Elaboração e Implementação em Políticas Públicas - Ebook PDF
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EM POLÍTICAS PÚBLICAS
ORGANIZADORES JÉSSICA MÁRA VIANA PEREIRA;
O poder público tem o dever de escolher e implementar as melhores políti- NATÁLIA NIQUINI RIBEIRO
cas para atender as necessidades dos indivíduos com base nas leis do país.
Este livro é essencial para o estudo das políticas públicas, apresentando os
conceitos e as ferramentas para a elaboração e sua implementação.
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Como fazer uma avaliação do orçamento no setor público e quais os mod-
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elos de previsão de receitas e quais as técnicas fundamentais para realizar
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análise de balanço? Estas e outras importantes questões serão respondi-
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das nesta obra, bem como serão apresentadas as principais normas que
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orientam as práticas contábeis no setor público. Livro conciso, didático e
CY objetivo para aprender os fundamentos dessa área.
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ISBN 9786555580525
Equipe de apoio educacional: Caroline Guglielmi, Danise Grimm, Jaqueline Morais, Laís Pessoa
Bibliografia.
ISBN: 9786555580525
E-mail: sereducacional@sereducacional.com
PALAVRA DO GRUPO SER EDUCACIONAL
Janguiê Diniz
Autoria
Jéssica Mára Viana Pereira
Graduada em Gestão Pública, Mestra e Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG). É integrante do Núcleo de Estudos em Gestão e Políticas Públicas (Publicus) da
UFMG. Possui experiência de 9 anos em gestão pública, com atuação no meio profissional e acadêmico.
Prefácio..................................................................................................................................................8
Em quatro unidades, este livro abordará o que é preciso saber sobre a elaboração
e a implementação de políticas públicas, que são as ações que o poder público escolhe
adotar ou não visando atender o cidadão de acordo com a leis do país.
A primeira unidade fará uma Introdução à Análise de Políticas Públicas, apresentando
seus conceitos e características. Será explicada a diferença entrepolity, politic e policye
a relação entre estes conceitos. O conceito de atores políticos (stakeholders)do
tipo público (políticos e burocratas) e privado também são assuntos desta unidade.
Falaremos sobre o surgimento do campo de análise das políticas públicas, com foco
no cenário histórico no Brasil. Finalizando esta unidade, compreenda também sobre a
inserção das políticas públicas no campo de conhecimento multidisciplinar.
Na sequência, a segunda unidade vai abordar a Formulação de políticas públicas.A
formulação faz parte do ciclo de políticas públicas, por isso, vamos explicar o que é
esse ciclo e quais são as suas fases: formação da agenda, formulação, implementação,
monitoramento, avaliação e reformulação. Aprenderá aqui os modelos teóricos de
análise da formulação de políticas públicas, com foco na formação da agenda, para se
entender como e por que o governo faz ou deixa de fazer alguma ação que repercutirá
na sociedade. Por fim, conhecerá o papel do Estado e do governo nas políticas públicas,
com foco no caso brasileiro.
Na unidade 3, vamos tratar da Formulação e implementação de políticaspúblicas,
explicando o processo de formulação e de tomada de decisão na escolha de alternativas
de políticas públicas. Analisar e compreender o problema que demanda a criação de
uma política pública também será assunto desta unidade. Saiba como colocar em
prática os ensinamentos apresentados nas unidades anteriores e conheça os desafios
que se impõem na implementação de políticas públicas e técnicas que podem ajudar
nesse processo. Você aprenderá também a importância de se conhecer os principais
instrumentos que orientam as políticas públicas.
Receitas, despesas, dívida e balanços públicossão assuntos da quarta unidade,
apresentando os conceitos de políticas públicas e seuprocesso de elaboração e
implementação. Mostraremos aqui como fazer uma avaliação do orçamento no setor
público. Também serão discutidos os conceitos de tributações diversas e outras formas
de receita do Estado, princípios de origem e destino dos recursos públicos, incentivos
fiscais, subsídios, despesa, déficit, dívida pública, entre outros. Entenda ainda os modelos
de previsão de receitas e as técnicas fundamentais para realizar análise de balanço. As
principais normas que orientam as práticas contábeis no setor público, bem como os
órgãos responsáveis pelas publicações desses documentos finalizam esta obra.
UNIDADE 1
Introdução à análise de políticas
públicas
Introdução
Olá,
Bons estudos!
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A primeira ênfase conceitual incide sobre a finalidade e decisões das políticas públicas.
Conforme Saraiva (2006, p. 28), política pública, portanto, seria
I) Um curso de ação escolhido para lidar com um problema ou uma questão de interesse comum
(...)
II) Um conjunto de decisões inter-relacionadas referentes à seleção de objetivos e dos meios para
atingi-los (...)
III) Um conjunto de decisões adotado e posto em prática mediante processos selecionados que
definem os recursos necessários, sua distribuição e gestão (...)
IV) Estratégias que apontam para diversos fins, todos eles, de alguma forma, desejados pelos
diversos grupos que participam do processo decisório.
I) Um conjunto das atividades de um governo, diretamente realizadas por agentes públicos ou por
agentes da sociedade, e que influenciam a vida dos cidadãos”.
II) Um curso de ação produzido por um governo (Executivo, Legislativo e/ou Judiciário) que satisfaz
uma necessidade e que se expressa na forma de objetivos estruturados em um conjunto de diretrizes,
de caráter imperativo, aceitos pela coletividade (RUA; ROMANINI, 2013, p. 5).
A terceira ênfase, além de focar no caráter público das decisões tomadas, tem a ideia de que
a política pública seria para intervir na realidade. Ainda, podemos observar a seguir no enunciado
‘II’, a inclusão das ações e das omissões do governo no conceito. Nesse aspecto, conforme Saraiva
(2006), política pública seria um:
I) Fluxo de decisões públicas, orientado para manter o equilíbrio social ou a introduzir desequilíbrios
destinados a modificar essa realidade (...)
II) Sistema de decisões públicas que visa a ações ou omissões, preventivas ou corretivas, destinadas
a manter ou modificar a realidade de um ou vários setores da vida social, por meio da definição de
objetivos e estratégias de atuação e da alocação dos recursos necessários para atingir os objetivos
estabelecidos” (SARAVIA, 2006, p. 28-29).
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FIQUE DE OLHO
Como vimos no conceito de política pública exposto, a omissão de uma decisão dos atores
públicos pode também ser considerada uma política pública, pois a imposição de empecilhos
à inserção de uma demanda na agenda governamental é uma forma de lidar politicamente
com um problema. Porém, não existe um consenso na literatura: se todas as “não-decisões”
fossem consideradas políticas públicas, absolutamente tudo seria política pública?
apesar de optar por abordagens diferentes, as definições de políticas públicas assumem, em geral,
uma visão holística do tema, uma perspectiva de que o todo é mais importante do que a soma das
partes e que indivíduos, instituições, interações, ideologia e interesses contam, mesmo que existam
diferenças sobre a importância relativa destes fatores (SOUZA, 2006, p. 25).
De acordo com Rua e Romanini (2013, p. 7), “uma política pública geralmente envolve mais
do que uma decisão isolada, além de requerer diversas ações estrategicamente selecionadas para
implementar as decisões tomadas”. Como exemplos, podemos citar o Sistema Único de Saúde
(SUS), programas de transferência de renda, privatização de estatais, programas de merenda e
transporte escolar.
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Por sua vez, a decisão política, se refere a “uma escolha entre várias alternativas, segundo a
hierarquia das preferências dos atores envolvidos, expressando – em maior ou menor grau – certa
adequação entre os fins pretendidos e os meios disponíveis num contexto de relações de poder
e conflito” (RUA; ROMANINI, 2013, p. 7). Uma reforma ministerial e uma emenda constitucional
para reeleição presidencial podem ser exemplos de decisão política.
Portanto, apesar de uma política pública necessitar de uma decisão política, nem toda decisão
política resulta em uma política pública em si.
Nesse caso, a política pública, depende em última instância, de uma estrutura legal de
procedimentos e de processos institucionais governamentais. Porém, isso não quer dizer que
outros atores não possam estar envolvidos. Em maior ou menor grau diversos atores podem
agregar a participação nas diversas fases e atividades da política pública, desde que o seu
envolvimento dependa de decisões imperativas do Estado.
Na prática, esse caráter imperativo está presente nos próprios instrumentos de políticas
públicas, como na legislação, nos recursos financeiros e humanos, nos bens e serviços, nos
tributos e taxas, nos subsídios e incentivos, e até mesmo na coerção. Em síntese, os principais
instrumentos de políticas públicas são:
Legislação
Recursos financeiros
Impostos e taxas
Outros
FIQUE DE OLHO
Não podemos confundir políticas públicas com atividades coletivas. Existem várias
coletividades de caráter privado, como clubes, organizações não-governamentais e
associações civis, que oferecem benefícios por decisão própria. “Coletivo não é o oposto de
privado e não é o mesmo que público” (RUA; ROMANINI, 2013, p. 9).
Conforme Secchi (2010, p. 4), a essência do conceito das políticas públicas é o problema
público. Dessa forma, o que indica se uma política é pública ou não seria a seu intuito de responder
a um problema “público” (não um problema político), independentemente do tomador de
decisão ter personalidade jurídica estatal ou não estatal (RUA; ROMANINI, 2013, p. 9).
qual os governos se veem constrangidos a dar algum retorno e resposta à sociedade. Para Rua e
Romanini (2013, p. 9), isso ocorre, porque, “mesmo que sua resposta seja puramente simbólica,
o custo político de se omitir frente ao problema pode ser demasiado elevado para os governantes
(perda de legitimidade, fragilização frente às forças de oposição, etc.)”.
O entendimento mais unânime na Ciência Política é que “o fator decisivo para uma política ser
“pública” está em seu respaldo pela autoridade do Estado – não a personalidade jurídica dos que
nela atuam, tampouco a natureza do problema em que se circunscreve” (RUA; ROMANINI, 2013,
p. 10). Nessa perspectiva, Saravia (2006) apresenta os elementos comuns das políticas públicas:
b) Decisório: a política é um conjunto de decisões, relativo à escolha de fins e/ou meios, de longo
ou curto alcance, numa situação específica e como resposta a problemas e necessidades;
c) Comportamental: implica ação ou inação, fazer ou não fazer nada; mas uma política é, acima de
tudo, um curso de ação e não apenas uma decisão singular;
d) Causal: são os produtos de ações que têm efeitos no sistema político e social (SARAVIA, 2006,
p. 31).
• Permite distinguir entre o que o governo pretende fazer e o que, de fato, faz.
• Envolve processos subsequentes após sua decisão e proposição, ou seja, implica também
implementação, execução e avaliação.
