de
vista legal, o ascendente biológico que depois da adopção contrai casamento com o adoptante é
tratado como afim do adoptado; querendo o ascendente biológico reestabelecer os laços de
filiação terá que recorrer a uma adopção singular.

Outro aspecto relativo à adopção singular tem a ver com a inexistência de normas especiais de
registo civil dos adoptados. Na verdade, sendo o adoptante singular, por hipótese, do sexo
masculino, este será considerado como pai do adoptado, para efeitos de registo civil, mas a lei
nada dispõe quanto a indicação da mãe.

Situação diversa se verificará quando a adopção recair, no momento em que ocorre, sobre o
filho do cônjuge ou da pessoa com que o adoptante mantêm comunhão de vida ou viva em união
de facto. A relação familiar anterior entre o adoptado e seus parentes e colaterais naturais se
mantêm.

A nosso ver, com a adopção singular, o(a) adoptante deveria assumir a posição do pai ou da
mãe, mantendo-se as relações entre o adoptado e o progenitor de sexo oposto ao do(a)
adoptante. Assim, sendo o adoptante do sexo masculino, o adoptado seria considerado filho do
adoptante e da mãe biológica; no caso inverso, o adoptado seria considerado filho da adoptante
e do seu pai biológico. Foi esta a solução adoptada na Lei de Família de Angola, com a qual
concordamos plenamente.

Olhando para o Artigo 393.º da Lei da Família, pode-se concluir que o requisito temporal de
vigência mínima de três anos, de casamento ou união de facto, justifica-se pela necessidade de
assegurar a estabilidade da relação e evitar que os cônjuges ou os unidos de facto tomem uma
decisão precipitada ou irrefletida. Quanto à idade mínima e os limites fixados em relação às
idades do adoptado e adoptante, dizer que o legislador pretendeu assegurar a maturidade dos
adoptantes e evitar grandes discrepâncias de idades, condições necessárias para que o(s)
adoptante(s) possam exercer com a necessária autoridade o poder parental sobre o adoptado.

De acordo com Prof. Antunes Varela, “exige-se naturalmente que o adoptante tenha maturidade
de espírito e estabilidade social necessária para cuidar seriamente da educação do adoptando.”
Explana ainda o autor que, na adopção efectuada por “pessoa idosa ou casal de idade
avançada, è grande o risco de a adopção fracassar por desajustamento natural de costumes,
hábitos e modo de vida entre adoptante e adoptado ou constituirá má adopção.”

De acordo com a Lei, em regra, podem ser adoptados os menores de 14 anos e podem adoptar
indivíduos com idade não superior a 50 anos. Dispõem ainda o n .º 4 do art. 393.º que, “salvo
casos ponderosos a diferença de idades entre adoptado e adoptante não deve ser inferior a 18
anos nem superior a 25 anos.”

B.3.2.3 Requisitos relativos ao adoptando

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Relativamente à legitimação do adoptando dispõem o artigo 395.º que a adopção pode recair
sobre:

• Os menores filhos do cônjuge do adoptante ou da pessoa com quem este viva em união
de facto ou comunhão de vida há mais de três anos;

• Os menores de catorze anos que se encontrem em situação de orfandade, de


abandono ou de completo desamparo;

• Os menores de catorze anos filhos de pais incógnitos e os menores com menos de


dezoito anos que, desde idade não inferior a doze anos, tenham estado a guarda do
adoptante.

Note-se que, diferentemente do que sucede com a união de facto, cuja noção consta do artigo
202º da Lei da Família, nenhuma noção legal da “comunhão de vida” é apresentada. Dever-se-á,
deste modo, entender-se por “comunhão de vida” a situação de vida em comum (comunhão de
cama, mesa e habitação) sem que entretanto estejam reunidos os requisitos da união de facto,
designadamente, quando um dos companheiros da comunhão esteja ligado formalmente por
casamento anterior não dissolvido, facto que impossibilita a atribuição dos efeitos da união de
facto. Situações desta natureza (em que um dos cônjuges passa a coabitar com outra pessoa)
ocorrem normalmente quando há separação de facto entre os cônjuges sem o propósito de
retomar a vida conjugal.

B.3.2.4 Consentimento das pessoas interessadas

Para a constituição do vínculo da adopção exige-se o consentimento de determinadas pessoas,


que deve sempre ser prestado perante o Juíz, a quem incumbe o dever de esclarecer o
declarante sobre o significado e os efeitos do consentimento.

Dispõem o n.º 1 do art 396.º da Lei da Família que “para que haja lugar à adopção é necessário
o consentimento do adoptando quando maior de 12 anos, do cônjuge, não separado de facto, do
adoptante, dos pais naturais do adoptando, ainda que menores e mesmo que não exerçam o
poder parental, dos filhos do adoptante, quando maiores de 12 anos.” No entanto o tribunal
poderá dispensar o consentimento das pessoas que o deveriam prestar, se estiverem privadas
do uso normal das faculdades mentais ou por qualquer outra razão se houver dificuldade em as
ouvir.

Anote-se que o consentimento é revogável, a qualquer momento, antes da publicação da


sentença.

No que respeita ao adoptando, o artigo 399º da Lei da Família manda que seja ouvido quando
tenha mais de 7 anos de idade. Não se tratará neste caso de obter o consentimento do menor
mas de colher a sua opinião, que deverá ser considerada no processo de decisão. O facto da lei
estabelecer o dever de audição só a partir dos 7 anos, não poderá ser entendido como
impeditivo da audição do adoptando com menos de 7 anos; na verdade, tratando-se de um

34
processo integrado na jurisdição voluntária, o Juiz poderá, se assim achar conveniente, ouvir os
menores com idade inferior a 7 anos.

A audição dos menores e a exigência do seu consentimento, decorrem das disposições da


Constituição da República e dos instrumentos internacionais ratificados por Moçambique, que
estabelecem a exigência do seu pronunciamento sobre assuntos que lhes digam respeito, de
acordo com a sua maturidade.

IV. Processo da Adopção

O processo vem hoje regulado na Lei n.º 8/2008, de 15 de Julho, e obedece a duas fases
distintas, sendo a primeira instrutória e a segunda decisória.

O processo de adopção inicia-se com o requerimento dirigido ao Juiz Presidente do tribunal da


área de residência do menor e dá entrada na respectiva secretaria judicial. No requerimento
inicial devem ser alegadas e justificadas, pelos requerentes ou requerente, as vantagens da
adopção para o adoptando, oferecendo todas as provas de verificação dos demais requisitos
legais de que a adopção depende. As provas incluem os documentos de identidade dos
requerentes e do adoptando, as certidões de factos sujeitos a registo obrigatório e cuja
verificação releve para a adopção (ex: casamento e óbito), documentos de prova de outros
factos invocados e indicação de testemunhas.

Não se verificando situação que determine indeferimento liminar, o Juiz ordena a remessa dos
autos aos Serviços da Acção Social para inquérito social, a ser concluído no prazo de 30 dias.

Poderá haver indiferimento liminar, por exemplo, se o adoptando já tiver atingido 19 anos ou
quando se trate de um requerimento para adopção plural feito por duas pessoas não casadas e
que não tenham vida em comum. A diferença de idades entre o adoptante e adoptando não pode
fundamentar um indeferimento liminar, já que o n.º 4 do artigo 393.º da Lei da Família, abre
espaço para casos ponderosos, que só podem ser verificados na fase instrutória.

Durante o inquérito social, os Serviços da Acção Social procedem ao estudo da situação dos
requerentes ou do requerente, bem como do adoptando, para aferir se aqueles reúnem
condições para adoptar e se a adopção pode trazer vantagens para o adoptando.

Concluído o inquérito, é elaborado relatório contendo o parecer dos Serviços da Acção Social.
Se o processo de adopção tiver que prosseguir, o Juiz fixa o período de integração do adoptando
na família dos requerentes e as formas como tal integração se deve processar.

A qualquer momento, durante o período de integração, os Serviços da Acção Social, o curador


de menores, os representantes legais do adoptando, com fundamento em factos que ponham
em causa os interesses do menor, podem requerer ao tribunal o afastamento do menor da

35
família dos requerentes da adopção. Antes da decisão, o tribunal pode ordenar diligências de
prova que reputar necessárias.

Terminado o período de integração, os Serviços da Acção Social, no prazo de cinco dias,


elaboram relatório final e emitem parecer sobre a capacidade de integração do adoptando e
família do requerente e sobre a atendibilidade do pedido de adopção, remetendo os autos ao
tribunal.

Apresentado o relatório e parecer final dos Serviços da Acção Social o juiz ordena que os autos
vão com vista ao Ministério Público para que, no prazo de cinco dias, se pronuncie sobre o
pedido na qualidade de curador de menores.

O tribunal ordena depois que sejam notificadas as pessoas que, por lei, devem dar o seu
consentimento e procede às audições obrigatórias, se os consentimentos não tiverem sido
prestados antes, nos termos do n.º 2 do artigo 397.º da Lei da Família.

Os relatórios da Acção Social e o pronunciamento do Ministério Público, não vinculam o tribunal,


que poderá sempre ordenar a realização de diligências complementares que entenda
convenientes e necessárias para a boa e correcta decisão da causa.

Finalmente, e nos termos do artigo 100.º da Organização Tutelar de Menores, não havendo
necessidade de mais diligências, é proferida sentença, no prazo de oito dias, decretando ou
negando a adopção.

A realização de audiência de julgamento não é obrigatória e só se justificará havendo


necessidade de produção de prova, designadamente a testemunhal.

A sentença que decretar a adopção é lida em sessão pública, com a presença das partes
interessadas, sendo notificados os Serviços da Acção Social.

Transitada em julgado a decisão final, será extraída certidão a remeter à Conservatória do


Registo Civil onde se encontre registado o adoptado, para efeitos do competente averbamento
no assento de nascimento.

V. Efeitos da adopção

Relativamente aos efeitos da adopção, dispõem o n.º 1 do artigo 400.º da Lei da Família que,
pela adopção, o adoptado adquire a situação de filho do adoptante e integra-se com os demais
descendentes na família deste, extinguindo-se as relações familiares entre o adoptado e seus
ascendentes e colaterais naturais, sem prejuízo do que se acha disposto quanto a impedimentos
matrimoniais. Assim, o filho adoptivo se desliga de qualquer vinculo com os pais e parentes
biológicos, salvo quanto aos impedimentos matrimoniais, que persistem por razões de ordem
morais e eugênica.

36
Salientar que se um dos cônjuges adoptar o filho do outro cônjuge ou se a adopção recair sobre
o filho da pessoa com que o adoptante viva em união de facto ou mantenha comunhão de vida,
manter-se-ão as relações entre o adoptado e seu progenitor (cônjuge do adoptante) e seus
respectivos parentes.

Nos termos do artigo 29 da Constituição da República de Moçambique, o adoptado por um


moçambicano adquire a nacionalidade moçambicana.

Um outro efeito específico prende-se com a proibição de se estabelecer a filiação natural, tendo
em conta a necessidade de proteger a estabilidade do vínculo que, como outros vínculos
jurídico-familiares, reveste a característica da perpetuidade.

Assim, cessam as relações entre o adoptado e a família natural, ainda que tal filiação natural
ainda não esteja estabelecida, designadamente através da perfilhação.

Porque o adoptado e seus descendentes são integrados na família do adoptante, entre eles
passam a vigorar os efeitos do parentesco, nomeadamente no que respeita aos impedimentos
matrimoniais.

Sobre os efeitos patrimoniais dizer que os principais são os sucessórios e os relativos à


prestação de alimentos.

Os direitos sucessórios do adoptado e seus descendentes são os mesmos dos descendentes


naturais do(s) adoptante(s). O adoptado deixa de ser herdeiro legal da sua família natural, salvo
nos casos em que o adoptante é cônjuge do pai ou da mãe ou da pessoa com quem vive em
comunhão de vida.

Contudo, pode, de acordo o n.º 1 do artigo 405.º da Lei da Família, requer-se a revisão da
sentença que a tiver decretado, quando haja vícios essenciais na sua constituição.

A revisão da sentença poderá ocorrer igualmente nos casos previstos no artigo 771º do C.
Processo Civil.

V. Adopção Internacional

O n.º 1 do artigo 60º do C.Civil moçambicano, manda aplicar à constituição da filiação adoptiva
“a lei pessoal” do adoptante, quando se trate de adopção singular. Nos casos em que a adopção
é requerida por marido e mulher, a mesma disposição, manda aplicar a lei nacional comum e, na
falta desta, a lei da residência habitual comum e, se esta também faltar, a lei com a qual os
requerentes tenham uma relação mais estreita.

As relações entre o adoptante e o adoptado, e entre este e a família natural, estão sujeitos à lei
pessoal do adoptante ou, no caso de adopção feita por marido e mulher, à lei nacional comum

37
ou, na falta desta, à lei da residência habitual comum ou, se esta também faltar, à lei com a qual
os requerentes tenham uma relação mais estreita (ver nº 2 do artigo 60º, conjugado com o artigo
57º, todos do C. Civil).

Visto que com a adopção o adoptado integra-se na família do adoptante, faz sentido que seja a
lei pessoal do adoptante a regular, tanto a constituição da filiação adoptiva como a relação entre
o adoptante e o adoptando. A lei, porém, em alguns casos exige que seja respeitada a lei de
origem do menor; assim, nos termos do nº 3 do artigo 60º do C.Civil, a adopção não é permitida
se a lei que regula a relação entre o adoptando e a família natural não conhecer o instituto da
adopção ou não o admitir em relação a quem se encontre na situação familiar do adoptando.

Outro mecanismo que a lei moçambicana prevê para a protecção dos menores é a constante do
nº 1 do artigo 61º do C.Civil, de acordo com o qual, se a lei pessoal do adoptando exigir o
consentimento deste como requisito para a adopção, será a exigência respeitada. Do mesmo
modo, tal como estabelece o nº 2 do já citado artigo 61º, se for exigido consentimento de terceiro
pela lei que regula relações familiares ou de tutela entre o adoptando e tal terceiro, será a
exigência respeitada.

Resulta das disposições legais acima que, perante um caso de adopção internacional (ex.
adopção de menor moçambicano por estrangeiro, adopção de menor estrangeiro por
moçambicano, adopção de menor estrangeiro requerida por um estrangeiro), o tribunal deverá,
depois de se certificar que possui competência internacional para o efeito, determinar qual a lei
reguladora da constituição da filiação adoptiva, ao abrigo das normas de conflito vigentes.
Embora a norma de conflito que inicialmente nos remete para a lei aplicável seja o artigo 60º do
C. Civil, há que ter em conta as normas contidas no artigo 15º do C. Civil (sobre qualificações) e
nos artigos 16º e seguintes do C. Civil, sobre reenvio. Pode suceder que, preenchidos os
requisitos do artigo 17º (transmissão de competências), no lugar da lei designada pelo artigo 60º
do C. Civil seja aplicável uma terceira ou outra que seja competente na cadeia da transmissão
de competências; por outro lado, pode a lei inicialmente designada devolver a competência para
a lei moçambicana, nos termos do artigo 18º do C. Civil.

Deste modo, será aplicada a lei moçambicana quando os requerentes sejam moçambicanos,
sem prejuízo do disposto no nº 4 do artigo 60º e no artigo 61º, todos do C. Civil; ou seja, dever-
se-á determinar se a lei que regula a relação entre o adoptando e a sua família natural admite a
adopção e, se sim, quais os requisitos exigidos por tal lei para quem se encontre na situação
familiar do adoptando (requisitos respeitantes ao adoptando). Por outro lado, embora sendo
aplicável a lei moçambicana para a questão principal da constitituição da filiação adoptiva, há
que verificar se nenhuma lei que regula as relações de família, entre o adoptando e sua família
natural, ou de tutela, entre o adoptando e o seu tutor, exige consentimento de uma terceira
pessoa (diferente do adoptando) como requisito ou condição para a adopção e, em caso
afirmativo, tal consentimento deve ser obtido.

Sendo o menor moçambicano, por força do nº 3 do artigo 60º e do artigo 61º, ambos do C. Civil,
independentemente do preenchimento dos requisitos estabelecidos na lei estrangeira
considerada competente, para que seja decretada a adopção, devem estar igualmente
preenchidos os requisitos previstos no artigo 395º da Lei da Família (que define a situação

38
familiar em que o menor se deve encontrar para ser adoptado) e obtidos os consentimentos a
que se refere o artigo 396º da Lei da Família.

Como se pode depreender, nem sempre a Lei da Família moçambicana é a única aplicável para
os casos de adopção internacional apreciados por tribunais moçambicanos; nos casos em que a
adopção de menor moçambicano é requerida por estrangeiro, salvo os casos de retorno de
competência previstos no artigo 18º do C. Civil, a lei moçambicana só é aplicável no que respeita
aos requisitos atinentes a quem pode ser adoptado e consentimentos exigidos por lei.

O que ficou dito não afasta a regra geral de aplicação das normas processuais da lex fori em
todos os casos apreciados por tribunais moçambicanos. Serão, portanto, aplicáveis à adopção
internacional as normas processuais constantes da Organização Tutelar de Menores, aprovada
por Lei n.º 8/2008, de 15 de Julho e, subsidiariamente, as normas comuns de processo. No
processo de qualificação primária (das normas do direito estrangeiro aplicável à questão de
fundo), devem ser afastadas as normas estrangeiras de natureza processuais, que, regra geral,
não devem ser aplicadas pelo Juiz moçambicano.

Moçambique ainda não ratificou a Convenção de Haia sobre a Protecção das Crianças e a
Cooperação em Matéria de Adopção Internacional, de 29 de Maio de 1993. A Convenção
estabelece, entre os Países membros, importantes mecanismos de coordenação, que permitem
mitigar os riscos associados à deslocação de menores do País de origem para o País de destino.
Deste modo, para os tribunais se certificarem da condição, incluindo a idoneidade, de
requerentes estrangeiros e para o necessário acompanhamento do menor adoptado no País de
destino, a alternativa é o uso de mecanismos de cooperação bilateral entre os Países.

III - FAMÍLIA DE ACOLHIMENTO

 Enquadramento e noção

Tradicionalmente a organização das famílias alargadas em Moçambique, especialmente nas


zonas rurais, permite proporcionar às crianças órfãs um ambiente familiar. Porém, a guerra dos
16 anos, as calamidades naturais que agravaram a situação de carência das famílias, a
migração e a urbanização são alguns dos factores que abalaram e abalam as famílias alargadas,
levando a que existam cada vez mais crianças em situação de abandono ou desamparo.

Perante a situação de crianças órfãs e vulneráveis, a Lei da Família de 2004 veio acrescentar
mais uma alternativa de amparo familiar, introduzindo o instituto da Família de Acolhimento.
Da Fundamentação da Lei da Família retira-se que o instituto da família de acolhimento foi
introduzido “para dar cobertura a uma situação que tem vindo a ser comum no nosso País, de
famílias que têm tomado à sua guarda crianças órfãs ou abandonadas, sem que tenham
enveredado pelo caminho da adopção ou tutela”.
É na esteira do entendimento vertido na Fundamentação que a Família de Acolhimento vem
definida no artigo 381.º da referida Lei como sendo um “meio alternativo de suprir o poder
parental, verificada a impossibilidade da adopção e de tutela” .

39
A introdução do instituto da Família de Acolhimento, traduz o reconhecimento, pelo
legislador, de que as famílias estão, de forma única, equipadas para proporcionar às
crianças o amor, a compreensão e o apoio emocional de que carecem, essenciais para
a sua saúde física e mental e consequente harmonioso desenvolvimento.

A impossibilidade de adopção ou tutela deve ser vista do ponto de vista legal. Trata-se
de situações em que não se verificam os requisitos legais estabelecidos para a adopção
ou tutela e também dos casos em que, no confronto entre aquelas duas formas de
colocação do menor numa família e o acolhimento, este se mostra como a alternativa
que melhor serve os interesses superiores do menor.

Assim sendo, a impossibilidade da adopção e da tutela deve ser vista sem ignorar o
facto da jurisdição de menores ser de equidade se orientar por princípios de bom senso,
não estando sujeita a critérios de legalidade estrita5. Em especial, o interesse superior
da criança, tal como previsto no n.º 3 do artigo 47.º da Constituição da República de
Moçambique, deve ser o princípio orientador em todos os actos relativos às crianças.

Havendo pessoas interessadas em adoptar um menor que se encontre numa das


situações previstas no n.º 1 do artigo 381.º da Lei da Família e outras interessadas em a
acolher, a preferência deverá ser dada à adopção, desde que reunidos os requisitos
legais. E compreende-se que assim seja, pois a adopção cria laços semelhantes às da
filiação natural, com idênticos direitos e deveres. Porém, se o bem-estar da criança for
melhor assegurado pela família de acolhimento e não pela via da adopção, dever-se-á
entender que no caso concreto está verificada a impossibilidade da adopção.

Da conjugação dos artigos 340.º e 341.º da Lei da Família também se alcança que o
Tribunal pode optar por entregar o menor à família de acolhimento, mesmo existindo
parentes que poderiam exercer a tutela; a decisão do Tribunal será neste caso baseada
no interesse superior do menor.

 Requisitos da integração do menor na família de acolhimento

Os requisitos relativos à família de acolhimento vêm previstos no artigo 382.º da Lei da


Família, sendo eles os seguintes:

 A família de acolhimento deve ter a necessária estabilidade emocional e as


condições financeiras mínimas;
 Um dos cônjuges da família de acolhimento deve ter mais de 25 anos de idade;
 Ambos os cônjuges, quando não separados judicialmente de pessoas e bens,
devem consentir no acolhimento;
 Os filhos dos cônjuges da família de acolhimento, quando maiores de 12 anos,
devem dar o seu consentimento.

5
Ver artigo 3 da Organização Tutelar de Menores, aprovada pela Lei n.º 8/2008, de 15 de Julho.

40
Apesar da Lei fazer referência reiterada a cônjuges, a verdade é que o acolhimento pode ser
feito por companheiros da união de facto e mesmo por uma pessoa. Na verdade, da
interpretação do artigo 382.º, alínea c), da Lei da Família, se retira que, apenas um dos cônjuges
pode providenciar pelo acolhimento, quando separado judicialmente de pessoas e bens que,
como sabemos, pode ser convertida em divórcio. Ora, se o cônjuge separado judicialmente de
pessoas e bens, que pode posteriormente ser divorciado, pode providenciar pelo acolhimento,
sem obter o consentimento do outro cônjuge, decorre daí ser possível o acolhimento singular,
isto é, por uma só pessoa. Sendo assim, nenhuma razão legal justificaria a exclusão dos unidos
de facto. Aliás, outro não pode ser o entendimento se se tiver em conta que a adopção, que cria
laços muito mais fortes que o acolhimento, pode ser feito por pessoas casadas, por pessoas
unidas de facto ou vivendo em comunhão de vida e por uma só pessoa (adopção singular).

Os requisitos relativos à família de acolhimento foram estabelecidos, essencialmente, para


assegurar que a criança seja acolhida num seio familiar adequado ao seu bem-estar.

O artigo 383.º da Lei da Família, que fixa como idade máxima do menor a acolher os 16 anos.
Para além do requisito da idade do menor a acolher, a integração deste na família de
acolhimento deve apresentar vantagens para o seu bem-estar e desenvolvimento e deve ser
feita com o consentimento dos seus pais naturais ou ascendentes que o tenham à sua guarda,
desde que exerçam plenamente o poder parental.

 Efeitos da integração na família de acolhimento

Desde logo a lei não faz cessar o vínculo entre o acolhido e a sua família natural, como se
depreende do artigo 384.º da Lei da Família.

Na relação entre os cônjuges ou pessoas que acolhem e o acolhido, o artigo 385.º da Lei da
Família estabelece como efeitos:

 As pessoas que acolhem exercem plenamente o poder parental sobre o acolhido, com
as necessárias adaptações;
 Os que acolhem o menor devem alimentos a este durante a sua menoridade;
 O acolhido, depois de atingir a maioridade, constitui-se na obrigação de prestar
alimentos aos que o acolheram, na falta de outras pessoas obrigadas, previstas no
artigo 413.º da Lei da Família, em condições de prestar alimentos.

Quando ao exercício do poder parental, importa frisar que o artigo 330.º da Lei da Família prevê
como meios alternativos de suprir o poder parental a tutela ou o acolhimento. Assim sendo, o
regime aplicável ao exercício do poder parental pelos que acolhem um menor é o mesmo que o
do exercício do poder parental pelo tutor.

Assim, no exercício do poder parental, o tutor e a(s) pessoa(s) que acolhe(m) o menor, para
além dos actos que os pais naturais não podem praticar sem autorização do tribunal, deve(m)

41
solicitar autorização do tribunal para a prática dos actos previstos no artigo 349.º da Lei da
Família6.

O acolhimento, por ser um meio alternativo de suprir o poder parental, tal como a tutela, cessa
quando o menor atinge a maioridade civil. A Lei, porém, excepcionalmente prevê no n.º 3 do
artigo 385.º da Lei da Família a obrigação de prestação de alimentos que incumbe ao ex-
acolhido em relação às pessoas que o acolheram.

A obrigação de prestação de alimentos só recairá no ex-acolhido se todas as pessoas obrigadas


a prestar alimentos nos termos do artigo 413.º da Lei da Família não puderem. Trata-se duma
norma de carácter ético-jurídico, por fazer sentido que seja prestado apoio às pessoas que
igualmente apoiaram o menor e que contribuiram desta forma para o seu são desenvolvimento e
criação de capacidade de auto-sustento.

Quanto aos direitos sucessórios, a integração do menor na família de acolhimento não afecta a
sua posição em relação à família natural. O n.º 1 do artigo 386.º da Lei da Família claramente
estabelece que o menor mantém todos os direitos sucessórios, sendo por isso herdeiro legal,
legítimo e legitimário, da sua família natural.

Na relação com a família de acolhimento, o menor é herdeiro legítimo, ocupando a quinta classe
de sucessíveis na hierarquia estabelecida no artigo 2133.º do C. Civil. Nada obsta, de qualquer
modo, que o menor seja instituido por contrato ou testamento como herdeiro em relação à
totalidade da herança, se não existirem herdeiros legitimários.

Quanto aos impedimentos matrimoniais, eles mantêm-se na relação entre o acolhido e a sua
família natural, já que, como foi dito, não cessa a tal relação.

O vínculo que liga o acolhido aos cônjuges da família de acolhimento constitui impedimento
impediente previsto na alínea d) do artigo 32.º da Lei da Família.

O acolhimento cessa com a maioridade do acolhido. Mas, porque o impedimento em causa


funda-se em razões de ordem moral, entendemos que o mesmo deveria prevalecer mesmo
depois da maioridade do acolhido. O acolhido é integrado e tratado como filho e parece
repugnante aceitar-se que os membros da família de acolhimento depois contraíssem
matrimónio com aquele, depois da maioridade. O impedimento é, porém, susceptível de
dispensa nos termos do artigo 37.º da Lei da Família.

 Formalidades para a integração do menor na família de acolhimento

A integração no menor na família de acolhimento é decretada por tribunal.

