Amduat e Egito
Amduat e Egito
Amduat e Egito
Instituto Multidisciplinar
Departamento de História e Economia
Nova Iguaçu
2013
2
RESUMO
Durante o Reino Novo as paredes das tumbas de faraós e particulares passam a ser
preenchidas com o conjunto egípcio de textos que conta a viagem de Rá pelas doze horas da
noite intitulado AmDuat ou “O que há no Submundo”. Este conjunto apresenta características
que não estão presentes nas três grandes composições mortuárias que compõe o corpus
funerário real: o Texto das Pirâmides, o Texto dos Sarcófagos e o Livro dos Mortos. Todavia,
apesar de não se encaixar nessa sequência de textos, é utilizado pela realeza. Sua concepção
aconteceu provavelmente no Segundo Período Intermediário, período anterior à sua
utilização. Os Períodos Intermediários são momentos na história egípcia em que a
organização do país se encontra prejudicada e o poder fragmentado. Sob essas circunstâncias,
somadas às suas características específicas, Segundo Período intermediário proporciona
condições favoráveis para a criação de um conjunto de textos funerários à parte do tradicional
vigente.
Nova Iguaçu
4
2013
Luísa Barbosa Faria
Banca Examinadora
ABSTRACT
During the New Kingdom the pharaohs and private tombs were covered with a Egyptian
composition about the Sun God‟s travel through the twelve hours of the night. This
composition is called AmDuat or “what‟s in the netherworld”. It presents characteristics that
are not found in the three largest mortuary compositions which compose the royal corpus of
funerary texts: the Pyramid Texts, the Coffin Texts and the Book of the Dead. Nevertheless,
despite the AmDuat do not fit entirely in this sequence of texts it was used by royalty. Its
conception took place probably at the Second Intermediate Period. The Intermediate Periods
are moments in Egyptian history when this country organization finds itself damaged and its
power fragmented. Under those circumstances, added to its specifics characteristics, the
Second Intermediate Period provides propitious conditions for the creation of the AmDuat.
AGRADECIMENTOS
Agradeço acima de tudo aos meus pais. Por toda a paciência que tiveram durante estes
cinco anos e meio de faculdade.
À minha família, por sua constante torcida e interesse pelos meus estudos e por
sempre estarem dispostos a ajudar.
Aos meus colegas de faculdade e amigos que percorreram comigo esta distância,
ouviram meus desabafos, compartilharam reclamações e necessários momentos de
descontração neste caminho.
Ao meu orientador, por acreditar neste trabalho a ajudar a concretizá-lo.
7
“Se nada sabemos ainda acerca da vida como podemos saber acerca da morte?”
Confúcio
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 9
CAPÍTULO I – Contexto Histórico - Segundo Período Intermediário e Reino Novo. ........... 16
Religião e poder ............................................................................................................................17
Os Períodos Intermediários...........................................................................................................21
O Reino Novo................................................................................................................................26
CAPÍTULO II – Literatura no Egito Antigo ......................................................................... 33
CAPITULO III - Literatura Funerária Real .......................................................................... 44
CAPÍTULO IV – O AmDuat ............................................................................................... 56
Estrutura.......................................................................................................................................60
Narrativa ......................................................................................................................................66
CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 71
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................. 73
ANEXO ............................................................................................................................... 76
ILUSTRAÇÕES .................................................................................................................. 90
9
INTRODUÇÃO
Ao longo de sua história principalmente a partir da unificação (3200 a.C. 3000 a.C.1) o
egípcio apresentou duas características: a utilização de um sistema singular de escrita e a
preocupação com o pos-mortem. Segundo Budge (2006), escavações de cemitérios egípcios
do período pré-dinástico (de 4400 a. C. à 3200 a.C.) já mostrava a preocupação deste povo
com o cuidado com os mortos e seu sepultamento2. Contudo, este trabalho coloca seu foco no
período em que a religião e a escrita já estão há muito tempo ligadas e são utilizadas para
garantir, através da palavra escrita, que o falecido possa viver novamente. Nas palavras de
Cardoso (2004):3
O primeiro texto funerário do corpus real4 que se tem notícia foi encontrado na pirâmide de
Unas (2375-2345 a.C.), na quinta dinastia5 (2494-2345 a.C.) no Reino Antigo. Além disso, o
fato de o primeiro exemplar dos Textos das Pirâmides conhecido ser originário do Reino
Antigo possuindo um texto bem elaborado contendo 228 expressões pode indicar que o início
de sua construção aconteceu muito antes, podendo ter sido acrescentado e modificado com o
tempo. O Texto das Pirâmides continuou sendo modificado chegando a mais completa versão
com 712 expressões na pirâmide da de Pepi II (2278-2184 a.C.) 6.
O presente trabalho irá tratar especificamente do conjunto funerário intitulado
AmDuat, cujas principais noções se encontram no Texto das Pirâmides e o Livro dos dois
1
As datas utilizadas neste trabalho são baseadas na cronologia proposta por Ian Shaw (2003).
2
BUDGE, E. A. O livro Egípcio dos Mortos. 6 ed. São Paulo: Pensamento, 2006, p. 14-15
3
CARDOSO, C. F. S. O Egito Antigo. São Paulo: Brasiliense, 2004, p. 91.
4
Fazem parte do corpus de textos reais funerários neste trabalho as composições: Textos das Pirâmides, Textos
dos Sarcófagos e Livro dos Mortos.
5
FAUKNER, R. O. The Ancient Egyptian Pyramid Texts. Osford: University Press, 1969. Tradução por
LÓPEZ, F., THODE, R. Los textos de Las Pirámides. Madrid, 2003. Disponível em:
<http://www.egiptologia.org/pdfs/LosTextosdelasPiramides.pdf>. Acesso em: 04 de Setembro de 2013. 14:16
6
Ibid, loc. sit.
10
7
O termo “livro” é muitas vezes utilizados para se referir às composições textuais do Egito Antigo, porém, não
existiam nesta época livros como conhecemos hoje.
8
LÓPEZ, F. e THODE, R. Introducción. El Libro Del Amduat. Disponível em:
<http://www.egiptologia.org/textos/amduat/>
9
dwAt, submundo. “Originalmente o Lugar do crepúsculo matinal, popularmente conhecido como “a Duat”
(...)” (GARDNER, 2007, p. 487)
10
Nos principais autores utilizados para trtar do AmDuat, o deus solar é considerado Rá.
11
LÓPEZ, F. e THODE, R. Introducción. El Libro Del Amduat. Disponível em:
<http://www.egiptologia.org/textos/amduat/>
12
Ibid.
13
O Livro da Terra e Livro da noite.
14
MOJSOV, B. The Ancient Egypt Underworld in the Tomb of Sety I: Sacred Books of Eternal Life. The
Massachusetts Review, Egypt, v. 42, n. 4, p. 489-506, winter 2001/2002, p. 494
15
CARDOSO, op. cit., 2004, p. 65
11
utilizado, no Reino Novo, por diversos reis até Ramses IX (1126-1108), parte da decadente
XX dinastia no fim do período e por particulares.16
O AmDuat pode ser encontrado na versão reduzida17 e extensa nas paredes dos
sarcófagos, em alguns, como no de Amenhotep I, ambas as versões eram reproduzidas. A
primeira apresenta apenas textos enquanto a segunda vem acompanhada de ilustrações. A
primeira reprodução das versões curta e ampliada completas encontra-se no túmulo de
Thutmosis III (1479-1425 a.C.), segundo faraó a utilizar o texto. O autor Keith C. Seele
estudou essas versões e apresentou suas principais características em seu curto artigo, “A rare
Grammatical Construction in a Negleeted Egyptian Text”.18
O autor sustenta que a versão curta pode ter sido a mais antiga, escrita originalmente
em papiro e não era igual a encontrada no Reino Novo do que discorda Mojsov (Winter,
2001/2002), para ele o texto nunca foi escrito em papiro 19. Manassa cita o “Papiro do
AmDuat” no Terceiro Período Intermediário 20. Para Seele, o AmDuat não possuía o mesmo
objetivo, não era usado da mesma forma quando foi composto. Ele apóia essa idéia com a
21
interpretação do texto como um “mistura confusa de elementos heterogêneos” . A versão
longa do AmDuat contém trechos de uma escrita com tom misterioso e vinhetas ilustrativas
teria ficado menos compreensível com o passar do tempo, distanciando-se do original que
possuiria instruções para o escriba. Esta interpretação não será defendida nesse trabalho e a
versão analisada será a versão extensa. Certamente a versão curta é menos detalhada, mas os
elementos principais contidos da versão completa estão presentes; a escrita é feita de forma
mais clara e da esquerda para a direita.22
16
LÓPEZ, F. e THODE, R. Introducción. El Libro Del Amduat. Disponível em:
<http://www.egiptologia.org/textos/amduat/>
17
A versão reduzida não contém ilustrações e pode ser encontrada em tumbas e em papiro. É uma espécie de
resumo, com nomes importantes e notas sobre o uso do livro: HORNUNG, E., ABT, T. The Egyptian Amduat –
The Book of the Hidden Chamber. Tradução de: David Warburton. Zurich, 2007. Intruduction. Disponível em:
<http://www.livinghumanheritage.org/Amduat%20Hidden%20Chamber.html>. Acesso em: 06 de set. de 2013,
02:46.
18
SEELE, K. A Rare Grammatical Construction in a Neglected Egyptian Text. Journal of Near Eastern
Studies. Chicago: The University of Chicago Press, Oct. 1949 v. 8, n. 4, p. 359-354, 1949. Disponível em:
www.jstor.org/stable/542902 Acesso em: 06 de Fevereiro de 2013 08:13,
19
“It was never written on funerary papyri.”: Ibid, p.495:
20
MANASSA, C. The Late Egyptian Underworld: Sarcophagi qnd Related Texts from Nectanebid Period.
Wiesbaden: Harrassowitz Verlag, 2007, p.67.
21
“confused mingling of heterogeneous elements”: SEELE, op. cit., Oct. 1949, Pag. 360.
22
Ibid, loc. cit.
12
23
MANASSA, op. cit., 2007, p. 71.
24
Ibid, p. 361.
25
O egípcio dividia o homem em diferentes partes de elementos corpóreos e não corpóreos. Budge (2006) faz
uma divisão em nove partes: o corpo físico, khat; o duplo, ka; a alma, ba; a sombra, khaibit; o coração, ab; a
alma espiritual, khu; o poder, sekhem; o nome, ren e o corpo espiritual, sahu. João (2008) o divide em seis: ka,
ba, corpo, sombra, nome e coração. Os quatro primeiros são os mais citados nessa trabalho. João (2008, p. 68)
descreve o ka como a “força vital” do indivíduo ou seu “princípio de sustento”, o ba como “o elemento principal
da personalidade do egípcio”, o que o diferencia dos outros. Dá ao morto mobilidade e existe tanto nos deuses
quanto nos homens e seres inanimados. Budge (2006, p.34-35) descreve o ka como “individualidade ou
personalidade abstrata”, possuía a forma e características de quem pertencia e poderia movimentar-se fora do
corpo, ele precisa de alimento para seu sustento o que fazia através das oferendas. O ba é descrito por este autor
como “alma do coração”, é ligado ao ka e partilha com eles as oferendas, pode existir na forma material ou
imaterial. A sombra está ligada ao ba e se alimenta das oferendas da mesma forma podendo se locomover fora
do corpo.
26
Disponível em: http://www.egiptologia.org/textos/amduat/
27
Necrópoles Imhet: necrópole existente na Duat, um local de enterramento. imHt – submundo (GARDNER,
2007, p. 553) Sokar é o guardião desta necrópole. Ambos serão vistos novamente no último capítulo.
13
mortos à vida na hora seguinte e submetendo os inimigos de Osíris na outra. Na décima hora
pode ser visto o que acontecia com as almas daqueles que morriam no Nilo. Estes, apesar de
não terem sido submetidos a um sepultamento apropriado, são abençoados por suas águas e
podem ter uma boa vida no pós-morte. A décima primeira hora é feita de preparações para o
amanhecer e a conseqüente ressurreição de Rá junto ao falecido no amanhecer do fim da
décima segunda hora28.
O AmDuat possui algumas particularidades que serão tratadas nesse trabalho. Como já
foi dito, ele inaugura um novo tipo de abordagem para os textos funerários, principalmente
reais. Até então fazia parte do corpus oficial da realeza três conjuntos de textos que foram
utilizados, cada um ao seu tempo, pelos faraós até mesmo durante a utilização do AmDuat.
“Os Textos das Pirâmides”, os “Textos dos Sarcófagos” e o “Livro dos Mortos” possuíam a
mesma base contínua. A diferença entre os três não se encontra apenas no conteúdo, mas na
sua utilização.
O Texto das Pirâmides era de uso exclusivo dos faraós durante o Reino Antigo, apenas
eles tinham o direito a ressurreição e a vida junto aos deuses. A salvação do faraó garantia a
salvação do povo cuja imortalidade era vivida da mesma forma que sua vida terrena.29
Durante o Primeiro Período Intermediário, quando o poder deixa de estar nas mãos dos faraós
egípcios, o homem comum tem a chance de mostrar suas próprias preocupações com sua vida
após a morte o que foi refletido nos Textos dos Sarcófagos, presente também no Reino Médio,
que além de ser utilizado pela realeza, passa ser usado por alguns grupos mais importantes da
sociedade e ainda eram escritos em sarcófagos. Da mesma forma, o Livro dos Mortos mostra
uma abertura ainda maior em relação à sua utilização. Foi utilizado pela primeira vez do
Segundo Período Intermediário e depois, largamente, no Reino Novo. Poderia ser adquirido
por qualquer um disposto a pagar por ele o que era facilitado pela sua nova forma de
utilização, o papiro. O Texto dos Sarcófagos e Livro dos Mortos surgiram em um Período
Intermediário o que pode indicar que foi graças à mudança de poder deste período que foi
possível mais uma ampliação na distribuição do conjunto de textos funerários oficial utilizado
inicialmente disponível apenas para a realeza.
28
Resumo retirado de: MOJSOV, op. cit., winter 2001/2002, p, 496-496.
29
JOÃO, M. T. D. Dos Textos das Pirâmides aos Textos dos Sarcófagos: A “Democratização” da
Imortalidade como Processo Sócio-Político. 2008. 103-179 f. Dissertação (Mestrado em História) –
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008. Disponível em: <
http://www.historia.uff.br/stricto/teses/Dissert-2008_JOAO_Maria_Thereza_David-S.pdf>. Acesso em: 04 de
setembro de 2013. 15:10, p. 76
14
30
CARDOSO, op. cit., 2004, p.58.
