Trade Secrets
Trade Secrets
Trade Secrets
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UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA
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Agradecimento
À minha orientadora, a Prof.ª Dr.ª Maria Victória Rocha, um sincero
agradecimento, desde logo por me ter sugerido este tema tão atual, pelos
conhecimentos transmitidos, disponibilidade, compreensão e toda a ajuda
prestada.
4
Resumo:
O estudo que elaboramos versa sobre o instituto do segredo de negócio. A opção por
este tema resulta, em larga medida, da publicação da Diretiva (UE) 2016/943 do Parlamento
Europeu e do Conselho de 8 de junho de 2016.
Por fim, faremos uma breve análise da supra indicada Diretiva, enquanto diploma que
irá promover alterações de relevo na matéria, sua transposição e eventuais conflitos com o
ordenamento jurídico português.
Abstract
The study that we elaborate is about the trade secrets. The option for this theme results
to a large extent from the publication of Directive 2016/943 of the European Parliament and
of the Council of 8 June 2016.
Thus, we will start by discussing the relevance of trade secrets, going on to an analysis
of their historical evolution, concept and legal regime, both internationally and nationally, as
well as a comparative law study.
Finally, we will make a brief analysis of the mentioned Directive, as an act that will
promote important changes in the matter, its transposition and possible conflicts with the
Portuguese legal system.
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Índice
1. Introdução .......................................................................................................................... 8
2. A importância dos segredos de negócios ......................................................................... 8
3. Proteção internacional .................................................................................................... 11
4. No ordenamento jurídico português .............................................................................. 14
4.1 Enquadramento histórico do instituto ....................................................................... 14
4.2 Definição de “segredos de negócios” .......................................................................... 16
4.3 Regime jurídico ............................................................................................................... 19
4.3.1 O segredo de negócio como um dos tipos da concorrência desleal ...................... 21
4.3.2 A tutela do segredo de negócio para além do instituto da concorrência desleal. 22
4.3.2.1 No Código Penal ................................................................................................ 22
4.3.2.2 No Código do Trabalho .................................................................................... 24
4.3.2.3 No Código Civil ................................................................................................. 24
4.3.2.4 No Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos..................................... 25
4.3.2.5 No direito comercial .......................................................................................... 25
4.3.2.6 Diplomas avulsos ............................................................................................... 25
4.3.2.7 Apontamentos conclusivos................................................................................ 26
4.4 Direitos privativos versus segredos de negócios ........................................................... 27
5. Direito comparado ........................................................................................................... 28
5.1 Estados Unidos da América............................................................................................ 29
5.2 Brasil ................................................................................................................................ 29
5.3 Na União Europeia .......................................................................................................... 30
5.3.1 Alemanha .................................................................................................................. 30
5.3.2 Espanha ..................................................................................................................... 31
5.3.3 Itália........................................................................................................................... 31
5.3.4 França ....................................................................................................................... 32
5.3.5 Reino Unido .............................................................................................................. 33
5.3.6 Suécia......................................................................................................................... 33
6. A Diretiva (UE) 2016/943 de 8 de junho de 2016 .......................................................... 34
6.1 Finalidade ..................................................................................................................... 34
6.2 Análise global ............................................................................................................... 35
6.2.1 Ponderação das opções legislativas ......................................................................... 37
6.2.1.1 Pontos que entendemos como negativos .......................................................... 37
6.2.1.2 Pontos identificados por nós como positivos ................................................... 38
6.3 Transposição para o ordenamento jurídico português ................................................ 40
6
6.3.1 O que poderá conflituar com o ordenamento jurídico português ....................... 40
6.3.2 Como tornar as normas em conflito compatíveis com o ordenamento jurídico
português, por forma a implementar a Diretiva in totum ........................................................ 43
7. Conclusão ......................................................................................................................... 46
Referências bibliográficas ........................................................................................................ 48
Diplomas avulsos e legislação estrangeira............................................................................... 52
Jurisprudência........................................................................................................................... 53
Páginas consultadas na internet ............................................................................................... 53
7
1. Introdução
O presente estudo incide sobre o instituto do segredo de negócio, sua evolução histórica
até à atualidade, não esquecendo a Diretiva (UE) de 2016/943 do Parlamento Europeu e do
Conselho de 8 junho de 20161.
Com vista a cumprir o objetivo a que nos propomos iremos começar por questionar a
necessidade e atualidade do instituto.
Passaremos, de seguida, à análise da sua evolução histórica, conceito e regime jurídico,
aproveitando para fazer uma breve referência à proteção a nível internacional e ao direito
comparado.
Terminando com algumas reflexões acerca da Diretiva supra referida, que pretende ser
um instrumento de harmonização do seu regime jurídico a nível europeu. Diretiva que ainda
aguarda transposição para os ordenamentos jurídicos internos dos Estados-Membros, que, em
consequência, sofrerão significativas mudanças.
A abordagem que aqui se fará ao tema será, de alguma forma, ligeira, tendo em conta
os limites regulamentares impostos e a sua crescente complexidade. Pretende-se, no entanto,
dar um contributo para uma suficiente compreensão do instituto e seu atual regime jurídico,
daí se ter optado pela metodologia que se segue.
Este instituto era, inicialmente, marginalizado pelo direito. A principal razão que
justificava a sua “marginalização”, em detrimento dos direitos privativos, se é que o podemos
dizer desta forma, advinha do entendimento generalizado de que o conhecimento devia
tornar-se acessível a todos, pois só desta forma haveria progresso/inovação.
Acontece que, desde há alguns anos para cá, veio a perceber-se que este raciocínio não
era o mais correto, até porque, a existência do segredo não obstará à vontade de inovar.
Havendo mesmo quem defenda que a proteção dos segredos de negócios acaba também
por incentivar a partilha, ainda que seletiva, de conhecimentos. Este entendimento é criticado
1
O Diploma publicado pode ser consultada em: http://eur-lex.europa.eu/legal-
content/ES/TXT/?uri=CELEX%3A32016L0943.
8
por Robert Bone que realça que esta divulgação não se compara com a divulgação que ocorre
nos direitos privativos, que é generalizada2.
As políticas que se aplicam em matéria de inovação e competitividade são
determinantes para a economia. Não obstante, só há inovação se houver investimento e só há
investimento se houver proteção desse mesmo investimento.
Portanto, é hoje ponto assente3, nacional e internacionalmente, que não se atingem
esses objetivos apenas através dos direitos privativos, mas também através dos segredos de
negócios.
Veio a perceber-se que os segredos de negócios são vitais para os seus titulares,
permitindo-lhes adquirir/manter vantagem competitiva perante os demais.
As empresas, independentemente da sua dimensão, para serem competitivas, apostam
em inovação, métodos de produção, técnicas de marketing, listas de fornecedores e de
clientes, etc., ou seja, apostam nos chamados segredos de negócios.
O aumento do interesse jurídico pelos segredos de negócios ao longo dos anos é devido
a um conjunto de diversos fatores, sendo nosso entendimento que os mais relevantes são: (i) a
globalização (a competitividade tornou-se feroz a nível mundial, não apenas local); (ii) a
facilidade que existe, na atualidade, em aceder e transportar informação/documentos em
grandes quantidades (o que contribui para que mais facilmente possa haver apropriação
indevida das informações confidenciais, quer seja através de espionagem industrial ou de
outras formas); (iii) os elevados custos e, muitas vezes, a morosidade em optar pela proteção
através de direitos de exclusivo (nomeadamente: patentes, modelos de utilidade, desenhos,
etc.), o que afasta, desde logo, a possibilidade de opção das pequenas e médias empresas; (iv)
a existência de informações que são consideradas segredo de negócio e passíveis de proteção
através deste instituto, que não podem ser protegidas através de direitos privativos; (v) a
crescente mobilidade laborar; etc..
Para além dos fatores acima enunciados, não podemos deixar de referir que a violação
de um segredo de negócio, pode acarretar, para o seu titular4, inúmeros prejuízos, cujo
impacto é maior, quanto mais pequena for a sua dimensão.
2
ROBERT G. BONE, “A New Look at Trade Secret Law: Doctrine in Search of Justification”, 86 California
Law Review, 241 (1998), in: http://scholarship.law.berkeley.edu/californialawreview/vol86/iss2/1 (consultado
em 10.06.2017).
