Artigo Triângulo Das Águas
Artigo Triângulo Das Águas
Artigo Triângulo Das Águas
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ABSTRACT: The present article investigates the influence of postmodernism in Brazilian literature,
having as an object of analysis the book by Caio Fernando Abreu, "Triângulo das águas".
Postmodernism, a concept about which much was said but little written about, is the result of a historical
process initiated in the Renaissance, but, more than that, it became a nomenclature under which many
authors, brazilian and foreigners, have written their works, criticizing the society of which they were
part based on consumption and information, courtesy of technology that became the foundation of a
whole way of life that, simultaneously, brought comforts and facilities, alienated the individual. Caio
Fernando Abreu in his short stories, like those in the book in question, besides making use of varied
quotations, uses narrative resources, such as the stream of consciousness, to demonstrate the degree of
isolation in which his characters lived, prisoners not only of environment in which they lived, but of
themselves.
KEYWORDS: Literature; Modernism; Postmodernism; Caio Fernando Abreu
INTRODUÇÃO – O MODERNISMO
1
Graduada em Letras, Mestrado em Natureza e Cultura na Amazônia ambos pela Universidade Federal do
Amazonas e professora da UFAM.
2
Graduado em Letras pela Universidade Federal do Amazonas-UFAM, E-mail: aguemou@hotmail.com
estas, cada vez mais, dominam e transformam a Natureza. É nesse contexto que surge o
Modernismo.
Não é possível dizer que ele tenha se caracterizado por uma uniformidade. Explica-se
pelo fato de que as vanguardas artísticas que surgiram no início do século XX – Futurismo,
Cubismo, Expressionismo, Dadaísmo, Surrealismo –, terem se abrigado sob o imenso guarda-
chuva modernista que a todas abrigava. O Modernismo, encarado por esse lado multifacetado,
representa a inquietação europeia de então. Cada um desses “ismos” representava – cada um a
seu modo – uma reação ao modo de vida burguês, a uma concepção de arte que não condizia
com toda a materialidade científica e tecnológica que se fazia mais e mais presente. Uma
característica do Modernismo nesse sentido é a retirada de toda e qualquer aura pomposa que a
arte pudesse ter, e que assume um caráter que transita entre a sátira e a paródia, assim como um
ar jocoso, de chacota. Ou seja, ela, a arte, já não é mais associada ao trágico. Uma outra
característica é o exercício metalinguístico, onde o texto se concentra em seu próprio fazer – é a
criação em plena liberdade. Ao desenvolver um interesse pelos assuntos referentes ao eu, aos
estados da mente onde é apresentada a consciência no instante em que age, faz nascer o stream
of counciousness, o fluxo de consciência. Diante disso, temos que essa interiorização resulta em
uma abstração. O Modernismo, enfim, torna-se aquilo que combatia, elitizando-se devido a um
hermetismo excessivo. Um grande fosso estava aberto entre a cultura estética e a modernização
social. A arte oitocentista já não era mais compatível com os novos tempos. Seus praticantes,
no entanto, disso não se haviam percebido. Tudo mudara numa velocidade que mal se podia
acompanhar, e a arte, como se conhecia, dentro em pouco seria item de museu, observado com
a curiosidade dos aturdidos. A escrita, para esses cultuadores do Moderno, é a voz primária.
Deixa de ser secundária, para tornar-se a original.
Talvez resida nessa grande característica a ordem estética, e não meramente
ideológica, do Modernismo e das vanguardas artísticas que se diziam modernas. A tradição
oral, fonêmica, deixará de existir, dando lugar a uma outra “tradição” – entre aspas pois se
pretendia como tal: a escrita. Rouanet (1987, p. 240) afirma que, da mesma maneira que os
signos se realizam na substância fônica da voz, eles se realizam na substância material da letra,
e é assim, nessa gramatologia, nessa nova ciência. Mesmo que se voltassem para o eu, para o
que residia no mais íntimo de cada um, os fluxos de consciência deveriam ser materializados.
Afirmação óbvia, é verdade, mas de que outra forma teríamos as divagações compostas por
Joyce em “Ulysses”, por exemplo? Essa mesma atenção voltada à materialidade da palavra
pode ser percebida na obra de John dos Passos, a Trilogia USA (“Paralelo 42”, “1919” e “O
grande capital”).
