Inicial - ADPF 581 - REDE
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TRIBUNAL FEDERAL
em face do Decreto nº 9.785, de 2019, que flexibilizou as regras sobre armas de fogo e
munições para colecionares, atiradores e caçadores, pelos fatos e fundamentos expostos a
seguir.
1
I. DA SÍNTESE FÁTICA E DO ATO IMPUGNADO
Vale destacar que o Decreto não foi divulgado à imprensa nem por ocasião da
cerimônia de assinatura. O texto aparentemente nem mesmo passou por revisão, tendo
em vista as diversas falhas de formatação do texto publicado. Não houve discussão com
a sociedade, consulta pública do Decreto ou qualquer outra medida afim.
1
Disponível em http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n%C2%BA-9.785-de-7-de-maio-de-2019-
87309239. Acesso em 08.05.2019, às 8h59.
2
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=pEKU7Q_Vchg. Acesso em 07.05.2019, às 17h04.
3
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=pEKU7Q_Vchg. Acesso em 07.05.2019, às 17h04.
4
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Decreto/D9685.htm. Acesso em
07.05.2019, às 11h06.
2
O Decreto questionado libera limites de compra de armamento e munições (art. 9º, §8º
e §9º), permite o deslocamento de colecionadores, atiradores e caçadores com a arma
municiada, “pronta para uso” (art. 36), aumenta o número de categorias que possuem o
“direito” ao porte de arma, ao alterar o critério subjetivo previsto na Lei para quais categorias
presume-se a necessidade (art. 20, §3º), entre outras disposições que claramente vão ao
encontro do espírito do Estatuto do Desarmamento.
Lembrando que este porte é pessoal, independe da função, que seria o porte
institucional ou em serviço.
3
Antes da publicação do Decreto havia proibição expressa do transporte de armas de
fogo municiadas pelo Decreto nº 5.123, de 20045, ante a ausência de previsão expressa de
norma equivalente no Estatuto do Desarmamento:
Seção II
Subseção I
Subseção II
5
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5123.htm. Acesso em
07.05.2019, às 11h06.
4
Art. 32. O Porte de Trânsito das armas de fogo de colecionadores e
caçadores será expedido pelo Comando do Exército.
...
...
6
Disponível em http://www.dfpc.eb.mil.br/index.php/ultimas-noticias/460-colecionador-atirador-desportivo-e-
cacador-cac. Acesso em 06.05.2019, às 21h39.
5
...
Na linha do Decreto nº 9.785, de 2019, bem possível que tal regulamentação sobre
essas categorias também seja afrouxada ao máximo.
Por fim, quanto ao limite, ou melhor, a nova ausência de limite para compra de
munições, o Decreto nº 5.123, de 2004, não tratava expressamente, cabendo à regulamentação
do Comando Logístico do Exército Brasileiro fazê-lo, conforme Portaria nº 51 - COLOG, de
2015:
...
6
III – atirador desportivo nível III:
...
O decreto traz um novo limite, que na verdade, também é um libera geral, em seu art.
19:
É o breve relato.
7
II. DA LEGITIMIDADE ATIVA
Desse modo, na forma do art. 2º, I, da Lei nº 9.882/99 c/c art. 103, VIII, da
Constituição, possui legitimidade universal para o ajuizamento de ações do controle
concentrado de constitucionalidade, inclusive a Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental.
Desse modo, não seria cabível ADI para questionar o Decreto nº 9.785, de 2019.
Cabível, desta forma, a ADPF, à luz do princípio da subsidiariedade, aqui, lida como a
impossibilidade de impugnação por qualquer outro mecanismo hábil de controle objetivo de
constitucionalidade (ADO, ADI, ADInterventiva, ADC).
Para o seu cabimento, é necessário que exista ato do Poder Público, que este cause
lesão ou ameaça a preceito fundamental da Constituição, e que não haja nenhum outro
instrumento apto a sanar essa lesão ou ameaça.
Esses três requisitos estão plenamente configurados no presente caso, como se verá a
seguir.
8
Não há dúvida de que o ato questionado se qualifica como “ato do Poder Público”.
Afinal, trata-se de Decreto editado pela Presidência da República para flexibilizar regras sobre
porte e aquisição de armas e munições aplicáveis aos colecionadores, atiradores e caçadores.
O princípio da separação dos poderes, previsto no art. 2º7, bem como a construção de
uma sociedade livre, justa e solidária, previsto no art. 3º, I8, são princípios fundamentais da
Constituição Federal.
Assim, não há dúvida de que a hipótese envolve ato do Poder Público altamente lesivo
a preceitos fundamentais da Constituição de 1988.
