Técnica Vocal - Material
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Técnica Vocal - Material
Vamos começar nosso curso "Técnica vocal para coros infantojuvenis" com a
leitura de um trecho da tese de doutorado "Regência coral infantojuvenil no
contexto da extensão universitária: a experiência do PCIU", da maestrina Ana
Lúcia Gaborim-Moreira (2015). Nele, a autora busca contextualizar o que é
técnica vocal, a responsabilidade do (a) regente enquanto modelo vocal e a
importância do trabalho técnico-vocal no contexto coral, especialmente
infantojuvenil.
Se a palavra “técnica” pode ser entendida em nossos dias como “saber fazer”,
podemos compreender a técnica vocal, de um modo geral e simplificado, como
“saber usar a voz”. Richard Miller (1996, p. xvi), em seu livro “The structure of
singing” (“A estrutura do canto”), de maneira mais precisa e aprofundada, nos
explana que
ao ter que lidar com vozes, é necessário que o regente coral experimente em si
mesmo as várias técnicas existentes para uma emissão vocal consciente. Assim
sendo, um estudo de técnica vocal individual, de preferência com um professor
experiente e aberto a diferentes tendências, é absolutamente necessário para
um regente coral(FIGUEIREDO, 2006, p.11).
(...)
o modelo oferecido pelo regente, então, torna-se fundamental. Mais uma razão
pela qual o regente deve estar muito preparado. As crianças repetem
exatamente o que ouvem, não só em termos de texto ou alturas, mas também a
qualidade vocal, a postura etc. E aprendem com muita rapidez. Por isso sempre
procurei dar exemplos muito justos, mostrar logo o resultado musical aonde
queria chegar (LAKSCHEVITZ,2006, p. 45).
(...)
● colocar as crianças a par dos objetivos de cada exercício para que elas
próprias estejam comprometidas na busca dos resultados almejados;
● levar a atenção das crianças ao ponto específico que está sendo trabalhado,
utilizando uma linguagem clara e adequada ao nível de conhecimento delas,
para que a comunicação seja efetiva.
Carnassale (1995, p.19) afirma ainda que “quando se trata de ensinar canto a
crianças isto significa, no mínimo, manter sua saúde intacta, e no máximo,
desenvolver suas potencialidades de forma a conseguir o maior resultado com
o menor esforço físico”. A autora ainda destaca a importância da técnica vocal
no ensino de crianças, advertindo que “as consequências podem ser
desastrosas” (id.,p.13) quando um indivíduo que não tem o conhecimento
devido do funcionamento do seu próprio aparelho vocal é responsável pela
condução de vozes infantis: “a maneira particular que elas adquirirão no
desempenho no canto pode não ser eficaz (não atingir às expectativas) ou pior,
não ser eficiente,danificando o aparelho fonador, o que resultará em prejuízo
artístico, psicológico, social e físico” (id., p.20). Para isso, é necessário que o
regente-professor de canto seja capaz de “julgar a necessidade e o grau de
maturidade das crianças, como também avaliar a necessidade de motivação de
cada grupo, a partir dos interesses deles” (id., p.94). Trata-se, portanto, de uma
tarefa complexa.
Technique can be “computerized” in the brain and the body of the Singer. No
Singer ever should be in doubt as to what is going to happen, technically, in
public performance, unless illness interferes. Knowing how the singing instrument
works, and knowing how to get it to work consistently, is the sum of technical
knowledge.
Il doit être capable de transmettre aux choristes les moyes techniques pour une
[2]
aisance vocale nécessaire à l’interprétation (…) Outre ce qui concerne tous les
aspects techniques de la transmission de l’art vocal – connaissance de la partition,
technique vocale, techniques d'apprentissage - il est nécessaire de connaître le
fonctionnement des individus au sein du groupe et celui des relations humaines.
few of our young choristers study voice privately, each singer’s vocal development
is left to the teacher-conductor – an awesome responsibility indeed.
