A Guarda-Costas - Adriana P. Silva
A Guarda-Costas - Adriana P. Silva
A Guarda-Costas - Adriana P. Silva
Adriana P. Silva
PEL
Copyright © 2020 Adriana P. Silva
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mecânico, incluse por meios de processos xerográficos, incluindo ainda o uso da internet, sem
permissão expressa da Editora Palavras, Expressões e Letras, na pessoa do seu editor (Lei 9.610 de
19/02/1998)
Todas as personagens e eventos descritos no livro são ficcionais. Qualquer semelhança com a realidade
será mera coincidência.
ISBN - 978-85-67690-18-6
Title Page
Copyright
Dedication
Capítulo 01
Capítulo 02
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 06
Capítulo 07
Capítulo 8
Capítulo 09
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Epílogo
Capítulo 01
A festa estava a todo vapor. A música alta, eletrônica, ditava o ritmo dos
corpos agitados na pista de dança. Um jato de fumaça foi lançado ao mesmo
tempo que os spots mudaram de cor, jogando nuances esverdeadas sobre o
público presente. O Dj trocou de música, e muitos assovios de aprovação
foram ouvidos, porém para Micaela, aquela era a sua deixa para ir até o bar
pegar uma água. Pegou o braço da amiga e caminharam juntas para o piso
superior, de onde teriam uma boa visão da pista de dança.
— Que noite sensacional! – gritou Liliane em seu ouvido. – Melhor que a
de ontem!
— Ontem tava zuado! – concordou a jovem de dezenove anos. – Não
tinha nem um cara gato pra dar uns beijos.
— Hoje tem bastante! Olha aquele de camisa branca, ali no bar. Gatinho!
— Gostoso! – Concordou Micaela. – Vamos lá falar um oi? O amigo dele
também é bem delicinha!
— Se é! Vamos!
Micaela arrumou os longos cabelos loiros, que estavam ondulados, caindo
como uma cascata à suas costas. Liliane também passou as mãos na cabeça,
conferindo o cabelo liso, fio a fio até a cintura. Juntas se aproximaram do
balcão, parando rente aos rapazes.
— Duas long-neck – pediu Micaela ao sorrir para a bartender.
Assim que as duas garrafas foram depositadas na frente ambas, as jovens
pegaram, fingindo colocar força para abrir. Logo um dos rapazes se
prontificou em ajudá-las.
— Obrigada – agradeceu a loira com um sorrisinho com mil promessas.
— Meu nome é Enzo. Esse é o Diego.
— Muito prazer. Eu sou Micaela. Minha amiga Lili.
— Vocês querem dançar? – chamou Diego.
Liliane concordou com um aceno e deu um discreto sorriso na direção de
Micaela. Em pouco tempo, os quatro estavam na pista, divertindo-se sob o
som de música eletrônica. Em questão de minutos, estavam aos beijos com os
rapazes.
— Vou pegar mais bebidas para nós – anunciou Enzo. – Cuida da minha
gata também, Diego!
O amigo concordou com um aceno e ficou dançando com as duas garotas
na pista de dança. Micaela sorriu quando outro copo de bebida foi colocado
na sua mão e soltou um grito empolgada quando o dj mudou o som para funk.
Se esbaldou na pista, junto com seu acompanhante em amassos ousados,
sendo capturado por algumas câmeras de celulares. Já era quatro e meia da
manhã quando saiu da casa noturna aos beijos com o rapaz e os fotógrafos de
plantão capturaram sua saída com suas lentes. Dispensou o motorista que a
esperava e entrou no carro junto com os rapazes e Liliane, saindo em direção
a um motel.
Júlia saiu do set de filmagem e logo uma assistente da produção veio para
o seu lado, com um copo de água e seu celular. Bebeu todo o liquido
enquanto levantava o aparelho na altura dos olhos para enxergar a mensagem
de Alberto.
“Fico mais duas semanas na Síria. Depois tenho que passar no escritório
de Londres. Provavelmente só volto pra casa no final do mês”.
A atriz deu um suspiro audível enquanto devolvia o copo para a
assistente. Mariana começou a caminhar do seu lado, em direção ao camarim.
— Algum problema, Júlia?
— Alberto mandou uma mensagem. Diz que, provavelmente, volta no
próximo mês. Eu preciso dele aqui. Eu... É pedir demais querer meu marido
por perto?
— Não, não é pedir demais. Logo ele volta, Júlia. Aguenta só mais um
pouco – riu a assessora.
— E Micaela?
— Ela foi pra faculdade de manhã. O motorista disse que ela entrou,
mas...
— Mas o que?
— Sabemos que se ela quiser pode sair a qualquer momento. Ela pode
estar em qualquer lugar agora, como já fez várias vezes antes.
— Conseguiu falar com sua amiga que tem a empresa de seguranças?
— Sim. Ela falou com o marido, tem alguns candidatos que se encaixam
no perfil que solicitei. Mulher, mais de trinta, com disponibilidade total.
— Não é melhor homem na segurança?
— Sexo é indiferente quanto às habilidades da função – respondeu
Mariana dando ombros. – Pedi uma mulher para que ela possa entrar até em
banheiros com Mic.
— Isso não é exagero? Não quero alguém no pé da Micaela até quando
ela for ao banheiro!
— Sabe quantas coisas um grupo de garotas podem fazer dentro de um
banheiro?
— Eu sei, mas...
— Júlia, me desculpe a ousadia, mas você precisa parar de mimar
Micaela. Vocês brigam e manda ela para a Europa, discutem e corta cartão de
crédito e o dinheiro na conta, mas mesmo assim dá dinheiro pra ela usar
como bem entender. Micaela sabe que pode fazer o que quer porque você
sempre vai protegê-la!
— É minha filha, é claro que vou proteger ela!
— Proteção, cuidado de mãe, é uma coisa. Você está mimando-a. Pare de
mimar porque se continuar assim, vai chegar o dia que seu nome estará em
uma matéria indo visitar a filha na reabilitação.
Júlia apenas olhou para a assessora e nada respondeu. Sabia que não
podia tirar sua razão, pois várias vezes ela mesma havia se questionado se
estava mimando Micaela mais do que devia.
— Depois que selecionar as seguranças, quero conversar com elas, antes
que confirme a contratação.
O relógio marcava cinco horas da tarde, quando Hadassa
informou seu nome para o segurança da luxuosa casa. Depois da liberação,
entrou na propriedade, já enxergando o belo jardim que ornava a entrada
principal. Quando fez menção de ir bater na porta, uma mulher, negra com
aproximadamente quarenta anos, bem vestida num tailleur bem cortado,
apareceu para recebê-la.
— Você deve ser “ Maya Adassa, Radassa”, desculpe, não sei a
pronuncia do seu nome.
— “Radassa”, é com H.
— Ah, não vou me esquecer mais disso – sorriu. – Meu nome é Mariana,
sou funcionária da proprietária da casa. Por aqui, por favor.
Hadassa concordou com um aceno e seguiu a mulher pelo corredor lateral
até uma porta que já dava direto para o escritório bem decorado. Acomodou-
se na poltrona de couro branco que ela indicava, enquanto Mariana pegava
uma pasta e uma caneta.
— Bom, Maya, você já sabe que a vaga é para ser segurança pessoal de
uma adolescente, não é? Benefícios e salário também foram passados por
Mário, certo?
— Sim, meu supervisor, Fernando, me passou as informações.
— Ótimo! Me responde, Maya, já trabalhou como segurança pessoal
antes?
— Hadassa, por favor. Maya foi o nome que meu pai escolheu e não
gosto dele. Não me traz boas recordações. Mas respondendo a sua pergunta,
eu já trabalhei como segurança pessoal, mas em eventos, escalada para
proteger o contratante em questão. Como guarda-costas não, mas conheço a
rotina e o trabalho de um.
— Certo. Você tem uma filha, que idade tem ela?
— Cinco anos. Minha princesa.
— E com quem ela fica quando está trabalhando?
— Com minha irmã. Moramos juntas, então ela me dá todo o apoio que
preciso.
— Que idade tem sua irmã?
— Vinte e cinco. Ranellory também é como uma segunda mãe pra ela.
— Devo dizer que sua mãe gosta de nomes diferentes, não é? Qual a
origem de Ranellory?
— Não faço a mínima ideia – sorriu Hadassa. – Minha mãe apenas dizia
que foi uma sugestão e ela gostou.
— Sua mãe é falecida? – perguntou Mariana, perspicaz.
— Sim. Há dez anos.
— Ok. Bom, me fale um pouco do seu trabalho como segurança.
Hadassa passou a relatar toda a sua experiência profissional, desde que
tinha começado a trabalhar como segurança, quando ainda tinha vinte e cinco
anos. Mariana pouco a interrompia, mas percebeu que ela estava anotando
informações a seu respeito. Ainda não sabia quem era sua empregadora, mas
pode avaliar, pela entrevista minuciosa, que se tratava de alguém do alto
escalão. Estava falando sobre seu último trabalho quando a porta interna do
escritório foi aberta abruptamente.
— Onde minha mãe está? – perguntou Micaela para Mariana, sem sequer
notar outra pessoa dentro do escritório.
— Boa tarde, Micaela. Sua mãe está descansando. Precisa de algo?
