2 Sobre A Juventude: Juventudes Diferentes Enfoques Sobre Uma Mesma Temática
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2 Sobre A Juventude: Juventudes Diferentes Enfoques Sobre Uma Mesma Temática
Sobre a juventude
Este capítulo pretende abordar algumas das várias representações que se tem de
juventude.
Ao pensar no jovem como cidadão, sujeito de direitos, capaz de ter um olhar próprio
e participativo, que protagoniza escolhas que determinarão seu futuro, é natural que nos
venha à seguinte reflexão: De que jovens estamos falando?
Na literatura encontramos várias definições do que é ser jovem. Não há, no entanto,
um consenso do que se entende por juventude ou mesmo do tempo em que ela acontece.
Existem paradoxos e lacunas nas definições de juventude que encontramos na
literatura. Entre os paradoxos podemos citar a idade em que o jovem é considerado um
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(fase oral, anal e fálica), mas consegue ir além. Divide o ciclo de vida humano em oito
fases que chamou de “estágios psicosociais” e que vão desde a infância até a velhice. O
estágio denominado pelo autor de “Identidade Versus Difusão da Identidade” marca o
início da adolescência (ERIKSON, 1971).
A adolescência para Erikson é marcada pelo impulso necessário ao abandono da
segurança da infância em busca da segurança no mundo adulto. Durante este período o
jovem busca estabelecer relações que o projetem socialmente. A sociedade, por sua vez,
concede ao adolescente um tempo para descobrir-se e afirmar-se no mundo adulto, o que
Erikson denomina “moratória social”.
Para efeitos deste estudo poderíamos dizer que os estágios apresentados por Erikson
como “Intimidade Versus Isolamento” e “Reprodução Versus Estagnação” definiriam o
período pós-adolescência, o que compreenderia o que convencionou-se chamar de
juventude. Nestes dois estágios, segundo o autor, o ser humano afirma, ou não, o seu lugar
de adulto em nossa sociedade. Neste período da vida é esperado que o jovem saia da
moratória social que lhe foi concedida reafirme sua identidade e assuma responsabilidades
por si mesmo e pela próxima geração.
Além de Erikson, uma das contribuições para as teorias do desenvolvimento, muito
utilizada por áreas do conhecimento como a psicologia e a educação, é o modelo
piagentiano. Jean Piaget, um biólogo de formação, dedicou-se a estudos e pesquisas na área
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do desenvolvimento através da observação de seus filhos que nasceram entre 1925 e 1931.
A partir dessas observações publicou duas obras: “O nascimento da inteligência na criança”
(1936) e “A construção do real na criança” (1937).
De forma resumida, a teoria de Piaget é baseada em assimilações do ambiente pela
criança, como uma construção cognitiva, que culmina com a adolescência. A adolescência
seria um último estágio quando o jovem estaria apto a executar tarefas que exigem
raciocínio mais elaborado. Este estágio foi denominado por Piaget de “Período das
operações formais”, e compreende a idade de 12 anos em diante.
O período das operações formais marca o fim das “operações concretas” período
anterior que tem seu início com a entrada na escola quando a criança ainda baseia seus
esquemas mentais apenas no concreto ou na realidade. Nesse sentido, a adolescência seria
um salto qualitativo onde esta limitação deixa de existir e “o sujeito será, então, capaz de
formar esquemas conceituais abstratos conceituar termos como amor, fantasia justiça,
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O que a literatura nos mostra é que, em termos psicossociais, espera-se que a pessoa
venha a ser um adulto autônomo, responsável, capaz de ter consciência por seus atos, capaz
de realizar-se pessoal e profissionalmente. Mas, não se pode generalizar a raça humana nem
tampouco negar a realidade e as influências sociais que determinam estes processos em
cada cultura. Afinal, é preciso considerar que as teorias são subjetivas e, portanto, não
alcançam a diversidade e a multiplicidade de culturas e de relações que acompanham o
processo de socialização humano.
Uma das críticas aos estudos como os de Erikson e Piaget, refere-se ao fato da
juventude apresentar-se como um processo inacabado ou um “vir a ser” (SALEM; 1986).
