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Aderaldo Luciano - Tese

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LITERATURA 

DE CORDEL: VISÃO E RE‐VISÃO

Aderaldo Luciano dos Santos

Tese de Doutorado submetida ao Programa
de Pós‐Graduação em Ciência da Literatura
da Universidade Federal do Rio de Janeiro
–   UFRJ,   como   parte   dos   requisitos
necessários  para   a   obtenção  do   título   de
Doutor em Ciência da Literatura (Poética).

Orientadora:   Profª.   Doutora   Helena


Parente Cunha 

Rio de Janeiro

Setembro de 2009
RESUMO

Os estudos sobre a literatura de cordel foram pautados pelo estabelecimento
de classificações orientadas pelo agrupamento de sua produção em ciclos temáticos,
herdados   dos   estudos   do   folclore,   atribuindo   à   mesma   elementos   da   oralidade.
Partindo da apuração histórica, traçou‐se o seu percurso, iniciado no final do séc. XIX,
investigou‐se a origem do termo designativo e sua impropriedade em nomear o cordel
brasileiro,   estabeleceu‐se   o   seu   caráter   literário   e   buscou‐se   uma   classificação
orientada pela teoria dos gêneros literários. 
Para:

 Achilles

Bárbara

Lucas

Rosa
AGRADECIMENTOS

A Iêda Barbosa, paciência

Helena Parente Cunha, bondade

Eduardo Portella, modelo

Numa Ciro e Nonato Gurgel, amizade

Henrique Cairús, presença
A vida são as paixões.

Afrânio Coutinho

Viver é lutar.

Gonçalves Dias.

Um dia conversarei com meus mortos.

Cassiano Ricardo

Um dia

Ainda eu ei de morar nas terras do Sem‐fim

Raul Bopp
Os sulcos de minha vida

Têm se tornado mais planos.

Ficarão mais rente ao solo

Com a passagem dos anos.

E quando chegar a hora

Em que eu precise ir embora

Para o outro lado do muro,

Heverá coisa certeira:

O coração da madeira

Será meu porto seguro.

Aderaldo Cangaceiro 
SUMÁRIO

Introdução, 9

Uma arqueologia da Literatura de Cordel, 15

Por uma classificação literária para o cordel, 102

Conclusão, 188

Referências bibliográficas, 192
Introdução

A pendenga acontecida entre a Editora Luzeiro, de São Paulo, e a Academia
Brasileira de Literatura de Cordel, do Rio de Janeiro, em 2008, trouxe‐nos de volta a
discussão sobre direitos autorais no cordel. A ABLC lançara, em projeto patrocinado
pela Petrobras, a antologia com os 100 mais significativos cordéis de todos os tempos,
incluíra vários títulos cujos direitos pertencem à Luzeiro e o caso foi parar no tribunal.
Gregorio Nicoló, dono da Luzeiro, e Gonçalo Ferreira da Silva, presidente da ABLC,
resolveram   a   questão   pessoalmente:   este   repassando   o   pagamento   dos   direitos
autorais e aquele abrindo fogo contra mais dois editores, no Nordeste, acusando‐os da
mesma prática.
Estudando  o  cordel  há  mais  de  vinte  anos,   percebemos  que  o séc.   XXI  nos
mostra um cenário diferente de tudo que aconteceu com o cordel em seus 100 anos
de existência no Brasil. Tanto se modificaram os folhetos, como os poetas. Da geração
princesa,   aquela   fundadora,   à   geração   coroada,   esta   da   atualidade,   o   propósito
continua o mesmo, mas a formação intelectual e mercadológica é outra. Daqueles que
possuíam   rudes   conhecimentos   do   vernáculo   aos   estudantes   e   graduados   nas
universidades, os poetas intervieram moldando o cordel às necessidades do mundo
global, emprestando‐lhe acabamento gráfico e visibilidade midiática nunca vista.
Infelizmente   essas   mudanças   não   seduziram   os   estudiosos   da   literatura.   Os
estudos pioneiros de folclore, etnográficos, sociológicos ou filológicos são sempre as
matrizes   para   os   novos   pesquisadores.   Estudam   o   cordel   produzido   na   primeira
metade do séc. XX supondo que aquela realidade permaneceu estática até o séc. XXI.
Das   classificações   em   ciclos   temáticos   aos   problemas   gramaticais,   à   presença   da
xilogravura, à ideologia, o emaranhado de equívocos e anacronismos se perpetua por
ausência   de   abordagem   mais   comprometida   com   a   literariedade   e   menos   com   o
produto   material.   Nesse   sentido,   o   entrevero   editorial   entre   a   Luzeiro   e   a   ABLC
denuncia essa urgente mudança de foco.
Quando o poeta Marco Haurélio trabalhou na arrumação editorial da Luzeiro,
mantivemos intenso contato sobre a maneira mais justa de respeitar o autor de cordel
e oferecer‐lhe dignidade editorial. Concluíamos que a atribuição do ISBN às obras de
cordel   poderia   contemplar   nosso   anseio.   As   dificuldades   vividas   pela   Luzeiro   não
permitiram essa tarefa. Um catálogo aproximado de mil títulos e sem pessoal para a
realização   do  trabalho,   nem   capital  para   investimentos   e   relançamentos   de   títulos
fundamentais, fizeram a carroça do esforço estacionar. Marco Haurélio passou para a
Editora Nova Alexandria para encabeçar o projeto editorial de Clássicos em Cordel,
uma coleção de clássicos da literatura universal adaptados para o cordel.
A partir dessa coleção, o plano de dignificação autoral dos cordelistas iniciou‐se
e   o   cordel   teve,   nesse   momento,   um   marco   em   sua   produção   e   comercialização.
Marco   Haurélio,   compreendendo   essa   aura,   trouxe   para   junto   de   si   aquilo   que
chamamos de a geração coroada: poetas como Klévisson Viana, Rouxinol do Rinaré,
Moreira de Acopiara, Varneci Nascimento, João Gomes de Sá, Costa Sena, Cacá Lopes,
alguns já com sua adaptação dos clássicos publicadas e outros investidos na Caravana
do Cordel, movimento de divulgação do cordel em São Paulo.
Enquanto   isso   no   Ceará,   Klévisson   Viana   solidificava   o   projeto   editorial   da
Tupynanquim   Editora   publicando   os   mais   representativos   cordelistas   do   Brasil,
seguindo o mesmo formato dos folhetos da geração princesa, mas com a adição de
desenhos   de   até   quatro   cores   nas   capas.   Essas   novas   capas,   além   de   oferecer
visibilidade, são fundamentais num universo que ainda se ressente da presença da
xilogravura como sinônimo de cordel. Grande parte dos estudos sobre cordel traz essa
união com a xilogravura como sendo o ícone cordelístico por excelência. Por nossa vez,
admitimos a importância xilográfica na produção do cordel, mas fazemos questão de
explicar que a geração fundadora não se utilizou da gravura em madeira para ilustrar
suas capas.
O encontro do rural e do urbano deu origem ao cordel. As ruas da cidade do
Recife moldaram‐se às veredas do sertão e estas às máquinas e prelos da  infante
indústria   gráfica   pernambucana   no   alvorecer   do   séc.   XX.   As   capas   cegas   foram   as
pioneiras. Leandro, sempre Leandro, introduziu o desenho e a fotografia. A xilogravura
aparece   um   pouco   mais   tarde.   Pela   facilidade   de   execução,   fixou‐se.   Atualmente,
mesmo com a xilogravura artesanal, esta passa pelo scanner, pelo photoshop, recebe
cores em  pixels  e são impressas em ultramodernas máquinas digitais. A xilogravura
constitui‐se em um elemento no percurso do cordel, mas de forma alguma é um eixo
decisivo em sua formação, tampouco com ele (o cordel) deve ser confundida.
Arievaldo   Viana,   irmão   de   Klévisson   Viana,   é   outro   nome   do   cordel   atual.
Publicando seus folhetos pela Tupynanquim e pela Queima‐Bucha, de Mossoró, no Rio
Grande do Norte, editora que vem promovendo o cordel regularmente, Ari viu sua
adaptação de Macbeth, de Shakespeare, ser publicada pela Cortez Editora em edição
de luxo com ilustrações do mestre Jô Oliveira. Além disso, fundou o movimento Acorda
Cordel na Sala de Aula, para incentivar o uso do cordel como ferramenta paradidática
na educação e alfabetização de crianças no Ceará.
Essas transformações no cordel necessitavam de olhar novo. Desde os tempos
de Sílvio Romero, no séc. XIX, com seus estudos sobra a poesia popular, passando por
Gustavo   Barroso,   em   1921,     até   Umberto   Peregrino,   na   década   de   80   do   século
passado,   os   estudos   ficaram   estáticos   e   se   auto‐reproduzindo,   servindo   a   dois
senhores:   a)   ao   público   amante   das   formas   poéticas   populares   e   do   cordel
particularmente e b) à contra‐informação que colocava o cordel como versão escrita
da poética dos cantadores. Além disso, a denominação “literatura de cordel” levava o
cordel   para   uma   gênese   ibérica,   por   causa   da   tradição   da   literatura   de   cordel
portuguesa do séc. XVII.
Nossos   pesquisadores   e   estudiosos,   talvez   querendo   antecipar   uma   origem
pomposa ao cordel, trataram de reproduzir a informação exaustivamente e, sem o
cuidado na apuração e na pesquisa, enraizou‐se o erro. Os próprios poetas cordelistas
sentiram‐se   enaltecidos   em   saber   dessa   ascendência,   sem   prestar   atenção   à
originalidade   do   cordel   como   poesia,   como   literatura   autônoma   daquela   suposta
matriz   ibérica,   bem   como   das   modalidades   e   práticas   de   cantoria   orais   de   nossos
cantadores   repentistas.   Pesquisadores   de   nossas   universidades   foram   pelo   mesmo
atalho, ignorando o caminho por onde o percurso literário do cordel foi deixando suas
pegadas.
Por outro lado, por causa da expressão “popular” atribuída à poesia produzida
por autores oriundos das classes menos favorecidas da sociedade brasileira, resolveu‐
se abrigar sob o mesmo teto o conjunto de produções poéticas nascidas no Nordeste.
Tudo que fosse regido pelo metro, pela rima e pelo ritmo carregou o rótulo de cordel.
A   confusão   generalizou‐se.   O   poema   matuto   e   o   folheto,   quadrinhas   e   anedotas
rimadas passaram a ser chamados de cordel. Engessou‐se o produto, sem pensar nas
particularidades, peculiaridades que o próprio cordel transporta em sua, permita‐se
dizer, essência. As classificações por ciclos tentaram diferenciar essas características do
cordel. Procederam apenas ao agrupamento dos temas. Esqueceram‐se que o cordel
não é folclore anônimo, tem data e local onde nasceu.
O nosso trabalho quer atender o cordel como literatura, como poesia, com
forma fixa poética, contendo subdivisões complexas, tão complexas como o estudo
dos gêneros mostrou‐se ser desde Aristóteles. Procuramos refazer o trajeto histórico
para chegar ao ponto de partida. Não podemos dizer que o embrião não tenha tido o
parentesco com a poesia oral dos cantandores, mas não afirmamos que o início tenha
sido   com   ela.   Os   romances   escritos   sempre   existiram   a   conviveram   pacificamente
entre os cantadores que os decoravam para cantar ou recitar em seus encontros. Esse
teatro, no qual dois cantadores com suas violas procuravam influenciar a platéia com
seus dotes poéticos‐cantantes, foi influenciado fortemente pelo cordel, já estabelecido
e escrito em sextilhas, mas não publicado em folhetos. O surgimento das pequenas
gráficas transformou o cenário e o cordel tomou vida distinta, despindo‐se inclusive
das solfas musicais, a melodia sobre a qual era cantado. 
Aos   ciclos   temáticos   oferecemos   uma   substituição,   sem   querer   aniquilá‐los,
tampouco   bani‐los,   são   importantes   para   vislumbre   da   infinitude   de   temas.   Ficam
nisso, amarrados que estão ao folclore. O nosso esquema requer o auxílio da teoria
dos gêneros literários sob a rubrica da poesia. O cordel é poesia e técnica, visto que
forma fixa. O encontro da técnica e da poesia, do engenho e da arte, fará brotar a
obra‐prima do cordel. De outra maneira, a classificação por temas cairia sem crédito se
assim   o   fosse   nos   estudos   literários.   A   aparição   do   romance   como   forma   mais
importante do gênero narrativo procedeu uma classificação não por temas, mas por
características   gerais,   seguindo   o   que   foi   feito   por   Aristóteles.   Procedemos   com   o
cordel da mesma forma.
O   nosso   objetivo   maior   é,   depois   desse   trabalho   embrionário,   conduzir   os
estudos   sobre   o   cordel   norteando‐os   por   sua   filiação   ao   todo   poético   brasileiro.
Queremos   os   seus   autores   citados   lado   a   lado   com   os   poetas   clássicos   de   nossa
literatura. Não cabe mais a miopia. É injustiça, para não dizer irresponsabilidade, os
manuais   de   literatura   brasileira   não   apresentarem   Leandro   Gomes   de   Barros   aos
nossos estudantes de letras, além de ignorar por completo sua vasta obra. É de se
lamentar que as antologias de literatura brasileira fechem suas portas a João Martins
de Ataíde por entender que o cordel de sua lavra não é poesia e, se poesia, popular, e,
sendo popular, imprestável como modelo aos nossos jovens poetas.
Lamentamos   da   mesma   forma   as   antologias   de   literatura   de   cordel.   São
segregadoras, arrastando cada vez mais o cordel para o gueto, a moradia dos sem‐
teto. Mas o que se deu? A academia fechou suas portas. Apesar dos estudos realizados
dentro dos muros dos castelos acadêmicos, o cordel continuou na periferia literária.
Estudos sobre a presença do boi no cordel, a xilogravura e o cordel, os cegos e o
cordel, os desafios em cordel, o Pe. Cícero Romão e o cordel, Lampião e o cordel, a
seca do nordeste e o cordel, Carlos Magno no cordel, os abc e o cordel, as feiras e o
cordel, o uso da consoante fricativa na voz dos poetas de cordel, o rap e o cordel na
periferia do mundo, não acrescentam nada à literariedade do cordel, pelo contrário,
afastam‐na. Lançam luzes sobre outros aspectos.
É   essa   literariedade   que   iniciamos,   embora   timidamente,   a   procurar   e
propagar. Dizem os biógrafos de Silvino Pirauá que ele era um poeta enciclopédico,
mestre   de   tantos   outros,   conhecedor   dos   antigos   romances   ibéricos,   além   de
improvisador imbatível. Sua obra atesta isso. Quem conhece a sua obra? De Francisco
das   Chagas   Batista   pouco   se   conhece   fora   dos   estudos   sobre   o   cordel.   Seu   irmão
Sabino foi fundador da Padaria Espiritual no Ceará. Sobre Patativa do Assaré recai, pela
ignorância de quem o diz, o título de poeta do cordel. Poeta grandiloqüente, mas não
cordelista.
Encerramos  nossa introdução com o mesmo Patativa do Assaré, a título de
ilustração, e só. Um dos maiores poetas brasileiros. Todo mundo o proclama. Raros são
os estudiosos e poetas que não o aceitem como tal. Produção vasta, poesia afinada,
verso redondo. Entre Drummond, Cabral e Patativa não há distâncias. Poesia distinta.
Poesia. Alguns de nós sonharam com Patativa na Academia Brasileira de Letras. Alguns
de   nós   tínhamos   a   certeza   de   que,   caso   se   candidatasse   ,   o   vate   cearense   seria
festejado, com todos os outros concorrentes retirando suas candidaturas, e, eleito por
aclamação, Patativa, com seu olho cego, sua perna quebrada, subiria pelos antigos
degraus   do   Petit   Trianon   e   ocuparia   solenemente   a   cadeira   vaga.   Alguns   de   nós
sonharam. O sonho é aqui.

Uma arqueologia da Literatura de Cordel

Os brasileiros nascidos no Nordeste na década de 60 herdaram a denominação
Literatura   de   Cordel,   dada   aos   folhetos   em   verso   vendidos   nas   feiras,   bem   como
testemunharam sua consagração. Passaram, inclusive, a utilizá‐la de maneira corrente
e   sem   maiores   preocupações   históricas.   O   termo   fincou   pé   no   arsenal   cultural,
dependurou‐se no cabedal lingüístico e consagrou‐se como verdadeiro. Não se sabe
quem o cunhou pela primeira vez, ao se referir àquele corpus literário, nem como se
deu o fato, como salienta Umberto Peregrino:
De como e quando, exatamente, a poesia popular
fixada em folhetos passou a ser chamada Literatura de
Cordel   não   há   pistas   conhecidas.   Possivelmente   a
expressão   surgiu   e   vingou   através   dos   estudiosos   que
passaram   a   interessar‐se   pelos   poetas   dos   folhetos,
conhecedores por sua vez da produção lusa da mesma
categoria quanto ao consumo popular e à apresentação
gráfica. (PEREGRINO, 1984, pp. 18‐19)

Essa informação é ponto de confluência entre os estudiosos e poetas de cordel.
Entendem alguns que essa denominação se deu, certamente, pela maneira como era
vendido o folheto, bem como por sua apresentação física. Planta‐se a incerteza quanto
a   quem,   como   e   quando   foi   instituída   tal   comparação.   Autores   repetem‐na
exaustivamente. Diz Manuel Diégues Júnior

O nome de literatura de cordel vem de Portugal, e, como
todos sabem, pelo fato de serem folhetos presos por um
pequeno cordel ou barbante, em exposição nas casas em
que eram vendidos... A presença da literatura de cordel
no   Nordeste   tem   raízes   lusitanas.   (DIÉGUES   JÚNIOR,
1973, p. 5)

Está em Sebastião Nunes Batista:

Como sabemos, o nome “Literatura de Cordel” é
dado   aos   folhetos   porque   eles   eram   expostos   à   venda
dependurados   em   barbantes   ou   cordéis.   Tal
denominação já era usada em Portugal...  (BATISTA, op.
Cit., p. XXIII)

Repete Hélder Pinheiro:
A expressão “literatura de cordel” foi inicialmente
empregada   pelos   estudiosos   da   nossa   cultura   para
designar   os   folhetos   vendidos   nas   feiras,   numa
aproximação com o que acontecia em terras portuguesas.
Em Portugal, eram chamados cordéis os livros impressos
em papel barato, vendidos a preços baixos, pendurados
em barbantes. (PINHEIRO, 2001, p. 13)

Defende Joseph Maria Luyten:

Essa   poesia,   entre   nós,   é   conhecida   como


Literatura   de   Cordel.   Isso   porque   havia   o   costume,   na
Espanha   e   Portugal,   de   se   colocar   os   livretos   sobre
barbantes   (cordéis)   estendidos   em   feiras   e   lugares
públicos, como roupa em varal. (LUYTEN, 1984, p. 10)

Observamos que a repetição é como se todos tivessem lido a mesma cartilha,
ou mesmo lido uns aos outros e se conjurassem em torno da emenda. Com lupas mais
potentes podemos enxergar‐lhes mais a fundo e até trespassá‐los intelectualmente e
aportar em Sílvio Romero, talvez o primeiro, em 1879, a fazer a comparação e, mesmo
propagar a igualdade:

A literatura ambulante e de cordel no Brasil é a
mesma de Portugal. Os folhetos mais vulgares nos cordéis
de   nossos  livreiros   de   rua  são:  A   História   da   Donzela
Teodora, A Imperatriz Porcina, A Formosa Magalona, O
Naufrágio   de   João   de   Calais,   a   que   juntam‐se:  Carlos
Magno e os Doze Pares de França, o Testamento do Galo
e da Galinha, e agora bem modernamente: as Poesias do
Pequeno   Poeta   João   de   Sant’Anna   de   Maria  sobre   a
Guerra do Paraguai. 
Nas cidades principais do império ainda vêe‐se nas
portas de   alguns  teatros,  nas   estações  das estradas  de
ferro e noutros pontos, as livrarias de cordel.
O povo do interior ainda lê muito as obras de que
falamos; mas a decadência por este lado é patente: os
livros   de   cordel   vão   tendo   menos   extração   depois   da
grande inundação dos jornais. (ROMERO, 1977, p. 257)

Talvez não tenha ficado claro para alguns pesquisadores a qual literatura de
cordel   referia‐se   o pioneiro  dos estudos  sobre  a   poesia,   dita,   do  povo.  Afirmamos
convictamente que não era à Literatura de Cordel nascida no Nordeste e sobre a qual
nos debruçamos para estudar, visto que em 1879, quando o autor inicia a publicação
de  A Poesia  Popular no Brasil, na Revista Brasileira, ainda  não se havia publicado
folhetos de cordel no Brasil. Acompanhamos o que nos diz Horácio de Almeida:

Só   no   final   do   séc.   XIX,   quase   ao   limiar   deste,


apareceram impressos os primeiros folhetos de cordel. O
pioneiro   desta   iniciativa   foi   Leandro   Gomes   de   Barros.
Convém insistir na afirmação a fim de dissipar as nuvens
fumarentas sobre o assunto.
Segundo Mark Curran, já havia folhetos impressos
quando Leandro iniciou a publicação de sua obra...cabia
ao autor dar a comprovação do que afirma. Quem, então,
antecedeu a Leandro? (ALMEIDA, 1976, p. 2)

Talvez a afirmação do Dr. Curran de que havia folhetos impressos antes de
Leandro produzir os seus tenha sustentação, pois Sebastião Nunes Batista diz:

Silvino Pirauá de Lima (1848‐1913) foi o iniciador
do romance em versos, publicando a História de Zezinho
e Mariquinha e a História do Capitão do Navio. (BATISTA,
1977, p. XXIII)
Não   se   constata,   porém,   que   no   ano   de   1879   havia   folhetos   de   cordel
publicados  no Nordeste do Brasil. Dessa  maneira, Sílvio Romero  não se refere aos
citados folhetos de cordel quando escreve sobre aquela “literatura ambulante e de
cordel”.   Referia‐se,   defendemos,   às   produções   brasileiras   parafrásticas   ou   não   das
obras   portuguesas.   O   que   se   vendia   pendurado   em   barbante   eram   livros   e   não
folhetos de cordel. Assim, tomar o termo literatura de cordel utilizado por Romero
para   nomear   a   produção   cordelística   brasileira,   resulta   em   equívoco.   Podemos
averiguar   e   tomar   como   testemunho   a   apuração   meticulosa   de   Câmara   Cascudo
quanto às origens do romance História da Donzela Teodora:

Romance   popularíssimo   em   Espanha,   julga


Inocêncio   que   sua   primeira   tradução   portuguesa   é   de
1735,   Lisboa,   in‐4º,   feita   por   Carlos   Ferreira,   que   os
velhos catálogos juntavam um “Lisbonnense”...
O título dessa edição princeps de 1735 é: “História
da Donzela Theodora,  em que se tracta  de  sua grande
formosura   e   sabedoria”.   E   a   nota:   —“traduzido   do
castelhano   em   portuguez”.   A   Tipografia   Universal   de
Laemmert,   Rio   de   Janeiro,   a   partir   de   1840   editou
profusamente   todos   os   romances   tradicionais   de
Portugal.   E   as   reimpressões   em   São   Paulo   e   Rio   não
cessaram. (CASCUDO, 1984, p. 30)

Se   todos   os   romances   tradicionais   de   Portugal   foram   editados   no   Brasil


profusamente, sem alterações, em livro, é a essas publicações que se refere Sílvio
Romero. Nesse rol estão, também, os romances da Princesa Magalona e da Imperatriz
Porcina,   tradicionais   na   Península   Ibérica:  Corre   a   “Donzela   Teodora”   ao   lado   da
“Imperatriz   Porcina”   e   da   “Princesa   Magalona”.   São   os   três   romances   que   todo   o
sertão   conhece.   (CASCUDO,   idem).   O   sertão,   ventre   no   qual   o   cordel   nordestino
gestou‐se, os conhece, mas não em sua forma original. Conhece‐os nas adaptações dos
poetas,   vertidas   que   foram   para   as   tradicionais   sextilhas,   a   forma   preferida   da
tradicional Literatura de Cordel, como acrescenta o mesmo Cascudo:  Recebidos de
Portugal   em   prosa   ou   verso   todos   foram   vertidos   para   as   sextilhas   habituais   e
cantados nas feiras, nos pátios,   nas latadas das fazendas...  (CASCUDO, ibidem). M.
Viegas Guerreiro é objetivo ao dizer o que é chamado literatura de cordel em Portugal:

Chamamos de literatura de cordel às folhas soltas,
volantes ou folhetos de índole popular, ou semi‐popular,
que se vendiam pendurados de um cordel ou barbante:
peças   de   teatro,   motes   glosados,   romances,   novelas.
Eram numerosos nos séc. XVI e XVII e multiplicaram‐se no
seguinte. (GUERREIRO, 1984, p. 73)

Ainda para elucidar o caso, recorremos a uma confissão de José de Alencar, ao
se referir a uma tiragem de  O Guarani, promovida logo depois de ter concluída sua
publicação em folhetim:

Foi isso em 1857. Dois anos depois comprava‐se o
exemplar a 5$000 e mais, nos belchiores que o tinha a
cavalo do cordel, embaixo dos arcos do Paço, donde os
tirou o Xavier Pinto para a sua livraria da Rua dos Ciganos.
A   indiferença   pública,   senão   o   pretensioso   desdém   da
roda   literária,   o   tinha   deixado   cair   nas   pocilgas   dos
alfarrabistas. (ALENCAR, 1959, p. 150)

Esse testemunho de Alencar levou o investigador do cordel Sebastião Nunes
Batista a tirar uma conclusão errada tanto em relação à obra  alencarina quanto à
Literatura de Cordel. Diz ele:

No   Brasil,   outra   alusão   ao   nome   “Literatura   de


Cordel”   encontramos   em   José   de   Alencar   (1829‐1877),
quando   nos diz  ter  visto  ,  em  1859,  o  seu romance  O
Guarani (que foi publicado em folhetos), exposto à venda
a   cavalo   do   cordel,   embaixo   dos   Arcos   do   Paço.
((BATISTA, 1977, p. XXIII)

Em verdade o romance de Alencar não havia sido publicado em folhetos, mas
em   folhetim,   na   imprensa   cotidiana.   E   a   informação   correta   nos   é   fornecida   pelo
próprio   autor,   no   mesmo   texto   do   qual   Batista   lançou   mão   do   trecho   citado.   Diz
Alencar:

A   edição   avulsa   que   se   tirou   d’O  Guarani  logo


depois   de   concluída   a   publicação   em   folhetim,   foi
comprada   pela   livraria   do   Brandão,   por   um   conto   e
quatrocentos   mil   réis   que   cedi   à   empresa.   (ALENCAR,
1959, p. 150)

Pois o que nos revela o autor de Iracema é tão somente que O Guarani esteve
à   venda   pendurado   em   um   barbante,   modo   pelo   qual   os   vendedores   de   livro
ambulantes dispunham parte de sua mercadoria. Ou seja, nenhuma alusão à Literatura
de Cordel, mesmo porque, como já dissemos antes, esta ainda não produzira no Brasil
um só folheto. 
Quanto   aos   títulos   vendidos   apontados   por   Romero,  A   História   da   Donzela
Teodora, A Imperatriz Porcina, A Formosa Magalona, O Naufrágio de João de Calais e
Carlos   Magno   e   os   Doze   Pares   de   França,  todos   foram   adaptados   para   o   cordel,
entretanto tal façanha se deu nos alvores do séc. XX, muito distante da época em que
o estudioso sergipano a eles se referiu. A confusão se dá pela semelhança de títulos,
mas as datas asseveram a disparidade, acendendo a dúvida sobre a legitimidade do
termo. Aliás, essas adaptações das obras portuguesas inauguraram um trabalho ainda
hoje   levado   a   cabo   por   nossos   cordelistas:   a   elaboração   de   obras   baseadas   nos
clássicos, elemento ao qual nos referiremos mais adiante. Voltando as nossas buscas,
acreditamos que o exposto nos baste para afastar a autoria do termo Literatura de
Cordel, dada aos folhetos, atribuída a Sílvio Romero. Mas quem o teria feito?
Veremos mais adiante que o termo é realmente de origem portuguesa, todavia
o produto concentra tantas diferenças que julgamo‐lho inconsistente quando utilizado
para distinguir o cordel brasileiro. Para desvendar, ou desamarrar o nó, devemos partir
em busca daquela matriz portuguesa dos nossos folhetos de cordel, pois se dissemos
ser a designação de origem lusa, onde encontrá‐la e com quem? 
As antologias  Literatura Popular em Verso  da Casa de Rui Barbosa formam,
talvez, o primeiro movimento sistematizado de estudo e divulgação em nível nacional
do fenômeno da literatura de cordel. Nelas, estudiosos se debruçaram sobre o tema e
percorreram seus caminhos e veredas. No Tomo I encontramos o trabalho inestimável
de Manuel Diégues Júnior no qual se dá o início de nossa busca. Anota Diégues: Com
este nome (literatura de cordel) já os assinala Teófilo Braga em Portugal no séc XVII, se
não mesmo antes.(DIÉGUES JÚNIOR., op. cit, pg. 5). Indica para nós de forma definitiva
a fonte primeva na qual todos beberam: Teófilo Braga. É o pesquisador português
quem   estabelece   o   termo   literatura   de   cordel,   para   nós.   É   por   ele   que   os   nossos
estudiosos   elaboram   a   comparação.   Além   de   fundar   a   designação,   brinda   aquela
produção com valores imprescindíveis para a vida literária portuguesa. Valores que, no
Brasil, foram deixados de lado. Diz Braga:

São numerosos os livros populares do século XVI
em Portugal, mas antes de falarmos deles importa notar
que   os   principais   escritores   quinhentistas   como   Gil
Vicente,   António   Ribeiro   Chiado,   Sá   de   Miranda,   Jorge
Ferreira   inspiraram‐se   directamente   das   tradições
populares;   outros   como   Trancoso,   Bandarra,   Baltasar
Dias,   Afonso   Álvares,   Gregório   Afonso   foram
exclusivamente   os   escritores   do   povo,   os   que   tiveram
privilégio de lhe dirigir o sentimento, de impressioná‐lo
na   sua   ingenuidade.   O   conjunto   destes   livros,   que   se
caracterizam pela sua forma material de folha volante, ou
como lhe chamam os espanhóis pliego suelto, forma uma
literatura especial, de uma grande importância étnica e
histórica, à qual se dá em Portugal o nome pitoresco de
literatura de cordel, pelo modo como esses folhetos eram
outrora   apresentados   ao   público   dependurados   em
barbante. (BRAGA, 1986, pg. 318)

O estudo de Teófilo Braga serviu de base e modelo para os estudos sobre a
literatura de cordel no Brasil, entretanto, ao mesmo tempo em que se desenvolve o
estudo e o interesse por ele, planta‐se a segregação. Pois se o pesquisador português
lhe   fornece   importância   “étnica   e   histórica”,   os   brasileiros   a   afugentaram   de   sua
formação étnica e praticamente a anularam em seu processo de formação histórica.
Lembramos que a nossa tese quer restaurar esse lugar e ampliá‐lo, pois quer incluir aí,
além da importância étnica e histórica, a importância literária. Continuemos, porém,
com nosso caminho, seguindo a rota.
O que nos apresenta Teófilo Braga é que a base literária portuguesa, com seus
principais escritores quinhentistas, é popular, origina‐se no povo e nas mais remotas
chaves de sua memória. Introduz também a discussão sobre o que é popular e o que
não é, construindo, inclusive, dois paradigmas: o dos escritores inspirados em obra
popular   e   o   de   escritores   populares.   Lembramos   que   talvez   a   indicação   de   Sílvio
Romero como pai do termo Literatura de Cordel entre nós tenha se dado por causa do
prefácio escrito pelo estudioso português para o livro Estudos sobre poesia popular de
autoria do mesmo Romero, traduzindo suas confluências ideológicas.
Vamos   abrir   um   parêntese   para   advertir   que   aqui   não   desejamos   fazer
distinção entre o que se denomina literatura popular e o que se determina literatura
erudita.   Para   nós   existirá   Literatura.   E   tal   observação   açambarca,   notadamente,   a
poesia. Não existirá, pois, para nós, poesia popular, a cuja abrangência reservou‐se
vincular a Literatura de Cordel. Essa distinção, segundo percebemos reside na forma
preconceituosa   e   excludente   com   que   as   elites   intelectuais   sempre   trataram   as
produções   que  não   saíssem   de   suas   lides  ou   que   não   seguissem   os   seus   ditames,
notadamente as regras do seu Cânone. Popular seria aquela poesia produzida pelo
povo, os não letrados, os trabalhadores rurais, os habitantes dos guetos. Erudita seria
aquela produzida pela elite intelectual, freqüentadora da escola e detentora do poder
econômico. Essa distinção construída e administrada em nossos bancos escolares não
encontrará eco em nosso trabalho. Dizemos isso seguindo o pensamento de Joseph
Luyten:
Em   todas   as   sociedades,   porém,   temos   sempre
elementos   dominadores   e   dominados,   elite   e   povo,
nobres   e   plebeus.   Como   conseqüência,   uma   visão
frequentemente diferente a respeito das mesmas coisas.
(LUYTEN, op. cit., pg. 8)

Mais   ainda   nos   alinhamos   com   as   palavras   de   Viegas   Guerreiro   que   não
podíamos deixar de citar:

No   que   chamamos   mundo   ocidental   sempre   as


classes privilegiadas, econômica, social e politicamente, tem
manifestado desprezo pela plebe, pelo populus in populo ou
“povo   popular”.   Para   além   das   constantes   universais   do
comportamento   gera   a   desigual   reparticção   da   riqueza
grupos sociais bem individualizados, com casa, alimentação
e   vestuário   próprios,   específicas   relações   sociais   e
consequente ideal de vida ou visão de mundo. (GUERREIRO,
1978, pp. 15‐16)

Isso   que   diz   Guerreiro   passa   com   maior   peso   e   extratificação   às   artes,
especialmente   à   Literatura.   Mas   para   nós,   acreditando   que   a   poesia   não   seja
propriedade de ninguém, acontecendo em lugares os mais surpreendentes, vale a não
classificação. 
É   importante   verificarmos   que   na   sala   de   aula   temos   estudado   poetas
nordestinos os mais diversos: Manuel Bandeira, Gregório de Mattos, João Cabral de
Melo Neto, Augusto dos Anjos. São os formadores de nossa veia culta, esmiuçados até
seus mais insignificantes detalhes. A contribuição desses poetas é imensa e oferta ao
Brasil sua face literária mais importante. São os nossos autores clássicos. Esses estão
de   um   lado,   habitam   os   livros   didáticos,   as   antologias   literárias   e   as   bienais   de
literatura,   os   documentários   e   os   mais   acalorados   debates,   todavia   ao   sofrer
investigação   mais   detida   ver‐se‐á   neles   traços   marcantes   do   que   se   chama,
preconceituosamente, de literatura popular. E alguns mesmo o confessam. Veja‐se o
caso   de   Gregório   de   Mattos,   camaleão   cuja   lira   subverteu   o   séc.   XVII   baiano.   De
formação erudita,  estudante  de  Coimbra,  contamina‐se   com   a poesia do  “povo”  e
extrai da mestiçagem, do hibridismo, uma pena paradoxal. Ao mesmo tempo em que
escreve:

Na confusão do mais horrendo dia,
Painel da noite em tempestade brava.
O fogo com o ar se embaraçava,
Da terra, e ar o ser se confundia.