— Obvio que sim, não é? Não ia procurar ela à toa!
Mariana se limitou a encarar Micaela, enquanto Hadassa fazia o mesmo.
Não precisou nem de um minuto para a segurança chegar à conclusão de que
não aceitaria aquela vaga, se a adolescente fosse a garota sem educação à sua
frente.
— Vá até o quarto dela e fale com ela. Eu estou no meio de uma
entrevista agora.
Foi somente naquele momento que Micaela se atentou à segunda pessoa
presente na sala. Observou a mulher sentada na poltrona, usando uma camisa
branca e uma calça social preta, claramente revelando que se tratava de uma
funcionária.
— Vamos aumentar o quadro de funcionários agora?
— Depois eu converso com você – disse Mariana contendo um suspiro. –
Sua mãe não está dormindo, vá falar com ela.
Micaela não respondeu nada, apenas deu meia volta e saiu do escritório,
batendo a porta. Mariana sorriu, desconfortável, para Hadassa.
— Me desculpe por essa intromissão. Micaela é uma garota bastante
impetuosa.
— É pra ela que querem guarda-costas?
— Exatamente. Micaela está numa fase de querer sair com pessoas
estranhas, tendo atitudes estranhas. A mãe quer alguém que possa protegê-la
disso.
Hadassa deu um sorriso de canto de lábios, encarando Mariana.
— Uma babá de adolescente problemática? Me desculpe a sinceridade na
pergunta, mas é o que me parece.
— Bom, já sabe de quem ela é filha, não é?
— Júlia alguma coisa, pouco assisto televisão então não lembro o
sobrenome. O pai dela é jornalista, não é? Está fazendo a cobertura do
conflito na Síria. Vi uma reportagem na internet dias atrás.
— Exatamente. Alberto Caloni. Micaela, de fato, se tornou uma
adolescente problemática. É única filha dos dois, sempre muito mimada por
ambos e acabou se tornando uma pessoa difícil.
— Serei sincera com você – começou Hadassa escolhendo as palavras. –
Está me parecendo que vocês querem uma babá especializada para manter ela
longe de confusão. Não sei se me encaixo nesse perfil.
— Já deu para ter uma amostra do tamanho do problema, não é? – sorriu
Mariana.
— Eu já tenho uma filha para escutar os desaforos dela, quando ela for
adolescente. Não quero fazer um teste intensivo antes – riu a segurança, sem
graça.
— Eu entendo perfeitamente. Bom, de qualquer forma, obrigada por ter
vindo. Caso tenha alguma outra coisa, que não seja Micaela, podemos entrar
em contato...
Outra vez foram interrompidas pelo barulho da porta. Diferente da
primeira vez, três batidas sinalizaram que alguém estava entrando. Júlia
adentrou o espaço, com um sorriso no rosto.
— Boa tarde, meninas, tudo certo por aqui?
Hadassa imediatamente se levantou, esticando a mão para a bela mulher
loira que correspondia seu cumprimento. Júlia indicou a poltrona para que ela
voltasse a se sentar e ocupou a poltrona do lado.
— Bom, meu nome é Júlia. Você é a segurança que Mário indicou, não é?
Creio que já conheceu minha filha, Micaela. O quanto antes puder começar,
será ótimo! Hoje, se possível! Ela acabou de me dizer que vai em uma rave,
Deus-sabê-onde, e não quero que ela ande mais desacompanhada.
Hadassa sorriu para a atriz, mas se virou para Mariana, a procura de
ajuda. A assistente veio em seu socorro de imediato.
— Eu já conversei com Hadassa, depois conversaremos sobre o que
decidimos.
— Hadassa, que nome diferente! – sorriu simpática. – Algum problema?
Ficou alguma dúvida do que foi passado?
— Acredito que a vaga não se encaixe no perfil dela – novamente
interferiu Mariana.
— Ah não, por favor! As informações que Mariana me passou a seu
respeito são ótimas, tem um excelente currículo!
— Acredito que podemos tratar disso depois, Júlia...
— Eu gostaria que Hadassa me respondesse, Mariana – a atriz cortou,
sorrindo, porém com firmeza. – Pelo que entendi algo não se encaixou. O que
foi? Pode me falar qualquer coisa.
Hadassa novamente olhou para Mariana, que apenas deu ombros em meio
a um suspiro. Tornou a se virar para a atriz, que ainda a encarava, esperando
uma resposta.
— Não quero parecer inconveniente, mas como eu havia dito à Mariana,
eu não tenho o perfil da vaga para acompanhar uma adolescente... Ah... Tão
intensa como Micaela. Agradeço a oportunidade, mas eu não vou aceitar.
— Eu sei que Micaela pode ser bem impulsiva às vezes, mas tenho
certeza que com segurança ela vai se controlar. Se a questão for o salário, não
se preocupe, eu...
— Não, não, por favor – cortou Hadassa. – A questão não é dinheiro.
— Desculpe se pareço insistente, mas qual o real motivo da recusa?
— Sua filha é uma mimada mal-educada – Hadassa foi direta. – Me
desculpe se pareço grossa falando isso, mas eu não vou me sujeitar a tomar
conta de uma garota que falará comigo da forma como ela falou com
Mariana. Já tenho uma filha que vai me dar dor de cabeça quando entrar na
adolescência. Não quero passar por isso antecipadamente.
Hadassa ficou olhando a mulher que a encarava atônita. Desviou os olhos
para ver Mariana, também lívida na cadeira à frente. Deduziu que havia
pegado pesado demais.
— Olha, me desculpe! Me desculpe a sinceridade – Hadassa continuou
falando ao se levantar. – Eu agradeço a oportunidade e o tempo que
disponibilizou para me receber.
— Está tudo bem – balbuciou Júlia. – Obrigada por ter vindo.
— Eu... Eu te acompanho até a porta – Mariana também se levantou.
Hadassa ainda meneou a cabeça na direção de Júlia, antes de sair na
companhia da assessora. Assim que saíram do escritório, a atriz apoiou o
braço no encosto da poltrona, pensativa. Demorou cinco minutos para que
Mariana retornasse.
— Bom, Júlia, tem outras candidatas, não se preocupe. A lista que Mário
me passou ainda tem mais cinco candidatas à vaga, certamente...
Júlia não olhou para Mariana, que continuava a falar sem que ouvisse
nada. A mente estava concentrada na mulher que havia deixado seu
escritório. Se encolheu, com um suspiro, quando sentiu o arrepio percorrer
sua nuca.
Capítulo 03
Hadassa chegou em casa já ia dar oito horas da noite. Assim que entrou
na sala, já enxergou a irmã e a filha, sentadas rente a mesinha de centro,
jantando, enquanto assistiam desenhos na televisão. Deu um beijo na cabeça
de ambas, se juntando a elas.
— E aí, como foi? – quis saber Ranellory.
— Não aceitei a vaga.
— Por quê? Era ruim?
— A vaga é boa, mas eu conheci a garota para quem querem que eu
trabalhe. Uma garota mimada, mal-educada pra caramba. Não estou passando
fome pra ficar escutando desaforo de patricinha sem noção.
— Melhor coisa então! – concordou a irmã.
— Mas eu conheci aquela atriz, Júlia alguma coisa. Não lembro o
sobrenome dela. Aquela que é casada com um jornalista, sabe?
— Júlia Albuquerque? Eita! Pegou um autógrafo?
— Claro que não, né?!
— Era pra trabalhar para a filha dela, a Micaela?
— Isso mesmo. Pensa numa garota sem educação nenhuma? Falou com
Mariana, que é funcionária da Júlia, com uma estupidez e arrogância que nem
sei como explicar. Dona do mundo, sabe? Preciso disso não.
— Ela sempre sai em escândalos por aí. A última foi uma... – fez uma
pausa olhando para a sobrinha entretida com a tevê e um pedaço de nuggets
de frango. – Uma festa com dois caras e uma amiga, se é que me entende.
— Entendo – riu Hadassa. – Não me tornei segurança para bancar de
babá para meninas mal-educadas. E nem é uma menina, uma mulher já.
— Ela é bonita mesmo como nas fotos?
— É linda. Tanto ela como a mãe. Ninguém fala que aquela mulher já
tem uma filha adulta. Mas Micaela é sensacional. Onze de dez.
— Humm curtiu a patricinha? – sorriu Ranellory.
— Não viaja, Rane. Eu vou tomar um banho e jantar também.
— Não vai trabalhar hoje?
— Hoje não. Minha folga.
— Eu vou sair com Cristiano então. Vou dormir na casa dele.
— Vai sim, Isabela e eu faremos uma guerra de travesseiros mais tarde –
sorriu ao passar a mão nos cabelos da filha, em uma caricia. – Amanhã só
trabalho a noite, então nem precisa voltar cedo.
— Tá bom. Vou ligar para ele e me arrumar. Vai tomar seu banho, antes
que a janta esfrie.
Hadassa concordou com um aceno e deu outro beijo no cabelo da filha,
antes de se levantar e seguir para o quarto. Depois do banho, jantou e se
sentou com a filha no tapete, desenhando com ela. Uma hora depois Cristiano
chegou, para buscar a namorada. Cumprimentou o rapaz que ainda brincou
um pouco com Isabela, antes de sair com Ranellory para o cinema.