Conductors must be vigilant to make sure their choristers are always singing
[4]
No tocante a como estruturar uma aula de técnica vocal, a autora sugere que:
Tabela 1. Sugestão de roteiro de preparo vocal para coros infantis, com base
em RHEINBOLDT, 2018, p. 158 e 159.
vale lembrar que os vocalises de aquecimento devem ter melodias com
extensões vocais não muito amplas e que as modulações não necessitam
abarcar os extremos grave e agudo [da voz]. Inicialmente, privilegiar
[tonalidades médio-agudas], o uso da voz de cabeça e a boa administração da
respiração. Nos vocalises de desenvolvimento técnico-vocal específico, pode-se
ousar um pouco mais quanto às modulações e extensões, sempre respeitando
os limites vocais infantis e a qualidade da sonoridade. (RHEINBOLDT, 2018, p.
158)
UNIDADE 2:
No livro "Higiene vocal infantil: informações básicas" (1997), Mara Behlau, Maria
Lúcia Dragone, Ana Elisa Ferreira e Sandra Pela, explicam a produção vocal de uma
maneira bastante acessível ao público infantojuvenil. Vamos ler um trecho deste livro:
O que é voz?
A voz é um dos sons mais importantes do corpo humano. Com a voz nós choramos,
gritamos, rimos, cantamos, chamamos os amigos e pedimos coisas para os outros.
A voz existe desde que nós nascemos até ficarmos bem velhinhos. E ela muda a vida
inteira. Você já reparou como a voz das pessoas grandes são diferentes das vozes das
crianças?
A voz é produzida na garganta. Fale um "a" e coloque sua mão na garganta. Sinta como
ela treme. É nesse lugar que estão as cordas vocais, só que o nome certo é "pregas
vocais".
O ar que você respirou está nos pulmões. Ao sair, vai "ligar" as pregas vocais que
precisam ficar juntinhas para o ar não escapar rapidamente, ou seja, elas vão vibrar e
produzir sua voz. Se você encher uma bexiga de ar, apertar o bico e deixar o ar sair aos
poucos, você vai perceber que sai um som. A voz da gente também sai assim. (...)
O som que sai das pregas vocais é bem baixinho, mas nós temos um alto-falante natural
que é a própria garganta, a boca e o nariz, funcionando como caixas acústicas. São
chamadas de cavidades de ressonância.
Se você falar e não movimentar direito a boca, você vai ver que o som que vai sair é
bem baixinho, porque você não usou sua caixa acústica mais importante.
Nas cavidades de ressonância temos várias estruturas que podem fazer movimentos e
mudar o som que as pregas vocais produzem. São os lábios, a língua, os dentes e o
palato mole (onde fica a úvula, conhecida como "campainha"). Eles são chamados de
articuladores dos sons da fala. (BEHLAU et al., 1997, p. 05 e 06).
Cada pessoa tem essas estruturas com tamanhos e formas diferentes, fazendo com que
cada um tenha a sua própria voz, como os instrumentos musicais que tocam [grave,
agudo], forte, fraco etc.
Se você ouvir uma música tocada em um violão e a mesma música tocada em uma
flauta, ou em um piano, você vai perceber a diferença. O nome "timbre" é usado para o
som dos instrumentos e "qualidade vocal" para as vozes das pessoas.
Quando você fala com as pessoas ao telefone, consegue perceber com quem está
falando, pela "qualidade vocal" daquela pessoa.
Você já reparou que a voz da sua mãe é diferente da voz do seu pai? E que a voz do seu
pai é mais grossa que a sua?
Feche os olhos e procure lembrar de vozes que você conhece. Lembre da voz da sua
mãe e da sua professora. Quem na televisão você acha que tem voz bonita? E o monstro
do desenho animado, tem voz muito feia?
Da mesma forma que não existem duas impressões digitais, também não existe
nenhuma voz igual a outra no mundo. Até mesmo gêmeos têm vozes diferentes.
Portanto, use sempre a sua voz, lembre-se que a voz do artista e do super-herói podem
ser bonitas, mas a sua voz é muito especial! Ela é a voz de tudo o que você é, como
pessoa cheia de vida!
A voz conta quem você é e como você está. Por exemplo, se você está alegre, a voz é
clara e brilhante; se você está triste ela quase some, fica baixinha. (...)
