A Sedução Da Luz
A Sedução Da Luz
A Sedução Da Luz
**
AMARA SILVA DE SOUZA ROCHA
RESUMO
Introdução
*
. Este artigo apresenta algumas conclusões de minha dissertação de mestrado intitulada
“A Sedução da Luz: O Imaginário em Torno da Eletrificação do Rio de Janeiro
(1892/1914)”, realizada no PPGHIS/UFRJ, sob a orientação do Prof. Dr. Manoel Luiz L.
Salgado Guimarães.
**
. Historiadora da UFRJ e Mestre em História Social pelo PPGHIS do IFCS/UFRJ.
52
1
. CASTORIADIS, Cornelius. A Instituição Imaginária da Sociedade. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1982. p.175-6.
2
. GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
1989.
3
. CASTORIADIS, Cornelius. Op. cit. 187-8.
54
4
. Sobre a noção de progresso ver: NISBET, Robert. História da Idéia de Progresso.
Brasília: Ed. da UNB, 1985.
5
. ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Uma História dos Costumes. Rio de Janeiro:
Zahar, 1990. p.23-5.
55
6
. Na França, palco privilegiado onde ocorreram importantes exposições universais,
atualmente desenvolvem-se relevantes estudos sobre estas exposições, as novas
tecnologias apresentadas e sua penetração no imaginário coletivo. Ver a respeito:
REBERIOUX, Madeleine. Approches de l’Histoire des Expositions Universelles à Paris
du Second Empire à 1900. IN: Bulletin du Centre Pierre Leon. Paris: 1979, n.1, p. 1-20.
Idem. “Au Tornant des Expos: 1889”. IN: Le Mouvement Social. Paris: Les Éditions
Ouvrières, n.149, oct./déc. 1989; e outros textos que serão citados no decorrer deste
artigo.
7
. ORY, Pascal. 1889 La Memoire des Siècles. L’Expo Universelle. Paris: Editions
Complexe, 1989. p.24-7.
8
. Idem. Ibidem. p. 25:[ passava-se do milagre à magia].
57
9
. PARVILLE, H. de. [1890] Apud: CARDOT, Fabienne. Op. cit. p.52 : [Este pavilhão
era visto de longe, teve-se a idéia de colocar no topo da chaminé de 18 m, uma grande
lâmpada elétrica. O público parava em frente a este espetáculo ainda por uma outra razão
um pequeno canteiro cheio de relvas que precedia o pavilhão e que era circundado por um
grande fio metálico fixado sobre as estátuas e formando um círculo. Uma derivação fazia
passar freqüentemente, dentro do fio uma pequena corrente de 100 volts
aproximadamente. Quando os visitantes colocavam a mão sobre o fio eles sentiam uma
ligeira sacudidela provocada por um choque. Vinham então risos, gargalhadas, que
tornavam este pequeno lado da exposição um lado popular].
58
10
. ORY, Pascal. Op. cit. p. 27: [(...) como no teatro, variando as combinações cromáticas
em meio a grandes alavancas. Era surpreendente ver se elevar na noite de verão, ao pé da
Torre de 300 metros, jatos de água coloridos de 20 metros de altura que se duplicavam
assim em um espetáculo talvez mais fascinante ainda, de um demiurgo moderno, maciço e
barbudo administrando a água e o fogo atrás de sua vidraça, anunciador, aos olhos das
crianças do capitão Nemo, desses novos tempos onde o homem moderno faria, com
efeito, a chuva e o bom tempo].
59
11
. CARDOT, Fabienne. Op. cit. p. 54-5.
12
. Idem. Ibidem. p. 57: [Ela orna a festa e engrandece a República. Ela agrada e encanta o
visitante da exposição. Ela manifesta os progressos científicos e técnicos regulares. Ela
exige e anima as máquinas cada vez mais colossais. Ela é objeto pedagógico e glória
industrial. Ela é francesa tanto quanto estrangeira. Ela deixa a esperança de uma energia
para todos e de uma vida mais fácil. Divertimento, instrução, nacionalismo, admiração,
grandeza técnica, progresso social, ela foi sacrificada a todos os ídolos da exposição (...)].
60
13
. SAID, Edward. Cultura e Imperialismo. São Paulo: Cia. das Letras, 1995. p. 45.
14
. Idem. Ibidem.
61
15
. Idem. Ibidem. p.153.