3
A atualidade do instituto dos segredos de negócios é para muitos autores, de entre os quais ROBERT
BONE, um dado adquirido.
4
Usamos a terminologia titular que deverá ser entendida como a pessoa/entidade que detém o
controlo da informação confidencial.
9
Consequentemente, sentiu-se a necessidade de lhes conferir uma maior relevância
jurídica.
Quem atua no mercado conta com a sua proteção e muitas vezes estrutura a sua
atividade com base na proteção desses bens intangíveis, visto que essa informação pode ser
estratégica por um largo período temporal ou até eternamente5.
Estudos realizados revelam que, na atualidade, as empresas valorizam os segredos de
negócios tanto ou mais do que valorizam a proteção através de direitos de exclusivo.
A importância dos segredos de negócios é transversal a todos os sectores da economia,
tendo, no entanto, particular relevância nos sectores da indústria farmacêutica,
biotecnológica, alimentar, de produção de software e até no sector público, bem como no
sector dos serviços, cujos intangíveis não poderão ser protegidos pelos direitos de exclusivo,
pois não preenchem os requisitos.
De acordo com a Comissão Europeia:
Information, knowledge, inventiveness and creativity are the raw materials of the
new economy, and trade secrets are important for companies both large or small, in all
economic sectors. However, while large companies have the resources to manage a large
portfolio of intellectual property rights, such as patents, smaller companies often cannot
afford to do this - therefore their reliance on trade secrets is greater6.
Em suma, desde o início do Seculo XXI que se começou a olhar de forma bem
diferente para o instituto dos segredos de negócios, não só na União Europeia como também
nos Estados-Unidos, que têm vindo a revisitar a sua legislação neste domínio, com vista a
implementar reforços de proteção. Na Europa através da Diretiva (UE) 2016/943 do
Parlamento Europeu e Conselho, de 8 de Junho de 2016, que mais à frente dedicaremos um
estudo mais aprofundado, e nos Estados-Unidos através da Lei designada de Defend Trade
Secrets Act of 2016 (DTSA)7.
5
A título de exemplo podemos falar na fórmula da coca-cola que se mantém secreta até aos dias de
hoje.
6
Trade secrets – European Commission, in: «http://ec.europa.eu/growth/industry/intellectual-
property/trade-secrets/» (consultado em 13.08.2017).
7
É uma nova Lei federal (de 11 de Maio de 2016) que permite ao titular de um segredo de negócio
violado, recorrer a um tribunal federal, visando uniformizar a proteção que é conferia de uma forma ou de
outra nos vários Estados dos Estados-Unidos através do Uniform Trade Secrets Act. Na prática o DTSA torna
aplicável em todo o país a criminalização de certas formas de violação dos segredos de negócios,
implementada através do Economic Espionage Act of 1996.
10
O que acima é explanado vem evidenciado nos diversos considerandos da Diretiva
(UE) 2016/943, como justificação da intervenção legislativa, resultando do considerando (2)
o seguinte:
3. Proteção internacional
8
Uma das justificações para legislar na matéria, de acordo com NUNO SOUSA E SILVA, “Um Retrato do
Regime Português dos Segredos de Negócio” in: Revista da Ordem dos Advogados, Ano 75, n.ºs I/II (jan/junho
2015), pp. 228 - 232.
9
Também designada por Convenção da União de Paris - abreviadamente CUP.
10
Atualmente conta com 173 países signatários.
11
Ora, apesar de não se alcançar da letra da lei, o certo é que havia quem defendesse que
a proteção conferida através deste preceito legal se estendia aos segredos de negócios.
Todavia, este entendimento só fica clarificado quando, em 1994, o Acordo TRIPS11, no
n.º 1 do seu artigo 39º, o refere expressamente, apesar de se usar a terminologia informações
não divulgadas, devido ao facto de que a ideia de propriedade da common law é diferente da
dos países da civil law:
É, portanto, com este Tratado, que, segundo muitos, resulta de lobby das grandes
potências económicas (daí ter surgido com a instituição da Organização Mundial do
Comércio13), se solidifica, a nível internacional, a proteção, ainda que mínima, dos segredos
de negócios.
É o mais importante instrumento multilateral para a globalização das leis da
propriedade intelectual e, ao contrário dos mecanismos nacionais de proteção, o Acordo
TRIPS, por atuar no âmbito da OMC, tem um enforcement mais eficaz, que resulta da
aplicação de sanções económicas.
Portanto, podemos concluir que, a nível internacional, o regime jurídico dos segredos
de negócios resulta da combinação do art.º 10.º-bis da CUP com os n.ºs 1 e 2 do art.º 39º do
TRIPS14.
Artigos que aqui se transcrevem para uma melhor compreensão da temática, assim:
Artigo 10.º-bis
1 – Os países da União obrigam-se a assegurar aos nacionais dos países da União
proteção efetiva contra a concorrência desleal.
2 – Constitui ato de concorrência desleal qualquer ato de concorrência contrário
aos usos honestos em matéria industrial ou comercial.
3 – Deverão proibir-se especialmente:
1.º Todos os atos suscetíveis de, por qualquer meio, estabelecer confusão com o
estabelecimento, os produtos ou a atividade industrial ou comercial de um
concorrente;
11
Acordo sobre Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights, em português: Acordo sobre
Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio - ADPIC
12
NUNO SOUSA E SILVA, «Quando o segredo é a “alma do negócio” – definição de um conceito», in:
Revista da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual, n.º 126 (set/out 2013), p. 6.
13
World Trade Organization (OMC - WTC).
14
Os 159 países membros da Organização Mundial do Comércio estão sujeitos a este Tratado e suas
normas.
12
2.º As falsas afirmações no exercício do comércio, suscetíveis de desacreditar o
estabelecimento, os produtos ou a atividade industrial ou comercial de um
concorrente;
3.º As indicações ou afirmações cuja utilização no exercício do comércio seja
suscetível de induzir o público em erro sobre a natureza, modo de fabrico,
características, possibilidades de utilização ou quantidade das mercadorias.
15
NUNO SOUSA E SILVA, “Um Retrato do Regime …”, cit., p. 235.
16
NUNO SOUSA E SILVA, «Quando o segredo é a “alma do negócio” …», cit., p. 8.
13
Para além disso, essa informação terá, obrigatoriamente, que preencher os seguintes
requisitos cumulativos constantes do supra citado n.º 2, do art.º 39.º do Acordo TRIPS: (1)
ser secreta; (2) ter valor comercial por ser secreta; (3) tenha sido objeto de diligências
consideráveis para se manter secreta.
Porque em Portugal foi adotada esta definição de segredos de negócios, analisaremos
tais requisitos mais à frente.
Mas, foi com o Decreto de 15 de Dezembro de 1894 que, no n.º 8, do art.º 201º, se
incluiu nos tipos de concorrência desleal, aquelas situações “em que o industrial, por
suborno, espionagem, compra de empregados ou operários ou por qualquer outro meio
criminoso, consegue a divulgação de um segredo de fábrica e o utiliza” – ou seja, nada mais
nada menos que os segredos industriais.
A matéria vem a ser novamente objeto de regulação com a entrada em vigor do
primeiro Código da Propriedade Industrial, em 1940, no Título III, onde se consagram os
Delitos Contra a Propriedade Industrial, mais concretamente no art.º 212º, que nos indica que
“São como tais expressamente proibidos: (…) 9.º A ilícita apropriação, utilização ou
divulgação dos segredos da indústria ou comércio de outrem, se ao agente não couber maior
responsabilidade pela aplicação do artigo 462.º do Código Penal”.
Portanto, não nos era dada qualquer noção de segredo de negócio, o que levou ao
surgimento de jurisprudência no sentido de se considerar que o, então, segredo de indústria
ou comércio teria que representar uma invenção e que, como tal, seria suscetível de proteção
através de patente.
Este entendimento não podia estar mais errado, pelo que, foi há muito abandonado.
14
Em 1995 entrou em vigor um novo Código da Propriedade Industrial, através do
Decreto-Lei 16/95 de 24 de Janeiro de 1995. Com este Diploma muito pouco se alterou em
matéria dos segredos industriais/comerciais, que passaram, então, a estar regulados na al. i)
do artigo 260.º.