A voz não esconde o que nós estamos sentindo de verdade. Podemos mentir com as
palavras, mas é muito difícil mentir com a voz.
Devemos cuidar da nossa voz porque ela é um sinal de saúde. Se ela não está bem pode
indicar que a estamos usando demais ou de modo errado. Pode ainda indicar que nosso
corpo pode estar com algum problema ou até uma doença. (BEHLAU et al., 1997, p. 06
a 09).
(...) as pregas vocais das crianças são delicadas e pequenas, cujo comprimento total
varia de 6 a 8 mm. A laringe infantil é alta e, durante a infância e a adolescência, ocorre
o abaixamento da laringe e o crescimento das pregas vocais (em tamanho e espessura),
o que interfere no timbre e na extensão vocal, sobretudo após a mudança da
voz (Sataloff, 2005, p. 50 e 51 apud Rheinboldt, 2018, p. 43).
[1]
É possível dizer que a laringe de recém-nascidos costuma ser mais cefálica, já que se
posiciona na altura da segunda vértebra da coluna cervical (C2). No decorrer da vida,
ela pode baixar até a sétima vértebra cervical (C7). As cartilagens da laringe são mais
maleáveis e seus ligamentos, mais frouxos. Na infância, os pulmões também estão em
pleno desenvolvimento, portanto, o tempo máximo fonatório (tempo de sustentação do
som) é mais reduzido, se comparado a um adulto.
(...)
A voz de uma criança também não deve soar como a de um adulto. É inviável querer
que um coro de trinta crianças soe – em timbre e volume – como um coro de trinta
adultos. Isso não é natural nem, tampouco, saudável. Atualmente, percebemos um
aumento de crianças cantoras na televisão e nas redes sociais. Algumas delas ingressam
em coros infantis somente com a finalidade de aparecerem nestas mídias. Muitas delas
imitam seus ídolos adultos e acabam cantando em tonalidades inadequadas e com
recursos vocais inapropriados ao canto coletivo, como portamentos, melismas, ataques
vocais bruscos, emissões demasiadamente fortes etc. Tais imitações e abusos podem
lesionar, seriamente, essas vozes que ainda estão em formação e, como regentes, é
nosso dever alertar sobre o mau uso vocal e evitá-lo, dentro e fora de nossas salas de
ensaio. Por fim, vale frisar que, em alguns casos, tal aparição midiática é mais um
desejo das famílias que das próprias crianças, o que pode gerar grandes frustrações e
traumas futuros. (RHEINBOLDT in CHEVITARESE, 2021, p. 36 e 37)
Embora a muda vocal seja mais perceptível nos meninos, ela também ocorre
[1]
Uma série de estudos mais recentes apontam que, ao invés destes três registros,
existem quatro mecanismos laríngeos. De maneira bastante resumida, pode-se
afirmar que o que antes era chamado de registro grave ou voz de peito, hoje é
denominado de M1 (mecanismo laríngeo 1). O registro agudo ou voz de
cabeça, de M2 (mecanismo laríngeo 2). O vocal fry de M0 (mecanismo laríngeo
zero) e o falsete de M4 (mecanismo laríngeo 4). Os estudos atuais não
consideram a existência do registro médio ou da voz mista. Embora muito da
literatura coral ainda aborde as nomenclaturas dos três registros, conhecer esta
atualização é bastante importante.
46). Vale lembrar que esses dados são variáveis entre indivíduos, faixas etárias,
coros e tempo de estudo de canto. Porém, eles nos mostram, por exemplo, que
o repertório para coro infantil não deve ter notas mais graves do que Sol 2.
Mostram-nos que um coro iniciante, que não tem o registro agudo bem
resolvido e usa demasiadamente o registro grave, talvez possa começar a se
desenvolver no registro médio – de Dó 3 a Dó 4 – para, gradativamente, ampliar
sua tessitura. Conhecendo estes dados, o regente poderá adequar melhor as
tonalidades dos vocalises e das peças trabalhadas.
