O Gêmeo Solitário
O Gêmeo Solitário
O Gêmeo Solitário
Peter Bourquin
Carmen Cortés
Conteúdo
Introdução
O espermatozoide
Os espermatozoides no homem são cultivados em seus
condutos seminais e passam por um processo de maturação
que dura aproximadamente dois meses, durante os quais
sofre diversas transformações. Durante este processo, a
célula original de 46 cromossomos - um número igual ao
restante das células do corpo humano - diminui para apenas
23, em um ato visionário de previsão. O espermatozoide
maduro possui uma cabeça equipada com um invólucro,
onde se localiza o ADN, uma parte central e uma longa
cauda, em forma de chicote. Nos seres humanos os
cromossomos sexuais são dois e têm a forma aproximada
de X e Y; entre os cromossomos que carrega na cabeça, o
espermatozoide inclui um destes dois e, dependendo de ser
X ou Y, determinará o sexo do futuro ser, pois o óvulo
sempre leva o cromossomo X.
Nosso herói está pronto para a sua tarefa. Chegado o
momento do encontro sexual, produz-se a ejaculação e o
homem libera no colo vaginal da mulher uma certa
quantidade de esperma, que poderá conter entre 200 a 300
milhões de espermatozoides. Destes, apenas 300 a 500
chegarão até o objetivo, não sem antes ter superado
grandes dificuldades. Para começar, o ambiente vaginal é
ácido e somente graças aos nutrientes e fluidos alcalinos que
também fazem parte do sêmen, os espermatozoides podem
sobreviver; em segundo lugar, há que considerar-se a
distância a percorrer, e isto quer dizer que o espermatozoide
de apenas 60 micra de comprimento, deverá percorrer uns
12 cm, o equivalente aproximado, em nosso mundo normal,
de 120 km. Além disso, o caminho à frente nem sempre está
desimpedido, pois uma vez que tenha chegado ao colo
uterino, o espermatozoide tem que atravessá-lo, e isso só é
possível durante uns poucos dias do ciclo feminino;
normalmente, o colo do útero está banhado com um espesso
muco cervical, e somente depois de uma ovulação esse
muco é substituído por outro, transparente e menos
espesso, através do qual os espermatozoides conseguirão
penetrar. Por último, uma vez dentro do útero, o
espermatozoide tem que orientar-se dentro deste grande
espaço, repleto de cavidades e reentrâncias onde é muito
fácil ficar perdido.
Um espermatozoide forte e rápido, que não se depare com
grandes obstáculos em seu caminho, irá demorar quem
sabe umas duas horas para chegar até as trompas de
Falópio; outros, que sejam mais lentos ou encontrem
maiores dificuldades, podem demorar até mesmo dias para
chegar, embora a grande maioria, como dissemos, jamais
atinge o ponto final.
O óvulo
Na mulher, os óvulos começam a se formar durante o
segundo trimestre de sua própria gestação, quando ainda
se encontra no ventre materno. Aproximadamente no quinto
mês já existe uma grande quantidade deles nos ovários do
feto feminino, podendo chegar a uns cinco milhões.
Muito mais tarde, com as mudanças que ocorrem na
puberdade, respondendo a um sinal proveniente da
glândula pituitária e do hipotálamo, os ovários começam a
produzir hormônios que colocarão em marcha o processo de
maturação dos futuros óvulos. Como parte deste processo,
os óvulos que, nesta fase ainda se chamam ovócitos, terão
23 cromossomos e, deste modo, quando se encontram com
o espermatozoide, os dois irão somar 46.
No interior dos ovários, a cada mês, ocorre o seguinte ritual:
um grupo de células nutridoras passa a cuidar e alimentar o
óvulo, cercando-o e formando o que se chama de folículo.
Dentro dele, o óvulo, em processo de maturação, recebe
uma dieta rica em hormônios, que o transformarão, ao cabo
de duas semanas, em um óvulo maduro. Chegado o
momento, o folículo aflora para a superfície do ovário,
originando uma protuberância que, em seu devido
momento romperá a parede do ovário. Assim, o óvulo,
envolto em seu manto de células protetoras, se libera. As
trompas de Falópio estão de prontidão para apanhar o óvulo
liberado. Diferentemente do espermatozoide, o óvulo é uma
célula que não possui mobilidade própria e, outra vez
também diferente, utiliza outra ajuda, pois as trompas estão
equipadas com cílios, em movimento constante,
empurrando o óvulo para o útero.
De modo geral, uma mulher saudável e em idade de
conceber, libera um óvulo a cada mês em um dos seus
ovários, embora, excepcionalmente, possam ser liberados
dois ou três, dando lugar a gêmeos fraternos ou trigêmeos
fraternos.
O Encontro
Estamos próximos ao momento para o qual nossos
protagonistas foram criados e minuciosamente preparados.
Logo que o óvulo tenha sido expelido do ovário, inicia sua
lenta descida para o útero, pelas trompas de Falópio e, se
tiver sorte, pode ser que se encontre com os
espermatozoides que estão subindo ou já tenham subido
pelas trompas. Ainda que apenas um espermatozoide possa
penetrar o óvulo, todos os outros que chegam também são
necessários, pois as enzimas que carregam na cabeça irão
agir na capa das células que recobrem o óvulo a fim de que
ela vá paulatinamente desaparecendo, fazendo com que sua
superfície esteja finalmente exposta.
Uma vez que o caminho esteja aberto, os espermatozoides
sobreviventes tentarão penetrar no óvulo. Quando um deles
o consegue – sua cauda se desprende e a cabeça imerge na
célula feminina - produzindo-se uma forte reação química
que bloqueia o caminho dos demais, pois a penetração de
um outro, com sua própria carga de cromossomos tornaria o
óvulo inviável. Dentro do óvulo, as membranas dos núcleos
se fundem, mas ainda irá demorar algumas horas, até doze,
para que as hélices do ADN dos núcleos se aproximem,
façam contato e finalmente se emparelhem. Este é
verdadeiramente o instante do início da nova vida, com
suas características únicas e individuais.
Primeiro trimestre - Desenvolvimento embrionário
Começando a contar desde a fecundação até o momento da
implantação no útero, podem passar de 6 a 10 dias.
Durante este período o zigoto recém-formado cresce. Nos
primeiros dias, este crescimento consiste em que as células
apenas se dividem, multiplicando-se, embora ainda de
maneira indiferenciada. A esse primeiro grupo de células
indiferenciadas dá-se o nome de mórula.
Ao cabo de alguns dias, esta massa de células começa a
produzir uma diferenciação, quando algumas delas migram
para a periferia, criando uma esfera com espaço interior, no
qual permaneceu o outro grupo de células. A parte interna
será o que mais tarde formará o embrião, e a parte externa
será a encarregada de fixar-se ao útero, formando a
placenta e a membrana exterior ou cório. O novo ser
adquire o nome de blastócito.
Entre o sexto e o décimo dia produz-se o implante no útero,
uma tarefa muito delicada, considerando-se que apenas
entre 20 e 40% dos óvulos fecundados chegam a este
ponto.
Nesta fase, se a implantação for realizada com sucesso,
podemos agora começar a falar de embrião e, daí por
diante, as mudanças neste pequeno ser são rapidíssimas.
Após três semanas da concepção já aparecem um eixo
cefálico-caudal e os rudimentos da espinha dorsal. Ao redor
do dia 25, o coração começa a bater - é o primeiro órgão
que funciona no novo ser - e o sistema nervoso começa a
desenvolver-se, o embrião já dispõe de um cérebro primitivo
e aparecem pequenas protuberâncias que irão se
desenvolver como braços e pernas.
O segundo mês da gestação é o momento mais intenso do
desenvolvimento embrionário. Neste período o cérebro
continua se desenvolvendo e se forma a maior parte dos
órgãos e estruturas do embrião: o fígado, os rins, as
glândulas, os dedos das mãos, os músculos, os testículos ou
ovários, e os nervos, que crescem até conectar cada órgão
e músculo com o cérebro. A cauda desaparece e forma-se a
pele, ao passo que a cartilagem que formará o esqueleto
começa a endurecer e se transformar em osso. No final
deste mês o embrião já possui o rosto com olhos, nariz e
lábios. As orelhas estão desenvolvidas, bem como a língua,
que já dispõe de papilas gustativas, e aparecem uns dentes
incipientes. Medindo uns sete centímetros, tem uma
aparência plenamente humana e, desde então até o final da
gestação passará a chamar-se feto.
A partir da sétima semana começará a se mover, no início
com movimentos reflexos, os quais logo cederão lugar a
outros movimentos precisos e intencionais. Gostaríamos de
incluir aqui um relato escrito pelo Dr. Rockwell, diretor de
Anestesiologia do Hospital Leonard, de New York, escrito em
1970, a respeito de uma experiência bem curiosa que teve
em 1959. O relato foi retirado do livro ‘Womb Twin
Survivors’ de Althea Hayton:
“Onze anos atrás, quando administrava um anestésico
para uma gravidez ectópica rompida (em uma
gestação de dois meses), me entregaram o que eu
imaginei fosse o menor ser humano que eu jamais
havia visto. O saco embrionário estava intacto e era
transparente. Dentro do saco estava um homenzinho
(aprox. 1 cm), nadando vigorosamente no líquido
amniótico, ao mesmo tempo que continuava conectado
ao cordão umbilical. Este minúsculo homenzinho
estava perfeitamente desenvolvido, com os dedos das
mãos grandes e afilados, pés e dedos dos pés. No que
se referia à pele, era quase transparente, e as artérias
e veias delicadas eram proeminentes nas
extremidades dos dedos.
O bebê aparentava muita vitalidade e nadava ao redor
do saco, uma vez cada segundo, com um estilo natural
de natação. Este diminuto ser humano não se parecia
em nada com as fotografias, desenhos e modelos de
embriões que eu já tinha visto, nem era parecido com
outros embriões que observei deste então, obviamente
porque este estava vivo. Quando o saco foi aberto, o
diminuto ser humano morreu imediatamente e
assumiu o aspecto do que seria um embrião nesta
idade. Seis meses mais tarde, durante uma conferência
sobre embriologia na Universidade Harvard, aproveitei
para perguntar aos cerca de 150 médicos presentes,
se algum deles tinha testemunhado um fenômeno
semelhante. Todos ficaram assombrados e nenhum
havia visto ou ouvido falar de um evento similar”.
Segundo trimestre
No terceiro mês, o novo ser já tem todos os órgãos
formados e daí em diante apenas irão se aperfeiçoar. Os
membros superiores quase que atingem seu comprimento
final relativo, embora os inferiores não estejam tão
desenvolvidos. O risco de aborto diminui e aumenta a
capacidade de resistência frente a agentes agressores. Seu
peso alcança mais ou menos 30 gramas.