Nesta visão, o jovem necessita de um tempo de aprendizado necessário à condição adulta e,
portanto, não é considerado suficientemente maduro para assumir as responsabilidades no
presente.
Entendemos que ao se compreender o jovem como alguém que “ainda não é”
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estamos negando a sua condição histórica. Todo o jovem tem uma história de vida que
começou a ser construída na infância e que resulta em sua personalidade singular.
Neste sentido, concordamos com a “Teoria do Aprendizado Social de Rotter”
(1980), que define a personalidade não como algo estático ou imutável e sim como sendo
parte do aprendizado de cada indivíduo. Segundo o autor, este processo é modificado por
experiências novas apresentadas cotidianamente pelas contingências da realidade.
“A personalidade não é vista como um conjunto de características internas que o
indivíduo carrega consigo de situação em situação, mas sim, como um conjunto de
potenciais16 para responder a tipos particulares de situações sociais” (ROTTER, 1980, p.
71).
Rotter, ao analisar a personalidade de um indivíduo como um conjunto de
aprendizagens ou comportamentos adquiridos através de experiências vividas destaca a
importância da história de vida de cada pessoa. Para este autor, “As novas experiências do
indivíduo são influenciadas pelo que ele aprendeu no passado e o que aprendeu no passado
é modificado pelas novas experiências”17.
16
Grifo nosso.
17
Idem.
27
Nesta visão psicossocial, o indivíduo é visto como um ser com potencial para o
aprendizado. Neste sentido, não é possível definir a juventude de forma generalizada, pois
de acordo com as aprendizagens sociais de cada um teremos jovens e jovens, ou seja
juventudes. Sua condição e situação também não é estática, pois existe um potencial para a
mudança. Sendo assim, inferimos que a situação do jovem pode ser alterada de acordo com
comportamento e aprendizagens vividas por ele. As mudanças desejadas serão realizadas
conforme a disponibilidade de cada um e serão influenciadas pelas contingências reais visto
que o jovem é um ser social.
Neste sentido, Sheehy (1980) diz que apesar da convicção do jovem de que
nenhuma decisão tomada pode ser mudada, nada é irrevogável e as mudanças, às vezes, são
inevitáveis, ou seja, é possível mudar os planos futuros e isso nem sempre é negativo.
Novas experiências e oportunidades podem se apresentar como subsídios para a realização
dos sonhos e expectativas que permeiam a passagem para a idade adulta.
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trabalho passa a ser um sonho cada vez mais distante para muitos jovens. Esta transição
pode ocorrer com jovens de todas as classes sociais, mas se torna muito comum entre os
jovens em condição de vulnerabilidade.
Aos jovens cuja família oferece um suporte emocional e financeiro para que se
cumpram as etapas de transição à vida adulta, cabe a disputa por uma melhor colocação no
mercado de trabalho que seja mais condizente com sua escolaridade e condição de vida.
Ainda assim, muitos fatores como mudanças no comportamento social podem influir na
acelareção ou retração deste processo.
Conforme a psicóloga Gabriela Calazans, “no Brasil das últimas décadas, podemos
observar mudanças importantes em relação a cultura sexual e de gênero, bem como na
escala de valores em relação à sexualidade” (CALAZANS, 2005, p. 216).
Das mudanças ocorridas no comportamento da sociedade em relação à sexualidade
talvez o que chame mais a atenção seja a forma com que as famílias lidam com a
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sexualidade dos filhos. Se aos jovens de gerações passadas a sexualidade plena era aceita
com a consumação do casamento, na sociedade atual incorporou-se com naturalidade as
relações sexuais entre jovens como comportamento aceitável e até esperado. Atualmente,
influenciadas por fenômenos como a violência ou até mesmo como sinônimo de
modernidade, é comum as famílias aceitarem e até incentivarem que seus filhos/filhas
tragam seus/suas namorados/namoradas para dormir em casa. Desse modo, essa intimidade
antes conquistada com o casamento ou com a saída da casa dos pais, não é vista hoje, pela
maioria dos jovens, como mais uma aspiração a se alcançar com a condição de adulto.