Manteve-se inalterado o facto de continuar a ser uma proteção conferida através da
concorrência desleal e até se manteve a primeira parte da anterior redação do normativo: “A
ilícita apropriação, utilização ou divulgação dos segredos da indústria ou comércio de
outrem”, tendo-se alterado, mas não muito, a sua segunda parte, para se passar a contemplar
uma punição efetiva, ou seja: “será punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de
multa até 360 dias”.
Sendo curioso referir que, apesar de, no preâmbulo do Decreto-Lei, se ler que a revisão
da legislação portuguesa em matéria de propriedade industrial resulta de entre outras várias
razões, da conclusão do Acordo TRIPS, o certo é que a alteração legislativa levada a cabo
não refletiu o Acordo. Isto deve-se ao facto de que a adesão de Portugal ao referido Tratado
só aconteceu em 1996.
Daí que, só em 2003 se veio a introduzir significativas alterações na proteção que, em
Portugal, é conferida às “informações confidenciais”.
Na senda da crescente preocupação internacional, em matéria de proteção dos segredos
de negócios, veio a sentir-se, também entre nós, a necessidade de autonomizar a sua
regulação, sendo certo que se mantém como um dos tipos da concorrência desleal, mas que
agora lhe é reconhecida dignidade para estar regulado num artigo próprio - o artigo 318º do
CPI de 2003.
Este artigo é uma combinação nos n.ºs 1 e 2 do artigo 39º do Acordo TRIPS, sendo
praticamente uma transcrição literal do n.º 2, senão vejamos:
Artigo 318.º
Proteção de informações não divulgadas
Nos termos do artigo anterior, constitui ato ilícito, nomeadamente17, a divulgação,
a aquisição ou a utilização de segredos de negócios de um concorrente, sem o
consentimento do mesmo, desde que essas informações:
a) Sejam secretas, no sentido de não serem geralmente conhecidas ou facilmente
acessíveis, na sua globalidade ou na configuração e ligação exatas dos seus elementos
constitutivos, para pessoas dos círculos que lidam normalmente com o tipo de
informações em questão;
b) Tenham valor comercial pelo facto de serem secretas;
17
Seguimos LUÍS COUTO GONÇALVES que defende que este “nomeadamente” não deveria constar do texto
do preceito, pois induz em erro, uma vez que as condutas são taxativamente as três ali indicadas.
15
c) Tenham sido objeto de diligências consideráveis, atendendo às circunstâncias,
por parte da pessoa que detém legalmente o controlo das informações, no sentido de as
manter secretas.
Como já referido, com a introdução deste preceito, passamos a adotar, em Portugal,
uma tutela do instituto muito semelhante à que lhe é conferida a nível internacional, sendo
certo que com algumas particularidades que oportunamente analisaremos.
É também com este artigo 318º do CPI que se passa a utilizar a terminologia de
“segredos de negócios” (enquanto conceito mais abrangente, que permite absorver todas as
informações confidenciais passíveis de proteção).
A outra alteração de relevo provém do facto de, a nosso ver mal, a concorrência desleal
ter deixado de ser ilícito penal, passando, apenas, a ilícito de mera ordenação social.
Isto poderá até ser contraditório com os ditames internacionais na matéria, visto que, tal
como acima tivemos oportunidade de referir, estudos realizados apontaram para necessidade
de reforçar a proteção do instituto do segredo de negócio, o que, em primeira linha, também,
parece ser reconhecido pelo legislador português (quando autonomiza o instituto). Todavia,
no mesmo ato legislativo, retira-lhe grande parte do seu enforcement.
Quando se deveria implementar um conjunto de medidas punitivas mais gravosas,
torna-se a sua violação como um ilícito de mera ordenação social. Ora, se já antes desta
alteração legislativa a moldura penal era insatisfatória, agora é insignificante. À luz do
quadro normativo atual, quem se vai preocupar com as consequências da violação do segredo
de negócio?
Atualmente é este o regime jurídico, decorrente da concorrência desleal, em vigor, em
Portugal, que será objeto de revisão obrigatória face à Diretiva (EU) 2016/943 de 6 de Junho
de 2016.
De acordo com Manuel Lopes Rocha18, definir segredo de negócio é uma tarefa
hercúlea, pois há uma flutuação terminológica muito grande acerca da realidade que se visa
enquadrar. Repetidamente ouvimos falar em know-how, segredo, segredos comerciais e
industriais, informações secretas, informações reservadas ou informações técnicas não
patenteáveis, como por exemplo: listas de clientes, análises de mercado, datas de lançamento
de produtos, fórmulas e processos, códigos fonte.
18
MANUEL LOPES ROCHA, “Breve Nota Sobre a Proposta de Diretiva Relativa à Proteção do Know-how Não
Divulgado e ao Segredo Comercial” in: Revista de Direito Intelectual, n.º1 (2016), p. 113.
16
Entendemos nós que a evolução do instituto é acompanhada da sua evolução
terminológica, pois, se nos Códigos da Propriedade Industrial de 1940 e de 1995 se falava na
apropriação, utilização ou divulgação dos segredos da indústria ou comércio, já na versão
atual do CPI (de 2003) adotou-se a designação de “informações não divulgadas” do Acordo
TRIPS, tendo-se, assim, pretendido acolher um conceito mais abrangente, ou seja, o de
segredos de negócios, por isso se alterou a redação passando a constar expressamente
“segredos de negócios”.
Neste sentido afirma Couto Gonçalves19:
O atual Código te uma previsão mais ampla propondo a proteção das
informações não divulgadas no âmbito a concorrência desleal, de acordo com o disposto
no ADPIC (art. 39º).”
Logo depois, o autor dá-nos uma ideia do que são segredos industriais e segredos
comerciais20, que transcrevemos na íntegra para melhor compreensão:
19
LUÍS COUTO GONÇALVES, Manual de Direito Industrial Propriedade Industrial e Concorrência desleal, 7ª
Edição, Revista e Atualizada, Almedina, Coimbra, 2017, p. 403.
20
LUÍS COUTO GONÇALVES, ob. cit., pp. 405 e 406.
17
comércio. Assim, o conceito de segredo de negócio abarcará: invenções, saber-fazer,
processos de produção, técnicas de organização empresarial, técnicas de marketing, receitas,
fórmulas, códigos-base de software, algoritmos, modelos e desenhos, protótipos, mas
também: ideias e conceitos abstratos, entre muitos outros conhecimentos.
Na visão de Patrício Paúl, que segue Manuel Costa Andrade, o conceito decompõem-se
em três elementos concretos, que são cumulativos: (i) um elemento objetivo, os fatos são
apenas conhecidos de um número restrito de pessoas; (ii) um elemento subjetivo, que é a
vontade de o manter secreto e (iii) um elemento normativo, que é a existência de um interesse
legítimo nessa reserva21.
Porque estamos perante um dos tipos da concorrência desleal o autor defende também
que aos supra citados três elementos acrescerão, cumulativamente, os requisitos deste
instituto, ou seja: (iv) o ato tem que provir de um concorrente e (v) tem que ser desonesto.
Por sua vez, Luís Couto Gonçalves, adota agora, com a publicação da Diretiva (UE)
2016/943, os três requisitos do art.º 2º, n.º 1 do diploma, que são aqueles que já constavam do
supra transcrito art.º 318.º do CPI.
Já Nuno Sousa e Silva22, que segue a jurisprudência alemã, defende que o conceito
engloba não três, mas quatro requisitos, que se passam a enunciar: 1) informação; 2) secreta;
3) com valor comercial derivado do secretismo e 4) objeto de diligências consideráveis no
sentido de a manter secreta.
Como atrás referimos, o conceito do segredo de negócio adotado em Portugal, nos dias
de hoje, resulta do art.º 39º, n.º 2 do Acordo TRIPS. Assim, nada nos espanta esta posição de
Nuno Sousa e Silva, que vai também de encontro ao que é entendimento da maioria da
doutrina a nível internacional.
Vejamos então no que consistem estes requisitos.