• Envolve vários atores e níveis de decisão, embora seja materializada através dos gover-
nos.
• Não se restringe aos participantes formais, já que os informais são também importantes.
vamos recorrer à língua inglesa para realizar a diferenciação conceitual entre polity (instituições
políticas), politics (processo político) e policy (conteúdos da política). Logo após, a exposição
recairá sobre a relação entre esses conceitos.
Figura 1 - Política
Fonte: Sinart Creative, Shutterstock (2020).
A dimensão institucional polity se refere “à ordem do sistema político, delineada pelo sistema
jurídico, e à estrutura institucional do sistema político-administrativo” (FREY, 2000, p. 216). Essa
estrutura geralmente é resultado de um pacto e interação entre atores políticos (poucos, em
regimes autoritários ou muitos, em regimes democráticos). A polity pode ser entendida ainda como
as regras do jogo político, ou seja, as instituições que constrangem os atores em suas interações.
A polity comporta macro, médias e micro instituições, sendo que as macro são as principais
que atuam nessa dimensão da política. São exemplos:
• Normas constitucionais;
Dito isso, podemos perceber que a dinâmica política envolve articulações, pressões,
competições, cooperações, disputas, conflitos, pactos, rupturas etc. Diferente da polity, que
é mais estável, a politics é dinâmica e pode variar, mais ou menos, ao longo do tempo. Como
exemplo, citamos os seguintes elementos da politics:
• Alianças políticas;
• Coalizões de governo;
• Relações intergovernamentais;
Por fim, a dimensão material policy diz respeito “aos conteúdos concretos, isto é, à configuração
dos programas políticos, aos problemas técnicos e ao conteúdo material das decisões políticas”
(FREY, 2000, p. 217). Na prática, a policy são as políticas públicas que, em grande medida, são
influenciadas pelas regras (polity) e pelo jogo político (politics), como veremos a seguir. Como
elementos da policies, podemos citar:
• Formação de agenda;
• Formulação ou planejamento;
• Implementação ou execução;
• Monitoramento;
• Avaliação;
Devemos lembrar também que diversos fatores que condicionam as políticas públicas podem
estar sujeitos a alterações no decorrer do tempo. Um exemplo disso é o aumento da consciência
ambiental na Europa após o acidente nuclear de Chernobyl, que resultou na implementação de
políticas públicas ambientais mais concretas. Porém, a crise socioeconômica e financeira iniciada
em 2008 pode ter enfraquecido a agenda governamental voltada para a questão ambiental.
Ainda assim, grupos de interesse fortes, como o Greenpeace, ainda continuam atuando para
incluir pautas ambientais na agenda.
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Vamos lembrar que nenhuma tipologia é capaz de enquadrar todos os aspectos das políticas
públicas. Ainda, uma política pública poder ser pertencente à mais de uma tipologia. Um exemplo
disso é a política de educação básica, que pode estar enquadrada na tipologia de política social,
política universal, política majoritária e na política distributiva ou redistributiva, a depender da ação.
A política estruturadora ou constitutiva é definida pela construção das leis e regras do jogo
político- institucional, sendo impactantes na construção das democracias. “São as normas e
os procedimentos sobre as quais devem ser formuladas e implementadas as demais políticas
públicas” (RUA; ROMANINI, 2013, p. 47). Pode-se citar as regras constitucionais, regimentos das
Casas Legislativas e do Congresso Nacional, etc.
A política distributiva é aquela construída para algum grupo de atores políticos, não sendo,
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portanto, dirigida para totalidade da população. Essas políticas alocam bens e serviços a setores
específicos da sociedade (regiões, localidades, grupos sociais etc.) com recursos da coletividade
como um todo (RUA; ROMANINI, 2013, p. 47). Podemos citar como exemplos, os programas de
transferência de renda (ex. Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada - BPC), construção
de rodovias, estradas, hospitais e escolas.
FIQUE DE OLHO
Um problema dessa tipologia do teórico Lowi é que considera a polity (regras do jogo,
estrutura do Estado) como policies (política pública). Isso pode mais complicar do que
que esclarece o termo! Vimos que esses conceitos, analiticamente, devem ser tratados
separadamente.
Ao criticar a tipologia de Lowi (1972), o autor Wilson (1973) elaborou uma tipologia cujo
critério é a concentração ou dispersão dos benefícios e custos da política pública. As classificações
resultantes, conforme descreve Rua e Romanini (2013, p. 48), são:
II) Políticas majoritárias: os benefícios e custos das políticas são dispersos na sociedade, isto
é, muitos se beneficiam e custeiam as políticas, a exemplo da política de saúde, segurança pública,
energia e educação.
III) Políticas empreendedoras: os benefícios são dispersos por toda coletividade e os custos
concentrados em alguns grupos. Como exemplo podemos citar a reforma administrativa e política
ambiental.
Essa tipologia, apesar de avançar nos critérios de classificação, possui nomes que podem
gerar outros entendimentos. A nomenclatura “clientelista”, por exemplo, pode remeter à ideia do
clientelismo enquanto sistema de intermediação de interesses, no qual existe uma apropriação
privada de bens públicos. Porém, o termo retrata somente que as políticas são focadas em
determinadas clientelas (beneficiários).
Ao examinar outra dimensão das políticas públicas, Gustafsson (1983) elabora um critério de
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II) Políticas simbólicas: os governantes não têm intenção de implementar políticas, apesar de
terem conhecimento para isso. Muitas das vezes as políticas públicas são formuladas, mas não há
compromisso governamental para implementá-las.
III) Pseudopolíticas: os governantes têm a intenção de implementar as políticas, mas não possuem
conhecimento necessário para tal. Por vezes, para suprir a falta de expertise, os governos contratam
especialistas para sua formulação, mas encontram empecilhos técnicos na implementação. No caso
brasileiro, existem um grande número de municípios que possuem problemas de baixa capacidade
de gestão e acabam comprometendo as possibilidades de atender efetivamente às demandas por
políticas públicas.
IV) Políticas sem sentido: os governantes não têm interesse e conhecimento em implementar
uma determinada política. Esse tipo tende a funcionar como mero discurso político, sem compromisso
algum com a resolução do problema público.
Outra classificação, voltada para a perspectiva social, possui como critério a finalidade da
política pública. Com base nisso são tipificadas em (RUA; ROMANINI, 2013, p. 51):
I) Políticas compensatórias: são focadas na minimização das distorções sociais, a exemplo das
políticas de cotas raciais e a demarcação de terras indígenas.
II) Políticas emancipatórias: buscam empoderar e fortalecer grupos sociais vulneráveis, com
o propósito de promover sua independência frente ao Estado, a exemplo da reforma agrária, da
qualificação profissional etc.
I) Políticas estruturais: buscam alterar estruturas da vida social (renda, emprego, produtividade
etc.). Como exemplo podemos citar as políticas de geração de emprego e as políticas de
desenvolvimento produtivo.
II) Políticas conjunturais ou emergenciais: buscam aliviar uma situação temporária ou “apagar um
incêndio”. Um exemplo é o Programa Fome Zero, que buscou efetivamente reduzir a fome no território
brasileiro.
A partir do critério da abrangência dos possíveis benefícios gerados pelas políticas públicas,
Teixeira (2002) apresenta a seguinte tipologia:
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I) Políticas universais: são implementadas para todos os cidadãos, como o Sistema Único de Saúde
(SUS) e a educação básica.
II) Políticas segmentais ou focalizada: são focadas em um grupo com determinadas características
(idade, raça, condição física, gênero), como a política de cotas do Ensino Superior, políticas para
mulheres, Estatuto do Idoso etc.
III) Políticas fragmentadas: são destinadas a grupos específicos dentro de cada segmento da
sociedade. O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) é um exemplo, no qual política é
direcionada às famílias pobres com crianças em situação de trabalho.
I) Políticas sociais: são destinadas a prover direitos sociais, a exemplo da saúde, assistência social,
educação básica, lazer e habitação etc.;
II) Políticas econômicas: têm como foco a gestão da economia interna e a promoção da inserção
do país na economia externa. O propósito principal é gerar estabilidade e crescimento econômico,
como a política cambial, monetária, fiscal, industrial, agrícola, comércio exterior, etc.;
III) Políticas de infraestrutura: são aquelas destinadas a prover estruturas físicas para incentivar o
crescimento econômico ou propiciar a execução de outras políticas. Como exemplo podemos citar as
políticas de transporte (rodoviário, hidroviário, ferroviário, marítimo e aéreo); as políticas de geração
de energia (elétrica; combustíveis; petróleo, gás), o saneamento básico; mobilidade urbana e trânsito
etc.
III) Políticas de estado: são as destinadas a garantir os direitos básicos e a ordem interna, a exemplo
da segurança pública, política externa; direitos humanos etc. Essas políticas são mais permanentes
e não são dependentes de um governo em particular, isto é, são mais duradouras e consolidadas
(institucionalizadas), como a política de direitos humanos, defesa, relações exteriores etc.
IV) Políticas de governo: em oposto de políticas de Estado, estão vinculadas a um governo e, por
isso, podem ser transitórias, e algumas estão mais associadas a ideologias dos partidos ou a líderes
que governam.
Ao buscar identificar quem são os atores de uma política pública, deve-se fazer os seguintes
questionamentos: Quem ganha e quem perde com a política? Quem é afetado pela política?
Quem tem interesse na política?
No caso do Programa Mais Médicos, os atores centrais são o Governo Federal, os movimentos
sociais, a mídia de massa, as redes sociais e os conselhos de medicina. Estes diversos atores
atuaram na formulação e implementação da política motivados por interesses, ideologias e
objetivos diversificados, e, por consequência, alteraram o percurso do programa.
Os atores públicos são inúmeros e variam ao longo do tempo e conforme a política pública
específica. Estes atores variam em relação à/ao:
• Vínculo institucional;
• Interesses;
• Nível de organização;
• Comportamentos;
• Recursos de poder;
Os atores públicos são aqueles que ocupam função pública ou atuam regidos pelos interesses
públicos ou utilizam recursos de natureza pública. Os principais atores públicos são os políticos
e os burocratas.
Os políticos são “os atores cuja posição resulta da conquista de mandatos eletivos” (RUA;
ROMANINI, 2013, p. 14). Sua atuação é baseada no cálculo eleitoral, na filiação partidária ou
no compromisso com o governo. Como exemplo podemos citar os membros eleitos do Poderes
Executivo (presidente, governadores e prefeitos) e Legislativo (deputados, senadores e vereadores).