À parte tais considerações, depreende-se a liberdade plena de criação, livre de amarras
estéticas, que influenciaria a produção literária das gerações vindouras.
O MODERNISMO BRASILEIRO.
O Modernismo no contexto brasileiro teve características peculiares que o
diferenciaram do que ocorria na Europa. Se lá o Modernismo não passou uma nomenclatura
sob a qual se reuniram vanguardas artísticas que desejavam, na falta de palavra melhor, romper
com o passado artístico e cultural que havia ditado todas as normas, aqui ele se assumiu como
um movimento não apenas artístico mas também intelectual. Considerando que todas as
vanguardas artísticas europeias tinham como objetivo a renovação da arte e da cultura, ou,
melhor dizendo, a sua recriação a partir do zero, não é errôneo afirmar que o que queriam era,
na verdade, a implosão de todo um cânone que a burguesia construiu e ao qual deu o nome de
Arte.
Assim, o Modernismo made in brazil apenas em certa medida assemelhou-se ao que se
fazia na Europa. O que buscavam os modernistas brasileiros? Sem dúvida, o rompimento com
um passado literário e artístico que pagava excessivo tributo à cultura europeia (mais
particularmente a francesa) em detrimento de uma arte genuinamente brasileira, e era isso o que
se buscava: a valorização da cultura nacional. Não seria possível, no entanto, um Modernismo
brasileiro, se não fossem alguns artistas conhecedores do que se passava do outro lado do
Atlântico. O que acontecia lá era o que eles queriam que acontecesse aqui, algo que tirasse as
letras brasileiras do marasmo parnasiano no qual se encontravam. A figura de proa do
Modernismo brasileiro era Oswald de Andrade, que, desde 1912, já divulgava as novidades
revolucionárias, após uma temporada europeia na qual se deixou contaminar pela estética da
ruptura que o Futurismo de Marinetti representava. Se Marinetti propunha a destruição do,
como dissemos, cânone artístico-cultural em prol de uma modernidade baseada no aço, na
máquina, na velocidade, Oswald de Andrade se utilizaria das propostas futuristas para renovar
a cultura brasileira, se pautando por um terrorismo cultural (PICCHIO, 1997, p. 466)
Essa vontade de “destruir” contribuiu para o caráter iconoclasta do Modernismo
brasileiro em sua primeira fase, que vai de 1922 a 1930. Dissemos anteriormente do
nacionalismo que o emblematizava, então é simbólico o ano em que ocorre a Semana de Arte
Moderna: 1922. Se 1822 marcou a Independência do Brasil de Portugal em termos políticos e
administrativos, nada mais natural que seu centenário marcasse também a independência do
Brasil no que diz respeito à cultura, ainda tão influenciada pelo que se fazia na Europa. Mesmo
que, de certa forma, estivesse presente essa influência europeia, ela se apresentava em menor
escala em relação ao que se fez no século XIX. O modernismo brasileiro se influenciou pelo
aspecto ideológico oferecido pelos manifestos das vanguardas, e divulgava a sua própria
ideologia, igualmente, em manifestos e em revistas de curta duração (Por exemplo, a Revista
Klaxon, o Manifesto do Pau Brasil, e mesmo o Verde-Amarelismo, ou o Grupo da Anta, que,
com seu nacionalismo primitivo, essencialmente ufanista, ia contra o nacionalismo italianizado
de Oswald de Andrade).
