Aula Contratos Empresariais 2
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CONTRATOS EMPRESARIAIS
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Código Civil. O seguinte julgado pormenoriza muito bem essa relação contratual,
como lançado em acórdão do Superior Tribunal de Justiça:
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No caso de contratos vinculados à atividade empresarial, essa
modalidade de contrato é importante porque ajusta a possibilidade de aquisição
preferencial de determinados bens, o que beneficia o exercício da empresa.
A compra e venda com reserva de domínio é utilizada em alienação de
bens móveis, oportunidade em que o vendedor reserva para si a propriedade até
que o preço seja integralmente pago, conforme art. 521 do Código Civil. Não
pago o preço total, deverá o vendedor notificar o comprador para constitui-lo em
mora, o que pode ser feito mediante o protesto do título no Cartório de Protestos
ou mesmo pela via judicial. O inadimplemento, uma vez comprovado, possibilita
ao vendedor o resgate da posse do bem ou a cobrança do débito vencido. A
cláusula, porque tem o condão de afetar o direito de terceiros, deve ser firmada
sempre por escrito e registrada no domicílio do comprador, sendo que, na
dúvida, beneficia-se o terceiro de boa-fé.
Neste ponto, deve ficar destacado que o registro é feito para que o
contrato possa ser oponível a terceiros, sendo desnecessário, via de
consequência, em eventual litígio apenas entre o vendedor e o comprador. Na
seara empresarial, essa modalidade de contrato ganha força também
garantidora ou assecuratório, já que, consoante art. 49, parágrafo 3º, da Lei de
Recuperação e Falências, os créditos vinculados à reserva de domínio não se
sujeitam aos efeitos da recuperação judicial, prevalecendo os direitos de
propriedade sobre a coisa e as condições contratuais; ou seja, mesmo em caso
de dificuldade financeira do empresário comprador, o bem pode ser resgatado
pelo vendedor. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça:
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que, advindo dos costumes, são amplamente aceitas nos negócios
internacionais.
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As referidas cláusulas são disponibilizadas on-line (<https://iccwbo.org>) e
as mais comuns são a cláusula EXW (ex works), que significa que o vendedor se
responsabiliza pela disponibilização da mercadoria em determinada data,
oportunidade em que o comprador passará a responsabilizar-se pelo transporte,
assumindo eventuais riscos. A disponibilização, por exemplo, poderá ser
estipulada para uma indústria, em determinado dia e horário. A cláusula FCA
(free carrier), quando inserida em um contrato, significa que o vendedor
providenciará o desembaraço da mercadoria, comprometendo-se a entregá-la
em local indicado, oportunidade em que o comprador assumirá as demais
despesas necessárias. A cláusula FOB (free on board) estabelece que as
despesas com o embarque, o transporte e o desembaraço das mercadorias até
certo porto competirá ao vendedor, e as demais ao comprador. A cláusula CIF
(cost, insurance e freight) impõe ao vendedor todos os custos, na tradução
literal, de transporte e seguro, até o porto de destino. A totalidade das cláusulas
e suas significações pode ser encontrada on-line no site da Câmara,
anteriormente disponibilizado.
Por fim, quando diante de uma compra e venda empresarial, a insolvência
do comprador não acarreta o sobrestamento da entrega até que seja prestada
caução, como reza o art. 495 do Código Civil. Para Fábio Tokars, “essa norma
não se aplica aos contratos empresariais, na medida em que o reconhecimento
judicial da insolvência do empresário toma a forma de uma decretação de
falência” (Tokars, 2007, p. 245). A legislação falimentar, aplicável nesses casos,
autoriza a restituição do bem ou mesmo a solicitação para que o administrador
nomeado decida pela manutenção ou não do contrato, consoante regramento
próprio do art. 115 e seguintes da Lei 11.101/2005. A caução, por outro lado, fica
proibida, porque a disposição patrimonial do empresário falido, em casos tais,
acabaria por macular o concurso de credores.
Assim, a compra e venda restrita ao âmbito empresarial, ao mesmo tempo
em que possuem significativas facilidades, especialmente advindas da
consolidação dos costumes empresariais, também impõem um risco adicional
vinculado aos casos de insolvência do comprador e possibilidades de
perseguição do crédito vinculado ao negócio firmado.