I - A informação que é protegida não é qualquer uma, terá que ter relevância, ou seja,
não ser trivial, daí que o instituto se distinga de grande parte do que é o saber-fazer, do
segredo profissional e do direito à privacidade
II - É secreta quando não é de conhecimento generalizado, isto é, pode não ser de
conhecimento de um só, mas terá que ser de conhecimento, de um número restrito de pessoas
que a devam conhecer. Em última análise, não se trata do número de pessoas que a ela
acedem, mas sim de que pessoas estamos a falar. Portanto, se é conhecida só de alguns, mas
21
JORGE PATRÍCIO PAUL, “Concorrência desleal e segredos de negócio” in: Associação Portuguesa de
Direito Industrial, Vol. II (2002) p. 148.
22
NUNO SOUSA E SILVA, «Quando o segredo é a “alma do negócio”…», cit, pp. 6 - 8.
18
esses são quem habitualmente lida com aquele tipo de conhecimento, já não há direito a
proteção. Não se exige segredo absoluto, mas o conhecimento da informação tem que estar
“controlado” pelo seu titular.
III - O valor comercial - entendemos que não se trata de apreciar o custo/investimento
que se fez com vista à sua obtenção, tratar-se-á sim de ser informação que traga para o seu
titular uma vantagem competitiva, que lhe permita ser melhor, mais rápido, ter menores
gastos num processo de produção, etc.. Esta vantagem resultará do nexo de causalidade entre
uma coisa (o valor) e a outra (o facto de a informação ser secreta). Portanto, é entendimento
generalizado na doutrina que falamos verdadeiramente de valor económico, que não precisará
de ser um valor acima do normal, tal como defende Gómez Segade, mas que deverá
funcionar como o limiar abaixo do qual não se conceberá proteção – na visão de François
Dessemont.
Valor que deverá se atual. Apesar de haver quem entenda que o valor pode ser
potencial23, nós, tal como Nuno Sousa e Silva, defendemos que o valor da informação tem
que ser aferido no momento da violação, visto que, de uma forma ou de outra, a informação
poderá ter sempre um valo potencial.
IV – Por fim, as diligências consideráveis para manter a informação secreta não
deverão ser percebidas como um ónus do titular do segredo, apenas se impondo àquele que
adote medidas razoáveis de segurança e prevenção para manter a informação fora do alcance
do público em geral. Ou seja, impõe-se-lhe que não seja negligente na defesa dos seus
interesses (neste caso os seus segredos de negócios). Seguimos aqui a doutrina que defende
que o legislador não teve a intenção de tornar a proteção conferida aos segredos de negócios
em algo que seja dispendioso, senão estaríamos a contrariar a ideia de que muitas vezes se
recorre à tutela conferida por este instituto por permitir uma redução dos custos.
23
Neste sentido vai PIRES DE CARVALHO.
24
Acórdão proferido no proc. n.º 7953/10.9TBALM.L1-7, in: www.dgsi.pt.
19
instituto autónomo distinto daqueles direitos, não obstante existirem alguns pontos de
contacto entre uns e outros.
25
JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, Concorrência Desleal, Almedina, Coimbra, 2002, p. 461.
26
LUÍS COUTO GONÇALVES, ob. cit, p. 405.
20
do trabalho, os direitos de autor, direito dos contratos, direito de propriedade, o regime do
enriquecimento sem causa e de diplomas avulsos.
O mesmo acontece em outros ordenamentos jurídicos, o que leva autores como Robert
Bone a concluírem que a tutela jurídica dos segredos negócios não passa de uma coleção de
outras normas legais27.
Passemos, então, à análise dos meios de tutela existentes.
27
ROBERT G. BONE, “A New Look at Trade Secret Law: …”, cit., p. 245.
21
Qualquer entendimento diverso daquele que aqui defendemos iria contra a clara
intenção do legislador ao autonomiza o instituto, que é, nada mais, nada menos, a de conferir
um nível de proteção superior a este instituto.
Assim, é óbvio, para nós, que o titular de um segredo que esteja em vias de ser violado
(quer se trate de uma situação de aquisição, divulgação ou utilização ilícitas), poderá
socorrer-se deste artigo 338.º-I do CPI, intentando uma providência cautelar, desde que
verificados os correspondentes pressupostos jurídicos.
28
PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal: à luz da Constituição da República e da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa, (2008), pp. 529-535.
22
I - No art.º 195.º o interesse jurídico protegido é a privacidade, num âmbito mais vasto
que a intimidade. Aqui protegem-se todos os segredos profissionais, quer dentro, quer fora da
atividade empresarial, mas também outros.
Para que se verifique o tipo de crime é necessário que haja a divulgação (enquanto
conduta típica) de informações sensíveis, de outrem, que chegaram ao conhecimento do
agente no exercício da sua profissão.
Não obstante termos defendido que não há equiparação entre os art.º 195.º do CP e art.º
318.º do CPI, Manuel Costa Andrade tem posição diversa, referindo que há equiparação,
segundo o qual29 “a reserva estende-se aqui aos segredos do mundo dos negócios”.
II - No art.º 196.º, por sua vez, o bem jurídico tutelado é a exploração da vantagem
patrimonial incorporado no próprio segredo e pertencente ao respetivo titular. Visa-se aqui
punir a exploração económica do valor do segredo30.
Ou seja, para Manuel Costa Andrade estamos, também aqui perante uma proteção
semelhante àquela que é conferida aos direitos da propriedade intelectual.
A conduta típica (que neste caso, como já vimos, é a exploração do valor económico do
segredo) só se verifica quando estamos perante um segredo profissional (onde se inclui o
segredo de negócio), que foi obtido no exercício da profissão (tal como acontece com o art.º
195.º), que contém vantagens económicas que possam ser exploradas pelo agente.
Em ambos os casos estamos perante crimes de dano, pelo que a tentativa não é punível.
É necessária a consumação, que no primeiro caso (art.º 195.º) resulta na efetiva tomada de
conhecimento do segredo pelo terceiro e no segundo (art.º 196.º) resulta na produção de um
prejuízo a terceiro.
Também em ambos os casos só haverá punição se houver dolo, que poderá ser
meramente eventual.
Em suma: tanto num normativo como no outro estamos perante uma aquisição lícita do
segredo, sendo que:
- no art.º 195.º pune-se os atos de divulgação: “Quem, (…) revelar segredo (…)”31;
- e no art.º 196.º, pune-se os atos de aproveitamento: “Quem, (…) se aproveitar de
segredo”32.
29
JORGE DE FIGUEIREDO DIAS (dir.), Comentário Conimbricense do Código Penal: Parte Especial Tomo I,
Coimbra Editora (1999), p. 777.
30
JORGE DE FIGUEIREDO DIAS (dir.), ob. cit., p. 807.
31
Sublinhado nosso.
32
Sublinhado nosso.
23
Portanto, o nosso raciocínio leva-nos a concluir que a tutela penal dos segredos de
negócios existe apenas quando estamos perante atos de utilização e/ou divulgação ilícitos
desses segredos, pois é deixada de fora a proteção penal de atos de aquisição ilegal.
33
Acórdão proferido no proc. n.º 519/08.5TVLSB.L1.S1, in: www.dgsi.pt.
25
Vários diplomas avulsos contemplam normas que, de uma forma ou de outra, tutelam
os segredos de negócios e que passamos a enunciar:
III - DL n.º 176/2006, de 30 de agosto, que legisla sobre o Regime Jurídico dos
Medicamentos de Uso Humano – impõe, no artigo seu artigo 188.º, um dever de
confidencialidade aos trabalhadores e colaboradores do Infarmed que tenham acesso a
diversas informações, incluindo os segredos comerciais e industriais;
A exposição feita acima permite-nos concluir que a violação dos segredos de negócios
pode revestir, no ordenamento jurídico português, as seguintes formas de ilícito:
a) ilícito de mera ordenação social – sancionado com a aplicação de uma coima dentro
dos limites estabelecidos no art.º 331º do C.P.I.;
26
b) ilícito civil - gerador de responsabilidade civil, conferindo ao seu titular a
possibilidade de ser indemnizado – desde que preenchidos os pressupostos do art.º
483.º do C.C.;
c) ilícito penal – desde que verificado um dos tipos de crime previstos nos artigos 195.º
e 196.º do C.P. – e nessa medida passível de aplicação de uma pena de multa ou de
prisão, que poderá ser agravada em um terço (de acordo com o art.º 197.º do C.P.).
