Construcao Da Identidade de Genero e Tra
Construcao Da Identidade de Genero e Tra
Construcao Da Identidade de Genero e Tra
Título
Comissão Científica
Prof. Dr. Almy Junior Cordeiro de Carvalho
Prof.ª Dr.ª Analice de Oliveira Martins
Profa. Dr.ª Annabell Del Real Tamariz
Prof.ª Dr.ª Bianka Pires André
Prof. Dr. Carlos Eduardo B. de Sousa
Prof. Dr. Carlos Henrique Medeiros de Souza
Prof.ª Dr.ª Eliana Crispim F. Luquetti
Prof. Dr. Fermín Alfredo Tang Montané
Prof. Dr. Gerson Tavares do Carmo
Prof. Dr. Gilberto Lourenço Gomes
Prof. Dr. Giovane do Nascimento
Prof. Dr. Julio Cesar Ramos Esteves
Prof. Dr. Leonardo Rogério Miguel
Prof.ª Dr.ª Maria Eugênia Ferreira Totti
Profa. Dr.ª Mylene Nogueira Teixeira
Prof.ª Dr.ª Nadir Francisca Sant’Anna
Prof. Dr. Nilson Sérgio Peres Stahl
Prof. Dr. Pedro Wladimir do Vale Lyra
Prof. Dr. Renato Augusto DaMatta
Prof.ª Dr.ª Rosalee Santos Crespo Istoe
Prof. Dr. Sérgio Arruda de Moura
Prof.ª Dr.ª Vera Lucia Deps
Profa. Dr.ª Verusca Moss Simões dos Reis
Comissão Organizadora
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................... 12
12
PROGRAMAÇÃO GERAL
13
ARTIGOS COMPLETOS DAS APRESENTAÇÕES ORAIS
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GT 01 – Língua, Linguagem e Educação
RESUMO: O ensino de língua portuguesa, especialmente nas últimas décadas, tem ocupado
lugar de destaque nas discussões sobre o desempenho escolar dos alunos. Na expectativa de
formular diretrizes que objetivam orientar o trabalho cotidiano do professor, os Parâmetros
Curriculares Nacionais apresentam uma nova perspectiva centrada em uma concepção
dialógica, social e interacional da linguagem, na qual os textos e os gêneros textuais
assumem papéis principais. Sabemos que, nas escolas, o livro didático funciona como uma
das principais ferramentas de apoio pedagógico, atuando, muitas vezes, como detentor das
atividades e dos conteúdos das aulas. Assim, com o propósito de entrar no universo da
prática escolar, buscamos entender se o trabalho com os gêneros textuais nos livros
didáticos é passível de proporcionar aos alunos uma aproximação com a diversidade textual
que circula no meio social. É nessa perspectiva, e pela necessidade de conhecer o que de
fato vem sendo realizado na sala de aula, que direcionamos a investigação para identificar
quais são os gêneros textuais mais estudados e como ocorre a articulação entre esses
gêneros e os aspectos tipológicos, a fim de observar quais são as capacidades de linguagem
mais evidenciadas. Três coleções indicadas pelo MEC, por meio do Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD), foram selecionadas para o corpus deste estudo. Para o referencial
teórico baseamo-nos nas orientações de Bakhtin (1992; 1997), no interacionismo sócio-
discursivo de Marcuschi (2005; 2008) e nas categorias de agrupamentos dispostos por Dolz e
Schneuwly (2011), além dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (1998).
Palavras-chave: PCN. Gênero textual. Livro didático. Docente.
INTRODUÇÃO
Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa foram elaborados a
partir das reflexões e dos estudos que surgiram como respostas aos modelos estruturais
fundamentados na tradição normativa do ensino da língua e que representavam estagnação
em relação às novas abordagens linguísticas. As ideias pressupõem práticas de ensino em
que o uso da língua seja o ponto de partida e de chegada para a aprendizagem:
[...] as situações didáticas têm como objetivo levar os alunos a pensar sobre
a linguagem para poder compreendê-la e utilizá-la apropriadamente às
situações e aos propósitos definidos. (PCN/EF, 1998, p.19)
15
Ao adotar a concepção de gênero como forma de inclusão e participação ativa do
sujeito na sociedade, evidenciando a importância do discurso no contexto social, os
documentos oficiais, que orientam para outro modo de pensar o ensino da língua materna,
têm permeado muitas discussões no âmbito acadêmico e recebido destaque nas aplicações
pedagógicas.
Apesar de o conceito de gênero não ser recente nas literaturas sobre linguagem e,
em teoria, o texto ser considerado como objeto de ensino de língua materna no Brasil, em
prática ainda é corrente encontrar dificuldades para a sua aplicação, seja por falta de
conhecimento (ou simples resistência a mudanças) seja pelo fato de o documento trazer
diretrizes e não fórmulas prontas, exigindo do professor um nível de letramento suficiente
para inferir do texto propostas para mudar sua prática pedagógica.
Segundo Barbosa (2001, p. 91):
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Os PCN e os gêneros textuais
O trabalho com gêneros no ensino de Língua Portuguesa é relativamente recente e,
no Brasil, foi impulsionado especialmente no final da década de 90, pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) em que se afirma:
Gêneros não são apenas formas. Gêneros são formas de vida, são modos de
ser. São frames para a ação social. São lugares nos quais o sentido é
construído. São ambientes para a aprendizagem. Os gêneros moldam os
pensamentos e as comunicações através das quais interagimos.
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p.35), “o trabalho com gêneros textuais é uma extraordinária oportunidade de se lidar com a
língua em seus mais diversos usos autênticos no dia a dia, pois nada do que fizermos
linguisticamente estará fora de ser feito em algum gênero”.
Nessa perspectiva, a orientação para a prática de ensino no contexto escolar é
proporcionar o desenvolvimento de diferentes habilidades comunicativas a partir da relação
entre texto e contexto e suas implicações sociais, para que os alunos reconheçam a
funcionalidade dos conteúdos e das atividades propostas em sala de aula para a vida.
Convém ratificar, portanto, que o trabalho com a leitura, compreensão e a produção
escrita em língua materna deve ter como meta primordial o desenvolvimento no aluno de
habilidades que façam com que ele tenha capacidade de usar um número sempre maior de
recursos da língua para produzir efeitos de sentido, de forma adequada, a cada situação
específica de interação humana.
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escolares, transformando-os em produtos culturais da escola, servindo apenas como
instrumento de avaliação.
Segundo os autores, para garantir o aspecto comunicativo e a não descaracterização
completa desses gêneros, as situações comunicativas criadas no âmbito da escola devem se
aproximar, o mais possivelmente, das situações reais de comunicação. A questão central
dessa perspectiva é estabelecer sentido, a partir dos gêneros escolhidos, a fim de que os
alunos possam compreender os objetivos, as possibilidades e as regularidades de cada
gênero em particular.
Segundo Dolz e Schneuwly (2011), cada gênero textual possui características
peculiares e apresenta semelhanças nas situações de produção, que são caracterizadas pelas
regularidades linguísticas. Por isso, vislumbrando o processo de ensino e de aprendizagem,
para a construção da proposta curricular, os autores de Genebra propõem o agrupamento
dos gêneros textuais e consideram que, apesar de serem disponibilizadas diversas categorias
de gêneros textuais no agrupamento, cada subgrupo tem em comum o aspecto tipológico
predominante. Assim, cada agrupamento proporciona, predominantemente, o exercício de
determinado segmento tipológico. Para eles, devem ser trabalhados todos os agrupamentos,
sempre abordando crescentes níveis de complexidade, em todos os anos de escolaridade, e
não simplesmente privilegiar uns em detrimento de outros.
Nas escolas brasileiras, porém, os alunos, na maioria das vezes, concluem a Educação
Básica com a ideia de que um texto é apenas narrativo ou apenas descritivo ou apenas
dissertativo. Essa visão reducionista das sequências linguísticas existentes limita o
desenvolvimento da competência discursiva dos alunos, no momento em que “forçam” a
depreensão de características preestabelecidas, ignorando as especificidades dos textos
utilizados no seu cotidiano. Isso se deve, muitas vezes, ao fato do desconhecimento de dois
conceitos importantes e distintos: tipos e gêneros textuais.
Para Marcuschi (2008, p.154), tipologia textual é um termo usado para “designar
uma espécie de sequência teoricamente definida pela natureza linguística de sua
composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas)”. Por outro lado,
gênero textual é definido pelo autor como o texto materializado encontrado no dia a dia e
20
que apresenta características sociocomunicativas definidas pelos conteúdos, propriedades
funcionais e estilo.
Diferentemente dos gêneros, os tipos textuais são limitados – e sem tendência à
ampliação. Por isso, segundo Dolz e Schneuwly (2011), é possível definir cinco aspectos
tipológicos: narrar, relatar, argumentar, expor e descrever ações, entendidos, de acordo com
suas capacidades de linguagem dominantes:
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Didático (PNLD), marcada pela inserção do processo de reutilização e distribuição universal e
gratuita para as escolas públicas de todo o país (FREITAG: COSTA; MOTTA, 1993).
Outra mudança relevante instituída pelo PNLD foi a inclusão da escolha do livro
didático por parte dos professores e demais profissionais ligados à parte pedagógica,
possibilitando a participação dos envolvidos pautada nos aspectos que melhor atendam aos
objetivos propostos para os alunos e para a escola.
O Governo Federal disponibiliza um Guia de livros didáticos, que traz as resenhas e
outros instrumentos de avaliação para orientar a escolha dos docentes. O material
distribuído para as escolas é utilizado por três anos consecutivos, sendo descartado ao final
desse período.
Suscitando opiniões diversas, o livro didático, para o Ministério da Educação, “é um
eficaz instrumento de trabalho tanto para a atividade docente quanto para a aprendizagem
dos alunos. O acesso a esse instrumento contribui para a qualidade da educação básica,
além de promover a inclusão social” (BRASIL, 2007, p.5).
Freitag, Costa e Motta (1993, p.124) afirmam que, para o professor, o livro didático
“não é visto como instrumento auxiliar na sala de aula, mas sim como uma autoridade, a
última instância, o critério absoluto de verdade, o modelo da existência a ser adotado em
classe”. Mas é Batista (2003, p.43) quem traz uma definição mais abrangente sobre o seu
uso:
Sobre as mudanças que ocorreram nos livros didáticos de Língua Portuguesa, Bezerra
(2001) ressalta que, na década de 1960, o trabalho com textos se restringia aos textos
literários consagrados, que eram vistos como um ideário a ser perseguido. Na década
seguinte, começa a apresentar uma estrutura mais sistematizada, porém o entendimento do
texto enquanto elemento decorrente da interação social só começa a aparecer na década de
1980.
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É a partir daí que o livro didático de Língua Portuguesa, pelo menos teoricamente,
aborda o texto nas suas funções sociais. Com a publicação dos PCN (BRASIL, 1998), a
inserção do estudo dos gêneros passou a ser um critério para aprovação do material didático
submetido ao PNLD.
Cabe ressaltar que essa nova abordagem (e exigência) apontada pelos PCN evidencia
uma perspectiva que vai de encontro às práticas de ensino prescritivo-normativas, pois sua
ênfase se dá sobre as atividades sociais da linguagem, com vistas ao aprimoramento das
possibilidades de uso.
Para Rojo (2000), a carga teórica dos PCN é inovadora, mas não se pode ignorar a
questão da formação dos profissionais do magistério. Segundo a autora, as sugestões dos
PCN não são abordadas por grande parte dos cursos de formação inicial e continuada dos
professores de Língua Portuguesa e, por isso, é atribuída ao livro didático a grande
responsabilidade de implementação e transposição das orientações. Daí a sua relevância
para o ensino da língua materna nas escolas brasileiras.
CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
Para embasar este estudo, foram utilizados livros didáticos indicados pelo MEC, por
meio do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), na expectativa de avaliar o conteúdo
sobre gêneros textuais e os aspectos tipológicos abordados nos anos finais do Ensino
Fundamental – 6º ao 9º. O corpus da pesquisa foi composto pelas coleções Jornadas.port,
Para viver juntos/Português e Português: linguagens, que serão identificadas,
respectivamente, por L1, L2 e L3. É pertinente informar que L1 e L3 são da mesma editora.
A análise está organizada em duas etapas. Na primeira, tem-se um inventário da
diversidade dos gêneros que foram identificados e a recorrência de cada um deles. Na
segunda etapa, verificou-se se os gêneros encontrados se enquadram na tipologia das
capacidades de linguagem descritas por Dolz e Schneuwly (2011).
Assim, com o intuito de evidenciar quais são as capacidades de linguagem, atreladas
diretamente aos aspectos tipológicos, evidenciadas nos livros didáticos, por ano de
escolaridade, distribuíram-se os gêneros abordados nos cinco agrupamentos dispostos por
Dolz e Schneuwly (2004): narrar, relatar, argumentar, expor e descrever ações.
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Cabe ressaltar que só serão considerados os gêneros que, segundo os autores
genebrinos, podem ser agrupados. Exclui-se, portanto, o gênero poema (que eles chamam
de poesia), uma vez que “não se pode, absolutamente ser tratado como agrupamento de
gêneros” (p.59). Procedeu-se da mesma forma com o gênero letra de música, por suas
especificidades e semelhanças com o gênero poema.
Para orientar a análise, a partir do levantamento feito, segue a relação dos gêneros
que aparecem nos livros didáticos, por ordem alfabética e com a respectiva indicação de seu
aspecto tipológico, conforme agrupamento proposto por Dolz e Schneuwly (2004).
Ano L1 L2 L3
Narrar (03) Narrar (03) Narrar (02)
6º Relatar (02) Relatar (02) Relatar (03)
Argumentar (01) Argumentar (01) Argumentar (01)
Expor (01) Expor (02) Expor (01)
Descrever ações (0) Descrever ações (0) Descrever ações (0)
7º Narrar (01) Narrar (02) Narrar (01)
Relatar (03) Relatar (02) Relatar (01)
Argumentar (01) Argumentar (02) Argumentar (01)
Expor (01) Expor (01) Expor (01)
Descrever ações (03) Descrever ações (0) Descrever ações (0)
8º Narrar (03) Narrar (02) Narrar (01)
Relatar (01) Relatar (01) Relatar (01)
Argumentar (02) Argumentar (03) Argumentar (02)
Expor (01) Expor (01) Expor (01)
Descrever ações (0) Descrever ações (0) Descrever ações (01)
9º Narrar (03) Narrar (02) Narrar (01)
Relatar (01) Relatar (1) Relatar (01)
Argumentar (02) Argumentar (04) Argumentar (03)
Expor (01) Expor (01) Expor (0)
Descrever ações (01) Descrever ações (0) Descrever ações (0)
Total Narrar (10) Narrar (09) Narrar (05)
por Relatar (07) Relatar (06) Relatar (06)
coleção Argumentar (06) Argumentar (10) Argumentar (07)
Expor (04) Expor (05) Expor (03)
Descrever ações (04) Descrever ações (0) Descrever ações (03)
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Interessante observar que não foram encontrados, nos livros didáticos direcionados
ao 6º ano do Ensino Fundamental, textos do tipo descrever ações, que aborda a capacidade
de linguagem com a finalidade de regulação mútua de comportamento.
Para o 7º ano, o L1 traz nove gêneros textuais, com predominância dos textos do tipo
relatar (03), seguido do descrever ações (02) e apenas um de cada tipo do expor, argumentar
e narrar. Em L2, são sete gêneros distribuídos nos tipos narrar (02), relatar (02), argumentar
(02) e um para o tipo expor. O L3 propõe apenas quatro gêneros para serem trabalhados,
durante este ano de escolaridade, oferecendo um exemplo de gênero para os tipos narrar,
relatar, argumentar e expor. Não encontramos textos do tipo descrever ações em L2 e L3.
A proposta para o 8º ano apresenta o trabalho com sete gêneros no L1 e no L2, com
predominância de tipos diferentes. Em L1, temos a predominância do tipo narrar (03),
seguido do argumentar (02) e um para cada tipo do relatar e do expor. O L2 oferece três
gêneros textuais do tipo argumentar, dois para o narrar e um de cada para os tipos relatar e
expor.
Ao analisarmos a proposta do L3, percebemos que, mais uma vez, é apresentado um
número menor de gêneros (06). Cabe destacar, porém, que além de oferecer exemplos dos
tipos presentes em L1 e L2, também traz dois textos do tipo descrever ações - capacidade da
linguagem que não é abordada pelos primeiros livros analisados.
No 9º ano, a proposta do L1 e do L2 se amplia para oito gêneros textuais, mas
permanece a variação entre o aspecto tipológico predominante. O L1 apresenta três textos
do tipo narrar, seguido de dois do tipo argumentar e oferece um exemplo para os outros
tipos – relatar, expor e descrever ações. O L2 traz como tipo textual predominante o
argumentar (04), seguido do narrar (02) e um para os tipos relatar e expor. Não apresenta
texto do tipo descrever ações.
O L3 mantém a proposta de apresentar menor número de gêneros a serem
trabalhados – cinco para o 9º ano – com predominância para o tipo argumentar (03) e um
tipo para relatar e narrar. Não oferece exemplos para os tipos expor e descrever ações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
27
Acerca dos resultados gerais da pesquisa, verificamos que, de forma assistemática, o
ensino por meio dos gêneros textuais está presente nos livros didáticos do ensino
fundamental. No entanto, ao relacionarmos a distribuição dos gêneros com o agrupamento
proposto por Dolz e Schneuwly (2011), percebemos algumas disparidades, considerando a
sugestão que cada um dos cinco grupos – textos da ordem do narrar, do relatar, do
argumentar, do expor e do descrever ações- sejam trabalhados em todos os níveis de
escolaridade, sem predileção por uma ou outra capacidade de linguagem dominante.
Constatamos que a inserção de gêneros com textos predominantemente dos tipos
narrar e relatar ocorre para todos os anos de escolaridade – 6º ao 9º – com destaque de
maior recorrência para o primeiro tipo, evidenciando uma antiga postura dos livros
didáticos, voltados para textos consagrados, tais como conto, fábula, romance.
Os textos do tipo argumentar ganham maior espaço nos anos finais, reforçando a
crença de que ações como descrever e narrar são mais simples do que argumentar. Essa
incidência intensificada no 8º e no 9º ano tem se ancorado principalmente sob a fórmula de
ensino do gênero redação, ainda muito praticada nas escolas (ANTUNES, 2003).
Os gêneros textuais com aspectos tipológicos predominantemente expositivos são
distribuídos praticamente ao longo de todo o curso, ainda que de forma tímida. Percebe-se,
de forma mais intensa, que os textos de base prescritiva vêm sendo recorrentemente
desprezados pelos autores, revelando a falta de equilíbrio na distribuição dos agrupamentos
de gêneros para cada ano de escolaridade.
Outros fatores chamam a atenção neste estudo. O primeiro é que alguns gêneros
explorados se repetem em todos os anos de escolaridade, contrariando a proposta dos
autores genebrinos de trabalhar com a diversificação dos textos, a fim de possibilitar ao
aluno o conhecimento das especificidades dos diferentes gêneros e tipos, proporcionando
uma construção pautada no confronto, ao longo da escolaridade. Um segundo fator é que os
textos que exploram a oralidade não ganham destaque, corroborando com o senso comum
que considera a prática da fala como secundária, em detrimento da importância que se dá à
escrita.
Por fim, na expectativa de fornecer subsídios para outras reflexões, salientamos que
as considerações dispostas mostram que a preparação do professor para analisar materiais
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didáticos é de extrema relevância e exige critérios diversos, mesmo quando se trata de
material organizado por especialistas e referendado por políticas públicas de ensino.