A morena passou parte da noite com a filha, brincando e conversando
com ela, antes que o sono pegasse a menina. Colocou-a na cama e seguiu
para o próprio quarto, deitando para descansar o corpo exausto. Pegou a foto
da ruiva na mesa de cabeceira, e abriu um sorriso ao tocá-la com as pontas
dos dedos.
— Oi Rebeca!
Júlia estava sendo maquiada para a gravação das últimas cenas quando
Mariana se aproximou com o celular que tocava em sua mão. Pegou o
aparelho e abriu um sorriso ao ver que era o marido.
— Alberto, finalmente resolveu me ligar?
— Oi amor. Você sabe que está corrido aqui. Quero saber que história é
essa de ter colocado uma segurança com Micaela.
— Ela já foi reclamar com você? Era preciso. Micaela está
completamente fora de controle, indo a festas, andando com pessoas
estranhas, provocando escândalos. Com uma segurança, ao menos, ela para
um pouco.
— Você sabe que isso invade completamente a privacidade dela, não é?
— Eu sei, mas enquanto ela não começar a se comportar, não vou tirar
Hadassa de perto dela.
— Meu amor, não está sendo radical? Micaela é só uma adolescente!
— Você diz isso porque não passa muito tempo com ela. Se visse as
barbaridades que ela faz e fala, concordaria comigo. É uma decisão da qual
não vou voltar atrás, Alberto. Hadassa é uma boa pessoa, muito bem indicada
por Mário. Ela vai permanecer no trabalho.
— Ok. Eu vou para Londres na próxima sexta, fico dois dias para
atualizar a redação, depois volto para casa. Conversamos sobre isso quando
eu voltar.
— Tudo bem. E como você está? Está em um lugar seguro?
— O país, em si, não está seguro. Muitos conflitos, os grupos opositores
ao governo continuam fazendo uma frente forte de resistência. Os Estados
Unidos...
Júlia ficou por um tempo conversando sobre o trabalho do marido e
colhendo informações dos conflitos que se sucediam desde dois mil e onze.
Dez minutos depois se despediram e a atriz deu um suspiro, encarando-se no
espelho. Tinha grande medo de algo acontecesse com Alberto lá, e ele corria
vários riscos: desde ficar no meio do fogo cruzado ou se tornar um
prisioneiro de guerra. Não via a hora de que ele estivesse de novo em casa.
Enquanto a maquiadora retornava a fazer seu trabalho, Júlia ficou em
silêncio, pensando na ligação do marido, questionando-a sobre Hadassa.
Micaela devia estar fazendo de tudo para dificultar seu trabalho. Tornou a
pegar o celular, dispensado sobre a penteadeira, e intentou ligar para a filha,
mas mudou de ideia.
— Mariana – chamou. Logo a assessora estava ao seu lado. – Tem o
telefone da Hadassa?
— Tenho. Quer que eu ligue pra ela?
— Não. Me manda o contato no whatsapp.
Mariana concordou com um aceno e logo passou a mensagem. Júlia
salvou no celular e pediu um minuto para maquiadora. A profissional se
afastou e a atriz se levantou, saindo do camarim, enquanto o telefone tocava
duas vezes.
— Alô? – atendeu a segurança.
— Oi, Hadassa, é Júlia. Acho que não salvou meu número, não é? –
perguntou ao se apoiar na parede do corredor vazio.
— Não, mas estou com seu número comigo.
— Bom. Esse é meu whatsapp também. Qualquer coisa é só mandar
mensagem nele, ou me ligar, se preferir. Só não vou atender se estiver em
gravação.
Do outro lado da linha, Hadassa apenas entortou a cabeça levemente,
estranhando a disponibilidade da atriz. Não deixou que sua estranheza
ecoasse na resposta.
— Farei isso, caso tenha algum problema. Aliás, algum problema?
— Não, nenhum – Júlia respondeu passando a mão no cabelo. – Quer
dizer, Alberto me ligou porque Micaela entrou em contato com ele. Como ela
está? Te dando muito trabalho?
— Ela só tentou me enganar para sair disfarçada da faculdade, mas eu a
enxerguei. Acho que foi por isso que ficou irritada.
— Não acredito! – riu Júlia. – Como ela saiu disfarçada?
— Colocou um boné para disfarçar o cabelo, um agasalho de algum
colega.
— Só Micaela mesmo! Não sei como consegui criar uma filha tão...
Intensa. Aliás, você sabe. Me disse isso.
— Não deveria ter soado de maneira tão grosseira.
— Gostei que tenha me falado, aliás foi por isso que te contratei. Eu
deleguei muitas coisas a outras pessoas na criação dela. Duas babás sempre,
funcionários a todo momento enquanto eu estava em gravações pelo Brasil.
Alberto também sempre viajando. Falhamos e admito que falhei.
— Não se julgue tanto. Não existe pais perfeitos. São errados quando não
dispensam muita atenção, são errados quando grudam demais. A rebeldia da
adolescência virá por qualquer um dos dois comportamentos.
— Sim. Você é muito ligada à sua filha?
Hadassa se encostou contra o vidro, ainda atenta as duas saídas da sala,
mas mais atenta a conversa do telefone.
— Eu sou muito ligada a Isabela sim – respondeu com um sorriso. – Ela é
minha vida.
— Me manda uma foto dela?
— Mando. Espera.
Hadassa tirou o telefone da orelha e acessou sua galeria de fotos.
Escolheu uma da filha, vestida para uma apresentação da escola. Enviou para
a atriz e tornou a falar com ela.
— Mandei.
— Ah, recebi. Deixa eu ver a carinha dela.
Júlia acionou o viva voz por poucos segundos, enquanto via a garotinha
ruiva, completamente diferente da mãe. Certamente deveria se parecer com a
esposa falecida e foi isso que questionou em seguida.
— Ela é muito linda! Parece com sua esposa?
— Parece. Ela é tão linda quanto a mãe.
— É realmente muito lindinha! Já fez book dela?
— Não. Nunca nem pensei sobre isso.
— É uma boa. Ela é linda demais. Tenho certeza que ficaria incrível uma
sessão de fotos com ela. Se quiser, conheço alguns fotógrafos. Mesmo que
não queira colocar no meio artístico, é legal para guardar de recordação e...
— Júlia, estamos em cima da hora – anunciou Mariana ao aparecer na
porta.
A atriz apenas concordou com a cabeça e esperou que a assessora
sumisse, antes de retornar ao telefone.
— Bom, eu tenho que voltar. Pense sobre um book pra ela: posso ajeitar
tudo.
— Vou pensar – afirmou Hadassa. – Vai gravar agora? – perguntou,
impulsivamente.
— Vou. Algumas cenas em estúdio.
— Boa gravação então.
— Obrigada. Até mais tarde!
— Até.
Júlia desligou o celular e não conseguiu conter o sorriso no rosto, ao
pensar em como a voz de Hadassa era ainda mais gostosa por telefone. Ainda
ajeitou a roupa e o cabelo, antes de retornar para o camarim.
— Estava falando com Hadassa? Algum problema?
— Não, nenhum – sorriu. – Vamos terminar a maquiagem?
A maquiadora concordou e voltou a ocupar o mesmo lugar de antes, sob o
olhar de Mariana. Apesar de ser sempre educada com todos os funcionários,
era a primeira vez que via Júlia pegar o telefone e ligar diretamente para um
deles e não lhe relatar o problema. Talvez por ser a primeira segurança que
ficava diretamente ligada a Micaela, mas sentiu, bem no fundo da mente um
alarme apitar devido ao sorriso fácil em seus lábios.
A noite foi insone para a atriz. A todo momento se virava de um lado para
o outo, pensando no que tinha acontecido naquele final de semana. Se sentia
completamente mal por ter tido atração por Hadassa, por ter tomado a
iniciativa de demonstrar sua atração, quando, na verdade, a morena estava
afim de sua filha. O pior disso tudo era que teria que conviver com a morena
dentro da sua família, como namorada de Micaela.
Por um longo tempo também pensou em Micaela. Era inegável que
Hadassa estava fazendo bem a ela. Havia conseguido ter uma conversa séria
com a filha que não terminasse em discussão, já tinha dias que ela não
promovia nenhum escândalo na mídia. Conseguia ver, nitidamente em seus
olhos que ela estava apaixonada. Não havia restrições de sua parte que ela
saísse com uma mulher, nem poderia ter, mas era incomodo por saber que era
Hadassa.
O dia amanheceu sem que conseguisse pregar os olhos. Escutou o
discreto barulho dos funcionários chegando para o trabalho e ainda enrolou
na cama, por um longo tempo, antes de se levantar e ir tomar um banho.
Deixou a água quente correr pelo seu corpo, levando a noite não-dormida e
sua frustração para o ralo. Se vestiu lentamente, decidida a colocar uma Júlia
diferente no lugar. Não era mais a mesma da noite anterior ou a da semana
anterior. Estava escondendo aquela Júlia, para que uma nova surgisse.
Mariana interrompeu seu momento de reflexão ao entrar no quarto.
Estava terminando a maquiagem quando ela se aproximou.
— Bom dia, Júlia. O que aconteceu para ir para a Europa tão
repentinamente?