15
introduzidas. Será observada a forma com que a Duat é abordada, as características do texto e
as informações que ele contem, seus objetivos e como as imagens são utilizadas.
16
31
Tabela 1 - Datas e Dinastias dos Períodos no Egito Antigo
Este capítulo irá abordar três aspectos específicos que juntos defenderão está hipótese
e localizarão o AmDuat em seu tempo.
Na religião egípcia as crenças funerárias e, consequentemente, tudo aquilo que estava
ligado a elas formavam um conjunto muito importante. A religião e o aspecto divino do faraó
eram fundamentais para manter a coesão e o poder do Estado e as forma com que ele era
tratado no pós-morte estava diretamente ligada à sua vida junto aos deuses. Assim, o primeiro
aspecto será a relação entre religião e poder no Estado egípcio além de como os textos
funerários se inserem nessa relação tentando explicar a rigidez com que estes textos eram
31
Tabela baseada na cronologia de Ian Shaw : SHAW, I. (Ed.). The Oxford History of Ancient Egypt. New
York: Oxford University Press. 2003, p. 480-489.
17
Religião e poder
32
No Primeiro Período Intermediário o poder fica nas mãos dos monarcas locais, no Segundo por estrangeiros
chamados de hicsos e no Terceiro governantes egípcios de dinastias paralelas, nem todos com o título de faraó.
(CARDOSO, 2004, p.58/75)
33
KEMP, B. J. El Antiguo Egipto: Anatomía de uma Civilización. Barcelona: Crítica, 1996, p. 233.
18
as duas dinastias dominadas por estrangeiros, familiarizados com a cultura local, escolheram
para si um deus dinástico e uma cidade para este deus. Vale ressaltar que o culto oficial
presente nos palácios e templos com seus elaborados conjuntos de mitos não correspondiam
inteiramente à religião e à lógica religiosa popular.40 O egípcio comum mesmo cultuando os
mesmos deuses dos sacerdotes nos templos, o fazia de forma diferente, toda explicação
cosmológica oficial que era vista como necessária para a religião raramente seria
compreendida por todos, além disso, existiam elementos dos cultos populares que não se
encontravam no oficial, como o culto aos animais sagrados.
No geral o faraó era o filho do deus, que mudava de acordo com a dinastia vigente. O
que acontecia era a “teogamia” 41, forma de explicar e validar uma escolha política, a escolha
do rei. Nela, o herdeiro do trono não nasceria do rei e da rainha, mas dela e do deus que no
momento da concepção tomaria a forma do rei. Assim, o faraó só seria legitimado se nascesse
de uma rainha ou casasse-se com um membro feminino da família real. Quando isso não era
possível o aspirante a rei ou rainha encontrava uma forma de se legitimar e receber o título de
“Filho” do deus. A idéia de divindade do faraó estava constantemente presente na iconografia
e textos como uma forma de tornar este um fato real e constantemente presente na vida dos
egípcios, sua explicação, assim como a explicação de tudo o que estava relacionado à
divindade, era constantemente feita através de mitos.42
Foi durante as primeiras dinastias em que a tradição da divindade do rei passou a
existir, ele era o mediador entre os deuses e as pessoas além de ser responsável por ambos. 43
O mito do nascimento do faraó como filho de Rá nasce na mesma época, o título “Filho de
Rá” é usado a partir do reino de Khafra (2558-2532 a.C.) na IV dinastia 44. Essa tradição
perdurou durante os diferentes períodos do Egito antigo, mas a relação do faraó como deus
divino e a humanidade deu-se de forma diferente durante os reinos egípcios. No Reino Antigo
o rei era a própria reencarnação de Hórus, fazendo dele o deus na Terra. Indícios dessa
percepção podem ser encontrados no Dinástico Primitivo onde o deus estaria integrado na
pessoa do faraó45. No início desse período o nome do faraó era relacionado ao de Horus e
nebty, que se refere às duas deusas tutelares do Egito, Nekhbit e Wadjet. Outro termo
40
CARDOSO, op. cit., 2004, p. 88-89
41
GRALHA, op. cit., 2002, p. 89-90
42
GRALHA, op. cit., 2002, p. 87.
43
MALEK, J. The Old Kingdon (c.2686-2160 BG). In. SHAW, I. (Ed.). The Oxford History of Ancient
Egypt. New York: Oxford University Press, 2003, p,92.
44
Ibid, loc. cit.
45
CARDOSO, op. cit., 2004, p. 51
20
utilizado era netjer e referia-se tanto para deuses como faraós, porém era geralmente
precedido da palavra nefer para se referir aos faraós, o que significa “deus-júnior”46. Essa
concepção é modificada com o surgimento o mito do nascimento divino colocando o rei como
Filho de Rá, diminuindo sua importância divina. No Texto das Pirâmides essa nova visão fica
clara na Expressão 309 da pirâmide de Unas, rei do final da V dinastia: 47
O rei serve o Deus-Sol
A decadência da autoridade do faraó continuou e no Reino Médio ele estava mais próximo
dos homens e de suas necessidades, sem ter perdido sua divindade. Nos seis hinos
direcionados a Sesostris III48 as boas características do faraó são destacadas, dentre elas a sua
grande capacidade militar, o cuidado com seu povo e sua ligação com os deuses. No pequeno
trecho seguinte ele é visto como compassivo com seu povo:
No Reino Novo o faraó conheceu o auge do seu poder como Filho de Amon-Rá. O monarca
era similar ao deus de forma superior à similaridade que existia no Reino Antigo.
46
MALEK, op. cit., 2003, p. 92.
47
LICHTHEIM, M. Ancient Egyptian Literature: The Old and Middle Kingdoms. Berkeley, Los Angeles,
London: University California Press, 2006, v.1., p. 39.
48
Ibid, p. 199.
21
Os Períodos Intermediários
49
CARDOSO, op. cit., 2004,p.53.
50
HAYES, W. C. The Middle Kingdon in Egypt: Internal History from the Rise of the Heracleopolitans to the
Death os Ammenemes III. In. EDWARDS, I.E S., GADD, C J., HAMMOND, N.G.L. (Ed.) The Cambridge
Ancient History: Early History of the Middle East. 3 ed. Cambridge: Cambridge Univerdity Press, 2008. 1v.
Part 2, p. 518.
51
CARDOSO, C. F. S. Sete Olhares Sobre a Antiguidade, s/d, p.51
22
densamente povoado por asiáticos foi neste local que a dominação dos Hicsos se iniciou, mais
especificamente em Avaris. O grande contato com a cultura egípcia fez com que o os hicsos
acabassem por absorvê-la continuando atitudes tradicionais egípcias como escolher um deus
dinástico para o seu governo. No Terceiro Período Intermediário o Egito, que está dividido
desde o fim do período anterior, continua a dividir-se com as dinastias acontecendo
paralelamente e sem seguir um padrão, há ainda dinastias estrangeiras lideradas por líbios,
XXII, e núbios, XXV.
A literatura é um fator claramente presente nas transições entre um Reino e um
Período Intermediário. Basta lembrar-nos das três maiores composições funerárias reais que
preencheram e decoraram as paredes das pirâmides e tumbas reais, permitindo aquele que o
conhecesse alcançasse vida eterna ao lado dos deuses, desde o Reino Antigo e que e
modificou a cada reino subseqüente: Os Textos das Pirâmides, Os Textos dos Sarcófagos e
por último o Livro dos Mortos. A substituição de cada um destes textos reais pelo outro não
significava apenas uma mudança no texto, pois ela não é feita de forma regrada com cada
texto existindo apenas em um período específico, a maior mudança teria sido a abertura na
sua utilização. No Reino Antigo os textos e ritos funerários eram privilégio apenas da realeza,
quando no Período Intermediário já podem ser utilizado por funcionários reais de maior
importância que poderiam arcar com as grandes despesas. No Reino Novo o texto funerário,
que é agora majoritariamente o Livro dos Mortos, era encontrado em papiro facilitando sua
troca e podendo ser comprado por todos que possuíssem condições para isso. Com o texto
disponível em papiro e a autonomia financeira sendo progressivamente alcançada pelos
egípcios, uma parte da população muito maior passa a ter acesso àquilo que garantiria sua
vida entre os deuses.
O Período Intermediário que aqui mais nos interessa é o segundo, pelo fato de ser
anterior ao período de utilização do AmDuat. A tomada do poder pelos Hiksos não foi feita
totalmente através de conflitos bélicos. Como foi comentado, este povo já se encontrava no
Delta muito antes da XV dinastia. Já no Primeiro Período Intermediário havia evidências de
estrangeiros de origem asiática em Tell el-Dab‟a, em Avaris52, porém há uma dificuldade de
identificar suas origens. O constante contato com a cultura egípcia modificou com o tempo a
cultura estrangeira fazendo com que os registros de sua passagem como construções e
cerâmica possuísse características de ambas o que foi acelerado pelo rápido desenvolvimento
52
BOURRIAU, J. The Second Intermediate Period (c.1650-1550). In., SHAW, I. (Ed.). The Oxford History of
Ancient Egypt. New York: Oxford University Press. 2003, p. 176
23
cultural em el-Dab‟a.53 A evidência mais clara que comprova o ligação desta cidade com os
hicsos se encontra na tumba de Nehesy, alto oficial e, por um período, rei de Avaris durante a
XIII ou XIV dinastia. Nela, Nehesy é colocado como filho e Rá e Seth e é descrito como rei
de Avaris54. A expansão do poder hicso começou em Avaris, mas não terminou nela. Ter o
domínio do Delta não era suficiente para conseguir e manter o controle sobre todo o país, era
preciso ter controle sobre todo o Nilo. Para isso, o próximo passo dos Hicsos foi o mesmo
dado por que todos o que buscavam este mesmo objetivo: ter o controle de Menfis 55.
O constante aumento de poder pelos Hicsos e sua expansão pelo Egito encontrou
alguma resistência da parte egípcia o que resultou em conflito, destruição e subjugação de
grupos nativos. Com o poder estabelecido o hicsos impuseram altas taxas aos reinados do sul,
contudo sua administração não foi tão rígida56. Após o término do período, com a dinastia
egípcia e a centralização restabelecida, os egípcios passaram a tratar o episódio Hicso como
uma fase obscura pela qual o país passou57, pensamento compreensível originário de um
grupo que perdera seu poder. Contudo, o período hicso não foi de todo conflituoso e isso pode
ser explicado pela forma com que eles levaram seu governo, ao invés de impor suas
instituições e cultura mantiveram muito da realidade egípcia tanto na política quanto na
religião. Utilizavam a escrita hieroglífica e nomenclaturas reais egípcias. Estabeleceram uma
religião oficial e escolheram como deus dinástico Seth de Avaris, sua cidade capital.
O culto de Seth é originário do Alto Egito e foi implantado no nordeste do delta por
volta da IV dinastia.58 Hayes vê a possibilidade de Seth ter sido reconhecido pelos Hicsos
como um de seus deuses asiáticos59. Contudo, Rá continua presente na nomenclatura dos reis
estrangeiros60 assim como seu culto e o de outros deuses ainda persistia 61. Durante esse
período o Egito aumentou seu contato com o exterior, particularmente a Ásia ocidental, e
conseguiu acelerar sua condição tecnológica aproximando-se da de outros países62. As
53
Ibid, loc. cit.
54
Ibid, p 177.
55
Ibid, p.183.
56
HAYES, T.G.H. Egypt: From the Expulsion of the Hiksos to Amenophis I. In. EDWARDS, I.E S., GADD, C
J., HAMMOND, N.G.L., SOLLBERGER (Ed.). The Cambridge Ancient History: History of the Middle East
and the Aegean Region. 3 ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2008, 2v. Part 1, p.55
57
GRIMAL, N. História do Egito Antigo. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 198
58
HAYES, op. cit, 2008, 2v. Part 1, p. 56
59
Ibid, loc. sit.
60
GRIMAL, op. cit., 2012, p,197.
61
GRALHA, op. cit., 2002, p.42
62
CARDOSO, op. cit., 2004, p.58-60.
24
mudanças apresentadas pelos Hicsos e continuadas no Reino Novo alcançam níveis além dos
citados. Shaw resume estas mudanças
Durante a XVI dinastia dos hicsos em Avaris formou-se a XVII dinastia em Tebas
originária de um ramo local tebano da XIII dinastia egípcia 64. Enquanto em Avaris Apofis I
(1555) encontrava-se no poder, em Tebas governava um rei chamado Antef VII (--) que
manteve uma relação de paz com os hicsos durante o seu reinado 65. Esta paz durou apenas por
um tempo, os conflitos começaram pouco depois, no reinado de Taa66 (c. 1560) e duram até a
expulsão total dos estrangeiros por Ahmés I (1550-1525). Com a vitória de Ahmés, Avaris
sofre um grande êxodo e destruição de tudo o que foi construído nas XV e XVI dinastias,
assim como acontece em Menfis. Assim, há um rompimento cultural entre o reinado dos
Hicsos e a XVIII dinastia. Contudo, o culto a Seth permanece e se expande no Reino Novo 67.
James (2008)68 utiliza a fonte “Story of Apophis and Seqenenre” para falar sobre a
situação do Egito no período em que Apofis (c.1555) está à frente de Avaris e Seqenenre
(1560) de Tebas. De acordo com a fonte, os conflitos entre Hicsos e egípcios na XVII dinastia
foram resultado da simples provocação hicsa. Segundo ele, é possível, contudo, constatar a
situação do Egito no fim da dominação hicsa. Neste momento, o país encontra-se dividido e
compelido a pagar tributos à Avaris. O início dos conflitos entre Tebas e Avaris está
registrado na estela de Kamose. Nele, este rei pede apoio ao principado de Kush, o que nega,
alegando que a situação do Egito no momento é estável e de paz. A relação amigável entre
Avaris e Kush, que de acordo com James69 era tributária, pode ser comprovada por uma carta
63
: “Over the bridge established by the Hyksos and maintained by the pharaohs of the New Kingdom there
flowed into the Nile Valley in unprecedented quantity new blood strains, new religious and philosophical
concepts, and new artistic stiles and media, as well as epoch-making innovations of a more practical nature.”:
HAYES, op. cit, 2008, 2v. Part 1, p.56-57.
64
GRIMAL, op. cit., 2012, p. 198.
65
Ibid, p. 200.
66
Ou Seqenenra.
67
BOURRIAU, op. cit., 2003, p. 202.