Vale lembrar que nem todos os cargos públicos são preenchidos mediante competição
eleitoral. Também existem os políticos designados pelos políticos eleitos para ocupar determinados
cargos na administração pública. “Tipicamente, são lideranças que ocupam posições na estrutura
organizacional dos seus partidos ou são políticos que ficaram provisoriamente sem mandato”
(RUA; ROMANINI, 2013, p. 14). São exemplos: secretários municipais e estaduais, diretores e
presidentes de empresas estatais, ministros, entre outros.
eleitorado e possibilidade de ser eleito/reeleito), mas apenas técnica. Por outro lado, os políticos,
têm de se preocupar, continuadamente, com o eleitorado.
Além dos conflitos entre burocracia e políticos, também existem situações conflitivas entre
organizações burocráticas em diferentes setores do governo. Conforme Rua e Romanini (2013, p.
15), “os agentes burocráticos são capazes de desenvolver projetos políticos, visando promover
interesses pessoais ou as solidariedades organizacionais (como a fidelidade aos valores da
instituição, o fortalecimento da organização à qual pertencem etc.)”.
Vale ressaltar também que pode ser tênue a divisão entre burocratas e políticos: temos
burocratas envolvidos com partidos e atividades políticas, inclusive burocratas que se tornam
políticos. De acordo com palavras das autoras Rua e Romanini (2013, p. 14),
os políticos, por vezes, exercem cargos em organizações burocráticas. Da mesma forma, burocratas
envolvem-se em atividades políticas, de maneira que a linha demarcatória desses diferentes papéis
institucionais pode ser bastante imprecisa. Além disso, embora não disponham de mandato eletivo,
os burocratas frequentemente possuem (e cultivam) clientelas com as quais compartilham afinidades
setoriais. Essas clientelas podem se organizar, ou não, em grupos e redes, que podem proporcionar
importante base de sustentação e de legitimação política aos burocratas.
Analiticamente, a burocracia pode ser subdivida em alto escalão, médio escalão, baixo escalão
(burocracia de nível de rua).
A burocracia de médio escalão, conforme Lotta et al., (2015, p. 23), pode ser definida como
“atores que desempenham função de gestão e direção intermediária (como gerentes, diretores,
coordenadores ou supervisores) em burocracias públicas e privadas”. É ela quem “gerencia os
burocratas de nível de rua e que faz o elo entre esses implementadores e os formuladores”
(LOTTA; PIRES; OLIVEIRA, 2015, p. 25). Esses cargos também apresentam uma instabilidade e
rotatividade alta, já que também estão sujeitos às mudanças advindas do ciclo eleitoral.
ROMANINI, 2013, p. 15). Esse burocrata participa dos processos de implementação e execução das
políticas públicas (e não tomada de decisão ou formulação). Nesse sentido, possuem a capacidade
de adaptar normas, regras e objetivos formais às situações de seu cotidiano, por meio do uso da
discricionariedade inerente às condições do seu trabalho (CAVALCANTI et al., 2018, p. 230).
Por sua vez, os atores privados estão inseridos no campo das esferas particulares do cenário
econômico ou no campo extra-materiais, como em questões de gênero e em valores morais e
éticos. Como exemplo podemos citar os empresários, os sindicatos, os trabalhadores formais
ou informais, as associações civis, religiosas, ONGs, partidos políticos, movimentos sociais, entre
outros. (RUA; ROMANINI, 2013, p. 16).
Internacionais
Nacionais
Regionais
Como, por exemplo, a Federação das Indústrias de São Paulo e a Associação dos Empresários
da Zona Franca de Manaus;
Locais
Quanto a sua vinculação com a política existe os atores privados formais e informais. Os
formais têm atuação direta em algum âmbito da política, já que os indivíduos ou organizações
desempenham papéis predeterminados, segundo estatutos públicos ou privados, como é o caso
do representante da indústria de fármacos no Conselho Nacional de Saúde. Podem atuar também
no âmbito informal mediante, principalmente, via rede de políticas públicas (policy networks).
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FIQUE DE OLHO
O termo policy networks refere-se às interações das diferentes instituições e grupos
tanto do executivo, do legislativo como do privado e da sociedade na formulação
e implementação de uma política pública. As redes de relações sociais se repetem
periodicamente, mas são menos formais e delineadas do que relações sociais
institucionalizadas (FARAH, 2000, p. 221).
Rua e Romanini (2013, p. 16) consideram que um dos principais atores privados é o do
empresariado. Esse grupo tem um maior poder de influenciar a condução, criação e manutenção
de políticas públicas, uma vez que possuem alto poder de barganha, devido a sua capacidade de
mobilização financeira e social. Eles podem, por exemplo, afetar as políticas públicas pela via da
produção, do pagamento de tributos, da geração de emprego, da prestação de serviços, por sua
atuação junto aos políticos e burocratas (financiamento de campanha, lobby etc);
Deve considerar, ainda, os diversos atores internacionais que, a depender do tipo e do objeto
de cada política pública específica, podem assumir papel crucial. Esses atores podem ser:
Países (EUA, China) ou regiões (União Europeia, Mercosul), que influenciam as políticas
públicas de outros países, a partir de sua influência econômica e seus exemplos de políticas. Um
exemplo é a crise da economia americana, iniciada em 2008, que atingiu as políticas públicas do
conjunto dos países desenvolvidos, em desenvolvimento e emergentes. O governo brasileiro teve
de adotar diversas medidas para proteger sua economia dos impactos dessa crise.
Organismos multilaterais que atuam por meio de financiamentos e apoios técnicos, como
Fundo Monetário Internacional (FMI), o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA)
e o Grupo Banco Mundial.
ONGs internacionais que formam redes transnacionais, que pressionam os países a seguirem
certos preceitos. Podemos citar a Anistia Internacional, com atuação em direitos humanos e as
organizações ambientalistas, como a WWF (World Wide Fund for Nature) e Greepeace, em torno
de problemas como a preservação da Amazônia no Brasil.
Apesar de não atuar diretamente nas políticas públicas, não se pode ignorar o papel da mídia,
seja ela impressa ou eletrônica. Nas palavras das autoras Rua e Romanini (2013, p. 18),
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os jornais, a internet e a televisão são importantes agentes formadores de opinião, que possuem
capacidade de mobilizar a ação de outros atores. Na verdade, a televisão, em especial, tem um grande
poder de formar a agenda de demandas públicas, de chamar a atenção do público para problemas
diversos, de mobilizar a indignação popular, enfim, de influir sobre as opiniões e os valores da massa
da população. Cumpre assinalar que a mídia impressa e/ou eletrônica pode ser, simultânea ou
alternativamente, um ator político, um recurso de poder e um canal de manifestação de interesses.
Kingdon (1984) também faz outra caracterização de atores, incorporando duas classificações:
visíveis e invisíveis. Os atores visíveis estão presentes nas mídias e na percepção das pessoas,
e atuam incluindo e excluindo temas prioritários da agenda governamental. Como principais
exemplos podemos citar o presidente, governadores, parlamentares. Já os atores invisíveis são
aqueles que tem como foco principal participar dos processos de identificação e resolução dos
problemas, de construção de políticas públicas, e, em geral, ficam fora do conhecimento da
população, como por exemplo, os servidores de carreira, consultores, assessores e acadêmicos.
Os atores políticos, quando atuam conjuntamente com outros atores, podem ser nomeados
pela literatura como grupos de interesse. Eles organizam e atuam com o objetivo de obter
benefícios e vantagens de acordo com o interesse coletivo do grupo.
Por fim, como identificar os atores em uma política pública? Conforme Rua e Romanini (2013,
p. 19), o mais simples e eficaz critério para identificar os atores é fazer o seguinte questionamento:
quem tem alguma coisa em jogo na política pública em questão.
Ou seja, quem estará preocupado em ganhar ou perder, direta ou indiretamente, com uma policy?
Que indivíduos, grupos, órgãos públicos, entidades privadas, setores da vida econômica ou social têm
seus interesses efetiva ou potencialmente afetados pelas decisões e ações que compõem a política
pública em tela? (RUA; ROMANINI, 2013, p. 19).
O primeiro fator foi a adoção de políticas de restrição de gastos, principalmente nos países em
desenvolvimento. A partir disso, o desenho e a implementação de políticas públicas econômicas
e sociais ganharam maior visibilidade.
O segundo fator é que os ideais keynesianos sobre intervenção econômica do Estado para
garantia de emprego e controle da inflação foram sendo substituídos por ideias de restrição de
gasto, no qual o Estado deveria intervir menos na economia e nas políticas sociais. “Esta agenda
passou a dominar corações e mentes a partir dos anos 80, em especial em países com longas e
recorrentes trajetórias inflacionárias como os da América Latina” (SOUZA, 2006, p. 20).
A trajetória dos estudos sobre políticas públicas, que nasce como subárea da ciência política,
“abre o caminho trilhado pela ciência política norte-americana no que se refere ao estudo do
mundo público” (SOUZA, 2006, p. 22). De acordo com a autora,
o pressuposto analítico que regeu a constituição e a consolidação dos estudos sobre políticas
públicas é o de que, em democracias estáveis, aquilo que o governo faz ou deixa de fazer é passível de ser
a) formulado cientificamente;
II) Multidisciplinar nas suas articulações práticas e intelectuais, pois todo problema social ou
político tem múltiplos componentes que estão associados a várias disciplinas acadêmicas;
III) Orientada por valores, particular ente o ethos democrático e a busca da dignidade humana.
Até os anos 1980, a maior parte dos estudos de políticas públicas no Brasil se dedicou a
análises macrossociológicas sobre o Estado e seu efeito sobre as políticas de diversos aspectos da
sociedade, como a formação da nação, o desenvolvimento econômico, a constituição da cidadania
etc. Porém, embora o Estado brasileiro tenha discutido os detalhes de suas ações, assim como os
elementos e processos que estimulavam seu desenvolvimento, o campo teórico e analítico dessas
temáticas era deficiente (MARQUES; FARIA, 2018, p. 7).
Somente a partir dos anos 1980 que iniciou a constituição de uma literatura nacional sobre
políticas públicas. O propósito era repensar o Brasil, seu Estado e suas ações no contexto da
redemocratização, com enfoque especial nos nossos legados históricos e nas características das
políticas públicas (MARQUES; FARIA, 2018, p. 8).
FIQUE DE OLHO
O termo presidencialismo de coalização foi cunhado por Sérgio Abranches em 1988, e
denota a existência de um sistema político em que o Poder Executivo, embora dotado
de fortes poderes, depende do apoio de vários partidos em seus projetos. Isto é, o
presidente tem duas agendas: uma, alinhada às suas ideologias; e outra, voltada para
negociação com outros partidos.