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TEMA 3 – A COMPRA E VENDA EM MULTIPROPRIEDADE OU TIME-SHARE
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PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS
DE TERCEIRO. MULTIPROPRIEDADE IMOBILIÁRIA (TIME-
SHARING). NATUREZA JURÍDICA DE DIREITO REAL. UNIDADES
FIXAS DE TEMPO. USO EXCLUSIVO E PERPÉTUO DURANTE
CERTO PERÍODO ANUAL. PARTE IDEAL DO
MULTIPROPRIETÁRIO. PENHORA. INSUBSISTÊNCIA. RECURSO
ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. O sistema time-sharing ou
multipropriedade imobiliária, conforme ensina Gustavo Tepedino, é
uma espécie de condomínio relativo a locais de lazer no qual se divide
o aproveitamento econômico de bem imóvel (casa, chalé, apartamento)
entre os cotitulares em unidades fixas de tempo, assegurando-se a
cada um o uso exclusivo e perpétuo durante certo período do ano. 2.
Extremamente acobertada por princípios que encerram os direitos
reais, a multipropriedade imobiliária, nada obstante ter feição
obrigacional aferida por muitos, detém forte liame com o instituto da
propriedade, se não for sua própria expressão, como já vem
proclamando a doutrina contemporânea, inclusive num contexto de não
se reprimir a autonomia da vontade nem a liberdade contratual diante
da preponderância da tipicidade dos direitos reais e do sistema de
numerus clausus. 3. No contexto do Código Civil de 2002, não há óbice
a se dotar o instituto da multipropriedade imobiliária de caráter real,
especialmente sob a ótica da taxatividade e imutabilidade dos direitos
reais inscritos no art. 1.225. 4. O vigente diploma, seguindo os ditames
do estatuto civil anterior, não traz nenhuma vedação nem faz referência
à inviabilidade de consagrar novos direitos reais. Além disso, com os
atributos dos direitos reais se harmoniza o novel instituto, que,
circunscrito a um vínculo jurídico de aproveitamento econômico e de
imediata aderência ao imóvel, detém as faculdades de uso, gozo e
disposição sobre fração ideal do bem, ainda que objeto de
compartilhamento pelos multiproprietários de espaço e turnos fixos de
tempo. 5. A multipropriedade imobiliária, mesmo não efetivamente
codificada, possui natureza jurídica de direito real, harmonizando-se,
portanto, com os institutos constantes do rol previsto no art. 1.225 do
Código Civil; e o multiproprietário, no caso de penhora do imóvel objeto
de compartilhamento espaço-temporal (time-sharing), tem, nos
embargos de terceiro, o instrumento judicial protetivo de sua fração
ideal do bem objeto de constrição. 6. É insubsistente a penhora sobre a
integralidade do imóvel submetido ao regime de multipropriedade na
hipótese em que a parte embargante é titular de fração ideal por conta
de cessão de direitos em que figurou como cessionária. (Brasil, 2016)
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destruição total ou parcial do imóvel e indenizações, além das multas cabíveis
àqueles que descumprirem os seus deveres.
A transferência do direito de multipropriedade não depende de anuência
ou cientificação dos demais multiproprietários, inexistindo direito de preferência,
exceto quando o mesmo for estabelecido na instituição daquela ou em posterior
convenção de condomínio. O que, por padrão, é um facilitador para o
desenvolvimento desse tipo de empreendimento, já que dispensa formalidades,
especialmente no caso de existência de diversos multiproprietários com
residência em localidades variadas.
Por fim, nada impede que as convenções dos condomínios edilícios, os
memoriais de loteamentos e os instrumentos relacionados a sua venda proíbam
a instituição de multipropriedade; contudo, uma vez instituída, a revogação ou
alteração da vedação dependerá de votos da maioria absoluta dos condôminos.
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É importante lembrar, a respeito do tema, que a saída do sócio não o
isenta automaticamente de eventuais obrigações sociais anteriormente
contraídas, como diz, por exemplo, o art. 1.032 do Código Civil, que trata da
responsabilização do ex-sócio pelo prazo de 02 (dois) anos após a averbação da
alteração contratual.
A escrow account, por outro lado, é uma espécie de conta vinculada ou
em garantia, em que as partes em geral depositam recursos em uma instituição
financeira de sua escolha, prestando a última os serviços de controle de valores
e ativos, assim como de gerenciamento e controle do fluxo de pagamento de
determinadas obrigações contratualmente previstas. A instituição é, portanto, um
agente neutro e imparcial, que assegurará a transferência dos recursos e o
pagamento das operações mencionadas no contrato (Bhagat; Klasa; Litov, 2014,
p. 1-48).
É comum a utilização dessa modalidade quando, no procedimento due
diligence, forem encontradas potenciais dívidas em valores ainda incertos, como
decorrentes de ações cíveis ou trabalhistas que dependam de liquidação, por
exemplo. A maioria dos bancos fornece esses serviços de administração de
contas vinculadas ou garantias, cada qual com seus custos e seus benefícios
específicos, devendo as partes envolvidas consultar as regras próprias de cada
instituição.