Com todos os vínculos que ligavam a cultura brasileira a europeia rompidos, teve fim
o primeiro período modernista. Todas as suas propostas estéticas, foram, enfim, assimiladas,
com um novo cânone literário estabelecido. Não demoraria muito para que um segundo período
surgisse. Por um período de quinze anos, o segundo período modernista, que vai de 1930 a
1945, e, contrário ao período que o precedeu, foi construtivista. Preocupava-se com o Homem,
com o seu estar-no mundo. Não apenas isso, esses anos serviram para que, ideologicamente, a
cultura brasileira se reposicionasse e um novo compromisso político e social fosse firmado. Foi
como se toda aquela euforia existente com os momentos iniciais da modernidade cultural
brasileira tivessem se dissipado como uma nuvem de éter, e houvesse a necessidade de se fincar
os pés no chão, encarar a realidade... Realidade. Talvez seja essa a palavra que melhor define
este segundo momento do modernismo brasileiro. Com forte influência da narrativa
contemporânea praticada em outros países, como, por exemplo, a América do Norte (ou seja,
William Faulkner, John Steinbeck, John dos Passos, Ernest Hemingway), procurou-se um
afastamento do discurso escrito para uma aproximação do discurso falado, isto é, buscava-se
reproduzir a oralidade do homem comum (Idem). Considerados os autores em questão,
podemos dizer que o regionalismo, cujas bases já haviam sido lançadas pelo Manifesto
Regionalista de 1926, que ambicionava desenvolver o sentimento de união do Nordeste sob os
ideais modernistas. Vale dizer que esse regionalismo nordestino era composto por nomes como
Graciliano Ramos, José Lins do Rego, José Américo de Almeida, os mesmos nomes que se
destacariam, mais tarde, no Segundo Momento Modernista, junto aos de Rachel de Queiroz e
Jorge Amado. É novamente Luciana Stegagno-Picchio (1997, p. 524) quem nos diz:
interpretação sociológica. Algo que nas intenções desejava ser muito diferente,
mais sério e “comprometido” do que o nativismo estetizante e irônico do
Modernismo Paulista: que no seu ativo, porém, tinha todas as conquistas
instrumentais, a interdisciplinaridade em primeiro lugar, e expressivas daquele
movimento.
O PÓS-MODERNISMO
simples catálogo de compras faz as vezes de uma revista pornográfica que enche de desejo os
olhos de quem a lê.
A comparação entre um catálogo de compras e uma revista pornográfica foi
proposital. Na verdade ela é utilizada em um trecho do filme “clube da luta” (fight club), de
1999, dirigido por David Fincher. A obra citada é um perfeito exemplo do que consiste a arte
pós moderna – e “pós”, aqui, é no sentido de continuidade de uma modernidade que em algum
ponto adquiriu vida própria, significa interrupção. Se o Modernismo buscava uma interrupção
com um passado cultural que já se apresentava anacrônico no novo século que então surgia,
com o tempo o vigor da novidade foi se perdendo conforme seus ideais estéticos não se
coadunassem com os novos tempos, tornando-se à visão, à audição, ao tato, uma coisa “careta”,
anacrônica, incapaz de manter um diálogo com uma nova geração criada sob a égide da
sociedade de consumo. Assim, por exemplo, tivemos o Tropicalismo que, ao revisitar o
Modernismo de 22, o reformula sob os códigos visuais e sonoros da pop art e da sociedade de
consumo, além de fazer com que o nome de Oswald de Andrade voltasse a ordem do dia
cultural, assim como o nome do outro Andrade modernista, o Mário de. O Pós-Modernismo vai
além da mera intertextualidade com outras linguagens, outras formas, outros signos. Ele,
assumindo esse viés antropofágico, reinventa tudo isso para uma audiência ávida por ter acesso
a esses produtos culturais que, embalados de forma excepcionalmente bela, atingem os olhos,
corações e mentes do elemento terminal deste processo, o consumidor, seduzido por sua forma
e ignorante do fato de que esse produto tenha ou não alguma essência. A beleza de uma
paisagem (Filho, 1988, p. 36) importa menos do que o fato de tê-la capturada numa imagem em
que são realçados enquadramento, luz, contraste, dentre outros valores estéticos que enaltecem
a sua beleza aos olhos daqueles que a apreciam pendurada na parede branca de um ambiente
asséptico que obedece às regras arquitetônicas e decorativas de um estilo vazio, mas que se
esconde sob a generalização nomenclatural de pós modernismo.
O PÓS-MODERNISMO NA LITERATURA
No âmbito literário, o pós modernismo se apresenta no caráter lúdico da criação
literária; na tendência à utilização deliberada da intertextualidade e, consequentemente, o
ecletismo no estilo; no exercício da metalinguagem; no fragmentarismo textual; na figuração
alegórica baseado no hiper-realismo e na metonímia; e no exercício dos fluxos de consciência
que delineiam o comportamento dos personagens.
interessava a eles. Seu foco está voltado para as pesquisas estéticas, voltam-se à busca por
novas formas de expressão, e mesmo que ainda existissem momentos isolados em que se
destacavam a preocupação social e o regionalismo, o que saltava aos olhos era a pesquisa em
torno da linguagem literária. A nosso ver, dois nomes simbolizam bem essa Geração:
Guimarães Rosa e Clarice Lispector. Ela, ucraniana de nascimento, veio menina para o Brasil.