6
O artigo 349.º, n.º 1, alínea a), da Lei da Família, faz uma remissão errônea ao artigo 299.º da mesma
Lei. A remissão correcta é ao artigo 296.º da Lei da Família. o artigo 349.º da Lei da Família corresponde
ao artigo 1938.º do C. Civil e este fazia menção ao artigo 1887.º do mesmo Código, que actualmente
corresponde ao artigo 296.º da Lei da Família. E faz sentido que assim seja pois a lei pretende atribuir ao
tutor menos poderes que os pais naturais.

42
O processo relativo à integração do menor na família de acolhimento vem regulado nos artigos
114 a 117 da Organização Tutelar de Menores (OTM), aprovada pela Lei n.º 8/2008, de 15 de
Julho.

O processo é essencialmente idêntico ao da adopção, com as necessárias adaptações – é o que


diz o artigo 114 da OTM. Como já foi dito, o processo comporta duas fases: uma instrutória e
outra decisória.

Assim, o processo do acolhimento inicia-se com o requerimento dirigido ao Juiz Presidente do


tribunal da área de residência do menor e dá entrada na respectiva secretaria judicial. No
requerimento inicial deve ficar demonstrado que os requerentes reunem requisitos para acolher e
o menor encontra-se numa das situações previstas no n.º 1 do artigo 381º da Lei da Família e
reune os requisitos para ser acolhido, juntando toda a prova necessária. Deverão ainda os
requerentes indicar se existem ou não pessoas que, por lei, devem prestar o seu consentimento.

Depois da fase instrutória, que corre nos mesmos termos que no processo de adopção, no
relatório final, se o parecer for favorável à integração do menor na família de acolhimento, os
Serviços da Acção Social devem informar das razões da impossibilidade da adopção e da tutela.

Nos termos da OTM, artigo 117, n.º 1, o tribunal pode fixar um período de integração não
excedente a 3 meses, tendente a verificar a capacidade de integração entre o menor e a família
de acolhimento. Fixado o período de integração, o menor pode ser entregue à família de
acolhimento e só depois deste período e revelando-se capacidade de adaptação, na sequência
do relatório final dos Serviços da Acção Social e promoção do Ministério Público, o tribunal pode
decretar o acolhimento. Tal como na adopção, o posicionamento dos Serviços da Acção Social e
do Ministério Público não são vinculativos.

 Cessação de efeitos da integração do menor na família de acolhimento

O acolhimento, como dissemos, sem prejuízo das excepções previstas por lei, cessa com a
maioridade do acolhido. Mas o tribunal, com fundamento no artigo 387.º da Lei da Família,
quando a permanência na família de acolhimento não satisfaça o interesse superior do menor,
pode determinar o afastamento deste da tal família.
Os efeitos da integração, nos termos do artigo 388.º da Lei da Família, cessam com o trânsito
em julgado da sentença que decrete o afastamento da família de acolhimento.

I – União de Facto

 Breve resenha histórica

Moçambique tornou-se independente em 1975 e herdou o Código Civil Português, de 1966, que
reconhecia efeitos ao casamento civil e ao casamento católico. Com a consagração do princípio

43
da laicidade do Estado, as disposições do Código Civil sobre o casamento católico deixaram de
vigorar no ordenamento jurídico Moçambicano, porque inconstitucionais.

A preocupação pela tutela jurídica a outras modalidades de constituição da família, à margem do


Código Civil, foi revelada desde os primeiros momentos da independência nacional; assim, o
Código de Registo Civil de 1976, no seu artigo 4.º, previa a possibilidade de registo de
casamentos celebrados segundo os usos e costumes legais; com o registo, tais casamentos
passavam a produzir os mesmos efeitos que o casamento civil.

Em 1982, através da Directiva nº 1/82, de 27 de Fevereiro, o Tribunal Superior de Recurso


determinou a entrada em vigor da parte do Projecto da Lei da Família de 1982 que tratava das
matérias atinentes ao divórcio, união de facto e uniões poligâmicas.

A Constituição da República de 1975 (então República Popular), com as alterações introduzidas


em 1978, previa o princípio da separação de poderes, cabendo o poder legislativo à Assembleia
Popular, razão porque a Directiva nº 1/82, passados alguns anos, simplesmente deixou de ser
aplicada dada a sua manifesta inconstitucionalidade.

Ciente de que um universo bastante reduzido de Moçambicanos enveredava pelo casamento


civil, para além do reconhecimento das modalidades de celebração dos casamentos religioso e
tradicional, a Lei da Família de 2004, naquilo que constitui uma das principais inovações no
Direito da Família Moçambicano, passou a consagrar o instituto da união de facto.

Na Fundamentação da Lei, a Assembleia da República considerou que “no relativo às uniões


maritais, forma comum de constituição de família nos centros urbanos do nosso país, não se
quis dar-lhes o estatuto de autêntico casamento, mas porque importava tutelar a situação dos
filhos e dos bens patrimoniais, atribuiu-se-lhes efeitos apenas no concernente às relações
paterno-filiais e aos direitos patrimoniais”.7

Nos termos do artigo 202.º da Lei da Família, entende-se por união de facto “a ligação singular,
existente entre um homem e uma mulher, com carácter estável e duradouro que, sendo aptos a
celebrar casamento não o tenham celebrado”; por outro lado, a mesma disposição estabelece
que “a união pressupõe a comunhão plena de vida por tempo superior a um ano”.

Da noção, retiramos como requisitos ou pressupostos de relevância da união de facto os


seguintes:

 Diversidade de sexo: a união de facto só produz efeitos se for de duas pessoas de


sexo diferente (sexo oposto); a nossa lei não reconhece efeitos às uniões
homossexuais. O não reconhecimento de efeitos jurídicos as uniões homossexuais não
se confunde com a sua proibição, mas tão somente a não atribuição de efeitos jurídicos
a tais uniões. Nos casos em que os tribunais moçambicanos são confrontados com
situações de uniões homossexuais validamente constituídas nos Países de origem,

7
Fundamentação da Proposta de Lei que Altera as Disposições do Código Civil Atinentes às Normas
Reguladoras das Relações de Família

44
poderão afastar a aplicação da lei estrangeira competente, com fundamento na
excepção de ordem pública.

 A união deve ser singular: tal significa que à união de facto apenas é dada tutela
jurídica quando ela não seja polígama; por esta razão, se um dos companheiros da
união de facto contrai casamento, cessam ipso facto e para o futuro os efeitos da união
de facto, passando a vigorar os efeitos do casamento; quanto às uniões polígamas, a
excepção é apenas em relação aos alimentos pois, nos termos do artigo 426.º da Lei da
Família, “em caso de morte, as companheiras que com o falecido viviam em união
polígama têm direito a ser alimentadas pelos rendimentos dos bens do falecido”;

 Os companheiros devem estar aptos a celebrar casamento: ou seja, não devem


existir impedimentos matrimoniais para a celebração do casamento, afectando qualquer
dos companheiros; deste modo, não são reconhecidas as uniões entre indivíduos com
menos de 18 anos, ou em que um dos companheiros se encontra unido por casamento
ainda não dissolvido, etc;

 A ligação deve ter carácter estável e duradouro: a própria lei encarrega-se de


esclarecer que a união pressupõe a comunhão plena de vida pelo tempo superior a um
ano; haverá, como é óbvio, situações em que, ao longo da vigência da união, verificam-
se vicissitudes que perturbam a estabilidade da união, mas se tais vicissitudes não
chegam, na essência, a retirar o carácter estável da união, a união merecerá sempre a
tutela legal.

Quanto à aptidão para contrair casamento, não se colocam dúvidas quanto aos efeitos duma
relação de coabitação existindo um impedimento dirimente. Neste caso não pode existir união de
facto, por inaptidão de um ou ambos para contrair casamento.

No caso de uma união singular, estável e duradoura, existindo impedimento impediente, a


solução não parece pacífica.

O impedimento impediente não invalida o casamento e a questão é saber se obsta à existência


da união de facto, legalmente tutelada.

Nos termos do Código Civil de Macau, por exemplo, a existência de impedimento impediente não
obsta a que a união de facto produza os seus efeitos.

Parace ser esta a solução a perfilhar também no nosso caso, tendo em conta as razões
principais proclamadas pelo legislador ao introduzir o instituto da união de facto, que se prendem
com a necessidade de “tutelar a situação dos filhos e dos bens patrimoniais”8.

8
Fundamentação da Proposta de Lei que Altera as Disposições do Código Civil Atinentes às Normas
Reguladoras das Relações de Família.

45
O regime da união de facto é normalmente invocado no momento da sua dissolução. Tendo as
partes vivido, durante mais de 12 meses e de forma ininterrupta, em condições análogas às dos
cônjuges, não vemos razões para afastar a presunção de paternidade e maternidade ou de não
reconhecer o esforço comum na aquisição, conservação e frutificação do património, que justifica
que o regime de bens da união de facto seja o da comunhão de adquiridos. Até porque, mesmo
no casamento, boa parte dos impedimentos impedientes são susceptíveis de dispensa por
razões de interesse público ou relativas às famílias dos nubentes. Justifica-se, também, a
manutenção dos efeitos da união de facto existindo um impedimento impediente porque
ocorrem, sem dúvidas, razões de interesse público e relativas às famílias dos companheiros da
união de facto, que são reputadas como marido e mulher, com óbvias consequências no seu
relacionamento com terceiros.

A nosso ver, a “aptidão para contrair casamento” deve ser entendida em sentido restrito, ou seja,
quando existam impedimentos dirimentes, quer relativos quer absolutos.

No caso de separação de facto ou de separação de pessoas e bens, seguida de divórcio, a Lei


não fixa o momento a partir do qual a sentença de divórcio produz efeitos, o que conduz a que
se entenda ser o momento do seu trânsito em julgado.

Assim sendo, se um dos cônjuges, na pendência do divórcio, passar a coabitar com uma terceira
pessoa, ainda que esta nova relação tenha carácter estável e duradouro, não poderá ser
considerada de união de facto, por existência de impedimento dirimente absoluto do casamento
anterior ainda não dissolvido. Só poderá passar a existir união de facto e a produzir os seus
efeitos, com o trânsito em julgado da sentença de divórcio.

Em Portugal, o Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, introduziu no Código Civil uma nova
disposição sobre a data em que se produzem os efeitos do divórcio. Assim, de acordo com o n.º
1 do artigo 1789.º do Código Civil Português, os efeitos do divórcio produzem-se com o trânsito
em julgado da respectiva sentença, mas retrotraem-se à data da propositura da acção 9. Por
outro lado, a mesma disposição admite que, mediante requerimento de qualquer dos cônjuges,
os efeitos retrotraiam à data em que a coabitação tenha cessado.

Se a solução prevista no Código Civil português fosse adoptada em Moçambique, poderia o


indivíduo casado passar a coabitar com uma terceira pessoa na pendência do processo de
divórcio e decretado este com efeitos retroativos a partir da data da propositura da acção ou do
fim da coabitação com o ex-cônjuge, seria a partir dessa data que a relação de coabitação
iniciada na pendência do divórcio passaria a ser considerada de união de facto.

O artigo 203.º da Lei da Família prevê alguns dos efeitos10 da união nos seguintes termos:

“1. A união de facto releva para efeitos de presunção de paternidade e maternidade, nos
termos do disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 225º e na alínea c) do nº 2 do artigo 277.
9
É esta também este, essencialmente, a solução que resulta do artigo 262.º do Código Civil Francês.
10
A união de facto também produz efeitos no domínio da legislação da função pública, de impostos,
segurança social etc.

46
2. Para efeitos patrimoniais, à união de facto aplica-se o regime de comunhão de
adquiridos.”

Ao n.º 2 do artigo 203.º da Lei da Família têm sido, entre nós, atribuidos sentidos diferentes.
Há quem entenda que a união de facto apenas releva para efeitos de partilha, segundo o regime
de comunhão de adquiridos, no momento da dissolução. O nosso entendimento é diferente.
Para a correcta interpretação do n.º 2 do artigo 203.º é importante, antes de mais, compreende o
significado de “regime de bens”.

Para Antunes Varela entende-se por regime de bens “ o conjunto de preceitos (normas ou
cláusulas negociais) que regulam as relações de carácter patrimonial (quer entre os cônjuges,
quer entre eles e terceiros) ligados à vida familiar”11.

Entendido neste sentido amplo, o regime de bens do casamento e, por conseguinte, da união de
facto, abrange todos os preceitos que regulam as relações de carácter patrimonial, incluindo as
dívidas.

Embora a noção de regime de bens apresentada por Pereira Coelho seja, na essência, similar à
de Antunes Varela, aquele autor considera haver efeitos patrimoniais do casamento que são
independentes do regime de bens. E entre os efeitos patrimoniais independentes do regime de
bens, a que Pereira Coelho chama de “regime primário”, incluem-se: administração dos bens,
dívidas dos cônjuges e bens que respondem por elas, partilha de bens do casal etc 12 . Mas
entendemos que o autor apenas quis se referir à sistemática adoptada no Código Civil, sem com
isso tomar posição divergente da do Professor Antunes Varela.

No nosso entender, é no sentido amplo, tal como descrito pelo Professor Antunes Varela, que
devemos interpretar a referência feita pelo n.º 2 do artigo 203.º ao regime de bens de comunhão
de adquiridos.

Se o entendimento fosse o de que o n.º 2 do artigo 203.º da Lei da Família apenas pretendeu dar
às partes, após a dissolução da união, o direito de reclamar a partilha dos bens comuns,
teríamos algumas situações indesejáveis e absurdas, que jamais poderiam ter sido pretendidas
pelo legislador. Na verdade, se à união de facto não fossem aplicadas as disposições que
regulam os efeitos patrimoniais do casamento, poderíamos ter situações como as seguintes:

 O companheiro não poderia usar dos meios de defesa reconhecidos aos cônjuges nos
casos de alienação de bens comuns; com efeito, por exemplo, nos termos do n.º 3 do
artigo 103.º da Lei da Família, vigorando o regime de comunhão de adquiridos o imóvel
próprio ou comum só pode ser alienado com o consentimento do outro cônjuge; ora, se
este regime não fosse aplicável aos companheiros da união de facto, o companheiro que
não desse o seu consentimento na alienação do imóvel próprio do outro, ainda que

11
Antunes Varela, ob.cit, p. 423
12
Pereira Coelho e Guilherme Oliveira, ob.cit. p.119

47
constituísse a casa de morada da família, não teria qualquer meio para obter a
invalidade do acto;

 Para os casos de dívidas contraídas por apenas um dos companheiros da união de


facto, mesmo que em proveito comum da família, apenas o que contraiu a dívida seria o
responsável por ela, o que seria injusto.

A propósito das dívidas, José Pitão entende que “…a comunhão de vida gerada pela união de
facto, com a consequente contribuição de ambos os membros, quer com o rendimento do seu
trabalho, quer com a sua participação nas tarefas domésticas, proporciona o aparecimento de
situações patrimoniais que bem mereciam a tutela do direito. É o caso, por exemplo, do
mobiliário adquirido para rechear o lar comum, as despesas contraídas com a alimentação,
vestuário ou saúde do agregado familiar ou do casal homossexual, o apartamento que se
comprou para nele instalar a casa de morada. Ora, neste tipo de situações levanta-se
pertinentemente a questão da propriedade dos bens adquiridos ou da responsabilidade pelas
dívidas contraídas, quer num, quer noutro, na constância da união de facto13”.

O texto da Lei da Família é o seguinte: “para efeitos patrimoniais, à união de facto aplica-se o
regime de comunhão de adquiridos”.

Não nos parece que a pretensão do legislador fosse tão somente de remeter para as regras de
classificação de bens em próprios e comuns e para as de partilha dos bens comuns.

O texto “para efeitos patrimoniais…” levanta, desde logo a questão seguinte: para que efeitos
patrimoniais? A interpretação correcta, a nosso ver, deve ser aquela que é abrangente. Para
nós, o que se retira do n.º 2 do artigo 203º é que à união de facto aplica-se o regime de
comunhão de bens e todos os efeitos patrimoniais do casamento conexos ao tal regime, no
domínio da administração de bens, da alienação de bens e dívidas.

 Alguns Exemplos de Direito Comparado

As dúvidas que são suscitadas em Moçambique, não se coloca em boa parte de Países
Africanos de Língua Portuguesa. Com efeito:

 O artigo 119º do Código da Família de Angola dispõe que “o reconhecimento da


união de facto produz os mesmos efeitos da celebração do casamento, com
retroactividade à data do início da união, em conformidade com a lei” 14. Nos
casos em que a união não é reconhecida, a solução parece ser remetida à
disciplina geral do enriquecimento ilícito, porquanto resulta do nº 2 do artigo

13
Pitão, José, União de Facto________
14
Código da Família de Angola, aprovado pela Lei nº 1/88, de 20 de Fevereiro

48
113º que “caso a união de facto não possa ser reconhecida por falta de
pressupostos legais, ela será atendida para além dos casos previstos nesta lei,
quando se verifique enriquecimento ilícito 15 nos termos gerais da lei,
designadamente para o efeito de partilha de bens comuns e para atribuição do
direito à residência comum”.

 No caso da Guiné Bissau, a Lei nº 3/76, de 3 de Maio de 1976, manda que se


aplique ao casamento não formalizado (designação atribuída à união de facto) o
regime do casamento, logo que é obtido o reconhecimento, sendo aplicável o
regime de comunhão de adquiridos, na falta de acordo em contrário (vide artigos
1º e 7º da Lei).

 Na República de Cabo Verde, a união de facto reconhecida é havida, para todos


os efeitos legais, como casamento formalizado e produz os mesmos efeitos do
casamento desde a data do início da sua existência (assim estabelece o nº 1 do
artigo 168º do Código da Família da República de Cabo Verde, aprovado pelo
Decreto-Legislativo nº 12-C/97, de 30 de Junho).

No caso Brasileiro, o Código Civil16 contém uma disposição muito próxima à contida na Lei da
Família Moçambicana; com efeito, o artigo 1.725.º do Código Civil Brasileiro “na união estável,
salvo contrato escrito dos companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o
regime de comunhão parcial de bens”.

Discutindo o alcance da tal disposição, na questão relativa à alienação dos bens na união
estável e embargos de terceiro, Rodrigo Toscano de Brito17, entende que, no silêncio do Código
Civil quanto à administração dos bens e quanto às dívidas, a interpretação do artigo 1.725.º do
Código Civil de 2002 resulta na aplicação do artigo 1.663.º do mesmo Código, que regula a
administração dos bens entre os cônjuges e regime de dívidas contraídas pelo cônjuge
administrador.

Madaleno18 também é da opinião que “decorre do artigo 1.725.º do Código Civil uma presunção
plena de comunhão dos bens amealhados durante a convivência estável, com a aplicação literal
dos dispositivos pertinentes ao regime de comunhão parcial de bens prevista para o casamento”;
ou seja, entende que são aplicáveis à união estável os artigos 1.663.º à 1.666.º do Código Civil,
que regulam o regime de comunhão parcial no tocante a propriedade, administração dos bens e
dívidas dos cônjuges.

III – CASAMENTO

15
O sublinhado é nosso.
16
O Código Civil Brasileiro vigente foi aprovado pela Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002.
17
de Brito, Rodrigo Toscano, Afeto, Ética, Família e Novo Código Civil Brasileiro – Anais do IV
Congresso Brasileiro de Direito da Família, IBDFAM/DelRev, Belo Horizonte, 2004, p. 552
18
Madaleno, Rolf, Curso de Direito de Família, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2008, p. 810

49
A – NOÇÕES GERAIS

A.1 BREVE RESENHA HISTÓRICA E NOÇÃO

O casamento é tão antigo como a própria humanidade. A Bíblia (Gênesis 2:21 a 24)
relata que o Senhor Deus tomou uma das costelas de Adão e dela formou uma mulher.
Ao ver a mulher, Adão terá dito que “esta agora é osso dos meus ossos e carne da
minha carne: esta será chamada varoa, porquanto do varão foi tomada.” No mesmo
relato bíblico acrescenta-se o seguinte: “Portanto, deixará o varão o seu pai e a sua
mãe e juntar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma só carne”.

Desde tempos bem remotos este instituto sofreu forte influência de regras religiosas.
E, bem se compreende que assim seja, uma vez que o fenómeno religioso é anterior à
existência do próprio Estado.

Mesmo com o aparecimento do Estado e com a sua evolução, entanto que instituição,
a influência das regras religiosas sobre o instituto do casamento sempre se tem feito
sentir, de forma mais ou menos intensa.

Com o evoluir do próprio Estado e o advento de novas correntes filosóficas, em


tempos mais recentes, surgiu um modelo de Estado em que este se demarca da
religião, dando lugar à existência de Estados laicos. Entretanto, ao lado destes existem
outros que, por manterem um forte vínculo com certas religiões, se afirmam como
Estados confessionais.

Tal como tivemos ocasião de verificar a propósito do parentesco, da afinidade e da


adopção, também no relativo ao casamento, a sua noção encontra-se expressamente
consagrada por lei, no artigo 7.º da Lei da Família.

A noção legal de casamento é, portanto, a seguinte: “Casamento é a união voluntária e


singular entre um homem e uma mulher, com o propósito de constituir família,
mediante comunhão plena de vida.”

Salienta-se que o aspecto da finalidade do casamento, que é a constituição da família,


tem igual consagração no texto constitucional, na medida em que no nº 2 do artigo
119 se estatui que “ ... o casamento como instituição que garante a prossecução dos
objectivos da família.”

A noção agora prevista no artigo 7.º da Lei da Família difere, substancialmente,


daquela que vinha contida na lei anterior. O artigo 1577.º do C. Civil atribuía ao
casamento uma natureza contratual. O texto do artigo 1577.º do C. Civil era o
seguinte: “Casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que
pretendem constituir legitimamente a família mediante uma comunhão plena de vida”.

O legislador de 2004, tendo presente as críticas feitas à qualificação do casamento


como contrato e atendendo ao facto do casamento africano ter uma dimensão

50
individual, por um lado, e colectiva, por outro, preferiu uma formulação mais
abrangente.

Não se pode dizer que ao apresentar a noção de casamento em termos amplos o


legislador moçambicano tenha logrado consagrar uma solução isenta de críticas; aliás,
não faltam os que consideram não haver nenhuma vantagem na previsão legal da
noção de casamento, razão porque muitas legislações, como são os casos dos códigos
alemão, francês, italiano e brasileiro, tenham deliberadamente evitado apresentar um
conceito ou uma definição legal de casamento.

A.2 SISTEMAS MATRIMONIAIS

Para se poder compreender qual o sistema adoptado pelo legislador moçambicano,


vejamos, de seguida, os sistemas matrimoniais possíveis e que são adoptados por
várias legislações.

De uma forma geral, são três os sistemas conhecidos, a saber:

- sistema de casamento civil obrigatório;

- sistema de casamento civil facultativo; e

- sistema de casamento civil subsidiário.

Para o sistema de casamento civil obrigatório o Estado não admite outra forma de
casamento senão o casamento civil, celebrado segundo as suas leis e por elas
regulado. O direito matrimonial do Estado é obrigatório para todos os cidadãos,
independentemente da religião que professem ou da sua tradição.

Note-se, porém, que nada obsta que, vigorando o sistema de casamento civil
obrigatório, os cidadãos possam contrair matrimónio segundo as regras próprias da
sua confissão religiosa ou da sua tradição, mas tal matrimónio não apresenta qualquer
relevância jurídica para o direito estadual. Apenas se reconhece como válido o
casamento que tenha sido celebrado em conformidade com as leis do Estado, ou seja,
o casamento civil.

Constituem exemplo deste sistema, entre outras, as legislações francesa, belga,


holandesa, alemã e suiça.

No sistema do casamento civil facultativo os nubentes podem optar entre o


casamento civil ou o casamento religioso ou até o casamento tradicional,
reconhecendo o Estado efeitos civis a estas últimas modalidades de casamento ou
reconhecendo inclusive os efeitos atribuídos ao casamento pelas respectivas normas
religiosas ou tradicionais.

51
Assim, o sistema matrimonial de casamento civil facultativo pode apresentar duas
modalidades.

Para uma delas, o Estado permite que os cidadãos celebrem o casamento segundo a
sua religião ou tradição, e atribui efeitos jurídicos a esse mesmo casamento. Contudo,
apenas lhe concede os efeitos próprios do casamento laico ou civil, sujeitando-o ao
mesmo regime.

Numa segunda modalidade, o Estado permite a celebração do casamento de acordo


com as normas religiosas ou tradicionais e vai mais longe, pois reconhece e aceita
também os efeitos do casamento previstos nas normas religiosas ou consuetudinárias
em que assentou aquele casamento. Consequentemente, o casamento celebrado
assim pelos nubentes regular-se-á pelas normas próprias daquela religião ou daquela
tradição, não apenas quanto à constituição, mas também quanto aos efeitos,
modificação e extinção.

Neste último caso, portanto, está-se perante dois institutos diferentes, um que se
regula pelo Direito civil e outro que se rege pelo Direito religioso ou tradicional.

Numa primeira modalidade apresentada, as coisas passam-se de modo bem


diferenciado, uma vez que há apenas formas distintas de celebração do matrimónio.

Finalmente para o sistema de casamento civil subsidiário, o Estado submete-se, neste


domínio, inteiramente às normas religiosas ou tradicionais. Em princípio, o casamento
religioso ou tradicional é o único que o Estado reconhece. O casamento civil só
subsidiariamente é admitido, o que quer dizer que ele apenas é possível e reconhecido
pelo Estado, quando as normas religiosas ou tradicionais o admitirem.
Hipoteticamente poderia se admitir também que o casamento religioso ou tradicional
fosse o reconhecido pelo Estado e subsidiariamente o civil.

A.2.1 SISTEMA MATRIMONIAL MOÇAMBICANO

Antes da independência nacional, O Código Civil previa normas reguladoras do


casamento civil e do casamento católico. Vigorava então o sistema de casamento civil
facultativo.

Com a independência nacional, a Constituição da República Popular de Moçambique


de 1975 consagrou o princípio da laicidade do Estado, como resultava expressamente
do seu artigo 9.

Por força do princípio da laicidade do Estado, as normas contidas no Código Civil,


regulando o casamento católico, ficaram automaticamente revogadas, pois o Estado
não poderia reconhecer efeitos ao casamento celebrado de acordo com uma religião,
com exclusão das demais. Deste modo, passou a vigorar o sistema de casamento civil
obrigatório e não era reconhecida qualquer relevância jurídica aos matrimónios

52
celebrados de acordo com uma religião, seja, hindu, islâmica, judaíca, católica,
protestante ou budista ou ainda de acordo com a tradição.

Não significava isso que os cidadãos não pudessem celebrar casamentos de acordo
com a sua religião ou tradição; podiam, mas o Estado não reconhecia efeitos jurídicos
aos tais casamentos; aliás, a possibilidade de celebração de casamentos religiosos
decorria da já reconhecida liberdade de praticarem qualquer religião. Deste modo, se
o cidadão pretendesse ver atribuída eficácia jurídica ao seu casamento, teria de o
celebrar nos termos estabelecidos pela lei civil, ou seja, para além do casamento
religioso ou tradicional, teria de realizar de novo casamento, que obedecesse às regras
das leis do Estado, para que pudesse adquirir eficácia jurídica.