Durante o quarto mês, os olhos se deslocam na direção da
linha média, a fim de assumir sua posição final, e os
pavilhões auriculares ocupam sua posição definitiva nos
lados da cabeça. Os membros inferiores aumentam de
comprimento, o feto pesa uns cem gramas e seus traços se
tornam ainda mais humanos. Produz-se um rápido
desenvolvimento dos sistemas orgânicos e os movimentos
do bebê já podem ser percebidos pela mãe.
No quinto mês o feto pesa entre 300 e 400 gramas e mede
uns 25 centímetros; aparece a primeira gordura, que faz
com que suas formas se arredondem. No sexto mês a
medula óssea começa a fabricar células sanguíneas,
despontam as sobrancelhas e pestanas, desenvolvem-se os
pulmões, os alvéolos principiam a sintetizar surfactante -
imprescindível para a dilatação pulmonar - e o aumento de
peso é considerável, chegando inclusive a 700 gramas.
Terceiro trimestre
Estes últimos meses da gestação são dedicados ao
aperfeiçoamento e maturação de todos os sistemas e
também ao crescimento. O tecido adiposo aumenta
proporcionalmente, chegando a atingir um oitavo da massa
corporal no instante do parto, o que o protegerá do frio
durante o nascimento. Os olhos se abrem e pela semana 30
aparece o reflexo pupilar. No nono mês o feto se encaixa de
cabeça para baixo com a cabeça sobre a pélvis da mãe.
Está pronto para sair para o mundo.
Capítulo 2: Como se forma uma
gravidez múltipla
Gêmeos dizigóticos
A maioria das gravidezes gemelares, quase dois terços, se
originam de diferentes óvulos fecundados, o que acontece
quando uma mulher libera dois óvulos em um mesmo mês.
Os gêmeos dizigóticos são também chamados bivitelinos
(ou fraternos) são geneticamente como dois irmãos que
repartem apenas uma parte de seu ADN. Podem ser do
mesmo sexo ou ter sexos diferentes.
Os gêmeos dizigóticos se originam a partir de diferentes
óvulos da mulher, liberados ao mesmo tempo ou com
poucos dias de diferença e fecundados, cada um, por
diferentes espermatozoides. Esta fecundação pode produzir-
se como resultado de um só intercâmbio sexual ou como
resultado de atos sexuais diversos; inclusive poderiam ter
pais diferentes. Geralmente produz-se no mesmo ciclo
menstrual, embora haja casos, excepcionalmente raros, de
gêmeos dizigóticos que foram concebidos em meses
diferentes.
Gêmeos fraternos
Portanto, os gêmeos dizigóticos começam sua gestação de
forma separada e em momentos diferentes. Cada um deles
tem sua própria placenta, cório (bolsa exterior) e âmnio
(bolsa interior). Às vezes as placentas chegam a fundir-se, se
a implantação no útero foi próxima, mas assim mesmo,
depois do nascimento podem se separar com facilidade,
considerando que são duas placentas diferentes.
Gêmeos monozigóticos
Os gêmeos monozigóticos, também chamados gêmeos
idênticos, formam-se a partir de um só óvulo fecundado,
que se divide por si mesmo. Aproximadamente um terço dos
gêmeos se originam assim.
Gêmeos
Sentidos
O tato é um dos primeiros sentidos que se desenvolve no
não nascido. A pele é de longe o maior órgão sensorial do
corpo, repleto de uma grande variedade de terminações
nervosas. Começa a formar-se pela quinta semana de
gestação e, a partir daí a sensibilidade ao tato se
desenvolve rapidamente. Nos fetos de sete semanas é
possível observar reações como abrir a boca, em resposta a
um ligeiro contato com a mesma. A sensibilidade se
expande, principalmente para as plantas dos pés, os
genitais e as palmas das mãos. A partir da décima semana,
têm sido observadas reações ao contato e carícias sobre
estas partes do corpo. Igualmente tem sido possível
comprovar que os fetos reagem à dor quando uma agulha
penetra no útero e roça sua pele; também, que as mãos do
feto se desenvolveram de tal maneira que podem
ativamente ‘pegar’ alguma coisa, por exemplo, o cordão
umbilical.
O paladar se desenvolve a partir da oitava semana de
gestação. Neste momento já se podem verificar os
primeiros sinais das papilas gustativas, que até a semana
doze estão totalmente formadas. A partir das treze
semanas o feto já engole pequenos goles de líquido
amniótico e, como seu sabor depende em grande parte, da
dieta da mãe, pode-se experimentar e comprovar que, ao
introduzir sabores amargos, os bebês reduzem
drasticamente a ingestão, ao passo que, ao se introduzirem
sabores doces, os bebês duplicam a ingestão. Também já se
viu que ao redor das treze semanas, os fetos começam a
chupar o dedo, e gostam disso, pois chegam a fazê-lo por
longos períodos, ao ponto de criar um calo, claramente
visível no instante do nascimento.
O olfato de desenvolve paralelamente com o paladar; ao
redor da décima terceira semana, as estruturas nasais
encontram-se praticamente formadas e nelas encontramos
uma pequena zona sensível. E, embora até a pouco tempo
se pensasse que este sentido não teria relevância enquanto
no útero, por ser um ambiente líquido, agora se sabe que os
fetos podem distinguir pela cor, uma variedade de
substâncias. Em uma experiência recente, com recém-
nascidos, verificou-se que podem reconhecer o cheiro de
seu líquido amniótico. Este experimento consistiu em
colocar um pano impregnado com o líquido amniótico
próximo de suas fossas nasais, e isso tinha um efeito
tranquilizante para os bebês, os quais choravam menos do
que os outros que não tinham passado pela mesma
experiência. Verificou-se também que os recém-nascidos
reconhecem com facilidade o cheiro de sua mãe e que isto
lhes é de grande ajuda na hora de pegar o peito.
O ouvido começa a formar-se depressa e, uma semana
depois da fecundação já se podem distinguir os primeiros
sinais das orelhas. Entre nossos órgãos sensoriais, o ouvido
é, certamente, o que possui uma das estruturas mais
complexas, e o primeiro que se torna completamente
formado durante a gestação. Acredita-se que, ao redor da
décima-quarta semana o não nascido já pode ouvir
razoavelmente bem, embora as estruturas do ouvido
continuem a se aperfeiçoar até o final da gravidez. A
audição talvez seja o sentido mais importante para se
relacionar com o mundo exterior durante a gestação. Sabe-
se que os fetos podem distinguir claramente a voz de sua
mãe, também de seu pai, podem ouvir música e inclusive
expressar suas preferências musicais (Mozart demonstrava
ter muito maior aceitação do que Beethoven ou a música
rock).
A visão é o sentido que se desenvolve em último lugar. Até
o sétimo mês as pálpebras permanecem fechadas, mas
mesmo assim, o feto pode perceber a luz e a obscuridade
através das pálpebras a partir da décima-quarta semana.
Os não nascidos desta idade reagem franzindo a
sobrancelha ou colocando a mão sobre os olhos ao
enfrentar uma luz intensa. Observou-se também que os
fetos de catorze semanas se afastam rapidamente de uma
agulha de punção de amniocentese, mesmo sem que a
agulha os tivesse tocado, e como se pudessem tê-la ‘visto’.
Emoções
As emoções não são algo que possamos ‘ver’ diretamente,
mas podemos inferi-las a partir da linguagem corporal, das
expressões faciais e de certas reações fisiológicas. Até há
pouco, o mundo intrauterino estava além do alcance de
nossos olhos, porém hoje já não é assim; agora podemos
observar, com grande detalhe, muito do que acontece
nesse espaço, através dos movimentos e as expressões do
rosto dos não nascidos, e podemos interpretar o que
acontece em seu mundo emocional.
Os movimentos nos embriões começam na quarta ou quinta
semana depois da concepção. E aquilo que se pensou
durante décadas que eram simples movimentos reflexos, ao
observá-los com maior precisão, pode-se apreciar tal
variedade e riqueza de movimentos, acompanhados de
expressões faciais, as quais nos fazem supor que os
movimentos intencionais começam muito antes do que se
imaginava. Para citar apenas um exemplo, pode-se observar
embriões com oito semanas, estirando-se do mesmo modo
que o faria um adulto, jogando a cabeça para trás e depois
esticando o dorso e os braços, tudo isso acompanhado de
um prolongado bocejo. A partir da sexta ou sétima semana já
são capazes de todo um repertório de gestos, tais como
bocejos, franzir a sobrancelha, movimentos oculares, levar
as mãos à boca, abrir e fechar a boca, tragar, etc., tudo isso
feito de forma tão precisa e diferenciada que não deixa
dúvidas de que são movimentos espontâneos e não apenas
reflexos.
Descobriu-se recentemente também que os não nascidos
sonham e o fazem relativamente cedo. Observaram-se
movimentos oculares que acompanham a fase do sonho
REM pela vigésima-primeira semana de gestação. E,
acompanhando os sonhos, os não nascidos realizam toda
uma série de movimentos sumamente expressivos, por
exemplo, retorcer o torso, os braços e as pernas, com
movimentos bruscos, enquanto franzem as sobrancelhas, os
lábios, fazem caretas, etc. Tudo isso sugeriria um pesadelo.
Em outras ocasiões, entretanto, o bebê sorri e faz
movimentos lentos e suaves enquanto sonha, e isso o
relacionaríamos com sonhos agradáveis.
Uma das situações que provoca uma das reações
emocionais mais fortes dos não nascidos é a punção do
teste de amniocentese. Esta punção se faz ao redor da
décima-segunda ou terceira semana, com a finalidade de
extrair um pouco do líquido amniótico com o objetivo de
analisá-lo, a fim de detectar possíveis defeitos genéticos.
Para isso, introduz-se uma agulha na cavidade uterina. As
reações que isto produz nos bebês não nascidos variam,
mas o resultado claro é de que nenhum bebê gosta que
uma agulha penetre em seu espaço. Alguns reagem
afastando-se o máximo possível e permanecendo imóveis,
às vezes durante dias após o teste; os movimentos
respiratórios que neste período ocupa bastante do tempo de
exercício do ainda por nascer, são drasticamente reduzidos
e a frequência cardíaca também se eleva ou diminui
sensivelmente. Tudo isso sugere medo e estado de choque.
Outros bebês reagem a este teste de maneira
completamente diferente, parecem incomodados e, por
exemplo, golpeiam a agulha com força; inclusive sabe-se de
um caso ou outro, em que o bebê chegou a segurar a
agulha com força com a mão, com um grande susto e
assombro dos médicos envolvidos.
Comportamento
O exemplo anterior é uma boa prova de como podem ser
diferentes os comportamentos dos bebês no útero,
comportamentos que nos informam sobre reações
individuais e únicas diante de estímulos recebidos. De fato,
a grande riqueza de observações que nos permitem as
técnicas atuais de ultrassom, confirmam o que as mães
sempre souberam, que cada bebê tem um comportamento
individual e desenvolve sua resposta própria ao ambiente e
aos estímulos que nele acontecem. Deste modo, o ritmo de
atividade e descanso, de exercício e de sonho é diferente
para cada um. Existe um caso na literatura médica, no qual
se observou que um bebê passou a maior parte do tempo,
durante a segunda metade da gestação, com a cabeça
encostada na placenta, quer dizer, muito tempo de
descanso. Entretanto, em outros casos, pode-se vê-los
dedicando muito tempo ao exercício, à exploração, ao
divertimento. A forma e medida de auto distribuição do
tempo parecem diferentes para cada um.