Acreditamos, portanto, que o conhecimento e o papel do professor são
fundamentais nas escolhas decisivas para a aprendizagem e que o livro didático pode e deve
ser um (mas não o único) aliado nas salas de aula, desde que também sejam exploradas
outras estratégias que favoreçam um ensino de Língua Portuguesa que vise instrumentar os
alunos com as ferramentas necessárias para agir e interagir no meio social.
REFERÊNCIAS
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2003.
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BATISTA, A. A. G. A avaliação dos livros didáticos: para entender o programa nacional do
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29
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VIGOTSKY, V. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
30
A IMPORTÂNCIA DO DOMÍNIO DA ESTRUTURA TEXTUAL COMO BASE PARA A ESCRITA
RESUMO: Este trabalho teve como proposta verificar como tem sido apresentada a
estrutura textual tanto nos livros didáticos como nos materiais técnicos. Este problema foi
identificado por meio de uma enquete realizada em turma em fase de conclusão do curso.
As principais literaturas utilizadas foram: Travaglia (2002), Marcuschi (2008), Santos (2012) e
Carvalho e Souza (1995). Acredita-se que o desconhecimento, ou a falta de consciência do
desconhecimento dos Tipos Textuais, é o elemento que justifica o fato de os docentes dos
anos iniciais não dominarem ou terem insegurança em relação ao seu uso. A importância da
discussão a respeito das questões conceituais desta temática deve-se ao fato de que no dia a
dia escolar grande parte dos professores tem acesso às informações sobre esse e outros
conteúdos principalmente através dos livros didáticos, devido a sua maior facilidade de
acesso. Considerando essa realidade, buscou-se analisar como esses dois conceitos são
apresentados nesses materiais de apoio. A metodologia empregada foi de natureza
qualitativa. Foram selecionados, aleatoriamente, três livros específicos para o ensino de
Redação e três livros didáticos. Os resultados apontaram que além da falta de unidade entre
os teóricos, também foram encontradas inconsistência de informação e confusão conceitual
em livros didáticos de alguns autores como Terra e Nicola (2003), Fiorin e Platão Savioli
(2003), Martos (1988), Carneiro (2001), Pereira (2004).
Palavras-chave: Tipos e gêneros textuais. Leitura. Formação de professores.
31
Práticas que partem do uso possível aos alunos e pretendem provê-los de
oportunidades de conquistarem o uso desejável e eficaz1. Em que a razão
de ser das propostas de leitura e escuta é a compreensão ativa e não a
decodificação e o silêncio. Em que a razão de ser das propostas de uso da
fala e da escrita é a expressão e a comunicação por meio de textos e não a
avaliação da correção do produto. Em que as situações didáticas têm como
objetivo levar os alunos a pensarem sobre a linguagem para poderem
compreendê-la e utilizá-la adequadamente (PCN, 1997, p. 21).
“Que o ensino de língua deva dar-se através dos textos é hoje um consenso tanto
entre os linguistas teóricos como aplicados. Sabidamente, essa é, também, uma prática
comum na escola e orientação central dos PCN” (MARCUSCHI, 2008, p. 51). Mas o problema
não é a rejeição ou aceitação deste postulado, mas se isto é, ou como é colocado em prática.
O que se percebe é que para muitos professores não há clareza sobre como se deve
trabalhar o texto em sala de aula e, diante das dúvidas e incertezas, em muitas escolas, os
docentes ainda continuam desenvolvendo um ensino voltado para concepções tradicionais
da Língua Portuguesa. Desta forma pode se inferir que, primeiramente, criticou-se muito o
ensino tradicional, baseado no estudo de regras e normas gramaticais, mas ao se propor o
ensino da língua por meio da descrição das estruturas linguísticas e da linguística funcional,
muitos professores se sentiram inseguros e, às vezes, despreparados. Consequentemente,
os resultados na sala de aula continuaram ruins.
Embora muitos professores, pesquisadores e instituições venham discutindo e
buscando desenvolver alternativas que motivem e fundamentem uma reorientação do
ensino de língua renovado, de modo a preparar os alunos para as exigências sociais que
surgem a cada dia, aparentemente, essas tentativas ainda não estão surtindo efeitos na
prática, talvez, por serem ações assistemáticas e isoladas. “Sabemos que um problema do
ensino é o tratamento inadequado, para não dizer desastroso, que o texto vem recebendo,
não obstante as muitas alternativas e experimentações que estão sendo hoje tentadas”
(MARCUSCHI, 2008, p. 52). Contudo, o problema, muitas vezes, não está na dificuldade de
acesso aos textos, mas sim na maneira como ele é apresentado ao aluno.
1
Eficácia, no uso da linguagem, refere-se aos efeitos alcançados em relação ao que se pretende. Por exemplo:
convencer o interlocutor por meio de um texto argumentativo, oral ou escrito; fazer rir por meio de uma piada;
etc. (PCN, 1997, p. 21).
32
Quanto a essa inadequação, sabe-se que os textos escolares, sobretudo nas
primeiras series, padecem de problemas de organização linguística e
informacional. Por vezes, eles carecem de coesão, formando um conjunto
de frases soltas e, em outras, a têm em excesso causando enorme volume
de repetições tópicas. Em qualquer dos casos, o resultado será,
evidentemente, um baixo rendimento do aluno. De resto, os textos
escolares revelam ignorância e descompasso em relação à complexidade da
produção oral dos alunos. Ignoram que o aluno já fala (domina a língua)
quando entra na escola (MARCUSCHI, 2008, p. 53).
33
livros didáticos e sobre o ensino e o trabalho com os Gêneros Textuais. Isso, muitas vezes,
faz com que o trabalho com Gêneros Textuais seja mais enfatizado e o ensino dos Tipos
Textuais, muitas vezes, seja deixado em segundo plano.
Desconsidera-se que os Gêneros Textuais surgem a partir da necessidade de
comunicação dos falantes, e que sua base são os Tipos Textuais. Segundo Bakhtin (2003), “a
atividade comunicativa e a constituição dos gêneros, se baseiam em uma forma padrão e
relativamente estável de estruturação dos enunciados”, ou seja, nos Tipos Textuais. Via de
regra, são os Tipos Textuais que possuem “uma forma padrão e relativamente estável”.
Logo, são os Gêneros Textuais que se modificam e surgem modificados de acordo com a
necessidade comunicativa dos interlocutores.
Os estudos a respeito da tipologia textual e suas definições causam certa
incompatibilidade de ideias mesmo entre os estudiosos da língua. Logo, não é de se
estranhar que causem tantas incertezas nos professores, em especial naqueles que lecionam
apenas no Ensino Fundamental I, por exemplo, cuja formação não contempla estudos
aprofundados sobre o ensino de língua materna.
Como afirma Travaglia (2002, p. 202), “quando se trata de texto, tem se encontrado
pouco ou, mais frequentemente, nenhum trabalho mais estruturado no ensino com
tipologia textual”. Ou seja, próprio autor reconhece a pouca literatura a respeito deste tema,
e esta é ainda mais escassa quando relacionada ao processo de ensino. Para Travaglia (op.
cit., p. 202), a maneira estrutural e classificatória é considerada a melhor forma de ensino
dos tipos textuais. O autor apresenta uma visão taxionômica da tipologia textual:
Em resumo, segundo Travaglia (2002, p. 210), o ensino dos Tipos Textuais, mais do
que os Gêneros Textuais, precisa ser trabalhado no ensino de língua materna “não só por
serem fundamentais, mas também por serem pertinentes no que respeita à composição dos
textos em geral”, uma vez que “o tipo é sempre definido pela relação entre propriedades e
34
as marcas formais”. O autor considera que os principais Tipos Textuais a serem trabalhados
são os: descritivos, dissertativos, injuntivos e narrativos.
Para Marcuschi (2008), o trabalho com Tipos Textuais é relativamente limitado. Isso
pode gerar alguns problemas como, por exemplo, especificar o que são textos narrativos, já
que na realidade estes se apresentam de formas diferentes, ou seja, em diferentes gêneros.
Para Marcuschi (2008), são os gêneros textuais que possuem características mais concretas.
Contudo, vale ressaltar que o conhecimento e utilização adequada de cada estrutura textual
pode tornar o texto mais coerente, atingindo assim o objetivo comunicativo de uma maneira
mais consistente, o que auxilia no desenvolvimento da competência comunicativa do
falante.
A partir dessa conceituação, Marcuschi (2008, p. 154) aponta para uma distinção
entre Gêneros Textuais e Tipologias Textuais. Em relação aos tipos textuais, o autor propõe
que “vejamos de maneira mais sistemática como devemos entender os termos que estamos
usando, já que eles raramente são definidos de modo explícito” (grifo nosso).
Apesar de propor esse conceito, o autor afirma que “não devemos imaginar que a
distinção entre Gênero e Tipo Textual forme uma visão dicotômica, pois eles são dois
aspectos constitutivos do funcionamento da língua em situações comunicativas da vida
diária” (MARCUSCHI, 2008, p. 156). A proposta do autor é que não se deve encarar Tipos e
Gêneros Textuais como dicotômicos, mas sim como complementares, ou seja, um não existe
sem o outro, não se pode analisá-los isoladamente, pois eles formam o texto como um todo.
Para Santos (2012), ainda permanece o ensino tradicional dos Tipos Textuais de
maneira dicotômica em relação aos Gêneros Textuais. Proposta essa que, como afirma
Marcuschi (2008, p. 156), não deveria ser praticada, uma vez que estes são
“complementares e integrados”. Santos (2012) também afirma que “ainda é comum que
professores abordem as tipologias como sinônimos de textos, o que é um grave equívoco: os
35
textos são predominantemente organizados conforme uma tipologia, porém em geral mais
de uma aparece na constituição deles”. Um exemplo do que a autora afirma são os
romances, que apesar de serem, na maior parte, constituídos por narrativas, possuem
muitos trechos descritivos.
Em relação aos gêneros textuais, para Travaglia (2008, p. 183), “gênero se caracteriza
por exercer uma função sócio comunicativa específica”. Contudo, o autor ressalta que o uso
do termo “gênero” é por ele utilizado com um conceito diferente de muitos outros na teoria
linguística da classificação dos textos.
Essa diferença na conceituação de Tipos de Gêneros mais uma vez reforça as
convergências e divergências conceituais a respeito dessa temática. Logo, se os próprios
autores criadores das teorias e conceituações não entram em consenso, isso só demonstra
que, de fato, o problema existe e afeta aos professores de Língua Portuguesa.
Mas qual seria o real motivo de se estudar os gêneros?
[...] cada gênero textual tem um propósito bastante claro que o determina
e lhe dá uma esfera de circulação. [...] todos os gêneros têm uma forma e
uma função, bem como um estilo e um conteúdo, mas sua determinação se
dá basicamente pela função e não pela forma (MARCUSCHI, 2008, p.150).
Segundo Santos (op. cit., p. 37) “é na análise, mesclando características dos Gêneros
Textuais e das tipologias, observando como se constituem os textos e que aspectos coesivos
se destacam, que podemos integrar leitura e produção textual”. Para a autora essa é a única
maneira de fazer com que o texto deixe de ser algo abstrato, com a função de ser um objeto
de avaliação do professor para tornar-se uma forma de expressão, de manifestação de
“ideias, emoções, desejos e descobertas dos alunos”.
Desta forma, pode-se inferir que um dos motivos da falta de consistência na
transposição didática deste conhecimento para a sala de aula é a falta de unidade, de
homogeneidade em relação ao conceito e classificação deste tema. Ainda que no Ensino
Fundamental I, por exemplo, os textos mais trabalhados sejam os descritivos e narrativos,
muitas vezes, os professores têm dificuldades em apontar as características de cada um,
pela sua própria falta de conhecimento e falta de unidade entre os autores.
Até o momento, temos que tanto as questões dos conceitos quanto nas questões
didáticas não há consenso de distinção conceitual e a aplicação didática dos Tipos Textuais.
37
falta de unidade entre os teóricos já citados (Marcuschi, Travaglia, Santos, Carvalho e Souza),
também foram encontradas inconsistência de informação e confusão conceitual em livros
didáticos de alguns autores como Terra e Nicola (2003), Fiorin e Platão Savioli (2003), Martos
(1988), Carneiro (2001), Pereira (2004). Também percebeu-se que alguns autores não
utilizam a classificação de tipologia textual, apenas tratam diretamente os temas Narração,
Dissertação, Argumentação e assim por diante.
LIVROS TÉCNICOS:
A figura 1 demonstra, com o livro “Texto em construção: interpretação de texto” de
Agostinho Dias Carneiro, um exemplo de “total confusão” feita em relação à classificação
dos Tipos Textuais. Além de denominar os tipos mais conhecidos descritivo, narrativo e
dissertativo de organização discursiva, o autor cria novas categorias do que ele considera
que sejam os tipos textuais:
38
Figura 1: Livro Técnico 1 - Descrição, Narração e Dissertação como organização discursiva.
Fonte: Livro Técnico “Texto em construção: interpretação de texto”.
39
Também foram encontradas as mesmas “confusões” no sumário do livro “Para
entender o texto – Leitura e Redação”, de Platão & Fiorin, que os autores também não se
comprometeram em classificar a narrativa como um Tipo Textual.
40
Figura 2: Sumário do Livro Técnico 2.
Fonte: Sumário do Livro Técnico “Para entender o texto: leitura e redação”.
41
Figura 3: Sumário do Livro Técnico 3 - Descrição, Narração e Dissertação sem categorização de
tipologia textual.
Fonte: Livro “Técnicas de Redação & Criatividade”
LIVROS DIDÁTICOS
A confusão chega ao ponto de Terra e Nicola (2003, p. 91) denominarem os Tipos de
Gêneros Textuais conforme sumário apresentado na figura 4.
42
Figura 1: Sumário do Livro Didático 1.
Fonte: Sumário do Livro Didático “Práticas de linguagem – Leitura e Produção de textos”.
43
Figura 5: Sumário do Livro Didático 2.
Fonte: Sumário do Livro Didático “Português – na trama do texto”.
44
Neste volume único do Ensino Médio encontramos apenas os Gêneros Literários, na
parte destinada ao estudo de Literatura. Na parte destinada à Redação não há nenhuma
referência ao estudo da estrutura do Texto, ou seja, aos Tipos Textuais.
Neste caso, o autor também se refere aos Tipos Textuais como estrutura, mas não
utiliza a Classificação de Tipos.
45
Diante destas constatações é inegável que mesmo os profissionais que buscam se
inteirar do assunto, mas que não pertencem à área de Letras terão dificuldades em
apreender o conhecimento sobre essa temática e, consequentemente, transmiti-la a seus
educandos.
CONCLUSÃO
Nosso problema inicial era a questão da ênfase no ensino dos Gêneros Textuais e de
sua distinção em relação aos Tipos Textuais. Os resultados demonstraram que para os
sujeitos pesquisados esta distinção não é clara.
A partir da análise comparativa dos dados foi possível perceber que de fato há uma
parcela de desconhecimento ou “confusão” a respeito dos temas Tipos e Gêneros Textuais.
Contudo, isso não ocorre apenas entre estudantes, mas também entre os próprios autores
de materiais didáticos e técnicos, que apesar de serem especialistas no assunto, não entram
em consenso a respeito deste conteúdo.
Esta pesquisa também no permitiu constatar que existe a maior preocupação de se
trabalhar os Gêneros Textuais e, muitas vezes, os Tipos Textuais são deixados em segundo
plano, desconsiderando-se que na verdade eles são a base da construção textual. O estudo
sobre uma melhor didática de apresentação e trabalho com os Tipos Textuais pode indicar
novos caminhos de ensino da produção de textos, incentivando os alunos a desenvolverem
conscientemente suas habilidades linguísticas e consequentemente, de produção textual.
REFERÊNCIAS
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Editorial, 2003.
ANTUNES, Irandé. Língua, texto e ensino: outra escola possível. São Paulo: Parábola
Editorial, 2009.
BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São
Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 261-306.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:
46
introdução aos parâmetros curriculares nacionais / Secretaria de Educação Fundamental,
126 p. – Brasília: MEC/SEF, 1997.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: língua
portuguesa /Secretaria de Educação Fundamental, 144p. – Brasília: MEC/SEF, 1998.
CARNEIRO, Agostinho Dias. Redação em construção. 2ed. São Paulo: Moderna, 2001.
FIORIN, José Luiz e PLATÃO SAVIOLI, Francisco. Para entender o texto: leitura e redação.
16 ed., 6 impressão, São Paulo: Ática, 2003.
MARCUSCHI, L. A. (2010). “Gêneros Textuais: definição e funcionalidade” In DIONÍSIO, Â.
et al. Gêneros Textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São
Paulo: Parábola Editorial, 2008.
MARTOS, Cloder Rivas. Técnicas de redação e criatividade. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1988.
PEREIRA, Helena Bonito. Na trama do texto: língua portuguesa. São Paulo: FTD, 2004.
SANTOS, Leonor Werneck. Análise e produção de textos. São Paulo: Contexto, 2012.
TERRA, Ernani & NICOLA, José. Práticas de Linguagem: leitura e Produção de Textos. São
Paulo: Scipione, 2003.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Tipos, gêneros e subtipos Textuais e o ensino de língua
materna. In: BASTOS, Neusa Barbosa. (Org.). Língua P portuguesa: uma visão em mosaico. 1
ed. São Paulo: EDUC - Editora da PUC/SP, 2002, v., p. 201-214.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Composição tipológica de textos como atividade de formulação
textual. Revista do GELNE, vol. 4, nº 12, p. 29-34, 2002.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gêneros de texto: caracterização e ensino. Luiz Carlos Travaglia,
Luisa Helena Borges Finotti, Elisete Maria Carvalho de Mesquita, Roxane Rojo… [et al.]
(orgs.). Uberlândia: EDUFU, 2008.
47
A CONSTRUÇÃO DOS SABERES E O PIBID: A PESQUISA-AÇÃO NO PROCESSO FORMATIVO
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo discutir os desafios e perspectivas das práticas
formativas, visto que a aprendizagem se torna uma dimensão que as ações sofrem à medida
que o sujeito se envolve em atividades permanentes de pesquisa-ação. Dessa forma buscou
evidenciar de que forma o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID)
contribuiu para formação dos alunos bolsistas do curso de Licenciatura em Pedagogia da
48
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro - UENF. Utilizamos alguns teóricos
como Alarcão (1998), Schön (2000), Freire (2002), Libâneo (2003), Pimenta (2009), Romanelli
(2010), Gatti (2013), Nóvoa (2013). Assim, neste estudo, objetivamos responder a seguinte
questão: de que forma o PIBID/ Pedagogia contribui para a formação docente?
Referente ao modelo de coleta de dados, elegemos a elaboração de um questionário
com 13 (treze) perguntas, aplicado aos bolsistas.
As perguntas tiveram como finalidade: A percepção em relação ao PIBID e como os
bolsistas avaliam o programa; Estabelecer um paralelo das contribuições do PIBID na
formação dos bolsistas e de que forma os bolsistas atribuem ações que auxiliam o
desenvolvimento do subprojeto, levando em consideração um dos objetivos do programa
que seria inovações metodológicas e evidenciar de que forma os bolsistas se legitimam
como futuros docentes, caracterizando um perfil e afirmando uma identidade.