Além do exercício pleno da sexualidade como uma prerrogativa da adultez não ser
mais um empecilho para que os jovens que residem com as famílias, outros arranjos foram
feitos para que se prolongasse o processo de transição. Aos jovens de famílias mais
abastadas que não vislumbram as mesmas oportunidades que seus bem sucedidos pais, cabe
uma ajuda de custo financeiro caso deseje sua independência. Esta ajuda pode se traduzir
na compra de um imóvel ou até mesmo uma mesada para completar as despesas sem que o
jovem precise perder o padrão de vida oferecido no seio familiar.
Estes novos arranjos passam pela ampliação do tempo dedicado aos estudos e
formação da carreira, pela escassez de oportunidades no mercado de trabalho e até mesmo
pela não aceitação da realidade atual pelas famílias que vivenciaram um momento de
29
desenvolvimento econômico e acumulação de riquezas no país que não condiz com os dias
atuais. Para alguns pais fica difícil conceber a idéia de que seus filhos não são os únicos
responsáveis por não conseguirem uma boa colocação no mercado de trabalho e
melhorarem de vida. Muitos até vêem os filhos como fracassados ou incapazes. Essa visão
é compartilhada por alguns setores da sociedade.
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Neologismo surgido na imprensa britânica em 1997, que mistura as palavras adult (adulto) e adolescent
(adolescente). De acordo com IWANCOW (2005), podem ter 30, 40 ou até 45 anos, ou idade não declarada,
se assim preferirem. “A cultura do consumo e o adultescente”. Trabalho apresentado em Congresso pela
publicitária Ana Elisabeth Iwancow. Doutora em Ciência da Comunicação pela UNISINOS, Brasil.
30
Desta forma, a ficção acaba por servir como disfarce que ameniza e ilude a real situação da
pobreza.
De outro lado, temos a mídia como transmissora da realidade, visão que contrapõe
com os roteiros novelescos. A mídia que transmite as notícias e acontecimentos da
realidade também apresenta sua visão de pobreza. Neste segmento da mídia, a pobreza
pode ser vista como responsável pela criminalidade e pela sujeira das grandes cidades, e
também, como consumidora de idéias e produtos.
Jornais, noticiários de televisão, revistas de fofocas sobre celebridades e de fofocas
políticas, revistas de auto-ajuda para vários assuntos como moda, sexualidade,
comportamento, beleza, estética, trazem, na maioria das vezes sem critério algum, análises
de pesquisas duvidosas que acabam por servir como formadores de opinião e ainda como
respostas a angústias e anseios de muitos, mas muito pior, acabam por levar a uma
alienação de valores de consumo.
Nos meios de comunicação, a pobreza é muitas vezes retratada como o cerne da
violência, da sujeira e do que é indesejável à sociedade. Se entre as famílias pobres uma
jovem fica grávida é porque é desinformada, ignorante. Se um jovem pobre entra no tráfico
de drogas é delinqüente, bandido e marginal. Se ele não é pobre a mídia não se refere a ele
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como bandido e até tenta achar razões de ordem psicológica que justifiquem seu
comportamento.
Numa perspectiva consumista, há ainda outra idéia de juventude que faz parte do
imaginário social. Nesta concepção, a juventude está ligada à saúde do corpo, à beleza e à
imagem. A moda também se apresenta como fator de inclusão em grupos e os modelos
tendem a serem seguidos mesmo em diferentes classes socias.
A valorização dos corpos e os novos padrões estéticos não podem ser dissociados,
por um lado, de emergência de uma “cultura de consumo” autônoma em relação à
produção e, por outro, da subordinação do gosto à “moda”, em sua dinâmica
efêmera (ALMEIDA; TRACY, 2003).
Além do vestuário, outros recursos de consumo podem ditar a moda, como por
exemplo, a transformação do corpo através de cirurgias e tratamentos estéticos.
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Podemos dizer que o corpo humano atinge seu ápice de desenvolvimento biológico
entre os 20 e 30 anos. A partir daí começa o declínio que é marcado pela diminuição na
produção de hormônios e outras substâncias necessárias à renovação celular presente nos
organismos vivos em processo de desenvolvimento. No entanto, existem outros fatores e
recursos que podem prolongar a juventude do homem.