Neste capítulo, merece menção especial a observação que
se realizou, relativa ao comportamento de gêmeos no útero.
A partir da sétima semana após a concepção, observam-se
os primeiros toques e reações entre eles: breves contatos
em direção a uma extremidade, o torso, a cabeça e o rosto
que, rapidamente se tornam mais precisos e mais
prolongados. A partir deste ponto, os contatos e as
interações se tornam cada vez mais complexas e, poucas
semanas depois, já se transformam em carícias, dão-se
abraços, golpes ... empurrões e beijos!
A médica italiana Alessandra Piontelli contribuiu de maneira
muito importante para a investigação deste assunto. Em
seu livro ‘Gêmeos: do feto à criança’ e em outros de seus
trabalhos, descreve em detalhe muitas de suas observações
durante anos de estudos sobre gêmeos interagindo entre si
no útero. Explica, por exemplo, que ao redor do quarto mês
da gestação, um par de gêmeos foram observados,
repetidamente, com frequentes interações; um deles era
claramente mais agressivo e o outro, mais submisso.
Quando o gêmeo dominante empurrava ou aplicava golpes,
o outro se retirava e apoiava sua cabeça na placenta, como
se estivesse procurando um lugar seguro e confortável.
Após o nascimento, quando estes gêmeos tinham mais ou
menos quatro anos, continuavam apresentando
comportamento semelhante. Quando brigavam ou havia
tensão entre eles, o mais passivo se retirava para seu
quarto e colocava a cabeça sobre uma almofada.
Outro exemplo curioso que ela nos oferece é sobre os
gêmeos Lucas e Alice: o irmão, mais ativo, era quem
frequentemente contatava sua irmã, aproximava-se dela,
passando suavemente a mão sobre o rosto dela; depois, os
dois encostavam o rosto um no outro, acariciando-se
suavemente, através da membrana extremamente fina e
flexível do cório. Mais adiante, já com mais de um ano de
idade, brincavam da mesma maneira, colocando-se cada
um de um dos dois lados de uma cortina, deixando que seus
rostos se acariciassem através dela, como se fosse através
do cório.
Temos visto como, durante a gravidez, o não nascido
desenvolve seus sentidos e como, graças a eles, percebe o
ambiente ao qual reage, sentindo e expressando emoções e
um comportamento claramente espontâneo e
individualmente diverso. A seguir, iremos explorar se é tão
inconsciente como se acreditava ou, pelo contrário, se é um
ser consciente, com uma capacidade surpreendente desde
o começo da própria vida.
Capítulo 6: Inteligência e consciência
do bebê não nascido
O desenvolvimento do cérebro
A partir da terceira semana após a concepção, aparecem os
primeiros elementos básicos da medula espinhal e o
cérebro. Na sexta semana já se pode detectar atividade
elétrica mensurável; os neurônios se multiplicam
rapidamente, chegando aproximadamente a cem mil
milhões no final da gestação. Possuem uma forma muito
característica, parecida com uma árvore, com um tronco
longo, chamado axônio, e ramificações, chamadas
dendritos. Os ramos se estendem na direção das células
vizinhas, estabelecendo pontos de conexão, as sinapses.
Esta comunicação entre neurônios entre si ou entre
neurônios e outro tipo de células, como por exemplo, as
musculares, realiza-se graças à intervenção de uma grande
quantidade de substâncias denominadas
neurotransmissores e que se armazenam em nódulos de
neurônios. Cada neurônio pode ser composto de cinquenta
mil neurotransmissores. Embora seja um sistema
extremamente complexo, funciona com grande rapidez e
eficácia. Os sinais se propagam através da rede nervosa
quase imediatamente e chegam aos músculos, órgãos e
demais partes do corpo no momento certo.
Pois bem, antes se duvidava de que estas terminações
nervosas funcionassem eficazmente no embrião e no feto,
devido principalmente a que o processo de mielinização,
pelo qual as células são recobertas com uma capa de
gordura isolante e protetora, não chega a completar-se
durante a gestação; acreditava-se que este era um requisito
imprescindível para a transmissão de informação entre os
neurônios. Entretanto, nos últimos anos está se verificando
que, na prática, este processo de mielinização acontece de
forma gradual e também irregular, por todo o sistema
nervoso, e não se completa totalmente até a puberdade,
muito depois que o cérebro e o sistema nervoso tenham
chegado a um desenvolvimento avançado. Por isso, parece
que não é tão importante, como se pensava, para a
transmissão de informações no sistema.
Por outro lado, hoje em dia o nosso conceito de cérebro e de
seu funcionamento está se expandindo. O neurocirurgião
australiano Richard Bergland define o cérebro como uma
grande glândula que segrega hormônios, recebe hormônios
que se produzem em outras partes do corpo, e está
banhado em hormônios; daí o conceito de cérebro ‘fluido’.
São reveladoras também as investigações de Candace Pert
sobre os neuropéptidos, cadeias de aminoácidos produzidos
diretamente pelas células nervosas e que funcionam como
moléculas que transmitem informação pelas diferentes
partes do corpo. Ambas as investigações apontam para uma
compreensão maior do processamento da informação,
muito além dos neurônios e suas sinapses, na direção de
centros receptores de neuropéptidos, localizados em todo o
organismo. Nas palavras da própria Candace Pert: “Não
posso separar o cérebro do corpo”. O cérebro é muito mais
que os neurônios, de tal maneira que a inteligência, as
lembranças e as emoções têm lugar no cérebro e em todo o
corpo. Mesmo assim, Pert e seus colaboradores
encontraram no tronco encefálico dos não nascidos grupos
espessos de receptores de neuropéptidos em tal
quantidade, que os levou a supor que, na realidade, o
tronco encefálico é parte do sistema límbico, aquela parte
do cérebro que se ocupa principalmente das emoções e da
memória. Considerando que esta é uma das partes do
cérebro que se forma em primeiro lugar no embrião, esta
descoberta se constitui em uma explicação nova sobre a
existência da memória no começo da gravidez.
Aprendizagem
Além das recentes descobertas sobre o cérebro e seu
funcionamento, foi realizada uma grande quantidade de
pesquisas, nas décadas passadas, sobre a capacidade de
aprendizagem dos bebês, as quais apresentaram resultados
surpreendentes.
Entre eles vale destacar as pesquisas levados a cabo por
Peter Hepper, da Universidade de Queens, em Belfast.
Durante muitos anos ele se dedicou ao estudo do
desenvolvimento da aprendizagem e suas conclusões são
que, os não nascidos realizam muitas e variadas
aprendizagens no útero materno. Conforme suas
observações os bebês podem aprender de maneiras
diferentes, entre elas, mediante a descoberta, o hábito e o
condicionamento.
Aprender pela descoberta é aprender a partir dos sucessos e
estímulos casuais com os quais se depara o feto. Por
exemplo, em sua exploração ao redor do útero, vai descobrir
e interagir com o cordão umbilical, com a placenta, com o
saco vitelino e até mesmo com a parede uterina e, por meio
desses encontros vai aprendendo quais são os limites de seu
espaço.
A aprendizagem pelo hábito implica o reconhecimento de
alguma coisa experimentada anteriormente. Quando se
recebe um estímulo pela primeira vez, isto provoca uma
intensa reação de atenção ou interesse. Depois de várias
vezes esta reação diminui, até que depois de um certo
número de vezes, não provoca mais qualquer reação. Em
experiências com não nascidos observou-se como um
estímulo forte, digamos um som alto, ao ser repetido,
provoca cada vez menos reação por parte do bebê, até
chegar ao momento do hábito. Este é um processo
adaptativo e um sinal de inteligência, porque neste mundo
repleto de estímulos em que vivemos, não poderíamos
sobreviver sem filtrar aquilo que merece ou não a nossa
atenção.
A aprendizagem mediante o condicionamento tem a ver
com a maneira pela qual a mente encontra relações entre
fatos quando se constrói a imagem da realidade. O prêmio
Nobel Ivan Pavlov, com suas pesquisas sobre o reflexo
condicionado, no final do século XIX, foi talvez o primeiro a
chamar a atenção sobre esta dinâmica. Em relação aos não
nascidos, realizou-se uma experiência no final da década de
40, nos Estados Unidos. Nela, David Spelt ensinou bebês
que estavam no sétimo mês de gestação, a responder a um
som e à sensação de um ventilador; emitia-se um ruído
forte batendo em uma caixa, de tal forma que provocava
uma mudança de posição do feto no útero e, ao mesmo
tempo, posicionava-se um ventilador junto à barriga da
mãe. Depois de receber estímulos de forma associada, por
uma porção de vezes, finalmente o feto aprende a mudar de
posição, apenas sentindo o ventilador.
São também interessantes as experiências feitas com
música e linguagem. Thomas Verny, em seu livro ‘A vida
secreta da criança, antes de nascer’, conta a história de
Boris Brott, diretor de orquestra em Ontário, o qual, quando
jovem, notou que havia certas peças musicais que ele podia
tocar sem as ter estudado e sem conhecê-las. Sabia as
notas que viriam, antes de virar a página da partitura.
Descobriu que sua mãe, que era violoncelista, havia
estudado essas peças mais de uma vez, quando estava
grávida dele.
O psicólogo e professor norte americano David
Chamberlain, que desde os anos 70 havia se dedicado à
pesquisa e entendimento da experiência na vida
intrauterina, foi um dos pioneiros da psicologia pré-natal e
perinatal. Em seu livro, ‘A mente do bebê recém-nascido’
relata uma experiência realizada pelos psicólogos Anthony
De-Casper e Melanie Spence, da Universidade da Carolina
do Norte. Eles solicitaram a um grupo de mulheres grávidas,
que lessem um conto específico para seus filhos, duas vezes
por dia, durante as últimas semanas da gestação. Alguns
dias depois de terem nascido, deu-se-lhes a oportunidade
de ouvir o conto que haviam escutado todo o tempo, mas
também um outro, não conhecido. Colocaram nos bebês
fones de ouvido e lhes deram uma chupeta especial que
lhes permitia mudar o conto que escutavam, se sugadas
mais depressa ou mais devagar. Dos doze recém-nascidos,
dez mudaram o ritmo da sucção para escutar o conto que
lhes era mais familiar. Isto sugere que obviamente eles se
lembravam do conto, o reconheciam, o distinguiam do outro
e o preferiam.