OS SABERES ADQUIRIDOS
Durante o percurso de formação, entram em cena vários desafios para os alunos dos
cursos de licenciatura, a exemplo, como lidar com dilemas escolares, que em muitas das
vezes as literaturas estudadas não abordaram. Além dos contrapontos das vivencias da
realidade de uma sala de aula e enfrentamentos de aprendizagem dos alunos. Essas
questões são sempre discutidas pelos licenciandos no processo de formação. Além dos
confrontos pessoais da escolha certa da profissão. Desta maneira, considerando a
construção dos saberes iniciais em confronto com suas experiências da prática vivenciada,
Pimenta (2009, p.20) aponta que:
50
como modelos da cultura erudita e de formação para a cultura erudita. (p. 38)” e, os saberes
experienciais, baseados em seu trabalho cotidiano e no conhecimento de seu meio. Esses
saberes brotam da experiência e são por ela validados Tardif (2010, p. 39). Assim, ressalta
também:
“[...] alguém que deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu programa,
além de possuir certos conhecimentos relativos às ciências da educação e à
pedagogia e desenvolver um saber prático baseado em sua experiência
cotidiana com os alunos”.
51
No texto de Angott (2010), que delineou um panorama de sínteses de fatores
caracterizados intervenientes, seguidas de observações de cenas de sala de aula de pré-
escola pública em busca de compreensão e análise do trabalho docente. A autora utiliza do
termo “semear”, isto é, o profissional valoriza e reconhece a importância do seu trabalho e
ações, cujo sucesso é o reflexo do planejamento escolar e do compromisso do docente. De
acordo com Angott (2010 p.55),
[...] a ideia de que muitas das conquistas para tal âmbito de ensino
encontram-se no “semear” o trabalho docente, ou seja, que o professor
descubra e busque cuidar da semente do profissional que existe nele
mesmo, pois “tudo principia na própria pessoa”. Tal processo construirá
este profissional de modo que este assuma, como compromisso e
responsabilidade, procedimentos essenciais para a realização de um fazer
intencionado, reflexivo e profícuo.
Através de cenas do cotidiano escolar, a autora ressalta que o professor tem que ter
elementos para análises e reflexões referentes à sua efetivação de seu próprio fazer. Nesse
sentido, observou-se que a prática do professor em sala de aula nem sempre leva em conta
o que foi planejado. Os docentes, muitas vezes, copiam de um ano para o outro os planos de
ensino já idealizados. Segundo Perrenoud (1993, p.21),
Uma boa parte dos atos de ensino não está, deixaram de estar ou nunca
estiveram sob o controle da razão e da escolha deliberada. Por um lado, a
profissão é composta por rotinas que o docente põe em ação de forma
relativamente consciente, mas sem avaliar o seu caráter arbitrário, logo
sem as escolher e controlar verdadeiramente. É a parte de reprodução, de
tradição coletiva retomada por conta própria ou de hábitos pessoais cuja
origem se perde no tempo.
Esse tipo de reflexão pode elucidar a ideia de que as práticas educativas não são as
concretizações de uma teoria aplicada na sala de aula, nem tampouco regras de ação ou
receitas. É muito mais que isso. Além de obedecerem a um conjunto de regras e filosofias
determinadas pelo sistema educacional, são concebidas segundo as concepções que cada
profissional entende possuir.
Dessa forma, a pesquisa-ação é fundamental na formação de professores por
constituir um componente essencial para se atingir aos objetivos visados pela educação,
52
uma vez que é o professor que, em sua prática, concretiza as linhas propostas, além de,
estarem adaptadas à realidade presente na vinculação da escola e sociedade.
Diante disso, os cursos de formação de professores devem propiciar os futuros
docentes enquanto pesquisadores, remetendo o valor da ação desencadeada a partir de sua
prática docente, com a finalidade de atingir mudanças significativas de melhoria da
qualificação profissional e consequentemente educacional.
O professor em seu processo formativo ou em exercício de sua ação docente deve
ser incorporado em sua trajetória um sujeito que reflete sobre suas ações e investiga as
implicações que giram em torno da sua atuação profissional. A pesquisa é uma ferramenta
que possibilita a necessidade de se pensar e repensar a formação docente interagindo com a
realidade, constituindo na construção de via entre o conhecimento e ação.
RESULTADOS DA PESQUISA
A investigação se valeu da aplicação de questionários, organizados da seguinte
forma: todos os integrantes do PIBID foram convidados a responder ao instrumento, no
entanto apenas 16 se dispuseram a participar. Além dos bolsistas, as duas supervisoras do
Programa e as duas orientadoras pedagógicas das escolas parceiras participaram dessa
amostragem.
Observamos que a maior parte dos participantes da amostra são licenciandos da
Pedagogia: 80% com licenciatura e os demais sujeitos são os orientadores e supervisores:
20%.
Constatamos que 19% encontravam-se no segundo período, 25% no quarto período,
6% no quinto período, 31% no sexto período e 19% no oitavo período do curso de
licenciatura em Pedagogia/UENF. Essas informações obtidas demonstram a interação entre
bolsistas em diferentes níveis, permitindo a inserção do bolsista em qualquer período,
possibilitando a troca de experiências, além do estímulo em concluir o curso, uma vez que o
programa possibilita a renovação de participação no projeto.
Ao que corresponde ao ano de inserção no PIBID, vimos que 12% ingressaram em
2010, 35% em 2011 e 53% em 2012 O objetivo foi verificar a participação contínua dos
53
bolsistas no projeto, já que existe uma rotatividade pela oferta ociosa de outras bolsas.
Assim constatamos que muitos bolsistas retornam para o PIBID, foram caso de três deles.
Na composição da primeira pergunta aplicada, apresentamos de que forma os
bolsistas se posicionaram em relação a sua participação no Programa. Mensuramos que 31%
integrantes da amostra possui a percepção que o projeto PIBID dissocia e promove a
integração teoria e prática; e, outros 31% dos sujeitos da pesquisa se posicionaram de forma
a expressarem que o PIBID permite o pleno acesso à realidade escolar; já os demais, 38%
bolsistas da amostra, responderam que o Programa incentiva de fato a atuação docente, que
muitas das vezes, na formação regular, não atinge essa plenitude.
Nas falas dos informantes 01, 06 e 12, observamos que os posicionamentos dos
bolsistas em relação ao incentivo à formação de professores para a Educação Básica e a
valorização do futuro professor estão de acordo com os objetivos propostos pelo Programa,
assim como o redimensionamento das práticas pedagógicas dos docentes e futuros
professores.
Na segunda pergunta do instrumento metodológico: o programa atende as suas
expectativas? Nela, verificamos que das dezesseis respostas dadas, 87% demonstraram que
a sua participação no PIBID contribuíram para seu processo formativo, assim como as
experiências adquiridas no cotidiano escolar contribuem para sua formação. E apenas 13%
falaram que a participação e atuação no subprojeto na escola atendem em parte aos anseios
esperados, pois acreditam que se houvesse mais tempo para a execução das atividades, de
forma mais elaborada e completa, suas experiências seriam mais produtivas. Sabemos que o
tempo ainda não é o que gostaríamos de ter para execução das ações nas instituições, mas
de qualquer forma é um passo em direção à concretização da teoria e da prática no âmbito
escolar.
Nos relatos apresentados pelos informantes, verificamos que os alunos/bolsistas
reconhecem a importância e necessidade da formação além da obrigatoriedade das
disciplinas oferecidas no Curso. Percebemos, também, que esses alunos compartilham a
ideia de que o PIBID promove uma continuidade na formação docente, através da
participação em oficinas, palestras, visitas técnicas e jornadas pedagógicas, que são
oferecidas pela Coordenação Geral do PIBID da subárea do PIBID/ Pedagogia.
54
A terceira questão do questionário proposto: existe no programa pontos que você
considera negativo ou insuficiente? Nessa pergunta, temos os seguintes resultados, 44% dos
bolsistas, responderam que existem pontos negativos e insuficientes do Programa, como a
disponibilização da verba por parte da CAPES, através de convênio com a universidade para
efetuar os gastos de custeio com as ações dos subprojetos, o que de certa forma,
inviabilizava algumas atividades, e na maioria das vezes, os bolsistas juntamente com a
coordenação tinham que buscar outras estratégias a fim de executar as propostas nas
escolas, pois o subprojeto atendia um número expressivo de alunos nessas instituições.
Os outros bolsistas 56% responderam que essa dificuldade não constituía empecilho
para execução das ações, que ao contrário, viam essas como elementos reais do cotidiano e
dos obstáculos da realidade educacional brasileira.
Nas falas dos informantes 05, 07 e 15, que apesar dos enfrentamentos encontrados
pelos bolsistas no seu cotidiano, os mesmos demonstraram preocupação com o ensino no
que consiste a sua atuação e os mecanismos que auxiliam o desenvolvimento do Projeto.
Assim, é importante entendermos que o desempenho dos alunos está intrinsecamente
relacionado com a sua formação, com seu preparo técnico, psicológico, cultural, sociológico,
filosófico, entre outros. Portanto, a eficiência do ensino é atribuída à eficácia do processo de
formação do professor.
Elaboramos a quarta pergunta do questionário visando entender como o bolsista
compreende a contribuição do Programa PIBID na melhoria da atuação docente. A pergunta
era: Você considera que este Programa (PIBID) favorece o desenvolvimento de qualidades
acadêmicas essenciais para a docência? Averiguamos que todos 100% entrevistados foram
unânimes em responder que consideram que o PIBID favorece o desenvolvimento da
docência.
Nas falas dos informantes 06, 09 e 10 percebemos que os bolsistas entendem que o
PIBID contribui para uma formação profissional diferenciada ao introduzir a realidade
escolar, possibilitando, dessa forma, uma ação reflexiva contextualizada com os reais
dilemas e enfrentamentos da conjuntura educacional.
Buscando entender quais eram as ferramentas utilizadas pelos bolsistas para o
desenvolvimento de suas atividades na escola elaboramos a quinta pergunta: Que
55
procedimentos didáticos têm sido utilizados na sua atuação em sala de aula? Evidenciamos
as seguintes ações metodológicas utilizadas pelos bolsistas: 19% responderam que utilizam
os recursos das novas tecnologias, 75% usam e criam jogos, dinâmicas, consulta no site do
MEC, e 6% não responderam a questão. De acordo com as respostas, percebemos o esforço
dos bolsistas em desenvolver propostas didáticas variadas na concretização de suas ações
em sala de aula. Nesse sentido, entendemos que a atuação direta dos bolsistas com os
alunos das escolas parceiras estimula a reflexão da necessidade de se desenvolver novas
ações metodológicas como forma de dinamizar o processo de ensino superando a pedagogia
tradicionalista ainda presentes na sala de aula e, consequentemente, minimizar o fracasso
escolar.
Para melhor entender como os licenciandos percebem as contribuições do PIBID em
seu próprio processo formativo, elaboramos a sexta questão: Como você considera que o
programa contribui para a sua formação? Visualizamos que 81% dos informantes entendem
que a contribuição do PIBID é a oportunidade de exercerem a profissão docente antes do
término do curso e os demais, 19% dos bolsistas, apontam como contribuição a
possibilidade de se integrar a teoria e prática durante o processo formativo.
Os informantes 11 e 15 confirmam como é importante o desenvolvimento de
projetos de valorização da formação do professor que possibilita a integração dos estudos
teóricos com as verdadeiras necessidades da realidade escolar, pois é mediante o processo
de reflexão sobre sua prática dentro da realidade escolar que o futuro professor vai
construir uma proposta pedagógica voltada paras as reais necessidades do contexto escolar.
Na sétima pergunta, indagamos a opinião dos bolsistas sobre as possíveis lacunas que
o PIBID preenche nas escolas. As respostas indicam que do total da amostra 69% licenciados
informaram que as lacunas preenchidas durante o processo de ensino-aprendizagem dizem
respeito à inserção de variados temas na produção de textos, e os outros bolsistas 31%
indicaram o incentivo a leitura como principal contribuição do PIBID.
As respostas dadas dos informantes 8, 6, 9 e 10 demonstram a participação desses
bolsistas no Programa, que se dediquem em contribuir mais no processo de alfabetização e
letramento dos alunos, uma vez que complementam o trabalho didático realizado pelo
professor regente das escolas parceiras no oferecimento de atividades de produção e leitura
56
textual. Essas atividades contribuem na ênfase a variados gêneros textuais que muitas vezes
não são contemplados nas atividades diárias dos alunos.
Formulamos as perguntas a fim de entender melhor a percepção que os integrantes
da pesquisa possuíam do curso de formação no qual estavam ligados. Essas indagações
contextualizam o processo formativo de modo geral, não somente ligado à participação do
aluno no PIBID. Essas questões foram elaboradas, porque compreendemos que o curso em
Licenciatura em Pedagogia da UENF é a primeira etapa de formação inicial e o PIBID é um
dispositivo de iniciação à docência que possui uma perspectiva teórico-metodológica que se
distancia daquela que normalmente visualizamos nos cursos de formação.
Na oitava questão do questionário, buscamos identificar a satisfação dos bolsistas em
realizar a futura profissão. Dessa forma, construímos a seguinte indagação: considera a
docência como uma atividade gratificante para sua realização profissional? De acordo com
as respostas, 87% integrantes da amostra responderam que têm satisfação em desenvolver
a docência como atividade profissional, 13% dos bolsistas relatam que se sentem satisfeitos
somente em alguns momentos.
Averiguamos nessas respostas dadas pelos bolsistas que uma maioria significativa da
amostra está satisfeito em exercer a profissão docente e desenvolver um papel que
contribua com a melhoria da qualidade do ensino em nosso país, oportunizando um
aprendizado significativo com as reais demandas da escola. Estamos cientes que uma das
maneiras do profissional se sentir satisfeito em sua profissão é a valorização. Dessa forma, o
PIBID cumpre seu papel dentro dessa perspectiva, pois um de seus objetivos é valorizar o
profissional docente no desenvolvimento de sua carreira.
Na nona questão, procuramos explorar como o licenciando se sente em relação à
qualidade de ensino que está sendo oferecido a ele pela universidade, e, assim, construímos
a pergunta do questionário da seguinte forma: Em sua opinião, você está tendo uma
formação acadêmica significativa para a realidade escolar? De acordo com os dados
coletados, mensuramos que 94% bolsistas afirmam que estão satisfeitos com o seu processo
formativo e apenas 6% se sentem insatisfeitos em alguns pontos.
No que diz respeito à percepção sobre a formação acadêmica oferecida, os
entrevistados, em sua maioria, apresentam-se satisfeitos tanto na formação inicial como na
57
formação continuada. Esta acontece por meio de cursos e eventos de capacitação. As falas
dos alunos explicitam a importância em integrar os projetos que a Universidade oferece,
entre eles extensão, iniciação científica, monitoria e PIBID, entendendo a participação
nesses eventos como uma forma de colocar em prática as ações estudadas na teoria.
Na décima pergunta, nos voltamos para a percepção dos bolsistas sobre a
importância da formação de professores para atuarem nos anos iniciais do Ensino
Fundamental e fizemos a seguinte indagação: Que grau de importância atribui à formação
do professor que atuará nos primeiros anos iniciais? Evidenciamos com as respostas que
todos os alunos informaram que é necessário investir na formação de professores que
atuarão nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
As respostas dos entrevistados 9, 6, 12 e 5 evidenciam o compromisso que as
universidades têm em formar bons profissionais. O professor responsável pela
aprendizagem nos anos iniciais deve possuir a capacidade de criar estratégias que incentive
as crianças no processo de aprendizagem. Para tanto, sua formação deve estar de acordo
com as atuais teorias de aprendizagem e com a formulação de novas práticas metodológicas.
A décima primeira questão do questionário é um complemento da questão anterior.
Dessa vez, queremos saber qual o nível de formação que o professor, que atuará no primeiro
segmento do Ensino Fundamental, deve possuir para desenvolver um trabalho satisfatório
em relação à qualidade de ensino. Logo, elaboramos a seguinte pergunta: como e onde esse
profissional deve ser formado? Na referida questão, todos os 100% bolsistas foram
unânimes em responder que o profissional para atuação nos primeiros anos iniciais deve ser
formado em universidades comprometidas com a qualidade de ensino.
Os relatos obtidos enfatizam que a Universidade possui um papel de suma relevância
na formação do professor que atuará nos primeiros anos da Educação Básica. Esse tipo de
formação garantirá ao futuro professor uma postura investigativa no exercício da profissão,
além de incorporar em sua prática a reflexão da ação pedagógica. Questões como essas
fazem a diferença na qualidade do ensino que é oferecido nas escolas de Ensino
Fundamental, pois fundamentam as tomadas de decisões por parte do professor sobre a
forma de encaminhar o processo de ensino, transformando o docente de simples executor a
um profissional investigador.
58
Na formulação da décima segunda questão, perguntamos sobre a qualidade da
formação que os alunos do curso de Licenciatura em Pedagogia estavam recebendo. Dessa
forma, obtivemos uma melhor visualização de como categorizam o ensino oferecido pela
Universidade e fizemos a seguinte pergunta: Como você classifica sua formação acadêmica?
De acordo com a resposta, 7% licenciando acha a qualidade do ensino oferecido regular,
31% como excelente e 62% classificam como bom. Com as informações obtidas,
constatamos que os alunos apresentam satisfação com a formação oferecida, além de
afirmarem o desejo de estudar na UENF. Os investimentos em projetos inovadores, a
possibilidades de desenvolver pesquisas remuneradas são alguns pontos que destacamos no
desencadeamento de um sentimento satisfatório em fazer parte de um curso de licenciatura
em uma universidade pública. Destaca-se que o único aluno que respondeu que o ensino
oferecido é regular, não justificou sua resposta.
Na última questão do questionário, voltamos nossa atenção para a importância que
esses alunos dão a articulação entre a teoria e a prática no desenvolvimento de sua
formação. Para isto, formulamos a seguinte indagação: Para atuação docente, você
considera mais importante a teoria ou a prática? De acordo com as respostas, 13%
licenciandos consideram a prática mais relevante que a teoria, e 87% responderam que
ambas são fundamentais e inseparáveis.
Com as respostas, podemos apontar a relevância de oportunizar aos alunos caminhos
que minimizem os principais problemas encontrados nas escolas, a exemplo o pouco
estimulo pelas práticas de leitura e escrita. As respostas apontam que o PIBID contribuiu
para essa ruptura, ressaltando a criatividade e ludicidade dos alunos. As considerações feitas
revelam o nível de suas expectativas, experiências e conhecimentos adquiridos, como
também um sentimento de satisfação da tarefa cumprida, sentimento no qual resgata a
legitimação da construção do saber e a autorreflexão do papel docente.
No aspecto de produções didático-pedagógicas, os bolsistas confeccionaram apostilas
de gêneros textuais na sala de aula como carta, conto, crônica, poesia e outros, em
consonância com os projetos da escola: jogos pedagógicos, produção de textos individuais e
coletivos, realização de dramatizações, mensagens, cartazes, exposição na comunidade
escolar e livro de poesias (Livro com as poesias das crianças impresso pela gráfica artesanal
59
do Núcleo de História Oral e Autoria – LEEL/CCH/UENF, coordenado pelo Professor Doutor
Gerson Tavares do Carmo).
Portanto, a abordagem do relatório técnico-científico de atividades do PIBID do ano
base 2013, elaborado a partir das atividades concretizadas, constitui uma síntese dos
objetivos e dos resultados alcançados a partir das intervenções práticas nas áreas de atuação
do conjunto dos estudantes-professores do subprojeto “Políticas de Língua e de Leitura:
Formando Leitores na Escola”, do PIBID do Curso de Licenciatura em Pedagogia da UENF. A
organização e realização desse Projeto têm como objetivo o exercício da docência,
relacionada com a reflexão crítica sobre a realidade educacional e social vivida nas
comunidades escolares, na qual os alunos bolsistas exercem e/ou irão atuar como docentes
em duas escolas municipais da cidade de Campos dos Goytacazes/RJ.