O carve-out agreement está vinculado à ideia de que, em uma compra e
venda de empresas com efeitos globais, seria possível separar os envolvidos e
restringir os efeitos da aquisição a determinados países até que a autoridade
competente finalize os procedimentos de autorização; ou seja, busca-se evitar,
em última análise, a concretização antecipada de atos de concentração, que é
conhecida como gun-jumping (Martins, 2012, p. 57-79). Essa modalidade não é
bem vista em razão de ser difícil para os envolvidos comprovar a não integração
empresarial apenas em determinados países quando, para o bem da verdade, a
integração empresarial é global. A título de exemplo, podemos citar o julgamento
da Apuração de Ato de Concentração 08700.011836/2015-49 (Brasil, 2015).
Não custa lembrarmos de que, no Brasil, alguns contratos de compra e
venda ou de aquisição de empresas, ou ainda de grupos empresariais, devem
ser previamente submetidos ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(CADE), como previsto no art. 88, I e II, da Lei 12.529/2011, sendo imperativo
que os sujeitos envolvidos na aquisição não consumem a operação e
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mantenham preservadas a sua autonomia e, portanto, as condições de
concorrência, sob pena de aplicação de pesadas multas pela autoridade
administrativa, o que está previsto nos parágrafos 3º e 4º do artigo antes
mencionado.
A conclusão antecipada (sem autorização) é o que se denomina gun-
jumping. Caso as partes não possam esperar a decisão da autoridade, que, por
vezes, pode levar vários meses, o art. 155 do Regimento Interno do Conselho
estabelece que elas podem “solicitar no momento da notificação ou após a
impugnação pela Superintendência-Geral, autorização precária e liminar para a
realização do ato de concentração econômica”.
Desse modo, a compra e venda em multiproriedade ou em time-share
acaba sendo uma excelente alternativa para os empresários do setor imobiliário,
com possibilidade de alavancar o potencial lucrativo dos seus negócios na
medida em que fraciona o bem em unidades mais rentáveis.
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Integram o estabelecimento, desse modo, todos os bens utilizados pelos
empresários e que podem ser por ele disponibilizados ou transferidos a
terceiros. Por essa lógica, a clientela não faz parte do estabelecimento
empresarial, ainda que a compra e venda e o estabelecimento do preço possam
vincular-se, no plano da negociação, à transferência da carteira de clientes
(Tokars, 2007, p. 28-29).
O contrato de trespasse segue os requisitos gerais de todos os contratos
de compra e venda que estudamos antes, estando perfeito e acabado se as
partes envolvidas consentirem em dois pontos principais: o objeto e o preço. O
fato é que, ainda que perfeito e acabado em relação aos empresários
envolvidos, os seus efeitos perante terceiros dependem da realização de duas
providências, previstas no art. 1.144 do Código Civil: a primeira é que o contrato
seja averbado à margem da inscrição do empresário ou da sociedade
empresário na Junta Comercial competente; a segunda é que o ato seja
publicado na imprensa oficial. O contrato somente tem a aptidão de gerar efeitos
para todos, partes e terceiros, quando finalizadas as referidas obrigações.
No caso de insuficiência de bens, como a compra e venda do único
estabelecimento empresarial para outro empresário, a eficácia da alienação
dependerá do pagamento ou do consentimento dos credores, que deverão ser
notificados para manifestação no prazo de 30 (trinta) dias, como aponta o art.
1.145 do Código Civil. Se concordarem de forma expressa ou tácita, a eficácia
da alienação é plena; se discordarem, deverão ser pagos, já que o objetivo da
regra é proteger os credores dos empresários contra a transferência indevida de
seus bens, especialmente quando verificado que a intenção é esquivar-se do
pagamento de débito.
Por óbvio que se o empresário possuir outros bens, como outros
estabelecimentos, é desnecessária a notificação e/ou concordância dos
credores, já que eventuais pendências estarão garantidas pelos bens
remanescentes. Há casos, ainda, em que existe dúvida sobre o legítimo titular
do crédito, em que os credores não são localizados ou mesmo recusam-se a
receber o valor devido, ou, o que é ainda pior, cobram para fornecer o aceite ou
quitação. Nessas situações, a saída legalmente utilizada deve ser a
consignação, mediante depósito judicial ou em estabelecimento bancário, como
autorizam os arts. 334 e 335 do Código Civil, seguindo o rito do art. 539 e
seguintes do Código de Processo Civil.