Bramava o mar, o vento embravecia,
A noite em dia enfim se equivocava,
E com estrondo horrível, que assombrava,
A terra se abalava, e estremecia. 
(MATTOS, s.d., vol.  V, pg. 1087)

Também escreve:

Mandou‐me o filho da pu‐
Um peru cego, e doente,
Cuidando, que no presente,
Mandava todo Peru:
Alimpei com ele o cu,
E o botei na onda grata,
Mas é tal o patarata, 
e o seu louco desvario
que vendo o peru no rio,
diz que é o Rio da Prata. 
(MATTOS, s.d., vol. VI, pg. 1363)
Mais próximo de nós, no tempo, está Augusto dos Anjos, poeta paraibano tão
complexo cuja obra não se encaixa nem aqui nem acolá e os críticos e historiadores da
literatura ainda não sabem enquadrá‐lo. Foi, entretanto, na boca do povo que seus
sonetos tomaram vida e se perpetuaram. Versos herméticos e científicos, estranhos ao
linguajar coloquial, mesmo assim levas e levas de declamadores lhe decoraram a obra
e a recitavam em noitadas de bebida e saraus estudantis. O  Eu,  seu único e sempre
reeditado livro e um dos maiores êxitos editoriais da poesia “erudita” brasileira graças
à benevolência do “povo”. Dizia, como se predissesse o hoje:

Como uma cascavel que se enroscava
A cidade dos lázaros dormia
Somente na metrópole vazia
Minha cabeça autônoma pensava.

Versos decassílabos cujo ritmo e rimas furtaram sanidade a muitos alunos de
letras como nós e herdaram luz a muitos olhares envoltos na emoção do poema.
No que concerne a João Cabral, com seu Morte e Vida Severina vem celebrar
de vez a poética abraçada pelos poetas do povo, em sua marcação setessilábica, em
sua rima e em seus motivos, anunciadas na voz do Severino Retirante:

O meu nome é Severino
não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria 
do finado Zacarias.
(NETO, 1997, pg. 145)
Os exemplos, nordestinos, por enquanto, se multiplicam e Marcus Accioly, o
poeta pernambucano, apresenta em Guriatã, um cordel para menino, ganhador do 1º
Lugar no Prêmio Fernando Chinaglia/1979, sua pena inspirada no gosto “popular”:

Ó, Musa, canta um destino
Para a viola e o cordel:
Era uma vez um menino
Que rodava o carrossel
De sua vida sem tino,
Com muito mel, pouco fel.
(ACCIOLY, 1988, pg. 11)

     Este nosso testamento serve‐nos para constatar o livre trânsito entre o erudito
e o popular, denominações completamente desprovidas de sentido no que diz respeito
aos estudos e à produção literária, mesmo assim ainda fortificada e fomentada em
nossas academias, bem como no seio de grupos de poetas das novas gerações, basta
observar os exemplos de eventos literários recentes, simpósios, congressos e feiras
literárias, nos quais os poetas “populares” são alijados de toda participação e que,
quando participam, há sempre o curral da apartação, como num zoológico.  
Achamos importante trazer essas reflexões para que quem nos leia tome conta
de que caminhando em estrada paralela, vezes em veredas, estradas vicinais, ao som
do   orvalho   nos   capins,   aos   pingos   de   canto   de   algum   pássaro   bravio,   vão   outros
poetas,  conhecidos na  sombra, mas vivos  nas ruas,  nos cafés,  no  trabalho.  São os
poetas chamados de “populares”. Muitos, esquecidos da escola, povoam o folclore, o
exotismo e o pitoresco. 
Os   autores   da   Literatura   de   Cordel   formam   desse   lado,   do   lado   chamado
popular.   Formam   desse   lado   não   porque   queiram,   tão   somente   porque   lhes   foi
reservado esse lugar. Reservado, é claro, por quem está do outro lado, com poucas
exceções.   Os   primeiros   pesquisadores   do   cordel,   e   mesmo   os   contemporâneos,
sempre   se   agarraram   a   essa   divisão.   Em   todas   as   tentativas   de   conceituação   ou
definição   de   literatura   de   cordel   ela   está   presente.   As   ouvimos   até   dos   próprios
poetas, tão entranhada está a distinção. E muitos se sentem orgulhosos em assumir a
designação. Salientamos que não é o termo a nos incomodar, tão somente sua carga
ideológica. Popular não porque vem do povo. Popular porque sem atributos, sejam
estéticos, literários, materiais. Todo o produto literário é popular, porque vem de um
povo. O pensamento das elites apregoa, de forma acentuada, que dentro de um povo
há os que são mais povo do que outros. Em países como o Brasil cuja história e política
estão   baseadas   no   conceito   de   classes   sociais,   ser   do   povo   é   ser   das   classes   mais
baixas, quanto mais baixa, mais povo. E o popular é o sem valor. Para nós, quando se
colocou o cordel dentro dessa vestimenta de poesia popular, inaugurou‐se a separação
pois na busca por uma definição do que seja a literatura de cordel nos deparamos
sempre com essa marca. Não a marca do povo, mas o famigerado epíteto “popular”
usado em sua forma mais grotesca e pejorativa, pois seus autores são analfabetos ou
semi‐analfabetos e sua ousadia em escrever transforma‐se em crime, pois

Massa analfabeta e sem “cultura”, mergulhada nas
actividades práticas da vida, que lhe não deixam tempo para
reflectir, que arte há‐de produzir senão uma arte “sem arte”,
irregular tosca, grosseira? Não a tem julgado de outro modo
a   aristocracia   de   poetas   e   críticos,   da   Idade   Média   aos
nossos dias, ainda que com algumas excepções não de todo
imunes ao tradicional desamor. (GUERREIRO, idem, pg.25)

Vamos   adentrar   um   pouco   mais   em   nossa   reflexão,   citando   mais   uma   vez
Veríssimo de Melo:

Um dos campos de estudos literários e folclóricos
mais fascinantes e férteis na atualidade, sem dúvida, é
aquele que se insere na nossa literatura de cordel. Uma
especialidade   dentro   do   panorama   da   cultura   popular
brasileira, que vem desafiando e mobilizando a argúcia e
compreensão de notáveis pesquisadores, tanto nacionais
como estrangeiros, que se aproximaram dessa riquíssima
fonte de nosso folclore. (MELO, 1982, pg. 7)
Para corroborar o que viemos escrevendo, o texto de Veríssimo de Melo é uma
boa   prova.   Analisando   o   seu   pensamento:   a   literatura   de   cordel   é   um   campo   de
estudo, não resta dúvida. Mas será estudado em seu aspecto literário ou só folclórico?
Ora, se é literário, então porque não é estudado e reconhecido como tal por nossas
elites   literárias?   Porque   não   aporta   no   todo   literário   nacional?   Se   tem   autoria
identificada, por que então folclórica? No mesmo texto, mais adiante, aquele autor
dirá que:

Num ciclo de estudos sobre literatura de cordel,
realizado   em   1976,   em   Fortaleza,   sob   o   patrocínio   da
Universidade   Federal   do   Ceará,   indagamos   ao   prof.
Raymond   Cantel,   da   Sorbonne,   grande   estudioso   do
assunto,   qual   seria   a   definição   mais   compacta   que   se
poderia dar ao cordel. Seria apenas — perguntamos —
poesia   narrativa,   impressa?   Imediatamente,   ele
completou: Popular.  (MELO, op. cit., pg. 13)

O que queremos é tomar um caminho menos dividido e menos divisor, mais
aglutinante, somatório, porque na prática a divisão inexiste por haver livre trânsito de
uma para outra, ambas se contaminando. E a prova está nas adaptações para o cordel
dos grandes clássicos da literatura universal e na apropriação do cordel por autores
ditos eruditos. Esse fenômeno, o diálogo entre as duas partes, já nos é apontado pelo
já citado M. Viegas Guerreiro, em Portugal:

Se literatura popular é, como se disse, a que corre
entre o povo, toda peça literária que por ele passe, com
muita ou pouca demora, recente ou antiga, lhe pertence:
a anônima e a que tem nome, transmitida oralmente ou
por escrito. Não carece, repitamos, do selo do tempo, da
chancela  tradicional,   mas   de   que   tenha   sido   ou   seja
autêntica, viva, funcional. (GUERREIRO, 1983, p. 8)
Averiguemos um pouco mais partindo para fatos ilustrativos em nossas letras,
alguns já trazidos à observação em nossa dissertação de mestrado. O primeiro fato
está   nela   relatado   e   refere‐se   a   um   canto   indígena   brasileiro   apresentado   por
Montaigne em seu primeiro livro dos Ensaios, o ensaio 31, denominado Dos canibais.
É este o canto:

Serpente, pára; pára, serpente, a fim de que minha irmã
copie as cores com que te enfeitas; a fim de que eu faça
um colar para dar à minha amante; que tua beleza e tua
elegância   sejam   sempre   preferidas   entre   as   demais
serpentes. (MONTAIGNE, 1980, p. 105)

Não   se   deve   estranhar   o   fato   de   indígenas   ágrafos   possuírem   seu   cabedal


poético‐musical, em todas as sociedades ele estará lá. Quando os portugueses aqui
chegaram encontraram esse cancioneiro estabelecido. Luciano Gallet informa em seu
Estudos de Folclore de 1934:

Mas   além   dessa   música,   tinham   cantos   guerreiros   com


que festejavam os feitos gloriosos de seus heróis e caciques:
cantos   elegíacos,   bucólicos,   religiosos;   cantos   de   toda
espécie. (GALLET, 1971, pg. 618)

As descrições de Jean de Lery são as mais fiéis quanto a esses cantos e sua ação
sobre os ouvintes e participantes:

Duraram as cerimônias perto de duas horas; durante
esse tempo meio milher de homens não cessou de dançar e
cantar com tanta melodia que só quem ouviu acreditará.
A   impressão   que   me   causaram   os   harmoniosos
accordes daquelle côro, e sobretudo o estribilho repetido a
cada copla, Heu, heau, heura, heuraura, heur, heura, ouêh, é
coisa que não esquecerei nunca, e inda agora, se a recordo,
sinto   palpitar‐me   o   coração   copmo   se   tudo   estivesse
ouvindo. (LERY, 1926, pg. 178)

Há bibliografia tratando de indígenas autóctones brasileiros que foram à corte
e à Europa. Montaigne narra o encontro que teve com alguns destes e reproduz a
canção citada acima. Em nossa dissertação, diante desse cântico, reproduzíamos um
poema de Waly Salomão, depois musicado e gravado por Caetano Veloso em seu disco
Noites do Norte:

Cobra coral

Pára de ondular, agora, cobra coral:
a fim de que eu copie as cores com que te adornas,
a fim de que eu faça um colar para dar à minha amada,
a fim de que tua beleza
   teu langor
   tua elegância
reinem sobre as cobras não corais. 
(SALOMÃO, 2000, p. 59)

Não   precisamos   dizer   que   é   o   mesmo   texto,   com   algum   movimento   na


linguagem e nada mais. O cântico é originariamente oral, ouvido e traduzido para o
francês.   Sofre   uma   versão   para   o   português   e   uma   adaptação   para   a   poesia   de
Salomão e mais uma para a música de Veloso. É uma caso no qual o popular adorna‐se
de eruditismo e suas referências mais remotas se perdem, mesmo porque é um canto
coletivo em sua gênese, logo, anônimo. Supondo que Montaigne tenha inventado esse
encontro e esse canto tribal, mesmo assim cumpre o mesmo trajeto. Seria erudito na
origem e popular em seu produto final cantado pelo compositor baiano. 
Outro exemplo trata do caso do boi misterioso. História anônima do ciclo do
couro nordestino, já prenunciada em Capistrano de Abreu em Capítulos de História
Colonial: 
A   tradição   popular   celebrou   alguns   dos   barbatões   mais
famosos,   como   o   boi   Espaço   (espaço,   isto   é   de   chifres
espaçados, não espácio, como José de Alencar escreveu e
outros   tem   repetido),   o   Surubim,   o   Rabicho   da   Geralda.
(ABREU, 1907, pg. 196)

Como antecipa  Capistrano,  há  uma tradição desse  bicho tanto na  oralidade


quanto na escrita,  referindo‐se a José de Alencar escreve sobre o caso do boi relatado
em O Nosso Cancioneiro, de 1874. Bráulio do Nascimento abre o seu estudo sobre o
ciclo do boi na literatura brasileira dessa forma:

O século XVII marca a fixação definitiva do boi no território
brasileiro, após um movimento de penetração e expansão
que   vinha   da   época   do   descobrimento.   Instalado   em
princípio na Bahia, Pernambuco e São Vicente, espalhou‐se o
boi pela região norte, centro e sul, constituindo‐se em fator
de reconhecimento e posse efetiva da terra e acelerando o
povoamento de extensas áreas na direção do caminho de
penetração. (NASCIMENTO, 1973, pg. 167)

Diz um pouco mais adiante:

A fazenda de gado passa a constituir o centro da atividade e
poder no período colonial, gerando uma civilização peculiar
— a civilização do couro —, um tipo especial de população
— o vaqueiro — e um elemento mítico — o barbatão —, boi
bravio, rebelde ao domínio do vaqueiro, arredio do curral,
famoso   pelas   estrepolias   e   finalmente   lendário.
(NASCIMENTO, idem, idem)

Apesar de se terem escrito várias histórias em cordel sobre o temível touro, o
grande responsável por imortalizar as histórias do boi em cordel foi Leandro Gomes de
Barros. Encontramos sua versão da história versada em 1912, O boi misterioso, que,
assim como o próprio barbatão, também virou lenda. O fato é que o boi de Leandro é
apresentado assim:

Leitor, vou narrar um fato
De um boi da antiguidade
Como não se viu mais outro
Até a atualidade:
Aparecendo hoje um desses,
Será grande novidade.

Durou vinte e quatro anos
Nunca ninguém o pegou
Vaqueiro que tinha fama
Foi atrás dele e chocou
Cavalo bom e bonito
Foi lá porém estancou.
(BARROS, 2002, pg. 46)

Os atributos do boi fizeram‐no ser encantado. O certo é que em 1937 aparece
O boi aruá, de Luís Jardim, ganhador do 1º Prêmio no Concurso de Literatura Infantil
do Ministério da Educação desse ano. Se escutou a história ou se leu a história de
Leandro é fato não notificável. Ficamos com a segunda hipótese pelo fato do autor ser
pernambucano e ter se estabelecido no Recife em 1918, ano da morte de Leandro.
Influenciado por Joaquim Cardozo, amigo de Gilberto Freyre, é bem provável que com
o livro de cordel nas mãos tenha tido a vontade e provocado a ação de vertê‐la para a
prosa   infantil,   construindo   um   caminho   inverso   do   qual   o   cordel   se   utilizou   ao
transformar a prosa em poesia. O boi de Luiz Jardim é assim:

Aí disse que quando foi um dia, bem de tardezinha,
apareceu lá no fim da fazenda dele esse boi aruá. Mas era
um boi tão grande que todo mundo ficou espantado.
Os cachorros partiram em cima do bicho, e só se viu
foi   aquele   poeirão   como   de   ventania   quando   passa.
(JARDIM, 1978, pg. 9)

Este nosso capítulo quer elucidar o termo Literatura de Cordel e algumas de
suas   implicações.   Entramos   no   consenso   de   sua   ascendência   portuguesa.   O   autor
referência para nós é Teófilo Braga. É ele a quem o estudioso recorre todas as vezes
em que busca uma explicação. Além de querer encontrar uma origem para o termo,
queremos   também   apontar   a   sua   impropriedade   e  definir   o  produto   a  que   ele   se
refere no Brasil. Já vimos que a literatura de cordel a que se refere Sílvio Romero é
aquela mesma de Portugal e não aos folhetos nordestinos. E, para aqueles que teimam
em igualar a literatura de cordel nordestina à literatura de cordel portuguesa partimos
para os esclarecimentos.
É M. Viegas Guerreiro quem nos diz qual o conteúdo das folhas volantes:

Chamamos   literatura   de   cordel   às   folhas   soltas,


volantes ou folhetos, de índole popular ou semi‐popular,
que se vendiam pendurados de um cordel ou barbante:
peças   de   teatro,   motes   glosados,   romances,   novelas.
Eram já numerosos nos séc. XVI e XVII e multiplicaram‐se
no   seguinte.   Avolumavam   as   peças   de   teatro   que
populares e burgueses compravam para entender melhor
as   representações   que   viam   ou   conhecer   as   que   não
viam. (GUERREIRO, op. cit., pg. 68)

Ainda na busca por revelar peculiaridades da literatura de cordel encontramos
a Academia Brasileira de Literatura de Cordel, uma entidade que congrega, como não
poderia   deixar   de   ser,   poetas   cordelistas,   aqueles   que   produzem   a   conhecida
Literatura de Cordel. Situada no Rio de Janeiro, serve como difusora do cordel e por ele
se diz lutar, com todas as forças. Tem produzido e publicado cordéis e vem tentando
reunir a nata do cordel brasileiro. Seu presidente é Gonçalo Ferreira da Silva, cordelista
conhecido e com boa aceitação no seio da comunidade estudiosa do cordel. Gonçalo é
autor de um sem número de títulos de cordel, bem como de um volume didático sobre
a mesma intitulado  Vertentes e Evolução da Literatura de Cordel. Muito solicitado
para proferir palestras sobre o tema, depõe no preâmbulo do citado opúsculo:

Editado   com   a   finalidade   precípua   de   nos   auxiliar   numa


palestra   que   fizemos   para   estudantes   de   filosofia   da
Universidade Gama Filho, sem mais outra ambição, vimos os
exemplares do referido opúsculo fugindo de nossos dedos
numa   sequência   alucinante.   Imaginamos,   porém,   tratar‐se
de   um   gesto   de   gratidão   dos   promotores   do   evento   que
teriam   incentivado   os   alunos   para   que   comprassem   os
exemplares   em   troca   da   boa   vontade   que   manifestamos,
dialogando com o auditório, dando vida inteligente ao nosso
pronunciamento e iluminando os pontos menos abordados
pelos estudiosos da literatura de cordel. Mas não estava aí,
como veremos mais adiante, a razão do sucesso editorial, e
sim   na   felicidade   que   tem   o   opúsculo   de   dizer   tudo   em
poucas palavras, sem perder‐se em exaustivas exposições,
quase sempre repetitivas. (SILVA, 1999, pg. 7)

Compreendemos   as   palavras   de   Gonçalo,   felizmente   não   concordamos   com


elas. É impossível dizer tudo sobre Literatura de Cordel em poucas palavras. Dizemos
mais:   é   imprescindível   municiar‐se   de   muitas   palavras   para   pensá‐la   em   toda   sua
complexidade, seja formal, crítica ou literária. Primeiro porque o referido livreto do
autor abre‐se com um pórtico extremamente duvidoso, para não dizer equivocado: 

“Na   época   dos   povos   conquistadores   greco‐romanos,


fenícios, cartagineses, saxônicos, etc. a literatura de cordel já
existia,   tendo   chegado   à   Península   Ibérica   (Portugal   e
Espanha) por volta do século XVI. Na Península a literatura
de cordel recebeu os nomes de pliegos sueltos (Espanha) e
folhas soltas ou volantes (Portugal). (SILVA, 1999, pp. 10‐11)
A Literatura de Cordel como tal só existe no Brasil e é talvez a única forma
original de poesia brasileira, sem reservar qualquer semelhança com o que se chamou
de   literatura   de   cordel   na   Península   Ibérica,   no   resto   da   Europa   ou   em   países   da
América Latina. São afirmações equivocadas como as de Gonçalo as responsáveis pelo
cipoal de enganos e erros no qual o cordel se viu encalacrado.
O poeta Gonçalo envereda pelo mesmo erro contra o qual nós combatemos:
primeiro querer oportunizar uma herança ibérica ao cordel; segundo, vinculá‐lo ao
produto oral dos cantadores e repentistas, apresentando‐o, simplesmente como uma
versão   escrita   daquele   universo.   Ora,   cordel   e   repente   são   opostos   em   todo   os
sentidos, excetuando‐se o fato de alguns cantadores também se encaminharem para a
produção   de   cordéis.   Deve‐se   deixar   claro   e   bem   legível   a   inexistência   de   uma
literatura de cordel oral. Sobre isso já alertávamos em nossa dissertação de mestrado
Literatura de Cordel: uma poética para os heróis degolados:

Muitos   estudiosos   confundem   a   poesia   dos


cantadores   repentistas   nordestinos   com   a   Literatura   de
Cordel.   Certo   que   sejam   irmãs.   E   como   todos   os   irmãos,
sejam, também, diferentes. Os poetas cordelistas raramente
são   repentistas   ou   glosadores.   São   poetas   da   letra,
conhecidos   como   poetas   de   bancada,   sofrendo   inclusive
algum preconceito por parte daqueles. O repente é obra de
momento, é construção oral cuja maior característica é ser
efêmero,   fruto   do   improviso.   Daí   porque   são   famosos   os
desafios e pelejas, nos quais dois cantadores se debatem em
criações e trava‐línguas, em perguntas e respostas. O Cego
Aderaldo   gabava‐se   de   nunca   ter   repetido   um   verso.
Nenhum cantador que se preze escreverá seus versos para
depois os decorar,  cantando‐os memorizados. Cantar com
versos decorados é uma desfeita, uma aberração causadora
de   constrangimentos   e   agressões.   O   verso   cordeliano,   ao
contrário, é fruto do trabalho, da elaboração. É o mesmo
trabalho   beneditino   da  Profissão   de   Fé  de   Olavo   Bilac.
(LUCIANO, 2003, pp. 48‐49)

É certo que um dos temas utilizados pelos cordelistas seja o desafio, a peleja, a
descrição de um embate imaginário entre dois grandes cantadores. Nesse caso, sendo
uma   descrição,   não   será   difícil   observar   que   o   cordelista   abandonará   as   sextilhas
características do cordel e, dando voz e vez aos personagens, deixe‐os cantarem suas
moirões, martelos, décimas, galopes à beira‐mar, modalidades das cantorias entre os
cantadores. Esse fato, a concepção de pelejas no cordel, fortaleceu a idéia na qual se
coloca na  mesma panela o cordel e o repente. Alguém  poderá perguntar se  essas
pelejas cantadas em cordel aconteceram ou não. Respondemos convictamente: são
todas fictícias. Os cantadores podem até ser contemporâneos e ter realmente entrado
no embate poético, mas são poetas lendários e os gravadores ainda não haviam sido
inventados   e   nem   se   encontravam   esses   espécimes   eletrônicos   pelo   interior   do
nordeste. Dessa forma a peleja entre Inácio da Catingueira e Romano da Mãe d’Água
ocorrido no século XIX é fruto da lenda, embora os dois tenham realmente cantado
juntos.   Do   mesmo   modo   o   Cego   Aderaldo   e   Zé   Pretinho   do   Tucum   talvez   nunca
tenham se encontrado, como Zé Ramalho nunca cantou com Zé Limeira. Bem salienta
Manuel Diégues Júnior:

O   registro   de   cantorias   ou   pelejas   em   folheto


rigorosamente   não   é   fiel.   O   folheto   é,   de   modo   geral,   a
reconstituição,   nem   sempre   completa,   nem   perfeita,   da
peleja por um poeta, trovador popular que a ouviu, ou que
dela teve conhecimento. Ás vezes, e isto já foi observado, a
peleja nunca existiu.
Aliás,   João   Martins   de   Ataíde,   autor   de   produção
numerosíssima, um clássico da literatura de cordel, confessa
—   é   Orígenes   Lessa   quem   registra   —   que   muitos   desses
folhetos de desafios e pelejas foram escritos no silêncio de
sua tipografia. (DIÉGUES JÚNIOR, 1973, pp. 137‐138)
Essa informação sobre Ataíde é válida para observar que na grande produção
do   mesmo   em   cordel   há   uma   parte   substancial   dedicada   às   pelejas   entre   ele   e
cantadores famosos da época. Explica Umberto Peregrino:

Por que o desafio? A nosso ver porque o desafio constitui
produção de consumo sempre copioso. O povo, antes de ter
os folhetos, tinha a poesia oral dos cantadores repentistas,
na qual as pelejas monopolizavam o máximo de interesse.
Os poetas  de  cordel,  sabedores disso,  nunca  deixaram de
produzir folhetos portadores de pelejas fictícias, em que um
autor escreve por si e pelo opositor. Ataíde entrou no ramo
com um lance de pura audácia, pois lançou um folheto em
que falsamente se duelava com Leandro. Iniciativa, portanto
pra   valer   tanto   no   plano   comercial   como   em   termos   de
promoção poética para Ataíde. (PEREGRINO, 1984, pg. 129)

Esse   encontro   fictício,  Discussão   de   João   Ataíde   com   Leandro   Gomes,


entretanto foi desmascarado pelo próprio Leandro em uma explicação má humorada
na contracapa do folheto O diabo na nova seita, de 1913, onde se lê: 

Faço ver aos leitores uns livros que vendem com o
título de Discussão de Leandro Gomes com João Ataíde, é
falso, pois nunca vi esse Ataíde. (BARROS, 1980, pg. 88)
 
Vale   salientar   que   dentro   do   rol   das   pelejas   foram   arrolados   três   tipos   de
entreveros   poéticos   diversos   dos   desafios:   o   debate,   a   discussão   e   o   encontro.
Diferentemente dos desafios essas três categorias não querem imitar o ambiente da
cantoria, o embate entre dois cantadores, mas uma disputa no conhecimento ou na
defesa de um posicionamento intelectual. Os folhetos são muito claros em seus títulos,
porém alguns estudiosos por desconhecerem esses aspectos acabam por engendrar
todos na mesma nomenclatura. O título citado de João Martins de Ataíde é sucinto em
seu título Discussão de João Ataíde com Leandro Gomes e não “peleja”, pois não se
trata   de   cantoria.   Geralmente   a   discussão   e   o   debate   se   dá   numa   forma   poética
apenas,   sem   se   desdobrar   em   outras   modalidades   como   na   peleja   onde   vários
elementos   da   cantoria   são   desfiados.     Sejam   exemplos   de   debate   como   dirão   os
próprios títulos  O grande  debate de Lampião com São Pedro,  de José Pacheco, em
décimas, onde o narrador apresenta do cangaceiro no portão do céu e a recepção que
lhe dá São Pedro para iniciar a contenda:

Abriu na frente o portão
Ficou na trave escorado
Branco da cor de um finado
Quando avistou Lampião
Mas com a trave na mão
Não temeu de lhe falar
E disse: — Aqui não se dar
Aposento a gente mal
Se não quer entrar no pau
Acho bom se retirar

Lampião lhe respondeu:
— Não venha com seu insulto
Você é um santo bruto
Que ofensa lhe fiz eu?
E mesmo o céu não é seu
Você também é mandado
Portanto esteja avisado
Se não deixar eu entrar
Nós vamos experimentar
Quem é que tem bom guardado. 
(PACHECO, 1982, p. 460)
E   daí   por   diante   segue‐se   todo   o   desempenho   de   perguntas   e   respostas,
pilhérias e maldições até as vias de fato. Um exemplo de discussão é  Discussão de
João Formiga com Francisco Parafuso,  de Severino Borges da Silva.  Advertindo que,
como o próprio narrador salienta, essa discussão foi cantada e desenvolvida a partir de
dois motes: um defendendo  Nem bebo, nem fumo mais  e o outro  Bebo e fumo até
morrer:

— Porém eu vou dar um tema
Com estilos naturais
Para Formiga dizer
Com bases fundamentais
Sem errar nem dar um tombo
Nem bebo, nem fumo mais

E Parafuso responde
Para se ouvir e ver
Defendendo a aguardente
Durante enquanto viver
E dizer no fim do verso
Bebo e fumo até morrer. (SILVA, 1977, p. 379)

Os contendores iniciam, sendo indicados pelas iniciais dos seus nomes:

F — Meu amigo Parafuso
Agora vou lhe dizer
Deus me livre de beber
Fumar eu também não uso
De fumo eu tomei abuso
Porque nada bom não traz
Pois quando eu era rapaz
Quase o fumo me liquida
Enquando Deus me der vida
Nem bebo, nem fumo mais.

P — Você é um inocente
Fumar é uma beleza
O fumo tira a tristeza
Fica a pessoa contente;
O suco da aguardente
Ao homem dá bom prazer
Portanto posso dizer
Com pensamento profundo
Enquanto eu viver no mundo
Bebo e fumo até morrer. 
(SILVA, op. cit., p. 379)

A   disputa   se   prolonga   até   o   narrador   introduzir   a   fala   do   dono   da   casa


encerrando   a   porfia   numa   última   estrofe   que,   para   diferençar‐se   da   fala   dos
interlocutores vem em sextilha:

Aí o dono da casa
Disse: está muito boa a porfia
Nem um nem outro perdeu
Vou repartir a quantia
Porém vocês cantem mais 
Até amanhecer o dia. 
(SILVA op. cit, p 381)

Usaremos como exemplo de encontro o folheto O encontro de Leandro Gomes
com Chagas Batista,  de Francisco das Chagas Batista, escrito em décimas. Começo a
citação   a   partir   da   observação   de   Leandro,   em   estrofe   anterior,   de   que   o   Chagas
raspara o bigode. Leandro pergunta quem produzira tamanha desfiguração:

Respondeu Chagas: ninguém
Raspei porque hoje é moda
Eu que sou homam da roda
Por isso raspei também,
Só não raspa quem não tem
A moda é de quem quiser
Ali Leandro lhe disse:
Colega é uma tolice
Homem sem barba é mulher.

O Chagas — severamente
Lhe disse você me atrasa
Com pouco o dono da casa
Não nos dá mais aguardente
Disse Leandro, já quente,
Dê ou não dê, se quiser
Venha com o que vier
É gosto de cada um
Dia de fome é jejum
Homem sem barba é mulher. 
(BATISTA, 1964, p. 279)

A   partir   dessas   exemplificações   fica‐nos   claro   que   a   transposição   dessas


categorias orais para os folhetos possa ter influenciado a atitude dos estudiosos de
vincular   o   cordel   ao   mundo   da   poesia   dos   cantadores   repentistas   nordestinas.
Refutando ainda essa idéia chamamos a atenção para o desenvolvimento daquilo que
veio caracterizar a literatura de cordel em seu desenvolvimento histórico: o constante
uso das sextilhas. 
Para aqueles que não conhecem as modalidades da cantoria nordestina vale
esclarecer que toda e qualquer cantoria terá início sempre com as sextilhas, cada um
dos participantes se alternando na confecção repentina de sua estrofe. Estudiosos,
querendo vincular a sextilha do cordel a essas sextilhas cantadas, afirmam serem elas a
mesma coisa. Aqui afirmamos que não. Não são a mesma coisa, nem a sextilha do
repente influenciou a utilização da sextilha no cordel. É outro equívoco insistir nessa
vinculação. E muito simples resolvê‐la historicamente. No início, as cantorias não se
cantavam em sextilhas, ou seja, a sextilha não era uma das modalidades. A modalidade
era a quadra. E é Câmara Cascudo quem aponta o fato:

Os   mais   antigos   versos   sertanejos   eram   as   “quadras”.


Diziam‐nos “versos de quatro”. Subtendia‐se “pés” que para
o sertanejo não é a acentuação métrica, mas a linha. Essa
acepção ainda é portuguesa. “Um pé de verso e outro de
cantiga”.,   escrevia   Frei  Lucas  de   Santa   Catarina   (1660)   no
“Anatômico   Jocoso”   (pg.   54,   da   edição   resumida,   da   Cia.
Nacional Editora. Lisboa. 1889). Em quadras (ABCB) foram
todos os velhos desafios. (CASCUDO, 1984, pg. 22)

Logo não se pode fazer a vinculação da oral à escrita. Mesmo porque a sextilha,
essa sim, é ibérica. O mesmo Cascudo nos dá a origem:

A sextilha setissilábica na fórmula ABCBDB, conhecida e
vitoriosa   no   sertão   é   tão   antiga   quanto   a   quadra   que
Carolina   Michaelis   de   Vasconcelos   dizia   popularíssima   em
todo o século XVI no qual predominara. No romance do Rei
Artur, da Távola Redonda, que Jorge Ferreira de Vasconcelos
publicou   em   1567   (“Memorial   das   proezas   da   Segunda
Távola Redonda”) ao lado das quadras há sextilha igual às
dos nossos cantadores:

Como amigo que as más manhas
De Bretanha conheceste,
Mas d’algum tempo ainda Artur,
Bom Rei que desmereceste,
Bretanha virá a vingar‐se
Da traição que lhe fizeste.  (CASCUDO, op.
cit., p.23)

Pela observação do nosso grande estudioso tira‐se a conclusão de que o que
aconteceu foi justamente o contrário: a sextilha escrita é que influenciou a sextilha
oral dos cantadores. Esta estrofe do cantador Dimas Batista abona o que dizemos, com
clareza:

Basta um cabra não ter disposição
Pra viver do serviço de alugado,
Pega numa viola e bota ao lado,
Compra logo o Romance do Pavão,
A peleja do diabo e Riachão,
E a História de Pedro Malasarte,
Sai no mundo a gabar‐se em toda parte
E a berrar por vintém em mei da feira,
Parasitas assim desta maneira
É que tem relaxado a minha arte.
(PROENÇA, 1964, pg. 4)

O alerta de Dimas Batista deixa‐nos convictos de que o poeta repentista, o
cantador, se sente superior ao poeta de bancada, como eram chamados os poetas
cordelistas, e desgraça das desgraças era encontrar‐se um repentista que decorara
versos de outrem para se gabar. Sabemos que o Romance do Pavão a que se refere o
poeta é o  Romance do Pavão Misterioso, clássica história de cordel cuja autoria foi
motivo de controvérsias e hoje, a partir do depoimento do poeta Manoel d’Almeida
Filho,   se   atribui   a   José   Camelo   de   Melo   Resende,   que   em   suas   reedições   passa   a
esclarecer:

Quem quiser ficar ciente
Da história do pavão
Leia agora este romance
E preste bem atenção.
Que verá que esta história 
é minha e de outro não.

Há muitos anos versei
Esta história, e muitos dias,
Fiz uso dela sozinho
Em diversas cantorias,
Depois dei a cópia dela
Ao Cantor Romano Elias.

O cantor Romano Elias
Mostrou‐a a um camarada,
— A João Melquíades Ferreira,
E ele fez‐me a cilada
De publicá‐la, porém,
Está toda adulterada.

E como muitas pessoas
Enganadas tem comprado
A diversos vendelhões
O romance plagiado
Resolvi levá‐la ao prelo
Para causar mais agrado.

Portanto eu vou começar
A história verdadeira
Na estrofe imediata
E no fim ninguém não queira
Dizer que ela é produção
De João Melquíades Ferreira.
Na Turquia, a muitos anos,
Um viúvo capitalista
morreu, deixando dois filhos:
Batista e Evangelista
Todos os dois eram João,
Sendo o mais velho o Batista.
(BATISTA, 1973, pp. 365‐366)

Vê‐se tanto no corpo do folheto de João Camelo, como na estrofe de Dimas, que
era   comum   o   recitar   e   cantar   histórias   de   cordel   nas   cantorias,   mais   uma   vez
abalizando o que viemos dizendo que o cordel influenciou o repente. Os outros cordéis
citados por Dimas são A peleja do Diabo e Riachão, de Leandro Gomes de Barros, e A
vida de Pedro Malazartes, de Antonio Teodoro dos Santos.
O clássico livro de Leonardo Mota,  Cantadores, traz várias evidências dessa
prática (o cordel povoando o mundo dos cantadores) ao apresentar o cantador Jacó
Passarinho:

Apreciador de trocadilhos, Jacó Passarinho refere um
sem   número   de   torneios   em   que   os   mesmos   figuram.   A
respeito   de   frases   de   pronunciação   embaraçosa,   ele   fala
com entusiasmo e diz que nelas é que se conhece quem tem
sustança. A propósito, citou‐me esta parte de um desafio do
cantador piauiense Zé Pretinho com o Cego Aderaldo:

— Cego agora eu vou mudar
Pra uma que mete medo!
Nunca achei um cantador
Que desmanchasse esse enredo:
É um dedo, é um dado, é um dia,
É um dado, é um dia, é um dedo.