— Saudades do Alberto – sorriu para a assessora. – Eu sei que ele volta
na próxima semana, mas não quero mais esperar. Também quero conversar
algo com ele, longe de Micaela.
— Algum problema?
— Depende do ponto de vista. Micaela está namorando com Hadassa.
— O que? Como assim?!
— Bom, tanto ela quanto Hadassa dizem que não sabem ainda onde isso
vai dar, mas sabemos que pode durar um bom tempo.
— Como você está com isso? – perguntou Mariana, preocupada.
— Olha, Micaela nunca enganou que gosta de mulher também, não é?
Pessoas, como ela gosta de dizer. Ela se atrai por pessoas.
— Mas teve alguma discussão? Algo que...
— Não, não. Eu achei, a princípio, que ela estava fazendo isso como uma
forma de afronta, alguma maneira de tirar a guarda-costas, mas foi Hadassa
que me contou primeiro ontem, depois conversei com Micaela. Eu consegui
conversar com Micaela! Tem noção do que é isso?! – perguntou mantendo o
sorriso no rosto.
— Hadassa é bem mais velha que ela.
— O que não é problema algum. Alberto também é mais velho que eu.
Quinze anos mais velho, a diferença delas é de dezesseis anos.
— Como você acha que ele vai reagir com isso?
— Não sei. Realmente não sei, por isso que prefiro ir encontrá-lo em
Londres para conversar sobre isso longe delas. Pelo que conheço dele, não
fará objeções, mas é a primeira vez, de fato, que ela arruma um namoro sério.
— Mas você disse que elas falaram que não é sério.
— Pelo que entendi estão indo com cautela, algo completamente
compreensível também, mas espero mesmo que firmem. Micaela precisa de
alguém mais centrado e Hadassa faz bem a ela.
— Caramba! Isso é uma tremenda novidade!
— Não é?! – deu um risinho. – E ainda ganhei uma neta no processo!
Preciso que me arrume umas roupas mais adequadas para isso. Algumas que
pareça de vovó mesmo.
Mariana deu risada, ainda olhando para Júlia com desconfiança. Balançou
a cabeça em sentido positivo e desviou o assunto para a viagem, que havia
conseguido para aquela noite. A atriz demonstrava leveza e entusiasmo no
que estava falando, mas a conhecia como poucas pessoas. Porém se Júlia não
queria falar nada, não seria ela a tocar no assunto.
— O que você vai fazer hoje? Sua agenda está vazia.
— Tenta um atendimento completo com Rafael no salão dele. Veja se
pode me atender. Caso contrário, tente alguém do Janine. Vou passar na
minha irmã, para conversar com ela, depois venho arrumar minhas coisas.
Dez horas o voo, não é?
— O embarque. Decolagem é as onze.
— Perfeito.
Júlia terminou de se arrumar e pegou os óculos escuros, já colocando no
rosto. A bolsa já estava sobre uma poltrona e a acomodou no antebraço,
saindo do quarto em seguida. Desceu as escadas em direção a porta de saída,
com Mariana no seu encalço e saiu para a frente, onde seu carro já estava
esperando-a.
— Meu celular! – lembrou. Abriu a bolsa para ter certeza que havia
ficado no quarto. – Você pega pra mim, Mariana?
A assessora concordou e voltou para dentro da casa. Júlia fez menção de
embarcar, mas o portão abrindo, fez com que pausasse o ato. Enxergou
Hadassa entrando com a moto, indo para o lado da garagem. Ficou batucando
o teto do carro, deliberando se deveria ir até ela, mas antes que pudesse tomar
qualquer decisão, enxergou-a aparecendo na lateral da casa. Observou-a
através das lentes escuras dos óculos, e tentou não se focar no casaco de
couro aberto, que revelava a camiseta por baixo, colada no corpo. Era tão
errado, em níveis que nem conseguia mensurar. Escondeu seu desconforto
com um sorriso.
— Bom dia, Hadassa.
— Bom dia, Júlia.
— Bom, eu já estou de saída e... – Júlia titubeou ao olhar para o motorista
ao lado. – Vem aqui, um pouco.
Hadassa acompanhou a atriz para um canto na entrada principal. Júlia
tirou os óculos, para encarar a segurança.
— Agora você tem uma liberdade maior aqui, então, se quiser, pode ir no
quarto de Micaela, tá bom? Só não... é...
A segurança sorriu diante do embaraço da loira, ajeitou os cabelos soltos
com a mão esquerda, pensando se devia ou não interromper sua tentativa
frustrada de alertá-la.
— Eu não vou no quarto da Micaela, Júlia. Menos ainda pelo motivo que
está imaginando. Não iremos transformar sua casa em um motel.
— Sempre esqueço de como você é direta! – riu a atriz, voltando os olhos
para o chão. Tornou a encarar os olhos verdes e mordeu o lábio inferior, para
conter o riso de nervoso. – Obrigada por isso, tornar minha fala mais fácil.
— Vai viajar hoje?
— Vou. Meu voo sai às onze da noite.
Hadassa balançou a cabeça em sentido positivo, sem desviar os olhos de
Júlia que sustentava seu olhar. Tornou a ajeitar o cabelo num ato
desconcertado.
— Para de fazer isso! – resmungou Júlia baixinho.
— Não entendi.
— Para de arrumar o cabelo assim – repetiu em voz alta. – Eu preciso ir.
Provavelmente não te veja mais, então, fiquem bem aqui, tá bom.
— E você faça uma boa viagem. Se divirta por lá.
— Obrigada.
Júlia deu o primeiro passo para abraçar Hadassa, em uma despedida.
Encostou a cabeça em seu ombro, imprimindo força nos braços para um
abraço mais forte. A segurança correspondeu e deu um beijo nos seus
cabelos.
— Estamos lhe esperando, Júlia – Mariana se aproximou. Já tinha visto a
atriz com a segurança, mas achou de bom tom, interromper o momento das
duas.
— Já vou – respondeu a atriz ao se afastar do contato. Enxergou a
assistente tomar distância novamente e voltou a olhar para Hadassa. – Cuide
bem de Micaela. Literalmente é sua responsabilidade.
— Vou cuidar.
Júlia anuiu e saiu em direção ao carro, sob o olhar de Hadassa. A atriz
entrou no banco detrás e saíram da propriedade. A segurança coçou a cabeça
e seguiu para a área dos funcionários, seguir sua rotina e esperar Micaela
acordar.
O final de semana foi estranho para Hadassa. Por mais que tivesse
apreciado cada minuto da presença de Micaela, a imagem de Júlia, a forma
como ela a olhava enquanto dançavam, não saia da sua cabeça. Já havia
percebido que a atriz estava mesmo afim dela, mas evitava pensar naquilo,
afinal, havia escolhido ficar com Micaela e sabia que tinha feito certo.
Alberto era um cara bacana demais e não teria coragem de ter alguma coisa
com Júlia, enganando-o. Por outro lado, não podia negar que ela a tinha
tocado profundamente naqueles poucos minutos depois do jantar, naquele
instante em que pode ver tanta verdade em seus olhos.
No domingo, Micaela saiu da sua casa já era sete da noite. Segundo ela,
era o aniversário de Alexia na segunda-feira e elas sempre comemoravam de
virada. A jovem ainda a convidou para ir junto, mas Isabela estava febril e
não deixou a filha sozinha com Ranellory. Se encontrariam no dia seguinte,
quando fossem para a faculdade.
— Isa dormiu? – perguntou Ranellory ao parar na porta do quarto da
sobrinha.
— Dormiu – sussurrou Hadassa em resposta. – A febre baixou com o
remédio. Acho que o sorvete de ontem não fez bem.
— Provavelmente. Micaela já foi para a festinha das amigas?
— Já.
— Achei que ela ia ficar aqui.
— Ela disse que liga mais tarde.
— Não acha ruim dela sair assim?
— Claro que não. Ela pode ir para onde quiser, sabe que nunca fui de
controlar ninguém.
— Verdade. Tá bom – suspirou Rane. Fez menção de se afastar, mas
tornou a se encostar no batente da porta. – E Júlia?
— O que tem ela?
— A dança de vocês no jantar. Eu vi saindo faíscas das duas.
— Acho que ela está mesmo apaixonada por mim, mas não posso fazer
nada. Eu estou com Micaela, ela com Alberto, não tem chance nenhuma de
ficarmos juntas.
— Já cogitou isso?
— Já passou pela minha cabeça sim, não vou negar. Júlia é... Júlia.
— Tenha responsabilidade emocional, ok? Você não tem culpa quando
alguém lhe direciona sentimentos, mas é responsável por eles na sua forma de
conduzir. Mesmo que não queira ficar com ela, o que é altamente
compreensível, tente machucar o mínimo possível. Evite ficar de pegação
com Micaela na frente dela, deixe claro o que sente por ela sem ser rude e,
principalmente, não alimente nenhum tipo de esperança.
— Pode deixar! Minha mãezota de vinte e cinco anos! – sorriu Hadassa
ao se aproximar da irmã e dar um beijo em seu rosto. – Você vai fazer
alguma coisa hoje?
— Estava pensando em ir no Cris, se não for precisar de mim aqui.
— Vai sim. Isa vai dormir bastante, eu também vou descansar um pouco.
— Eu vou ligar pra ele vim me buscar. Se cuida, tá bom?