68
JAMES, T.G.H. Egypt: From the Expulsion of the Hiksos to Amenophis I. In. EDWARDS, I.E S., GADD, C
J., HAMMOND, N.G.L., SOLLBERGER (Ed.). The Cambridge Ancient History: History of the Middle East
and the Aegean Region. 3 ed. Cambridge: Cambridge Univerdity Press, 2008. 2v. Part 1, p.
69
JAMES, op.cit., 2008. 2v. Part 1, p. 297
25
enviada por Apófis ao príncipe de Kush após o ataque de Kamose. Na carta, que foi
interceptada por Kamose, Apofis pedia para que o príncipe de Kush atacasse o Egito 70. O
autor afirma que esta paz era apenas superficial e que o ataque de Kamose contra os Hicsos
foi motivado principalmente por orgulho 71. Ele ainda considera possível que este ataque não
tenha sido esperado pelos Hicsos, o que foi o principal elemento para seu sucesso 72.
Kamose deu início a expulsão dos hicsos. Suas campanhas não obtiveram sequência
imediata73, mas foram continuadas pelo primeiro rei do que foi considerado o Reino Novo.
Sobre este ponto, existe uma divergência entre os autores utilizados nesta monografia.
Inicialmente, o nome Amosis é a versão grega de Ahmés, o que faz com que as duas versões
do nome sejam utilizadas por diferentes autores. Entretanto, alguns autores colocam duas
personalidades com o mesmo nome, ou com as versões Amosis e Ahmés, como duas pessoas
diferentes. O autor utilizado como base para a cronologia das dinastias e reinos egípcios,
Shaw, coloca como primeiro rei do Reino Novo, Ahmés 74, o que é adotado por Bryan, Gralha
e Cardoso. James e Grimal consideram Amosis75 como primeiro rei. James ainda cita Ahmés,
porém como oficial que participou e liderou as expedições contra os Hicsos e durante todo
reinado de Amosis e até Hatshepsut. Em um trecho de seu trabalho, James cita que após as
expedições contra Avaris, Apofis considera Ahmés o substituto de Amosis 76. Na
“Autobiografia de Ahmés, Filho de Abana”, traduzida no segundo livro de Lichtheim sobre
literatura egípcia, Ahmés é descrito como o Comandante de Tripulação 77, filho do soldado
que serviu ao rei do Alto Egito Seqenenre. Ahmés escreve na primeira pessoa dizendo que
serviu “na época do Senhor das Duas Terras, Nebpehtire, o justificado.”. De acordo com a
nota da autora e a cronologia de Shaw, este é Ahmés78, fundador da VIII dinastia. Neste
trabalho trataremos apenas Ahmés como primeiro rei do Reino Novo.
Durante a XVII dinastia, Tebas teve seu contato com o Baixo Egito cortado ficando
proibida de ter acesso aos centros de ensino dos escribas em Menfis que durante o reinado
Hicso acabaram por florescer ainda mais. Durante este tempo a criação de novos textos
70
Ibid, loc. cit.
71
JAMES, op. cit., 2008, 2v, Part 1, p. 290.
72
Ibid, p. 292.
73
Ibid, p. 293.
74
Ahmose em inglês.
75
James (2008): Amosis; Grimal (2012): Ahmosis.
76
“For Apophis, Amosis was now substituted”: JAMES, op. cit., 2008, 2v, Part 1, p. 295
77
“Crew Commander”: LICHTHEIM, M. Ancient Egyptian Literature: The new Kingdom. Berkeley, Los
Angeles, London: University California Press, 2006. v.2., p. 12.
78
LICHTHEIM, op. cit. 2006. 1v.,p.14.
26
funerários não avançou em Tebas, assim, Tebas apresentou uma evolução em outro âmbito.
Graças a falta de recursos, houve uma mudança na construção dos sarcófagos. 79
Outra herança do Segundo Período Intermediário que pode ser encontrada no Reino
Novo resulta do conflito entre Tebas e Avaris. A vitória de Tebas vitoriosa ao fim do período
fez com que o culto a Amon se fortalecesse e foi o motivo pelo qual os faraós da XVIII
dinastias fossem provenientes deste local. Com Amon como deus de Tebas e Seth como deus
de Avaris, a guerra entre as duas cidades pode ser encarada como uma batalha entre Amon e
Seth80, o que se torna ainda mais característico pelo fato de Seth ter sido o deus que
representava o caos e a desordem, da mesma forma como os egípcios viam os Hicsos no
momento, e Amon a ordem, os dois deuses eram antagônicos assim como os povos. Assim
como Tebas Amon consegue a vitória sobre Seth e passa a ser o deus dinástico do Reino
Novo, também chamado de Amon-Rá.
O Reino Novo
O primeiro monarca da XVII dinastia, Ahmés, estava à frente da expulsão dos hicsos e
iniciou a reorganização do país, principalmente nas relações exteriores. Parte de sua política é
seguida por seu filho Amenhotep I (1525-1504 a.C.) 81. Com Thutmés I o AmDuat é utilizado
pela primeira vez, ao que se tem conhecimento, e com ele surge outra novidade no âmbito
funerário, Thutmés I (1504-1492 a.; C.) é enterrado no Vale dos Reis, na capital Tebas,
seguido por outros túmulos reais e templos funerários. Esta era uma localização estratégica
uma vez que as tumbas sendo escavadas nas colinas do deserto dificultavam os saques, que
não era raros dada a quantidade de riquezas que o faraó “levava” consigo após a morte. 82
O exato momento em que os Hicsos foram expulsos varia de acordo com cada autor,
contudo todos eles colocam esse momento no reinado de Ahmés. James (2008)83 cita os
escritos deixados por Ahmés onde ele comenta sobre as expedições feitas à Avaris até sua
derrota, porém não há nada relacionado ao restante do Delta. James interpreta essa ausência
79
BOURRIAU, OP. CIT., 2003, p. 193.
80
“Exemplo disto pode ser encontrado em um papiro da XIXª dinastia, mas que se refere ao conflito da XVIIª –
A Querela de Apepi e Sekenenra (Papiro Sllier I: BM nº 10185). A narrativa parece demonstrar uma batalha
mítica entre o monarca de Tebas e o soberano dos hicsos, tendo seus deuses dinásticos respectivos à frente deste
conflito (...)”: GRALHA, op. cit., 2002, p.43.
81
CARDOSO, op. cit., 2004, p. 65.
82
Ibid, loc. cit.
83
JAMES, op. cit., 2008. 2v. Part 1, p. 295
27
como uma indicação de que o Delta apoiava os Hicsos, devido a ameaça que eles
representavam, e sua expulsão por Ahmés terminaria com essa ameaça ficando desnecessária
uma expedição militar contra o Delta. Para garantia a reunificação, Ahmés tomou algumas
medidas. O saque a Avaris foi a primeira delas e existe discordâncias entre autores sobre as
seguintes. A seguir Ahmés fez uma campanha ao sul da Palestina e, após isso, em Buhen, na
Núbia; ao voltar para o Egito precisa finalizar dois levantes, um grupo de estrangeiro vindo no
norte e um levante liderado por um egípcio seguido por aqueles que eram contrários ao atual
reinado. No fim de seu reinado, Ahmés começou uma série de construções nos grandes
centros de culto: Menfis, Karnak, Heliópolis, Abidos e nos limites do Egito em Avaris e
Buhen84. Além das expedições militares, Ahmés iniciou um projeto de construções por todo
Egito começando por Avaris e Menfis. Para Avaris havia um projeto mais ambicioso,
transformá-la em um grande centro para a utilização do governo, provavelmente comercial de
acordo com Ryan85. No final de seu reino, ainda em seu projeto de construções, Ahmés
dedicou-se aos monumentos dos templos destinados aos deuses do Reino Médio, Ptah, Amon,
Montu, Osiris. Contribuiu principalmente para o culto de Amon em Karnak. 86
Após Ahmés tornar os limites do país seguros novamente e com Kush subjugado, era
preciso cuidar dos assuntos internos ligados, principalmente à administração, agricultura,
comércio e religião que foram modificados ou prejudicados durante o Segundo Período
Intermediário. Para manter o controle do Egito, Ahmés substitui a administração dos nomos
por pessoas de sua confiança. Ele tinha o costume de recompensar os serviços prestados,
assegurando a lealdade de seus aliados. Em relação à agricultura, durante o Segundo período
Intermediário o sistema de irrigação ficou sem controle, prejudicando as plantações. 87
Durante o Reino Novo o Egito apresentou uma abertura às influências estrangeiras
como não havia conhecido até então, ocasionando grandes avanços na arte, comércio e guerra.
Esse contato com o exterior consistiu em um processo com início na XII dinastia e que foi
acelerado com a expulsão dos Hicsos, o que votou a atenção do Egito para o leste88. No início
da XVIII dinastia não aconteceram mudanças dramáticas na vida ou cultura no Egito. 89 A
recuperação da economia foi lenta, contudo muitas foram as mudanças feitas. O Egito passou
84
BOURRIAU, op. cit., 2003, p. 203-204.
85
BRYAN, B.M. The 18th Dynasty before the Amarna Period (c.1550-1352). In. SHAW, I. (Ed.). The Oxford
History of Ancient Egypt. New York: Oxford University Press. 2003, p. 208.
86
BRYAN, op. cit.. 2003, p. 209.
87
JAMES, op. cit., 2008. 2v. Part 1, p. 300-301
88
Ibid, p. 302
89
Ibid, p. 302-303
28
90
KEMP, op. cit., 1996, p.250-252.
29
Como deus dinástico Amon precisava ser semelhante ao deus primordial possuindo suas
características, tudo o que era direcionado ao deus sol passa a ser direcionado a Amon, até
mesmo o mito de nascimento do faraó é revisado sendo representado como este deus.92 Nas
“Orações de Paheri”, escriba no reinado de Thutmose I a Oração para Oferendas, encontrada
no texto mortuário de sua tumba, mostra essas características:
Assim, o faraó continua sendo o Rei das Duas Terras, mas agora é também filho de
Amon-Rá. Como Amón era a divindade de Tebas, houve uma ascensão desta cidade no
período assim como de seus sacerdotes. O sacerdócio estava crescendo política e
economicamente em todo o Egito, apesar das tentativas monárquicas de impedir esse
crescimento, dentre este grupo os de Tebas teve uma mudança privilegiada. 94 As atribuições e
responsabilidades do monarca aumentam junto com suas tarefas, dentre delas estava o
cuidado com a relação do Egito com outros países, uma vez que seu isolamento acabara de
vez desde o episódio com os hicsos. A lógica de poder antiga que trazia a autoridade absoluta
do faraó continua no Reino Novo, o faraó agora experimenta um grande poder pessoal.
Contudo, a hierarquia deixa de funcionar de forma única, pois a sociedade está mais plural e o
egípcio passa a lentamente emancipar-se economicamente como será explicado no próximo
capítulo com a abertura dos textos funerários reais para a população em geral. 95
Outro grupo de funcionários reais passa a receber cada vez mais poder do faraó graças
a necessidade de ajuda na administração 96, o principal componente deste grupo era o tjati que
pode ser comparado com os atuais primeiro ministros. Antes cargo único agora se duplica,
91
LICHTHEIM, op. cit. , 2006. v.2., p. 105.
92
KEMP, op. cit., 1996, p. 252.
93
LICHTHEIM, op. cit., 2006. v.2., p. 16
94
CARDOSO, op. cit., 2004, p.61.
95
KEMP, op. cit., 1996, p. 234.
96
CARDOSO, op. cit., 2004, p. 63
30
além de Tebas passa a estar presente em Heliópolis com grandes atribuições judiciárias e
financeiras, fragmentando um pouco o poder do faraó. As instituições subordinadas ao faraó
passam a ser mais consistentes e independentes. Ministros, soldados e sacerdotes fazem parte
desta hierarquia como instrumento do rei e à frente do palácio e templo, marcos materiais da
instituição desde o Império Antigo. A grande diferença é a forma com que essa relação se dá,
antes eram partes de um mesmo sistema, agora estão totalmente institucionalizadas e com
maior coerência resultando em um equilíbrio de forças. 97
A atribuição de grandes poderes a outras instituições e pessoas além do rei não
diminui o poder real. A teocracia faraônica alcançando seu ápice no Reino Novo. O monarca
era divino, estava intrinsecamente ligado ao deus supremo sendo cultuado em vida, um caso
extremo mostra o faraó Akhenaton representado cultuando a si próprio 98, mas este é um caso
à parte que será retomado. Tudo aquilo que reforçava este poder experimentou um
crescimento e refinamento, a arquitetura através dos templos, agora ligados a Amon-Rá,
muito mais sofisticados; dos túmulos reais que passam a ser construídos no Vale dos Reis;
toda a arte ligada a ritos funerários e a religião além dos próprios textos mais elaborados,
todos possuíam agora maior riqueza e sofisticação. 99
A cidade de Tebas resume muito bem essa característica, ela era uma cidade
basicamente cerimonial e sagrada, local onde os faraós frequentemente passavam seus dias.
Reunia uma grande importância religiosa, dedicava-se às festas religiosas e fazia o culto à
monarquia divina. Além de ser o local de onde a crença de Amon como deus superior já
existia, também é a cidade de origem das famílias dos faraós da XVIII dinastia o que aumenta
seu prestígio. A cidade foi totalmente reformada durante esta dinastia e sofreu um grande
aumento populacional passando a ter um tamanho muito maior do que apresentava no Reino
Médio sendo considerada uma das maiores populações do mundo antigo 100. Além de abrigar o
novo local de sepultamento dos reis, possuía entre suas construções o grande templo de Amon
em Karnak onde se encontrava um palácio real em seu território, esse templo é um tipo de
construção de grandes proporções o que agora é prioridade para o Estado. Também abrigava o
templo de Luxor que era dedicado à relação entre o faraó e Amon com cenas do nascimento
do faraó. Ambos os templos eram utilizados em festas religiosas. 101
97
KEMP, op. cit., 1996, p. 233-234
98
CARDOSO, op. cit., 2004, p. 70.
99
GRALHA, op. cit., 2002, p.25
100
KEMP, op. cit., 1996, p. 257-257
101
KEMP, op. cit., 1996 p. 262.