— Zé Pretinho, o teu enredo
Parece mais zombaria...
Tu hoje cega de raiva
Eo diabo será teu guia:
E´um dia, é um dado, é um dedo,
É um dedo, é um dado, é um dia.
(MOTA, 1987, pg. 63)

Quando o Mota escreve o capítulo sobre Azulão, diz:

Foi   Azulão   o   mais   jactancioso   de   quantos   cantadores


encontrei nos sertões do Ceará. Gabava‐se de não decorar
os desafios que se atribuíam aos seus rivais, nem as xácaras
de   composição   dos   mesmos.   Quem   possuía   a   inteligência
como   ele   não   precisava   socorrer‐se   da   inteligência   alheia
para se assegurar da fama. Não decorava “porque não era
menino de escola”. (MOTA, 1987, pg. 75).

Mais adiante Mota adverte:

E, logo, contradizendo‐se, o cantador negro indagava se
eu   conhecia   certos   desafios   e   mos   recitava,   anulando   a
gabolice de se não socorrer da inspiração alheia. Deixo aqui
um trecho da agitada peleja entre Inácio da Catingueira com
José Patrício:

— Me batizei por Inaço,
Da Siqueira Patriota,
Dou tapas que aléja venta
Dou murros que descangota.

— Me batizei por Inaço,
Por alcunha Catinguêra,
Me criei no Piancó,
Mas aprendi no Teixêra.
(MOTA, 1987, pg. 78)

Os trechos citados nos servem para duas coisas: provar que o cordel influenciou
as cantorias, com os versos decorados, e, no último caso, que as quadras foram as
principais formas poéticas nos primórdios das cantorias, cedendo, com o tempo, seu
lugar às sextilhas. Mota citará ainda versos de pelejas consagradas em cordel ouvidas
do cantador Azulão, o mesmo que dissera não decorar obras alheias.
Além   do   mais   há   um   motivo   especial,   verificável   por   qualquer   pessoa,   que
marca definitivamente as sextilhas oral, dos cantadores, e escrita, do cordel: a deixa,
ou seja, há a obrigação formal de o cantador iniciar a sua sextilha com a última rima do
predecessor,   elemento  que   não  se   encontra   no   cordel,   mesmo  nas  descrições  das
pelejas. Exemplifiquemos com a transcrição de um trecho de cantoria entre o Cego
Aderaldo e Domingos Fonseca: 

Cego Aderaldo:

Ó doce luz dos meus olhos
Coração e a lembrança
Tudo quanto eu percuro
Eu vejo perseverança
Meu peito vive cansado
Porém não sente a mudança.

Domingos Fonseca:

Eu desde muito criança
Que procurei me manter
Vivendo da cantora
Para vestir e comer;
Já que ser grande poeta
Lutei, mas não pude ser

Cego Aderaldo:

Jesus a mim quis fazer
Neste caso que se deu:
Eu perder a minha vista
Meus olhos escureceu
Mas estou cantando as virtudes
Que a natureza me deu.

Domingos:

Jesus me favoreceu
Com a pequena viola
Me deu a inteligência
Que ao verso desenrola
Eu acho que ele deu‐me
Uma preciosa esmola.

Observe‐se que na alternância dos cantadores há o cumprimento irrestrito da
deixa. Da primeira para a segunda estrofe entre mudança e criança, da segunda para a
terceira entre  ser  e  fazer  e   da   terceira   para   a   quarta   entre  deu  e  favoreceu. Esse
artifício, a deixa, foi introduzido para que o público e os contendores garantissem que
realmente a cantoria estava se desenrolando de improviso sem o recurso do verso
decorado. Cantar o verso decorado é desfeita imperdoável na cantoria improvisada.
Essa observação estende‐se às outras modalidades da cantoria. Como dizíamos, são
raros os cordelistas, que ao escreverem uma peleja observam o cumprimento da deixa,
não por desconhecerem, mas para dar maior dinamismo ao folheto pois é muito mais
importante o descrever os dons poéticos e o conhecimento intelectual, bem como a
dramaticidade   e   criatividade   dos   personagens   retratados   do   que   prender‐se   ao
formalismo da peleja oral. Pois bem, essa característica é fundamental na distinção
entre a sextilha do cordel e a sextilha da cantoria para colocar um ponto final nessa
discussão sobre a herança oral atribuída à Literatura de Cordel. 
Quanto à herança ibérica, de certa forma resvalaremos ainda na oralidade por
acreditarmos   que   tal   herança   se   nutre   notadamente   da   tradição   escrita.   O   cordel
português, e isso será mostrado mais adiante, não era ou não foi o resultado escrito do
universo dos trovadores. Pelo contrário, foi a forma mais fácil de propagar obras de
escritores populares na época. Assim é que se encontram peças de teatro, romances e
novelas. Não encontramos vinculação entre trovadores, segreis e jograis com esse tipo
de literatura. Existirá ligação, isso sim, entre aqueles três tipos de poetas e os nossos
tipos de poetas cantadores. Citemos Mendes dos Remédios como arrimo de nossa
afirmação:

14.   Trovadores,   segreis   e   jograis.   Três   classes   de   poetas.


“Trovador era o que cultivava a poesia e a música criando ou
inventando obras novas, como diletante, isto é, com inteira
independência, por gosto, sem idéia alguma de lucro. Segrel
era o que fazia da arte de trovar uma profissão aceitando
paga pelas suas composições.  Jogral  era aquele cujo ofício
consistia   em   tanger   vários   instrumentos   de   música   e   em
cantar versos alheios,tendo‐lhe este mister servido de ponto
de   partida   para   também   inventar   sons   novos   e   lavrar
cantigas novas. (REMÉDIOS, 1930, pg. 29)

Pelo   que   nos   apresenta   o   historiador   da   Literatutra   Portuguesa,   os   nossos


cantadores   do   nordeste,   profissionais   que   viviam   exclusivamente   da   cantoria,
formavam,   e   continuam   formando,   um   misto   de   trovador,   segrel   e   jogral   porque
paralelo ao cultivo do improviso criam canções, tocam instrumentos, cantam versos e
obras alheias e fazem questão de receber pagamento por isso. Preste‐se atenção ao
fato de, em Portugal, não terem sido eles escritores de romances, novelas ou peças de
teatro. Coube isso a outros artistas, essencialmente trabalhadores da escrita.  E, ainda,
não foram esses escritores editores de suas obras em cordel e esse fato é marcante na
refutação da filiação da nossa literatura de cordel àquela portuguesa. Os cordelistas
foram na gênese da poesia de cordel seus próprios editores. Fundando suas próprias
casas de publicação. 
Ainda   estabelecendo   as   diferenças   entre   o   produto   lítero‐musical   das   duas
classes de cantadores, portuguesa e brasileira, as canções de amigo, de escárnio, de
maldizer   não   encontram   irmandade   na   literatura   de   cordel,   mas   nas   canções
compostas por nossos cantadores. O motivo do cordel, em sua ancestralidade, liga‐se
ao   produto   narrativo   e   não   ao   produto   poético   da   península,   embora   haja   quem
afirme:

Dois   ilustres   folcloristas   brasileiros,   Luís   da   Câmara


Cascado e Manuel Diégues Júnior,  trouxeram, inicialmente,
contribuição ao problema da origem de nossa literatura de
cordel. Cascudo em vários ensaios e livros, sobretudo no seu
“Vaqueiros e Cantadores” e “Cinco livros do povo”, e Manuel
Diégues  Júnior  especialmente  no  ensaio  “Ciclos Temáticos
na Literatura de Cordel”. Eles mostraram a vinculação dos
nossos folhetos de feira, a partir do séc. XVII, com as “folhas
volantes”   ou   “folhas   soltas”,   em   Portugal,   cuja   venda   era
privilégio   de   cegos,   conforme   informava   Teófilo   Braga.
(MELO, 1982, pg. 10)

Essas   informações,   semelhantes   às   de   Gonçalo,   citadas   no   início   de   nosso


capítulo, foram passadas e repassadas a diversos estudantes, alunos de nossos cursos
de letras e aos próprios poetas de cordel, propagando enganos e perpetuando‐os. O
nosso objetivo é rever e assinalar cada ponto que julgamos obscuros e esclarecer os
equívocos nessas afirmações. 
Realmente   Cascudo   e   Manuel   Diégues   foram   brilhantes   em   seus   estudos,
entretanto a assertiva de Veríssimo de Melo fica a dever rigor na apuração. Cascudo
não vincula a origem de nossa literatura de cordel às “folhas volantes” e “folhas soltas”
portuguesas. O que ele diz textualmente é:
A poesia tradicional sertaneja tem nos romances um dos
mais altos elementos. Recebidos em Portugal em prosa ou
verso   todos   foram   vertidos   para   as   sextilhas   habituais   e
cantados   nas   feiras,   nos   pátios,   nas   latadas   das   fazendas,
“esperando da Missa do Galo”, na hora das fogueiras de São
João,   nas   festas   dos   oragos   paroquiais,   nas   bodas   de
outrora.   Esses   romances   trouxeram   as   figuras   do
tradicionalismo medieval. (CASCUDO, 1984, pg. 28)

A própria citação de Cascudo coloca por terra o que diz Veríssimo.   Apenas
afirma que os romances são um ponto alto, não são o ponto fundamental. Não são o
ponto fundador, original. Os tais romances foram vertidos para as sextilhas, deixando
claro que, quando isso  aconteceu,  o cordel já  existia, já havia  nascido. E isso será
exposto com maior ênfase no decorrer de nosso trabalho. Precisa‐se pensar que a
literatura de cordel não o reproduz (o romance), mas o transforma, como veremos
mais adiante. A coerência de Cascudo é reproduzida em  Cinco Livros do Povo, ao
tratar da citada poesia tradicional sertaneja vinculada à literatura tradicional:

Literatura   Tradicional   é   a   que   recebemos   impressa   há


séculos e é mantida pelas reimpressões brasileiras depois de
1840. São pequeninas novelas, Donzela Teodora, Imperatris
Porcina,   Roberto   do   Diabo,   Princesa   Magalona,   João   de
Calais, a grande História do Imperador Carlos Magno e dos
doze   pares   de   França,   com   as   aventuras   do   invencível
Bernardo Del Carpio. Tiveram origem erudita, estudada na
novelística   francesa,   espanhola,   italiana   e   portuguesa.
Vieram   do   séc.   XV   ao   XVII,   com   formação   diversa.
(CASCUDO, 1979, pg. 13)

Essa foi a matriz do motivo, entretanto a forma é outra, bem distanciada. Essas
histórias sofreram as adaptações dos formadores da literatura de cordel, mas não são
o  todo,   como  veremos.   O  que   nos  interessa   é  salientar   que   a  origem   e  formação
histórica da literatura de cordel brasileira não tem qualquer ligação, exceto no nome,
com a literatura de cordel portuguesa, salvo em alguns de seus motivos. A ligação é
com a literatura narrativa tradicional que vai muito além das folhas soltas. Logo, a
filiação ibérica cai por terra, bem como sua origem na oralidade dos cantadores.
Já o que diz Manuel Diégues Júnior é:

Os inícios da literatura de cordel estão ligados à divulgação
de histórias tradicionais, narrativas de velhas épocas, que a
memória   popular   foi   conservando   e   transmitindo;   são   os
chamados romances ou novelas de cavalaria, de amor, de
narrativas de guerras ou viagens ou conquistas marítimas.
Mas ao mesmo tempo, ou quase ao mesmo tempo, também
começam   a   aparecer,   no   mesmo   tipo   de   poesia   e   de
apresentação,   a   descrição   de   fatos   recentes,   de
acontecimentos   sociais   que   prendiam   a   atenção   da
população. (DIÉGUES JÚNIOR, op. cit., pg. 5)

Diégues Júnior não fala em início fala em inícios pois sabe da dificuldade que é
estabelecer um ponto de partida para a questão. E diz mais: outras histórias, outros
motivos também foram se fazendo revelar. Essa observação nossa é primordial para
entendermos que a literatura de cordel não é definida pelo tema versado, ou seja, não
é o ciclo temático quem determina o cordel. Quando nos dispusemos a olhar o cordel
como   produção   literária,   como   literatura,   o   tema   restringe‐se   a   ser   apenas   um
elemento inspirador, dessa forma não determinará, tampouco definirá, o produto.
O último equívoco diz respeito à datação, quando diz que essas influências se
deram a partir do séc. XVII. E o óbvio é que, no Brasil, nem prelo havia nesse século e
toda   e   qualquer   obra   publicada   teria,   obrigatoriamente,   de   ir   à   corte.   Como   já
dissemos,   esse   tipo   de   contra‐informação   terminou   por   minar   os   estudos   sobre   o
cordel e difundir o erro histórico.
Adiantaremos outra citação de Veríssimo de Melo para iniciar nossa reflexão.
No mesmo texto de onde retiramos aquela citação sobre a origem da literatura de
cordel, diz ele em certa altura que a mais sucinta definição de literatura de cordel é
“Poesia  narrativa,  popular,  impressa.”(MELO,   op.   cit,   pg.   13).   Acrescenta
enfaticamente que “qualquer outra manifestação semelhante ao cordel, cujo conteúdo
divirja   desse   trinômio,   deve   ser   apreciada   com   reserva.   Não   é   poesia   de   cordel
autêntica.”(MELO, idem).
Sabemos que qualquer definição matemática em literatura deve ser apreciada,
aqui   sim,   com   reserva.   O   nosso   estudo   quer   justamente   rever   esses   conceitos,
oferecendo saídas atuais para a classificação da literatura de cordel. Escrevíamos mais
atrás que um dos temas do  cordel é a reprodução de um ambiente das cantorias
nordestinas   chamado   peleja.   Essa   categoria,   ou   modalidade   da   cantoria,   como
mostramos, não é narrativa, é descritiva. E forma uma boa parcela de toda a produção
cordelística. Sabe‐se ser uma das características da narrativa, em literatura, a presença
de um ou mais narradores. Nessa modalidade, a peleja, o narrador aparece não para
narrar,   mas   para   apresentar   os   debatedores   e   oferecer‐lhes   voz.   É   uma   marca   do
drama, o gênero literário, no qual os personagens falam por si e eles mesmos traçam a
trama. Logo, não é narrativa, mas não deixa de ser cordel. Isso já está estabelecido
historicamente. Vamos averiguar com os próprios cordéis. O caso da Peleja de Manoel
Riachão   com   o   Diabo,   de   Leandro   Gomes   de   Barros.   Das   70   estrofes,   o   narrador
aparece apenas em duas no início para apresentar os cantadores e em quatro no final
para dizer como foi o fim da peleja. As outras 64 estrofes são a alternância das vozes
dos cantadores. Assim:

Riachão estava cantando
Na cidade do Açu,
Quando apareceu um negro
Da espécie de urubu 
Tinha a camisa de sola
E as calças de couro cru.

Beiços grossos e virados
Como a sola de um chinelo
Um olho muito encarnado
O outro muito amarelo
Este chamou Riachão
Para cantar um duelo. 
(BARROS, 2002, pg.242)

Aqui o suposto narrador sai de cena e os pelejantes entram já na contenda,
fugindo completamente ao critério narrativo. Os personagens seguem, assinalada cada
fala pela inicial, R para Riachão e N para o Negro:

R — Você diz que tem ciência,
Dê‐me uma explicação:
Se a terra faz movimento
De quem é a rotação?
Por que é que em 12 horas
Há uma transformação?

N — O Sol não é quem se move,
Este é fixo em seu lugar.
A terra está sobre eixos,
Os eixos a fazem rodar,
Que, por sua rotação,
Faz a luz do Sol faltar. (BARROS, op. cit, pg. 243)

Ao final, o mestre de cerimônia volta para finalizar o folheto:

Essa história que escrevi
Não foi por mim inventada:
Um velho daquela época
Tem ainda decorada.
Minhas aqui só as rimas —
Exceto elas, mais nada
Vê‐se que não é essencialmente narrativa. É predominantemente dramática. E
isso   será   verificado   na   maioria   das   pelejas.   É   um   traço   a   ser   estudado   em   nosso
segundo capítulo. Agora, peguemos um outro exemplo. Desta vez o folheto Conselhos
Paternais  de  José   Bernardo  da   Silva   que   outra   coisa   não  é senão  uma   cartilha   de
aconselhamento cujo teor é predominantemente lírico, como nas estrofes:

Quanto é belo se dizer
Filho honesto de benção
Fica no lugar do pai
Cumprindo a mesma missão
Um bom filho é bom esposo
Bom amigo e bom irmão. 
(SILVA, 1977, pg. 176)
...
Oh! filhos recompensai
Os vossos pais com ternura
A eles obedecei
Com calma, riso e doçura
Que na vida tu terás
A mais feliz aventura. 
(SILVA, 1977, pg. 178)

Logo, a primeira característica da literatura de cordel requerida por Veríssimo
de Melo não passa à observação mais detida sobre esse corpus. Não se pode requerer
que   o   estudioso   não   teve   acesso   a   estes   dois   exemplos.   O   seu   texto   é   de   1982
enquanto os folhetos, ambos, são de edição de 1955. 
Seguindo   nossa   linha   de   raciocínio,   o   que   dizer   de  O   soldado   jogador,   de
Leandro?   Não   é   narrativa,   embora   comece   com   algumas   sextilhas   narrando,   para
depois transformar‐se em um monólogo no qual o soldado Ricarte passa a explicar
cada carta de um baralho a partir da simbologia cristã. Assim:

— Por exemplo: a carta ás
Que tem um ponto somente
Faz recordar que existe
Um só Deus onipotente
Quando chamamos por ele
O encontramos presente.

— Quando eu pego num dois
Ali premedito eu
Que em duas tábuas de pedra
O Criador escreveu
Quando em sarças ardentes
A Moisés apareceu.
(BARROS, 2002, pg. 238)

E segue a explicação até o valete, terminando com o interlocutor, no caso o
comandante,   surpreso   com   a   sabedoria   do   soldado,   flagrado   jogando   baralho   na
igreja, durante a missa:

Disse o comandante a ele:
— Ricarte tu és passado
Teus vinte anos de praça
Foi tempo bem empregado
Vou‐te passar a sargento
E dou‐te o soldo dobrado.
(BARROS, 2002, pg. 240)

Diante da definição de Veríssimo de Melo cabe‐nos o dever de dizer que a
literatura  de cordel não  é essencialmente narrativa.  Essa  narratividade   é,  de  certa
forma, predominante, entretanto não determina o que é ou que deixa de ser cordel.
Estariam   de   fora,   como   vimos,   os   folhetos   de   peleja,   de   conselhos,   reflexivos,
descritivo de marcos, de debates e discussão, entre outros.
Sobre a segunda característica obrigatória do cordel para Veríssimo, a popular,
já   nos   posicionamos   antes.   Quanto   à   terceira,   o   caráter   impresso   dos   folhetos
precisamos comentar. 
A tríade narrativa/popular/impressa obrigatória na definição do que é cordel
sofrerá   um   revés   quando   da   comparação   com   o   que   no   Nordeste   ficou   sendo
conhecido como  poema matuto. Gênero iniciado por Catulo da Paixão Cearense, o
poema matuto se encaixará com precisão absoluta na definição de cordel apregoada
por Veríssimo de Melo. Olhemos para o poema Vingança de cabôco, de Zé da Luz:

Seu môço. Não me crimine
Nem mi chame cangacêro,
Ante de eu lhe contá
A minha históra premêro.

O meu pai — Xico Machado,
Foi um grande caçado
E eu herdei de meu pai
A fama de atirdô!

Tem um ditado qui diz,
Qui do pai o fio herda,
Qui do pai o fio não furta.
Pois foi assim que eu fiz:
— Herdei de meu pai a fama
De sê bom atirado,
Mas porém, de arma curta.

Lá pras banda qui eu morava,
A minha fama, seu môço,
De boca im boca curria (...)
(LUZ, s. d., pg. 35)
Pelo   mais   leve   debruçar‐se   sobre   o   poema,   além   de   sua   irregularidade
estrófica,   virá   aos   olhos   a   linguagem,   a   língua   escrita   em   seu   maior   objetivo   de
transcrever   a   oralidade,   o   coloquial.   Não   é   o   fato   de   analisá‐lo,   mas   de   apenas
estabelecer diferenças entre esse produto poético e a literatura de cordel, mesmo
trazendo em sua construção as características do cordel requeridas por Veríssimo de
Melo.
O poema é uma narrativa. Conta a história de um caboclo que, sendo mestre na
mira ao atirar com “arma curta” é desafiado na noite do casamento, mesmo tendo
bebido, a cortar um ramo de flor na boca da noiva com um tiro. O desafiante é um
desafeto   que   amava   a   mesma   mulher   e   preferia   vê‐la   morta   e   seu   opositor
desqualificado. A tragédia acontece, mas

Um outro tiro se uviu,
E o mizeráve caiu
Cum um óio d’água de sangue
Pru riba do coração.
(LUZ, idem, pg. 46)

É um poema longo contando com 85 estrofes cuja quantidade de versos varia
entre um e oito. Além do mais foi originalmente publicada em livro e, para aqueles que
classificam, tem um apelo notadamente popular, todavia não é cordel. Para o bom
observador   o   cordel   apresentará   antes   de   mais   nada   a   regularidade   estrófica:   se
sextilhas, se décimas ou, se na peleja, um misto dessas estrofes. Jamais, no cordel,
encontraremos uma estrofe com um verso apenas, nem com dois, nem com quatro,
pois a estrofe básica do cordel é a sextilha com alguma variante para a setilha. O
cordel requer rigor nesse quesito. Falávamos da característica narrativa do poema. Na
primeira estrofe o narrador já define sua essência “Antes de eu lhe contá/ a minha
históra primeiro”. Pois bem, contém a tríade defendida por Veríssimo: é narrativa, é
popular, é impressa. Não é cordel. Primeiro: pelo que já identifiquei: a irregularidade
estrófica. Segundo: pela imitação da oralidade que a escrita teima em tentar: no cordel
jamais encontraremos, salvo em alguma fala de personagem, esse artifício. E, caso
encontremos,   será   por   ignorância   do   cordelista,   no  que   diz   respeito   ao   vernáculo.
Terceiro: a firme disposição do autor em querer diferençar sua lira da lira cordelista,
filiando‐se à escola fundada por Catulo, inclusive com poemas de semelhança cabal na
forma,   na   linguagem   e   no   conteúdo.   Logo,   fugindo   do   arcabouço   pensado   por
Veríssimo.
Claro está que nosso objetivo não é desqualificar o gênero poema matuto. Pelo
contrário é exaltá‐lo como categoria distinta com suas próprias regras e autores e até
com maiores admiradores entre os cultos do que a poesia de cordel. O próprio Manuel
Bandeira afirma no prefácio do livro Brasil Caboclo do qual foi extraído o trecho do
poema citado:

Zé   da   Luz   pertence   àquela   categoria   de   poetas


intermediários entre a poesia culta da cidade e a poesia dos
improvisadores sertanejos. Catulo foi, se não me engano, o
criador da categoria, e o seu mais exímio representante. É
verdade que antes dele brilhou semanalmente nas páginas
da revista CARETA o falecido Tibúrcio da Anunciação, que
outro não era senão o acicalado parnasiano Leal de Suza.
(LUZ, ibidem, pg. 11)

Pelo que nos diz Bandeira, os poetas matutos aspiram maiores feitos literários
do que os cordelistas e, talvez por isso, não façam cordel, aparentando residir em si,
também, um pouco do preconceito acadêmico, mas ficamos nas suposições. E pode‐se
encontrar mesmo momentos de lirismo poderoso nesses poemas. Como a estrofe do
poema acima apresentado:

Inquanto as núve chorava
As láguima de seus chuvisco,
O truvão veio pipocava,
Os relampo faiscava
Acendendo um fogaréu, 
A gente via o curísco
Cumo umas faca de fogo
Rasgando o buxo do céu!!!
(LUZ, ibidem, pg. 44)

Podemos notar outra diferença entre o cordel e o poema matuto na disposição
da   rima,   uma   característica   marcante   deixada   de   fora   por   Veríssimo.   Sim,   porque
obrigatoriamente   todas   as   estrofes   de   um   folheto   de   cordel   devem   obedecer   ao
esquema de rimas estabelecido já historicamente. Se sextilha, serão assim dispostas as
rimas: a b c b d b. Exemplo:

Falando de Lampião
Não temos nenhum receio,
Pois quem viveu no Nordeste
Sabe bem de onde ele veio,
Do tempo dos coronéis
Foi o produto do meio.
(ALMEIDA FILHO, s. d., pg. 3)

Se setilhas: a b c b d d b:

De todo vício do mundo
Bebida, fumo e maconha
Milhar e jogo do bicho
Preferido de quem sonha
O pior é o baralho
Faz perder ouro e trabalho
E até a própria vergonha.
(VIANA, s. d.. pg. 1)

Se décimas, a b b a a c c d d c:

Não me faço de coitado
Por qualquer coisinha à toa:
Quem goza de vista boa
Acha o cego exagerado.
Mas quando, lá pelo lado
Do Nordeste viajei,
Percebi que, mais que o gay,
O cego leva pisão!
Cabra que tem olho são
Cego chama de “meu rei”!
(ACOPIARA&MATTOSO, 2007, pg. 10)

Esta   disposição  das   rimas   marcará   definitivamente  a   literatura  de  cordel.   O


poema   matuto   é   flexível   nessa   disposição,   resultado   da   mesma   flexibilidade   de
número de versos das estrofes. Vejamos exemplo em outro poema do mesmo Zé da
Luz, Cunfissão de cabôco:

Dispôis oiando prá carta
Tive pena, pode crê,
De não tê prindido a lê
Nas letra ali, iscrivida,
O qui dizia Maria
Prô marvardo traídô.

Tive pena, sim, Sinhô.

Mas, qui haverá de fazê
Se eu nunca prindi a lê?!
(LUZ, ibidem, pg. 125)

Ao correr da leitura nos surpreendemos com o esquema das rimas. Na sextilha
encontramos  a   b   b   c   d   e,   o   verso   solitário   rima   com  e  e,   no   dístico,   a   rima
emparelhada.   Para   o   cordel   seria   uma   aberração,   logo,   nunca,   mas   nunca,   se
encontrará tal disposição de estrofe e de rima em qualquer folheto da literatura de
cordel. 
Lembremos de nossa discussão sobre a classificação de Veríssimo de Melo e
citemos agora um poeta constantemente confundido como autor de cordel: Patativa
do   Assaré.  É   vasta   a   família   de   estudiosos   que   o   colocam   como   cordelista.   Nós   o
retiramos justamente por causa de sua produção, que se adequa bem mais ao gênero
poema matuto  que ao cordel. E o que diferencia é exatamente a linguagem. Aquela
mesma   que   pretende   de   diversas   formas   reproduzir   a   língua   coloquial   falada   no
interior   do   Nordeste.   Mesmo   quando   se   utiliza   das   décimas   elas   trazem   uma
disposição rímica diferente da que nós apresentamos acima, que não se verificam nem
nos autores clássicos, nem nos contemporâneos. Vejamos um exemplo que aglutina as
duas características:

Ô mamãe o Julião
Que lá no São Paulo mora
Que é seu fio e meu irmão,
Tendo certeza que agora
Também já chegou aqui
Na Fazenda Cangati
A inergia rurá,
Manda esta coisa pra gente,
O que sai desse presente
Pra mim não vale um juá
(ASSARÉ, 2004, pg. 48)

Mesmo sendo uma décima, a disposição rímica é completamente diferente,
assim: a b a b c c d e e d. Não estamos afirmando que Patativa não utilize a décima
clássica do cordel. Encontramos em alguns de seus poemas, como aqui

Eu sei que dizendo assim,
Eu não tou falando à toa,
Meu sertão tem coisa boa
E também tem coisa ruim;
Umas que fede a cupim
Ôtras que chera a melão.
De tudo eu sei a feição
Pois conheço uma por uma.
Vou aqui dizê arguma
Das coisa do meu sertão.
(ASSARÉ, 2004, pg. 70)

A estrofe tem a mesma apresentação, a mesma forma. Observemos, então, a
flutuação   de   linguagem   para   concluir   que   não   é   cordel.   Veja‐se   que   em   alguns
momentos a linguagem flui para a oralidade, como em “tou”, “ôtras”, “chera”, “dizê”,
“arguma”, e na  não  observância  das  concordâncias verbal e nominal,  e  em  outras
ascende ao vernáculo mais culto, como na obediência ao emprego da crase em “à
toa”, e na forma verbal “Vou” que bem poderia ter sido grafada “Vô”. 
É   essa   linguagem   que   marcará   a   diferença.   Vejamos   o   poema  Filosofia   de
cabôco, de Chico Pedroza:

Quem foi nascido e criado
Dento do meio rurá
Cuma eu, num s’acostuma
Qu’essas coisa sociá
Do povo metido a rico
Que mora nas capitá.

Matuto é pa vivê livre
Cunversano cas fulô
Num é mode vivê preso
Dento de elevadô
E nem andá sentado in mesa
Di banqueti de dotô.
(PEDROSA, s. d., pg. 76)
Identifica‐se a sextilha com um rápido olhar e, na leitura, pelo ritmo, é evidente
o verso setessilábico. As rimas estão dispostas e semelhantes às do cordel, mas não é
cordel. A linguagem que quer imitar a todo custo a coloquialidade, nesse caso até
caricatural, é a marca distanciadora. No cordel esse tipo de grafia, como já adiantei,
não   existirá.   É   contrária   ao   credo   do   cordelista.   E   sofre   questionamentos   que   o
cordelista não se permite sofrer. Por exemplo: onde o matuto verdadeiro usaria o
apóstrofo para realizar graficamente as elipses s’acostuma e qu’essas? 
Talvez esses exemplos nos bastem para repensar o que disse Veríssimo sobre a
poesia de cordel ser narrativa/popular/impressa, visto que a mesma tríade pode ser
empregada   ao  poema   matuto,   incluindo   elementos   de   sua   gênese,   mas  há   outro
detalhe a ser exposto que diz respeito à impressão. Citamos a nossa dissertação de
mestrado para nos arrimar:

Os equívocos e maus olhares com que a Literatura de
Cordel foi observada por muito tempo, carecem de revisão
urgente.   Se   para   Antonio   Candido   a   existência   de   uma
“literatura propriamente dita” requer alguns denominadores

...   a   existência   de   um   conjunto   de   produtores


literários,   mais   ou   menos   conscientes   do   seu   papel;
um   conjunto   de   receptores,   formando   os   diferentes
tipos  de   público,   sem   os  quais  a  obra   não  vive;   um
mecanismo   transmissor,   (de   modo   geral,   uma
linguagem, traduzida em estilos), que liga uns a outros.
O conjunto dos três elementos dá lugar a um tipo de
comunicação inter‐humana, a literatura, que aparece
sob este ângulo como sistema simbólico, por meio do
qual   as   veleidades   mais   profundas   do   indivíduo   se
transformam   em   elementos   de   contacto   entre   os
homens, e de interpretação das diferentes esferas da
realidade. (CANDIDO, 1997, p. 23)

A   produção   cordeliana   cumpre   os   pressupostos.   É


literatura. E mais: pela importância superior na construção
identitária   de   um   povo,   não   pode   mais   ficar   de   fora   dos
estudos sobre formação da literatura brasileira, nem ser um
mero artigo parente do artesanato. (LUCIANO, 2003, pg. 49)

Na   busca   de   reescrever   a   genealogia   do   cordel   nos   deparamos   ainda   com


alguns   clarões.   Um   deles   dirá   respeito   a   um   elemento   facilmente   observável:   a
impressão. Atentamos para isso porque nas tentativas de conceituação da literatura de
cordel é freqüente sua associação com o material impresso.  Na época de escritura de
nossa   dissertação,   pensávamos   em   respaldar   o   cordel   via   pensamento   do   ilustre
pensador da Literatura Brasileira. Hoje nos posicionamos como críticos do sistema a
que se refere Antonio Candido por entender que a indústria da impressão não pode,
falta‐lhe   atributos,   determinar   a   vida   literária   de   um   povo.   No   que   diz   respeito   à
literatura   de   cordel   não   é   a   impressão   do   folheto   que   a   transformará   em   poesia
autêntica. Não será a máquina, nem o papel impresso que o farão. A poesia é um bem
imaterial,   não   pertence   ao   mundo   físico,   ao   tangível.   Os   milhares   de   cadernos
contendo versos de cordel que nunca foram publicados, mas que eram recitados para
platéias ávidas pela beleza literária, da mesma forma, os milhares de versos ainda hoje
depositados nessas mesmas folhas pelo interior do Brasil não carecem de impressão
para   ser   poesia.   Se   assim   o   fosse   estaríamos   aprisionados   aos   tipos   gráficos   e   às
impressoras digitais. Sejam exemplos: Gregório de Mattos, que nunca publicou um
poema   em   vida   e   Ariano   Suassuna,   ainda   escrevendo   à   mão   os   seus   romances.   A
impressão, o livro impresso, é tão somente um meio de difusão, assim como hoje as
páginas da internet, seus blogs e e‐books também o são. O folheto era e é apenas o
veículo. Em suma não foi a publicação da Odisséia que fundou a literatura ocidental. E
findamos nossa apreciação sobre isso com o esclarecimento providencial de Sebastião
Nunes Batista:

Alguns   poetas   populares   copiavam   os   seus   versos   em


cadernos que constituíram  velhos alfarrábios  nos arquivos
familiares do sertão. Outros venderam nas feiras sertanejas,
aos admiradores, cópias em translado dos seus poemas. E,
finalmente,   outros   imprimiram   seus   folhetos   em   prelos
manuais, com características que ainda hoje se conservam,
no Nordeste. (BATISTA, 1973, pg. 334)

Damos um passo à frente e nos deparamos com outra tentativa de definição da
literatura de cordel. Dessa vez é Umberto Peregrino quem diz:

A Literatura de Cordel, se quisermos defini‐la, há de
ser considerada sob as seguintes características básicas:
— apresentação em folhetos típicos;
— conteúdo de garantido interesse popular;
—comercialização   sob   forma   peculiar   (mercados   e   feiras,
predominantemente sob pregão oral;
— baixo preço de venda (?)
(PEREGRINO, op. cit., 1984) 
 
Os estudos do professor Peregrino contribuíram bastante para a divulgação do
cordel. Infelizmente, como outros já citados, espalhou uma certa fuligem quando trata
da definição de literatura de cordel e na apreciação de alguns cordelistas, vinculando‐
os   ao   universo   oral   dos   cantadores.   Fiquemos,   por   agora,   com   as   características
básicas e fundamentais para a definição do cordel apresentadas por ele. 
Peregrino quer que toda a literatura de cordel seja apresentada em folhetos
típicos. Esses folhetos equivalem a uma folha de papel jornal tamanho ofício dobrada
em um quarto, o que equivale a um folheto de oito páginas. A quantidade de páginas
poderia ser de oito, dezesseis, trinta e duas e sessenta e quatro páginas. Esses últimos
reservados para os romances. Foi nesse formato de sessenta e quatro páginas que
alguns   clássicos   da   literatura   européia,   oriundos   da   península   ibérica,   ficaram
popularizados no Nordeste. Tudo que fuja a esse padrão, segundo Peregrino, fugiria ao
universo do cordel. Constitui‐se, entretanto, em equívoco. O material manuseado até
1984,   data   da   publicação   do   livro   no   qual   está   essa   observação,   não   levava   em
consideração as publicações da Editora Prelúdio, nem os da sua sucessora a Editora
Luzeiro,   ambas   imprimindo   os   clássicos   dos   cordéis   no   formato   18cmX13cm,   bem
diferente do tradicional 15,5cmX11cm (as medidas são aproximadas). Logo, o folheto
típico   como   característica   básica   é   mais   uma   contra‐informação.   Atualmente
encontramos cordéis publicados em diversos tamanho, desde o tradicional até livros
de luxo de 21cmX28cm. A Editora Luzeiro continua com seus folhetos de 18cmX13cm,
mas iniciou série com o tamanho clássico. Isso sem falar na entrada de editoras como
Hedra, Nova Alexandria, Cortez, Global e Franco Editora com formatos e números de
páginas   que   levantam   polêmicas   sobre,   como   dizia   Veríssimo   de   Melo   e   Umberto
Peregrino talvez também o dissesse, “autenticidade”. Para nós não há o que discutir
pois cordel não é  o meio pelo qual é divulgada  esse tipo de poesia. O cordel é a
essência e não o invólucro, tampouco o rótulo, pois nem tudo que se diz cordel é
cordel, o que definirá outra discussão mais adiante.
A   segunda   característica   prende‐se   a   um   conteúdo   de   garantido   interesse
popular,  mas onde reside o interesse popular? O cordel circunstancial, aquele que
serviu de jornal para os habitantes do interior do Nordeste, trazia notícias de interesse
geral   e   não   apenas   do   “povo”.   A   morte   de   Getúlio   Vargas   deteve   um   recorde   de
folhetos em todo o nordeste, seguindo o exemplo de todos os jornais da época. A
chegada   do   homem   à   lua,   também.  Os   grandes   clássicos   sobre   a   vida   de   Antonio
Silvino, Lampião, Padre Cícero todos foram de grande interesse e venderam muitas
cópias   tanto   nos   sertões   como   nas   cidades.   Acidentes   e   assassinatos   de   caráter
regional   também   vendiam.   O   interesse   era   grande   porque   correspondia   a   uma
novidade.   Essa   característica,   na   verdade,   está   atrelada   àquela   questão   discutida
acima sobre o que é popular. Claro que, aqui, o interesse popular se refere não ao
povo, mas a sua parcela mais baixa, economicamente falando, os ignorantes, iletrados
cujo intelecto se contenta com os dramas e as tragédias, vida dos artistas, fofocas
eletrônicas,   guerras   longínquas   e   desastres   gerais.   Como   nós   queremos   estudar   o
cordel como literatura, é pelos temas literários, independente do gênero, que o cordel
se impõe. Assim como a literatura policial, o romance de aventuras, as biografias, as
tramas de espionagem, os contos filosóficos, romance de costumes, poesia em geral,
pois bem, assim como esses gêneros fomentaram a literatura universal, também o
cordel   enveredou   por   eles,   sem   qualquer   interesse   que   não   fosse   o   do   poeta
interpretar o mundo e oferecer aos leitores a sua visão única, fosse pelo artifício da
ficção, fosse pelo poder realístico.
Um cordel como  Viagem São Saruê, uma utopia no Nordeste assolado pela
seca e pelo banditismo, não se prenderá ao simples “interesse popular”. Vai muito
além, beira a denúncia, clama a justiça, pensa a ética, critica a política. Sendo o país de
São Saruê a terra da fartura e do bem‐estar, um contraste, à terra desolada do sertão,
com   suas  mortes  por   fome,   sem   água   e  infra‐estrutura   básica  o  folheto   não  seria
apenas uma historieta para angariar leitores humildes do interior. Se transformaria,
tempos depois, no mais conhecido texto político do sertão, fruto da inspiração, do
engenho   e   da   arte   de   seu   autor   Manoel   Camilo   dos   Santos.   Para   compreender   o
alcance desse folheto, se faz necessário conhecer o que é o sertão. 