Em outro de seus livros, ‘Windows to the womb’ (‘Janelas
para o útero’), Chamberlain relata uma história contada pelo
professor croata de linguística, Zrinka Babic, sobre uma
menina croata que, aos sete meses de idade pronunciou
claramente cinco palavras. Quatro das palavras eram em
croata e a quinta era a palavra inglesa box. Esta última
palavra, pronunciada de forma extremamente clara e com
sotaque americano. Pensando em como teria sido possível
que uma das primeiras palavras pronunciadas por sua filha
fosse em inglês, a mãe encontrou a explicação. Durante sua
gravidez, entre os meses seis e oito, havia trabalhado como
professora particular de inglês, ensinando um menino um
pouco retardado. Durante suas aulas ela repetia a mesma
palavra, mais de uma vez: “This is a box. A box. Is this a
box? Yes, this is a box”. A menina, no ventre de sua mãe,
assistiu às mesmas aulas de inglês dadas ao menino, por
sua mãe.
Sílvia Castro
Capítulo 7: Nossa vida se inicia com a
concepção
a) Vestígios no sentir
Presenciar e viver de perto a morte de um gêmeo deixa
vestígios profundos no sentir do irmão sobrevivente. Como
resultado disso, desenvolvem-se nele alguns sentimentos
básicos, fortemente arraigados, que formam a música de
fundo de suas emoções e que influem na percepção de si
mesmo e do ambiente durante toda sua vida.
A listagem a seguir é um resumo geral destes sentimentos,
considerando que cada indivíduo é um ser único, e que as
vivências pessoais podem diferir tanto nos aspectos
concretos como no grau de intensidade com que são
experimentados.
•É comum nos gêmeos solitários a sensação de vazio. Falta-
lhe algo ou alguém e não sabem de que modo preencher
este buraco negro em sua alma. Este vazio os acompanha,
mesmo que a pessoa tenha, aparentemente tudo em sua
vida, como um bom trabalho, companheira e filhos, uma
bela casa, etc. *
•Consequentemente, sentem o desejo de algo que, em sua
memória, assemelha-se a um estado completo e
paradisíaco. Esta saudade de algo perdido, alguma coisa
que não encontram nem no presente nem no futuro, os
acompanha por toda parte, e pode causar-lhes uma
sensação de descontentamento, sem causa aparente.
• Um sentimento de solidão lhes é inerente. Permaneceu
somente ao perder a pessoa mais próxima que, por sua vez,
também foi para ele seu primeiro relacionamento.
Dependendo dos futuros acontecimentos de sua vida,
sobretudo de como seja sua relação com a mãe durante os
primeiros anos, este sentimento pode acentuar-se ou
suavizar-se, mas não desaparecer.
• Existe uma melancolia ou tristeza de fundo que, embora
possa ser perceptível apenas em tempos de felicidade em
suas vidas, mantém-se presente e se faz presente de novo.
Em algumas pessoas este sentimento pode assumir a forma
de uma profunda tristeza beirando a depressão, ao passo
que em outras cria um sentimento de uma doce melancolia,
na qual quase se compraz. Sem se dar conta, possuem um
sofrimento não resolvido causado pela morte de seu gêmeo.
• Muitos gêmeos solitários guardam um sentimento de
culpa. Sua origem está no fato de que, quando foi sua vez,
concluíram serem os culpados pela morte de seu gêmeo, o
que, com o tempo transformou-se em um sentimento
generalizado. Por esta razão, sentem-se culpados com
muita facilidade, embora não saibam por que. Em algumas
pessoas isso se manifesta mais ou menos como sentir-se
responsável pelos outros. Como resultado, não sentem
culpa propriamente, mas uma extraordinária
responsabilidade pelo bem-estar de todas as pessoas.
RODAPÉ
Pelo que ouvimos dos participantes em nossas oficinas para
gêmeos solitários, suspeitamos que quando alguém é
gêmeo, sente como se lhe faltasse alguma coisa sua, como
se houvesse um vazio em seu ser. Parece que a consciência
intrauterina é percebida pelo gêmeo como se fosse um
prolongamento de si mesmo. Esta seria a diferença principal
em relação a uma gravidez de gêmeos fraternos, onde a
percepção é de que lhes falta alguém.
b) Vestígios no pensar
O mundo da criança, desde seu início e nos seus primeiros
anos de vida, é um mundo que gira ao redor de si mesmo.
Está convencido de que tudo o que acontece, de algum
modo tem a ver com ele mesmo, e isto o leva a se
considerar como causa de tudo o que acontece ao seu
redor. Se os pais discutem entre eles, acredita que “fiz
alguma coisa errada e por causa disso eles estão brigando”;
em realidade, não entendem o que seja uma discórdia
matrimonial. Falta-lhe a experiência necessária que só os
anos vividos irão trazer, para poder interpretar e
compreender de maneira adequada os acontecimentos que
o rodeiam.
O mesmo ocorre quando, durante uma gravidez gemelar,
morre um irmão. O sobrevivente tenta entender o ocorrido,
mas não o consegue; obviamente não adquiriu a
experiência e os conceitos necessários para ter uma ideia
correta. Como poderia saber que a constituição física de
uma mulher é construída da maneira mais apropriada para
uma gravidez singular e que a própria natureza, em 90%
das gravidezes, sacrifica as gravidezes múltiplas, a fim de
garantir que um bebê chegue a um final normal e nasça?
Não pode saber. Mas, de algum modo, chega às suas
respostas e conclusões e, embora elas acabem guardadas
depois no inconsciente, nem por isso são menos poderosas.
Muitos dos gêmeos solitários acabaram aceitando
explicações como:
• Não fiz o suficiente para mantê-lo comigo.
• Não lhe reservei espaço suficiente.
• Eu comi tudo.
• Foi-se embora porque eu fui mau.
• Eu deveria tê-lo salvo.
Se alguém escuta estas frases, fica patente tanto o seu
egocentrismo quanto seu absurdo. Nenhum gêmeo pode
provocar ou evitar a morte do outro! Entretanto, para a
pessoa afetada isto parece ser a verdade e, no profundo de
seu ser, sente assim, o que determina, até certo ponto, o
caminho que irá escolher na vida. Wendy Anne McCarty o
expressa da seguinte maneira: “Nossas primeiras
experiências estabelecem o padrão do que iremos acreditar
como a realidade”.
Em consequência, o gêmeo sobrevivente também
desenvolve certas crenças a respeito de si próprio, o outro,
e a vida. Estas são algumas delas:
• Eu sou culpado.
• Deveria ter morrido, em vez dele
• Não existe ninguém para mim.
• Vou perder todas as pessoas a quem eu quero bem.
• Não tenho o direito de continuar vivo.
• Tenho que ganhar a vida, esforçando-me em dobro, como
duas pessoas.
• A vida só nos tira.
• Algo mal pode me acontecer a qualquer momento.
• Não suporto a vida.
Estas e outras crenças e convicções ficam ativas no
inconsciente e, às vezes, até no consciente de um gêmeo
solitário. Fazem parte do conjunto de “lentes” através das
quais a gente se vê a si mesmo e ao mundo, e estabelecem
nossa maneira de pensar. Como parte deste “roteiro natal",
influenciam de modo determinante o seu “roteiro de vida”,
no que faz e deixa de fazer, em como se relaciona consigo
mesmo, com os outros e como a vida como tal.
É importante mencionar aqui o conceito de “roteiro de
vida”. Desenvolvido pelo médico psiquiatra canadense Dr.
Eric Berne, fundador e criador original da Análise
Transacional. Eric Berne observou que todas as pessoas que
ele acompanhava em seu processo de terapia psicológica,
agiam de acordo com o que chamou de um “roteiro de
vida”, que é semelhante ao argumento pré-estabelecido de
uma obra dramática, e que a pessoa se sente obrigada a
representar, independentemente de ela se identificar ou
não com o personagem. O Dr. Berne observou que, aos
sete anos este roteiro está praticamente definido. A criança
em geral, mesmo antes de sete anos de idade, precisa dar
uma resposta inicial a perguntas como: Quem sou eu?
Quem são os outros, e o que farei na vida? Responder a
estas questões é uma necessidade psicológica para a
sobrevivência. O que acontece é que, com estes primeiros
dados obtidos, utilizados para responder a estas
indagações, vão-se obtendo as primeiras vivências, sejam
boas ou más. São vividas pelo gêmeo com os personagens
da família, especialmente os pais, mas também com as
outras figuras importantes, e em alguns casos, com o
gêmeo. Este roteiro está baseado nas influências dos pais e
nas experiências com outras pessoas, e as decisões que a
criança vai tomando diante delas, a fim de sobreviver.
Começa a se formar na época da gestação, de uma forma
mais somática do que verbal. No caso de gêmeos solitários,
a vivência de ter compartilhado com um irmão no ventre
materno e, depois passar pela experiência da perda, é uma
dessas experiências que contribuem, de forma
determinante, para a construção do seu roteiro de vida.
Como parte deste roteiro, o Rebirthing ou Renascimento,
contempla o roteiro natal, gerado durante o período que
abrange a gestação, partindo da concepção, anterior à
fecundação, até o parto, e inclui os primeiros meses do
bebê já nascido. Já no útero, a criança que virá está
formando seu corpo, está em contato íntimo com a mãe e
com a influência do ambiente emocional e psicológico que o
rodeia. Quando, durante esta primeira etapa da vida,
ocorrem experiências traumáticas ou dolorosas, este
método terapêutico pode representar uma grande ajuda em
acessá-las, liberá-las e recuperar a saúde.
A seguir, veremos de que maneira estes vestígios
influenciam o sentir e o pensar do gêmeo solitário, durante
sua vida.
c) Vestígios no agir
Desde pequeno, um gêmeo solitário sente que alguém ou
algo lhe falta, o que o faz sentir-se só, embora cercado por
sua família. De forma paradoxal, poder-se-ia dizer que está
acompanhado pela solidão. Desde criança, retira-se de
forma intermitente para um mundo próprio, diferente
daquele ao qual os demais têm acesso. Pode ser que tenha
um amigo ou amiga invisível, uma boneca, uma almofada
ou um cobertor que seja de suma importância para ele e do
qual é inseparável. Nas revistas de Charlie Brown há um
personagem chamado Linus. Já te perguntaste alguma vez
por que tem tanto apego ao seu cobertor.
Rabiscar palavras...
rabiscá-las no ar
deixá-las escapar pela janela
para que voem
e se vão
elas já sabem que para onde
a ti, que não apareces em meus versos,
a ti, que iluminas os meus silêncios”
Jorge Larena*
Peter Levine
Algumas pessoas sempre souberam que são gêmeos
solitários, entretanto muitas outras, não. Esta descoberta
costuma ocorrer em algum momento, quando a pessoa
busca por ajuda ou explicação para certos problemas ou
dinâmicas de sua vida. O fato de saber, para muitos, faz
uma grande diferença e, por sua vez, marca o princípio de
um processo de cura e integração que, embora varie de
pessoa para pessoa, tem certas características similares a
todos. Queremos dedicar esta parte do livro explorando este
processo, e o que uma pessoa pode fazer para curar esta
ferida profunda em seu ser, e integrar-se ao gêmeo morto
que existiu em sua vida.
