Elaboração e Implementação em Políticas Públicas - Ebook PDF

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ELABORAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO ELABORAÇÃO E

Elaboração e implementação em políticas públicas


EM POLÍTICAS PÚBLICAS IMPLEMENTAÇÃO
ORGANIZADORES JÉSSICA MÁRA VIANA PEREIRA; NATÁLIA NIQUINI RIBEIRO

EM POLÍTICAS PÚBLICAS
ORGANIZADORES JÉSSICA MÁRA VIANA PEREIRA;
O poder público tem o dever de escolher e implementar as melhores políti- NATÁLIA NIQUINI RIBEIRO
cas para atender as necessidades dos indivíduos com base nas leis do país.
Este livro é essencial para o estudo das políticas públicas, apresentando os
conceitos e as ferramentas para a elaboração e sua implementação.
C
Como fazer uma avaliação do orçamento no setor público e quais os mod-
M
elos de previsão de receitas e quais as técnicas fundamentais para realizar
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análise de balanço? Estas e outras importantes questões serão respondi-
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das nesta obra, bem como serão apresentadas as principais normas que
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orientam as práticas contábeis no setor público. Livro conciso, didático e
CY objetivo para aprender os fundamentos dessa área.
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GRUPO SER EDUCACIONAL

ISBN 9786555580525

9 786555 580525 > gente criando futuro


ELABORAÇÃO E
IMPLEMENTAÇÃO
EM POLÍTICAS
PÚBLICAS
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou
transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo
fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de
informação, sem prévia autorização, por escrito, do Grupo Ser Educacional.

Diretor de EAD: Enzo Moreira

Gerente de design instrucional: Paulo Kazuo Kato

Coordenadora de projetos EAD: Manuela Martins Alves Gomes

Coordenadora educacional: Pamela Marques

Equipe de apoio educacional: Caroline Guglielmi, Danise Grimm, Jaqueline Morais, Laís Pessoa

Designers gráficos: Kamilla Moreira, Mário Gomes, Sérgio Ramos,Tiago da Rocha

Ilustradores: Anderson Eloy, Luiz Meneghel, Vinícius Manzi

Pereira, Jéssica Mára Viana.

Elaboração e implementação de políticas públicas / Jéssica Mára Viana Pereira ; Natália


Niquini Ribeiro. – São Paulo: Cengage, 2020.

Bibliografia.

ISBN: 9786555580525

1. Políticas Públicas. 2. Gestão Pública. 3. Ribeiro, Natália Niquini.

Grupo Ser Educacional

Rua Treze de Maio, 254 - Santo Amaro

CEP: 50100-160, Recife - PE

PABX: (81) 3413-4611

E-mail: sereducacional@sereducacional.com
PALAVRA DO GRUPO SER EDUCACIONAL

“É através da educação que a igualdade de oportunidades surge, e, com


isso, há um maior desenvolvimento econômico e social para a nação. Há alguns
anos, o Brasil vive um período de mudanças, e, assim, a educação também
passa por tais transformações. A demanda por mão de obra qualificada, o
aumento da competitividade e a produtividade fizeram com que o Ensino
Superior ganhasse força e fosse tratado como prioridade para o Brasil.

O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – Pronatec,


tem como objetivo atender a essa demanda e ajudar o País a qualificar
seus cidadãos em suas formações, contribuindo para o desenvolvimento
da economia, da crescente globalização, além de garantir o exercício da
democracia com a ampliação da escolaridade.

Dessa forma, as instituições do Grupo Ser Educacional buscam ampliar


as competências básicas da educação de seus estudantes, além de oferecer-
lhes uma sólida formação técnica, sempre pensando nas ações dos alunos no
contexto da sociedade.”

Janguiê Diniz
Autoria
Jéssica Mára Viana Pereira
Graduada em Gestão Pública, Mestra e Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG). É integrante do Núcleo de Estudos em Gestão e Políticas Públicas (Publicus) da
UFMG. Possui experiência de 9 anos em gestão pública, com atuação no meio profissional e acadêmico.

Natália Niquini Ribeiro


Mestre pelo PROFIAP na Universidade Federal de Alfenas (2019). Possui graduação em Gestão Pública
pela Universidade Federal de Minas Gerais (2015). Atualmente é servidora Técnico-Administrativo em
Educação do Centro de Apoio à Educação a Distância da UFMG.
SUMÁRIO

Prefácio..................................................................................................................................................8

UNIDADE 1 - Introdução à análise de políticas públicas..................................................................9


Introdução.............................................................................................................................................10
1. O que é política pública?.................................................................................................................... 11
2. Polity, politics e policy........................................................................................................................ 15
3. Tipologias e classificações de políticas públicas................................................................................. 19
4. Atores de políticas públicas................................................................................................................ 22
5. A análise das políticas públicas.......................................................................................................... 29
PARA RESUMIR...............................................................................................................................33
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................................................34

UNIDADE 2 -Formulação de políticas públicas.................................................................................37


Introdução.............................................................................................................................................38
1. Modelo de análise do ciclo de política pública.................................................................................. 39
3. Modelos teóricos de formação de agenda e formulação de políticas públicas................................. 47
4. Modelo dos múltiplos fluxos.............................................................................................................. 50
5. Papel do Estado nas políticas públicas............................................................................................... 56
PARA RESUMIR...............................................................................................................................60
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................................................61

UNIDADE 3 - Formulação e implementação de políticas públicas....................................................63


Introdução.............................................................................................................................................64
1. Formulação de políticas públicas....................................................................................................... 65
2. Compreensão do problema: a tomada de decisão............................................................................ 69
3. Colocando em prática – o desafio da implementação....................................................................... 71
4. Instrumentos das políticas públicas................................................................................................... 75
PARA RESUMIR...............................................................................................................................79
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................................................80
UNIDADE 4 - Receitas, despesas, dívida e balanços públicos...........................................................81
Introdução.............................................................................................................................................82
1. Noções preliminares.......................................................................................................................... 83
2. Receitas públicas................................................................................................................................ 88
3. Despesas públicas.............................................................................................................................. 90
4. Déficit e dívida pública....................................................................................................................... 93
5. Demonstrações contábeis aplicadas ao setor público....................................................................... 97
PARA RESUMIR...............................................................................................................................103
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................................................104
PREFÁCIO

Em quatro unidades, este livro abordará o que é preciso saber sobre a elaboração
e a implementação de políticas públicas, que são as ações que o poder público escolhe
adotar ou não visando atender o cidadão de acordo com a leis do país.
A primeira unidade fará uma Introdução à Análise de Políticas Públicas, apresentando
seus conceitos e características. Será explicada a diferença entrepolity, politic e policye
a relação entre estes conceitos. O conceito de atores políticos (stakeholders)do
tipo público (políticos e burocratas) e privado também são assuntos desta unidade.
Falaremos sobre o surgimento do campo de análise das políticas públicas, com foco
no cenário histórico no Brasil. Finalizando esta unidade, compreenda também sobre a
inserção das políticas públicas no campo de conhecimento multidisciplinar.
Na sequência, a segunda unidade vai abordar a Formulação de políticas públicas.A
formulação faz parte do ciclo de políticas públicas, por isso, vamos explicar o que é
esse ciclo e quais são as suas fases: formação da agenda, formulação, implementação,
monitoramento, avaliação e reformulação. Aprenderá aqui os modelos teóricos de
análise da formulação de políticas públicas, com foco na formação da agenda, para se
entender como e por que o governo faz ou deixa de fazer alguma ação que repercutirá
na sociedade. Por fim, conhecerá o papel do Estado e do governo nas políticas públicas,
com foco no caso brasileiro.
Na unidade 3, vamos tratar da Formulação e implementação de políticaspúblicas,
explicando o processo de formulação e de tomada de decisão na escolha de alternativas
de políticas públicas. Analisar e compreender o problema que demanda a criação de
uma política pública também será assunto desta unidade. Saiba como colocar em
prática os ensinamentos apresentados nas unidades anteriores e conheça os desafios
que se impõem na implementação de políticas públicas e técnicas que podem ajudar
nesse processo. Você aprenderá também a importância de se conhecer os principais
instrumentos que orientam as políticas públicas.
Receitas, despesas, dívida e balanços públicossão assuntos da quarta unidade,
apresentando os conceitos de políticas públicas e seuprocesso de elaboração e
implementação. Mostraremos aqui como fazer uma avaliação do orçamento no setor
público. Também serão discutidos os conceitos de tributações diversas e outras formas
de receita do Estado, princípios de origem e destino dos recursos públicos, incentivos
fiscais, subsídios, despesa, déficit, dívida pública, entre outros. Entenda ainda os modelos
de previsão de receitas e as técnicas fundamentais para realizar análise de balanço. As
principais normas que orientam as práticas contábeis no setor público, bem como os
órgãos responsáveis pelas publicações desses documentos finalizam esta obra.
UNIDADE 1
Introdução à análise de políticas
públicas
Introdução
Olá,

Você está na unidade Introdução à Análise de Políticas Públicas. Conheça aqui os


conceitos e as características das políticas públicas. Aprenda a diferença entre polity,
politic e policy e a relação entre estes conceitos. Compreenda o conceito de atores
políticos (stakeholders) do tipo público (políticos e burocratas) e privado. Conheça ainda
as tipologias e classificações das políticas públicas. Entenda sobre o surgimento do
campo de análise das políticas públicas, com foco no cenário histórico no Brasil. Por fim,
compreenda também sobre a inserção das políticas públicas no campo de conhecimento
multidisciplinar.

Bons estudos!
11

1. O QUE É POLÍTICA PÚBLICA?


O conceito de política pública é impreciso e possui várias definições. Apesar das definições
conceituais aparentemente serem semelhantes na literatura, nesse tópico vamos observar que
existem elementos presentes ou ausentes nos conceitos que revelam juízos diferentes do que é
política pública. Podemos citar três ênfases de definições de políticas públicas.

A primeira ênfase conceitual incide sobre a finalidade e decisões das políticas públicas.
Conforme Saraiva (2006, p. 28), política pública, portanto, seria

I) Um curso de ação escolhido para lidar com um problema ou uma questão de interesse comum
(...)

II) Um conjunto de decisões inter-relacionadas referentes à seleção de objetivos e dos meios para
atingi-los (...)

III) Um conjunto de decisões adotado e posto em prática mediante processos selecionados que
definem os recursos necessários, sua distribuição e gestão (...)

IV) Estratégias que apontam para diversos fins, todos eles, de alguma forma, desejados pelos
diversos grupos que participam do processo decisório.

A segunda ênfase conceitual explicita os seguintes elementos: a sociedade e o governo; os


agentes da sociedade e os agentes públicos. Para Rua e Romanini (2013), política pública seria:

I) Um conjunto das atividades de um governo, diretamente realizadas por agentes públicos ou por
agentes da sociedade, e que influenciam a vida dos cidadãos”.

II) Um curso de ação produzido por um governo (Executivo, Legislativo e/ou Judiciário) que satisfaz
uma necessidade e que se expressa na forma de objetivos estruturados em um conjunto de diretrizes,
de caráter imperativo, aceitos pela coletividade (RUA; ROMANINI, 2013, p. 5).

A terceira ênfase, além de focar no caráter público das decisões tomadas, tem a ideia de que
a política pública seria para intervir na realidade. Ainda, podemos observar a seguir no enunciado
‘II’, a inclusão das ações e das omissões do governo no conceito. Nesse aspecto, conforme Saraiva
(2006), política pública seria um:

I) Fluxo de decisões públicas, orientado para manter o equilíbrio social ou a introduzir desequilíbrios
destinados a modificar essa realidade (...)

II) Sistema de decisões públicas que visa a ações ou omissões, preventivas ou corretivas, destinadas
a manter ou modificar a realidade de um ou vários setores da vida social, por meio da definição de
objetivos e estratégias de atuação e da alocação dos recursos necessários para atingir os objetivos
estabelecidos” (SARAVIA, 2006, p. 28-29).
12

FIQUE DE OLHO
Como vimos no conceito de política pública exposto, a omissão de uma decisão dos atores
públicos pode também ser considerada uma política pública, pois a imposição de empecilhos
à inserção de uma demanda na agenda governamental é uma forma de lidar politicamente
com um problema. Porém, não existe um consenso na literatura: se todas as “não-decisões”
fossem consideradas políticas públicas, absolutamente tudo seria política pública?

Conforme Souza (2006), as conceituações de políticas públicas, mesmo as mais simplistas,


nos guiam para as temáticas que relacionam as políticas públicas com os embates em torno de
interesses, preferências e ideias. Nas palavras da autora,

apesar de optar por abordagens diferentes, as definições de políticas públicas assumem, em geral,
uma visão holística do tema, uma perspectiva de que o todo é mais importante do que a soma das
partes e que indivíduos, instituições, interações, ideologia e interesses contam, mesmo que existam
diferenças sobre a importância relativa destes fatores (SOUZA, 2006, p. 25).

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1.1 Política pública versus decisão pública


Para avançar na compreensão do conceito de política pública é essencial esclarecer as
diferenças entre política pública e decisão política.

De acordo com Rua e Romanini (2013, p. 7), “uma política pública geralmente envolve mais
do que uma decisão isolada, além de requerer diversas ações estrategicamente selecionadas para
implementar as decisões tomadas”. Como exemplos, podemos citar o Sistema Único de Saúde
(SUS), programas de transferência de renda, privatização de estatais, programas de merenda e
transporte escolar.
13

Por sua vez, a decisão política, se refere a “uma escolha entre várias alternativas, segundo a
hierarquia das preferências dos atores envolvidos, expressando – em maior ou menor grau – certa
adequação entre os fins pretendidos e os meios disponíveis num contexto de relações de poder
e conflito” (RUA; ROMANINI, 2013, p. 7). Uma reforma ministerial e uma emenda constitucional
para reeleição presidencial podem ser exemplos de decisão política.

Portanto, apesar de uma política pública necessitar de uma decisão política, nem toda decisão
política resulta em uma política pública em si.

1.2 Pública das políticas públicas


Por que se qualifica as políticas como “públicas”? Quais elementos torna uma política,
política pública? No campo de estudo, as respostas desses questionamentos são polêmicas, na
qual existem duas principais abordagens, que se contrapõem: abordagem estatocêntrica e a
policêntrica (ou multicêntrica).

De acordo com a abordagem estatocêntrica, a dimensão “pública” de uma política pública


está relacionada com as decisões e ações realizadas propriamente via autoridade soberana do
Estado (também chamado de poder extroverso). A dimensão “pública” de uma política advém do
seu caráter jurídico “imperativo”. Nas palavras de Rua e Romanini (2013, p. 8), isso quer dizer que
“uma das características centrais que tornam uma política “pública” é o fato de que as decisões
e ações que a compõem são amparadas na lei, logo, fundamentadas na autoridade do Poder
Público”.

Nesse caso, a política pública, depende em última instância, de uma estrutura legal de
procedimentos e de processos institucionais governamentais. Porém, isso não quer dizer que
outros atores não possam estar envolvidos. Em maior ou menor grau diversos atores podem
agregar a participação nas diversas fases e atividades da política pública, desde que o seu
envolvimento dependa de decisões imperativas do Estado.

Na prática, esse caráter imperativo está presente nos próprios instrumentos de políticas
públicas, como na legislação, nos recursos financeiros e humanos, nos bens e serviços, nos
tributos e taxas, nos subsídios e incentivos, e até mesmo na coerção. Em síntese, os principais
instrumentos de políticas públicas são:

Legislação

instrumento que cria obrigações e molda ações e comportamentos.

Fornecimento de produtos e serviços

provisão direta ou indireta de produtos (estradas, delegacias, postos de saúde, praças de


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esporte etc.) ou serviços (controle de tráfego aéreo, policiamento, fiscalização etc.).

Recursos financeiros

transferências de dinheiro a entidades, instituições ou mesmo pessoas (Bolsa Família,


benefícios de prestação continuada, convênios para qualificação profissional etc.).

Impostos e taxas

incentivam ou constrangem a atividade econômica como, por exemplo, a elevação ou


dedução de impostos sobre bebidas, cigarros, importações, etc.

Outros

subsídios para manutenção de atividades de interesse coletivo, concessão de crédito


educativo.

FIQUE DE OLHO
Não podemos confundir políticas públicas com atividades coletivas. Existem várias
coletividades de caráter privado, como clubes, organizações não-governamentais e
associações civis, que oferecem benefícios por decisão própria. “Coletivo não é o oposto de
privado e não é o mesmo que público” (RUA; ROMANINI, 2013, p. 9).

A segunda abordagem, a policêntrica, em vez de focar no protagonismo do Estado na


produção das políticas públicas, como na abordagem estatocêntrica, enfatiza a capacidade
de atuação pluralista dos atores sociais, como a policy networks (redes de políticas públicas),
organizações não-governamentais (ONGs) e organismos internacionais etc. Portanto, além dos
atores estatais, outros atores políticos seriam protagonistas das políticas públicas.

Conforme Secchi (2010, p. 4), a essência do conceito das políticas públicas é o problema
público. Dessa forma, o que indica se uma política é pública ou não seria a seu intuito de responder
a um problema “público” (não um problema político), independentemente do tomador de
decisão ter personalidade jurídica estatal ou não estatal (RUA; ROMANINI, 2013, p. 9).

E o que seria um problema “público”? Conforme Secchi (2010), um problema traduz a


diferença entre a situação atual e uma situação ideal possível para a realidade pública. Soma-se
que “para um problema ser considerado ‘público’ este deve ter implicações para uma quantidade
ou qualidade notável de pessoas” (SECCHI, 2010, p. 7). Esse entendimento de problema público
é diferente do defendido pela abordagem estatocêntrica, que trata-o como uma situação na
15

qual os governos se veem constrangidos a dar algum retorno e resposta à sociedade. Para Rua e
Romanini (2013, p. 9), isso ocorre, porque, “mesmo que sua resposta seja puramente simbólica,
o custo político de se omitir frente ao problema pode ser demasiado elevado para os governantes
(perda de legitimidade, fragilização frente às forças de oposição, etc.)”.

O entendimento mais unânime na Ciência Política é que “o fator decisivo para uma política ser
“pública” está em seu respaldo pela autoridade do Estado – não a personalidade jurídica dos que
nela atuam, tampouco a natureza do problema em que se circunscreve” (RUA; ROMANINI, 2013,
p. 10). Nessa perspectiva, Saravia (2006) apresenta os elementos comuns das políticas públicas:

a) Institucional: a política é elaborada ou decidida por autoridade formal legalmente constituída


no âmbito da sua competência e é coletivamente vinculante;

b) Decisório: a política é um conjunto de decisões, relativo à escolha de fins e/ou meios, de longo
ou curto alcance, numa situação específica e como resposta a problemas e necessidades;

c) Comportamental: implica ação ou inação, fazer ou não fazer nada; mas uma política é, acima de
tudo, um curso de ação e não apenas uma decisão singular;

d) Causal: são os produtos de ações que têm efeitos no sistema político e social (SARAVIA, 2006,
p. 31).

Independentemente da abordagem adotada, é preciso considerar o que se entende como


política pública. Souza (2006) enfatiza que toda política pública apresenta, essencialmente, as
seguintes características:

• É ação intencional, com objetivos a serem alcançados.

• Permite distinguir entre o que o governo pretende fazer e o que, de fato, faz.

• Envolve processos subsequentes após sua decisão e proposição, ou seja, implica também
implementação, execução e avaliação.

• Envolve vários atores e níveis de decisão, embora seja materializada através dos gover-
nos.

• Não se restringe aos participantes formais, já que os informais são também importantes.

• É abrangente e não se limita a leis e regras (envolve procedimentos, recursos, etc.).

• Ocorre no longo prazo, embora possa ter impactos no curto prazo.

2. POLITY, POLITICS E POLICY


Como distinguir política de políticas públicas? Esses dois conceitos podem ser confundidos já
que a língua portuguesa utiliza a mesma palavra para referenciá-los. Para resolver este problema
16

vamos recorrer à língua inglesa para realizar a diferenciação conceitual entre polity (instituições
políticas), politics (processo político) e policy (conteúdos da política). Logo após, a exposição
recairá sobre a relação entre esses conceitos.

Figura 1 - Política
Fonte: Sinart Creative, Shutterstock (2020).

#PraCegoVer: A imagem mostra a palavra “política” em destaque, colada em uma aba de


pasta de arquivo.

2.1 Distinção entre de polity, politics e policy


A literatura da Ciência Política diferencia três dimensões da política (FREY, 2000): polity,
politics e policy.

A dimensão institucional polity se refere “à ordem do sistema político, delineada pelo sistema
jurídico, e à estrutura institucional do sistema político-administrativo” (FREY, 2000, p. 216). Essa
estrutura geralmente é resultado de um pacto e interação entre atores políticos (poucos, em
regimes autoritários ou muitos, em regimes democráticos). A polity pode ser entendida ainda como
as regras do jogo político, ou seja, as instituições que constrangem os atores em suas interações.

A polity comporta macro, médias e micro instituições, sendo que as macro são as principais
que atuam nessa dimensão da política. São exemplos:

• Normas constitucionais;

• Regime político: democracia, autoritarismo;

• Forma de Estado: federal ou unitário;

• Sistema eleitoral: majoritário ou proporcional etc.;

• Sistema partidário: bipartidário, multipartidário etc.;

• Sistema de governo: presidencialismo e parlamentarismo;


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• Estrutura dos poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário etc.

A dimensão processual politic foca no “processo político, frequentemente de caráter


conflituoso, no que diz respeito à imposição de objetivos, aos conteúdos e às decisões de
distribuição” (FREY, 2000, p. 216-7). Podemos dizer que a politic é o jogo político propriamente dito,
ou seja, a forma como assume a interação entre os atores políticos, suas barganhas, negociações,
as relações de poder entre eles, como processam seus interesses e como se articulam.