O Brasil nasce no Nordeste. No litoral. É no sertão, todavia,
que o Brasil sobrevive. É no Sertão, na seca e amaldiçoada
terra   do   sertão,   que   o   Brasil   se   firma.   Lá   a   vida   é   o
mandacaru,   o   juazeiro.   É   a   pedra‐de‐fogo   e   os   lajedos
perenes na poeira do tempo que não passa.  Lá,  naquelas
paragens acariciadas pela mão rude da seca, fincou‐se o pau
da   bandeira   e   cravou‐se   o   tronco   da   cruz   nas   costas   dos
homens. (LUCIANO, 2003, pg. 34)

Um pouco mais:

O   nosso   sertão   não   deve   ser   confundido   com   o   sertão


idealizado  e  incógnito   dos bandeirantes  e  dos sertanistas,
das plagas selvagens repletas de pedras preciosas e ouro e
prata,   do   El   Dorado   e   dos   seres   fantásticos,   citados   por
desbravadores e aventureiros. Não! O nosso sertão não é o
sonho. Tampouco é o sertão de Guimarães Rosa. Aparenta‐
se, ficando aí, no parentesco. O nosso sertão é o ventre mais
interno,   inseminado,   cujo   feto   herda   características
minerais, vegetais e humanas singulares e determinantes. O
nosso   sertão   tem   endereço,   é   o   sertão   do   Nordeste
brasileiro.   O   nosso   Homem   é   o   nordestino   singular.
(LUCIANO, 2003, pg. 40)

Em uma edição especial produzida pela Casa da Criança de Olinda em 1977 lê‐
se na contracapa:

É uma viagem de utopia, é uma passagem de fantasia para
as terras do futuro. Tudo que falta no Nordeste sobra no
país de São Saruê: saúde, comida, morada, justiça, alegria.
Mas   no   Nordeste   está   viva   no   meio   do   Povo   uma   força
maravilhosa; na verdade, a força maior que o Brasil tem: a
Poesia, que elege sua morada em toda terra onde há Fé e
Esperança. Viagem a São Saruê é um dos mais lindos poemas
da poesia brasileira. Manoel Camilo dos Santos, poeta maior
e   quase   desconhecido,   num   país   que   ignora   seus   poetas,
planejou esta viagem verdadeira para a Terra Prometida e a
oferece a seu povo.

É algo, como já dissemos, que salta para além do “interesse popular”. Basta se
fazer o cotejo entre um folheto que relata a seca na terra sertaneja e a promissão de
São   Saruê   para   se   concluir   que   a   observação   de   Peregrino   necessita   de   revisão.
Façamos um breve confronto entre Viagem a São Saruê e Os horrores do Nordeste:

Viagem a São Saruê Os horrores do Nordeste
Doutor mestre pensamento Leitores se Deus me der
Me disse um dia: — Você Um pensamento altaneiro
Camilo vá visitar Pretendo nas rudes páginas
O país São Saruê Deste livrinho grosseiro
Pois é o lugar melhor Falar com necessidade
Que neste mundo se vê Na grande calamidade
Do Nordeste brasileiro

O povo em São Saruê  Os humildes camponeses
Tudo tem felicidade Que vivem da agricultura
Passa bem, anda decente Desde dezembro passado
Não há contrariedade Que escava a terra dura
Não precisa trabalhar Cheios de suor e poeira
E tem dinheiro a vontade. Trabalhando a vida inteira
Só a fim de ter fartura

Feijão lá nasce no mato Nas casas onde chegar
Maduro e já cozinhado Só encontra cara feia
O arroz nasce nas várzeas O pobre dono da casa
Já prontinho e despolpado Foi dali a légua e meia
Peru nasce de escova Ver se podia arranjar
Sem comer vive cevado Qualquer coisa pra jantar
Porém foi dormir sem ceia.

Enquanto um, São Saruê, como bem diz o narrador, é fruto da imaginação, dos
artifícios do pensamento, o outro é a leitura da realidade. Se  um quer a fuga e a
esperança, o outro quer a tomada de providência. Se um não acredita na cura da
ferida aberta e propõe a viagem fantástica, o outro relata para comover aqueles que
tem o poder de sarar a terra e os seus males. 
A repercussão de Viagem a São Saruê durou mais de vinte anos. Publicado em
1954 e com várias reedições, inspirou o documentário O País de São Saruê de Vladimir
Carvalho, lançado em 1971, cujo depoimento A heresia de São Saruê diz a certa altura:

Quando   em   Catolé   do   Rocha   encontrei   Chateaubriand


Suassuna, mirrado de seu chapéu de couro, com sua foice na
mão   esquadrinhando   a   pequena   propriedade   de   terras
sáfaras, os olhos injetados de sonho obsessivo, em busca de
um urânio salvador, entendi que o documentário ali virava
ficção.   Eu   devia   filmar   aquele   delírio   que   era   o   melhor
contraponto para o folheto que conhecia das feiras desde
menino, “Viagem a São Saruê”. (MARINHO, 1998, pg. 179)

O trajeto do folheto ainda iria mais longe. O escritor Orígenes Lessa entrevistou
o autor de São Saruê por três vezes, todas elas relatadas em um livreto da Fundação
Casa de Rui Barbosa:  A voz dos poetas. Em 1954 quando o folheto, em 58 e em 79.
Destes encontros ele faz o rescaldo, motivado pela última visita:

Fui e quase me arrependi. Saí de coração alvoroçado, voltei
de pensamento se arrastando no chão. Eu havia conhecido o
poeta em sua folheteria “A Estrela da Poesia” há mais de 20
anos, lá mesmo em Campina. A casa tinha balcão, jeito de
livraria,   imponente   depósito   de   várias   prateleiras   com
milhares   de   folhetos   esperando   os   leitores   avulsos   ou   os
famosos vendedores que três ou quatro vezes ao dia vinham
em   busca   de   mais   30   ou   40   folhetos,   cada   um,   para   a
cantoria da feira que ficava perto. Artigo de venda fácil, de
procura grande, o folheto em verso atravessava a sua fase
de ouro. (LESSA, 1984, pg. 73)

O pequeno parágrafo observador que Lessa escreve é para dizer da situação na
qual   se   encontrava   a   “Estrela   da   Poesia”   em   1979.   A   venda   escassa   e   o   poeta
moribundo. São Saruê havia se demorado muito a acontecer e o poeta sucumbiu ao
seu sonho. O título do texto é Final melhor para São Saruê. Talvez compadecido com o
estado crítico de pobreza e esquecimento no qual  Camilo se encontrava, Orígenes
Lessa resolve escrever seu livro infantil  Aventuras em São Saruê, onde imortaliza o
alquebrado poeta cordelista:

Seu Camilo era um velho amigo de meu pai. De meu
pai sendo, meu amigo tinha de ser.
E ele sabia ser...
Tinha   um   papo   único   no   mundo.   Nunca   vi   um
hiomem conhecer tanta história. 
Tinha uma, porém, que era a minha história: a de São
Saruê, um país com o qual eu havia sonhado a vida inteira.
Se Camilo abria boca, eu fechava os olhos, ele ficava,
eu saía pelo mundo. (LESSA, 1983, pg. 7)

Voltando   às   características   da   literatura   de   cordel   elencadas   por   Umberto


Peregrino   e,   particularmente,   à   que   diz   que   o   cordel   deve   ter   contemplar   um
“garantido interesse popular” reiteramos o nosso ponto de vista, de acordo com o
qual,   pelo   exposto   sobre   São   Saruê,   que   se   estende   a   outros   tantos   cordéis,   essa
característica não pode guiar uma definição do que seja o cordel. O próprio Camilo em
depoimento a Orígenes Lessa afirma que “... eu gosto de escrever. Vindo a inspiração,
eu traço. É romance de amor, é história de valentia, é caso de papoco..”  Em outras
palavras, o poeta não fica pesquisando o que vai agradar ou não, o que vai vender ou o
que vai encalhar. O tema, o conteúdo, é o de menos. A linguagem, sim, é o marco
regulador, mas que não oferece garantias de abrangência popular. Um trabalho de
garimpagem na obra dos cordelistas encontrará depoimentos reveladores:

O poeta popular
Escreve o que tem vontade
Não sendo contra a moral
Política ou sociedade
Nem também religião
Que fere a humanidade.

Seja verdade ou mentira
Escreve o que bem quiser
Mas sem agravar ninguém
Pois aquele que fizer
Versos ferindo a alguém
Boa amizade não quer.
(LEITE, s.d.)
Francisco das Chagas Batista é mais objetivo:

Sou inimigo da política,
Porém vivo de escrever,
Por isso sigo o assunto
Que mais dinheiro render;
Meu lema é: Independente
Na sociedade viver.
(BATISTA, 1984, pg. 90)

Batista segue o tema que mais dinheiro render, segundo seu narrador. Noutro
folheto, A encrenca da Paraíba — Revolução de Dr. Santa‐Cruz, inicia o narrador:

Eu, como escritor do povo
Costumo meter o dedo
Nos casos de sensação
Que não exigem segredo;
E como não sou chaleira
Conto a verdade sem medo
(BATISTA, 1977, 161)
Lembremos que estamos tentando esclarecer o que seja o “garantido interesse
popular”. Quando Chagas Batista versa sobre as coisas da política, compreende‐se que
ele queira esclarecer os acontecimentos, contando o que acha ser a verdade. O seu
narrador   confessa‐se   “escritor   do   povo”   e   quer   apenas   contar   a   notícia.   A   estes
folhetos chamamos de circunstanciais, e são escritos para vender. Por isso durante
muito tempo se ouviu dizer que o cordel era o jornal do sertão, pois os fatos chegavam
ao povo pela versão do poeta que nem sempre era isento. O Batista quando coloca na
voz do seu narrador que “vive de escrever” e quer ser independente na sociedade,
pratica a sua vontade, a sua interpretação daquilo que o povo quer consumir. Para ele
os fatos da política são fatos importantes e sua interpretação é a de que o povo precisa
estar atualizado quanto ao que ocorre nas altas rodas políticas e seus desdobramentos
na sociedade, mas isso não garante o interesse popular. 
João Martins de Ataíde segue o exemplo de Manoel Camilo dos Santos quando
escreve:

Parti pelo espaço em fora
Cortando os ares ligeiro
E levando presa aos ombros
A viola de troveiro;
Das nuvens rasguei o véu
Dessa vez eu fui ao céu,
Num vôo direto e certeiro

Não se admire o leitor
De um trovador voar,
Pois seu pensamento sempre
Vive no espaço a vagar;
Se alguém duvidar de mim
Embarque num Zepelin
E vá no céu indagar.
(ATAÍDE, 2000, pg. 107)
O narrador veste as roupas de um trovador e revela que a inspiração é o motor
primevo em toda criação. O pensamento não tem rédeas e, de acordo, com os motivos
que vai encontrando, seleciona aquele que a inspiração lhe oferece. No seio do cordel
encontraremos,   como   em   qualquer   atividade,   profissionais   movidos   por   diversos
interesses.   Uns   querem   apenas   escrever,   sentem   a   necessidade.   Outros   querem
veicular suas idéias e fazê‐las abranger o maior número de leitores. Alguns querem
apenas noticiar um fato acontecido. No interior de todos reside a opção feita em se
utilizar da literatura de cordel para alcançar o seu intento. 
Continuando   as   observações   sobre   Peregrino.   O   próximo   tópico   refere‐se   à
venda. Até agora todos os aspectos levantados dizem respeito às marcas externas ao
caráter literário da literatura de cordel. Primeiro falou‐se do meio material, divulgador:
o folheto; depois falou‐se do conteúdo, o assunto popular; e agora fala‐se da forma
como se vende, no caso em locais peculiares, feira e mercados, nunca em livrarias ou
locais nos quais se comercialize literatura. E sob o pregão oral.   Realmente, durante
bom tempo o cordel foi vendido dessa forma, os últimos dez anos viram essa prática
mudar. Em sebos e livrarias já encontramos cordéis expostos para venda, sem que seja
necessário o pregão. Nas bienais de livro pelo Brasil encontramos stands com folhetos
de cordéis expostos como qualquer outro livro, facultando‐se ao leitor o folhear, ler
um   pouco,   atualizar‐se   e   decidir   o   que   fazer.   Por   outro   lado,   como   apontado
anteriormente, editoras tradicionais passaram a editar literatura de cordel em livros de
luxo, sem com isso deixar de mencionar que é literatura de cordel, nem descaracterizá‐
la. O caso mais agradável aos nossos olhos é a Coleção Clássicos em Cordel da Editora
Nova Alexandria.
Como se sabe, alguns títulos da literatura universal foram adaptados para o
cordel nos tempos de consolidação dessa forma de poesia. Entre Roldão e os Doze
Pares de França até Iracema, de José de Alencar, contos do Decamerão ou dos Irmãos
Grimm, fábulas de La Fontaine o cordel alimentou‐se de maneira sempre a respeitar a
obra original, sobretudo divulgando‐a. O caso da Coleção Clássicos em Cordel retoma,
desde o ano de 2008, a prática da adaptação das obras primas da  literatura, com
poetas da mais nova geração aplicando os conhecimentos herdados nos últimos 100
anos de cordel. Estes livros não serão vendidos em pregão oral, estão nas livrarias de
todo o Brasil, não se enquadram no formato ancestral do folheto, não são margeados
pelo conteúdo de interesse popular e o preço está muito além do do folheto normal,
sendo essa peculiaridade do preço a última característica para definir o cordel. 
Esse baixo preço do cordel, nos seus primórdios e ainda hoje para os
folhetos, deveria apontar para uma qualidade também baixa. A explicação é antiga e
cabe   bem   ao   cenário   livresco   brasileiro.   Guerreiro   nos   diz,   referindo‐se   a   tiragens
populares dos autos e farsas de Gil Vicente:

Este   teatro   de   cordel   terá   sido   iniciado   com   a


publicação  de   alguns   autos   de   Gil   Vicente   —   Barca  do
Inferno,   Farsa   de   Inês   Pereira,   D.   Duardos,   Pranto   de
Maria Parda, Auto da Festa, Auto de Deus Padre, Justiça e
Misericórdia,   Obra   da   Geração   Humana   e   de   seus
continuadores, Chiado, Baltasar Dias e Afonso Álvares.
O livro, muito caro no séc. XVI, foi‐o sempre para
bolsos   pouco   abonados,   de   modo   que   edições   baratas
devem ter constituído negócio chorudo para editores do
tempo, além de prato do dia do leitor vulgar. (Idem, p.
74)

Um dos objetivos do autor de cordel é fazer circular sua obra da maneira mais
abrangente   possível.  Baixar  o   custo   da  obra   é  o   viés   pelo  qual   se   consuma   o  seu
intento.   Isso,   talvez,   tenha   determinado  a   troca   da   fotografia   pela   xilogravura   nas
capas e ilustrações dos folhetos,  tanto que a arte da xilogravura terminou por ser
associada as mais das vezes à Literatura de Cordel, entretanto o avanço tecnológico
em termos de impressão e acabamento gráfico trouxe para o cordel novo visual. 
Pois bem, essa coleção, Clássicos em Cordel, não se prende a nenhuma das
características.   Está fora, totalmente, entretanto é a mais pura literatura de cordel
brasileira, com todas as suas características literárias, que são as que nos importam.
Sobre ela, a coleção, falaremos mais à frente.
Quando   escrevíamos   sobre   São   Saruê   tocamos   na   palavra   “Sertão”.
Retornamos ao vocábulo para elucidar um outro tópico já consolidado sobre as origens
do   cordel.   Os   historiadores   tem   reproduzido   uma   verdade   que   necessita   de
complemento. Para a maioria o cordel nasceu no sertão nordestino e oferecem como
prova o fato de os primeiros cordelistas terem aí nascido: Silvino Pirauá, na Serra do
Teixeira, Leandro em Pombal, mas migrante para Teixeira logo depois do nascimento.
De fato o sertão foi o ventre que fomentou alguns assuntos do cordel. O sertão com
suas lendas e seus homens. Para formação da literatura de cordel concorreu, porém, a
confluência entre o sertão e a cidade. E a cidade na qual floresceu o cordel foi, sem
qualquer discussão, Recife. O final do séc. XIX e o início do século XX vão encontrar
nessa   cidade   o   ponto   de   confluência   da   modernidade.   A   história   da   inteligência
brasileira   passará   acentuadamente   pela   capital   de   Pernambuco   e   sua   importância
política.   As   biografias   de   Silvino   Pirauá,   Leandro   Gomes   de   Barros,   Francisco   das
Chagas Batista e João Martins de Ataíde, os principais nomes da geração princesa do
cordel, tem como ponto intercessor o Recife. E em suas obras, a cidade aparecerá em
toda   sua   grandiosidade,   incluindo‐se   aí   os   seus   problemas   e   conflitos   sociais.   Na
introdução à obra de Leandro editada pela Fundação Casa de Rui Barbosa, Horácio de
Almeida resume a biografia do mestre cordelista:

Nasceu no município de Pombal, sertão da Paraíba, a 19
de   novembro   de   1865,   mudando‐se   para   Teixeira,   ainda
menino, levado por seus pais. Em Teixeira, terra paraibana
de   boa   fama   por   seus   poetas   e   valentões,   conheceu
certamente os notáveis cantadores Ugolino Nunes da Costa,
Bernardo Nogueira, Josué Romano e Germano da Lagoa, que
ali davam dia santo. Francisco das Chagas Batista também
era de lá. Devia ser muito menino quando Leandro, ainda
adolescente,   partiu   de   Teixeira   para   Pernambuco,   com
escala em Vitória de Santo Antão e Jaboatão, antes de fixar‐
se em Recife. (ALMEIDA, 1976, pg. 3)

É fácil refazer a trajetória de Leandro pelo endereço sempre colocado em seus
folhetos. Assim em 1915 estampava na contracapa de As aflições da guerra na Europa:
Leandro   Gomes   de   Barros,   avisa   que   está   morando   em
Areias,   Recife,   e   que   remetterá   pelo   correio   todos   os
folhetos de suas producções.
Derijam pedidos para Estação de Areias. — Recife
(BARROS, 1915, contracapa)

Muitos de seus folhetos  presenteiam a cidade como protagonista   e cenário


para suas histórias, como é o caso de  Os coletores da Great Western, A festa do
Mercado do Recife, A morte do arcebispo de Olinda, As orfãs do Colégio da Jaqueira
no Recife, O Recife, O recife novo, Bento, o milagroso de Beberibe.
Já Sebastião Nunes Batista diz sobre Silvino Pirauá:

SILVINO PIRAUÁ DE LIMA nasceu em 1848, no município de
Patos,   Paraíba,   e   faleceu   em   Bezerros,   Pernambuco,   em
1913.   Cantador,   glosador   e   poeta   popular,   discípulo   do
famoso   repentista   Romano   do   Teixeira.   Pirauá   “foi   o
iniciador do romance em versos” — afirma Chagas Batista.
Na   seca   de   1898,   Silvino   Pirauá   emigrou   para   o   Recife.
(BATISTA, 1977, pg. 385)

Pedro Batista escreve carta a Câmara Cascudo esclarecendo sobre Francisco
das Chagas Batista: 

Chagas   Batista   nasceu   em   1885   na   Serra   do   Teixeira...


Aprendeu lá as primeiras letras e em Campina, para onde se
transferiu   acompanhado   de   sua   mãe   e   irmão   em   1900,
conseguiu   aulas   noturnas   para   arranhar   o   vernáculo...
Depois que publicou em velha tipografia de Campina Grande
o seu primeiro folheto — “Saudades do Sertão” — em 1902,
saiu a vendê‐lo pelas feiras do brejo... Casado em 1909, fixou
residência   em   Guarabira   e   dali   veio   a   essa   capital   (João
Pessoa) onde faleceu em janeiro de 1929. (CASCUDO, 1984,
pg. 326)

Como se lê, Chagas Batista não morou em Recife como os anteriores. Foi em
Recife, porém, onde publicou diversos títulos de cordel pela Imprensa Industrial, neste
cronograma: 1904,  A vida  de Antonio  Silvino,  A vacina  obrigatória,  A questão do
Acre; 1905, reedição de A vida de Antonio Silvino, As vítimas da crise; 1907, A história
de Antonio Silvino  — (Contendo o retrato e toda vida de crime até a data presente,
setembro de 1907); 1908, continuação da  História de Antonio Silvino,  A morte de
Cocada  e a prisão de suas orelhas,  A maldição  da nova seita; 1909,  Resposta  ao
poldro do meu colega; 1910, a coletânea  A lira do poeta. Além do que a cidade do
Recife, como disse anteriormente, é presença constante na vasta obra do poeta. Em
1912   publica  O   resultado   da   revolução   do   Recife,  contendo   um   outro   poema  O
enterro da justiça.
João   Martins   de   Ataíde,   por   sua   vez,   foi   o   responsável   pela   confusão   nas
autorias dos folhetos de cordel. A partir da aquisição do acervo de Leandro Gomes de
Barros passou a assinar os folhetos e colocar‐se como autor nas capas. Estudiosos
desatentos passaram a atribuir a Ataíde o que era de Leandro. Quando Ataíde repassa
os seus direitos a José Bernardo da Silva este passa à mesma prática e confunde de
vez. Graças ao trabalho meticuloso de Sebastião Nunes Batista a autoria de muitos
poemas foi restaurada e Leandro teve, enfim, justiça feita a sua pena. 
Nascido em Ingá, na Paraíba, em 23 de junho de 1877, o poeta Ataíde faleceu
na cidade de Limoeiro, em Pernambuco, a 3 de agosto de 1959. De como foi parar em
Recife diz‐nos Mário Souto Maior:

Não   se   sabe   se   ele   fugiu   de   casa   ou   se   teve   o


consentimento do pai para vir tentar a vida no Recife,onde
tinha   um   parente   ou   conhecido   que   era   pequeno
comerciante. No Recife, trabalhou no comércio e, dizem, até
em fábrica de não sei de quê.
Sabendo   ler   e   escrever,   já   taludinho,   João   Martins   de
Ataíde começou a escrever seus primeiros versos e imprimir
seus   primeiros   folhetos,   que   vendia   nas   feiras   e   nos
mercados do Recife. (ATAÍDE, 2000, pg. 12)

Esses quatro cavaleiros escolheram a cidade do Recife como o centro de onde
irradiariam sua criação: a Literatura de Cordel. Foi do encontro desses dois mundo, o
rural e o urbano, que gestou o cordel brasileiro. Não há só um pai, o sertão. Há pai e
mãe: o sertão e a cidade. Na obra dos quatro estão presentes ambos, portanto ao se
tentar   atribuir   apenas   o   sertão   como   matéria   do   cordel   incorre‐se   em   mais   um
equívoco em sua historiografia. Como apontam os estudiosos mais comprometidos, o
Nordeste é o seio e, neste, a confluência urbano‐rural a gênese, mas não é só. A cidade
do Recife é o ventre de onde brotará o cordel tal como é. E porquê?
Manoel Diégues Júnior, já citado aqui, antecipa motivos pelos quais o Nordeste
foi o cenário ideal para o aparecimento do cordel:

No Nordeste, — retomemos o assunto—, por condições
sociais e culturais peculiares, foi possível o surgimento da
literatura de cordel, de maneira como se tornou hoje em dia
característica   da   própria   fisionomia   cultural   da   região.
Fatores   de   formação   cultural   contribuíram   para   isso:   a
organização   da   sociedade   patriarcal,   o   surgimento   de
manifestações   messiânicas,   o   aparecimento   de  bandos   de
cangaceiros   ou   bandidos,   as   secas   periódicas   provocando
desequilíbrios   econômicos   e   sociais,   as   lutas   de   famílias
deram   oportunidade,   entre   outros   fatores,   para   que   se
verificasse   o   surgimento   de   grupos   de   cantadores   como
instrumentos do pensamento coletivo, das manifestações da
memória popular. (DIÉGUES JÚNIOR, 1973, pg. 12)

As orientações de Diégues Júnior são muito bem vindas, mas o surgimento do
cordel, segundo o que diz, é fruto dos assuntos a serem cantados e não do talento que
alguns   poetas   tiveram   de   orientar   sua   poesia   para   uma   forma   especial   ainda   não
tentada   em  solo  brasileiro.   Ao  mesmo   tempo  em   que   restringe   o  cordel  ao   sumo
extraído   do   motivo,   do   assunto,   oferece   contradição   quanto   à   origem   do   cordel,
quando diz, citado no início deste capítulo, que “A presença da literatura de cordel no
Nordeste tem raízes lusitanas.  (DIÉGUES JÚNIOR, 1973, p. 5). Se possui essas raízes,
como pode, então, surgir de maneira tão estranha àquela? A pergunta que se deve
fazer, e nos parece demasiado complexo procurar uma resposta, é: porque o Homem
começou a fazer poesia? O que determinou esse fenômeno no seio da humanidade? A
investigação, segundo Vitor Manuel de Aguiar e Silva, pode ser interminável:

A natureza e o significado do acto criador do poeta
tem constituído, desde a antiguidade helênica, objecto de
apurada reflexão por parte de filósofos, psicólogos e críticos
e por parte dos próprios poetas. Para alguns, o acto criador
apresenta‐se como um facto racionalmente explicável; para
outros,   aparece   como   insondável   mistério,   cujas   raízes   se
perdem   no   mais   recôndito   da   alma   humana   ou   no
impenetrável dos segredos divinos. (AGUIAR E SILVA, 1973,
pg. 141) 

Quando   se   pretender   estudar   a   literatura   de   cordel   com   o   óculos   da


literariedade será preciso abandonar o fenômeno cultural, apresentado por Diégues
Júnior, fruto das condições sociais e étnicas (a convivência e miscigenação das três
raças formadoras da brasilidade), e partir para as indagações universais concernentes
à ciência da literatura, que é o que pretendemos fazer em nosso trabalho. Explicar
porque o Nordeste brasileiro foi o cenário perfeito para o aparecimento da literatura
de cordel é subjugá‐la à condição de produto cultural, artesanato, e não a de produto
literário, poético. O óbvio é que resultado da escrita, o cordel construíu para si uma
forma poética e uma apresentação gráfica, independente dos assuntos que versava,
fossem pelejas, narrativas ou lirismos. E o lugar onde o fato se deu, onde o fenômeno
se consolidou tangível, produto material, foi a cidade do Recife, no estado brasileiro de
Pernambuco. E lá, por condições históricas e materiais fáceis de se apontar. 
Recife foi o pólo mais desenvolvido desde o séc. XVII e para lá convergiram
todos  que queriam mudar de  vida.  O séc. XIX encontrará na cidade  uma indústria
açucareira   firmada,   indústria   têxtil,   metalurgia,   fábricas   de   sabão,   de   bebidas
alcoólicas e um rudimentar parque gráfico. É nesse parque, na virada do século, em
plena   revolução   industrial   brasileira,   que   surge   literatura   de   cordel   em   sua   forma
clássica. Se encontravam na cidade Silvino Pirauá, o mais velho, Leandro Gomes de
Barros, o do meio, e João Martins de Ataíde, o mais novo. Formava a quadra Chagas
Batista, o futuro fundador da Tipografia Popular Editora em João Pessoa, na Paraíba.
Quando   lança   seu   livro  Cantadores   e   poetas   populares  em   1929,   Chagas
Batista diz sobre Silvino Pirauá “Foi o iniciador do romance em versos” (BATISTA, 1929,
pg. 96). Isso bastou para se divulgar que Silvino precedeu Leandro na publicação da
literatura de cordel. Sobre Leandro diz que este até os 15 anos de idade viveu em
Teixeira

...mudando‐se   então   para   a   cidade   de   Vitória,   em


Pernambuco, onde iniciou a publicação de seus apreciados
folhetos em versos... Foi o fundador da popular literatura de
cordel no Nordeste. Escreveu cerca de mil folhetos de versos
populares,   tendo   tirado   dos   mesmos   mais   de   dez   mil
edições... Foi um escritor que viveu exclusivamente de sua
pena — caso raro no Brasil. (BATISTA, 1929, pg. 96)

Considerando que Silvino Pirauá, como se encontra em sua biografia, migrou
para o Recife em 1898, portanto aos 50 anos, sendo ele cantador e tendo Leandro
começado a escrever os seus versos por volta de 1880,  aos 23 anos aproximados,
como podemos deduzir do que está escrito no final do romance  A mulher roubada,
publicado em 1907, no Recife:

Leitores, peço desculpa
Se a obra não for de agrado
Sou um poeta sem força
O tempo tem me estragado,
Escrevo há 18 anos
Tenho razão de estar cansado.
(BARROS, 1980, pg.52)

Resta a dúvida se em alguma gráfica fora do Recife, Pirauá tenha publicado
algum folheto. Como vimos que nas cantorias era praxe se recitar ou cantar histórias
romanceadas, ele pode ter iniciado esse tipo de romance, mas seguindo a tradição
anterior no que diz respeito à utilização de quadras e não de sextilhas, escrevendo
suas histórias à mão em cadernos só publicadas a partir do momento em que está em
Recife. E é isso que nos importa para creditar a Leandro a formatação do cordel e a
sistematização de sua publicação. Foi ele o criador da literatura de cordel pois em
Silvino   Pirauá,   que   poderia   tê‐lo   precedido,   encontraremos   poemas   romanceados
muito   mais   aparentados   com   poemas   matutos   do   que   com   o   cordel.   Fique   como
exemplo o poema  Peleja  da Alma  que já se  inicia com  uma quadra, quebrando a
tradição do cordel:

Havia um homem no mundo
Dono de muita riqueza,
Homem de muita valia,
Homem de muita nobreza.
(PIRAUÁ, 1929, pg. )
 
Tocaremos rapidamente em um aspecto histórico, já citado quando falávamos
em João Martins de Ataíde, aquele referente ao problema de autoria no cordel. Pela
compra dos direitos autorais o comprador se achava na condição de poder retirar o
nome do autor e por seu próprio nome na capa. Como já dissemos, essa prática foi
iniciada   por   João   Martins   de   Ataíde   e   continuada   por   José   Bernardo   da   Silva.   O
trabalho do pesquisador Sebastião Nunes Batista de restituição da autoria aos seus
verdadeiros autores publicado em 1973 pela Casa de Rui Barbosa foi fundamental para
reparar os danos à pena de Leandro, cuja obra foi adquirida por Ataíde e revendida na
década   de   50   por   José   Bernardo.   Mesmo   assim,   pesquisadores   preguiçosos   e
desatentos  continuaram   reproduzindo  os  erros de  autoria.  Não  os   pouparemos   de
uma   crítica   dura,   visto   que,   são   responsáveis   pela   disseminação   da   notícia   falsa   e
propagação   das   falácias   sobre   a   literatura   de   cordel.   Citarei   os   casos   mais   graves,
reconhecendo   de   qualquer   maneira,   seus   pontos   fortes   no   que   diz   respeito   a
divulgação do cordel, ficando nisso seus méritos, arranhados pela imprecisão. 
Uma das formas de o autor se identificar na obra de cordel é o uso do acróstico,
uma ferramenta na qual cada letra do seu nome iniciará um verso da última estrofe de
seu folheto. Ao que parece foi Leandro Gomes de Barros quem iniciou a prática do
cordel, por problemas de plágio ou cópia de seus folhetos, muitos seguiram o exemplo,
mesmo assim adulterações nessas acrósticos complicaram ainda mais a identificação
do autor. Foi o mestre Ataíde quem também iniciou essa prática. Exemplifiquemos
com o caso do folheto O boi misterioso, de Leandro, aulterado por Ataíde:

Lá inda hoje se vê
Em noites de trovoadas
A vaca misteriosa
Naquelas duas estradas,
Duas mulheres falando,
Rangindo os dentes, chorando
Onde as cenas foram dadas.
(BARROS, 2002, pg. 62)

Grifamos as letras iniciais de cada verso para ficar nítido o artifício. Na versão
adulterada por Ataíde o acróstico, além de maculado, sofre alteração do número de
versos, ficando atrofiado:

Inda hoje lá se vê
Em noite de trovoadas,
A vaca misteriosa
Naquelas duas estradas
Duas mulheres chorando,
Onde as cenas foram dadas.
(ATAíDE, 1964, pg. 503)
Come se vê o acróstico passou a IEANDO. Essas intervenções não  podemos
dizer se maldosas ou se legais na época, já que a propriedade intelectual havia sido
comprada.  A   prática   continuou   durante   muito  tempo,   mas   já   não  se   pratica   mais,
todavia há estudiosos que continuam caindo no engano, movidos pela pressa e pela
desatenção. 
Irani Medeiros, da Paraíba, é um deles. Organizador de uma antologia sobre
Leandro, publicada em 2002, intitulada  No reino da poesia sertaneja, comete erros
tolos e graves devido a falta de rigor. A começar pelo título: considerar a poesia de
Leandro como sertaneja. Não se cabe mais esse tipo de desinformação. Leandro é
sertanejo   de   nascimento,   mas   sua   poesia   é   universal.   Sua   letra   caminha   entre   as
histórias   maravilhosas,   como  O   boi   misterioso,   passa   pelo   social,   como  Bento,   o
milagroso de Beberibe, alcança as pelejas, como Peleja de Antonio Baptista e Manoel
Cabeceira, toca no cordel circunstancial, como As aflições da guerra na Europa, até o
satírico, como  A alma de uma sogra. Considerar essa rica poesia como sertaneja é
desconhecer a trajetória do cordel. Tudo indica que o desconhecimento e a falta de
pesquisa  é  a  marca  do  organizador,   pois  no  capítulo  Notas  sobre  cordel,  reproduz
trechos de outros estudiosos sem lhes dar os créditos necessários, passando ao leitor
como se fossem suas as anotações. O pior se concretiza quando lemos a nota número
2:

2— Atualmente, já existe maior cuidado na preservação e
defesa   dos   direitos   autorais   dos   poetas   populares.   Assim
mesmo, correm muitos folhetos modernos com nomes de
autores diferentes. (MEDEIROS, 2002, pg. 27)

Copiada   literalmente   de   Veríssimo   de   Melo,   na   Introdução   à   antologia


Literatura de Cordel,  publicada pelo Banco do Nordeste do Brasil, em 1982, em sua
página 50, e que sequer consta da bibliografia supostamente utilizada por Medeiros. O
cúmulo   do   absurdo   é   que   o   autor   coloca   em   sua   antologia   de   Leandro   textos   de
folhetos que não são do criador da literatura de cordel. Em outras palavras, Medeiros
não leu os folhetos, pois se tivesse lido O verdadeiro romance do herói João de Calais
teria identificado o acróstico:
Bem feliz João ficou
O rei mui regozijado
Regendo aquela nação 
Geralmente apreciado
E a prima de Canstança
Sempre viveu a seu lado.
(BARROS, 2002, pg. 375)

O   acróstico   é  Borges  e   refere‐se   a   Severino   Borges   da   Silva,   cordelista


pernambucano, autor do folheto reproduzido, extraído da Antologia de Literatura de
Cordel, de Sebastião Nunes Batista, publicada em 1977 pela Fundação José Augusto,
citada na bibliografia. Um pouco mais de cuidado e não teria incorrido nesse equívoco.
Descuidado, entretanto, cai na mesma cilada quando reproduz a História de
Carlos   e   Adalgisa,   que   não   é   de   Leandro,   mas   de   Firmino   Teixeira   do   Amaral,
identificado pelo acróstico nas duas últimas sextilhas:

Forte o amor tem em si
Ímã leal de firmeza
Reconhece o sacrifício
Manda a sua realeza
Nos abre a porta da glória
O poder da natureza

A pessoa que não ama
Merece condenação
A vida é cheia de espinho
Roga a Deus porém em vão
A sua alma é condenada
Levada para um tufão.
(MEDEIROS, 2002, pg. 428)
É   assim   que   se   desinforma   e   se   deturpa   as   informações  e   os   conceitos   do
cordel. E tem acontecido desde os primórdios dos estudos. Pesquisadores e estudiosos
que não têm vivência e se recusam a conhecer as nuanças, os detalhes, da literatura
de cordel, mais interessados que estão em vender, tanto idéias, como livros. E nós
queremos restaurar essa dignidade histórico‐literária do cordel. Tarefa difícil, sabemos.
Vejamos o caso da Editora Hedra, cuja coleção Biblioteca de Cordel, tem deixado a
desejar. 
A coleção Biblioteca de Cordel é assim apresentada:

Apesar da maciça bibliografia crítica e da vasta produção de
folhetos   (mais   de   30   mil   folhetos   e   2   mil   autores
classificados), a literatura de cordel — cujo início remonta ao
fim do séc. XIX — continua ainda em boa parte desconhecida
do grande público, principalmente por causa da distribuição
efêmera dos folhetos. E é por isso que a Editora Hedra se
propôs   a   selecionar   cinqüenta   estudiosos   do   Brasil   e   do
exterior   que,   por   sua   vez,   escolheram   cinqüenta   poetas
populares   de   destaque   e   prepararam   um   estudo
introdutório para cada um, seguido por uma antologia dos
poemas mais representativios. (LUYTEN, 2000, pg. 5)

Como   estamos   tratando   do   quarteto   fundador   do   cordel   em   Pernambuco,


apesar   de   todos   serem   paraibanos,   tomemos   mão   do   exemplar   dedicado   a   João
Martins de Ataíde. A apresentação diz que os estudiosos escolhidos garimparam os
poemas mais representativos do autor de cordel. Mario Souto Maior foi o responsável
pela introdução e seleção das obras. Os folhetos de Ataíde  foram:  Como Lampião
entrou   na   cidade   de   Juazeiro   acompanhado   de   cinqüenta   cangaceiros   e   como
ofereceu seus serviços à legalidade contra os revoltosos, A sorte de uma meretriz, A
chegada de João Pessoa no céu, A moça que foi enterrada viva, As quatro classes
corajosas: vaqueiro, agricultor, soldado e pescador, Discussão de José Duda com João
Athayde, Em homenagem às mulheres e O retirante. 
Desses,  Sebastião Nunes Batista  atribui  a autoria de  O Retirante  a  Leandro
Gomes de Barros:

309 – ENSEOO – O RETIRANTE
Folheto   da   Col.   OL,   publicado   em   16‐maio‐1946,   em
Recife, sem indicação de editor;  consta como  autor  JOÃO
MARTINS DE ATAÍDE, o que é aceito por alguns estudiosos.
Atribuímos a autoria a LEANDRO GOMES DE BARROS (Col.
CPCRB e Col. BN – B869.18 c. 376 9 m). (BATISTA, 1973, 367)

E nós atribuímos a autoria de As quatro classes corajosas: vaqueiro, agricultor,
soldado e pescador a José Camelo de Melo Resende pela constatação logo na primeira
setilha do folheto:

Tenho ouvido alguém dizer
Sem ver que eu estou presente
“José Camelo não presta,
Porque só fica contente
Quando mete a língua dele
Contra esse, ou contra aquele
Inda sendo um seu parente.
(ATHAYDE, 2000, pg. 141)

Concluímos por isso por sabermos que muitos poetas trabalharam para Ataíde
em sua gráfica e um deles foi José Camelo, o mesmo autor de  O pavão misterioso,
segundo   depoimento   da   viúva   de   Ataíde,   quando   perguntada   se   sabia   de   alguns
poetas trabalhando para seu marido:

...   Eu   sei   que   tinha   alguns,   mas   devido   a   eu   ter   esse


problema, estou esquecida... Zé Camelo, esse eu me lembro.
Uma vez ele sentava aqui, aí dava mote pra cá e cada qual.
Eu me lembro um mote que ele fez prá Teless e Zé Pacheco:
“Não   há   remédio   que   cure   os   males   do   coração”...   Aí
ficavam   eles   discutindo   aquele   mote   pra   fazer   um   com
outro. Velho era quem dava aos outros... (ATHAYDE, 2000,
pg. 56)

Outro fato fortalece o nosso ponto de vista quando sabemos da existência de
outro folheto de Camelo com o título As 7 classes ruins. Esses dados exemplificam o
problema da autoria criado por Ataíde, levando‐o a ser vítima da própria atitude. Não
há dúvida sobre a sua maestria como poeta e como editor. Foi ele o responsável pelo
sucesso do cordel em sua época, porém esse mal ficará sobre sua memória. Não se
deve descartar o fato de que seus versos foram cantados por todo o nordeste como
encontramos em Cantadores de Leonardo Mota quando o Cego Sinfrônio lhe canta A
cantiga do valente Vilela:

Julgo fechar com  chave de oiro as referências ao Cego
Sinfrônio, publicando a tradicional “Cantiga do Vilela”, tal e
qual ele me repetiu. Essa conhecida lenda sertaneja inspirou
numerosas   cantigas.   Jacó   Passarinho   e   Serrador,   por
exemplo, cantam variantes. O Cego Aderaldo garante que a
primeira   “Cantiga   do   Vilela”   foi   composta   pelo   cantador
Manuel da Luz, de Bebedouro.  Sinfrônio assegurou‐me que
a sua é que é a verdadeira, “a boa, a legítima de Braga”, e
acrescentou   que   a   havia   aprendido   de   Jaqueira.   (MOTA,
1983, pg. 44)

Não lamentamos dizer, até nos regozijamos em corrigir tanto a informação do
cego Sinfrônio como o repasse de Leota, que a verdadeira autoria é de João Martins de
Ataíde.   Essa   correção   que   fazemos   abre   um   outro   veio   de   discussão.   A   falta   de
averiguação das informações recebidas por alguns pesquisadores.
O mais grave, pensamos, é que a desinformação e, muitas vezes, a preguiça de
pesquisar de certos estudiosos leve, mesmo no séc. XXI, a propagação dos mesmos
enganos, erros e equívocos.  
Caminhando para o final desse capítulo nos foi crescendo a necessidade de
estabelecer um marco para o surgimento da literatura de cordel. O folheto mais antigo
conhecido, com data de 1902 é A força do amor, a história de Alonso e Marina,  de
Leandro   Gomes   de   Barros,   reproduzido   em   fac‐símile   no   Tomo   V   da   Antologia   de
Literatura   Popular   em   Verso,   da   Casa   de   Rui   Barbosa,   na   qual   há   um   estudo
introdutório comparando a primeira e a 16ª edições da obra. O estudo do professor
José Maria Barbosa Gomes, da UFPB, diz a certa altura:

À vista das informações prestadas pelo Centro de Pesquisas
da Casa de Rui Barbosa, houvemos por bem admitir como
sendo   a   primeira   a   edição   A   que   temos   em   mão.   Ainda
assim,   por   falta   de   data   que   acompanhe   o   trabalho
publicado.   Torna‐se‐nos   trabalhoso,   senão   impossível
estabelecer o espaço de tempo entre a primeira e a décima
sexta   edição.   Aceita   a   hipótese   de   que   a   publicação   da
primeira edição teria ocorrido em Recife e se verificado só
depois de o poeta ter ali fixado residência — antes de 1893,
ano do casamento do poeta — é de se admitir que entre
esta edição e a décima sexta haja transcorrido um espaço de
tempo   superior   a   vinte   e   cinco   anos.   E,   possivelmente,
inferior a trinta anos. (BARROS, 1980, pp. XI‐XII)

Quando afirmamos no parágrafo acima  que  a data do folheto é de  1902   o


dissemos   baseados   na   informação   de   Sebastião   Nunes   Batista,   que   depois
confirmamos pessoalmente:

...   Num   exemplar   sem   data,   com   o   local   Recife,   da   Col.


CPCRB, há um aviso na última página: “O autor procederá
judicialmente contra quem reproduzir o presente folheto. A
seguir: o volume completo da Morte de Alonso e Vingança
de Marina”. Anotaram a lápis, no folheto, os nomes de dois
filhos de Leandro: Esaú Elói de Barros Lima e Raquel Aleixo
de Barros Lima, e uma data: 18‐1‐2. (BATISTA, 1973, pg. 376)
 
A   assinatura   à   mão   e   a   anotação   da   data   conferem   essa   data   ao   folheto.
Considerando o espaço de tempo aproximado, dado pelo professor José Maria, entre
25 e 29 anos chegamos ao ano de 1895 ou 1890. Não sabemos de folheto escrito por
Leandro antes disso. Fica esta variação de data como com a data de lançamento da
pedra fundadora da literatura de cordel no Brasil. 
Estabelecida a paternidade do cordel, falemos um pouco sobre Chagas Batista.
Um   de   seus   13   irmãos   foi   Manuel   Sabino   Batista,   um   dos   fundadores   da   Padaria
Espiritual, com o pseudônimo de Sátiro Alegrete, no Ceará, em 1892:

No final do século XIX, nos cafés da Praça do Ferreira e do
Passeio   Público,   palco   da   boêmia   de   Fortaleza,   jovens
intelectuais   da   cidade   reuniam‐se   para   discutir   arte,
literatura, música  e política. Um  desses grupos, composto
por   escritores,   pintores   e   músicos,   cansados   da   pobreza
cultural da sociedade, que na época valorizava apenas o que
vinha   da   Europa   e   desprezava   a   produção   nacional   e
popular,   decidiram   fundar   uma   associação   cultural.   Uma
agremiação através da qual poderiam criticar a hipocrisia da
sociedade   fortalezense   e   ao   mesmo   tempo   exaltar   a
produção artística nacional. (CEARÁ DE LUZ, em 09‐09‐09,
16:19h)

Seu irmão, Pedro Batista, editor em Guarabira‐PB, dá o ano de 1882 como o
ano de nascimento e 1929 como o ano da morte, mas o filho Sebastião Nunes Batista
dá outra data: 1885 para o nascimento e 1930 para a morte. Não importando as datas
corretas,   queremos   dizer   que   é   o   único   de   quem   sabemos   exatamente   quando
publicou o primeiro folheto: em 1909, em Campina Grande, Paraíba. Sabemos, ainda,
da publicação pela editora de sua propriedade, a Livraria Popular Editora, da antologia
Cantadores e poetas populares,  em 1929.   Sendo um homem dos livros, mostrando
familiaridade   com   o   que   se   vinha   publicando   em   termos   de   estudos   do   folclore
brasileiro na época, Chagas afirma no Prefácio de seu livro:

Notando que ilustres escritores Drs. Gustavo Barroso,
Leonardo Mota e Rodrigues de Carvalho deixaram de incluir
nos seus livros: “Ao som da viola”, “Cantadores”, “Violeiros
do Norte” e Cancioneiro do Norte”, a maior e melhor parte
dos   poetas   populares   do   Nordeste,   vivos   e   já   falecidos,
venho   reuni‐los   nesta   Antologia   Regional,   no   intuito   de
prestar   uma   justa   homenagem   a   poetas   obscuros   e
desconhecidos   dos   nossos   estudiosos   historiadores
nordestinos.
Tendo   conhecido   e   convivido   com   quase   todos   os
cantadores   dos   Sertões   e   Brejos   da   Paraíba,   colhi   nas
próprias   fontes   a   maior   cópia   das   poesias   que   compõem
este volume. (BATISTA, 1929, pg. 1)

Tanto a Padaria Espiritual quanto o livro de Chagas Batista e os posteriores
estudos de Sebastião Nunes Batista prestam um serviço incomensurável à literatura
brasileira   e   necessitam   de   urgente   inserção   nos   cursos   de   letras   de   nossas
universidades. Quanto à literatura de cordel, graças ao trabalho do poeta e editor
Marco   Haurélio,   em   São   Paulo,   entra   de   vez  no   mundo  acadêmico   pela   magnífica
coleção Clássicos em Cordel, sobre a qual nos debruçaremos no próximo capítulo.
Este   capítulo   objetivou   estabelecer   a   gênese   da   literatura   de   cordel   no
Nordeste, local, data e autores fundadores, aos quais chamamos de Geração Princesa.
Partindo,   pois,   desse   levantamento   histórico   passamos,   no   próximo   capítulo,   a
observar com lentes da Poética alguns aspectos literários da literatura de cordel.
Por uma classificação literária para o cordel 

A nossa dissertação de mestrado propôs‐se a estudar a literatura de cordel em
sua face épica. Das pesquisas realizadas à época concluíamos que toda a produção
referente ao denominado  ciclo dos cangaceiros,  com a figura de Lampião à frente,
oferecia   elementos   capazes   de   respaldar   nossas   opiniões   sobre   o   gênero.
Guardávamos para o doutorado um aprofundamento do tema, cobrados que fomos
pela   banca   examinadora.   Essa   ação   requeria   uma   observação   mais   vasta   no   todo
cordelístico brasileiro, alargando o corpus de estudo, bem como o material teórico. E
foi o que procuramos fazer. 
Na construção da pesquisa acabamos por encontrar outros elementos, outros
sintomas que fugiam ao tema eleito e nos pediam urgente tomada de decisão. Foi o
encontro da peleja Manoel de Abernal e Manoel Cabeceira o responsável por alguns
questionamentos teóricos destoantes do modelo que havíamos edificado. Chegáramos
à conclusão de que a literatura de cordel possuía um caráter exclusivamente narrativo,
mas vejamos o início da peleja:

Cabeceira — Sr. Manoel Abernal
Sou Manoel Cabeceira
O cantador mais tímido
Que teve nesta ribeira
Pode ficar descansado
Que ou morre ou sai na carreira
Abernal — De onde vossa mercê veio
Tem outro desta maneira?
Não tem medo de dizer
Que me bota na carreira
Estará bêbedo ou ficou doudo?
Para dizer esta asneira?
(BARROS, 1980, pg. 52)

Deparando‐nos com esse modelo pudemos repassar as características da obra
épica e, fazendo o confronto, a comparação, começávamos a ver outro caminho para
nosso estudo.  Não que o cordel perdera  seu elemento épico, se  não que ganhara
outros elementos. A peleja em questão, apesar de se desenrolar de maneira igual às
outras às quais tive acesso, faltava‐lhe um mestre de cerimônias para apresentá‐la. O
mestre de cerimônias, no caso a pessoa que, supostamente, viu e descreveu a peleja,
sempre aparece nas duas ou três sextilhas precedentes ao embate. É seguindo essa
tradição que o poeta Varneci Nascimento escreve sua Peleja de Aloncio com Dezinho,
aliás, uma das mais belas e bem construídas sextilhas introdutórias que já pudemos ler
em cordel:

Pedir o saber a Deus
É praxe dos cordelistas
E o mesmo eu faço agora
Pedindo a Jesus as pistas
Para narrar a contenda
Entre dois bons repentistas

O improviso é complexo
Pois não tem um só caminho
Por isso Deus nessa estrada,
Peço‐lhe um empurrãozinho
Pra descrever a peleja
De Aloncio com Dezinho

Já somos acostumados
Ver repentistas cantando
E acompanhando os versos
Duas violas tocando,
Entretanto essa disputa,
Aconteceu trabalhando.
(NASCIMENTO, 2008, pg. 3) 

Nessas três sextilhas iniciais o poeta, pela voz do mestre de cerimônias, segue à
risca as orientações do cordel clássico. Procede a invocação pedindo a Jesus que lhe dê
as “pistas” para escrever um bom poema, na primeira estrofe. Na segunda, pede a
Deus sabedoria para ser capaz de passar para a escrita o fenômeno do improviso, que
é estritamente oral e, na terceira, adverte que não é uma peleja normal entre dois
repentistas ao som das violas. Dessa maneira envolve o leitor e o seduz para que ele se
assenhore do motivo dessa peleja extraordinária passada durante o trabalho. 
Precisamos observar um detalhe: na primeira estrofe, o mestre de cerimônias
pede luz para “narrar” e na segunda pede para “descrever”. Considerando que a peleja
é o diálogo entre dois personagens, sem a intervenção de um narrador, concordamos
que a confusão entre narrar e descrever, aqui, não se prenda ao acaso, senão a uma
confusão   intelectual   sobre   a   obra   de   cordel,   nesse   caso,   a   peleja,   difícil   de   se
conceituar,   tanto   para   o   leitor,   como   para   o   autor,   transparecida   na   voz   de   um
personagem. Pela presença desse personagem que quer contar como se deu a peleja e
descrever   a   própria   peleja   na   voz   dos   pelejantes,   acontecida   no   tempo   passado,
estando   o   contador   no   presente,   podemos   afirmar   que   essa   peleja   contém   traços
narrativos. Como nós sabemos que o texto puro não existe e que uma característica é
que predomina sobre outra, também podemos afirmar que há uma descrição. Olhando
um pouco mais, podemos, ainda, identificar traços marcantes do gênero dramático
quando os personagens assumem, eles mesmos, a direção do poema confeccionando a
interlocução, com o narrador retirando‐se de cena. Logo, os três gêneros clássicos se
fazem presentes neste texto. Essas questões virão à tona mais tarde. Por enquanto
sigamos olhando o texto.
Nas dezesseis sextilhas seguintes o leitor é ambientado sobre o local onde se
deu o combate poético, no interior da Bahia, na cidade de Banzaê, durante o eito, o
trabalho na roça, na capinagem, cantando “batalhões”, os versos improvisados. Ainda
descreve os dois debatedores e apresenta seu Néu que determina o tema da peleja:

Na cabeceira da roça
Fim do eito derradeiro
Zé de Néu disse: — Em sextilha
Quero que cantem ligeiro
Seu Dezinho vai ser o boi,
Compadre Aloncio, o vaqueiro!
(NASCIMENTO, 2008, pg. 6)

Desse ponto, na vigésima sextilha, os improvisadores assumem a direção do
folheto:

ALONCIO — Sou um vaqueiro afamado,
Pego qualquer boi sozinho,
Inda mais sendo pequeno,
E mole feito Dezinho.
De outros correu bastante,
Mas eu lhe pego, Tourinho!

DEZINHO — Entro por mata e caminho
E você não me acompanha,
Pois, correndo atrás de mim,
O seu cavalo se acanha.
Vem metido a estrategista,
Mas volta sem artimanha.
(NASCIMENTO, 2008, pg. 06)
A peleja segue seu ritmo natural, com um dos cantadores sendo o vaqueiro,
que quer pegar o boi, e o outro (o boi) se desvencilhando das armadilhas do primeiro.
Perceba‐se   o   respeito   à   oralidade   na   observação   pontual   da   deixa,   a   qual   já   nos
referimos no capítulo anterior, o primeiro verso da sextilha começando com a mesma
terminação do último verso da  sextilha  precedente,  o que não é  levado em conta
durante a fala do mestre de cerimônias, tanto que quando ele retorna, na sextilha
quarenta e oito, não se prende à deixa, para ficar bem marcado o tempo, pois a peleja
se deu no passado e o mestre de cerimônias está no presente. Assim:

Alguém viu que a disputa
Não iria se encerrar
(Um prendia, outro soltava)
E deram pra os dois cantar
Um mote de sete sílabas
Pra ver no que ia dar.
(NASCIMENTO, 2008, pg. 12)

A introdução do mote de sete sílabas, para ser desenvolvido em décimas é
outra particularidade da peleja oral, seguida a risca pelo folheto. O mote dado é Senão
aprende a lição/ Trate então de se calar, e os contendores cairão na disputa:

D — Aloncio, tome cuidado,
Que eu sou um cantador,
Devo ser seu professor;
Você por mim educado,
Porque estás atrasado, 
Não pode me acompanhar...
Então, jamais vai chegar
À minha evolução.
Senão aprende a lição,
Trate então de se calar!
A — Sempre fala a todo mundo,
Dezinho, a mesma besteira,
Embora que na carreira
Não corre nenhum segundo.
Eu sou cantador profundo,
Nasci para improvisar,
Quando chego pra cantar,
Faço um revolução,
Senão aprende a lição
Trate então de se calar!
(NASCIMENTO, 2008, pg. 13)

Quando do desenvolvimento de motes, sejam de sete ou de dez sílabas, os
cantadores ficam desobrigados de perceberem a deixa, para não amarrar o verso a
rimas que se esgotariam, prejudicando as estratégias poéticas. O folheto de Varneci
Nascimento respeita mais essa característica. As falas de cada um dos participantes
agora são determinadas apenas pela primeira letra de seus nomes, D para Dezinho e A
para Aloncio e o mote tem que ser desenvolvido em décimas. Ao final, o mestre de
cerimônias retorna para revelar quem foi o poeta vitorioso. Vejamos quem vence a
peleja:

Perceberam que a disputa
Nunca mais ia acabar:
Nem Aloncio nem Dezinho
Queriam se entregar.
Pararam a li e deixaram
Pra outra vez e lugar.
(NASCIMENTO, 2008, pg. 16) 

O mestre de cerimônias voltará sempre para finalizar o folheto, revelando o
veredicto. Nesse folheto não houve vencedores. Utilizamos a peleja de Varneci para
exemplificar   como   funciona   o   folheto   de   peleja   clássica.   Essa   peleja   é   um   folheto
recente, que conservou a mesma essência dos folhetos pioneiros. A peleja de Abernal
e   Cabeceira,   com   a   qual   iniciamos   esse   capítulo   é   uma   das   primeiras   escritas   por
Leandro Gomes de Barros e nega esses apontamentos feitos sobre o texto de Varneci
Nascimento. 
Na   peleja   de   Leandro   não   há   mestre   de   cerimônias,   nem   qualquer   outro
personagem entre os dois debatedores. Eles se apresentam um ao outro, conduzem
suas falas, criam seus estratagemas poéticos e terminam a peleja com um dos dois se
dando por vencido. A peleja é toda em sextilhas e Cabeceira reconhece‐se perdedor:

Cabeceira — Abernal, estou cançado
Não posso mais debater
Então dizia Abernal
É o que deve fazer
Bateu aqui está no risco
De desertar ou morrer.
(BARROS, 1907, pg. 15)

Este é um caso em que não há narratividade, nem ambientação, nem tempo.
Só os personagens debatendo, senhores de sua voz. Antes de iniciarmos propriamente
as abordagens teórico‐literárias ao cordel, faz‐se mister algumas explicações para essa
tomada de atitude.
Falávamos no primeiro capítulo, de maneira rápida, que à literatura de cordel
faltavam estudos estritamente literários. Os pesquisadores viram o cordel não como
produto literário, mas como produto cultural e folclórico. Citemos os estudiosos e seus
textos:

Os   folhetos   de   Chagas   Batista   prestam‐se   a   pesquisas   e


estudos de vária natureza, quer filológicos, quer históricos,
quer sociológicos. É com esta intenção que os entregamos
ao   público,   certos   de   que,   assim   procedendo,   estamos
dando   cumprimento   a   um   dos   objetivos   desta   Casa
“instituição   cultural,   destinada   à   pesquisa   e   à   divulgação
científica e literária”, segundo rezam seus atos constitutivos.
(BATISTA, 1977, pg. X) 

Essas são palavras de Homero Sena na apresentação do Tomo IV da Antologia
de Literatura Popular em Verso, da Casa de Rui Barbosa. O fenômeno da literatura de
cordel, por vários motivos, raramente foi visto e estudado como fenômeno literário,
mesmo sendo chamada de literatura de cordel. Talvez por isso não figure nos nossos
manuais de história da literatura brasileira, como assinalávamos em nossa dissertação:

Tratávamos   em   parágrafo   anterior   da   presença   da


Literatura de Cordel nos estudos sobre literatura brasileira.
Aliás, tratávamos da não presença. Vejamos. Nenhum dos
nossos   reconhecidos   estudiosos   a   inserem   em   suas   obras
principais. Sabendo‐se que Leandro Gomes de Barros foi o
primeiro   a   publicar   seus   folhetos   e   editá‐los
sistematicamente, não lhe é devida nenhuma citação nem
em Formação da Literatura Brasileira: momentos decisivos,
de Antonio Candido, nem em A Literatura Brasileira, de José
Aderaldo   Castelo,   ou   na  História   Concisa  da   Literatura
Brasileira,   de   Alfredo   Bosi.   Dá‐se   o   mesmo   em   Ronald
Carvalho,   Nelson   Werneck   Sodré   e   José   Veríssimo.   Sílvio
Romero, embora não o cite, nem poderia, visto não terem
sido   contemporâneos,   em   sua  História   da   Literatura
Brasileira trata das tradições populares, referindo‐se ao seu
volume dedicado a estudos sobre poesia popular no Brasil.
(LUCIANO, 2003, pg. 42)

Continuamos com a mesma convicção. Ainda não foi possível se escrever uma
história da literatura brasileira na qual a literatura de cordel e seus autores se façam
presentes,   reconhecidos,   esses,   como   poetas,   e,   aquela,   como   poesia   brasileira.
Acreditamos que esse fato tenha se consolidado por causa do aspecto folclórico a que
o cordel foi vinculado desde os seus primeiros estudos. Estudos sobre poesia popular
são produzidos no Brasil desde 1873:

Compete lembrar, ainda que para referências sumárias: o
precursor Celso de Magalhães, cuja obra pioneira data de
1873,   quando   publicou   em  O   Trabalho,   quinzenário   do
Recife, dez artigos sobre A Poesia Popular Brasileira, tendo
como área o Maranhão,  Bahia, Pernambuco...  Assinale‐se,
por fim, a posição pioneira de  A poesia Popular Brasileira,
no sentido de que, ao tempo de sua publicação, na área da
língua   portuguesa   havia   apenas   as   coletâneas:  O
Romanceiro  (Garret)   e  Romanceiro   Geral  (Teófilo   Braga).
(PEREGRINO, 1984, pp. 22‐23)

Um pouco mais adiante Peregrino lista os pioneiros nesse tipo de estudo:

Outros desbravadores que cumpre lembrar no campo da
poesia   popular   no   Brasil:   Sílvio   Romero   (de   1879   são   os
Estudos   sobre   a   Poesia   do   Brasil);   José   Rodrigues   de
Carvalho (Cancioneiro do Norte  — 1903 — teve 2ª edição
em 1928 e a 3ª, 1967, esta comemorativa do centenário do
autor,   promovida   pelo   Instituto   Nacional   do   Livro,   inclui
prefácio   de   Manuel   Diégues   Júnior);   Pereira   da   Costa   (O
Folclore Pernambucano  — 1966); Gustavo Barroso (1911 e
1912 quando  publicou  no  Jornal   do  Comércio artigos que
serviram de base ao volume  Ao som da viola, editado em
1921); Leonardo Mota, Cantadores — 1920; Luís da Câmara
Cascudo (a partir de 1937). (PEREGRINO, 1984, pg. 23)

Isso sobre poesia popular, nada especificamente sobre literatura de cordel. As
anotações de Celso de Magalhães não poderiam versar sobre cordel, pois ainda não se
havia publicado folhetos de cordel na época, tampouco as de Sílvio Romero. A maioria
dessas poesias estudadas, porém, estavam grafadas sob a rubrica de literatura oral ou
literatura anônima. Isso contribuiu para que fossem catalogadas como sendo folclore.
Luís   da   Câmara   Cascudo   prefaciando   a   série  Cantos   Populares   do   Brasil,   de   Sílvio
Romero, na edição de 1954, com dois volumes, diz:

CANTOS   POPULARES   DO   BRASIL   (Lisboa,   1883)   e   CONTOS


POPULARES DO BRASIL (Lisboa, 1885) constituem o primeiro
documentário da literatura oral brasileira. (ROMERO, 1954,
pg. 15)

Encampado   pelos   estudos   folclóricos,   o   cordel   se   viu   dissecar   por   uma


classificação   norteada   por   ciclos   temáticos,   quando   teve   que   se   enquadrar   nas
mesmas divisões temáticas dos contos populares orais. E o primeiro a propor essa
classificação foi Gustavo Barroso em Ao som da viola, quando, já a partir do título, a
poesia escrita não será abordada. Diz Barroso, para justificar seus ciclos:

Sílvio Romero, procurando uma base classificatória para
nosso folclore, fê‐lo derivar das três raças básicas de nossa
formação, anotando  as variações e mutações introduzidas
pelos mestiços. Mas considerando as relações de parentesco
que   ligam   os   folclores   de   todas   as   raças,   na   maioria
originários   de   um   fundo   de   tradições   comum   a   toda   a
humanidade,  e  considerando  ainda  as dificuldades  que   se
antolham   a   qualquer   estudioso   probo   e   sincero   no
escalpelar essas origens africanas, indígenas e portuguesas,
hoje inteiramente baralhadas e confundidas. Mais prudente
e sábio será dividir o folclore sertanejo em ciclos temáticos,
que   lhe   possam   dar   maior   facilidade   de   classificação   e
organização. (BARROSO, 1921, pg. 11)

Atente‐se   para   os   adjetivos  probo  e  sincero  dados   aos   estudiosos   que


encontrarão   dificuldades   na   classificação.   Lembremos   que   na   época   de   Barroso   o
folclore possuía algumas diretrizes para identificar seu objeto. No caso da literatura
essas características se norteariam pelo anonimato e pela transmissão oral. Então o
que fazer com a literatura de cordel, já consolidada em 1921, data da publicação do
livro de Barroso? O que fez o estudioso não pode se qualificar de probo nem de sério,
pois diante dessa dificuldade, tomou outro caminho, como veremos. 
A   classificação   temática   de   Gustavo   Barroso   continha:   a)   o   ciclo   dos
bandeirantes;   b)   o   ciclo   do   Natal;   c)   o   ciclo   dos   vaqueiros;   d)   o   ciclo   heróico   dos
cangaceiros e e) o ciclo dos caboclos. Nós vamos nos deter no ciclo dos vaqueiros
porque   já   o   citamos   no   capítulo   anterior   e   porque   servirá   para   a   discussão   da
probidade e seriedade do estudioso.
Considerando   a   tradição   oral   do   folclore,   ao   tratar   do   ciclo   dos   vaqueiros,
Barroso   introduz   o  Boi   Misterioso  de   Leandro   Gomes   de   Barros   como   sendo   da
tradição oral não se sabe com qual intuito. Para esse caso Bráulio do Nascimento, no
ensaio O ciclo do boi na poesia popular, é contundente com Barroso:

É   difícil   compreender   o   equívoco   de   Gustavo   Barroso   ao


arrolar entre os romances coletados no Ceará, e divulgados
em  Ao   som   da   viola,   um   fragmento   de   O   boi   misterioso,
considerando de tradição oral como o Rabicho da Geralda, o
Boi   Espácio,   ou   o   Boi   Moleque.   A   oralidade   de   um   texto
apresenta uma série de traços distintivos que o identificam
ao   pesquisador.   No   caso   de   O   Boi   misterioso,   podem‐se
aventar duas hipóteses: a) Gustavo Barroso ouviu o romance
de alguém e o copiou; b) a cópia foi feita diretamente do
folheto   de   Leandro   Gomes   de   Barros,   edição   de   1912.
(NASCIMENTO, 1973, pg. 193)

Por   uma   série   de   razões,   como   cotejo   dos   dois   textos,   a   grande   fama   de
Leandro na época, a falta de outras versões, etc., Bráulio do Nascimento é definitivo:

c) não pertence à tradição oral o fragmento O boi misterioso
publicado por Gustavo Barroso em Ao som da viola... Sua
aceitação   pelos   folcloristas   ou   estudiosos   do   assunto
decorre exclusivamente de não haverem jamais cotejado os
textos...
d) o fragmento de Gustavo Barroso inscreve‐se, portanto, na
tradição escrita de O boi misterioso, de Leandro Gomes de
Barros,   publicado   em   capítulos   por   volta   de   1912.
(NASCIMENTO, 1973, pp. 196‐197)

Essa falta de cotejo de textos trazida às discussões por Bráulio do Nascimento é
dos motivos pelos quais o cordel aos poucos foi sendo afastado da literariedade. A
atitude de Barroso de tentar a todo custo, sem seriedade ou probidade, o cordel na
tradição oral, O boi misterioso é apenas um ícone, forjou aquela tese que combatemos
no primeiro capítulo na qual se diz ser o cordel apenas o prolongamento natural da
tradição oral dos cantadores e repentistas nordestinos, como o quer Peregrino:

De   fato,   manifestações   específicas   das   estruturas   sociais,


refletidas no tipo de vida, constituem a matéria‐prima de
que é tecida a poesia do poeta repentista e daquele que o
continuou   e   fixou   através   de   mensagem   impressa.
(PEREGRINO, 1984, pg. 37)