7
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
8
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
9
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
10
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
11
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
12
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
9
outros instrumentos aptos ao equacionamento da questão constitucional suscitada, na esfera
do controle abstrato de constitucionalidade. Nesse sentido, decidiu o STF:
IV. DO MÉRITO
Antes de entrar na questão específica tratada pelo Decreto, cabe uma breve análise
sobre questões gerais que envolvem o tema.
É inegável que o País passa por uma crise de segurança pública já há vários anos.
10
E, mesmo que se tente afirmar que o Decreto questionado não trata de segurança
pública, o próprio Presidente da República afirmou na cerimônia de assinatura do Decreto:
Fica claro que o próprio Presidente, como bem afirmou, assina o Decreto como
medida de política de segurança pública, pois ela “começa dentro de casa”.
Segundo o Atlas da Violência 2018, publicado pelo Ipea em parceria com o Fórum
Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em 2016, o Brasil alcançou a marca histórica de
62.517 homicídios. Isso equivale a uma taxa de 30,3 mortes para cada 100 mil habitantes, ou
seja, 30 vezes maior que os índices europeus. Desse total, 71,1% dos homicídios foram por
armas de fogo, índices próximos de países como El Salvador (76,9%) e Honduras (83,4%).
Essa proporção permanece estável desde 2003, quando sancionado o Estatuto do
Desarmamento13.
Importante ressaltar que os índices de homicídio por arma de fogo eram 40% do total
de homicídios na década 1980 e cresceram ininterruptamente até 2003 – ano no qual foi
sancionado o Estatuto –, quando atingiram o patamar de 71,1%, ficando estável até 2016. O
número de homicídios por arma de fogo passou de 6.104, em 1980, para 42.291, em 2014,
crescimento de 592,8%2. Ou seja, a despeito do Estatuto do Desarmamento, as armas de fogo
continuam, inclusive em patamar ascendente, a serem usadas em larga escala, gerando maior
violência e maior insegurança, e não o contrário.
Dentre as vítimas de homicídio por arma de fogo, 94,4% são do sexo masculino. Nos
últimos dez anos, a taxa de homicídios de indivíduos não negros diminuiu 6,8%, enquanto a
taxa de vitimização da população negra aumentou 23,1%. Assim, em 2016, a taxa de
homicídio para a população negra era de 40,2 por 100 mil habitantes; para o resto da
população foi de 16, o que implica dizer que 71,5% das pessoas que são assassinadas a cada
ano no país são pretas ou pardas.
A maior parte das pessoas assassinadas no Brasil é jovem. Das 62 mil vítimas de
homicídio, 33,6 mil tinham entre 15 e 29 anos – na grande maioria, homens. Enquanto a taxa
de homicídio na população em geral é de 30,3 por 100 mil, entre os jovens é de 65,5 por 100
13
Disponível em
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/180604_atlas_da_violencia_2018.pdf.
Acesso em 07.05.2019, às 12h32.
11
mil. Em outras palavras, entre os jovens, o risco de morrer assassinado é mais do que o dobro
da média da população. Já entre os homens jovens, a situação é pior ainda: 123 homicídios a
cada grupo de 100 mil. É quatro vezes a média do Brasil.
Não podemos mais ignorar que esta parcela da população brasileira esteja
sendo dizimada. Seja por ação dos órgão de repressão, mediante intervenção
policial; seja por omissão, pela falta de políticas públicas eficientes de
redução das mortes, vemos que o Estado brasileiro é leniente com o referido
genocídio. Esta CPI quer mostrar que a população negra não pode ser
invisível aos olhos do Estado.
Em 2016, 2.339 mulheres foram mortas por arma de fogo no Brasil, o que significa,
aproximadamente, metade dos homicídios de pessoas do sexo feminino naquele ano, segundo
dados disponíveis do Ministério da Saúde, em levantamento feito pelo Instituto Sou da Paz.
Dessas, 560 foram mortas dentro de casa15. Em números absolutos, o Brasil é o país que mais
pratica feminicídios na América Latina (1.133 vítimas em 2017).
14
Disponível em https://www12.senado.leg.br/noticias/arquivos/2016/06/08/veja-a-integra-do-relatorio-da-cpi-
do-assassinato-de-jovens. Acesso em 07.05.2019, às 12h30.
15
Disponível em https://oglobo.globo.com/brasil/metade-das-mulheres-mortas-em-2016-foram-vitimas-de-
armas-de-fogo-23374188?utm_source=Twitter&utm_medium=Social&utm_campaign=O%20Globo. Acesso em
07.05.2019, às 12h34.