Tendo presente o que acima referidos em relação ao que vem previsto no artigo 228.º
do CDADC, temos alguma dificuldade em aceitar, como há quem defenda, que se trata de
medidas de proteção subsidiárias e não cumulativas.
Em certa medida também é esta a posição veiculada pela jurisprudência, a título de
exemplo refere-se o Ac. TCA Sul de 20.04.201534: “I – A resolução do eventual conflito
entre o direito à informação, cujo exercício se revele necessário para defesa do direito de
propriedade industrial, e a proteção do segredo industrial deve ser feito de acordo com um
juízo de proporcionalidade.”
Poderá haver algumas medidas que serão obrigatoriamente subsidiárias, mas haverá
outras que poderão inegavelmente ser cumulativas.
De qualquer forma, trata-se de um regime jurídico marcadamente vincado pelos
desígnios internacionais e bastante simplista. Portanto, um regime que não cumpre o objetivo
pretendido – demover o infrator da prática destes atos.
O sistema dos direitos privativos é entendido por muitos como um estímulo à revelação
do conhecimento, mas há quem defenda que será mais vantajoso manter a informação
secreta.
Há autores, como Luís Couto Gonçalves, que defendem que a proteção através de
patente e de segredo de negócio são complementares, pelo menos em matéria de invenções.
Há outros que defendem que são formas alternativas de proteção e que se excluem
mutuamente, pois que, para se obter uma patente, é necessário revelar a informação e para se
proteger o segredo é necessário que a informação/conhecimento se mantenha secreta.
O recurso ao segredo de negócio poderá apresentar várias vantagens em comparação
com a tutela através de direitos de exclusivo. A proteção é imediata e aparentemente mais
34
Acórdão proferido no proc. n.º 12046/15, in: www.dgsi.pt.
27
barata. Pelo contrário, no âmbito do direito da propriedade industrial, a obtenção de direitos
privativos é um processo longo, complexo e dispendioso.
O tempo de duração da proteção será outra das vantagens que torna o regime do
segredo de negócio bastante mais apelativo. Se em grande parte dos direitos de exclusivo a
proteção é limitada no tempo (as patentes 20 anos; os modelos e utilidade 10 anos, no
máximo; os desenhos ou modelos até ao limite de 25), através do segredo de negócio, poderá
perdurar por vários séculos.
Contudo, a opção pelo regime do segredo de negócio, não será isenta de riscos, uma
vez que, qualquer outro interessado pode, por meios próprios/lícitos, chegar ao mesmo
conhecimento/informações (o que nos direitos privativos não acontecerá, uma vez que se
confere um direito de uso exclusivo). Mas também porque a prova da sua violação é muito
mais difícil quando estamos perante um segredo de negócio.
E poderá ter também desvantagens, nomeadamente quando se pretender transacionar o
conhecimento/informação. Nos direitos privativos isso é bastante fácil e processa-se através
da concessão de licenças, mas no âmbito dos segredos de negócios é bastante difícil.
Enfim, a decisão de optar por um regime ou por outro dependerá de uma análise
casuística do tipo de informação/conhecimento que se visa proteger.
Poderá até haver situações em que seja viável recorrer a ambos os regimes e outras
haverá em que a possibilidade de escolha estará vedada, só podendo obter proteção através
do instituto do segredo de negócio. Isto ocorrerá, garantidamente, visto que há
informações/conhecimentos com relevância no comércio e/ou industria que não são
suscetíveis de proteção através de direitos de exclusivo, porque não preenchem os requisitos,
que na maioria dos casos são bastante fechados, veja-se a título de exemplo os requisitos para
atribuição de uma patente35: (i) novidade (absoluta e objetiva); (ii) atividade inventiva
(originalidade) e (iii) utilidade industrial.
5. Direito comparado
A proteção que é conferida aos segredos de negócios pelo mundo é muito heterogénea,
envolvendo normas de direito privado e de direito público. Pelo que, é importante, para
cumprirmos o objetivo a que nos propomos, fazer-lhe uma breve referência.
35
Os requisitos de patenteabilidade constam, a nível nacional, no art.º 55º do CPI e a nível europeu, no
art.º 52º da CPE.
28
5.1 Estados Unidos da América
5.2 Brasil
29
XII - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou
informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve
acesso mediante fraude;
Também o artigo 206 da Lei faz uma alusão aos segredos de negócios, impondo a
obrigação de sujeitar um processo ao segredo de justiça quando haja o risco de expor
segredos de negócios. Neste ordenamento jurídico não nos é dada uma definição de segredo
de negócio e a sua disciplina encontra-se inserida no âmbito da propriedade intelectual.
Também no seio da União Europeia há regimes jurídicos muito díspares nesta matéria.
Assim, vamos aqui fazer uma referência genérica da maior parte dos países para,
posteriormente, passarmos a uma análise individualizada, mas breve, das particularidades de
alguns deles.
Há países que contemplam, nos seus ordenamentos jurídicos, normas com vista a
proteger os segredos de negócios, como são o caso da Alemanha, Áustria, Bulgária, Espanha,
Finlândia, Grécia, Hungria, Itália, Lituânia, Polônia, Portugal, República Checa, República
Eslovaca, República da Eslovénia, República da Estónia, República da Letónia, Roménia, e
Suécia. Contudo, em alguns desses países não encontramos, na lei, uma definição de segredo
de negócio.
Há, no entanto, países, concretamente: Bélgica, França, Holanda, Irlanda, Luxemburgo,
Reino Unido, cuja proteção dos segredos de negócios resulta em larga medida, do instituto da
responsabilidade civil ou então da jurisprudência ou de disposições contratuais.
Numa visão global de todos os países, podemos defender, de uma forma ou de outra,
pontos de equivalência. Contudo, encontramos dois ordenamentos jurídicos com
metodologias completamente distintas entre si e em relação aos demais países. A Suécia é o
único país que tem uma lei específica onde é regulado todo o regime do instituto do segredo
de negócio ao contrário de Malta, onde os segredos de negócios só são protegidos por
contrato.
5.3.1 Alemanha
30
enquadradas na Lei contra a concorrência desleal (UWG)36, mais concretamente nos § 17, 18
e 19. Nos § 17 e 18 são consagradas três vias específicas de proteção: (i) divulgação dos
segredos pelos trabalhadores durante a execução do contrato de trabalho; (ii) a espionagem
industrial e (iii) a revelação ou utilização de modelos ou instruções de natureza técnica. Por
sua vez, no § 19 é conferida punição para a tentativa de violação.
Havendo também a possibilidade de proteger os segredos através de cláusulas
contratuais destinadas a impedir a sua divulgação.
Na Alemanha os segredos de negócios não são considerados propriedade intelectual.
5.3.2 Espanha
5.3.3 Itália
36
Em alemão: Gesetz gegen den unlauteren Wettbewerb.
37
Abreviadamente designada por LCD
38
ALBERTO BERCOVITZ RODRÍGUEZ-CANO (dir.), Comentarios a la Ley de Competencia Desleal, s.l., Aranzadi-
Thomson Reuters, (2011), p. 354.
31
O artigo 98.º contém a definição dos segredos de negócio, que decorre do n.º 2 do art.º
39.º do TRIPS.
Também o n.º 1 do artigo 64.º do CPI italiano estabelece que os resultados (processos
de produção, invenções, etc.) do exercício da atividade profissional de um trabalhador, que
possam revestir segredos de negócio, serão da titularidade da entidade patronal. Já no Código
civil italiano, o artigo 2105.º estabelece um dever de lealdade dos trabalhadores para com a
sua entidade patronal, onde se proíbe a violação dos segredos de negócio.
De acordo com o Código Penal italiano a violação dos segredos de negócio que poderá
acarretar uma pena de prisão ou de multa.
Em Itália os segredos de negócio são considerados direitos de propriedade intelectual e
como tal, beneficiam de todas as medidas de reparação previstas para a propriedade
intelectual.