Devido ao avanço tecnológico e pesquisas na área, a medicina estética evoluiu
muito. Os avanços são tão grandes que qualquer pessoa que não estiver satisfeita com sua
aparência pode mudá-la completamente. Para a população interessada e que pode pagar por
estes recursos, a medicina estética veio contribuir também para um prolongamento da
juventude. Neste sentido, qualquer adulto, mesmo aos 40 anos, que esteja em boa forma e
com boa aparência pode ser considerado e ser até chamado de jovem.
Com tratamentos avançados, a medicina vem contribuindo até mesmo para o
aumento do período de procriação humana. Atualmente, é possível dar a luz ao primeiro
filho aos 40 anos ou mais, e se não for gerar e conceber naturalmente, existem outros
métodos que visam garantir a vinda de filhos, tanto para os homens quanto para as
mulheres, mesmo em idade avançada. Desta forma, a concepção de natalidade não é mais
prerrogativa de um corpo jovem.
32
2.2
Juventude enquanto condição histórica
19
Nádia Araujo Guimarães. Trabalho: Uma categoria chave no imaginário juvenil?, (2005, p. 153-154). In:
ABRAMO Helena Wendel; BRANCO, Pedro Paulo Martoni (Orgs.). “Retratos da juventude brasileira:
Análise de uma Pesquisa Nacional”. São Paulo, Instituto Cidadania e Fundação Perseu Abramo, pp. 149-174.
33
Dessa forma, a juventude surge no espaço público como um grupo que, se por um
lado é visto como anárquico, por outro é visto como libertador da ordem estabelecida e das
amarras do conservadorismo.
Mas, se de um lado, através desses movimentos, os jovens ganhavam relevância na
esfera pública, de outro não eram organizados em termos de participação política na
elaboração dessas mudanças. As reivindicações eram pensadas sob a égide de um desejo
libertador sem planejamento ou organização, talvez até sem responsabilidades ou
compromisso com as mudanças. Os movimentos estavam ligados a transformações
culturais e não necessariamente políticas. Segundo análise do psicólogo B. F. Skinner
(1995, p. 160),
20
Em entrevista concedida ao escritor alemão Adelbert Reif (1970) sobre a questão do movimento estudantil
revolucionário nos países ocidentais. Reflexões sobre Política e Revolução: um comentário.
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Cubana, dez anos depois, a Argelina, em 1962, a Vietnamita, que durou de 1965 a 1975, a
dos Cravos, em 1974, e a Sandinista, na Nicarágua, em 1979, [...]” favoreciam a ideologia
de tomada do poder através da força. Esse cenário muda a partir de 1970, inclusive no
Brasil e aos poucos “[...] a tomada do poder como via rápida para um mundo melhor foi
perdendo adeptos”. Os jovens de hoje são, então, os filhos dos jovens que viveram este
cenário de conflitos e revoluções e que se depararam com a desilusão de não ter seus ideais
políticos atendidos por meio da força (SINGER, 2005, p. 30-31).
No Brasil dos anos 60, os movimentos juvenis que questionavam o regime militar e
o movimento hippie que pregava a liberdade sem regras seguiam essas tendências
mundiais. Essa visão do jovem ligado aos processos culturais da sociedade caracteriza uma
visão romântica de juventude. A idéia do jovem como propulsor da cultura e protagonista
de movimentos sociais, que questionava valores e crenças, faz com que olhemos para a
juventude dos anos 60 e 70 com certa nostalgia. Esta nostalgia leva a comparação com a
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juventude atual que sobre este olhar é vista como individualista, apática, e sem
comprometimento com a coletividade (ABRAMO, 1997; COSTA 2002).
Mas, a juventude brasileira dos anos 60 e 70, envolvida em movimentos políticos e
sociais, não representava todo o contingente jovem brasileiro. Os jovens engajados nos
movimentos eram, em sua maioria, estudantes universitários, filhos da classe média e da
elite, e não da classe operária. Esse é apenas mais um ponto que nos leva a concluir a
impossibilidade de definir juventude como uma categoria singular. De acordo com análise
de Abreu (1977, p.184):
condições sociais, gênero e etnia (NOVAES, 1998; CARRANO, 2000; CASTRO &
ABRAMOVAY, 2002; ABRAMO, 2005).