16
Disponível em http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/m.Belem.do.Para.htm. Acesso em 07.05.2019, às
15h09.
12
Segundo dados do Grupo Gay da Bahia, “a causa mortis dos assassinatos de LGBT+
registrados em 2017 reflete a mesma tendência dos anos anteriores, predominando o uso de
armas de fogo (30,8%), seguida por armas brancas perfuro-cortantes (25,2%)”17.
26/6/2017
MUNICÍPIO: EXTREMA
17
Disponível em https://homofobiamata.files.wordpress.com/2017/12/relatorio-2081.pdf. Acesso em
07.05.2019, às 12h35.
18
Disponível em https://www.cptnacional.org.br/component/jdownloads/send/41-conflitos-no-campo-brasil-
publicacao/14110-conflitos-no-campo-brasil-2017-web?Itemid=0. Acesso em 07.05.2019, às 12h36.
13
Com informações de: Rondônia ao vivo, 27/6/2017; Nota do Cimi,
28/6/2017 (grifou-se)
Também em nota, o Instituto Sou da Paz afirmou que "há muito a ser
feito para a diminuição da violência e criminalidade no Brasil".
Disse ainda que "insistir em medidas que facilitem a compra e
circulação em vias públicas de armas --e em medidas que
sobrecarregam as instituições públicas em prol do benefício de um
pequeno grupo-- só irá piorar o grave cenário da segurança
pública enfrentado pela população brasileira".
19
Disponível em https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2018/09/Relatorio-violencia-contra-povos-
indigenas_2017-Cimi.pdf. Acesso em 07.05.2019, às 15h06.
20
Disponível em
http://www.soudapaz.org/upload/pdf/2_controle_de_armas_no_brasil_em_compara_o_internacional_danielmack
.pdf. Acesso em 07.05.2019, às 12h37.
21
Disponível em https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/05/07/entidades-criticam-decreto-de-bolsonaro-que-
muda-regras-sobre-uso-de-armas-e-de-municoes.ghtml. Acesso em 08.05.2019, às 10h40.
14
"Na lei, hoje, você não tem a marcação de munição para civis como
regra. Então, esta deveria ser a proposta do presidente da República.
Marcação de armas e munições e munições em lotes muito menores
para que a gente possa de fato rastrear", disse. Só então, diz ela, seria
possível verificar se essas pessoas realmente possam ter armas.
Fica claro quem são os que mais sofrem com a maior flexibilidade das regras de posse
e porte de armas de fogo no Brasil, contrariando o direito fundamental à igualdade material.
Não há categorias distintas de cidadãos, sendo obrigação do Estado buscar a igualdade
material, levando o direito fundamental de segurança a todos os brasileiros, de forma
indistinta.
22
Disponível em https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/. Acesso em 07.05.2019, às 15h15.
15
do CPLP, com vista a apoiar a implementação de seus 17 ODS e 169 metas associadas. E o
ODS 16 tem por propósito a construção de “sociedades pacíficas”.
Dessa forma, forçoso concluir que tanto o Decreto, quanto a política de armamento da
população contraria a Agenda 2030.
Muito pelo contrário, 242 estudos23 e pesquisas acadêmicas concluíram que existe uma
associação positiva entre armas e homicídios nos últimos anos. A conclusão aponta para a
mesma direção: mais armas levam a mais homicídios com armas – e o homicídios com armas
são, na maioria dos países, quase a totalidade dos homicídios.
Uma política de enfrentamento ao crime e à violência não pode ser pautada pela lógica
de terceirizar o dever do Estado de prover a segurança para alguns poucos abastados que
podem pagar para ser armar até os dentes: os pobres continuarão desarmados e à mercê da
violência urbana, porque o Governo não possui para a maior parte da sociedade nenhum
projeto de segurança pública.
23
LEE, L. K. et al. Firearm Laws and Firearm Homicides: A Systematic Review. JAMA Internal Medicine, v.
177, n. 1, p. 106–119, 1 jan. 2017; TRACY, M.; BRAGA, A. A.; PAPACHRISTOS, A. V. The Transmission of
Gun and Other Weapon-Involved Violence Within Social Networks. Epidemiologic Reviews, v. 38, n. 1, p. 70–
86, 1 jan. 2016.; SANTAELLA-TENORIO, J. et al. What Do We Know About the Association Between Firearm
Legislation and Firearm-Related Injuries? Epidemiologic Reviews, v. 38, n. 1, p. 140–157, 1 jan. 2016;
WEBSTER, D. W.; WINTEMUTE, G. J. Effects of Policies Designed to Keep Firearms from High-Risk
Individuals. Annual Review of Public Health, v. 36, n. 1, p. 21–37, 2015.