Hadassa balançou a cabeça em sentido positivo e seguiu para o próprio
quarto, para um banho. Depois de trocada, voltou para o quarto da filha, para
conferir se ela continuava dormindo e se a febre havia voltado. Deu um leve
beijo em seus cabelos e seguiu para a cozinha atrás de um copo de
achocolatado quente e recebeu Cristiano, que tinha ido buscar Ranellory.
Depois de se despedir dos dois, voltou para o próprio aposento e colocou a
caneca na mesa de cabeceira e abriu a gaveta do móvel, resgatando a foto de
Rebeca. Admirou a ruiva por um longo tempo, passando as pontas dos dedos,
delicadamente na fotografia.
— As coisas estão confusas por aqui, amor. O que eu faço?!
Hadassa se encostou contra a cabeceira da cama e bebeu do chocolate,
enquanto a mente trabalhava sem parar. Tinha certeza que jamais poderia
corresponder o que Júlia sentia por ela, por causas dos motivos que havia
listado sem parar na cabeça, tentando convencer a si mesma de que era
errado, principalmente por ela ser mãe de Micaela. Gostava da jovem, estava
disposta a ter algo sólido com ela. A coisa mais absurda que poderia lhe
acontecer era sentir algo por sua sogra, que não fosse fraternal.
No dia seguinte, ao chegar na casa da atriz, foi trocar de roupa e seguiu
para tomar café e esperar Micaela na frente da casa. Quem apareceu primeiro
foi Júlia, ao lado de Alberto, que já saia para o trabalho.
— Bom dia, Hadassa – cumprimentou o casal.
— Bom dia.
— Isa, como está? – perguntou a atriz. – Micaela disse que ela estava
febril ontem.
— Está melhor, obrigada. Hoje já está sem febre. Acho que foi um
sorvete que tomamos no sábado, deu uma inflamadinha na garganta dela.
— Sua irmã está com ela? Não é bom mandar para a escola desse jeito –
quem falou foi Alberto.
— Está sim. Vai ficar em casa hoje.
— Excelente – concordou o jornalista. – Qualquer coisa, tem o Fábio,
meu primo, que é pediatra. Ele atende em uma clínica perto daqui. Pode levar
ela lá e dizer que fui que pedi.
— Obrigada Alberto. Espero que não precise.
O jornalista anuiu e se virou para a esposa, despedindo-se. Entrou no
carro e saiu da propriedade, deixando Júlia e Hadassa sozinhas.
— Bom eu... – começou a atriz.
— Eu quero falar com você – pediu Hadassa. – Quando estiver
disponível, mais tarde.
— Micaela não vai para a faculdade hoje. Chegou em casa um pouco
tarde, então...
— Ela chegou quase de manhã – sorriu Hadassa. – Me mandou
mensagem.
— Eh, Micaela, né? Se quiser conversar agora é melhor porque eu vou
ficar bem ocupada hoje. À noite, Alberto e eu vamos para o Rio, tenho que
terminar de acertar um trabalho e já começar a fazer o laboratório, me
apresentar com o elenco e essas coisas.
— Quanto tempo vai ficar por lá?
— De dez a quatorze meses.
— Tudo isso? – espantou Hadassa.
— É o tempo de preparação e gravação. Ainda não recebi o cronograma,
mas basicamente será isso. Vou me mudar, temporariamente, para o Rio.
— Eu... ok. Boa sorte e que seja um trabalho incrível!
— Espero que sim. Vamos até a piscina, aí podemos conversar mais à
vontade. Ou então o escritório.
— Vamos para o escritório. É mais privado.
Júlia concordou, já sentindo o corpo ficar tenso, e caminhou para o
interior da casa. Assim que entrou no escritório, Hadassa fechou a porta e
caminhou para o meio da sala.
— O que aconteceu na sexta?
— Eu não quero falar sobre isso, Hadassa.
— Eu acho melhor termos essa conversa – insistiu a segurança. – Nós
tivemos algo ali.
— Nós não podemos ter algo em nada. Como você mesma me disse em
uma ocasião, eu sou casada e agora você está com minha filha. Eu só... Me
deixei levar pelo momento. Me desculpe por isso, garanto que não vai se
repetir.
— Eu não quero ser irresponsável com você, Júlia, jamais quis. Eu...
— Tanto não quis que ficou com minha filha, um dia ou dois, depois que
eu te beijei. Você poderia ter me dito primeiro que queria ficar com ela. Uma
mensagem, uma ligação já bastavam pra que eu não me sentisse tão mal
como fiquei!
Hadassa passou a mão no cabelo, suspirando fundo, enquanto via Júlia
andar até uma janela e olhar para fora, enquanto coçava o braço esquerdo.
— Me desculpa, Júlia. Eu agi errado com você, eu deveria...
— As coisas aconteceram como tinha que acontecer, só isso –
interrompeu Júlia. – Não sei também se faria alguma diferença, nada foi ao
acaso.
Hadassa se aproximou de Júlia, que ainda permanecia olhando para o
jardim.
— Me desculpe, Júlia. Eu não tive nenhuma noção de como lidar com
isso. Eu errei, não pensei em como isso poderia lhe machucar.
— Você não tem que se desculpar – falou Júlia se virando e topando com
Hadassa próxima a ela. – Eu que criei coisas na minha cabeça e que são
completamente infundadas.
— Nem tão infundadas – Hadassa ergueu a mão para acariciar seu rosto.
– Talvez impossíveis de acontecer.
Júlia balançou a cabeça e fez menção de se afastar, mas seu viu nos
braços de Hadassa, que a puxava de encontro a seu corpo em um abraço.
Enlaçou os braços apertando-a e sentindo seu perfume. Ergueu a cabeça o
suficiente para enxergar seus olhos verdes e podia jurar que via um brilho
especial nele.
Hadassa sustentou o olhar que Júlia lhe lançava. Não soube por quanto
tempo ficaram daquela maneira, apenas se olhando, mas soube o exato
momento em que decidiu dar um beijo delicado e demorado em seu rosto: era
apenas um segundo antes de perder a cabeça e cometer uma besteira.
— Não podemos ficar assim – sussurrou Júlia, roçando seu rosto na
segurança. – Eu tinha que estar nervosa por você estar assim com outra
mulher, já que namora minha filha.
— Deveria – concordou a segurança. – Eu deveria ter apenas um
sentimento de carinho por você. Estamos erradas.
— Muito erradas, mas essa tortura termina hoje. Eu vou pro Rio, vou
ficar muito tempo por lá. Vai passar.
— Eu vou sentir sua falta aqui.
Júlia sorriu e se afastou o suficiente para voltar a olhar para Hadassa.
Perscrutou seu rosto, enquanto ela fazia o mesmo e deu um sorriso,
abaixando os olhos para a boca da morena. As mãos que a seguravam deram
um aperto involuntário, correspondido com o avanço de Hadassa,
depositando um beijo sobre seus lábios, para se afastar em seguida.
— Me desculpe, eu...
— Schiii – pediu Júlia, colocando um dedo sobre seus lábios. – Não.
Júlia enfiou o rosto no seu pescoço e curtiu o momento em seus braços,
acariciando sua nuca. Deu um beijo na sua pele e se afastou novamente,
dando outro leve beijo sobre seus lábios, antes de conseguir se desprender do
seu abraço.
— Espero, no futuro, nos encontrarmos em melhor situação que hoje –
desejou a atriz, ao arrumar a roupa e cabelo. – Fiquem bem por aqui, faça
minha filha feliz, já será o suficiente pra mim.
— E o necessário?
— Eu vou descobrir por aí. Eu vou manter contato constante, volto
algumas vezes pra cá, e quero saber se me permite ter contato com Isabela.
Eu adoro aquela menina e não é por você. Ela que me conquistou
completamente.
— É claro. Sempre que quiser.
Júlia aquiesceu com um sorriso e saiu do escritório, deixando Hadassa
completamente confusa e perdida. Passou as duas mãos na cabeça, e olhou
para o teto, em um suspiro profundo.
— Sempre fazendo merda, Hadassa! Sempre fazendo merda!
Capítulo 24
Seis meses depois
— Eu acredito. Só que nós vamos ter que conversar com ela. Obvio que
não posso falar que já estava afim de você antes, mas temos que falar que
estamos nos envolvendo. Isso é, se quiser continuar a sair comigo.
— Obvio que quero! Seria maluca se não quisesse. Eu quero levar isso
adiante, eu não sei exatamente como ficaremos, se vamos deslanchar em
alguma coisa, mas eu quero muito que faça parte da minha vida. Das nossas
vidas – falou ao apontar Isabela, entretida em brincar na água.
— Eu quero muito!
Júlia esticou a mão, que prontamente aceita por Hadassa. Deu um leve
aperto, transmitindo confiança com suas palavras.
— Júlia Albuquerque saindo com uma assalariada – brincou Hadassa. –
Dá conta?
— Pra sua sorte, eu não sou uma caça-níquel! – devolveu a brincadeira.
— Acho que eu que serei taxada como tal.
— Vai não. Você é uma mulher incrível, eu sei o seu valor e é isso que
importa.