Um ano após a independência, isto é, em 1976, são introduzidas alterações ao Código


do Registo Civil, por via do Decreto-Lei n.º 21/76, de 22 de Maio; com as alterações
introduzidas, o artigo 4 do Código do Registo Civil permitia o registo dos casamentos
celebrados segundo os usos e costumes. Uma vez registados, os tais casamentos
produziam os mesmos efeitos do casamento civil.

Moçambique passou então a ter um sistema de casamento civil facultativo, na medida


em que as partes podiam optar por celebrar o casamento segundo os usos e costumes
locais e depois registá-lo para produzir os mesmos efeitos do casamento civil.

O princípio da laicidade do Estado vem reafirmado na Constituição da República de


2004, como resulta do nº 1 do artigo 12.

É importante ter sempre presente este princípio constitucional, para nos podermos
situar perante o sistema matrimonial actual.

A Constituição da República de 2004 inova no que respeita ao reconhecimento dos


casamentos religiosos e tradicionais, remetendo para a lei o estabelecimento de
formas de valorização bem como a definição dos requisitos do seu registo e a fixação
de seus efeitos.

Em conformidade com a Constituição da República, a Lei n.º 10/2004, de 25 de Agosto


(a Lei da Família), passou a reconhecer três modalidades de casamento. Com efeito,
estabelece o n.º 1 do artigo 16.º da referida Lei, que “o casamento é civil, religioso e
tradicional”.

Atento ao que dispõe o n.º 2 do já referido artigo 16.º da Lei da Família, constata-se
que o sistema de casamento vigente é o de casamento civil facultativo, na primeira
modalidade; ou seja, apenas se admite a celebração do casamento de acordo com as
normas religiosas ou do Direito consuetudinário, sendo os efeitos os previstos para o
casamento civil.

O reconhecimento da dualidade de sistemas na sua plenitude, isto é, a admissão das


modalidades de casamento religioso e tradicional no que respeita ao momento da
celebração, como no que tange aos efeitos atribuídos pelas normas religiosas ou do
Direito consuetudinário, exigiria que tais normas (religiosas e tradicionais), estivessem
devidamente compiladas. Mais do que uma compilação, seria necessário desenvolver e

53
aprovar um complexo quadro de normas de conflito que permitiriam a determinação
das normas aplicáveis nas situações em que pessoas oriundas de tradições ou religiões
diferentes pretendessem celebrar casamento entre si.

Na falta da compilação a que nos referimos acima e das normas de conflito, não se
mostra recomendável avançar-se para o sistema de casamento civil facultativo na sua
segunda modalidade.

A.3 TEORIAS SOBRE O CASAMENTO

Vamos agora abordar algumas teorias perfilhadas pela doutrina, com o objectivo de
procurar dar resposta à complexa questão da natureza jurídica do casamento,
enquanto acto.

Em momento anterior, já se havia dito que algumas legislações procuram evitar esta
querela doutrinária, abastendo-se de definir o que se deva entender por casamento.

A.3.1 CASAMENTO COMO ACTO ADMINISTRATIVO

Para os defensores desta teoria, o casamento não é um contrato nem se inscreve no


direito privado,mas é antes um acto administrativo.

Os defensores desta última teoria, perfilham o princípio de que é a declaração do


funcionário do registo civil o elemento verdadeiramente constitutivo do casamento.

Por consequência, o casamento seria um puro acto do poder do Estado, um puro acto
administrativo.

Porém, tendo por base o disposto no n.º 2 do artigo 190.º do Código do Registo Civil,
não se pode dizer que a declaração do Conservador seja constitutiva do casamento;
aquela disposição legal estabelece que “prestado o consentimento dos contraentes, o
casamento considera-se celebrado, o que o conservador proclama...”.

Da citada disposição, resulta claro que o acto do conservador não é constitutivo do


casamento, mas meramente declarativo de acto praticado pelos contraentes.

A.3.2 CASAMENTO COMO NEGÓCIO JURÍDICO

54
Grande parte dos civilistas define negócio jurídico como facto voluntário lícito, cujo
núcleo essencial é constituído por uma ou várias declarações de vontade, que tem por
objectivo a produção de certos efeitos jurídicos, com ânimo de que esses efeitos sejam
tutelados pelo Direito, ou seja, para que a lei atribua efeitos jurídicos correspondentes
com a intençao do autor ou autores, do sujeito ou sujeitos intervenientes no negócio.

Como é sabido a figura do negócio jurídico surge com maior evidência e


preponderância no âmbito do direito das obrigações. Tal facto, porém, não significa
que aquela mesma figura não surja também no domínio dos direitos reais, do direito
sucessório e até no direito de família.

Na verdade, neste último ramo do direito civil encontramos também negócios


jurídicos, quer de natureza pessoal, quer de natureza patrimonial.

Constituem exemplos de negócios jurídicos de carácter essencialmente pessoal: a


perfilhação, a legitimação, a adopção; e será exemplo de negócio jurídico familiar, de
natureza patrimonial – a convenção ante-nupcial e a doação entre casados.

E, para esta corrente doutrinal, face à definição de negócio jurídico acima apresentada,
o casamento seria um negócio jurídico familiar. Mais ainda, o casamento seria o mais
importante de todos os negócios jurídicos familiares.

A este propósito, no entanto, é bom ter sempre presente que o princípio fundamental
em que assenta o negócio jurídico é o da autonomia da vontade.

Por isso, existem autores que, partindo do facto de que o princípio da autonomia da
vontade se encontra significativamente restringido no casamento, consideram não se
poder afirmar que o casamento seja um negócio jurídico.

Tais autores indicam haver no casamento, entre outras, as seguintes limitações ao


princípio a autonomia da vontade:

1 – a fixação imperativa, por parte da lei, dos efeitos pessoais do casamento – ver a
este propósito os artigos 93 a 97º, ambos da Lei da Família;

2 – a impossibilidade dos nubentes fixarem condições, termo ou qualquer outra cláu


sula no contrato de casamento, excepto nos casos que a própria lei permite.

A limitação da autonomia privada também é caracteristica saliente do nosso direito


matrimonial. O n.º 1 do artigo 42.º da Lei da Família estabelece que “a vontade de
contrair casamento importa a aceitação de todos os efeitos legais do matrimónio, sem
prejuízo das legítimas estipulações dos esposos em convenção antenupcial”.

Todavia, sempre existem autores que afirmam que, não obstante tais limitações, o
princípio da autonomia da vontade subsiste e não se mostra prejudicado, uma vez que
os nubentes sempre têm a liberdade de casar ou não casar, de casar com a pessoa que
entendam, bem como de escolher o regime de bens.

55
A.3.3 CASAMENTO COMO CONTRATO

Partindo do pressuposto de que o casamento é um negócio jurídico, para certa


corrente de opinião, ele reveste a natureza de contrato.

A teoria da contratualidade do casamento tem sido e continua a ser muito contestada.

Assim, alguns autores afirmam pura e simplesmente, que o casamento é um acordo e


não um contrato, uma vez que as vontades têm o mesmo conteúdo e os nubentes não
têm interesses contrários.

Outros autores entendem que o casamento não é um contrato, porquanto não se lhe
aplica os princípios gerais dos contratos e, como tal, o casamento assume as
características de instituição.

A.3.4 POSIÇÃO ASSUMIDA

Da noção do casamento, parece claro que o mesmo, em termos de natureza jurídica,


deve ser qualificado como um negócio jurídico bilateral, embora com características
próprias. Na verdade, apesar da dimensão colectiva do casamento tradicional, o
núcleo essencial do casamento é ainda constituido pelas declarações de vontade dos
nubentes. A relevância que a lei atribui às declarações de vontade dos nubentes está
bem patente no regime dos vícios do casamento, nos artigos 56.º e seguintes da Lei da
Família.

O carácter negocial do casamento é até reforçado pela possibilidade de separação de


pessoas e bens por mútuo consentimento19 e de divórcio por mútuo consentimento20.
Tal significa que a lei considera essencial a vontade dos nubentes na constituição,
modificação e extinção da relação matrimonial.

Embora o casamento seja um negócio jurídico bilateral com características que não se
limitam aos de um mero contrato, temos que reconhecer que em larga medida
encerra em si características de um contrato. Aliás, a lei mantem a orientação de que a
promessa de casamento, para ser válida, deve revestir a natureza contratual (artigo
19.º, n.º 1 da Lei da Família); porque o objecto do contrato promessa é a celebração do
contrato definitivo, forçoso é concluir-se que o legislador continuou a encarar o
casamento, também, numa perspectiva contratual.

B. CARACTERÍSTICAS DO CASAMENTO

O casamento como negócio jurídico apresenta particulares características quando


comparado com os negócios jurídicos em geral, o que facilmente se compreenderá se
se tiver presente o tipo de negócio jurídico que constitui o casamento.

Passando a analisar cada uma das características desta espécie de contrato:

19
Ver artigos 176 e 189 a 192 da Lei da Família e 349 a 353 do Código do Registo Civil
20
Ver artigos 195 a 197 da Lei da Familia e artigos 349 a 353 do Código do Registo Civil

56
1 – O casamento como negócio jurídico bilateral, entre duas pessoas de sexo
diferente

Poderá colocar-se a questão de saber se o casamento, como negócio jurídico, imporá


que este se realize entre pessoas de sexo diferente. E, por outro lado, se este será um
requisito essencial da sua validade.

Esta é uma questão que se apresenta, hoje, como altamente controvertida.

Diferentes são as posições perfilhadas pela doutrina e mesmo pelas legislações.

Mas, se se considerar que o fim, em si mesmo, do matrimónio consiste na criação de


uma plena comunidade de vida entre os cônjuges, com vista à constituição da família,
compreender-se-á então que só seja possível a celebração deste tipo de contratos
entre pessoas de sexo diferente.

O que ficou dito não significa que o fim último do casamento seja a procriação, senão
vejamos:

 A esterilidade e a impotência não constituem causas de invalidade ou


fundamentos da dissolução do casamento;
 Ao mesmo tempo que a lei vigente estabelece que a adopção estabelece
vínculos semelhantes aos da filiação natural, ela também permite que a
mesma seja efectuada por indivíduos não casados, o que torna clara a
inexistência de qualquer relação entre a procriação e o casamento;
 Hoje, com o avanço da tecnologia, são várias as técnicas de reprodução
assistida, sendo normal que os filhos não resultem da união entre marido e
mulher.

De qualquer modo, tendo em conta a lógica normal e natural, a procriação continua


sendo encarada por parte considerável das pessoas em Moçambique como um dos fins
do casamento. O legislador moçambicano, de certo modo, abraçou a percepção de
que a constituição da família e a sua continuidade pressupõem, normalmente, a
possibilidade da existência de filhos, tendo mantido a exigência de que o casamento
seja admitido apenas entre pessoas de sexo diferente.

Para a posição tomada pelo legislador moçambicano, pesaram também razões de


ordem moral, por se entender ser uma imoralidade a relação entre duas pessoas do
mesmo sexo, sendo patente a influência da religião nesta orientação.

A resposta à segunda questão colocada, se se tratará de um requisito essencial de


validade do negócio, também nos é dada pela própria lei.

Na verdade, a Lei da Família orienta-se no sentido da essencialidade deste requisito, na


medida em que considera juridicamente inexistente o casamento que tenha sido
contraído entre pessoas do mesmo sexo – cfr. al. e) do artigo 53º da Lei da Família.

57
2 – O casamento como negócio pessoal

Em termos muitos gerais dir-se-á que os negócios jurídicos podem revestir


características pessoais ou patrimoniais, tendo por base o conteúdo e o fim a que se
destinam.

Quando nos referimos aos caracteres do direito de família, indicámos como uma
característica sua, a natureza pessoal.

E, a propósito dos negócios familaires apresentamos o casamento como o mais


importante negócio familiar.

Nessa ocasião mencionámos também que os negócios familiares se contam entre o


tipo de negócio pessoal mais típico e característico.

Quando aqui se alude à natureza pessoal, quer-se referir aquela espécie de negócio
que não tem, na sua essência, por objectivo a constituição, modificação ou extinção de
relações de natureza patrimonial. Antes pelo contrário, no negócio pessoal tem-se em
vista actuar sobre o estado das pessoas ou na situação familiar.

Ora, sendo o casamento um negócio familiar e, como tal um negócio pessoal,


compreende-se que revista as características dos negócios pessoais em geral.

Uma das características deste tipo de negócios é justamente o facto de se regerem, em


boa parte, por normas imperativas, com a consequente limitação do princípio da
liberdade negocial.

Uma outra característica desta espécie de negócios consiste em que negócios pessoais
só se podem celebrar pessoalmente, não se admitindo a representação.

Poderia, no entanto, ser-se levado a pensar que esta não constituiria uma das
características do negócio pessoal, quando se admitisse a possibilidade da celebração
de casamento por procuração, como é o nosso caso, tendo em conta que no artigo
48.º da Lei da Família se consagra aquela figura.

Contudo, esta posição seria de rejeitar, pois a lei, ao admitir o instituto do casamento
por procuração, apenas introduziu uma excepção ao princípio geral de que o
casamento é estritamente pessoal.

Ao mesmo tempo, a própria lei cuida de introduzir regras restritivas da representação,


como se vê no já mencionado artigo 48º da Lei da Família e nos artigos 52º e 53º do
Código do Registo Civil, ao impôr certos requisitos, como sejam:

 só um dos nubentes se pode representar por procurador;


 a designação expressa do outro nubente e a indicação da modalidade
do casamento;
 a atribuição de poderes especiais para o acto;

58
 constar a procuração de instrumento público ou documento escrito e
assinado pelo representado com reconhecimento presencial da
assinatura.

3 – O casamento como negócio solene

O casamento é um negócio solene, tendo presente o que se estatui, a esse respeito, na


Lei da Família e no Código do Registo Civil.

É importante reter que, mesmo hoje, nem todas as legislações consagram este tipo de
princípios. Em alguns casos, admite-se como casamento a situação resultante de
simples coabitação acompanhada de posse de estado.

No nosso caso, porém, trata-se de negócio solene, porquanto a validade da declaração


negocial pressupõe a existência de certo comportamento declarativo.

Na realidade, a lei impõe que, no casamento, por um lado, a vontade das partes se
manifeste apenas segundo determinada forma, ao contrário do que se passa com os
negócios jurídicos em geral, aonde vigora o princípio da liberdade de forma. Por outro
lado, a celebração do casamento obecede a um conjunto de procedimentos que a
própria lei prevê, desde o processo preliminar de publicações até ao ritual que deve
ser observado no acto de celebração do casamento (ver artigos 163.º e seguintes e
artigo 190.º, todos do Código do Registo Civil).

Quanto à declaração dos nubentes, ao invés do que se passa com outros negócios
solenes, em que se exige que as declarações de vontade sejam reduzidas a documento
escrito, no casamento a sua validade está condicionada a que a manifestação da
vontade dos nubentes seja expressa na cerimónia da celebração do matrimónio.

B – PROMESSA DE CASAMENTO

B.1 NOÇÃO DE PROMESSA DE CASAMENTO

A propósito do instituto do casamento, de seguida, importa passar a analisar o que, se


acha consagrado, na lei, relativamente à figura da promessa de casamento.

Justifica-se que se faça esta abordagem, tendo em conta que se está perante um tipo
de contrato com características particulares, como vamos ter a ocasião de constatar.

Por promessa de casamento pode entender-se a manifestação de vontade expressa,


ou também a declaração contratual, feita por duas pessoas de sexo diferente, através
da qual assumem o compromisso de contrair casamento.

Ou de outro modo, a promessa de casamento é o contrato pelo qual duas pessoas de


sexo diferente se obrigam, entre si, a contrair casamento.

59
O facto de, na própria lei, se precisar que se está perante um contrato, ou seja, um
negócio jurídico bilateral, isto só nos leva a ter que concluir que, neste caso, tem de
haver dupla manifestação de vontade negocial, o que afasta, de imediato, a
possibilidade da existência de declaração tácita e de promessa de casamento
unilateral.

Esta mesma noção se pode retirar, de forma clara e precisa, do que dispõe o artigo
19.º da Lei da Família. Desta disposição legal, se retira que a promessa é válida se for
de duas pessoas de sexo diferente, aptas a celebrar casamento.

A propósito da aptidão para a celebração do casamento, o n.º 2 do artigo 19.º da Lei


da Família estabelece a sancão de nulidade para as promessas feitas por menor sem
idade para contrair casamento. Note-se que a idade núbil é de 18 anos, tal como
resulta do artigo 30.º, n.º 1, alínea a), da Lei da Família.

Poderá colocar-se a questão de saber se nos casos excepcionais em que a Lei admite o
casamento de pessoas com mais de 16 anos, previstos no n.º 2 do artigo 30.º da Lei da
Família, poder-se-á igualmente considerar a promessa de casamento válida.

Considerando que o casamento é normalmente precedido de uma promessa de


casamento, não vemos razões para que, ocorrendo circunstâncias de reconhecido
interesse público e familiar e havendo consentimento dos pais ou legais
representantes, não possa ser reconhecida a promessa de casamento feita por pessoas
com mais de 16 anos. Neste caso, ocorrem as condições legais para que o casamento
seja, excepcionalmente, validamente celebrado, o que torna também válida a
promessa feita nas mesmas condições. Esta parece ser a solução que melhor se
enquadra no espiríto da Lei e é conforme o disposto no n.º 1 do artigo 410.º do C. Civil.

Por outro lado, importa referir que, como se infere do disposto pelo artigo 19.º da Lei
da Família, a existência e a consequente validade deste contrato não depende de
qualquer forma legal, já que, na lei, não se fixa nenhuma forma especial.

Pode, assim, afirmar-se que, no caso da promessa de casamento, vigora a regra geral
da liberdade de forma, que se acha prevista no artigo 219.º do C. Civil.

Significa isto que são suficientes, para que se tenha por constituída a promessa de
casamento, meras declarações tácitas, desde que evidenciem um compromisso firme,
assumido por ambos, de vir a contrair casamento no futuro.

B.2 REGIME DA PROMESSA DE CASAMENTO

Do artigo 19.º da Lei da Família resulta que o contrato promessa de casamento não dá
direito a exigir a sua celebração, nem a reclamar outro tipo de indemnizações, para
além do que se acha fixado no artigo 22.º daquela mesma Lei, quando se verifica falta
de cumprimento.

60
Do que acaba de se afirmar, desde logo se retira que a afectivação de uma promessa
de casamento não faculta, nem aos promitentes, nem a terceiros, o direito de exigir a
realização do casamento. Em bom rigor, a impossibilidade de se exigir coactivamente a
realização do casamento resultaria sempre do n.º 1 do artigo 830.º do C. Civil; com
efeito, a execução específica seria contrária à natureza do casamento, que deve
sempre se basear no mútuo e actual consentimento.

Por outro lado, também se extrai, de imediato, o princípio de que, verificando-se


violação culposa da promessa de casamento e tendo ocorrido prejuízos, o promitente
culpado estará obrigado apenas a indemnizar o que se acha indicado no n.º 1 do artigo
22.º da Lei da Família, e nada mais do que isso.

Do enunciado pela Lei, no artigo 19.º da Lei da Família, claramente se retira que o
regime da promessa de casamento apresenta especificidades, que o distinguem do
regime geral do contrato promessa.

Atento ao que estabelece o n.º 1 do artigo 410.º do C.Civil, infere-se que, no que não
se mostrar previsto na Lei da Família ou noutras normas especiais, ao contrato
promessa de casamento são aplicáveis as disposições legais relativas ao casamento,
exceptudas as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao
contrato promessa de casamento.

Assim, pela aplicação à promessa do regime do negócio prometido, o casamento, não


será válido a promessa de casamento quando em relação a um ou ambos os
promitentes se verifique um impedimento dirimente. Pela aplicação do regime do
casamento, também se conclui pela inexistência jurídica de uma promessa de
casamento feita por duas pessoas do mesmo sexo.

Aplicando a regra do artigo 410.º, n.º 1 do C. Civil, diriamos que, no caso de existência
de impedimento impediente, a promessa de casamento é válida, mas há que ter em
conta que a sua eficácia depende da verificação de algumas condições, como veremos
seguidamente.

É verdade que o casamento celebrado existindo impedimento impediente é válido.


Porém, se a existência de impedimento impediente chegar ao conhecimento do
Conservador, este deve suspender o processo de casamento, até que o impedimento
cesse, seja dispensado ou seja julgado improcedente por decisão judicial, em
obediência ao estatuido no n.º 2, do artigo 173.º do Código do Registo Civil. O
Conservador que celebrar o casamento ou passar certificado para a sua celebração,
sabendo da existência de qualquer impedimento, enquanto este prevalecer, incorre na
pena correspondente ao crime de desobediência, tal como previsto no artigo 375.º do
Código do Registo Civil.

Ora, se o casamento não deve ser celebrado enquanto o impedimento impediente não
cessar, não for dispensado ou julgado improcedente, de nada valeria reconhecer
eficácia aos contratos promessa de casamento em relação aos quais se verifique
aquele tipo de impedimentos, enquanto existirem tais impedimentos.

61
Assim, embora válida a promessa de casamento celebrada existindo impedimento
impediente, a mesma é ineficáz enquanto não cessar o impedimento, não for
dispensado21 ou julgado improcedente.

A promessa de casamento torna-se eficaz logo que cesse o impedimento impediente,


como sucede por exemplo com o prazo internupcial nos casos previstos no n.º 3 do
artigo 33.º da Lei da Família, ou seja dispensado o impedimento, ou seja suprida a
autorização dos pais para casamento de menores, nos termos dos artigos 329.º a 334.º
do Código do Registo Civil, ou ainda logo que o nubente pronunciado pelo crime de
homicídio doloso contra o cônjuge do outro seja despronunciado ou absolvido, por
decisão judicial passada em julgado (ver al. e), última parte, do artigo 32.º, da Lei da
Família).

O mesmo não poderá ser dito no que respeita às disposições especiais do casamento
sobre a anulabilidade do casamento celebrado com falta de vontade ou com vontade
viciada por erro ou coação; na verdade, o regime da anulabilidade aplicável ao
casamento nos casos de falta ou vícios da vontade se baseia na necessidade de
garantir estabilidade e segurança da relação matrimonial. Por assim ser, quanto ao
regime da falta e vícios da vontade, à promessa de casamento serão aplicáveis as
disposições relativas aos negócios jurídicos no geral, designadamente os artigos 240.º
e ss.

Ao contrário do que se passa, em geral, no caso da promessa de casamento, o


promitente que não cumpre o contrato não responde na totalidade pelas perdas e
danos ocasionados, na medida em que só responde por certas e determinadas
despesas e obrigações, como adiante veremos.

Mas, para melhor se compreenderem as diferenças existentes entre o contrato-


promessa, em geral, e a promessa de casamento mostra-se conveniente ver que, a
este mesmo propósito, dispõem os artigos 410.º, 412.º, 413.º e 830.º do C. Civil.

* NATUREZA JURÍDICA

Relativamente à natureza jurídica da promessa de casamento, dizem os autores que se


trata de uma questão ou de um problema eminentemente de carácter conceitual.

Várias orientações existem para explicar a natureza jurídica da promessa de


casamento.

Uma orientação entende que na promessa de casamento se está em presença de um


contrato nulo e, consequentemente, dele não resulta qualquer obrigação
juridicamente válida.

Da promessa deriva, por isso, tão só uma situação ou estado de facto, uma relação de
carácter moral e social.

21
Os impedimentos dispensáveis são os previstos no artigo 37.º da Lei da Família, seguindo o processo
previsto nos artigos 327.º e 328.º do Código do Registo Civil, e ainda na Lei que aprova a Organização
Tutelar de Menores.

62
Contudo, porque o legislador não poderia ficar indiferente e até desinteressar-se,
compreende-se que se estabeleça a obrigatoriedade de indemnizar.

Por essa razão, afirma-se que o rompimento injustificado da promessa é considerado


pela lei como um delito, como um acto ilícito, constitutivo do direito de indemnizar.

A segunda orientação entende que a responsabilidade decorrente da violação da


promessa de casamento, é um caso de responsabilidade pré-contratual.

Esta corrente procura encontrar argumentos no n.º 1 do artigo 227.º do C. Civil, para
defender aquela posição.

Uma outra orientação vê na promessa de casamento um verdadeiro negócio jurídico,


do qual derivam ou podem derivar obrigações juridicamente válidas. Trata-se de
negócio jurídico que gera, de facto, uma responsabilidade contratual em termos
gerais, mas em que se limita aquela responsabilidade a certas despesas e obrigações,
isto é, apenas às que estão indicadas na lei e não quaisquer outras.

Uma outra ideia, que também se poderá adiantar, seria a de considerar que se estaria
perante um abuso de direito. Isto porque a promessa de casamento é um contrato
válido para a ordem jurídica, que pode ser resolvido ou denunciado até por vontade
unilateral de uma das partes.

Contudo, a lei impõe limites ao exercício do direito de denúncia ou de resolução. Assim


sendo, os promitentes podem usar do direito da denúncia, mas podem não abusar
dele. Ora, é precisamente quando se verifica um tal abuso por parte de um dos
promitentes, que haverá então lugar à indemnização.

Porém, a ideia de que a responsabilidade decorrente da violação da promessa, prevista


pelo artigo 19º da Lei da Família, é uma responsabilidade contratual, será a orientação
que permitirá compreender mais facilmente, por que razão se aplica ao contrato
promessa de casamento as normas reguladoras dos negócios jurídicos, em geral.

* EFEITOS DA PROMESSA DE CASAMENTO

Concebendo-se a promessa de casamento como um verdadeiro negócio jurídico, será


posssível dela resultarem, em princípio, os mesmos efeitos jurídicos, que derivam de
qualquer outro contrato promessa. Vejamos os aspectos mais salientes dos efeitos da
promessa de casamento:

 exclusão da possibilidade da execução específica

No que respeita ao primeiro aspecto, vale a pena recordar que o casamento, nos
termos do artigo 119.º, n.º 3, da Constituição da República, se baseia no livre
consentimento. E, como consequência, a vontade de contrair casamento deve ser
manifestada no próprio acto da celebração do casamento.
63
Se a lei admitisse o recurso ao tribunal para se exigir o cumprimento coercivo da
promessa, contrariar-se-ía o princípio do livre consentimento, pois o casamento seria
celebrado contra a vontade de um dos nubentes. É por essa razão que o n.º 1 do artigo
19.º da Lei da Família, de forma expressa, afasta o direito de exigir a celebração do
casamento. Esta também seria a solução nos termos do artigo 830.º do C. Civil, que só
admite a execução específica quando esta seja compatível com a obrigação resultante
da promessa e a natureza do casamento não é compatível com a sua celebração
coerciva.

 Âmbito da indemnização.

A propósito dos efeitos da promessa de casamento e, em particular, no tocante ao


direito de indemnizar, é importante compreender o que na lei se contempla a este
respeito.

Para uma melhor percepção, interessa analisar tal direito em dois aspectos distintos,
designadamente, quanto aos sujeitos e quanto ao objecto.

- Quanto aos sujeitos

Sujeito activo

A indemnização só pode ser pedida pelo nubente inocente, pelos pais ou por terceiros
que tenham agido em nome daqueles, como resulta expressamente do disposto pelo
nº 1 do artigo 22º da Lei da Família.

Não são sujeitos activos terceiros que não tenham agido em nome dos pais do
inocente.