16
A segurança pública é dever do Estado, que não pode terceirizá-la para a população.
Estabelece o art. 144 da Constituição:
CAPÍTULO III
DA SEGURANÇA PÚBLICA
I - polícia federal;
IV - polícias civis;
Pelo contrário, a lógica prevista na Constituição é pela paz, pela solução pacífica dos
conflitos. É um objetivo fundamental do País, insculpido no art. 3º, I, a construção de
uma sociedade livre, justa e solidária, regendo-se nas suas relações internacionais pelos
princípios da defesa da paz e da solução pacífica dos conflitos, conforme art. 4º, VI e VII.
Tais objetivos que orientam a sociedade brasileira não permitem a convivência com a
violência.
Pelo contrário, é inconciliável com a Constituição Federal, com sua busca pela
solidariedade humana, o discurso de armar cidadãos para se defender de outros cidadãos,
numa visão demagoga e eleitoral de bem contra o mal, de nós contra eles.
A autodefesa não é uma opção política constitucional, devendo ser descartada tanto
como visão geral, como política pública de melhoria da segurança pública.
24
PL nº 882, de 2019, apresentado em 19.02.2019. Disponível em
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2192353. Acesso em 07.05.2019,
às 13h05.
17
surpresa ou violenta emoção é preocupante, devendo tal conduta ser coibida por todos
os meios disponíveis.
25
Disponível em http://www.ssp.sp.gov.br/servicos/manual-seguranca.aspx. Acesso em 07.05.2019, às 13h09.
18
Como consequência lógica do princípio da separação dos poderes, “ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, conforme art. 5º, II,
da Constituição Federal.
Nos termos do art. 21, VI26, e 22, I27, compete à União dispor sobre posse, porte,
registro e comercialização de armas de fogo, conforme entendimento do STF 28 sobre a
matéria.
A Lei nº 10.826, de 2003, Estatuto do Desarmamento, foi editada para cumprir essa
determinação constitucional, trazendo inegavelmente maiores restrições quanto à matéria.
Para regulamentar a Lei, foi editado pelo Poder Executivo o Decreto nº 5.123, de
2004, que se limitou, de fato, a regulamentar a Lei.
26
Art. 21. Compete à União:
...
VI - autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico;
27
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
...
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
28
Por exemplo, ADI 4962, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em
12/04/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 24-04-2018 PUBLIC 25-04-2018.
19
É evidente a vontade de desrespeitar o estabelecido em Lei, a fim de impor a
vontade do Presidente da República, sem respaldo do Congresso Nacional, a toda a
sociedade.
Não é cabível a defesa de respaldo de suas decisões pela mera eleição do Presidente da
República. Sua escolha não é uma carta branca para fazer aquilo que quer. Ainda vivemos
numa Democracia Representativa, ainda vivemos num Estado Democrático de Direito.
O Decreto nº 9.785, de 2019, não foi divulgado à imprensa nem por ocasião da
cerimônia de assinatura. O texto aparentemente nem mesmo passou por revisão, tendo
em vista as diversas falhas de formatação do texto publicado. Não houve discussão com
a sociedade, consulta pública do Decreto ou qualquer outra medida afim.
O Presidente deveria, assim, propor projeto de lei para alterar a Lei. Entretanto, talvez
por perceber que as suas “ideias” não possuem respaldo da maioria do Congresso Nacional,
decide editar decretos que supostamente apenas regulamentam o Estatuto do Desarmamento,
mas, na prática, enterram o espirito da Lei.
O primeiro Decreto, entre outras medidas, acabou com a única previsão legal de
critério subjetivo para a concessão de posse de arma de fogo, estabelecendo presunção de
necessidade para residentes em Estados que possuam “índices anuais de mais de dez
homicídios por cem mil habitantes, no ano de 2016, conforme os dados do Atlas da Violência
2018, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e pelo Fórum Brasileiro de
Segurança Pública”, critério que esvazia, por completo, a necessidade de aferição da efetiva
necessidade eventualmente declarada pelo interessado, bem como a necessidade de decisão
devidamente fundamentada por parte do Sistema Nacional de Armas (Sinarm/PF) para que o
cidadão possa comprar uma arma.
29
ADI 6058.
20
para diversas categorias, diversas delas muito questionáveis; entre outras disposições
preocupantes.