31
De acordo com Cardoso (2004), a XVII dinastia foi a mais conhecida e famosa
podendo ser dividida em três partes, o seu crescimento, seu auge e sua decadência com uma
pequena recuperação. Durante essa decadência ocorreu uma crise religiosa do reinado de
Akenathon (1352-1336 a. C.), movimento efêmero que durou por volta de duas décadas de
1352 a 1336 e ficou conhecido como o período Amarniano 102. Essa crise foi causada pela
ascensão do deus Aton, o disco visível do sol, como deus supremo e único. As divindades
agora eram apenas Aton e o próprio faraó.103 O culto a Aton pode ser também encontrado do
reinado de Thutmés IV, mas sem muita expressividade, ele atinge sua forma radical com
Akenathon, antes chamado de Amenhotep IV que muda seu nome graças mudança do deus
supremo de Amon para Aton. Com o objetivo de torná-lo deus único o faraó tenta proscrever
todos os outros deuses tradicionais com seus cultos e mitos. Esta mudança do deus dinástico
não ocorre imediatamente, Amenhotep IV passa dois anos de seu reinado seguindo a tradição
de Amon antes da reforma religiosa 104.
Segundo Cardoso105 “Sem prejuízo de uma possível inclinação mística sincera de
Akhenaton, a nova religião tinha intenções políticas claras, de exaltação e de deificação do
rei, filho do sol: o faraó foi inclusive representado adorando a si mesmo!”, como na teocracia
egípcia a religião era fundamental para a validação e organização do faraó e do Estado, um
novo deus não favorecia apenas ao próprio deus, mas também ao monarca. Durante este
reinado, a população não fazia parte do culto do deus dinástico e o testemunhava poucas
vezes, outros mitos não foram colocados do lugar dos anteriores e a única ligação que havia
entre os homens e o deus era o próprio faraó 106. Dentre algumas das adaptações necessárias,
Aton passa a ser considerado um deus primordial absorvendo todas as suas características
tradicionais e é construída para ela uma cidade própria, Ahhet-Aton, pois era costume
relacionar o deus dinástico à uma cidade. 107
O culto a Aton não parece ter sido muito difundido apesar de que não há informações
suficientes para medir sua extensão 108, no próprio reinado de Akhenaton havia a
sobrevivência de cultos anteriores. Durante a construção de Amarna os operários reunidos em
102
GRALHA, op.cit. 2002, p. 52
103
Ibid, p. 53.
104
“É apenas no segundo ano de seu reinado que Amenhotep IV dá a Aton o lugar que Amon-Rá ocupava. Antes
ele havia empreendido um programa de construção tradicional.”: GRIMAL, op. cit., 2012, p.132
105
CARDOSO, op. cit., 2004, p. 70
106
GRALHA, op. cit., 2002, p. 53; GRIMAL, op. cit., 2012, p. 234-235.
107
GRALHA, op. cit., 2002, p 53.
108
GRALHA, op. cit., 2002, p.135.
32
sua vila construíam seus próprios templos e neste local existem referências a Amon e Amon-
Rá além dos deuses que significavam proteção para aos trabalhadores, sem que Aton tenha
sido esquecido por estes grupos,109 o que ilustra a pouca difusão do culto e sua breve duração.
Também não se sabe quando exatamente ele acabou, mas o próprio Tutankhaton, sucessor de
Akhenaton, muda seu nome para Tutankhamon ilustrando a volta do culto de Amon. Já no
reinado de Seth I não existem mais vestígios desta reforma.
109
KEMP, op. cit., 1996, p.383
33
Este capítulo será dedicado a fazer uma recapitulação da literatura egípcia desde o
Reino Antigo até o Reino Novo onde foi utilizado pela primeira vez o AmDuat. Aqui será
abordada a literatura presente na esfera privada e real excluindo-se as compilações funerárias,
Texto das Pirâmides, dos Sarcófagos, Livro dos Mortos e livros sobre o submundo que serão
abordados no próximo capítulo.
A autora consultada como base para este capítulo é a Miriam Lichtheim (2006)110 e os
dois primeiros livros de sua coleção sobre a Literatura do Egito Antigo. Seus livros datam do
final da década de 70 ao início da de 80. Novos trabalhos foram produzidos e algumas de suas
idéias questionadas o que não diminui a sua relevância ou valor para o estudo do tema em
questão.
Desde a década de 20 do século passado a literatura egípcia, ou a existência ou não de
uma literatura egípcia, vem sento discutida por estudiosos do assunto e por mais que avanços
tenham sido feitos a questão se mantém até hoje. O primeiro autor, com competência na
língua egípcia e seus escritos, a tratar do assunto de forma eficiente foi Adolf Herman, em seu
texto em 1927 Literatur der Alten Ägypter que dava ênfase ao refinamento estilístico de
alguns textos. Até 1970 sua visão foi a base do entendimento dos egiptologistas sobre o
assunto: a civilização egípcia cujos textos tinham como objetivo preservar suas estruturas e
classes, reunir regras sociais e religiosas não conhecia literatura no moderno conceito da
palavra. A partir da década de 70 passou-se a ser questionado que tipos de composições
seriam considerados literatura, para isso textos individuais eram analisados separadamente e
serviam de modelo para a identificação de um discurso literário. O autor que começou a
questionar a visão anterior foi Jan Assmann, ele entendeu que a literatura egípcia possuía um
discurso cultural próprio e que suas características não se comparavam aos textos
contemporâneos não literários. A questão agora seria definir quais textos seriam literários e
quais não. Assmann foi seguido por diversos estudiosos que tentaram resolver este problema.
No primeiro volume de seu Book of Readings, publicado no mesmo ano do questionamento de
Assmann, 1974, Lichtheim define os gêneros literários egípcios, suas principais características
110
LICHTHEIM, op. cit., 2006, 1v; LICHETHEIM, op. cit. 2006, 2v. As informações retiradas de outros autores
serão especificadas em notas.
34
nessa tarefa foram a análise filológica dos textos e a inserção dos mesmos em seu contexto
histórico e cultural.111
Loprieno (2006)112 levanta uma questão não resolvida da obra de Lichtheim, ela não
especifica o que define um texto como literário, o que deve ser levado em conta para
identificá-lo. Em 1996, seguindo a linha de pesquisa dos anos 80 e 90 que dizia que a ficção
sobrepujava a função na literatura egípcia, o trabalho editado pelo próprio Loprieno continha
um de seus artigos Difining Egyptian Literature: Ancient Texts e Modern Theories 113, sua
solução para o problema traçando três critérios para a identificação de textos literários
egípcios. Neste artigo, o autor também discorda da utilização do “estilo oracional” por
Lichtheim, afirmando que as características que o define não são suficientes para determinar a
natureza literária de um texto. Dentre os seus critérios estão a ficcionalidade; a
intertextualização, teoria que coloca o texto como parte de um “universo de textos” com os
quais ele se relaciona dialeticamente e não como a criação original de um autor e a recepção
que vê a necessidade de leitores para as obras.
Duas outras questões se fazem importantes de serem citadas: o que propiciou o
surgimento do discurso literário e a datação. Após 1970 esse surgimento passou a ser visto
como um fenômeno contíguo que não estava ligada nem ao nascimento da estrutura política
egípcia, nem ao surgimento da “consciência individual”, que só aconteceu no Reino Médio 114.
Para identificar a data de um trabalho é necessário levar em consideração algumas
características. Primeiro as datas implícitas, as que podem ser encontradas facilmente nos
textos, geralmente se referindo a nome de reis e reinos e as explícitas, que surgem a partir do
conhecimento das mudanças na escrita durante os períodos egípcios. Se essas considerações
não forem suficientes ou se mostrarem conflitantes é preciso identificar a configuração interna
de um texto115. Os padrões utilizados pelos egiptologistas para datação também mudaram com
o passar do tempo. Antes da década de 70 era privilegiada a idade mencionada do texto,
fazendo uma tentativa de conectar as características mencionadas, como indivíduos ou fatos,
com as presentes na civilização egípcia. Na década de 70 foi utilizado o critério da linguagem
111
As informações deste parágrafo foram baseadas em: LICHTHEIM, op. cit., 2006, p. xxiii-xxxi.
112
LOPRIENO, A. Defining Egyptian Literature: Ancient Texts and Moderns Theories. In: LOPRIENO, A.
(Ed.). Ancient Egyptian Literature: History and Forms. Leiden, New York, Köln: E. J. Brill, 1996. p. 39-58.
Disponível em: <http://books.google.com.br/books?hl=pt-
BR&id=fq5ViNRi7zoC&q=literature#v=onepage&q&f=false>. Acesso em: 30 de Agosto de 2013 21:22
113
LOPRIENO, op. cit., 2006, p. 39-59.
114
LICHTHEIM, op. cit., 2006,1v., p.xxvii.
115
LICHTHEIM, op. cit. 1v., p. xxviii-xxix
35
autobiografia são os mais importantes do Reino Antigo, por mostrar a autobiografia como um
texto literário completo.
A autobiografia de Weni é um dos principais exemplos do gênero no período, é a
partir daí que a autobiografia mostra um crescimento importante para tornar-se um gênero
literário. Ela é escrita em sua maior parte na forma narrativa e contém uma oração para as
oferendas. Durante todo o texto o autor relata momentos de sua vida onde seus serviços foram
exigidos por sua majestade e como ele os completou de forma satisfatória. Ele mostra o seu
valor através da confiança que os reis tiveram nele a cima de outros nobres ou oficiais
enquanto trabalhava nos reinados de Teti (2345-2323 a.C.), Pepi I(2321-2287 a.C.) e
Mernere(2287-2278 a.C.). A autobiografia se inicia com uma linha horizontal contendo uma
oração para oferendas seguida de 51 colunas verticais esculpidas na parede da capela da
tumba.
116
LICHTHEIM, op. cit., 2006. 1. v., p. 18.
117
Ibid, p. 21.
37
passados em uma sociedade e a relação entre o real e o ideal mostrado pelos textos. A
autobiografia de Harkuff 118 apresenta algumas diferenças da anterior. A maior parte é escrita
em prosa, mas inclui um catálogo de virtudes e orações para oferendas, o que passa a ser
padrão nas seguintes. O catalogo está no formato entre a poesia e a prosa, o estilo oracional.
Ela começa com uma oração para as oferendas que contém um catálogo de virtudes e ao fim a
narração das tarefas mais relevantes que fizera. Essa é a autobiografia mais famosa dos
oficiais do período e, assim como Weni, Harkhuf serviu a Pepi II, Mernere, além de ter
governado o Alto Egito. Estruturada em 58 linhas escritas da fachada da tumba.
“Uma oferenda a qual o rei dá e Osiris, senhor de Busiris: possa Ele viajar
em paz nos caminhos sagrados do Oeste, viajando neles como um honrado.
Possa ele ascender ao deus, senhor do céu, como um honrado por (deus,
senhor do céu). O Conde, Camareiro, Administrador de Nekhen, Prefeito de
Nekheb, Único Companheiro, Sacerdote-leitor, honrado por Osíris,
Harkhuf.”
As Instruções (Instructions) são o segundo maior gênero do Reino Antigo. Com ele há
o problema da atribuição do autor ou época, pois ao contrário dos anteriores as instruções são
direcionadas para uma determinada pessoa, o que pode não estar de acordo com a linguagem,
o estilo, o método de composição ou o pensamento revelado, que são outros aspectos que
devem ser levados em conta ao identificar e datar um texto antigo. Essas instruções são
118
Ibid, p. 23.
38
compostas de listas de ensinamentos a serem passados para aquele a quem era direcionado.
Esses ensinamentos mostravam como ser uma pessoa correta e poderiam indicar como
deveria se limpar, agir em relação a amigos, família ou convidados, também poderiam ser
curtas ou longos. O próximo exemplo será um fragmento das instruções do Príncipe
119
Hardjedef (Instructions of Hardjedef) , mais antiga instrução encontrada, não se sabe sua
verdadeira extensão, pois apenas este início é conhecido. Neste texto pode-se ver o problema
da data e autoria discutido anteriormente, a autora considera como um trabalho pseudográfico
datado aproximadamente na V dinastia.
119
Ibid, p. 58-59.
39
“Uma oferenda a qual o rei oferece (e) Anubis, ele quem está sobre sua
montanha e no lugar de embalsamento: uma oferenda para o honrado Qedes,
quem diz: eu fui um cidadão merecedor quem agiu com seu braço, o
principal de toda a sua tropa. Eu adquiri bois e cabras. Eu adquiri celeiros da
cevada do Alto Egito. Eu adquiri título ao [grande] Campo. Eu fiz um barco
de 30 (côvados) e um pequeno barco que transportou os sem barco na
estação da inundação. Eu adquiri estes na casa de meu pai Iti; (mas) foi
minha mãe Ibeb que adquiriu eles para mim. Eu ultrapassei esta cidade
inteira com rapidez – seus Núbios e seus Alto Egípcios.”
121
Nas Instruções para o Rei Merikare , o nome de seu pai está danificado, mas
conclui-se, a partir de fragmentos do nome, que seja o rei Khety, nome muito usado da
nona/décima dinastia por muitos reis. Aqui está presente uma atitude que não foi encontrada
anteriormente: as instruções feitas por membros da realeza. A autora também o classifica
como provável pseudográfico, mas pertencente à época de que se trata contendo fatos
históricos. No trecho: “Rei Khety, o justificado, previsto no ensinamento (...)” 122 seguido de
120
Ibid, p. 90
121
Ibid, p. 97
122
“King Khety, the justified, laid down in teaching (…)”: Ibid, p. 105.
40
O Reino Médio (2055 – 1650 a.C.) é considerado a era clássica egípcia ao que se
refere ao número e variedade de textos e gêneros. Os maiores trabalhos do período foram as
autobiografias em estelas pertencentes a oficiais e artistas. Estavam na forma narrativa,
possuíam o catálogo de virtudes e orações mais elaboradas do que as anteriores, também
poderiam incluir hinos aos deuses e louvores ao rei. Os testamentos reais reaparecem e as
instruções ganham nova forma. Por volta do segundo milênio a.C. os autores passam a lidar
com o tema do mal e da dicotomia ordem versus caos, que não continua no período seguinte.
As instruções incluem lamentações sobre a situação do país, a natureza humana, e a
destruição da ordem. O assunto é lidado de forma problemática, é usada a repetição de par de
opostos para ilustrar o caos e a ordem. Os egípcios começam a usar a arte da escrita, um tipo
de retórica utilizada para defender a justiça usando elementos da escrita como metáfora.
Neste período o rei ainda é um deus, mas passa a ser um deus mais justo cuja função é
trazer a justiça e a verdade de Maat. Assim, surgem as inscrições relacionadas a personagens
históricos em monumentos públicos que expressam o dogma da divindade do rei e seu papel
como o líder a serviço do deus a frente de uma nação em guerra. Os textos em forma de
poema são encontrados nos Hinos (Hymns), escritos em pedra ou papiro que são dedicados
aos deuses ou aos reis. Com os Contos em Prosa (Prose Tales) nota-se um maior refinamento
41
Hino à Osiris.123
“Recitação. O tesoureiro-representante/substituto Sobk-iry, nascido da dama
Senu, o justificado diz:
Salve, Osíris, filho de Nut!