Dito isso, podemos perceber que a dinâmica política envolve articulações, pressões,
competições, cooperações, disputas, conflitos, pactos, rupturas etc. Diferente da polity, que
é mais estável, a politics é dinâmica e pode variar, mais ou menos, ao longo do tempo. Como
exemplo, citamos os seguintes elementos da politics:

• Alianças políticas;

• Atuação dos grupos de interesses;

• Processos eleitorais: coligações, preferências, forças dos partidos etc.;

• Coalizões de governo;

• Governos, dinâmicas ministeriais;

• Relações intergovernamentais;

• Relações do executivo, legislativo e judiciário;

• Participação social no poder etc.

Por fim, a dimensão material policy diz respeito “aos conteúdos concretos, isto é, à configuração
dos programas políticos, aos problemas técnicos e ao conteúdo material das decisões políticas”
(FREY, 2000, p. 217). Na prática, a policy são as políticas públicas que, em grande medida, são
influenciadas pelas regras (polity) e pelo jogo político (politics), como veremos a seguir. Como
elementos da policies, podemos citar:

• Formação de agenda;

• Formulação ou planejamento;

• Implementação ou execução;

• Monitoramento;

• Avaliação;

• Reformulação ou ajustes na intervenção.


18

Utilize o QR Code para assistir ao vídeo:

2.2 Relação entre polity, politics e policy


Como ressalta Frey (2000, p. 219), na realidade essas três dimensões – polity, politics e policy
– são entrelaçadas e se influenciam mutuamente, pois tanto as instituições quanto “as disputas
políticas e as relações das forças de poder sempre deixarão suas marcas nos programas e projetos
desenvolvidos e implementados”. Um exemplo disso é a evolução da política ambiental que possui
uma gama de atores com interesses e valoração distintos. O desenvolvimento da consciência
ambiental – à medida que se agravaram os problemas ambientais – reforçou os conflitos entre os
interesses econômicos e ecológicos. Da mesma forma, o resultado do processo político advindo
desse conflito de interesses concretizou em programas e projetos ambientais, formulado e
elaborado pelas instituições, que constantemente podem sofrer alterações.

No Brasil, um plano de zoneamento ambiental na região da Amazônia, que prevê a


transformação de áreas de desmatamento em zonas de proteção ambiental, provoca resistência
por parte dos interesses econômicos da atividade madeireira afetados. Isso modifica as condições
do processo político (politics), e, eventualmente, tais interesses econômicos conseguem exercer
uma forte pressão dentro do sistema político-administrativo (polity) e nas políticas públicas
(policies), de modo que essas novas condições de politics podem levar à diversas revisões da
elaboração do plano original.

Devemos lembrar também que diversos fatores que condicionam as políticas públicas podem
estar sujeitos a alterações no decorrer do tempo. Um exemplo disso é o aumento da consciência
ambiental na Europa após o acidente nuclear de Chernobyl, que resultou na implementação de
políticas públicas ambientais mais concretas. Porém, a crise socioeconômica e financeira iniciada
em 2008 pode ter enfraquecido a agenda governamental voltada para a questão ambiental.
Ainda assim, grupos de interesse fortes, como o Greenpeace, ainda continuam atuando para
incluir pautas ambientais na agenda.
19

3. TIPOLOGIAS E CLASSIFICAÇÕES DE POLÍTICAS


PÚBLICAS
Na tentativa de lidar com a análise do vasto e diferenciado universo de políticas públicas foram
criadas diversas tipologias de enquadramento. As políticas públicas (policies), entendidas como
o “Estado em ação”, são diversas e complexas. Para facilitar seu entendimento e análise, foram
criadas várias classificações ou tipologias. Uma tipologia é construída com base em variáveis e
características das políticas públicas e sua utilização depende do que se deseja analisar.

Vamos lembrar que nenhuma tipologia é capaz de enquadrar todos os aspectos das políticas
públicas. Ainda, uma política pública poder ser pertencente à mais de uma tipologia. Um exemplo
disso é a política de educação básica, que pode estar enquadrada na tipologia de política social,
política universal, política majoritária e na política distributiva ou redistributiva, a depender da ação.

3.1 Tipologias de políticas públicas


Conforme com Lowi (1972) existem quatro tipos de políticas: redistributivas, regulatórias,
constitutivas ou estruturadoras e distributivas.

A política redistributiva é aquela que distribui bens e serviços a setores a segmentos


particulares da sociedade, através de recursos advindos de outros setores específicos (RUA;
ROMANINI, 2013, p. 47). Muitas vezes essas políticas são conflituosas, a exemplo da reforma
agrária, política tributária, distribuição royalties do petróleo etc. Essas políticas são conflituosas,
pois impõe perdas concretas para certos grupos e ganhos incertos para outros, envolvendo
diretamente valores, interesses e ideologias.

A política regulatória constitui padrões de comportamento, serviço ou produto para atores


públicos e privados. Essas políticas estabelecem direitos, deveres, obrigatoriedades e regras de
comportamento, definem o que pode, não pode, deve ou não deve ser feito, a exemplo do Código
de Trânsito, Código Florestal e legislação trabalhista. De acordo com Rua e Romanini (2013, p.
47), “seus custos e benefícios podem ser disseminados equilibradamente ou podem privilegiar
interesses restritos, a depender dos recursos de poder dos atores abarcados”.

A política estruturadora ou constitutiva é definida pela construção das leis e regras do jogo
político- institucional, sendo impactantes na construção das democracias. “São as normas e
os procedimentos sobre as quais devem ser formuladas e implementadas as demais políticas
públicas” (RUA; ROMANINI, 2013, p. 47). Pode-se citar as regras constitucionais, regimentos das
Casas Legislativas e do Congresso Nacional, etc.

A política distributiva é aquela construída para algum grupo de atores políticos, não sendo,
20

portanto, dirigida para totalidade da população. Essas políticas alocam bens e serviços a setores
específicos da sociedade (regiões, localidades, grupos sociais etc.) com recursos da coletividade
como um todo (RUA; ROMANINI, 2013, p. 47). Podemos citar como exemplos, os programas de
transferência de renda (ex. Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada - BPC), construção
de rodovias, estradas, hospitais e escolas.

FIQUE DE OLHO
Um problema dessa tipologia do teórico Lowi é que considera a polity (regras do jogo,
estrutura do Estado) como policies (política pública). Isso pode mais complicar do que
que esclarece o termo! Vimos que esses conceitos, analiticamente, devem ser tratados
separadamente.

Ao criticar a tipologia de Lowi (1972), o autor Wilson (1973) elaborou uma tipologia cujo
critério é a concentração ou dispersão dos benefícios e custos da política pública. As classificações
resultantes, conforme descreve Rua e Romanini (2013, p. 48), são:

I) Políticas clientelistas: os benefícios concentrados em determinados grupos e os custos dispersos.


Muitos arcam com os benefícios de poucos, ou seja, para que alguns tenham benefícios é preciso que a
sociedade arca com o custo. Como exemplo podemos citar os subsídios e as renúncias fiscais.

II) Políticas majoritárias: os benefícios e custos das políticas são dispersos na sociedade, isto
é, muitos se beneficiam e custeiam as políticas, a exemplo da política de saúde, segurança pública,
energia e educação.

III) Políticas empreendedoras: os benefícios são dispersos por toda coletividade e os custos
concentrados em alguns grupos. Como exemplo podemos citar a reforma administrativa e política
ambiental.

IV) Políticas de grupos de interesse: os benefícios e custos são concentrados em determinadas


categorias. Isto quer dizer, que alguns grupos recebem todos os benefícios que são custeados por
outros grupos. Por isso, esse tipo de política tem um alto potencial conflitivo, a exemplo da reforma
agrária.

Essa tipologia, apesar de avançar nos critérios de classificação, possui nomes que podem
gerar outros entendimentos. A nomenclatura “clientelista”, por exemplo, pode remeter à ideia do
clientelismo enquanto sistema de intermediação de interesses, no qual existe uma apropriação
privada de bens públicos. Porém, o termo retrata somente que as políticas são focadas em
determinadas clientelas (beneficiários).

Ao examinar outra dimensão das políticas públicas, Gustafsson (1983) elabora um critério de
21

classificação que foca na intencionalidade dos governantes em implementar as políticas públicas


e na disponibilidade de conhecimento para sua formulação e implementação. Com base nessas
variáveis são identificados os seguintes tipos (RUA; ROMANINI, 2013, p. 50):

I) Políticas reais: os governantes têm intenção em implementar as políticas e possuem


conhecimento para tal. Nesse aspecto, os governos escolhem as estratégias e alocam recursos para
resolução efetiva dos problemas políticos.

II) Políticas simbólicas: os governantes não têm intenção de implementar políticas, apesar de
terem conhecimento para isso. Muitas das vezes as políticas públicas são formuladas, mas não há
compromisso governamental para implementá-las.

III) Pseudopolíticas: os governantes têm a intenção de implementar as políticas, mas não possuem
conhecimento necessário para tal. Por vezes, para suprir a falta de expertise, os governos contratam
especialistas para sua formulação, mas encontram empecilhos técnicos na implementação. No caso
brasileiro, existem um grande número de municípios que possuem problemas de baixa capacidade
de gestão e acabam comprometendo as possibilidades de atender efetivamente às demandas por
políticas públicas.

IV) Políticas sem sentido: os governantes não têm interesse e conhecimento em implementar
uma determinada política. Esse tipo tende a funcionar como mero discurso político, sem compromisso
algum com a resolução do problema público.

Outra classificação, voltada para a perspectiva social, possui como critério a finalidade da
política pública. Com base nisso são tipificadas em (RUA; ROMANINI, 2013, p. 51):

I) Políticas compensatórias: são focadas na minimização das distorções sociais, a exemplo das
políticas de cotas raciais e a demarcação de terras indígenas.

II) Políticas emancipatórias: buscam empoderar e fortalecer grupos sociais vulneráveis, com
o propósito de promover sua independência frente ao Estado, a exemplo da reforma agrária, da
qualificação profissional etc.

Teixeira (2002) também avança na tipificação, ao apresentar critérios de análise de uma


política pública: natureza e grau de intervenção. Nesse sentido, as políticas públicas podem ser:

I) Políticas estruturais: buscam alterar estruturas da vida social (renda, emprego, produtividade
etc.). Como exemplo podemos citar as políticas de geração de emprego e as políticas de
desenvolvimento produtivo.

II) Políticas conjunturais ou emergenciais: buscam aliviar uma situação temporária ou “apagar um
incêndio”. Um exemplo é o Programa Fome Zero, que buscou efetivamente reduzir a fome no território
brasileiro.

A partir do critério da abrangência dos possíveis benefícios gerados pelas políticas públicas,
Teixeira (2002) apresenta a seguinte tipologia:
22

I) Políticas universais: são implementadas para todos os cidadãos, como o Sistema Único de Saúde
(SUS) e a educação básica.

II) Políticas segmentais ou focalizada: são focadas em um grupo com determinadas características
(idade, raça, condição física, gênero), como a política de cotas do Ensino Superior, políticas para
mulheres, Estatuto do Idoso etc.

III) Políticas fragmentadas: são destinadas a grupos específicos dentro de cada segmento da
sociedade. O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) é um exemplo, no qual política é
direcionada às famílias pobres com crianças em situação de trabalho.

Apesar de existirem diversas outras classificações, destaca-se as tipologias comum à


linguagem cotidiana. Tendo como critério o setor de atividade governamental em que operam, as
políticas públicas podem ser classificadas em (RUA; ROMANINI, 2013, p. 52).

I) Políticas sociais: são destinadas a prover direitos sociais, a exemplo da saúde, assistência social,
educação básica, lazer e habitação etc.;

II) Políticas econômicas: têm como foco a gestão da economia interna e a promoção da inserção
do país na economia externa. O propósito principal é gerar estabilidade e crescimento econômico,
como a política cambial, monetária, fiscal, industrial, agrícola, comércio exterior, etc.;

III) Políticas de infraestrutura: são aquelas destinadas a prover estruturas físicas para incentivar o
crescimento econômico ou propiciar a execução de outras políticas. Como exemplo podemos citar as
políticas de transporte (rodoviário, hidroviário, ferroviário, marítimo e aéreo); as políticas de geração
de energia (elétrica; combustíveis; petróleo, gás), o saneamento básico; mobilidade urbana e trânsito
etc.

III) Políticas de estado: são as destinadas a garantir os direitos básicos e a ordem interna, a exemplo
da segurança pública, política externa; direitos humanos etc. Essas políticas são mais permanentes
e não são dependentes de um governo em particular, isto é, são mais duradouras e consolidadas
(institucionalizadas), como a política de direitos humanos, defesa, relações exteriores etc.

IV) Políticas de governo: em oposto de políticas de Estado, estão vinculadas a um governo e, por
isso, podem ser transitórias, e algumas estão mais associadas a ideologias dos partidos ou a líderes
que governam.

4. ATORES DE POLÍTICAS PÚBLICAS


A política (politics) é um processo que envolve a operação de várias ações destinadas a
resolver os conflitos quanto à alocação de bens, serviços e recursos públicos, de forma mais
pacífica possível. Os atores políticos estão envolvidos nesse processo. Esse tópico apresentará o
conceito de atores políticos e os seus comportamentos para atingir seus interesses.
23

4.1 O que são atores políticos?


Os atores políticos (stakeholders) são aqueles cujos interesses serão afetados, positiva ou
negativamente, pelas decisões e ações de uma determinada política pública (RUA; ROMANINI,
2013, p. 12). Esses atores são inúmeros e podem variar conforme cada tipo de política pública
no qual estão envolvidos e interessados. Cada ator político exibe lógicas de comportamento,
interesses e recursos de poder próprios.

Por “recursos de poder” entendem-se os variados instrumentos mediante os quais os atores


podem tentar influir no curso das decisões e negociar politicamente, como: recursos financeiros,
posições de autoridade, capacidade de mobilização política, reputação, vínculos com outros
atores relevantes, habilidades estratégicas, conhecimento, informação, etc. (RUA; ROMANINI,
2013, p. 12).

Ao buscar identificar quem são os atores de uma política pública, deve-se fazer os seguintes
questionamentos: Quem ganha e quem perde com a política? Quem é afetado pela política?
Quem tem interesse na política?

No caso do Programa Mais Médicos, os atores centrais são o Governo Federal, os movimentos
sociais, a mídia de massa, as redes sociais e os conselhos de medicina. Estes diversos atores
atuaram na formulação e implementação da política motivados por interesses, ideologias e
objetivos diversificados, e, por consequência, alteraram o percurso do programa.

Os atores públicos são inúmeros e variam ao longo do tempo e conforme a política pública
específica. Estes atores variam em relação à/ao:

• Natureza social: público ou privado;

• Vínculo institucional;

• Interesses;

• Nível de organização;

• Comportamentos;

• Recursos de poder;

• Localização geográfica etc.

4.2 Classificação dos atores de políticas públicas


Uma das formas de classificar os atores de políticas públicas é distingui-los entre atores
públicos e atores privados.
24

Os atores públicos são aqueles que ocupam função pública ou atuam regidos pelos interesses
públicos ou utilizam recursos de natureza pública. Os principais atores públicos são os políticos
e os burocratas.

Os políticos são “os atores cuja posição resulta da conquista de mandatos eletivos” (RUA;
ROMANINI, 2013, p. 14). Sua atuação é baseada no cálculo eleitoral, na filiação partidária ou
no compromisso com o governo. Como exemplo podemos citar os membros eleitos do Poderes
Executivo (presidente, governadores e prefeitos) e Legislativo (deputados, senadores e vereadores).

Figura 2 - Palácio do Congresso Nacional brasileiro


Fonte: gary yim, Shutterstock (2020).

#PraCegoVer: A imagem mostra o palácio do Congresso Nacional em Brasília, com a cúpula


maior (côncava) do plenário da Câmara dos Deputados e a cúpula pequena (convexa), que abriga
o plenário do Senado Federal.

Vale lembrar que nem todos os cargos públicos são preenchidos mediante competição
eleitoral. Também existem os políticos designados pelos políticos eleitos para ocupar determinados
cargos na administração pública. “Tipicamente, são lideranças que ocupam posições na estrutura
organizacional dos seus partidos ou são políticos que ficaram provisoriamente sem mandato”
(RUA; ROMANINI, 2013, p. 14). São exemplos: secretários municipais e estaduais, diretores e
presidentes de empresas estatais, ministros, entre outros.

Os burocratas: “devem a sua posição à ocupação de cargos situados em sistema de carreira


pública, que exigem conhecimento especializado” (RUA; ROMANINI, 2013, p. 14). Eles controlam,
principalmente, recursos de autoridade, posições organizacionais e informações.

Conforme Rua e Romanini (2013), os burocratas são conhecidos na literatura especializada


como “profissionais do conhecimento” e, como tais, nem sempre suas relações com os políticos
são harmoniosas. Isso ocorre, uma vez que o que move os burocratas é o interesse pela
progressão em sua carreira, melhorar sua remuneração, ampliar seu poder e recursos sobre as
políticas públicas etc., a qual não está sujeita à responsabilização política (prestação de contas ao
25

eleitorado e possibilidade de ser eleito/reeleito), mas apenas técnica. Por outro lado, os políticos,
têm de se preocupar, continuadamente, com o eleitorado.

Além dos conflitos entre burocracia e políticos, também existem situações conflitivas entre
organizações burocráticas em diferentes setores do governo. Conforme Rua e Romanini (2013, p.
15), “os agentes burocráticos são capazes de desenvolver projetos políticos, visando promover
interesses pessoais ou as solidariedades organizacionais (como a fidelidade aos valores da
instituição, o fortalecimento da organização à qual pertencem etc.)”.

Vale ressaltar também que pode ser tênue a divisão entre burocratas e políticos: temos
burocratas envolvidos com partidos e atividades políticas, inclusive burocratas que se tornam
políticos. De acordo com palavras das autoras Rua e Romanini (2013, p. 14),

os políticos, por vezes, exercem cargos em organizações burocráticas. Da mesma forma, burocratas
envolvem-se em atividades políticas, de maneira que a linha demarcatória desses diferentes papéis
institucionais pode ser bastante imprecisa. Além disso, embora não disponham de mandato eletivo,
os burocratas frequentemente possuem (e cultivam) clientelas com as quais compartilham afinidades
setoriais. Essas clientelas podem se organizar, ou não, em grupos e redes, que podem proporcionar
importante base de sustentação e de legitimação política aos burocratas.

Analiticamente, a burocracia pode ser subdivida em alto escalão, médio escalão, baixo escalão
(burocracia de nível de rua).

Os burocratas de alto escalão (muitas vezes tratados na literatura como policymakers)


são aqueles que estão lotados em cargos e funções que possuem elevada responsabilidade
política, por atuarem como atores principais em processos decisórios sobre regras, estruturas
administrativas e ações do governo; e exercerem ações de representação e articulação política
(PALOTTI; CAVALCANTE, 2018, p. 161). Vale destacar também que os cargos do alto escalão são
marcados por instabilidades advindas do ciclo eleitoral e da gestão de coalizões de governo, já
que são, em grande parte, diretamente nomeados pelos políticos eleitos, a exemplo da Direção e
Assessoramento Superiores (DAS) de nível 4, 5 e 6 do governo federal.

A burocracia de médio escalão, conforme Lotta et al., (2015, p. 23), pode ser definida como
“atores que desempenham função de gestão e direção intermediária (como gerentes, diretores,
coordenadores ou supervisores) em burocracias públicas e privadas”. É ela quem “gerencia os
burocratas de nível de rua e que faz o elo entre esses implementadores e os formuladores”
(LOTTA; PIRES; OLIVEIRA, 2015, p. 25). Esses cargos também apresentam uma instabilidade e
rotatividade alta, já que também estão sujeitos às mudanças advindas do ciclo eleitoral.

Já a “burocracia de nível de rua” (street-level bureaucracy) são os “servidores públicos que


operam nos escalões mais baixos do sistema político, atuando diretamente com o público afetado
(e não apenas beneficiários) das políticas públicas: bombeiros, professores, atendentes” (RUA;
26

ROMANINI, 2013, p. 15). Esse burocrata participa dos processos de implementação e execução das
políticas públicas (e não tomada de decisão ou formulação). Nesse sentido, possuem a capacidade
de adaptar normas, regras e objetivos formais às situações de seu cotidiano, por meio do uso da
discricionariedade inerente às condições do seu trabalho (CAVALCANTI et al., 2018, p. 230).

O burocrata de baixo escalão, portanto, é capaz de mudar as políticas públicas no momento


da sua implementação, pois fazem escolhas políticas em vez de meramente aplicar as decisões
das autoridades eleitas. Por isso, deve haver uma negociação permanente com este profissional,
já que seus valores, preconceitos e demais relações influenciam no tratamento dado aos cidadãos
(RUA; ROMANINI, 2013, p. 15).

Por sua vez, os atores privados estão inseridos no campo das esferas particulares do cenário
econômico ou no campo extra-materiais, como em questões de gênero e em valores morais e
éticos. Como exemplo podemos citar os empresários, os sindicatos, os trabalhadores formais
ou informais, as associações civis, religiosas, ONGs, partidos políticos, movimentos sociais, entre
outros. (RUA; ROMANINI, 2013, p. 16).

Os atores privados podem se diferenciar, principalmente, em relação a sua localização geográfica


e vinculação política. Em relação à localização geográfica, podemos citar os seguintes grupos:

Internacionais

Como, por exemplo, as corporações financeiras internacionais; o movimento ambientalista;

Nacionais

Como o movimento negro e LGBT;

Regionais

Como, por exemplo, a Federação das Indústrias de São Paulo e a Associação dos Empresários
da Zona Franca de Manaus;

Locais

Como as associações de bairro.