“Definir juventude implica muito mais do que cortes cronológicos, vivências e
oportunidades em uma série de relações sociais, como trabalho, educação, comunicações,
participação, consumo, gênero, raça etc.” (CASTRO e ABRAMOVAY, 2003, p. 17).
A reflexão acima expressa a complexidade e diferenças que permeiam a
contextualização da juventude como categoria. No Brasil, tais diferenças podem não ser tão
díspares entre jovens das classes sociais média e alta, mas acentua-se bastante quando
comparamos a realidade social que estes estão inseridos com aquela dos jovens que vivem
em contexto de pobreza.
2.3
Questão social: um mundo para os jovens
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apresenta um índice sintético através das dimensões “educação, renda e saúde”. “A criação
do IDJ é sem dúvida uma contribuição ímpar para a focalização do planejamento e da
execução de políticas sociais para a juventude” (WAISELFISZ, 1998, pp.7-8).
Com o objetivo de entender a situação de vulnerabilidade social que se encontra
grande parte da juventude brasileira, apresentamos a seguir um breve percurso histórico,
político e social do Brasil. Como mencionado na introdução desta dissertação, os jovens
participantes nesta pesquisa nasceram em um contexto de mudanças no cenário político
brasileiro. Sendo assim, faremos um retrocesso na história até meados de 1980.
Acreditamos que este breve percurso nos permite uma melhor compreensão da realidade
atual vivenciada pela juventude brasileira.
As revoluções e movimentos nos anos 60 e 70 não impediram as mudanças no
cenário econômico mundial. O sistema neoliberal abre as fronteiras internacionais levando
as indústrias a mudarem para os países em desenvolvimento que ofereciam, entre outras
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vantagens, mão de obra mais barata. Esse movimento desencadeia a crise no estado de
bem-estar social. Os gastos sociais com a população sofreram fortes cortes levando a
privatização de grande parte da assistência à população pobre. Essa realidade atingiu
duramente as famílias mais pobres que contavam com a assistência do Estado.
A nova ordem econômica mundial trouxe o agravamento das condições sociais
como desemprego, pouco investimento em políticas públicas de combate a pobreza, ou
seja, um recuamento do Estado que passou a dividir suas responsabilidades com a
sociedade civil que representada, principalmente pelas ONGs, tenta dar conta deste déficit.
Boaventura Souza Santos (1999), ao fazer uma análise sociológica dos anos oitenta
e noventa diz:
Do ponto de vista sociológico, a década de oitenta será uma década para esquecer?
Está na tradição da sociologia preocupar-se com a “questão social”, com as
desigualdades sociais, com a ordem/desordem autoritária e a opressão social com
que parecem ir de par com o desenvolvimento capitalista. À luz desta tradição, a
década de oitenta é sem dúvida uma década para esquecer. No seu decurso,
aprofundou-se, nos países centrais, a crise do estado-Providência que já vinha da
década anterior e com ela agravaram-se as desigualdades sociais e os processos de
exclusão social [...], Nos países periféricos o agravamento das condições sociais, já
de si tão precárias, foi brutal.
38
No Brasil, em 1985, após 21 anos de regime militar, o Congresso elege José Sarney
para Presidente. Este foi um governo de transição entre o regime anterior e o regime
democrático que foi consolidado em 1989 com a primeira eleição direta no país.
Segundo análise de Paul Singer, os 21 anos de regime militar no Brasil aceleraram o
crescimento da economia, mas por outro lado, intensificaram as diferenças de classes.
Fazendo um balanço dos 21 anos do governo militar, o autor diz que ao final deste
processo, os pobres estavam ainda mais pobres e os ricos ainda mais ricos (SINGER,
1986).