Depois da classificação de Barroso seguiram‐se novas classificações por meio de
ciclos temáticos, o que consideramos um absurdo classificatório, visto que o cordel
não é anônimo e, nessas classificações, os temas são elevados e os autores relegados,
sendo a restituição de autoria na literatura de cordel uma das grandes batalhas dos
estudiosos conhecidamente sérios. Todas essas classificações tomaram por base os
estudos de Vladimir Propp sobre a morfologia do conto maravilhoso russo, de 1928 e
da conseqüente classificação de contos populares oferecida por Câmara Cascudo em
1954.  O próprio Cascudo em  Vaqueiros e cantadores apresentava uma classificação
da   poesia   popular   onde   distinguia:   a)   poesia   mnemônica   e   tradicional,   nas   quais
arrolava os romances, os A.B.C., as orações; b) ciclo do gado, com as vaquejadas e as
gestas dos animais (o boi, os vaqueiros, os cavalos, etc.); c) os cantadores; d) ciclo
social,   com   Padre   Cícero,   os   cangaceiros,   os   negros;   e)   a   cantoria   com   suas
modalidades; f) o desafio (CASCUDO, 1984). A apreciação de Cascudo abrangia toda a
poesia popular, colocando nesse guarda‐chuva a poesia de cordel.
Em  Ciclos temáticos na literatura de cordel, Manuel Diégues Júnior apresenta
uma   classificação   exaustiva   e   bem   documentada   contemplando   tudo   que   já   se
produziu na literatura de cordel: a) Os temas tradicionais: romances e novelas, contos
maravilhosos,   estórias   de   animais,   anti‐heróis,   tradição   religiosa;   b)   Fatos
circunstanciais ou acontecidos: manifestações de natureza física, Fatos de repercussão
social,   cidade   e   vida   urbana,   crítica   e   sátira,   o   elemento   humano;   c)   Cantorias   e
pelejas.
Apesar de distribuir em três categorias, Diégues Júnior subdivide‐as em diversas
outras, criando um espelho da produção cordelística sem comparação, minucioso, com
rigor. Trabalho realmente valoroso, todavia dá mais valor aos temas que aos autores,
repetindo as classificações tradicionais.
Deixo a classificação de Ariano Suassuna em suas próprias palavras:

O que ainda hoje considero válido, nessa introdução, é a
tentativa de distribuir e classificar os folhetos e romances
nordestinos   em   seis   ciclos   principais   —   o   ciclo   heróico,
trágico e épico; o ciclo do maravilhoso; o ciclo religioso e de
moralidades;   o   ciclo   cômico,   satírico   e   picaresco;   o   ciclo
histórico   e   circunstancial;   e   o   ciclo   de   amor   e   fidelidade.
(SUASSUNA, 1973, pg. 156)

É o resultado, primeiro de se eleger um cancioneiro nordestino e, segundo, de
estabelecer o folclore como o lugar da literatura de cordel. A resultante daí e o não
aproveitamento   do  cordel   como  matéria literária. Assim,  o autor  pioneiro Leandro
Gomes de Barros, que escreveu sobre tudo, terá de contentar‐se com o título de autor
folclórico e não como poeta resistente, fundador da poesia no Nordeste, sem chance
de figurar nos nossos manuais de literatura nacional, tampouco em suas antologias. 
Essa classificação em ciclos é tão arbitrária quanto as instituições que tentam
eternizá‐la. Outra classificação, esta querendo fugir do ranço acadêmico é a de Liêdo
Maranhão,   cultuada   por   muitos   estudiosos   e   poetas,   a  Classificação   popular   da
literatura de cordel.  Dividindo inicialmente, o cordel, em folhetos e romances, Liêdo
Maranhão explica:

A  Classificação   popular  divide,   inicialmente,   tais


publicações   em  folhetos  e  romances,  de   acordo   com   o
número de páginas que possuam, reservando, reservando a
denominação   de   folheto   para   os   trabalhos   de   8   e   de   16
páginas,  sendo  os de  24,   32,  48  e  64 páginas  conhecidos
como   romances.   Destes,   os   dois   últimos   não   são   mais
publicados por causa do alto custo da impressão tipográfica
encontrando‐se   hoje   originais   engavetados   como   relíquias
dos bons tempos. (SOUZA, 1976, pg. 13)

Volta‐se aqui à velha classificação pelo meio de reprodução e divulgação, pela
forma   física.   Realmente   muitas   das   vezes   ouvimos   essa   divisão   na   observação   do
número de páginas dos folhetos, mas se formos levar a cabo essa divisão ficaremos
sem saber onde colocar os “princesos” Leandro Gomes de Barros e Chagas Batista que
publicaram suas histórias em capítulos, como um folhetim, em que a continuação da
história   vinha   em   dois  ou   três   folhetos   posteriores,   aliás,   a   saída   encontrada   para
driblar os custos tipográficos. 
A falta de estudos sobre o panorama da literatura de cordel leva a repetição
dessas divisões como verdadeira até hoje. Por exemplo,  temos em  nossas   mãos   o
folheto  Presepadas   de   Chicó   e   astúcias   de   João   Grilo,   retomando   os   dois   heróis
clássicos dos primórdios do cordel com 32 páginas. Na divisão de Liêdo Maranhão seria
um romance, entretanto como o tema também conta, pois o romance está ligado ao
tema   do   amor   e   da   bravura,   as  Presepadas  está   ligado   ao   tema   da   astúcia   e   do
picaresco, ficando no vácuo das classificações por ciclos.
Voltando à Classificação popular, Maranhão lista 23 qualidades de folhetos e 4
de romances. Sendo elas: a) folhetos: de conselhos, de eras, de santidade, de corrução,
de   cachorrada   ou   descaração,   profecias,   gracejos,   acontecidos,   carestia,   exemplos,
fenômenos, discussão, pelejas, bravuras e valentias, ABC, Padre Cícero, Frei Damião,
Lampião,   Antonio   Silvino,   Getúlio,   política,   safadeza   ou   putaria,   propaganda;   e   b)
romances: de amor, sofrimento, luta, príncipes, fadas e reinos encantados.
Atente‐se para o fato de que algumas denominações podem ser agrupadas em
uma só, por exemplo: cachorrada e descaração está muito perto de putaria e safadeza
e   etc.   O   que   pretendemos   salientar   é   que   não   existe   pureza   de   gênero,   mas
predominância de um sobre outros, talvez por isso a classificação de M. Cavalcanti
Proença seja aquela a que mais nos afeiçoamos. Sua divisão está assim elaborada: a)
poesia   narrativa:   contos   e   gestas;   b)   poesia   didática:   doutrinária,   satírica,   por
competição; c) poemas de forma convencional (PROENÇA, 1977, pp. 45‐46)
Para   nós   é   a   primeira   classificação   que   leva   em   consideração   aspectos
literários, assumindo o cordel como poesia e em três categorias resolvendo a questão
dos   ciclos,   mas   em   outra   classificação   do   mesmo   autor,   no   caso   para   orientar
colecionadores, são apresentadas dez modalidades: a) herói humano; b) herói animal;
c) herói sobrenatural; d) herói metamorfoseado; e) natureza; f) religião; g) ética; h)
pelejas;   i)   ciclos   (Carlos   Magno,   Antonio   Silvino;   Padre   Cícero,   etc.);   j)   miscelânea:
lírica, guerra, crônica. (PROENÇA, 1977, pg. 46)
As classificações vão e voltam, se aproximam do literário, mas retornam aos
velhos   ciclos.   Queremos   agora   que   essa   aproximação   com   o   literário   se   realize.   A
literatura  de cordel não é  mais artesanato,  não se move  pelos temas folclóricos e
carece de estudos que atualizem as mudanças no século XXI.
Feitas as observações, retornemos ao caso da peleja entre Abernal e Cabeceira
no início de nosso capítulo. Dizíamos notar a ausência de um mestre de cerimônias,
com os contendores tomando a palavra, eles mesmos se apresentando e conduzindo o
desenrolar dos fatos. Essa peleja chamou‐nos a atenção para sua semelhança com o
que acontece no teatro, no gênero dramático. Todas as definições do gênero, mesmo
quando o consideram um gênero distinto da literatura, tratam dessa característica, no
qual os personagens se apresentam a si mesmos e detem o fio condutor da história, no
qual o diálogo é a chave para desvencilhar‐se de um narrador, como diz a professora
Angélica Soares:

O diálogo (veja o exemplo) é a forma própria para que as
personagens   ajam   sem   qualquer   mediação,   dando‐nos
sempre a impressão, até mesmo nos dramas históricos, de
que tudo está acontecendo pela primeira vez. 
Segundo  Emil  Staiger,   o   dramático   reúne   o  pathos  e   o
problema.   Conceitua   o   pathos   como   o   tom   da   linguagem
que comove, que provoca paixão, envolvendo o espectador
que passa a vivenciar, com o ator, a dor ou o prazer. Já o
problema seria a proposição, aquilo que o Autor do texto
dramático se propõe a resolver. Assim, unem‐se o querer do
patético   e   o   questionar   do   problemático,   conduzindo
sempre a ação para adiante, para o futuro, que equivale ao
desfecho. (SOARES, 1989, pg. 59)

Adiantamos a nossa predisposição de pensar uma classificação para o cordel
guiado   pela   literariedade   dos   textos,   tentando   agrupá‐los   nos   gêneros   literários
clássicos. Para isso propomos primeiro uma redução do nome literatura de cordel para
cordel  simplesmente, por  compreendermos que  o termo  literatura  antes de  cordel
tornou‐se redundante e sem sentido. A simples menção a cordel já pressupõe ao que
se refere nos estudos literários. Colocamos, assim, o cordel sob o gênero poético, a
poesia. Temos, então, a progressão literatura: poesia: cordel. Chegados aí propomos a
subdivisão   de   cordel   em:  dramático,  narrativo,  reflexivo.   No   cordel   dramático
englobamos as pelejas, as discussões, os encontros e os debates. Assim o fazemos por
encontrar  mais  semelhanças  com  o que  nos apresenta  a teoria já  antecipada  pela
citação da professora Angélica Soares. 
De certa forma o  cordel dramático  detém todas as características do gênero
dramático. Os elementos básicos constitutivos do drama podem ser apontados como
sendo: a) a enunciação, quando a ação se faz não contando, mas agindo e falando; b) a
relação temporal, quando a atualização se faz enquanto o texto é representado; c) a
linguagem, o próprio texto e suas implicações de marca e d) a personagem. 
Escrevemos mais acima que algumas pelejas, debates, discussões e encontros
trazem   um   mestre   de   cerimônias   além   dos   dois   personagens   antagônicos.   É   fácil
identificá‐lo, o mestre de cerimônias, pela ausência de marcação de suas falas e pela
simples razão de ser ele apenas os ambientadores da peleja. Assim como na Peleja de
Pinto com Milanês, de autoria de Severino Milanês da Silva:

Milanês estava cantando
Em Vitória de Santo Antão
Chegou Severino Pinto
Nessa mesma ocasião
Em casa de um marchante
Travaram um discussão.
(SILVA, 1982, pg. 646)

Aqui há apenas um personagem, que não é narrador, mas alguém que resolveu
descrever a peleja, o introdutor do embate dos dois personagens e que só retorna no
final do folheto para as despedidas formais:

Caros apreciadores
Qualquer que analisou
Nem pinto saiu vaiado
Nem Milanês apanhou
Vamos esperar por outra
Que essa aqui terminou.
(SILVA, 1983, 661)

De outras vezes o ambientador se prolonga um pouco mais como aqui  Dois
glosadores Azulão e Borborema:

Borborema há sete meses
Que percorria o sertão,
Somente para glosar
Com Benedito Azulão,
Para ouvir o seu talento
Encontrou ele em S. Bento,
Numa noite de São João.

Azulão estava dançando
No convívio da alegria,
Quando terminava a parte
Ele glosava e bebia
Recitava seu poema
Falava no Borborema,
Mas ele não conhecia.

Borborema aproximou‐se
Daquele grande festim
Falou com o dono da casa
O fazendeiro deu‐lhe o sim,
Ele entrou para o salão
Cumprimentou Azulão,
Por esta maneira assim:
(LIMA, 1964, pg. 272)

Depois de ambientar e descrever a salva de glosas dos dois poetas, retorna no
final para fechar anunciando o vencedor:

Azulão quando ouviu
Este verso da escritura
Mergulhou no meio do povo
Correu perdeu a bravura
Fez como José pretinho
Que quase perde o caminho
Nas trevas da noite escura.
(LIMA, 1964, pg. 276)

Onde residiriam, então, o pathos e o problema, requeridos por Staiger, citados
pela   professora   Angélica   Soares?   A   construção   do  pathos  se   dá   na   voz   de   cada
personagem no desvencilhar‐se das armadilhas poéticas plantadas pelo opositor e na
aceitação   do   que   diz   o   apresentador   da   peleja,   como   no   caso   da  Peleja   do   Cego
Aderaldo com Zé Pretinho do Tucum, de Firmino Teixeira do Amaral, citada no folheto
anterior, quando a fala de cada um dos personagens vai criando simpatia para os seus
torcedores:

P – Sai daí, cego amarelo
Cor de couro de toucinho
Um cego da tua forma
Chama‐se abusa vizinho
Aonde eu botar os pés
Cego não bota o focinho.

C – Já vi que o seu Pretinho
É um homem sem ação
Como se maltrata outro
Sem haver alteração?
Eu pensava que o senhor
Possuísse educação.
(AMARAL, 1983, pp. 136‐137)

Um, pela agressão verbal, e o outro, no questionamento dessa atitude, vão
construindo a peleja, ambos tentando sair do emaranhado lingüístico do oponente até
a hora do trava‐língua, que é o auge da tensão e da resolução do problema proposto
pelo Autor, no caso desta peleja, mostrar a soberania do Cego Aderaldo diante do
maior cantador do Piauí, grande nos estratagemas, mas fraco na pronúncia rápida das
palavras, o que o leva à derrota:

C – Amigo José Pretinho
Eu não sei o que será
De você no fim da luta
Porque vencido já está;
Quem a paca cara compra
paca cara pagará

P – Cego, estou apertado
Que só um pinto no ovo
Estás cantando aprumado
E satisfazendo o povo
Este seu tema da paca
Por favor, diga de novo

C‐ Digo uma e digo dez
No cantar não tenho pompa
Presentemente não acho
Quem o meu mapa rompa
Paca cara pagará
Quem a paca cara compra

P – Cego teu peito é de aço
Foi bom ferreiro que fez
Pensei que o cego não tinha
No verso tal rapidez
Cego, se não for massada
Repita a paca outra vez

C – Arre com tanta pergunta
Deste negro capivara
Não há quem cuspa pra cima
Que não lhe caia na cara
Quem a paca cara compra
Pagará a paca cara

P – Agora, cego me ouça
Cantarei a paca já
Tema assim é um borrego
No bico dum “carcará”
Quem a cara cara compra
Caca caca cacará.
(AMARAL, 1983, pg.143‐144)

Fazendo‐o tropeçar no trava língua, o mestre de cerimônias dá por encerrada a
disputa   dizendo   o   que   aconteceu   no   salão   depois   do   verso   desastroso   do   seu   Zé
Pretinho:

Houve um trovão de risadas
Pelo verso do Pretinho
O capitão Duda disse:
Arreda pra lá, negrinho
Vai descansar teu juízo
Que o cego canta sozinho.
(AMARAL, 1983, pg.144)

No encontro de  Barra Mansa e Torce Bola também não aparece o mestre de
cerimônias  nem   o apresentador  da  peleja.  O  problema  levantado pelo  Autor,  José
Pacheco, é a defesa de um, Bebo até lascar o cano, e o ataque do outro, Já bebi não
bebo   mais.   Partindo   desses   dois   motes   os   personagens   constroem   o   seu   universo
retórico para seduzir ou afastar os leitores:

B. M. – Fui um dos apaixonados
No vício da bebedeira
Muitas vezes na poeira
Dormi de pés espalhados
Dando milhões de cuidados
Aos que me eram leais
Pelas calçadas e cais
Exposto a chuva e a vento
Por isso digo e sustento
— já bebi não bebo mais

TB – Tenhas a capacidade
De conheceres também
Que a bebida já vem
Da alta sociedade
Dizem que até o frade
Bebe que fica cabano
Se isto não for engano
De alguém que fala dele
Eu vou me juntar com ele
Bebo até lascar o cano.
(PACHECO, 1983, pg. 424)

Como   salientamos   no   primeiro   capítulo   a   tentativa   do   autor   de   cordel   na


reprodução do ambiente da peleja, da discussão, do debate ou do encontro manifesta‐
se   não   na   narração   dos   fatos,   encadeando‐os,   mas   na   utilização   do   mestre   de
cerimônias como responsável por dar detalhes dos personagens, suas características e
personalidades.   Certamente   o   cordelista   não   pensou   na   encenação   de   sua   peleja,
entretanto   para   efeito   literário,   os   seus   diálogos   acabam   por   desaguar   no   drama.
Embora   não   coloque   marcas   nem   didascálias,   a   fala   dos   personagens   deixa
transparecer   seus   sentimentos   e   frustrações   diante   do   oponente.   É   possível
deduzirem‐se   os   olhos   brilhando,   um   riso   entreaberto,   uma   ruga   de   expressão   se
acentuando, um tremor no corpo, um falha na voz.
Toda disputa em versos leva, como no drama, para o desfecho, num crescendo.
O final é a vitória de um e a derrota do outro, anunciadas por um dos participantes que
se rende ou por um mestre de cerimônias que anuncia o vencedor ou o empate da
disputa. E tudo aponta para o final como diz Helena Parente Cunha:

A visão setorial épica cede à visão globalizante dramática,
que se volta para o que vai acontecer e instiga a ação para o
final.   Esta   preocupação   com   o   desfecho   demanda   que   as
partes   se   relacionem   entre   si   e   com   o   todo,   numa
interdependência   em   que   nada   funciona   isoladamente.
Devido   a   este   caráter   basilar,   Staiger   denomina  tensão  a
essência dramática. (CUNHA, 1976, pg. 116)

É essa tensão a determinante da peleja, crescente com a complexidade dos
temas e das formas, no decorrer dos diálogos. A  Discussão de José Duda com João
Ataíde  é um exemplo. A explicação já é desafiadora, pois diz:  Descrevendo todos os
nomes próprios masculinos, todas as aves ou pássaros todos os peixes dos rios e do
mar. Ou seja: a tarefa dos dois poetas é descomunal, requer conhecimento, destreza,
memória e domínio da técnica. Escrita por João Ataíde, é um clássico. É Ataíde quem
inicia, depois da ambientação proferida pelo mestre de cerimônias:

A – É este o primeiro assunto
Pra discutir com você
Descrevendo os nomes próprios
Por meio de um ABC
Sendo todos masculinos
Desde o A até o Z

Z – Aprígio, Alonso, Adriano
André, Afonso, Ambrosino
Alexo, Abel, Anastácio
Abílio, Adolfo, Agripino
Ambroziolo, Anacleto
Adamastor e Albino.
(ATHAYDE, 2000, pg. 161)

E assim vão por 40 sextilhas até Zé Duda pedir:

Z – Athayde eu te conheço
Como poeta cantor
Por conhecer tua força
Te peço como favor
Vamos descrever as aves
Do colibri ao condor.
(ATHAYDE, 2000, pg. 171)

Segue‐se nova rodado de nomes por mais 13 sextilhas, quando Zé Duda muda o
roteiro   e   pede   para   descreverem   todos   os   peixes   do   mar.   E   a   peleja   segue   sem
nenhum dos dois se mostrar cansado. É quando o Athayde blefa e pede:

Z – Já conheci teu talento
Na teoria na prática
Vamos entrar num tratado
Da física matemática
Segundo a gravitação
Na ciência pneumática

Z – Eu nunca fui titulado
Como rara inteligência
Porém só digo uma coisa
Quando tenho consciência
Eu discuto com você
Qualquer ramo da ciência.
(ATHAYDE, 2000, pg. 177)

Diante da resposta do oponente, Athayde desconversa e abandona a peleja,
sem fazer‐se necessário o mestre de cerimônias interferir para decretar o vencedor.
Lembrando que esse folheto foi escrito pelo próprio Ataíde e que, nessas ocasiões é
comum o autor do folheto vencer os encontros. Ataíde, perante a grandeza de seus
oponentes, como Leandro e, agora, Zé Duda, prefere perder o desafio:

A – Zé Duda é muito tarde
Tenho um negócio a tratar
Por este motivo justo
Eu não posso demorar,
Deixamos a discussão:
Finda‐se noutro lugar.
(ATHAYDE, 2000, pg. 178)

O cordel dramático segue as regras do cordel como um todo, reservando para
si, entretanto, elementos distintivos para o cordel narrativo e o cordel reflexivo. Como
bem se vê, estando preso ao gênero dramático, a sua estrutura solicitará a presença
de um mestre de cerimônias (em alguns casos este mestre não aparecerá), a ação (o
desenrolar   do   embate   poético   movido   pela   retórica,   pelo   jogo   de   palavras,   pelas
perguntas e respostas, pela observância das rimas, pela apresentação de motes, pela
louvação aos presentes, pelo conhecimento das ciências) dar‐se‐á pelo diálogo entre
dois personagens e somente entre dois, a ausência de didascálias, diluídas que estão
na própria fala dos personagens.
  Seu   esquema   pode   ser   assim   descrito:   apresentação   (por   um   mestre   de
cerimônias   ou   pelos   próprios   contendores),   sondagem   (momento   em   que   os
personagens   testam   um   ao   outro   para   verificar   suas   qualidades   técnico‐poéticas),
tensão (quando o jogo de armadilhas é construído com cada um tentando derrubar o
outro no embate), desfecho (com um dos cantadores se dando por vencido ou um
mestre de cerimônias apresentando o veredicto). Para os exemplos ficamos com uma
peleja recente Peleja virtual de Glauco Mattoso com Moreira de Acopiara. Esta peleja
é   especial   porque   pela   primeira   vez   em   cordel   aparece   uma   nota   explicativa   e   a
apresentação dos pelejadores se dá por meio de pequena biografia na contracapa do
folheto:

NOTA EXPLICATIVA

Entre   25   de   setembro   e   23   de   outubro   de   2007,   o   poeta


paulistano   Glauco   Mattoso,   conhecido   sonetista   fescenino
que   também   cultiva   a   poesia   popular,   pelejou   com   o
confrade   cearense   Moreira   de   Acopiara,   radicado   em
Diadema,   na   Grande   São   Paulo,   e   cordelista   de   renome
nacional. Mattoso, autor de mais de dois mil sonetos, assina
um   tratado   de   versificação   intitulado   “O   sexo   do   verso:
machismo   e   feminismo   na   regra   da   poesia”;   Moreira,
membro   da   Academia   Brasileira   de   Literatura   de   Cordel
(ABLC),   assina,   entre   muitos   outros,   o   didático   folheto
“Beabá do cordel e do repente”.  (ACOPIARA & MATTOSO,
2007, pg. 2)

A   apresentação   se   dá   sem   a   voz   do   mestre   de   cerimônias,   os   próprios


personagens tomam a iniciativa, nas duas primeiras estrofes:

GM – Vamos lá, mestre Moreira!
Já que havia me proposto,
Topo entrar na brincadeira
E à peleja estou disposto,
Mas desde que você queira
Pisar mesmo no meu rosto!

MA – Sou um sujeito disposto,
Nascido num chão silvestre;
Meus versos são de bom gosto,
Mas têm formato rupestre,
Carrego um riso no rosto,
Matoso, mas não sou mestre.
(ACOPIARA & MATTOSO, 2007, pg. 3)

Logo se percebe que esta peleja será diferente, não na essência, mas na regra
da   disposição   rimática.   Não   existem   versos   soltos   nas   sextilhas,   as   rimas   estão
fechadas nesse esquema a b a b a b, o respeito à deixa e os versos das sextilhas não
sobrarão sem rima. A sondagem se desenrola logo a seguir nas mesmas sextilhas, das
quais exemplificamos:

GM – Fico grato se os confrades
Me valorizam a lira,
Mas as amabilidades
Não coisa que me inspira!
Dos Bocages e dos Sades
Meu verso o motivo tira!

MA – Eu não creio em Curupira,
Nem em disco voador;
Mas creio que a sua lira,
De inquestionável valor,
Transforme a dor e a ira
Em tolerância e amor.
(ACOPIARA & MATTOSO, 2007, pg. 4)

A tensão se acalora quando, na mudança de modalidade de estrofes, passa‐se
às décimas e Mattoso começa a falar mal do Nordeste e Acopiara responde:

MA – Não me venha com trapaça
Dando uma de coitadinho,
Pois pelo mesmo caminho
Por onde o colega passa,
Ou pisa, sem achar graça,
Eu também tenho pisado
A, às vezes, até achado
Algum atranvacamento.
Mas, por ter algum talento,
Não tenho me embaraçado.

GM – Não me faço de coitado
Por qualquer coisinha à toa:
Quem goza de vista boa
Acha o cego exagerado.
Mas quando, lá pelo lado
Do Nordeste eu viajei,
Percebi que, mais que o gay,
O cego leva pisão!
Cabra que tem olho são
Cego chama de “meu rei”!
(ACOPIARA & MATTOSO, 2007, pg. 10)

A utilização do martelo agalopado, raro em cordel, mas vivo nas pelejas reais
entre cantadores repentistas,  aprofunda ainda mais a tensão por ser uma modalidade
em que a agressão mútua é mais intensa e prova o fôlego dos poetas:

MA – Nessa idade, colega, coisa rara
É tesão, que acabou‐se sem porquê,
Minha tara também não sei cadê,
E eu padeço, pois quando minha tara
Era grande e estampava minha cara,
Eu zombava do tempo e da saúde;
Esbanjava vigor e juventude
Sem pensar que iria envelhecer.
Só agora é que pude perceber
Que nas curvas da estrada o tempo ilude.

GM – Tendo lido tais versos eu não pude
Esconder um sorriso de ironia,
Pois você, meu amigo, quem diria
Que se queixa da falta de saúde,
Se dispensa outro cabra que o ajude
Na calçada, e dirige o próprio carro!
Deve estar é tirando o maior sarro
Da desgraça dum cego que só vale
Que ao cachorro sarnento alguém me iguale
E esta língua da sola lamba o barro!
(ACOPIARA & MATTOSO, 2007, pg. 13)

O desfecho é dado em uma modalidade raríssima para o cordel e só aparecida
em   pelejas,   com   escassez:   o  galope   à   beira   mar,   com   versos   de   doze   sílabas,
alexandrinos:

GM – Você versejou e ninguém o desmente
E até reconheço que sou‐lhe inferior...
Mas já demonstrei ter um certo valor
E creio que é hora de que eu apresente
Formais despedidas a toda essa gente
Do Sul ou do Norte, da rua ou do lar...
Portanto, leitores, o meu linguajar,
No fim da peleja, inda lambe seus pés
Assim como as ondas das altas marés
Areias relambem, na beira do mar...

MA – Vou sentir saudades grandes e cruéis
Da nossa peleja que agora termina;
Pepitas enormes achei numa mina
Fizemos estrofes boas, nota dez.
O nosso trabalho ganhou um viés
Que faz qualquer musa se admirar;
Por isso colega, para terminar,
Desejo saudá‐lo pelo seu talento,
E encontrá‐lo breve noutro bom momento
Na cidade ou perto da beira do mar.
(ACOPIARA & MATTOSO, 2007, pg. 19)

O  galope à beira‐mar  terminará sempre com a expressão “na beira do mar”.
Raras   vezes   apareceu   em   cordel,   mas   na   cantoria   é   uma   das   modalidades   mais
tradicionais e mais difíceis para os poetas, havendo aqueles que até evitam fazê‐la. As
duas estrofes fecham a peleja, escrita a quatro mãos, pela Internet. 
Seguindo nossa classificação por gênero literário chegamos ao cordel narrativo.
Nele   estão   contemplados   os   folhetos   épicos   (a   saga   dos   cangaceiros,   vida   e
ensinamentos de líderes religiosos, políticos e sociais); histórias de vaqueiros e bois; as
histórias de amor, de luta e de bravura; as histórias maravilhosas; as façanhas dos
heróis pícaros; os fatos sociais, hecatombes, desastres; as fábulas; as adaptações de
romances universais. Cumpre observar que essas subdivisões, apesar de respeitarem
sua subordinação às regras do cordel, possuem também seu traço distintivo, como
acontece nas subdivisões dos gêneros em todas as épocas. Além do motivo, outros
elementos concorrem para tornar perceptíveis as subdivisões. Os traços aglutinadores
estão ligados às características da narrativa, mas respeitam a forma do cordel. Dessa
forma, a sextilha ou a setilha será a marca textual, podendo variar para a décima, com
alguma raridade. Os outros elementos constitutivos do cordel narrativo, bem como de
qualquer narrativo são: alguém que conta a história, os personagens da história, o
espaço onde a história se desenrola, o tempo abrangido pela história, o tema e o
enredo. Esses os elementos presentes em qualquer cordel narrativo, sujeitos a todas
as conceituações da poética clássica, desde Aristóteles. Há uma infinidade de estudos
sobre eles. Não nos deteremos em seu estudo conceitual por acharmos redundante.
Procederemos a apresentação de cada uma das subdivisões do cordel narrativo com
suas características distintivas.
O   cordel   épico   é   aquele   cuja   definição   está   ligada   à   definição   de   epopéia.
Angélica Soares nos diz que:

Sendo a epopéia uma longa narrativa literária de caráter
heróico,   grandioso   e   de   interesse   nacional   e   social,   ela
apresenta, juntamente com todos os elementos narrativos
(o   narrador,   o   narratário,   personagens,   tema,   enredo,
espaço e tempo), uma atmosfera maravilhosa que, em torno
de acontecimentos históricos passados, reúne mitos, heróis
e   deuses,   podendo‐se   apresentar   em   prosa   (como   as
canções   de   gesta   medievais)   ou   em   versos   (como  Os
Lusíadas). (SOARES, 1989, pg. 39)

O   esquema   épico   do   cordel   obedece   a   esses   pormenores.   Toda   a   saga   de


Antonio Silvino e de Lampião, de Pe. Cícero, a história de Canudos, os folhetos sobre
Getúlio Vargas e o Frei Damião, os folhetos da seca, podem ser catalogados sob essa
nomenclatura.   Alguns   elementos   estruturais  da   epopéia   clássica   também   se   fazem
presentes,   mas   nem   sempre   serão   respeitados.   Assim   proposição,   invocação   e
dedicatória não serão obrigatórias. Como neste caso de  Os cabras de Lampião, de
Manoel  d’Almeida  Filho,  em  nenhuma das  três está  presente  e a  ação já  se inicia
falando do famoso bandoleiro:

Entre os fatos mais falados
Pelas plagas do sertão,
Temos as grandes façanhas 
Dos cabras de Lampião
Mostrando quadras da vida 
Do famoso capitão.

Em diversas reportagens
De revistas e jornais,
Com testemunhas idôneas,
Contando fatos reais,
Coligimos neste livro
Lances sensacionais
...
Há muitos anos passados
O cangaço era normal
Pelos sertões do Nordeste,
Parecendo até legal,
Para quem via no crime
A lei do seu tribunal.
(D’ALMEIDA FILHO, 1966, pg. 3)

Enquanto que em A pranteada morte do Pe. Cícero Romão Batista, atribuído a
José Bernardo, só a proposição de faz presente:

Muito triste e pesaroso
Chamo o leitor atenção
Para tratar num assunto
De grande lamentação
Que se acha o pessoal
Pela ausência fatal
Do Padre Cícero Romão.
(SILVA, 1982, pg. 338)

Já em  A verdadeira história de Lampeão e Maria Bonita, de Manuel Pereira
Sobrinho, encontramos a invocação e a proposição:

Grande Deus senhor dos seres
Mandai‐me orientação
Idéias, forças e rimas
De que tenho precisão
Para versar a história
Da vida de Lampeão.

Existem vários poetas
Que escreveram alguns fatos
Porém com inconsistências
Devido a muitos boatos
Agora eu escreverei
Seus gozos e seus maltratos.
(PEREIRA SOBRINHO, 1964, pg. 369)

A invocação é muito mais uma questão de estilo pessoal do que norma literária
para o cordel narrativo épico. O mesmo autor Manoel Pereira Sobrinho abre outro seu
folheto narrativo com a estrofe:

Deus como reto Juiz
Mandai‐me o poder de Alah
A força, a rima e a luz
Do ex‐poeta Baad
Para escrever a chacina
Que se deu em Gravatá.
(PEREIRA SOBRINHO, 1977, pg. 313)

O   caso   da   saga   de   Antonio   Silvino,   o   cangaceiro   precursor   de   Lampião   é


pitoresco. Nele o autor oferece ao próprio personagem principal a possibilidade de
narrar a sua vida:

Ao público vou contar
A história de minha vida,
Os crimes que cometi,
Como me fiz homicida.
E porque julgo minh’alma
Eternamente perdida.

Eu nasci no Pageú
De Pernambuco no estado;
Tinha doze anos de idade,
Quando meu pai amarrado
Vi por uns seus inimigos
E por eles escoltados.
(BATISTA, 1977, pg. 36)

As histórias de vaqueiros e bois como vimos anteriormente são aquelas nas
quais um animal, o boi, alcança poderes sobrenaturais. Como exemplo, além do  Boi
misterioso  de Leandro Gomes de Barros, tomemos mão de  O boi mandingueiro e o
cavalo misterioso, de Luiz da Costa Pinheiro. Esse folheto é especial, pois foi lançado
em   dois   volumes,   com   a   data   de.   O   animal,   o   boi   mandingueiro   é   apresentado
seguindo o molde dos bichos fantásticos:

Esse boi quando corria
Segundo diz o boato
Tinha equilíbrio no corpo
Com ligeireza de gato
Por meio de forte mandinga
Corria mais na caatinga,
Do que veado no mato

Na carreira ele arrancava
Jucá velho de miolo
Sabiá e mororó
Levava tudo no rolo
Quebrava pau com as pontas
Espedaçando as vergônteas,
Caindo longe o rebolo.
(PINHEIRO, 1982, pg. 559)

Na última estrofe o narrador adverte:

Depois no outro romance
Havemos de conhecer
Na pega do Mandingueiro
O que vai acontecer
Tristeza, angustia e massada
Prazer, amor e risada
Para a barriga doer.
(PINHEIRO, 1982, pg. 589)

As histórias de amor, de luta e de bravura foram sempre apreciadas em todas
as   épocas,   em   cordel   ou   não.   Elas   representam   os   ideais   e   os   modelos   de   vida.
Numerosas   dessas   histórias   povoaram   o   sertão   e   as   cidades   em   cordel   e   nunca
deixaram de ser publicadas. Sejam exemplos clássicos: Zezinho e Mariquinha, Alonso
e Marina, o romance do Pavão Misterioso, Coco Verde e Melancia. Em 2006, o poeta
Marco Haurélio publicou pela Editora Luzeiro Os 3 conselhos sagrados. Uma prova de
que   o   tema   nunca   perderá   o   seu   lugar.   O   narrador   anuncia   os   acontecimentos
emocionantes na primeira sextilha:

No teatro da existência
Os dramas são encenados
E nós somos os atores
Dos palcos mais variados,
Como na pungente história
Dos três conselhos sagrados.