Quanto a sua vinculação com a política existe os atores privados formais e informais. Os
formais têm atuação direta em algum âmbito da política, já que os indivíduos ou organizações
desempenham papéis predeterminados, segundo estatutos públicos ou privados, como é o caso
do representante da indústria de fármacos no Conselho Nacional de Saúde. Podem atuar também
no âmbito informal mediante, principalmente, via rede de políticas públicas (policy networks).
27

FIQUE DE OLHO
O termo policy networks refere-se às interações das diferentes instituições e grupos
tanto do executivo, do legislativo como do privado e da sociedade na formulação
e implementação de uma política pública. As redes de relações sociais se repetem
periodicamente, mas são menos formais e delineadas do que relações sociais
institucionalizadas (FARAH, 2000, p. 221).

Rua e Romanini (2013, p. 16) consideram que um dos principais atores privados é o do
empresariado. Esse grupo tem um maior poder de influenciar a condução, criação e manutenção
de políticas públicas, uma vez que possuem alto poder de barganha, devido a sua capacidade de
mobilização financeira e social. Eles podem, por exemplo, afetar as políticas públicas pela via da
produção, do pagamento de tributos, da geração de emprego, da prestação de serviços, por sua
atuação junto aos políticos e burocratas (financiamento de campanha, lobby etc);

Deve considerar, ainda, os diversos atores internacionais que, a depender do tipo e do objeto
de cada política pública específica, podem assumir papel crucial. Esses atores podem ser:

Países (EUA, China) ou regiões (União Europeia, Mercosul), que influenciam as políticas
públicas de outros países, a partir de sua influência econômica e seus exemplos de políticas. Um
exemplo é a crise da economia americana, iniciada em 2008, que atingiu as políticas públicas do
conjunto dos países desenvolvidos, em desenvolvimento e emergentes. O governo brasileiro teve
de adotar diversas medidas para proteger sua economia dos impactos dessa crise.

Organismos internacionais, que pactuam metas, ações, comportamentos entre seus


signatários, a exemplo da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização Internacional
do Trabalho (OIT).

Organismos multilaterais que atuam por meio de financiamentos e apoios técnicos, como
Fundo Monetário Internacional (FMI), o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA)
e o Grupo Banco Mundial.

ONGs internacionais que formam redes transnacionais, que pressionam os países a seguirem
certos preceitos. Podemos citar a Anistia Internacional, com atuação em direitos humanos e as
organizações ambientalistas, como a WWF (World Wide Fund for Nature) e Greepeace, em torno
de problemas como a preservação da Amazônia no Brasil.

Apesar de não atuar diretamente nas políticas públicas, não se pode ignorar o papel da mídia,
seja ela impressa ou eletrônica. Nas palavras das autoras Rua e Romanini (2013, p. 18),
28

os jornais, a internet e a televisão são importantes agentes formadores de opinião, que possuem
capacidade de mobilizar a ação de outros atores. Na verdade, a televisão, em especial, tem um grande
poder de formar a agenda de demandas públicas, de chamar a atenção do público para problemas
diversos, de mobilizar a indignação popular, enfim, de influir sobre as opiniões e os valores da massa
da população. Cumpre assinalar que a mídia impressa e/ou eletrônica pode ser, simultânea ou
alternativamente, um ator político, um recurso de poder e um canal de manifestação de interesses.

Kingdon (1984) também faz outra caracterização de atores, incorporando duas classificações:
visíveis e invisíveis. Os atores visíveis estão presentes nas mídias e na percepção das pessoas,
e atuam incluindo e excluindo temas prioritários da agenda governamental. Como principais
exemplos podemos citar o presidente, governadores, parlamentares. Já os atores invisíveis são
aqueles que tem como foco principal participar dos processos de identificação e resolução dos
problemas, de construção de políticas públicas, e, em geral, ficam fora do conhecimento da
população, como por exemplo, os servidores de carreira, consultores, assessores e acadêmicos.

Os atores políticos, quando atuam conjuntamente com outros atores, podem ser nomeados
pela literatura como grupos de interesse. Eles organizam e atuam com o objetivo de obter
benefícios e vantagens de acordo com o interesse coletivo do grupo.

Por fim, como identificar os atores em uma política pública? Conforme Rua e Romanini (2013,
p. 19), o mais simples e eficaz critério para identificar os atores é fazer o seguinte questionamento:
quem tem alguma coisa em jogo na política pública em questão.

Ou seja, quem estará preocupado em ganhar ou perder, direta ou indiretamente, com uma policy?
Que indivíduos, grupos, órgãos públicos, entidades privadas, setores da vida econômica ou social têm
seus interesses efetiva ou potencialmente afetados pelas decisões e ações que compõem a política
pública em tela? (RUA; ROMANINI, 2013, p. 19).

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29

5. A ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS


A análise de políticas corresponde a estudos que envolvem a geração e a mobilização de
conhecimento para subsidiar políticas públicas. Apesar de várias teorias sobre planejamento
econômico, medidas de bem-estar social e promoção do desenvolvimento serem desenvolvidas desde
a década de 1930, somente a partir de 1950 que a área de políticas públicas passou a ter dinamismo.
Antes disso, a contribuição inicial foi elaborada por Lasswell, em 1936, a partir da criação da expressão
“policy analysis” (análise de política pública). O propósito do teórico era conciliar o conhecimento
acadêmico e científico com a produção aplicada dos governos, além de intentar estabelecer diálogo
entre os cientistas, governo e grupos de interesse (RUA; ROMANINI, 2013, p. 53).

O ressurgimento do campo de estudos voltados para a análise de políticas públicas, assim


como a importância do estudo das instituições políticas, regras e modelos que regem as suas
fases (decisão, elaboração, implementação e avaliação) começou a vigorar, devido à três fatores,
conforme cita Souza (2006, p. 20).

O primeiro fator foi a adoção de políticas de restrição de gastos, principalmente nos países em
desenvolvimento. A partir disso, o desenho e a implementação de políticas públicas econômicas
e sociais ganharam maior visibilidade.

O segundo fator é que os ideais keynesianos sobre intervenção econômica do Estado para
garantia de emprego e controle da inflação foram sendo substituídos por ideias de restrição de
gasto, no qual o Estado deveria intervir menos na economia e nas políticas sociais. “Esta agenda
passou a dominar corações e mentes a partir dos anos 80, em especial em países com longas e
recorrentes trajetórias inflacionárias como os da América Latina” (SOUZA, 2006, p. 20).

O terceiro fator, mais relacionado aos países em desenvolvimento e de democracia recente,


é que, em sua maioria (em especial os da América Latina), havia uma deficiência em formar
coalizões políticas capazes de solucionar e decidir minimamente a questão de como desenhar
políticas públicas capazes de desenvolver a economia e promover a inclusão social de sua
população (SOUZA, 2006, p. 21).

A trajetória dos estudos sobre políticas públicas, que nasce como subárea da ciência política,
“abre o caminho trilhado pela ciência política norte-americana no que se refere ao estudo do
mundo público” (SOUZA, 2006, p. 22). De acordo com a autora,

o pressuposto analítico que regeu a constituição e a consolidação dos estudos sobre políticas
públicas é o de que, em democracias estáveis, aquilo que o governo faz ou deixa de fazer é passível de ser

a) formulado cientificamente;

b) analisado por pesquisadores independentes (SOUZA, 2006, p. 22).


30

Na área governamental, a introdução da política pública como ferramenta das decisões do


governo é produto da Guerra Fria (1947-1991) e da valorização da tecnocracia como forma de
enfrentar suas consequências. A ideia era aplicar métodos científicos às formulações e decisões
do governo para resolução de problemas públicos (SOUZA, 2000, p. 22).

Na contemporaneidade, a abordagem da análise de políticas públicas se sustenta no seguinte


tripé (FARIA, 2018, p. 17):

I) Perspectiva analítica e de intervenção explicitamente voltada para os problemas sociais e


políticos;

II) Multidisciplinar nas suas articulações práticas e intelectuais, pois todo problema social ou
político tem múltiplos componentes que estão associados a várias disciplinas acadêmicas;

III) Orientada por valores, particular ente o ethos democrático e a busca da dignidade humana.

5.1 A análise de políticas públicas no Brasil


O estudo de políticas públicas, ainda que bem incipiente, iniciou no Brasil na década de 1930,
principalmente a partir da implantação do Estado Nacional-Desenvolvimentista. Esse período
intentou modernizar a administração pública, a burocracia e outras áreas de intervenção estatal
(inclusive as políticas sociais), através de uma base técnica com critérios científicos (FARAH, 2016,
p. 965-966).

Até os anos 1980, a maior parte dos estudos de políticas públicas no Brasil se dedicou a
análises macrossociológicas sobre o Estado e seu efeito sobre as políticas de diversos aspectos da
sociedade, como a formação da nação, o desenvolvimento econômico, a constituição da cidadania
etc. Porém, embora o Estado brasileiro tenha discutido os detalhes de suas ações, assim como os
elementos e processos que estimulavam seu desenvolvimento, o campo teórico e analítico dessas
temáticas era deficiente (MARQUES; FARIA, 2018, p. 7).

Somente a partir dos anos 1980 que iniciou a constituição de uma literatura nacional sobre
políticas públicas. O propósito era repensar o Brasil, seu Estado e suas ações no contexto da
redemocratização, com enfoque especial nos nossos legados históricos e nas características das
políticas públicas (MARQUES; FARIA, 2018, p. 8).

Nas duas décadas seguintes, os avanços continuaram em um ambiente de consolidação do regime


democrático e de uma nova Constituição Federal. Nas palavras dos autores Marques e Faria (2018, p. 8),

os debates nacionais alargaram substancialmente nossa compreensão sobre as reformas de


políticas públicas, o surgimento de esferas participativas de gestão das políticas públicas, assim como
sobre processos não diretamente associados às políticas públicas, mas com destacada influência sobre
elas, como a composição de governos e o funcionamento de nosso presidencialismo de coalizão.
31

FIQUE DE OLHO
O termo presidencialismo de coalização foi cunhado por Sérgio Abranches em 1988, e
denota a existência de um sistema político em que o Poder Executivo, embora dotado
de fortes poderes, depende do apoio de vários partidos em seus projetos. Isto é, o
presidente tem duas agendas: uma, alinhada às suas ideologias; e outra, voltada para
negociação com outros partidos.

Ainda, de acordo com Arretche (2003), o crescente interesse pelo estudo de políticas públicas
no Brasil está diretamente relacionado às mudanças recentes da sociedade brasileira. Nas
palavras da autora,

o intenso processo de inovação e experimentação em programas governamentais – resultado em


grande parte da competição eleitoral, da autonomia dos governos locais, bem como dos programas de
reforma do Estado –, assim como as oportunidades abertas à participação nas mais diversas políticas
setoriais – seja pelo acesso de segmentos tradicionalmente excluídos e cargos eletivos, seja por
inúmeras novas modalidades de representação de interesses – despertaram não apenas uma enorme
curiosidade sobre os “micro” mecanismos de funcionamento do Estado brasileiro, como também
revelaram o grande desconhecimento sobre sua operação e impacto efetivo (ARRETCHE, 2003, p. 7-8).

Outro fato que contribuiu para o avanço do estudo da análise de políticas públicas foi o
recente boom de cursos de política pública e áreas correlatas, tais como administração pública,
gestão pública, gestão social e gestão de políticas públicas. Estes cursos possuem como um de
seus componentes centrais, a análise de políticas orientada para a prática (FARAH, 2016, p. 965).

5.2 A multidisciplinaridade da análise de políticas públicas no Brasil


Se admitirmos que a política pública é um campo holístico, torna-se território de várias disciplinas,
teorias e modelos analíticos (SOUZA, 2006, p. 26). Assim, apesar de possuir suas próprias modelagens,
teorias e métodos, a política pública, embora seja formalmente um ramo da Ciência Política, a ela não
se resume, podendo também ser objeto analítico de outras áreas do conhecimento: de forma mais
central, também na Sociologia, Administração Pública; e de forma mais periférica, na Antropologia,
Relações Internacionais, Direito, Psicologia, Demografia, Economia e História.

No campo de análise de política pública, espera-se que que a interdisciplinaridade “determine


a maneira como as questões devem ser problematizadas, as opções de políticas disponíveis para
o governo e a narrativa utilizada para descrever o comportamento daquelas pessoas afetadas”
(KELLY, 2009, p. 49 apud FARIA, 2018, p. 18). Para a autora, ainda, nas últimas décadas, o processo
de mudança “pode ter sido incremental ou gradual, mas nesse período as teorias, valores centrais
e metodologias da pesquisa e do ensino sobre as políticas públicas mudaram consideravelmente”
(KELLY, 2009, p. 50 apud FARIA, 2018, p. 19).

Quando se pensa no caráter interdisciplinar da análise de políticas públicas, devemos


32

também pensar em dois problemas centrais. O primeiro são as dificuldades no intercâmbio


de conhecimento e debates entre as disciplinas. O segundo é a necessidade de se produzir um
diálogo fluido e um reconhecimento recíproco entre acadêmicos, gestores governamentais e
tomadores de decisão (FARIA, 2018, p. 18).

Apesar desses problemas, testemunhamos atualmente, no Brasil, a crescente legitimação e


institucionalização do campo de análise de políticas públicas, tanto âmbito acadêmico como no
governamental e societário, conforme afirma Faria (2018, p. 19).
33

PARA RESUMIR
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:

• aprender o conceito de políticas públicas e suas características;

• compreender a distinção entre de polity, politics e policy, e a relação entre esses


conceitos;

• conhecer as tipologias e as classificações das políticas públicas;

• entender o conceito de atores públicos: públicos e privados;

• estudar sobre o surgimento da área de análise de políticas públicas;

• compreender a inserção do campo de análise de políticas públicas no Brasil e sua


multidisciplinaridade.
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UNIDADE 2
Formulação de políticas públicas
Introdução
Você está na unidade Formulação de Políticas Públicas. Conheça aqui o ciclo da
formulação e também as suas fases: formação da agenda, formulação, implementação,
monitoramento, avaliação e reformulação. Entenda também como são os modelos
teóricos de análise da formulação de políticas públicas, com foco na formação da agenda,
para se entender como e por que o governo faz ou deixa de fazer alguma ação que
repercutirá na sociedade. Aprenda ainda como funciona o papel do Estado e do governo
nas políticas públicas, com foco no caso brasileiro.

Bons estudos!
39

1. MODELO DE ANÁLISE DO CICLO DE POLÍTICA


PÚBLICA
Apesar de existirem nomenclaturas diferentes para cada fase, é possível traçar similaridades
entre suas características. A fase do planejamento do modelo “PDCA”, por exemplo, tem
características da fase da formulação (termo geralmente mais utilizado nas análises da ciência
política), como veremos adiante.

Uma representação visual das fases de uma política pública pode ser traduzida por meio
do modelo “PDCA”. Esse modelo surgiu em 1924 como ferramenta para a gestão de ações
do setor privado e, mais recentemente, tem sido utilizado também na gestão de programas
governamentais.

O PDCA significa plan (planejar), do (executar), check (checar, monitorar) e act (reformular,
ajustar).

Figura 1 - Diagrama do PDCA


Fonte: no_limit_pictures, Shuttertock (2020).

#PraCegoVer: Na imagem, temos o diagrama do modelo PDCA. Planejar, fazer, verificar, agir.

Cada uma dessas fases do PDCA segue a concepção do ciclo de políticas públicas (policy cycle):

• Formação da agenda;

• Formulação ou planejamento;

• Implementação ou execução;

• Monitoramento e avaliação;

• Reformulação e ajustes.
40

1.1 Formação da agenda


A concepção do ciclo de políticas públicas (policy cycle), como recurso de análise, distinguem
a formação da agenda da formulação da política pública (RUA; ROMANINI, 2013).

FIQUE DE OLHO
Outros teóricos preferem analisar tanto a formação da agenda governamental, a
elaboração das alternativas, quanto a escolha entre elas (decisão) como um todo que
corresponde à formulação da política pública propriamente dita (RUA; ROMANINI, 2013).

Afinal, o que é agenda de políticas públicas (também chamada de agenda governamental e


agenda política)? Consiste em uma lista de prioridades inicialmente estabelecidas, às quais os
governos devem dedicar suas energias e atenções em um determinado momento. Neste processo,
“os atores políticos lutam intensamente para incluir seus interesses nessa lista de prioridades
com vistas a que constituam objeto da decisão política” (RUA; ROMANINI, 2013, p. 61).

Porém, existem diferenciações no conceito de agenda. Kingdon (1995), o subdivide em:


agenda do Estado, agenda governamental e agenda de decisão.

A agenda de Estado é a lista de problemas políticos que preocupam diversos atores políticos,
não se restringindo somente ao governo. Essa lista de temas pode preocupar a sociedade, o
Estado e, até mesmo, o sistema internacional, a exemplo da crise do sistema econômico, tráfico
de drogas, suprimento de água etc. (RUA; ROMANINI, 2013, p. 61).

A agenda governamental é aquela que reúne os problemas políticos sobre os quais um


governo específico decide focar. A composição desse tipo de agenda depende da “ideologia e dos
projetos políticos e partidários daquele governo, da mobilização social, das crises conjunturais
e das oportunidades políticas” (RUA; ROMANINI, 2013, p. 61). Como exemplo, podemos citar a
criação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à fome durante o governo Lula, que
tinha a redução da pobreza e da desigualdade social como um dos principais objetivos em sua
agenda.

A agenda de decisão “é a lista dos problemas políticos encaminhados à tomada de decisão


pelo sistema político (Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário) no curto e médio prazo” (RUA;
ROMANINI, 2013, p. 61). Devemos entender que, esses assuntos podem ou não estar previamente
na agenda governamental, já que algumas agendas são iniciadas no legislativo. Também, nem
todas as questões da agenda governamental chegam à agenda de decisão.
41

Antes de prosseguir, devemos nos lembrar que antes de entrar na agenda de políticas
públicas, a demanda precisa ser identificada e reconhecida como um problema público, ou seja,
ser reconhecida pelas autoridades públicas.

As demandas podem ser classificadas em novas, recorrente ou reprimidas, conforme


classifica Rua e Romanini (2013, p. 59-60). As demandas novas são aquelas que nunca foram
processadas pelo sistema político em um determinado contexto. Ao contrário, as demandas
recorrentes já foram processadas pelo sistema político, no entanto, não tiveram solução eficaz,
como a reforma agrária no Brasil. As demandas reprimidas são aquelas não consideradas pela
agenda governamental, pela sociedade (quando caracterizam “estados de coisas”); ou porque a
sua inclusão poderia ameaçar interesses de atores com mais poder.

Enquanto permanecer como um “estado de coisas”, uma situação não será reconhecida como
“problema político”, nem será incluída entre as prioridades dos tomadores de decisão. A título de
ilustrações, foram estados de coisas no Brasil, durante décadas, a discriminação racial, a falta de
acessibilidade a pessoas com necessidades especiais etc. (RUA; ROMANINI, 2013, p. 60).

Em síntese, geralmente, existem três fatores macro que interferem na formação de agenda de
políticas públicas, ou seja, na agenda governamental:

Definição de quais são os problemas políticos, ou seja, de aspectos da vida social que
merecem atenção do governo;

Os atores que participam do processo político e o poder que têm para incluir ou vetar temas
na agenda;

Instituições (polity) e, principalmente, dinâmica política (politics).

Utilize o QR Code para assistir ao vídeo:


42

1.2 Formulação ou planejamento


A formulação de políticas públicas envolve um conjunto de processos que incluem, pelo
menos: a formulação de alternativas a serem adotadas para o enfrentamento do problema
público; uma escolha final entre essas alternativas específicas, por meio de votação no Legislativo
ou decisão do Executivo; e a definição (tomada de decisão) da estratégia a ser adotada, ou seja,
a implementação dessa decisão.

A formulação constitui-se no estágio em que os governos traduzem seus propósitos e


plataformas eleitorais em programas, métodos, estratégias ou ações que produzirão resultados
ou mudanças no mundo real (SOUZA, 2006, p. 260.

Portanto, o processo de formulação de uma política pública envolve:

• Definir, analisar, diagnosticar um problema social;

• Definir quais são as questões de um problema e identificar as preferências dos atores em


relação a cada um deles;

• Analisar as alternativas postas para resolver o problema;

• Tomar decisões sobre o que fazer, como e quando.

• Definir, analisar, diagnosticar um problema social;

• Definir quais são as questões de um problema e identificar as preferências dos atores em


relação a cada um deles;

• Analisar as alternativas postas para resolver o problema;

• Tomar decisões sobre o que fazer, como e quando.

Na gestão/administração pública é muito comum nomear essa fase como planejamento.


O planejamento é uma fase que, geralmente, resulta em um plano, que pode ser subdivido
em programas, projetos e ações. Para planejar uma política pública é preciso responder a três
questionamentos básicos:

Onde estamos? Qual problema político desejamos alterar?

Análise da situação social.

Onde queremos chegar?

Definição de objetivos, metas e resultados a serem alcançados.


43

Como podemos chegar lá?

Quais estratégias e ações devem ser adotadas para atingirmos os objetivos propostos.

Algumas questões respondidas no planejamento de uma política municipal de atenção


primária à saúde costumam ser:

Qual é a situação atual da política de atenção primária à saúde nesse município?

Qual o cenário desejável para a atenção primária à saúde daqui um, dois, cinco ou dez anos?

Quais diretrizes, estratégias e ações são necessárias para alcançarmos esse cenário desejado?

Como o Programa Saúde da Família pode contribuir para alcançar esse cenário?