Com dois chifres, altura da coroa,
Dada coroa e alegria diante dos Nove Deuses,
De cujo temor a Atum coloca-se no coração dos homens, deuses, espíritos e
mortos,
Cuja liderança foi dada em On;
Grande de presença em Djedu,
Senhor do medo em Dois-Montes;
Grande de terror em Rostay,
Senhor do temor em Hnes.
Senhor do poder em Tenent,
Grande de amor sobre a terra;
Senhor da fama no palácio,
Grande de glória em Abydos;
Cujo triunfo foi dado diante da assembléia dos Nove Deuses .
Para quem massacre foi feito no grande muro de Herwer.”
As profecias de Neferti.124
“Um estranho pássaro irá reproduzir-se no pântano no Delta,
Tendo feito seu ninho ao lado do povo,
O povo tendo-o deixado aproximar por negligência.
Então perecem aquelas coisas agradáveis,
Os lagos de peixes cheios de comedores de peixe125.
Abundantes de comedores de peixe,
Repleto de peixes e aves,
Toda felicidade desaparece,
A terra está curvada em aflição,
Devido àqueles alimentadores,
Asiáticos que vagueiam pela terra,
Inimigos surgiram no Leste,
Asiáticos desceram ao Egito.
(...)
123
Ibid, p. 203
124
Ibid, p.141/143
125
“Fish-eaters“
42
O Segundo Período Intermediário (1650 – 1550 a.C.) não é contemplado pela autora
em sua obra.
O período do Reino Novo (1550 – 1069 a.C.) possui maior quantidade de textos e
restos arqueológicos do que os períodos analisados anteriormente o que disponibiliza maior
material para estudo de sua literatura. Existem continuidades e novidades tanto no campo
particular quanto no real. As Autobiografias, Instruções, Orações, Hinos, Contos e Poemas
continuam, mas com diferenças e surgem os novos gêneros dos Textos Escolares (School
Texts) e Poemas de Amor (Love Lyrics), assim como um novo estilo, o poema narrativo.
Os textos reais aumentam de quantidade, tamanho e diversidade, os temas são variados
e característicos da era imperial como, por exemplo, a Estela Poética de Thutmose II (Poetical
Stela of Thutmose II), que se trata de um hino à vitória, o Inscrições sobre Construção de
Amenhotep II (Building Inscriptions of Amenhotep II) onde o rei mostra o seu amor por
grandes monumentos arquitetônicos. No Estela da Fronteira (Boundary Stelae), Amenhotep
IV consagra a adoção de Aton como o deus único, o culto a Aton iniciara com Djehutmés IV,
mas ganha contornos radicais levando até mesmo o rei a mudar seu nome para Akhenaton.
Uma das grandes mudanças nos gêneros anteriores foi o surgimento de uma nova
forma de poesia como O Poema é um Poema Narrativo (The Poem is a narrative Poem) no
texto Inscrições da Batalha de Kadesh de Ramses II (Kadesh battle inscriptions of Ramses
II)126, um épico que torna a poesia não só celebrar ou instruir, mas para narrar, o Poema é um
complemento do Boletim na primeira parte.
126
LICHTHEIM, op. cit., 2006. 2. v., p. 62-63.
43
Os Hinos aos Deuses (Himns to the Gods) escritos tanto em monumentos quanto em
papiros, refletem características da religiosidade no Reino Novo, a visão imanente dos deuses
passa a ser uma visão transcendental e a maior parte dos hinos é direcionada ao deus sol em
suas diferentes manifestações. Outra característica da época é a “piedade pessoal”127 que pode
ser encontrada nos Hinos Penitenciais (Penitential Hymns), em hinos e orações escritas em
papiros e nas instruções. De acordo com Lichtheim, essa piedade evolui da religiosidade mais
social dos períodos anteriores, tem como características o individualismo, a intimidade e a
humildade. Os contos, Tales, também evoluem, ganhando novos temas, aumentando de
tamanho e complexidade. As novidades do período são os poemas de amor, bem elaborados
apesar de não parecerem em suas traduções, com metáforas, jogo de palavras e palavras raras
feitos por artesão com grandes habilidades, e os Textos escolares. (School Texts), textos
utilizados na educação e treino de escribas.
127
João define “piedade pessoal“ grosso modo como “as relações entre indivíduo e divindades” (JOÃO, op. cit.,
p. 107). A “piedade pessoal” no Reino Novo acontece agora com uma ligação mais direta entre os indivíduos e
as divindades com menor necessidade da interferência do faraó. (Ibid, p.108).
44
A literatura presente nos monumentos reais passou por uma evolução mais lenta do
que a literatura em construções privadas. A autobiografia real demorou a existir, como visto
anteriormente, e no final Reino Antigo eram encontrados apenas breves registros de eventos
singulares, registros analíticos e decretos, textos totalmente funcionais, sem maior
preocupação com a forma escrita. A imaginação poética era encontrada na esfera mortuária
com os textos funerários utilizados pelos faraós para garantirem seu lugar na outra vida. 128 A
literatura funerária oficial pode ser resumida em três grandes compilações, cada uma
majoritariamente utilizada em períodos diferentes e com modificações, mas que seguiam os
mesmos objetivos. Eram o Texto das Pirâmides do Reino Antigo, seguido pelos Textos dos
Sarcófagos no Primeiro Período Intermediário e início do Reino Médio e o Livro dos mortos
no Segundo Período Intermediário e Reino Novo.
Os Textos das Pirâmides foi a primeira grande composição religiosa do Antigo Egito
de que se há conhecimento. Foi utilizado entre a V e a VIII dinastias, o grupo mais antigo
pertence à pirâmide de Unas, último faraó da V dinastia, contendo 228 expressões, a partir
deste os textos foram sendo reutilizados e acrescidos de novas composições durante todo o
Reino Antigo. Todo o texto passa por alguns estágios: o despertar do sono da morte, a
ascensão ao céu e a admissão à companhia dos deuses em sua nova vida 129.
Da mesma forma que as outras composições funerárias os encantamentos objetivavam
a ressurreição do falecido e o bem estar na outra vida ao lado dos deuses. Esses
encantamentos abordavam diferentes matizes e todas elas constituíam formas de se alcançar
esse objetivo, como os poderes recebidos pelo falecido necessários para passar por
dificuldades no caminho e igualar-se aos deuses. Nele, assim como nos textos funerários
seguintes, o falecido recebe de volta suas faculdades físicas e mentais que são perdidas na
morte130. O Ritual da Abertura da Boca, no início dos Textos das Pirâmides demonstram o
retorno dessas faculdades. De acordo com João131:
“Breasted divide os Textos das Pirâmides em seis temas principais, no
tocante à forma com o qual se apresentam os encantamentos: ritual
mortuário e ritual de oferendas funerárias da tumba; encantamentos mágicos;
128
LICHTHEIM, op. cit., 2006, 1v., p.7.
129
LICHTHEIM, op. cit., 2006, 1v., p. 30.
130
JOÃO, op. cit., 2008, p.69
131
Ibid, p. 76.
45
A sua culminância acontece nas últimas expressões onde o falecido literalmente come os
deuses. Na expressão 273 e 274132 “O rei se alimenta dos deuses”, Unas é descrito
banqueteando-se dos deuses:
Todo o texto está escrito no estilo oracional e em linguagem arcaica, mas por se tratar
de um conjunto de feitiços com um grande propósito, algumas vezes o escriba poderia levar o
seu escrito ao nível da poesia por acreditar no poder mágico que a palavra possuía 133. Assim
era utilizado um recurso conhecido do egípcio, a repetição, que atribuía maior poder ao
feitiço. A poesia pode ser encontrada nas expressões mais curtas, por serem mais unificadas e
consistentes, as mais longas eram repetitivas e difusas. Isso pode mostrar a importância desses
escritos que traduzem um sistema religioso muito mais antigo. Outra característica presente
neste conjunto de textos e nos textos egípcios em geral é a constante contradição e
sobreposição de idéias, mitos antigos eram vinculados aos novos, mesmo se a idéia de ambos
não fosse concordante. Eles não eram deixados de lado pelo medo do esquecimento e “um
profundo senso de tradição”134 do egípcio.
Nos Textos é possível perceber que suas idéias parecem ser muito mais antigas do que
a época em que foi escrita, pois possui elementos de crenças anteriores ao Alto Egito e
132
LICHTHEIM, op. cit., 2006, 1v., p. 36-37.
133
LICHTHEIM, op. cit., 2006, 1v., p. 30.
134
Idem, p.203 “A deeply ingrained sense of tradition (…)”
46
Delta135, algumas passagens podem ser encontradas em estelas ou mastabas das primeiras
dinastias egípcias.
A principal doutrina religiosa dos Textos das Pirâmides é referente a Osíris. Unas
chega a ser chamado de Osíris Unas136. Rá e outros deuses mais antigos também possuem
referências nos textos137. Osíris é responsável pela ressurreição de Anúbis, com quem era
muitas vezes relacionado em sua forma de chacal 138. Osíris não esteve sempre presente nos
textos funerários reais. Inicialmente era um deus de culto popular que foi incorporado com o
tempo ao culto oficial posicionando-se no lugar de Rá em importância para o alcance da
imortalidade. A soberania da ressurreição de Osíris sobre o nascimento matinal de Rá
permanece no Texto das Pirâmides, dos Sarcófagos, Livro dos Mortos e só volta a ser
modificado no AmDuat. Osíris, na literatura funerária, era uma divindade secundária ligado
ao mundo inferior cuja função era auxiliar, a de defender Rá no submundo 139. Ambos os
cultos já existiam antes do Texto das Pirâmides e Rá como deus oficial surge anteriormente ao
culto de Osíris. A partir do Texto das Pirâmides a crença de que no após a morte o falecido é
recebido no reino de Osíris passa a ganhar força e alcance.140
A interpretação dos encantamentos é uma tarefa difícil pela complexidade dos textos,
assim como fazer uma relação entre eles. 141 Com isso, a ordem das declarações é motivo de
discussão entre os pesquisadores da área. Lichtheim142 mantém o padrão utilizado por Kurt
Sethe, que numerou os textos começando pela câmara do sarcófago, e terminando nos
corredores finais, de dentro para fora, contudo, admite que o problema da ordem requeira um
estudo adicional. Styles (2005/2006)143 dividiu em seu artigo os principais grupos que
discutem essa questão, os que acreditam que não há ordem, os que acreditam que há uma
ordem parcial e os que afirmam que há uma ordem, mas com discordância em relação a qual.
Na década de 1990 I.E.S. Edward e Shaw Nicholson lideram duas correntes que não
acreditam na ordem e na década de 2000, Rosalie David segue essa idéia. Para James
Breasted apenas o ritual funerário e o de oferendas possuem ordem e Samuel A. B. Mercer
135
SMITH, op. cit., 2008. 1v. Part 2. p. 202
136
MALEK, op. cit., 2003, p. 102.
137
Ibid, loc. cit.
138
SMITH, op. cit., 2008. 1v. Part 2. p. 202
139
JOÃO, op. cit., 2008, p. 73.
140
MALEK, op. cit., 2003, p. 103.
141
JOÃO, op. cit., 2008, p 88.
142
LICHTHEIM, op. cit., 2006, 1v., p 29.
143
STYLES, J. A. The Problem of Order in the Pyramid: A Quantitative Approach. Journal of the American
Research Center in Egypt, American Research Center in Egypt, v. 42, p. 13-32, 2005/2006. Disponível em:
www.jstor.org/stable/27651792 Acesso em: 06 de Fevereiro de 2013 08:07
47
encontra um mínimo de classificação e ordem na sequência dos textos. Kurth Seth, em 1889,
ordena os textos da forma em que foram escritos, de dentro para fora e Siegfried Sehott
acredita na ordem contrária, a ordem litúrgica.
Seguindo a escolha de Lichtheim, serão dadas como exemplo as expressões número 20
“O ritual de abertura da boca” da pirâmide de Pepi II e Aba, que tem como objetivo devolver
ao falecido a capacidade de falar e observar, e a expressão final, 759 da pirâmide da rainha
Neit. Ambos os fragmentos foram retirados da tradução baseada nos trabalhos de Faulkner,
Seth, Piankoff e Jéquier 144.
“Oh rei, eu vim em tua boca, porque sou Horus; golpeei tua boca por ti,
porque sou seu amado filho. Separei tua boca por ti. [Anuncio à sua mãe
quando chora por Ele, te anuncio à Ella que está unida à ele. Tua boca está
em perfeito estado (?), porque eu a uni] a teus ossos [por ti]. Recita quatro
vezes: oh Osíris Rei, eu separo tua boca por ti como o... Do Olho de Horus –
pata dianteira.”145
“Oh rei, veja o que tenho feito por ti; liberei-te do que te obstruía, nunca te
entregarei a teu atacante, tenho-te protegido de Nwt-k-nu por meio do poder
de repulsão (?), que há em meu rosto.” 146
A escrita estava inicialmente nas mãos do poder político central uma vez que era
utilizada basicamente com função administrativa. O seu uso começou a se expandir, ainda no
início do Reino Antigo, com o aumento da importância do âmbito religioso, que passa a
integrar a escrita. 147 No Primeiro Período Intermediário inscrição nos sarcófagos de
encantamentos para a proteção do morto no submundo passou a ser costume de pessoas bem
providas e de fora da realeza.148 Esse costume pode ser parcialmente explicado pelo aumento
da riqueza e independência pessoal deste grupo e consequente absorção da escrita.149 Os
Textos dos Sarcófagos dão continuidade à tradição real de textos funerários, são inspirados
diretamente dos Textos das Pirâmides e algumas de suas partes são copiadas deste 150.
Entretanto, sua ligação com o Texto anterior não o impedem de possuir conceitos e materiais
que ainda não haviam sito utilizados. O Texto dos Sarcófagos é aqui considerado um texto
144
FAUKNER, op. cit., 1969.
145
Ibid, p. 3
146
Ibid, p. 237
147
JOÃO, op. cit., 2008, p.82-83
148
LICHTHEIM, op. cit., 2006. v.1., p. 131.
149
JOÃO, op. cit., 2008, p. 84.
150
LICHTHEIM, op. cit., 2006. v.1, p.131.