Em uma análise das políticas sociais para a infância e adolescência no Brasil, Costa
(sd) considera os anos oitenta como uma década perdida em termos de desenvolvimento
marcada pela desaceleração da economia. Por outro lado, o autor considera a época como
de engajamento e de lutas e avanços no campo dos direitos. Sobre as conseqüências para a
população infanto-juvenil impostas pelo regime militar, Costa (sd, p.63) diz:
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Um dos aspectos mais cruéis do regime autoritário, que nas duas últimas décadas
imprimiu em todos os setores da vida nacional o selo da injustiça e da
desigualdade, foi a frieza e o alheamento com que se viu conduzida neste
período a questão dos direitos humanos das crianças e adolescentes das camadas
mais pauperizadas da população.
O saldo negativo deixado pelo governo militar, entre eles as dívidas aos países ricos,
atingiu profundamente a economia brasileira. Uma das heranças deixadas ao final do
governo militar, a inflação atingiu duramente à população brasileira, principalmente os
mais pobres. Neste cenário, o novo governo lança o “plano cruzado”, uma nova moeda na
tentativa de conter as altas taxas de juros.
Em 1989, os brasileiros elegem Fernando Collor de Mello para a presidência na
primeira eleição direta da história do país. O governo de Collor foi marcado pelas altas
taxas de juros, inflação galopante e retenção do dinheiro da população em um golpe que
resultou no impeachment em 1993.
Em 1994, é eleito Fernando Henrique Cardoso para a presidência do Brasil. No
governo FHC os brasileiros já usavam uma nova moeda, o real. O governo de FHC, que
39
durou oito anos21, foi marcado pelo apoio à globalização mundial da economia que resultou
na privatização de empresas estatais e pelo pouco investimento no social.
Em 2002, o Brasil elege Luís Inácio Lula da Silva para presidente. A eleição de
Lula pode ser vista como uma reinvidicação da população por investimento na área social.
O primeiro mandato de Lula foi marcado pela criação de programas populares de
ajuda à população necessitada, entre eles Bolsa Família e Bolsa Escola. Os programas
sociais implementados no seu governo receberam muitas críticas, principalmente em seu
segundo mandato, por serem vistos como paliativos e não objetivarem a redução da pobreza
no país. No entanto, o governo Lula vem trabalhando na ampliação de investimentos na
área social.
Apesar do slogan utilizado pelo governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva
que define o Brasil como “Um País de Todos” esta realidade social ainda está longe de ser
vivenciada pelos brasileiros. As políticas sociais desenvolvidas pelos governos anteriores
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21
FHC foi reeleito em 1998.
40
diversos segmentos de jovens. Enquanto nas classes mais abastadas o jovem prioriza os
estudos, nas classes populares eles, muitas vezes, deixam de lado a formação da carreira
por necessidade, pela sua sobrevivência e da família.
Na falta de oportunidades de trabalho, muitos destes jovens buscam como
alternativa sua inclusão em programas sociais oferecidos pelo Estado ou por ONGs. Um
dos fatores que motiva o jovem a entrar num programa é uma ajuda de custo em dinheiro.
No que se refere a faixa estaria a que se destina o PROJOVEM, de acordo com
dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, em 2003, havia no Brasil
23,4 milhões de jovens de 18 a 24 anos, o que representava, aproximadamente, 13,5% da
população total. O que vem sendo denominado como “Onda Jovem” não revela nada de
dinâmico ou animador como poderia se pensar de um país com uma população tão jovem,
pelo contrário, no que diz respeito à educação, um dos pressupostos básicos de uma política
democrática e um direito, as estatísticas não são nada animadoras para não se dizer algo
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pior.
Em relação à escolaridade desse grupo a PNAD indica que dos 23,4 milhões de
jovens, apenas 7,9 milhões (34%) estavam freqüentando a escola. Portanto, 15,4 milhões de
jovens de 18 a 24 anos estavam fora da escola. Desse contingente, 753,4 mil (4,9%) eram
analfabetos; 5,4 milhões (35,3%) não haviam concluído o Ensino Fundamental; 1,7 milhão
(11%) havia concluído o Ensino Fundamental; 1,2 milhão (7,8%) havia começado, mas não
concluído o Ensino Médio; 5,8 milhões (37,5%) haviam concluído o Ensino Médio; 547
mil (3,5%) havia cursado pelo menos um ano de Ensino Superior.