Sobre a aplicabilidade do planejamento na gestão pública, Matus (2006) apresenta como


ferramenta o planejamento estratégico situacional que tem os seguintes pressupostos:

• não existe a segurança do planejador em controlar toda a realidade, pois isso dependerá
da ação de outros atores;

• há mais de uma explicação para a realidade, em função da visão dos vários atores;

• existe objetivos conflitantes entre os vários atores políticos internos e externos à admi-
nistração pública;

• o planejamento deve sistematizar o cálculo político e focar sua atenção na conjuntura;

• o cenário de incertezas é predominante.

1.3 Implementação ou execução


A implementação (ou execução) é o conjunto dos eventos e das atividades, – realizadas por
grupos ou indivíduos, de natureza pública ou privada – que acontecem após a definição das
diretrizes de uma política pública, que incluem tanto o esforço para administrá-la como os seus
impactos substantivos sobre pessoas e eventos (RUA; ROMANINI, 2013, p. 90).

Portanto, a implementação consiste em fazer uma política formulada sair do papel e ser
colocada em prática. Essa fase pressupõe responder a algumas questões:

Quais as ações necessárias?

Quem são os responsáveis pelas ações?

Qual o cronograma das ações?


44

Quais as estratégias, metodologias e técnicas para executar as ações?.....................

Vale ressaltar que “a implementação de uma política pública não ocorre automaticamente,
visto que pode apresentar configurações distintas e dinâmicas peculiares” (DAVID et al., 2018, p.
67). Por exemplo, quando uma política envolve diferentes níveis de governo (federal, estadual,
municipal), diferentes regiões de um território ou, ainda, diferentes setores de atividade, sua
implementação pode se tornar bastante problemática, já que o controle desse processo se torna
mais complexo. Por isso, é importante a mobilização e interação de diversos atores políticos.
Segundo Rua e Romanini (2013, p. 103),

para que a implementação se torne uma realidade, é necessária a mobilização dos atores políticos
abarcados por ela. Um hiato (gap) ou um déficit de implementação acontece quando uma política
pública não pôde ser colocada em prática da maneira apropriada, porque aqueles envolvidos com
sua execução não foram suficientemente cooperativos ou eficazes, ou, porque, a despeito de seus
esforços, não foi possível contornar obstáculos externos – já que o contexto afeta decisivamente a
implementação.

FIQUE DE OLHO
Devemos nos lembrar que, a implementação vai muito além da execução das decisões
inicialmente tomadas. Mesmo que já tenha ocorrido um processo decisório durante a
formulação da política pública, a implementação dessa política requer novas decisões
ao longo da sua trajetória. Portanto, existe um elo entre a formulação e implementação
(DAVID, et al., 2018).

Na gestão de políticas públicas, o monitoramento e a avaliação são instrumentos essenciais


que podem ser integrados a todo o ciclo, subsidiando a identificação do problema, o levantamento
de alternativas, o planejamento e a formulação da intervenção na realidade, o acompanhamento
da implementação e os ajustes a serem adotados para manutenção, aperfeiçoamento ou
interrupção das políticas públicas (RUA; ROMANINI, 2013, p. 106-107).

Devemos nos lembrar que monitoramento e avaliação são conceitos diferentes, e também
possuem aplicações distintas em uma política pública. A seguir, mais detalhamentos sobre isso. O
monitoramento de uma política pública consiste, conforme Vaitsman (2006, p. 21),

no acompanhamento contínuo, cotidiano, por parte de gestores e gerentes, do desenvolvimento


dos programas e políticas em relação a seus objetivos e metas. É uma função inerente à gestão dos
programas, devendo ser capaz de prover informações sobre o programa para seus gestores, permitindo
a adoção de medidas corretivas para melhorar sua operacionalização.
45

O objetivo do monitoramento o controle do cumprimento dos prazos e da provisão de


insumos, qualidade, preços e produtos previstos (DAVID et al., 2018, p. 69). O monitoramento
possibilita, portanto, constatar se os objetivos e metas estão sendo cumpridos ou se são
necessárias reformulações no modo de executá-las ou em seu planejamento.

Ao monitorar uma política pública procuramos responder, periodicamente:

• Quais ações foram executadas e quais resultados que elas geraram?

• O que foi feito aponta na direção pretendida, rumo aos objetivos e metas estabeleci-
dos?

• O que é preciso corrigir ou aperfeiçoar?

Já a avaliação consiste na “mensuração e análise, a posteriori, dos efeitos produzidos na


sociedade pelas políticas públicas, especialmente da política pública no que diz respeito às
realizações obtidas e às consequências previstas e não previstas” (SARAVIA, 2006, p. 34-35).

A avaliação estabelece relações causais entre as ações realizadas e as mudanças almejadas


(objetivos), podendo ser realizada antes, durante ou após a execução destas ações, sempre com
vistas a mensurar o desempenho de uma determinada ação ou conjunto de ações (programas ou
projetos) na obtenção dos objetivos propostos na política.

Conforme Rua e Romanini (2013, p. 109), as finalidades da avalição são as seguintes:

• viabilizar a prestação de contas (accountability), mediante a oferta de informações para


julgar e aprovar decisões, ações e seus resultados;

• desenvolver e melhorar estratégias de intervenção na realidade, uma vez que a avaliação


necessariamente deve ser capaz de propor algum aperfeiçoamento da política pública
que está sendo avaliada;

• proporcionar aos atores envolvidos nas políticas públicas, segundo sua situação: em-
poderamento, já que a avaliação deve abrir espaço para a democratização da atividade
pública; promoção social, pois a avaliação deve ser instrumento que possibilite a incor-
poração de grupos sociais excluídos; e desenvolvimento institucional, porque a avaliação
contribui para a melhoria organizacional, o aprendizado institucional, e o fortalecimento
das instituições envolvidas.

Por exemplo, a política de educação básica no Brasil, possui um sistema de avaliação para
diagnosticar as condições da oferta da política; oferecer subsídios para o aprimoramento das
políticas educacionais, aferir as competências e as habilidades dos estudantes etc. Um dos
sistemas de avaliação é o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), que possui um
conjunto de ferramentas que permite a produção de evidências, estatísticas, avaliações e estudos
a respeito da qualidade da educação básica. Por meio de testes e questionários, aplicados nas
46

escolas, o Saeb conjectura os níveis de aprendizagem e desempenho dos alunos.

Por fim, avaliar uma política pública envolve responder os seguintes questionamentos:

Quais os resultados alcançados com a política?

A política foi realizada com economia de recursos e conforme o planejado? (relacionado aos
conceitos de eficiência e eficácia)

Quais mudanças a política promoveu na sociedade? (relacionado ao conceito de efetividade)

FIQUE DE OLHO
Eficiência é a relação entre custos (financeiros, recursos humanos, tempo) e benefícios, que
se procura maximizar. Eficácia é a capacidade de gerar os produtos iniciais, intermediários
e finais esperados (metas e objetivos). Efetividade diz respeito à capacidade de produzir
ou maximizar efeitos e impactos na realidade que se quer transformar, ou seja, mudanças
reais e permanentes na sociedade (RUA; ROMANINI, 2013).

Utilize o QR Code para assistir ao vídeo:

1.5 Reformulação e ajustes


Após monitorar e avaliar uma política pública, quase sempre são necessários reformulações e
ajustes no cronograma, no orçamento, nas ações ou até mesmo incorporar novos atores políticos
na execução. Se for constatado que a política fracassou, a solução é redefini-la, encerrá-la ou
formular outra política mais adequada para resolução do problema político.
47

Na prática, quase toda política precisa passar por reformulações. Como argumenta Menicucci
(2005, p. 72), a implementação “não é simplesmente a tradução concreta de decisões, mas um
processo ainda de formulação da política”.

Um exemplo é a reformulação do programa Minha Casa Minha Vida, realizada pelo Congresso
durante o governo Bolsonaro. A Lei nº 13.970/2019 alterou algumas regras do programa
propostas pelas leis anteriores (nº 10.931/2004 e nº 12.024/2009), dentre elas, a inclusão do
regime próprio de tributação para unidades residenciais de até R$ 100 mil.

FIQUE DE OLHO
O ciclo de política não deve ser entendido como fases com contornos nítidos que se
sucedem no tempo. Uma política não possui fases lineares e nem devem se suceder umas
às outras com pouca ou nenhuma articulação. As fases devem se articular, para ser feito
os ajustes necessários para o aperfeiçoamento da política pública.

3. MODELOS TEÓRICOS DE FORMAÇÃO DE AGENDA


E FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
De acordo com Souza (2006, p. 28), os modelos teóricos são elaborados para se entender
como e por que o governo faz ou deixa de fazer alguma ação que repercutirá na vida da sociedade.

Os modelos procuram responder, por exemplo, as seguintes questões:

• Como um problema se torna político e entra na agenda governamental?

• De que forma uma demanda específica se torna importante num determinado momento,
chamando a atenção do governo e passando a integrar sua agenda?

3.1 Modelo da “lata de lixo”


O modelo garbage can ou “lata de lixo” foi elaborado por Cohen et al. (1972) procura
questionar a seguinte pergunta: Como são definidas as alternativas para um problema político?

A ideia é que escolhas de políticas públicas são feitas como se as alternativas estivessem em
uma “lata de lixo”, isto é, existem vários problemas e poucas soluções. “As soluções não seriam
detidamente analisadas e dependeriam do leque de soluções que os decisores (policy makers)
têm no momento” (SOUZA, 2006, p. 30).
48

De acordo com este modelo, as decisões sobre políticas públicas não são tomadas com base
na análise das alternativas e na escolha daquelas que parecem mais adequadas para atingir
determinados fins. Ao longo de sua trajetória, as organizações acabam produzindo diversas
alternativas ou propostas de soluções para determinados problemas. E várias dessas propostas
ou alternativas acabam sendo rejeitadas, por motivos diversos. Porém, elas não são extintas.
Na verdade, ficam em um tipo de memória, em uma “lata de lixo”. Então, se um determinado
problema volta à tona ou se uma alternativa que não era boa em um contexto parece adequada
em outro, então ela é resgatada da “lata do lixo”.

A conclusão é que não é um problema que busca por soluções, mas soluções já pensadas
emergem quando um problema ganha relevância, ou seja: “soluções são respostas à procura de
um problema” (RUA; ROMANINI, 2013, p. 78). Nisso, a“ compreensão do problema e das soluções
é limitada, e as organizações operam em um sistema de tentativa e erro” (SOUZA, 2006, p. 31).

Um exemplo desse modelo em uma política pública no Brasil é o Programa Nacional do Álcool
(Proálcool), elaborado pelo regime militar para solução da crise do petróleo na década de 1970.
Apesar de várias alternativas para a oferta de uma fonte de energia renovável (como o óleo de
mamona, álcool de mandioca etc.) serem apresentadas para solução desse problema, na decisão,
acabou sendo implantada uma solução que já havia sido utilizada no governo Getúlio Vargas e
depois descartada – que se encontrava na “lata de lixo”: a mistura carburante de álcool de cana-
de-açúcar.

3.2 Modelo da coalização de defesa


O modelo da coalização de defesa (advocacy coalition), elaborado por Sabatier e Jenkins-
Smith (1993), busca responder o seguinte questionamento: por que existe estabilidade ou
mudança nas políticas públicas?

Esse modelo discorda da visão da política pública trazida pelo modelo “lata de lixo”, por sua
baixa capacidade explicativa sobre por que mudanças ocorrem nas políticas públicas. Assim,
“a política pública deveria ser concebida como um conjunto de subsistemas relativamente
estáveis, que se articulam com os acontecimentos externos, os quais dão os parâmetros para os
constrangimentos e os recursos de cada política pública” (SOUZA, 2006, p. 31).

Nessa concepção, os indivíduos que compõem uma organização possuem crenças, ideias,
valores e interesses comuns, por isso, se unem para formarem coalizões e defenderem seus
objetivos.

As coalizões de defesas podem ser várias e competem entre si para fazer valer seus interesses,
inclusive no que diz respeito à formulação de políticas públicas. Algumas coalizões defendem a
manutenção da situação (status quo) e outras defendem mudanças. Nisso, se as coalizões de
49

defesa da manutenção da política são fortes, ou seja, têm bastante recursos (financeiros, materiais,
políticos, tempo etc.), a política tende a se perpetuar sem grandes mudanças. Inversamente, se
grupos que buscam mudanças conseguem prevalecer, as políticas tendem as sofrer alterações
mais expressivas.

Conforme Rua e Romanini (2013, p. 78), “cada coalizão dispõe de certos recursos de poder que
procura manipular – como as regras, os orçamentos e o quadro de funcionário das organizações
governamentais – com a finalidade de defender e alcançar seus objetivos”.

A resolução de conflitos entre as coalizões não é simples, pois os atores de cada coalizão veem
o mundo de acordo com “lentes” distintas. No subsistema existem mediadores, ou “policy brokers”,
que atuam procurando negociar acordos razoáveis entre as coalizões, a fim de reduzir a intensidade
do conflito entre elas. Como o conhecimento e a informação representam recursos estratégicos
essenciais, as instituições de pesquisa também podem atuar como moderadores dos conflitos (RUA;
ROMANINI, 2013, p. 78).

O subsistema da política de transporte no Brasil é um exemplo. As empresas de engenharia


envolvidas na construção de estradas podem compor uma coalizão, com o propósito de defender
o transporte rodoviário. Por outro lado, pode existir uma coalizão que defenda o transporte
ferroviário e naval. Essas coalizões de defesa afetam as políticas públicas formuladas pelo
Ministério dos Transportes.

3.3 Modelo do equilíbrio pontuado


O modelo equilíbrio pontuado (punctuated equilibrium), elaborado por Baumgartner e
Jones (1993), questiona por que a agenda de políticas públicas ora muda radicalmente e ora é
incremental. Para esse modelo, os governos operam em um macrossistema e em subsistemas:

Os subsistemas cuidam das questões paralelamente, operando mudanças a partir das experiências
de implementação e de avaliação de políticas públicas. Já no macrossistema – que é o núcleo do
governo –, as lideranças tratam das questões mais significativas e complexas de maneira serial, uma de
cada vez (RUA; ROMANINI, 2013, p. 72).

Os subsistemas configuram áreas específicas de políticas públicas, como saúde, assistência


social, meio ambiente, educação, transportes etc., e são operados por atores governamentais.

Os conjuntos de atores atuam dentro dos subsistemas para incluírem suas propostas e
desenvolverem diversos interesses.

Quando um subsistema é dominado por um único interesse, forma-se um “monopólio de


política pública” (policy monopoly), no qual somente poucos atores controlam o acesso ao
processo decisório. “O monopólio de política pública é caracterizado pelo insulamento de um
determinado tema ou problema no interior de comunidades de especialistas, grupos de poder ou
50

subsistemas políticos” (RUA; ROMANINI, 2013, p. 72).

O estabelecimento de um monopólio de políticas públicas está muito associado a


constituição ou sustentação das “imagens de políticas públicas” (policy imagine). Se uma imagem
é amplamente aceita, um monopólio tem a tendência de se manter.

As “imagens de políticas públicas” (policy images) são formadas, a partir de informações


(racionalidade) e valores (ideologia) ou mesmo apelos emocionais. Elas são fundamentais para
definição dos problemas políticos e pela busca de alternativas de solução para definição da
agenda (RUA; ROMANINI, 2013, p. 73). Podemos citar como exemplos de policy images, as ideias
de que a pobreza é um problema da sociedade em sua totalidade e não somente dos pobres e de
que é a obrigação do Estado adotar políticas de combate a este problema público.

Portanto, os subsistemas são espaços de continuidade e manutenção das políticas –


incrementalismo. Diversamente, o macrossistema é o espaço da dinâmica política, onde pode
ter concepções distintas das políticas (policies images). É no macrossistema que existe a busca
para romper com as concepções que prevalecem nos subsistemas (de saúde, de educação,
de transporte, de meio ambiente etc). Quando isso ocorre, temos mudanças mais radicais na
agenda política e nas políticas públicas. Em síntese, são as disputas em torno das imagens sobre
as políticas que podem levar a mudanças na agenda.

4. MODELO DOS MÚLTIPLOS FLUXOS


Além dos modelos já apresentados, esse tópico abordará um dos modelos mais utilizados
para o entendimento do processo de formação de agenda (agenda-setting) e a especificação das
alternativas (policy formulation) das políticas públicas: o modelo de “multiple streams” (múltiplos
fluxos), idealizado pelo teórico Kingdon em 1984.

Em primeiro lugar, será apresentado o modelo e suas aplicações e, após, os fluxos do processo
de formação da agenda pública: os problemas (problems streams); as soluções políticas (policy
streams); e os processos políticos (politics streams).

4.1 Objetivo do modelo dos múltiplos fluxos


O modelo dos múltiplos fluxos (multiple streams) tem o objetivo de discutir quais são as
condições necessárias para que uma questão, antes restrita a uma fração específica, entre para
a agenda governamental e mobilize a atenção pública, de modo a promover transformações nas
políticas públicas.

O modelo idealizado por Kingdon foi elaborado, a partir das ideias de March, Olsen e Cohen
(1972) sobre o processo decisório e o comportamento organizacional, conhecido por garbage
51

can (“lata do lixo”). Como já visto nessa unidade, as soluções, problemas, decisões e alternativas
de políticas públicas são processos independentes e articulados de modo instável dentro de
um sistema, isso porque as decisões de políticas públicas não se formam em processos simples
e lógicos. Pelo contrário, tais processos são complexos e desconexos, no qual as escolhas são
temporárias e duvidosas. No modelo “lata do lixo”, as organizações expõem suas preferências
na medida em que atuam na realidade, e suas decisões são retiradas de “lixeiras”, onde
estariam depositados os problemas e as soluções que, por alguma causa, foram depositados em
determinados contextos.

Em seu modelo, Kingdon propõe revelar as condições que determinam que uma temática
entre para a agenda governamental, mobilize a atenção pública e provoque mudanças na
agenda pública. Nas palavras de Kingdon (2006a, p.220): “tentaremos entender porque pessoas
importantes dedicam sua atenção a um assunto e não a outro, como suas agendas mudam com o
tempo e como eles filtram suas escolhas a partir de um amplo repertório de alternativas”. Desta
forma, objetiva entender porque alguns temas destacaram-se na agenda de políticas enquanto
outros não, e porque determinadas opções foram consideradas e outras excluídas da agenda
governamental.

Segundo Kingdon (2006a, p. 222), agenda “é a lista de temas ou problemas que são alvo
em dado momento de série atenção tanto da parte das autoridades governamentais como de
pessoas fora do governo mais estreitamente associadas às autoridades”. Conforme Meny e
Thoenig (2010, p. 371),

A incorporação de um problema à agenda é um momento privilegiado do debate, que traduz


as divergências de opinião, normas, interesses e percepções e juízos cognitivos que atravessam a
opinião pública ou pelo ao menos os grupos e atores individuais que atuam durante o processo de
incorporação da agenda.

Menicucci e Brasil (2010, p. 371) ressaltam que “o conflito pode se expressar em termos
de interesses materiais, de privilégios sociais ou influência política, mas também da perspectiva
normativa e cognoscitiva, envolvendo o significado atribuído aos fatos e as representações
dos fenômenos”. Para as autoras, nessa perspectiva, ideias e conhecimento são cruciais para a
compreensão do processo de formação da agenda.

Kingdon (1995) destacou que o processo de mudança da agenda se altera à medida que
os cenários políticos se modificam, e diferenciou tipos de agenda no processo político, com o
intuito de ressaltar os diferentes status dos problemas no âmbito de uma política de governo:
governamental e de decisão. Como já vimos, tais agendas são resultados de processos diferentes,
isto é, uma está relacionada à lista de temas que chama a atenção e a outra está vinculada àqueles
temas que estão prontas para serem decididas.
52

Por fim, Kingdon aponta que a formação da agenda é o processo de reconhecimento


governamental, da existência de um problema sobre o qual este precisa operar. De acordo com
o modelo “múltiplos fluxos”, a formação da agenda é a primeira fase do processo de produção
das políticas públicas, e provavelmente a mais crucial, pois as demais fases dependem da
concretização desta.

No caso do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), o


problema público da falta de mão-de-obra especializada abriu a agenda governamental, ou
seja, foi reconhecido pelo núcleo dirigente do governo dentro do Ministério da Educação. A
aprovação desse programa encontrou um clima favorável tanto na opinião pública quanto nas
casas legislativas. Mas será que a agenda governamental abriu e se tornou agenda de decisão
somente devido a estes fatores? Para compreensão de todo processo, o modelo dos múltiplos
fluxos se torna uma opção analítica.

4.2 Problemas, soluções políticas e processos políticos


A partir do modelo garbage can (“lata do lixo”), Kingdon propõe três fluxos (streams) para
compreensão do processo de formação da agenda governamental:

Os problemas

problems streams;

As soluções políticas

policy streams;

Os processos políticos

politics streams.

Segundo Menicucci e Brasil (2006, p. 7), os três processos são mais ou menos independentes,
mas em alguns momentos críticos esses fluxos podem se juntar e ampliar a probabilidade de um
tema ser incorporado à agenda decisória.

É a conjugação desses fluxos que permite que, num dado momento e num dado contexto, um
problema específico seja considerado, e alternativas de soluções seja transformada em política.
Deste modo, a compreensão dos fluxos é fundamental para entender os processos que geram as
agendas, já que a inclusão de um problema pressupõe um mecanismo altamente seletivo que
envolve a concorrência entre problemas e hierarquias de prioridades heterogêneas.
53

Figura 2 - Modelo múltiplos fluxos


Fonte: Elaborada pela autora (2020).

#PraCegoVer: Na ilustração, temos o fluxograma do modelo “múltiplos fluxos”. A junção


dos problemas (problems streams); das soluções políticas (policy streams) e dos processos
políticos (politics streams), que abre a janela de oportunidades (policy windows). A janela de
oportunidades que abre a formação da agenda para depois definir as alternativas possíveis.