CONCLUSÃO
Vimos com a presente pesquisa abordar a relevância da formação de professores,
repensar novos conteúdos e, principalmente, novas formas de constituir e consolidar o
processo de formação docente, a fim de inferir e transformar o perfil do educador em
virtude do auxilio na construção e reelaboração do conhecimento. No que remete aos
impactos do PIBID, os resultados apontam que o Programa proporciona experiências como:
aprender a ser professor atuante e reflexivo, uma vez que elaboram e executam aulas
diferenciadas e com riquezas de atividades, quebrando a rotina nas escolas; despertou nos
professores regentes na elaboração de aulas expositivas; aquisição e confecção de materiais
pedagógicos; reativou e movimentou as bibliotecas e obras literárias; executou
frequentemente culminâncias para toda comunidade escolar e os bolsistas participaram e
apresentaram trabalhos científicos em congressos.
Os dados também apontam que a atuação do PIBID nas escolas, contribuiu ainda
para a formação continuada, não só dos bolsistas como também dos professores
supervisores, uma vez que estes participaram de congressos, oficinas e encontros
pedagógicos, introduzindo uma identidade de professor motivador na busca de alcançar os
objetivos do subprojeto. Além disso, as informações direcionam para a necessidade de
ampliação do Programa PIBID no que diz respeito a maior oferta de vagas e de escolas
60
parceiras, enfatizando a criação de projetos que possibilitem a interação entre teoria e
prática.
REFERÊNCIAS
61
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TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2010.
63
ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E A TRANSPOSIÇÃO DOS PCNS ÀS PRÁTICAS DE SALA DE
AULA: ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA
RESUMO: O ensino de Língua Portuguesa tem despertado inúmeros debates acerca dos
gêneros orais e escritos como objetos de ensino nas salas de aula do país. A reforma da
educação propôs uma mudança significativa na maneira como é concebida a disciplina, bem
como deve ser examinada e ensinada. Tais mudanças ganharam voz e sentido com a
chegada de programas e propostas curriculares oficiais brasileiros a partir de 1997 e com a
elaboração e publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Esta pesquisa objetiva
refletir como a transposição dos PCNs às práticas de sala de aula tem se efetivado e se a
constituição desse documento assegurou as mudanças pretendidas, sobretudo no que tange
à organização curricular das escolas, e ainda, sobre a formação inicial e contínua dos
professores para um efetivo ensino de linguagem, que garanta o aumento real das
possibilidades de interação do aluno com a sociedade, implicando maior acesso às
informações e possibilidade de interpretação dessas informações nos contextos sociais onde
estejam inseridos, como preconizam os PCNs. Assim, a fim de refletirmos sobre as práticas
docentes para o ensino de língua portuguesa serviu-nos como aporte a observação do
universo das aulas de cinco turmas de 9°Ano do Ensino Fundamental, de uma escola
municipal, situada no município de Rio das Ostras e questionários aplicados aos professores
e alunos, ainda em fase de análise e tabulação. Valemo-nos dos pressupostos teóricos da
sociolinguística, além das orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua
Portuguesa para fundamentar nossa análise e reflexão, bem como, do suporte teórico de
Bagno (2007), Bakhtin (1953/1979/1992) Bronckart (1998), Dolz e Schneuwly (1996), Geraldi
(2011) e Rojo (2000).
Palavras-chave: PCNS. Linguagem. Práticas docentes em Língua Portuguesa.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A elaboração de documentos oficiais, relacionados ao ensino de Língua Portuguesa,
mais especificamente dos Parâmetros Curriculares Nacionais, coloca-nos o desafio de refletir
sobre as mudanças e ações previstas para o ensino de língua, como essas mudanças podem
potencializar as necessárias transformações para o ensino de linguagem e até que ponto, os
professores têm contribuído para o ensino efetivo de língua materna. Portanto, uma das
discussões mais frequente na área de educação engloba os pressupostos desse documento e
seu reflexo no ensino de língua portuguesa. No que se refere ao ensino de língua, os PCN
64
apresentam propostas de trabalho que valorizam a participação crítica do aluno diante da
sua língua e que mostram as variedades e pluralidades de uso, inerentes a qualquer idioma.
Destaca ainda que a principal razão de qualquer ato de linguagem é a produção de sentido e
para tanto aponta o caminho a ser percorrido nas aulas de língua materna para que se
efetivem tais pressupostos. O documento assim destaca:
65
nas aulas do ensino fundamental e ensino médio. As antigas formas padronizadas sem
significação real na vida do estudante e, sobretudo, o ensino taxonômico e de regras
gramaticais são amplamente questionados. Na prática, o que se deseja, é da perspectiva da
nova LDB e dos PCNs uma real possibilidade de interação do estudante com a sociedade e o
meio ambiente, um aumento do seu poder de análise e crítica como cidadão, implicando
maior acesso às informações e melhor possibilidade de interpretação dessas informações
nos contextos sociais em que estão inseridas.
O presente trabalho de pesquisa propõe analisar o ensino da língua portuguesa sob a
perspectiva da sociolinguística. Observar as atitudes metodológicas que distam da
heterogeneidade linguística reconhecida no cenário escolar, bem como propor a imediata
reconstituição de uma pedagogia centrada no código, para uma segunda, atenta ao código
em uso. Ampliar a capacidade do professor de entender a aquisição do processo de
conhecimento da língua materna não como um processo técnico da gramática, mas aulas
que promovam reflexão sobre língua e linguagem, através das chamadas atividades
epilinguísticas, de modo a permitir o percurso uso→reflexão→uso.
Esta pesquisa faz, portanto, uma reflexão do ensino de língua portuguesa como
prática de linguagem ancorando-se na leitura crítica dos Parâmetros Curriculares e no
trabalho pedagógico com os gêneros textuais a partir de observações práticas do trabalho da
sala de aula numa escola pública do município de Rio das Ostras. Através de amostras
textuais de um determinado grupo de alunos em aquisição e aplicação da língua escrita,
análises das práticas pedagógicas dos professores do ensino público municipal, envolvidos
na pesquisa, e ainda, reflexões sobre as metodologias empregadas para o ensino de língua. A
pesquisa pretende apontar os resultados alcançados a partir do ensino que se propõe à
reflexão linguística e ao funcionamento da linguagem. Corroborar para a consequente
formação de uma nova práxis dos professores do Ensino Fundamental. Para atingir os
objetivos pretende-se buscar através de fichamentos e pesquisas bibliográficas, para
explicitarem os conceitos e pressupostos das vertentes linguísticas: Linguística Funcional e
Sociolinguística, recorrer às orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua
Portuguesa, aproximando teoria e prática aplicadas no contexto de sala de aula.
66
ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA
Desde a introdução da linguística nos cursos de Letras, Brasil afora, os professores
de língua passaram a conviver diariamente com questões relevantes e polêmicas, que
suscitaram grandes discussões acerca do ensino de língua materna, essa preocupação ganha
novo enlevo com a chegada dos parâmetros organizacionais para a disciplina e propõe o
entendimento do binômio língua/linguagem como condição primeira para o trabalho
doravante estabelecido. Segundo Bagno (2002), uma concepção de língua como a que se
propõem tais documentos, percebe a língua como uma atividade social, cujas normas
evoluem segundo mecanismos de autorregulação dos indivíduos e dos grupos em sua
dinâmica histórica de interação entre si e com a realidade, que se opõe a um trabalho
normativo-prescritivo, com uma regulação imposta de cima para baixo. Argumenta que a
não observação das variedades linguísticas no ensino de língua reforça a ideia de erro e
sobre isso Bagno (2002) infere
O ensino de língua materna, assim, passaria a reconhecer cada vez mais e melhor as
variedades sociolinguísticas, para que o espaço de sala de aula deixe de ser o local para o
estudo das variedades de maior prestígio social e da norma padrão, esse, reconhecido
equivocadamente como correto e único. Uma língua idealizada e uniforme dista da realidade
que se apresenta no cenário escolar brasileiro. Professores esbarram-se na dicotomia
implacável de ter que ensinar uma língua que possivelmente não dominam,
reconhecidamente variável e permeada por mudanças. Guedes (2006) chama atenção para
essa mudança de conceber a função do professor de língua diante da urgência de se
repensar as práticas metodológicas para o ensino de língua portuguesa, que contribuiu, ao
longo dos anos, apenas para o ensino metalinguístico e, dessa forma, reafirma a importância
de uma nova identidade para o professor de português e questiona:
67
Na verdade, há muito a função do professor de português não é mais a de
guardião daquela língua que ele não fala nunca falou ─ e na qual raramente
se atreve a escrever: seu trabalho tem-se limitado ao ensino cada vez mais
diluído da metalinguagem da gramática tradicional. Enquanto a escola
recebia, até 1950, apenas alunos que tinham acesso em casa a um
vernáculo menos distante dela, essa metalinguagem ainda ajudava a ler os
clássicos da língua. A partir dos anos 1960, no entanto, quando a escola
passou a incorporar quem até então não tinha tido nenhum acesso a essa
língua (e, menos ainda, a livros) ─ primeiro como alunos e, a seguir como
professores ─ e os clássicos passaram a ser substituídos pelos modernos,
essa gramática perdeu toda referência a qualquer língua ouvida, falada ou
lida na escola (GUEDES, 2006, p.13).
70
UM ENSINO E SUAS TRAJETÓRIAS
Como falar em justiça, inseridos na ingênua crença de que uma educação para a
cidadania, em uma sociedade democrática, pode apenas transmitir valores primordiais às
novas gerações ou, ainda, que a escola pode substituir valores sociais, éticos, políticos e até
linguísticos, este último como objeto de estudo aqui. Quando produz um fracasso, a escola
não está educando para a cidadania. Quando nega a diversidade linguística produz um
fracasso. É nesse intuito que Bagno, (2002) aponta o real objetivo do ensino de língua
materna, numa crítica contumaz ao ensino tradicional que parecia ter apenas dois objetivos:
formar professores de português ou grandes escritores e poetas. Postula que professor
forma-se na universidade e que não existe nenhuma escola capaz de formar escritores,
quase sempre autodidatas. O objetivo da escola, por conseguinte, no que diz respeito à
língua, seria formar cidadãos capazes de se exprimir de modo competente e adequado,
oralmente e por escrito, para que possam se inserir de pleno direito na sociedade e ajudar
na construção e transformação dessa mesma sociedade.
O ensino de língua portuguesa no Brasil sofre felizmente uma nítida fase de
mudanças. As pesquisas linguísticas ganham vulto e são reconhecidas como significativas
contribuições para professores que durante séculos fundamentaram suas práticas em
preceitos da Gramática Tradicional. Fase que subverte uma anterior, quando postulados e
análises linguísticas distanciavam-se da realidade pedagógica das escolas. Em análise feita
por Stubbs (2002), verificou-se também entre professores ingleses, a completa oposição
entre as pesquisas acadêmicas e a prática pedagógica, segundo o autor, muito do trabalho
linguístico acadêmico não estava de modo nenhum numa forma apropriada para ser
adotado com finalidades pedagógicas, seja na formação do professor, seja na sala de aula.
Estimular uma prática pedagógica baseada na reflexão linguística urge em nossos
cursos de formação docente. Não é aleatório que professores sejam mantenedores de
práticas preconceituosas quanto ao uso das variedades linguísticas. Por ocasião de total
despreparo e não reconhecimento da língua como atividade social. A reprodução
automática da norma purista, a desvalorização da linguagem da criança e o entendimento de
que todo desvio na escrita oralizada deve ser considerado erro, acarretaram séculos de
preconceito linguístico. Reconhecer a variação linguística como estímulo ininterrupto à
71
elevação do grau de letramento dos alunos corrobora para uma prática incontestável de que
a língua é o elemento mais importante da cultura de um povo. Recai sobre o professor essa
tarefa. E nesse intuito Bagno (2002) explicita:
Cabe também ao professor de língua apresentar os valores sociais
atribuídos a cada variedade linguística. Como cada um de nós sabe muito
bem, a língua é frequentemente usada na prática da discriminação, da
exclusão social. O preconceito linguístico vivo e atuante é uma realidade
inegável no Brasil (BAGNO, 2002, p.36).
73
uma organização curricular progressiva, e não apenas gradual (COSTA,
2000, p. 73).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A escola precisa rever suas práticas metodológicas em relação ao ensino de língua,
desde as séries iniciais, pois se pode concluir que a linguagem interage com variedades de
textos no cotidiano, compreendendo-os, sem que se faça uso de listas e regras gramaticais.
A produção textual em sala de aula deve abandonar o caráter fragmentado e buscar o papel
de formadora de leitores autônomos, conscientes e críticos. A linguagem precisa receber
status de ciência e a preocupação com erros os gramaticais precisa ocupar novo espaço. O
ensino sistemático da produção escrita de diferentes gêneros, desde as séries iniciais,
permitirá o acesso, o manuseio, a leitura, a produção de diferentes tipos de textos,
garantindo o que o PCNs traz como ideia primeira que é o efetivo trabalho com a análise de
textos, visando à compreensão e produção de um ensino sistemático que demonstre o
conhecimento implícito do gênero. Desta forma, deve ocorrer o respeito às variações
linguísticas das crianças, para que o diferente não seja rotulado de deficiente.
A aquisição da língua escrita deve ser vista como um aprendizado social e os gêneros
construções sócio-históricas que se efetuam no interior das interações da sociedade. Por
isso existe a necessidade de uma intervenção didática sistemática e planejada na
aprendizagem para que a escrita seja construída, pois a mesma não ocorre de modo
espontâneo. Não é preciso negar as regras gramaticais da linguagem elaborada, mas em
uma perspectiva de letramento, a ampliação das experiências com o mundo da escrita e com
as práticas sociais por ela mediadas exige o desenvolvimento de habilidades de leitura e
escrita, pois o trabalho com textos e a exploração da constituição dos gêneros são parcerias
74
inseparáveis, onde a textualidade se manifesta em um gênero textual específico que se
materializam em textos.
Os textos utilizados em sala de aula devem ser objetos de ensino e aprendizagem,
explorados em contextos reais, fazendo sentido para o aluno, que fará várias leituras de
mundo, com condições de reconstruir o seu próprio texto, sem cair na cópia e no exercício
vazio de significado.
É atribuída à escola a tarefa de favorecer o ensino/aprendizagem dos conhecimentos
historicamente construídos pela humanidade, mas também de propiciar o acesso aos bens
culturais elaborados pelos diversos povos, porém o que ela tem feito é esmagar os saberes
socialmente elaborados em objetos de ensino, deixando de formar autores das suas próprias
histórias.
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76
A POLIFONIA NO PROCESSO DE MEDICALIZAÇÃO DE ALIMENTOS: UM RECURSO
DISCURSIVO EM CAPAS DE REVISTAS FEMININAS
INTRODUÇÃO
A publicidade, no intuito de conquistar cada vez mais um público fiel para o que se
propõe a oferecer, tem se mostrado cada vez mais inovadora – o que não é uma grande
novidade. Mesmo sendo esse traço marcante uma constante de tal área, vale a pena
conferir o que em muitos espaços cotidianamente tem sido apresentado. Para isso, a
escolha por variados aspectos tem servido para a construção de suas campanhas; todavia,
para esta pesquisa minha intenção é oferecer um corpus diferente dos tradicionais anúncios
oferecidos nos diferentes veículos midiáticos. Aqui, tomar-se-á um conjunto de capas de
revistas direcionadas ao público feminino e, a partir dele, fazer uma breve reflexão.
Imagine conhecer a si mesmo, como quem assiste em alguma tela, a própria vida
reproduzida em fragmentos?! Isso nos permitiria pensar que somos retratados em páginas
77
publicitárias; ou seja, através de recortes, a publicidade revelaria a nossa narrativa cotidiana.
E, o mais interessante disso, é que nos revelaria a nós mesmos, em diferentes e criativas
páginas da vida.
Nesse sentido, pensar que os anúncios apenas encarregam de vender um produto é
supor a exatidão absoluta dessa mensagem, como se fosse possível a inexistência da
polissemia. Uma simples observação do sistema publicitário já permite pôr em xeque a
função de apenas vender um produto. Nos seus intuitos, a publicidade não se priva de
aplicar uma variada gama de recursos linguísticos e visuais na intenção de não apenas
vender, pois o
78
consumo de comida, esta participa da construção do corpo, não apenas pela sua
materialidade, mas também nos aspectos culturais e simbólicos (CARVALHO, LUZ & PRADO,
2011).
Esse é o contexto que encontramos em várias capas de revistas dirigidas ao público
feminino. Nesses espaços, conquistar um corpo perfeito significa atender a diferentes
exigências da sociedade contemporânea. Para que isso seja possível, ocorre um processo
ainda pouco estudado, denominado medicalização da comida (FREIRE, 2012; FREIRE et al,
2014).
Ao nos depararmos como enunciados como “Perdi 33 kg em 6 meses para ter
coragem de sair de casa com a bolacha caseira que bloqueia a gordura”, poderíamos pensar
se tratar de apenas mais um dos muitos enunciados que se oferecem semanalmente em
capas de revistas a preços bem populares. Todavia, é preciso observar como tudo isso é
construído, a partir de que aspectos podem-se produzir sentidos para o público-leitor.
Um fator favorável para uma boa aceitação por parte de seu público é a linguagem
nas capas empregadas, uma linguagem de fácil compreensão. Segundo Valente (2005, p.
129), ela é de grande a importância para o conteúdo ideológico presente nas escolhas e
produções lexicais presentes nos textos midiáticos. Segundo ele,
79
Vale, portanto, pensar no esforço que os interlocutores realizam a fim de pôr a
linguagem escolhida como sendo capaz de produzir sentidos. Isso se explica pelo fato de o
locutor enunciar em função da existência (real ou virtual) de seu interlocutor, esperando
deste uma reação. Assim, somos capazes de compreender a enunciação pelo fato de a
colocarmos no exercício dialógico dos enunciados, num território de confrontos com aquilo
que informamos ou com conteúdos apresentados por outros usuários da língua.
Nas palavras de Bakhtin (1992, p. 123), o “diálogo no sentido do termo, não constitui,
é claro, senão uma das formas, é verdade que das mais importantes, da interação verbal”.
Todavia, vale considerar tal palavra em um sentido mais amplo, ou seja, não somente como
a comunicação em voz alta, de pessoas postas face a face. Nesse sentido, o autor entende o
diálogo como sendo relações exercidas entre interlocutores, numa atitude histórica
compartilhada socialmente que, mesmo propensa a mutações, resultados de variações do
contexto em que ocorrem, realizam-se em um local e tempo específicos.
Assim, estar atento ao que se apresenta nessas capas significa observar algumas
relações que existem entre os enunciados ali presentes. A partir de que as falas oferecidas
são construídas? Quem naquele espaço fala? Quem tem a intenção de fazer de sua voz um
instrumento de autoridade?
O fato de os textos se apresentarem como dialógicos é resultado de muitas vozes
sociais. Quando essas vozes ou parte delas deixam-se escutar, produzem efeitos de
polifonia. Quanto a isso, Barros (1997, p. 35) explica que cabe aos estudiosos do texto
examinar as estratégias, os procedimentos, os recursos que fazem de um texto
dialogicamente constituído tanto de discursos monofônicos quanto de polifônicos.
Segundo a autora, “há muito a ser feito, muitas possibilidades de polifonia discursiva
a serem examinadas, inúmeros e diversificados procedimentos e estratégias de produção de
efeitos de polifonia e de monofonia discursiva a serem descritos e explicados” (p. 35). Ela
ainda explica que “o homem não só é conhecido através dos textos, como se constrói
enquanto objeto de estudos nos ou por meio dos textos” (p. 28).
Por sua vez, Brait (1997, p. 93) afirma que
Observando, portanto, um conjunto de capas das revistas Sou mais eu! e Viva mais!,
editadas pela Editora Abril no período de 2013 e 2014, conforme anexos, penso que o
oferecimento de um número de enunciados apresentados por leitoras-anunciantes
possibilitam o estudo dos discursos – da publicidade e da medicina, principalmente – na
intenção de identificar traços de polifonia. Entendo que este recurso é resultado da tentativa
de vozes (aparentemente desprovidas de quaisquer conhecimentos científicos) fazerem uso
de um fala de outrem. Assim, para que sejam aceitas suas proposições, tais vozes oferecem
suas experiências a quem deseja alcançar um corpo perfeito.
82
a criação de uma nova tecnologia de poder capaz de controlar os indivíduos
e as populações tornando-os produtivos ao mesmo tempo que inofensivos;
é a descoberta de que, com o objetivo de realizar uma sociedade sadia, a
medicina social esteve, desde a sua constituição ligada ao projeto de
transformação do desviante – sejam quais forem as especificidades que ele
apresente – em um ser normatizado (MACHADO, 1978, p. 156).
A transposição desse conceito para os dias atuais não trouxe alterações que
pudessem desfazer o discurso apresentado a partir dos primeiros anos do século XIX. Luz
(1988), por exemplo, explica que, mesmo que a prática médica venha sofrendo,
historicamente, uma transformação no intuito de se adequar às inovações tecnológicas
ocorridas nesse período, isso não parece ter tirado do médico o prestígio conquistado com o
decorrer do tempo.
Para Camargo Junior (2007), hoje a medicalização é uma complexa rede de formação
de recursos e de práticas ordenadas sob a égide ou hegemonia do modelo biomédico que
tem no médico e no cientista os principais agentes de proposições a fim de prevenir e tratar
doenças. Para ele,
83
leva os indivíduos ao consumo cada vez maior de medicamentos, terapêuticas, insumos,
produtos os mais diversos (CONRAD, 2007).
O que chama a atenção nisso é que após as profundas alterações desde princípios do
século XIX, período em que a saúde dos povos do ocidente se transformou em uma das
referências a fim de atender às exigências da sociedade industrial, os lugares institucionais
em que o discurso médico é construído, apesar de um número de transformações, têm sido
quase sempre os mesmos, isto é, o hospital, o laboratório, a prática privada, assim como a
biblioteca. Entretanto, outros espaços têm se oferecido como apropriados para o processo
de difusão desse tipo de saber. Instrumentos midiáticos, como a TV, o rádio, a imprensa e
internet têm se transformado em lugares de produção e propagação desse tipo de
conhecimento.
ANÁLISE
Ao aplicar narrativas de nossas vidas sobre os produtos a vender, a publicidade faz
uso de uma linguagem bem estruturada, persuasiva e sedutora, explicitando, assim, o
interesse em conquistar o público. Esse pensamento nos leva a crer que a intenção de
qualquer anunciante é ser fazer entendido e, para isso, uma importante preocupação com a
textualidade deve estar sempre presente em seu cotidiano.
Nas palavras de Bauman (2008), o valor mais característico da sociedade de
consumidores é o alcance de uma vida feliz. O sociólogo explica que essa sociedade é
avaliada para o bem ou para o mal, pela felicidade de seus membros, não parecendo ser
uma tarefa tão simples a aproximação entre o discurso da promessa e a realização da
conquista da felicidade, via aquisição de um produto.
E, quando tudo está associado a um produto que não se encontra exposto em
tradicionais prateleiras ou vitrines das inúmeras lojas espalhadas em pequenos ou grandes
centros comerciais?! Pois bem, por vezes o produto é o próprio corpo, conquistado a partir
de um número de sacrifícios, traduzidos em diferentes dietas publicadas em capas de
revistas.
Segundo Fairclough (2001), os textos midiáticos “constituem um barômetro sensível
de transformação social”. Isso revela que, nas inúmeras decisões que o indivíduo precisa
84
tomar durante a sua vida, o corpo apresenta um grande valor significativo, levando-nos a
pensar que haja algum tipo de normatização que, principalmente para a mulher, deverá ser
um norte que determinará não apenas a construção de sua teia de relacionamentos afetivos,
mas também pode significar o processo profissional.
Ao estudar os significados daquilo que o corpo pode representar no meio social,
Mirian Goldenberg (2007) observa que, atualmente, a determinado modelo de corpo é
atribuído um valor, ou seja, algo que se distinga dos demais, tornando-o um corpo
aprisionado a fim de alcançar o que podemos chamar de “boa forma”. Tal constatação se
traduz quando imaginamos que o corpo possa ser visto como uma pedra preciosa, lapidada
ao gosto e às exigências da mídia e do meio social, almejada por indivíduos de quaisquer
classes sociais. Ter e ser essa preciosidade pode significar, como na linguagem popular, “ter
o caminho das pedras” para a ascensão social.
Desse modo, o que pensar então do que observamos nas capas das revistas tomadas
para este estudo? E, o que quando, nos enunciados postos em divulgação, o agente
transformador é a comida/bebida?
Uma constatação é que
86
sociedade assimila. Esse processo deve ocorrer, mesmo que para isso o consumidor tenha
que abdicar de parte de sua personalidade.
Baudrillard (2005), quando discorre sobre a sociedade terapêutica, nos diz de uma
sociedade que, de modo contínuo, se ocupa do corpo e, consequentemente, entende o ser
humano como sendo um doente virtual. Para isso, a publicidade oferece um discurso
altamente terapêutico, com capacidade de prestar ao consumidor uma sensação de bem-
estar. Isso porque, na sociedade capitalista, o princípio da sociedade privada também se
aplica ao corpo, à prática social e à representação social que se tem dele.
A continuar na observação das capas de revistas escolhidas, as leitoras-anunciantes
deixam de modo mais evidente suas narrativas de vida. Para elas, parece que tal conquista
tem um significado além do esperado. Observe:
(7) Perdi 33 kg em 6 meses para ter coragem de sair de casa – Com a bolacha caseira
que tira a gordura. (Sou mais eu!, 2014, Edição 409)
(8) Tomou os chás que acabam com a ansiedade – “Para não sentirem mais dó de
mim, perdi 93 kg”. (Sou mais eu!, 2014, Edição 393)
Se em (7) a leitora, para ter coragem de sair de casa, perdeu 33 kg em um semestre,
em (8) um conjunto de chás foram a solução. No primeiro, a ingestão de bolacha caseira,
conforme a leitora, possibilitou a retirada de gordura do corpo. Já no segundo caso, ela faz
um relato sobre si: “Para não sentirem pena de mim, perdi 93 kg”. E, o que chama muito a
atenção: a leitora informa qual era o provável diagnóstico dos quilos a mais, a ansiedade.
Quando indagamos sobre o que forma os discursos oferecidos nas capas em análise,
devemos crer que outras perguntas se apresentam como consequências. Isso torna
necessário encontrar respostas para indagações como
[...] quem fala? Quem, no conjunto de todos os sujeitos falantes, tem boas
razões para ter esta espécie de linguagem? Quem é seu titular? Quem
recebe dela sua singularidade, seus encantos e de quem, em troca, recebe,
se não sua garantia, pelo menos a presunção de que é verdadeira?
(FOUCAULT, 2008, p. 56).
87
nova expressão desse modelo de medicalização da sociedade. Tal modelo tem sido
declarado por meio de um discurso proveniente de indivíduos que não trazem
características de pertencimento a essas classes de saber. Leitoras se anunciam, relatando
experiências próprias na busca por um ideal de saúde e padrões estético-corporais, bem
como agem como grandes incentivadoras para que outras também adotem suas prescrições
de caráter nutricional/medicamentoso e normas. Tudo isso como se detentoras fossem de
um saber médico científico.
Podemos entender essas revistas como lugares institucionais bem aceitos, espaços
em que o discurso oferecido tem sido concretizado na apresentação de enunciados e fotos
de pessoas comuns da sociedade, leitoras que, após realizarem suas experiências
envolvendo comida/bebida, passam adiante. A tradicional bula, aquela que acompanha as
embalagens de medicamentos comumente comercializados não parece ser o único guia
orientador de como consumir o “medicamento”.
O que se observa é que nesse conjunto de capas, a orientação a ser oferecida não se
restringe a uma única folha – com termos técnicos, com instruções de laboratórios
farmacêuticos. Mas, a prescrição oferece um misto de receita médica e de receita culinária,
com resultados de cunhos biológicos, psíquico, social e cultural. E, tudo isso com uma
linguagem cotidiana, de fácil compreensão.
O espaço em que o discurso é apresentado também facilita sua propagação. Aliás, a
combinação de diferentes gêneros textuais, tipologias predominantemente expositivas,
narrativas e injuntivas proporcionam uma melhor compreensão e aceite por parte do
público-leitor. Assim, por esses caminhos, o conceito de medicalização tem ganhado novos
contornos na sociedade.
Se o discurso biomédico não tem sido difundido exclusivamente por uma voz que,
cientificamente, detém esse saber, há de se pôr em alerta para o que temos observado. Um
número cada vez maior de leitoras de revistas populares tem utilizado a publicidade na
intenção de, não somente difundir seus conhecimentos, bem como para “reivindicar” uma
quota na apropriação desses saberes. Afinal, o fato de ter secado “29 kg com a dieta da
laranja” parece dar voz a uma leitora-anunciante que afirma que tal comida “Diminui o
apetite”, “Reduz a absorção de gordura” e, aliado a tudo isso, tem “Efeito comprovado pela
88
ciência”, dialogando com o saber científico, fazendo dele também sua voz, conforme capa de
Sou Mais eu!, Edição 382.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Se os veículos de comunicação apresentam, por meio de modelos publicitários, uma
imagem corporal daquilo que considera perfeito, não devemos estranhar que, ao lado disso,
cada indivíduo faça de si cobranças por essa tal perfeição. Isso porque cada um entende que
precisa estar em conformidade estética com o que, via mútua influência, acreditam os
discursos publicitário e capitalista.
Há, pois, uma necessidade de estabelecer um diálogo, interação com outros
indivíduos que, provavelmente, tenham alcançado esse estágio de perfeição corporal. Assim,
estabelecer tal comunicação é atender a um perfil de beleza estética não somente sugerido,
mas cobrado pela mídia e pela sociedade. Prova disso é o fato de, a cada semana, uma nova
mulher relatar ter alcançado tal padrão e, a partir daí obter níveis elevados de felicidade,
após utilizar a comida/bebida como meio. Resultado: passou a ser mais bem aceita pela
família, por amigos, por companheiros de trabalho etc.
A partir de seu relato, cada mulher oferece sua dieta como receita para que outras
também alcancem tal ideal de perfeição. O uso de uma voz em lugar de outra parece ganhar
força nas capas postas para estudo. Utiliza-se um discurso que, por apresentar
características de uma fala médica, exibe uma voz não qualificada para tal, a voz de pessoas
comuns, sem conhecimento científico para seu uso.
Devemos buscar, como Geertz (2008), uma interpretação densa desses discursos,
tentando identificar teias simbólicas construídas nesse processo social. Desse modo, recorro
a Foucault (2008, p. 56), ao indagar sobre qual é o status dos indivíduos que têm – e, apenas
eles – o direito regulamentar ou tradicional, juridicamente definido ou espontaneamente
aceito, de proferir semelhante discurso?
É, portanto, em razão disso que também faço referência a Conrad (2007). Para o
sociólogo americano, a medicalização, fenômeno que, classicamente institui crescente
prestígio e poder da profissão médica, dissemina-se na sociedade e ganha novos contornos.
Como ele, também penso que o termo precisa ser melhor conceituado.
89
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91
ANEXOS
92
Sou mais eu!, Edição 371 Sou mais eu!, Edição 377
Sou mais eu!, Edição 384 Sou mais eu!, Edição 393
93
Sou mais eu!, Edição409 Viva mais! Edição 741
94
ALFABETIZAR: A ARTE DE TRANSFORMAR
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo apresentar uma pesquisa bibliográfica qualitativa
e quantitativa em relação às dificuldades encontradas pelas alfabetizadoras do 1º ano
escolar de 8 turmas de uma Escola Estadual de Campos dos Goytacazes-RJ, as quais se
angustiam com a quantidade de crianças que não consegue ler e escrever neste primeiro
ano específico de leitura e escrita. Sendo o espaço de sala de aula o local onde deve haver
constantes interações para a construção da leitura e da escrita, onde os alunos devem ser os
protagonistas e construtores de suas falas e textos, torna-se pertinente uma pesquisa que
busque as causas e possíveis soluções dos entraves que impedem a aquisição deste
constructo. A interação está na base das relações humanas alicerçando e formando a
identidade de cada indivíduo, onde as ações de um são orientadas pelas ações do outro.
Desta forma as pessoas desempenham papeis sociais em decorrência do papel profissional
que desempenham na sociedade. A teoria e a prática não podem caminhar dissociadas,
aumentando a possibilidade de um fazer pedagógico que tenha como objetivo qualidade
educacional. Vivendo em uma sociedade pluricultural, diversificada e midiática, o educador
contemporâneo precisa alfabetizar e letrar o seu aluno de forma simultânea em um
processo notacional. Os principais teóricos utilizados neste trabalho são: Soares
(1989/2011), Freire (1989), Mortatti (2004), Rojo (2010/2012), Bakhitim (2003), Saussure
(2006), dentre outros.
Palavras-chave: Alfabetizar. Letrar. Transformar.
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa é fruto de observações do cotidiano da minha prática pedagógica
enquanto docente do curso Formação de Professores em uma Escola Estadual da cidade de
Campos dos Goytacazes/RJ. Percebi que existe um fato comum em todas as primeiras séries
do Ensino Fundamental I: uma parcela ínfima de crianças consegue aprender a ler e a
escrever no primeiro ano escolar do Ensino Fundamental I.
Este artigo tem como objetivo investigar as dificuldades encontradas pelas
alfabetizadoras do 1º ano escolar de 8 turmas de uma Escola Estadual de Campos dos
Goytacazes/RJ, as quais se angustiam com a quantidade de crianças que não consegue ler e
escrever neste primeiro ano específico de leitura e escrita.
95
Segundo Freire (1989, p. 13) “[...] a leitura da palavra não é apenas precedida pela
leitura do mundo, mas por uma certa forma de “escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, quer dizer,
de transformá-lo através de nossa prática consciente”. A alfabetização deve ser vista como
um ato político, de conhecimento e criador.
Para Mortatti (2004) saber ler e escrever utilizando os conhecimentos adquiridos nas
diferentes situações do cotidiano é hoje necessidade inquestionável para a formação da
cidadania e para a construção do sujeito enquanto ser social, cultural e político.
Este trabalho está estruturado em dois momentos: Alfabetização e letramento:
processos em construção que transformam e formam cidadãos, abordando a importância de
alfabetizar e letrar simultaneamente em um processo notacional como necessidade da
sociedade contemporânea e midiática de hoje e a Pesquisa de Campo, a qual apresenta
gráficos que mostram as possíveis causas do fracasso escolar no 1º ano escolar do Ensino
Fundamental I.
A metodologia utilizada é qualitativa e quantitativa, ao apresentar uma pesquisa
bibliográfica e gráficos com as possíveis causas do fracasso escolar no primeiro ano escolar
do Ensino Fundamental I de uma Escola Estadual da cidade de Campos dos Goytacazes/RJ. O
público alvo é composto de 8 turmas do 1º ano escolar da respectiva escola, 3 turmas do 2º
ano do Ensino Fundamental I e respectivos professores e alunos envolvidos nesse processo.
O referencial teórico utilizado é composto de autores como: Soares (1989/2011),
Freire (1989), Mortatti (2004), Rojo (2010/2012), Bakhitim (2003), Saussure (2006), dentre
outros que muito contribuíram com o abrilhantamento do mesmo.
96
O autor supracitado enfatiza que o fracasso da alfabetização tem sido um mal que
atinge praticamente as crianças pobres, tendo assim a aceitação natural como se esse fato
fosse natural. Ele faz uma comparação com os “sistemas casa grande e senzala de ensino”
porque com a chegada da organização escolar em ciclos ampliou-se a aceitação das
diferenças, onde muitos educadores passaram a achar natural que o processo de
alfabetização se arraste.
Mortatti (2004) afirma que a preocupação com a educação escolar surgiu
inicialmente com reformadores moralistas e religiosos, os quais lutavam contra o que
consideravam “anarquia” da sociedade medieval. Portanto,
97
De acordo com a autora supracitada a frequência às aulas não corresponde a reais
oportunidades de acesso aos saberes, precisam encontrar o apoio necessário para aprender
a ler e a escrever.
Mortatti (2004) afirma que, mesmo após a Constituição de 1934, a qual estabeleceu
a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino primário em quatro anos extensivo aos adultos,
A autora supracitada enfatiza que nesse contexto histórico, a escrita passou a ser
vista como um meio de comunicação e instrumento de linguagem, onde o ensino deve ser
orientado para despertar o interesse da criança e proporcionar um aprendizado eficiente e
funcional, garantindo clareza, legibilidade e rapidez à escrita.
Micotti (2009) destaca que a perspectiva teórica cognitivista–piagetiana fundamenta
a proposta construtivista que se contrapõe ao ensino da escrita como sistema de
representação de significados priorizando o código de transcrição gráfica de sons. É
necessário enfatizar a utilização social da escrita, as leituras de textos, as oportunidades de
as crianças viverem experiências como leitores e escritores, através da diversificação de
textos utilizados em sala de aula. Portanto,
A autora supracitada enfatiza que o que as escolas irão desenvolver com as crianças
vai depender da leitura da nova lei objetivando a prática pedagógica, estabelecendo um jogo
de forças entre as novas e as antigas ideias.
Ferreiro (2001) afirma que o tipo de prática utilizada com a criança apresenta a língua
escrita como um conhecimento que os outros possuem e que só se pode obter da boca dos
98
outros sem nunca ser participante na construção do mesmo. “Há práticas que levam a
pensar que ‘o que existe para se conhecer” já foi estabelecido como um conjunto de coisas
fechado, sagrado, imutável e não-modificável” (FERREIRO, 2001, p. 30-31), levando a criança
a ficar de fora do conhecimento.
Mortatti (2004) enfatiza que de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs), letramento é entendido como produto da participação em práticas sociais que usam
a escrita como sistema simbólico e tecnologia, ou seja, são práticas discursivas que precisam
da escrita para torná-las significativas, mesmo não envolvendo atividades de leitura ou
escrita. Por isso, não existindo grau zero de letramento nas sociedades urbanas modernas, é
impossível não participar de algumas dessas práticas.
Martins (2008) ressalta que muitas pessoas que aprenderam a ler e escrever não se
servem da escrita como forma de comunicação e de expressão. Portanto,
99
escrita, ou seja, inserindo-a em situações reais de uso, transformando-a em uma prática
social e recuperando-a enquanto prática social genuína.
Mello (2007) explica que:
100
De acordo com o autor supracitado é no social que se definem as posições-sujeito
marcadas por mutabilidade, formando e transformando histórias. O discurso é parte
integrante de um jogo de lutas antagônicas entre sujeitos e sociedade, consistindo-se em
processos de produção de subjetividades.
Soares (1989) enfatiza a distinção entre alfabetização e letramento, onde o primeiro
termo corresponde à aquisição de habilidades para ler e escrever, dominando tal tecnologia,
envolvendo conhecimentos e destrezas variados, compreendendo o funcionamento
alfabético, memorizando as convenções, letra e som, dominando o seu traçado, usando
instrumentos como lápis, papel ou outros que os substituam. Já o segundo termo
letramento, relaciona-se ao exercício efetivo e competente daquela tecnologia da escrita,
nas situações em que precisamos ler e produzir textos reais. São opções distintas, mas
inseparáveis, ou seja, ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da
escrita. Portanto,
101
A autora supracitada afirma que a constituição da fala letrada é de grande
importância para a articulação da criança “com e pela linguagem”, passando ao papel de
intérprete do mundo e do outro; e a criança “diante da linguagem”, passando ao papel de
intérprete desse próprio objeto constitutivo.
Soares (1989) destaca que o fracasso escolar, caracterizado pela repetência, não-
aprendizagem, evasão e abandono da escola, representado pela pirâmide educacional
brasileira em seu progressivo afunilamento, ocorre porque as camadas populares são
rejeitadas pela escola. Sendo assim,
[...] não seria a escola a responsável pelo fracasso do aluno; a causa estaria
na ausência, neste, de condições básicas para aprendizagem, condições que
só ocorreriam na presença de determinadas características indispensáveis
ao bom aproveitamento daquilo que a escola oferece. Esta seria
responsável, isto sim, pelo “atendimento às diferenças individuais”, isto é,
por tratar desigualmente os desiguais (SOARES, 1989, p. 10-11).
A autora supracitada afirma que a escola que seria para o povo é contra o mesmo,
pois classifica e hierarquiza os alunos, identificando os bem dotados e superdotados,
enquanto ela deveria adaptar, ajustar os alunos à sociedade, segundo suas aptidões e
características individuais.
Micotti (2009, p. 95) enfatiza que “a leitura, como busca de sentido, é um precioso
instrumento no processo de produção do conhecimento por propiciar o contato do leitor
com diferentes formas de viver e compreender a leitura de mundo”.
Freire (1989) afirma que a leitura sem o verdadeiro adentramento nos textos se
torna mecânica, com memorização sem sentido, perdendo a magia das palavras escritas.
Para Vasconcelos (2012) a escola proporciona múltiplas possibilidades de interação
entre as pessoas envolvidas neste processo, pois o espaço de sala de aula é cenário
privilegiado onde se desenrola o processo de ensino-aprendizagem, fazendo do professor e
do aluno dois atores centrais em constante interação, protagonizando uma cena onde não á
coadjuvantes.
A interação está na base das relações humanas alicerçando e formando a identidade
de cada indivíduo, onde as ações de um são orientadas pelas ações do outro. Desta forma,
102
as pessoas desempenham papéis sociais em decorrência do papel profissional que
desempenham na sociedade.
O educador democrático espera e busca em seu aluno uma atitude autônoma em seu
processo de crescimento e aprendizagens, sendo crítico em relação aos conteúdos
apresentados, inovando a rotina do universo social. Professor e aluno compartilham ações
mútuas, prevendo uma ação equilibrada, dialógica, com objetivos claros sem se perder nos
caminhos a serem percorridos. Assim,
A teoria e a prática não podem caminhar dissociadas, pois uma alimenta a outra,
aumentando a possibilidade de um fazer pedagógico, pautados em uma boa pesquisa e
experiências, almejando qualidade educacional. É necessário também que o professor
conheça bem a realidade da escola onde atua, levantando questionamentos que podem
servir de ponto de partida para uma ação pedagógica mais crítica e comprometida com um
ensino de qualidade.
De acordo com Bakhtin (2003), a linguagem ocupa papel de destaque nas relações
sociais e na nossa sociedade, a participação social é intensamente mediada por texto escrito
e os que dela participam se apropriam não apenas de suas convenções linguísticas, mas,
sobretudo, das práticas sociais em que os diversos gêneros textuais circulam.
Segundo Rojo (2012) a escola precisa de uma proposta pedagógica que inclua em seu
currículo a grande variedade de culturas presentes em sala de aula de um mundo
globalizado, caracterizado pela intolerância na convivência com a diversidade cultural e com
a alteridade. Novas ferramentas de acesso à comunicação e à informação e de agência
social, acarretam novos letramentos de caráter multimodal ou multissemiótico, cunhando
um novo termo ou conceito: multiletramentos.
Saussure (2006) aponta que “o valor linguístico” só poderá ser reconhecido diante da
possibilidade de representar uma ideia justamente na relação que mantém com outros
103
elementos do sistema de que é parte e ainda diante da posição que ocupa no sistema da
língua apontando dois eixos através dos quais a língua efetuaria suas relações visando o
sentido: o eixo das relações sintagmáticas e o eixo das relações associativas. As relações
sintagmáticas seriam as responsáveis por todos os aspectos lineares, desde o
sequenciamento dos fonemas até os aspectos sintáticos de ordenação das frases. Já as
relações paradigmáticas operam, a partir das associações, as escolhas possíveis para compor
o enunciado, determinando aspectos tais como o tempo, o gênero, e todos os paradigmas
que pode haver na língua, inclusive escolhas lexicais. Na língua, só existem diferenças, ou
seja, ela seria um sistema consistido na oposição de elementos, no qual a presença de um
elemento exclui todos os outros. Assim, na língua se opõem os fonemas para formar
morfemas, morfemas para formar vocábulos e, finalmente, vocábulos para formar frases.
Gadotti (2007) enfatiza que a sociedade contemporânea está marcada pela questão
do conhecimento, o qual torna-se peça-chave para entender a própria evolução das
estruturas sociais, políticas e econômicas atuais, tendo em vista que conhecer é construir
categorias de pensamento, lendo o mundo e transformando-o. O acesso do conhecimento
precário gera sociedades com grande atraso educacional.
PESQUISA DE CAMPO
A pesquisa foi realizada em uma Escola Estadual X, nas primeiras séries do Ensino
Fundamental I do ano de 2014, sendo 8 turmas do 1º ano e 3 do 2º ano.
Foi utilizada uma metodologia qualitativa e quantitativa para investigar o
comprometimento da família com a educação dos seus filhos, o nível de aprendizagem
desses alunos, assim como os alunos que não leem, nem escrevem, porém são copistas.
104
Gráfico 1: Descomprometimento da família
Verifica-se neste gráfico que entre 8 turmas, somente duas tem o apoio, a
responsabilidade e o comprometimento da família.
105
vista que a turma 104 e a 108 tem em sua maioria alunos oriundos de outras escolas, onde o
restante veio da mesma escola.
Este gráfico apresenta a turma 104 com 80%, a sua maioria dos alunos, lendo e
escrevendo, lembrando que vieram de outras escolas.
Gráfico 4: Alunos que não leem, nem escrevem, mas são copistas
106
O gráfico acima apresenta 3 turmas do 2º ano do Ensino Fundamental I, as quais
demonstram (41%, 31% e 33%) quantitativos de alunos que não leem, nem escrevem,
porém são copistas. Essa realidade vem demonstrar a necessidade da mudança de práticas
metodológicas nos anos anteriores para a formação de leitores e escritores autônomos.
CONCLUSÃO DA PESQUISA
Após análise dos gráficos, verifica-se que as crianças oriundas da mesma escola não
aprendem a ler e a escrever no mesmo ano que ingressam no 1º ano do Ensino Fundamental
I, devido a uma visão distorcida das propostas pedagógicas utilizadas na Educação Infantil,
ao não reconhecimento dos signos linguísticos no começo do ano, ao descomprometimento
das famílias no desempenho escolar dos seus filhos, produzindo copistas e reprodutores de
códigos, utilizando a escrita como tarefa mecânica e fragmentada.
Observando a 4ª turma dos gráficos, constata-se uma evolução mais eficaz em
relação à aquisição da leitura e da escrita, considerando que vieram de outras escolas e que,
ao chegarem à Escola X, já reconheciam os signos linguísticos, evidenciando-se o nível pré-
silábico na perspectiva piagetiana sobre a teoria da psicogênese da escrita, no começo do
ano letivo.
Outro ponto relevante da pesquisa é acompanhar o produto deste trabalho no 2º
ano formando copistas, os quais angustiam os professores que nem sempre conseguem
reverter esse mal que os acompanham: a não concomitância entre a alfabetização e o
letramento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Proporcionar um ambiente letrado e agradável desde o início da escolaridade, onde a
naturalidade da narrativa e das expressões das crianças nunca seja aprisionada por regras
impostas como “corretas”, favorecendo a desinibição do aluno, possibilitando-lhes o
exercício de uma fluência verbal espontânea, eclodindo o repertório individual a ser
trabalhado em conjunto na alfabetização e no letramento.
Como as classes são compostas de alunos de diferentes origens sociais, de diferentes
hábitos linguísticos, de diferentes valores e comportamentos individuais, o tratamento
107
natural na aceitação das expressões de cada criança contribuirá para acabar com a
desigualdade, estabelecendo uma aceitação própria das diferenças do outro.
Desde a educação infantil, a atividade oral precisa ganhar significação, não se
limitando apenas à criatividade verbal da criança, que se expande nas conversas, discussões
e relatos circunstanciais.
Os métodos que dão ênfase à compreensão da palavra escrita no início da
escolaridade precisam estar respeitando os conhecimentos prévios, em um trabalho
conjunto, dialogal, contribuindo para as trocas recíprocas.
A chave metodológica de todo esse trabalho é compreender que o conhecimento
não é somente o resultado de um trabalho isolado do sujeito, mas fruto interativo de um
processo conflitivo, como melhor caminho para assegurar às crianças a aquisição da leitura e
da escrita dentro do contexto real em que vive, enquanto processo notacional, o qual
assegura as diferenças em uma socialização mais distributiva dos conhecimentos.
A relação que permeia o processo de leitura e escrita não pode ser monaxial e sim
triádica, respeitando a interação do professor e do aluno com o mundo das significações que
os cerca.
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VASCONCELOS, Maria Lúcia. Educação Básica: a formação do professor, relação professor-
aluno, mídia e educação. São Paulo: Contexto, 2012.
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A EXPRESSIVIDADE DOS NEOLOGISMOS EM MARCELO, MARMELO, MARTELO, DE RUTH
ROCHA: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA O ENSINO DE LEITURA
RESUMO: O presente trabalho objetiva apresentar uma análise dos neologismos presentes na
obra Marcelo, marmelo, martelo, de Ruth Rocha, mostrando que tais aspectos gramaticais
podem expressar sentidos de implicitação e com base semântica. Articularemos essa análise
ao ensino de leitura que, infelizmente, em sala de aula, ganha tanta didatização que, em
muitos casos, impossibilita ao aluno o gosto e a apreciação estética. Em todos os níveis
escolares, há metodologias que focam na leitura para memorização de regras, resolução de
exercícios de interpretação ou de informações sobre a história da literatura. Pouco se vê e
faz por um estudo que analise os recursos da língua por meio dos textos literários vistos em
sala. Com base na ideia de que a Estilística é uma disciplina que estuda os recursos
expressivos da língua, intuímos mostrar como um estudo estilístico pode contribuir para o
trabalho de leitura. Para tanto, trazemos uma análise de um romance infanto-juvenil que
pode ser de grande interesse para o grande público do ensino regular de língua materna.
Palavras-chave: Neologismos. Expressividade. Leitura.
INTRODUÇÃO
Na escola, o trabalho de leitura é visto, muitas vezes, como um terreno árido, no qual
os alunos são inseridos sem o menor interesse. Isso pode ocorrer devido às aulas pré-
moldadas e a mecanização das atividades de leitura ou, na maioria dos casos, pelo apego ao
estudo das regras e normas da gramática.
Um dos desafios da escola é justamente fazer com que o aluno aprenda a ler
corretamente, o que se torna uma questão lógica, visto que a aquisição da leitura é
indispensável para que um atue com autonomia nas sociedades letradas.
Quando a leitura só tem um único fim, o de abordar elementos puramente
gramaticais, deixa de lado toda a concepção de literatura, de inferências, da própria
interpretação e, sobretudo, da análise dos recursos estilísticos que fazem da literatura a arte
da palavra.
A leitura na escola, que deveria ser um meio de levar o aluno a ler por fruição, faz
com que este perca o interesse, tornando-o um ser inerte nas aulas de Língua Portuguesa.
Dificilmente, ele chega a um segundo momento da leitura, pois a cobrança passa pelo nível
110
dos elementos da narração e vai até à gramática. Desse modo, o momento em que o aluno
poderia ver os elementos gramaticais ganhando vida no texto literário, ganhando uma
funcionalidade, nunca chega.
Dentro da variedade de conteúdos e ciências que cabem (ou caberiam) dentro das
aulas de Língua Portuguesa, temos a Estilística, como uma das disciplinas voltadas para os
fenômenos da linguagem, cujo objetivo principal é o estudo do estilo. Tal disciplina, por
analisar fenômenos fonético-fonológicos, sintáticos, morfológicos, léxicos e semânticos,
pode ser um instrumento de grande potencial para o ensino de gramática e, sobretudo, para
o ensino da leitura.
Por esse motivo, nossa proposta de trabalho visa a uma análise estilística-
lexicográfica dos neologismos encontrados na obra Marcelo, marmelo, martelo, de Ruth
Rocha.
A escolha pelos neologismos deve-se ao fato de ser, comumente, um elemento
encontrado nos conteúdos programáticos das escolas de ensino fundamental, no entanto,
ensinado de forma “engessada” e “sem atrativos” para o aluno. Tem-se a ideia de
neologismos como “novas palavras encontradas no léxico da língua, que ainda não estão no
dicionário”. A essa definição, somam-se exercícios de identificação dessas novas palavras em
textos de gêneros diversos. A expressividade que tais palavras podem assumir dentro de um
texto não é analisada, o que impossibilita ao aluno compreender as diversas formas de
significação que essas novas palavras podem assumir dentro de um contexto discursivo.
Nesse artigo, trataremos de algumas formas de entendimentos dos neologismos: a
visão da gramática normativa além de uma visão direcionada à estilística. Analisaremos os
neologismos presentes no corpus proposto, mostrando sua expressividade para o texto e,
consequentemente, abrindo um caminho para um ensino de leitura que seja considerado
produtivo e atraente ao estudante.
Para que o trabalho de leitura seja eficiente e que tenha êxito é necessário que, a
princípio, a leitura escolhida seja do interesse do aluno, a fim de que haja o reconhecimento
entre o leitor e o texto. No entanto, não pode ser deixada de lado a qualidade do texto, pois
é nesse quesito que os recursos da língua serão analisados, trabalho direcionado à Estilística.
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Aqui está a relevância desse artigo, pois associa uma análise estilística ao trabalho produtivo
com a leitura.
Assim, um ensino de leitura que não considera o próprio texto literário e suas
especificidades, que o vê como instrumento para aplicação de regras e normas, torna-se um
equívoco no que se refere ao esperado do ensino de leitura nas aulas de Língua Portuguesa
e, pior, configura-se numa perda para o aluno, que não descobre as possibilidades de
emaranhar-se no tecido de sentidos que é o texto literário.
A ESTILÍSTICA
Entendida como uma disciplina que estuda os fenômenos da linguagem no que diz
respeito aos valores expressivos e evocativos, a Estilística surgiu nas primeiras décadas do
século XX, graças a dois mestres que duas grandes correntes de grande importância: Charles
Bally, doutrinador da estilística da língua, e o Leo Spitzer, responsável pela estilística
literária.
Nosso foco aqui nesse artigo será a Estilística Literária. Inaugurada pelo Spitzer, ela
parte da reflexão, de caráter psicologista, sobre os desvios da linguagem de uso comum;
uma emoção, uma alteração do estado psíquico normal causa um afastamento do uso
linguístico normal; um desvio de linguagem usual é, portanto, indício de um estado de
espírito não habitual.
Segundo Martins, a estilística literária possui uma tarefa que é:
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os métodos convenientes para fazer estudos rigorosos do poético
(MARTINS, 2008, 27).
Não há como falar de Estilística sem mencionar um grande expoente dessa ciência no
Brasil: Joaquim Mattoso Câmara Jr. Ao conceituar estilística, Mattoso começa por considerar
a complexidade da linguagem e a dificuldade que as diversas áreas de estudos tiveram para
entender tal fenômeno, que, segundo ele, trata-se de um mecanismo com percepções
multifacetadas. A partir disso, chega-se à ideia de língua contemplada pelo teórico
Ferdinand de Saussure, o qual compreendeu dois aspectos na linguagem: a língua (langue) e
a fala (parole). A língua está muito mais para um sistema organizado. Ela preexiste aos
indivíduos. Entretanto, a personalidade de cada um influencia diretamente nessa matéria
para integrá-la em si. Desse modo, tal sistematização resulta individual. Não é por isso que
teremos cópias, já que toda imitação pressupõe uma escolha, portanto, uma mudança em
relação ao modelo, à forma primária.
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O conjunto de processos responsável pela criação de novas formas lexicais ou
acréscimo de novas acepções a formas já existentes na língua é chamado de neologia. E, as
formas resultantes desses processos e absorvidas pelo léxico são chamadas de neologismos.
Sobre os neologismos, Azeredo os entende como criações vernáculas, que podem ser
de duas naturezas distintas: as formais, ou neologismos morfológicos; e as semânticas,
neologismos semânticos. Na primeira, observam-se as regras produtivas de formação de
palavras: bafômetro, sem-terra, debilóide. Na segunda, palavras já existentes na língua que
assumem outro sentido: laranja (pessoa cujo nome é usado em transações financeiras
ilegais para ocultar a identidade do verdadeiro beneficiário), secar (causar má sorte, azarar).
Entendemos que não basta a criação do neologismo para que ele se torne membro
integrante do acervo lexical de uma língua. Para Alves (2007), é a comunidade linguística,
pelo uso do elemento neológico ou pela sua não-difusão, que decide sobre a integração
dessa nova formação ao idioma. Nesse ponto, encontramos a relação com a Estilística, pois é
a intenção afetiva do falante que definirá o uso por determinada palavra, sendo essa nova
ao léxico ou não. Tratando-se das novas, a carga afetiva será muito mais expressiva e
intencional. O uso frequente do neologismo fará com que este seja, pelos lexicógrafos,
inserido no dicionário da língua. Em muitos casos, há a arbitrariedade, isto é, unidades
léxicas muito usadas são esquecidas e outras, pouco difundidas, chegam a fazer parte dos
dicionários.
Alves apresenta-nos outras classificações dos neologismos. Aqui, vamos esboçá-las a
fim de aclarar nossa análise posterior. A princípio, três classes são apresentadas e depois
esclarecidas: neologismos fonológicos, neologismos sintáticos e neologismos semânticos.
Neologismos fonológicos- supõe a criação de um item léxico cujo significante seja
totalmente inédito, ou seja, tenha sido criado sem base em nenhuma palavra já existente. A
criação onomatopaica, por exemplo, está calcada em significantes inéditos. Entretanto, a
formação de palavras onomatopaicas não é totalmente arbitrária, visto que ela se baseia
numa relação entre a unidade léxica criada e certos ruídos e gritos. Exemplos: tchurma
(turma), xou (show).
Neologismos sintáticos- assim são denominados porque a combinação dos seus
membros constituintes não está embasada somente no âmbito lexical (junção de um afixo a
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uma base), porém, concerne também ao nível frásico: o acréscimo de sufixos pode alterar a
classe gramatical da palavra-base; a composição tem caráter coordenativo e subordinativo;
os integrantes da composição sintagmática e acronímica constituem frásicos com o valor de
uma unidade lexical.
Diante disso, temos:
Derivação prefixal- Ao unir-se a uma base, o prefixo exerce a função de acrescentar-
lhe variados significados. Dentre os prefixos de caráter negativo e opositivo, por exemplo,
temos anti- e não- revelam-se os mais fecundos quanto à formação de nas palavras: anti-
sionista2; não-hóspedes; não-sucessão; não inglesa.
Derivação sufixal- Por meio dela, o sufixo, elemento de caráter não-autônomo e
recorrente, atribui à palavra-base a que se associa uma ideia acessória e, com frequência,
altera-lhe a classe gramatical: Achistas, brizolistas, favelização, tropicalidade, papalizar.
Composição- o processo de composição implica a justaposição de bases autônomas
ou não-autônomas: pinta-preta, média-metragem, operação caça-fantasma.
Neologismos semânticos- a neologia semântica revela-se de diferentes maneiras. O
neologismo semântico mais usual ocorre quando se verifica uma mudança no conjunto dos
semas referentes a uma unidade léxica. Por meio dos processos estilísticos da metáfora, da
metonímia, da sinédoque, vários significados podem ser atribuídos a uma base formal e
transformam-na em novos itens lexicais: “De acordo com o grau de desespero de quem
contrata o ‘piloto’ (pessoa que faz prova por terceiros), o preço de uma prova chega a
superar NCz$ 20,00”. Aqui, a palavra ‘piloto’ assume outro significado dentro do contexto
em que está inserido.
ANÁLISE
Marcelo, marmelo, martelo é um livro em que Ruth Rocha conta a história do
pequeno Marcelo, um menino curioso que vivia fazendo perguntas sobre tudo a todo
mundo. Dentre suas maiores curiosidades, o motivo das coisas terem os nomes que têm era
o que mais o inquietava: “Por que me chamo Marcelo?” “Por que não escolheram meu
nome martelo?”, “Por que a mesa se chama mesa?”, dentre outras diversas. O
2
Exemplos tirados de Alves (2007).
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questionamento sobre o significado das palavras, associado às coisas existentes, significante-
significado, é a característica mais interessante da obra, que a faz ser mais do que uma obra
direcionada ao público dos novos leitores.
Não conformado com o nome de muitas coisas que continha em seu cotidiano,
Marcelo começou a criar novas palavras para designar tais coisas. Essas novas formas de
significar, de nomear certos objetos, está relacionada à funcionalidade que Marcelo
encontra em tal objeto. Partindo da funcionalidade, ele dar um nome ao objeto, criando
novas palavras, motivo que, ao final da história, dificultará sua comunicação com as pessoas
que convivem com ele.
Inserida na literatura infanto-juvenil, essa edição em estudo está composta de três
histórias: Marcelo, marmelo, martelo; Teresinha e Gabriela e O dono da bola. Nosso estudo
se fixará somente no primeiro texto.
A obra aqui estudada apresenta qualidade linguística e reconhecida qualidade
literária. O discurso apresentado no texto assenta-se sob bases tradicionais da língua, mas
permanece revitalizado por enfoque linguístico inovador, antenado a um mundo em
constante mudança, como também mutável é a própria língua.
A autora que se encaixa nesse perfil pode ser considerada uma verdadeira artífice
das palavras, trabalhando-as artesanalmente, garimpando, na infinita gama de
possibilidades linguísticas, aquelas que vão instaurar, via ficção, o toque mágico que abrirá
corações e mentes. Busca uma renovação constante, dinamizando a língua, explorando-lhe
ao máximo as potencialidades, as suas diversas realizações.
Nossa análise terá como principal foco de estudo as palavras criadas por Marcelo.
Aqui, analisaremos todas quanto sua formação, atentando para a expressividade que cada
uma traz para o entendimento da obra e, sobretudo, para a noção de neologia muito bem
apresentada nessa obra infanto-juvenil.
Durante toda a narrativa, observamos a presença de dezesseis entradas que
consideramos novas palavras, neologismos. A fim de didatizar nossa análise, apresentamos
tais palavras abaixo, com suas respectivas significações. Em seguida, trabalharemos seus
processos de formação mais detalhadamente:
[1] “latim” – língua (idioma) do cachorro – pág. 10
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[2] “sentador” – cadeira – pág. 13
[3] “cabeceiro” – travesseiro – pág. 13
[4] “mexedor” – colher – pág. 14
[5] “suco de vaca” – leite – pág. 14
[6] “suco de vaqueira”- leiteira – pág. 14
[7] “puxadeiro” – cavalo/burro – pág. 18
[8] “carregadeira” – carroça – pág. 18
[9] “possuidor” – dono – pág. 18
[10] “Bom solário” – Bom dia – pág. 20
[11] “Bom lunário” – Boa noite – pág 20
[12] “Moradeira” – casa do cachorro – pág. 21
[13] “Latildo” – nome do cachorro – pág. 21
[14] “embrasar” – pegar fogo – pág. 22
[15] “entradeira” – porta de entrada – pág. 24
[16] “cobridor” – telhado – pág. 24
Como dito anteriormente, todos os neologismos encontrados podem ser
considerados de base semântica. Em muitos casos, Marcelo parte da funcionalidade do
objeto para criar seu novo nome. O exemplo [1] é característico do neologismo semântico. A
palavra já existe no léxico da língua, mas amplia-se em um novo significado. E aqui, tal
significado é associado com o som que o cachorro faz (latido) mais o seu próprio idioma,
segundo a criatividade de Marcelo.
Os exemplos [2], [3], [4] e [7] possuem formação em comum. Tais neologismos são
formados a partir da derivação sufixal. Para o objeto cadeira, Marcelo associou a base do
verbo sentar mais o sufixo dor, indicador de lugar onde, ou por onde. Aqui, observa-se,
claramente, a questão do sentido para cada palavra criada, do sentido somado à
funcionalidade.
Os exemplos [5] e [6] possuem uma formação relacionada à composição. Para leite,
por exemplo, juntou-se três palavras: suco + de + vaca. Se suco é o extrato líquido oriundo
das frutas, porque o líquido que sai da vaca não pode ser chamado de suco também?
Pensamento que consideramos tido por Marcelo, relacionado também à semântica.
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Outros exemplos cujo processo de formação é a composição são os [10] e [11]. Esses,
no entanto, são formados também por um processo de sufixação. Dentro da composição de
duas palavras, indicadoras de cumprimentos, na segunda palavra há uma sufixação: solário –
base: sol, sufixo: ário; lunário – base: lun (luna: lua), sufixo: ário. Os cumprimentos são
relacionados aos astros que representam a fase do dia.
Nos exemplos [8], [12] e [15], temos a presença da derivação sufixal mais uma vez.
Neles, há a ideia da funcionalidade do objeto logo na palavra-base: carroça – carregar; casa
do cachorro - Morar; porta – entrada. Às bases, juntou-se o sufixo –eiró, indicando lugar
onde.
Por fim, analisamos o exemplo [13], o nome do animal de estimação de Marcelo. Um
neologismo formado por uma derivação sufixal. Tem como base o verbo latir, característico
do animal que ele possui, e como sufixo –ildo, sufixo comum aos nomes de pessoas:
Ivanildo, por exemplo. O sufixo deu à palavra a característica de nome próprio, e a base,
verbo específico do animal cachorro, somou a ideia de nome de cachorro. Mais uma vez,
vemos que os neologismos aqui apresentados, mesmo que possuam aspectos sintáticos, têm
como base o sentido, a funcionalidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo teve como objetivo analisar os neologismos presentes na obra literária
Marcelo, marmelo, martelo, de Ruth Rocha. Nossa principal intenção não é somente
entender o neologismo como novas palavras criadas pelo falante da língua, mas, também,
mostrar que esse aspecto da língua pode ser muito expressivo dentro de uma obra literária
e, sobretudo, servir de ponto de interesse nas aulas de leitura, a fim de mostrar ao
estudante que a língua que ele utiliza para se comunicar também pode servir para encantar,
para criar, para fazer pensar sobre a vida e o seu cotidiano.
Entendemos os neologismos em suas diversas possibilidades de formação,
mostrando que mesmo tendo, às vezes, bases sintático-fonológicas, sua formação está
baseada no sentido. Isso foi mostrado muito bem pelo personagem da obra analisada, que
partia da funcionalidade dos objetos para criar seus novos nomes.
Esse trabalho ganha importância para as aulas de língua materna que estão
divorciadas das “decorebas” e memorização gratuita de regras e normas da gramática. Para
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os professores que intencionam uma aula de língua que seja produtiva, que apresente ao
aluno a língua em suas diversas possibilidades, estudar o neologismo como aspectos
estilísticos imbricados é uma proposta vai além do texto como pretexto.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Ieda Maria. Neologismo: criação lexical. São Paulo: Ática, 2007.
AZEREDO, José Carlos de. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo:
Publifolha, 2008.
MARTINS, Nilce Sant’Anna. Introdução à Estilística. São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 2008.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa.
Secretaria da Educação Fundamental. 3ª ed. Brasília: A Secretaria, 2001.
ROCHA, Ruth. Marcelo, marmelo, martelo. São Paulo: Moderna, 2011.
SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. 6ª ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.
120
A PRODUTIVIDADE EXPRESSIVA DAS CONSTRUÇÕES FRASAIS EM “A CEIA” DE LYGIA
FAGUNDES TELLES
RESUMO: Este artigo analisa o conto “A Ceia”, da escritora paulista Lygia Fagundes Telles, e
demonstra como a escolha por determinadas estruturas frasais contribui para a produção de
sentidos, garantindo o tom emocional que o texto apresenta. Essa posição sustenta-se nos
estudos sobre a frase e suas modalidades do professor Gladstone Chaves de Melo, reunidos
no Ensaio de estilística da língua portuguesa, capítulo XII. Ante os vários recursos expressivos
presentes no gênero discursivo conto, propõe-se uma análise das estruturas frasais, que se
tornam cada vez mais importantes nos estudo dos efeitos de sentido vinculados ao texto.
Situando-se no campo da estilística sintática, ou seja, numa abordagem qualitativa, serão
verificadas as estruturas das frases e o impacto que estas promovem à sequência narrativa.
O trabalho torna-se relevante, pois mostra como a opção pelas chamadas “frases
inorgânicas” contribui para garantir a expressividade buscada pelo autor. Além disso,
contemplam-se as sequências “organizadas”, verificando a produtividade das possíveis
combinações das frases-orações, seguindo os três processos sintáticos: coordenação (ou
parataxe), subordinação (ou hipotaxe) e a correlação.
PALAVRAS-CHAVE: Estilística. Frase. Sintaxe.
INTRODUÇÃO
Quando se pensa em trabalhar a construção de sentidos, em geral, centra-se nas
observações sobre a palavra. Entretanto, sabe-se que uma frase pode exprimir diferentes
mensagens: um simples “Que dia!” pode ser uma expressão que mostra o quanto o dia foi
agitado, estressante ou, ainda, uma exclamação positiva, indicando que foi divertido, que
ficará marcado como um bom momento. A sintaxe, sistema de ordenação dos elementos
linguísticos na frase, oferece variadas possibilidades de organização e elaboração das
sentenças. Por esse motivo, pode ser considerada um campo fértil para o estudo estilístico.
Segundo o professor Sílvio Elia (1978), “o estilo é o máximo de efeito expressivo que se
consegue obter dentro das possibilidades da língua”. O efeito estilístico resulta não raro da
singularidade, do desvio em relação ao padrão normativo e da escolha diante das
virtualidades oferecidas pelo sistema. Neste trabalho, discutiremos como a opção por
determinadas estruturas frasais é capaz de garantir estilo a uma obra literária. O corpus
privilegiará o gênero discursivo conto, uma narrativa curta, o que não significa dizer que seja
mais simples do que os outros tipos, pois é necessário que o escritor tenha muita habilidade
121
com a língua escrita para conseguir condensar conflito, tempo, espaço e reduzir o número
de personagens. Moacyr Scliar, um dos escritores mais representativos da literatura
brasileira contemporânea, numa entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo, em
quatro de fevereiro de 1996, disse:
Eu valorizo mais o conto como forma literária. Em termos de criação, o conto exige
muito mais do que o romance... Eu me lembro de vários romances em que pulei pedaços,
trechos muito chatos. Já o conto não tem meio termo, ou é bom ou é ruim. É um desafio
fantástico. As limitações do conto estão associadas ao fato de ser um gênero curto, que as
pessoas ligam a uma ideia de facilidade; é por isso que todo escritor começa contista.
A opção por um texto da Lygia Fagundes Telles deu-se a partir do momento em que
se levaram em conta essas considerações. A escritora consegue manter o ritmo e a tensão
do enredo, permitindo que o leitor experimente diversas sensações durante a leitura. Isso só
se torna possível a partir da linguagem e é justamente esse resultado que servirá de matéria-
prima para as reflexões desenvolvidas neste estudo.
Parte-se de uma breve revisão das contribuições do professor Gladstone Chaves de
Melo sobre a frase e suas modalidades, sem se limitar às postulações meramente
gramaticais, pois o que cabe à estilística é o estudo da língua afetiva. O objetivo é mostrar
como as frases inorgânicas e organizadas se articulam ao todo do texto a fim de passar para
o leitor toda a dinamicidade e emoção do acontecimento narrado. Os ensinamentos do
professor Claudio Cezar Henriques, grande estudioso da estilística sintática, não poderiam
deixar de ser contemplados nesta pesquisa. O trabalho finaliza com algumas considerações a
respeito das contribuições da estilística sintática para o estudo dos textos.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Ao abrir o capítulo XII do Ensaio de estilística da língua portuguesa, Gladstone Chaves
de Melo (1976:121) diz que “não é pacífico o conceito de frase”. É bem verdade que, ao
tentar conceituar e limitar uma frase, muitos autores utilizam critérios meramente fônicos,
como uma pausa bem definida. Entretanto, o conceito semântico não pode ser deixado de
lado, é o próprio professor quem nos ensina que toda frase “deve conter uma ideia
concluída”, ou seja, trata-se de um enunciado com sentido completo. Durante todo o ensino
122
escolar, seja no fundamental ou no médio, os professores costumam dizer que “toda oração
é uma frase, mas nem toda frase é uma oração”. Gladstone também trabalha essa questão
em seu texto, apresentando um exemplo muito esclarecedor tirado de uma obra de
Machado de Assis, assim, ele consegue mostrar que nem toda oração possui significação
plena, portanto, não deveria ser entendida como frase. Vamos considerar, aqui, frase como
um enunciado de sentido completo, marcado por uma pausa bem definida, ou seja, vamos
unir os critérios fônico e semântico.
Primeiramente, deve-se pensar no conceito de frase. Uma sentença não precisa,
necessariamente, possuir uma combinação de variados elementos gramaticais. Há frases,
por exemplo, compostas por uma simples interjeição, como “heim?”, “Ui!”. Nesses casos, a
condição de frase se dá pelo significado e não por categorias gramaticais ou relações entre
orações. O falante a constrói de acordo com a necessidade comunicativa, assim, em uma
situação de emergência, por exemplo, dificilmente teremos construções organizadas, do tipo
que contém sujeito e predicado bem definidos. Ainda no texto do Professor Gladstone
(1976:122), encontramos os seguintes exemplos: “Socorro!”; “Fogo!”, “Ladrões!”. De fato,
cada uma dessas exclamações se refere a um tipo de frase organizada. O primeiro caso
poderia ser transcrito da seguinte forma: “prestem-me socorro!”. É nítido que a carga
emocional do primeiro caso é bem maior que na frase organizada, o tom de emergência é
mantido pela velocidade da elocução. Observa-se, também, o forte papel desempenhado
pela exclamação. A palavra socorro, sem qualquer sinalização de tonicidade, representaria
um vocábulo solto. Em todos os casos apresentados, ligados à palavra, temos o aspecto
fonético e o contexto colaborando para a construção de sentido. As construções que não
apresentam sujeito e predicado bem definidos são chamadas de frases inorgânicas ou frase-
ideia e, somadas a ela, temos as noções de “direma” e “monorema”, conceitos propostos
por Sechehaye. Quando conseguimos expressar um significado completo a partir de um só
termo, temos um monorema. É o que ocorre em “Fogo!”, “Ladrão!”. Entretanto, até mesmo
frases formadas por mais de uma palavra podem constituir monoremas, como é o caso de
“meu carro!” (significando “roubado”, “batido”, “rebocado””). Já os diremas seriam
construções duais sem ligação sintática. Frases do tipo: “minha mala, roubada!”, “morto,
meu filho!” são exemplos claros de diremas. Apesar de muito comum na língua oral, a
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“frase-ideia” também aparece em alguns gêneros discursivos, principalmente nas sequências
narrativas. Recorrendo a ela, o autor consegue expressar o emocional de uma personagem
e, consequentemente, garante o tom expressivo de sua obra. No discurso direto, por
exemplo, em que há uma dinamicidade maior , as frases inorgânicas cumprem um papel
muito importante, pois podem traduzir variadas sensações, emoções e expressões das
personagens sem a necessidade de grandes explicações ou o uso de períodos complexos.
Assim, a velocidade da narrativa se mantém e o leitor acompanha todas as alterações
emocionais que possam ocorrer ao longo dos diálogos.
É possível, também, criar estruturas expressivas ou emotivas a partir de uma frase do
tipo organizada, que pode ser desdobrada em nominal ou verbal. Na primeira, temos um
verbo esvaziado semanticamente. Segundo Gladstone (1976:129), podemos chama-los de
“liames verbais”, pois são simples conectivos dotados de características verbais, como
tempo e pessoa. É interessante verificar que a língua portuguesa possui uma variedade de
verbos desse tipo e cada um deles é capaz de esboçar um aspecto diferente. Essas
construções podem ser usadas em sequências do tipo estáticas, descrições, ambientações
ou, até mesmo, para relatar o caráter psicológico das personagens. As frases verbais, por sua
vez, possuem como núcleo um sintagma verbal dotado de uma semântica de ação, ou seja,
representam um processo. São dotadas de dinamicidade e podem trazer certo ar
cinematográfico ao texto, marcando mudanças temporais e ações das personagens.
As estruturas organizadas também são chamadas de frases-orações e podem se
combinar de diversas maneiras, seguindo três processos sintáticos distintos, que são
chamados de coordenação (ou parataxe); subordinação (ou hipotaxe) e correlação.
Normalmente, na oralidade esses processos podem se relacionar, pois o falante possui total
liberdade de criação. Já no texto escrito, a organização dos períodos é fundamental na
construção do “macro”, ou seja, do produto final que é o próprio texto. Pensando no
processo de seleção e combinação, a escolha da frase e do tipo de processo privilegiado na
organização dos períodos, certamente, resultará em uma forte marca de estilo de um
determinado autor. O professor Cláudio Cézar Henriques, em seu artigo Revendo a estilística
sintática, diz: “A decisão sobre as estruturas que devem figurar num período dependem
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muito do conhecimento sintático, é claro, mas depende ainda mais da sensibilidade e
percepção estilística de quem escreve”.