Descreverei neste enredo
O drama de um retirante
Que deixou sua família
Devido à seca incessante,
Indo procurar trabalho
Em uma terra distante.
(HAURÉLIO, 2006, pg. 3)

Embora   a   história   esteja   sob   o   tema   do   “exemplo”,   classificada   por   Lucélia


Pardim, nós a colocamos sob o tema do amor, da bravura, da luta e do maravilhoso
pois   conta   a   história   desse   homem   que   passa   20   anos   trabalhando   sem   receber
pagamento, tendo deixado esposa e filho no Nordeste, a sua espera. O pagamento
recebido são 3 conselhos misteriosos e um pão que ele só deverá partir no retorno a
casa. 
O tema do amor se desenvolve com a saída desse homem deixando sua amada
e seu filho pequeno, fazendo planos de retornar e viver em paz quando a seca passar:

Ele disse — Minha prenda,
Nossa vida é uma estrada
E o Destino nos obriga
A fazer a caminhada —
No final, a recompensa
Aos justos é ofertada.
(HAURÉLIO, 2006, PG. 5)

A   luta,   que   entendemos   não   tratar‐se   apenas   de   luta   entre   humanos,   mas
contra   as   intempéries   e   as   diversidades,   contra   as   tentações,   contempla   todo   o
folheto, iniciando com a luta perdida contra a seca, a luta contra a vontade de ficar e a
necessidade de partir:

Porém nada o demoveu
E o homem se preparou,
Com uns trapos numa trouxa
No outro dia viajou.
Com o coração partido 
sequer para trás olhou.

Fez todo caminho a pé
Parando pra descansar...
Por caminhos tortuosos,
Recomeçava a andar,
Consumindo muito tempo
Para ao destino chegar.
(HAURÉLIO, 2006, pg. 6)

O tema da luta prossegue com o contrato entre o dono da fazenda Paraíso e
Sebastião, o retirante:

Porém peço‐te um favor:
Aqui tu vais trabalhar
Terás comida e salário
Para aos teus auxiliar,
Mas enquanto tu ficares,
Jamais deves reclamar.

Presta atenção: se algum dia
Faltares com teu contrato
O Destino para ti
Será um carrasco ingrato
E o preço que pagarás
Não será nada barato.
(HAURÉLIO, 2006, pg. 8)

A grande luta  de  Sebastião está para  começar quando,  dez anos  depois de


contrato cumprido, não receberá mais pagamento pelo seu trabalho e passará 20 anos
sem percebê‐lo, sem poder reclamar, nem cobrar os seus dividendos por causa do
contrato selado e por medo do destino cruel que o esperava. O trabalho era penoso e
as feições de Sebastião são assim descritas pelo narrador:

A sua cabeça estava
Por branca neve tomada
E a expressão do rosto
Ontem nobre — hoje cansada;
Das duas mãos não sabia
Qual era a mais calejada.
(HAURÉLIO, 2006, pg. 11)

Na véspera de terminar o contrato, o patrão, cujo nome é Gabriel, e os dois
nomes tomam conotação maravilhosa a partir daí, ligados que estão à tradição cristã,
um pelo sofrimento e outro pelas boas novas que trás, o patrão lhe oferece como
pagamento os três conselhos e o pão:

Gabriel então lhe disse:
— Por teus anos de trabalho,
Receberás três conselhos
Pra não teres atrapalho.
O primeiro é: “Nunca deixes
A estrada pelo atalho.”

Presta atenção ao segundo,
Porque será dura a prova:
“Chegando em casa de velho
Casado com mulher nova,
Não durmas lá ou então
Estarás com um pé na cova”.

Por fim, escuta o terceiro,
Não banques o imprudente, 
“Quando olhares uma coisa,
Tenta controlar a mente;
Pra não fazeres loucura,
Olha tudo novamente”.
(HAURÉLIO, 206, pg. 13)

Claro que aos três conselhos corresponderão três situações embaraçosas, as
quais   Sebastião   ultrapassará   como   um   Édipo   do   sertão.   No   retorno   a   casa,   sem
dinheiro, velho, passados 30 anos, não é reconhecido, nem pelo filho, nem pela esposa
que o esperou durante todo o tempo.
Batendo à porta, à noite, Sebastião é convidado a entrar e a jantar. Quando vê
a esposa, depois de ter ouvido toda a história dele mesmo, cai em prantos e se revela:

Sebastião levantou‐se,
Com o olhar compungido,
E disse: — Eu trago notícia
Do suposto falecido,
Pois quem fala nesse instante
É Bastião, teu marido.
(HAURÉLIO, 2006, pg. 31) 

Depois   de   contar   todas   as   suas   aventuras   e   desventuras,   sua   bravura   na


retirada, sua luta e seu amor pelos seus, Sebastião pega o pão e ao parti‐lo, à mesa, o
maravilhoso se consuma:

Pegou o pão e partiu,
Contudo por desaforo,
Caíram no assoalho
Muitas moedas de ouro!
Sebastião, sem saber,
Levava um grande tesouro.
...

Foi aí que ele entendeu
Na hora o grande mistério:
O seu patrão Gabriel
Era um arauto do Etéreo,
Simbolizando a Justiça
Em seu aspecto sidéreo.

A fazenda Paraíso
Era a terrena extensão
Do jardim primordial,
Onde o Pai da Criação
Na sua semeadura
Fez os herdeiros de Adão.
(HAURÉLIO, 2006, pg. 32)
O folheto termina com a tradicional estrofe em acróstico, na qual se resume o
poema e seus motivos, de onde concluímos ser a história representativa do cordel
narrativo de amor, de luta e de bravura, bem como uma história maravilhosa:

Há na senda da existência
Alturas e descampados,
Unindo os que se separam,
Remindo os desventurados –
E os homens nela prosseguem
Levando fardos pesados.
Imitemos os que seguem
Os três conselhos sagrados.
(HAURÉLIO, 2006, pg. 32)

As façanhas de heróis pícaros são comuns no Nordeste: João Grilo, João Leso,
Pedro Malazartes, Cancão de Fogo, herdeiros de uma tradição na qual se colocava
Camões  como  modelo.   Folhetos  muito  populares,   talvez  sua   inauguração  tenha   se
dado com A vida de Cancão de Fogo e seu testamento, publicado antes de 1911, de
Leandro Gomes de Barros, no qual o herói é apresentado dessa forma:

Leitor, se não se enfadar
Desta minha narração,
Leia a vida deste ente
E preste toda atenção
Que foi o quengo mais fino
Dessa nossa geração.

Pois ele desde criança
Sabia a tudo iludir,
Estradeiro muito velho
Não o poude competir
O Cancão nunca armou laço
Que alguém pudesse sair.
(BARROS, 1964, pg. 421)

Apesar   de   não   ser   narrado   em   primeira   pessoa,   podemos   enquadrar   as


aventuras de Cancão de Fogo, bem como as de João Grilo e Pedro Malazartes, dentro
da narrativa picaresca. Do heroi (ou anti‐heroi, como queiram) são contadas as suas
façanhas por onde quer que passe, já que uma de suas características é a constante
mudança de lugar, tecendo os episódios da narrativa, cuja unidade é garantida tão
somente pela presença do pícaro. Cancão de Fogo não pára, ora está se afogando num
rio:
O Cancão já se afogando
Estava bastante vexado,
Quando passou um cavalo
Que ali morreu afogado
O Cancão saltou‐lhe em cima
E disse: estou embarcado.
(BARROS, 1964, pg. 422)

Ora está à procura de alguém para passar a perna:

Saiu encontrou um velho
Que andava ali perdido;
O velho era sertanejo
E ali desconhecido
Não sabia de um hotel
Onde fosse garantido.
(BARROS, 1964, pg. 422)

A vida de Cancão foi escrita em dois volumes. Depois de muitas idas e vindas,
apronta um golpe em um vigário, mas aí o narrador conclui a história com o célebre
convite, já conhecido, de Leandro, o autor:

Leia o segundo volume
Desse livro apreciado,
E veja o que fez Cancão
Depois de tudo arranjado
Com o dinheiro das esmolas,
Deixando o padre danado.
(BARROS, 1964, pg. 436)

O caso de João Grilo, personagem pícaro mais famoso do sertão, graças às
artimanhas do teatro e da televisão, no Auto da Compadecida de Ariano Suassuna, é
uma   criação   do   cordelista   João   Ferreira   de   Lima,   sem   data   de   indicação   para   a
publicação. As proezas de João Grilo é um folheto peculiar devida à mudança de estilo
e de forma no desenrolar da história, fazendo‐nos supor que seja um híbrido de dois
autores distintos. Inicia com as tradicionais sextilhas, apresentando o herói:

João Grilo foi um cristão
Que nasceu antes do dia
Criou‐se sem formosura
Mas tinha sabedoria
E morreu depois da hora
Pelas artes que fazia.
(LIMA, 1964, pg. 463) 
Pícaro que é, vive de pequenos golpes e espertezas. A partir da sextilha 31, a
narrativa prossegue em setilhas. Além da forma, é notória, ainda, uma mudança de
estilo, com um narrador retomando alguns fatos da infância de João Grilo, como se
esquecera de alguns detalhes. O folheto termina com a sabedoria de João Grilo sendo
louvada e reconhecida, depois de tantas peripécias:

Toda corte imperial
Pediu desculpa a João
E muito tempo falou‐se
Naquela dura lição
E todo mundo dizia
Que sua sabedoria
Era igual a Salomão.
(LIMA, 1964, pg. 478)

É o poeta Marco Haurélio quem retoma as aventuras e desventuras de João
Grilo, na contemporaneidade. Depois de escrever as Presepadas de Chicó astúcias de
João Grilo, celebrando a formação da dupla famosa de Ariano Suassuna, publica pela
Tupynanquim Editora, do Ceará, as Traquinagens de João Grilo:

As tradições culturais
Do Brasil são variadas,
Semente de poesia
No nosso solo plantadas,
Na alma do nosso povo
Totalmente enraizadas.

Dentre essas tradições,
Se inclui a literatura
De folhetos ou cordel,
Jóia de nossa cultura,
Que o Nordeste brasileiro
Elevou a toda altura.

No cordel, um personagem
Inaugurou novo estilo,
No folheto intitulado
As proezas de João Grilo.
É o esperto amarelinho
Que jamais deu um vacilo.

Quem não conhece João Grilo,
Um menino do sertão,
Personagem que hoje é
Famoso em toda nação?
Pequeno, amarelo, frágil,
Eis o retrato de João.
(HAURÉLIO, s. d., pp. 1‐2)

Apesar da não indicação de data, podemos afirmar que o folheto é de 2008
pelas   indicações   biobibliográficas   da   contracapa   nas   quais   já   se   encontra  listado  o
folheto Galopando o cavalo pensamento, de 2007. Além da retomada das peripécias
de João Grilo, esse folheto traz duas inovações alvissareiras para o mundo do cordel.
Pela primeira vez um folheto apresenta um glossário,  na página  14,  listando cinco
palavras:

GLOSSÁRIO

Sesmaria: terra não cultivada ou de grande extensão.
Queixada: espécie de porco do mato.
Caipora: entidade fantástica que, segundo a crença popular,
habita as matas e é retratada  como um anão coberto de
pelos.
Cabra:  tratamento comum no Nordeste brasileiro. Sempre
se refere a indivíduos do sexo masculino e pode ser elogioso
ou desrespeitoso, dependendo de quem o emprega.
Quipá:  espécie de cardo rasteiro, no Nordeste brasileiro. O
famoso Lampião perdeu uma vista, após ser atingido por um
espinho de quipá, após um tiroteio. 

Esse mini glossário é importante, como marco na publicação do cordel. Deixa‐
nos ver a preocupação com leitores de outras regiões não atualizados quanto a alguns
termos regionais nordestinos. Esse folheto introduz, ainda, pela primeira vez, na nova
geração de cordelistas e folhetos publicados, um conto popular em prosa: O macaco
que pediu sabedoria a Deus. Ressaltando que muito se debateu sobre a presença da
prosa no cordel ou o cordel em prosa, essa decisão do autor e do editor são bem
vindas   aos   cordelistas   porque   pode   simbolizar   uma   nova   tomada   de   rumo,
significando, consequentemente, novos estudos e classificações. Alguns estranharam a
presença   desse   conto   em   prosa,   mas   é   fácil   explicar:   Marco   Haurélio   além   de
cordelista é pesquisador e senhor do seu ofício e um dos arrimos do cordel produzido
e publicado na atualidade.
O cordel circunstancial, aquele onde se narram os fatos sociais, as hecatombes
e  os desastres, foi  utilizado durante muito tempo  para respaldar o cordel como o
“jornal   do   sertão”.   As   notícias   chegariam   até   as   populações   isoladas   do   sertão
nordestino via folhetos de cordel. O anúncio do fim do cordel foi propagado com a
aparição do rádio transistor e da televisão. Com eles, o cordel ficaria obsoleto em sua
função social de noticiar. O erro dos que assim se pronunciavam foi em não levar em
consideração a literariedade do cordel. É um livro de histórias e nunca vai desaparecer,
mesmo com todo o avanço da tecnologia, que se transformará só em mais um veículo
divulgador, pois um traço fundamental da humanidade é o contar e ouvir histórias. O
livro, o papel, pode até ser substituído, como o foram os pergaminhos, os papiros, as
pranchas de argila, mas a essência, o motivo, se perpetuará com os Homens.
O cordel narrativo circunstancial é aquele que noticia com realismo os fatos
acontecidos. Desde a geração princesa que ele está presente. Atualmente se ressente
de   pouca   produção,   talvez   motivado   pela   espetacularização   da   mídia   que   cria
verdadeiros   enredos   noticiosos   com   capítulos   esperados   nos   jornais   todos   os  dias,
entretanto   há   cordelistas   aficcionados   dessa   modalidade   e   a   produzem   com
exclusividade, utilizando‐se da Internet para divulgação ou financiando suas próprias
publicações.  Podemos citar, da  fundação do cordel  Sacco e Vanzetti aos olhos do
mundo, que reproduz a notícia sobre o rumoroso caso envolvendo os dois imigrantes
anarquistas   italianos   na   América   do   Norte   acusados  de   latrocínio   e   executados   na
cadeira elétrica em 1920, em Nova York. O cordel correu o Nordeste:

Caro leitor, este livro
É de verdades reais
Trata da lei de um país
E três sentenças fatais
A história aqui contada
Foi igualmente tirada
Da notícia dos jornais.
(ATAÍDE, 1964, pg. 177)

  Como é uma notícia, a narrativa entra por pormenores biográficos, descrição
dos   crimes,   testemunhas   ouvidas   e   desfecho   com   a   eletrocução   dos   acusados.   O
narrador posicionando‐se a favor da inocência dos dois acusados:

Duas vidas que se foram
Duma forma dolorosa
Para as quais a esperança
Sempre fugiu caprichosa
Morrer assim tão fatal
Quem sonhava o ideal
De uma existência de rosa.
(ATAÍDE, 1964, pg. 183)

Apesar de requerer imparcialidade, o narrador do cordel circunstancial não está
desprovido de opinião: apóia e condena, põe‐se a favor ou contrário, não se omite.
Conta a história, mas esclarece de que lado está ou se comove, como na notícia de O
grande incêndio em Copacabana (ocorrido no dia 14 de agosto de 1955), de Apolônio
Alves dos Santos.

No Distrito Federal
Deu‐se uma cena tirana
Que esta fez comover
Toda criatura humana
Um grande incêndio que deu‐se
Na praia Copacabana.
...
Aqui encerro a história
Vertendo lágrimas sentidas
Lamentando aqueles lares
Que ficaram sem guaridas
Dinheiro, roupas e jóias
Pelas chamas destruídas.
(SANTOS, 1977, pp. 37‐39)

A   Internet   tem   se   tornado   um   importante   suporte   a   este   tipo   de   cordel.


Qualquer busca por notícias em cordel trará um bom número de resultados, mas é
necessário fazer a triagem para eleger o que é cordel e o que não é. 
Com   a   disseminação   do   cordel   por   sites   sérios   sobre   cordel,   também   pelo
incontável número de comunidades sobre cordel em sites de relacionamento como o
Orkut, muita gente, poetas amadores ou curiosos que aprenderam a técnica, andam
titulando   de   cordel   qualquer   tipo   de   construção   em   sextilha   ou   setilha   que
contemplem   a   rima   e   a   métrica,   mas   que   carecem   de   outros   elementos   como   a
extensão do poema, a linguagem, a coesão e a coerência textuais para efetivamente
serem agrupados como cordel.
Não só a Internet, mas os próprios folhetos usados para veicular essa poesia
sofrem com a confusão. Um dos maiores nomes, preferido de vários pesquisadores e
estudiosos, dado como dos pilares do cordel circunstancial é Cuíca de Santo Amaro.
Sobre ele há dezenas de livros e louvações, entretanto muitos de seus versos deixam a
desejar tanto na métrica, como na rima e para nós não se enquadram no cordel. É dele
uma Saudação da Bahia, onde se lê:

A Bahia... sim... a Bahia
Conforme digo em meu verso
Berço de Ruy Barbosa
Que foi prá outro universo
Se sente regosijada
Pelo nosso grande congresso.
(LESSA, 1984, pg. 20)

Como já salientamos, o cordel tem regras fixas e rígidas. A métrica do verso
setessílabo, a redondilha maior, é a matriz da poética cordelística. A rima deve ser
respeitada   e   só  em   casos   especialíssimos   de   licença   poética   pode  ser   quebrada.   É
como   o   soneto   clássico,   não   suporta   mutilação.   Olhando   o   verso   de   Cuíca,   as
mutilações saltam à vista. Ao contar as sílabas do primeiro verso já se depara com a
aberração de um verso de oito sílabas, nunca contemplado no cordel. O terceiro verso
vem mutilado com apenas seis sílabas. E o último verso volta a contar oito sílabas. A
rima que seria em “verso” é abalroada e obrigada a rimar em “esso”. Cordelista que se
preze não cometerá tamanhas agressões à sextilha como essas. Encontraremos versos
até de nove sílabas: E para que o nosso Congresso (LESSA, 1984, pg. 20). E de cinco: E
todos irmanados (LESSA, 1984, pg. 20).
Umberto Peregrino o coloca entre os maiores cordelistas do Brasil:

A   poesia   de   cordel   tem   hoje   em   Salvador   presença   à


altura dos tempos de Cuíca de Santo Amaro (José Gomes),
certamente   o   mais   curioso   e   fecundo   autor   de   Cordel
daquela área. Não houve figura mais popular em Salvador.
(PEREGRINO, 1984, pg. 85)

M. Cavalcante de Proença cita‐o:

...   E   nesse   sentido   Cuíca   de   Santo   Amaro   é   um   dos   mais


irreverentes   e   pornográficos   (frequentemente   está
enredado com a polícia), e dos mais fecundos, publicando
quase que um folheto por semana. Sobre a falta de energia
em Salvador, foi dos primeiros a manifestar‐se:

Veja só quanta miséria
Veja só quanta agonia
Veja a que ponto
Chegou a nossa Bahia
O povo sem trabalhar
Por falta de energia.

E   depois   de   planejar   o   quadro,   com   a   descrição   dos


sofrimentos do povo...

(Até nos hospitais
O pobre sofre agonia
Na mesa de operação
Ele passa todo dia
Tudo isto por que?
Pela falta de energia)

Parece que estes homens
Sentem a maior alegria
De verem os nossos veixames
Por verem a nossa agonia
Parece‐me que estes homens
Também perderam a energia.
(PROENÇA, 1977, pg. 89)

Fecundidade e irreverência presentearam Cuíca de Santo Amaro com uma obra
interferente na sociedade, válida pela sua atualidade, mas como cordelista residia‐lhe
grande dúvida. Vejam‐se os pés quebrados dos versos  “Veja a que ponto”,  “Até nos
hospitais”, “Tudo isto por que?”. A fecundidade apressada deixa versos como esses
passarem sem revisão. 
Outra   categoria   inserida   nos   cordel   narrativo   é   a   fábula.   Desde   tempos
imemoriais   que   as   fábulas   formam   uma   certa   base   literária   na   cultura   ocidental.
Histórias de animais são contadas e aproveitadas para a moralidade e os exemplos. É o
cordelista José Pacheco quem dá ao seu narrador de A festa dos cachorros a fala para
explicar:

Eu ainda estou lembrado
Que meus bisavós contavam
Muitas histórias passadas
De quando os bichos falavam
Como bem fosse a da festa
Quando os cachorros casavam.
(PACHECO, 1982, pg. 434)
  No cordel os animais se humanizam, ou seja, carregam todas as características
humanas e geralmente servem ao gracejo e ao riso. Assim os animais de José Pacheco
se submetem a leis sociais:

Contudo sempre viviam
Em regimes sociais
Respeitando os governos
Nos atos policiais
Crendo no catolicismo
Conforme a lei de seus pais.
(PACHECO, 1982, pg. 433)

As narrativas são em sua generalidade cômicas e não devem ser confundidas
com o que se denominou ciclo dos animais, como O boi misterioso. Nesses, os animais
estão envoltos em aura sobrenatural. Na fábula, os animais são os personagens, como
no Casamento e divórcio da lagartixa, de Leandro Gomes de Barros:

Disse a Lagartixa um dia:
“Eu só ficarei solteira
Se não achar nesta terra
Um diabo que me queira,
Procurarei desde as casas
Até o largo da feira.”
...
Quando o Calango viu ela
Ficou todo animado
Disse consigo: Já sei
Hoje volto transformado...
Também disse a Lagartixa:
Já encontrei namorado.
(BARROS, 1964, pp.211‐ 212)

Como   diz   o   narrador   de  Gosto   com   desgosto   (o   casamento   do   sapo),  do


mesmo Leandro:

No tempo do carrancismo
Tempo em que os bichos falavam,
Como hoje vivem os homens,
Eles também transitavam
Haviam muitas questões,
Casos fundos que se davam.
(BARROS, 1980, pg. 98)

Não   tem   função   moralizante,   como   nas   antigas   fábulas   de   Esopo   ou   La


Fontaine. São narrativas para o entretenimento cujo objetivo é o riso.
As adaptações de romances universais são coadjuvantes na fundação do cordel
narrativo. Como já foi antecipado, essas adaptações primevas preferiram os romances
ibéricos   dos   quais   já   foram   dados   exemplos,   além   de   terem   sido   exaustivamente
estudadas   por   Câmara   Cascudo   em  Cinco   livros   do   povo.  A   geração   princesa   foi
aplicada   nesse   mister.   Leandro   Gomes   de   Barros   adaptou  História   da   donzela
Teodora. Na sextilha final o narrador confessa sua adaptação:

Caro leitor escrevi
Tudo que no livro achei
Só fiz rimar a história
Nada aqui acrescentei
Na história grande dela
Muitas coisas consultei.
(CASCUDO, 1984, pg. 46)

Cascudo nos diz que “a originalidade da versão sertaneja do Brasil é ser em
versos quando todas as outras conhecidas se mantêm em prosa.” (CASCUDO, 1984, pg.
31). João Martins de Ataíde adaptou a história da princesa Magalona. Deu‐lhe o título
de  A   fugida   da   princesa   Beatriz   com   o   conde   Pierre,   de   quem   Cascudo   diz:
“Transcrevo a obra do Sr. João Martins de Ataíde por ser incontestavelmente mais
limpa e mais típica” (CASCUDO, 1984, pg. 46). O narrador de Ataíde não se apresenta
nem fala em adaptação. Conta a história, trocando o nome de Magalona para Beatriz.
A última estrofe reserva o final feliz:

Daquela data em diante
Foi sepultada a tristeza,
Pierre casou‐se logo
Com a sua amada princesa
Ficou morando em Provença
No apogeu da riqueza.
(CASCUDO, 1984. Pg. 59)

Francisco das Chagas Batista adaptou a  História da Imperatriz Porcina, sobre
quem   se  pronuncia  Cascudo:  “Francisco  das   Chagas  Batista  escreveu  a  história   da
Imperatriz Porcina em sextilhas e a publicou na Paraíba.” (CASCUDO, 1984, pg. 133).
Como   sempre,   os   romances   acabam   em   final   feliz,   os   malvados   são   punidos   e   os
inocentes agraciados. A sextilha final:

Viveram mais muitos anos
Na maior felicidade,
No mais puro e santo amor
Sempre cheios de bondade
E mui velhinhos já estavam
Quando os anjos lhes chamavam,
Pra viver na eternidade.
(BATISTA, 1964, pg. 131)

Sobre   Silvino   Pirauá   de   Lima,   Cascudo   fala:  “...   popularizou   o   romance   em


versos.   Os  cantadores   já  não   recordavam  os  velhos  romances   e  o   gênero   morrera
inteiramente.” (CASCUDO, 1984, pg. 312). Os motivos de seus romances são sempre
histórias ibéricas como O capitão do navio:

Meu povo me dê licença
Eu vou fazer um pedido:
Deixe eu contar uma história
Um sucesso acontecido, 
De uma mulher que passou
Dez anos sem seu marido.
(MOTA, 1987, pg. 182)

E como sempre, depois das tentações e tropeços de um capitão de um navio
que a mantivera presa, o final feliz:

O Rei então se lembrou
Daquela voz advinha
E disse muito sentido:
— Sei que és esposa minha!
Chamou ela pro seu lado
E lhe vestiu de rainha.
(MOTA, 1987, pg. 190)
 
Outras   histórias   adaptadas   são   recontadas   em   cordel,   de   Carlos   Magno   e
Roberto do Diabo a João da Cruz e Pedro Cem. A geração princesa foi a iniciadora
deste   tipo   de   folheto   cuja   herança   se   vê   chegar   aos   dias   de   hoje   e   é   de   suma
importância para a história do cordel no Brasil.
Grandes   romances   da   literatura   nacional   também   foram   adaptados   para   o
cordel. Duas adaptações que consideramos das melhores são a de Iracema, o romance
de José de Alencar, e Luzia‐Homem, de Domingos Olympio. A primeira é uma reedição
patrocinada pela ABLC (Academia Brasileira de Literatura de Cordel), da autoria de
Alfredo   Pessoa   de   Lima.   É   uma   obra   primorosa   com   momentos   de   rara   beleza   e
maestria no verso, como este sobre o Ceará:
Terra da luz, onde outrora
Como um dourado vergel
Brotaram as lendas da raça
Sob o estrelado céu
Onde o arco e a tangapema
Fazem lembrar Iracema,
Virgem dos Lábios de Mel.
(LIMA, 2005, pg. 3)

É a mesma história da índia virgem apaixonada pelo homem branco português,
cujo narrador diz que, ao realizar a adaptação está prestando homenagem ao escritor
do romance:

Recanto de minha terra
Que Alencar tanto amou
Eu vou traduzir em trovas
O que ele em prosa falou,
É meu tributo e homenagem
A raça brava e selvagem
Que o tempo a correr levou.
(LIMA, 2005, pg. 3)

O   encontro   e   a   primeira   troca   de   falas   entre   Martim   e   Iracema   é   assim


transposto para as setilhas do cordel:

— De onde vens, homem estranho,
Que aqui no sertão vagueias?
Tens os olhos cor das águas
E a face cor das areias
Em que distante sertão
Mora o povo teu irmão
Estás perdido ou vagueias?

Martim falou para a índia
Na língua que ela falou:
— Venho de terras distantes
Que teu povo nunca andou
Ficam distantes estas terras
Muito além daquelas serras
Que teu pé nunca pisou.
(LIMA, 2006, pg. 6)

O final do folheto é pungente, com a morte e o sepultamento de Iracema. O
narrador deixa suas duas últimas estrofes:

No outro dia Poty
Veio ajudar seu irmão
Enterrar sua esposa
E assim naquele sertão
Foi dormir o sono eterno
Aquele amor franco e terno
O mais leal coração.

E assim findou‐se o drama
De um amor santo e fiel
A índia trocou a vida
Por uma taça de fel
Mas o nome Iracema
Está vivo em seu poema
“Virgem dos lábios de mel”.
(LIMA, 2006, pg. 48)

Corre   entre   os   poetas   cordelistas   que   a   adaptação   é   uma   das   tarefas   mais
difíceis de se produzir. A fidelidade ao autor original ou o distanciamento poético sem
desobedecer à trama são tarefas complexas. Só o poeta, aquele que além da técnica
também domina as artes da poesia ou deixa‐se por ela guiar, é quem obterá êxito na
adaptação. O paraibano Alfredo Pessoa de Lima emociona o leitor na reconstrução do
clássico da literatura nacional.
Arievaldo Viana adaptou Luzia‐Homem e publicou‐a pela Editora Tupynanquim
depois de ter vencido o V Prêmio Domingos Olympio de Literatura, promovido pela
Prefeitura Municipal de Sobral‐CE, em setembro de 2002. Arievaldo tem vários títulos
publicados em cordel como já falamos na introdução de nosso trabalho. O narrador
atualiza  o  tempo e  o espaço,  além de descrever  a personagem  protagonista  pelos
quais a história escoará:

Seca de setenta e sete 
Estranho e terrível mal
O século é dezenove
E o cenário é Sobral
Sob um sol causticante
Vemos uma retirante
Lá no morro do curral.

O seu talhe é esbelto
E o rosto muito bonito
Possui o braço mais forte
Nesse cenário maldito
Canseiras não a consomem
Lhe chamam Luzia‐Homem
Pelo seu jeito esquisito
(VIANA, s. d., pg. 5)

O   romance   de   Domingos   Olympio   conta   a   história   de   Luzia,   sem   pai,   mãe


doente, na lida de vaqueiro, discriminada por ser mulher em trabalho de homem, com
apenas dois amigos na fazenda, Alexandre e Raulino, retirantes da seca. Alexandre e
Luzia se apaixonam, mas o ciúme e as tramas de Crapiúna levam Alexandre para a
cadeia. O final é trágico para os amantes:

Achando‐a só um instante
Tratou de lhe agarrar
Chamando por Alexandre
Pôs‐se Luzia a gritar
Travou‐se luta mortal
E aquele bruto animal
Entendeu de lhe matar.

Defendendo sua honra
Luzia ainda lutou
Com suas unhas um olho
De Crapiúna arrancou
E tombou morta em seguida
A sua amada sem vida
Pobre Alexandre encontrou.
(VIANA, s. d., pg. 13)

Em 2008, a Editora Nova Alexandria deu início a uma coleção que causará uma
reviravolta no cordel: Clássicos em Cordel. São livros de 48 páginas, em papel reciclado,
capas   duras   em   policromia,   ilustrados,   contendo   a   adaptação   de   grandes   clássicos
universais. É o momento de restaurar a dignidade dessa categoria fundadora do cordel
narrativo. Quando da finalização de nosso estudo a editora acabara de lançar Canaã, o
clássico de Graça Aranha, adaptado por Klévisson Viana.
O curador da coleção é o poeta e pesquisador baiano Marco Haurélio, ao redor
de quem gravita a nova geração de cordelistas radicados em São Paulo e no Ceará.
Esse grupo forma uma espécie de vanguarda literária pensando o cordel como suporte
pedagógico,   como   literatura   brasileira   e   como   produto   de   mercado.   Foi   ele   o
responsável pela adaptação dos clássicos.
A Clássicos em Cordel, além do texto poético, traz um pequeno estudo sobre a
obra adaptada, uma biografia do autor original, bem como do poeta que a adaptou. Já
estão   publicados:  Os   miseráveis,  de   Victor   Hugo,   adaptado   por   Klévisson   Viana;
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, por Varneci Nascimento;
Robinson Crusoé, de Daniel Defoe, por Moreira de Acopiara;  Viagem ao centro da
terra, de Júlio Verne, por Costa Sena; O Alienista, de Machado de Assis, por Rouxinol
de Rinaré;  A megera domada, de Shakespeare, por Marco Haurélio;  O corcunda de
Notre Dame,  de Victor Hugo, por João Gomes de Sá; no prelo  O conde de Monte
Cristo, por Marco Haurélio.
Esse   grupo   de   poetas   retoma   de   maneira   profissional,   coisa   que   faltou   ao
cordel   durante   sua   formação,   a   tradicional   maneira   de   contar   as   histórias   sem
fronteiras. Os autores são respeitados em seus direitos, seus títulos ganham o ISBN, a
marca mundial de autoria e o cordel entra definitivamente no catálogo das grandes
livrarias e distribuidoras. 
Antes da coleção  Clássicos em Cordel, dificilmente se encontrava cordel nas
prateleiras das livrarias brasileiras. O preconceito com o produto, e nisso os editores e
autores de cordel também são responsáveis, deixava‐o para a venda nas ruas, nos
sebos   ou   nas   pequenas   barracas   das   feiras.   Não   que   sua   forma   de   venda   tirasse
dignidade ou literariedade ao produto e seus autores, mas que o deitava ao gueto.
A resistência dos editores e cordelistas em adequar o cordel aos novos tempos,
com edições mais cuidadas, produção melhor apresentável, residia, e ainda reside, no
pensamento sob o qual o cordel tem que manter as mesmas características da geração
princesa, correndo o risco de perder sua autenticidade e seu modo de divulgação, sob
pregão oral e abordagem de leitores.
Como produto do mercado editorial, o cordel necessita seguir os rumos do
mundo moderno e sua rapidez midiática. O que não pode mudar é sua essência, sua
poética, sua linguagem. Nesse ponto a Clássicos em Cordel tem muito a ensinar. Como
exemplo vamos observar com maior curiosidade três títulos. O primeiro deles é  O
Alienista, de Rouxinol de Rinaré.
Rouxinol é um dos melhores contadores de história em cordel e depositário do
roteiro clássico do cordel. Cearense, de Quixadá, nascido no distrito de Rinaré, que
acabou por adotar como pseudônimo. Segundo a biografia resumida na edição:

O   poeta   tem   diversos   cordéis   publicados   Tupynanquim


Editora,   dentre   os   quais   se   destacam:  As   bravuras   de
Donnar, o matador de dragões,  Saiona, a mulher dos olhos
de fogo, Salomão e Sulamita, O ladrão de Bagdá e História
de Ali Babá e os quarenta ladrões. (RINARÉ, 2008, pg. 11)
A temática de Rinaré está ligada às histórias clássicas como se vê. A obra traz
uma introdução sobre a loucura, o tema do livro de Machado de Assis, e sobre o conto
em si:

Contudo,  após  ler  a   história,  tente  responder  à   pergunta:


aqueles que Simão Bacamarte imaginou loucos seriam assim
considerados nos dias de hoje? Não nos esqueçamos que
Machado de Assis escreveu  O Alienista  em 1882 e que ele
situa a história em “tempos remotos”. (RINARÉ, 2008, pg. 7)

Acompanha   ainda   uma  nota   sobre  o   texto  em   cordel   e   a   mini‐biografia   de


Machado de Assis. Pela linguagem é possível identificar o público a que se destina essa
adaptação: aos estudantes que precisam entrar em contato com a obra de Machado
de Assis. Rouxinol de Rinaré é dos poetas cujo estilo destina ao narrador, iniciando o
texto do cordel, a invocação. A sextilha invocatória:

Ó Ser que tem me inspirado
Nos romances que já fiz,
Agora conduz meu estro,
Para que eu seja feliz,
Adaptando este conto
De Machado de Assis.
(RINARÉ, 2008, pg. 15)
 
O   bom   cordelista,   o   poeta,   sabe   que   a   sextilha   invocatória   deve   conter
elementos capazes de identificar a natureza da composição. Essa sextilha de Rinaré
contém   toda   a   tradição   invocatória   desde   a   geração   princesa.   Tentemos   uma
exemplificação, mas advertimos que essa sextilha não é obrigatória no cordel, trata‐se
de traço estilístico do autor e aparece nas longas histórias de amor e superação a que
alguns chamam de romances, no cordel narrativo. Tanto como o acróstico que revela a
autoria   com   luzes   fortes   sobre   o   nome   autoral,   a   invocação   também   se   presta   a
identificar alguns autores.