Antes de definir o fluxo dos problemas, é interessante diferenciarmos problema e questão.


Segundo Kingdon (1995), uma questão é uma situação social percebida que não desperta uma
ação como resposta e esta, só se tornará um problema, quando os formuladores de políticas
acreditarem que devem agir em torno de um propósito e buscarem uma solução.

Nesse sentido, no primeiro fluxo, o dos problemas (problems streams), é feita uma análise
da forma como as questões são reconhecidas como problemas e passam a ocupar a agenda
governamental. Os mecanismos que fazem com que algumas questões recebam mais atenção
dos formuladores de políticas públicas e se tornem problemas são:

Indicadores mais ou menos sistematizados – aqui, a experiência pessoal e a origem dos atores
envolvidos na questão são exemplos de indicadores que podem contribuir para transformá-la em
problema;
54

Ocorrência de eventos, como crises, desastres, situações pessoais para atores políticos
relevantes ou a emergência e difusão de símbolos;

Retorno da operação de programas já existentes.

O fluxo dos problemas, em resumo, é uma forma de dar visibilidade a algum tema
transferindo-o para a agenda de decisão.

O segundo fluxo, o das soluções (policy stream), é o momento em que um conjunto


de alternativas, propostas e soluções é submetido pelas comunidades de especialistas –
governamentais e não governamentais – para determinado problema. Para explicar esse fluxo,
Kingdon faz alegoria à seleção natural da biologia. Segundo Capella (2007, p. 91), da mesma forma
como moléculas flutuam, no que os biólogos chamam de “caldo primitivo”, Kingdon entende que
as ideias a respeito de soluções são geradas em comunidades políticas (policy communities) e
flutuam em um “caldo primitivo de políticas”. Nesse caldo misturado de ideias, não são todas
que sobrevivem: elas se chocam e podem se combinar ou recombinar com outras, ou ainda,
serem descartadas (KINGDOM, 2006). As comunidades políticas, por sua vez, são compostas por
especialistas – pesquisadores, assessores parlamentares, acadêmicos, funcionários públicos etc.
– que compartilham uma preocupação em relação a uma área de política pública.

Para sobrevivência de suas ideias, os atores políticos procuram levá-las a diferentes fóruns, na
tentativa de sensibilizar, não apenas as comunidades políticas, mas também o público em geral.
Esse processo de sensibilização é fundamental para o momento de apresentação da ideia e para
sua inclusão na agenda pública.

Para Kingdon, os critérios que definem quais ideias irão sobreviver são:

• a viabilidade técnica e política;

• o baixo custo financeiro;

• a representação de valores compartilhados;

• o reconhecimento do público em geral e a receptividade dos formuladores de políticas


públicas.

As ideias que são “coletadas” e se destacam são transformadas em discursos, propostas,


projetos de lei etc., e podem circular por várias comunidades de especialistas, pesquisadores,
membros do legislativo, burocratas, acadêmicos, analistas de grupos de interesse e mídia. As
ideias podem circular nas comunidades de especialistas durante anos, podendo combinar-se com
outras, receberem críticas e passar por um processo de seleção. De acordo com Menicucci e
Brasil (2010), se o contexto for favorável, novas ideias tematizadas na esfera pública podem se
tornar influentes ao ponto de levar, até mesmo, a alterações institucionais.
55

No terceiro fluxo, dos processos políticos (politics streams), as coalizões são construídas em
um processo de barganha e negociação política e são influenciadas por ideologias. Além disso,
para Kingdon (2006), os participantes constroem consenso por meio da negociação, criando
emendas em troca de apoio, atraindo políticos para alianças através da satisfação de suas
reivindicações, ou então fazendo concessões em prol de soluções de maior aceitação. Quando os
grupos de interesses e outras forças organizadas estão em consenso em relação a uma proposta,
o ambiente é favorável para a inclusão de novos temas na agenda do governo. É nesse fluxo que
as propostas são geradas, debatidas, redesenhadas e aceitas, isto é, trata-se da dinâmica e das
regras dos eventos políticos que inclui desde o debate da questão até as negociações e pressões
envolvidas.

Resta, agora, a dúvida de como as ideias conseguem obter a receptividade de uma comunidade
política. Capella (2007) destaca três elementos que influenciam a formação da agenda:

• o “clima” ou “humor” nacional, no qual diversos indivíduos compartilham as mesmas


questões durante um determinado período;

• as forças políticas organizadas, exercidas principalmente pelos grupos de pressão;

• as mudanças dentro do próprio governo.

Para Capella (2007, p. 94), as mudanças tanto no clima organizacional, quanto dentro do
próprio governo são os maiores propulsores de transformação na agenda governamental, isto é,
a combinação desses elementos é uma força poderosa no processo de inclusão de determinado
tema na agenda pública.

O modelo “múltiplos fluxos” reconhece que os fluxos são fluídos e não lineares, isto é, têm
dinâmicas próprias e ocorrem de modo independente. Apesar de reconhecer a autonomia
dos fluxos, Kingdon (1995) afirma que a oportunidade de mudança e inclusão de temas na
agenda pública é o resultado da convergência dos três fluxos – problemas, soluções e processos
políticos. Nessa perspectiva, Capella (2007, p. 95) afirma que, “neste momento, um problema é
reconhecido, uma solução está disponível e as condições políticas tornam o momento propício
para a mudança, permitindo a convergência entre os três fluxos e possibilitando que questões
ascendam à agenda”.

O momento da junção desses fluxos é chamado de “janelas de oportunidades” (policy


windows), e consiste em momentos breves, nos quais um problema se torna proeminente na
agenda governamental, uma ou mais soluções estão prontas para serem implementadas, e há um
clima político favorável para a execução da alternativa escolhida. Tais circunstâncias podem ocorrer
quando um problema urgente chama atenção e uma proposta de política pública é associada ao
problema e oferecida como solução, ou então quando ocorre um evento político, como a mudança
de governo, que acaba por gerar alteração na direção da agenda de políticas públicas.
56

Para abrir uma janela são necessárias a existência e a atuação dos “empreendedores de
política” (policy entrepreneurs), que são pessoas dispostas a investir seus recursos numa ideia
ou projeto visando à sua concretização. Tais empreendedores são especialistas na questão,
negociadores e possuem conexões políticas, e podem ser encontrados, tanto dentro dos
governos (dirigentes, burocratas, servidores de carreira), quanto na sociedade civil (acadêmicos,
jornalistas, líderes sindicais).

Os empreendedores são motivados por combinações de diversos elementos: a preocupação


direta com certos problemas; busca de benefícios próprios, tais como proteger ou aumentar seu
orçamento burocrático; reconhecimento pelas suas realizações; promoção de seus valores e o
mero prazer de participar.

Conforme o autor, os empreendedores sabem que determinados eventos podem conferir


prioridade a certos temas, por isso, tentam induzir os formuladores de políticas públicas a
assumir sua visão dos problemas, ao mesmo tempo que buscam difundir símbolos que captem
esses problemas de forma concisa. “Os empreendedores também procuram incentivar os tipos
de feedback sobre o desempenho atual do governo que afetam as agendas, tais como cartas,
reclamações e audiências com autoridades” (KINGDON, 2006b, p. 239). Portanto, para Capella
(2007), eles exercem papel essencial na articulação entre problemas e soluções, problemas e
forças políticas, e entre estas e as propostas existentes.

Kingdon (1995) destaca também a importância da participação dos atores envolvidos para o
êxito deste processo. Os atores políticos buscam captar a influência dos grupos de pressão e das
redes de interações e são capazes de argumentar e negociar os conflitos que podem convergir
para a escolha de uma determinada alternativa de solução, em contextos econômicos, políticos,
institucionais e sociais específicos.

Cada um dos atores pode atuar como um incentivo ou um obstáculo: “um participante
ou um processo funciona como incentivo quando trazem um tema para o topo da agenda, ou
pressionam para que uma determinada alternativa seja considerada como a mais adequada, (...) e
“funciona como um obstáculo quando são reduzidas as chances de certa questão ou alternativas”
(KINGDON, 2006b, p. 226).

5. PAPEL DO ESTADO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS


O Estado, governo e políticas públicas possuem relações intrínsecas, já que é por meio das
estruturas do Estado que é possível os governos implementarem um conjunto de políticas públicas.

Torna-se importante aqui apresentar a diferenciação entre Estado e governo. Uma


compreensão sintética considera o Estado como o conjunto de instituições permanentes
57

– como órgãos legislativos, tribunais, exército e outras que não formam um bloco monolítico
necessariamente – que permitem a ação do governo. O governo pode ser conceituado como o
conjunto de programas e projetos proposto por políticos, técnicos, organismos da sociedade civil
e da sociedade, configurando-se a orientação política de um determinado governo que assume
e desempenha as funções de Estado por um determinado período (HÖFLING, 2001, p. 31). Já as
políticas públicas, como já conceituada, são aqui compreendidas como o “Estado em ação”, ou
seja, é o Estado implantando um projeto de governo, através de programas e projetos.

Devemos saber que o Estado não pode ser entendido somente como o aparato da burocracia
pública ou dos organismos estatais que formulam e implementam as políticas públicas. Isto
porque, o processo de tomada de decisões sobre políticas públicas envolve órgãos públicos e
diferentes organismos e atores da sociedade relacionados à política implementada. Neste
sentido, políticas públicas não podem ser reduzidas a políticas estatais (HÖFLING, 2001, p. 31).

Ainda, as políticas públicas assumem características diferentes em diferentes sociedades e


concepções de Estado (liberal, marxista, keynesiano etc). Assim, “as ações empreendidas pelo
Estado não se implementam automaticamente, têm movimento, têm contradições e podem
gerar resultados diferentes dos esperados” (HÖFLING, 2001, p. 35).

Considerando as características do modelo de Estado, o governo deve definir suas prioridades


no momento da formulação de políticas públicas, optando, por exemplo, ora em universalizar,
direcionando determinado direito à toda sociedade, ora em focalizar, focando direitos sociais
somente para alguns grupos específicos.

Num modelo liberal, por exemplo, a política pública tende a ser do tipo focalizada, pois o
Estado atua o mínimo necessário e prioriza a livre atuação do mercado. Ao contrário, em um
Estado de bem-estar social as políticas públicas, sobretudo as sociais, seriam mais amplas e
universais, além de focarem em grupos específicos com o propósito de gerar justiça social. Para
Teixeira (2002, p. 4), nessa concepção, “as políticas públicas têm o papel regulador das relações
econômicos-sociais, são constituídos fundos públicos para serem utilizados em investimentos em
áreas estratégicas para o desenvolvimento e em programas sociais”.

5.1 Estado e políticas públicas no Brasil


No Brasil, a forma da intervenção do Estado na proteção social nas primeiras décadas do
século XX e as características do sistema de proteção que predominaram até os anos 1980
geraram uma sociedade estratificada, com desigualdades que afetam determinados grupos
sociais (SATYRO, 2014, p. 220).

A característica do padrão de intervenção do estado brasileiro, na maior parte de sua


história, se aproxima do modelo conservador-corporativo, fundado na capacidade contributiva
58

e, portanto, discriminatório pelo tipo de inserção do indivíduo no mercado de trabalho. “Esse


modelo estratificou a sociedade dualmente entre os que têm proteção e os que não têm”
(SATYRO, 2014, p. 222). O cenário era o seguinte:

a saúde era securitária, portanto, só uma parcela da população tinha acesso a serviços de
assistência médica fortemente concentrada nos grandes centros urbanos; a assistência social não era
reconhecida como política, o que dificultava a incorporação de grupos em situações mais vulneráveis.
E, por fim, a educação tinha um alcance muito reduzido produzindo uma heterogeneidade educacional
perversa que determinava diferentes níveis salariais (SATYRO, 2014, p. 222).

O formato de Estado inserido no país até a década de 1980 teve consequências na formação
do capital humano e na distribuição de renda no país. No país havia um acesso muito diferenciado
à cidadania, pois existia distintos padrões de provisão de políticas públicas, sobretudo, devido à
baixa participação do Estado para modificar esse cenário. Um exemplo disso é que

o padrão sul-sudeste tinha altos níveis de educação formal, baixos níveis de analfabetismo, e
baixos índices de mortalidade infantil e o padrão nordeste tinha baixos níveis de ensino, alto nível
de analfabetismo escolar e altos índices de mortalidade infantil. Essa heterogeneidade se traduz em
padrões distintos de segurança social: o padrão sul-sudeste com altos níveis de segurança social, com
proteção advinda do emprego e baixos índices de pobreza e o padrão dos demais estados com altos
índices de informalidade, ou seja, de baixo nível de proteção advinda de emprego formal (SATYRO,
2014, p. 248).

Porém, a partir da Constituição Federal de 1988, houveram mudanças substantivas nesse


formato. A mudança das regras na nova constituição gerou uma nova participação do Estado nas
políticas públicas, sobretudo, nas sociais. Na educação, por exemplo, houve a obrigatoriedade
do Estado em fornecer o ensino básico para crianças de 7 a 14 anos (após 2009, é de 4 a 17
anos); a assistência social foi reconhecida como política pública gerando uma série de programas
e políticas protetivas; e a saúde passa a ser direito universal, com a implantação do Sistema Único
de Saúde (SUS).

Para além das boas consequências do crescimento econômico, foi imprescindível a inserção de
solidariedade no sistema e a mudança paradigmática no sistema de proteção social brasileiro. Ao que
parece, a estabilização econômica iniciada a partir do primeiro governo Fernando Henrique Cardoso,
de um lado, e a ampliação dos direitos sociais por meio do acesso de boa parte população antes
excluída, por outro lado, levaram ao início de uma nova fase em nossa história (SATYRO, 2014, p. 248).

Em síntese, no Brasil, pós constituição de 88, houve uma reconfiguração positiva do estado de
bem-estar em relação ao seu poder de estratificação social, apesar de ainda, termos um cenário
com acessos diferenciados à cidadania. Os avanços das políticas sociais no Brasil é algo inegável,
entretanto é necessário a continuidade do papel do Estado nas políticas, bem como, a formulação
e implementação de novas políticas públicas para resolução dos problemas públicos. Como
argumenta Sátyro (2014, p. 249), “a adoção de diretrizes de políticas nacionais é imprescindível
para a construção de uma cidadania plena e universal”.
59

Utilize o QR Code para assistir ao vídeo:


60

PARA RESUMIR
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:

• aprender sobre o ciclo de políticas públicas e suas fases: formação da agenda, for-
mulação, implementação, monitoramento, avaliação e reformulação;

• conhecer os modelos teóricos de análise da formulação de políticas públicas: “lata


de lixo”, equilíbrio pontuado, coalizão de defesa;

• entender, com mais profundidade, o modelo dos múltiplos fluxos e sua aplicação;

• conhecer sobre o papel do Estado e do governo nas políticas públicas;

• aprender, sinteticamente, sobre a relação entre Estado e políticas públicas na histó-


ria brasileira.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2004. Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2020.

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COHEN, M.; MARCH, J.; Olsen, J. A garbage can model of organizational choice.
Administrative Science Quarterly, n. 17, v.1, p. 1-25, 1972.

DAVID, F.; FONSECA, C. R. S.; PEREIRA, J. M. V. Políticas públicas e os dilemas da gestão


pública: teorias e conceitos. In: DALMON, D. L.; SIQUEIRA, C.; BRAGA, F. M. Políticas
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HÖFLING, E. M. Estado e políticas (públicas) sociais. Cadernos Cedes, ano XXI, n. 55, p.
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KINGDON, J. W. Agendas, alternatives and public policies. 2 ed. New York: Addison-
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_________. Como chega a hora de uma ideia? In: SARAVIA, E.; FERRAREZI, E. (org.).
Políticas públicas: coletânea. v.1. Brasília: ENAP, 2006a.

_________. Juntando as coisas. In: SARAVIA, E.; FERRAREZI, E. (org.). Políticas públicas:
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LOUREIRO, M. R., MACÁRIO, V.; GUERRA, P.H. Democracia, arenas decisórias e políticas
públicas: o programa Minha Casa Minha Vida. Texto para Discussão, Brasília: Ipea, n.
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MARICATO, E. O Ministério das Cidades e a Política Nacional de Desenvolvimento


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MATUS, C. O plano como aposta. In: GIACOMONI, J.; PAGNUSSAT, J. L. Planejamento e


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MENICUCCI, T. M. G. Implementação da reforma sanitária: a formação de uma política.


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análise comparativa da reforma sanitária e da reforma urbana. Estudos de Sociologia,
v.15, n.29, 2010, p.369-396.

RAMOS, M. P.; SCHABBACH, L. M. O estado da arte da avaliação de políticas públicas:


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RUA, M. G.; ROMANINI, R. Para aprender políticas públicas. Brasília: IGEPP, 2013.

SATYRO, N. G. D. Padrões distintos de bem-estar no Brasil: uma análise temporal.


Opinião Pública, Campinas, v.20, n. 2, p.219-251, 2014.

QUIRINO, B. S. et al. Análise do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida nas
perspectivas da inovação social e a evolução das políticas públicas. Revista de Gestão
Social e Ambiental, São Paulo, v. 9, n. 3, p. 97-117, 2015.

VAITSMAN, J.; RODRIGUES, R.; WAGNER, S.; PAES-SOUSA, R. O sistema de avaliação


e monitoramento das políticas e programas sociais: a experiência do Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome do Brasil. Brasília, DF: Unesco, 2006.
UNIDADE 3
Formulação e implementação de
políticas públicas
Introdução
Você está na unidade Formulação e implementação de políticas públicas. Conheça
aqui o processo de formulação e de tomada de decisão na escolha de alternativas de
políticas públicas. Para isso, você aprenderá como analisar e compreender o problema
que demanda a criação de uma política pública.

A partir daí, aprenderá como colocar em prática os ensinamentos anteriores deste


livro e conhecerá os desafios que se impõem na implementação de políticas públicas e
técnicas que podem ajudar nesse processo. Você aprenderá também a importância de se
conhecer os principais instrumentos que orientam as políticas públicas.

Bons estudos!
65

1. FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS


Além dos processos e procedimentos de rotina da gestão pública, existe uma área tática do
Estado que é destinada a pensar formas e saídas para os problemas da sociedade. O resultado
dessa reflexão e do planejamento de equipes, ou áreas da gestão pública no staff estatal, é
justamente a formulação, ou elaboração, de políticas públicas.

Sem dúvida, o processo de formulação de políticas públicas é de suma importância, na


medida em que une quadros especializados de alto nível para a implementação de uma cultura
política baseada na ação planejada do Estado.

Esta disciplina, portanto, ajudará na compreensão acerca da atividade de planejamento e


reflexão na gestão pública, auxiliando o estudante a desenhar possibilidades de ações dos órgãos
e setores do Estado, em qualquer esfera, seja federal, estadual ou municipal, estendendo-se ao
terceiro setor, que tanto se relaciona com os entes estatais.

Segundo Secchi (2013), a formulação de políticas públicas consiste na segunda fase do ciclo
simplificado de uma política pública, conforme é possível ver na figura 1. Após a primeira fase, que
é a fase da agenda governamental ou de planejamento, que consiste em perceber os problemas
existentes que merecem maior atenção, chega a hora de apresentar soluções ou alternativas. É o
momento no qual deve ser definido o objetivo da política, quais serão os programas desenvolvidos
e as linhas de ação. Nesse processo, se avaliam as causas e são analisadas prováveis alternativas
para minimizar ou eliminar o problema em questão.

Figura 1 - Ciclo de políticas públicas


Fonte: Elaborada pela autora (2020).

#PraCegoVer: A imagem mostra o ciclo das políticas públicas em suas cinco fases.
66

Em situações ideais, a formulação de políticas públicas é a etapa na qual governos


democráticos traduzem seus propósitos e as promessas da campanha eleitoral em programas e
ações, que surtirão efeitos no mundo real (Souza, 2018).

No entanto, a competição por poder e por recursos entre grupos sociais é o cerne da
formulação de políticas públicas, o que gera conflitos, necessidade de incentivos à cooperação
e o recurso à política como forma de encontrar saídas para esses conflitos. A formulação de uma
política pública pode ser vista como um jogo de poder que envolve inter-relações complexas.

Essa segunda fase também é caracterizada pelo detalhamento das alternativas já definidas na
agenda. Organizam-se as ideias, alocam-se os recursos (materiais, econômicos, técnicos, pessoais,
dentre outros) e recorre-se à opinião de especialistas para estabelecer os objetivos e resultados que
se querem alcançar com as estratégias que são criadas. Nesse ponto, os atores criam suas próprias
propostas e planos e os defendem em negociações com outros atores políticos, processo no qual
mecanismos de participação social devem ser utilizados para a criação de políticas mais democráticas.

Utilize o QR Code para assistir ao vídeo:

1.1 Processo de elaboração de políticas públicas


Para realizar um bom processo de elaboração de políticas públicas, segundo Dias e Matos
(2012, p. 76), é importante considerar os seguintes passos:

• Converter dados e estatísticas em informações relevantes para o problema;

• Analisar as preferências dos atores;

• Agir com base no conhecimento adquirido.

Nessa fase, é fundamental o papel dos especialistas, assessores, funcionários tecnicamente


qualificados, analistas de empresas e institutos de pesquisa, pois são os que tentarão construir
cenários futuros com base nas decisões tomadas no presente.
67

Porém, os analistas de políticas, com formação técnica para tal, podem entrar em atrito com
os políticos. Estes, consideram de maior importância a satisfação dos cidadãos, que poderão ser
seus futuros eleitores, o que faz com que os aspectos técnicos do problema fiquem em plano
secundário na hora da formulação de políticas públicas.

Em termos gerais, a formulação de políticas públicas “inclui a seleção e a especificação da


alternativa considerada mais conveniente, seguida da declaração que explicita a decisão adotada,
definindo seus objetivos e seu marco jurídico, administrativo e financeiro” (SARAIVA, 2006, p. 33).