5.3.4 França
O ordenamento jurídico francês apenas protege parte do que entendemos como sendo
segredos de negócios, ou seja, só reconhece e protege o segredo industrial, enquanto
“manufacturing segrets” e o know-how. O conceito que se aplica do know-how é o que
resulta do Regulamento que regula os acordos de transferência de tecnologia (Regulamento
(CE) n.º 772/2004 da Comissão, de 27 de Abril de 2004), Art.º 1.º, n.º 1, al. i):
i) «Saber-fazer», um conjunto de informações práticas não patenteadas,
decorrentes da experiência e de ensaios, que é: i) secreto, ou seja, que não é geralmente
conhecido nem de fácil obtenção, ii) substancial, ou seja, importante e útil para o fabrico
dos produtos contratuais, e iii) identificado, ou seja, descrito de forma suficientemente
completa, de maneira a permitir concluir que o saber-fazer preenche os critérios de
carácter secreto e substancial;
Por sua vez, o conceito de segredo industrial e comercial é veiculado pelos tribunais.
É no Código da Propriedade Industrial francês que está regulado o segredo industrial,
mas só é digno de proteção o ato de um trabalhador ou antigo trabalhador, através do qual
aquele tenta ou consegue divulgação um segredo.
Portanto, na legislação francesa não se regula os atos de aquisição e utilização dos
segredos.
Não obstante, encontramos outras normas de direito civil, laboral e penal que conferem
outros meios de proteção do que é entendido pelos franceses como segredo de negócio.
Podendo obter-se também proteção através da inclusão de cláusulas de confidencialidade nos
contratos.
32
Os segredos industriais são considerados direitos de propriedade industrial, no entanto,
as medidas consagradas na lei para proteger aqueles direitos não se aplicam aos segredos.
Tendo presente que estamos num país da Common law, no Reino Unido não há
qualquer legislação que, em concreto, confira proteção aos segredos de negócios. A sua
proteção resulta, então, de contratos e da jurisprudência.
É nos tribunais, que já consideraram os segredos de negócios como direitos de
propriedade intelectual, que se lhes confere proteção. Sendo entendimento generalizado que
numa relação laboral os trabalhadores estão obrigados a manter os segredos de negócios do
seu empregador. Todavia, terminada essa relação, caberá ao tribunal, caso a caso, determinar
se essa obrigação de segredo se deverá manter ou não. Contudo, as partes terão sempre a
liberdade de inserir nos contratos de trabalho cláusulas a obrigar à manutenção do segredo
após o seu término.
As medidas de reparação passam por imposição de condutas destinadas a evitar a
violação do segredo; indemnizações pelos danos sofridos ou pelos lucros cessantes. Não
havendo, habitualmente, possibilidade de cumular as duas.
5.3.6 Suécia
Este país é o único da UE que comtempla, no seu ordenamento jurídico, uma lei
avulsa39 relativa aos segredos de negócio, onde encontramos todo o seu regime jurídico.
Portanto, é nesta lei que achamos a definição do segredo de negócio e as medidas concretas
de proteção, quer civis quer penais.
Contudo, podemos, também, encontrar proteção dos segredos de negócios em cláusulas
contratuais, no âmbito das relações laborais, pois o dever de lealdade do trabalhar também
inclui a obrigação de não violação dos segredos de negócio, no Código Penal (aquando da
regulação da espionagem industrial).
Para que estejamos perante um segredo de negócio, de acordo com a Secção 1 da supra
indicada Lei, é necessário o preenchimento de três requisitos cumulativos (diferentes dos
exigidos pelo art.º 39.º, n.º 2 do Acordo TRIPS), que são os seguintes (tradução livre): 1) A
informação tem que dizer respeito a relações comerciais ou industriais de quem exerce a
39
Act on the protection of trade secrets, Act 1990:409, of May 31, 1990
33
atividade comercial ou industrial (um comerciante); 2) A informação tem que ser secreta; 3)
A divulgação da informação deverá causar dano/prejuízo na capacidade competitiva do seu
titular.
Na Suécia os segredos de negócios também não são considerados direito de
propriedade intelectual.
34
agropecuária, química e farmacêutica), para implementarem, a nível global, um conjunto de
normas que lhes confira mecanismos de proteção contra os organismos que visam regular as
suas atividades. Pois, segundo os defensores desta tese, na realidade, de uma análise
imparcial dos estudos realizados, resulta que não houve, nos últimos anos, aumento do
recurso aos segredos de negócios como forma das empresas acautelarem os seus
conhecimentos/informações confidenciais, uma vez que as tendências continuam a ser as
mesmas, havendo bastante equilíbrio entre o recurso aos direitos privativos e aos segredos de
negócios. Ou seja, defendem que há status quo, na matéria, consequentemente, não se
justifica o reforço da proteção.
41
Seguimos aqui NUNO SOUSA E SILVA.
35
Percebe-se a delimitação, tendo em conta o seu enquadramento de cariz vincadamente
económico.
O capítulo II, enuncia as condutas, referindo o que deverá ser considerado como
aquisições, utilizações e divulgações legais (artigo 3.º) e ilegais (artigo 4.º) dos segredos de
negócios. Reservando-se um artigo 5.º para contemplar as exceções.
Por sua vez, no capítulo III, reservado às vias de reparação, é-nos apresentado o
concreto regime jurídico a implementar pelos Estados-Membros, que resulta de um conjunto
de medidas preventivas (art.º 10.º), inibitórias, corretiva (art.º 12.º) e ressarcitórias (art.º 14.º).
Assim, na secção 1 deste capítulo, são indicados os princípios preponderantes, que
deverão orientar o legislador nacional aquando da transposição: (i) equidade; (ii) efetividade
(iii) proporcionalidade; (iv) simplicidade; (v) eficácia; (vi) adequação; (vii) razoabilidade e
(viii) discricionariedade. Ou seja, nesta primeira secção são fornecidas as linhas mestras de
todo o regime que deverá ser capaz de, por um lado, garantir a preservação dos segredos e
dissuadir os infratores e por outro evitar os abusos e a litigância de má-fé.
As secções 2 e 3 são reservadas às medidas de tutela concretas, quer a título provisório
(medidas cautelares e provisórias), quer a título definitivo, que são taxativamente elencadas,
tal como acontece com as regras para a sua aplicação.
Tendo havido o cuidado de, no n.º 2 do art.º 11.º e n.º 1 do artigo 13.º, se estipular que
todas estas medidas deverão impor ao julgador a obrigatoriedade de avaliar as circunstâncias
42
Que, como já referimos, a nosso ver será a tradução correta, por oposição à que resulta do texto da
diretiva em português - “segredos de comércio”.
36
especificidades do caso concreto – respeito pelos princípios da proporcionalidade e
adequação – já devidamente consagrados no nosso regime jurídico.
III - Se esta Diretiva é mais um dos instrumentos legislativos postos em marcha com
vista a uniformizar, a nível internacional, a legislação em matéria de propriedade intelectual
porque é que no considerando (39) é referido que, apensar da Diretiva não pretender afetar a
aplicação de qualquer legislação relevante noutros domínios, incluindo o direito da
propriedade intelectual, em caso de sobreposição deverão prevalecer as normas desta Diretiva
como lex specialis. Ou seja, não se percebe porque razão as normas que regulam os segredos
de negócios devem prevalecer sobre as normas que regulam os direitos da propriedade
intelectual.
Como refere Nunos Sousa e Silva, o MPI43, nos comentários que faz a propósito da
proposta de Diretiva, defende que a matéria dos segredos de negócios deverá ser totalmente
independe e não lex specialis. Defende, portanto, que este diploma não deverá ser inserido no
43
Max Planck Institut – organização independente alemã de pesquisa científica sem fins lucrativos,
fundada em 1911.
37
regime jurídico dos direitos de propriedade intelectual, nem no regime da concorrência
desleal.
V – Tal como defende Manuel Lopes Rocha, é um diploma que visa introduzir e
harmonizar um completo regime jurídico, mas que deixa por regular matérias importantes,
como a preservação das provas, medidas que garantam a concretização do direito à
indemnização do titular do segredo violado.
44
Uniform Trade Secrets Act – que já tivemos oportunidade de referir aquando da análise de direito
comparado.