Hadassa sorriu, com vontade de puxar Júlia para um beijo, mas ainda não
era o momento certo de falar a Isabela que estavam juntas. Nicéia apareceu,
perguntando sobre o almoço e viu uma oportunidade de ficar um tempo a sós
com a atriz. Pediu que ela ficasse de olho na filha e puxou a loira em direção
ao escritório. Assim que a porta foi fechada, mãos e bocas se procuraram
ávidas.
— Esse escritório já viu tanta coisa nossa – sorriu Júlia, com os lábios
contra a pele da segurança.
— E como viu! Mas eu quero fazer algo que sempre achei que ia acabar
fazendo no passado.
— O que?
Hadassa não respondeu, pegou Júlia pelas pernas, acomodando-a em seu
colo e a guiou para a mesa. Fez ela se sentar sobre a madeira e afastou os
itens sobre ela, ao mesmo tempo em que recebia um sorrisinho malicioso de
Júlia.
— Saiba que já imaginei a mesma coisa!
Júlia abriu as pernas para que Hadassa voltasse a se acomodar no meio
delas e soltou um baixo gemido, ao ver a boca da morena beijar seu colo,
enquanto a mão direita afastava a parte superior do biquini. Mordeu o pulso
quando sentiu o seio ser tomado pelas intensas chupadas. O corpo se
incendiou automaticamente ao sentir a mão que a acariciava por inteira, indo
parar no sexo, sobre o tecido da calcinha do biquini. Arqueou mais o corpo,
dando espaço para os dedos que afastaram a lateral da peça, alcançando seu
sexo em uma masturbação deliciosamente lenta e provocante. Quando não
estava mais aguentando a tortura, pediu que Hadassa a fizesse gozar o que foi
prontamente atendido pela morena. Outra vez sentiu-se desfalecer em seus
braços, enquanto era levada ao ápice do prazer.
Depois do momento no escritório, subiram para o quarto onde Júlia
tomou um banho rápido, com Hadassa acompanhando todos os seus
movimentos. Trocaram beijos apaixonados enquanto ela se vestia e desceram,
atrás de Isabela, com sorrisos bobos no rosto. Conseguiram tirar a menina da
piscina com custo e foram almoçar. Depois da refeição, seguiram para a sala
de tevê. Isabela deitou em uma chaise long e escolheu um filme de animação.
Júlia e Hadassa ficaram trocando discretas carícias, até perceberem que a
menina havia caído no sono, cansada da manhã na piscina. A elas, sobrou
uma tarde de namoro no sofá, enquanto a animação rolava na tela, sem
prestarem atenção.
Quando a tarde caiu, Isabela acordou e Júlia teve a oportunidade de curtir
mais da criança, antes que Hadassa anunciasse que iriam embora.
— Ah, não vão não! Fiquem para o jantar ao menos! – pediu Júlia.
— No final de semana eu trago ela de volta, mas agora eu tenho que leva-
la pra casa, aliás, pra casa da avó porque vou conversar com Ranellory.
Amanhã ela tem aula. Não posso deixá-la perder mais um dia.
— Está certo. Mas você volta antes, não volta?
— Volto. Se não tiver nenhum compromisso amanhã à noite, eu venho.
— Meu compromisso é você – sorriu a atriz. – Estarei te esperando!
Hadassa anuiu e deu um beijo demorado em seu rosto ao lado da boca. A
atriz se despediu de Isabela e, com um leve aperto a viu ir embora. Ao
retornar para dentro, olhou o espaço novamente vazio e silencioso, sem as
risadas de Isabela trazendo vida para o lugar. Era um fato que aquela noite
fora decisiva pra ressignificar algumas coisas em sua vida.
Júlia subiu para o quarto e deitou sobre a cama, repleta de lembranças
luxuriosas. Abraçou o travesseiro que Hadassa tinha usado, sentindo seu
cheiro impregnado nele. Estava quase pegando no sono quando a funcionária
bateu na porta.
— Eu já vou descer para o jantar. Obrigada.
— Não é isso, Júlia. Quero dizer está quase pronto, mas é que sua irmã
está aqui. Posso falar para ela subir?
— Não precisa, obrigada. Eu já vou descer.
Júlia desamassou o vestido com uma mão e tomou a direção da porta e,
depois, escadas. No meio do lance já enxergou Jaqueline, conversando
animadamente com sua funcionária, exercendo a simpatia que tão bem
apresentava aos outros.
— Se divorcia, volta para casa e nem se dá ao trabalho de ligar para sua
irmã? Você já foi mais atenciosa, Jú!
— Me desculpe, Jaque. Cheguei tem duas noites, ontem foi o jantar
beneficente de Henriqueta. Hoje que vou conseguir ter uma noite de sono.
— Podemos conversar?
— Claro – anuiu indicando a porta do escritório. Assim que entrou, deu
um leve sorriso pela lembrança recente. – Como tem passado, Jaque?
— Preocupada com você – respondeu ao ocupar uma poltrona. – Há
quanto tempo está separada de Alberto?
— Desde o começo da gravação da novela. Pedi que a formalização fosse
agora, depois do trabalho porque vou tirar umas pequenas férias.
— Por que terminou com ele, Jú?
— Ele terminou comigo.
— Por que?
— Já vai começar, Jaque?
— Só quero entender isso.
— Eu falei a ele que estava apaixonada por outra pessoa. Ele terminou
comigo.
— Conseguiu mesmo jogar seu casamento no ralo por causa de uma
paixão boba por Hadassa, não é? – perguntou ao jogar um verde.
— Não é uma paixão boba, Jaque! Eu sou completamente louca por
aquela mulher há mais de um ano! Eu estou feliz! Será que isso não basta pra
você?!
— Você se acertou com ela? – tornou a questionar ao receber maduro.
— Ela passou a noite aqui, conversamos sobre isso. É o que queremos.
Jaqueline balançou a cabeça em sentido negativo em meio a um sorriso.
— O que Micaela e Alberto acham disso?
— Eu vou conversar com eles ainda. Nenhum dos dois sabe que estou
com Hadassa. Fica feliz por mim, Jaque, só dessa vez! Eu estou feliz.
— Eu jamais vou apoiar isso – determinou ao se levantar. – Espero que
valha a pena.
Júlia soltou um suspiro audível ao ver a irmã sair do escritório. Passou a
mão no cabelo e seguiu para o quarto, atrás do celular. Automaticamente
esqueceu a breve e tensa conversa com Jaqueline ao enxergar uma mensagem
de Hadassa.
“Já chegamos. Rane vai passar a noite na casa de Cristiano, tenho que
conversar com ela amanhã, mas vou te encontrar do mesmo jeito. Já estou
com saudades.”
Júlia sorriu e mandou uma mensagem de resposta, que automaticamente
foi respondida pela segurança. Durante boa parte da noite ficaram namorando
através de mensagens e se despediram, quando o relógio já ia marcar uma da
manhã. A atriz sabia que dali vinte e quatro horas, estariam juntas
novamente.
Hadassa seguiu o ritual de se arrumar pela manhã, antes de acordar
Isabela e arrumá-la para a escola. Deu o café para a filha e pegou seus
pertences pessoais para o trabalho. A menina também colocou a mochila nas
costas a contragosto e saiu ao lado da mãe para a garagem. Floquinho saiu na
frente e começou a latir, histericamente, para o que Hadassa presumiu ser
algum bicho. Quando alcançou a entrada lateral da casa, enxergou alguns
repórteres na frente da garagem.
— Você que é Maya Hadassa? Você pode dar uma declaração sobre seu
romance com Júlia Albuquerque?
Capítulo 38
Em Estocolmo o frio cortante fazia os transeuntes se esconderem em seus
pesados casacos de frio. Micaela se encolheu mais, tremendo de frio. Tinha
saído do escritório para resolver um problema e andava apressada para chegar
logo no quentinho. O telefone vibrou com uma mensagem, mas como já
estava chegando no prédio, deixou para ver depois. A sequência de toques a
fez deduzir que se tratava de notificações. Assim que chegou ao seu destino
final, tirou o aparelho do bolso e enxergou notificações do Instagram. Subiu
para o primeiro andar, onde ficava sua mesa, e deixou a pasta de papéis de
lado. Tirou as luvas e o pesado casaco, antes de resgatar o celular novamente.
— Deu tudo certo, amor? – perguntou Andrew em Sueco. Já tinha dois
meses que ele se comunicava com ela apenas no idioma local, para que
pudesse aprender a língua com mais rapidez.
— Sim. Amanhã já estarão prontos – respondeu se adiantando para dar
um beijo em seus lábios.
Voltou sua atenção para o aparelho e viu que todas as notificações eram
de brasileiros marcando-a em alguma coisa. Conferiu mentalmente o fuso
horário: no Brasil ainda era sete horas da manhã. Deduziu que era algo que
merecia sua atenção.
Micaela sentiu o sangue fugir do seu rosto ao ver uma foto da mãe, ao
lado de outra de Hadassa. A legenda apontava que a segurança era o pivô da
separação dos pais.
— Algum problema? – perguntou Andrew atento ao seu rosto.
— Desculpa, tem que ser em inglês agora – respondeu ao virar o celular
para o rapaz. – Olha, essa postagem diz que minha mãe e minha ex estão
juntas!
— Bom, sua mãe é jovem, bonita. É estranho, mas não teria problema,
teria?