...
c) da administração penitenciária;
21
d) do sistema socioeducativo, desde que lotado nas unidades de
internação de que trata o inciso VI docaputdo art. 112 da Lei nº 8.069,
de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente; e
São diversas categorias cuja presunção é questionável, algumas delas com projeto de
lei em trâmite no Congresso Nacional, como, por exemplo, porte de arma aos advogados30.
30
Por exemplo, PL nº 343, de 2019. Disponível em
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2190899. Acesso em 08.05.2019,
às 9h55.
22
É um evidente contrassenso. O Governo pretende que o Estatuto do Desarmamento
seja aplicado para armar a população, por via claramente inconstitucional, que é o Decreto
Executivo.
...
...
23
§1º O atirador desportivo que estiver iniciando a prática da atividade,
e que ainda não possui as participações mínimas previstas neste artigo,
será caracterizado como nível I para efeito de aquisição de armas e
munições.
...
Ou seja, colecionador e caçador são aqueles cadastrados no Exército como tal, atirador
é aquele que vai “brincar” de atirar 8 (oito) vezes em 1 (um) ano em um estande de tiro
qualquer.
Ou seja, para tais categorias, dá-se um porte de arma disfarçado, afinal, como
fiscalizar o seu destino? Basicamente, estarão sempre a caminho de um estande de tiro!
Assim, terá o direito de portar esta arma de fogo municiada, “pronta para agir” em seu
suposto “direito de autodefesa”.
24
Ademais, estas categorias poderão comprar munições sem limite algum, conforme art.
19, II, do Decreto nº 9.785, de 2019!
Os atiradores ainda poderão comprar armamento sem limite algum, conforme art. 9º
do Decreto nº 9.785, de 2019, c/c art. 6º do Estatuto do Desarmamento. Lembrando que o
limite passa a ser de 4 (quatro) armas por pessoa, o que já não é razoável!
25
IV - os integrantes das guardas municipais dos Municípios com mais
de 50.000 (cinqüenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil)
habitantes, quando em serviço;
...
...
...
26
Este restringe o porte de armas a algumas poucas categorias profissionais ligadas
majoritariamente à segurança pública e privada, de modo a dificultar a aquisição (posse) e
transporte (porte) de armamento de fogo.
Com o passar dos anos, foram aprovadas algumas leis que estenderam o benefício a
outras categorias além das inicialmente previstas, sempre mediante projetos de lei.
Assim, na prática, o Governo pretende, por decreto, criar uma burla explícita às
limitações do Estatuto do Desarmamento, transformando-o num verdadeiro “Estatuto do
Armamento”, ao tornar a exceção uma regra.
Burla, desta forma, o Congresso Nacional, que é o foro competente para processar
alterações desta envergadura, violando o princípio da separação dos poderes e o princípio da
legalidade estrita.
A tudo isso se soma o fato de que a adoção de uma opção de política em matéria de
direitos fundamentais não pode se dar no plano da arbitrariedade. A atividade legislativa e a
implantação de política pública reclamam um mínimo de razoabilidade e proporcionalidade,
ou seja, a observância do devido processo legal substantivo.
No caso, o Poder Executivo não promoveu discussão transparente e plural sobre sua
convicção de que armar os cidadãos possa gerar efeitos benéficos à segurança pública e
tampouco apresentou qualquer fundamento para essa opção.
27
Federal, por ocasião do julgamento da ADI nº1158-8/AM, (19/12/94, Pleno, unânime),
afirmou que uma norma legal destituída de causa “ofende o critério da razoabilidade que atua,
enquanto projeção concretizadora da cláusula do ‘substantive due process of law’, como
insuperável limitação ao poder normativo do Estado”.
28
Reforça-se mais uma vez, o Decreto questionado não foi divulgado à imprensa
por ocasião da cerimônia de sua assinatura, não foi objeto de consulta pública ou similar
e afronta, claramente, o espírito de Lei em vigor que foi devidamente aprovada pelo
Congresso Nacional.
V. DA MEDIDA CAUTELAR
Por um lado, o fumus boni juris está amplamente configurado, diante de todas as
razões acima expostas, as quais evidenciam que o Decreto nº 9.785, de 2019, violou diversos
preceitos fundamentais da Constituição.
29
Diante do exposto, espera a Arguente que este Supremo Tribunal Federal, após a
oitiva da autoridade responsável pela edição do ato ora impugnado, bem como do Advogado-
Geral da União e da Procuradora-Geral da República:
OAB/DF nº 53.809
OAB/DF nº 50.898
30
DOC. 1 - Cópia do ato impugnado (Decreto nº 9.785, de 2019);
31