Ainda, de acordo com Arretche (2003), o crescente interesse pelo estudo de políticas públicas
no Brasil está diretamente relacionado às mudanças recentes da sociedade brasileira. Nas
palavras da autora,
Outro fato que contribuiu para o avanço do estudo da análise de políticas públicas foi o
recente boom de cursos de política pública e áreas correlatas, tais como administração pública,
gestão pública, gestão social e gestão de políticas públicas. Estes cursos possuem como um de
seus componentes centrais, a análise de políticas orientada para a prática (FARAH, 2016, p. 965).
PARA RESUMIR
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
ALMOND, G.; POWELL, B.; DALTON, R.; STROM, K. Interest articulation. In: Comparative
Politics Today: a theoretical framework. Pearson/Longman, 5 ed., 2008, p. 79-104.
BRASIL. Medida provisória nº 621, de 8 de julho de 2013. Institui o Programa Mais Médi-
cos e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 7 fev. 2020.
CAVALCANTI, S. et al. Contribuições dos estudos sobre burocracia de nível de rua. In:
PIRES, R.; LOTTA, G.; OLIVEIRA, V. E. Burocracia e políticas públicas no Brasil: interseções
analíticas. Brasília: Ipea, 2018, p. 227-246.
CLIVE, T.S.; KLIMOVICH, K. Interest groups and lobbying in Latin America: theoretical and
practical considerations. Journal of Public Affairs, v. 14, n. 3, p. 165-182, 2014.
KINGDON, J. W. Agendas, alternatives and public policies. 2 ed. Boston: Little, Brown,
1984.
LOTTA, G. S. et al. Burocratas de médio escalão: novos olhares sobre velhos atores da
produção de políticas públicas. In: CAVALCANTE, P.; LOTTA, G. S. Burocracia de médio
escalão: perfil, trajetória e atuação. Brasília: Enap, 2015.
LOWI, T. J. Four systems of policy, politics, and choice. Public Administration Review, v.
32, n. 4, p. 298-310, jul/ago. 1972.
SARAVIA, E. Introdução à Teoria da Política Pública. In: SARAVIA, E.; FERRAREZI, E. (Orgs.).
Políticas públicas: coletânea. Brasília: Escola Nacional de Política Pública - ENAP, v.1, p.
21-42, 2006.
RUA, M. G.; ROMANINI, R. Para aprender políticas públicas. Brasília: Instituto de Gestão,
Economia e Políticas Públicas (IGEPP), 2013.
SECCHI, L. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. São Paulo:
CENGAGE Learning, 2010.
SHUGART, M. S.; CAREY, J. M. Presidents and assemblies: constitutional design and elec-
toral dynamics. New York: Cambridge University Press, 1992.
SOUZA, C. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, Porto Alegre, ano 8,
n. 16, p. 20-45, jul/dez. 2006.
Bons estudos!
39
Uma representação visual das fases de uma política pública pode ser traduzida por meio
do modelo “PDCA”. Esse modelo surgiu em 1924 como ferramenta para a gestão de ações
do setor privado e, mais recentemente, tem sido utilizado também na gestão de programas
governamentais.
O PDCA significa plan (planejar), do (executar), check (checar, monitorar) e act (reformular,
ajustar).
#PraCegoVer: Na imagem, temos o diagrama do modelo PDCA. Planejar, fazer, verificar, agir.
Cada uma dessas fases do PDCA segue a concepção do ciclo de políticas públicas (policy cycle):
• Formação da agenda;
• Formulação ou planejamento;
• Implementação ou execução;
• Monitoramento e avaliação;
• Reformulação e ajustes.
40
FIQUE DE OLHO
Outros teóricos preferem analisar tanto a formação da agenda governamental, a
elaboração das alternativas, quanto a escolha entre elas (decisão) como um todo que
corresponde à formulação da política pública propriamente dita (RUA; ROMANINI, 2013).
A agenda de Estado é a lista de problemas políticos que preocupam diversos atores políticos,
não se restringindo somente ao governo. Essa lista de temas pode preocupar a sociedade, o
Estado e, até mesmo, o sistema internacional, a exemplo da crise do sistema econômico, tráfico
de drogas, suprimento de água etc. (RUA; ROMANINI, 2013, p. 61).
Antes de prosseguir, devemos nos lembrar que antes de entrar na agenda de políticas
públicas, a demanda precisa ser identificada e reconhecida como um problema público, ou seja,
ser reconhecida pelas autoridades públicas.
Enquanto permanecer como um “estado de coisas”, uma situação não será reconhecida como
“problema político”, nem será incluída entre as prioridades dos tomadores de decisão. A título de
ilustrações, foram estados de coisas no Brasil, durante décadas, a discriminação racial, a falta de
acessibilidade a pessoas com necessidades especiais etc. (RUA; ROMANINI, 2013, p. 60).
Em síntese, geralmente, existem três fatores macro que interferem na formação de agenda de
políticas públicas, ou seja, na agenda governamental:
Definição de quais são os problemas políticos, ou seja, de aspectos da vida social que
merecem atenção do governo;
Os atores que participam do processo político e o poder que têm para incluir ou vetar temas
na agenda;
Quais estratégias e ações devem ser adotadas para atingirmos os objetivos propostos.
Qual o cenário desejável para a atenção primária à saúde daqui um, dois, cinco ou dez anos?
Quais diretrizes, estratégias e ações são necessárias para alcançarmos esse cenário desejado?
Como o Programa Saúde da Família pode contribuir para alcançar esse cenário?
• não existe a segurança do planejador em controlar toda a realidade, pois isso dependerá
da ação de outros atores;
• há mais de uma explicação para a realidade, em função da visão dos vários atores;
• existe objetivos conflitantes entre os vários atores políticos internos e externos à admi-
nistração pública;
Portanto, a implementação consiste em fazer uma política formulada sair do papel e ser
colocada em prática. Essa fase pressupõe responder a algumas questões:
Vale ressaltar que “a implementação de uma política pública não ocorre automaticamente,
visto que pode apresentar configurações distintas e dinâmicas peculiares” (DAVID et al., 2018, p.
67). Por exemplo, quando uma política envolve diferentes níveis de governo (federal, estadual,
municipal), diferentes regiões de um território ou, ainda, diferentes setores de atividade, sua
implementação pode se tornar bastante problemática, já que o controle desse processo se torna
mais complexo. Por isso, é importante a mobilização e interação de diversos atores políticos.
Segundo Rua e Romanini (2013, p. 103),
para que a implementação se torne uma realidade, é necessária a mobilização dos atores políticos
abarcados por ela. Um hiato (gap) ou um déficit de implementação acontece quando uma política
pública não pôde ser colocada em prática da maneira apropriada, porque aqueles envolvidos com
sua execução não foram suficientemente cooperativos ou eficazes, ou, porque, a despeito de seus
esforços, não foi possível contornar obstáculos externos – já que o contexto afeta decisivamente a
implementação.
FIQUE DE OLHO
Devemos nos lembrar que, a implementação vai muito além da execução das decisões
inicialmente tomadas. Mesmo que já tenha ocorrido um processo decisório durante a
formulação da política pública, a implementação dessa política requer novas decisões
ao longo da sua trajetória. Portanto, existe um elo entre a formulação e implementação
(DAVID, et al., 2018).
Devemos nos lembrar que monitoramento e avaliação são conceitos diferentes, e também
possuem aplicações distintas em uma política pública. A seguir, mais detalhamentos sobre isso. O
monitoramento de uma política pública consiste, conforme Vaitsman (2006, p. 21),
• O que foi feito aponta na direção pretendida, rumo aos objetivos e metas estabeleci-
dos?
• proporcionar aos atores envolvidos nas políticas públicas, segundo sua situação: em-
poderamento, já que a avaliação deve abrir espaço para a democratização da atividade
pública; promoção social, pois a avaliação deve ser instrumento que possibilite a incor-
poração de grupos sociais excluídos; e desenvolvimento institucional, porque a avaliação
contribui para a melhoria organizacional, o aprendizado institucional, e o fortalecimento
das instituições envolvidas.
Por exemplo, a política de educação básica no Brasil, possui um sistema de avaliação para
diagnosticar as condições da oferta da política; oferecer subsídios para o aprimoramento das
políticas educacionais, aferir as competências e as habilidades dos estudantes etc. Um dos
sistemas de avaliação é o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), que possui um
conjunto de ferramentas que permite a produção de evidências, estatísticas, avaliações e estudos
a respeito da qualidade da educação básica. Por meio de testes e questionários, aplicados nas
46
Por fim, avaliar uma política pública envolve responder os seguintes questionamentos:
A política foi realizada com economia de recursos e conforme o planejado? (relacionado aos
conceitos de eficiência e eficácia)
FIQUE DE OLHO
Eficiência é a relação entre custos (financeiros, recursos humanos, tempo) e benefícios, que
se procura maximizar. Eficácia é a capacidade de gerar os produtos iniciais, intermediários
e finais esperados (metas e objetivos). Efetividade diz respeito à capacidade de produzir
ou maximizar efeitos e impactos na realidade que se quer transformar, ou seja, mudanças
reais e permanentes na sociedade (RUA; ROMANINI, 2013).
Na prática, quase toda política precisa passar por reformulações. Como argumenta Menicucci
(2005, p. 72), a implementação “não é simplesmente a tradução concreta de decisões, mas um
processo ainda de formulação da política”.
Um exemplo é a reformulação do programa Minha Casa Minha Vida, realizada pelo Congresso
durante o governo Bolsonaro. A Lei nº 13.970/2019 alterou algumas regras do programa
propostas pelas leis anteriores (nº 10.931/2004 e nº 12.024/2009), dentre elas, a inclusão do
regime próprio de tributação para unidades residenciais de até R$ 100 mil.
FIQUE DE OLHO
O ciclo de política não deve ser entendido como fases com contornos nítidos que se
sucedem no tempo. Uma política não possui fases lineares e nem devem se suceder umas
às outras com pouca ou nenhuma articulação. As fases devem se articular, para ser feito
os ajustes necessários para o aperfeiçoamento da política pública.
• De que forma uma demanda específica se torna importante num determinado momento,
chamando a atenção do governo e passando a integrar sua agenda?
A ideia é que escolhas de políticas públicas são feitas como se as alternativas estivessem em
uma “lata de lixo”, isto é, existem vários problemas e poucas soluções. “As soluções não seriam
detidamente analisadas e dependeriam do leque de soluções que os decisores (policy makers)
têm no momento” (SOUZA, 2006, p. 30).
48
De acordo com este modelo, as decisões sobre políticas públicas não são tomadas com base
na análise das alternativas e na escolha daquelas que parecem mais adequadas para atingir
determinados fins. Ao longo de sua trajetória, as organizações acabam produzindo diversas
alternativas ou propostas de soluções para determinados problemas. E várias dessas propostas
ou alternativas acabam sendo rejeitadas, por motivos diversos. Porém, elas não são extintas.