Sujeio passivo

Em primeiro lugar, a obrigação de indemnizar caberá ao promitente culpado, ou seja,


àquele que tenha rompido sem justa causa a promessa, conforme resulta do disposto
pelo nº 1 do artigo 22º da Lei da Família. De acordo com a mesma disposição legal,
culpado será também o promitente que, por culpa sua, tenha dado causa ao
rompimento legítimo da promessa pela outra parte.

A lei não enumera as situações que constituem justo motivo para o rompimento da
promessa, sendo confiada no julgador a responsabilidade de ajuizar, caso a caso, se
existe ou não aquele motivo. No geral poderá dizer-se que haverá justo motivo ou
justa causa quando segundo as concepções que dominam a esfera social dos nubentes,
a continuação do noivado e a celebração do casamento não possam ser razoavelmente
exigidas a um ou a ambos os esposados.

64
Um exemplo pode ser aquele em que um dos promitentes, sem invocar qualquer
razão, rompe a promessa. Por não existir justo motivo, o promitente que rompe a
promessa passa a ser sujeito passivo da obrigação de indemnizar.

Um outro exemplo de justo motivo poderá ser o facto dum dos promitentes ter
mantido, depois da promessa de casamento, relação amorosa com terceira pessoa de
que vem a nascer um filho. Por ser exigível que os promitentes adoptem um
comportamento compatível com a sua condição de indivíduos que assumiram o firme
compromisso de celebrar casamento, não será exigível que o promitente fiél cumpra o
acordado. No exemplo dado, o promitente fiél poderá romper a promessa (com justo
motivo) e o promitente infiél será o culpado, por ter dado causa a que aquele
rompesse a promessa.

No entanto, para que se possa reconhecer como válido o justo motivo, o facto que lhe
der causa terá de ser anterior à própria retratação, competindo ao nubente que se
retratiu fazer prova desse facto.

- Quanto ao objecto

Sobre o que poderá incidir o direito de indemnizar?

Como se alcança, de forma expressa, do preceituado pelo nº 1 do artigo 22º da Lei da


Família, a indemnização abrange as despesas que tenham sido realizadas, bem como
as obrigações contraídas, na previsão da realização do casamento.

Portanto, não se contemplam na indemnização os lucros cessantes, os danos


emergentes e os danos morais.

As partes terão de observar o disposto na última parte do n.º 1 do artigo 19.º da Lei
da Família, isto é, não poderão ser reclamadas outras indemnizações que não sejam as
previstas no artigo 22.º da Lei da Família.

Deste modo, a clásula penal não poderá funcionar no sentido de serem reclamadas
outras indemnizações para além das despesas feitas ou obrigações contraídas na
previsão do casamento. Em rigor, a cláusula penal só pode funcionar no sentido
limitativo, mas nunca para conferir ao lesado uma indemnização superior às despesas
efectivamente feitas ou obrigações efectivamente assumidas na previsão do
casamento.

Uma outra questão que se poderia levantar seria a de saber se, paralelamente às
indemnizações previstas pelo artigo 22º da Lei da Família, não poderá existir uma
outra indeminização, que tenha por base as regras gerais da responsabilidade civil.

A resposta a dar a esta questão será necessariamente negativa.

Na verdade, não se compreenderia que a Lei da Família, por um lado estabelecesse


restrições no artigo 19.º, n.º 1, e por outro lado desse uma abertura plena. Seria, no
mínimo, uma situação ilógica e incongruente.

65
Ainda no relativo ao regime da promessa de casamento, é importante salientar que,
mesmo quando se comprove a existência de despesas feitas ou obrigações contraídas
na previsão do casamento, atento ao disposto no n.º 3 do artigo 22.º da Lei da Família,
a indemnização terá que ser fixada segundo o prudente arbítrio do tribunal,
atendendo no seu cálculo, não só à medida em que aquelas despesas e obrigações se
mostrarem razoáveis perante as cirscunstâncias do caso concreto e à condição
económica dos contraentes, bem como às vantagens que, independentemente do
casamento, umas e outras possam ainda proporcionar.

Do que acabamos de mencionar, retira-se que, neste tipo de contrato, não é


necessariamente observado o princípio geral da reposição da situação que existiria se
não fosse o evento causador do prejuízo, previsto no artigo 562.º do C. Civil.

O legislador entendeu que se o princípio do artigo 562.º do C. Civil fosse integralmente


observado, nos casos em que a indemnização fosse demasiado alta, o promitente
faltoso poderia ser levado facilmente a celebrar casamento, contra a sua vontade,
como modo de se ver livre da obrigação de indemnizar, com todas as nefastas
consequências que daí resultariam. A preocupação do legislador foi, neste caso, de
assegurar que o casamento se baseie no livre consentimento e, como tal, a vontade de
casar não seja determinada por outros factores.

Deste modo que se explique que, no atinente ao regime jurídico, na promessa de


casamento se estipulem regras distintas do contrato-promessa e dos contratos em
geral.

Importa também ter presente que a não realização do casamento por incapacidade
dolosa (o conceito de dolo consta do artigo 253.º do C. Civil) do nubente, do mesmo
modo, dá lugar a indemnização, conforme se vê do estatuído pelo n.º 2 do artigo 22.º
da Lei da Família.

A esta situação aplicam-se as regras já referidas quanto ao rompimento da promessa,


por culpa de um dos promitentes.

Como se acaba de ver, um primeiro efeito jurídico relaciona-se com o direito de


indemnizar. Indemnização que respeitará apenas, como já se disse, as despesas que
tenham sido efectuadas, assim como as obrigações que tiveram sido contraídas, na
previsão da realização do casamento.

 Obrigação de restituir

Um outro efeito tem a ver com o dever ou, por outras palavras, com a obrigação de
restituir.

Conforme resulta do disposto pelo artigo 20.º da Lei da Família, o dever de restituir
incide:

- sobre os donativos que cada um tenha dado ao outro (n.º 1);

- sobre os donativos que cada um deles tenha recebido de terceiro (n.º 1); e

66
- sobre cartas e retratos pessoais do outro promitente (n.º 2).

Mas, para que haja lugar à obrigação de restituir, exige a lei a verificação de um
requisito essencial, que consiste no facto de se impôr que o donativo tenha sido feito
por virtude da promessa e na pressuposição da realização do casamento.

Restituição que opera nos moldes do que se acha estabelecido para a nulidade ou para
a anulabilidade do negócio jurídico e não do que se encontra previsto no
enriquecimento sem causa, como resulta claramente da parte final do n.º 1 do artigo
20.º da Lei da Família.

Portanto, como se pode concluir, a lei impõe que se verifique a existência de nexo
objectivo entre o donativo e a promessa de casamento, o qual terá de ser feito sempre
na expectativa de que o matrimónio se realizará.

Por outro lado, deve ter-se em atenção, entretanto, que as coisas, que se tenham
consumido antes da retratação, não se encontram abrangidas pelo dever de restituir,
conforme preceitua expressamente o n.º 2 do artigo 20.º da Lei da Família.

Finalmente, ainda relacionado com a obrigação de restituir, no artigio 21.º da Lei da


Família, fixam-se as regras a seguir, quando o casamento deixe de realizar-se por
virtude da morte de um dos promitentes.

De acordo com o princípio consagrado pelo n.º 1 do aludido preceito, o promitente


sobrevivo perde o direito de exigir a restituição de donativos, que tenha falecido, se
conservar consigo os que recebera dele, exceptuando-se a correspondência e os
retratos pessoais.

 Prazo de caducidade da acção

Para finalizar esta matéria, interessa fazer alusão ao facto do direito de exigir a
restituição de donativos ou de indemnizar caducar ao cabo de seis meses, contados
desde a data em que teve lugar o rompimento ou em que ocorreu a morte do
promitente, como resulta claramente do disposto pelo artigo 23.º da Lei da Família.

C – PRESSUPOSTOS DA CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO

Pressupostos da celebração do casamento tem o mesmo sentido que capacidade


matrimonial ou requisitos para o casamento.

A propósito de pressupostos, costuma-se afirmar que a técnica centrada na figura dos


impedimentos foi importada da doutrina canónica pela doutrina civilista.

Por essa razão, em vez de se estudar o que é preciso para que se verifique um
casamento válido e regular entre duas pessoas, analisa-se, antes, quais são obstáculos
à verificação válida e regular de um casamento.

E, deste modo, que surge a figura dos impedimentos matrimoniais.

67
Do que se dispõe no artigo 29.º da Lei da Família pode concluir-se, que terá capacidade
matrimonial quem não estiver atingido pelos impedimentos matrimoniais previstos
pela lei.

Assim sendo, pode entender-se por impedimentos matrimoniais as circunstâncias que,


de qualquer modo, impedem a celebração de casamento; ou de outro modo, as
circunctâncias que, uma vez verificadas, impedem ou obstam a celebração do
casamento, sob pena de anulabilidade ou da aplicação de outras sanções.

É também comum apresentar várias classificações para impedimentos matrimoniais.


Contudo, vamo-nos cingir àquelas classificações que mais nos interessam, por
encontrarem consagração na lei.

Uma primeira classificação que poderá ser encontrada, é a que distingue os


impedimentos matrimoniais dirimentes e em impedientes.

No rigor da sua origem etmológica impedimento dirimente é aquele que dirime a


validade de um acto, tornando neste caso o casamento nulo. Portanto, o termo
“dirime” está aqui usado com o significado de destruir ou de prejudicar a validade do
casamento.

Porém, a verdade é que, para o caso a verificação de impedimento dirimente, a lei não
consagra a nulidade do casamento, mas tão só a sua anulabilidade, conforme se vê dos
artigos 30.º, 31.º e 56.º, al. a), da Lei da Família.

Podemos então afirmar que os impedimentos dirimentes são aqueles que obstam à
celebração do casamento sob pena de anulabilidade. Ou seja, se, apesar da existência
dum impedimento dirimente, por qualquer motivo, nomeadamente o
desconhecimento, o casamento é celebrado, o mesmo será anulável.

Por seu lado, por impedimentos impedientes deve entender-se aqueles que, não
acarretando a anubilidade do casamento, simplesmente obstam a que ele se realize
licitamente. Consequentemente, o casamento celebrado a existência de impedimento
artigos 32.º, 73.º e 74.º da Lei da Família.

No caso dos impedimentos impedientes, estes são meramente proibitivos, no sentido


de que obstam à celebração do casamento, ou seja, que proibem o funcionário de o
realizar, mas sem afectar, em si, a sua validade.

Caso o casamento tenha sido celebrado, havendo impedimento impediente – artigo


32.º da Lei da Família - estarão os cônjuges sujeitos às sanções impostas por lei nos
artigos 73.º e 74.º da Lei da Família, as quais revestem, normalmente, natureza
económica, pemanecendo, no entanto, válido o casamento.

Dentro da categoria dos impedimentos dirimentes é possível subdividi-los ainda em


duas categorias: os impedimentos dirimentes absolutos e e os impedimentos
dirimentes relativos.

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São dirimentes absolutos, aqueles que obstam uma pessoa de se casar com quem quer
que seja. São, portanto, aqueles impedimentos que, por gerarem autênticas
incapacidades, impedem a pessoa, a quem respeitam, de poder casar com qualquer
outro indivíduo.

Trata-se, como se pode ver, de verdadeiras incapacidades. Esta espécie de


impedimentos acha-se devidamente prevista no artigo 30.º da Lei da Família.

São dirimentos relativos, aqueles que apenas obstam uma pessoa de casar com certa
ou certas pessoas, ou seja, são impedimentos que apenas obstaculizam ao casamento,
entre si, daquelas que o pretendam celebrar. Por isso, pode-se dizer que se trata de
verdadeiras iligitimidades.

Esta espécie de impedimentos encontra-se regulada no artigo 31.º da Lei da Família.

Tendo por base as soluções adoptadas pela lei, quanto aos impedimentos impedientes,
é possível ainda diferenciar entre impedimentos impedientes dispensáveis e não
dispensáveis, consoante se admita ou não a sua dispensa.

Para tal efeito, dispensa é o acto pelo qual a autoridade competente, tendo em
atenção as circunstâncias especiais do caso concreto, autoriza a celebração do
casamento, a despeito da verificação do impedimento. Ou seja, ao conceder a
dispensa, a autoridade que autoriza a celebração do casamento, está a passar por de
cima do impedimento por considerar que, no caso concreto se verificam razões de
interesse público ou relativas às famílias dos nubentes, que constituem circunstâncias
peculiares que justificam que a permissão se sobreponha aos interesses de ordem
geral, em que assenta a proibição.

Numa situação em que os nubentes já se encontrem a viver em comunhão de cama,


mesa e habitação há vários anos e da relação existam filhos, poderá justificar-se a
dispensa dos impedimentos impedientes (os dispensáveis).

Saliente-se que, como resultado das alíneas a), b) e c), do nº 1 do artigo 37.º da Lei da
Família, são apenas três os casos em que a lei admite a possibilidade de dispensa.

Como se vê daquelas disposições legais, a dispensa só se verificará relativamente ao


seguinte tipo de impedimentos impedientes:

- parentesco no 4º grau da linha colateral;

- vínculo que liga o acolhido aos cônjuges da familia de acolhimento; e

- vínculo da tutela, curatela ou administração de bens, desde que as respectivas contas


se encontrem devidamente aprovadas.

A dispensa compete ao Conservador ou, se algum dos nubentes for menor, ao Tribunal
de Menores, tal como previsto no n.º 2 do artigo 37.º da Lei da Família, seguindo o
processo regulado nos artigos 327.º e 328.º do Código do Registo Civil.

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Sendo um dos nubentes menor, o processo a ser seguido pelo Tribunal de Menores
vem regulado na Lei n.º 8/2008, de 15 de Julho, que aprova a Organização Tutelar de
Menores, que no seu artigo 148 remete ao artigo 1425.º e seguintes do C. P. Civil.

O impedimento impediente da oposição dos pais ou tutor, pode ser suprido por
decisão judicial, estando o processo regulado no artigo 329.º e seguintes do Código do
Registo Civil.

IMPEDIMENTOS DIRIMENTES

Recordando o que já se disse anteriormente, os impedimentos dirimentes podem


classificar-se em dirimentes absolutos e em dirimentes relativos.

Por tal razão, que se imponha analisar cada espécie, de forma separada.

- IMPEDIMENTOS DIRIMENTES ABSOLUTOS

Os impedimentos dirimentes absolutos, que a lei estabelece, são os previstos pelo


artigo 30.º da Lei da Família, a saber:

- a falta de idade nupcial;

- a demência; e

- o casamento anterior não dissolvido.

Passaremos, de seguida, a apreciar cada um destes impedimentos.

• A falta de idade nupcial

A lei fixa uma idade mínima para que se possa celebrar o casamento.

Como tal, todo aquele que não possua a idade mínima estabelecida por lei, não pode
contrair validamente casamento.

Deste modo, não pode contrair matrimónio quem não tiver completado 18 anos de
idade.

Ao abrigo do n.º 2 do artigo 30.º da Lei da Família, excepcionalmente, o indivíduo com


menos de 18 anos e mais de 16 anos poderá contrair casamento, quando ocorram
circunstâncias de reconhecido interesse público e familiar e houver autorização dos
representantes legais. Uma situação enquadrável na excepção poderá ser a existência
de filhos resultantes da união entre os nubentes.

E, quando se celebrar casamento em violação do estatuido por lei, relativamente à


idade nupcial, cair-se-á, por consequência, na alçada das sanções consignadas pelo
comando normativo, para os impedimentos dirimentes.
70
Tal sanção será a anubilidade do casamento, que vem prevista na al. a) do artigo 56.º
da Lei da Família.

A anublidade do casamento, por falta de idade nupcial, mostra-se regulada nos artigos
57.º, 58.º , nº 1, al. a), 63.º e 67.º, n.º 1, al. a), todos da Lei da Família.

Deste modo, têm legitimidade para propôr a acção de anulação as pessoas


mencionadas nos nºs 1 e 2 do artigo 63.º da Lei da Família, sendo:

- os cônjuges;

- qualquer perante na linha recta;

- qualquer parente da linha colateral, até ao 4º grau;

- os herdeiros dos cônjuges;

- os adoptantes dos cônjuges;

- o Ministério Público;

- o tutor;

- o curador.

Os prazo dentros dos quais a acção pode ser instaurada vêm previstos no artigo 67.º,
n.º 1, al. a), da Lei da Família. Assim, o cônjuge que tiver contraido casamento sem
idade núbil pode instaurar a acção até seis meses depois de ele atingir a maioridade,
enquanto que as restantes pessoas com legitimidade podem fazé-lo dentro de um ano
depois da celebração do casamento, mas nunca depois da maioridade ou emancipação
plena.

A propósito da emancipação plena convirá ter presente as noções apreendidas


aquando do estudo da Teoria Geral da Relação Jurídica e, designadamente, do que se
acha estabelecido nos artigos 132º, 133º, 134º, 135º e 136º, todos do C. civil.

Há, sem dúvidas, uma incongruência na fixação dos prazos acima referidos. A idade
núbil é fixada em 18 anos e excepcionalmente em 16 anos, o prazo de um ano para as
restantes pessoas jamais poderá prolongar-se até à maioridade, que é atingida aos 21
anos. Poderá fazer sentido aquela disposição legal se num futuro exercício legislativo a
maioridade for fixada em 18 anos.

Passemos agora em análise os aspectos relativos ao regime jurídico da anubilidade.

Como se sabe, o vício da anubilidade de qualquer acto ou negócio jurídico não pode
ser invocado a todo o tempo, porque está sujeito a prazos, fixados imperativamente
pela lei.

71
Daqui decorre que a interposição da acção de anulação, que tenha por fundamento a
existência de impedimento dirimente absoluto baseada na falta de idade nupcial, está
sujeita também a prazos.

Aspecto importante a destacar ainda, a propósito deste impedimento, é a


possibilidade que há da sua convalidação, isto é, a possibilidade da sanação da
anulabilidade, que se mostra prevista na al.a) do nº1, do artigo 58.º da Lei da Família.

Significa isso que, por efeito da sanação da anubilidade, o casamento se mantém


válido desde o momento da sua celebração, desde que antes de transitar em julgado a
setença de anulação, o menor, que não possuia idade nupcial, venha a confirmá-lo
perante o funcionário do registo civil e duas testemunhas, após ter atingido a
maioridade ou ter sido plenamente emancipado.

Relacionado também com a idade para casamento valerá a pena, por último, dar uma
breve ideia de como esta questão é tratada por outras legislações.

Em Portugal, a partir da reforma legal de 1977, pode contrair casamento quem tiver
mais de 16 anos de idade (artigo 1601.º do C. Civil português).

Na Guiné-Bissau, com a entrada em vigor da Lei n.º 5/76, de 4 de Maio e tendo em


conta o princípio da igualdade entre homem e mulher previsto na Constituição
daquele país, a idade nupcial, prevista no artigo 1601.º do C. Civil de Guiné-Bissau
passou a ser de 16 anos para ambos os sexos.

O Código da Família de Angola, aprovado pela Lei n.º 1/88, de 20 de Fevereiro, fixa no
n.º 1 do seu artigo 24.º a idade núbil em 18 anos. O n.º 2 do artigo 24.º do C. Civil
angolano admite, mediante autorização do representante legal, o casamento de
homem que tenha completado 16 anos e de mulher que tenha completado 15 anos,
quando poderandas circunstâncias do caso e tendo em conta o interesse dos menores,
seja o casamento a melhor solução.

No Botswana, nos termos da Secção 15 da Lei do Casamento de 2000 (Marriage Act


200022), nenhum menor com idade inferior a 21 anos, que não seja viúvo ou viúva,
poderá contrair casamento sem o consentimento dos pais ou das pessoas que o tem à
sua guarda. Tal menor, de acordo com a Secção 14 daquela mesma Lei, só poderá
contrair casamento se tiver mais de 18 anos de idade.

Nos casos em que o menor é órfão e não está à guarda de pessoa adulta, a Lei do
Botswana manda que o consentimento seja prestado pelas autoridades
administrativas locais do lugar da residência.

Por via de regra, a idade nupcial tem muito a ver com regras de ordem fisiológica e
psicológica, as quais variam bastante de país para país, embora se verifique uma
tendência crescente para ligar a idade mínima para casamento à idade em que se
atinge a maioridade. Com a fixação de idade mínima para o casamento pretende-se
assegurar que os nubentes tenham a necessária maturidade psicológica para assumir

22
A Lei entrou em vigor no dia 28 de Dezembro de 2001.

72
as responsabilidades decorrentes do casamento e que fisicamente estejam preparados
para o cumprimento dos deveres conjugais, dentre os quais o do débito conjugal.

• A Demência e a interdição por anomalia psíquica

Em relação a este impedimento dirimente absoluto é importante ter presente que, no


nosso caso, a noção jurídica de demência não coincide com o conceito apresentado
pela psquiatria.

Para o direito civil, demência é o mesmo que anomalia psíquica ou mental.

É qualquer anomalia mental que se projecte no domínio, quer da inteligência, quer da


vontade, de tal modo, que impeça o indivíduo de se governar, ou seja, de reger a sua
própria pessoa e os seus bens.

Estabelece a lei, na al. b) do n.º 1 do artigo 30.º da Lei da Família, que constitui
impedimento dirimente absoluto, a demência notória, ainda que durante os intervalos
lúcidos23, bem como a interdição ou a inabilitação por anomalia psíquica.

Deste modo, pode concluir-se que se exige que a demência seja notória, mesmo que
não haja decisão judicial anterior a decretar a interdição ou a inabilitação do demente.

Note-se, entretanto, que para o artido 30.º da Lei da Família a palavra notória está ali
usada em sentido diferente da utilizada no artigo 257.º do C. Civil quanto à
incapacidade acidental.

Como se pode ver, no n.º 2 do artigo 257.º do C. Civil considera-se notória a


incapacidade que seja reconhecível para uma pessoa medianamente arguta.

Já para o caso do artigo 30.º da Lei da Família, a demência será notória, não só quando
fôr do conhecimento do outro nubente ou fôr objectivamente reconhecível, mas
também quando fôr geralmente reconhecida no meio social, embora possa ser
eventualmente ignorada do outro nubente, principalmente nos casos de interválos
lúcidos.

Neste sentido também se posicionam Antunes Varela e Pires de Lima24 para quem “por
demência notória entende a lei, não só a que é visível, ostensiva, patente, observável
por quem quer que seja, mas também a que é geralmente conhecida no meio, não se
tornando necessário que ela seja reconhecível para o outro nubente, ou deste
conhecida, como seria se o impedimento fosse ditado no interesse particular do outro
contraente”.

Passemos agora a analisar a primeira questão, acima levantada – ter-se celebrado


casamento no decurso de intervalo de lucidez. Relativamente a esta questão a própria
lei é clara.

23
Na República da África do Sul, no caso [Prinsloo’s Curator Bouris v. Crafford and Prinsloo, 1905, T.S.]
foi decidido que o casamento celebrado durante lucidum intervallum era válido, desde que o nubente
estivesse em condições de compreender a natureza e as consequências do casamento.
24
Código Civil Anotado, Volume IV, 2ª Edição Revista e Acualizada, Coimbra Editora, 1992, pg. 83

73
Uma vez que a demência sempre tem de ser notória, para a lei não importa se o
demente estava ou não lúcido, no momento em que contraiu matrimónio. O que
apenas interessa saber é se a demência se manifestava de forma notória, e nada mais.

Se a demência era notória, para efeitos jurídico-legais, deixa de ter interesse saber se o
demente estava ou não lúcido, quando celebrou o casamento. Pois, a lei não protege
nem atribui qualquer espécie de relevância jurídica a esse facto.

Quanto a interdição e à inabilitação por anomalia psíquica, não se suscitam problemas


de maior, tendo em conta a força probatória da decisão judicial em que assentam
aquelas duas figuras.

Note-se, no entanto, que, para efeitos jurídicos, só se estará perante interdição ou


inabilitação, quando já tenha havido decisão judicial a decretá-las.

Como último comentário importa destacar que a demência, enquanto impedimento


matrimonial, só tem relevância jurídica se existia já à data da celebração do
casamento.

Portanto, quando a demência tenha surgido em momento posterior ao casamento, ela


já não poderá constituir impedimento matrimonial e, consequentemente, não poderá
servir de fundamento para um pedido de anulação de casamento. Poderá, isso sim, ser
fundamento da separação judicial de pessoas e bens e divórcio litigioso, nos termos do
artigo 181.º, n.º 1, al. b), conjugado com o artigo 203.º da Lei da Família. Neste último
caso, a demência terá que ser incurável, e naturalmente carece de confirmação pelas
entidades de saúde.

Posto isto, interessará agora saber quem terá legitimidade para poder intentar a
respectiva acção de anulação e em que prazo ele deve ser instaurada.

No que respeita à primeira questão, a resposta vem contida no artigo 63.º da Lei da
Família. Têm, assim, legitimidade para propôr a acção de anulação as pessoas
indicadas atrás, quando tratámos do primeiro impedimento dirimente absoluto.

E, quanto aos prazos, eles são os mesmos que referimos para o caso da falta de idade
nupcial, quando tenha havido interdição ou inabilitação por anomalia psíquica.

Os impedimentos da demência notória, interdição e inabilitação por anomalia psíquica,


fundam-se em razões de ordem psicológica, eugénica e social.

Razões de ordem psicológica pois os nubentes devem ter a consciência do acto que
praticam. Para além de razões de ordem psicológica, a lei também pretende evitar a
transmissão hereditária das taras psíquicas e a celebração de casamentos instáveis
devido as anomalias de temperamento de um dos cônjuges que até podem resultar
em actos de violência. É essencialmente por este último conjunto de razões que se
justifica a manutenção do impedimento mesmo durante os intervalos lúcidos, pois
nestes o nubente demente tem a consciência do acto que pratica.

74
Relacionado com a demência, pergunta-se também que valor poderá ter o casamento,
quando alguém case em estado de embriaguês, em estado de delírio, intoxicado ou,
por qualquer modo, se encontre acidentalmente privado das sua faculdades mentais.

A resposta a esta última questão terá de ser encontrada, com recurso ao preceituado
pelos artigos 56.º, al. ab), e 60.º, al. a), da Lei da Família.

Assim, se a privação das faculdades mentais fôr de tal ordem, que exclua a capacidade
de querer ou de entender, ou seja, exclua o próprio casamento – no sentido
estritamente pessoal de querer casar, então o casamento será anulável. Todavia, se o
nubente mantinha a normal capacidade de querer e de entender, de modo a perceber
o acto que estava a praticar – a celebração do casamento, ainda que as suas
faculdades mentais estivessem diminuidas no momento da prática daquele acto, o
casamento não se poderá anular, ele será válido.

A este propósito importa atentar que, quando a privação das faculdades mentais atinja
nível tal que determine exclusão da capacidade de querer e de entender, a pessoa não
está em condições de poder manifestar, de modo livre e esclarecido, a vontade de
contrair casamento, como exige tanto o artigo 43.º da Lei da Família, bem como o
artigo 190.º, n.º 1, al. e) do C. Reg. Civil.

Quando o fundamento invocado para a anulação do casamento tenha por base a


privação temporária das faculdades intelectuais, as regras respeitantes à legitimidade
para prôpor a acção de anulação e aos prazos para a intentar, já não são as que acima
se fez referência.