45
Como havíamos referido: os Estados Unidos da América.
46
Um exemplo muito catual é o caso do software ilegal desenvolvido pela Bosch que manipulava os
dados relativos às emissões poluentes nos automóveis a gasóleo, iludindo os sistemas de controlo.
38
Contudo, dada a contestação social, foram inseridas as chamadas “cláusulas de
salvaguarda” constantes dos n.ºs 2 e 3 do artigo 1.º e as exceções do artigo 5.º.
Ainda que estes aditamentos sejam uma óbvia vitória, não o são em termos absolutos,
devido a seu enquadramento. Importará referir que o teor dos n.ºs 2 e 3 do artigo 1.º é o
resultado das negociações entre a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e os Estados-
Membros, pois, tal como era pretensão do Parlamento, todas estas situações deveriam
considerar-se verdadeiras exceções, devendo constar, portanto, todas elas, no artigo 5.º, o que
seria a melhor forma de acautelar os interesses envolvidos.
Não obstante, a inclusão de todas estas ressalvas irá obrigar ao seu respeito e,
garantidamente, ajudar a uma adequada interpretação e aplicação das normas que resultem da
Diretiva, cabendo depois aos tribunais concretizar o grau de efetiva proteção que é conferida
através das mesmas.
II - Um outro dado positivo que demonstra uma evolução desde a proposta até à versão
final resulta da eliminação da exemplificação do que são condutas ilegais (no então art.º 3.º
da proposta de Diretiva). Essa exemplificação, que recorria a conceitos jurídicos (como por
exemplo o de roubo), iria ser mais um fator que prejudicaria o esforço de harmonização.
III - O facto de a Diretiva estabelecer um prazo de prescrição para o direito de ação que
poderá ir até ao máximo de 6 anos (de acordo com o artigo 8.º), é positivo. Poderá parecer
bastante longo, mas nós defendemos que não é. Há que ter presente que pode levar bastante
tempo até que o titular do segredo consiga identificar uma situação de violação. Nota-se aqui
um cuidado do legislador em ponderar os interesses envolvidos, ou seja, o direito do titular
do segredo em recorrer à justiça num prazo razoável e a segurança e certeza jurídicas).
IV - É também positivo verificar que não se fixa qualquer limite temporal para o
término da proteção que é conferida ao segredo de negócio. Isto decorre do facto de a
proteção ter que se manter enquanto a informação for secreta e preencher os requisitos, o que
resulta dos art.º 11.º, n.º 3, al. b) e 13º, n.ºs 1 e 2.
V - Por fim, entendemos que é digno de louvor o esforço que foi feito no sentido de
obrigar o legislador nacional a criar mecanismos que garantam que o segredo se mantém
secreto quer durante, quer depois, de um processo judicial.
VI - Sendo também interessante que no artigo 14.º se forneça, com detalhe, os critérios
a considerar aquando do cálculo da indemnização atribuir ao titular do segredo violado, sem
que se fixem limites mínimos nem máximos. Permitindo-se assim ao legislador nacional a
39
possibilidade de o fazer ou de deixar ao critério do juiz, tendo em conta o princípio da
proporcionalidade e as circunstâncias do caso concreto.
Há quem defenda que alguns dos preceitos da Diretiva (mais concretamente os artigos
9.º e 15.º) vão colidir, de uma forma ou de outra, com princípios e/ou normas do
ordenamento nosso jurídico. Importará portanto verificar se assim é.
Retira-se dos considerandos (24), (25) e (31) que uma das preocupações manifestadas
na Diretiva é a de garantir que o titular de um segredo poderá recorrer à justiça para garantir a
defesa dos seus interesses sem que, com isso, o seu segredo seja divulgado. Esta preocupação
faz todo o sentido, visto que estamos a tratar de um regime que visa proteger informações
que devem ser mantidas em segredo.
As ideias decorrentes destes considerandos são depois concretizadas nos artigos 9.º e
15.º. Onde se impõe ao legislador nacional a obrigatoriedade de implementar
limitações/restrições quanto ao acesso aos processos judiciais e decisões onde sejam
discutidos segredos de negócios.
Não obstante, no considerando (34) há, por contraponto, o cuidado de se referi que: “A
presente Diretiva respeita (…), e em especial o acesso aos processos, no respeito do segredo
comercial, do direito de ação e a um tribunal imparcial e dos direitos de defesa”.
Retira-se daqui que o legislador comunitário nos lembra que há a necessidade de
mitigar os interesses envolvidos: por um lado o direito de ação, de acesso e de defesa das
partes, mas também, por outro, o direito à manutenção das informações fora do domínio
público.
Importará aqui referir que a preocupação de garantir a confidencialidade das
informações no decurso do processo judicial não é algo completamente novo - já existia no
Acordo TRIPS, que no n.º 1 do seu art.º 43.º se estipula:
40
1 – As autoridades judiciais serão habilitadas, no caso de uma parte ter
apresentado elementos de prova razoavelmente acessíveis suficientes para sustentar as
suas alegações e ter indicado elementos de prova relevantes para fundamentação das
suas alegações que se encontram sob o controlo da outra parte, a ordenar que esses
elementos de prova sejam apresentados pela outra parte, se for caso disso em condições
que garantam a proteção de informações confidenciais.
47
Sublinhado e negrito nossos.
41
Também no processo penal a regra da publicidade, porque o titular do poder soberano
de administrar justiça é o povo (art. 202º, nº 1, da CRP).
Esta regra vem consagra no art.º 86º, nº 1 do CPP. Mas, da mesma forma, como decorre
textualmente do artigo, se podem observar limitações ao princípio da publicidade, limitações,
desta feita, impostas pelo segredo de justiça.
O segredo de justiça constitui, portanto, uma exceção à publicidade do processo, a qual
se encontra consagrada no n.º 3 do art. 20º da CRP.
Esta exceção justifica-se apenas para a eficácia da investigação criminal e proteção de
intervenientes processuais enquanto constituam interesses dignos de proteção penal e por isso
é que o segredo de justiça é penalmente tutelável, nomeadamente pelo art.º 371º do Código
Penal.
As exceções/restrições à publicidade do processo não resultam apenas do direito civil e
do direito penal. A própria Constituição impõe, expressamente, algumas restrições de acesso
aos documentos administrativos (cf. o seu art. 268º n.º 2, in fine), mas não é ilegítimo, como
vem decidindo o Tribunal Constitucional, estabelecer outras restrições, posto que relativas a
direitos ou interesses constitucionalmente tutelados e na estrita medida em que se mostrarem
necessárias para a salvaguarda destes.
No âmbito do direito da família há especificações que são também exceções à regra da
publicidade. No caso concreto dos processo de promoção e proteção de menores, regulados
pela Lei n.º 147/99 de 01 de setembro, o art.º 4.º, sob a epígrafe princípios orientadores da
intervenção, estatui, na al. b) o dever de ser respeitada a privacidade. Mais à frente, no art.º
88.º do mesmo diploma consta taxativamente o carácter reservado do processo.
A Lei Tutelar Educativa – Lei n.º 166/99, de 14 de setembro, no art.º 41.º é referido, no
n.º 1 - “O processo tutelar é secreto até ao despacho que designar data para audiência”.
Por sua vez no n.º 2 do mesmo artigo e diploma é estatuído que a publicidade do
processo se faz com respeito pela vida privada do menor (e outros interesses).
Esta nossa análise transversal ao ordenamento jurídico português ajuda-nos a concluir,
na nossa visão, sem margem para grandes dúvidas, que há uma regra, sim. Mas essa regra
permite exceções quando os interesses em causa assim o impuserem.
Segundo a máxima jurídica protagonizada por Rosseau, a liberdade de cada um termina
onde começa a liberdade dos outros.
Assim o legislador tem obrigatoriamente que encontrar soluções que visem acautelar os
interesses jurídicos e direitos das pessoas (singulares ou coletivas). Para tal há sempre a
necessidade de estabelecer um equilíbrio entre eles.
42
O legislador ao criar as leis faz sempre uma ponderação entre os bens jurídicos, dando
prevalência ao que, naquele caso concreto, tem maior relevância.