16
. Ver a respeito SZMRECSÁNYI, Tamás. A Era dos Trustes e Cartéis. IN: Revista
História e Energia. ano 1989, n. 5, Eletropaulo.
62
17
. BRODER, Albert. Os Bancos e o Desenvolvimento da Indústria de Energia Elétrica
Européia. IN: Anais do I Seminário Nacional de História e Energia, São Paulo:
Eletropaulo, 1986, v.2. p.110.
63
Cows, driven from door to door, brought daily milk to wealthy homes.
Mules, donkeys an horses likewise carried merchandise and food suplies
to individual doorways, while troops of animals on the way to market or
carrying merchandise continued to be a common sight in many Latin
American cities until the end of the nineteenth century. And all those
who could travell the streets on horseback rather than on foot18.
18
. SCOBIE, James R. The Growth of Latin American Cities, 1870-1930. IN: BETHELL,
Leslie. The Cambridge History of Latin America. Cambridge University Press, 1986, v.4.
p..236.
64
19
. Com relação às reformas de Paris ver: BECHIMOL, Jaime Larry. Pereira Passos: Um
Haussmann Tropical. Rio de Janeiro: Sec. Mun. de Cultura, Turismo e Esportes, 1992
(Biblioteca Carioca v. 11); quanto à reforma de Viena ver: SCHORSKE, Carl E. Viena
Fin de siècle: Política e Cultura. São Paulo: Cia. das Letras, 1988. Sobre o impacto
cultural desses modelos no contexto latino-americano ver: RAMA, Angel. A Cidade das
Letras. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 96.
20
. Ver a respeito: VARGAS SALGUERO, Ramón e LÓPEZ RANGEL, Rafael. La Crisis
Actual de la Arquitectura Latinoamericana. IN: SEGRE, Roberto. América Latina en su
Arquitectura. Unesco: Siglo Ventiuno, 1975. p. 186-203.
65
21
. Com relação à definição da composição da elite na belle époque carioca, percebe-se
que numericamente ela é insignificante. A partir da análise dos dados do censo de 1906,
pode-se considerar que abrangia apenas 0,58% do total da população urbana e era
constituída, genericamente, por banqueiros, financistas, corretores, administradores,
juízes, procuradores, grandes proprietários e alguns médicos, engenheiros e advogados de
prestígio. Desta camada da população fazem parte, também, os indivíduos que ocupavam
cargos nos poderes Executivo e Legislativo, como senadores, deputados federais e
estaduais, presidentes, vice-presidentes e secretários de estado e membros das comissões
executivas dos principais partidos. Apesar de sua pequena grandeza numérica, a elite
representava um papel fundamental naquela sociedade. Os setores médios compostos, em
sua maioria, por profissionais liberais, funcionários públicos e pequenos comerciantes
tinham como referência cultural o mundo da elite. A própria literatura do período está
intimamente entrelaçada aos anseios e às perspectivas de vida desse grupo social. Ver a
respeito: NEEDELL, Jeffrey D. Belle Époque Tropical: Sociedade e Cultura de Elite no
Rio de Janeiro na Virada do Século. São Paulo: Companhia das Letras, 1994; e, mais
especificamente, sobre elite política ver: FERREIRA, Marieta de Moraes. Em Busca da
Idade de Ouro: as elites políticas fluminenses na Primeira República (1889-1930). Rio de
Janeiro: Ed. UFRJ/Edições Tempo Brasileiro, 1994.
66
2
triplicasse em três décadas, passando de 247 habitantes por km em 1872,
2
para 722 habitantes por km em 190622.
A concentração maior da população ocorria nas áreas centrais da
cidade, nas proximidades do porto e do grande comércio. Uma economia
voltada para o abastecimento de víveres se estabelecia em espaços
contíguos àqueles onde eram realizados os grandes negócios. Vendedores
ambulantes ofereciam de porta em porta artigos como leite, carnes e
hortaliças, provenientes de pequenas chácaras situadas em áreas
próximas. Havia, ainda, um grande número de pessoas ocupadas em
atividades ligadas a serviços domésticos que viviam nestas áreas,
morando em casas de cômodos e cortiços. Multiplicaram-se o número de
trabalhadores exercendo ocupações mal remuneradas e não fixas que
realizavam suas atividades nestes espaços.