48
funerário real, pois foi utilizado por faraós, mas suas origens, como visto, estão fora da
realeza. De acordo com Hayes151 esse conjunto de encantamentos é encontrado entre a VI e o
fim da XII dinastias que significam meados do Reino Antigo até o Início do Reino Médio.
Alguns de seus conceitos são antigos e populares, outros tem origens provinciais
pertencentes a seu próprio período152. Certo conjunto de declarações nos Textos dos
Sarcófagos tinha como objetivo “reunir a família de um homem no reino da morte”153, ou
seja, não era designado apenas para garantir a vida de uma pessoa, mas de toda sua família,
até mesmo de seus servos e amigos. No Primeiro Período Intermediário, as relações
interpessoais alcançavam um grande destaque no âmbito funerário, a família era vista como
base da organização social. Este desejo já existia na VI dinastia e pode ser observado através
de seus túmulos os quais não eram construídos apenas para comportar uma pessoa, mas
várias. Havia espaço para toda a família em um túmulo 154.
O falecido passa a ter opções de destino no pós-morte e todas elas coexistem. Ele
poderia se juntar a Rá no céu, a Osíris no submundo ou ter sua múmia ressuscitada de seu
túmulo, todas formas de receber uma nova vida. Aqui, o corpo, aquele que recebera de volta o
seu ba, ganha um grande cuidado em relação a sua preservação. Com o destino junto a Rá e
Osiris adiciona-se a vida como estrela ao lado de Thot, as tradições lunar, solar e osiriana são
encontradas no Texto dos Sarcófagos.155 O elemento mágico passa a ter mais importância do
que no Texto das Pirâmides, a mágica passa a ser parte fundamental para alcançar a
imortalidade.156 De acordo com Lesko 157, o Texto dos Sarcófagos possui 1185 encantamentos,
número superior ao dos Textos das Pirâmides.
As pequenas composições escritas em sarcófagos anteriores aos Textos dos Sarcófagos
possuíam uma característica que mais tarde estaria presente nestes textos. Elas mostravam
preocupações comuns como o medo da fome ou sede e o desejo de se reunir com a família 158.
João faz um estudo mais detalhado desses medos em sua dissertação, a autora lista os
151
HAYES, op. cit, 2008, 1v. Part 2, p.522.
152
SEIDLMAYER, S. The Old Kingdon (c.4000-3200BC). In. SHAW, I. (Ed.). The Oxford History of Ancient
Egypt. New York: Oxford University Press. 2003, p.115
153
SEIDLMAYER, op. cit., 2003, p. 115-116.
154
CALLENDER, G. The Middle Kingdom Renaissance (c. 2055-1650 BC). In., SHAW, I. (Ed.). The Oxford
History of Ancient Egypt. New York: Oxford University Press. 2003, p. 116.
155
JOÃO, op. cit., 2008, p. 81.
156
Ibid, p.143.
157
LESKO, op. cit., 1977, p. 2.
158
LICHTHEIM, 2006, P.131
49
principais159 e como eles são tratados nos Textos dos Sarcófagos160. Nele, muitos dos
encantamentos eram direcionados a proteção dos perigos do outro mundo agora muito mais
presentes do que nos Textos das Pirâmides, cuja preocupação central não se encontrava nestes
perigos citados de forma isolada, e eram em sua maior parte referentes a cobras e animais
venenosos.161 Aqui, como acontece mais tarde no AmDuat, a serpente Apófis passa a ser o
maior inimigo do outro mundo ameaçando Rá em sua barca. Dentre os outros medos estava a
privação de alimentos obrigando o falecido a comer e beber seus excrementos e urina o que o
deixaria impuro e incapaz de ter nova vida no outro mundo. Os animais perigosos continuam
a ser cobras e serpentes, medo existente no povo egípcio pela existência destes animais no
deserto, junto com porcos e crocodilos. Para livrar-se dos demônios existentes do outro
mundo era preciso conhecer os seus nomes, a importância do conhecimento dos nomes dos
inimigos aparece em outras composições inclusive no AmDuat. Era necessário, também,
impedir que o coração “pesasse” ou “falasse contra” o falecido no outro mundo o que poderia
impedir sua permanência.162 Esses e outros medos refletiam o medo maior de morrer
novamente, eles eram impedimentos para o caminho seguro até a vida entre os deuses.
Poucos exemplares do Texto dos Sarcófagos são provenientes do Período
Intermediário e todos pertencem pessoas pertencentes aos altos níveis da sociedade 163. O uso
de ambos os textos, dos Sarcófagos e das Pirâmides, cessaram em meados da XII dinastia 164.
As idéias contidas refletiam medos comuns como sentir fome e sede, estas características são
encontradas nos Textos dos Sarcófagos onde as reflexões não condizem com as pertencentes à
realeza e por não possuir um ponto de vista uniforme é menos coerente. Os encantamentos
reproduzidos abaixo são mais coerentes e consistem em um discurso do deus sol onde ele
toma crédito pelos benefícios da criação e o segundo são palavras do morto que está para
entrar no céu.
159
Encontrados em uma divisão do Texto dos Sarcófagos chamada Livro dos Dois Caminhos.
160
JOÃO, op. cit., 2008, p. 158-168
161
Ibid, p. 168
162
Ibid, p. 166
163
CALLENDER, op. cit., 2003 p. 115
164
Ibid, p. 169.
50
O falecido fala
“Senhor da terra da luz, criador da luz, quem ilumina o céu com sua
beleza; eu sou ele em seu nome! Faça-me um caminho, que eu possa ver
Num e Amum! Pois eu seu aquele espírito equipado (akh) que passa pelos
guardas. Eles não falam por medo de Ele-cujo-nome-esta-escondido, quem
está no meu corpo. Eu o conheço, eu não o ignoro! Eu estou equipado e
efetivo em abrir seu portal!
Como para qualquer pessoa que conhece seu feitiço, ele será como
Rá no céu do leste, como Osiris no submundo. Ele descerá ao círculo de
fogo, sem que a chama nunca o toque!” 165
165
LICHTHEIM, op.cit., 2006, 1v., p.131-132.
166
Esse nome foi dado por Schack-Schackenburg, que publicou fotos e cópias sobre o texto em 1903. (LESKO,
1972, p.3)
167
JOÃO, op. cit., 2008, p. 81-82
168
Ibid, p. 158-159
51
nessas nove sessões que ficam claras as diferentes tradições religiosas de todo o Texto dos
Sarcófagos e de acordo com Lesko, as tradições de Rá, Osiris e Thot se completam. 169
Ao contrario do Texto dos Sarcófagos, que é encontrado em localidades diferentes, o
Livro dos Dois caminhos possui exemplares apenas em El-Barsha, necrópoles de Hermópolis,
local cujo deus principal era Thot. A tradição lunar está presente no início deste texto onde o
falecido se juntaria a Thot no céu como uma de suas estrelas. Lesko conclui que a inclusão de
Thot no Livro dos Dois Caminhos apenas na cidade deste deus foi proposital, uma forma dos
170
sacerdotes de Thot de disseminar sua própria vertente religiosa.
Seguindo a tradição dos textos funerários reais, o “Livro dos Mortos”, ou “Capítulos
do sair à luz” ( REU NU PERT EM HRU) como era conhecido pelos egípcios em seu tempo,
é um “retrabalho” e uma “expansão” do Texto dos Sarcófagos além de significar uma maior
abertura dos escritos funerário para a maior parte da população. Agora, aquele que puder
custear uma cópia em papiro poderá simplesmente colocar o seu nome na cópia pronta ou
mandar fazer uma para si171. Uma de suas primeiras versões conhecida data da XVI dinastia
(1650-1580 a.C.), do sarcófago da rainha Mentuhotep de Tebas, esposa de Djehuty172. O
Livro dos Mortos é organizado de forma diferente dos textos anteriores, ele possui uma
imagem, com um texto acompanhado de uma vinheta. Em relação à ordem, os capítulos são
numerados seguindo uma sequência fixa, mas apesar de possuir certa ordem não há um plano
preciso de progressão. Parte da composição é feita de atos rituais que acontecem antes e após
o sepultamento, é basicamente um livro de mágica o que sempre foi considerada legítima
durante os períodos do Antigo Egito, mágica e moralidade estavam ligadas, era uma forma
humilde de se aproximas dos deuses173. Chapot (2007)174 aponta uma novidade presente no
Livro dos Mortos: o julgamento pelo qual o falecido passa antes de obter permissão para se
juntar a Osíris no outro mundo. Este julgamento acontece no capítulo 125 e possuí uma
ilustração deste momento. Na imagem o morto tem seu coração pesado com a pena de Maat
169
LESKO, L. H. The Ancient Egyptian Book of Two Ways. Berkeley, Los Angeles, London: University
California Press, 1977. Disponível em: http://books.google.com.br/books?hl=pt-
BR&id=jsnl24Ba7z4C&q=duat#v=onepage&q=duat&f=false Acesso em: 30 de Agosto de 2013, 18:03:30, p. 4
170
LESKO, op. cit., 1972, p. 3.
171
LICHTHEIM, op. cit., 2006, 2v.,p.119.
172
BOURRIAU, op. cit., 2003, p. 193
173
LICHTHEIM, op. cit., 2006, 2v.,p.119.
174
CHAPOT, Gisela. O Senhor da Ordenação: um estudo da relação entre o faraó Akhenaton e as
oferendas divinas e funerárias durante a reforma de Amarna (1353-1335 a.C.). 2007. 284-300 f. Dissertação
(Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007. Disponível em: <
http://www.historia.uff.br/stricto/teses/Dissert-2007_CHAPOT_Gisela-S.pdf>. Aceddo em: 04 de setembro de
3013, 15:04, p, 161.
52
enquanto Thot registra o resultado da pesagem. Atrás de Thot está o crocodilo que devora
aqueles que tiverem o coração mais pesado que Maat. Após a pesagem, o falecido vai ao
encontro de Osíris em seu trono. O capítulo 125 contém uma confissão negativa em forma de
lista, onde o falecido diz tudo aqui que ele não fez de mal durante sua vida.
A maior parte do Livro é dedicada aos mortos ao que acontece na outra vida. Seus
objetivos, além da ressurreição e do poder de gozar da vida eterna no reino de Osiris e entrar
na barca de milhões de anos ou em qualquer outra morada, incluem todas as habilidades e
provisões necessárias para outra vida. Durante os capítulos o falecido ganha a capacidade de
lidar com os seres do outro mundo, seja amigo ou inimigo; permissão para freqüentar
qualquer lugar da forma que preferisse; conseguir provisões e preservar seus restos
mumificados que permaneceram em seu túmulo 175.
Capítulo 23 do texto básico da XVIII a XX dinastias:
“A abertura da boca
Fórmula para abrir a boca de N para ele na necrópole. Ele dirá:
175
BUDGE, op. cit. 2006.
176
LICHTHEIM, op. cit., 2006, 2v., p. 120.
53
AmDuat, ele é o primeiro a tentar mostrar a geografia do submundo e seus detalhes no Reino
Novo, narra a viagem que o falecido faz com a divindade solar em sua barca pelo Duat até o
seu renascimento no dia, proporcionando ao ele o renascer todos os dias assim como o sol.
O Livro das Portas177 pode ser encontrado na XVIII a XX dinastias, tem objetivo
similar ao AmDuat e possui semelhanças com o mesmo. O texto se concentra no atravessar
das 12 portas do Duat. Possui alguma semelhança com os encantamentos 144 e 145 do livro
dos mortos, o que já foi motivo de confusão para alguns estudiosos do assunto. A sequência
segue a contagem das portas, mas em alguns túmulos as divisões encontram-se espalhadas
pelas paredes sem ordem aparente, ou que ainda não foi encontrada. O Livro das Portas possui
algumas diferenças básicas com o AmDuat. As divisões são separadas por portas que são
protegias por três seres, o falecido precisa conhecer tanto o nome dos seres quanto o das
portas, o AmDuat é dividido apenas em horas; na barca de Rá, o número de componentes é
menor; a descrição do juízo dos mortos e do curso do sol não está dividida em registros, mas
se encontram no centro e no fim da composição, o AmDuat é todo dividido em registros; ao
invés de anotações referentes ao uso do livro há observações sobre as oferendas localizadas
em locais diferentes das anotações.
Sua estrutura é composta de divisões que não condizem com as horas, a primeira hora
se passa no prólogo, e a última divisão contem apenas uma representação simbolizando o
movimento eterno do sol. A maior parte das divisões é composta de registros e em cada
registro é geralmente encontrado um texto diante da porta, o nome dos componentes da cena,
e outras inscrições ou textos.
O seguinte exemplo é parte do primeiro registro da décima divisão, décima primeira
hora. A imagem e o primeiro texto são do registro superior da divisão, e o segundo texto está
localizado acima dos deuses segurando a corda.
177
Disponível em: < http://www.egiptologia.org/textos/puertas/>
54
“Eles são assim, detém as cordas (sdfw) desta malvada. Eles dizem a Rá:
Rá viaja, Ele Do Horizonte passa. Veja, as lâminas são introduzidas na Cara
Maligna. Apep está em suas ataduras.”179
O nome Livro das Cavernas180 não era utilizado pelos egípcios, é uma invenção
moderna baseado na divisão de covas ou caverna do Mais Além, o livro em questão não
possuía nome que tenha sido descoberto. Neste livro, a ênfase é dada nas recompensas e
castigos do além e a destruição dos inimigos do sol, dos três livros este é o que dá a descrição
mais sombria do Duat, refletindo o medo que os egípcios tinham do local. O livro está
dividido em dois por duas imagens do deus sol com cabeça de carneiro, e cada metade possui
três divisões. Nas duas primeiras divisões, as representações estão separadas dos textos e
estão juntas nas posteriores, na segunda metade as divisões apresentam várias litanias. Esse
também é um livro que possui mais textos do que imagens. Apesar de ser a viagem de Rá pela
178
Disponível em: <http://www.egiptologia.org/textos/puertas/10/>
179
Ibid.
180
Disponível em: < http://www.egiptologia.org/textos/cavernas/>
55
Duat a barca de Rá só aparece nas últimas representações. O quinto registro ilustra o castigo
dos inimigos, o primeiro texto é dirigido aos inimigos e o segundo aos deuses com facas.
181
Disponível em: < http://www.egiptologia.org/textos/cavernas/02/>
56
CAPÍTULO IV – O AmDuat
A cópia mais antiga encontrada do AmDuat data do início do Reino Novo, no túmulo
de Thutmés I (1504-1492 a. C.) contendo apenas o fragmento da 12º divisão. Durante o Reino
Novo 14 faraós exibiram diferentes trechos do AmDuat em seus túmulos junto com outros
textos (Tabela I) além de também ser encontrada em tumbas de particulares e de faraós na
Época Tardia182. A quantidade de horas transcritas varia, seja da versão completa ou reduzida.
