Info 1100 STF
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Info 1100 STF
Informativo 1100-STF
Márcio André Lopes Cavalcante
ÍNDICE
DIREITO CONSTITUCIONAL
PODER EXECUTIVO
▪ É inconstitucional dispositivo de CE que preveja que, estando vago o cargo de Vice-Governador, será realizada
eleição avulsa, na própria ALE, para a escolha do novo Vice-Governador.
DEFENSORIA PÚBLICA
▪ Os honorários advocatícios são devidos à Defensoria Pública mesmo quando ela atua contra a pessoa jurídica de
direito público à qual pertença.
SEGURANÇA PÚBLICA
▪ Norma estadual não pode autorizar que bombeiros voluntários realizem as atribuições do corpo de bombeiros
militar.
DIREITO AMBIENTAL
CÓDIGO FLORESTAL
▪ Não viola a cláusula de reserva de plenário (art. 97 da CF/88) acórdão que, baseado nas peculiaridades do caso
concreto, afasta a aplicabilidade retroativa do art. 15 do Código Florestal.
DIREITO DO TRABALHO
DANOS MORAIS
▪ O tabelamento das indenizações trabalhistas previsto na CLT deverá ser observado pelo julgador como critério
orientador; isso não impede, contudo, a fixação de condenação em quantia superior, desde que devidamente
motivada.
DIREITO CONSTITUCIONAL
PODER EXECUTIVO
É inconstitucional dispositivo de CE que preveja que, estando vago o cargo de Vice-Governador,
será realizada eleição avulsa, na própria ALE, para a escolha do novo Vice-Governador
Esse dispositivo, apesar de falar apenas em Presidente e Vice-Presidente da República, também se aplica
para o Governador e Vice-Governador.
Assim, transpondo a situação para o plano do poder executivo estadual, a mesma lógica se aplica. Elege-
se a chapa da qual fazem parte candidatos para o cargo de Governador e Vice-governador, sendo que a
eleição do substituto é decorrência dos votos recebidos pelo titular, consoante o art. 77, § 1º, da CF/88.
Apesar de o procedimento eleitoral em caso de dupla vacância ser matéria inserida na autonomia do ente
interessado, as hipóteses em que a Constituição estabelece eleições indiretas devem ser interpretadas de
forma restritiva, na medida em que representam exceção à soberania popular e dizem respeito à
distribuição do poder político e ao equilíbrio entre os poderes da República.
Em suma:
É inconstitucional — por violar o pressuposto da dupla vacância, previsto para o modelo federal e cuja
observância pelos estados-membros é obrigatória —, norma de Constituição estadual que determina,
em caso de vacância, eleição avulsa para o cargo de vice-governador pela Assembleia Legislativa.
STF. Plenário. ADI 999/AL, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 26/6/2023 (Info 1100).
Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente a ação para declarar a
inconstitucionalidade da Emenda Constitucional nº 10/1994 à Constituição do Estado de Alagoas.
DEFENSORIA PÚBLICA
Os honorários advocatícios são devidos à Defensoria Pública mesmo quando
ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença
Importante!!! ODS 16
LC 80/90
A Lei Complementar nº 80/1994 (Lei Orgânica da Defensoria Pública) prevê que são devidos honorários
advocatícios em favor da Defensoria Pública mesmo que a parte sucumbente seja um ente público.
Confira:
Art. 4º (...)
XXI – executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando
devidas por quaisquer entes públicos, destinando-as a fundos geridos pela Defensoria Pública e
destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profissional
de seus membros e servidores; (Incluído pela LC 132/2009).
Posição do STJ
Apesar disso, o STJ, em 03/03/2010, entendeu que não seriam devidos honorários advocatícios e editou
um enunciado espelhando essa posição:
Súmula 421-STJ: Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra
a pessoa jurídica de direito público à qual pertença.
Ex1: João, assistido pela DPU, ingressa com ação contra a União. Mesmo sendo o pedido julgado
procedente, a União não seria condenada a pagar honorários advocatícios porque a DPU “pertence” à
União (pessoa jurídica de direito público).
Ex2: Pedro, assistido pela DPE/AM, ajuíza ação contra o Estado do Amazonas, que é julgada procedente.
A DPE/AM, por “pertencer” ao Estado do Amazonas (pessoa jurídica de direito público) não teria direito
aos honorários.
Por outro lado, mesmo de acordo com o STJ, a Defensoria Pública teria direito aos honorários caso a ação
tivesse sido proposta contra o Município, por exemplo. Isso porque a Defensoria Pública não integra a
mesma pessoa jurídica do Município.
Assim, parte-se do pressuposto de que os recursos da Defensoria seriam verbas do Estado ou da União
que apenas decide repassá-las ou não à Instituição, tal qual fosse uma “Secretaria” ou “Ministério”. Isso,
contudo, não é verdade.
A EC 45/2004 incluiu o § 2º ao art. 134 conferindo autonomia para as Defensorias Públicas Estaduais. Veja
o dispositivo que foi acrescentado:
Art. 134 (...)
§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa
de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e
subordinação ao disposto no art. 99, § 2º.
Essa autonomia já foi reconhecida pelo STF inúmeras vezes, como no exemplo abaixo:
(...) I – A EC 45/04 reforçou a autonomia funcional e administrativa às defensorias públicas estaduais, ao
assegurar-lhes a iniciativa para a propositura de seus orçamentos (art. 134, § 2º).
II – Qualquer medida normativa que suprima essa autonomia da Defensoria Pública, vinculando-a a outros
Poderes, em especial ao Executivo, implicará violação à Constituição Federal. (...)
STF. Plenário. ADI 4056, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 07/03/2012.
Se você reparar bem, no entanto, verá que o § 2º somente fala em Defensorias Públicas Estaduais. A
Defensoria Pública da União e a Defensoria Pública do Distrito Federal não foram contempladas, de modo
que, mesmo após a EC 45/2004, continuaram subordinadas ao Poder Executivo.
Essa injustificável distorção foi corrigida com a EC 74/2013, que incluiu o § 3º ao art. 134 da CF/88 com a
seguinte redação:
Art. 134 (...)
§ 3º Aplica-se o disposto no § 2º às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal.
Para concretizar essa autonomia, o art. 168 da Constituição, também alterado pela EC nº 45/2004,
assegura que “os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos
suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério
Público e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos (...)”.
Assim, ainda que a Constituição não tenha atribuído, de forma expressa, autonomia financeira à
Defensoria, assegurou as duas prerrogativas que materializam essa autonomia: o poder de elaborar a
própria proposta orçamentária, atendidos os limites previstos na Lei de Diretrizes Orçamentárias, e o
direito de receber do Estado os recursos correspondentes às dotações orçamentárias aprovadas até o dia
20 (vinte) de cada mês, sem possibilidade de contingenciamento de verbas pelo Poder Executivo.
Assim, as reformas trazidas pelas EC 45/2004, 74/2013 e 80/2014 atribuíram autonomia funcional,
administrativa e financeira às Defensorias dos estados e da União.
Portanto, no contexto atual, as Defensorias Públicas são consideradas órgãos constitucionais
independentes, sem subordinação ao Poder Executivo.
Como deixaram de ser vistas como órgãos auxiliares do governo, que integram e vinculam-se à estrutura
administrativa do estado-membro, encontra-se superado o argumento de violação do instituto da
confusão (art. 381 do CC).
Diante disso, atualmente é pacífico o entendimento de que a Defensoria Pública não pode ser considerada
como um mero órgão da Administração Direta. A Defensoria Pública goza de autonomia funcional,
administrativa e orçamentária (art. 134, § 2º, da CF/88), o que a faz ter o status de órgão autônomo.
Como órgão autônomo, o repasse dos recursos destinados à Defensoria Pública, assim como ocorre com
o Judiciário, com o Legislativo e com o Ministério Público, é uma imposição constitucional, devendo ser
efetuada sob a forma de duodécimos, até o dia 20 de cada mês, conforme previsto no art. 168 da CF/88.
Nesse sentido decidiu o STF:
(...) 1. Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa, bem como
a prerrogativa de formulação de sua própria proposta orçamentária (art. 134, § 2º, da CRFB/88), por força
da Constituição da República, após a Emenda Constitucional nº 45/2004.
2. O repasse dos recursos correspondentes destinados à Defensoria Pública, ao Poder Judiciário, ao Poder
Legislativo e ao Ministério Público sob a forma de duodécimos e até o dia 20 de cada mês (art. 168 da
CRFB/88) é imposição constitucional; atuando o Executivo apenas como órgão arrecadador dos recursos
orçamentários, os quais, todavia, a ele não pertencem.
3. O repasse dos duodécimos das verbas orçamentárias destinadas ao Poder Legislativo, ao Poder
Judiciário, ao Ministério Público e à Defensoria Pública quando retidos pelo Governado do Estado constitui
prática indevida em flagrante violação aos preceitos fundamentais esculpidos na CRFB/88. (...)
STF. Plenário. ADPF 339, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 18/05/2016.
Assim, a Defensoria Pública possui orçamento próprio e autonomia para geri-lo. Dentro desse contexto,
revela-se incabível falar que existe confusão quando o Poder Público é condenado a pagar honorários em
favor da Instituição considerando que os recursos da Defensoria Pública não se confundem com o do ente
federativo.
Importante esclarecer que o valor dos honorários não é repassado para os Defensores Públicos, sendo
repassado para um Fundo destinado, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à
capacitação profissional de seus membros e servidores. É o que prevê a LC 80/2014:
Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:
(...)
XXI – executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando
devidas por quaisquer entes públicos, destinando-as a fundos geridos pela Defensoria Pública e
destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profissional
de seus membros e servidores; (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).
Art. 46. Além das proibições decorrentes do exercício de cargo público, aos membros da
Defensoria Pública da União é vedado:
(...)
III - receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas
processuais, em razão de suas atribuições;
Art. 91. Além das proibições decorrentes do exercício de cargo público, aos membros da
Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios é vedado:
(...)
III - receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas
processuais, em razão de suas atribuições;
Art. 130. Além das proibições decorrentes do exercício de cargo público, aos membros da
Defensoria Pública dos Estados é vedado:
(...)
III - receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas
processuais, em razão de suas atribuições;
Tema 1.002
Agora em 2023, o STF confirmou esse entendimento ao julgar o Tema 1.002 de repercussão geral:
Em razão da autonomia e da relevância institucional das Defensorias Públicas, é constitucional o
recebimento de honorários sucumbenciais quando estas representarem o litigante vencedor em
demanda ajuizada contra qualquer ente público, ainda que o litígio se dê contra o ente federativo que
integram.
As reformas trazidas pelas EC 45/2004, 74/2013 e 80/2014 atribuíram autonomia funcional,
administrativa e financeira às Defensorias dos estados e da União. Portanto, no contexto atual, as
Defensorias Públicas são consideradas órgãos constitucionais independentes, sem subordinação ao
Poder Executivo. Como deixaram de ser vistas como órgãos auxiliares do governo, que integram e
vinculam-se à estrutura administrativa do estado-membro, encontra-se superado o argumento de
violação do instituto da confusão (art. 381 do Código Civil).
Vale ressaltar, contudo, que é vedado o rateio, entre os membros da Defensoria Pública, do valor
recebido a título de verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação judicial. Essa quantia deve ser
destinada, exclusivamente, para a estruturação das unidades dessa instituição, com vistas ao
incremento da qualidade do atendimento à população carente e à garantia da efetividade do acesso à
Justiça.
STF. Plenário. RE 1.140.005/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 26/06/2023 (Repercussão Geral –
Tema 1.002) (Info 1100).
Com isso, fica claramente demonstrado que o recebimento de honorários pela Defensoria não
corresponde a uma pauta corporativista. Isso porque tais recursos, em vez de serem rateados entre os
defensores, estão voltados para a melhor formação dos membros da Defensoria Pública e para a
estruturação de suas unidades, contribuindo para o incremento da qualidade do atendimento à população
carente, de forma a garantir a efetividade do acesso à justiça.
Por outro lado, a possibilidade de imposição de honorários em favor da Defensoria Pública atua, também,
como estímulo à autocomposição de conflitos, desincentivando a oposição de resistência injustificada por
parte daquele ente público que é legitimamente demandado.
A ausência de condenação do Estado ao pagamento de honorários de sucumbência à Defensoria Pública
pode atuar como estímulo à interposição de recursos inviáveis e protelatórios pelo ente público,
prolongando em demasia o processo e a solução do conflito de interesses. A eventual condenação em
honorários deve servir como estímulo à resolução administrativa dos conflitos, em especial por meio da
criação de câmaras de conciliação e mediação de conflitos individuais entre o Estado e a Defensoria
Pública.
Com efeito, o excesso de litigiosidade traz como consequências negativas não apenas os gastos
financeiros, relativos ao custo da máquina judiciária, mas também uma piora nos serviços prestados por
todo o sistema de justiça, acarretando congestionamento nos juízos e tribunais e perda de qualidade na
prestação jurisdicional, comprometendo o próprio acesso à Justiça.
No caso das demandas patrocinadas pela Defensoria, essa sobrecarga penaliza os grupos sociais mais
vulneráveis da população, que demandam da atuação dessa instituição para a efetivação de seus direitos
fundamentais mais básicos.
SEGURANÇA PÚBLICA
Norma estadual não pode autorizar que bombeiros voluntários
realizem as atribuições do corpo de bombeiros militar
É inconstitucional norma estadual que dispõe de forma contrária à legislação federal vigente
sobre esses assuntos e que viabiliza a delegação de atividades tipicamente estatais a
organizações voluntárias de natureza privada. Essa previsão invade a competência privativa
da União para dispor sobre normas gerais de organização dos corpos de bombeiros militares
e defesa civil (art. 22, XXI e XXVIII c/c o art. 144, V e § 5º, da CF/88).
A legislação federal prevê tão somente a possibilidade de o município firmar convênio com a
respectiva corporação militar estadual, caso não conte com unidade de corpo de bombeiros
militar instalada (art. 3º da Lei nº 13.425/2017).
Ademais, o art. 5º da Lei nº 10.029/2000 impede que os corpos de bombeiros voluntários
criados pelos estados realizem atividades inseridas no poder de polícia.
O STF já decidiu ser vedado aos estados, a partir da sua competência legislativa suplementar,
inovar ou divergir de disposições constantes da lei federal. Ademais, as atividades de
fiscalização e punição das profissões regulamentadas — tradicionalmente classificadas pela
doutrina como poder de polícia — não são passíveis de delegação a entidades particulares, de
modo que devem ser necessariamente desempenhadas, por sua natureza estatal, pela própria
Administração, através de seus agentes públicos.
Desse modo, poderia ser delegada aos corpos de bombeiros voluntários apenas a execução de
atos materiais, mas não as atividades fiscalizatórias e de imposição de sanções.
STF. Plenário. ADI 5.354/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 26/6/2023 (Info 1100).
A Lei Estadual nº 16.157/2013 trouxe previsão no mesmo sentido, afirmando que esses bombeiros
voluntários, responsáveis pelas vistorias e fiscalizações, poderiam inclusive lavrar autos de infração:
Art. 12. Considera-se infração administrativa toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas e
técnicas concernentes às medidas de segurança e prevenção a incêndios e pânico.
§ 1º São autoridades competentes para lavrar autos de infração e responsáveis pelas vistorias e
fiscalizações os bombeiros militares e os Municípios, podendo os Municípios delegar competência
aos bombeiros voluntários.
(...)
ADI
O Procurador-Geral da República ajuizou ADI contra esses dispositivos alegando que seriam
inconstitucionais por violar a competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de
organização das polícias militares.
Além disso, a Constituição Federal estabelece como sendo atribuição dos corpos de bombeiros militares
a execução de atividades de defesa civil:
Art. 144. (...)
§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos
de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades
de defesa civil.
Compete à União, portanto, expedir normas gerais sobre a organização dos corpos de bombeiros militares,
instituídos no âmbito dos estados-membros, cabendo a essas corporações, entre outras atribuições
definidas em lei, aquela que lhe foi destinada diretamente pelo texto constitucional: a execução de
atividades de defesa civil.
Exercendo a competência para legislar sobre defesa civil, o poder legislativo federal instituiu a Política
Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC), o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (SINPDEC) e
o Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil (CONPDEC), nos termos dispostos na Lei Federal nº
12.608/2012.
Além desse diploma legal, a Lei nº 10.029/2000 autoriza os estados e o Distrito Federal a instituírem
“prestação voluntária de serviços administrativos e de serviços auxiliares de saúde e de defesa civil nas
Polícias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares” (art. 1º).
O art. 5º da lei federal em referência, por seu turno, prevê o seguinte:
Art. 5º Os Estados e o Distrito Federal poderão estabelecer outros casos para a prestação de
serviços voluntários nas Polícias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares, sendo vedados a
esses prestadores, sob qualquer hipótese, nas vias públicas, o porte ou o uso de armas de fogo e
o exercício do poder de polícia.
Assim, a União é competente para legislar sobre defesa civil, assim como para expedir normas gerais sobre
a organização dos corpos de bombeiros militares e serviços auxiliares.
Legislando sobre essas matérias, a União permitiu que os Estados, no exercício da competência legislativa
para suplementar as normas gerais sobre os corpos de bombeiros militares e seus serviços auxiliares,
estabeleçam outros casos para a prestação de serviços voluntários nos corpos de bombeiros militares.
Entretanto, a lei federal fez algumas vedações muito claras. O art. 5º acima transcrito afirmou
expressamente que os prestadores dos serviços voluntários:
• não possuem porte nem podem fazer uso de armas de fogo nas vias públicas; e que
• não podem exercer poder de polícia.
Os atos próprios de poder de polícia são restritos às entidades estatais e, em matéria de defesa civil,
reserva-se parcela significativa dessa tarefa ao corpo de bombeiros militar.
A Lei Federal nº 13.425/2017 (conhecida como Lei Boate Kiss) reforça essa conclusão, considerando que
esse diploma prevê que os atos de poder de polícia relativos à prevenção e ao combate a incêndios e
desastres cabem ao corpo de bombeiros militar e à administração municipal, nada dispondo sobre a
delegação dessas atividades a particulares:
Art. 3º Cabe ao Corpo de Bombeiros Militar planejar, analisar, avaliar, vistoriar, aprovar e fiscalizar
as medidas de prevenção e combate a incêndio e a desastres em estabelecimentos, edificações e
áreas de reunião de público, sem prejuízo das prerrogativas municipais no controle das edificações
e do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano e das atribuições dos profissionais
responsáveis pelos respectivos projetos.
§ 1º Inclui-se nas atividades de fiscalização previstas no caput deste artigo a aplicação de
advertência, multa, interdição e embargo, na forma da legislação estadual pertinente.
§ 2º Os Municípios que não contarem com unidade do Corpo de Bombeiros Militar instalada
poderão criar e manter serviços de prevenção e combate a incêndio e atendimento a emergências,
mediante convênio com a respectiva corporação militar estadual.
Como vimos acima, o § 2º do art. 3º da Lei nº 13.425/2017 prevê tão somente a possibilidade de o
município firmar convênio com a respectiva corporação militar estadual, caso não conte com unidade de
corpo de bombeiros militar instalada. Ademais, a Lei da Boate Kiss não traz a possibilidade de delegação
dessas atividades a agentes privados.
O STF já decidiu ser vedado aos estados, a partir da sua competência legislativa suplementar, inovar ou
divergir de disposições constantes da lei federal. Ademais, as atividades de fiscalização e punição das
profissões regulamentadas — tradicionalmente classificadas pela doutrina como poder de polícia — não
são passíveis de delegação a entidades particulares, de modo que devem ser necessariamente
desempenhadas, por sua natureza estatal, pela própria Administração, através de seus agentes públicos.
Desse modo, poderia ser delegada aos corpos de bombeiros voluntários apenas a execução de atos
materiais, mas não as atividades fiscalizatórias e de imposição de sanções.
Em suma:
É inconstitucional — por invadir a competência privativa da União para dispor sobre normas gerais de
organização dos corpos de bombeiros militares e defesa civil (art. 22, XXI e XXVIII c/c o art. 144, V e §
5º, CF/88) — norma estadual que dispõe de forma contrária à legislação federal vigente sobre esses
Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, julgou parcialmente procedente o pedido
para declarar a inconstitucionalidade das expressões “para fins de verificação e certificação do
atendimento às normas de segurança contra incêndio”, constante do parágrafo único do art. 112, da
Constituição do Estado de Santa Catarina, e “podendo os Municípios delegar competência aos bombeiros
voluntários”, constante do parágrafo 1º do art. 12 da Lei catarinense nº 16.157/2013.
DIREITO AMBIENTAL
CÓDIGO FLORESTAL
Não viola a cláusula de reserva de plenário (art. 97 da CF/88) acórdão que, baseado nas
peculiaridades do caso concreto, afasta a aplicabilidade retroativa do art. 15 do Código Florestal
O art. 15 do novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) autorizou que a APP fosse considerada
para cálculo do percentual da Reserva Legal do imóvel. Essa previsão representou uma
redução de proteção ambiental. Isso porque a legislação revogada, em regra, não admitia o
computo das áreas de preservação permanente no cálculo da reserva legal, que deviam ser
somadas, salvo expressas exceções.
O STF declarou a constitucionalidade do art. 15 da Lei nº 12.651/2012 tendo em vista que ele
está de acordo com o “desenvolvimento nacional” (art. 3º, II, da CF/88) e o “direito de
propriedade” (art. 5º, XXII, da CF/88) (STF. Plenário. ADC 42, Rel. Luiz Fux, julgado em
28/02/2018).
Com isso, a jurisprudência se firmou no sentido de que o art. 15 do Código Florestal pode ser
aplicado para situações consolidadas antes de sua vigência.
Vale ressaltar, contudo, que, no caso concreto, o título judicial objeto da controvérsia derivou
de transação penal formalizada e homologada no Juizado Especial Criminal. Essa circunstância
revela-se distinta e afasta o alegado esvaziamento do conteúdo normativo do art. 15 do Código
Florestal, em especial, por não se encontrar abarcada pelos precedentes do STF que autorizam
a aplicação imediata do novo Código Florestal.
Nesse contexto, a homologação da transação penal configura uma cobertura do
pronunciamento judicial sobre a matéria, apta a impedir a compreensão da retroatividade do
dispositivo legal, com apoio no princípio tempus regit actum.
STF. 2ª Turma. ARE 1.287.076 AgR/SP, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 20/6/2023 (Info 1100).
• assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural,
• auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos,
• promover a conservação da biodiversidade e
• assegurar abrigo e proteção da fauna silvestre e da flora nativa.
Natureza
A Área de Reserva Legal consiste em uma limitação ao direito de propriedade (limitação administrativa
existente em função do princípio da função socioambiental da propriedade).
Trata-se de obrigação “propter rem”, ou seja, é uma obrigação que acompanha a coisa e vincula todo e
qualquer proprietário ou possuidor de imóvel rural, já que adere ao título de propriedade ou à posse.
Nos parágrafos do art. 12 estão previstas situações em que é possível alterar o percentual mínimo da área
de reserva legal. A depender do grau de complexidade do concurso público que você está prestando, vale
a pena fazer uma leitura desses dispositivos.
Onde fica a área de reserva legal dentro do imóvel rural? Em outras palavras, em um sítio, por exemplo,
como a pessoa sabe onde está a área de reserva legal? É o proprietário/possuidor que define isso?
NÃO. A localização da área de Reserva Legal dentro da propriedade ou posse rural deverá ser aprovada
pelo órgão estadual integrante do SISNAMA ou instituição por ele habilitada, conforme os critérios
previstos no art. 14 do Código Florestal.
Existem imóveis rurais que não precisam constituir área de reserva legal?
SIM. Segundo prevê os §§ 6º a 8º do art. 12, não será exigida Reserva Legal para:
• empreendimentos de abastecimento público de água e tratamento de esgoto;
• áreas adquiridas ou desapropriadas por detentor de concessão, permissão ou autorização para
exploração de potencial de energia hidráulica, nas quais funcionem empreendimentos de geração de
Essa previsão do art. 15 representou uma “redução de proteção ambiental. Isso porque a legislação
revogada, em regra, não admitia o computo das áreas de preservação permanente no cálculo da reserva
legal, que deviam ser somadas, salvo expressas exceções.” (AMADO, Frederico. Sinopse de Direito
Ambiental. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 177).
Explicando melhor:
• legislação anterior: o proprietário teria que proteger a área da Reserva Legal e mais a APP;
• art. 15 da Lei nº 12.651/2012: na contagem do que é Reserva Legal, já se pode utilizar a APP (diminui a
área protegida).
Alguns autores alegaram que esse art. 15 do novo Código Florestal seria inconstitucional porque
implicaria um retrocesso na proteção do meio ambiente, afrontando, portanto, o art. 225 da CF/88. O
STF acolheu esse argumento?
NÃO. O STF declarou a constitucionalidade do art. 15 da Lei nº 12.651/2012 tendo em vista que ele está
de acordo com o “desenvolvimento nacional” (art. 3º, II, da CF/88) e o “direito de propriedade” (art. 5º,
XXII, da CF/88).
Confira o trecho da ementa do julgado na parte que trata sobre o art. 15 do Código Florestal:
(...) As Áreas de Preservação Permanente são zonas específicas nas quais se exige a manutenção da
vegetação, como restingas, manguezais e margens de cursos d´água. Por sua vez, a Reserva Legal é um
percentual de vegetação nativa a ser mantido no imóvel, que pode chegar a 80% (oitenta por cento) deste,
conforme localização definida pelo órgão estadual integrante do Sisnama à luz dos critérios previstos no
art. 14 do novo Código Florestal, dentre eles a maior importância para a conservação da biodiversidade e
a maior fragilidade ambiental.
Em regra, consoante o caput do art. 12 do novo Código Florestal, a fixação da Reserva Legal é realizada
sem prejuízo das áreas de preservação permanente. Entretanto, a incidência cumulativa de ambos os
institutos em uma mesma propriedade pode aniquilar substancialmente a sua utilização produtiva.
O cômputo das Áreas de Preservação Permanente no percentual de Reserva Legal resulta de legítimo
exercício, pelo legislador, da função que lhe assegura o art. 225, § 1º, III, da Constituição, cabendo-lhe
fixar os percentuais de proteção que atendem da melhor forma os valores constitucionais atingidos,
inclusive o desenvolvimento nacional (art. 3º, II, da CRFB) e o direito de propriedade (art. 5º, XXII, da CRFB).
Da mesma forma, impedir o cômputo das áreas de preservação permanente no cálculo da extensão da
Reserva Legal equivale a tolher a prerrogativa da lei de fixar os percentuais de proteção que atendem da
melhor forma os valores constitucionais atingidos; Conclusão: Declaração de constitucionalidade do artigo
15 do Código Florestal; (...)
STF. Plenário. ADC 42, Rel. Luiz Fux, julgado em 28/02/2018.
O art. 15 do Código Florestal pode ser aplicado para situações consolidadas antes de sua vigência?
SIM.
Em suma:
A eficácia retroativa da Lei nº 12.651/2012 permite o reconhecimento de situações consolidadas e a
regularização ambiental de imóveis rurais levando em conta suas novas disposições, e não à luz da
legislação vigente na data dos ilícitos ambientais.
STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1.668.484-SP, Rel. Min. Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF
da 5ª Região), julgado em 5/12/2022 (Info 768).
Súmula vinculante 10: Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fracionário
de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do
Poder Público, afasta a sua incidência no todo ou em parte.
Em suma:
Não viola a cláusula de reserva de plenário (art. 97, CF/88) acórdão que — baseado nas peculiaridades
do caso concreto — afasta a aplicabilidade retroativa do art. 15 do Código Florestal (Lei nº 12.651/2012).
STF. 2ª Turma. ARE 1.287.076 AgR/SP, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 20/6/2023 (Info 1100).
PRECATÓRIOS
Atraso no pagamento das parcelas de precatório autoriza determinação de sequestro de verbas
ODS 16
Regime de precatórios
Se a Fazenda Pública Federal, Estadual, Distrital ou Municipal for condenada, por sentença judicial
transitada em julgado, a pagar determinada quantia a alguém, este pagamento será feito sob um regime
especial chamado de “precatório” (art. 100 da CF/88).
No caput do art. 100 da CF/88 consta a regra geral dos precatórios, ou seja, os pagamentos devidos pela
Fazenda Pública em decorrência de condenação judicial devem ser realizados na ordem cronológica de
apresentação dos precatórios. Existe, então, uma espécie de “fila” para pagamento dos precatórios:
Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e
Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de
apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos
ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
(Redação dada pela EC 62/09)
Ao verificar que o ente não pagou o precatório no prazo, o Tribunal de Justiça determinou que a Fazenda
Pública fizesse o pagamento da primeira parcela, sob pena de sequestro, na forma do § 4º do art. 78.
O Estado-membro não concordou e, após sucessivos atos processuais, levou a discussão até o STF.
A Fazenda sustentou a inconstitucionalidade da imposição do parcelamento previsto no § 4º do art. 78 do
ADCT. Alegou que o exame do referido dispositivo não autoriza a conclusão de que o sequestro de verbas
públicas para o pagamento de precatório seria permitido em qualquer hipótese e independentemente do
direito de preferência do art. 100 da Constituição Federal.
O descumprimento do regime geral (art. 100 da CF/88) e a recusa em aderir ao regime especial (art. 78 do
ADCT) geraria uma terceira hipótese constitucional que representaria o inadimplemento de forma
indefinida pelo poder Público.
Sendo assim, é imperativo o sequestro de verbas pela autoridade judicial no caso de descumprimento ao
regime especial de pagamento de precatório previsto no art. 78 do ADCT, acrescido pela EC 30/2000, que é de
aderência obrigatória aos entes federativos inadimplentes na situação descrita no caput do referido artigo.
Em suma:
No caso de atraso na quitação das parcelas de precatório, o sequestro de verbas públicas pela
autoridade judicial é constitucional, pois configurado descumprimento ao regime especial de
pagamento (art. 78, ADCT), cuja adesão dos entes federativos inadimplentes é obrigatória.
STF. Plenário. RE 597.092/RJ, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 26/6/2023 (Repercussão Geral – Tema
231) (Info 1100).
Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, apreciando o Tema 231 da repercussão
geral, negou provimento ao recurso extraordinário.
1) A perda da graduação da praça pode ser declarada como efeito secundário da sentença
condenatória pela prática de crime militar ou comum, nos termos do art. 102 do Código Penal
Militar e do art. 92, I, ‘b’, do Código Penal, respectivamente.
2) Nos termos do artigo 125, § 4º, da Constituição Federal, o Tribunal de Justiça Militar, onde
houver, ou o Tribunal de Justiça são competentes para decidir, em processo autônomo
decorrente de representação do Ministério Público, sobre a perda do posto e da patente dos
oficiais e da graduação das praças que teve contra si uma sentença condenatória,
independentemente da natureza do crime por ele cometido.
À luz do art. 125, § 4º, da CF/88, na redação dada pela EC 45/2004, o Tribunal de Justiça Militar
estadual ou o Tribunal de Justiça local, onde aquele não existir, possuem competência para
decidir — em processo autônomo decorrente de representação ministerial — sobre a perda
do posto e da patente dos oficiais e da graduação de praças da polícia militar estadual que
tiveram contra si sentenças condenatórias, independentemente do quantum da pena imposta
ou da natureza do crime cometido (militar ou comum).
A Justiça comum, por sua vez, pode decretar a perda do cargo do policial militar (praça ou
oficial) com base no art. 92, I, b, do Código Penal, nos próprios autos em que houver sua
condenação por crime comum, sem que essa providência configure violação à competência da
Justiça Militar.
Ademais, a perda da graduação de praças também pode ser decretada por força:
(i) de condenação criminal pela prática de crime de natureza militar, inclusive sem a
instauração de procedimento jurisdicional específico perante o Tribunal competente na
hipótese de pena superior a dois anos, a teor do art. 102 do Código Penal Militar; e
(ii) de sanção disciplinar administrativa apurada em âmbito administrativo, mesmo que ainda
esteja em curso ação penal envolvendo o mesmo fato.
STF. Plenário. ARE 1.320.744/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 26/6/2023
(Repercussão Geral – Tema 1200) (Info 1100).
Desnecessidade de procedimento específico para fins da perda da graduação de praça militar estadual
A Constituição Federal estabelece que compete à Justiça Militar Estadual decidir sobre a perda do posto e
da patente dos oficiais e da graduação das praças:
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta
Constituição.
(...)
§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes
militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a
competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a
perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.
Da mesma forma, o art. 102 do Código Penal Militar (CPM) dispõe sobre a exclusão de militar em razão de
condenação à pena privativa de liberdade por tempo superior a dois anos:
Art. 102. A condenação da praça a pena privativa de liberdade, por tempo superior a dois anos,
importa sua exclusão das forças armadas.
Considerando que a pena acessória prevista no art. 102 do CPM, além de possuir plena eficácia, aplica-se
de maneira automática e imediata, tem-se interpretado que é desnecessário procedimento específico
para ocorrer a exclusão da praça.
Situação diferente, no entanto, é a dos oficiais, que é tratada pela Constituição de forma diversa:
Art. 142. (...)
VI - o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele
incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de
tribunal especial, em tempo de guerra;
VII - o oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois
anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no inciso
anterior;
Portanto, com relação às praças, deve ser observado o art. 125, §4º, da CF/88, que não impõe a
necessidade de instauração de um processo específico, pelo que a exclusão desses militares (praças) pode
se dar como pena acessória à condenação.
Já quanto aos oficiais, a Emenda Constitucional nº 18/1998 incluiu os incisos VI e VII do §3º do art. 142 da
CF/88 para conferir um maior rigor para a perda dos respectivos posto e patente, impondo-se a
necessidade de julgamento específico.
Diante da específica previsão na Constituição Federal em relação aos oficiais, o STF já se manifestou no
sentido da não recepção do art. 102, do Código Penal Militar pela CF/88, justamente diante da previsão
contida em seu art. 125, §4º, da Constituição Federal. Assentou-se, na ocasião, a compatibilidade da
previsão do Código Penal castrense ao texto constitucional apenas no que diz respeito às praças,
mantendo-se o entendimento de sua incompatibilidade em relação aos oficiais (RE 447.859/MS, Rel. Min.
Marco Aurélio, DJe de 20/08/2015).
Possibilidade da exclusão da praça militar estadual em razão de faltas disciplinares apuradas em âmbito
administrativo
A exclusão da praça militar estadual do quadro da corporação pode também ser levada a cabo
administrativamente, nos casos de indisciplina, conforme preceituado na Súmula 673 do STF:
Súmula 673-STF: É possível a exclusão, em processo administrativo, de policial militar que comete
faltas disciplinares, independentemente do curso de ação penal instaurada em razão da mesma
conduta.
Essa sanção administrativa disciplinar pode ser aplicada, inclusive, antes do trânsito em julgado da ação
penal, conforme já decidido pelo STF em sede de repercussão geral, que considerou que as instâncias
jurisdicional e administrativa são independentes (STF. Plenário. ARE 691.306/MS, Rel. Min. Cezar Peluso,
DJe de 11/09/2012. Repercussão Geral – Tema 565).
Assim, subsiste a possibilidade de sanção de perda da graduação aplicada após procedimento
administrativo, desde que assegurado o direito de defesa e o contraditório.
Possibilidade de perda do cargo público da praça e do oficial da polícia militar em razão de condenação,
pela Justiça Comum, por crime comum
A Justiça comum, por sua vez, pode decretar a perda do cargo do policial militar (praça ou oficial) com
base no art. 92, I, “b”, do Código Penal, nos próprios autos em que houver sua condenação por crime
comum, sem que essa providência configure violação à competência da Justiça Militar:
Art. 92 - São também efeitos da condenação:
I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
Informativo 1100-STF (30/06/2023) – Márcio André Lopes Cavalcante | 22
Informativo
comentado
(...)
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos
demais casos.
Além disso, cumpre relembrar que é automático o efeito condenatório previsto no art. 1º, § 5º, da Lei nº
9.455/97 (Lei de Tortura), que prevê a perda do cargo público em razão do crime de tortura quando
praticado por policial militar, processado e julgado pela Justiça Comum:
Art. 1º (...)
§ 5º A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para
seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada.
Portanto, em resumo, no tocante a sanções impostas a praças e oficiais militares estaduais em razão de
crime comum e militar e infrações disciplinares administrativas, conclui-se que:
a) é possível a exclusão da corporação de praça militar estadual condenado por crime militar, cuja pena
seja superior a 2 anos (art. 102, do Código Penal Militar), sendo prescindível (dispensável) a instauração
de procedimento jurisdicional específico perante o Tribunal competente para decidir sobre a perda da sua
graduação;
b) nada impede a exclusão da praça militar estadual da corporação em processo administrativo no qual se
apura o cometimento de falta disciplinar, mesmo que ainda esteja em curso ação penal envolvendo o
mesmo fato, tendo em vista a independência das instâncias, jurisdicional e administrativa, desde que
respeitados o contraditório e a ampla defesa;
c) compete à Justiça Comum decretar, na sentença penal condenatória, com base no art. 92, I, “b”, do Código
Penal, a perda do cargo público da Polícia Militar da praça e do oficial militar estadual nos autos do processo
criminal em que houve a sua condenação por crime comum à pena superior a quatro anos ou conforme
outras hipóteses legalmente previstas, bem como compete à Justiça Militar decidir sobre a perda da
graduação das praças nos casos de crimes militares, com base no art. 102, do Código Penal Militar.
Delimitação do alcance da competência do Tribunal de Justiça Militar para decidir sobre a perda do
posto e da patente nos casos em que a sentença penal condenatória não tenha aplicado tal sanção
Considerando que a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças pode:
• ser decorrente da perda do cargo público militar por força de condenação criminal pela prática de crimes
de natureza comum (art. 92, I, “b”, do CP) ou de natureza militar (art. 102, do CPM); ou
• ser decretada no âmbito do procedimento administrativo militar...
... o STF concluiu que o Tribunal de Justiça Militar, com fulcro no art. 125, § 4º, da CF/88, detém a
competência para decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças em
processo autônomo decorrente de representação ministerial, independentemente da quantidade da pena
imposta e da natureza do crime cometido pelo agente militar estadual.
Assim, o militar estadual pode ser submetido a julgamento perante o Tribunal Militar a fim de apurar se a
sua conduta abalou os valores que a vida castrense exige dos que nela ingressam a ponto de tornar-se
insustentável sua permanência na caserna.
Nesse contexto, a ausência de declaração das mencionadas perdas como efeito secundário da condenação
pela prática de crime militar ou comum não impede que o Tribunal de Justiça Militar estadual, onde
houver, ou o Tribunal de Justiça regional — após o trânsito em julgado da condenação e mediante
processo autônomo iniciado por representação do Ministério Público — analise os fatos e delibere sobre
essa questão à luz dos valores e do pundonor militares.
Em suma:
À luz do art. 125, § 4º, da CF/88, na redação dada pela EC 45/2004, o Tribunal de Justiça Militar estadual
ou o Tribunal de Justiça local, onde aquele não existir, possuem competência para decidir — em
processo autônomo decorrente de representação ministerial — sobre a perda do posto e da patente
dos oficiais e da graduação de praças da polícia militar estadual que tiveram contra si sentenças
condenatórias, independentemente do quantum da pena imposta ou da natureza do crime cometido
(militar ou comum).
STF. Plenário. ARE 1.320.744/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 26/6/2023 (Repercussão
Geral – Tema 1200) (Info 1100).
Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, ao apreciar o Tema 1.200 da repercussão
geral, conheceu do agravo e negou provimento ao recurso extraordinário.
PRISÃO PREVENTIVA
A prisão preventiva é compatível com os regimes prisionais aberto e semiaberto?
Essa tese da defesa é aceita pela jurisprudência? O réu, nesses casos, deve aguardar solto o julgamento
do recurso? A manutenção da prisão cautelar é incompatível com o fato de o réu ter sido condenado
(ainda provisoriamente) ao regime semiaberto?
O tema é ainda polêmico na jurisprudência, existindo decisões em dois sentidos:
NÃO SIM.
A prisão preventiva é compatível com o regime A fixação do regime de cumprimento
prisional semiaberto, desde que seja realizada a semiaberto afasta a prisão preventiva.
efetiva adequação ao regime intermediário.
É a posição do STJ Existem julgados do STF nesse sentido*
Não há incompatibilidade no fato de o juiz, na Caso o réu seja condenado a pena que deva ser
sentença, ter condenado o réu ao regime inicial cumprida em regime inicial diverso do fechado
semiaberto e, ao mesmo tempo, ter mantido sua (aberto ou semiaberto), não será admissível a
prisão cautelar. decretação ou manutenção de prisão preventiva
Se ainda persistem os motivos que ensejaram a na sentença condenatória, notadamente quando
prisão cautelar (no caso, o risco de fuga), o réu não há recurso da acusação quanto a este ponto.
deverá ser mantido preso mesmo que já tenha Se fosse permitido que o réu aguardasse o
sido condenado ao regime inicial semiaberto. julgamento preso (regime fechado), mesmo tendo
Deve ser adotada, no entanto, a seguinte sido condenado a regime aberto ou semiaberto,
providência: o condenado permanecerá preso, seria mais benéfico para ele renunciar ao direito
porém, ficará recolhido e seguirá as regras do de recorrer e iniciar imediatamente o
regime prisional imposto na sentença (deverá ficar cumprimento da pena no regime estipulado do
recolhido na unidade prisional destinada aos que exercer seu direito de impugnar a decisão
presos provisórios e receberá o mesmo perante o segundo grau. Isso soa absurdo e viola o
tratamento do que seria devido caso já estivesse princípio da proporcionalidade.
cumprindo pena no regime semiaberto). Esta 2ª corrente critica a solução dada pela 1ª
posição, ou seja, a de que o réu poderia continuar
Em suma, o fato de o réu ter sido condenado a preso, mas em regime semiaberto ou aberto (a
cumprir pena em regime semiaberto não constitui depender de como foi condenado). Essa medida
empecilho à decretação/manutenção da prisão representa, na verdade, a execução provisória da
preventiva, bastando que se tenha o cuidado de pena, o que é vedado pelo STF em face do
não se colocá-lo em estabelecimento inadequado. princípio da presunção de inocência.
No Info 1100 foi divulgada decisão do STF adotando a segunda corrente acima exposta:
Viola o princípio da proporcionalidade a tentativa de compatibilizar a prisão preventiva com a imposição
do regime inicial de cumprimento de pena semiaberto ou aberto.
A fixação do regime semiaberto torna desproporcional a manutenção da prisão preventiva, por
significar imposição de medida cautelar mais gravosa à liberdade do que a estabelecida na própria
sentença condenatória, circunstância que se revela como verdadeiro constrangimento ilegal.
STF. 2ª Turma. HC 214.070 AgR/MG, Rel. Min. Nunes Marques, redator do acórdão Min. Dias Toffoli,
julgado em 21/06/2023 (Info 1100).
Vale ressaltar, contudo, que há decisões também recentes do STF mantendo acórdãos do STJ e, portanto,
também aderindo à 1ª corrente. Veja alguns exemplos:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PENAL. REPRODUÇÃO DE
IMPETRAÇÃO ANTERIOR. DETERMINAÇÃO DE CUMPRIMENTO DE PRISÃO PREVENTIVA EM
ESTABELECIMENTO ADEQUADO AO REGIME SEMIABERTO FIXADO NA SENTENÇA CONDENATÓRIA.
AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU TERATOLOGIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(HC 220880 AgR, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 10/11/2022, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-227 DIVULG 10-11-2022 PUBLIC 11-11-2022)
(...) 1. É idônea a segregação cautelar fundada na garantia da ordem pública, quando demonstrada a
periculosidade social do agente, decorrente do risco de reiteração delitiva.
2. A prisão preventiva imposta a pessoa condenada no regime semiaberto deve ser cumprida em
estabelecimento adequado ao regime fixado.
3. O Juízo sentenciante, ao indeferir o direito de o agravante recorrer em liberdade, determinou a
expedição da “guia de recolhimento provisória na forma da Portaria Conjunta n. 344/2014 do E. TJMG e
Resolução n. 113 do CNJ, devendo constar a harmonização com o regime semiaberto”, o que afasta a
alegada incompatibilidade entre a prisão preventiva e o regime semiaberto.
4. Agravo interno desprovido.
(HC 203302 AgR, Relator(a): NUNES MARQUES, Segunda Turma, julgado em 15/09/2021, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-238 DIVULG 01-12-2021 PUBLIC 02-12-2021)
(...) 3. No que concerne à possível incompatibilidade do regime semiaberto com a manutenção da prisão
preventiva, com a ressalva do entendimento pessoal do Relator (HC nº 123.226/PI, Primeira Turma, Rel.
Min. Dias Toffoli, DJe de 17/11/14), acolhe-se a recente posição da Primeira Turma de que, havendo
decisão fundamentada apta a justificar a custódia, não há falar-se em ilegalidade. (...)
(HC 219416 AgR, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 03/10/2022, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-231 DIVULG 14-11-2022 PUBLIC 16-11-2022)
Em outros julgados, o STF afirma que, em regra, deve-se adotar a 2ª corrente, mas excepcionalmente,
pode-se manter a prisão preventiva – mesmo sendo caso de regime semiaberto – se houver reiteração
delitiva ou em caso de violência de gênero, por exemplo:
DIREITO DO TRABALHO
DANO MORAL
O tabelamento das indenizações trabalhistas previsto na CLT deverá ser observado pelo julgador
como critério orientador; isso não impede, contudo, a fixação de condenação em quantia
superior, desde que devidamente motivada
Importante!!! ODS 8, 9, 10 E 16
É constitucional o tabelamento para fins de fixação do valor de indenização por dano moral
trabalhista previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Contudo, os montantes
elencados na lei não podem ser interpretados como um “teto”, mas apenas servem como
parâmetro para a fundamentação da decisão judicial, de modo a permitir que ela, desde que
devidamente motivada, determine o pagamento de quantias superiores.
Com base nesse entendimento, o STF julgou parcialmente procedentes as ADIs para conferir
interpretação conforme a Constituição e estabelecer que:
(i) as redações conferidas aos art. 223-A e 223-B, ambos da CLT, não excluem o direito à
reparação por dano moral indireto ou dano em ricochete (dano reflexo) no âmbito das
relações de trabalho, a ser apreciado nos termos da legislação civil; e
(ii) os critérios de quantificação de reparação por dano extrapatrimonial previstos no art.
223-G, caput e § 1º, da CLT, deverão ser observados pelo julgador como orientativos de
fundamentação da decisão judicial, sendo constitucional, porém, o arbitramento judicial do
dano em valores superiores aos limites máximos dispostos nos incisos I a IV do § 1º do art.
223-G, quando consideradas as circunstâncias do caso concreto e os princípios da
razoabilidade, da proporcionalidade e da igualdade.
STF. Plenário. ADI 6.050/DF, ADI 6.069/DF e ADI 6.082/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgados em
26/06/2023 (Info 1100).
ADI
A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria – CNTI e o Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil – CFOAB ajuizaram ADI com o objetivo de ver declarada a inconstitucionalidade dos
arts. 223-A, 223-B e 223-G, da CLT, inseridos pela Lei nº 13.467/2017.
Eis o teor dos dispositivos impugnados:
Art. 223-A. Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação
de trabalho apenas os dispositivos deste Título.
Art. 223-B. Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral
ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à
reparação.
§ 1º Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos
ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:
I - ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido;
II - ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;
III - ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;
IV - ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.
§2º Se o ofendido for pessoa jurídica, a indenização será fixada com observância dos mesmos
parâmetros no §1º deste artigo, mas em relação ao salário contratual do ofensor.
§ 3º Na reincidência entre partes idênticas, o juízo poderá elevar ao dobro o valor da indenização.
Os autores alegaram, em síntese, que a lei não poderia limitar a atuação do Poder Judiciário na fixação do
valor da indenização por dano moral, sob pena de limitar o próprio exercício da jurisdição.
Além disso, afirmaram que os parâmetros fixados pela norma violariam o princípio da isonomia, pois
podem ou não se mostrar justos e adequados em vários casos, mas não em outros, razão pela qual a
limitação não poderia ser imposta ao Poder Judiciário.
Vejamos o que decidiu o STF.
Objetivos da alteração
A Reforma Trabalhista, ao estabelecer parâmetros para a fixação do quantum indenizatório dos danos
extrapatrimoniais buscou, de certa forma, garantir um mínimo de isonomia, tanto em relação aos
empregadores quanto em relação aos empregados, diante da discrepância das decisões judiciais no país.
Por outro lado, justamente por tratar-se de dano extrapatrimonial, que atinge a esfera de personalidade
Regime jurídico de indenização por danos extrapatrimoniais na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT)
Até o advento da Reforma Trabalhista, a Justiça do Trabalho se utilizava das normas de Direito Civil (arts.
186 e 927 do CC) e de Direito Constitucional (art. 5º, V e X, CF/88) para julgar as ações por ressarcimento
de danos morais ocorridos no âmbito laboral, uma vez que a CLT nada tratava sobre a matéria.
As ações por danos morais relacionadas à relação de trabalho, inicialmente, suscitaram dúvida quanto à
competência da Justiça Comum ou da Justiça do Trabalho. Essa controvérsia, contudo, foi superada pela
EC 45/2004, que acrescentou o inciso VI no art. 114 da CF/88 atribuindo competência à Justiça do Trabalho
para processar e julgar ações de indenização por dano moral ou material, decorrentes da relação de
trabalho.
Por opção política do legislador ordinário, implementou-se, a partir da Lei nº 13.467/2017, um regime
jurídico específico voltado à definição do direito aplicável ao dano extrapatrimonial nas relações
trabalhistas. O art. 223-A da CLT prevê, inclusive, que se aplicam “à reparação de danos de natureza
extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título.”
Essa redação do art. 223-A da CLT faz com que o juiz do trabalho esteja proibido de aplicar outros
diplomas do ordenamento jurídico no julgamento dos danos morais decorrentes das relações
trabalhistas?
NÃO. Conforme explicou o Ministro Gilmar Mendes:
“Ainda que a norma prevista no art. 223-A expressamente circunscreva o tratamento da reparação
extrapatrimonial às disposições do Título II-A, é inequívoco que, ao apreciar cada caso concreto, o
magistrado deverá proceder a uma interpretação íntegra do ordenamento jurídico pátrio, no que
se insere o inafastável respeito aos princípios constitucionais.
Despiciendo ainda observar que eventuais lacunas na aplicação da legislação trabalhista poderão
ser colmatadas pelos juízes por meio do recurso à analogia, os costumes e os princípios gerais de
direito (art. 4º do Decreto-Lei 4.657/1942). Disso resulta que, ao menos naquilo que não
implicarem contrariedade expressa ao regime da CLT, os parâmetros fixados no Título IX do Código
Civil, poderão ser supletivamente aplicados às relações trabalhistas.”
Esse dispositivo, ao falar em “titulares exclusivas”, restringiu a legitimidade da propositura da ação por
danos morais, na seara trabalhista, à pessoa da vítima.
Assim, devido à carga restritiva da expressão “titulares exclusivas”, passou-se a defender na doutrina o
entendimento de que a inovação legislativa teria excluído a possibilidade de indenização extrapatrimonial
na Justiça do Trabalho pelo chamado dano reflexo ou dano em ricochete.
O dano em ricochete consiste nas consequências na esfera de terceiros decorrentes do dano sofrido pela
vítima direta: no caso do dano morte, os parentes que sofrem a insuportável dor da perda; no caso de
danos físicos graves, os parentes que passam a sofrer consequências na sua esfera de direitos.
Vale lembrar que o art. 948 do Código Civil prevê, para as relações jurídicas em geral, o dano reflexo (ou
dano em ricochete):
Art. 948 – No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações:
I – No pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família;
II – Na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração
provável da vida da vítima.
O STF afirmou que é inconstitucional a interpretação do art. 223-B que exclua o dano em ricochete.
Essa leitura do art. 223-B da CLT faria com que o largo âmbito de proteção do art. 5º, inciso V, da CF
restasse esvaziado, na medida em que se inviabilizaria a reparação de danos por acidente de trabalho que
resultasse, por exemplo, em morte da vítima.
Essa discussão ganhou uma grande relevância na Justiça do Trabalho principalmente por conta dos
acidentes ocorridos na Mina do Córrego do Feijão em Brumadinho/MG, na data de 25 de janeiro de 2019,
em uma das barragens de rejeitos da empresa Vale S.A., o qual vitimou fatalmente aproximadamente 250
trabalhadores próprios e terceirizados.
Situações graves como essa poderiam eventuais sofrer algum tipo de imunização do ponto de vista da
responsabilização aquiliana se prevalecesse o entendimento de que a Reforma Trabalhista afastou
qualquer hipótese de dano reflexo do novo regime do Título II-A da CLT.
Por esses motivos, o STF entendeu ser necessário conferir interpretação conforme à Constituição ao art.
223-B da CLT , afastando-se qualquer interpretação que impeça o exercício de pretensão, em juízo, de
reparação de dano extrapatrimonial na Justiça do Trabalho pela hipótese do dano em ricochete ou dano
reflexo.
Sobre esse ponto, as partes autoras sustentam que a norma em questão violaria os princípios
constitucionais da reparação integral do dano, da livre convicção racional do magistrado, da
proporcionalidade e da razoabilidade e, da proteção do trabalho e da proibição do retrocesso social.
Para entender bem essa discussão, é necessário fazer um retrospecto histórico.
Antes do advento da Constituição Federal de 1988, era comum que os Tribunais aplicassem
analogicamente, diplomas legislativos que previam valores-máximos de reparação por danos materiais ou
morais em situações específicos. Nesse sentido, alguns diplomas como Lei nº 5.250/67 (Lei de Imprensa)
e a Lei nº 4.117/62 (Código Brasileiro de Telecomunicações) definiam que o valor da indenização por
calúnia, difamação ou injúria deveriam ser fixado entre cinco e 100 salários mínimos.
De forma semelhante, o Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565/86) dispunha que “a
responsabilidade do transportador (arts. 123, 124 e 222, parágrafo único), por danos ocorridos durante a
execução do contrato de transporte (arts. 233, 234, § 1º, 245), estaria sujeita aos limites estabelecidos
neste Título (art. 257, 260, 262, 269 e 277)”.
Todos esses diplomas legislativos compunham o chamado “Sistema de Tarifação Legal da Indenização”, o
qual consistiria na “previsão, pelo legislador do montante da indenização correspondente a determinados
eventos danosos” (SANSEVERNO, Paulo de Tarso. Princípio da reparação integral: indenização no Código
Civil. São Paulo: Saraiva, 2010).
Com a promulgação do novo texto constitucional e a inauguração da disciplina do seu art. 5º, inciso V, que
consolidou entre nós o princípio da reparação integral do dano, o STF foi chamado a discutir se o modelo
de tarifação teria ou não sido recepcionado pela nova ordem.
A jurisprudência do STF é no sentido de que a constitucionalidade, ou não, dos sistemas legais de tarifação
depende da natureza do dano reparado.
No julgamento do RE 636.331, o Supremo decidiu que é constitucional o tabelamento fixado na Convenção
de Varsóvia, por se tratar apenas de indenização por dano material.
Assim, há certo consenso de que é constitucional a tarifação dos danos materiais.
Não acontece o mesmo, porém, quando se trata da indenização por danos extrapatrimoniais.
No julgamento do RE n. 447.584 (Rel. Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, DJ 16.3.2007), que declarou a
não recepção do art. 52 da Lei n. 5.250/67 (Lei de Imprensa), assentou-se que “toda limitação, prévia e
abstrata, ao valor de indenização por dano moral, objeto de juízo de equidade, é incompatível com o
alcance da indenizabilidade irrestrita assegurada pela atual Constituição da República”.
Confirmando a impossibilidade de tarifação, pode ser citada a Súmula 28 do STJ, que diz: “A indenização
por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa”.
No âmbito doutrinário, a VI Jornada de Direito Civil, de 2013, reforçou esse entendimento, com a
aprovação do Enunciado n. 550: “a quantificação da reparação por danos extrapatrimoniais não deve estar
sujeita a tabelamento ou a valores fixos”.
Existe, portanto, uma forte sinalização da jurisprudência no sentido da impossibilidade de se tarifar o dano
moral, mediante modelo legislativo que subtraia totalmente do juiz o seu arbitramento. Isso não significa,
contudo, que seja proibida a fixação de métodos que ajudem o julgador a estabelecer a quantificação do
dano extrapatrimonial.
A ausência de critérios objetivos para a quantificação dos danos morais – seja nas relações de trabalho
seja nas relações civis aquilianas em geral – gera preocupações com a segurança jurídica e com a
previsibilidade da extensão das sanções reparatórias.
Diante dos inequívocos problemas de previsibilidade do arbitramento judicial do dano moral, a própria
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem reagido na construção de metodologias. O Tribunal vem
adotando o chamado “ método bifásico ”, modelo segundo o qual o julgar primeiro analisa um valor básico
para a reparação, considerando o interesse jurídico lesado e um grupo de precedentes, e, depois, verifica
as circunstâncias do caso concreto gravidade do fato em si, culpabilidade do agente, culpa concorrente da
vítima, condição econômica das partes, entre outros fatores) para fixar o valor definitivo da indenização.
(TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Vol. 2, p. 430)
Esse método bifásico, desenvolvido pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino a partir de sua tese de
doutorado defendida na UFRGS, sob orientação da profa. Judith Martins-Costa, consiste em dividir a
fixação do valor em duas fases.
Em um primeiro momento, chega-se a uma quantificação de um valor básico, com base na gravidade do
fato em si. Por exemplo, em um caso de morte, procura-se analisar um grupo de casos semelhantes na
jurisprudência, verificando-se como tem sido quantificada a indenização, chegando-se a uma média
extraída dos casos catalogados.
Em um segundo momento, após quantificar o valor básico, por exemplo 500 salários-mínimos segundo a
jurisprudência do STJ no caso de homicídio, “passa-se a fixação definitiva da indenização, trabalhando-se
com as circunstâncias do caso para elevar ou diminuir esse montante”.
Nesse momento, o magistrado deve considerar a gravidade do fato em si, a culpa do ofensor, eventual
culpa concorrente da vítima, situação econômica do ofensor etc.
Para o Ministro Sanseverino, a utilização dessa sistemática concretiza, com razoabilidade, a regra do
parágrafo único do art. 953 do CC, procedendo-se ao arbitramento equitativo da indenização.
(SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade Civil no Código Civil de 2002 e a jurisprudência do
STJ . VI Jornada de Direito Civil. Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2013,
p. 75 a 83).
Em suma:
É constitucional o tabelamento para fins de fixação do valor de indenização por dano moral trabalhista
previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Contudo, os montantes elencados na lei não podem ser interpretados como um “teto”, mas apenas
servem como parâmetro para a fundamentação da decisão judicial, de modo a permitir que ela, desde
que devidamente motivada, determine o pagamento de quantias superiores.
STF. Plenário. ADI 6.050/DF, ADI 6.069/DF e ADI 6.082/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgados em
26/06/2023 (Info 1100).
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, em apreciação conjunta, julgou parcialmente
procedentes as ações para conferir interpretação conforme a Constituição e estabelecer que:
i) as redações conferidas aos art. 223-A e 223-B, ambos da CLT, não excluem o direito à reparação por
dano moral indireto ou dano em ricochete (dano reflexo) no âmbito das relações de trabalho, a ser
apreciado nos termos da legislação civil; e
ii) os critérios de quantificação de reparação por dano extrapatrimonial previstos no art. 223-G, caput e §
1º, da CLT, deverão ser observados pelo julgador como orientativos de fundamentação da decisão judicial,
sendo constitucional, porém, o arbitramento judicial do dano em valores superiores aos limites máximos
dispostos nos incisos I a IV do § 1º do art. 223-G, quando consideradas as circunstâncias do caso concreto
e os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da igualdade.
EXERCÍCIOS
Julgue os itens a seguir:
1) É inconstitucional norma de Constituição estadual que determina, em caso de vacância, eleição avulsa para o cargo
de vice-governador pela Assembleia Legislativa. ( )
2) É devido o pagamento de honorários sucumbenciais à Defensoria Pública, quando representa parte vencedora em
demanda ajuizada contra qualquer ente público, inclusive aquele que integra. ( )
3) É constitucional norma estadual que viabiliza a delegação de atividades tipicamente estatais a organizações
voluntárias de natureza privada. ( )
4) É inconstitucional o sequestro de verbas públicas pela autoridade judicial nas hipóteses do § 4º do art. 78 do ADCT,
cuja normatividade veicula regime especial de pagamento de precatórios. ( )
5) É inconstitucional o tabelamento para fins de fixação do valor de indenização por dano moral trabalhista previsto
na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). ( )
Gabarito
1. C 2. C 3. E 4. E 5. E
Citação da fonte:
O Informativo original do STF é uma publicação elaborada Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação da Corte na qual são
divulgados resumos das teses e conclusões dos principais julgamentos realizados pelo STF.
O Informativo comentado do Dizer o Direito tem por objetivo apenas explicar e sistematizar esses julgados. Vale ressaltar que os argumentos expostos
foram construídos nos votos e debates decorrentes dos julgados. Portanto, a autoria das teses e das razões de convencimento são dos Ministros do
STJ e do STF, bem como de sua competente equipe de assessores.
INFORMATIVO STF. Brasília: Supremo Tribunal Federal, Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação. Disponível em:
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