As inadequadas condições de moradia e saneamento que vinham
se arrastando deste o Império acirraram-se ainda mais com o aumento
populacional. A cidade era assolada por constantes epidemias. Doenças
como febre tifóide, impaludismo, varíola, sarampo, escarlatina, difteria,
gripe, desinteria e febre amarela eram as maiores causadoras do alto
índice de mortalidade da população, cujos coeficientes globais entre 1905
e 1907 girou em torno de 20% ao ano23. Além das dificuldades sociais e
econômicas que geravam no âmbito da cidade, estas epidemias
prejudicaram as relações internacionais repercutindo negativamente na
economia do país. O porto da capital era temido por sua insalubridade,
provocando restrições à entrada de imigrantes e capitais estrangeiros.
A nova medicina social, organizada como poder político, reivin-
dicava a prática da polícia médica, estabelecendo através de formulações
técnicas o redimensionamento no uso do espaço urbano e nas relações
pessoais. Esta corrente da medicina atribuía as causas das doenças ao
meio ambiente, baseando-se na teoria dos miasmas, gases veiculadores
das doenças e da morte. Em sua avaliação a cidade possuía todas as
condições favoráveis à proliferação dos miasmas. Desde a geografia, com
a existência de morros que impediam a circulação de ventos e a
renovação dos ares, até nas relações privadas com as precárias condições
de moradia. A medicina social produziu todo um discurso científico que
22
. LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. História do Rio de Janeiro: Do Capital Comercial ao
Capital Industrial e Financeiro. Rio de Janeiro: IBMEC, 1978. v. 2. p. 469-70.
23
. Idem. Ibidem.
67
24
. DEBATES PARLAMENTARES. Sobre energia elétrica na Primeira República: o
processo legislativo. Rio de Janeiro: CMEB, 1990, p.159.
69
25
. A respeito da relação do grupo Light com Assis Chateubriand, ver: MORAIS,
Fernando. Chatô: o rei do Brasil. A vida de Assis Chateubriand. São Paulo: Companhia
das Letras, 1994. Em especial as páginas 82, 122, 131, 146, e 154.
26
. Sobre a criação do Departamento de Publicidade da Light ver: ROCHA, Amara Silva
de Souza. A consolidação da Light (1925/1934). IN: LEVY, Maria Bárbara e LOBO,
Eulália Maria Lahmeyer (Coord). Estudos sobre a Rio Light. Rio de Janeiro: Centro de
Patrimônio Histórico da Light, 1990 (mimeo).
27
. Através da análise de crônicas, artigos, charges e seções de cartas publicadas pela
imprensa, além de relatórios técnicos do governo e de empresas do setor elétrico e de
transportes, foram analisados os registros acerca das impressões decorrentes dos primeiros
contatos com a eletricidade, priorizando as seguintes publicações: Revista Kósmos,
Revista Ilustrada, Revista Fon-Fon, Jornal do Commércio, O País, e Correio da Manhã.
É constante nos textos que foram analisados referências a belle èpoque como uma era
iluminada, através da qual a recém fundada República superaria o estigma de atraso
associado ao período colonial. Toda uma carga simbólica foi atribuída à eletricidade que,
ao mesmo tempo que representava o avanço tecnológico e a perspectiva de futuro,
efetivamente tornava a cidade mais iluminada.
70
28
. Respectivamente: Revista Fon-Fon, 24/07/1909, [p. 6] e 7/08/1909, [p. 8].
29
. Idem. Ibidem. 1/05/1909.
71
30
. Durante o período pesquisado - 1901/1914 - é grande a incidência de reclamações com
relação a acidentes ocorridos com fios deixados pendurados nos postes por funcionários
da Light, em buracos abertos pela empresa e, principalmente, atropelamentos causados
por bondes elétricos. A tônica destes textos é sempre o questionamento à lisura do pessoal
72
31
. Correio da Manhã, 11/10/1906, p. 6.
74
32
. Revista Fon-Fon, Maio de 1907 [p. 17].
75
33
. Ver a respeito de movimentos populares: RUDÉ, George. A multidão na História:
estudo dos movimentos populares na França e na Inglaterra 1730-1848. Rio de Janeiro:
Campus, 1991.
34
. Um quadro completo do levantamento realizado consta do capítulo 3 de minha
dissertação.