1.2 Escolha de alternativas


O estabelecimento de objetivos é importante para nortear a construção de alternativas e
as posteriores fases de tomada de decisão, implementação e avaliação da eficácia das políticas
públicas. A construção de alternativas é o momento no qual são elaborados métodos, programas,
estratégias e/ou ações que poderão alcançar os objetivos estabelecidos.

O policymaker, ou seja, o indivíduo atuante e com influência nas políticas públicas e na tomada
de decisões, tem à disposição quatro mecanismos genéricos para indução de comportamentos
que influenciarão nos resultados das políticas públicas. Tais mecanismos de indução têm como
base as três formas de poder definidas por Norberto Bobbio (2002), notório cientista político
italiano, que as dividiu em: poder econômico, poder político e poder ideológico.

Seguem os quatro principais mecanismos genéricos para indução de comportamento,


segundo Secchi (2013, p. 49):

Premiação

Influenciar comportamento com estímulos positivos, com mecanismos de recompensa e


incentivo, por exemplo.

Coerção

Influenciar comportamento com estímulos negativos, como as punições.

Conscientização

Influenciar comportamento por meio da construção e apelo ao senso de dever moral, como
campanhas e propagandas de conscientização e inserção do tema nas escolas, por exemplo.

Soluções técnicas

Não influenciar comportamento diretamente, mas sim aplicar soluções práticas, influenciando
o comportamento de forma indireta.
68

É importante observar que cada um desses mecanismos tem implicações nos custos financeiros
e políticos e no tempo requerido para que a política pública tenha efeito prático. Alguns mecanismos
são mais propícios em determinadas situações e podem ser desastrosos em outras.

Quando se deseja fazer uma avaliação ex ante da política pública, é nesta etapa da formulação
que se deve tentar prever as consequências e os custos de cada alternativa de política, utilizando-
se de projeções (análise de dados e suas tendências em séries temporais), predições (embasadas
em teorias, proposições ou analogias) e conjecturas (juízos de valor criados a partir de aspectos
intuitivos ou emocionais dos policymakers).

1.3 Mecanismos de participação


O papel dos especialistas, assessores, funcionários tecnicamente qualificados, analistas de
empresas e institutos de pesquisa é fundamental, mas, para que a gestão das políticas públicas
seja um processo mais democrático, é preciso que haja também a participação da sociedade civil,
principalmente neste momento, no qual serão escolhidas as alternativas para a resolução de um
problema público.

Considera-se a participação e o controle social como importantes pressupostos a serem levados


em consideração no ciclo das políticas públicas, pois auxiliam no processo de decisão pública.

No caso do Brasil, tanto no momento da formulação como no da implementação, a participação


da sociedade é requerida. Dias e Matos (2012), elencam os cinco mecanismos participativos que
visam aumentar a participação da sociedade civil no processo das políticas públicas. São eles:

Orçamento participativo

Possibilita a abertura para a participação dos cidadãos nas decisões de investimento dos
governos.

Conselhos municipais

Órgãos coletivos, com participação do poder público e da sociedade civil, e que participam na
elaboração, execução e fiscalização das políticas em nível municipal.

Descentralização

Mecanismo que implica a transferência efetiva de poder decisório para os agentes locais da
administração municipal. Neste mecanismo, os órgãos locais têm autonomia, nos limites preestabelecidos,
para formular políticas, estabelecer prioridades e planejar o atendimento das demandas.

Indicadores de gestão
69

Dados que expressam em números os resultados das ações do governo municipal. São
mecanismos fundamentais para a avaliação pública da gestão ao descrever determinados aspectos
da realidade ou apresentar relações entre esses aspectos. Servem, principalmente, para avaliações
setoriais e de cumprimento do programa de governo, com conclusões rápidas e objetivas.

Sistemas de atendimento aos cidadãos

Servem para que as reclamações e as solicitações de serviços dos cidadãos possam ser acolhidas
por uma equipe treinada para isso. Este sistema pode incluir também a criação de uma ouvidoria
pública municipal, que é uma instituição a qual auxilia o cidadão em suas relações com a prefeitura,
funcionando como uma crítica interna da administração pública, sob a ótica do cidadão.

Alguns dos maiores problemas para a formulação de políticas públicas e a escolha de


alternativas consistem na instabilidade e na complexidade das condições sociais que impedem o
trabalho de previsão (importante para uma avaliação ex ante e, portanto, para prever o alcance
das políticas públicas), na falta de informações e dados atualizados, consistentes e confiáveis, e
na escassez de recursos financeiros e de tempo para a realização de estudos mais elaborados.

2. COMPREENSÃO DO PROBLEMA: A TOMADA DE


DECISÃO
A terceira fase, ou a tomada de decisão, define qual será o curso de ação adotado. São
definidos os recursos e o prazo temporal da ação da política. A tomada de decisão representa o
momento em que os interesses dos atores são equacionados e as intenções (objetivos e métodos)
de enfrentamento de um problema público são explicitadas.

As escolhas feitas nessa fase do ciclo de políticas públicas tornam-se normas oficiais revestidas
da autoridade e da força que emanam do Estado.

O ato de decidir é, por si só, simbolicamente importante, pois é a ação mais visível do ator
político que detém o poder legal e legítimo de decidir e, portanto, será julgado pela população a
partir de sua escolha feita na tomada de decisão. Porém, não só a ação, de fato, é determinante
para a imagem de um político ou gestor, mas também a inação, uma vez que adiar ou enterrar
projetos ou simplesmente decidir não atuar, pode ser, muitas vezes, tão revelador quanto a
própria tomada de decisão.
70

Figura 2 - Definição de políticas públicas


Fonte: Rawpixel.com, Shutterstock (2020).

#PraCegoVer: A imagem mostra um grupo de pessoas reunidos em conversa no entorno de


uma mesa de trabalho, em reunião.

Para aqueles que se aventuram em tomar decisões, há três principais dinâmicas de escolha de
alternativas de soluções de problemas públicos a serem utilizadas.

Utilize o QR Code para assistir ao vídeo:

2.1 Dinâmica de escolha de alternativas de solução


Tanto Secchi (2013) quanto Dias e Matos (2012) defendem que há três formas as quais a
dinâmica de escolha de alternativas de solução para problemas públicos pode ocorrer:

Problemas que buscam soluções

É a forma mais comum utilizada administrativamente. Nela, os tomadores de decisão têm


problemas estabelecidos e procuram soluções para estes problemas. Ou seja, a tomada de decisão
é baseada no estudo de alternativas, buscando escolher qual delas é a mais apropriada em termos
de custo, rapidez, sustentabilidade, equidade ou qualquer outro critério para a tomada de decisão.
71

Comparações sucessivas limitadas

Os tomadores de decisão vão ajustando os problemas às soluções, e as soluções aos


problemas. Melhor explicando: o surgimento de um problema, o estabelecimento de objetivos
e a procura por soluções são eventos simultâneos e se dão em um processo que os compara
sucessivamente.

Soluções que buscam problemas

Os tomadores de decisão já têm soluções em mãos e correm atrás dos problemas. Pode
parecer estranho, mas este processo ocorre principalmente com empreendedores de políticas
públicas experientes, que possuem predileção por uma proposta de solução existente e, a partir
dela, atuam para destacar um problema junto à opinião pública e no meio político, fazendo com
que sua proposta se transforme em política pública.

Quando uma decisão é tomada, independente da dinâmica utilizada, ficam expostos o


interesse geral e o interesse de grupos específicos que, por vezes, são conflitantes, o que pode
gerar novas percepções da sociedade em questão.

A partir da tomada de decisão, são adotados os melhores métodos para que ela seja
efetivamente levada adiante para a fase de implementação. Porém, a execução da política não é
uma ação automática e pode não ser cumprida por diversos fatores, tais como: o contexto político,
o contexto social, a economia, fatores tecnológicos, étnicos e culturais (Dias e Matos, 2012, p. 79).

FIQUE DE OLHO
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) possui uma publicação semestral
que vale a pena ficar de olho! A Revista Planejamento e Políticas Públicas (PPP), é uma
publicação de reconhecido valor acadêmico no cenário nacional. Seu objetivo principal é
promover o debate e a circulação de conhecimento em planejamento e em todo o ciclo
de políticas públicas.

3. COLOCANDO EM PRÁTICA – O DESAFIO DA


IMPLEMENTAÇÃO
A quarta fase do ciclo de políticas públicas, a implementação, ocorre quando o planejamento
e a escolha são transformados em atos. É quando se parte para a prática da política pública. O
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planejamento é transformado em ação e são direcionados recursos financeiros, tecnológicos,


materiais e humanos para executar a política. A fase de implementação é aquela em que as
regras, as rotinas e os processos sociais são convertidos de intenções em ações. Ou seja, a fase da
implementação pode ser sintetizada como a política pública em ação.

A implementação de políticas públicas surge como objeto analítico na década de 1970 e já


como um processo complexo, com informações incompletas, recursos finitos e muitos atores
internos e externos ao Estado, tais como burocratas, especialistas, militantes, etc.

Pesquisas sobre a implementação de políticas públicas estão diretamente relacionadas às


disciplinas de Administração Pública, Teoria das Organizações, Gestão Pública e Ciência Política.
Em seu sentido mais amplo e complexo, essas pesquisas podem ser caracterizadas como aquelas
voltadas para a mudança das políticas públicas. Isso porque hoje existe consenso na literatura de
que a política não é, em geral, executada tal como foi formulada.

A fase de implementação possibilita a visualização de possíveis obstáculos e falhas que


possam se impor na política pública escolhida. Também é possível visualizar erros anteriores
à tomada de decisão, a fim de detectar problemas mal formulados, objetivos mal traçados,
otimismos exagerados.

Fazem parte da fase de implementação as pessoas e organizações, com interesses,


competências e comportamentos variados, e as relações existentes entre as pessoas, as
instituições vigentes, os recursos financeiros, materiais, informativos e políticos. Que, de novo,
podem entrar em conflito. Porém, o momento da implementação também deve ser gerenciado,
e cabe ao gerente lidar com os diferentes interesses de diferentes grupos.

3.1 Modelos de implementação


Os principais autores de referência no assunto consideram que, quando uma política pública é
colocada em prática, ou seja, é implementada, é possível identificar duas perspectivas de análise
que podem ser vistas como opostas ou complementares entre si. São elas:

Modelo top-down

É a concepção tradicional do trabalho administrativo, que se desenvolve de cima (top) para


baixo (down) ou do centro para a periferia, ou seja, a implementação é um processo realizado a
partir do nível político para o nível técnico. Há uma clara separação entre o momento de tomada
de decisão e o de implementação, em fases consecutivas. Esse modelo parte de uma visão
funcionalista, linear e tecnicista, na qual as políticas públicas devem ser elaboradas e decididas
pela esfera política e a implementação é mero esforço administrativo de achar meios para os
fins estabelecidos. Em função dessa separação entre formulação e implementação, esse modelo
73

considera que, de um modo geral, os problemas que aparecem na etapa de execução se devem
principalmente a erros de coordenação e controle.

Modelo bottom-up

Ao contrário do modelo anterior, considera primeiro o nível técnico (de baixo) e depois o
nível político (para cima). É caracterizado pela maior liberdade de burocratas e rede de atores
em auto organizar e modelar a implementação de políticas públicas. Defende que o ponto de
partida deve ser o comportamento concreto do problema para então construir a política pública
gradativamente, com regras, procedimentos e estruturas organizacionais. Nesse modelo, o
formato o qual a política pública adquiriu após a tomada de decisão não é definitivo, e a política
pública é modificável por aqueles que a implementam no dia a dia. Os modelos que se inspiram
nessa categoria se desenvolvem como críticas ou alternativas das ineficiências e deficiências
apresentadas pelo modelo tradicional top-down.

De qualquer modo, a implementação deve ser vista como um processo autônomo, no qual
decisões cruciais são tomadas e não somente implementadas.

3.2 Aspectos críticos da fase de implementação


Dias e Matos (2012) afirmam que é possível identificar alguns aspectos críticos na fase de
implementação, os quais podem interferir e impedir que os objetivos da política pública em
questão sejam alcançados.

Esses aspectos críticos podem ter dimensões institucionais, organizacionais e/ou ambientais.
A dimensão institucional representa:

• falta de clareza na definição de objetivos, metas e estratégias;

• inadequação da teoria que informa a concepção da política;

• diversidade de atores envolvidos na execução da política;

• inexperiência dos atores com as estratégias de implementação;

• incompatibilidade entre a natureza da política e as técnicas de gestão e forma de organi-


zação do trabalho.

Por outro lado, a dimensão organizacional envolve:

• excesso de burocracia (resistência à mudança ou à inovação);

• tarefas fragmentadas e vários níveis hierárquicos;

• departamentos isolados/desarticulados;
74

• ausência de informações confiáveis e precisas para monitorar a implementação;

• baixo grau de comunicação entre decisores e executores;

• ausência de profissionais especializados;

• inexistência ou baixo índice de incentivos para melhorar a gestão;

• falta de motivação dos funcionários (baixos salários e ausência de incentivo para atualiza-
ção e capacitação);

• rotatividade dos atores políticos.

E, por fim, a dimensão ambiental diz respeito à:

Dificuldade de participação dos beneficiários da política (baixo nível de informação, de


influência e de organização);

Distância entre os órgãos centrais de tomada de decisão e os executores da política.

FIQUE DE OLHO
A Escola Nacional de Administração Pública (Enap) possui um canal no Youtube com
conteúdos diversos e muito interessantes! Entre esses assuntos, estão também as
políticas públicas. Há um vídeo da Professora Ana Cláudia Capella, da UNESP, discutindo
exatamente o tema que acabamos de tratar: os desafios na implementação de políticas
públicas.

A implementação de uma política pública pode ter sido originada nos planos federal, estadual
ou municipal, de acordo com as competências estabelecidas na Constituição Federal de 1988
para cada um dos níveis de governo. E, no âmbito da própria implementação, as políticas podem
ser executadas de forma isolada ou conjunta por essas esferas de governo.

Além disso, a implementação modifica as políticas públicas, tal como foram formuladas,
na medida em que a cadeia de implementadores, cada um deles em contextos específicos,
interpretam metas e desenhos formulados de diferentes formas. A política pública é feita, de fato,
pela combinação de decisões de uma série de agentes implementadores. Portanto, a formulação
é importante, mas as referências que os implementadores adotam para desempenhar suas
funções são fundamentais.
75

4. INSTRUMENTOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS


Para Secchi (2013), a implementação é a fase em que a administração pública exerce sua função
essencial: executar as políticas públicas. E, para isso, os policymakers necessitam utilizar-se de
instrumentos específicos, ou seja, dos meios disponíveis para transformar intenções em ações.

Na administração pública federal brasileira coexistem instrumentos tradicionais, tais como


a implementação por gestão direta e por uso de incentivos econômicos; por gestão indireta,
mediante convênios, concessões de uso, etc., e instrumentos mais recentes.

4.1 Regulamentação
Consiste em um instrumento regulatório que cria regras ou restrições à liberdade econômica,
social ou política, como no caso da regulamentação de preços de alguns setores, e as regras para
processos licitatórios no setor público (previstos na Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, que institui
normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências).

4.2 Desregulamentação e legalização


É um instrumento regulatório que extingue regras que descriminalizam alguns tipos de
atividades, como a extinção de barreiras burocráticas à importação de produtos importados e a
legalização do aborto.

4.3 Aplicação da lei ( enforcement)


É um instrumento de punição àqueles que não respeitam as regulamentações, como as
multas de trânsito e a prisão de infratores.

4.4 Impostos e taxas


É um instrumento fiscal que onera e desincentiva algumas atividades, como um sistema
de pedágio para entrada de veículos particulares no centro urbano, o que costuma ser visto
principalmente nas capitais europeias.

4.5 Subsídio e incentivo fiscal


É também um instrumento fiscal que incentiva ou premia algumas atividades, como a isenção
de ICMS oferecido por um estado para atrair uma indústria ao seu território.

4.6 Prestação direta de serviço público


Corresponde à criação, manutenção ou ampliação de serviço prestado por organização
pública financiada coletivamente (impostos), como no caso das universidades públicas gratuitas
76

e do serviço de saúde oferecido por hospitais públicos (SUS).

4.7 Terceirização de serviço público


É a prestação de um serviço feito por organização privada, mas financiado coletivamente
(impostos), como no caso dos serviços de segurança e limpeza dos prédios públicos.

4.8 Prestação pública de serviço de mercado


É a prestação de serviço feita por organização pública, mas financiado individualmente
(compra do serviço), como no caso dos Correios e das companhias estaduais e municipais de
fornecimento de água e energia elétrica (em alguns casos).

4.9 Prestação privada de serviços de mercado


É a prestação de serviço feita por organização privada e financiada individualmente (compra
do serviço). Este meio de entrega de serviço pode ser regulamentado, como no caso dos serviços
de telefonia móvel, ou desregulamentado, como no caso de serviços de cabeleireiro.

4.10 Informação ao público


Consiste na disseminação de informações importantes para o indivíduo e para o público ou
a criação de senso de dever moral (relação do indivíduo com a sociedade), como a divulgação de
informações sobre as doenças derivadas do tabagismo e a conscientização ecológica das crianças.

4.11 Campanhas e mobilizações


São baseadas na ativação dos atores públicos e privados para que seus comportamentos
ajudem na melhoria do bem-estar social, como uma mobilização para doação de sangue ou uma
campanha para a separação dos resíduos sólidos residenciais.

4.12 Seguros governamentais


É um instrumento que garante a compensação por alguma fatalidade ou infortúnio, como as
compensações por perdas agrícolas e o seguro-desemprego.

4.13 Transferência de renda


É um instrumento que garante a compensação de alguma situação de fragilidade ou carência
por mecanismo financeiro, como o Bolsa-Família e o auxílio-medicamento.
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4.14 Discriminação seletiva positiva


Instrumento por meio do qual se garante a compensação de alguma situação de fragilidade
ou carência por mecanismo regulatório, como as cotas sociais e raciais nas universidades e a
reserva de vagas para portadores de deficiências físicas em concursos públicos.

4.15 Prêmios e concursos


Funcionam como instrumento de estímulo à criação, adoção e difusão de boas práticas,
como o Prêmio Innovare do Poder Judiciário brasileiro e o Prêmio Inovação no Serviço Público,
promovido pelo Movimento Brasil Competitivo.

4.16 Certificados e selos


Finalmente, estes consistem em instrumentos regulatórios que se baseiam no princípio da
adesão, como o processo de certificação de Organizações Sociais de Interesse Público (OSCIPs)
pelo Ministério da Justiça e o programa de Rotulagem Ambiental da Associação Brasileira de
Normas Técnicas (ABNT).

Importante destacar que os instrumentos de política pública não se esgotam nos exemplos
acima. Existem também instrumentos mistos, ou seja, que combinam mais de um tipo, e podem
ter gradações variadas no uso dos mecanismos de coerção, premiação, apelo ao senso de dever
moral (conscientização) e de soluções tecnológicas. O policymaker é livre para criar novos
instrumentos e, inclusive, para aperfeiçoar os já existentes, tornando a implementação da política
mais adequada ao problema público em análise.

A partir daqui, o policymaker entrará na quinta fase do ciclo das políticas públicas: a avaliação,
que pode ser feita juntamente com o acompanhamento e o monitoramento da política em
questão.

As etapas que compõem o processo de formulação de políticas públicas, ou simplesmente


formulação de políticas públicas, consistem na principal atividade do Estado, que é elaborar
políticas, mediá-las, implementá-las, monitorá-las e avaliá-las. Constitui sua parte processual,
construída de etapas delimitadas e que racionaliza uma ordem para possibilitar o mínimo de
organicidade no que se chama de política pública.

Portanto, todos aqueles que se aventurarem em ocupar cargos na gestão pública, eletivos
ou não, concursados ou não, têm a necessidade de conhecer como uma política pública é
formulada, gestada, avaliada, quais são as etapas necessárias e quem são os atores envolvidos.
Enfim, o profissional precisa saber o que significa uma política pública no contexto do Estado e da
sociedade e que relevância isso tem para os objetivos do Estado.
78

A fase de avaliação, com toda sua complexidade, deverá ser analisada em estudos futuros.

FIQUE DE OLHO
A Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) possui um portal exclusivamente
voltado para as políticas públicas do Estado, o Políticas públicas ao seu alcance, que
mostra o estágio de execução e como as políticas foram pensadas.

Utilize o QR Code para assistir ao vídeo:


79

PARA RESUMIR
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:

• compreender o processo de formulação de políticas públicas e sua posição no ciclo


das políticas públicas;

• conhecer os diferentes tipos de alternativas a serem adotadas na formulação dessas


políticas;

• identificar os mecanismos de participação;

• aprender sobre o processo de tomada de decisão;

• diferenciar os tipos de escolhas de alternativas de soluções políticas;

• conhecer os diferentes tipos de implementação de políticas públicas;

• estudar os aspectos críticos da fase de implementação de políticas;

• conhecer o conceito de instrumentos de políticas públicas e suas múltiplas possibi-


lidades;

• ser capaz de contextualizar a realidade brasileira e as políticas públicas setoriais


desenvolvidas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOBBIO, N. Política. In: BOBBIO, N.; MATEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de Política.
12 ed. Brasília: Editora da UnB, 2002.

DIAS, R.; MATOS, F. Políticas públicas: princípios e propósitos e processos. São Paulo:
Atlas, 2012.

RODRIGUES, M. M. A. Políticas públicas. São Paulo: Publifolha, 2010.

SARAIVA, E. Introdução à teoria da política pública. In: SARAIVA, E.; FERRAREZI, E. (Org.).
Políticas públicas: coletânea. Brasília: ENAP, 2006. V. 1. p. 21-42.