(RHEINBOLDT in CHEVITARESE, 2021, p. 36)
No capítulo "O regente educador" - que também está no livro "Aprimorando
meu coro infantil: técnica e criatividade" (FUNARTE e EM-UFRJ) - a Profa. Dra.
Maria José Chevitarese enriquece as informações a respeito da extensão, da
tessitura e dos registros vocais, relatando que:
De acordo com o autor, o registro médio funciona como uma ponte entre os
registros inferior e superior. Por volta do Fá# 3 há um balanço entre o registro
inferior e superior. Phillips apresenta o seguinte esquema para explicar esta
transição (Phillips, 2014, p. 91).
O trabalho de ampliação da extensão vocal deve ser permanente, com todo o
coro. (CHEVITARESE, 2021, p. 25 a 27).
O ensino de canto, a qualquer faixa etária, tende a ser bastante subjetivo, pois a
voz é intangível. Enquanto em outros instrumentos musicais é possível, por
exemplo, ver e tocar as mãos dos estudantes, para corrigir tensões ou
posicioná-las melhor, com o aparelho fonador e, mais especificamente, com as
pregas vocais, isso é praticamente impossível. Desta forma, usamos diversas
metáforas e trabalhamos em prol da propriocepção corporal de nossos
estudantes.
Sobre as repetições criativas, Rheinboldt menciona:
Assim finalizamos mais uma Unidade do curso "Técnica vocal para coros
infantojuvenis". Após realizarem a atividade avaliativa da Unidade 2,
convidamos vocês a assistirem uma aula bônus sobre muda vocal, um assunto
pertinente e que está presente na realidade de muitos coros infantojuvenis
brasileiros.
Vídeos:
https://youtu.be/SfhGbCjHA3w
https://youtu.be/EdoLqeAUigI
2. Alongamentos corporais
Complementando o vídeo assistido, a respeito da concentração do grupo e dos
alongamentos corporais, Rheinboldt (2021) aponta que:
3. Postura
No vídeo a seguir, podemos observar mais uma prática postural com o Coral
Infantil da FAMES (Vitória-ES), na mencionada oficina do II CIMUCI:
4. Respiração
Muitas vezes, dificuldades do coro com afinação, notas agudas, frases longas e
dinâmicas podem estar relacionadas à má administração do fluxo respiratório e,
mais especificamente, à intensidade da pressão colocada sob a coluna de ar. A
excessiva pressão de ar pode, por exemplo, machucar as pregas vocais e gerar
uma emissão vocal “gritada”, “apertada” e com afinação imprecisa (Phillips,
1992, p. 30 e 31; Davids e Latour, 2012, p. 23 apud Rheinboldt, 2018, p. 60). O
apoio ou suporte respiratório possibilita o controle ideal do fluxo respiratório,
evita a sobrecarga da laringe, preserva a saúde vocal dos cantores, influi na
construção das sonoridades e é um importante elemento técnico-vocal que
deve ser abordado em coros de todas as faixas etárias.
Cantores têm a habilidade de lembrar uma nota musical específica, se esta for
repetida consistentemente, no início de todo ensaio. Uma boa escolha é a nota
Dó 4 (uma oitava acima do Dó central). Iniciando nessa nota, os cantores
começam a cantar, automaticamente, com a voz de cabeça e é dada uma
“âncora tonal”, que contribuirá muito para a formação musical dos coristas.
(LECK, 2009, p.3) (RHEINBOLDT, 2014, p. 24)
As melodias dos primeiros vocalises, bem como suas modulações, não precisam
abarcar uma ampla extensão vocal e tonalidades médio-agudas podem ser
priorizadas. Exercícios ideais para iniciar o preparo vocal podem conter
vibrações de lábios e língua (“Br”, “Tr” e “R”), consoantes fricativas (“V”, “Z”, “J”),
consoantes nasais (“Nh”, “N”, “M” e “Ng”) e vogais orais do português brasileiro
(“I”, “E”, “É”, “A”, “Ó”, “O” e “U”).
(...)