Venham as musas soberanas
Minha idéia iluminar
Com a luz do Santo Reino
Que eu vou em verso contar
O romance da Princesa
Do Reino de Mira‐Mar.
(CARIOCA, 1982, pg. 197)

Na estrofe de Rouxinol e de carioca a palavra “romance” está presente. É a
classificação, como já dissemos, não de uma obra com mais de 24 páginas, mas de uma
história de cujos personagens se veja, subjugados a tensão.  O alienista  é um conto
tensionado, não um romance no sentido em que a classificação de Liêdo Maranhão
apresenta. Esse romance de Inácio Carioca é o  Romance de João Cambadinho e a
princesa do reino de Mira‐Mar. Tem 16 páginas, logo seria um folheto, mas o autor
resolveu chamar de “romance”, movido pelo conteúdo. Outra invocação, retirada de
um folheto realista e descritivo:

Leitores, se Deus me der
Um pensamento altaneiro,
Pretendo nas rudes páginas
Deste livrinho grosseiro
Falar com necessidade
Da grande calamidade
Do nordeste brasileiro.
(SILVA, 1964, pg. 239)

Uma última:

Virgem mãe Virgem das dores
Dai‐me vossa proteção
Pra eu em verso rimado
Contar com bem perfeição
O sonho de nosso mestre
Padrinho Cícero Romão.
(BATISTA, 1964, pg. 353)

Rouxinol de Rinaré recebe a tradição e a perpetua em O alienista. Cumpre na
sextilha o sumário de sua história. Confessa já ter  escrito muitos romances,  todos
inspirados pelo Ser, que deduzimos ser Deus. Entrega à vontade desse Ser a condução
de seu estro, ficando feliz por fazer‐se veículo para essa força. Por fim, confessa ser
essa obra uma adaptação partida do clássico da literatura brasileira Machado de Assis.
Deduzimos que este Ser a quem o narrador se refere é Deus porque na segunda
estrofe vem a referência direta a Ele:

Deus, em sua onisciência
E seu saber soberano,
É quem pode perscrutar
(Sem incorrer no engano)
Os insondáveis mistérios
Da mente do ser humano!
(RINARÉ, 2008, pg. 15)

No conto de Machado, o alienista Simão Bacamarte termina se auto‐internando
na   Casa   Verde,   hospício  criado   por   ele   para   depositar   os   loucos   de   Itaguaí.   Assim
termina a adaptação:

Assim o alienista
Trancado morreu ali.
Mesmo com toda Ciência,
Leitor, se conclui aqui:
Era ele o único louco
Da Vila de Itaguaí!
(RINARÉ, 2008, pg. 48)

Toda adaptação dá origem a uma nova obra. Aqui também. A adaptação de
Notre Dame de Paris, de Victor Hugo, por João Gomes de Sá é, de fato, uma outra
obra. O poeta reuniu coragem para transpor a história passada na Paris medievalesca
para o sertão nordestino. 
João Gomes de Sá é alagoano e autor profícuo, tendo escrito  A luta de um
cavaleiro contra o Bruxo Feiticeiro, profundamente enraizado na tradição cordelística.
Em O Corcunda de Notre Dame, a adaptação de Notre Dame de Paris, ele se supera
em maestria. Suas sextilhas iniciais são primordiais:

O romance do Corcunda
De Notre Dame, leitor,
Escrito por Victor Hugo,
Aquele grande escritor.
Em versos vou recontá‐lo
Sua atenção, por favor.
Antes, porém, quero dar
Essa breve explicação:
O cenário do Corcunda
Eu trago para o sertão;
O Nordeste brasileiro
É palco de toda ação.
(SÁ, 2008, pg. 13)
Além   da   mudança   do   cenário   para   Santana   de   Cajazeira,   denominação
nordestina,   alguns   personagens   também   mudam   de   nome.   Quasímodo   passa   a
Quasimudo   e   seu   guardião   a   Padre‐Mal.   Para   nós   é   de   extrema   sagacidade   a
transposição da história. Ao poeta deve ser dado o direito de, na hora da adaptação,
escolher cenário e nomes novos, sem alterar o enredo e o argumento original, já que o
objetivo da coleção é apresentar a obra, incentivar o leitor a contactar a matriz. Além
de   nutrir   a   tradição   do   cordel   narrativo   adaptado   de   ousadia,   na   transposição   do
cenário,   João   Gomes   assina   seu   cordel   com   o   tradicional   acróstico   grafado
JGSACORDEL:

Jamais o pobre Corcunda
Galgou deixar seu cantinho.
Santana de cajazeira
Abastece seu caminho,
Como elo para pedidos,
O norte para o bom ninho;
Recebe todo romeiro,
Dando‐lhe muito carinho;
E espera ver seus fiéis
Libertos de tanto espinho.
(SÁ, 2008, pg. 47)

Talvez deva‐se, também, a Leandro Gomes de Barros o uso do acróstico no
cordel.   Surgido   para   atestar   a   autoria,   terminou   por   incorporar‐se   como   marca
estética. A maioria dos cordelistas o utiliza, hoje mais pelo efeito técnico do que pela
necessidade   de   autenticação,   entretanto   Leandro  foi   o   primeiro   a   utilizá‐lo   para
proteção de seus direitos autorais. Passou a escrever em acrósticos os versos finais de
seus  folhetos  não  conseguindo,  assim,   vencer  a  “pirataria”,   sim,  porque   muitos  se
aproveitavam   para   reproduzir   seus   folhetos   assinando‐os,   passou   a   estampar   sua
fotografia   na   contracapa   dos   mesmos   com   os   seguintes   dizeres:  “Aos   meus   caros
leitores do Brasil — Ceará, Maranhão, Pará e Amazonas — aviso que desta data em
diante todos os meus folhetos completos trarão o meu retrato.” A seguir dá o motivo
de   tal   decisão:  “Faço   este   aviso   afim   de   prevenir   aos   incautos   que   têem   sido
enganados na sua boa fé por vendedores de folhetos menos sérios que têem alterado e
publicado   os   meus   livros,   comettendo   assim   um   crime   vergonhoso.”  Assina   e   data
Recife, 9 de 7 de 1917. 
O acróstico passou a ser a assinatura do poeta. Sua marca contra a adulteração
do seu trabalho. Estampou‐se, com o acróstico, o fato comum no meio literário do
cordel: a apropriação de obra de autor. Os poetas fizeram largo uso dele. João Gomes
de Sá deixa ao público mais jovem esta marca do cordel. Alguns exemplos: de A Praga
de Gafanhoto no Sertão Paraibano, de Caetano Cosme da Silva:

C om fé em Deus verdadeiro
A pessoa que viver
É feliz em todo canto
T ambém tem muito prazer
A lcança toda vitória
N ão tirando da memória
O Deus de tanto poder.
(SILVA, 1964, pg. 248)

De A Malassombrada Peleja de Francisco Sales com o “Negro Visão”:

F aço ponto meus amigos
S obre a tremenda porfia
A todos peço desculpas
L endo esta poesia
E spero de cada um
S ua boa garantia
(SALES, 1964, pg.  301)
De  A   Verdadeira   História   de   Lampião   e   Maria   Bonita,   de   Manuel   Pereira
Sobrinho:

P rovou que quis viver bem
E stimado e sendo amado
R evoltou‐se com razão
E mbora sem resultado
I mplantou o terrorismo
R olou no véu do abismo
A té o último intrigado
(PEREIRA, 1964, pg. 385)

É necessário observar que a confecção do acróstico requer estudo e reflexão.
Os versos devem estar inseridos na narrativa. É a conclusão do trabalho, como uma
máxima. O arranjo do nome, isso como licença poética nesta tradição, interfere na
estrutura geral do cordel. Os exemplos que coloquei servem a essa observação. O
acróstico de Caetano: o E vem acentuado, atrapalhando a pronúncia do seu nome. O
caso do Francisco Sales, o segundo exemplo, no texto original vem assim F., com o
ponto abreviando o Francisco. No terceiro exemplo, acontece a seguinte curiosidade: o
cordel é todo sextilhado. Percebendo que Pereira tem sete letras, o autor muda a
estrutura   das   estrofes   para   sete   versos.   É   uma   regra   do   cordel:   no   acróstico   é
permitido alterar o número de versos da estrofe para que se adéqüe ao nome do
autor. É uma das riquezas do Cordel. 
Vejamos como termina o folheto  A Chegada de Getúlio Vargas no Céu e seu
Julgamento, conheceremos o autor pela assinatura:

Assim Getúlio foi salvo
Do seu gesto delirante
E breve virá à Terra
Como um chefe triunfante
Para ajudar o Poeta
RODOLFO C. CAVALCANTE.
(CAVALCANTE, 1964, pg. 361)
Não   querendo   interferir   na   estrutura   geral   do  cordel,   Rodolfo   Coelho
Cavalcante preferiu assinar‐se no último verso com o nome completo, abreviando, o
Coelho.   Um   outro   caso   encontrado   no   folheto  Morte,   Saudade   e   Lembrança   de
Severino Ferreira, de Zé Saldanha:

S obre a dívida da morte
A nossa vida é quem paga,
U m bom amigo da gente
D aqueles que a gente afaga,
A morte dura e malvada
D á‐lhe uma boa bordoada
E le depressa se apaga

D e Severino Ferreira
É muito forte a lembrança
S ua voz bonita e mansa
E stilo bom de primeira
V erso limpo sem zonzeira
E ra o poeta da gente
R ima rica e competente
I mproviso belo e risonho
N o mundo lindo de um sonho
O nde Deus está presente 
(SALDANHA, 2001, pg. 58)

Nesse   exemplo   Zé   Saldanha   abdica   de   sua   assinatura   e,   numa   atitude   de


reforço do sentimento de amizade, constrói como que um epitáfio, comum nas terras
do Nordeste: Saudade de Fulano, no caso Severino Ferreira, o poeta. 
O poeta Marcus Accioly não é cordelista, é acadêmico, professor de literatura e
um amante da poética do cordel. Além de Nordestinados, uma de suas obras nas quais
a poética dos cantadores é um dos eixos, escreveu também Guriatã, um cordel para
criança, ganhador de vários prêmios, ilustrado por Dila. No final, seguindo a tradição
do cordel, assina:
M as se o amigo buscado
A contecer ter partido,
R esta trazer o passado
C omo o presente perdido,
U rge ele vivo ou encantado
S empre na bola‐de‐vidro.

A migo leitor‐menino
C ontei o aquário do sonho
C antando a sorte‐destino
I mprovisado no estranho
O vo de bola‐de‐vidro:
L ivro em redoma de livro,
Y ara em redondo banho.
(ACCIOLY, 1980, pg. 176)

Como dissemos, Accioly não é cordelista e não se sente preso à tradição da
rima perfeita, soante, no  cordel. Por isso dá‐se o direito de furar a rima como bem
percebemos   nas   estrofes   reproduzidas.   O   acróstico   servirá   de   passagem   para   a
adaptação de  A megera domada, de William Shakespeare, por Marco Haurélio, um
mestre   da   adaptação,   sobre   quem   já   falamos   anteriormente.   Aproveitamos   a
apresentação do volume feita por Assis Ângelo:

O   poeta   Marco   Haurélio   reconta,   com   fidelidade   ao


original, a famosa comédia de Shakespeare. O tema central
de A megera domada foi passado através da tradição oral e
consta de contos populares recolhidos pelos Irmãos Grimm
(O rei barba de tordo) e nosso Câmara Cascado (O conde‐
pastor). (ÂNGELO, 2009, pg. 7)

A adaptação de A megera... é peculiar, pois passa do teatro, a comédia, para o
cordel, sem a interferência da narrativa em prosa. Da linguagem dramática deságua na
linguagem cordelística. É um caso raro de adaptação. Marco Haurélio já adaptara o
conto Os 3 conselhos sagrados, colhido por ele, segundo consta em nota do folheto:
O conto popular em que se baseou esta versão foi
narrado por Maria Rosa Fróes, residente em Brumado, Bahia
(antiga   Bom   Jesus   dos   Meira).   A   informante,   à   época   da
recolha, feita em 2005, tinha 87 anos. (HAURÉLIO, 2006, pg.
2)

Também já adaptara  As babuchas de Abu Kasem, de  As mil e uma noites  e


prepara o lançamento, já no prelo, de O conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas.
Não precisamos nos alongar mais sobre a pena do poeta. Já que o elo para A megera...
é a utilização do acróstico, que Marco assina HAURELIO, como está em Abu Kasem:
Há quem ache que na vida
A riqueza é o que importa
Um aprendizado duro
Rejeita, rechaça e corta
Essa vã mentalidade,
Levada por crença torta.
Isso aprenda para que
O céu não lhe feche a porta.
(HAURÉLIO, s. d., pg. 16)

Em  A   megera   domada,   Marco   subverte   seu   acróstico   e   assina   o   nome   da


própria obra:

Meus bons amigos, agora
Eu devo me despedir.
Graças a sua atenção,
Em frente posso seguir
Riscando do meu caderno
A palavra desistir.

Desanimar é bobagem
O Petrúquio é a prova
Mesmo quando a circunstância
A sua idéia reprova,
Desistindo, não se chega
A uma consciência nova.
(HAURÉLIO, 2009, pg. 47)

Coma essas apreciações passamos ao terceiro tipo de folhetos: o reflexivo. Esse
terceiro tipo de nossa classificação literária compreende os cordéis marcados, como o
próprio nome já diz, pela reflexão sobre assuntos variados. Folhetos encampados nas
classificações temáticas como críticas, sátiras, a.b.c, conselhos, nos quais um eu‐lírico
não quer narrar uma história, mas pensar o mundo e a sociedade, natureza e seus
mistérios, a moralidade e a religião. São muitos os folhetos que se enquadram nessa
categoria. Queríamos denominar essa categoria de cordel lírico. Achamos por bem não
fazê‐lo, por enquanto, por entendermos o lirismo como uma constante em qualquer
tipo de cordel. Musicalidade, ritmo, métrica, rima são traços do lírico presentes em
qualquer cordel. Emoção é uma marca fundamental do cordel. O vocativo  (Leitores,
prestem atenção/ Na história que vou contar) determina um eu que quer ser ouvido e
passar sua versão. Nas pelejas há intenso lirismo na voz de cada um dos personagens.
Talvez até o final dessa nossa explanação tenhamos decidido pelo  lírico  ao invés de
reflexivo, ou criemos um híbrido redundante lírico‐reflexivo.
Victor   Manuel   de   Aguiar   e   Silva   diz‐nos   a   certa   altura   de   sua   Teoria   da
Literatura quando trata do gênero lírico:

A lírica, com efeito, não representa o mundo exterior
e   objetivo,   nem   a   interação   do   homem   e   deste   mesmo
mundo;   assim   se   distinguindo   fundamentalmente   da
narrativa e do drama. A poesia lírica não nasce do anseio ou
da necessidade de descrever o real que se estende perante o
eu, nem do desejo de criar sujeitos independentes do eu do
poeta lírico, ou de contar uma ação em que se oponham o
mundo e o homem, ou os homens entre si. A lírica enraíza‐se
na   revelação   e   no   aprofundamento   do   próprio   eu,   na
imposição do ritmo, da tonalidade, das dimensões, enfim,
desse mesmo eu, a toda a realidade. (AGUIAR E SILVA, 1973,
pg. 228)

Aguiar e Silva, adverte mais adiante, temendo uma interpretação pela qual o
poeta lírico se confundisse com um anacoreta em seu próprio eu, um refugiado em seu
egoísmo, quando o mundo perde sua tangencialidade e as distâncias materiais, que
esse poeta não é um estrangeiro voluntário no mundo:

O   mundo   exterior,   os   seres   e   as   coisas   não


constituem um domínio absolutamente estranho ao poeta
lírico,   nem   este   pode   ser   figurado   como   um   introvertido
total, miticamente insulado numa integral pureza subjetiva.
O mundo exterior, todavia, não significa para o lírico uma
objetividade   válida   enquanto   tal,   pois   representa   um
elemento da criação lírica somente quando absorvido pela
interioridade   do   poeta,   enquanto   transmudado   em
revelação íntima. (AGUIAR E SILVA, 1973, pg. 228) 

Staiger é direto ao afirmar secamente que “No estilo lírico, entretanto, não se
dá a “re”‐produção lingüística de um fato”  (STAIGER, 1975, pg. 21) referindo‐se ao
cabedal da língua na imitação de sons e silêncios na linguagem poemática lírica, como
traço desse  gênero. Podemos ampliar o alcance do que nos diz Staiger, adaptá‐lo,
dizendo que no estilo lírico não se dá a reprodução literária de um fato. Esse fato é
filtrado pelo eu lírico do poeta e derramado sobre o leitor com os tons interiores desse
poeta.   A   professora   Angélica   Soares,   porém   chama‐nos   a   atenção   para   as   marcas
fundamentais do lirismo:

1º) o eu lírico ganha sempre forma no modo especial
de   construção   do   poema:   na   seleção   e   combinação   das
palavras, no ritmo, na imagística;
2º) assim, ele se configura e existe diferentemente
em cada texto, dirigindo‐nos a recepção;
3º)   e,   por  isso,   não  se  confunde   com   a  pessoa   do
poeta   (o   eu   biográfico),   mesmo   quando   expresso   na
primeira pessoa do discurso. (SOARES, 1989, pg. 26)

Pede‐nos,   entretanto,   que   cuidemos   de   um   tipo   de   lirismo   atuante   e


interventor, até certo ponto engajado, que a contemporaneidade acabou por gestar e
complementa as informações citadas:

A   partir   das   observações   acima,   fica   mais   fácil


apreender o lirismo moderno, de conteúdo explicitamente
social, que se vem contrapondo aos conceitos da imediatez e
desmaterialidade   dos   cantares   de   amor,   os   quais   nos
acostumamos   a   identificar   como   essencialmente   líricos.
(SOARES, 1989, pg. 26)
É esse lirismo que se faz presente no cordel. Um lirismo social no qual o poeta
toma posição diante do mundo. Não quer narrar o mundo, mas compreendê‐lo, pensá‐
lo sem querer repoduzi‐lo. Vejamos este  Iniciação sexual na zona rural, de Varneci
Nascimento:

Então o adolescente
Sem saber o que fazer
Vê as espinhas no rosto
O cabelinho crescer
No peito e nas axilas,
E uma barbinha crescer

Vem os pentelhos também
Chamados de pubianos
Ele admira as mudanças
Propícias para os seus anos
Uma cabeça faz outra
Traçar os futuros planos.
(NASCIMENTO, 2005, pp. 2‐3)

Fugindo   do   lirismo   comedido,   como   diria   Manuel   Bandeira,   o   cordelista   se


encaminha   pelo   universo   da   sexualidade   sem   se   preocupar   com   o   didatismo,
escolhendo o caminho cômico, certas vezes até chulo, mas pensando o social. Não se
prende à primeira pessoa e passa à terceira como nos diz a professora Angélica Soares:

É  comum, nessa  lírica de  temática  não intimista,  a


substituição gramatical da primeira pela terceira pessoa. O
sujeito,   então,   mais   que   nunca,   identifica‐se   na   e   pela
linguagem, através da dicção própria de cada poema, de sua
estruturação singular. (SOARES, 1989, pg. 26)

Os ABCs formaram um significativo torrão em cordel. Na apresentação desses
ABCs por Câmara Cascudo, ele afirma serem eles narrativos (CASCUDO, 1984, pg. 82).
O cordel de ABC, porém, reserva características mais líricas do que narrativas. Como o
nome aponta, esses folhetos são compostos de estrofes começadas cada uma com
uma letra do alfabeto, perfazendo todas, de A a Z. Muito populares no início do cordel,
hoje   estão   escassos.   Como   exemplo   damos   o  ABC   da   saudade  de   Luiz   da   Costa
Pinheiro:

Ausente de ti querida
Que alegria posso ter
Quanto mais tempo se passa
Suspiro por não te ver
Tanto tem a tua ausência
Como tem meu padecer.

Basta dizer‐te que vivo
Nesta cruel solidão
Me lembrando do momento
De nossa separação
sentindo uma atroz saudade
dentro do meu coração.
(PINHEIRO, 1977, pg. 283)

Note‐se que a primeira estrofe inicia com A e a segunda com B. Segue até o Z
para cumprir o percurso do ABC. A curiosidade desse exemplo é a K, quando ele grafa:

Kuilômetros eu andarei
A fim de ti encontrar
Borboleta que bordeja
Venha um alívio me dar
Que meu bem está distante
Não pode me consolar.
(PINHEIRO, 1977, pg. 283)

Foi a forma encontrada pelo eu lírico de driblar a palavra escassa na língua
portuguesa. O lirismo sempre acompanhou Leandro Gomes de Barros. Vários de seus
folhetos   trazem   além   da   forma   clássica   do   cordel,   poemas   curtos   de   um   lirismo
exemplar, como este fragmento de A Tarde:

Vem a noite, dormem ali as coisas mansas
Dormem quietos os justos e as crianças
E a Virgem envia preces a divindade;
A velhice recorda arrependida,
Todo erro que fez em sua vida,
E murmura: Quem me dera a mocidade.
(BARROS, 1980, pg. 87)

No cordel mantém a pena afinada em Suspiros de um sertanejo:

Minha alma triste suspira,
Em deslumbrante desejo:
Eu choro por minha terra,
Há tempos que não a vejo!
São suspiros arrancados
Do peito de um sertanejo!
...
Aquela terra de amores
Do meu coração não sai!
Visito‐a sempre por sonho:
Às noites minh’alma vai
Ver a terra onde primeiro
Chamei mamãe e papai!
(BARROS, 2002, pg. 249)

Outra subdivisão desse cordel lírico, resolvemos assumir o termo, é o que ficou
conhecido por  marco. Esse marco funciona como uma fortaleza lingüística na qual o
poeta   edifica   um   prédio   inexpugnável   para   garantir   a   sua   grandeza   poética   em
detrimento dos marcos de outros poetas. Leandro escreveu seu marco já no ocaso da
vida, coisa que não precisaria tamanha a sua magnitude em cordel, a que deu‐lhe o
nome de O marco brasileiro:

Eu edifiquei um marco
Para ninguém derribar
E se houver um teimoso
Que venha experimentar
Verá que nunca fiz coisa
Para homem desmanchar.
(BARROS, 2002, pg. 215)

Apreciemos   a   tecnologia   para   transportar   a   pedra   fundamental   do   marco


brasileiro:

Cento e vinte mil guindastes
Levei para suspendê‐la
Noventa submarinos
Para ajudarem a erguê‐la
Setecentos mil vapores
Quase não podem trazê‐la.
(BARROS, 2002, pg. 215)

A data da construção do marco é dada por Leandro ao final do folheto:

Foi esse o primeiro marco
Que deste que escreve fez
Em vinte e oito de junho
De novecentos e dezesseis
Foi lembrança de um amigo
A pedido de um freguês.
(BARROS, 2002, pg. 217)
Elencamos sob o cordel lírico os folhetos de crítica de costumes. Aqui os poetas
dão   ao   seu  eu   lírico   uma   voz   que   se   apega   a   valores   do   passado   e   que   ataca   os
costumes do presente, onde está inserido. Este  Costumes e usos antigos  é bem um
exemplo desse tipo de folheto:

Os filhos antigamente
Respeitavam muito os pais
Não fumavam em sua vista
Não diziam ditos tais,
Brinquedo algum freqüentavam
E jogo, os que jogavam
Era oculto demais.

Hoje o pai vai para o jogo,
Lá o filho está primeiro
E os dois na mesma roda
Se põem a jogar dinheiro.
Dito vem, pilhéria vai
Entre ambos, filho e pai
Um do outro é pariceiro.
(GUEDES, 1977, pg. 19)

Recentemente um novo tipo de cordel começou a ser publicado. Graças ao
Projeto   Acorda   Cordel   na   Sala   de   Aula   folhetos   com   resumos   de   matemática   e
gramática da língua portuguesa tornaram‐se ferramentas pedagógicas nas escolas do
Ceará e de São Paulo. A base desse projeto é o livro Acorda Cordel na Sala de Aula, de
Arievaldo Viana, poeta cearense alfabetizado pelos folhetos de cordel. A introdução
em versos diz:

Para quem ama o cordel,
Porém só vê poesia
Nessa linguagem matuta
Pru quê, pru mode, pru via
Tendo o sertão como tema,
Pode esquecer meu poema
Bater noutra freguesia.

Pois eu procuro escrever
Num correto português.
E se acaso eu errar
Duas palavras ou três
Não foi por querer errar,
Foi procurando acertar
Isso eu garanto a vocês.
(VIANA, 2006, pg. 9)

Partindo   do   empenho   do   poeta   cordelista,   o   movimento   se   espalhou   pelo


Brasil, e vários poetas passaram a adotar o lema e a produzir cordéis que auxiliassem
os   professores   no   ensino   da   língua   e   da   gramática.   As   duas   sextilhas   iniciais   de
apresentação do projeto dizem respeito ao que mencionamos no capítulo um de nosso
trabalho ao tentarmos diferenciar o cordel do poema matuto. A linguagem matuta é
uma língua escrita forçada, caricatural. O cordel não quer esse tipo de ideologia e a
explicação da segunda estrofe contempla bem aquilo que defendemos. 
O   resultado   dessa   produção,   nós   colocamos   dentro   do  cordel   lírico.   A
Gramática em cordel, de José Maria de Fortaleza, já em oitava edição, antes do acordo
ortográfico, abre nossos exemplos:

O nosso lindo alfabeto
Oferece aos estudantes
As suas vinte e três letras
Bem claras e importantes.
São elas: cinco vogais
E dezoito consoantes.

Das vogais às consoantes
Quero, uma a uma, explicar:
As letras trazem fonemas –
E pra mais claro ficar,
Os fonemas são os sons –
Que usamos pra falar.
(FORTALEZA, 2006, pg. 2)

E segue pelas classes de palavras, graus dos adjetivos com essa pérola sobre o
grau superlativo:

Fiel, passa a fidelíssimo
E fácil, fica facílimo.
Negro, passa a ser nigérrimo;
Humilde, passa a humílimo;
Comum, fica comuníssimo
E difícil, dificílimo.
(FORTALEZA, 2006, pg. 9)

Transforma‐se   quase   em   um   trava‐língua,   aliás,   encontramos  um  Cordel   do


trava‐língua, de Cacá Lopes que diz:

Trava‐língua, exercício
Usado na dicção
E também é praticado
Na boa articulação
Praticar é bom, comece,
Na pronúncia não tropece, 
Use a imaginação.

Pesquisei os principais
Pra adaptar em cordel.
Ta saindo da garganta
E passando pro papel.
Quem adianta não atrasa
Pratique bastante em casa
Não é sopinha no mel.
(LOPES, 2008, pg. 1)

Dos mais difíceis é o lírico trava‐língua em V e F:

Lá vem vindo o velho Félix
Com o velho fole na mão;
Nas costas o fole fede,
Na frente não fede, não.
Nos botões, nas teclas bole;
Puxa o fole, velho mole!
Não amole no salão.
(LOPES, 2008, pg. 3)

Voltando   aos   cordéis   pedagógicos,   Varneci   Nascimento   escreveu  A   raiz   do


problema, sobre a figura de linguagem catacrese, na qual uma palavra é usada fora de
seu sentido para suprir uma lacuna vocabular. O título do folheto já é uma catacrese
anunciando o que virá. Diz o eu lírico que quer ver:

O PÉ DA MONTANHA cheio
De calo, dor e maltrato,
Frieira entre os dedos
E tendo chulé de fato,
Correndo apressadamente
De chinelo o de sapato.

A PERNA DA MESA é outra
Figura de admirar;
Pois mesa tem quatro pernas
Pra poder em pé ficar.
Tal quarteto poderia
Dispor‐se a caminhar.
(NASCIMENTO, 2008, pg. 9)
Consideramos o cordel como forma poética fixa e propomos nossa classificação
pelo enquadramento na teoria dos gêneros. Requeremos Vitor Manuel de Aguiar e
Silva como apoio nesta afirmação:

Por   outro   lado,   é   necessário   não   aplicar   a   designação   de


“gênero   literário”   a   formas   poéticas  constituídas   por   uma
determinada estrutura métrica, rítmica, rimática e estrófica,
tais como a canção, a sextina, o soneto, etc. É verdade que
algumas   destas   formas   poéticas   podem   estar
indissoluvelmente   vinculadas   a   um   determinado   gênero
literário ou a uma forma natural de literatura — a canção,
por exemplo, aparece intimamente vinculada à lírica —, mas
tais formas poéticas, em si mesmas, não constituem gêneros
literários,   devendo   antes   ser   consideradas   como   formas
poéticas fixas. (AGUIAR E SILVA, 1973, pg. 226)

Findamos   o   capítulo   acrescentando   que   o   cordel   por   ser   forma   fixa   é   possível
aprender‐lhe a técnica. Por isso nem todo cordelista é poeta, mas todo poeta pode ser
cordelista.
Conclusão

O estudo da professora Márcia Abreu Cordel português/folhetos nordestinos:
confronto — um estudo histórico comparativo passou despercebido por quase todos
os estudiosos do cordel. Tese de doutorado em Literatura Comparada é o estudo que,
em 1993, deveria ter alertado a comunidade amante do cordel, poetas inclusive, para
as   diferenças   fundamentais   entre   a   literatura   de   cordel   portuguesa   e   o   cordel
brasileiro. Caso tivesse sido folheado pelos pesquisadores que vieram depois, a teima
em costurar os dois produtos, um como herdeiro do outro, teria parado de suceder‐se.
As   observações   sobre   a   classificação   por   tema   também   teriam   recebido   outro
tratamento.   Diz   ela   referindo‐se   a   essa   classificação   dada   à   literatura   de   cordel
portuguesa:

Surge,   portanto,   a   necessidade   de   elencar   os   temas


tratados nos folhetos, que comporiam a literatura de cordel,
como fizeram Cardoso Marta e muitos outros críticos. Mas
as possibilidades são tantas, a lista torna‐se tão extensa que
acaba por tornar‐se inócua, pois não chega a delimitar um
corpus. Além disso, incluem‐se assuntos que o público não
reconhece como sendo cordel, mesmo quando editados sob
a forma de folhetos. (ABREU, 1993, pg. 244)

A mesma coisa que por aqui se repetiu. Os erros foram transpostos de Portugal
e mantidos no Brasil. As nossas classificações são quilométricas e encontramos ciclos
temáticos com apenas três ou quatro folhetos, como o ciclo de Carlos Magno, iniciado
com  A batalha de Oliveiros e Ferrabraz, de Leandro Gomes de Barros, e com mais
Roldão no Leão de Ouro, de João Melquíades Ferreira e Batalha de Carlos Magno com
Malaco, rei de Fez, de João Martins de Ataíde. Mesmo com essas evidências resolveu‐
se estabelecer esse ciclo. 
Uma outra revelação feita por Márcia Abreu e encampada por nós no primeiro
capítulo   diz   respeito   àquela   literatura   chamada   popular.   Diante   de   dificuldade   de
nomenclatura para o cordel português ela diz:
O autor que melhor percebe as dificuldades envolvidas na
definição de literatura de cordel é Arnaldo Saraiva que, além
de   apontar   a   insuficiência   dos   conceitos   já   elaborados,
discute o equívoco que consiste em assimilar o conceito de
“cordel” com o de “literatura popular”, como se tem feito
muitas vezes, em Portugal. O autor acredita que não se deve
aceitar que toda literatura dita de cordel seja popular. Ele
contrapõe à idéia de “popular”, um novo conceito no qual se
enquadraria o “cordel”, o de literatura “marginal/izada”, que
seria aquela ignorada, esquecida, censurada pelos poderes
literários, culturais ou políticos por razões de linguagem ou
de   produção   e   circulação   no  mercado.   (ABREU,   1993,   pg.
245)

A citação da professora Márcia Abreu, reproduzindo Arnaldo Saraiva, diz bem
da   situação   do   cordel   brasileiro   e   da   poesia   popular   como   um   todo.   Quando
discutimos que quem adjetiva esse tipo de produção literária é uma elite intelectual,
estamos   caminhando   na   mesma   senda.   A   nossa   classificação   procura   driblar   esse
conceito pela observação literária. Não que tenhamos algo contra o termo “popular”,
mas por entendê‐lo recheado de ideologia negativa, pejorativa e preconceituosa.
Reiteramos nossa  classificação norteada pelo conceito de  gêneros literários,
assim   distribuída:   Literatura>Poesia>Cordel:   narrativo,   dramático,   lírico.   Na   qual   o
cordel é uma forma fixa da poesia que pode manifestar‐se de três formas distintas,
sem pureza textual, com uma característica predominante. Assim, o cordel narrativo
pode conter partes líricas e dramáticas e vice‐versa.
As   classificações   temáticas,   ao   nosso   olhar,   são   obsoletas   em   termos   de
literatura, servindo apenas para agrupamentos por temas, criando conjuntos que nada
dizem. Para nós, a figura do autor de cordel deve ser respeitada como a de qualquer
escritor que sinta a necessidade de escrever. Ao escritor cabe escrever sobre o que lhe
convier e sua produção literária deve ser estudada sob a luz dos estudos literários.
Para efeito conclusivo, relembremos as nossas observações sobre o cordel brasileiro:
a) o nome literatura de cordel é de origem lusa, mas má empregada em relação
aos   nossos   folhetos   de   cordel,  visto   que  são   fenômenos   distintos,   havendo
mais divergências do que semelhanças entre eles;
b) não se sabe quem primeiro atribuiu esse nome aos folhetos. Alguns dizem ter
sido Sílvio Romero, em 1879, mas as evidências contradizem a afirmação;
c) quem sistematizou a publicação de folhetos de cordel foi, sem dúvida, Leandro
Gomes de Barros, embora Silvino Pirauá tenha sido o criador do romance em
versos;
d) a literatura tradicional ibérica foi adaptada no amanhecer do século XX para o
formato do cordel, mas não é o assunto principal do gênero;
e) a   literatura   de   cordel   não  é   a   versão  escrita   do  universo   dos   cantadores   e
repentistas   nordestinos,   é   produto   estritamente   escrito,   tendo   inclusive,   o
cordel, influenciado as modalidades da cantoria;
f) as   tentativas   de   conceituar   o   cordel   foram   sempre   regidas   pela   sua
apresentação material, nunca pela sua forma literária;
g) a literatura de cordel sempre foi tida como um subproduto popular;
h) o   autor   de   cordel   é   um   poeta   como   outro   qualquer,   escreve   porque   tem
necessidade vital;
i) a literatura de cordel é literatura brasileira e como tal deve ser estudada;
j) os   estudiosos   do   cordel   foram   incapazes   de   dar   à   literatura   de   cordel   sua
verdadeira dimensão literária;
k) as novas gerações de cordelistas consagram o cordel como o gênero de maior
vitalidade na literatura brasileira.

Salientem ainda:

a) a literatura de cordel não tem cunho efetivamente rural. É fruto da confluência
do mundo rural com o mundo urbano, do sertão com a cidade;
b) a cidade do Recife é o local onde nasce a literatura de cordel tal como hoje ela
é, em sua forma e veículo de difusão;
c) quatro   nomes   contemporâneos   são   os   responsáveis   pela   consolidação   da
literatura de cordel: Silvino Pirauá, Leandro Gomes de Barros, João Martins de
Ataíde e Francisco das Chagas Batista.
d) Leandro Gomes de Barros é definitivamente o pai da literatura de cordel e seu
maior escritor;
e) Estudiosos e pesquisadores desatentos ou preguiçosos foram os responsáveis
por disseminar informações equivocadas, conceitos errados e enganos formais
sobre a literatura de cordel.

Finalizamos:

a) Propomos uma nova classificação para a literatura de cordel, começando já
pela   abreviação   do   nome   para  cordel,   por   entendermos   que   esse   termo   já
pressupõe pela tradição o seu produto literário;
b) O fazemos por entender que o cordel traz em si todos os elementos distintivos
da literatura;

c) As classificações temáticas ou em ciclos não contemplam a autoria em cordel,
agrupando temas e segregando os autores, sob a marca do folclórico;

d) O cordel é forma poética fixa complexa que requer subdivisões classificatórias;

e) O cordel, por nossa  classificação, compreende o  narrativo, o  dramático  e o


lírico;

f) A   nossa   classificação   é   embrionária   necessitando   apreciações   aprofundadas


com o intuito de introduzir o cordel no todo literário brasileiro e na teoria dos
gêneros literários como forma originalmente brasileira.

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Literários)

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