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O empresário que vende o seu estabelecimento, mesmo que cumpra com
os requisitos legais e todas as obrigações anteriores lançadas, ainda assim não
fica isento de qualquer responsabilidade. Na transferência do estabelecimento
permanece o alienante solidariamente responsável pelo prazo de um ano,
contabilizado da publicação em relação aos débitos vencidos e do vencimento
quanto aos demais; ou seja, a mudança de titularidade do bem, o
estabelecimento, não exonera automaticamente o empresário dos débitos
contabilizados, permanecendo o mesmo como principal devedor.
É comum, para evitar esse tipo de responsabilidade, que os contratos de
trespasse incluam uma cláusula de não responsabilidade, uma cláusula em que
o vendedor e comprador estabelecem que todas as dívidas, contabilizadas ou
não, não poderão ser cobradas do alienante. Parece claro que a referida
cláusula não pode ser oposta a terceiros que com ela não expressamente
concordem, considerando que não é possível a afetação de seus créditos e
débitos, ou a modificação de contratos anteriormente firmados sem a anuência
dos mesmos. Para o bem da verdade, referidas cláusulas têm validade
exclusivamente para os signatários, o empresário vendedor e o comprador,
servindo essencialmente como uma divisão de responsabilidades internas,
possibilitando àquele que pagou pelo outro o ajuizamento de ação de regresso.
A alienação do estabelecimento acarreta, salvo disposição contratual em
sentido contrário, a transferência direta e imediata, mediante sub-rogação
(alteração do polo da relação contratual), de todos os contratos vinculados ao
desenvolvimento da atividade empresarial, sendo vedado aos terceiros a
rescisão de eventuais contratos com o novo empresário, exceto se presente uma
justa causa e dentro do prazo de 90 (noventa) dias, contados da publicação da
transferência, como consta no art. 1.148 do Código Civil. A justa causa, para
esses casos, é conceito aberto, devendo ser interpretada como uma lesão aos
negócios capaz de inviabilizar a manutenção do contrato. Não se trata, portanto,
de rescisão imotivada pela simples substituição do polo contratual. Ao mesmo
tempo, pode a alienação acarretar a cessão dos créditos vinculados ao
estabelecimento, produzindo efeitos perante terceiros a partir da publicação.
Para o caso, não é necessária a notificação pessoal dos devedores sobre
a cessão, desconsiderando-se a previsão geral do art. 290 do Código Civil, que
estabelece a ausência de eficácia da cessão sem prévia notificação, em
benefício da regra própria atrelada ao contrato de trespasse.
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Por fim, temos que o contrato de trespasse automaticamente implica em
um dever de não concorrência entre o alienante e o adquirente, dever implícito e
que tem prazo mínimo de 05 (cinco) anos. As partes podem, querendo, ampliar
esse prazo ou inserir regras específicas. Uma das regras mais importantes diz
respeito ao que é efetivamente concorrer contra o alienante, qual é o mercado,
aqui considerado o espaço de concorrência direta entre produtos ou serviços, ou
o espaço geográfico. Na antiga lição de George Stigler e Robert Sherwin, que
revisaram conceitos que são empregados pela doutrina nacional, existe uma
divisão entre o mercado do produto, que diz respeito basicamente à fungibilidade
dos produtos ou à capacidade de produção de similares, e o mercado
geográfico, o espaço geográfico apto a afetar de maneira direta a produção ou
circulação de bens ou serviços (Stigler; Sherwin, 1985, p. 555-585). A extensão
da não concorrência, portanto, nada definindo o contrato, deve ser pautada em
quão próximos são os produtos ou serviços, o quão intercambiáveis podem ser,
assim como em qual local são ofertados. Existindo potencial de afetação (de
mudança dentro de um mesmo espaço), há concorrência vedada de forma
implícita, que significa independente de cláusula específica, ou expressa, com
cláusula que possa regrar o tratamento entre as partes.
Desse modo, o trespasse é um contrato firmado entre empresários com
altíssimo risco, especialmente em razão das formalidades, que nem sempre são
conhecidas ou observadas pelas partes, o que pode gerar prejuízo ao contrato,
aos bens adquiridos ou ao desenvolvimento do negócio, ou ainda porque tem o
potencial de gerar a responsabilização solidária do adquirente pelos débitos
contabilizados do vendedor, o que incrementa a importância do estudo do tema.
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REFERÊNCIAS
BORBA, J. E. Tavares. Direito Societário. 12. ed., aum. e atual., Rio de Janeiro:
Renovar, 2010.
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STIGLER, G. J.; SHERWIN, R. A. The Extent of the Market. The Journal of Law
& Economics. Chicago, v. 28, n. 3, p. 555-585, out. 1985.
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