76
que indica que mais do que uma “arruaça de desocupados”, como definiu
os jornais, esta reação foi uma das muitas formas que a população de
menor renda encontrou para reivindicar o que considerava direito
usurpado. Neste sentido, a reação contra os bondes em 1909 não pode,
em hipótese alguma, ser analisada como um fenômeno isolado. A sua
relação com outros acontecimentos similares se dá em dois níveis. No
primeiro está a identidade com as várias outras revoltas que ocorrem
nestes primeiros anos da República, entre as quais a Revolta da Vacina
que, ocorrida cinco anos antes, traz a marca da insatisfação popular e da
forma severa como a República Velha trata as questões sociais. No
segundo está a sua correspondência com várias outras revoltas populares
que tem como origem a insatisfação com os meios de transporte, seja com
o preço da tarifa, como ocorre nos quebra-quebras de janeiro de 1880 e
de junho de 1901, seja motivado pelo mau funcionamento do serviço,
como o que acontece em 190935.
O serviço de eletricidade da capital permitiu a concessionária
Light definir política de urbanização, assumindo prerrogativas que a
princípio deveriam ser do Estado, numa tradicional mistura brasileira
entre o público e o privado. Portanto, a população ao dirigir-se contra a
Light também tinha como alvo o Estado exigindo, mesmo que por
caminhos tortuosos, participação nas novas definições do espaço urbano
que, ao seu ver, subitamente afloravam e das quais permanecia
constantemente excluída.
A letra da música apresentada a seguir expressa de maneira
significativa este contexto:
Oração à Light 36
Salve, empolgante e poderosa Light,
Que tem nas unhas toda a força e luz!...
Salve, querido tio Sam all right,
Que faz do dólar um juiz do truz!
35
. Para uma análise dos conflitos gerados em torno dos meios de transportes coletivos
ver: SILVA, Maria Lais Pereira da. Os transportes coletivos na cidade do Rio de Janeiro:
tensões e conflitos. Rio de Janeiro: Secr. Mun. de Cultura, Turismo e Esportes, 1982.
(Biblioteca Carioca v. 20). (Especialmente o cap. 4 Briga de rua, briga de vida.)
36
. Recitativo para violão e cavaquinho publicado no Jornal do Commércio de 25/07/1907,
na seção de publicações a pedido.
77
Considerações Finais
ABSTRACT
One of the recurent symbols wich represents the city of Rio de Janeiro
at the turn of the 20th century was electrification. These representations were
rich in meaning and they also had a social and historical sense besides being
linked to a collective imaginary, wich has one of the most important embodiment
in the modernisation process.
Só, the aim of this study is to analyse this process, based on an approach
from the imaginary. Our intention is to examine the way wich the modernity
seduction - or the light seduction - implies in a set of values which are able to
organize life in society.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Periódicos:
Kósmos [1904-9]
O País [1892-14]
Livros e artigos:
ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Uma História dos Costumes. Rio de Janeiro:
Zahar, 1990.
MORAIS, Fernando. Chatô: o rei do Brasil, a Vida de Assis Chateubriand. São Paulo:
Companhia das Letras, 1994.
ORY, Pascal. 1889 La Memoire des Siecles. L’Expo Universelle. Paris: Editions
Complexe, 1989.
______. Au Tornant des Expos: 1889. IN: Le Mouvement Social. Paris: Les Éditions
Ouvrières, n.149, oct./déc. 1989.
ROCHA, Amara Silva de Souza. A consolidação da Light (1925/1934). IN: LEVY, Maria
Bárbara e LOBO, Eulália Maria Lahmeyer (Coord). Estudos sobre a Rio Light. Centro
de Patrimônio Histórico da Light, 1990. (mimeo)
SAID, Edward. Cultura e Imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
SCHORSKE, Carl E. Viena Fin de siècle: Política e Cultura. São Paulo: Cia das Letras,
1988.
SCOBIE, James R. The Growth of Latin American Cities, 1870-1930. IN: BETHELL,
Leslie. The Cambridge History of Latin America. Cambridge University Press, 1986,
v.4.
SILVA, Maria Lais Pereira da. Os transportes coletivos na cidade do Rio de Janeiro:
tensões e conflitos. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e
Esportes, 1982. (Biblioteca Carioca v. 20)
SZMRECSÁNYI, Tamás. A Era dos Trustes e Cartéis. IN: Revista História e Energia,
ano 1989, no.5, Eletropaulo.