Na verdade, ficam em um tipo de memória, em uma “lata de lixo”. Então, se um determinado
problema volta à tona ou se uma alternativa que não era boa em um contexto parece adequada
em outro, então ela é resgatada da “lata do lixo”.
A conclusão é que não é um problema que busca por soluções, mas soluções já pensadas
emergem quando um problema ganha relevância, ou seja: “soluções são respostas à procura de
um problema” (RUA; ROMANINI, 2013, p. 78). Nisso, a“ compreensão do problema e das soluções
é limitada, e as organizações operam em um sistema de tentativa e erro” (SOUZA, 2006, p. 31).
Um exemplo desse modelo em uma política pública no Brasil é o Programa Nacional do Álcool
(Proálcool), elaborado pelo regime militar para solução da crise do petróleo na década de 1970.
Apesar de várias alternativas para a oferta de uma fonte de energia renovável (como o óleo de
mamona, álcool de mandioca etc.) serem apresentadas para solução desse problema, na decisão,
acabou sendo implantada uma solução que já havia sido utilizada no governo Getúlio Vargas e
depois descartada – que se encontrava na “lata de lixo”: a mistura carburante de álcool de cana-
de-açúcar.
Esse modelo discorda da visão da política pública trazida pelo modelo “lata de lixo”, por sua
baixa capacidade explicativa sobre por que mudanças ocorrem nas políticas públicas. Assim,
“a política pública deveria ser concebida como um conjunto de subsistemas relativamente
estáveis, que se articulam com os acontecimentos externos, os quais dão os parâmetros para os
constrangimentos e os recursos de cada política pública” (SOUZA, 2006, p. 31).
Nessa concepção, os indivíduos que compõem uma organização possuem crenças, ideias,
valores e interesses comuns, por isso, se unem para formarem coalizões e defenderem seus
objetivos.
As coalizões de defesas podem ser várias e competem entre si para fazer valer seus interesses,
inclusive no que diz respeito à formulação de políticas públicas. Algumas coalizões defendem a
manutenção da situação (status quo) e outras defendem mudanças. Nisso, se as coalizões de
49
defesa da manutenção da política são fortes, ou seja, têm bastante recursos (financeiros, materiais,
políticos, tempo etc.), a política tende a se perpetuar sem grandes mudanças. Inversamente, se
grupos que buscam mudanças conseguem prevalecer, as políticas tendem as sofrer alterações
mais expressivas.
Conforme Rua e Romanini (2013, p. 78), “cada coalizão dispõe de certos recursos de poder que
procura manipular – como as regras, os orçamentos e o quadro de funcionário das organizações
governamentais – com a finalidade de defender e alcançar seus objetivos”.
A resolução de conflitos entre as coalizões não é simples, pois os atores de cada coalizão veem
o mundo de acordo com “lentes” distintas. No subsistema existem mediadores, ou “policy brokers”,
que atuam procurando negociar acordos razoáveis entre as coalizões, a fim de reduzir a intensidade
do conflito entre elas. Como o conhecimento e a informação representam recursos estratégicos
essenciais, as instituições de pesquisa também podem atuar como moderadores dos conflitos (RUA;
ROMANINI, 2013, p. 78).
Os subsistemas cuidam das questões paralelamente, operando mudanças a partir das experiências
de implementação e de avaliação de políticas públicas. Já no macrossistema – que é o núcleo do
governo –, as lideranças tratam das questões mais significativas e complexas de maneira serial, uma de
cada vez (RUA; ROMANINI, 2013, p. 72).
Os conjuntos de atores atuam dentro dos subsistemas para incluírem suas propostas e
desenvolverem diversos interesses.
Em primeiro lugar, será apresentado o modelo e suas aplicações e, após, os fluxos do processo
de formação da agenda pública: os problemas (problems streams); as soluções políticas (policy
streams); e os processos políticos (politics streams).
O modelo idealizado por Kingdon foi elaborado, a partir das ideias de March, Olsen e Cohen
(1972) sobre o processo decisório e o comportamento organizacional, conhecido por garbage
51
can (“lata do lixo”). Como já visto nessa unidade, as soluções, problemas, decisões e alternativas
de políticas públicas são processos independentes e articulados de modo instável dentro de
um sistema, isso porque as decisões de políticas públicas não se formam em processos simples
e lógicos. Pelo contrário, tais processos são complexos e desconexos, no qual as escolhas são
temporárias e duvidosas. No modelo “lata do lixo”, as organizações expõem suas preferências
na medida em que atuam na realidade, e suas decisões são retiradas de “lixeiras”, onde
estariam depositados os problemas e as soluções que, por alguma causa, foram depositados em
determinados contextos.
Em seu modelo, Kingdon propõe revelar as condições que determinam que uma temática
entre para a agenda governamental, mobilize a atenção pública e provoque mudanças na
agenda pública. Nas palavras de Kingdon (2006a, p.220): “tentaremos entender porque pessoas
importantes dedicam sua atenção a um assunto e não a outro, como suas agendas mudam com o
tempo e como eles filtram suas escolhas a partir de um amplo repertório de alternativas”. Desta
forma, objetiva entender porque alguns temas destacaram-se na agenda de políticas enquanto
outros não, e porque determinadas opções foram consideradas e outras excluídas da agenda
governamental.
Segundo Kingdon (2006a, p. 222), agenda “é a lista de temas ou problemas que são alvo
em dado momento de série atenção tanto da parte das autoridades governamentais como de
pessoas fora do governo mais estreitamente associadas às autoridades”. Conforme Meny e
Thoenig (2010, p. 371),
Menicucci e Brasil (2010, p. 371) ressaltam que “o conflito pode se expressar em termos
de interesses materiais, de privilégios sociais ou influência política, mas também da perspectiva
normativa e cognoscitiva, envolvendo o significado atribuído aos fatos e as representações
dos fenômenos”. Para as autoras, nessa perspectiva, ideias e conhecimento são cruciais para a
compreensão do processo de formação da agenda.
Kingdon (1995) destacou que o processo de mudança da agenda se altera à medida que
os cenários políticos se modificam, e diferenciou tipos de agenda no processo político, com o
intuito de ressaltar os diferentes status dos problemas no âmbito de uma política de governo:
governamental e de decisão. Como já vimos, tais agendas são resultados de processos diferentes,
isto é, uma está relacionada à lista de temas que chama a atenção e a outra está vinculada àqueles
temas que estão prontas para serem decididas.
52
Os problemas
problems streams;
As soluções políticas
policy streams;
Os processos políticos
politics streams.
Segundo Menicucci e Brasil (2006, p. 7), os três processos são mais ou menos independentes,
mas em alguns momentos críticos esses fluxos podem se juntar e ampliar a probabilidade de um
tema ser incorporado à agenda decisória.
É a conjugação desses fluxos que permite que, num dado momento e num dado contexto, um
problema específico seja considerado, e alternativas de soluções seja transformada em política.
Deste modo, a compreensão dos fluxos é fundamental para entender os processos que geram as
agendas, já que a inclusão de um problema pressupõe um mecanismo altamente seletivo que
envolve a concorrência entre problemas e hierarquias de prioridades heterogêneas.
53
Nesse sentido, no primeiro fluxo, o dos problemas (problems streams), é feita uma análise
da forma como as questões são reconhecidas como problemas e passam a ocupar a agenda
governamental. Os mecanismos que fazem com que algumas questões recebam mais atenção
dos formuladores de políticas públicas e se tornem problemas são:
Indicadores mais ou menos sistematizados – aqui, a experiência pessoal e a origem dos atores
envolvidos na questão são exemplos de indicadores que podem contribuir para transformá-la em
problema;
54
Ocorrência de eventos, como crises, desastres, situações pessoais para atores políticos
relevantes ou a emergência e difusão de símbolos;
O fluxo dos problemas, em resumo, é uma forma de dar visibilidade a algum tema
transferindo-o para a agenda de decisão.
Para sobrevivência de suas ideias, os atores políticos procuram levá-las a diferentes fóruns, na
tentativa de sensibilizar, não apenas as comunidades políticas, mas também o público em geral.
Esse processo de sensibilização é fundamental para o momento de apresentação da ideia e para
sua inclusão na agenda pública.
Para Kingdon, os critérios que definem quais ideias irão sobreviver são:
No terceiro fluxo, dos processos políticos (politics streams), as coalizões são construídas em
um processo de barganha e negociação política e são influenciadas por ideologias. Além disso,
para Kingdon (2006), os participantes constroem consenso por meio da negociação, criando
emendas em troca de apoio, atraindo políticos para alianças através da satisfação de suas
reivindicações, ou então fazendo concessões em prol de soluções de maior aceitação. Quando os
grupos de interesses e outras forças organizadas estão em consenso em relação a uma proposta,
o ambiente é favorável para a inclusão de novos temas na agenda do governo. É nesse fluxo que
as propostas são geradas, debatidas, redesenhadas e aceitas, isto é, trata-se da dinâmica e das
regras dos eventos políticos que inclui desde o debate da questão até as negociações e pressões
envolvidas.
Resta, agora, a dúvida de como as ideias conseguem obter a receptividade de uma comunidade
política. Capella (2007) destaca três elementos que influenciam a formação da agenda:
Para Capella (2007, p. 94), as mudanças tanto no clima organizacional, quanto dentro do
próprio governo são os maiores propulsores de transformação na agenda governamental, isto é,
a combinação desses elementos é uma força poderosa no processo de inclusão de determinado
tema na agenda pública.
O modelo “múltiplos fluxos” reconhece que os fluxos são fluídos e não lineares, isto é, têm
dinâmicas próprias e ocorrem de modo independente. Apesar de reconhecer a autonomia
dos fluxos, Kingdon (1995) afirma que a oportunidade de mudança e inclusão de temas na
agenda pública é o resultado da convergência dos três fluxos – problemas, soluções e processos
políticos. Nessa perspectiva, Capella (2007, p. 95) afirma que, “neste momento, um problema é
reconhecido, uma solução está disponível e as condições políticas tornam o momento propício
para a mudança, permitindo a convergência entre os três fluxos e possibilitando que questões
ascendam à agenda”.
Para abrir uma janela são necessárias a existência e a atuação dos “empreendedores de
política” (policy entrepreneurs), que são pessoas dispostas a investir seus recursos numa ideia
ou projeto visando à sua concretização. Tais empreendedores são especialistas na questão,
negociadores e possuem conexões políticas, e podem ser encontrados, tanto dentro dos
governos (dirigentes, burocratas, servidores de carreira), quanto na sociedade civil (acadêmicos,
jornalistas, líderes sindicais).