A tradução do AmDuat utilizada neste trabalho é a feita em espanhol por Francisco Lópes e
Rosa Thode e disponibilizada em seu site. 183 Estes autores, por sua vez, basearam-se no livro
de Alexandre Piankoff: The Tomb of Ramesses184, e de Marshall Clagett: Ancient Egyptian
Science 185, menos utilizado. É colocado em nota o importante aviso de que as traduções dos
nomes de divindade, repetidas aqui, devem ser tomadas apenas como referências e não
literais186.
Schweizer187 descreve o caminho de Rá pelo submundo com uma “árdua jornada”
onde este deus está acompanhado de um grupo de divindades, constantemente modificado,
que busca por Rá para servi-lo e participar de seu renascimento. Eles o adoram e louvam em
sua passagem por cada hora da Duat, protegendo-o do perigo sempre presente ao qual este
autor dá destaque. A proteção ao Duat precisa ser feita em diferentes âmbitos, primeiro do
conhecimento externo. É constantemente reforçado entre os textos do AmDuat que este é um
local oculto e de difícil acesso, só aqueles poucos que o conhecem podem se beneficiar do
renascimento que ele proporciona. Além disso, precisa ser protegido dos próprios perigos que
o cerca188, papel esse representado por Rá e os deuses que o protegem.
182
A Época Tardia não será abordada neste trabalho.
183
Disponível em: <http://www.egiptologia.org>
184
Alexandre Piankoff: The Tomb of Ramesses VI. Egyptian Religious Texts and Representations (Bollingen
Series, 40, 1 and 2). 2 Bde. New York: Pantheon, 1954
185
Clagett, Marshall. Ancient Egyptian Science. Vol I. American Philolophical Society. Philadelphia 1989.
186
Disponível em: http://www.egiptologia.org/textos/amduat/traduccion.htm
187
SCHWEIZER, SCHWEIZER, A. The Sungod’s Journey Through the Netherworld. New York: Cornel
University Press, 2010, p. 17-19
188
Ibid, p. 26
57
189
Relação das dinastias, faraós e datas: SHAW, op. cit., 2003, p. 484-485.
190
Disponível em: <http://www.egiptologia.org/textos/amduat/>
191
Versão dos nomes egípcios: GRIMAL, op. cit., 2012, p.29.
58
192
O livro de Marshall Clagett é utilizado como base para os Thode e Lópes ao falar sobre a cosmogonia da
Duat. Disponível em: <http://www.egiptologia.org/textos/amduat/>
193
Ibid.
59
noite194. Toomer195 atribui a contagem egípcia da noite em dez horas aos doze decanos196
visíveis à noite no verão. Um decano marca o fim da noite durante dez dias, a cada dez dias
surge outro decano para substituir o anterior que passa a aparecer uma hora antes. Desta
forma, ao chegar ao verão, doze decanos são vistos a noite, cada um com uma hora de
diferença. Durante a noite a passagem do tempo era acompanhada pela movimentação das
estrelas, constantemente presentes sob a forma de deuses-estrela no AmDuat. R.A. Wells
(1993)197 dedica um artigo sobre este assunto: a contagem das horas durante a noite através
das estrelas e essa conseqüência nas divisões da Duat. Os egípcios utilizavam tanto as horas
do equinócio, com duração igual para o dia e a noite, quanto as horas sazonais onde as noites
são mais longas no inverno e mais curtas no verão 198. O grande trecho do início do terceiro
registro da Sétima Hora refere-se a imagem de Horus em seu trono divino e seu papel de
colocá-las em movimento.
“Esta imagem é a de Horus em seu trono. Esta imagem é assim. O que tem
que fazer na Duat é por as estrelas em movimento e produzir as posições das
horas na Duat. A majestade de Horus da Duat fala aos deuses-estrelas: Que
vossa carne esteja bem, que vossas formas cubram a vida, para que podeis
estar em repouso em vossas estrelas. Que permaneceis diante este Rá do
Horizonte, que está na Duat todos os dias. Vós estais em sua Comitiva e
vossas estrelas estão ante ele para permitir-lhe atravessar, através do belo
Oeste em paz. Vós sois realmente os que permaneceis na terra. Oh vós,
vossas estrelas me (?) pertencem, eu que estou no céu! Realmente está
satisfeito o Senhor do horizonte. A majestade de Horus da Duat fala as
Horas que estão nesta cidade: Oh Horas que vens, Oh Horas estreladas, Oh
horas que protegeis a Rá, que lutais em nome Dele do Horizonte. Toma
vossas formas, leva vossas imagens, leva vossas cabeças, enquanto conduzes
este Rá que está no horizonte até o belo Oeste em paz. Estes deuses e deusas
conduzem e este Grande Deus até o caminho misterioso desta cidade.”199
A contagem era feita de diferentes formas e todas elas estavam ligadas ao aparecimento de
uma estrela à noite com um determinado intervalo de tempo. Wells utiliza como exemplo a
contagem do tempo nos templos solares da V dinastia. Neles era feito um sacrifício animal ao
194
WELLS, R. A. Origin of the Hours and the Gates of the Duat. Studien zur Altägyptischen Kultur, bd. 20, p.
305-326, 1993. Disponível em: <www.jstor.org/stable/25150205>. Acesso em: 06 de Fevereiro de 2013 08:0, p.
306.
195
TOOMER, J.R. Matemática e Astronomia. In. HARRIS, J. R. (Org). O legado do Egito. Rio de Janeiro:
Imago, 1993, p. 60-62.
196
“Os decanos são trinta e seis grupos de estrelas (constelações ou subdivisões de constelação). Cada um por
seu turno, assinala o fim da noit por seu levante” IDEM, p. 60
197
WELLS, op. cit., 1993.
198
Ibid, p. 305
199
Disponível em: <http://www.egiptologia.org/textos/amduat/07/>
60
exato nascer do sol. Para isso era necessário saber quando seria este momento para que toda
preparação e procissão fossem feitos a tempo. Wells afirma que para isso seria necessário
basear-se em uma determinada estrela que apareceria uma ou algumas horas antes do sol em
uma abertura no teto do templo. A escolha da estrela dependia de quanto tempo era necessário
para a preparação. Como o aparecimento de cada estrela varia em tempo a cada dia, diferentes
estrelas deveriam ser utilizadas e trocadas a cada intervalo de tempo.200
Na mitologia Rá, o deus sol, nas do corpo de Nut, a deusa correspondente ao céu. Para
Wells, o corpo de Nut seria visível parcialmente em alguns momentos do ano, através da Via
Láctea. Seu corpo estaria completo na Duat, “o submundo, o mundo no outro lado do
horizonte”201. A passagem de Rá pela Duat equivaleria à passagem de Rá pelo corpo de Nut, e
seu nascimento pela manhã 202. No texto introdutório da Décima Segunda Hora Rá é dito sair
dos coxas de Nut:
Estrutura
Cada uma das 12 horas ou capítulos do AmDuat consiste em uma ilustração de uma
seção da Duat com a procissão de Rá em sua barca com sua comitiva. Cada ilustração, que
corresponde a uma hora, está dividida em três registros. No primeiro e terceiro registros
encontram-se os habitantes da Duat, em sua maioria deuses, e no registro central está sempre
Rá em sua barca junto de sua comitiva. Existe um pequeno padrão na composição das
divisões e este vem acompanhado de algumas exceções, por exemplo, enquanto as divisões
possuem três registros cada, a primeira hora possui quatro, os textos introdutórios e finais de
cada hora podem não existir ou estarem presente na hora anterior. Em todas as divisões Rá
sempre aparece do registro central navegando em sua barca pelas águas do rio da Duat,
200
A cada dia uma estrela aparece com aproximadamente 3,56 minutos de diferença. Wells, op.cit., 1993, p.
310-312
201
Wells, op. cit., 1993, p.319
202
Idem, loc. cit.
203
Disponível em: < http://www.egiptologia.org/textos/amduat/12/>
61
contudo o rio só está completo da segunda e terceira divisões enquanto nas outras a barca,
algumas vezes representada sendo puxada por uma corda, se localiza sobre um pequeno
retângulo simulando a água.
A parte escrita do AmDuat é estruturada da seguinte forma: um texto introdutório, o
nome dos deuses que compões a procissão de Rá e uma linha, ou texto, explicativa sobre cada
conjunto de deuses, um texto final. Esta organização também varia. Os textos que introduzem
as imagens podem ser maiores ou menores, dependendo da divisão e do registro. A
quantidade de horas reproduzidas na tumba e a escolha dessas horas variam, é possível
encontrar cópias faltando apenas a última hora, momento em que Rá deixa a Duat renascendo
mais uma vez no dia. A ordem com que as horas são colocadas não é fixa e os textos de cada
hora podem estar escritos em outra.
As imagens a seguir exemplificam essa organização. Está presente a ilustração de cada
hora com as divisões, texto introdutório e final. Nelas pode-se ver a barca de Rá navegando
sobre uma pequena área representando a água e sendo puxada por uma corda na segunda
imagem. Os textos estão presentes dentro dos registros assim como por fora, em torno das
imagens. Apenas alguns detalhes são omitidos devido a escolha do fotógrafo. A primeira
figura corresponde à Primeira Hora do AmDuat com o texto introdutório à esquerda e as
quatro divisões. Da extremidade direita um deus de cada linha não aparece na fotografia. A
imagem da Décima Segunda Hora está completa exceto por alguns detalhes nas extremidades,
nela Rá está finalmente saindo da Duat para renascer no dia.
Figura 3: Introdução e primeira hora do AmDuat. Tumba de Amenhotep204
204
Disponível em: <http://www.thebanmappingproject.com/database/image.asp?ID=12154>
62
Nas figuras acima pode-se perceber que cada componente da imagem é acompanhado
de uma inscrição e cada conjunto de componentes tem sobre ele um texto mais extenso. Estas
inscrições compreendem seus títulos ou nomes e uma introdução sobre estes personagens. É
importante ressaltar que estes textos ajudam a contar a trajetória de Rá pelo Duat junto com as
grandes inscrições iniciais e finais de cada divisão. Os deuses presentes em cada divisão
pertencem àquela hora e possuem um determinado papel na viagem de Rá, ligando este deus
com o que acontece na Duat. A função de cada conjunto de deuses e suas características
encontram-se descritas sobre eles.
Durante a primeira hora, Rá prepara-se para entrar no Duat ordenando que a porta
chamada “A devoradora de Tudo” se abra. Os primeiros deuses, os nome babuínos, possuem a
seguinte descrição:
205
Disponível em: <http://www.thebanmappingproject.com/database/image.asp?ID=18212>
206
Nem todos os nomes foram traduzidos.
63
Os textos mais extensos referem-se à sua imagem abaixo da mesma forma que as
curtas linhas, mas com maiores detalhes. Descrevem os deuses, suas ações e funções na Duat
durante aquela hora e principalmente em relação a Rá e aos deuses maiores que estão
presentes, como Osiris. Estes textos geralmente terminam com uma frase explicando a função
daquele grupo de deuses e com o aviso de que aquele aquelas informações não sofrerá
problemas. O texto seguinte possui esses dois elementos. Na terceira hora Rá e sua comitiva
já se encontram na Duat, o primeiro registro descreve seus deuses da seguinte forma:
As divindades na Duat não são seguidas apenas de textos descritivos como o anterior, existe
certa comunicação entre elas e Rá. Palavras de ordem de Rá, palavras de adoração à Rá,
decretos desde “Grande Deus” 208ou expressões ditas por ou para outros deuses compõem os
textos de cada hora. As ações feitas pelos presentes em uma determinada divisão e que são
simuladas nas imagens podem vir acompanhadas de suas descrições, o texto explica o que
está acontecendo naquele momento durante o seu acontecimento. No primeiro fragmento, Rá
207
Disponível em: <http://www.egiptologia.org/textos/amduat/03/>
208
Rá
64
fala às divindades das águas do rio da Duat, no segundo os deuses da Duat falam à ele, o
ultimo descreve a ação de Rá em sua barca.
209
Disponível em: <http://www.egiptologia.org/textos/amduat/05/>
210
Ibid.
211
Disponível em: <http://www.egiptologia.org/textos/amduat/09/>
212
Os locais referentes a cada hora podem ser cavernas, cidades, campos.
65
podendo estar ou não presentes. Da mesma forma, é comum que o texto inicial de uma
divisão esteja presente do final da divisão anterior. Os dois trechos a seguir ilustrarão essas
características:
Introdução da Terceira Hora do AmDuat:
213
Medida de comprimento egípcia com aproximadamente 10,5km.
214
Disponível em: <http://www.egiptologia.org/textos/amduat/03/>
215
Disponível em: <http://www.egiptologia.org/textos/amduat/02/>
66
estão na terra, são assim. Eles permanecem perto de suas cavernas, e ouvem
a voz deste deus diariamente.”216
Diferente dos outros textos funerários a base da arte do AmDuat como um todo são as
imagens217. Ele é constituído de um conjunto de doze imagens que vem acompanhadas de
inscrições entre elas. Ele se diferencia neste aspecto dos outros textos funerário das tumbas
reais utilizados aqui. Dentre eles o que mais utilizou este recurso foi o Livro dos Mortos que
possui algumas ilustrações ao longo do texto, mas nada comparado ao AmDuat. As imagens
narram a passagem de Rá em sua barca pela Duat com detalhes para cada uma das horas,
todos aqueles que moram na Duat e o que ali fazem.
Narrativa
216
Disponível em: <http://www.egiptologia.org/textos/amduat/06/>
217
Na versão completa. A versão reduzida possui apenas textos.
218
Nota 5 da 3ª hora. Disponível em: < http://www.egiptologia.org/textos/amduat/03/>
67
Textos localizados por cima dos últimos deuses do segundo registro, estes nunca foram
completados:
“Eles são assim segundo a forma de seus corpos. Osíris o Rei, Senhor das
Duas Terras, Ramsés VI está justificado.”
“Estas são as entradas de...”
“Senhor das diademas, Ramsés VI, entra por suas portas... protege Anúbis
em sua forma que é...”
Texto do terceiro registro por cima dos deuses diante da barca que carrega uma serpente:
“Eles são assim segundo a imagem criada por Horus, eles estão na terra por
este caminho da Necrópoles Imhet de difícil acesso. Entrada para a primeira
tumba na terra. Rei Osíris, Senhor das Duas Terras, Ramsés VI pe assim,
grande como Rá quando viaja pela Duat.”