Num caso deste tipo, falta de vontade, a acção de anulação somente poderá ser
intentada pelo cônjuge, em relação ao qual a vontade faltou.

Com isto não se quer dizer que não possam prosseguir na acção outras pessoas.

De facto, de acordo com o disposto pelo nº 2 do artigo 64.º da Lei da Família, podem
continuar a lide, se o cônjuge tiver falecido na dependência da causa:

- os parentes na linha recta;

- os afins na linha recta;

- os herdeiros; e

- os adoptantes.

E, quanto ao prazo para propôr a acção fundada na falta de vontade, de acordo com o
artigo 68.º da Lei da Família, ela terá de ser intentada até um ano após a celebração do
casamento.

• Vínculo matrimonial anterior não dissolvido

O terceiro e último impedimento dirimente absoluto, estatuido pela lei, na al.c) do


artigo 30.º da Lei da Família, parece não suscitar grandes dúvidas.

75
O objectivo central do legislador terá sido o de evitar a verificação de situações de
bigamia, o que afinal de contas já se considerava como crime, conforme o estipulado
no artigo 337º do C. Penal.

Ao abrigo da lei anterior, o impedimento do casamento anterior não dissolvido existia,


mesmo quando este não se mostrasse registado. Compreende-se que assim fosse, pois
vigorava o sistema de casamento civil obrigatório. Não é o caso hoje, porque a lei
admite três modalidades de casamento: o civil, o religioso e o tradicional. Assim sendo,
apenas o registo é que permitirá a prova da existência de um casamento anterior não
dissolvido.

O artigo 30.º da Lei da Família refere-se à dissolução do casamento, matéria essa que
será objecto de tratamento em fase mais avançada deste curso.

Porém, neste momento interessará reter que por dissolução do casamento, e só para o
efeito do combinado por aquele preceito legal, se deverá entender a que resulta da
morte, do divórcio e da anulação do casamento. Um casamento inexistente, que nem
sequer produz efeitos putativos, jamais poderá constituir impedimento matrimonial.

A obrigatoriedade de registo abrange todos os casamentos mencionados no artigo 75.º


da Lei da Família, incluindo os celebrados fora do País. Só depois de efectuado o
registo, é que poderão ser invocados para efeitos do impedimento matrimonial que
temos vindo a tratar.

Uma outra questão é relativa aos casamentos católicos, que eram admitidos ao abrigo
do Código Civil, antes da entrada em vigor da Constituição de 1975, e depois da
entrada em vigor da nova Lei da Família, a par de outros casamentos religiosos.

A este propósito, é preciso ter sempre presente a data em que se celebrou este tipo de
casamento, havendo que distinguir três períodos:

 antes de 25 de Junho de 1975;


 depois de 25 de Junho de 1975 mas antes da entraga em vigor da Lei da
Família;
 depois da entrada da Lei da Família

Se o casamento católico tiver sido celebrado antes de 25 de Junho de 1975 e tiver sido
registado, por transcrição, constitui impedimento dirimente absoluto.

Se, pelo contrário, o casamento católico tiver sido contraído depois de 25 de Junho de
1975 mas antes da entrada em vigor da nova Lei da Família, já não constituirá
impedimento matrimonial, uma vez que a lei não lhe atribuia qualquer relevância
jurídica. O mesmo se diga em relação aos demais casamentos religiosos celebrados
naquele período.

Aliás, nem sequer poderia configurar-se a possibilidade da transcrição deste tipo de


casamento, tendo em conta que o sistema que imperava era o do casamento civil
obrigatório, embora se admitisse o registo de casamentos celebrados segundo os usos
e costumes locais.

76
Mas a partir de 22 de Fevereiro de 2005, com a entrada em vigor da Lei n.º 10/2004,
de 25 de Agosto, três modalidades de casamento são admitidos. Bastará que o
casamento esteja registado, qualquer que seja a sua modalidade, para constituir
impedimento matrimonial.

A outra questão prende-se com a figura da presunção de morte.

A problemática da morte presumida, bem como da ausência, estão intimamente


ligadas entre si, tendo sido objecto de estudo da disciplina de Teoria Geral da Relação
Jurídica.

Vejamos, no entando, a solução quando se trata de casamento civil.

A lei estabelece, de forma precisa, que quando tiver sido declarada a morte presumida
de um dos cônjuges, o outro pode contrair novo matrimónio ( n.º 1 do artigo 116º do
C. Civil).

E, na eventualidade do ausente aparecer, regressar ou dar notícias, tal facto acarreta a


dissolução automática do anterior casamento, pela via do divórcio – nº 1 do artigo
116º do C. Civil, com efeitos considerados a partir da data da declaração da morte
presumida.

Assim sendo, num caso deste género, nunca poderá ocorrer a situação prevista pela al.
c) do artigo 30.º da Lei da Família.

Uma última questão que se poderia levantar está relacionada com a existência de
vínculo matrimonial assente em casamento celebrado antes da entrada em vigor da Lei
da Família, segundo os usos e costumes locais.

A este propósito interessa referenciar, que, desde 1976, com as alterações


introduzidas ao Código do Registo Civil, pelo Decreto n.º 21/76, de 22 de Maio, a lei
atribuia eficácia jurídica aos casamentos celebrados segundo os usos e costumes
locais, quando tivessem sido transcritos no registo civil, conforme resultava do
preceituado pelo nº 4 do artigo 4º do referido C. Reg. Civil.

A nova Lei da Família também admite a celebração dos casamentos tradicionais. Deste
modo, os casamentos tradicionais celebrados depois de 1976 só constituirão
impedimentos matrimoniais se tiverem sido registados.

Para a propositura da acção de anulação ou para prosseguir nela, tendo por


fundamento o impedimento dirimente fixado na al. c) do artigo 30.º da Lei da Família,
têm legitimidade as seguintes pessoas indicadas no artigo 63.º da mesma Lei: os
cônjuges, parente na linha recta e até ao quarto grau da linha colateral, herdeiros e
adoptantes dos cônjuges e o primeiro cônjuge do infractor. Tem também legitimidade
o Ministério Público.

A acção de anulação com fundamento na existência de casamento anterior registado e


não dissolvido deve ser instaurada no prazo de um ano a contar da celebração do
casamento, tal como vem previsto no artigo 67.º, n.º 1, al. b), da Lei da Família. No

77
entanto, deverá também tomar-se em consideração a regra estabelecida no nº 2 do
aludido preceito legal, de acordo com a qual tal acção não poderá ser instaurada nem
prosseguir enquanto estiver pendente acção de anulação do primeiro casamento do
bígamo.

A disposição acima referida também contempla acções de declaração de nulidade do


casamento. A nossa lei não prevê o vício da nulidade do casamento, mas nada obsta
que, tendo em conta a competência internacional dos tribunais moçambicanos, possa
ser instaurada acção de declaração de nulidade de um casamento quando a lei
substantiva aplicável, designada pelas normas de conflito, seja estrangeira e esta
preveja aquele tipo de vício. No caso do Brasil, por exemplo, o artigo 1548 do Código
Civil de 2002 estabelece que é nulo o casamento contraído existindo um impedimento
matrimonial25.

Por força do disposto no artigo 67.º, n.º 2, última parte, da Lei da Família, no caso em
que o segundo casamento é celebrado estando ausente o primeiro cônjuge, a anulação
fica dependente da prova de que este (o primeiro cônjuge do bigamo) era vivo à data
da celebração do casamento. Portanto, a acção pode ser intentada, mas o tribunal,
antes de decretar a anulação, terá de obter do autor a prova de que o primeiro
cônjuge do bigamo era vivo no momento da celebração do segundo casamento.

Dever-se-á entender que o n.º 2 do artigo 67.º da Lei da Família refere-se à ausência
presumida e à ausência justificada, mas já não à morte presumida que, como vimos,
produz os mesmos efeitos da dissolução do casamento.

Em relação ao prazo para anulação do casamento com fundamento na existência de


casamento anterior não dissolvido, a Lei n.º 10/2004, de 25 de Agosto veio introduzir
uma modificação que pode, na prática, trazer sérias dificuldades na sua aplicação.

Com efeito, o artigo 1643.º, n.º 1, al. c), do C. Civil, fixava um prazo de até seis meses
depois da dissolução do casamento para a instauração da acção de anulação fundada
na existência de casamento anterior não dissolvido26.

Dada a gravidade do impedimento, o legislador da época entendeu que a possibilidade


de anulação deveria existir enquanto a situação de bigamia prevalecesse e só
decorridos seis meses depois da dissolução (por morte ou divórcio) do segundo
casamento, se justificava, por razões de segurança jurídica, a caducidade do direito à
acção. Naturalmente que o legislador partiu do pressuposto de que no âmbito do
processo de divórcio e, normalmente, no período imediato ao falecimento de um dos
cônjuges, seriam suscitadas as questões inerentes aos efeitos decorrentes do
casamento e o mais provável seria que a questão da existência do casamento anterior
fosse posta, desencadeando-se imediatamente, se fosse o caso, a acção de anulação
do segundo casamento.

25
A lei brasileira diferencia os impedimentos matrimoniais das causas suspensivas do casamento, que
entre nós teriam a designação de impedimentos impedientes.
26
A mesma solução ainda vigora em Portugal, tendo também sido mantida na Guiné-Bissau e Macau.

78
A nova disposição, o artigo 67.º da Lei da Família, fixa um prazo de um ano após a
celebração do segundo casamento do bigamo. Isso significa que, decorrido tal período,
prevalecendo a situação de bigamia, nada mais pode ser feito. Óbvio que tal solução,
que até resulta na consagração indirecta da poligamia, suscita a questão de saber se,
decorrido tal prazo de caducidade, os dois casamentos do bígamo passam a produzir
efeitos validamente, já que a lei não contempla a sanção de nulidade do casamento.

Tanto no aspecto dos efeitos pessoais como no que aos efeitos patrimoniais diz
respeito, não existe nenhum regime legal estabelecido para situações de poligamia27.

Coloca-se então a questão de saber, em relação a qual dos cônjuges o bigamo deve
cumprir o dever de coabitação ou de fidelidade; mais ainda, numa situação em que
tanto o primeiro casamento como o segundo casamento são celebrados segundo o
regime de comunhão geral ou de comunhão de adquiridos, haveria uma sobreposição
de efeitos.

O Código da Família de Angola, aprovado pela Lei n.º 1/88, de 20 de Fevereiro, embora
também não preveja o vício de nulidade, para o caso de bigamia admite que a acção
de anulação do segundo casamento do bígamo possa ser instaurada “a qualquer
tempo, mas nunca depois de decorridos dois anos após a dissolução do casamento” 28.

A nosso ver, a solução para o problema apontado passa por uma alteração legislativa.
Justifica-se que, no caso específico do impedimento anterior não dissolvido, a sanção
seja a nulidade29, mas com tratamento específico no que tange aos efeitos putativos,
precisamente para evitar a sobreposição dos efeitos putativos com os efeitos do
casamento anterior não dissolvido do bigamo.

- IMPEDIMENTOS DIRIMENTES RELATIVOS

Os impedimentos dirimentes relativos, como já se sabe, são os que obstam a que uma
pessoa possa casar com certa ou certas pessoas e apenas com essa ou essas, e não
com quaisquer outras. Por essa razão se afirma que se trata de verdadeiras
ilegitimidades.

27
Excepção seja feita ao caso de apanágio previsto no artigo 426.º da Lei da Família, nos termos do qual
a pessoa que se encotrasse a viver com o autor da sucessão em união polígama há mais de 5 anos, tem
direito a ser alimentado pelos rendimentos dos bens deixados pelo de cujus.
28
Ver artigo 70.º, n.º 1, al. c), do Código da Família de Angola.
29
Na Índia, a Lei Especial do Casamento de 1954 (Special Marriage Act 1954) prevê, nas secções 4 e 24,
que o casamento é nulo se existir outro cônjuge vivo no momento do casamento; a mesma solução é
adoptada na Índia pela Lei de Casamento Hindú de 1955 (secções 5 e 11) e é aplicável ao casamento
cristão, tendo em conta o disposto na Lei do Divórcio da Índia de 1869. No caso do casamento
muçulmano, qualquer casamento é nulo se for contraído com mulher de outro homem. A solução da
nulidade também vem consagrada em vários países, designadamente, a África do Sul, Botswana,
Inglaterra e Brasil.

79
No artigo 31.º da Lei da Família encontram-se enumerados os impedimentos
dirimentes relativos. De acordo com o mencionado preceito legal, tais impedimentos
são os que a seguir se indicam:

- o parentesco na linha recta;

- o parentesco até ao 3.º grau na linha colateral;

- a afinidade na linha recta;

- a condenação anterior de um dos nubentes, como autor ou como cúmplice,


por homicídio doloso, ainda que não consumado, contra o cônjuge do outro.

Comparando o texto legal acima com o que vinha disposto no artigo 1602.º do C. Civil,
constata-se que no tocante ao parentesco na linha colateral, atendendo a realidade
sócio-cultural do nosso País, alargou-se o impedimento até ao terceiro grau da linha
colateral.

Na verdade, como é referido por Abdul Carimo e outros, o referido alargamento da


eficácia do parentesco na linha colateral como impedimento dirimente foi
consequência do reconhecimento de “quão fortes são as relações de parentesco no
nosso universo cultural, onde os tios são tidos como autênticos pais e os sobrinhos
vistos como filhos”30.

Outra inovação da Lei da Família que se mostra controversa é a não previsão da prova
da paternidade e maternidade não reconhecidas, no processo preliminar de
publicações.

Antes do Código Civil de 1967, não existia nenhuma previsão expressa sobre a prova
de paternidade não reconhecida no processo de publicações.

Duas teses dividiam, então, a doutrina. Uma era no sentido de que, num caso daquela
natureza, não existiria nenhuma espécie de impedimento matrimonial.

Em defesa desta tese, afirmava-se que não existindo perfilhação ou reconhecimento


judicial de tal parentesco, não se podia atribuir qualquer relevância jurídica ao
parentesco não reconhecido, mesmo para efeitos de declaração de impedimentos
matrimoniais.

Para além disso, adiantava-se que admitir como juridicamente relavante uma tal
situação, seria negar o princípio da individualidade do estado. E, o estado das pessoas
é indivisível.

Assim, se A não fosse considerado juridicamente como filho ou irmão de B, também


não se compreenderia que fosse considerado filho ou irmão, somente para os efeitos
de casamento.

30
Carimo, Abdul e outros, Lei da Família Anotada, UTREL, 2005, pg. 24.

80
A outra tese era no sentido contrário, criticando a primeira por a considerar uma
excelente ilustração dos métodos da jurisprudência dos conceitos, do rígido princípio
lógico do tudo ou nada, tão característico da jurisprudência conceitual.

Para eliminar qualquer tipo de dúvida que se pudesse levantar sobre esta questão, o
Código Civil de 1967 cuidou de tomar posição sobre este problema. O artigo 1603º do
C. Civil, com a epígrafe “Parentesco ilegítimo não reconhecido”, admitia que pudesse
ser feita prova do parentesco não reconhecido apenas para o efeito de impedir a
celebração do casamento.

De acordo com o que era estatuido no nº 1 do aludido preceito legal, no próprio


processo preliminar de publicações poderia ser feita prova de maternidade ou da
paternidade, para efeitos de determinação de existência de um dos impedimentos
dirimentes relativos que eram enunciados nas als. a), b) e c) do artigo 1602 do C. Civil.

Assim sendo, uma vez que se provasse a existência de vínculo de parentesco, tal
vínculo constituia impedimento matrimonial.

Estranhamente, aquela disposição do Código Civil não tem correspondente na nova Lei
da Família. Certamente que o legislador foi traído pela inconstitucionalidade da
referência ao parentesco ilegítimo. A verdade é que apenas a designação era
inconstitucional, mas não se poderia daí ignorar que poderiam existir filhos nascidos
fora da constância do casamento e ainda não reconhecidos31.

É que no silêncio da Lei da Família, instala-se novamente a polémica.

Em defesa da teoria da não consideração do vínculo não reconhecido, para além dos
argumentos que eram apresentados pelos defensores de tal posição antes do Código
de 1966, o aplicador da lei pode ser levado a considerar que, sendo o nascimento um
facto sujeito a registo obrigatório, tal como estabelece o artigo 1.º, n.º 1, al. a), do
Código do Registo Civil, aprovado pela Lei n.º 12/2004, de 8 de Dezembro, não
existindo disposição legal em contrário, tal facto não pode ser invocado para qualquer
que seja o efeito enquanto não for lavrado o respectivo registo, como também dispõe
o artigo 2.º do mesmo Código.

Trata-se, a nosso ver, duma grave omissão do legislador, para uma questão que, muito
antes da entrada em vigor do Código Civil de 1966, era largamente debatida.

Quanto à questão em análise, entendemos existir uma lacuna cuja integração deve ser
feita no espírito do sistema, aceitando-se a prova do parentesco apenas para efeitos
de declaração de impedimento matrimonial, durante o processo de publicações.

Como dizia Cunha Gonçalves 32 , antes do Código Civil de 1967, “reconhecer o


casamento entre pai e filha ou entre irmão e irmã é uma monstruosidade e concluir

31
No Código Civil Português, o artigo 1603.º foi mantido, com uma nova redacção dada pelo Decreto-Lei
n.º 324/2007, de 28 de Setembro. Foi eliminada a referência à ilegitimidade, mantendo-se, no resto, o
texto anterior.
32
Gonçalves, Cunha, Tratado, VI, pg. 126, citado por Pires de Lima e Antunes Varela no Código Civil
Anotado, Vol. IV, 2ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1992, pg. 94.

81
que a lei não permite impedi-lo, é uma singular e estranha maneira de executar a lei e
flagrantemente contrária às regras da denúncia dos impedimentos e seu julgamento”.

E, a nosso ver, assiste razão ao Professor Cunha Gonçalves. É que o impedimento


matrimonial do parentesco se funda, inter alia, em razões de ordem eugénica e moral,
sendo totalmente repugnante aceitar-se o casamento entre mãe e filho ou entre pai e
filha, só pelo facto do registo ainda não se mostrar efectuado. A profunda repugnância
não deixaria de existir simplesmente porque o nascimento ainda não se mostra
registado.

Antunes Varela argumenta que “legalizar tais relações equivalia a descer ao mais baixo
nível de degradação social, segundo as concepções éticas há muito radicadas nos
povos civilizados”33.

De outra maneira, seria fácil cair-se em situações verdadeiramente anómalas, em


termos de ordem pública.

Na verdade, o reconhecimento de paternidade ou de maternidade depende,


essencialmente, da vontade do progenitor ou do próprio filho.

A não ser admitida prova de parentesco para efeitos de declaração de impedimento


matrimonial, seria possível a existência de autênticos casamentos incestuosos e a
termo, na medida em que, quando um pai que tivesse casado com uma filha, e um
deles quisesse, mais tarde, fazer extinguir a relação matrimonial, bastaria que o pai
perfilhasse a filha ou esta intentasse acção de investigação de paternidade contra
aquele, para que o casamento pudesse ser anulado.

Trata-se, como se vê, de situação que não se poderia admitir.

O vínculo da afinidade na linha recta é outro dos impedimentos dirimentes relativos,


fundado em razões de ordem moral. Poderá, em relação à afinidade, o mesmo
problema acima descrito, da falta de reconhecimento da relação de parentesco com o
outro cônjuge.

Passemos, de seguida, a analisar o quarto impedimento dirimente relativo, que vem


indicado na alínea d) do artigo 31º – o conjugicídio.

A razão de ser da sua consagração legal, em tanto que impedimento matrimonial, está
indissoluvelmente ligado com o facto de se pretender evitar à eliminação física do
outro cônjuge, como meio de tornar possível a celebração do casamento entre os
conluiados.

No relativo a este impedimento, deve ter-se em atenção que, para a lei, não se torna
necessário que o homicídio tenha sido cometido com intenção única de se vir a
contrair novo matrimónio. Não interessa igualmente que o nubente com quem o
homicida pretenda contrair casamento tenha participado ou não na prática do crime.

33
Varela, Antunes, Direito da Família, 1º Volume, 5ª Edição Revista, actualizada e complementada,
Livraria Petrony, Lisboa, 1999, pg. 238.

82
Há quem entenda que a proibição não deveria existir se o homicida não cometeu o
crime com intenção de vir a contrair matrimónio com o cônjuge da vítima. Paulo
Nader, por exemplo, entende que “se o delito teve por objectivo tornar o cônjuge
sobrevivo livre para convolar núpcias com o seu autor ou cúmplice, o facto é repulsivo e
justifica plenamente o impedimento. Quando o delito não resulta de plano diabólico
para viabilizar o consórcio, a proibição legal é discutível do ponto de vista axiológico. O
interesse no casamento pode surgir muito tempo após o fato..., revelando-se, para o
caso, injustificável a vedação. O impedimento, na hipótese, redundaria em verdadeira
punição para o cônjuge supérstite”34.

Constitui condição sine qua non da verificação deste impedimento, a existência de


setença condenatória anterior, o que encontra explicação na consagração, entre nós,
do princípio da presunção de inocência.

Isso significa que não basta que tenha havido um simples despacho de pronúncia por
crime daquela natureza, ou que uma vez instaurado processo-crime, ou que este se
encontre na fase de instrução preparatória ou até contraditória.

A lei exige, a este propósito, que o nubente tenha sido já efectivamente condenado
pela prática de crime de conjugicídio, por sentença já transitada em julgado.

Uma outra questão não menos importante tem a ver com o facto de saber se o
encobridor estará ou não incluido na previsão daquele preceito legal.

Ora, a resposta a dar a tal questão tem de ser necessariamente negativa, quando se
tenha presente os conceitos de autor, cúmplice e de encobridor.

A figura jurídica do encobrimento está directamente relacionada com situações que só


ocorrem depois do cometimento de uma infracção, situações essas que visam obstar à
descoberta do crime pela justiça, ou então que têm em vista permitir que se tire
proveito da prática do delito.

Tendo por base o tipo de situações, que abarca a figura do encobrimento, mostra-se
compreensível que o legislador não a tenha querido abranger na previsão do artigo
31.º da Lei da Família

Importante se mostra ainda ter presente, que o crime de homicídio involuntário,


quando cometido contra a pessoa do outro cônjuge, não constitui para a lei,
impedimento dirimente relativo, o que bem se entenderá, já que neste tipo de
infracção penal falta o elemento intenção e a concertação para a prática do acto
delituoso.

Por tal razão, mostra-se compreensível e aceitável que a lei não tenha querido
contemplar aquele tipo legal de crime, entre os impedimentos dirimentes relativos.

34
Nader, Paulo, Curso de Direito Civil, citado em Farias, Cristiano Chaves e Rosenvald, Nelson, Direitos
das Famílias, 2.ª Edição, Lumen Juris Editora, Rio de Janeiro, 2010, pgs 144 e 145.

83
Note-se também que, para os efeitos do estatuido pelo artigo 31.º da Lei da Família, a
lei atribui a mesma relevância, quer o crime se tenha consumado, quer tenha revestido
a forma frustrada ou mesmo tentada.

Em momento anterior do nosso estudo, ao apresentar-se a noção de impedimento


dirimente, salientámos que quando se celebre um casamento, havendo um daqules
impedimentos, ele está sujeito à aplicação de sanções.

Ora, a sanção que a lei prescreve, para o caso de casamento existindo qualquer dos
impedimentos dirimentes relativos previstos no artigo 31.º da Lei da Família, é a
anulabilidade, como se vê do estatuido na al. a) do artigo 56.º da Lei da Família.

No que diz respeito à legitimidade para intentar a respectiva acção de anulação, têm
competência para o fazer as pessoas indicadas, quer no n.º 1, quer no n.º 2 do artigo
63.º da Lei da Família, e que já foram enumeradas, ao tratarmos dos impedimentos
dirimentes absolutos.

O prazo para se propôr aquela mesma acção é o previsto na alínea b), do n 1.º, do
artigo 67.º da Lei da Família, ou seja, um ano a contar da celebração do casamento.

* IMPEDIMENTOS IMPEDIENTES

Em momento anterior deste curso, já nos referimos à distinção entre impedimentos


dirimentes e impedimentos impedientes. Nessa ocasião, referenciámos que estes
últimos, impedindo a realização do casamento, não o tornam, porém, anulável.

É frequente dizer-se que os impedimentos impedientes não originam verdadeiras


incapacidades, mas simples proibições legais de contrair casamento, sob pena da
aplicação de sanções distintas da anulabilidade e menos severas que esta.

De seguida, vamos proceder ao estudo, com certo detalhe, dos diferentes


impedimentos impedientes.

- PRAZO INTERNUPCIAL

O prazo internupcial, como impedimento impediente, encontra-se previsto na al. a) do


artigo 32.º da Lei da Família.

As circunstâncias em que o prazo internupcial constitui impedimento à celebração do


casamento vêm previstas no n.º 1, do artigo 33.º, da Lei da Família. De acordo com tal
disposição legal, “o prazo internupcial obsta à celebração ao casamento daquele cujo
casamento anterior foi dissolvido ou anulado, enquanto não decorrerem seis meses
sobre a dissolução ou anulação desse matrimónio”.

84
O tal prazo, tanto para o cônjuge varão como para o cônjuge mulher, se justifica por
uma questão de decoro social. Deste modo, no caso de dissolução do casamento por
morte de um dos cônjuges, o prazo internupcial constituirá uma espécie de luto oficial
que a lei impõe ao cônjuge sobrevivo.

Em relação à mulher, o prazo internupcial tem também um outro objectivo, que é o de


evitar a turbatio sanguinis, o mesmo é dizer, evitar o surgimento de dúvidas quanto à
paternidade dum filho, que a mulher venha a ter após o segundo casamento.

A fixação de único prazo internupcial para homem e mulher, de seis meses, constitui
uma inovação da Lei da Família, marcadamente influenciada pelo princípio da
igualdade. Na verdade, o n.º 1, do artigo 1605.º do C. Civil, fixava o prazo de cento e
oitenta dias para o varão e trezentos dias para a mulher.

Na fixação dos seis meses, o legislador teve em vista um prazo que, quanto à mulher,
resguardasse a presunção de paternidade (pater is est) resultante do casamento com o
anterior marido e, desta forma, evitar-se a dupla presunção de paternidade. É que, nos
termos do artigo 207.º da Lei da Família, o momento da concepção do filho é fixado
dentro dos primeiros cento e ointenta dias dos trezentos que precedem o nascimento.

Assim, se a mulher contraísse novo casamento antes de decorridos cento e oitenta


dias depois da dissolução ou anulação do primeiro casamento, corria-se o risco do filho
ser considerado como sendo fruto, tanto da relação com o primeiro marido, como da
relação com o segundo marido.

As razões que acabámos de expôr possibilitam, por si só, que se passe a ter uma
compreensão adequada, dos motivos que nortearam o legislador a estabelecer tal
imposição legal.

Quanto ao prazo mencionado, o n.º 2 do artigo 33.º da Lei da Família determina que o
mesmo seja contado a partir da data do trânsito em julgado da sentença de divórcio
ou de anulação. Visto que a dissolução também pode resultar da morte de um dos
cônjuges, forçoso é concluir-se que a contagem do prazo neste caso inicia na data do
falecimento.