— Minha mãe assinou o divórcio com meu pai tem dois, três dias. Ela
não se envolveu com Hadassa nesse meio tempo. Meus pais estão separados
antes de eu terminar com ela.
Andrew ficou pensativo por alguns segundos, antes de entender aonde a
namorada queria chegar.
— Elas não fariam isso com você.
— Eu vou ler a matéria.
Micaela sentou-se em uma cadeira e acessou sites de fofocas brasileiros.
Achou a matéria completa, sobre o relacionamento das duas.
“...A atriz de quarenta e quatro anos assinou o divórcio com Alberto
Caloni na última segunda-feira, mas o relacionamento, mantido com a
guarda-costas da primeira-dama, Flávia Bittencourt, já acontece desde que a
mesma trabalhou para Júlia, como segurança particular de sua filha, Micaela
Albuquerque. Segundo fontes, Maya Hadassa namorava com Micaela quando
as duas começaram a se envolver...”
Micaela deixou o telefone cair sobre o colo e levou as mãos à boca,
sendo tomada por uma tremedeira. Andrew automaticamente se abaixou na
sua frente, passando as mãos pelos seus braços, tentando passar algum
conforto. Abraçou-a quando viu as lágrimas rolar pelo seu rosto.
— Elas não podem ter feito isso comigo! Não podem!
Andrew pegou o telefone da namorada e ativou o tradutor para Sueco.
Leu rapidamente a matéria e ficou sem saber o que falar naquele momento.
— E se for só fofoca sem sentido? Você mesma me disse, várias vezes,
que tinha saído em algumas dessas, tiradas sem contexto.
Micaela encarou o namorado por alguns segundos, antes de pegar o
telefone de volta e tentar ligar para a mãe. O telefone automaticamente caiu
na caixa postal. Tentou o de Mariana e a mesma coisa aconteceu. O de
Hadassa também não completava ligação. Chegou à conclusão de deviam ter
desligados os aparelhos por causa do tanto de ligação que estavam recebendo
naquele momento. Tentou o número do pai e em seguida o de Denise.
— Oi Denise! Micaela.
— Ah Mica! Como você está minha querida?!
— Eu não sei o que pensar, Denise. Meu pai está com você?
— Está aqui, vou passar para ele.
— Obrigada!
Micaela encarou Andrew pelos segundos em que esperou Alberto atender
a chamada. Assim que estou a voz do pai, as lágrimas retornaram aos seus
olhos.
— Pai! Pai elas não fizeram isso que está sendo noticiado, não é?
— Eu fiquei sabendo agora, Mica, também li na internet. Eu nunca soube
o nome ou o rosto da mulher por quem sua mãe estava apaixonada.
— Você já sabia que ela estava gostando de uma mulher? Vocês se
separaram por causa disso, não é?
Alberto meneou a cabeça, relutante em falar a verdade, mas a filha
merecia saber por ele, não pela mídia.
— Sim, foi por causa disso sim. Só nunca soube antes quem era.
— Minha mãe traiu você com Hadassa?
— Não se tortura com isso, princesa, você tem uma nova vida com
Andrew.
— Traiu, pai?
— Ela me disse que foi... Foi só um beijo, que não poderia ficar com essa
mulher, que nada daria certo entre elas. Agora entendo o motivo! Mas olha,
Micaela, não deixe se abalar por isso. Já tem tempo que você e Hadassa
terminaram, está feliz com Andrew agora, não é? Tenta deixar isso pra lá.
Você está longe de tudo isso agora!
— Minha mãe ficou com minha namorada quando ainda estava com ela!
Como eu posso deixar um absurdo desses pra lá, pai? Se Hadassa tivesse me
traído com qualquer pessoa, qualquer mulher nesse mundo, até mesmo
minhas amigas, eu não ligaria, mas eu não posso deixar pra lá ela ter ficado
com minha mãe! Como eu vou olhar pra minha mãe agora?! Não é uma
simples traição, entende?
— O que planeja fazer?
— Me manda dinheiro? Eu vou voltar para o Brasil porque eu preciso
tirar isso a limpo, cara a cara com elas.
O homem olhou, outra vez, para o mapa que tinha baixado da região onde
Júlia possuía a chácara. Tirou os óculos e colocou sobre o papel, esfregando
os olhos em seguida. Girou a cadeira para enxergar o quarto e todas as fotos
de Júlia que tinha espalhado pelo local, para que pudesse gravá-la em sua
mente. Depois de alguns minutos de contemplação, voltou os olhos para a
escrivaninha e a arma sobre ela, ao lado do mapa. Já que sua primeira entrega
tinha dado errado, iria se certificar que a segunda seria entregue em mãos.
Sabia que Júlia tinha que ser liberta, havia escutado sua voz em seus sonhos,
pedindo que a livrasse do peso que carregava.
— Eu estou chegando, meu amor, em breve – sussurrou para si mesmo ao
enrolar uma mecha de cabelo no dedo.
Hadassa seguiu para o quarto da filha, onde ela ainda brincava com
Floquinho, em cima do tapete felpudo. Pediu que ela fosse para o banho e
depois fizesse o dever da escola. Por conta das gravações, a nova escola onde
estudava tinha lhe passado as atividades para que ela não ficasse atrasada na
matéria. Depois de alguns minutos de reclamação, a menina obedeceu a mãe
e Hadassa voltou para o próprio aposento. Estava se despindo para o banho
quando escutou o telefone tocar em um canto do quarto.
— Oi Rane.
— Já está de volta?
— Já sim, chegamos agora à tarde.
— Como foi a gravação do filme?
— Isabela se saiu super bem. Tiveram que refazer algumas cenas, mas ela
tirou de letra.
— Quando será as próximas gravações?
— Daqui treze dias. Serão mais dois dias.
— Quero ver ele pronto, nossa pequena na televisão. Vai ser tão lindo!
— Vai sim – concordou a morena ao se sentar no recamier. – Algum
problema?
— Sim e não. Quero conversar algo com você, mas não é um problema.
— O que foi?
— Cristiano foi transferido para Santa Catarina. Daqui quinze dias ele já
começa a trabalhar lá e vamos entregar a casa. Nesse final de semana nós
vamos pra lá, para ver alguns apartamentos para alugar. Vou me desfazer de
quase tudo aqui, não vou levar mudança.
— Bem rápido.
— Sim, trabalho, né? Você quer alguma coisa que ficou aqui?
— Não. Pode se desfazer de tudo. Precisa de dinheiro para recomeçar lá?
Eu posso te transferir...
— Ah nem precisa terminar. Não vou precisar não. A empresa está
facilitando algumas coisas pra ele e já temos muita coisa encaminhada.
— Está certo. Se precisar de qualquer coisa, sabe que pode contar
comigo, não é?
— Eu sei.
Hadassa ainda ficou conversando com a irmã durante longos minutos,
antes de desligar e ir para o banho. Se enrolou em apenas um roupão e foi
para o quarto da filha, para descobri-la dormindo sobre o caderno com um
vídeo rodando no notebook à sua frente. Fechou o aparelho e recolheu o
caderno, ajeitando-a na cama. Seguiu para o próprio quarto e se deitou,
esperando por Júlia.
Com meia hora, a atriz entrou no quarto e trancou a porta, enxergando a
namorada sobre a cama, concentrada em alguns papéis. Abriu um sorriso
quando ela baixou as folhas para enxergá-la.
— Tudo bem, amor?
— Tudo. Mariana está de volta.
— Coisa boa! Ela está bem?
— Cem por cento recuperada – respondeu a atriz ao subir na cama. – Eu
vi que Isabela já está dormindo.
— Daqui a pouco tenho que acordar ela para o jantar – observou Hadassa
ao deixar as folhas de lado.
— Nem precisa de tanta pressa assim, não é? – perguntou Júlia ao escalar
a cama, montando em seu corpo. As mãos foram para a amarra do roupão,
abrindo-o para exibir a parte superior da morena e acariciar seus seios. –
Vamos deixar a menina descansar, ela precisa.
— Com toda a certeza. Ela acordou cedo demais – Hadassa concordou
com um sorriso malicioso, ao passar as mãos pelas pernas de Júlia, subindo
seu vestido para que as coxas ficassem desnudas. – Não precisamos de pressa
nenhuma.
Júlia beijou Hadassa demoradamente, se livrando próprio vestido e
deixando a boca escorregar para o seu pescoço. Deu um gritinho em meio a
um sorriso quando a morena virou-a na cama e afastou os cabelos que caiam
sobre seu rosto para enxergá-la por completo. Os olhos da atriz brilhavam
como no mesmo dia em que havia passado a primeira noite com ela, da
mesma forma como seus próprios olhos deviam estar brilhando.
Júlia estava quase pegando no sono, exausta, abraçada a Hadassa, quando
escutou o celular vibrar com uma mensagem. Se desvencilhou do corpo da
namorada para pegar o aparelho. Resolveu ler a mensagem, quando viu que
era de Micaela. A mensagem fez com que ficasse travada por alguns
segundos. Hadassa se sentou, em alerta.
— O que foi, amor?
Júlia apenas virou o celular para ela, onde viu uma foto de um par de
sapatinhos de bebê e a legenda abaixo:
“Parabéns vovós”.