SECCHI, L. Análise de políticas públicas: diagnóstico de problemas, recomendação de


soluções. 1 ed. São Paulo: Cengage Learning, 2016.

_____. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. 2 e. São Paulo:
Cengage Learning, 2013.

SILVA JÚNIOR, L. H.; SOBRAL, E. F. M. O ICMS socioambiental de Pernambuco: uma


avaliação dos componentes socioeconômicos da política a partir do processo de Markov.
Planejamento e políticas públicas. n. 42, jan./jun. 2014.

SOUZA, C. Coordenação de políticas públicas. Brasília: Enap, 2018. 72 p.


UNIDADE 4
Receitas, despesas, dívida e balan-
ços públicos
Introdução
Você está na unidade Receitas, despesas, dívida e balanços públicos. Conheça aqui os
conceitos de tributações e outras formas de receita do Estado. Aprenda também quais
costumam ser a origem e o destino dos recursos públicos, incentivos fiscais, subsídios,
despesa, déficit, dívida pública, entre outros. Entenda ainda os modelos de previsão de
receitas e aprenda as técnicas fundamentais para realizar análise de balanço. Conheça
também algumas das principais normas que orientam as práticas contábeis no setor
público, bem como os órgãos responsáveis pelas publicações desses documentos.

Bons estudos!
83

1. NOÇÕES PRELIMINARES
Tanto a administração pública quanto a ciência contábil são ciências sociais aplicadas que
dependem, analisam, apuram e registram fatos das ações humanas. A compreensão desta
disciplina se faz necessária ao profissional da área porque oferece conhecimentos práticos e das
legislações que regem o setor público, o que é peça fundamental de orientação para as boas
práticas do Estado.

1.1 Contabilidade no setor público


A contabilidade é o grande instrumento que auxilia a tomada de decisões na administração.
Ela coleta todos os dados econômicos, mensurando-os monetariamente, registrando-os e
sumarizando-os em forma de relatórios ou de comunicados, que contribuem para a tomada de
decisões (MARION, 2009).

Já a contabilidade pública é o ramo da ciência contábil que aplica os princípios fundamentais


de contabilidade no processo gerador de informações e as normas contábeis direcionadas ao
controle patrimonial de entidades do setor público. Ela tem como objetivo fornecer aos usuários
informações sobre os resultados alcançados e os aspectos de natureza orçamentária, econômica,
financeira e física do patrimônio da entidade do setor público e suas mutações, em apoio ao
processo de tomada de decisão. Ou seja, compete à contabilidade no setor público produzir
relatórios com informações relevantes, fidedignas, compreensíveis, tempestivas, comparáveis e
verificáveis para embasar as decisões do Estado.

Figura 1 - Contabilidade pública


Fonte: create jobs 51, Shutterstock (2020).

#PraCegoVer: A imagem mostra o dia a dia do profissional da área de contabilidade pública.

Tais adjetivos compõem as características qualitativas das informações contábeis e podem


ser definidas como:
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Relevância

As informações financeiras e não financeiras são relevantes na medida em que são capazes
de influenciar significativamente o cumprimento dos objetivos da elaboração e da divulgação da
informação contábil. As informações financeiras e não financeiras têm relevância se confirmarem
ou alterarem expectativas passadas, presentes e/ou futuras.

Representação fidedigna

É alcançada quando a representação do fenômeno é completa, neutra e livre de erro material.


Porém, na prática, pode não ser possível ter certeza ou saber se a informação apresentada é,
de fato, fidedigna. A omissão de algumas informações pode fazer com que a representação do
fenômeno econômico ou outro qualquer seja falsa ou enganosa, não sendo útil para os usuários.
A neutralidade da informação contábil corresponde à ausência de viés, ou seja, que a seleção e
a apresentação das informações não devem ser feitas com a intenção de se atingir um resultado
particular predeterminado, ou, ainda, para induzir a determinado comportamento. A informação
neutra representa fielmente os fenômenos que ela se propõe a representar. Deve-se, contudo,
ter cuidado ao se lidar com condições de incerteza, pois, por vezes, pode ser necessário divulgar
explicitamente o nível de incerteza das informações para representar fielmente fenômenos
econômicos ou de outra natureza. Estar livre de erro material não significa exatidão completa
em todos os aspectos, mas que não há erros ou omissões que sejam individualmente ou
coletivamente relevantes na descrição do fenômeno, e que o processo utilizado para produzir a
informação relatada foi aplicado conforme descrito.

Compreensibilidade

Permite que os usuários compreendam o seu significado, ou seja, a informação deve ser
apresentada de maneira que corresponda às necessidades e à base do conhecimento dos
usuários, de maneira que sejam prontamente compreensíveis. A compreensão é aprimorada
quando a informação é classificada e apresentada de maneira clara e sucinta. Alguns fenômenos
econômicos são particularmente complexos e alguns usuários podem precisar de ajuda de
assistente para auxiliá-los em sua compreensão. Contudo, a informação não deve ser excluída
somente pelo fato de ser muito complexa ou de ser difícil para alguns usuários compreenderem
sem a devida assistência.

Tempestividade

Significa ter informação disponível para os usuários antes que ela perca a sua capacidade de
ser útil para fins de prestação de contas e responsabilização (accountability) e tomada de decisão.
Isto porquê, ter informação disponível mais rapidamente pode aprimorar a sua utilidade e a sua
capacidade de informar e influenciar os processos decisórios. A ausência de tempestividade pode
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tornar a informação menos útil. Alguns itens de informação podem continuar sendo úteis por
bastante tempo após a publicação do relatório ou após o encerramento do exercício.

Comparabilidade

Possibilita aos usuários identificar semelhanças e diferenças entre dois conjuntos de


fenômenos. Porém, a comparabilidade difere da consistência, uma vez que esta se refere à
utilização dos mesmos princípios ou políticas contábeis e da mesma base de elaboração, seja
de período a período dentro da entidade ou de um único período entre duas ou mais entidades.
A comparabilidade é o objetivo, enquanto que a consistência auxilia a atingi-lo. A inclusão de
evidenciação ou explicação adicional pode ser necessária para satisfazer a comparabilidade.
A aplicação consistente dos princípios contábeis, das políticas e da base de elaboração para
as informações financeiras e não financeiras prospectivas aprimora a utilidade de qualquer
comparação entre os resultados projetados e os reais.

Verificabilidade

Ajuda a assegurar aos usuários que a informação contábil representa fielmente os fenômenos
econômicos ou de outra natureza que se propõe a representar. A suportabilidade, ou seja, a
qualidade referente àquilo que dá suporte a algo, algumas vezes é utilizada para descrever esta
qualidade, quando aplicada em relação à informação explicativa e à informação quantitativa
financeira e não financeira prospectiva. Para ser verificável, a informação não precisa ser um ponto
único estimado, um intervalo de possíveis valores e suas probabilidades relacionadas também
pode ser utilizado. A verificação pode ocorrer de forma direta ou indireta. Com a verificação
direta, o montante ou outra representação podem ser verificados em si mesmos, tais como: pela
contagem de caixa; pela observação de títulos negociáveis e suas cotações de preço; ou pela
confirmação de que os fatores identificados que influenciaram o desempenho passado estejam
presentes e relacionados com os efeitos identificados. Já com a verificação indireta, o montante
ou outra representação podem ser verificados ao se checar os dados e recalcular os resultados
utilizando a mesma convenção ou metodologia contábil. A verificabilidade (ou suportabilidade)
não é absoluta – alguma informação pode ser mais ou menos passível de verificação do que
outra. Contudo, quanto mais verificável for a informação, mais se irá assegurar aos usuários de
que a informação representa fielmente os fenômenos econômicos, ou de outra natureza os quais
se pretende representar.
86

FIQUE DE OLHO
As controladorias são os órgãos responsáveis por realizar atividades relacionadas à defesa
do patrimônio público e ao incremento da transparência da gestão, por meio de ações
de auditoria pública, correição, prevenção e combate à corrupção e ouvidoria. Portanto,
são as principais responsáveis para garantir que as informações contábeis sejam, de fato,
relevantes, fidedignas, compreensíveis, tempestivas, comparáveis e verificáveis.

A contabilidade pública é aplicada integralmente para a administração pública direta (união,


estados, Distrito Federal e municípios, seus órgãos e fundos especiais); para a administração
pública indireta (fundações públicas e autarquias, inclusive os conselhos profissionais); para as
empresas públicas e as sociedades de economia mista, mas somente aquelas que se enquadrem
no conceito de empresa estatal dependente; e para os serviços sociais (SESC, SESI, etc.). Pessoas
físicas que recebam subvenção, benefício ou incentivo fiscal ou creditício de órgão público
equiparam-se, para efeito contábil, a entidades do setor público. A contabilidade pública é aplicada
parcialmente (apenas para registro e posterior prestação de contas dos recursos públicos) para
aqueles que recebam verbas públicas de maneira pontual, utilizadas em projetos específicos.

Por fim, toda informação para o planejamento público está na contabilidade, que alimenta seus relatórios
com dados para que o orçamento público seja mais eficaz, provendo informações úteis para o processo
decisório. Portanto, esse banco de dados contábeis é uma importante base para a administração pública.

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1.2 Norma Brasileira de Contabilidade


Em setembro de 2016, o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) publicou a Norma Brasileira
de Contabilidade NBC TSP – Estrutura Conceitual como forma de padronizar a elaboração e a
divulgação de informação contábil e formal dos Relatórios Contábeis de Propósito Geral das
Entidades do Setor Público (RCPGs).
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O objetivo principal da maioria das entidades do setor público é prestar serviços à sociedade,
em vez de obter lucros e gerar retorno financeiro aos investidores, como é o caso das empresas
privadas. Em consequência, o desempenho de tais entidades pode ser avaliado apenas de forma
parcial por meio de análise da situação patrimonial, do desempenho e dos fluxos de caixa. Assim,
os RCPGs fornecem informações aos seus usuários para subsidiar os processos decisórios e a
prestação de contas e responsabilização, a chamada accountability. Portanto, os usuários dos
RCPGs das entidades do setor público precisam de informações para subsidiar as avaliações de
algumas questões, como:

• se a entidade prestou seus serviços à sociedade de maneira eficiente e eficaz;

• quais são os recursos atualmente disponíveis para gastos futuros, e até que ponto há
restrições ou condições para a utilização desses recursos;

• a extensão na qual a carga tributária, que recai sobre os contribuintes em períodos futu-
ros para pagar por serviços correntes, tem sido alterada; e

• se a capacidade da entidade para prestar serviços melhorou ou piorou em comparação


com exercícios anteriores.

Os governos geralmente têm amplos poderes, incluindo a capacidade de estabelecer


e fazer cumprir requisitos legais e alterar esses requisitos. Globalmente, o setor público
varia consideravelmente em suas disposições constitucionais e em suas metodologias de
funcionamento.

A NBC TSP foi elaborada em convergência às normas internacionais vigentes e visa nortear
toda a Contabilidade Pública. Ela reflete os avanços pelos quais tem passado a sociedade e a
contabilidade pública e possui como um dos principais pontos a definição da sociedade como
usuária principal da informação contábil, o que busca facilitar a transparência e o controle social.

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2. RECEITAS PÚBLICAS
Receitas nada mais são do que aumentos na situação patrimonial líquida da entidade não
oriundos de contribuições dos proprietários. Já receitas públicas são as fontes de recursos
arrecadadas pelas entidades estatais com o fim de serem aplicadas em gastos operacionais e
administrativos, estes resultantes do exercício da atividade estatal.

É possível afirmar, portanto, que receita pública é a entrada de recursos financeiros nos cofres
públicos, que serão aplicados na aquisição e na manutenção de bens e serviços com o objetivo de
atender às necessidades coletivas da sociedade.

As receitas públicas podem ser vistas sob três óticas:

Receita para a contabilidade pública

Ocorre quando há ingresso de recurso financeiro.

Receita sob o enfoque patrimonial

Ocorre quando a transação de reconhecimento da receita provoca acréscimo no patrimônio


líquido, excluídos os referentes a aporte dos proprietários da sociedade (aumento de capital social).

Receita pelo enfoque orçamentário

São todos os ingressos que visam à cobertura de despesas orçamentárias e transações que,
mesmo não havendo ingresso de recursos financeiros, financiam despesas orçamentárias.

As receitas públicas podem ser classificadas, ainda, sobre vários outros aspectos. Os mais
destacados pelos principais autores dessa área de conhecimento são: quanto à natureza; quanto
à categoria econômica; quanto à afetação patrimonial; e quanto à coercitividade.

2.1 Classificação da receita quanto à natureza


Quanto à sua natureza, as receitas públicas são classificadas como receita orçamentária e
receita extraorçamentária.

A receita orçamentária é aquela prevista no orçamento anual. Ela corresponde à arrecadação


de recursos financeiros autorizados pela Lei Orçamentária e que serão aplicados na realização dos
gastos públicos. Considera-se a receita orçamentária como os recursos financeiros pertencentes
ao Estado propriamente dito, uma vez que este integra o patrimônio público de forma efetiva, sem
caráter devolutivo. São exemplos de receitas orçamentárias: receitas tributárias, de contribuições,
patrimoniais, agropecuárias, industriais, de serviços, de alienação de bens e outras.
89

Já receita extraorçamentária é aquela que não está prevista no orçamento e corresponde a


ingressos financeiros de caráter temporário e, consequentemente, toda arrecadação que não
constitui renda do Estado. Seu caráter é de transitoriedade nos orçamentos, como exemplo,
citam-se os depósitos de terceiros, cauções em dinheiro, salários não reclamados, consignações,
operações de crédito por antecipação de receita ou qualquer outro valor de simples transitoriedade
de classificação no passivo.

2.2 Classificação da receita quanto à categoria econômica


Já quanto à categoria econômica, as receitas de classificam como receitas correntes e receitas
de capital.

Essa classificação é apresentada pela Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, que define, em
seu art. 11, § 1º: receitas correntes são as receitas tributária, de contribuições, patrimonial,
agropecuária, industrial, de serviços e outras e, ainda, as provenientes de recursos financeiros
recebidos de outras pessoas de direito público ou privado, quando destinadas a atender despesas
classificáveis em Despesas Correntes. As despesas correntes se esgotam dentro do período
compreendido pela Lei Orçamentária Anual.

Por outro lado, as receitas de capital são os ingressos obtidos mediante a constituição de
dívidas, amortização de empréstimos e financiamentos ou alienação de componentes do ativo
permanente. Tais recursos devem sempre ser aplicados em despesas de capital para que não haja
a diminuição do patrimônio público.

2.3 Classificação da receita quanto à afetação patrimonial


Já quanto à afetação patrimonial, as receitas são divididas em efetivas e por mutações
patrimoniais.

Receita efetiva é a receita orçamentária realmente arrecadada no exercício financeiro para


a qual não concorreu um aumento no passivo ou uma diminuição no ativo. Contribui, portanto,
para o aumento efetivo do patrimônio. São exemplos de receitas efetivas: cobrança de Imposto
sobre os Produtos Industrializados (IPI).

As receitas por mutação patrimonial, por sua vez, são definidas como receita orçamentária
decorrente de uma arrecadação oriunda da saída de um bem ou direito do ativo ou do acréscimo
das obrigações para com terceiros. Não contribuindo, portanto, para o aumento efetivo do
patrimônio estatal, ocasionando apenas um feito permutativo. A alienação de viaturas de polícia
e a operação de crédito (financiamento) são exemplos deste tipo de receita.
90

2.4 Classificação da receita quanto à coercitividade


Já quanto à coercitividade, as receitas são divididas entre derivadas e originárias.

De acordo com Kohama (2016), há duas formas de o Estado arrecadar receita. A primeira é a
forma tradicional, através de impostos, taxas e outras rendas não oriundas de contrapartida pelo
fornecimento de bens ou prestação de serviços (Administração Direta e Autarquia). A segunda
forma é semelhante àquela exercida pelas empresas privadas, obtida, portanto, em contrapartida
ao fornecimento de bens ou prestação de serviços (Empresas Públicas e Estatais).

A forma tradicional de arrecadar é denominada de receita derivada, originando-se do


patrimônio do particular, sendo que o Estado invoca seu poder para exigir o tributo junto à
sociedade. Já a receita originária é aquela que o Estado obtém pela exploração do seu próprio
patrimônio, como aquela oriunda de atividades comerciais, industriais, financeiras e de serviços
do governo, tais como aluguéis recebidos e receitas de serviço, por exemplo.

2.5 Receitas intra-orçamentárias


A partir do ano de 2007, as receitas também foram especificadas como intra-orçamentárias.
A receita intra-orçamentária está prevista no Art. 1º da Portaria Interministerial STN/SOF nº 338
de 2006, que resolveu definir como intra-orçamentárias as operações que resultem de despesas
de órgãos, fundos, autarquias, fundações, empresas estatais dependentes e outras entidades
integrantes dos orçamentos fiscal e da seguridade social decorrentes da aquisição de materiais,
bens e serviços, pagamento de impostos, taxas e contribuições, quando o recebedor dos recursos
também for órgão, fundo, autarquia, fundação, empresa estatal dependente ou outra entidade
constante desses orçamentos, no âmbito da mesma esfera de governo.

O objetivo da classificação intra-orçamentária da receita é elevar o grau de transparência


nas demonstrações das entidades governamentais, uma vez que essas receitas são identificadas,
evitando-se as duplas contagens decorrentes de sua inclusão no orçamento. O art. 2º, § 2º, da
mesma portaria, estabelece que “as classificações ora incluídas não constituem novas categorias
econômicas de receita, mas especificações das categorias econômicas corrente e capital”.

A Portaria Interministerial STN/SOF n° 338/2006 estabelece, ainda, a necessidade de


identificação das receitas correntes intra-orçamentárias e receitas de capital intra-orçamentárias,
ressaltando que as classificações da receita intra-orçamentária não constituem novas categorias
econômicas, mas especificações das categorias corrente e capital.

3. DESPESAS PÚBLICAS
Despesa corresponde a diminuições na situação patrimonial líquida da entidade, não
91

oriundas de distribuições aos proprietários. Segundo a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), a


despesa pública é o conjunto de dispêndios realizados pelos entes públicos para o funcionamento
e manutenção dos serviços públicos prestados à sociedade.

Assim como as receitas, as despesas públicas também são classificadas sob três diferentes
óticas:

Despesa para a contabilidade pública

Ocorre quando há desembolso de recurso financeiro.

Despesa sob o enfoque patrimonial

Ocorre quando a transação de reconhecimento da despesa provoca decréscimo no patrimônio


líquido, excluídos os referentes à distribuição de riqueza aos proprietários da entidade.

Despesa sob enfoque orçamentário

Ocorre com o empenho da despesa e está relacionado à execução do orçamento público.

Também pode-se classificar as despesas públicas sob vários aspectos. Os conceitos,


apresentados a seguir, estão de acordo com o entendimento da Secretaria do Tesouro Nacional.

3.1 Despesa orçamentária e extraorçamentária


A despesa orçamentária depende de autorização legislativa para que ocorra sua execução.
Essa autorização ocorre na forma de consignação de dotação orçamentária, para ser efetivada
(previsão orçamentária – Lei Orçamentária Anual).

Já a despesa extraorçamentária é aquela que não consta na Lei Orçamentária Anual (LOA),
compreendendo determinadas saídas de numerários decorrentes de depósitos, pagamentos de
restos a pagar, resgate de operações de crédito por antecipação de receita e recursos transitórios.

3.2 Classificação da despesa quanto à natureza


O conjunto de informações que formam o código orçamentário da despesa é conhecido como
classificação por natureza da despesa e informa a categoria econômica da despesa, o grupo a que
ela pertence, a modalidade de aplicação e o elemento. Segundo o Manual Técnico do Orçamento
da União, na base de dados do sistema de orçamento, o campo que se refere à natureza da
despesa contém um código composto por oito algarismos, sendo que o 1° dígito representa a
categoria econômica, o 2° o grupo de natureza da despesa, o 3° e o 4° dígitos representam a
modalidade de aplicação, o 5° e o 6° o elemento de despesa e o 7° e o 8° dígitos representam o
desdobramento facultativo do elemento de despesa (subelemento).
92

3.3 Classificação da despesa quanto à categoria econômica


A despesa, assim como a receita, é classificada em duas categorias econômicas. As despesas
correntes são as que não contribuem, diretamente, para a formação ou aquisição de um bem de
capital. Já as despesas de capital contribuem, diretamente, para a formação ou aquisição de um
bem de capital pelo Estado.

3.4 Grupo de natureza da despesa


O grupo de natureza da despesa é um agregador de elemento de despesa com as mesmas
características quanto ao objeto de gasto, conforme discriminado a seguir:

Pessoal e encargos sociais

Despesas orçamentárias com pessoal ativo, inativos e pensionistas, relativas a mandatos


eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros do poder;

Juros e encargos da dívida

Despesas orçamentárias com o pagamento de juros, comissões e outros encargos de


operações de crédito internas e externas contratadas, bem como da dívida pública mobiliária;

Outras despesas correntes

Despesas orçamentárias com aquisição de material de consumo, pagamento de diárias,


contribuições, subvenções, auxílio-alimentação, auxílio-transporte, além de outras despesas da
categoria econômica “despesas correntes” não classificáveis nos demais grupos de natureza de
despesa;

Investimentos

Despesas orçamentárias com softwares e com o planejamento e a execução de obras,


inclusive com a aquisição de imóveis considerados necessários à realização destas últimas, e com
a aquisição de instalações, equipamentos e material permanente;

Inversões financeiras

Despesas orçamentárias com a aquisição de imóveis ou bens de capital já em utilização;


aquisição de títulos representativos do capital de empresas ou entidades de qualquer espécie,
já constituídas, quando a operação não importe aumento do capital; e com a constituição ou
aumento do capital de empresas, além de outras despesas classificáveis neste grupo;
93

Amortização da dívida

Despesas orçamentárias com o pagamento e/ou refinanciamento do principal e da atualização


monetária ou cambial da dívida pública interna e externa, contratual ou mobiliária.