Kingdon (1995) destaca também a importância da participação dos atores envolvidos para o
êxito deste processo. Os atores políticos buscam captar a influência dos grupos de pressão e das
redes de interações e são capazes de argumentar e negociar os conflitos que podem convergir
para a escolha de uma determinada alternativa de solução, em contextos econômicos, políticos,
institucionais e sociais específicos.
Cada um dos atores pode atuar como um incentivo ou um obstáculo: “um participante
ou um processo funciona como incentivo quando trazem um tema para o topo da agenda, ou
pressionam para que uma determinada alternativa seja considerada como a mais adequada, (...) e
“funciona como um obstáculo quando são reduzidas as chances de certa questão ou alternativas”
(KINGDON, 2006b, p. 226).
– como órgãos legislativos, tribunais, exército e outras que não formam um bloco monolítico
necessariamente – que permitem a ação do governo. O governo pode ser conceituado como o
conjunto de programas e projetos proposto por políticos, técnicos, organismos da sociedade civil
e da sociedade, configurando-se a orientação política de um determinado governo que assume
e desempenha as funções de Estado por um determinado período (HÖFLING, 2001, p. 31). Já as
políticas públicas, como já conceituada, são aqui compreendidas como o “Estado em ação”, ou
seja, é o Estado implantando um projeto de governo, através de programas e projetos.
Devemos saber que o Estado não pode ser entendido somente como o aparato da burocracia
pública ou dos organismos estatais que formulam e implementam as políticas públicas. Isto
porque, o processo de tomada de decisões sobre políticas públicas envolve órgãos públicos e
diferentes organismos e atores da sociedade relacionados à política implementada. Neste
sentido, políticas públicas não podem ser reduzidas a políticas estatais (HÖFLING, 2001, p. 31).
Num modelo liberal, por exemplo, a política pública tende a ser do tipo focalizada, pois o
Estado atua o mínimo necessário e prioriza a livre atuação do mercado. Ao contrário, em um
Estado de bem-estar social as políticas públicas, sobretudo as sociais, seriam mais amplas e
universais, além de focarem em grupos específicos com o propósito de gerar justiça social. Para
Teixeira (2002, p. 4), nessa concepção, “as políticas públicas têm o papel regulador das relações
econômicos-sociais, são constituídos fundos públicos para serem utilizados em investimentos em
áreas estratégicas para o desenvolvimento e em programas sociais”.
a saúde era securitária, portanto, só uma parcela da população tinha acesso a serviços de
assistência médica fortemente concentrada nos grandes centros urbanos; a assistência social não era
reconhecida como política, o que dificultava a incorporação de grupos em situações mais vulneráveis.
E, por fim, a educação tinha um alcance muito reduzido produzindo uma heterogeneidade educacional
perversa que determinava diferentes níveis salariais (SATYRO, 2014, p. 222).
O formato de Estado inserido no país até a década de 1980 teve consequências na formação
do capital humano e na distribuição de renda no país. No país havia um acesso muito diferenciado
à cidadania, pois existia distintos padrões de provisão de políticas públicas, sobretudo, devido à
baixa participação do Estado para modificar esse cenário. Um exemplo disso é que
o padrão sul-sudeste tinha altos níveis de educação formal, baixos níveis de analfabetismo, e
baixos índices de mortalidade infantil e o padrão nordeste tinha baixos níveis de ensino, alto nível
de analfabetismo escolar e altos índices de mortalidade infantil. Essa heterogeneidade se traduz em
padrões distintos de segurança social: o padrão sul-sudeste com altos níveis de segurança social, com
proteção advinda do emprego e baixos índices de pobreza e o padrão dos demais estados com altos
índices de informalidade, ou seja, de baixo nível de proteção advinda de emprego formal (SATYRO,
2014, p. 248).
Para além das boas consequências do crescimento econômico, foi imprescindível a inserção de
solidariedade no sistema e a mudança paradigmática no sistema de proteção social brasileiro. Ao que
parece, a estabilização econômica iniciada a partir do primeiro governo Fernando Henrique Cardoso,
de um lado, e a ampliação dos direitos sociais por meio do acesso de boa parte população antes
excluída, por outro lado, levaram ao início de uma nova fase em nossa história (SATYRO, 2014, p. 248).
Em síntese, no Brasil, pós constituição de 88, houve uma reconfiguração positiva do estado de
bem-estar em relação ao seu poder de estratificação social, apesar de ainda, termos um cenário
com acessos diferenciados à cidadania. Os avanços das políticas sociais no Brasil é algo inegável,
entretanto é necessário a continuidade do papel do Estado nas políticas, bem como, a formulação
e implementação de novas políticas públicas para resolução dos problemas públicos. Como
argumenta Sátyro (2014, p. 249), “a adoção de diretrizes de políticas nacionais é imprescindível
para a construção de uma cidadania plena e universal”.
59
PARA RESUMIR
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
• aprender sobre o ciclo de políticas públicas e suas fases: formação da agenda, for-
mulação, implementação, monitoramento, avaliação e reformulação;
• entender, com mais profundidade, o modelo dos múltiplos fluxos e sua aplicação;
COHEN, M.; MARCH, J.; Olsen, J. A garbage can model of organizational choice.
Administrative Science Quarterly, n. 17, v.1, p. 1-25, 1972.
HÖFLING, E. M. Estado e políticas (públicas) sociais. Cadernos Cedes, ano XXI, n. 55, p.
30-41, 2001.
KINGDON, J. W. Agendas, alternatives and public policies. 2 ed. New York: Addison-
Wesley Educational Publischers, 1995.
_________. Como chega a hora de uma ideia? In: SARAVIA, E.; FERRAREZI, E. (org.).
Políticas públicas: coletânea. v.1. Brasília: ENAP, 2006a.
_________. Juntando as coisas. In: SARAVIA, E.; FERRAREZI, E. (org.). Políticas públicas:
coletânea. Brasília: ENAP, 2006b.
LOUREIRO, M. R., MACÁRIO, V.; GUERRA, P.H. Democracia, arenas decisórias e políticas
públicas: o programa Minha Casa Minha Vida. Texto para Discussão, Brasília: Ipea, n.
1886, 2013.
RUA, M. G.; ROMANINI, R. Para aprender políticas públicas. Brasília: IGEPP, 2013.
QUIRINO, B. S. et al. Análise do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida nas
perspectivas da inovação social e a evolução das políticas públicas. Revista de Gestão
Social e Ambiental, São Paulo, v. 9, n. 3, p. 97-117, 2015.
Bons estudos!
65
Segundo Secchi (2013), a formulação de políticas públicas consiste na segunda fase do ciclo
simplificado de uma política pública, conforme é possível ver na figura 1. Após a primeira fase, que
é a fase da agenda governamental ou de planejamento, que consiste em perceber os problemas
existentes que merecem maior atenção, chega a hora de apresentar soluções ou alternativas. É o
momento no qual deve ser definido o objetivo da política, quais serão os programas desenvolvidos
e as linhas de ação. Nesse processo, se avaliam as causas e são analisadas prováveis alternativas
para minimizar ou eliminar o problema em questão.
#PraCegoVer: A imagem mostra o ciclo das políticas públicas em suas cinco fases.
66
No entanto, a competição por poder e por recursos entre grupos sociais é o cerne da
formulação de políticas públicas, o que gera conflitos, necessidade de incentivos à cooperação
e o recurso à política como forma de encontrar saídas para esses conflitos. A formulação de uma
política pública pode ser vista como um jogo de poder que envolve inter-relações complexas.
Essa segunda fase também é caracterizada pelo detalhamento das alternativas já definidas na
agenda. Organizam-se as ideias, alocam-se os recursos (materiais, econômicos, técnicos, pessoais,
dentre outros) e recorre-se à opinião de especialistas para estabelecer os objetivos e resultados que
se querem alcançar com as estratégias que são criadas. Nesse ponto, os atores criam suas próprias
propostas e planos e os defendem em negociações com outros atores políticos, processo no qual
mecanismos de participação social devem ser utilizados para a criação de políticas mais democráticas.
Porém, os analistas de políticas, com formação técnica para tal, podem entrar em atrito com
os políticos. Estes, consideram de maior importância a satisfação dos cidadãos, que poderão ser
seus futuros eleitores, o que faz com que os aspectos técnicos do problema fiquem em plano
secundário na hora da formulação de políticas públicas.
O policymaker, ou seja, o indivíduo atuante e com influência nas políticas públicas e na tomada
de decisões, tem à disposição quatro mecanismos genéricos para indução de comportamentos
que influenciarão nos resultados das políticas públicas. Tais mecanismos de indução têm como
base as três formas de poder definidas por Norberto Bobbio (2002), notório cientista político
italiano, que as dividiu em: poder econômico, poder político e poder ideológico.
Premiação
Coerção
Conscientização
Influenciar comportamento por meio da construção e apelo ao senso de dever moral, como
campanhas e propagandas de conscientização e inserção do tema nas escolas, por exemplo.
Soluções técnicas
Não influenciar comportamento diretamente, mas sim aplicar soluções práticas, influenciando
o comportamento de forma indireta.
68
É importante observar que cada um desses mecanismos tem implicações nos custos financeiros
e políticos e no tempo requerido para que a política pública tenha efeito prático. Alguns mecanismos
são mais propícios em determinadas situações e podem ser desastrosos em outras.
Quando se deseja fazer uma avaliação ex ante da política pública, é nesta etapa da formulação
que se deve tentar prever as consequências e os custos de cada alternativa de política, utilizando-
se de projeções (análise de dados e suas tendências em séries temporais), predições (embasadas
em teorias, proposições ou analogias) e conjecturas (juízos de valor criados a partir de aspectos
intuitivos ou emocionais dos policymakers).
Orçamento participativo
Possibilita a abertura para a participação dos cidadãos nas decisões de investimento dos
governos.
Conselhos municipais
Órgãos coletivos, com participação do poder público e da sociedade civil, e que participam na
elaboração, execução e fiscalização das políticas em nível municipal.
Descentralização
Mecanismo que implica a transferência efetiva de poder decisório para os agentes locais da
administração municipal. Neste mecanismo, os órgãos locais têm autonomia, nos limites preestabelecidos,
para formular políticas, estabelecer prioridades e planejar o atendimento das demandas.
Indicadores de gestão
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Dados que expressam em números os resultados das ações do governo municipal. São
mecanismos fundamentais para a avaliação pública da gestão ao descrever determinados aspectos
da realidade ou apresentar relações entre esses aspectos. Servem, principalmente, para avaliações
setoriais e de cumprimento do programa de governo, com conclusões rápidas e objetivas.
Servem para que as reclamações e as solicitações de serviços dos cidadãos possam ser acolhidas
por uma equipe treinada para isso. Este sistema pode incluir também a criação de uma ouvidoria
pública municipal, que é uma instituição a qual auxilia o cidadão em suas relações com a prefeitura,
funcionando como uma crítica interna da administração pública, sob a ótica do cidadão.