Epílogo
A festa de casamento estava sendo realizada em uma propriedade luxuosa
em Trancoso, na Bahia. Os noivos, Alberto Caloni e Denise Fraga, dois
nomes de peso do jornalismo brasileiro, recebiam convidados ilustres, que
eram servidos com champanhe e pratos refinados. Monique Fraga,
responsável pela fotografia, circulava entre os presentes, capturando bons
momentos, não apenas dos noivos, mas também das celebridades presentes.
Estava com sua câmera voltada para Júlia Albuquerque e Maya Hadassa com
sua prole quando a mulher apareceu a primeira vez. Ela estava trabalhando
com a equipe de buffet e se perguntou como ainda não tinha visto-a antes. Se
adiantou para a mesa da atriz, onde a jovem colocava algumas taças sobre
uma bandeja. Ajeitou o foco da câmera e tirou uma foto de seu rosto
concentrado no trabalho.
— Uau! Essa foto ficou linda! – exclamou Monique ao olhar para a
pequena tela, conferindo seu trabalho.
A funcionária fez menção de se afastar, imaginando que Monique estava
falando com Júlia e Hadassa. A fotografa se adiantou para segurar seu braço.
— Não quer ver sua foto? – perguntou, com um sorriso conquistador. –
Você é a morena mais linda dessa festa.
A jovem observou Monique por alguns segundos: sabia quem era
Monique Fraga. Conhecia cada um dos presentes ali, por acompanhar suas
vidas por meio de revistas e internet. Porém, mesmo que estivesse
trabalhando e perto de pessoas que fora instruída, diretamente pela chefe, de
não conversar mais que o necessário, a fotografa tinha cometido um deslize
que jamais perdoava. Tratou de corrigi-la.
— Então deve estar falando de outra pessoa. Eu sou preta, não morena.
Monique deu um sorriso de canto de boca, resolvida a não perder aquele
primeiro contato.
— Me perdoe. Deixa-me corrigir: você é a preta mais linda dessa festa.
— Se quiser alguma bebida, é só me chamar pelo meu nome, Yanka.
Com licença.
Júlia não conseguiu conter o riso ao ver a funcionária do local se afastar,
enquanto Monique continuava a observá-la.
— Acho melhor cantar em outro lugar – brincou a atriz.
Monique se virou para a mesa, enxergando Júlia bebericando um
coquetel.
— Já fiquei completamente apaixonada por ela. Não posso evitar – riu. –
Cadê Micaela? Ela não disse que já chegou em Porto Seguro?
— Chegou, mas teve algum problema com o carro. Daqui a pouco ela já
estará aqui.
— Eu falei pra ela vim ontem, pra evitar esses transtornos. Alberto não
vai casar com minha mãe enquanto ela não tiver chego.
— Logo ela estará aqui.
— Eu espero que sim. Preciso desencalhar minha mãe. Vou circular. Boa
festa pra vocês!
Júlia sorriu ao mesmo tempo em que assistia Monique se afastar, indo
para o mesmo lugar onde Yanka servia outra mesa. Apenas balançou a
cabeça em sentido negativo e volveu os olhos para a Hadassa.
— Espero que Micaela não se atrase muito. Só falta ela para começarem a
cerimônia.
— Como você mesma disse; daqui a pouco ela estará aqui.
Júlia assentiu e ficou olhando ao redor, para os convidados, até enxergar
Denise e Alberto. Isabela se levantou primeiro, indo para a roda onde
estavam as crianças. Hadassa e ela seguiram até os noivos. Elogiou a
organização do evento e estavam trocando amenidades quando, finalmente,
Micaela e Andrew apareceram. Júlia se virou para a filha, notando algumas
pequenas mudanças nela: ainda mantinha a mesma aparência de três anos
antes, mas estava mais radiante e o motivo estava claro na discreta barriga
que ela ostentava por baixo do vestido de chiffon.
— Filha! – Júlia a abraçou, feliz por reencontrá-la. – Demoraram!
— O carro que estava nos trazendo quebrou no meio caminho –
respondeu a jovem correspondendo o abraço da mãe. – Como vai, Hadassa?
— Bem, obrigada. Você está linda! Deixa eu ver sua barriga.
Micaela se afastou poucos centímetros e exibiu a barriga. Hadassa passou
a mão por ela, sendo acompanhada por Júlia em seu gesto.
— Quem diria! Você vai ter um filho!
— Sim, e é menino mesmo. Fiz a ultrassom essa semana, antes de viajar.
Parabéns vovós!
— Oficialmente agora sou vovó – sorriu Júlia. – Apesar de achar você
nova demais para ter um filho agora. Você tem vinte e três anos!
— Quase sua idade quando me teve. Grande diferença!
— Os tempos são outros.
— Fica feliz por mim, mãe, já é o suficiente.
— É claro que estou feliz, Mica. Sua felicidade sempre foi mais
importante pra mim que qualquer outra coisa nesse mundo.
— Você está radiante, minha princesa – Alberto falou ao apoiar a mão no
braço da filha. – Esperava o dia que me desse a felicidade de ser avô e é
maravilhoso que isso aconteça perto do meu casamento.
— Concordo com Alberto – sorriu Denise. – Por Monique creio que
nunca teria essa felicidade. Vou adorar ter um neto para poder mimar junto
com Júlia.
— Ah, iremos! Com toda certeza será muito mimado! Três avós e um avô
coruja, além da família de Andrew? Essa criança será um nojo de mimada! –
riu Júlia.
— Nem pense que vocês quatro irão estragar meu filho! Ele só vai falar
sueco, para não correr riscos!
— A conversa está ótima, mas podemos continuar depois – interferiu
Denise. – Vamos? Agora já estão todos aqui.
— Vamos – concordou Alberto. – Já encontramos vocês.
Júlia observou o casal se afastar e deu outro abraço demorado na filha. A
jovem seguiu com Andrew para o local onde aconteceria o casamento e
Hadassa foi atrás da filha para a celebração. Logo as três estavam ocupando
seus lugares.
A cerimônia, realizada por um juiz de paz foi simples. A emoção ficou
por conta do discurso apaixonado que Denise fez para Alberto e também das
palavras carregadas de ternura, ditas pelo jornalista para a nova esposa. Júlia
se emocionou com aquele momento: tinha vivido mais de vinte anos com um
homem maravilhoso, que agora firmava a constituição de uma nova família.
Não podia estar mais feliz por ele: Alberto merecia toda a felicidade que o
mundo pudesse lhe dar.
A festa se estendeu pela tarde. Júlia e Hadassa circularam pelas rodas de
amigos e conhecidos, conversando amenidades. Isabela corria solta pelo
espaço, mas volta e meia estava por perto de Micaela, passando a mão na sua
barriga e sorrindo feliz: iria ser tia. Não sabia bem o que aquilo significava,
mas Micaela havia dito que ela iria amar o sobrinho. Se não fosse um menino
chato, iria gostar muito dele.
Júlia olhou ao redor, à procura de Hadassa e a enxergou, elegante em um
conjunto cinza claro, próxima a mureta do pátio, observando o sol que se
punha no mar enquanto bebericava um champanhe. Ficou observando a
namorada por um tempo, fascinada pelo quadro perfeito que aquela imagem
dava. Monique, atenta, enxergou o olhar de Júlia e parou ao seu lado,
capturando o momento.
— Depois eu te mando.
— Obrigada.
Júlia desviou os olhos rapidamente, apenas para ver Monique se
afastando, antes de se aproximar de Hadassa e passar as mãos por sua cintura
e apoiar o queixo em seu ombro.
— Lindo, não é?
— Incrível!
— Pensando em que?
— Em como cheguei em um casamento em Trancoso com você do meu
lado – sorriu a morena, virando-se para enlaçar Júlia. – Em como jamais
imaginei que isso um dia poderia acontecer, enquanto assistia suas novelas
com Rebeca.
— Eu nunca imaginei que estaria no casamento de Alberto como
convidada e não a noiva. São as voltas que a vida dá.
— É. A família crescendo – suspirou Hadassa ao enxergar Micaela e
Isabela mais distantes, junto com Andrew e Monique, que tirava foto dos três.
– Nós temos uma família linda.
— Temos. Uns aqui, outros ali, mas temos uma família linda – Júlia
acompanhou o suspiro. – Espero que isso nunca mude.
— Não vai mudar. Só temos que saber cuidar dela para que sempre
permaneça assim.
— Eu te amo tanto – Júlia se virou para encarar Hadassa. – Eu sempre,
sempre vou te amar.
— Eu também, minha linda. Obrigada por me mostrar o amor outra vez.
Júlia sorriu em resposta e buscou a boca de Hadassa para um beijo
demorado. Se afastaram quando escutaram um pigarro perto delas.
— Argh! Não quero ver minhas mães se pegando assim – brincou
Micaela descontraída. – É estranho. Vamos tirar uma foto.
Júlia sorriu em resposta, enquanto via Alberto e Denise se aproximarem.
Monique entregou sua câmera para um dos seus assistentes e se juntou ao
grupo. Júlia observou o sorriso de todos: Micaela e Andrew, Denise e
Alberto, Monique e Isabela, Hadassa e ela própria. Sem dúvida alguma,
aquele era o seu final feliz perfeito.