No primeiro capítulo ouviremos mais uma vez a experiência
de pessoas que passaram por este caminho. Aqui,
novamente, os depoimentos ilustram a maneira magnífica e
em grande detalhe, este desenvolvimento, em suas várias
facetas. No segundo capítulo elaboramos nosso
entendimento do que temos aprendido a observar ao longo
dos anos, como as pessoas passam por este processo de
cura. O terceiro capítulo foi dedicado a outro aspecto, que
nos parece de grande valor, tanto para os pais quanto aos
terapeutas, que é reconhecer quando as crianças são
gêmeos solitários e verificar como podemos ajudá-las a
viver e integrar sua experiência.
Capítulo 27: Passos para a cura
A história de Maria
“Durante a gravidez de Maria, precisou repousar,
durante várias semanas, no primeiro trimestre, devido
a uma hemorragia. Ao que parece, ocorreu um
desprendimento da placenta. Seu parto foi complicado,
Maria nasceu inconsciente, por meio de uma cesariana
de emergência, e durante os primeiros dias
desenvolveu uma meningite viral.
Quando pequena, era uma menina muito calma,
suave, tolerante, e logo em seguida, começou a
interessar-se pela morte, e falava muito sobre isso.
Nesta etapa, dos dois, três e quatro anos, passou por
alguns momentos de desespero compulsivo, nos quais,
sem razão aparente, chorava de modo inconsolável e
chamava pela mãe com todas suas forças, mesmo
quando estava em meu colo.
Na ocasião, eu não sabia nada sobre gêmeos solitários;
entretanto, mais tarde, quando aprendi sobre isso,
lembrei-me de algumas características dela que
poderiam estar relacionadas. Uma dessas
características é que desde pequena, Maria não queria
crescer, desejava continuar como bebê para sempre, e
se incomodava muito quando diziam que estava
grande. Aos quatro anos, quando entrou no jardim de
infância, começou a falar com uma amiga imaginária,
Catalina, e tinha esperança de encontrá-la aí no jardim
de infância. Depois de esperar por ela, todos os dias,
durante quatro semanas, chegou em casa queixando-
se e chorando, dizendo: “Parece que a Catalina não
existe, não vai vir nunca...”. Outra manifestação, que
mais tarde eu compreendi melhor, era que ela estava
aterrorizada por ser a melhor nos jogos infantis;
chorava desesperada e dizia “Não quero que os outros
percam...".
Foi quando Maria tinha mais ou menos uns seis anos
que eu descobrir que eu também era uma gêmea
solitária. Claro que compartilhei esta descoberta com a
minha família, e pouco a pouco, comecei também a
entender os sinais de minha filha Maria.
Nesta ocasião, Maria entrou para a escola primária,
juntou umas folhas de papel em branco, atou com um
barbante, a fim de escrever um livro. Nele, fez um
desenho de duas meninas gêmeas, cada uma com
bolhas para escrever um pensamento, onde uma delas
pensava sobre os pais, e a outra pensava numa
imagem de santos ou anjos, que coloriu. Disse que ia
escrever um livro e que esse era o tema.
“Kala e Uma”
Nunca poderemos esquecer quando nos disseram que
esperávamos gêmeos, a emoção foi tão forte, o
agradecimento à vida, ao universo, à providência, a
Deus, era tão grande. Parecíamos tocados por algo
mágico que só a vida pode oferecer.
Mariona diz que a gravidez foi o maior momento de
sua vida, o maior estado de plenitude que
experimentou. As meninas cresciam e com elas nossa
ilusão e nervosismo pelo momento do parto e nosso
encontro com elas. E o momento chegou, as águas se
romperam, ficamos em casa nos primeiros momentos
da dilatação e nos dirigimos para a clínica quando
percebemos que havia chegado o momento final... foi
tão emocionante!
A primeira que nasceu foi Uma. Custou a sair, parecia
que não terminava de fazer força suficiente para que
ela saísse, quando finalmente saiu com fórceps e a
colocaram no peito de Mariona, em seguida
verificamos que alguma coisa não estava bem,
cortaram o cordão e a levaram para a salinha ao lado
para reanimá-la, podíamos ver como faziam tantas
manobras para reanimá-la, enquanto Mariona dava à
luz a Kala.
Baixaram as cortinas na sala de reanimação, algo não
ia nada bem, levaram Kala em seguida, a segunda a
nascer, e logo depois de expulsar a placenta, a
ginecologista nos informou que a primeira criança que
nascera, havia morrido.
Nunca, nunca esqueceremos esse momento, a frase “a
primeira criança está morta", a outra está entre os
recém-nascidos para prevenir possíveis perigos. A dor
foi muito grande!
Como podia ser que ao mesmo tempo, a vida e a
morte se apossaram de nossa família, de nossas
ilusões, de nosso futuro?
É doloroso, é devastador.
A morte é fria!
Depois da desolação, pedimos para ver Kala, o bebê
que sobreviveu, estava bem, em sua incubadora,
congestionada de tanto chorar, fazia-nos tanto mal,
não havia consolo para Kala, pensamos em cantar-lhe
baixinho... Parou um pouco, mas a verdadeira calma
só ocorreu quando pode ser abraçada, no peito da
mãe.
Pedimos também para ver Uma. Na clínica nos
permitiram, e nos deixaram em uma salinha, com o
corpo envolvido em um pano verde, pudemos abraçá-
la, ficamos as três sozinhas durante um tempo. Sem
saber ainda por que, quisemos tirar umas fotografias
(que bênção é estar agora com elas), quisemos retê-la,
a abraçamos, a beijamos, dissemos-lhe muitas coisas
bonitas, o doloroso que era a sua perda, choramos,
despedimo-nos de seu corpinho de recém-nascido, já
frio.
Aqui começou a nossa dor, cada uma viveu como
pode, agora podemos dizer que, para sobreviver a essa
dor, cada uma encontrou sua maneira, uma
mergulhando em uma tristeza grande e profunda, a
outra em um intenso e violento tédio contra o mundo.
Podíamos nos encontrar apenas na dor, quando
acontecia de chorarmos juntas e aquecer-nos contra o
frio dessa morte tão inesperada.
Reunimo-nos com um grupo de pais que haviam
passado pela mesma experiência, a morte de um filho
antes do primeiro ano de vida, o que acontece a tanta
gente! Foi reconfortante compartilhar, é necessário,
faz bem, porque nesse lugar ninguém procura se
consolar, ninguém pretende livrar-se de seu processo;
ouve-se e deixa-se espaço para a dor, com respeito.
A culpa foi um sentimento muito real, no princípio era
enorme, pensávamos na quantidade de coisas que
poderíamos ter feito diferente, e assim teríamos a
nossa filha conosco, por exemplo, chegar mais cedo no
hospital, pedir uma cesariana, queixar-nos mais... a
culpa é voraz com a mente, sentíamos que tínhamos
sido incapazes de cuidar de nossa filha, que não
havíamos procedido corretamente, que como adultos
tínhamos recursos para evitá-lo...
Além do mais, a culpa é um sentimento que não
desaparece com facilidade, uma vez que esteja
instalado em nossas mentes durante muito tempo.
Uma das coisas mais difíceis de suportar é ver como o
ambiente reage contra a morte de um bebê, dizendo
coisas impensadas, como “é melhor que não se
queixem, pois pelo menos resta uma, há gente que
perdeu as duas”, “está bem, mas não é preciso
continuar chorando” (depois de 3 meses após a perda),
pessoas que conhecíamos mas que não nos
cumprimentavam, porque mais tarde nos disseram que
não sabiam o que dizer da morte de nosso bebê,
pessoas que perguntavam se houvéssemos feito isto
ou aquilo ela estaria viva... verdade muito
desafortunada.
Ao morrer durante o parto, não demos um nome à
nossa filha, e tinha ficado registrada como “feto de...”,
porque não sobrevivera 24 horas, isso foi muito
doloroso. Para nós, ela já era uma pessoa, desde
quando crescia no ventre de sua mãe. Mas, assim é a
lei na Espanha.
Sabíamos que teríamos que colocar nossa filha em
algum lugar, entregaram-nos suas cinzas, junto a um
grupo muito íntimo de amigos e familiares, realizamos
um funeral, um rito de despedida. Compramos uma
árvore centenária, de 400 anos, uma oliveira, com uma
raiz enorme e dois galhos grossos que em seguida se
bifurcavam, um subia até o céu, o outro se mantinha
na horizontal, essa árvore iria ser o símbolo de Uma na
terra; nos reunimos em círculo, ao seu redor, tudo
estava preparado para plantar a árvore, um buraco
enorme na terra onde depositaríamos as cinzas de
Uma, sua placenta, uns sapatinhos que nos tinham
dado de presente, uma oferenda representada por um
pedaço de tecido; deixamos que os participantes
fizessem os votos que tinham para Uma em sua
passagem, todos falamos, todos verificamos que a
oliveira estivesse bem plantada na terra, todos falamos
de Uma, todos desejamos-lhe o melhor para sua
alma...
No início, era muito difícil depararmo-nos com gêmeos,
transformando-se em uma grande raiva toda vez que
víamos seus carrinhos pelas ruas, e esvaziamos a casa
de todos os objetos duplos que havíamos comprado.
A tristeza profunda, o tédio, o senso de injustiça, o
descaso, a raiva, a desolação... a alegria pela vida de
Kala - era uma menina muito sadia; tudo acontecia ao
mesmo tempo. Entre a alegria e a tristeza, entre a
morte e a vida, entre a raiva e a vulnerabilidade, entre
o vazio e a presença!
No princípio, Kala chorava muito, sabíamos que ela
estava triste, que estava desesperada e se sentia só,
ninguém a não ser a mãe conseguia dar-lhe alívio.
Aprendemos a distinguir entre a fome e o choro, sonho,
mudança de fralda, o choro de tristeza que
normalmente era mais noturno e desolado, como
poderíamos acompanhar nosso bebê em sua dor, com
presença; sabíamos com certeza que ela chorava por
sua irmã ausente.
O pranto foi se convertendo em dificuldade de ficar
sozinha na hora de dormir, no momento de cair no
sono. Kala tem sete anos e, às vezes, continua
custando a ficar só, lhe é muito difícil o momento da
separação, se agarra nos braços e dá desculpas para
mantermo-nos ao seu lado por mais dez minutos, às
vezes pensamos que seja uma lembrancinha da
separação de sua irmã que ela usa, em algumas
noites.