Não era adepta do regionalismo que Guimarães Rosa praticava, mas a identificação entre os
dois residia na pesquisa da linguagem, do modo narrativo, com a ênfase mais sobre ele do que
sobre a história narrada (PICCHIO, 1997, p. 610). Sua escrita é baseada em percepções
fenomenológicas e existencialistas. A sua linguagem reflete um mundo opaco, monótono,
entediante, onde as sequências temporais começo-meio-fim são subvertidas, assim como a
estrutura dos gêneros narrativos. Inovou também ao introduzir o fluxo de consciência, que era
uma experiência bem mais radical do que a introspecção psicológica praticada por muitos
autores desde o Realismo oitocentista. Se a introspecção psicológica tenciona desvendar o
universo psicológico do personagem obedecendo a certa linearidade, com espaços
determinados e marcadores temporais definidos, o fluxo de consciência derruba esses
espaçotempos trazendo verossimilhança a obra. Nele, passado, presente e futuro se misturam à
realidade e ao desejo (CEREJA e COCHAR, 2013, p. 527). Sua literatura, pelo que de intimista
possuía, travava diálogo inevitável com a obra de Virginia Woolf, muito destacadamente a
solidão própria de seus personagens.
A solidão de quem vivia nas cidades, nas clausuras dos apartamentos, era amplificada
pelas agruras do presente cotidiano de então. Caio Fernando Abreu era uma dessas criaturas
urbanas. Na solidão, desenvolveu seu método de criação que se dividia em três tempos do
escrever: o primeiro, o da criação inconsciente, era o período no qual a obra era concebida,
livre de quaisquer limitações temporais, a partir de intuições baseadas em leituras diversas,
vivências pessoais, música, cinema. Tudo isso processado e elaborado num processo interior.
Anotações sobre personagens, enredos, situações, frases, desenhos (de personagens e lugares) e
seleções musicais vão sendo registradas em cadernos e diários íntimos, nos quais tudo é
anotado, inclusive os sonhos. Reflexões pessoais com poemas, trechos de obras de outros
escritores, recortes de revistas, mapas astrológicos, cartas de tarô e consultas ao I Ching. O
segundo tempo era o que ele chamava de “fluxo prático”, que nada mais era do que se pôr a
escrever, e este segundo tempo intercala-se com o terceiro, que era o da “lapidação”, quando
revisava tudo o que havia escrito, inserindo trechos, excluindo outros (COSTA, 2008, p. 27).
Definia-se como um perfeccionista para quem nada escapava: esboçava a fisionomia
dos personagens até a roupa que eles deveriam usar, com a imaginação trabalhando a todo
vapor, e submetia-se a uma disciplina rigorosa. Escrevia até exaurir-se nas forças. Como era
estudioso da astrologia, elaborava o mapa astral de seus personagens. Sempre que possível, isto
é, quando o texto empacava, jogava o I Ching. Esse elemento esotérico, que era uma constante
em seus trabalhos, aparecerá com mais nitidez em “triângulo das águas”, livro que veio em
seguida ao seu grande sucesso, “morangos mofados”. Se, em “morangos...”, os contos
possuem, como elemento comum, a solidão, em “triângulo...” o elemento comum será o
esoterismo, a astrologia.
O livro apresenta os seguintes contos: “dodecaedro”, “o marinheiro”, e “pelas águas”.
O primeiro mostra a estadia de doze amigos em uma casa, durante uma madrugada. Tudo gira
em torno do temor que eles sentem pelos cachorros loucos, soltos, a cercarem a casa. O conto é
dividido em doze pontos de vista, o de cada personagem. Entre cada um, interpõe-se um
décimo terceiro ponto de vista, que se divide igualmente em outras doze partes, e cada uma
delas é denominada fragmento (convém notar que Caio Fernando Abreu denominou cada texto
como um noturno, que é uma peça musical de ritmo vagaroso e tom melancólico – a música
nesse conto tem tanta importância que ele, logo sob o título, recebe, entre parênteses, a
indicação “possível coreografia verbal para ‘Köln Concert’, de Keith Jarrett”). Temos no conto,
como dissemos, doze personagens. Doze personagens, doze signos do zodíaco, e já que um
dodecaedro possui doze faces, temos doze vozes de doze personagens oprimidos numa situação
recriação, em que contar a sua história é dar à luz a si mesmo (COSTA, 2008,
p. 101).