Além das vibrações de lábios e língua e dos sons fricativos, a ressonância da voz
também pode ser aprimorada em exercícios com sons nasais e vogais orais. De
acordo com Rheinboldt (2021):
Consoantes nasais podem oportunizar a percepção física de alguns
ressonadores e a construção de sonoridades específicas. Por exemplo, quando
cantamos “Nh”, podemos sentir a ressonância atrás do nariz ou dos olhos.
Quando cantamos “M”, a língua fica em uma posição neutra dentro da boca –
em contato com o topo dos dentes frontais inferiores, os lábios ficam fechados
e podemos ter uma sensação vibratória na região da boca, dos seios nasais, do
nariz e da faringe. E quando cantamos “Ng” – presente na palavra “manga” – se
mantém uma abertura na região nasofaríngea e podemos ter sensações
vibratórias intensas na área frontal do rosto (a chamada “máscara”) (Miller, 1996,
p. 137, 138, 141 e 143; Fernandes, 2009, p. 250 e 251).
No português brasileiro, há sete vogais orais: “I”, “E”, “É”, “A”, “Ó”, “O”, “U”,
seguindo a gradação da vogal mais frontal, “I”, à mais posterior, “U”. Na prática
coral, costumamos cantar as vogais com a abertura da boca mais vertical e os
lábios mais arredondados, diferentemente da fala, na qual boca, lábios e
mandíbula se configuram de forma mais horizontal. A verticalidade se faz
importante para a homogeneização do timbre e da afinação coral. Quando
escutamos o coro soando como um todo, sem a sobressalência de vozes
individuais, é sinal de que a sonoridade está uniforme. Particularmente, acredito
que a colocação vocal das vogais, a inteligibilidade do texto, a afinação e a
interpretação musical podem determinar a qualidade de um trabalho coral.
Todos esses aspectos são fundamentais para se construir “cores sonoras” e
devem ser trabalhados em todos os ensaios.
Figura 2. Vocalise "Horizontal-Vertical" (RHEINBOLDT, 2018, p.57, com pequena
adaptação)
Na música vocal, seja ela coral ou não, o trabalho para se alcançar uma boa
dicção é fundamental. Regentes e cantores tendem a concordar que o trabalho
de dicção é essencial para o sucesso de um grupo coral por permitir:
b) A uniformidade sonora das vogais, essencial para uma afinação refinada e
para a maior homogeneidade sonora;
Não se pode ignorar o fato de que em grande parte do tempo que se canta,
cantam-se vogais. Assim, um bom começo para se atingir um dicção coral
eficiente é a produção consciente e correta dos sons vocálicos puros. O alto
nível de enunciação das vogais é o primeiro componente da dicção a ser
atingido por um cantor. A falta dessa consciência é a base para muitos erros no
canto e para a dicção pobre. Moore ressalta que:
1.1. Consoantes
Com relação às consoantes, Fernandes menciona que:
A articulação das consonantes se faz importante por elas serem mais numerosas
que as vogais e por propiciarem a precisão rítmica, a expressividade e,
principalmente, a inteligibilidade do texto (LECK, 2009, p. 33; FERNANDES, 2009,
p. 249). Sem o texto, precisão rítmica e expressividade perdem o sentido. Em
nossa prática docente, notamos que muitas crianças demonstram “preguiça”
para abrir a boca para cantar, o que compromete a projeção vocal, a qualidade
sonora e o entendimento do texto. Tal preguiça pode ser justificada pela
desmotivação e falta de identificação com o trabalho coral, as quais podem ser
melhoradas através de mudanças de repertório, de atividades didáticas e do
vocabulário empregado pelo regente, por exemplo. Outra justificativa também
pode ser a falta de domínio dos articuladores – lábios, dentes, língua, maxilar,
palato duro e mole, gengiva e glote (PHILLIPS, 1992, p. 307) –, pois, eles
dificultam “a passagem respiratória, a uniformidade da linha vocal e a
enunciação das vogais, [exigindo do coro] a busca por uma articulação clara,
rápida, flexível e sincronizada” (CARNASSALE, 1995, P. 140). Esta articulação
pode ser aprimorada no preparo vocal e deve ser uma prioridade.
Segundo Fernandes:
(...)
No português brasileiro cantado possuímos as seguintes consoantes (...):
[B; C; D; F; G; H; J; K; L; M; N; P; Q; R; S; T; V; W; X; Y; Z]. Conhecer suas
configurações de articulação e usos ajudam o regente a direcionar e otimizar
seu trabalho de preparo vocal. (RHEINBOLDT, 2018, p. 95 e 96)
(...) pode ser feito através de vocalises que explorem consoantes específicas e
que aprimorem a pronúncia e a interpretação expressiva das palavras. Exercícios
que contém histórias, com elementos do universo infantil, costumam ser
estimulantes e muito efetivos. Trava-línguas, ditos populares e palavras do
repertório que o coro apresente dificuldade para cantar também podem ser
boas “matérias-primas” para vocalises de dicção, em português ou em outros
idiomas. (RHEINBOLDT in CHEVITARESE, 2021, p. 49)
No alemão, existem dois sons fricativos com “ch”, que se diferenciam conforme
as vogais que os antecedem. Após “i” e “e” o som é mais frontal e (...) após “a”,
“o” e “u” o som é mais fricativo (...). O principal propósito deste vocalise é
entender as diferenças dos sons fricativos com “ch”. Para pronunciar a
palavra ich pedimos que as crianças imitem o som de um “gato bravo”, que
falem “i”, mantenham os articuladores usados na produção desta vogal e soltem
o ar, sentindo-o passar pelo palato duro, atrás dos dentes superiores frontais. O
mesmo princípio, de manter a articulação das vogais e soltar o ar, se aplica às
palavras ach e auch, porém, as sentiremos no palato mole, no fundo da boca. O
nome das gatas “Lili” e “Lala”, bem como o latido do cachorro (au au), ajudam a
formar a articulação das vogais e a realizar seus respectivos sons fricativos. É
importante notar que tais sons não são como “ch” em português, o que é um
erro de pronúncia recorrente em cantores brasileiros sem a devida instrução de
dicção. As palavras “ich”, “ach” e “auch” significam “eu”, “ó” (como uma
lamentação / exclamação) e “também”. (RHEINBOLDT, 2018, p. 127 e 128)
7. Referências
(...) Antes de um coro cantar com abertura de vozes, ele precisa soar afinado e
timbrar em uníssono. Isso pode parecer elementar, mas não é. Além de
cantarem na mesma frequência sonora, as crianças precisam aprender a ouvir, a
respirar juntas e a usar os mesmos recursos vocais e expressivos. Primeiro em
uníssono, depois a duas ou mais vozes.
A Profa. Dra. Maria José Chevitarese (UFRJ), no capítulo "O regente educador",
do livro "Aprimorando meu coro infantil: técnica e criatividade" (2021), detalha a
questão da afinação vocal no contexto coral infantojuvenil da seguinte maneira:
(...) Dentre os cantores que ainda não reproduzem com exatidão uma linha
melódica, encontramos problemas que vão desde um leve desajuste vocal até o
total distanciamento da linha melódica, sem que esse fato caracterize
necessariamente, falta de musicalidade ou impossibilidade de emitir sons
afinados por parte da criança. Sobre esse aspecto concordo com a regente e
educadora Jean Ashworth Bartle que acredita que:
Assim como a canadense Jean Ashworth Bartle (2003), defendo que todas as
crianças tenham a oportunidade de aprender a cantar e participar de um grupo
coral. Para tanto, o regente deve ter conhecimento de pedagogia vocal que dê
suporte à essa tarefa. É possível trabalhar alguns minutos no início de cada
ensaio e desenvolver nos cantores uma maior habilidade vocal, melhorando a
sonoridade do grupo.
O trabalho junto a coros infantis amadores, na maioria das vezes é feito por
repetição. Mesmo quando os cantores recebem a partitura para acompanhar a
linha melódica, muitas vezes ainda não têm o solfejo desenvolvido o suficiente
para que possam ler as músicas. Por essa razão o regente precisa cantar a linha
melódica para que os cantores repitam o que ouviram.
Em minha experiência, tenho percebido que repetir uma nota isolada é bem
mais difícil do que um pequeno fragmento melódico. Dessa forma, quando
trabalho com crianças que ainda não conseguem reproduzir uma linha
melódica, prefiro trabalhar com fragmentos variados. Uma vez que o fragmento
se modifica a cada intervenção do regente, a criança precisará estar sempre
atenta, o que facilitará a reprodução. É preciso começar por fragmentos simples,
que despertem o interesse da criança. Quando inventamos fragmentos
melódicos que utilizam como texto o nome do cantor, seu time de preferência
ou, ainda, sua comida predileta, temos resultados extremamente positivos. A
criança, ao ouvir uma palavra que desperte seu interesse, imediatamente se
concentra, facilitando a repetição com melhor precisão.
Neste exercício, quando praticado em dupla, um dos cantores utilizará sua mão
como um imã que, ao se movimentar provocará o movimento do corpo do
outro cantor, que deverá acompanhar os movimentos sugeridos pela mão do
colega. É importante utilizar os diferentes planos para a movimentação.
Quando em trio, um dos cantores utilizará uma das mãos para movimentar um
cantor e a outra mão para movimentar o outro cantor. Será interessante que as
mãos do cantor, que trabalha na posição de ímã, se movimentem com
independência.
Quando em conjunto com todo o grupo, o regente utilizará suas mãos como
ímãs que guiarão a movimentação de todo o coro.
Normalmente são cantores que conseguem afinar, mas demoram mais que os
outros a conseguir reproduzir o som porque têm dificuldade de memorização.
Sugiro que se inicie o trabalho com trechos bem pequenos e aos poucos se vá
ampliando o tamanho dos trechos.
• Pigarro constante
• Ardor
• Voz soprosa
• Quebra na voz
• Extensão diminuída
Atualmente é muito comum chegar ao coro uma criança que possui todas as
condições físicas para cantar, mas que ainda não sabe como fazê-lo. São
crianças que no seu ambiente familiar ou escolar não foram estimuladas a
cantar. Na maioria das vezes, essa criança fala ao invés de cantar ou afina
apenas dentro de um intervalo bastante pequeno, geralmente na região da fala,
utilizando a voz de peito. Se o que está levando a criança a este
comportamento vem de uma total falta de hábito de cantar, certamente
conseguiremos resultados quase que imediatos trabalhando a partir de
pequenos fragmentos, da região que a criança já afina e fazendo exercícios com
glissandos, para ampliar a extensão vocal.
Concordo com a maestrina Lucy Schimiti (2003) que afirma que movimentos
associados aos vocalises auxiliam na compreensão de conceitos e podem
facilitar a fonação. A utilização de recursos visuais como gestos, movimento de
braços e mãos, para fixação de conteúdos trabalhados, são muito úteis, pois
esse tipo de estímulo promove uma compreensão mais concreta, contribuindo
para um resultado imediato.
Quando cantamos uma melodia para uma criança e essa a reproduz em região
diferente daquela que cantamos, devemos imediatamente caminhar para a
região sugerida pela própria criança verificar se nessa região ela é capaz de
reproduzir os sons com os intervalos corretos. Devemos sempre partir da região
em que a criança já afina para, a partir daí, ampliarmos sua extensão vocal. É
comum que crianças com vozes graves, que não possuem trabalho vocal
específico, apresentem uma pequena extensão vocal. Esse fato não representa,
de modo nenhum, pouca musicalidade. Sua extensão se ampliará à medida que
trabalharmos sua voz. Trago aqui alguns exercícios que permitem à criança
utilizar os registros grave, médio e agudo sem ter que sair ou chegar em uma
nota definida anteriormente. A criança irá explorar sua voz, experimentando as
diferentes sonoridades sem a preocupação de cantar uma linha melódica
previamente definida. Dessa forma será encorajada a brincar com a voz,
buscando alcançar notas cada vez mais agudas e notas cada vez mais graves.
Glissando, sair do som mais agudo que a criança consiga emitir para o som mais
grave e voltando para o agudo, utilizando as sílabas tra / tre / tri / tro / tru.
Glissando, sair do agudo para o grave, com as sílabas: hum; hum u; hum u o;
hum u o a. O cantor deverá emitir o som agudo com a sílaba “hum” e glissar
para a região grave. Na segunda vez que fizer o exercício, ao chegar no grave, o
cantor deverá transformar o “hum” na vogal “u”. Na terceira vez, transformar
nas vogais “u” e, em sequência, na vogal “o” e, na quarta vez, transformar na
vogal “u” seguida da vogal “o” e finalizar com a vogal “a”.
Glissar do agudo para o grave e do grave para o agudo, com os fonemas PR ou
BR. Procure caminhar do som mais agudo que a criança alcance para o mais
grave e vice-versa.
Glissar, continuamente, do grave para o agudo e do agudo para o grave, com
os fonemas PR ou BR.
Outra variante que pode ser adotada é usar o próprio texto da música que
estamos trabalhando, alternando as regiões aguda e grave da voz.
Utilizar as diferentes regiões da voz com interjeições como: Bom dia! Maravilha!
Que horror!
(a) Pessoas com dificuldade de afinação devem estar nas fileiras da frente, entre
pessoas que afinam, para que recebam por todos os lados referenciais sonoros
com a altura correta dos sons.
(e) Partir do som que o cantor já afina é muito mais eficiente e dá resultado
mais rápido. Se precisarmos que a criança chegue a uma determinada altura, é
mais eficiente partir do som que ela já emite e, em glissando, caminhar para a
nota desejada.
(f) Vocalizar fragmentos melódicos simples e interessantes, que despertem o
interesse da criança como por exemplo vocalizar utilizando o nome do cantor
ou seu time preferido, ou ainda uma comida que a criança goste.
(g) Repetir fragmentos melódicos simples é mais fácil do que uma nota isolada.
O exemplo abaixo mostra como transformar um único som em um exercício
mais dinâmico.
(j) Fazer com que seu cantor sinta prazer no que está fazendo. Tenha paciência,
transmita confiança, alegria, busque novos caminhos e acredite que é possível.
Você não afinará uma pessoa em apenas um dia, mas a cada dia dará um passo
importante para a construção da afinação.
Além das valiosas dicas dadas pela maestrina Maria José Chevitarese, Juliana
Melleiro Rheinboldt (2021) ainda sugere o uso de duas âncoras de
aprendizagem, o sussurrofone e os pios de pássaros:
Além do que já foi mencionado, Fernandes também relata outros aspectos – até
mesmo extramusicais – que podem interferir na constituição do som almejado,
como o tipo de grupo coral, a faixa etária, a maturidade musical, a realidade
sociocultural dos membros do coro, a saúde geral dos cantores, o ambiente
acústico dos ensaios e das performances, a frequência e a duração dos ensaios
e o tipo de cantores que formam o grupo (se são profissionais ou amadores)
(Fernandes, 2009, p. 202 e 203). Conhecer bem as condições e o grupo de
trabalho ajuda a alinhar expectativas, a planejar e a desenvolver melhor a
complexa tarefa de se construir sonoridades corais.
(RHEINBOLDT in CHEVITARESE, 2021, p. 32 a 34)
"Once the director has a sound in mind and has conveyed vocal techniques to
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the choir, it would seem the job is done. But the real fun begins with
interpreting the music expressively and stylistically. (...) Many choirs sing all
music in the same weight, color, and style. This is not only boring to the listener
but detracts from the authenticity of the music. (...) It is obvious that would not
be authentic to sing an African freedom song the same as a madrigal or motet.
One would surely not sing a Hunga- rian folk song the same as a Mozart
composition or a Bulgarian piece the same way you would sing Palestrina” (Leck,
2009, p. 101, tradução minha).
Esse exercício pode ser desafiador a um coro que não tenha conquistado
elementos técnico-vocais fundamentais, como apoio respiratório, ressonância,
dicção e afinação apropriados. Coros que já tenham uma boa consciência de
tudo isso, certamente, poderão se beneficiar com a prática deste vocalise, pois
será possível variar o timbre do coro a cada peça, com muita musicalidade.
(RHEINBOLDT in CHEVITARESE, 2021, p. 69 e 70)