Desde o princípio, Uma sempre esteve presente na
vida de Kala, nós lhe havíamos dito que tinha uma
irmã, que morrera e que estava bem onde se
encontrava... Pouco a pouco foi crescendo e Uma era
uma presença em nossa vida cotidiana, no começo
como de um lugar triste, desde sua falta, desde a
ausência... não poderia ser de outra maneira naquele
tempo, tudo era muito recente e a dor é longa, cada
progresso que Kala obtinha, fosse aprender a
engatinhar, andar, falar, brincar... sempre sobrava um
vazio ao seu lado, a ausência ocupa este espaço.
Na escolinha onde Kala ia, sabiam a respeito de Uma, e
nos contavam que, às vezes, na hora de comer, Kala
pegava dois garfos, duas colheres e dois copos...
Seus relacionamentos na escola eram íntimos, cada
vez que se juntava com um amigo, a relação era forte.
Só comunicava a existência da irmã aos amigos
íntimos, era como compartilhar algo muito especial, às
vezes não sabia como expressar-se, e suas professoras
a ajudavam, esta escolinha nos compreendeu bem e
nos fez tanto bem!
Em todo esse processo, que ainda continua, sabíamos
que a maneira de sair na frente era aceitar a morte de
Uma, mas isso não era nada fácil, quando víamos
gêmeos na rua, quando Kala chorava porque não
ficávamos com ela, quando celebrávamos aniversários,
esta ausência se fazia presente. Depois, ao redor dos
três anos, chegou a experimentar a aceitação, que nós
chamávamos corporal ou mais profunda, que era
lembrar-nos de Uma ou falar sobre ela sem tristeza,
com uma certa paz em nossos corações, em nossa
mente e em nossas emoções.
Para isso ajudou-nos uma companheira que nos disse
que, cada vez que falássemos sobre Uma, que o
fizéssemos com uma certa alegria, como dizendo que
ela gostaria de estar junto em tal ou qual lugar, que
gostaria de participar de uma festa, desta comida...
etc. Falando de uma participação positiva dela em
nossas vidas. Esta foi uma grande chave, para entrar
neste nível de aceitação mais saudável.
Nos momentos em que Kala chorava porque dizia que
sentia falta de sua irmã, e perguntava porque ela tinha
que ter morrido... dizia que queria estar aqui, não lá,
não sabia dizer exatamente onde... para essas
ocasiões aprendemos questioná-la de diferentes
maneiras, no começo dizíamos a Kala o que ela
gostaria de dizer para Uma ou, às vezes, falando
através de pensamentos, e em seguida tocávamos um
gongo que tínhamos em casa, pois assim, através do
som e da vibração Uma saberia o que Kala queria
dizer. Mais adiante, compramos um caderno muito
especial, muito bonito, que era o “livrinho de Kala para
Uma” e era onde Kala expressava o que sentia, cada
vez que desejava que Uma estivesse conosco, ou
também quando acontecia algo importante para ela ou
para a família, como a gente se expressa através de
um desenho ou frases por escrito.
Kala começou a falar de Uma, montando todo um
mundo, acerca do que fazia quando estavam no ventre
de Mariona, de como brincavam, se subiam em
escorregadores, colchonetes, saltavam, etc todo um
mundo... falava de como viajavam pelo mundo e como
o mundo era enorme, nos contava inclusive que elas
duas haviam construído o mundo, claro que falava de
seu próprio mundo, de seu relacionamento, mas era
muito bonito ouvi-la.
Procuramos uma boneca, que era um presente que nós
fazíamos para Uma, e Kala gostou muito da ideia e
essa boneca a acompanha na cama em muitas noites.
O que podemos afirmar é que Kala é uma pessoa que
sempre precisa de muito contato, é muito corporal e
gosta de estar perto das pessoas a quem considera
íntimas, em contato corporal com elas, sobretudo com
Mariona, sua mãe biológica, e sempre que está por
perto, precisa do contato de alguma parte de seu
corpo.
Também achamos que estabelece relações muito
íntimas e que lhe custa deixá-las, embora pareça que a
vida está sempre à sua frente; sabe que precisa
aprender mais, pois ainda que lhe cause muita dor,
terá que as deixar, nos referimos as amigas íntimas
que mudam de escola, professores com os quais tem
um bom relacionamento e que se transferem, etc.
Kala olha a morte como algo muito familiar, inclusive
quando, aos três anos de idade, começou a dizer ao
pai, a quem não conhece, pois somos suas duas mães,
que estava morto, igual a sua irmã, e foi um tempo em
que relacionou ausência com estar morto. Foi difícil
fazê-la desistir desta ideia, mas não a forçamos, e com
paciência lhe dizíamos que não era assim, e
explicávamos a forma em que haviam sido concebidas;
hoje está totalmente recuperada neste sentido, e cada
coisa ocupa o seu respectivo lugar.
‘O tempo cura todas as coisas’, é uma frase muito
popular, a qual no início não queríamos nem ouvir, não
nos proporcionava qualquer alívio, e ouvi-la nos
parecia uma falta de respeito ao nosso sofrimento, mas
na verdade é assim mesmo, sentimos que a dor da
perda estará sempre presente em nossos corações,
mas podemos também ver que nos fez amadurecer
como pessoas, como casal, como família... atravessar
todo esse processo, é importante que tenha o seu
lugar.
Temos uma outra filha, Lua, temos três filhas, e isso
nos faz recordar Kala, quando alguém, não muito
próximo, nos pergunta quantas filhas nós temos e
respondemos duas, sempre aparece Kala e diz,
“NÃO...” Somos “três”, com uma naturalidade
impressionante.
Sempre que celebramos alguma coisa com bolo,
cortamos uma fatia a mais e a deixamos no buraco da
árvore... nunca voltamos para ver se foi comido...”.
Isabel Montero e Mariona Canadell
QUINTA PARTE
VESTÍGIOS GEMELARES NA CULTURA
Cine
Vejamos, para começar, mencionar alguns filmes:
‘Le grand bleu’ é um filme de 1988, dirigido por Luc
Besson, e protagonizado por Jean-Marc Barr, Rosanna
Arquette y Jean Reno. Na Espanha foi intitulado: ‘El gran
azul’, na América espanhola: ‘Azul profundo’. O filme trata,
em seu primeiro plano, sobre a rivalidade e a amizade entre
dois célebres competidores de boxe. Ilustrado com lindas
imagens do mundo submarino que, por sua vez, evocam o
mundo intrauterino, conta a dificuldade de um deles em
relacionar-se com outras pessoas e com a própria vida,
assim como a busca por reencontrar uma felicidade perdida,
que o liberte de sua profunda solidão, da qual nem sua
noiva consegue afastá-lo. Na última cena, ele desaparece
nas profundezas do mar, em companhia de um golfinho.
Música
Quem se recorda do filme 'Titanic’, talvez possa ainda ouvir
esta canção em seu coração - ‘My heart will go on’ com
Céline Dion. Este tema musical principal do filme emocionou
muita gente. Você prestou atenção à sua letra?
Reproduzimos aqui um fragmento:
“Vejo-te cada noite em meus sonhos, sinto-te
dessa maneira, sei que perduras.
Estás aqui, nada tenho a temer, e sei que meu coração
continuará,
permaneceremos assim para sempre, em meu coração
estás a salvo e
meu coração continuará e continuará”.
A propósito de letras de canções: encontramos umas
quantas canções que, com suas palavras e as emoções que
evocam, descrevem vivências que se encaixam
verdadeiramente com o sentimento dos gêmeos solitários.
Suspeitamos que em mais de um caso, o cantor ou
compositor demonstrou de forma inconsciente, sua própria
experiência, expressando seu desejo, sua tristeza, seu
sentir-se incompleto, etc. Como se pode explicar, de outra
maneira, uma canção como essa?
“Um à noite, um ao despertar, um sonhando, uma
metade
Um assustado, um e sua dor, um querendo ser dois,
um deserto, um mar azul, um no fio, um na
inquietação,
um procurando, um desamor, um querendo ser dois,
um duvidando se existe ou não a verdade, um mil
vezes solidão,
um ouvindo seu coração, um querendo ser dois
uma mentira, uma realidade, uma ferida e o sal,
uma pergunta, sem resposta, um querendo ser dois,
onde estarei amanhã, onde estarás, meu amor, sob o
sol
abraça-me fundidos os dois em um só coração”.
* ‘Um querendo ser dois’ da cantora Noa, incluída em seu
CD; ‘blue touches blue’, ano 2000.
Há uma canção de Loreena McKennitt intitulada ‘The old
ways’ e de cujo texto reproduzimos aqui um fragmento. Está
escrito com uma grande força poética e a imagem que
descreve nos parece muito evocadora:
“De repente soube que teria que ir embora
Teu mundo não era o meu, teus olhos me disseram
Apesar disso, estava aí, e eu senti a encruzilhada do tempo
e me perguntei por que
Ao deitar nossos olhos no mar embravecido,
Uma visão me sobreveio
De cascos estrondosas e o bater de asas
Acima, nas nuvens
Quando deste a volta para ir embora, te ouvi chamar-me
Eras como um pássaro enjaulado, abrindo suas asas para
voar
’Os velhos caminhos se perderam’, cantaste enquanto
voavas e eu me perguntei porque
As ondas atroadoras me chamam para casa, e a ti
O palpitante mar me chama para casa, para casa, para ti”.
O famoso Elvis Presley é um dos poucos artistas de que se
sabe ter sido gêmeo. Jesse Presley, seu irmão gêmeo,
nasceu morto, 35 minutos antes dele. Na casa de seus pais
sempre estavam feitas duas camas para os meninos.
Algumas de suas canções expressam um anseio, um amor
que os funde, e até uma melancolia própria de um gêmeo
solitário. Morreu aos 42 anos, por causa de abuso
prolongado de drogas e medicamentos. Seria demais, de
nossa parte, interpretar que sua tendência para a morte
teve que ver unicamente com a perda de seu irmão, já que
se sabe que tanto a morte de sua mãe como a separação de
sua mulher lhe causaram grandes depressões. Porém, aqui
se pode ver uma vez mais, como ocorre com frequência,
quando há perdas repetitivas, agravando a ferida original.
Literatura
Conhecemos alguns romances que tratam do tema do
gêmeo:
No ‘El dios de las pequenas cosas’(‘O deus das pequenas
coisas)’, do indiano Arundhati Roy, Rahel retorna ao lar de
sua infância para se encontrar com seu gêmeo, depois de
mais de vinte anos de separação. Esta, o nome do irmão,
deixou de falar, e Rahel deixou de sentir. Seu reencontro
lhes permite recordar e passar pela tristeza de sua infância
desastrosa. Juntos relembram pequenas coisas,
aparentemente de pouca importância, porém vitais para
reconstruir seu sentimento de paz interior.
A autora americana Audrey Niffenegger escreveu “Uma
simetria inquietante’. A morte prematura de sua tia londrina
transforma abruptamente a vida de suas sobrinhas, as
gêmeas Júlia e Valentina. Nesta divertida história, são
tratados diversos assuntos, como as gêmeas - onde se
aprofunda na relação peculiar entre elas - os espíritos, a
morte e o amor, com alguns ingredientes semelhantes a
mitos gregos.