O n.º 2 do já referido artigo 33.º, prevê algumas situações em que o prazo internupcial
cessa. Em rigor, o prazo internupcial não cessa, mas a sua contagem deixa de ser feita
a partir do trânsito em julgado da sentença do divórcio, como veremos de seguida.

Um dos requisitos do divórcio não litigioso, previsto no n.º 2, do artigo 195.º, da Lei da
Família, é a separação de facto por mais de um ano consecutivo. Para a conversão do
divórcio litigioso em não litigioso, devem estar reunidos os requisitos legais, dentre os
quais a separação de facto por mais de um ano. Porquanto o divórcio não litigioso só
pode ser decretado verificado tal requisito (mais de um ano de separação), no
momento em que ocorre já terá decorrido o prazo de seis meses fixados por lei como
prazo internupcial.

A conversão em divórcio da separação de pessoas e bens, litigiosa ou não, só pode ser


feita decorridos três anos sobre o trânsito em julgado da sentença que tiver decretado

85
a separação ou sobre a data em que tiver sido decretada pela conservatória, conforme
os casos (artigo 198.º, n.º 1, da Lei da Família). Assim sendo, no momento da
conversão, já que terão decorrido pelo menos três anos de separação, considera-se
que o prazo internupcial de seis meses já terá decorrido.

No caso de divórcio litigioso, se a separação de facto anterior ao trânsito em julgado


da sentença for superior a seis meses, também se considera desnecessário impor-se
um prazo internupcial posterior ao trânsito em julgado da sentença, atento às razões
de ser tal prazo.

Também entendemos que “cessa” o prazo internupcial no caso em que o casamento é


dissolvido mediante declaração de morte presumida, que nos termos do artigo 115.º
do C. Civil produz os mesmos efeitos que a morte. No tal caso, terão decorrido mais de
10 anos sobre a data das últimas notícias, não havendo, quanto à mulher do ausente, o
risco de turbatio sanguinis. O decoro social também não justificará que, presumindo-se
a morte do ausente há mais de 10 anos, ainda se imponha um prazo de seis meses
contados do trânsito em julgado da sentença de declaração de morte presumida, que
tem como uma das consequências a dissolução do casamento com o ausente.

Entretanto, importa também ter presente que, por se tratar de um impedimento


meramente impediente, a sua verificação não acarreta a invalidade do casamento.

Essa a razão pela qual a um casamento celebrado com a verificação deste tipo de
impedimento, se aplica tão só a sanção prevista no n.º 1 do artigo 74.º da Lei da
Família. Sanção esta que reveste natureza patrimonial.

- PARENTESCO NO QUARTO GRAU DA LINHA COLATERAL

Como segundo impedimento impediente, o artigo 32.º da Lei da Família apresenta o


parentesco no quarto grau da linha colateral.

Em momento anterior do nosso estudo, já tivemos oportunidades de dedicar uma


particular atenção à problemática do parentesco, bem como à contagem dos seus
graus, sendo, por isso, desnecessário voltar a este assunto.

Apreendido que está o que se entende por parentesco no quarto grau da linha
colateral, o que agora interessa reter, é o facto da lei não estabelecer nenhuma
diferença de tratamento para o parentesco, seja qual for a fonte que esteja na sua
origem.

De qualquer maneira, sempre se mantém o que já referimos anteriormente, quanto


aos impedimentos dirimentes relativos, no concernente à espécie de fontes que
originam o vínculo do parentesco e a sua prova.

86
Note-se que, também atendendo à realidade sócio-cultural do nosso país, a Lei da
Família prevê o parentesco no quarto grau da linha colateral como impedimento
matrimonial. Na lei anterior, o parentesco no terceiro grau constituia impedimento
impediente e no quarto grau não constituia qualquer impedimento.

Na lei anterior, não se exigia a prova do parentesco não reconhecido quando se


tratasse de 3º grau da linha colateral, entendendo-se que esta posição menos severa
tinha por base o facto de haver menos inconvenientes numa união entre os tios e
sobrinhos, do que a que se estabelece entre irmãos ou entre pais e filhos.

Entendemos contudo que, no contexto sócio-cultural moçambicano, que tios e


sobrinhos mantém uma relação muito próxima. Na verdade, são considerados pais e
filhos, justificando-se que, mesmo no terceiro grau se opte pela prova do parentesco.

No quarto grau, por se tratar de um impedimento impediente, susceptítvel de


dispensa nos termos do artigo 37.º, n.º 1, al. a), da Lei da Família, justifica-se a não
exigência de prova “had hoc” de parentesco durante o processo de publicações.

As regras de processo relativas à dispensa acham-se reguladas nos artigos 327.º e


seguintes do C. Reg. Civil.

De acordo com o artigo 328.º do C. Reg. Civil, a decisão da dispensa é da exclusiva


competência do conservador, só havendo lugar a recurso ao tribunal caso os
interessados não se conformem com a decisão tomada.

O artigo 328.º, n.º 2, do C. Reg. Civil, estabelece a exigência de audição dos pais ou do
tutor, sempre que possível, caso algum dos nubentes seja menor, dando a entender
que o conservador pode decidir sobre a dispensa do impedimento mesmo quando um
dos nubentes seja menor.

Na interpretação daquela disposição legal, há que ter em conta o disposto no artigo


37.º, n.º 2, da Lei da Família, que atribui ao tribunal de menores a competência para
decidir sobre a dispensa do impedimento, se algum dos nubentes for menor35. Na
mesma esteira, dispõe o artigo 46, alínea o), da Organização Tutelar de Menores, que
compete ao tribunal de menores, em matéria cível, decidir sobre a dispensa de
impedimentos matrimoniais nos termos do artigo 37.º da Lei da Família.

A Organização Tutelar de Menores foi aprovada pela Lei n.º 8/2008, de 15 de Julho,
sendo esta mais recente em relação ao C. Reg. Civil, aprovado pela Lei n.º 12/2004, de
8 de Dezembro. Ora, considerando, por um lado, que a lei nova prevalece sobre a
antiga (artigo 7.º, n.º 2, do C. Civil) e, por outro lado, que o C. Reg. Civil, ao estabelecer
o processo de dispensa, é instrumental da Lei da Família, forçoso é concluirmos que a
dispensa de impedimento impediente é da competência do tribunal de menores
quando um dos nubentes seja menor.

35
O texto do n.º 2 do artigo 37.º da Lei da Família é o seguinte: “A dispensa compete ao Conservador
ou, se algum dos nubentes for menor, ao Tribunal de Menores”. Deste texto se extrai claramente que a
competência dos tribunais de menores não é em sede de recurso das decisões tomadas pelas
conservatórias.

87
Um casamento celebrado, sem que se tenha obtido previamente a respectiva
dispensa, está sujeito à sanção prevista pelo n.º 2 do artigo 74.º da Lei da Família, que
reveste natureza patrimonial, a qual se traduz na impossibilidade para o primo ou
prima de receber do seu consorte qualquer benefício quer por doação, quer por
tratamento.

Neste aspecto, o artigo 74.º não corresponde ao que vinha previsto no artigo 1650.º
do C. Civil, na medida em que este dispositivo previa a sancão para o tio ou tia, visto
que o parentesco no terceiro grau da linha colateral constituia impedimento
impediente. A sancão não era aplicável ao sobrinho ou sobrinha, porque se pretendia
evitar que a ascendência da tia ou tio sobre aqueles resultasse em ganhos
patrimoniais.

Nenhum reparo pode ser feito à redacção do artigo 1650.º, ao prever tio e tia, porque
numa relação de parentesco no terceiro grau da linha colateral, necessariamente um
deles é tio ou tia. O mesmo não pode ser dito em relação ao artigo 74.º da Lei da
Família, que apenas reserva a sancão ao primo ou prima.

Com a alteração operada no capítulo dos impedimentos matrimoniais, o parentesco no


quarto grau na linha colateral passou a constituir impedimento impediente – artigo
32.º, al. b), da Lei da Família. Simplesmente, o parentesco no quarto grau da linha
colateral não se estabelece apenas entre primo e prima; a relação entre avó-tio e
sobrinha-neta é de parentesco no quarto grau e por isso abrangida pelo impedimento
impediente.

Não se compreende porque razões se punem os primos, que em princípio nem sequer
mantêm uma relação de ascendência de um em relação ao outro, e deixa-se impune o
cônjuge que contrai casamento com o filho do sobrinho (sobrinho-neto), sendo claro
que, neste caso, se justificava a punição daquele cônjuge que têm ascendência sobre o
outro.

- VÍNCULO DE TUTELA, CURATELA OU ADMINISTRAÇÃO LEGAL DE BENS

Este constitui o terceiro impedimento impediente previsto por lei, na al. c) do artigo
32.º da Lei da Família.

Tal impedimento mostra-se, entretanto, devidamente detalhado no artigo 36.º da Lei


da Família, ao dispôr que: “O vínculo de tutela, curatela ou administração legal de bens
impede o casamento do incapaz com o tutor, curador ou administrador, ou seus

88
parentes ou afins na linha recta, irmãos, cunhados ou sobrinhos, enquanto não tiver
decorrido um ano sobre o termo da incapacidade e não estiverem aprovadas as
respectivas contas, se houver lugar a elas.”

Como resulta evidente do texto legal, este impedimento tem carácter temporário, uma
vez que só subsiste, enquanto não tiver decorrido um ano sobre o termo da
incapacidade e não estiverem aprovadas as respectivas contas, se a elas houver lugar.

Em relação a este impedimento, também previsto na legislação portuguesa, o Prof.


Pereira Coelho apresenta duas razões para a formulação dada a lei: “por um lado, quer
a lei evitar que o tutor, curador ou administrador se exima, através do casamento, ao
cumprimento da obrigação de prestar contas – por isso exige que as contas tenham
sido prestadas e aprovadas. Por outro lado, a lei como que receia que seja menos livre
o consentimento do incapaz, para o casamento, dado o ascendente que o tutor,
curador ou administrador ainda mantenha sobre ele – por isso exige que tenha
ocorrido um ano completo sobre a dada da cessação da tutela, curatela ou
administração legal de bens, pensando que só então aquele ascendente cessará” 36

Compreende-se por isso, atento às razões acima apontadas, que só depois de


aprovadas as contas, seja possível a obtenção que dispensa deste impedimento,
conforme estebelece a al. c), do n.º 1 do artigo 37.º do C. Civil.

Conveniente se mostra também reter que o instituto da tutoria constitui um dos meios
legais de representação dos menores – artigo 330.º e seguintes da Lei da Família,
assim como dos interditos – artigos 138º e 139º do C. Civil, enquanto a curadoria
assiste os inabilitados – artigos 152º e 153º do C. Civil. Por sua vez, ao administrador
legal de bens incumbe administrar os bens do menor – artigo 374.º e seguintes da Lei
da Família .

Como já se disse anteriormente, este impedimento matrimonial é susceptível de


dispensa, e como resulta do preceituado pela al. c), do n.º 1 do artigo 37.º da Lei da
Família, a entidade competente para a conceder será o Conservador, para o caso de
maiores, ou o tribunal de menores, quando se trate de menores, como indica o n.º 2
do preceito legal antes citado.

Finalmente, dizer que o casamento contraído, existindo um impedimento desta


natureza, determina a aplicação da sançao estabelecida pelo n.º 2 do artigo 74.º da Lei
da Família, sanção esta que reveste carácter patrimonial, a qual se traduz na
incapacidade do tutor, curador, administrador, ou seus parentes ou afins na linha
recta, irmãos, cunhados e primos, de receber do consorte (incapaz) qualquer
benefício, tanto por doação, como por testamento.

Só por distração do legislador se pode compreender que tenha incluso, de entre as


pessoas que podem ser punidas, os primos do tutor, do curador ou do administrador
legal de bens. É que, quanto ao impedimento em causa, do artigo 36.º da Lei da

36
Coelho, Francisco Pereira e De Oliveira, Guilherme, Curso de Direito da Família, Volume I, 3a Edição,
Coimbra Editora, Coimbra, 2003, pags. 317 e 317.

89
Família, retira-se que o impedimento do vinculo da tutela, curatela e administração
legal de bens impede o casamento:

 do incapaz com o tutor, curador ou administrador legal de bens;


 do incapaz com os parentes ou afins na linha recta do tutor, curador ou
administrador legal de bens;
 do incapaz com os irmãos, cunhados ou sobrinhos do tutor, curador ou
administrador legal de bens.

Em parte nenhuma se impede o casamento entre o incapaz e os primos do tutor,


curador ou administrador legal de bens. No lugar de primos, deveriam ser previstos os
sobrinhos do tutor, curador ou administrador legal de bens.

- VÍNCULO QUE LIGA O ACOLHIDO AOS CÔNJUGES DA FAMÍLIA DE ACOLHIMENTO

O vínculo do acolhimento, enquanto impedimento matrimonial, acha-se previsto na al.


d) do artigo 32.º da Lei da Família.

Entretanto, a extensão deste impedimento mostra-se discriminada, de forma


detalhada, no artigo 35.º da Lei da Família.

Assim, de acordo com este último preceito legal, o vínculo da adopção restrita obsta
ao seguinte tipo de casamentos:

- dos cônjuges da família de acolhimento ou seus parentes na linha recta, com


o acolhido ou os seus descendentes;

- do acolhido com o que foi cônjuge de um dos representantes da família de


acolhimento;

- dos cônjuges da familia de acolhimento com o que foi cônjuge do acolhido; e

- dos acolhidos na mesma família de acolhimento, entre si.

Supomos, serem bem patentes, as razões subjacentes a este impedimento. Elas são
essencilamente de ordem ética. Com o acolhimento criam-se laços afectivos entre os
membros da família de acolhimento e o acolhido; aliás, aquele que acolhe exerce
plenamente o poder parental sobre o acolhido. Pretende-se igualmente evitar que a
ascendência dos membros da família de acolhimento sobre o acolhido ou seus
descendentes possa condicionar o consentimento para o casamento.

Um aspecto de maior interesse, que deverá estar sempre presente, tem a ver com o
facto do parentesco, para efeitos do impedimento que temos vindo a tratar, só se
apresentar relevante, quando se mostre estar legalmente reconhecido, conforme
resulta do preceituado pelo n.º 2 do artigo 35.º da Lei da Família.

90
O impedimento do vínculo do acolhimento, tal como acontece com alguns dos
restantes impedimentos impedientes, também é susceptível de dispensa, de acordo
com o previsto pela al. b) do artigo 37.º da Lei da Família.

Anteriormente já houve oportunidade de referir quais as entidades competentes para


conceder a dispensa.

A sanção para a celebração de um casamento, existindo esta espécie de


impendimento, encontra-se também consignada no n.º 2 do artigo 74.º da Lei da
Família. Por força deste dispositivo legal, ficam o acolhido, seu cônjuge ou parentes na
linha recta impedidos de receber do seu consorte, qualquer benefício por doação ou
testamento.

Trata-se, sem dúvidas, duma solução absurda. Absurda porque pune-se o acolhido e
deixa-se impune o membro da família de acolhimento, cuja ascendência sobre o
acolhido deveria ser suspeita, justificando-se que a punição recaisse sobre este e não
sobre aquele. A solução consagrada por lei é ainda mais absurda porque nem todos os
parentes na linha recta do acolhido estão abrangidos pelo impedimento do vínculo do
acolhimento (apenas os seus descendentes).

Assim sendo, olhando para a história do artigo 74.º da Lei da Família e, sobretudo,
para o fundamento da sancão de natureza patrimonial imposta por violação de
impedimentos impedientes, urge alterar aquela disposição, passando a prever-se a
punição dos membros da família de acolhimento e não ao acolhido, seu cônjuge ou
descendentes.

- PRONÚNCIA POR CONJUGICÍDIO

O impedimento impediente da pronúncia por conjugicídio acha-se previsto pela al. e)


do artigo 32.º da Lei da Família, na qual se estabelece o seguinte: “A pronúncia do
nubente pelo crime de homicídio doloso, ainda que não consumado, contra o cônjuge
do outro, enquanto não houver despronúncia ou absolvição por decisão passada em
julgado”.

A consagração legal deste impedimento é de fácil compreensão, se se tiver presente o


impedimento dirimente relativo (condenação por conjugicídio) que se acha previsto na
al. d) do artigo 31.º da Lei da Família.

De facto, o raciocínio lógico que se terá de efectuar, deverá situar-se na circunstância


de que, se a lei pretende impedir que o condenado por conjugicídio contraia
matrimónio com o cônjuge sobrevivo, então frustar-se-ia tal objectivo, se se permitisse
a realização de um casamento, quando um dos nubentes já se encontrasse
pronunciado pelo cometimento de crime daquela natureza, mas ainda não se achasse
condenado.

91
Convirá, entretanto, ter em devida atenção que, para a lei, se exige a existência de um
despacho de pronúncia e não de simples acusação, sendo, por isso, importante que se
possua um domínio perfeito do conceito correspondente a estas duas figuras do
processo penal.

Salienta-se ainda o facto deste impedimento impediente revestir a especial


particularidade de não estar sujeito a nehuma sanção, uma vez que a lei não fixa
qualquer medida sancionatória para este caso, como se pode ver do disposto pelos
artigos 73.º e 74º da Lei da Família, isto por um lado. Por outro lado, o impedimento
da pronúncia por conjugicídio não consta dos que, nos termos do artigo 37.º da Lei da
Família, são susceptíveis de dispensa.

Se depois da pronúncia se seguir a despronúncia ou absolvição, a não previsão de


sancão faz todo o sentido.

Se, pelo contrário, o casamento é celebrado depois da pronúncia e a condenação


ocorre na constância do casamento, torna-se questionável a solução prevista por lei.

Poderá sempre optar-se pela anulação do casamento com fundamento no erro que
vicia a vontade, ao abrigo dos artigos 56.º, al. b) e 61.º, ambos da Lei da Família. Ou
seja, com fundamento no conjugicídio punido com pena superior a dois anos de prisão.
Só que, para tal anulação, a lei, por um lado, exige que o outro ignore, de forma
desculpável, a ocorrência do facto que fundamenta a anulação (artigo 61.º da Lei da
Família) e, por outro lado, apenas atribui legitimidade para anulação ao cônjuge que
seja vítima do erro (artigo 65.º da Lei da Família).

Assim, se o cônjuge sobrevivo da vítima de conjugicídio for cumplice do autor do


crime, não se pode falar de erro. Nesta hipótese, se os dois contraem casamento antes
ou depois da pronúncia e a condenação ocorre na constância do casamento, tudo
indica que, para além da condenação penal, o casamento permanece válido, ainda que
o homicídio tenha sido praticado com a intenção de concretizar o casamento entre o
autor do crime e o cônjuge sobrevivo. Não parece ser a melhor solução legal.

- OPOSIÇÃO DOS PAIS OU DO TUTOR AO CASAMENTO DE MENORES

A oposição dos pais ou do tutor ao casamento de menores constitui o último dos


impedimentos impedientes previstos no artigo 32.º da Lei da Família.

Porquanto os que acolhem um menor exercem plenamente o poder parental (artigo 385º, n.º
1, da Lei da Família) deve entender-se que o impedimento impediente em causa abrange
também a oposição destes.

92
O facto de constituir o último impedimento indicado pela lei, não deve ser
interpretado como eventual indicação de menor importância, bem pelo contrário,
tendo em conta que se trata de impedimento, que se reveste de grande interesse,
dadas as repercussões que tem no matrimónio.

Note-se que o impedimento previsto por lei é de oposição dos pais ou tutor do
nubente menor e não de falta de autorização37. Tal significa apenas é a oposição (e não
a falta de autorização), que constitui requisito negativo de prosseguimento do
processo de casamento; aliás, a lei estabelece uma presunção de consentimento nos
casos em que os pais são notificados pelo conservador para deduzirem oposição e não
o fazem dentro do prazo legal (artigo 182.º, n.º 2, do C. Reg. Civil).

Cumpre ainda esclarecer que tal impedimento só faz sentido para menores com mais
de 18 anos ou 16 anos, nos casos excepcionais previstos no n.º 2 do artigo 30.º da Lei
da Família. Com efeito, os menores sem idade núbil ou nupcial carecem de capacidade
de gozo para contrair casamento e o casamento por eles celebrado será sempre
anulável, independentemente de hipotética autorização dos pais ou tutor. Por outras
palavas, só aos menores com idade núbil mas que não tenham atingido a maioridade
civil (21 anos) é permitido contrair casamento com consentimento dos pais ou tutor e
caso estes apresentem oposição, estar-se-á perante um impedimento impediente.

A este respeito, o artigo 180.º do C. Reg. Civil estabelce o princípio da necessidade dos
menores não emancipados comunicarem aos pais ou ao tutor o seu propósito de
casar, bem como a necessidade de pedirem o seu consentimento.

O consentimento pode ser prestado por qualquer das formas previstas no artigo 181.º
do C. Reg. Civil. Do que dispõe o n.º 2 do artigo 181.º do C.Reg.Civil, conclui-se que, o
consentimento pode, nos casos ai referidos, ser prestado por quem tiver o menor a
seu cargo, confirmado pela entidade administrativa do local da residência.

A formulação ora apresentada carece de ser apreciada e analisada, de forma bastante


cuidadosa, na medida em que, eventualmente, várias situações poderão ocorrer.

O pedido de consentimento é apresentado a ambos os pais, que na constância do


casamento exercem conjuntamente o poder parental, como prevê o n.º 1 do artigo
309.º da Lei da Família.

De igual modo, também se exige a autorização de ambos os progenitores, quando


estes se acharem separados de facto, separados judicialmente de pessoas e bens,
divorciados ou o casamento tenha sido anulado, salvo acordo em contrário dos
mesmos. Na verdade, nas situações mencionadas, embora a ambos pertença o poder
parental, o seu exercício obedecerá ao que tiver sido acordado pelos progenitores,
como estabelece o artigo 313.º da Lei da Família. Na falta de tal acordo, só podem ser
ambos a dar o consentimento.

37
Em Portugal, o Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, alterou a redacção do artigo 1604.º,
passando a prever como impedimento, “a falta de autorização dos pais ou do tutor para o casamento
do nubente...”

93
Ocorrendo qualquer uma das situações indicadas no artigo 311.º da Lei da Família, que
ditam o impedimento temporário de um dos pais, cabe ao progenitor não impedido o
exercício do poder parental, incluindo a faculdade de dar o consentimento para
casamento.

No caso de morte de um dos pais, o poder parental pertence ao sobrevivo, como


claramente estabelece o artigo 312.º da Lei da Família. Será o progenitor sobrevivo
que deverá prestar consentimento.

Tutor e cônjuge ou companheiro da família de acolhimento

Não nos parece que, neste caso, se possam levantar nenhumas dúvidas.

O instituto da tutela acha-se regulado pelos artigos 337.º e seguintes da Lei da Família
e tenha-se em atenção que a designação de tutor não ocorre só quando um menor se
ache em situação de desamparo, mas também quando se verificar que tenha havido
interdição.

Em vários momentos anteriores deste curso se fez referência ao instituto da


interdição, pelo que não se justifica entre em maiores detalhes sobre esta figura.

Do mesmo modo, em momentos anteriores referimo-nos ao exercício do poder


parental pelos parentes da família de acolhimento. Com efeito, o artigo 330.º da Lei da
Família, tal como a tutela, a familia de acolhimento é um dos meios de suprir o poder
parental. Deste modo, os cônjuges ou companheiros da família de acolhimento é que
devem prestar o consentimento, nos casos de menores acolhidos e que pretendam
celebrar casamento.

* Como deve ser prestado o consentimento ou deduzida a oposição?

Como se vê do preceituado pelo n.º 1 do artigo 181.º do C. Reg. Civil, o consentimento


para casamento terá de ser prestado por auto lavrado pelo conservador e assinado
pelos intervenientes, por documento notarial autêntico ou autenticado, por
documento autêntico ou autenticado lavrado no estrangeiro pelas entidades locais
competentes ou pelos agentes consulares ou diplomáticos moçambicanos. O n.º 4 do
artigo 181.º do C. Reg. Civil, admite ainda que o consentimento seja prestado no acto
de celebração do casamento, caso em que apenas deve ser mencionado no assento.

Já nos referimos, em momento anterior, aos casos em que os que devem prestar o
consentimento são notificados para deduzirem oposição dentro dum prazo, findo o
qual e no silêncio dos notificados, presume-se ter havido consentimento.

Por remissão feita pelo n.º 1 do artigo 184.º do C. Reg. Civil, a oposição pode ser
deduzida por qualquer dos meios previstos no n.º 1 do artigo 181º do mesmo Código.
Da oposição tem de ser notificado, pessoalmente, o respectivo nubente, como resulta
do disposto pelo nº 2 do artigo 184.º do C. Reg. Civil.

94
De acordo com o estipulado pelo nº 3 do artigo 184.º do C. Reg. Civil o nubente, a
quem não tenha sido concedida autorização para casar, pode reclamar da oposição
para o tribunal de menores.

O texto do nº 4 do artigo 184.º do C. Reg. Civil sugere que da decisão proferida pelo
tribunal não caberá recurso. Esta disposição corresponde ao que vinha estabelecido no
n.º 4 do artigo 177º do C. Reg. Civil aprovado pelo Decreto n.º 21/76, de 22 de Maio.

Na vigência do Decreto n.º 21/76, de 22 de Maio, vigorava o Estatuto de Assistência


Jurisdicional, aprovado pelo Decreto n.º 417/71, de 29 de Setembro, que não previa
um mecanismo específico de suprimento da autorização para casamento de menores,
o que ditava a aplicação das regras estabelecidas no artigo 80º daquele Estatuto.

Sucede que o novo Código do Registo Civil, aprovado pela Lei n.º 12/2004, de 8 de
Dezembro, contem um capítulo relativo ao processo de suprimento de autorização
para casamento de menores, nos artigos 329.º a 331.º. Estabelece o n.º 3 do artigo
331.º do C. Reg. Civil que da decisão do juiz cabe recurso, solução que é contraditória
com a prevista no n.º 3 do artigo 331.º do mesmo Código, nos termos do qual da
decisão do juiz NÃO? cabe recurso.

Havendo oposição e se o casamento for celebrado sem suprimento da autorização


pelo tribunal, há lugar à aplicação da sanção prevista no artigo 73.º da Lei da Família.

A sanção prevista naquela disposição, que reveste carácter patrimonial, traduz-se na


impossibilidade para o nubente de poder administrar os bens que leve para o
casamento ou que vier a adquirir à título gratuíto até que adquira a maioridade ou a
emancipação plena.

A mesma sancão é aplicada ao menor que casar sem ter solicitado o consentimento
dos pais ou de pessoas que o deviam prestar, podendo fazé-lo.

E, com estas referências dá-se terminada a matéria respeitante aos impedimentos


matrimoniais.

D – FORMALIDADES DO CASAMENTO

* GENERALIDADES

Em momento anterior do nosso estudo já tivemos oportunidade de referir os aspectos


que caracterizam o casamento, como negócio jurídico.

Na ocasião, foi dito que o casamento é um negócio particularmente solene.