Visto que a educação é uma exigência para se inserir no mercado de trabalho formal
e como foi mostrado, um grande contingente de jovens brasileiros está fora da escola,
conclui-se que está também sem trabalho. Dados confirmam que dentre esses jovens, 14
milhões (60%) desenvolviam algum tipo de ocupação, sendo que 13% ou 3,0 milhões de
jovens declararam-se como desempregados. As maiores taxas de desemprego encontravam-
se nas regiões metropolitanas, 24,6%, enquanto, nas áreas urbanas chegavam a 17,6%.
Dados do Censo de 2000 do IBGE revelam que 84% dos jovens brasileiros viviam
no meio urbano, sendo que 31% em regiões metropolitanas. As condições de moradia são
41
realidade e tem, como conseqüência a acomodação. Nesse caso, o sujeito, sem saber como
agir para transformar sua realidade, não participa, fica aguardando soluções assistenciais
emergenciais e esperando que um terceiro agente mude as contingências que o cercam.
Se este quadro atinge a todo um contingente jovem, torna-se especialmente perverso
quando se avalia o conjunto dos jovens inseridos em um contexto de pobreza, uma vez que
a atenção pública a este segmento é fundamental para definir o acesso que este terá a um
determinado serviço e a oportunidades futuras.
A realidade do jovem pobre, na maioria das vezes, é permeada pelas preocupações
com o futuro e com a família. Enquanto os jovens das classes média e alta são amparados
pelos pais até a conclusão dos estudos, a maioria dos jovens pobres, por necessidade, larga
os estudos para trabalhar. Essa é a juventude a quem se destinam às políticas públicas no
Brasil.
Os jovens necessitam de uma estrutura social básica para poderem se afirmar como
cidadãos do futuro. Nesta base necessária teríamos a educação como o grande pilar para a
inserção no mercado de trabalho. Infelizmente, a educação de qualidade não é para “todos”,
pelo contrário, é alcançada apenas pela elite ou a minoria abastada.
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2.4
PROJOVEM: o que é e o que pretende
22
“Art. 1º Fica instituído, no âmbito da Secretaria-Geral da Presidência da República, o Programa Nacional
de Inclusão de Jovens – PROJOVEM, programa emergencial e experimental, destinado a executar ações
integradas que propiciem aos jovens brasileiros, na forma de curso previsto no art. 81 da Lei n° 9.394, de 20
de dezembro de 1996, elevação do grau de escolaridade visando à conclusão do ensino fundamental,
qualificação profissional voltada a estimular a inserção produtiva cidadã e o desenvolvimento de ações
comunitárias com práticas de solidariedade, exercício da cidadania e intervenção na realidade local.” (Lei Nº.
11.129, de 30 de junho de 2005)
23
A parceria firmada com as prefeituras das capitais, segundo a coordenação Nacional, não invibializa outras
parcerias locais, entre elas, os governos estaduais, universidades e sociedade civil.
43
Apesar de o governo garantir que não visa à distribuição de renda com o programa e
sim a inclusão para a cidadania, talvez, o maior incentivo para que o jovem ingresse no
PROJOVEM seja o valor de cem reais mensais oferecidos na forma de bolsa.
contingente representa cerca de 40% do universo de jovens de 18 a 24 anos que vivem nas
capitais e estão fora da escola.
24
O PROJOVEM teve como meta, no ano de 2005, atuar em todas as 27 capitais brasileiras atendendo a 200
mil jovens. Esse contingente representa cerca de 20% do universo de jovens de 18 a 24 anos que vivem nas
capitais, que terminaram apenas a quarta série do ensino fundamental e não possuem vínculo formal de
trabalho. Em 2006 o programa foi ampliado para as cidades das regiões metropolitanas com mais de 200 mil
habitantes. Nessas localidades a expectativa é atender cerca de 60 mil jovens.
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25
As horas não-presenciais serão dedicadas às leituras e atividades das Unidades Formativas e à elaboração de
planos e registros - individualmente ou em pequenos grupos - nos espaços e tempos mais convenientes aos
estudantes. Dados extraídos do site do PROJOVEM no endereço:
http://www.projovem.gov.br/html/ocurso_desenho.html. Data e hora do registro: 15/01/2007 as 17:16 horas.
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