Entretanto, não podemos ter certeza de que um artista é
um gêmeo solitário simplesmente por olhar sua obra e sem
ter dados objetivos, como no caso de Elvis Presley ou Philip
K. Dick, de que falaremos em um momento; mas, como a
grande maioria dos gêmeos solitários perde seu irmão nos
primeiros três meses de gestação, sem que deixem
vestígios, indiscutivelmente existem muito gêmeos
solitários desconhecidos e não é difícil que alguns artistas o
sejam. Este seria o caso, por exemplo, de Oscar Wilde, que,
por sua novela ‘O retrato de Dorian Gray’ ou seu conto ‘O
gigante egoísta’, nos faz intuir que poderia tratar-se de um
gêmeo solitário. Também sua vida dupla como esposo e pai,
de um lado, e amante de homens, por outro, nos apontaria
nesta direção.
O escritor norte-americano de ficção científica Philip K. Dick,
autor de livros que foram posteriormente adaptados ao
cinema, como por exemplo, ‘Blade Runner’, ‘Total Recall’,
‘Minority Report’ ou ‘Matrix', foi também gêmeo solitário.
Ambos nasceram prematuros em dezembro de 1928 e,
como resultado da precária situação econômica dos pais, a
irmã Jane morreu 41 dias depois de nascer. O trauma da
morte de Jane o perseguiu durante toda a vida, cheia de
constantes problemas psicológicos e depressões. Philip K.
Dick sempre pensou que podia conversar com sua irmã
morta, e de alguma maneira sentia-se acompanhado por ela
em meio aos seus problemas, que o aterrorizavam. Para ele,
sua irmã gêmea era seu refúgio seguro e protetor, em
contraposição à sua vida afligida pela depressão,
agorafobia, asma, drogas e visões.
Sua experiência está refletida em vários de seus livros,
como por exemplo na novela ‘O doutor moeda sangrenta’,
onde um de seus personagens é uma menina em cujo
ventre vive o irmão que ela nunca viu, mas ao qual ouve e
com o qual brinca todos os dias: “Ele não sabe muitas
coisas. Ele não vê nada, mas pensa. E eu digo a ele o que
está ocorrendo para que ele não o perca”.
Depois de sua morte em 1982, seu pai levou as cinzas do
escritor para Fort Morgan, no estado do Colorado. Quando
sua irmã gêmea faleceu, o túmulo dela ficou inscrito com o
nome dos dois, com um espaço vazio para a data da morte
de Philip K. Dick. Finalmente, ambos os irmãos descansam
em paz, um ao lado do outro.
Pintura
Embora seja em geral difícil tirar conclusões a partir da
linguagem pictórica de um artista, por ser ambígua, chama-
nos a atenção a pintura de Frida Kahlo, que poderia ser
perfeitamente uma obra pintada por um gêmeo solitário. O
diferente nela, é que reflete em seus quadros os
acontecimentos de sua vida e os sentimentos que os
produziram, ou como ela mesma disse: “Pintei a minha
própria realidade”.
Tanto em sua obra artística, que sugere o tema gemelar de
diferentes aspectos, como a relação com seu marido e
outras facetas de sua biografia, parece-nos ver numerosos
indícios de que ela teria sido uma gêmea solitária.
Foi casada com o célebre muralista Diego Rivera, com quem
teve uma relação muito próxima e ao mesmo tempo
conflituosa, que consistiu em amor, aventuras com outras
pessoas de ambos os sexos, o vínculo criativo e artístico
entre eles, um divórcio em 1939 e um segundo casamento
um ano depois. “Agora que me deixas, te amo mais do que
nunca", foi uma frase sua, escrita em seu diário. Seus
quadros, tais como ‘Diego e Frida II’, “O abraço amoroso’,
‘Pensando na morte’ ou ‘Diego e eu’ mostram aspectos de
sua relação de casal que muito bem poderiam ilustrar uma
relação gemelar ou de fusão.
Bali
O texto seguinte é um fragmento do livro de Elisabeth
Gilbert: ‘Comer, rezar, amar’, publicado pela Editora Aguilar.
‘Ketut me explicou que os balineses acreditam que, ao
nascer, nos acompanham quatro irmãos invisíveis, que
vêm ao mundo conosco e nos protegem durante a
nossa vida. Quando um bebê está no útero materno, já
está com os quatro irmãos, representados pela
placenta, o líquido amniótico, o cordão umbilical e essa
substância de aparência viscosa, de cor amarelada,
que protege a pele das crianças antes de nascer. Ao
nascer a criança, os pais guardam a maior quantidade
possível desses elementos alheios ao parto em si, e os
colocam dentro de uma casca de coco, a qual enterram
junto à porta da casa da família. De acordo com os
balineses, este é o lugar sagrado dos quatro irmãos
que não nasceram. Por isso, cuidam dele durante toda
a vida, venerando-o como um santuário.
Quando atinge a idade da razão, o menino aprende
que tem quatro irmãos que o acompanham onde quer
que vá, cuidando dele para sempre. Os quatro irmãos
moram nas quatro virtudes necessárias para encontrar
a serenidade e a felicidade: inteligência, amizade,
força e poesia. Se nos encontrarmos em uma situação
crítica, podemos pedir aos quatro irmãos que venham
nos tirar deste apuro. Quando morrermos, os espíritos
dos quatro irmãos são os que levarão nossas almas
para o céu”.
Castor e Pólux
Na mitologia grega, os gêmeos Castor e Pólux foram dois
famosos heróis, filhos de Leda e irmãos de Helena de Tróia.
Eram chamados os Dioscuros, ‘filhos de Zeus’. Em latim,
eram conhecidos como Gemini, ‘gêmeos’. Os irmãos eram
inseparáveis em todas as suas aventuras e saíram vitoriosos
em muitas delas.
Castor e Pólux raptaram as filhas de Leucipo, Hilaira e Febe,
e se casaram com elas. Por causa disso, Idas e Linceo,
ambos membros da família de Leucipo, mataram Castor.
Pólux, que havia recebido de Zeus o dom da imortalidade,
havia abandonado essa condição, por não poder
compartilhá-la com Castor. Zeus fez um pacto com seu
irmão Hades, pelo qual os irmãos pudessem passar seis
meses no Olimpo e os outros seis no reino de Hades. Assim,
ambos se alternariam como deuses no Olimpo e mortais
falecidos no Hades.
Hipnos y Thanatos
Outro mito grego é o dos gêmeos Hipnos e Thanatos,
deuses do sono e da morte, ambos filhos de Nix, a noite.
Uma interpretação deste mito é de que Thanatos morreu e
seu irmão Hipnos se uniu a ele em seus sonhos. Existe um
provérbio alemão que reza: o sonho é o irmão menor da
morte.
Assim, o gêmeo vivo continua unido ao seu irmão morto.
Uma vez adulto, de alguma maneira, sente um tipo de
distância de seu ente querido, de seu ambiente e da própria
vida. Simbolicamente, poder-se-ia dizer que tem um pé na
vida e o outro, na morte. Às vezes procura a morte, de
forma inconsciente, a fim de estar novamente junto a seu
irmão.
Narciso e Ecos
Existem várias versões desta história, dependendo do autor
ou da fonte, como quase sempre ocorre com mitos antigos.
De acordo com a versão de Pausânias, o belo Narciso e a
irmã Ecos eram gêmeos. Eram muito semelhantes, vestiam-
se da mesma maneira, cortavam o cabelo de modo parecido
e compartilhavam suas atividades, como o hábito de
passear no bosque ou ir à caça. Quando ela morreu, ainda
jovem, ele ficou inconsolável. Vagava pelo bosque
chamando-a pelo nome e buscando-a por toda parte, mas
só encontrava os ecos de sua própria voz. Em meio à uma
profunda solidão, finalmente encontrou alívio, ao aproximar-
se de uma fonte e contemplar o seu reflexo na água, crendo
que era ela, a quem via. Narciso acabou afogado na água,
pois não conseguia ficar contemplando sua imagem.
Federico Garcia Lorca o louva, em seu poema intitulado -
‘Narciso':
“Menino,
Vais cair no rio!
No fundo, há uma rosa e na rosa há outro rio.
Olha aquele pássaro! Olha aquele pássaro amarelo!
Caíram-lhe os olhos dentro d’água.
Deus meu!
Ele escorrega! Menino!
... E na rosa estou eu mesmo.
Quando se perdeu na água, compreendi. Mas não explico”.
Não nos parece casual que Narciso seja filho de Cefiso, deus
das águas e sua mãe Liríope, uma ninfa, também uma
divindade das águas. Do final do poema, poder-se-ia
interpretar que Narciso voltou à sua origem, à vida
intrauterina.
Platão
Para finalizar nosso trajeto pelo mundo dos gêmeos
solitários, parece-nos o mais apropriado incluir aqui um
fragmento do famoso diálogo ‘O Banquete’ de Platão, no
qual ele contempla o tema do Amor. Embora não mencione
gêmeos explicitamente, certos paralelismos são óbvios.
Nele, Platão fala pela boca de Aristófanes:
“Mas, primeiro, é preciso que conheçam a natureza
humana e as modificações que sofreu, considerando
que a nossa natureza antiga não era a mesma de
agora, porém diferente. Em primeiro lugar, os gêneros
da humanidade eram três, não dois como agora, o
masculino e o feminino, havia mais um terceiro, o qual
participava destes dois, cujo nome ainda sobrevive,
embora ele próprio tenha desaparecido; o Andrógeno
era então um gênero distinto, tanto na forma como no
nome, porém comum aos dois, ao masculino e ao
feminino, enquanto hoje nada mais é do que apenas
um nome, e jaz em desonra.
Possuíam uma força e um vigor extraordinários, e
também, uma grande presunção, ao ponto de
conspirar contra os deuses (…)
Depois de pensar detidamente, assim disse Zeus:
'Acho que tenho um meio de fazer com que os homens
possam continuar a existir, mas tornando-os mais
fracos, farei desaparecer sua arrogância. Agora
mesmo, continuou, cortarei cada um em dois, e assim
ficarão mais débeis, porém mais úteis para nós, pelo
fato de duplicarmos o seu número’.
Por conseguinte, desde que a nossa natureza foi
seccionada em dois, ansiava cada uma por sua própria
metade e a ela se unia, e dando-se as mãos e
enlaçando-se um ao outro, na ânsia de se confundirem
em uma só natureza, morriam de fome e de inanição
total, por nada quererem fazer um longe um do outro.
E sempre que morria uma das metades e a outra
ficava, a que ficava buscava a outra metade, aquela
que agora precisamente chamamos de mulher, ou um
homem e com ela se enlaçava; e assim iam morrendo.