O terceiro e último conto, “pela noite”, conta a história de dois homens, dois perdidos
numa noite fria e chuvosa de São Paulo. Trata-se de um reencontro de amigos de infância que
não se viam desde longa data. Esse reencontro significa um recomeço para ambos, não no
sentido de desenvolverem o afeto que nutriam um pelo outro, mas no de que, para cada um,
temos um recomeço pessoal, pois carregam suas dores, decepções, mágoas. Trata-se de um
conto essencialmente urbano, onde Caio Fernando Abreu tira seus personagens do isolamento
em ambientes fechados (como nos contos anteriores) e os põe a perambular no ambiente urbano
e noturno. O conto é construído em cima dos diálogos travados pelos personagens e pelos
monólogos interiores. Passado e presente se misturam – lembranças do que se foi, do que ficou
para trás, e as incertezas que povoam os dois, e ainda que fique clara a temática homossexual
do conto (bem menos implícita do que no conto anterior), o autor mostra, de maneira bem
clara, a influência que as leituras de Virginia Woolf e Clarice Lispector tiveram em sua
formação literária, na elaboração dos fluxos de consciência, a quebra das barreiras temporais, e,
mesmo assim, o tempo e a memória têm espaço significativo. Aqui, a música também dá a
tônica, mesmo que sempre associada ao esoterismo astrológico. Novamente, Costa (2008)
afirma que
come running to see you again, vacilando entre as emoções, winter spring summer or fall,
gostava como se gosta de si mesmo, all you have to do is call, ou o que ficou de si, and I’ll be
there, no passado, you’ve got a friend”).
“Triângulo das águas”, à época de seu lançamento, foi mal compreendido, pois o que
se esperava era uma espécie de continuação de “morangos mofados”, cujo sucesso se deveu ao
enfoque dado a homossexualidade e a solidão. Em “triângulo...”, ainda que esses elementos
permanecessem, o resultado, aos olhos do público não era o mesmo, ficava aquém do
antecessor, mas tal impressão não se sustentou por muito tempo. Em 1984 Caio Fernando foi
agraciado com o Prêmio Jabuti por este livro, reconhecendo, mais uma vez, a sua ousadia
estética em empregar a astrologia como mola mestra de sua arte narrativa.
CONCLUSÃO
Caio Fernando Abreu faleceu em 1996, vitimado pela AIDS. Mesmo depois de sua
morte a sua popularidade entre os leitores permanece intacta. Ela se deve a uma série de
fatores, decerto a sua contemporaneidade, a sua capacidade de manter um contato direto com o
leitor por escrever sobre sentimentos como o amor, a solidão, a dor. Seus contos, alguns
escritos há mais de quarenta anos, mantêm a sua atualidade justamente pelo seu tom
confessional que, além de o desnudarem perante os olhos do distinto público leitor, serviam
para que um nexo fosse estabelecido, um nexo de identificação que faria a obra de Caio
Fernando assemelhar-se a um espelho onde o leitor se reconheceria.
Como vimos, a sua obra guarda influência de autoras como Virginia Woolf e Clarice
Lispector. Influências claramente identificáveis no uso dos fluxos de consciência resultantes de
conflitos interiores que as autoras, mesmo não sendo as pioneiras nesse recurso (afinal, autores
como Proust e Joyce já o utilizavam muito tempo antes delas), lançaram mão dele permeando-o
com a sensibilidade feminina na forma como se percebia o mundo e as agruras da existência.
Somente a solidão decorrente faz com que sejamos capazes de escutar a nossa voz interior e
permitir que ela faça o seu monólogo sem parecer que estamos prestes a enlouquecer. Caio
Fernando Abreu deu vazão a essa voz ao mesmo tempo em que, em seus escritos, dialogava
com as músicas, poemas, filmes, enfim, todo um conjunto de referências que ajudaram a definir
a sua literatura e a sua persona de escritor, e, dentro do pós modernismo, ele soube empregar
estas referências na construção de contos que ressoavam todo um ambiente sócio-político-
cultural em que estava inserido.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIA
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Caio Fernando Abreu. 2008. Disponível em: <
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