Ora, a problemática relacionada com os conflitos de direitos é uma realidade muito
frequente. Mas é ultrapassada aplicando os pressupostos jurídicos constantes do art. 335.º do
CC:
1. Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares
ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem
maior detrimento para qualquer das partes. 2. Se os direitos forem desiguais ou de
espécie diferentes, prevalece o que deva considerar-se superior.
Daqui retiramos que, em primeiro lugar, se deve avaliar quais os direitos em causa.
Depois, saber se algum deles pode ser sacrificado a favor do outro. Se assim não for, deve
resolver-se o problema através do princípio de concordância prática, segundo o qual procura-
se conjugar ou harmonizar a aplicação prática de ambos os direitos em conflito, sem
prejudicar o núcleo central ou o espírito de nenhum deles, para que ambos produzam os
efeitos para a qual foram elaborados.
Face ao tudo quanto acima referimos será que há, de facto, um conflito entre os artigos
9.º e 15.º da Diretiva e os ditames do ordenamento jurídico português?
Responderemos a esta questão no ponto seguinte.
Salvo o devido respeito por opinião diversa, defendemos que não existe qualquer
conflito.
Seria absurdo criar um regime jurídico para proteger um determinado interesse (os
segredos de negócios) e não criar mecanismos que impedissem a sua violação quando o seu
titular recorre à via judicial.
E, na verdade, se reparamos, a solução para este nosso problema é dada pelo que
resulta da combinação dos n.ºs 1 dos artigos 163.º e 164.º do CPC, segundo os quais o
legislador pode limitar o acesso aos processos quando estiverem em causa a intimidade da
vida privada e a eficácia da decisão.
Ora, a necessidade de acautelar a confidencialidade dos segredos de negócios encaixa-
se como uma luva neste n.º 1 do art.º 164.º do CPC, uma vez que, a divulgação da
43
informação no decurso ou por causa do processo afetaria, de forma irremediável, a eficácia
da decisão.
O que o legislador tem a fazer é tão só e apenas acrescentar uma alínea ao seu n.º 2 ou
lançar mão do genérico no n.º 1 do art.º 163.º e na legislação que venha a implementar incluir
artigos que contemplem exceções à publicidade. Aliás, esta já foi a opção legislativa noutras
ocasiões.
O legislador nacional deverá, apenas, atuar com extremo cuidado no estabelecimento
de um equilíbrio que garanta todos os interesses envolvidos, ou seja, há que criar normas
capazes de, no caso concreto, garantirem, por um lado, o direito que o titular do segredo tem
em o manter secreto e por outro, não prejudicarem os direitos de defesa das partes.
O mesmo acontecerá com a obrigatoriedade decorrente do artigo 15.º da Diretiva.
Tal como consta daquele preceito, também em Portugal a publicidade da sentença, tem
como objetivo primordial demover os futuros infratores da prática de condutas ilícitas.
Ora, mais uma vez, não vemos aqui qualquer conflito. Bastará ao legislador, a coberto
dos artigos 163.º e 164.º n.º 1do CPC, mencionar que deverá haver o cuidado de não tornar
pública toda a informação da qual pode resultar um segredo de negócio e/ou fazendo
depender essa pretensão de factos dos quais resulte que o interesse nessa consulta se justifica,
concretizando a alegada relevância e interesse público.
44
Apesar disso as decisões proferidas pelos árbitros (que são escolhidos de comum
acordo pelas partes e – por via de regra – especialistas no tema controvertido) têm força
obrigatória geral como se de uma sentença judicial se tratasse.
De acordo com o n.º 1 do art.º 39.º da Lei “Os árbitros julgam segundo o direito
constituído, a menos que as partes determinem, por acordo, que julguem segundo a
equidade.”
Por sua vez, o n.º 7 do art.º 42.º, estabelece que:
7 - A sentença arbitral de que não caiba recurso e que já não seja suscetível de
alteração no termos do artigo 45.º tem o mesmo carácter obrigatório entre as partes que
a sentença de um tribunal estadual transitada em julgado e a mesma força executiva que
a sentença de um tribunal estadual.
45
negócios, tomamos posição no sentido de se afastar esta solução e de se optar por criar
normas de direito positivo que permitam excecionar a regra da publicidade do processo no
ordenamento jurídico português.
7. Conclusão
Em jeito de conclusão entendemos que, ainda que haja quem defenda que a Diretiva é
fruto de lobby das grandes multinacionais, sobretudo dos sectores agropecuário, químico e
farmacêutico, trata-se de um tema atual. Consequentemente, legislar nesta matéria é,
efetivamente, necessário, por imperativos sociais.
Ainda assim, referimos que a corrente que defende que estamos perante um lobby não
nos parece totalmente absurda e despropositada, tendo em conta o esforço legislativo que se
tem tornado visível a nível dos países que são as grandes potências económicas, como o caso
dos Estados Unidos da América e a União Europeia, que até aprovaram leis muito
semelhantes mais ou menos na mesma altura (meados de 2016) - que nos leva a pensar - pois,
bem sabemos que, com a evolução tecnológica, surgiram novas formas de aumentar a
produtividade através de utilização de produtos e processos de produção que, na maior parte
das vezes não são adequados, podendo até por em risco a saúde pública.
Ora, estas empesas, para que não sejam revelados estudos que permitam chegar a essas
conclusões, tentam escudar-se no instituto dos segredos de negócios. Mas, a tendência atual
dos tribunais é obriga-las à divulgação. Assim, mais há quem defenda que esta nova Diretiva
vai permitir a estas empresas um novo mecanismo de combate à tendência jurisprudencial.
Não obstante, como referimos, admitimos a necessidade de legislar nesta matéria,
devido a três fatores essenciais: (i) trata-se de um instituto com parâmetros mínimos de
proteção, tanto a nível internacional como a nível nacional; (ii) o estado atual da técnica
permite/facilita, e muito, a violação dos segredos de negócios; (iii) estas preciosas
informações são, efetivamente, o “ganha-pão” de muitas pequenas e médias empresas e
muito importantes para a sua capacidade competitiva, sendo até fundamentais para a
sobrevivência de alguns sectores da atividade económica e industrial.
Haverá, portanto, a obrigatoriedade de, num Estado de Direito Democrático, como é o
caso de Portugal, o legislador ter extremo cuidado no estabelecimento de um regime capaz de
garantir um verdadeiro equilíbrio entre direitos fundamentais e interesses económicos.
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Num apontamento final referimos que a Diretiva vai obrigar todos os países da União
Europeia a reverem e/ou implementarem um regime de proteção dos segredos de negócios.
Nalguns casos vai obrigar à alteração da legislação já existente acerca da matéria.
Com efeito, entendemos que a implementação, em Portugal, da Diretiva implicará uma
alteração de fundo ao regime jurídico dos segredos de negócios, como explicaremos.
A lei portuguesa atualmente em vigor, assente no modelo dualista da concorrência
desleal, confere proteção aos segredos de negócios no âmbito das relações entre concorrentes
- lê-se no art.º 318.º do CPI “a divulgação, a aquisição ou a utilização de segredos de
negócios de um concorrente, (…)”48. Todavia, a Diretiva afasta esta limitação, alargando o
âmbito da proteção que é conferida a este instituto aos não concorrentes.
O que leva a crer que, através desta Diretiva se pretende iniciar a harmonização de toda
a matéria da concorrência desleal adotando o modelo monista49.
Acresce que, como já tivemos oportunidade de referir acima, a Diretiva torna o instituto
dos segredos de negócios em algo “hibrido”. Portanto, para evitar confusões, defendemos que
a transposição deverá ser realizada através da criação de um regime inteiramente novo, que
deverá ser completamente autónomo, quer do regime dos direitos da propriedade intelectual,
quer do regime da concorrência desleal50, em que, de forma objetiva, se crie um verdadeiro
regime jurídico cível para este instituto, que vá de encontro ao que se estipula na Diretiva,
como já acontece na Suécia.
48
Negrito nosso.
49
Modelo seguido pelos alemães e espanhóis, que defendem que a proteção dos consumidores e dos
concorrentes devem ter tratamento unitário conferido pelo instituto da concorrência desleal.
50
Como já tivemos oportunidade de mencionar, este é também o entendimento do MPI.
47
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