De facto, enquanto que, em relação aos restantes negócios solenes, a sua solenidade
se caracteriza pela exigência de um requisito de forma - documento escrito, o qual
deve conter a declaração negocial das partes, ou por outras palavras, a manifestação
de vontade, já para o caso do casamento, a forma requerida para a sua validade e até
para a sua existência, é bem diferente.

Neste caso a lei exige um outro tipo de solenidade.

95
A manifestação de vontade dos nubentes tem de ser expressa na cerimónia da
celebração do casamento, em tanto que negócio jurídico, e caracterizada pela
assinatura do respectivo assento.

E, repare-se que o negócio jurídico – casamento - obedece a formalidades muito


especiais, as quais se iniciam com o processo preliminar e que vêm a culminar com a
realização da cerimónia do registo civil.

Por isso, é comum, entre os autores, afirmar-se que com todo este peculiar formalismo
e com toda a solenidade que rodeia o casamento, terá pretendido a lei realçar a
importância do matrimónio, a sua responsabilidade e transcendência, bem como o
relevo de que se traduz para a sociedade em geral38.

Deste modo, pretendeu ainda a lei defender as partes contraentes de possível


precipitação e facilitar a prova do acto.

Essencialmente, as formalidades do casamento podem situar-se em três grandes fases:

- Processo preliminar de publicações;

- Celebração do casamento; e

- Registo do casamento.

* PROCESSO PRELIMINAR DE PUBLICAÇÕES

O casamento é um negócio jurídico pessoal e solene; tais características do casamento


reflectem-se nas formalidades para a sua celebração, como veremos mais adiante:

As formalidades do casamento, como negócio jurídico, iniciam com o processo preliminar de


publicações, ao que segue a celebração e registo do mesmo.

O processo preliminar de publicações é o processo que precede a celebração do casamento e


destina-se à verificação da capacidade matrimonial dos nubentes e da inexistência de
impedimentos; o processo preliminar de publicações vem regulado nos artigos 163 a 176 do
Código do Registo Civil e nos artigos 38 e 39 da Lei da Família. Com a mesma finalidade, pode
ser organizado um processo de publicações após a celebração do casamento urgente ou
tradicional, como veremos adiante; neste caso o processo deixa de ser “preliminar”, por ser
posterior ao acto de casamento.

38
Ver Coelho, Pereira, Curso de Direito de Família, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 2003, págs.319 e
320, Campos, Diogo Leite, Lições de Direito de Família e de Sucessões, Almedina, 1990, pág. 197 e Profs.
Varela, Antunes e Lima, Pires, Noções Fundamentais de Direito Civil, Vol. II, 5ª Edição, 1962, págs. 164 e
165

96
A solenidade própria do processo de celebração do casamento, que inclui publicidade, é
imposta por lei tendo em conta a sua excepcional “importância social39”. Com o casamento, as
pessoas adquirem um novo estado, formam uma família que, nos termos nº 1 do artigo 119 da
CRM, é o elemento fundamental e a base de toda a sociedade; a Lei da Família vem realçar a
importância da família ao considerar, no seu artigo 1º, que ela é a célula base da sociedade,
factor de socialização da pessoa humana.

A importância reservada ao casamento vem também vincada no nº 2 do artigo 119 da CRM ,


ao estabelecer que “o Estado reconhece e protege, nos termos da lei, o casamento como
instituição que garante a prossecução dos objectivos da família”40.

Pelas razões apontadas, a lei rodeia a celebração do casamento de cautelas visando,


designadamente:

 que as partes reflictam sobre a real vontade de celebrar casamento;

 que ele assente no livre consentimento entre os nubentes;

 que seja evitada a celebração de casamentos viciados, que possam vir a ser anulados,
com os graves inconvenientes daí advenientes, principalmente para os filhos.

Competência para organização do processo preliminar de publicações (artigo 163 CRC):

A conservatória do registo civil da área em que qualquer dos nubentes tiver domicílio ou
residência durante, pelo menos, os últimos 30 dias antes do início do processo preliminar de
publicações); é apenas um local, e não vários, onde o processo é organizado;

Legitimidade (artigo 164 CRC):

39
Antunes Varela (pag 210, Dto Família, 1o Volume, 5a Edição)
40
O artigo 120, nº 2 da CRM deixa implícitos alguns objectivos a serem prosseguidos pela família:
assegurar o crescimento harmonioso da criança e educar as novas gerações nos valores morais, éticos e
sociais; assegurar a educação da criança formando-a nos valores da unidade nacional, no amor à pátria,
igualdade entre os homens e mulheres, respeito e solidariedade. Para o alcance dos objectivos, da
família, a lei impõe uma série de deveres no artigo 4º da Lei da Família

97
Têm legitimidade para requerer a instauração do processo preliminar de publicações, os
nubentes ou seus representantes.

Início do processo

O processo preliminar de publicações inicia com a declaração de casamento a que se refere o


artigo 165.º do C. Reg. Civil, à qual são juntos os documentos previstos no artigo 166.º do
mesmo Código. Os documentos permitem que a conservatória do registo civil possa aferir se é
ou não competente para organizar o processo e verificar se os nubentes podem ou não
celebrar casamento. Por exemplo, o atestado de residência dos nubentes permite verificar se a
conservatória é, nos termos do artigo 163.º do C.Reg. Civil, competente para organizar o
processso; outro exemplo é o dos documentos de identificação, que permitem determinar se
os nubentes têm ou não idade nupcial, de acordo com a lei que regula tal matéria41 e se,
tendo-a, carecem ou não de consentimento para o casamento.

Afixação de editais (artigo 170 CRC)

À pretensão dos nubentes é dada publicidade por meio de edital que é afixado pelo
conservador à porta da conservatória, durante 8 dias consecutivos, tal como estabelece o
artigo 170.º do C.Reg. Civil. Com os editais pretende-se levar ao conhecimento do público a
realização do casamento, com o objectivo de permitir que sejam conhecidos possíveis
impedimentos matrimoniais.

Declaração de impedimento (artigo 173.º)

41
Sendo um dos nubentes estrangeiro, há que verificar se tem ou não capacidade para o casamento de
acordo com a lei aplicável. Por força do artigo 49.º do C. Civil, a capacidade para contrair casamento é
regulada, em relação a cada nubente, pela respectiva lei pessoal, que nos termos do n.º 1 do artigo 31.º
do C. Civil é a da nacionalidade.

98
O Código do Registo Civil, no artigo 173.º, n.º 1, estabelece o princípio de que qualquer
pessoa pode declarar os impedimentos, de que tiver conhecimento, até ao momento
da celebração do matrimónio.

Tal declaração é, porém, obrigatória para os funcionários do registo civil que


conheçam a existência de impedimentos, como resulta expresso do n.º 2 daquele
mesmo preceito legal.

Repare-se que ao conservador do registo civil se impõe que faça constar do processo
de casamento o impedimento que tenha sido deduzido ou de que tenha conhecimento
e sustar o seu andamento, até que cesse o respectivo impedimento, seja dispensado
ou julgado improcedente por decisão judicial, como se extrai do n.º 2 do artigo 173.º
do C. Reg. Civil.

O artigo 174.º do C. Reg. Civil obriga sempre a que o funcionário do registo realize
diligências complementares, tendentes a verificar a identidade dos nubentes e a sua
capacidade matrimonial.

Despacho final (artigo 175 CRC):

Terminado o prazo das publicações, no prazo de 3 dias, o conservador lavra despacho


autorizando ou não a celebração do casamento, que deverá ser celebrado dentro de 90 dias ou
em momento posterior desde que sejam juntos novos documentos em substituição dos já
caducados – artigos 175.º e 176.º, ambos do C. Reg. Civil.

Se o casamento tiver que ser celebrado em conservatória diferente daquela onde decorreu o
processo preliminar de publicações, é passado certificado que é remetido à conservatória
escolhida para a celebração do casamento, nos termos do artigo 177.º do C. Reg. Civil.

Se a pretensão for celebrar casamento religioso, o certificado é remetido ao dignatário


religioso que tiver de celebrar o casamento; na verdade, estabelece o artigo 186.º do C. Reg.
Civil que o casamento religioso não pode ser celebrado sem que o dignatário religioso tenha
recebido o certificado para o casamento.

O processo de impedimento do casamento vem regulado nos artigos 318.º e seguintes do C.


Reg. Civil.

Casos de dispensa de processo preliminar

99
A primeira situação em que é dispensado um prévio processo de publicações é a dos
casamentos urgentes. Por força do que dispõe o artigo 44.º da Lei da Família, “quando haja
fundado receio de morte próxima de algum dos nubentes, é permitida a celebração de
casamento independentemente de processo preliminar de publicações e sem intervenção do
funcionário do registo civil”. Os casamentos celebrados nestas condições são denominados
“casamentos urgentes”, cujas formalidades vêm previstas no artigo 191.º e seguintes do C.
Reg. Civil42.

Celebrado o casamento urgente, o processo de publicações é posterior, como se alcança da


conjugação do n.º 2 do artigo 45º da Lei da Família e artigo 194.º do C. Reg. Civil; tal processo
termina com a homologação ou não do casamento urgente.

Caso o casamento urgente não seja homologado, por verificação de qualquer das causas
previstas no artigo 46.º da Lei da Família, o mesmo é considerado inexistente, tal como comina
o artigo 53.º, al. b), da Lei da Família.

Por força do artigo 25.º da Lei de Família, a celebração do casamento tradicional segue as
regras estabelecidas para o casamento urgente; ou seja, não é necessariamente precedido de
processo preliminar de publicações, mas este deverá ser organizado a posterior; aliás, o artigo
227.º do C. Reg. Civil, expressamente, condiciona a efectivação do registo do casamento
tradicional à organização do processo de publicações nos termos do artigo 163.º e seguintes
do mesmo Código.

Do que acabamos de dizer, resulta que o processo de publicações é exgível para as três
modalidades de casamento: o civil, o religioso e o tradicional. O casamento urgente, qualquer
que seja a modalidade, pode ser celebrado sem prévia organização do processo de
publicações, que será organizado após o casamento. O casamento tradicional, seguindo o
regime do casamento urgente, também pode ser celebrado antes do processo preliminar.

Fica também claro que o casamento urgente pode ser precedido de processo preliminar de
publicações. Basta imaginar uma situação em que, depois do despacho do conservador
autorizando a celebração do casamento e antes da data indicada para acto, se verifica uma
situação determinativa de receio de morte de um dos nubentes. Numa situação como a
descrita, pode ser celebrado casamento urgente sem intervenção do funcionário do registo

42
Apesar de mencionada no artigo 191.º do C. Reg. Civil, a eminência de parto deixou de ser uma
condição autónoma do casamento urgente, visto que o direito substantivo o suprimiu, por se entender
que o parto já não representa o risco de morte, como sucedia no tempo do Código Civil de 1967. Assim,
à eminência de parto terá que ser associado, em cada caso concreto, um alto risco de morte, para ser
permitido o casamento urgente.

100
civil e a sua homologação dependerá de decisão do funcionário, nos termos do n.º 1 do artigo
45.º da Lei da familia, sem necessidade de novo processo de publicações.

* CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO

Conforme se vê do preceituado pelo artigo 40.º da Lei da Família, a celebração do


casamento constitui um acto público e está sujeita a solenidade próprias, que se
acham reguladas pelas normas do registo civil.

Aos nubentes é conferida, por lei, a possibilidade de realizarem o matrimónio na


conservatória do registo civil, que melhor lhes aprouver – cfr, artigo 177.º do C. Reg.
Civil.

Deste princípio decorre que o processo preliminar pode ser organizado numa
conservatória do registo civil (a da residência de qualquer dos nubentes) e o
casamento ter lugar noutra conservatória.

A Lei da Família, como já foi referido em momento anterior, consagra três modalidades
de casamentos: o civil, o tradicional e o religioso. A diferença fundamental está nas
formalidades para a celebração de cada uma daquelas modalidades de casamento.

Para que o casamento religioso ou tradicional produza efeitos do casamento civil, é


necessário que tenham sido observados os requisitos que a lei estabelece para o
casamento civil. Assim, por exemplo, só é reconhecido legalmente o casamento
religioso celebrado por pessoas em relação às quais não se verificam os impedimentos
matrimoniais previstos para o casamento civil.

Relativamente à manifestação de vontade dos contraentes, dois princípios altamente


relevantes ressaltam do preceituado pelos artigos 41.º e 43.º da Lei da Família.

De acordo com o primeiro princípio, a vontade dos nubentes só se mostra relevante,


quando seja manifestada no próprio acto da celebração do casamento.

Princípio este que se traduz no princípio da actualidade do mútuo consenso, o qual se


expressa no acto da celebração do casamento.

E, note-se que aquela manifestação de vontade nunca poderá estar afectada por
qualquer causa que consubstancie falta de vontade ou vontade viciada por erro ou
coação, situações que acarretam, somo consequência, a anulabilidade do casamento,
como resulta dos artigos 56.º, al. b), 60.º, 61.º e 62.º da Lei da Família.

101
Do segundo princípio, na lei, o princípio de que a vontade de contrair casamento é
estritamente pessoal. Tal não significa que no acto da celebração do matrimónio
tenham de estar ambos os nubentes para cada um deles manifestar, de forma
estritamente pessoal, a sua vontade.

Admite a lei, no n.º1 do artigo 48.º da Lei da Família, que um dos nubentes se possa
fazer representar por procurador, no acto do casamento. No entanto, impõe-se que o
procurador detenha poderes especiais para esse acto e que da procuração conste o
nome do outro nubente e a indicação da modalidade de casamento (se civil,
tradicional ou religioso) – cfr, artigo 1620º , n.º 2, da Lei da Família.

Em momento anterior, foi desenvolvida a temática do casamento por procuração,


quanto ao tratamento do carácter pessoal do casamento.

Celebração do casamento civil

Para que o casamento se possa validamente celebrar, é indispensável que estejam


presentes as pessoas indicadas por lei.

No artigo 47.º da Lei da Família e no artigo 189.º do C. Reg. Civil estão indicadas as
pessoas, cuja presença se mostra indispensável, e que são as seguintes:

- Ambos os nubentes ou um deles e o procurador do outro;

- O conservador do registo civil; e

- Duas testemunhas maiores ou plenamente emancipadas.

A presença das pessoas acima indicadas constitui pressuposto essencial para ser
validamente celebrado o casamento, razão pela qual a falta de qualquer delas
determinada que não se considere como válido o matrimónio.

Quando o casamento se tiver efectivado com desrespeito dos requisitos acima


referenciados, tal situação acarreta a existência de vício, que tanto se poderá traduzir
na inexistência do casamento, como na sua anulabilidade, como haverá oportunidade
de verificar em momento subsequente.

O momento da celebração (dia e hora) devem ser acordados entre os nubentes e o


conservador, como prevê o artigo 188.º do C. Reg. Civil. O lugar poderá igualmente ser
acordado entre os nubentes e o conservador, desde que observada a condição que
resulta do texto do n.º 1 do artigo 69.º do C. Reg. Civil, que consiste na necessidade de
manter a entrada do local franqueada ao público.

Manter a entrada aberta ao público pode, em alguns casos, não ser de fácil
concretização, nomeadamente nos casos de apartamentos e condomínios. O
importante é ter presente que a publicidade visa não só garantir que os nubentes

102
expressem livremente o seu consentimento, como também permitir que os
impedimentos sejam denunciados.

Os procedimentos a adoptar no próprio acto de celebração do casamento vêm


previstos no artigo 190.º do C. Reg. Civil. É durante o acto de celebração do casamento
que cada nubente emite a declaração de que é da sua livre vontade contrair
casamento com o outro, dando desta forma corpo ao princípio da actualidade do
mútuo consentimento.

Não prevê a nossa lei qualquer obrigatoriedade de aconselhamento prévio quanto aos
efeitos do casamento, nem é exigível que no acto de casamento o conservador faça
menção aos principais efeitos do acto. É assim que muitos casais ficam a saber do
regime de bens aplicável depois de celebrado o casamento; aliás, muitos nem sabem
da possibilidade de celebração de convenção antenupcial e da sua importância.

Celebração do casamento religioso

A lei não trata, como era de esperar, das formalidades de celebração do casamento
religioso. O casamento religioso é celebrado de acordo com os procedimentos
previstos nas normas da religião específica da escolha dos nubentes.

Porém, para o casamento religioso produzir efeitos civis, terá que ser precedido de
processo preliminar de publicações e de apresentação de certificado passado pela
conservatória competente, atestando que os nubentes reunem os requisitos para o
casamento, como se extrai do preceituado no artigo 26.º da Lei da Família e no artigo
186.º do C. Reg. Civil. O certificado de casamento irá atestar apenas a capacidade para
a celebração exigida na lei, podendo, por isso, a religião aplicar as suas próprias
normas para determinar se os nubentes satisfazem os requisitos para o casamento
religioso43.

A celebração do casamento religioso pode não ser precedida de processo de


publicações em caso de eminência de morte ou grave motivo de ordem moral, sendo,
nos termos do artigo 28.º, n.º 1, da Lei da Família e artigo 186.º, n.º 2, do C. Reg. Civil,
necessária autorização do dignatário religioso. Seguir-se-á, neste caso, a organização
do processo de publicações, a homologação e o registo.

Também se exige, para que o casamento religioso produza efeitos jurídicos do


casamento civil, que seja celebrado na presença das pessoas enumeradas no artigo
50.º da Lei da Família; assim, de acordo com aquela disposição legal, é indispensável a
presença dos nubentes ou de um deles e procurador do outro, do dignatário religioso
e de duas testemunhas.

43
Por força do artigo 24 da Lei da Família, o casamento religioso e o tradicional só podem ser celebrados
por quem tiver a capacidade matrimonial exigida na lei civil.

103
Nada impede que seja celebrado casamento civil antecedido ou seguido de casamento
religioso não registado, como é prática na nossa sociedade, prática essa que é anterior
à Lei da Família.

Uma vez celebrado o casamento religioso, seguindo as exigências e formalidades


constantes da lei, e registado, este produz os mesmos efeitos do casamento civil. É por
isso que o artigo 18.º, n.º 2, da Lei da Família, proibe o casamento civil de duas pessoas
ligadas pelo casamento religioso ou tradicional anterior devidamente transcrito. Tal
casamento civil seria, na verdade, um acto inútil, porque em termos de efeitos não
traria nada de novo em relação ao casamento religioso ou tradicional já registado.

Celebração do casamento tradicional

Para a celebração do casamento tradicional é indispensável a presença dos


contraentes, da autoridade comunitária e de duas testemunhas (artigo 51.º da Lei da
Família e artigo 221.º do C. Reg. Civil), seguindo-se o ritual previsto no artigo 222.º e
seguintes do C. Reg. Civil.

O duplicado da acta do casamento tradicional é enviado à conservatória competente,


no prazo de 3 dias após a celebração do casamento, como dispõe o artigo 225.º do C.
Reg. Civil. Uma vez que a acta é enviada para efeitos de organização do processo de
publicações e homologação, a conservatória competente será a da residência de
qualquer dos nubentes, nos termos do artigo 163.º do C. Reg. Civil.

Recebida a acta do casamento, é organizado o processo de publicações e só depois


disso será transcrito – cfr artigo 227.º do C. Reg. Civil.

Repare-se que a Lei não prevê a possibilidade de qualquer dos nubentes ser
representado por procurador, como se admite para o casamento civil e religioso. A
representação de um dos nubentes no casamento civil é expressamente admitida nos
artigos 47.º, al. a), e 48.º, ambos da Lei da Família, e no artigo 189.º, n.º 1, do C. Reg.
Civil. Para o casamento religioso, igual permissão vem contida no artigo 50.º, n.º 1, al.
a), da Lei da Família, o mesmo não sucedendo em relação ao casamento tradicional,
como claramente se constata do preceituado no artigo 51.º da Lei da Família e no
artigo 221.º do C. Reg. Civil.

Não deixa de ser questionável a solução de impor a presença dos dois nubentes no
casamento tradicional. Na verdade, o casamento tradicional moçambicano envolve as
famílias dos nubentes nas várias etapas da sua celebração, sendo possível que
membros da família dum dos nubentes o representem no acto de casamento. Embora
se compreenda a intenção do legislador de desencorajar práticas tradicionais que
conflituam com o princípio do mútuo consentimento, julgamos que salvaguardado
esse princípio deveria ser admitida a representação de pelo menos um dos nubentes,
nos moldes que as próprias normas do direito consuetudinário a admitem para a
celebração do casamento.

104
* REGISTO DO CASAMENTO

Em Moçambique o registo do casamento é obrigatório, como resulta expressamente


do disposto pelo artigo 75.º da Lei da Família e pelo artigo 1.º, nº 1, al. d) do C. Reg.
Civil.

E, compreende-se que assim seja, já que, regra geral, só depois de efectuado o registo
poderá ser feita prova da existência de um matrimónio. Sem o registo, em princípio,
não se poderá invocar a sua existência legal, quer pelas partes, quer por terceiros,
como se alcança do disposto no artigo 91.º da Lei da Família.

O registo faz a prova plena dos factos dele constantes, não podendo ser ilidida senão
pelos meios que a lei consigna – a este propósito veja-se o artigo 347º do C. Civil e o
artigo 4º, nº 1 do C. Reg. Civil.

O registo de casamento pode ser lavrado por inscrição, conforme o estabelecido pela
al. c) do artigo 63.º do C. Reg. Civil, ou por transcrição, como resulta do preceituado
pelas als. b), c), e g) do nº 1 do artigo 64.º daquele mesmo Código e pelo artigo 78.º da
Lei da Família. O n.º 2 do artigo 64.º do C. Reg. Civil admite ainda o registo por
transcrição dos casamentos celebrados segundo os usos e costumes locais celebrados
antes da entrada em vigor da Lei da Família.

Do disposto pelos artigos 202.º e 212.º do C. Reg. Civil resulta que o assento de
casamento religioso ou civil não urgente deve ser lavrado e assinado imediatamente
após o acto da sua celebração. O mesmo deverá, em princípio, suceder com a
assinatura da acta do casamento tradicional, conforme resulta dos artigos 222.º a
224.º do C. Reg. Civil; até porque, por força do disposto no artigo 225.º do C. Reg. Civil,
a autoridade comunitária tem o prazo de 03 dias para remeter o duplicado da acta à
conservatória competente.

Do preceituado pelo n.º 1 do artigo 229.º do C. Reg. Civil ressalta que o casamento
produz efeitos desde a data da sua celebração, uma vez que se tenha efectuado o
registo. E, tais efeitos sempre se manterão, ainda que o registo se venha a perder.

Como se pode ver do que se referiu até este momento, o registo não apresenta
carácter constitutivo, no sentido de que não constitui formalidade de substância,
essencial e necessária para a existência ou validade do acto.

É antes, e pelo contrário, uma formalidade de prova da existência do negócio jurídico.

* CASAMENTOS URGENTES

A matéria do casamento urgente foi abordada acima, quando se fez referência aos
casos de dispensa do processo preliminar de publicações.

105
Tendo em consideração as particularidades próprias desta modalidade de casamento,
impôr-se-á que se teçam algumas considerações, relativamente a esta espécie de
matrimónio.

Os casamentos urgentes mostram-se regulados nos artigos 28.º e 44.º e seguintes da


Lei da Família e nos artigos 191º e seguintes do C. Reg. Civil.

Mas, para que possa celebrar-se casamento urgente, a lei impõe que se verifiquem
certas e determinadas circunstâncias. Significa isso que apenas se admite a celebração
daquele tipo de matrimónio, quando ocorram certas circunstâncias, indicadas
taxativamente pela lei, como foi referido em momento anterior.

Quando ao receio de morte próxima que é um dos fundamentos previsto nos artigos
28.º44 e 44.º da Lei da Família, convêm notar que é exigível que se faça prova dos
factos que concorrem para tal receio, cabendo o ônus de prova aos próprios nubentes
ou aqueles que promoverem o registo do casamento.

Dos nºs 2 e 3 do artigo 44.º da Lei da Família e do nº 1 do artigo 192.º do C. Reg. Civil
resulta expresso que do casamento civil urgente é lavrado, oficiosamente, assento
provisório. E, uma vez este lavrado, o conservador do registo civil organiza
oficiosamente o processo de publicações, com base na certidão do assento, ao que se
seguirá a homologação ou não do casamento – cfr. artigos 192.º a 194.º do C. Reg.
Civil.

Relativamente às causas justificativas da não homologação do casamento civil urgente,


elas acham-se taxativamente enumeradas na lei, conforme se vê do disposto pelo nº 1
do artigo 195.º do C. Reg. Civil.

De acordo com estes preceitos legais, constituem causa da não homologação:

- a não verificação dos requisitos exigidos por lei para que ele possa ter lugar ou
a não observância das formalidades prescritas nos artigos 191.º e 192º do
C.Reg. Civil;

- a existência de indícios sérios de suposição ou falsidade, no tocante a


requisitos ou formalidades;

- a existência de algum impedimento dirimente;

- se o casamento tiver sido considerado como religioso e como tal se encontrar


transcrito.

Recusada a homologação, são notificados os interessados, pessoalmente ou por carta


registada, como determina o n.º 2 do artigo 195.º do C. Reg. Civil.

Conforme o preceituado pelo nº 3 do artigo 46.º da Lei da Família, do despacho que


tiver recusado a homologação, cabe recurso para os tribunais comuns, com a

44
Para o casamento religioso e tradicional, para além do receio de morte próxima, a Lei admite a
celebração do casamento urgente ocorrendo grave motivo de ordem moral.

106
finalidade de se obter decisão judicial, que declare a validade do casamento. E, têm
legitimidade para impôr aquele recurso:

- os cônjuges;

- os seus herdeiros; e

- o Ministério Público.

E – VÍCIOS DO CASAMENTO

Quando um negócio jurídico, enquanto acto destinado a produzir efeitos jurídicos, se


viola uma regra legal, a consequência lógica dessa mesma violação consistirá em a
ordem jurídica não permitir que se produzam, de uma forma geral ou normal, os
efeitos jurídicos pretendidos.

Nesta parte do nosso estudo, desde logo, se mostra importante relembrar os conceitos
de validade e de invalidade do negócio jurídico.

Assim, à qualidade do negócio jurídico cujos efeitos se produzem normalmente, por


virtude de adequação do negócio às normas de direito, chama-se validade.

E, à qualidade contrária, não produção de efeitos, pelo menos dos normais efeitos, por
reacção da ordem jurídica à violação de preceitos seus, diz-se invalidade.

Nos negócios jurídicos em geral, a invalidade pode revestir três graus, a saber:

- inexistência jurídica – quando o vício revele tal gravidade, que conduz a


que a lei considere como se não tivesse havido negócio jurídico;

- nulidade – quando em resultado do vício verificado, a lei considera o


negócio como insusceptível de produzir qualquer tipo de efeitos jurídicos,
desde a data do seu início – artigo 286.º do C. Civil.

- anulabilidade – quando os efeitos jurídicos se produzam, mas podem ser


destruídos retroactivamente por manifestação de vontade, desde que tal
manifestação seja feita dentro de certo prazo – artigo 287.º do C. Civil.

Para além da invalidade, é possível falar-se de um outro valor jurídico negativo – a


irregularidade. Neste caso, porque o valor do negócio jurídico é contrário à lei, embora
produza os seus efeitos normais, está – lhe adistrita uma sanção.