As escolhas feitas nessa fase do ciclo de políticas públicas tornam-se normas oficiais revestidas
da autoridade e da força que emanam do Estado.
O ato de decidir é, por si só, simbolicamente importante, pois é a ação mais visível do ator
político que detém o poder legal e legítimo de decidir e, portanto, será julgado pela população a
partir de sua escolha feita na tomada de decisão. Porém, não só a ação, de fato, é determinante
para a imagem de um político ou gestor, mas também a inação, uma vez que adiar ou enterrar
projetos ou simplesmente decidir não atuar, pode ser, muitas vezes, tão revelador quanto a
própria tomada de decisão.
70
Para aqueles que se aventuram em tomar decisões, há três principais dinâmicas de escolha de
alternativas de soluções de problemas públicos a serem utilizadas.
Os tomadores de decisão já têm soluções em mãos e correm atrás dos problemas. Pode
parecer estranho, mas este processo ocorre principalmente com empreendedores de políticas
públicas experientes, que possuem predileção por uma proposta de solução existente e, a partir
dela, atuam para destacar um problema junto à opinião pública e no meio político, fazendo com
que sua proposta se transforme em política pública.
A partir da tomada de decisão, são adotados os melhores métodos para que ela seja
efetivamente levada adiante para a fase de implementação. Porém, a execução da política não é
uma ação automática e pode não ser cumprida por diversos fatores, tais como: o contexto político,
o contexto social, a economia, fatores tecnológicos, étnicos e culturais (Dias e Matos, 2012, p. 79).
FIQUE DE OLHO
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) possui uma publicação semestral
que vale a pena ficar de olho! A Revista Planejamento e Políticas Públicas (PPP), é uma
publicação de reconhecido valor acadêmico no cenário nacional. Seu objetivo principal é
promover o debate e a circulação de conhecimento em planejamento e em todo o ciclo
de políticas públicas.
Modelo top-down
considera que, de um modo geral, os problemas que aparecem na etapa de execução se devem
principalmente a erros de coordenação e controle.
Modelo bottom-up
Ao contrário do modelo anterior, considera primeiro o nível técnico (de baixo) e depois o
nível político (para cima). É caracterizado pela maior liberdade de burocratas e rede de atores
em auto organizar e modelar a implementação de políticas públicas. Defende que o ponto de
partida deve ser o comportamento concreto do problema para então construir a política pública
gradativamente, com regras, procedimentos e estruturas organizacionais. Nesse modelo, o
formato o qual a política pública adquiriu após a tomada de decisão não é definitivo, e a política
pública é modificável por aqueles que a implementam no dia a dia. Os modelos que se inspiram
nessa categoria se desenvolvem como críticas ou alternativas das ineficiências e deficiências
apresentadas pelo modelo tradicional top-down.
De qualquer modo, a implementação deve ser vista como um processo autônomo, no qual
decisões cruciais são tomadas e não somente implementadas.
Esses aspectos críticos podem ter dimensões institucionais, organizacionais e/ou ambientais.
A dimensão institucional representa:
• departamentos isolados/desarticulados;
74
• falta de motivação dos funcionários (baixos salários e ausência de incentivo para atualiza-
ção e capacitação);
FIQUE DE OLHO
A Escola Nacional de Administração Pública (Enap) possui um canal no Youtube com
conteúdos diversos e muito interessantes! Entre esses assuntos, estão também as
políticas públicas. Há um vídeo da Professora Ana Cláudia Capella, da UNESP, discutindo
exatamente o tema que acabamos de tratar: os desafios na implementação de políticas
públicas.
A implementação de uma política pública pode ter sido originada nos planos federal, estadual
ou municipal, de acordo com as competências estabelecidas na Constituição Federal de 1988
para cada um dos níveis de governo. E, no âmbito da própria implementação, as políticas podem
ser executadas de forma isolada ou conjunta por essas esferas de governo.
Além disso, a implementação modifica as políticas públicas, tal como foram formuladas,
na medida em que a cadeia de implementadores, cada um deles em contextos específicos,
interpretam metas e desenhos formulados de diferentes formas. A política pública é feita, de fato,
pela combinação de decisões de uma série de agentes implementadores. Portanto, a formulação
é importante, mas as referências que os implementadores adotam para desempenhar suas
funções são fundamentais.
75
4.1 Regulamentação
Consiste em um instrumento regulatório que cria regras ou restrições à liberdade econômica,
social ou política, como no caso da regulamentação de preços de alguns setores, e as regras para
processos licitatórios no setor público (previstos na Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, que institui
normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências).
Importante destacar que os instrumentos de política pública não se esgotam nos exemplos
acima. Existem também instrumentos mistos, ou seja, que combinam mais de um tipo, e podem
ter gradações variadas no uso dos mecanismos de coerção, premiação, apelo ao senso de dever
moral (conscientização) e de soluções tecnológicas. O policymaker é livre para criar novos
instrumentos e, inclusive, para aperfeiçoar os já existentes, tornando a implementação da política
mais adequada ao problema público em análise.
A partir daqui, o policymaker entrará na quinta fase do ciclo das políticas públicas: a avaliação,
que pode ser feita juntamente com o acompanhamento e o monitoramento da política em
questão.
Portanto, todos aqueles que se aventurarem em ocupar cargos na gestão pública, eletivos
ou não, concursados ou não, têm a necessidade de conhecer como uma política pública é
formulada, gestada, avaliada, quais são as etapas necessárias e quem são os atores envolvidos.
Enfim, o profissional precisa saber o que significa uma política pública no contexto do Estado e da
sociedade e que relevância isso tem para os objetivos do Estado.
78
A fase de avaliação, com toda sua complexidade, deverá ser analisada em estudos futuros.
FIQUE DE OLHO
A Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) possui um portal exclusivamente
voltado para as políticas públicas do Estado, o Políticas públicas ao seu alcance, que
mostra o estágio de execução e como as políticas foram pensadas.
PARA RESUMIR
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
BOBBIO, N. Política. In: BOBBIO, N.; MATEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de Política.
12 ed. Brasília: Editora da UnB, 2002.
DIAS, R.; MATOS, F. Políticas públicas: princípios e propósitos e processos. São Paulo:
Atlas, 2012.
SARAIVA, E. Introdução à teoria da política pública. In: SARAIVA, E.; FERRAREZI, E. (Org.).
Políticas públicas: coletânea. Brasília: ENAP, 2006. V. 1. p. 21-42.
_____. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. 2 e. São Paulo:
Cengage Learning, 2013.
Bons estudos!
83
1. NOÇÕES PRELIMINARES
Tanto a administração pública quanto a ciência contábil são ciências sociais aplicadas que
dependem, analisam, apuram e registram fatos das ações humanas. A compreensão desta
disciplina se faz necessária ao profissional da área porque oferece conhecimentos práticos e das
legislações que regem o setor público, o que é peça fundamental de orientação para as boas
práticas do Estado.
Relevância
As informações financeiras e não financeiras são relevantes na medida em que são capazes
de influenciar significativamente o cumprimento dos objetivos da elaboração e da divulgação da
informação contábil. As informações financeiras e não financeiras têm relevância se confirmarem
ou alterarem expectativas passadas, presentes e/ou futuras.
Representação fidedigna
Compreensibilidade
Permite que os usuários compreendam o seu significado, ou seja, a informação deve ser
apresentada de maneira que corresponda às necessidades e à base do conhecimento dos
usuários, de maneira que sejam prontamente compreensíveis. A compreensão é aprimorada
quando a informação é classificada e apresentada de maneira clara e sucinta. Alguns fenômenos
econômicos são particularmente complexos e alguns usuários podem precisar de ajuda de
assistente para auxiliá-los em sua compreensão. Contudo, a informação não deve ser excluída
somente pelo fato de ser muito complexa ou de ser difícil para alguns usuários compreenderem
sem a devida assistência.
Tempestividade
Significa ter informação disponível para os usuários antes que ela perca a sua capacidade de
ser útil para fins de prestação de contas e responsabilização (accountability) e tomada de decisão.
Isto porquê, ter informação disponível mais rapidamente pode aprimorar a sua utilidade e a sua
capacidade de informar e influenciar os processos decisórios. A ausência de tempestividade pode
85
tornar a informação menos útil. Alguns itens de informação podem continuar sendo úteis por
bastante tempo após a publicação do relatório ou após o encerramento do exercício.
Comparabilidade
Verificabilidade
Ajuda a assegurar aos usuários que a informação contábil representa fielmente os fenômenos
econômicos ou de outra natureza que se propõe a representar. A suportabilidade, ou seja, a
qualidade referente àquilo que dá suporte a algo, algumas vezes é utilizada para descrever esta
qualidade, quando aplicada em relação à informação explicativa e à informação quantitativa
financeira e não financeira prospectiva. Para ser verificável, a informação não precisa ser um ponto
único estimado, um intervalo de possíveis valores e suas probabilidades relacionadas também
pode ser utilizado. A verificação pode ocorrer de forma direta ou indireta. Com a verificação
direta, o montante ou outra representação podem ser verificados em si mesmos, tais como: pela
contagem de caixa; pela observação de títulos negociáveis e suas cotações de preço; ou pela
confirmação de que os fatores identificados que influenciaram o desempenho passado estejam
presentes e relacionados com os efeitos identificados. Já com a verificação indireta, o montante
ou outra representação podem ser verificados ao se checar os dados e recalcular os resultados
utilizando a mesma convenção ou metodologia contábil. A verificabilidade (ou suportabilidade)
não é absoluta – alguma informação pode ser mais ou menos passível de verificação do que
outra. Contudo, quanto mais verificável for a informação, mais se irá assegurar aos usuários de
que a informação representa fielmente os fenômenos econômicos, ou de outra natureza os quais
se pretende representar.
86
FIQUE DE OLHO
As controladorias são os órgãos responsáveis por realizar atividades relacionadas à defesa
do patrimônio público e ao incremento da transparência da gestão, por meio de ações
de auditoria pública, correição, prevenção e combate à corrupção e ouvidoria. Portanto,
são as principais responsáveis para garantir que as informações contábeis sejam, de fato,
relevantes, fidedignas, compreensíveis, tempestivas, comparáveis e verificáveis.
Por fim, toda informação para o planejamento público está na contabilidade, que alimenta seus relatórios
com dados para que o orçamento público seja mais eficaz, provendo informações úteis para o processo
decisório. Portanto, esse banco de dados contábeis é uma importante base para a administração pública.