Durante a Primeira Hora da noite Rá e sua comitiva iniciam sua jornada pela Duat.
Esta primeira cidade ou campo ainda não faz parte da Duat, ele o leva até sua porta de
entrada. Ainda neste local, Rá concede aos seus habitantes lotes de terra neste campo e
começa a mostrar sua preocupação com os habitantes da Duat. No texto final desta hora há
uma passagem que mostra o papel de Rá neste local perigoso e misterioso: “O Oeste, cujas
formas são misteriosas, está aberto para ti, para ti se abrem as portas da Grande Cidade. Tu
dás luz a escuridão, tu permites respirar ao Lugar da Destruição” 222. Rá ordena que esta porta
219
SCHWEIZER, op. cit.,1994, p. 23-24
220
“…to have knowledge of the nature of a god and of secret things in general…”: Ibid, p.23.
221
Disponível em: <http://www.egiptologia.org/textos/amduat/04/>
222
Disponível em: < http://www.egiptologia.org/textos/amduat/01/>
68
oculta seja aberta. Schweizer destaca a presença de Seth, responsável pela morte de Osiris, na
margem deste rio 223 representando os perigos que existem na Duat. Contudo, apesar do perigo
sempre presente, existe ordem no submundo o que é indicado pela presença de Maat nas duas
primeiras horas.224
Ao início da Segunda Hora Rá concede novamente parcelas de terra aos seus
habitantes, e cuida dos que estão no campo levando, desta forma, para a morte os mesmos
benefícios usufruídos em vida 225. Esta divisão destaque a obtenção de alimentos e água seja
para seus habitantes ou Rá e sua comitiva. Aqui Rá ainda os devolve a capacidade da
respiração, impede que seus corpos se decomponham e oferece a esses deuses o que
necessitam para viver. Como em todas as horas, nesta existe um ou mais grupos de deuses
responsáveis por proteger os que habitam e passam pela Duat dos perigos que nela existem.
São citadas pela primeira vez a serpente Hiu e a Cara Maligna, inimiga de Osíris que será
derrotada na Sétima Hora na Caverna de Osíris.
Durante a Terceira Hora Rá encontra a Comitiva de Osíris com seus “bas misteriosos”
a quem Rá garante oferendas, seus sentidos, a respiração, lotes de terra, água para estes lotes,
entre outras dádivas. É nesta hora em que há a menção dos não existentes. O texto por cima
do terceiro registro diz:
“Isto é que tem que fazer no Oeste: assar e cortar os bas, aprisionar as
imagens (ou sombras), aniquilar aos que são os não-existentes, que
pertencem a este Lugar de Aniquilação. Eles acendem as chamas, fazem com
que os inimigos sejam queimados pelo o que há na ponta de suas
espadas.”226
223
SCHWEIZER, op. cit.,1994, p 33, 34.
224
Ibid, p. 37
225
SCHWEIZER, op. cit., 1994, p 50,51.
226
Disponível em: < http://www.egiptologia.org/textos/amduat/03/>
69
deus da morte em Menfis e nos Textos das Pirâmides é identificado com Osiris. 227 A Caverna
de Sokar está localizada na Quinta Hora onde ele surge dentro de um ovo protegido por
algumas serpentes e Isis representada por uma grande cabeça feminina no segundo registro.
Um grupo de deuses é responsável pela proteção das águas e Rá garante a Grande Inundação
e os benefícios que vem com ela.
O principal acontecimento da Sexta Hora é a reunião do ba de Rá com seu corpo ou de
Rá com Osíris228. Nesta hora ganham destaque os reis do Alto e Baixo Egito e Osíris com
suas “Mansões Misteriosas” que carregam suas imagens. No mesmo registro em que se
encontra Rá em sua barca, estão os deuses do Alto e Baixo Egito e o corpo de Jepri rodeado
de serpentes que o protegem. Há um decreto de Rá dirigido aos reis do Alto e Baixo Egito que
estão presente no primeiro registro, nele este deus legitima suas existências e ordens. No
início do segundo registro as “Mansões” são citadas:
“Este Grande Deus viaja por esta cidade pela água; rema neste campo na
proximidade do cadáver de Osíris. Este Grande Deus dá ordens a aqueles
deuses que estão nos campos. Ele atraca junto a essas misteriosas mansões
que contêm a imagem de Osíris. Este deus chama por cima dessas
misteriosas mansões. Depois de ter ouvido seta voz, o deus passa depois de
ter gritado.”229
Na hora seguinte Rá é protegido de Apófis, que é castigado diversas vezes, por Isis e o
Mago Mais Antigo. Apófis é o eterno inimigo de Rá, é a serpente está sempre presente
durante a sua jornada representando os maiores perigos.230 O grande acontecimento desta hora
é a derrota da serpente Cara Maligna (Neha-her). Sua derrota não acontece apenas através Rá,
neste momento ele precisa de ajuda de outros deuses presentes na Duat. Osíris é saudado pela
derrota de seus inimigos e ordena aos deuses que os castiguem. No último registro Hórus está
em seu trono seguido de deuses representando as estrelas, ele as protege e cuida para que
produzam as horas da Duat.
Sarcófago de Seus Deuses é o nome da cidade que se encontra na 8ª hora. Nela os
registros superior e inferior estão divididos em cinco departamentos cada um com três ou
quatro componentes. Cada compartimento é chamado de caverna e possui seu próprio nome,
nela estão deuses cujas formas estão ocultas por Hórus. Rá passa pelos deuses desta hora
227
SCHWEIZER, op. cit., 1994, p. 78
228
Ibid, p.120
229
Disponível em: < http://www.egiptologia.org/textos/amduat/06/>
230
Nota número 4 da 5ª hora. Disponível em: < http://www.egiptologia.org/textos/amduat/05/>
70
chamando por eles e trazendo-os de volta à vida. Durante toda a hora as roupas usadas pelos
deuses são mencionadas e a imagem de cada uma deles está acompanhada o hieróglifo
correspondente a roupa. Os deuses da Nona Hora são novamente providos com suas roupas
por Rá. A ênfase é dada ao deus Osíris e a derrota de seus inimigos.
A salvação daqueles que morreram afogados no Nilo é feita na Décima Hora. Nela
Hórus purifica suas almas impedindo que seus corpos apodreçam e se decomponham uma vez
que os que perdem a vida no Nilo podem ter seus corpos carregados pela corrente impedindo
que recebam um tratamento funerário adequado. No segundo registro a Cara Maligna é
novamente citada, os deuses armados que protegem Rá tem a função de rechaçar esta
serpente. No primeiro registro o ovo de Jepri é transportado por um escaravelho para que
renasça na Décima Segunda Hora, quando Rá renasce na forma deste deus para sair ao leste.
A Décima Primeira Hora forma a “Montanha Oriental” onde são feitas as preparações
para a saída de Rá na Décima Segunda. Os deuses que habitam esta hora tem como função
elevar Rá ao céu, lamentar a sua partida e derrotar os inimigos deste deus e de Osíris. Sobre
esta última tarefa, Hórus faz um discurso sobre os castigos que esperam estes inimigos na
Duat. Na última hora da noite Rá renasce nas formas de Jepri e deixa o “abismo” através das
pernas de Nut. Para renascer em sua nova forma, Rá atravessa serpente Vida dos Deus, sua
comitiva e os deuses que rebocam sua barca fazem o mesmo renascendo do outro lado. A
imagem desta hora possui a extremidade direita fechada indicando o fim da Duat231, nesta
parede está o deus Shu de braços abertos, ele fecha a Duat, separa o céu da terra e da
escuridão.
231
Imagem em Anexo, p. 85.
71
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Fontes:
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Tradução de Francisco López e Rosa Thode. Disponível em:
<http://www.egiptologia.org/textos/amduat/>
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75
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Nectanebid Period. Wiesbaden: Harrassowitz Verlag, 2007.
MOJSOV, B. The Ancient Egypt Underworld in the Tomb of Sety I: Sacred Books of Eternal
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SCHWEIZER, A. The Sungod’s Journey Through the Netherworld. New York: Cornel
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SEELE, K. A Rare Grammatical Construction in a Neglected Egyptian Text. Journal of Near
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WELLS, R. A. Origin of the Hours and the Gates of the Duat. Studien zur Altägyptischen
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Sites:
http://www.egiptologia.org/
http://www.thebanmappingproject.com/
http://www.livinghumanheritage.org/
76
ANEXO
Autobiografia de Weni.
“(...) When there was a secret charge in the Royal harem against Queen Weret-
yamtes, his majesty made me go into hear (it) alone. No chief jugde and vizier, no official was
there, only I alone: because I was worth, because I was rooted in his majesty‟s heart; because
his majesty had filled his heart with me. (…) Never before had one like me heard a secret of
the king‟s harem; but his majesty made me hear it, because I was worth in his majesty heart
beyond any official of his, beyond any noble of his, beyond any servant of his.” (…)
Autobiografia de Harkuff
“An offering which the king gives and Osiris, lord of Busiris: May He journey in
peace on the holy ways of the West, journeyng on them as one honored. May he ascend to the
god, lord of heaven, as one honored by [the god, lord of heaven]. The Count, Chamberlain,
Warden of Nekhen, Mayor of Nekheb, Sole Companion, Lector-priest, honored by Osiris,
Harkhuf.”
“I have come here from my city,
I have descended from my nome:
I have built a house, set up (its) doors,
I have dug a pool, planted sycamores.
The king praise me,
My father made a will for me,
I was one worthy ---
One beloved of his father,
77
Hino a Osiris
“Recitation. The Deputy-treasurer Sobk-iry, born of the lady Senu, the justified says:
Hail, Osiris, son of Nut!
Two-horned, tall of crown,
Given crown and joy before the Nine Gods,
Whose awe Atum set in the heart of men, gods, spirits, and dead,
Whom rulership was given on On;
Great of presence in Djedu,
Lord of fear in Two-Mounds;
Great of terror in Rostay,
Lord of awe in Hnes.
79
As profecias de Neferti
(...)
“ A strange bird will breed in the Delta marsh,
Having made its nest beside the people,
The people having let it approach by default.
Then perish those delightful things,
The fishponds full of fish-eaters,
Teeming with fish and fowl.
All happiness has vanished,
The land is bowed down in distress,
Owing to those feeders,
Asiatics who Roam the land.
Foes have risen in the East,
Asiatics have come down to Egypt.
(…)
Then a king will come from the South,
Ameny the justified, by name,
Son of a woman of Ta-Seti, child of Upper Egypt.
He will take the white crown;
He will join the two Mighty Ones,
He will please the Two Lords with what they wish,
With field-circler in his fist, oar in his grasp.
(…)
Then order will return to its seat,
While Chaos driven away.
80
I made every man like his fellow; and I did not command that they do wrong. It is
their hearts that disobey what I have said. This is of the deeds.
I made their hearts are not disposed to forget the West, in order that sacred offerings
be made to the gods of the nomes. This is one of the deeds.
I have creates the gods from my sweat, and the people from the tears of my eye.
(…)
Lord of lightland, maker of light, who lights the sky with his beauty. I am hi in his
name! Make what for me, that I mat see Nun and Amun! For I am that equipped spirit (akh)
who passes by the „guards‟. They do not speak for fear of Him-whose-name-is-hidden, who is
in my body. I know him, I do not ignore him! I am equipped and effective in opening his
portal”
As for any person who knows this spell, he will be like Re in the eastern sky, like
Osiris in the netherworld. He will go down to the circle of fire, without the flame touching
him ever!”
A abertura da boca
“Formula for opening N‟s mouth for him in the necropolis. He shall say:
My mouth is opened by Ptah.
Me mouth‟s bonds are loose by my city-god.
Thoth has come fully equipped with spells,
He looses the bonds os Seth from my mouth.
Atum has given me my hands,
They are placed as guardian.
As orações de Paheri
“An offering goven by the King (to) Amun
Lord of Thrones-of-the-Two-Lands,
King of eternity, lord of everlastingness,
Sole one, primordial, eldest,
Primeval, without [equal],
[Creator] of man qnd gods,
Living flame that came from Nun,
[Maker] of light for mankind;(…)”
Hino a Amon-Re
“You are Amun, the Lord of the silent,
Who comes at the voice of the poor;
when I call to you in my distress,
you come to rescue me,
to give breath to him who is wretched,
to rescue me from bondage.
Primeiro registro da Décima divisão da Décima Primeira hora do Livro das Portas.
“Ellos son así, se alzan delante de RA cuando Él aparece y les alcanza. Ellos dicen a RA:
RA asciende, EL DEL HORIZONTE es poderoso, mira, nosotros hemos abatido a la atada
APEP. Tú no te acercas a tus enemigos, Oh RA. Tus enemigos no se acercarán a ti, Oh RA.
Tu santidad ha surgido en los anillos de la Envolvente, mientras APEP es aniquilada yaciendo
en su sangre, siendo ejecutada. RA entra en su hora de descanso (ra aha r wnwt Htpyt)
Luego este GRAN DIOS continúa después de que sus ataduras (en APEP) han sido tensadas.”
“Ellos son así, sujetan las cuerdas (sdfw) de esta malvada. Ellos dicen a RA:
RA viaja, El del HORIZONTE pasa. Mira, los cuchillos son introducidos en Cara Maligna(2).
APEP está en sus ataduras. “
85
“Oh los castigadores que están en el lugar de ejecución de Osiris causando vuestra mutilación,
que actúan como [los que he creado para la masacre] los que He formado para (?) ... Porque
sois los que hacem daño y cometen mal em Occidente. Porque sois los enemigos, no existis y
no existiréis. Mirad yo entro vosotros paracastigaros, yo os envio al lugar de destrucción de
manera que vuestro bas no salgal más.”
“Esta es la imagen misteriosa de la Necrópolis Imhet. Hay luz en ella cada día en el
nacimiento de Jepri, que sale cuando las caras de la serpiente Menmenu (el Temblador)
desaparecen delante de Jepri. Rey, Señor de las Dos Tierras, Ramsés VI.”
ILUSTRAÇÕES
Primeira Hora
Segunda Hora
232
Piankoff, Alexandre. The Tomb of Ramesses VI Egyptian Religious Texts and Representations (Bollingen
Series, 40, 1 and 2). 2 Bde. New York: Pantheon, 1954. Disponível em:
http://www.egiptologia.org/textos/amduat/
91
Terceira Hora
Quarta Hora
Quinta Hora
92
Sexta Hora
Sétima Hora
Oitava Hora
93
Nona Hora
Décima Hora