3.5 Modalidade de aplicação da despesa


A modalidade de aplicação da despesa indica se os recursos serão aplicados mediante
transferência financeira, inclusive a decorrente de descentralização orçamentária para outros
níveis de governo, seus órgãos ou entidades, ou diretamente para entidades privadas sem
fins lucrativos e outras instituições; ou, então, diretamente pela unidade detentora do crédito
orçamentário, ou por outro órgão ou entidade no âmbito do mesmo nível de governo.

A modalidade de aplicação objetiva, principalmente, eliminar a dupla contagem dos recursos


transferidos ou descentralizados.

3.6 Elemento de despesa


O elemento de despesa tem por finalidade identificar os objetos de gasto, tais como
vencimentos e vantagens fixas, juros, diárias, material de consumo, serviços de terceiros
prestados sob qualquer forma, subvenções sociais, obras e instalações, equipamentos e material
permanente, auxílios, amortização e outros que a Administração Pública utiliza para a consecução
de seus fins.

4. DÉFICIT E DÍVIDA PÚBLICA


Quando um governo não consegue manter um balanço adequado entre receitas e despesas,
temos as situações de dívida e de déficit públicos. Muitas pessoas têm dificuldades de entender
a relação entre os conceitos de déficit público e de dívida pública.

4.1 Déficit público


O déficit público ocorre quando um governo possui despesas maiores que suas receitas. Este
termo é usado na economia para indicar quanto o governo precisa arrecadar a mais para saldar
todos os seus gastos em um ano. Ele surge de acordo com a necessidade financeira do governo,
que precisa constantemente de recursos para custear seu funcionamento, cumprir suas funções
sociais e pagar todas suas obrigações. Porém, se esse dinheiro é usado de forma irresponsável,
acima da capacidade de arrecadação, as contas públicas entram em déficit. A situação oposta
(arrecadação maior que despesas) é chamada de superávit público.

Geralmente, o valor do déficit público é apresentado na forma do percentual que ele


94

representa em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) do país, o que é importante para viabilizar
a comparação entre diferentes períodos e contextos.

Segundo Giacomoni (2010), o déficit público pode ser classificado de três formas diferentes:

Déficit primário

Quando apenas as despesas primárias são consideradas no cálculo do déficit, ou seja, os


gastos do governo com juros e correção monetária não são considerados. O déficit primário
mostra a diferença entre a arrecadação e os gastos de funcionamento da máquina pública.

Déficit operacional

Quando as despesas primárias e os gastos do governo com juros são consideradas no cálculo.
Porém, não é levada em conta a correção monetária dos valores.

Déficit nominal

Quando todas as despesas e gastos do governo com juros são consideradas no cálculo do
déficit, com o acréscimo de correção monetária. O déficit nominal é o que representa, de fato,
a diferença real entre despesas e receitas, já que contabiliza efetivamente tudo que o governo
gastou.

Neste sentido, a equação que define o déficit público é a seguinte:

Déficit público = resultado primário + variação patrimonial + variação monetária - serviço da


dívida

Para esclarecer a equação acima, é importante esclarecer alguns conceitos estabelecidos por
Giacomoni (2010):

Resultado primário

equivale ao gasto público (salários e despesas da máquina pública, investimentos, repasses


dos governos) menos a receita pública (arrecadação de impostos, taxas, tributos e dividendos de
empresas públicas);

Variação patrimonial

expressa as compras (aquisição de bens e imóveis, estatizações) e vendas (privatizações) de


ativos pelo governo;
95

Variação monetária

aumento ou diminuição de moeda circulante (base monetária) da economia. Está diretamente


relacionada com a inflação do país;

Serviço de dívida

expressa os juros que são pagos pela dívida interna e externa do país.

A consequência imediata do déficit público é um aumento da dívida pública, pois o governo


terá que tomar dinheiro emprestado para saldar suas contas. Com a necessidade de aumentar a
arrecadação, uma elevação na carga tributária também pode acontecer posteriormente. Ou seja,
indiretamente, a existência de um déficit público também impacta a atividade econômica do país.
Seus efeitos geram uma queda na capacidade de investimento das empresas, afetando negativamente
o nível geral de produção, emprego, renda e limitando o crescimento econômico do país.

ma saída para acabar com o déficit público é aumentar a arrecadação, ou seja, pode ser
necessária uma elevação na carga tributária. Assim, indiretamente, o déficit público também
impacta a atividade econômica de um país, pois, ao aumentar impostos para as empresas,
além de aumentar os impostos dos cidadãos, dependendo do caso, pode-se gerar uma queda
na capacidade de investimento dessas empresas, afetando negativamente o nível de produção
nacional, emprego, renda e limitando o crescimento econômico do país.

De outro lado, a formação de um superávit primário geraria uma “poupança” para pagar os
juros da dívida pública e reduzir o endividamento do governo no médio e longo prazo. Portanto,
o superávit e o déficit primários indicam se as finanças públicas estão em ordem, ou seja, se
o governo está gastando ou não de acordo com suas receitas. Por isso, esses indicadores são
conhecidos como “esforço fiscal”.

4.2 Dívida pública


Quando as despesas públicas são maiores do que a receita pública em um determinado
período tem-se um déficit orçamentário. Em uma situação de déficit orçamentário, o governo
precisa obter empréstimos para cobrir essa diferença. O conjunto desses empréstimos constitui a
dívida pública. Em outras palavras, quando os recursos arrecadados pelo governo, por meio dos
tributos, não são suficientes para cobrir todos os seus gastos, o governo toma dinheiro emprestado
para financiar parte dos seus gastos que não são cobertos com a arrecadação de tributos. Assim,
o setor público recorre ao instrumento da dívida pública, que consiste em recursos obtidos por
meio de operações de crédito contratadas junto a instituições financeiras sob o compromisso de
pagamento de juros e outros encargos, assim como da devolução de tais recursos (amortização)
ao longo de determinado período de tempo.
96

Contudo, quando a dívida contraída é elevada, as despesas aumentam e os déficits ficam


maiores. Tanto que, a partir de certo limite de endividamento, a dívida pública pode ficar fora
de controle por parte das autoridades monetárias. Para reduzir a dívida pública, o Estado precisa
equilibrar suas contas públicas. E, para atingir o equilíbrio orçamentário, por um lado, o Estado
precisa gastar menos os recursos públicos disponíveis, mas com eficiência, por outro lado, precisa
aumentar sua arrecadação tributária.

As dívidas públicas classificam-se da seguinte forma, segundo a Lei 4.320/64:

Dívida flutuante

Compreende os restos a pagar, excluídos os serviços da dívida; os serviços da dívida a pagar


(parcelas de amortização e de juros da dívida fundada); os depósitos (consignações ou cauções e
garantias recebidas em função de execução de obra pública, por exemplo); os débitos de tesouraria
(ARO – operações de crédito por antecipação de receita destinadas a cobrir insuficiências de caixa
ou tesouraria).

Dívida fundada

Refere-se aos compromissos de exigibilidade superior a 12 meses, contraídos para atender


ao desequilíbrio orçamentário ou ao financiamento de obras e serviços públicos. Ela deverá ser
escriturada com individuação e especificações que permitam verificar, a qualquer momento, a
posição dos empréstimos, bem como os respectivos serviços de amortização e juros.

A Dívida Pública Federal (DPF), especificamente, refere-se a todas as dívidas contraídas pelo
governo federal para financiamento do seu déficit orçamentário, nele incluído o refinanciamento
da própria dívida, e para outras operações com finalidades específicas, definidas em lei. É
possível classificar a DPF de acordo com os instrumentos usados para captação de recursos e
pela moeda na qual ocorre o pagamento de seus fluxos. Em relação à captação de recursos, esta
pode ocorrer por emissão de títulos públicos (sendo por essa razão classificada como mobiliária),
ou por contratos, firmados principalmente com organismos multilaterais (sendo esta dívida
classificada como contratual). Já sobre a moeda usada para fazer face a seus pagamentos, a
dívida é classificada como interna quando os pagamentos são realizadas na moeda corrente em
circulação no país, no caso brasileiro o real, ou externa, quando os pagamentos são feitos em
moeda estrangeira, normalmente o dólar norte-americano.

Atualmente, toda a Dívida Pública Federal em circulação no mercado nacional é paga em real
e captada por meio da emissão de títulos públicos, sendo por essa razão definida como Dívida
Pública Mobiliária Federal interna (DPMFi). Já a Dívida Pública Federal existente no mercado
internacional é paga em dólar norte-americano e tem sido captada tanto por meio da emissão de
títulos quanto por contratos, sendo por isso definida como Dívida Pública Federal externa (DPFe).
97

O Ministério da Fazenda, por meio da Secretaria do Tesouro Nacional, é o órgão responsável


pela administração da Dívida Pública Federal brasileira. O objetivo da administração da Dívida
Pública Federal é suprir de forma eficiente as necessidades de financiamento do governo federal,
ao menor custo de financiamento no longo prazo, respeitando-se a manutenção de níveis
prudentes de risco. Adicionalmente, busca-se contribuir para o bom funcionamento do mercado
de títulos públicos brasileiro.

FIQUE DE OLHO
O Manual Técnico de Orçamento (MTO), elaborado pela Secretaria do Orçamento
Federal (SOF), é um instrumento de apoio aos processos orçamentários da União.
Conforme proposição da SOF, o MTO será editado, anualmente, no início do processo
de elaboração da proposta orçamentária. Desde 2006, o MTO está disponível em meio
eletrônico, permitindo maior agilidade nas atualizações decorrentes de modificações nos
processos orçamentários e na legislação aplicada, conforme disposto na Portaria SOF nº
23, de 04 de maio de 2017. Para conhecer o MTO 2020 acesse o link: <https://www1.siop.
planejamento.gov.br/mto/doku.php/mto2020>.

5. DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS APLICADAS AO


SETOR PÚBLICO
Vários termos utilizados no dia a dia de uma entidade pública serão desmistificados durante o
estudo deste tópico, cujo principal objetivo é facilitar o entendimento sobre o funcionamento e a
sistemática do fechamento dos demonstrativos públicos, bem como a sua análise.

A Lei 4.320/64 dispõe, em seu art. 101, que os resultados gerais de cada exercício serão
demonstrados no Balanço Orçamentário, no Balanço Financeiro, no Balanço Patrimonial e na
Demonstração das Variações Patrimoniais.

5.1 Balanço orçamentário


O balanço orçamentário é um demonstrativo que apresenta o comportamento das receitas
e das despesas orçamentárias, comparando os valores das receitas previstas com as receitas
realizadas, das despesas fixadas com as despesas executadas em todas as suas etapas, bem como
o confronto entre as receitas e as despesas, apurando o resultado orçamentário. É apresentado
também, nesse demonstrativo, o comportamento dos restos a pagar processados e não
processados.
98

Em sua estrutura, deve evidenciar as receitas e as despesas orçamentárias por categoria


econômica, confrontar o orçamento inicial e as suas alterações com a execução, demonstrar o resultado
orçamentário e discriminar as receitas por fonte (espécie) e as despesas por grupo de natureza.

A figura a seguir demonstra o balanço orçamentário simplificado, referente ao primeiro


bimestre do ano de 2019, do Estado do Mato Grosso.

Figura 2 - Modelo de balanço orçamentário resumido


Fonte: GOVERNO DO ESTADO DO MATO GROSSO, 2019 .

#PraCegoVer: na imagem uma tabela de modelo de balanço orçamentário resumido do


primeiro bimestre do ano de 2019, no Estado de Mato Grosso. É feito o balanço orçamentário das
receitas, previsão inicial, previsão atualizada, receitas realizadas, déficit orçamentário, saldos de
exercícios anteriores, despesas, dotação inicial, créditos adicionais, dotação atualizada, despesas
empenhadas, despesas líquidas, despesas liquidadas, despesas pagas e superávit orçamentário.

A análise do balanço orçamentário ocorre por meio da previsão da receita orçamentária em


comparação com o montante efetivamente realizado. Também é analisado o comportamento
da despesa orçamentária. O comportamento da receita é analisado para ver se ocorreu excesso
de arrecadação ou frustração de receita. Quando a receita realizada (arrecadada) é maior que
a receita prevista atualizada, tem-se um excesso de arrecadação. Quando a receita realizada
(arrecadada) é menor que a receita prevista atualizada, tem-se uma frustração de receita.

Já o comportamento da despesa é analisado para ver se ocorreu economia orçamentária.


Quando a despesa executada (empenhada) é menor que a dotação atualizada, tem-se uma
economia orçamentária. O resultado orçamentário, por fim, é analisado para verificar se ocorreu
superávit ou déficit. Ele corresponde ao confronto entre as receitas realizadas (arrecadadas) e
as despesas empenhadas. Quando a receita orçamentária é maior que a despesa orçamentária,
tem-se um superávit orçamentário. Quando a despesa orçamentária é maior que a receita
orçamentária, tem-se um déficit orçamentário.
99

5.2 Balanço financeiro


O balanço financeiro é o demonstrativo contábil que evidencia as receitas, as despesas
orçamentárias e os ingressos e os dispêndios extraorçamentários, conjugados com os saldos de
caixa do exercício anterior e os que se transferem para o início do exercício seguinte.

Assim, o balanço financeiro é composto por um único quadro que evidencia a movimentação
financeira demonstrando a receita orçamentária realizada e a despesa orçamentária executada,
por fonte e destinação de recurso, discriminando as ordinárias e as vinculadas; os recebimentos
e os pagamentos extraorçamentários; as transferências financeiras recebidas e concedidas; e o
saldo em espécie do exercício anterior e para o exercício seguinte.

A análise do balanço financeiro é feita a partir dos valores inscritos em restos a pagar no exercício
lançados na coluna de ingressos, mais especificamente nos recebimentos extraorçamentários.
Esse lançamento tende a anular o efeito da consideração dos restos a pagar como despesas do
exercício, já que as despesas, para fins de resultado, são consideradas aquelas empenhadas e
não as despesas pagas. Já os valores de restos a pagar que estarão na coluna de dispêndios, mais
especificamente nos pagamentos extraorçamentários, são referentes aos valores pagos de restos
a pagar que foram inscritos em exercícios anteriores.

Segundo Giacomoni (2010), o resultado financeiro pode ser apurado de duas formas:

Receitas orçamentárias + transferências financeiras recebidas + recebimentos


extraorçamentários - despesas orçamentárias + transferências financeiras concedidas +
pagamentos extraorçamentários = resultado financeiro.

Ou, então:

Saldo em espécie para o exercício seguinte - saldo em espécie do exercício anterior = resultado
financeiro.

O resultado financeiro pode ser superavitário, deficitário ou nulo.

5.3 Balanço patrimonial


Balanço patrimonial é o demonstrativo contábil que evidencia qualitativa e quantitativamente,
a situação patrimonial da entidade pública, por meio de contas representativas do patrimônio
público: ativo, passivo e patrimônio líquido.

A classificação dos elementos patrimoniais considera a segregação em circulante e não


circulante, com base em seus atributos de conversibilidade e exigibilidade. Os ativos devem ser
classificados como circulantes quando estiverem disponíveis para realização imediata; e quando
100

tiverem a expectativa de realização até doze meses após a data das demonstrações contábeis. Os
demais ativos devem ser classificados como não circulantes. Os passivos devem ser classificados
como circulantes quando corresponderem a valores exigíveis até doze meses após a data das
demonstrações contábeis. Os demais passivos devem ser classificados como não circulantes. As
contas do ativo devem ser dispostas em ordem decrescente de grau de conversibilidade; já as
contas do passivo, em ordem decrescente de grau de exigibilidade.

A Lei nº 4.320/1964, em seu art. 105, confere viés orçamentário ao balanço patrimonial, já
que separa o ativo e o passivo em dois grandes grupos em função da dependência ou não de
autorização orçamentária para realização dos itens que o compõem:

• o ativo financeiro;

• o ativo permanente;

• o passivo financeiro;

• o passivo permanente;

• o saldo patrimonial;

• as contas de compensação.

As variações patrimoniais são demonstrações que evidenciam as alterações verificadas nos


elementos patrimoniais da administração pública, podendo afetar, ou não, o resultado do período,
o qual irá compor o patrimônio líquido no balanço patrimonial. As alterações verificadas no
patrimônio consistem nas variações quantitativas (decorrentes de transações no setor público que
aumentam ou diminuem o patrimônio líquido) e qualitativas (decorrentes de transações no setor
público que alteram a composição dos elementos patrimoniais sem afetar o patrimônio líquido).

O resultado patrimonial de determinado período é apurado pelo confronto entre as variações


patrimoniais quantitativas aumentativas e diminutivas. Caso o total das variações patrimoniais
aumentativas sejam superiores ao total das variações patrimoniais diminutivas, diz-se que o resultado
patrimonial foi superavitário. Caso contrário, diz-se que o resultado patrimonial foi deficitário.

A análise do balanço patrimonial, no quadro referente às compensações, deverá incluir os atos


potenciais do ativo e do passivo que possam, imediata ou indiretamente, vir a afetar o patrimônio,
como por exemplo, direitos e obrigações conveniadas ou contratadas; responsabilidade por
valores, títulos e bens de terceiros; garantias e contragarantias de valores recebidas e concedidas;
e outros atos potenciais do ativo e do passivo. O balanço patrimonial evidencia a composição do
patrimônio em um determinado momento, portanto é um demonstrativo estático.

No balanço patrimonial é apurada a Situação Patrimonial Líquida e o Superávit Financeiro. A


101

situação patrimonial líquida é o resultado da diferença entre o ativo e o passivo. Se o resultado


for positivo, denomina-se de patrimônio líquido positivo ou superavitário. Por outro lado, se o
resultado for negativo, denomina-se patrimônio líquido negativo ou deficitário. Por fim, se o
resultado for igual a zero, há o patrimônio líquido nulo.

5.4 Balanço econômico


O balanço de resultado econômico é a terminologia ou categoria contábil encontrada nos
arts. 1.020, 1.065, 1.184, 1.186 e 1.189 do Código Civil de 2002 e parte integrante da trípode da
prestação de contas anual, relatório, produto contábil que registra o resultado de forma contábil,
demonstrativo consagrado pela teoria das partidas dobradas o qual sintetiza o resumo no período
das variações do sistema de resultado: positivas (receitas, ganhos e lucros), e negativas (despesas,
perdas, custos e prejuízos), durante um determinado período de tempo, normalmente um ano.

Este é o objetivo da apresentação do balanço de rédito ou econômico, conhecido também


como “demonstração da conta de lucros e perdas”, terminologia do art. 1.189; informação
econômica aos utentes da contabilidade, pois se destina a demonstrar a práxis do fabrico do
resultado do exercício ou de outro período, como mensal, trimestral ou semestral, pelo confronto
entre as contas de resultados, sob a forma de balanço, com colunas para débitos e créditos, sendo
que esta diferença denomina-se rédito a qual poderá ser positiva (lucro) ou negativa (prejuízo).

Utilize o QR Code para assistir ao vídeo:

5.5 Lei de Responsabilidade Fiscal


A Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, intitulada Lei de Responsabilidade Fiscal
(LRF), estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal,
mediante ações em que se previnam riscos e corrijam desvios capazes de afetar o equilíbrio das
contas públicas, destacando-se o planejamento, o controle, a transparência e a responsabilidade
102

como premissas básicas.

Enfim, é sempre recomendável que o profissional esteja atento às legislações atualizadas que
envolvem os fatos a serem contabilizados.
103

PARA RESUMIR
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:

• Compreender o conceito e o campo de aplicação da contabilidade aplicada ao setor


público;

• Conhecer os princípios, leis e normas que orientam a contabilidade pública;

• Entender a sistemática da classificação das receitas e das despesas públicas;

• Compreender os conceitos de deficit e de dívida pública; e

• Aprender como é feita uma análise de balanço.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Lei Complementar nº. 101, de 04 de maio de 2000. Estabelece normas


de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras
providências. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: . Acesso em: 11 mar.
2020.

Conselho Federal de Contabilidade. Resolução CFC nº 1.022, de 23 de setembro de 2016.


Aprova a NBC TG ESTRUTURA CONCEITUAL – Estrutura Conceitual para a Elaboração e
Divulgação de Informação Contábil de Propósito Geral pelas Entidades do Setor Público.
Disponível em: . Acesso em: 11 mar. 2020.

GIACOMONI, J. Orçamento público. Atlas, 2010.

KOHAMA, H. Balanços públicos: teoria e prática. Grupo Gen-Atlas, 2015.

_____. Contabilidade Pública: teoria e prática. Grupo Gen-Atlas, 2016.

LOPES, A. P. Despesas Públicas sob a ótica da Lei de Responsabilidade Fiscal: município


de Pacaraima-PR, exercício financeiro de 2014. Revista de Administração de Roraima -
UFRR, Boa Vista. Vol. 7, n. 1, jan-jun, 2017. p.182-200.

MARION, J. C. Contabilidade básica. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2009.


O poder público tem o dever de escolher e implementar as
melhores políticas para atender as necessidades dos indivíduos
com base nas leis do país. Este livro é essencial para o estudo das
políticas públicas, apresentando os conceitos e as ferramentas para
a elaboração e sua implementação.

Como fazer uma avaliação do orçamento no setor público


e quais os modelos de previsão de receitas e quais as técnicas
fundamentais para realizar análise de balanço? Estas e outras
importantes questões serão respondidas nesta obra, bem como
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aprender os fundamentos dessa área.

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