Artigo Edicao 203 N 1644
Artigo Edicao 203 N 1644
Artigo Edicao 203 N 1644
DOI 10.4322/dae.2016.004
Vivian Ane Lopes Cabral | Demétrius Brito Viana | Rafael Kopschitz Xavier Bastos
Resumo
Apresenta-se neste trabalho um exercício de dimensionamento de leito de secagem de lodo de decantador
de estação de tratamento de água (ETA) com emprego de modelagem probabilística. Nesta abordagem são
consideradas incertezas associadas às variáveis de entrada do modelo de dimensionamento: vazão, turbidez
da água bruta, dose de sulfato de alumínio e concentração de sólidos no lodo armazenado no decantador
(dados primários de controle operacional da ETA da Universidade Federal de Viçosa – UFV); densidade de sóli-
dos no lodo, altura da camada de lodo no leito e concentração de sólidos na torta (dados de literatura). Foram
testados três cenários: três, seis e doze meses de armazenamento do lodo no decantador. As estimativas de
volume de lodo acumulado no decantador e, por conseguinte, as de demanda de área para o leito de seca-
gem, não foram elevadas e não foram observadas grandes diferenças entre os três cenários considerados.
Em decorrência da modelagem probabilística os resultados de demanda de área são expressos em termos
de distribuição de probabilidades e discutidos em termos de escolhas envolvendo margem de segurança e
custos associados a eventuais sub ou superdimensionamento.
Abstract
This paper presents a designing exercise of a water treatment plant (WTP) sludge drying bed using probabilistic
modeling. Such an approach takes into account uncertainties associated with the input variables of the design
models: flow rate, raw water turbidity, aluminum sulfate dose and the sludge solids concentration (primary data
from the operational control of the University of Viçosa WTP); sludge solids density; sludge depth in the drying
bed, and the dried sludge solids concentration (literature data). Three scenarios were assessed: three, six and
twelve months of sludge storing in the settling tank. The estimates of the sludge volumes accumulated in the
settling tank, thus of the required drying bed area, were not high and no large differences between the three sce-
narios were noticed. With probabilistic modeling, the results of land area requirements are expressed in terms of
probability distribution and were discussed based on choices involving safety margins and costs associated with
possible under- or overdesigning.
Vivian Ane Lopes Cabral - Engenheira ambiental. Doutoranda em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Viçosa.*
Demétrius Brito Viana - Engenheiro ambiental. Mestre em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Viçosa. Engenheiro da Fundação
Nacional de Saúde.
Rafael Kopschitz Xavier Bastos - Engenheiro Civil pela Universidade Federal de Juiz de Fora. PhD em Engenharia Sanitária pela University of
Leeds. Professor do Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de Viçosa.
* Endereço para correspondência: Universidade Federal de Viçosa. Departamento de Engenharia Civil. Viçosa-MG. CEP 36570-000. Telefone:
(31) 3899 2356. Fax: (31) 3899-1481. E-mail: ane.cabral@yahoo.com.br.
Turbidez da água bruta (uT) Log normal ETA UFV1 19,07 ± 22,22 - -
Dose de coagulante
Log logística ETA UFV1 3,95 ± 9,28 - -
(mg L-1)
Densidade dos sólidos (kg m-³) Uniforme ETA UFV3 Literatura4 - 1.700 2.300
Notas: 1 Dados horários, janeiro de 2005 a fevereiro de 2011. 2 Reali (1999). 3 Dados pontuais ± 25% (margem de segurança). 4 Richter (2001). 5 Parâmetros que
definem as distribuições. 6 Valor com maior incidência no banco de dados.
Tabela 2 – Estimativas da massa (kg) de sólidos e de lodo armazenados no decantador da ETA UFV ao longo de três,
seis e 12 meses – medianas e do percentil 95.
Figura 1 – Histogramas de distribuição de probabilidade das estimativas de massa de sólidos e de lodo armazenados
no decantador da ETA UFV ao longo de: (a) três, (b) seis e (c) 12 meses.
(a)
(b)
(c)
Comparadas com valores obtidos em outros água bruta e na dose de coagulante empregada,
estudos (SARON; LEITE, 2003; SOUZA; CORDEIRO, estando essas duas variáveis relacionadas
2005), as estimativas efetuadas indicam geração positivamente (quando a turbidez da água bruta
de sólidos relativamente baixa na ETA UFV. Isso se aumenta, em geral, dosa-se mais coagulante para
deve, certamente, à turbidez predominantemente o tratamento da água). A ETA UFV é de pequeno
baixa da água bruta (mediana de 9,3 uT), pois a porte (vazão em torno de 50 L.s-1), o que também
estimativa de sólidos se baseia na turbidez da ajuda a explicar as baixas estimativas de massa
de sólidos acumulada no decantador para os ral do lodo mantido no interior do decantador por
três períodos analisados. Naturalmente, a massa longos períodos de tempo. Em resumo, as estima-
de sólidos acumulada no decantador aumenta tivas de massa de lodo acumulada ao longo dos
(consideravelmente) com o passar do tempo, três períodos considerados (três, seis e 12 meses)
à medida que aumenta o volume total de água não diferiram tanto entre si.
tratada.
Em termos de massa de lodo úmido acumulada no Com base nas estimativas de densidade (Figura
decantador, o comportamento é diferente. Ocor- 2) e de massa de lodo acumulada no decantador,
re, sim, incremento ao longo do tempo, porém foram feitas estimativas de volume de lodo a ser
é bem mais discreto do que o observado para a descartado do decantador e encaminhado para
massa de sólidos, devido ao adensamento natu- processos de desaguamento (Tabela 3 e Figura 3).
(a) (b)
(c)
(a) (b)
(c)
Figura 3 – Histogramas de distribuição de probabilidade das estimativas do volume de lodo armazenado no decantador
da ETA UFV ao longo de (a) três, (b) seis e (c) 12 meses.
Verifica-se que as estimativas de volume de lodo meses de operação da ETA UFV, porque a con-
acumulado no decantador não são altas, inclusi- centração de sólidos esperada para seis meses é
ve, sem grandes diferenças entre os três períodos praticamente o dobro da de três meses. Mesmo
considerados, resultado do aumento apenas dis- quando se considera o período de um ano, o in-
creto da massa de lodo de um período para outro. cremento de volume de lodo acumulado não é tão
Como já comentado, isso se deve ao incremento elevado (em torno de 30%, se tomadas as media-
da concentração de sólidos e, por outro lado, ao nas como referência).
decréscimo da massa de água do lodo. Nota-se
Em resumo, esses resultados sugerem que as ope-
que praticamente não há diferenças entre as es-
rações de limpeza do decantador da ETA UFV po-
timativas de volume de lodo gerado em três e seis
(a) (b)
(c)
Figura 4 – Histogramas de distribuição de probabilidade das estimativas da área de leitos de secagem necessária ao
desaguamento do lodo armazenado no decantador da ETA UFV ao longo de (a) três (b), seis e (c) 12 meses.
Tabela 4 – Estimativa da demanda de área (m²) de leitos de secagem para desaguamento do lodo armazenado no
decantador da ETA UFV ao longo de três, seis e 12 meses – medianas e percentis 95.
As estimativas de demanda de área não foram ele- implica redução acentuada de área (mais de 60%)
vadas. Mesmo tomando como referência o valor do e, assim, economia na construção, porém a segu-
percentil 95 referente a 12 meses de armazena- rança do dimensionamento se vê diminuída. Entre-
mento de lodo no decantador, a estimativa de área tanto, o eventual subdimensionamento do leito de
necessária é inferior à sugerida por Richter (2001) secagem resultaria apenas em taxa de aplicação
como limite prático para utilização do leito de se- de sólidos acima do previsto e em consequências
cagem como unidade de desaguamento do lodo como aumento do tempo de desaguamento do
(1.500 m²). A opção pelo valor do percentil 95 cons- lodo e/ou produção de torta menos desidratada.
tituiria solução com margem de segurança, porém
conservadora, ou seja, considerando os parâme- Na Tabela 5, estão apresentados os resultados do
tros de projeto e as incertezas em torno destes pa- teste de correlação não paramétrica de Spearman
râmetros, a probabilidade de que a área adotada se utilizado para análise de sensibilidade da simu-
mostre insuficiente seria de apenas 5%. Na prática, lação, ou seja, para avaliar quanto a variação das
essa solução pode representar superdimensiona- variáveis de entrada influenciou na variação da
mento da unidade e, consequentemente, aumen- resposta – área necessária para o desaguamento
to desnecessário de custos. A adoção da mediana do lodo gerado.
Tabela 5 – Coeficiente de correlação de Spearman entre as variáveis de entrada do modelo de dimensionamento dos
leitos de secagem e a variável resposta – área necessária para desaguamento do lodo.
K2 0,30
Vazão 0,26
A altura da camada de lodo no interior do leito foi bruta e dose de coagulante para a previsão das
a variável que mais impactou a variação da res- áreas de leitos de secagem utilizando modelos
posta (área dos leitos de secagem), naturalmente empíricos, bem como da sua caracterização esta-
com relação inversa, isto é, quanto maior a altu- tística adequada.
ra de lodo, menor a demanda de área. Na Equa-
O coeficiente K2, que expressa a relação entre só-
ção 5, nota-se que, uma vez estimado o volume
lidos suspensos totais e turbidez da água bruta,
de lodo (com todas as incertezas envolvidas), a
utilizada na estimativa de produção de massa de
área dos leitos de secagem depende somente da
sólidos (Ms) – kg de sólidos por m3 de água tratada
altura de lodo no leito. Como critério de projeto,
poderia ter sido adotado valor único para a altu- – a partir do modelo empírico expresso pela Equa-
ra da camada de lodo no leito, mas optou-se por ção 1, e a concentração de sólidos no lodo tam-
assumir faixas de valores (0,2-0,6 m) que respon- bém tiveram alguma importância na previsão da
dessem por variações (incertezas) operacionais área para desaguamento do lodo. A variação em
no descarte do lodo. Por outro lado, conforme torno do coeficiente K2 foi assumida entre valores
já discutido, a própria decisão final sobre a área mínimo e máximo obtidos da literatura (REALI,
dos leitos a ser adotada (por exemplo, se baseada 1999), segundo distribuição uniforme. As incerte-
na mediana ou no percentil 95) irá se refletir na zas, neste caso, podem ser atribuídas à incerteza
altura de lodo. Em resumo, essa será uma deci- verdadeira, decorrente do desconhecimento da
são de projeto: espessuras menores da camada relação entre sólidos suspensos totais e turbidez
de lodo implicam áreas maiores para desagua- da água bruta no caso específico da ETA UFV. Isso
mento do lodo e menores taxas de aplicação de significa que a investigação, caso a caso, dessa
sólidos, demandam menor tempo de secagem relação tende a reduzir a incerteza sobre essa va-
ou, para um mesmo tempo, alcançam teor de riável e, consequentemente, aumentar a confiabi-
sólidos mais elevado; isso, comparativamen- lidade da estimativa de demanda de área dos lei-
te às camadas de lodo mais profundas, quando tos de secagem. Para a variável “concentração de
se opta pela menor área e, consequentemente, sólidos”, apenas a margem de segurança de 25%
maior taxa de aplicação de sólidos. em torno de dados pontuais da estação foi utiliza-
da para computar a variabilidade associada a ela.
A turbidez da água bruta e a dose de coagulan- Aqui também se está perante incertezas verdadei-
te (variáveis correlacionadas entre si, diga-se de ras, portanto, reduzíveis por meio de investigação.
passagem), nessa ordem, revelaram-se também
ser importantes na determinação da área dos No caso da vazão, os valores que definiram a dis-
leitos de secagem. Esses são dados de monitora- tribuição triangular adotada (mínimo, máximo e
mento da ETA em questão, sobre os quais foram valor de maior incidência) e, assim, sua variabi-
ajustadas funções densidade de probabilidades. lidade foram baseados em planilhas de registros
Portanto, as incertezas aqui são devidas à varia- diários da ETA UFV. Portanto, são dados confiá-
bilidade, intrínsecas a essas variáveis. Isso revela a veis. No entanto, resultados diferentes podem ad-
importância da disponibilidade de bancos de da- vir de situações em que as variações de vazão da
dos robustos e confiáveis sobre turbidez da água ETA sejam diferentes.
CONCLUSÕES
dos de estações de tratamento de água. 240p. Projeto PROSAB.
De forma talvez pioneira, apresenta-se aqui um
Rio de Janeiro: ABES, 1999.
estudo de caso de dimensionamento de leito de
secagem de lodo de ETA com base em modelagem KAWAMURA, S. Integrated Design of Water Treatment Facilities.
New York: John Wiley & Sons apud REALI, M.A.P. (coordenador).
probabilística, isto é, levando em consideração
Noções gerais de tratamento e disposição final de lodos de es-
incertezas em torno de variáveis de entrada do tações de tratamento de água. 240p. Projeto PROSAB. Rio de Ja-
modelo de dimensionamento. Os resultados, ex- neiro: ABES, 1999.
pressos em termos de distribuição de probabilida-
MORGAN, M. G.; HENRION, M. Uncertainty: a guide to dealing
des, permitem flexibilidade na tomada de decisão, with uncertainty in quantitative risk and policy analysis. 325 p.
de acordo com aspectos técnicos e econômicos. Cambridge: Cambridge university press, 2003.
O exercício aqui desenvolvido teve como base
PALISADE CORPORATION. Manual do usuário. @Risk. Add-
formulações empíricas disponíveis na literatura, In do Microsoft® Excel para simulação e análise de riscos,
cujas variáveis de entrada se encontram referen- versão 5.5, 2009.
dadas em bancos de dados de monitoramento da
REALI, M.A.P. (coordenador). Noções gerais de tratamento e
ETA em questão e outras, apenas em dados de disposição final de lodos de estações de tratamento de água.
literatura. Sugere-se, pois, que refinamentos fu- 240p. Projeto PROSAB. Rio de Janeiro: ABES, 1999.
turos da técnica e dos modelos aqui empregados
RICHTER, C.A. Tratamento de lodos de estações de tratamento
tenham por base, ao máximo possível, dados de de águas. 102p. São Paulo: Editora Edgard Blücher, 2001.
campo e específicos de cada ETA em análise.
SARON, A.; LEITE, V.M.B. Quantificação de lodo em estação de
tratamento de água. In: 21° Congresso Brasileiro de Engen-
REFERÊNCIAS haria Sanitária, João Pessoa. Anais eletrônicos... João Pessoa:
ABES, 2003.
BATISTA, L.A.; CABRAL, V.A.L. Ensaios com lodo do decantador
da ETA UFV: caracterização, desaguamento em leito de SOUZA, F.G.C.; CORDEIRO, J.S. Quantificação de sólidos em es-
secagem e possibilidades de aproveitamento. Projeto Final tação de tratamento de água convencional de ciclo completo com
de Curso, Graduação em Engenharia Ambiental, Universidade decantador de alta taxa. In: 23° Congresso Brasileiro de Engen-
Federal de Viçosa, Viçosa-MG, 2011. haria Sanitária, Campo Grande-MS. Anais eletrônicos... Campo
Grande: ABES, 2005.
CORDEIRO, J.S. Remoção natural de água de lodos de ETAs utili-
zando leitos de secagem e lagoas de lodo. In: REALI, M.A.P. (coor- SPIEGEL, M. R.; tradução e revisão técnica: CONSENTINO P. Es-
denador). Noções gerais de tratamento e disposição final de lo- tatística. 643 p. 3ª ed. São Paulo: Makron Books, 1993.