O objetivo principal da maioria das entidades do setor público é prestar serviços à sociedade,
em vez de obter lucros e gerar retorno financeiro aos investidores, como é o caso das empresas
privadas. Em consequência, o desempenho de tais entidades pode ser avaliado apenas de forma
parcial por meio de análise da situação patrimonial, do desempenho e dos fluxos de caixa. Assim,
os RCPGs fornecem informações aos seus usuários para subsidiar os processos decisórios e a
prestação de contas e responsabilização, a chamada accountability. Portanto, os usuários dos
RCPGs das entidades do setor público precisam de informações para subsidiar as avaliações de
algumas questões, como:
• quais são os recursos atualmente disponíveis para gastos futuros, e até que ponto há
restrições ou condições para a utilização desses recursos;
• a extensão na qual a carga tributária, que recai sobre os contribuintes em períodos futu-
ros para pagar por serviços correntes, tem sido alterada; e
A NBC TSP foi elaborada em convergência às normas internacionais vigentes e visa nortear
toda a Contabilidade Pública. Ela reflete os avanços pelos quais tem passado a sociedade e a
contabilidade pública e possui como um dos principais pontos a definição da sociedade como
usuária principal da informação contábil, o que busca facilitar a transparência e o controle social.
2. RECEITAS PÚBLICAS
Receitas nada mais são do que aumentos na situação patrimonial líquida da entidade não
oriundos de contribuições dos proprietários. Já receitas públicas são as fontes de recursos
arrecadadas pelas entidades estatais com o fim de serem aplicadas em gastos operacionais e
administrativos, estes resultantes do exercício da atividade estatal.
É possível afirmar, portanto, que receita pública é a entrada de recursos financeiros nos cofres
públicos, que serão aplicados na aquisição e na manutenção de bens e serviços com o objetivo de
atender às necessidades coletivas da sociedade.
São todos os ingressos que visam à cobertura de despesas orçamentárias e transações que,
mesmo não havendo ingresso de recursos financeiros, financiam despesas orçamentárias.
As receitas públicas podem ser classificadas, ainda, sobre vários outros aspectos. Os mais
destacados pelos principais autores dessa área de conhecimento são: quanto à natureza; quanto
à categoria econômica; quanto à afetação patrimonial; e quanto à coercitividade.
Essa classificação é apresentada pela Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, que define, em
seu art. 11, § 1º: receitas correntes são as receitas tributária, de contribuições, patrimonial,
agropecuária, industrial, de serviços e outras e, ainda, as provenientes de recursos financeiros
recebidos de outras pessoas de direito público ou privado, quando destinadas a atender despesas
classificáveis em Despesas Correntes. As despesas correntes se esgotam dentro do período
compreendido pela Lei Orçamentária Anual.
Por outro lado, as receitas de capital são os ingressos obtidos mediante a constituição de
dívidas, amortização de empréstimos e financiamentos ou alienação de componentes do ativo
permanente. Tais recursos devem sempre ser aplicados em despesas de capital para que não haja
a diminuição do patrimônio público.
As receitas por mutação patrimonial, por sua vez, são definidas como receita orçamentária
decorrente de uma arrecadação oriunda da saída de um bem ou direito do ativo ou do acréscimo
das obrigações para com terceiros. Não contribuindo, portanto, para o aumento efetivo do
patrimônio estatal, ocasionando apenas um feito permutativo. A alienação de viaturas de polícia
e a operação de crédito (financiamento) são exemplos deste tipo de receita.
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De acordo com Kohama (2016), há duas formas de o Estado arrecadar receita. A primeira é a
forma tradicional, através de impostos, taxas e outras rendas não oriundas de contrapartida pelo
fornecimento de bens ou prestação de serviços (Administração Direta e Autarquia). A segunda
forma é semelhante àquela exercida pelas empresas privadas, obtida, portanto, em contrapartida
ao fornecimento de bens ou prestação de serviços (Empresas Públicas e Estatais).
3. DESPESAS PÚBLICAS
Despesa corresponde a diminuições na situação patrimonial líquida da entidade, não
91
Assim como as receitas, as despesas públicas também são classificadas sob três diferentes
óticas:
Já a despesa extraorçamentária é aquela que não consta na Lei Orçamentária Anual (LOA),
compreendendo determinadas saídas de numerários decorrentes de depósitos, pagamentos de
restos a pagar, resgate de operações de crédito por antecipação de receita e recursos transitórios.
Investimentos
Inversões financeiras
Amortização da dívida
representa em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) do país, o que é importante para viabilizar
a comparação entre diferentes períodos e contextos.
Segundo Giacomoni (2010), o déficit público pode ser classificado de três formas diferentes:
Déficit primário
Déficit operacional
Quando as despesas primárias e os gastos do governo com juros são consideradas no cálculo.
Porém, não é levada em conta a correção monetária dos valores.
Déficit nominal
Quando todas as despesas e gastos do governo com juros são consideradas no cálculo do
déficit, com o acréscimo de correção monetária. O déficit nominal é o que representa, de fato,
a diferença real entre despesas e receitas, já que contabiliza efetivamente tudo que o governo
gastou.
Para esclarecer a equação acima, é importante esclarecer alguns conceitos estabelecidos por
Giacomoni (2010):
Resultado primário
Variação patrimonial
Variação monetária
Serviço de dívida
expressa os juros que são pagos pela dívida interna e externa do país.
ma saída para acabar com o déficit público é aumentar a arrecadação, ou seja, pode ser
necessária uma elevação na carga tributária. Assim, indiretamente, o déficit público também
impacta a atividade econômica de um país, pois, ao aumentar impostos para as empresas,
além de aumentar os impostos dos cidadãos, dependendo do caso, pode-se gerar uma queda
na capacidade de investimento dessas empresas, afetando negativamente o nível de produção
nacional, emprego, renda e limitando o crescimento econômico do país.
De outro lado, a formação de um superávit primário geraria uma “poupança” para pagar os
juros da dívida pública e reduzir o endividamento do governo no médio e longo prazo. Portanto,
o superávit e o déficit primários indicam se as finanças públicas estão em ordem, ou seja, se
o governo está gastando ou não de acordo com suas receitas. Por isso, esses indicadores são
conhecidos como “esforço fiscal”.
Dívida flutuante
Dívida fundada
A Dívida Pública Federal (DPF), especificamente, refere-se a todas as dívidas contraídas pelo
governo federal para financiamento do seu déficit orçamentário, nele incluído o refinanciamento
da própria dívida, e para outras operações com finalidades específicas, definidas em lei. É
possível classificar a DPF de acordo com os instrumentos usados para captação de recursos e
pela moeda na qual ocorre o pagamento de seus fluxos. Em relação à captação de recursos, esta
pode ocorrer por emissão de títulos públicos (sendo por essa razão classificada como mobiliária),
ou por contratos, firmados principalmente com organismos multilaterais (sendo esta dívida
classificada como contratual). Já sobre a moeda usada para fazer face a seus pagamentos, a
dívida é classificada como interna quando os pagamentos são realizadas na moeda corrente em
circulação no país, no caso brasileiro o real, ou externa, quando os pagamentos são feitos em
moeda estrangeira, normalmente o dólar norte-americano.
Atualmente, toda a Dívida Pública Federal em circulação no mercado nacional é paga em real
e captada por meio da emissão de títulos públicos, sendo por essa razão definida como Dívida
Pública Mobiliária Federal interna (DPMFi). Já a Dívida Pública Federal existente no mercado
internacional é paga em dólar norte-americano e tem sido captada tanto por meio da emissão de
títulos quanto por contratos, sendo por isso definida como Dívida Pública Federal externa (DPFe).
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FIQUE DE OLHO
O Manual Técnico de Orçamento (MTO), elaborado pela Secretaria do Orçamento
Federal (SOF), é um instrumento de apoio aos processos orçamentários da União.
Conforme proposição da SOF, o MTO será editado, anualmente, no início do processo
de elaboração da proposta orçamentária. Desde 2006, o MTO está disponível em meio
eletrônico, permitindo maior agilidade nas atualizações decorrentes de modificações nos
processos orçamentários e na legislação aplicada, conforme disposto na Portaria SOF nº
23, de 04 de maio de 2017. Para conhecer o MTO 2020 acesse o link: <https://www1.siop.
planejamento.gov.br/mto/doku.php/mto2020>.
A Lei 4.320/64 dispõe, em seu art. 101, que os resultados gerais de cada exercício serão
demonstrados no Balanço Orçamentário, no Balanço Financeiro, no Balanço Patrimonial e na
Demonstração das Variações Patrimoniais.
Assim, o balanço financeiro é composto por um único quadro que evidencia a movimentação
financeira demonstrando a receita orçamentária realizada e a despesa orçamentária executada,
por fonte e destinação de recurso, discriminando as ordinárias e as vinculadas; os recebimentos
e os pagamentos extraorçamentários; as transferências financeiras recebidas e concedidas; e o
saldo em espécie do exercício anterior e para o exercício seguinte.
A análise do balanço financeiro é feita a partir dos valores inscritos em restos a pagar no exercício
lançados na coluna de ingressos, mais especificamente nos recebimentos extraorçamentários.
Esse lançamento tende a anular o efeito da consideração dos restos a pagar como despesas do
exercício, já que as despesas, para fins de resultado, são consideradas aquelas empenhadas e
não as despesas pagas. Já os valores de restos a pagar que estarão na coluna de dispêndios, mais
especificamente nos pagamentos extraorçamentários, são referentes aos valores pagos de restos
a pagar que foram inscritos em exercícios anteriores.
Segundo Giacomoni (2010), o resultado financeiro pode ser apurado de duas formas:
Ou, então:
Saldo em espécie para o exercício seguinte - saldo em espécie do exercício anterior = resultado
financeiro.
tiverem a expectativa de realização até doze meses após a data das demonstrações contábeis. Os
demais ativos devem ser classificados como não circulantes. Os passivos devem ser classificados
como circulantes quando corresponderem a valores exigíveis até doze meses após a data das
demonstrações contábeis. Os demais passivos devem ser classificados como não circulantes. As
contas do ativo devem ser dispostas em ordem decrescente de grau de conversibilidade; já as
contas do passivo, em ordem decrescente de grau de exigibilidade.
A Lei nº 4.320/1964, em seu art. 105, confere viés orçamentário ao balanço patrimonial, já
que separa o ativo e o passivo em dois grandes grupos em função da dependência ou não de
autorização orçamentária para realização dos itens que o compõem:
• o ativo financeiro;
• o ativo permanente;
• o passivo financeiro;
• o passivo permanente;
• o saldo patrimonial;
• as contas de compensação.
Enfim, é sempre recomendável que o profissional esteja atento às legislações atualizadas que
envolvem os fatos a serem contabilizados.
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PARA RESUMIR
Nesta unidade, você teve a oportunidade de: