Casos - Psicopatologia
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Casos - Psicopatologia
Belém, 2021
Transtorno de Personalidade Esquizotípica
Caso 1: Willy Wonka de A Fantástica Fábrica de Chocolates
Quando criança, o pai de Willy Wonka disse a ele que “doce era perda de tempo e que
nenhum dos seus filhos seria um chocolateiro”, depois disso, Willy dizia que fugiria para a
Suíça ou Bavária, as capitais mundiais do chocolate. Em uma determinada cena do filme,
Willy Wonka apresenta os anões Oompa-Loompa dizendo que vieram da Ompalândia, porém
o pai de uma das crianças, que é professor de geografia, afirma não existir este país, então
Willy passa a descrever o país com suas especificidades que conheceu quando buscou os
anões.
R. de 42 anos, nasceu e foi criado em São Paulo. O pai morreu quando R. estava com
18 anos e a mãe é dona de casa. R. trabalha há 15 anos como motorista para o sistema de
correios. Relata que nos últimos meses vinha tendo uma sensação como tivesse algo
rastejando por baixo da pele, que melhorava temporariamente depois de coçar, essa sensação
era tão intensa que não conseguia mais dormir à noite, pela necessidade de coçar.
É filho único e, observa, recebeu muita atenção. Fala que amava muito os pais,
embora “fossem estranhos”, acrescentando, “eram como eu, diferentes, sabe?” R. nunca se
casou, explica que “gostava de garotas e tudo isso”, mas nunca conseguiu estabelecer um
relacionamento permanente. “Sempre fico nervoso com mulheres e tudo isso”, portanto para
satisfazer seus desejos costuma visitar prostitutas, em encontros sistematizados, se recusa a
entrar em detalhes, por que, segundo ele a mãe lhe ensinou que “nunca se deve falar de coisas
sujas”.
R. também investe grande parte da sua energia em longas caminhadas, costuma sair
para andar todas as noites, às vezes, até por 5 horas. Os vizinhos ficam preocupados, tendo
chamado à polícia em diversas ocasiões. Porém, no último tempo R. vem perdendo o
interesse nessas caminhadas, porque “a rua é muito perigosa”. É muito religioso da vida toda,
frequenta um templo regularmente. Igualmente, está envolvido numa série de atividades
comunitárias, sendo apreciado pela comunidade, embora achem ele um tanto estranho. R.
passa seu tempo livre sozinho, assistindo TV (especialmente o canal dedicado a casos
criminais) e armando modelos militares de plástico.
Nos dois últimos anos, os colegas de trabalho foram percebendo mudanças graduais
na conduta de R. Embora sempre achassem ele algo estranho, nos últimos anos as suas
interações sociais começaram a parecer confusas e inadequadas: sorri quando está zangado e
fica estressado e agitado quando os demais estão rindo. Um colega que o conhece bem
começou a suspeitar que poderia estar usando alucinógenos, fato que R. nega.
Por isso, desde então, tornou-se extremamente cuidadoso, a fim de evitar qualquer
erro possível: checa duas vezes as entregas e até volta para cada loja para verificar ter feito a
entrega correta. Nos últimos 6 meses, começou, também, a checar as fechaduras de sua casa
todas as noites. Embora more num bairro residencial, afirma que os jovens da área não
gostam dele e planejam assaltar a sua casa. Igualmente desliga o telefone à noite, para evitar
ligações com ameaças.
Finalmente, nos últimos meses, R. também vem insistindo em que tem cirrose
hepática. Embora os exames laboratoriais foram todos negativos, ele afirma que sente o
fígado apodrecer. Essa ideia parece ter aparecido depois de que R. assistiu um programa na
TV sobre os efeitos do alcoolismo.
Paciente de 18 anos, masculino, branco, solteiro, não estuda ou trabalha, sem religião. Nível
de escolaridade: ensino fundamental completo. Fuma 1 maço/dia há um ano e uso diário de
maconha por 18 meses, tendo parado abruptamente há 1 mês. Faz uso de bebidas alcoólicas
cerca de 2 ou 3 vezes por semana, em bares perto de onde mora. Ao ser questionado sobre
como adquire as drogas para consumo, ele afirma utilizar o dinheiro que ganha do pai ou do
avô. Nega furtos ou outro envolvimento criminoso.
Afirma ter sido o único episódio de agressão a animais e diz estar arrependido. Agrediu o
vizinho (com socos no rosto) e o porteiro do prédio (com pedradas) porque ambos o
provocavam e faziam piada dele. Desses episódios não se arrepende, afirmando que ambos
mereceram por não gostarem dele. Ele também coloca que tem péssimo relacionamento com
o padrasto, com quem morou desde os 3 anos de idade, e teve vontade de matá-lo mais de
uma vez. Entretanto, o máximo que chegou a fazer foi esfaquear a parede.
A mãe afirma que o paciente tinha muito ciúme do relacionamento do irmão caçula com o
padrasto (pai biológico da criança) e que a maioria das discussões envolviam a
“superproteção” e as regalias concedidas ao segundo filho e não a ele. O paciente também
apresentou problemas na escola tanto de relacionamento (os colegas o chamavam de louco)
quanto de aprendizagem (repetiu o 1º e o 7º anos). Após explanação do tema para o paciente
e sua responsável, assim como estabelecidas as regras e sigilos, o mesmo assinou o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido.
Caravaggio começou a trabalhar com apenas 13 anos, como aprendiz de um pintor em Milão.
Adolescente, tinha já perdido pai e mãe, mas não foi exatamente de tristeza que sofreu.
Caravaggio era tão briguento que logo vendeu os bens da família para pagar fianças. Na
bancarrota aos 18 anos, decidiu tentar a sorte em Roma. E, para ser visto como um menino
prodígio, não economizou na mentira. Dizia ter dois anos a menos. Logo isso atraiu um
mecenas, que o sustentou para pintar quadros provocantes (com insinuantes meninos
seminus). Aos 25, se deu bem de novo: começou a pintar para a Igreja e logo se tornaria o
artista mais conhecido de Roma.
Só que outra característica deste transtorno é o vício em perigo. Mesmo em seus quadros
religiosos, Caravaggio usava meretrizes para representar a virgem Maria e ladrões para os
santos. Imagine sua satisfação ao saber que a corte papal estava recebendo a pintura de uma
prostituta para ser adorada como santa. Caravaggio não se casou nem teve filhos – um
escândalo para a época. Atrasava a entrega dos quadros e recebia multas. Mas era esperto:
sempre que se metia em briga, tinha contatos para sair da prisão.
Certa vez, alguém denunciou que suas obras para a Igreja eram impuras. Caravaggio desferiu
um golpe de adaga no infeliz. Quase matou outro por ter dormido com a sua prostituta
preferida. Num jantar, o garçom não lhe deu suficiente atenção e ele lhe jogou um prato de
alcachofras fervente na cara. E as coisas pioraram. Um dia quebrou a cabeça de um sargento.
Mas jurou no julgamento que “uma pedra caíra de um telhado”. Não demorou muito tempo
na prisão: subornou os guardiões e fugiu com a ajuda de um cardeal. Até que assassinou um
homem a punhaladas numa briga.
Foi condenado à pena capital, mas fugiu para Malta, onde, para pôr a cereja em sua carreira
psicopática, foi condecorado com o título de cavaleiro da Sagrada Ordem dos Hospitalários.
Claro, se envolveu numa briga, foi preso, fugiu… até que, aos 39 anos, apareceu morto numa
praia.