Tomado de compaixão, Zeus inventou outro
expediente, e mudou os órgãos do sexo de ambos para
a parte da frente, pois até então eles os tinham por
fora, gerando e reproduzindo não um com o outro, mas
na terra, como as cigarras. Pondo assim o sexo na
parte da frente de cada um, fez com que através dele
se processasse a geração de um no outro, o macho na
fêmea, para que no enlace o homem se juntasse com
uma mulher e, ao mesmo tempo gerasse e continuasse
existindo a raça humana.
E desde então, o amor de um pelo outro é inato nos
homens e o restaurador da nossa antiga natureza, em
sua tentativa de fazer um só de dois e de curar a
natureza humana.
Quando então se encontra com aquela que é a sua
própria metade, são extraordinárias as emoções que
sentem, de amizade, intimidade e amor, a ponto de
não quererem, por assim dizer, separar-se um do outro
nem por um momento. Estes são os que continuam um
com o outro pela vida afora, os quais nem saberiam
dizer o que desejam realmente um do outro. A
ninguém pareceria que se trata apenas da união
sexual e que, porventura é por isso que um se compraz
tanto na companhia do outro, e com tanto interesse.
Ao contrário, é evidente que a alma de cada um deseja
outra coisa que não pode expressar, porém adivinha o
que quer e o indica por meio de enigmas. Se, deitados
no mesmo leito, surgisse diante deles Hefesto, com
seus instrumentos e lhes perguntasse: ‘O que é que
realmente as pessoas querem ter uma da outra?’ E se,
diante de sua perplexidade, de novo lhes perguntasse:
‘Porventura é isso que desejam, ficar no mesmo lugar,
o maior tempo possível um com o outro, de modo que,
nem de noite nem de dia fiquem separados um do
outro? Pois se é isso que desejam, quero fundi-los e
forjá-los numa mesma pessoa, de modo que, de dois
se tornem um só e, enquanto viverem como uma só
pessoa, possam viver ambos em comum, e depois que
morrerem, em vez de dois serão um só, mortos numa
morte comum, lá no Hades. Mas vejam bem, se é isso
que desejam e ficarão felizes se conseguirem isso !’ Ao
ouvirem essas palavras, sabemos que nem um só diria
que não, ou demonstraria querer outra coisa, mas
simplesmente iriam acreditar ter ouvido aquilo que de
há muito desejavam, isto é, unir-se e confundir-se com
o amado e de dois ficarem um só. Por isso é que a
nossa antiga natureza era assim e nós éramos um
todo. O amor é, consequentemente, o nome para o
desejo e a busca dessa integridade”.
Esta figura gemelar, esculpida em mármore, tem uns 8.000
anos de antiguidade!
Foi encontrada em Catal Höyük, Turquia. Coleção do Museu
da Cultura Anatólica, Ankara.
Anexo
Bibliografia e fontes
Perspectiva biológica
Capítulos 1 y 2:
Larsen, W.J. (2003): Embriologia Humana. Espanha: Editorial
Elselvier
Chamberlain, D. (2013) Windows to the womb. USA: North
Atlantic Books
Feenstra, Coks (2007): El Grand Libro de los Gemelos:
Espanha: Edições Medici
Hayton, Althea (2011): Womb Twin Survivors. Inglaterra:
Wren Publications
National Geographic (2006): En el Vientre Materno:
Gemelos, Trillizos y Cuatrillizos. USA
Capítulo 3:
Levi, S. (1976): Ultrassonic assessment of the high rate of
human multiple pregnancy on the first quarter. Clinical
Ultrasound, Vol. 4, Nº 1
Boklage, C.E. (1995): The Frequency and Survivability of
Natural Twin Conceptions Capítulo en Keith, L. & Papiernik,
E. Múltiple Pregnancy: Epidemiology, Gestation and
Perinatal Outcome. USA: Parthenon
Landy, H.J. (1986): The Vanishing Twin. Acta Geneticae
Medicae et Gemellologia. Vol. 31, Nº 3-4
Landy, H.J. (1998): The Vanishing Twin, A Review. Human
Reproduction Update, Vol. 4, Nº 2
Capítulo 4:
Cepeda, Arturo: La muerte de un hermano en el útero y sus
manifestaciones biológicas. Artículo sin publicar, 2013
National Geographic (2006): En el Vientre Materno:
Gemelos, Trillizos y Cuatrillizos. USA
Hayton, Althea (2011): Womb Twin Survivors. England:
Wren Publications
Edmonds, H. & Hawkins, J. (1941): The Relationship of
Twins, Teratomas, and Ovarian Dermoids. USA: Cancer
Research, November
Kasátkina, Svetlana: Quimeras humanas con dos ADN
¿Quiénes son? La Voz de Rusia 25/5/2013
Capítulos 5 y 6:
Chamberlain, D. (2013): Windows to the womb. USA: North
Atlantic Books Chanberlain, D. (2002): La mente del bebe
recién nacido. Espanha: OB Stare Austermann, A. &
Austermann B. (2006): Das Drama in Mutterleib. Alemanha:
Königsweg Verlag
Piontelli, Alessandra (2002): Del feto al niño. Espanha:
Espaxs, S.A. Publicaciones Medicas
Kelly, J. & Verny T. (1988): La vida secreta del niño antes de
nacer. Espanha: Urano
Hayton, A. (2011): Womb Twin Survivors. Inglaterra: Wren
Publications
Hepper, P. (1997): Fetal habituation: another Pandora’s box?
Developmental Medicine & Child Neurology, 39
James, D. (2010): Fetal learning: a critical review. Infant and
Child Development, Nº 19
Bergland, R. (1988): La fábrica de la mente. Espanha:
Editorial Pirámide
Pert, C. (1985): Neuropeptides and their receptors: A
psychosomatic network. Journal of Immunology 135 (2)
Miller, J.G. (1978): Living systems. USA: McGraw-Hill
Pearsall, P. Schwartz, & G. Russek, L. (2005): Organ
Transplants and Cellular Memories. Nexus Magazine, Volume
12, Number 3
Singer, J.: Las Matrices Perinatales. Su Influencia en el
Desarrollo del Niño y del Adulto. Ob Stare
Ring, K. (1980): Life at death: A scientific investigation of
the near death experience. USA: Coward, McCann y
Geoghegan
Wade, J. (1996): Changes of mind – A holonomic theory of
the evolution of consciousness. USA: State University of
New York Press
Perspectiva psicológica
Austermann, Alfred & Austermann, Bettina (2009): Das
Drama im Mutterleib – Der verlorene Zwilling. Alemanha:
Königsweg-Verlag
Austermann, Alfred & Austermann, Bettina (Hg.) (2013): Ich
habe meinen Zwilling verloren – Alleingeborene erzählen.
Alemanha: Königsweg-Verlag
Babcock, B. (2009): My Twin Vanished: Did Yours? – The
Vanishing Twin Crisis. USA: Tate Publishing & Enterprises
Berne, Eric (1974): ¿Qué dice usted después de decir hola?:
La psicología del destino humano. Espanha: Editorial
Grijalbo
Chamberlain, David (2013): Windows to the womb –
Revealing the Conscious Baby from Conception to Birth.
USA: North Atlantic Books
Chamberlain, David (2002): La mente del bebé recién
nacido. Espanha: Edi- torial OB Stare
Feenstra, Coks (2007): El gran libro de los gemelos.
Espanha: Ediciones Medici
Hayton, Althea (2007): Untwinned – Perspectives on the
death of a twin before birth. Inglaterra: Wren Publications.
Hayton, Althea (2008): A Silent Cry – Wombtwin survivors
tell their stories. Inglaterra: Wren Publications.
Imbert, Claude (2000): Un seul etre vous manque… – Auriez-
vouseu un jumeau. França: Editions VH
Levend, Helga & Janus, Ludwig (2011): Bindung beginnt vor
der Geburt. Alemanha: Mattes Verlag
Martorell, J. L. (2002): El guion de vida. Espanha: Desclée de
Brouwer
Mayer,N. J. (1998): Der Kain-Komplex. Alemanha: Integral
Verlag
McCarty, Wendy Anne (2008): La conciencia del bebé antes
de nacer. México: Editorial Pax
Pinheiro, Claudia (2012): Wir – Ich. Alemania: Mattes-Verlag
Ruppert, Franz (2014): Frühes Trauma. Schwangerschaft,
Geburt und erste Lebensjahre. Alemanha: Klett-Cotta
Verlag
Steinemann, Evelyne (2006): Der verlorene Zwilling – Wie
ein vorgeburtli- cher Verlust unser Leben prägen kann.
Alemanha: Kösel-Verlag
Verny, Dr. Thomas & Kelly, John (1988): La vida secreta del
niño antes de nacer. Espanha: Ediciones Urano
Wade, J. (1996): Changes of mind – A holonomic theory of
the evolution of consciousness. USA: State University of
New York Press
Wilheim, Joanna (1995): Unterwegs zur Geburt – Eine
Brücke zwischen dem Biologischen und dem Psychischen.
Alemanha: Mattes Verlag
Woodward, J. (1998): The Lone Twin – Understanding twin
bereavement and loss. Inglaterra: Free Association Books
Sites internacionais de interesse:
Em espanhol:
www.gemelosolitario.net (nossa página)
www.asociacionpsicologiaperinatal.com
www.memorias-prenatales.com
www.partosmultiples.net www.anep.org.es
Em inglês:
www.birthpsychology.com
www.wombtwin.com
www.saga.co.uk/magazine/relationships/family/LoneTwins.as
p
Em alemão:
www.isppm.de
www.ifosys.de
www.evelynesteinemann.ch
Em francês:
www.omaep.com
www.claude-imbert.com
Em português:
www.gemeo-singular.blogspot.com
www.vizinhosdeutero.com.br
A nosso respeito
Peter Bourquin
De origem alemã, reside perto de Barcelona desde 1998.
Fundador e Codiretor do Instituto ECOS – Escola de
Constelações Sistêmicas. Escritor e terapeuta de enfoque
humanista, formado em Constelações Familiares, Terapia
Gestalt, Brainspotting e Psicoterapia Integradora, com
Richard Erskine.
Desde 2001 leciona Formação em Constelações Familiares
em diversas cidades espanholas. Colabora na Formação e
Supervisão de Profissionais em diversos Institutos
Terapêuticos na Espanha e América Latina. É membro
didata das Associações Alemã e Espanhola (DGfS e AEBH).
É autor dos livros LAS CONSTELACIONES FAMILIARES (2007)
e EL ARTE DE LA TERAPIA (2011), ambos publicados pela
Editorial Desclée De Brouwer, bem como de numerosos
artigos; é Editor do ECOS-boletín desde 2005.
ISBN-13: 978-1-941727-43-0
ISBN-10: 1-941727-43-3
TraumaClinic Edições
SEPS 705/905 Ed. Santa Cruz sala 441
70390-055 Brasília, DF Brasil
www.traumaclinicedicoes.com.br
info@traumaclinicedicoes.com.br
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra pode ser reproduzida,
arquivada ou transmitida de qualquer maneira ou por quaisquer meios sem a
expressa permissão prévia da casa publicadora.