Exemplo que se pode apresentar de irregularidade do negócio, será o caso de um


casamento celebrado, existindo um impedimento impediente.

107
A diferença entre a inexistência a nulidade por vezes é
considerada de pouca importância prática; de qualquer modo,
quando falamos de níveis de invalidade, parece inegável que no
caso de nulidade a lei chega a admitir ter existido um facto
jurídico, enquanto no caso de inexistência o facto não chega a
existir no mundo jurídico.

No caso do casamento (direito matrimonial), não se distingue a


nulidade da anulabilidade. Não há casamentos nulos, mas só
anuláveis ou inexistentes, como resulta do artigo 52.º da Lei da
Família.

Um dos caracteres do direito da família é a pretensa


perpetuidade das relações jurídico-familiares. Com a
perpetuidade pretende-se salvaguardar o interesse público
subjacente à constituição da família, o interesse dos próprios
membros da família e de terceiros que com ela se relacionam.

Para evitar os graves incovenientes que resultam da invalidade


do casamento, a lei actua em duas perspectivas:

1. Numa primeira perspectiva, a lei actua no plano preventivo,


através da imposição dum formalismo específico, que
facilita a fiscalização prévia do acto. É no âmbito preventivo
que se justifica a organização do processo de publicações e
que se impõe a presença de testemunhas e do público no
acto de celebração do casamento, bem como a observância
de formalismos no acto de celebração visando apurar se o
casamento é celebrado mediante vontade livre e
esclarecida dos nubentes e assegurar que não existam
108
impedimentos. Pretende-se, portanto, a tudo o custo evitar
a celebração dum casamento viciado, assegurando desta
forma a sua perpetuidade.
2. Num segundo plano, mesmo quando o casamento é
inválido, a lei permite que o vício seja sanado em alguns
casos e, quando assim não sucede, procura salvaguardar
alguns dos seus efeitos, em nome do interesse público da
certeza das relações familiares para proteger a boa fé dos
contraentes.

Está por um lado, o Estado a verificar através dum órgão seu, o


Tribunal, se o acto público e solene celebrado é mesmo inválido;
por outro lado, para evitar que o tribunal possa entrar no foro
privado resultante do matrimónio não permite oficiosamente
possa ser declarada a invalidade do casamento.
* INEXISTÊNCIA DO CASAMENTO

Duas são as razões essenciais, que a doutrina apresenta a favor da consagração desta
figura jurídica, relativamente ao casamento.

A primeira razão assenta do casamento, em alguns casos, ser atingido por vício de tal
gravidade, qua a aplicação do regime da anulabilidade se mostraria insuficiente.
Naturalmente que são os casos, em que não se verificam os pressupostos legais da
anulabilidade.

Trata-se de situação de tal maneira grave, que, de todo, se torna inaceitável a


atribuição de valor jurídico ao casamento.

Uma segunda razão tem a ver com o facto de que, em tais situações, não se poder
admitir, que aquela espécie de casamento pudesse produzir algum tipo de efeito
jurídico.

A este propósito, é preciso ter presente que no caso da anulabilidade, a lei admite que
o casamento possa ainda produzir alguns efeitos, os chamados efeitos putativos.

Ora, relativamente a situações, como as previstas no artigo 53.º da Lei da Família,


designadamente, o casamento celebrado entre pessoas do mesmo sexo, seria
absolutamente inaceitável que se lhe pudesse atribuir quaisquer efeitos putativos.

Os casos de inexistência previstas pela lei, no artigo 53.º da Lei da Família, são quatro:

109
- falta de competência funcional da autoridade ou da entidade que
celebrou – al. a) do artigo 53.º da Lei da Família;

- a não homologação do casamento urgente – al. b) do artigo 53.º da Lei


da Família;

- falta de declaração de vontade – al. c) do artigo 53.º da Lei da Família;

- cessação dos efeitos ou irregularidade da procuração para o


casamento, quando contraído por intermédio de procurador – al. d) do
artigo 53.º da Lei da Família; e

- mesmo sexo – al. e) do artigo 53.º da Lei da Família.

Relativamente à primeira causa justificativa da inexistência jurídica do casamento por


certo que não se levantam dificuldades de maior, quanto ao alcance do comando legal.

Na referida al. a) do artigo 53.º da Lei da Família prevê-se a situação do casamento ter
sido celebrado perante quem não tinha competência funcional para o realizar.

Portanto, esse caso ocorerrá sempre que o casamento tenha sido celebrado por
pessoa que não se achava investido de poderes para o efeito.

No entanto, a própria lei tem o cuidado de ressalvar a situação dos casamentos


urgentes pois, como é sabido, a realização pode ter lugar na ausência de funcionário
do registo civil.

Ainda a propósito desta causa de inexistência, deverá ter-se presente o que dispõe o
artigo 54.º da Lei da Família, quanto a funcionários de facto, na medida em que não se
considerará juridicamente inexistente o casamento celebrado perante quem, sem ter
competência funcional para o acto, exercia publicamente as correspondentes funções,
excepto se ambos os nubentes conheciam a falta de tal competência, no momento em
que se celebrou o matrimónio.

O disposto naquela última disposição legal constitui, como se pode concluir, uma
autêntica excepção à regra da inexistência do casamento, quando celebrado perante
quem não tem competência pra o efeito, a que se refere a al. a) do artigo 53.º da Lei
da Família.

Neste caso, trata-se da situação do casamento ter sido realizado por funcionário do
registo civil que, embora não detivesse os poderes necessários por não desempenhar
funções que a tal o habilitariam, exerce de facto as referidas funções.

Exemplo desta situação pode ocorrer quando, em vez do conservador ou do seu


ajudante, o acto é realizado por um escriturário, que vinha publicamente a exercer as
competências próprias do conservador, sem que para tal se achasse funcionalmente
habilitado.

110
Um casamento contraído em tais circunstâncias, não só não se considerará como
inexistente, como também não será susceptível de ser anulado, uma vez que nenhuma
disposição legal lhe dá esse tratamento.

Isto justifica-se porque se pretende dar protecção jurídico-legal dos nubentes estarem
de boa fé.

Note-se que já não será assim, quando os nubentes, no momento da realização do


casamento, tinham pleno conhecimento de que o acto estava a ser celebrado por
quem não tinha poderes para o realizar.

Como referimos, uma outra excepção à regra geral da inexistência consagrada pela al.
a) do artigo 53.º da Lei da Família verifica-se no caso de se tratar de casamento
urgente.

Na situação especial dos casamentos urgentes, é perfeitamente compreensível a razão


de ser de uma excepção, se se tiver presente que, em relação a eles, o funcionário do
registo civil pode ser substituído por qualquer pessoa despida dos poderes próprios
para a realização daquele tipo de acto, por faculdade da própria lei, como foi
mencionado no capítulo referente à celebração dos casamentos urgentes.

A segunda causa da inexistência jurídica do casamento ocorrerá se o casamento


urgente não vier a ser homologado.

Em momento anterior do nosso estudo, quando tratámos dos casamentos uregentes,


referimo-nos a esta questão, em pormenor, incluindo as situações que poderão
determinar a não homologação daquele tipo de casamento.

A terceira e quarta causas dizem respeito à falta de consentimento motivado, ou por


falta de declaração expressa de vontade dos nubentes ou de um deles, ou por
existência de vícios ocorridos na celebração do casamento por procuração.

No primeiro caso que referimos, falta de declaração expressa de vontade, é


importante não se confundir esta situação com a da falta de vontade ou vontade
viciada por erro ou coação, pois são coisas bem distintas, razão pela qual o tratamento
dado pela lei é também bem diferente. No caso da al. c) do artigo 53.º da Lei da
Família, o nubente não emite nenhuma declaração manifestando o seu consentimento
para o casamento. Se for uma situação de divergência entre a declaração e a vontade,
já não estaremos perante uma situação de inexistência, mas de anulabilidade.

Com efeito, na al. c) do artigo 53.º da Lei da Família a causa justificativa da inexistência
é deteminada pelo facto de ter havido falta de declaração expressa de vontade por
parte de um dos nubentes ou de ambos, ou do procurador que representava no acto
um dos nubentes.

Só se poderá estar em presença de uma causa deste género quando um dos nubentes
não se pronunciou nos termos do estipulado pela al. e) do n.º 1 do artigo 190.º do C.
Reg. Civil ou nos termos em que o pronunciamento é exigido na celebração do
casamento religioso ou tradicional.

111
Como se pode constatar trata-se de situação bem diferente da que se acha
contemplada nos artigos 56.º, al. b), 60.º e 61.º, todos da Lei da Família, pois no caso
previsto pelos referenciados preceitos legais existiu uma declaração negocial, o que
acontece é que ela se mostra inquinada, em razão de falta de vontade ou em
consequência da vontade de estar viciada.

A terceira causa, falta de consentimento, como já foi referido atrás, pode ser ditada
pela verificação de vícios relacionados com a procuração, que esteve na origem do
casamento por procuração, os quais se acham enumerados, de forma expressa, na al.
d) do artigo 53.º da Lei da Família.

Trata-se, nesse caso, do seguinte tipo de vícios.

- já não possuir o procurador poderes para o acto, por terem cessado


os efeitos próprios da procuração;

- ter sido outorgada a procuração por pessoa distinta do nubente que


está sendo representado; e

- ser nula a procuração por não conter poderes especiais para o acto ou
por nela não se designar expressamente o nome do outro nubente.

Note-se que a Lei ainda obriga a que na procuração para o casamento seja indicada a
modalidade de casamento, mas uma omissão em relação a esse aspecto não
determina a inexistência do casamento.

A quarta e última causa de inexistência respeita ao caso de haver a mesma identidade


de sexos por parte dos nubentes – cfr. al. e) do artigo 53.º da Lei da Família.

Algumas das novas correntes civilistas, que se têm vindo a desenhar no mundo,
afastam-se da posição assumida pelo legislador do C. Civil de 1967.

Mas, não vamos neste momento tecer quaisquer considerandos à volta de tais
doutrinas.

A propósito desta última causa justificativa de inexistência jurídica do casamento vale


a pena chamar a atenção para uma interessante análise jurisprudencial, que se acha
inserta no Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Novembro de 1961, o qual
se acha publicado no B.M.J. nº 111, a págs. 450 e seguintes.

Quanto ao regime jurídico da inexistência, do n.º 1 do artigo 55.º da Lei da Família


resulta expresso que o casamento juridicamente inexistente não produz qualquer tipo
de efeitos jurídicos, nem mesmo efeitos putativos. E isto é importante, se nos
recordamos do que já foi referido atrás, relativamente aos efeitos putativos do
casamento anulado.

Por último, do nº 2 do artigo 55.º da Lei da Família, retiram-se os princípios de que a


inexistência pode ser invovada a todo o tempo e por qualquer pessoa,
independentemente de declaração judicial.

112
Do primeiro princípio extrair-se a conclusão de que a invocação da inexistência do
casamento não está sujeito a qualquer prazo.

E, do segundo princípio, relativo à legitimidade para invocar a inexistência, infere-se


não haver, por lei, nenhuma limitação, já que qualquer pessoa a pode invocar.

* ANULABILIDADE DO CASAMENTO

Os casos que podem determinar a anulabilidade do casamento, são apenas os que se


encontram fixados por lei sendo, por isso, a sua enumeração taxativa.

As causas de anulabilidade do casamento acham-se previstas no artigo 56.º da Lei da


Família, e são as seguintes:

 ter sido contraído com algum impedimento dirimente;


 ter sido celebrado o casamento, havendo falta de vontade ou
vontade viciada por erro ou coação, por parte de um ou de
ambos os nubentes; e
 ter sido ecelebrado o casamento sem a presença das
testemunhas, que a lei exige.

A primeira causa justificativa de anulabilidade do casamento resulta do facto de se ter


contraído matrimónio existindo impedimento dirimente, absoluto ou relativo.

Quando se abordou a matéria atinente aos impedimentos dirimentes, houve o cuidado


de tratar, em todos os seus aspectos, esta causa de anulabilidade, incluindo o que diz
respeito, quer à legitimidade para a requerer, quer aos prazos de caducidade do
direito à acção.

Por tal razão, que não se justifique repetir agora o que já foi dito a tal respeito.

Assim, passaremos a centrar agora a nossa exclusiva atenção nas causas enumeradas
nas als. b) e c) do artigo 56.º da Lei da Família.

Na al. b) do referido preceito legal prevêm-se duas causas diferentes, determinativas


da viciação do casamento, em tanto que negócio jurídico.

Como causa justificativa da anulabilidade do casamento consagra-se, por um lado, a


falta de vontade e, por outro lado, a viciação da determinação da vontade, em
consequência de erro ou de coação.

No primeiro caso, como anteriormente já foi referenciado, não se trata de situação de


falta de manifestação de vontade negocial, mas antes de declaração que foi produzida
com falta de vontade.

113
As situações, que na lei se consideram como falta de vontade na declaração negocial
produzida, acham-se enumeradas no artigo 60.º da Lei da Famílial e são as seguintes:

 a falta de consciência do acto praticado, motivador por incapacidade


acidental ou outra causa;
 a existência de erro por parte do nubente acerca de identidade física do
outro contraente;
 ter sido a declaração de vontade extorquida por coação física; e
 ter sido o casamento simulado.

Em todas estas situações é importante reter que chegou a haver declaração negocial
da parte dum ou ambos os nubentes, mas o que efectivamente se passou, é que essa
mesma manifestação negocial se apresenta viciada, em consequência de se ter
registado falta de vontade, determinada por uma das causas acima indicadas.

Passemos agora a analisar cada uma das causas determinativas da existência de falta
de vontade do contraente, na manifestação negocial por ele produzida, que se acham
indicadas no artigo 60.º da Lei da Família.

A primeira causa da falta de vontade ocorrerá sempre que o declarente não tenha tido
consciência do acto que praticou.

Neste caso de falta de vontade está-se em presença de situação em que, no momento


da proferição da declaração negocial, o declarante não estava no livre exercício da
vontade.

E, é importante salientar que, para existir um caso desta natureza, é necessário estar-
se em presença de situação, em que a falta de livre exercício da vontade foi motivada
por incapacidade acidental.

O caso de falta de vontade originada por incapacidade acidental verificar-se-á sempre


que o nubente emitiu a sua manifestação negocial sob a acção de drogas ou de
hipnóse.

Uma outra situação que constituirá, de igual modo, causa de anulabilidade prevista na
al. a) do artigo 60.º da Lei da Família, por se traduzir em falta do livre exercício da
vontade, será o caso do nubente estar em estado avançado de embriaguês ou em
estado de delírio que não lhe permite entender o sentido da declaração produzida.

Importante se mostra referir que a incapacidade acidental, traduzida na privação


mmentânea da razão, para que tenha relevância jurídica, não carece de ser notória ou
mesmo conhecida do outro nubente.

A segunda causa da anulabilidade do casamento por falta de vontade, referida na al. b)


do artigo 60.º da Lei da Família, traduz-se na verificação de erro acerca da identidade
física do outro nubente.

Exemplo académico duma situação desta espécie acontecerá quando o nubente


celebra casamento com A, estando na convicção de estar a casar com B.

114
Tratar-se-á do caso do nubente ter celebrado casamento com o irmão gémeo da
pessoa, com quem de facto queria casar; ou também, de um cego que casa com
pessoa diferente daquela com quem queria contrair matrimónio, por esta ter sido
substituída na cerimónia de casamento, sem que o nubente tenha dado conta.

Idêntica situação pode ocorrer no caso de casamento por procuração, em que o


mandante, por não conhecer a identidade física do outro nubente, derivado de erro ou
mesmo dolo, acaba celebrando casamento com outra pessoa.

A terceira causa justificativa da anulabilidade do casamento, por falta de vontade,


expressa na al. c) do artigo 60.º da Lei da Família, verifica-se quando a manifestação de
vontade foi extorquida por coação física.

Estar-se-á em presença deste tipo de causa quando a declaração negocial tenha sido
obtida, coagindo-se fisicamente quem a emitiu.

Trata-se de situação não muito comum, tendo em conta que a extorção da


manifestação de vontade por coação física, por via de regra, é de difícil concretização,
tendo em consideração as formalidades que rodeiam a própria declaração de vontade
e o facto de acto envolvido de grande publicidade.

Como quarta causa justificativa da anulabilidade do casamento, por falta de vontade,


que a lei consigna, na al. d) do artigo 60.º da Lei da Família, é o casamento simulado.

Quando ocorra um caso desta natureza, inubitável se mostre que se está perante
situação de falta de vontade dos nubentes em contrair matrimónio.

A figura do casamento simulado tem suscitado grande controvérsia na doutrina em


geral, valendo atentar, por isso, no que é referido por civilistas, como Beleza dos
Santos, Pires de Lima, Pereira Coelho e Ferrara.

Para uma melhor compreensão desta causa de anulabilidade será de interesse ter
presente o conceito jurídico de simulação, que se acha expresso no n.º 1 do artigo
240.º do C. Civil.

Analisadas as situações determinativas de anulabilidade do casamento, em resultado


de falta de vontade, importa agora passar a apreciar a segunda vertente da causa
indicada na al. b) do artigo 56.º da Lei da Família, a viciação da determinação da
vontade por erro ou por coação.

Análise essa que se impõe seja feita, de forma separada, apreciando em primeiro lugar
a viciação motivada por erro e, em segundo lugar, a viciação ocasinada por coação.

Quanto à viciação da determinação da vontade por erro, nos artigos 61.º e 62.º da Lei
da Família estabelecem-se os pressupostos que relevam como erro-vício no domínio
do casamento. Por tal razãoque interesse atentar devidamente no que se dispõe
naquelas normas jurídicas sobre a referida matéria.

115
As causas relevantes de erro, que vicia a vontade, encontram-se contempladas no
artigo 61.º da Lei da Família e são as seguintes:

- a prática, antes do casamento, de crime doloso punido com pena de


prisão superior a dois anos, independentemente da sua natureza;

- vida e costumes desonrosos levados antes do casamento;

Entretanto, antes de passar em análise cada um dos referidos pressupostos, é


importante atentar-se, que a própria lei impõe, para efeitos de relevância do erro, que
se trate de situação relacionada com um dos nubentes, e que fosse desconhecida do
outro à altura da celebração do casamento.

Por outro lado, conforme se extrai do disposto pelo n.º 1 do artigo 62.º da Lei da
Família o erro tem de ser desculpável e essencial.

Deste modo, que se tenha de concluir que, neste caso, se está perante a consagração
de dois requisitos gerais de que dependerá a relevância jurídica do erro nesta matéria,
os quais se traduzem, como se viu, na desculpabilidade e na essencialidade.

Relativamente ao primeiro requisito há aqui um desvio em relação ao regime habitual


do erro, como se constatará da confrotação com o disposto pelos artigos 247º e 251º
do C. Civil, mas tal situação compreender-se-á perfeitamente, se se tiver em
consideração a importância que é reconhecida ao casamento pela lei e pela própria
sociedade.

O erro deve ser desculpável no sentido de que a sua ignorância não resulta da falta de
diligência normal do nubente que o invoca. Parte a lei do pressuposto de que a
convivência anterior ao casamento e as circunstâncias em que ela ocorre, bem como o
conhecimento mútuo que se obtem antes do casamento, devem conduzir a que cada
nubente tenha conhecimento de informações relevantes sobre a conduta e o passado
do outro. Numa situação em que os primeiros encontros entre os nubentes ocorrem
nas instalações de uma cadeia, sendo ambos reclusos, não é aceitável que o nubente
nada pergunte ao outro sobre as razões da reclusão e venha mais tarde alegar que
ignorava o facto deste ter cometido crime antes do casamento.

Um outro exemplo seria de pessoas que se encontram, sistematicamente, num local


conhecido por ser frequentado por consumidores de droga, antes de contrair
casamento. Contraído o casamento, a ignorância sobre o consumo de droga por um
dos nubentes pode ser considerado indesculpável se aquele que o invoca não
diligenciou no sentido de apurar se o seu companheiro era ou não consumidor de
drogas.

Ou seja, só quando não tenha havido incúria do nubente e se trate de situação que
não era de normal percepção do homem mediano, se poderá dizer que se está perante
erro-vício (erro desculpável), para efeitos de causa de anulabilidade do casamento.

116
Quanto ao segundo requisito geral, essencialmente do erro, a própria lei tratou de
apresentar a sua definição, no n.º 2 do artigo 62.º da Lei da Família, que estabelece
que “o erro não se considera essencial quando se mostrar que, mesmo sem ele, o
casamento teria sido celebrado, ou se o conhecimento da realidade não provocar no
nubente enganado justificada repugnância pela vida em comum”.

Impõe-se, portanto, a verificação alternativa de duas condições.

A primeira traduz-se em que o casamento não chegaria a ser constraído sem o erro, a
que fora induzido o nubente.

E, a segunda condição traduz-se em que o conhecimento da situação determinativa do


erro ocasionar no nubente justificada repugnância pela vida em comum, ou seja, em
continuar casado com o outro nubente.

Só quando se verificar uma das duas condições agora descritas existirá essencialmente
no erro.

Posto isto, debrucemo-nos então sobre os aspectos em que deve incidir o erro para
efeitos da anulação do casamento, enumeradas no artigo 61.º da Lei da Família45.

A primeira causa indicada traduz-se na prática por parte de um dos nubentes, e que o
outro desconhecia, de qualquer crime doloso a que corresponda pena superior a dois
anos, quando a sua consumação tenha ocorrido antes da celebração do casamento.

Deve-se ter em atenção que, para os efeitos desta disposição legal, apenas releva a
prática de crime doloso. Assim sendo, sempre cairá fora da previsão da lei toda a
conduta delituosa, que revista natureza meramente culposa.

Por outro lado, ao crime doloso tem de corresponder sempre pena de prisão superior
a dois anos.

Importante é ainda salientar que, para efeitos de relevância do erro, a lei não exige
que tenha havido condenação anterior ao casamento.

Assim, para que se mostre relevante esta circunstância, enquanto erro que vicia a
vontade, bastará que dos nubentes houvesse praticado, por exemplo, um crime de
peculato ou de falsificação antes da celebração do casamento, e que tal ilícito penal
venha a ser denunciado já na constância do matrimónio, originando, desse modo,

45
O artigo 1636 do Código Civil previa também como casos de erro que vicia a vontade o desconhecimento dos
seguintes factos em relação ao outro nubente: nacionalidade ou estado diferente do que lhe era atribuido ou de
que se arrogava, a impotência funcional incurável, absoluto ou relativa ou alguma deformidade física irremediável,
que existissem já antes do casamento e a falta de virginidade da mulher ao tempo do casamento. Entendeu o
legislador que aqueles factos não justificavam a anulação do casamento, por serem situações normalmente
perceptíveis no momento de conhecimento mútuo que antecede o casamento. Quanto à falta de virgindade da
mulher, para além de tal disposição se mostrar desajustada à realidade actual era inconstitucional, porque
descriminatória.

117
conhecimento público da referida conduta delituosa. De qualquer modo, tendo em
conta o princípio da presunção de inocência, só poderá ser intentada a acção de
anulação depois da condenação com transito em julgado.

A propósito da prova desta causa de erro-vício, há algumas divergências na doutrina.


Há quem entenda que ela tanto pode ser feita através da acção criminal, como na
própria acção de anulação do casamento. Outros defendem que só deverá fazer, em
princípio, na acção penal.

Para uma melhor percepção das proposições que os civilistas assumem em relação a
esta questão, valerá a pena consultar as obras de Pires de Lima, Braga da Cruz e
Pereira Coelho.

Em qualquer das situações, do nosso ponto de vista, cremos que se impõe que se faça
prova do facto – prática de crime doloso a que corresponda pena superior a dois
anos, o que terá de ser feito pelo nubente enganado, ao qual incumbirá demonstrar
que desconhecia aquele facto, e tal demonstração poderá ser feita por qualquer dos
meios admitidos por lei.

Na alínea b) do artigo 61.º inclui-se situações, tais como, a prática reeiterada de actos
criminosos, de natureza dasonrosa, condutas habituais que tenham a ver com vício do
jogo, a prostituição, a devassidão de costumes e a corrupção de menores.

Deve, porém, ter-se em devida conta um aspecto particular, que foi referido em
momento anterior. A conduta, que evidencia vida e costumes desonrosos, tem de
revestir as características de procedimento continuado ou habitual, durante um
espaço temporal significativo, e não de situação esporádica ou isolada.

Uma outra causa de anulabilidade do casamento a que se refere a al. b) do artigo 56.º
da Lei da Família é a coação moral. Tratando-se de matéria devidamente tratada em
sede de Teoria Geral do Direito, não se mostra relevante entrar em detalhes.

Relativamente à ameaça, sem si mesma, sempre importará entender que não é todo o
tipo de ameaça, que poderá constituir coacção, para os efeittos do cominado no citado
dispositivo legal.

Assim, a ameaça de um mal, que pode ser grave, pode não ser reprovável e,
consequentemente, pode não justificar a aplicação deste comando legal, se a ameaça
se inscrever no exercício de um direito ou no cumprimento de uma obrigação.

Pensemos no caso em que a nubente ameaça denunciar o outro nubente à polícia se


continuar a ser passador de droga, se não contrair casamento com ela.

É evidente que se trata de uma ameaça de um mal grave, por se traduzir na perda de
liberdade em relação a uma pessoa, mas a ela não está associada a ilicitude, porque se
contempla no cumprimento de uma obrigação que a lei impõe aos cidadãos.

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A propósito da ilicitude sempre se deve ter em devida conta que o simples temor
reverencial não pode considerar-se como ameaça ilícita, como seja o receio de
desagradar à família, porque se sabe que o pai não gosta do nubente.

Para efeito que acaba de ser referido deve ter-se presente o que dispõe, a este mesmo
propósito, o nº 3 do artigo 255º do C. Civil ao estabelecer: “Não constitui coacção a
ameaça do exercício normal de um direito nem o simples temor reverencial”.

Tratar-se-ia, concretamente, da situação em que a nubente contraiu casamento com o


nubente, porque a mãe lhe afirmara que morreria de desgosto de não casasse com
essa pessoa.

Para terminar a apreciação que temos vindo a fazer quanto às causas de anulabilidade
do casamento, importa referenciar a situação consagrada na al. c) do 56.º da Lei da
Família.

Trata-se especificamente do facto de se ter celebrado o casamento sem a presença das


testemunhas exigidas na lei.

Esta causa de anulabilidade está intimamente relacionada com o incumprimento de


um dos requisitos essenciais da celebração do casamento, nas três modalidades,
previstos nos artigos 47.º, 50.º e 51.º da Lei da Família, bem como nos artigos 189.º e
221.º do C. Reg. Civil.

Quando a falta das testemunhas diga respeito ao caso de casamento urgente, tal
situação conduzirá à sua não homologação, como se vê, quer da al. a), do nº 1 do
artigo 46.º da Lei da Família, quer dos artigos 191º e 195º do C. Reg. Civil, e a
consequência da não homologação é a inexistência jurídica do referido casamento,
como resulta do preceituado pela al. b) do artigo do 53.º da Lei da Família.

Interessará agora apreciar as questões que se prendem com a problemática da


legitimidade e da caducidade do direito de propôr a acção de anulação.

Passando a analisar a matéria que se relaciona com saber quem tem legitimidade para
requerer a anulabilidade.

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