ANÁLISE DO CORPUS
O conto “A Ceia”, nosso objeto de análise, relata o reencontro de dois ex-
amantes/namorados, Alice e Eduardo, num restaurante “modesto e pouco frequentado”
(TELLES, 2009, p.121). O diálogo entre eles é marcado pela insistente tentativa de Alice em
fazer com que Eduardo volte atrás na decisão que tomou de romper o longo relacionamento
amoroso que tiveram. Trata-se, pois, do primeiro encontro após a separação. Assim se inicia
o conto: “O restaurante era modesto e pouco frequentado, com mesinhas ao ar livre,
espalhadas debaixo das árvores. Em cada mesinha, um abajur feito de garrafa, projetando
sobre a toalha xadrez vermelho e branco um pálido círculo de luz” (TELLES, 2009, p.121). Ao
iniciar com essa descrição, Lygia parece abrir as cortinas de um espetáculo teatral. É como se
o leitor vislumbrasse o cenário, “passando os olhos” por cada detalhe. Primeiro, a visão geral
do restaurante, depois, ela descreve as mesas e termina falando do abajur que está em cima
da mesa, ou seja, é como se a imagem fosse se fechando e guiando o foco do leitor. Fica
claro que essa percepção só possível devido à seleção vocabular e, principalmente, à
organização sintática do parágrafo. A descrição é feita em apenas dois períodos com frases
organizadas. O primeiro traz o chamado “liame verbal” e trata-se de uma estrutura nominal.
Sabe-se que esse tipo de frase é muito comum em descrições, pois as caracterizações
prevalecem, aguçando o sentido estático. Ao optar por estruturas nominais e pela
coordenação, o parágrafo fica quase que cinematográfico, como se uma câmera passasse
focando cada espaço. Conseguimos notar melhor esse efeito, comparando com outra
possível organização. Observe como ficaria esse período, se Lygia optasse pelo uso de verbos
significativos, acrescentando relações de subordinação: “O restaurante era modesto e pouco
frequentado, havia mesinhas ao ar livre, que ficavam espalhadas debaixo das árvores”.
A diferença estilística entre os dois modos de ordenação é muito significativa. Note
que os verbos reduziram a velocidade com que se lia o período. Além disso, a subordinada
adjetiva quebrou todo o ritmo da caracterização, acrescentando uma explicação que
125
“desviou” o olhar o leitor, aquele olhar que, antes, estava “passando” por cada detalhe,
ambientando-se e analisando o cenário.
Já no segundo período deste mesmo parágrafo, o único verbo que aparece está em
sua forma nominal, reforçando ainda mais a ideia de que esse tipo de criação é muito
comum em passagens descritivas. Vamos fazer o mesmo processo de comparação anterior
para verificar as diferenças estilísticas: “Em cada mesinha havia um abajur feito de garrafa,
que projetava sobre a toalha vermelho e branco um pálido círculo de luz.”.
Mais uma vez nota-se a mudança do ritmo da descrição pelo acréscimo de um verbo
significativo. O pronome relativo “que” funciona como um conectivo, configurando a
hipotaxe. Na criação original, a escritora opta por não usar qualquer tipo de conectivo, há
apenas uma pausa breve marcada pelas vírgulas. Segundo Gladstone (1976:137), “a carência
de conectivos, geralmente, passa a impressão de pinceladas rápidas, toques bastantes para
uma ideia exata, mas nunca um retrato minucioso.” Ao construir o parágrafo descritivo de
abertura do conto, Telles consegue justamente passar essa “fotografia” ao leitor, a sensação
das “pinceladas” é garantida pela maneira como as orações estão relacionadas, privilegiando
a parataxe e os desdobramentos nominais. O conto prossegue, apresentando a primeira
personagem, trata-se de uma mulher e a frase que a insere no texto nos dá algumas pistas
de que ela será a única do sexo feminino em toda a narrativa. “A mulher parou no meio do
jardim. - Que noite!”
Vale insistir, aqui, na manutenção do ritmo da leitura, não há um verbo dicendi
anunciando a fala da personagem, como normalmente ocorre em discursos diretos. A
presença do artigo definido dá ao leitor a certeza de que a próxima personagem a ser
inserida será do sexo masculino. Caso houvesse outra mulher na história, a opção pelo artigo
indefinido seria a mais adequada, pois permitira criações do tipo: “Uma mulher parou no
jardim, outra, sentou-se à mesa”. Observe que, ao optar pela definição, apresentar outra
personagem no mesmo gênero se torna difícil, pois a sentença perde em coerência: “A
mulher parou no jardim e outra se sentou à mesa”. A fala da personagem é construída por
uma frase inorgânica que, dentro do contexto, parece ser uma exclamação positiva. Como
vimos, esse tipo de frase pode expressar sentidos diversos a depender de um contexto.
Assim, “Que noite!” poderia facilmente ser uma exclamação negativa, se fosse dita ao final
126
de uma noite cansativa, estressante e agitada. Entretanto, pensando na progressão textual,
o leitor, certamente, entende como uma frase positiva, afinal, a mulher estava parada no
jardim de um restaurante. Até aqui, a sequência narrativa passa ao leitor a ideia de que o
texto falará de um encontro romântico e agradável, confirmado pelo elogio indireto que a
moça faz à noite. Cabem, ainda, algumas palavras sobre a escolha da uma frase-ideia para
iniciar um diálogo. Normalmente, esse tipo de construção é marcada por um forte tom
emocional e expressivo. A maioria delas corresponde a uma forma organizada, ou seja, com
sujeito e predicado, assim, “Que noite!” poderia ser desdobrada em “A noite está linda!”. A
mudança na expressividade é clara, a frase inorgânica, além de manter a velocidade da
leitura, é muito mais afetiva do que a frase-oração. Um leitor atento, apenas com a leitura
desses três pequenos parágrafos, já é capaz de imaginar o restante da narrativa e tirar
algumas conclusões. Um encontro em um restaurante com mesinhas ao ar livre e uma
mulher admirando a noite só pode ser o início de um grande jantar romântico. Toda essa
atmosfera só foi possível pela escolha vocabular adequada e, principalmente, pelas
ordenações sintáticas. Já dissemos que uma marca desse conto é fazer com que o leitor
acompanhe atento o desenrolar da estória, observando cada mudança de reação das
personagens. O texto continua com o seguinte diálogo:
127
leitor parece acordar junto com essa mulher, um verdadeiro “estalo” ilustrado pela
linguagem corporal que anuncia as próximas palavras da mulher: “Ela arqueou as
sobrancelhas”. O encontro, então, começa a ser delineado, percebe-se que os dois não
possuem as mesmas intenções. Ela olha para o céu, admira a noite; ele olha para o chão,
para a realidade. A fala o homem é representada por frases organizadas, menos expressivas,
mais elaboradas e, com isso, a escritora consegue enfatizar ainda mais as diferenças entre os
dois. A mulher responde com uma indagação: “Com pressa?”. Temos aqui outra frase
inorgânica muito expressiva, que retrata perfeitamente o espanto que a acomete. O
professor Gladstone Chaves de Melo (1976, p. 123) nos ensina: “Quando alguém está
tomado de intensa emoção (ou finge estar assim), reduz ao mínimo sua mensagem, não se
ocupa em arrumá-la, em lhe dar feição sintaticamente dual referindo um predicado ao
sujeito. O que deixa escapar não passa de uma espécie de interjeição, que encontra
equivalente semântico numa frase organizada, mas não é uma frase desse tipo”.
As frases inorgânicas permitem que o escritor seja expressivo de maneira simples,
sem precisar de longas explicações sobre o estado emocional da personagem nem construir
períodos densos de complexos. Esse tipo de frase se torna muito comum em contos,
justamente, por garantir a velocidade da sequência narrativa.
Após esse rápido diálogo, há uma movimentação na “cena” e o casal escolhe uma
mesa para sentarem-se:
É lícito concluir que Telles optou por estruturas coordenadas por privilegiar um
determinado nível de informação e de descrição, neste caso, das atitudes da personagem.
Assim, consegue associar as ações a um ritmo pausado de leitura, típico da coordenação.
Depois de um diálogo rápido, agora o leitor passa a observar calmamente as ações da
mulher. Caso optasse por relações de subordinação, as orações seriam marcadas por um
elemento temporal, sequenciando os atos, marcando cada momento. A parataxe,
128
entretanto, traz uma ideia de “quadro a quadro”, reforçando a sensação cinematográfica já
comentada. O texto continua retomando o diálogo:
Eis a primeira fala da mulher representada por uma frase organizada, que,
ironicamente, é próxima de uma linguagem literária, repleta de figuratividade. No parágrafo
anterior, ao anunciar essa fala, temos a descrição do ato: “gesto tranquilo, mas firme”. Mais
uma vez, a descrição do emocional afeta no tipo de construção frasal usado na fala da
personagem feminina. Os adjetivos “tranquilo” e “firme” demonstram uma alteração no
comportamento da mulher. Se antes ela se expressava quase por interjeições, por estar
tomada de uma intensa emoção, agora ela, mais calma, é capaz de elaborar a sentença.
Novamente, a frase-oração está relacionada a ações racionais, menos passionais. Neste
trecho, mais uma vez, a fala do homem quebra com a expectativa da mulher. O diálogo
parece mover-se de um lado para o outro, da emoção para a razão, “céu para a terra”. Outra
tentativa de aproximação fracassada, o rapaz, definitivamente, não está ali com as mesmas
intenções que a sua companheira. O assunto termina com uma resposta da mulher,
completando a fala dele: “_ Mas ficam maiores.” Pode-se dizer que se trata de uma relação
de coordenação, marcada pela adversidade. É interessante ressaltar que, caso essa fala
estivesse descontextualizada, não seria possível atribuir-lhe um sentido, um significado.
Retornaríamos, então, à discussão de que nem toda oração é uma frase. Claudio Cezar
Henriques (2011: p. 99) diz: “[...] não é possível classificar uma oração de forma isolada, sem
classificar a outra oração, aquela com a qual ela se relaciona. Por isso é que insistimos em
repetir que nós não analisamos orações, mas relacionamentos entre orações”.
Estilisticamente, ao criar esse diálogo, a escritora consegue passar toda a irritação da
personagem por não ser correspondida em suas tentativas de criar um ambiente romântico
e afetivo. A partir desse momento, o diálogo entre eles começa a ganhar outro tom, a
discussão sobre o término se inicia e os diálogos continuam com a insistência de Alice em
reatar. Eduardo continua se esquivando o tempo todo e desconversando, até que chega o
129
momento em que ele, cansado das investidas de Alice, decide partir. Não vamos os ater aos
detalhes do enredo, o objetivo aqui é entender como as relações sintáticas e a escolha de
determinados tipos de frases podem impactar o leitor. Entretanto, não podemos deixar de
mencionar o diálogo final, que ocorre entre Alice e o garçom do restaurante. Como
dissemos, Lygia consegue fazer com que o leitor se surpreenda em cada momento da
narrativa. Ele começa imaginando que irá ler sobre um encontro amoroso, mas no
desenrolar dos diálogos, percebe que o amor ali não é recíproco. Em alguns momentos,
quem se põe a ler este conto pode se solidarizar com a causa da mulher e condenar a
insensibilidade do rapaz, em outros, pode dar razão ao Eduardo. Assim, a narrativa vai se
desenvolvendo e o leitor atento vai acompanhando a cada alteração de comportamento,
cada expressão afetiva. No fim, novamente, o leitor se surpreende e o foco agora está na
fala do garçom. Depois de pedir a conta, Alice é informada por ele que o Eduardo já havia
deixado tudo pago e o rapaz, simpático, pergunta se está tudo bem. Ela diz que sim, mas que
tiveram uma pequena discussão. O garçom então responde: “Também discuto às vezes com
a minha velha, mas depois fico chateado à beça. Mãe sempre tem razão – murmurou
ajudando-a a levantar-se. – Não quer mesmo um taxi?” (TELLES, 2009, p.124).
Nesse momento, o leitor relembra alguns trechos do diálogo que transparecem a
questão da idade. Fica nítido que ela parentava ter mais idade que ele e isso somado às
atitudes dos dois durante a narrativa, comprovam a visão do garçom que era um terceiro
olhar, o que estava de fora do assunto, reparando passivamente as atitudes. Pode-se dizer
que ele fez uma “interpretação do texto” a partir do que viu naquela noite.
Todo esse envolvimento do leitor com o conto, que comentamos aqui só foi possível
pela habilidade que a contista tem com as palavras. Com relações simples entre os períodos
e sem qualquer tipo de enrolação ou complexidade, Lygia consegue recriar um drama
cotidiano através de suas palavras, adotando uma narrativa curta, mas difícil de escrever: o
conto. Como diz Bosi: “no conto, deve acontecer a tensão, para que se torne uma narrativa
válida esteticamente. Isso acontece quando existe a agonia “entre a opção narrativa e o
mundo narrável” (BOSI, 1997).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
130
Para empreender a análise das estruturas frasais no conto “A Ceia”, de Lygia
Fagundes Telles, pautamo-nos em conceitos de frases inorgânicas e organizadas, propostos
pelo professor Gladstone Chaves de Melo, que nos possibilitou trabalhar a contribuição
expressiva dos processos de ordenação na construção de sentido do texto.
Pudemos observar que, em gêneros discursivos com o conto é necessário recorrer às
chamadas frases inorgânicas, pois são estruturas simples, marcadas pela tonicidade e
expressividade que se pretende dar a uma fala ou, até mesmo, à obra.
Acreditamos também ter demonstrado, pela comparação, como as relações de
coordenação colaboram para o desenvolvimento da narrativa. Vimos que o uso de verbos
significativos e estruturas subordinadas, em alguns casos, não conseguem garantir o tom
expressivo necessário ao trecho.
Exploramos, ainda, a proximidade dos estudos linguísticos e estilísticos. Através da
análise no âmbito da frase, conseguimos trabalhar forma e conteúdo em favor de um
produto macro que é o próprio texto. Como nos ensina Mattoso Câmara Júnior, em
Contribuição a estilística portuguesa, a estilística possui uma importante posição na ciência
geral da linguagem. O estilo pode ser estudo desde as manifestações populares, como as
gírias, até textos literários completamente elaborados.
Assim, esperamos ter ilustrado a necessidade de se pensar na frase como um
produtivo meio de expressão, demonstrando como o estudo da estilística sintática se torna
um importante caminho nos estudos estilísticos.
BIBLIOGRAFIA
BOSI, A. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1997.
ELIA, Sílvio. Orientações da linguística moderna. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico,
1978.
HENRIQUES, Claudio Cezar. Revendo a estilística sintática. [texto em xerox sem
identificação de fonte.] Sintaxe. Rio de Janeiro: Campus, 2008.
MATTOSO CÂMARA JR., J. (1953) Contribuição à estilística portuguesa. 3. ed. rev. Rio de
Janeiro: Ao Livro Técnico, 1978.
131
MELO, Gladstone Chaves. Ensaio de estilística da língua portuguesa. Rio de Janeiro:
Padrão, 1976
TELLES, Lygia Fagundes. Antes do baile verde. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
132
O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NA UTILIZAÇÃO DO LIVRO
DIDÁTICO
INTRODUÇÃO
Em nome da chamada “unidade linguística” no Brasil, onde a língua certa que deve
e merece ser falada e escrita é apenas aquela descrita nos manuais normativos, há uma
constante preocupação em se resguardar as normas urbanas de prestígio, anteriormente
conhecida como norma culta, já que esta é entendida, muitas vezes, como o sinônimo de
língua. O ensino ainda praticado pelas escolas tende a ajudar nessa manutenção de que o
ensino de Língua Portuguesa é o mesmo que o ensino de gramática, dando ao indivíduo a
forte sensação de que não sabe sua língua, e a falácia de que português é muito difícil.
No entanto, sabemos que a língua só se efetiva no uso, sendo um instrumento de
interação social que o homem utiliza para satisfazer suas necessidades cotidianas. Dessa
133
forma, a linguagem é o lugar de conflitos, de confronto ideológico, não podendo ser
analisada fora da sociedade, uma vez que os processos que a constituem são histórico-
sociais.
A escola, sendo ainda considerada a maior responsável pela instrução e pela
educação do indivíduo, vale-se de fatos comprovados pela sociedade para instruir seus
alunos. No entanto, no caso do ensino de Língua Portuguesa, continua reproduzindo um
discurso com definições incompletas e conceitos falhos, e isso causa graves consequências
no falante que, por não conseguir compreender esses conceitos concebidos pela gramática
normativa, acaba por achar sua própria língua difícil.
Nesse sentido, na tentativa de minimizar e contribuir para uma educação linguística
mais eficaz para o processo de ensino-aprendizagem, autores como Bagno (2007, 2009),
Soares (1989) e Cyranka (2011) acreditam que a Sociolinguística pode auxiliar os docentes
nesta tarefa de educar sem atuar negativamente na constituição da identidade social e
linguística do indivíduo.
Partindo da premissa de que a fala do indivíduo é sua identidade social,
verificamos como cinco coleções de livros didáticos de língua portuguesa do 6º ao 9º ano do
ensino fundamental, aprovados e distribuídos em âmbito nacional pelo Programa Nacional
do Livro Didático – PNLD/2014 – abordam o tema variação linguística e trazem informações
pertinentes que ajudarão na compreensão do tema.
Apesar da melhora na qualidade dos livros didáticos desde o surgimento do PNLD,
quando se fala de variação linguística e o tratamento oferecido pelos livros didáticos,
constata-se que ainda é incipiente. Assim, faz-se necessário que o professor esteja
preparado para agir diante de entraves.
REFERENCIAL TEÓRICO
A gramática normativa continua repetindo conceitos produzidos e descartados há
anos e, no entanto, a sociedade, representando o interesse de alguns tradicionalistas, não
aceita as inovações repudiando e banalizando as novas teorias da linguagem (BAGNO, 2007).
Com isso, a língua evolui, em sua qualidade máxima de ser heterogênea e viva,
porém, lamentavelmente, ao deparar com os manuais de regras, ainda encontramos normas
134
de há muito não são usadas, colocando os novos usos e dizeres como desvios e erros da
oralidade.
Em 1997, o Ministério da Educação, preocupado com a renovação do ensino de todas
as disciplinas das escolas brasileiras, lançou uma coleção de documentos que norteariam a
educação nacional, os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN. Desde então, tinha-se uma
preocupação em desenvolver, de maneira mais eficaz, as mudanças curriculares que iriam
alavancar o ensino (BAGNO, 2007). Na disciplina de Língua Portuguesa, observa-se a
preocupação em proporcionar um ensino baseado nas novas descobertas da linguagem e,
consequentemente, o reconhecimento do caráter heterogêneo da língua.
Desde então, existe uma preocupação com o tipo de ensino de língua desempenhado
pela escola e seu reflexo na sociedade. Esse documento trouxe um ganho significativo,
ponderando que até então a escola negava a existência da variação linguística, sendo
considerada como sinônimo de erro, incumbindo à escola a responsabilidade de corrigi-los.
O ensino tradicionalista até então promovido pela escola, cujo indivíduo deveria
reproduzir a língua descrita pelos manuais, refletiu na sociedade uma conduta
preconceituosa em relação à linguagem falada. Esse preconceito enraizado na sociedade
gera problemas profundos e divisórios, já que os indivíduos são categorizados pela forma
135
como falam. Geraldi (1996) sinaliza aos professores de Língua Portuguesa a importância de
se ensinar a norma-padrão sem que isso signifique depreciar sua linguagem familiar.
Um dos motivos que a aprendizagem não ocorre de maneira eficaz, é que a escola
adota o princípio do caráter homogêneo da língua, tanto falada quanto a escrita. O mais
interessante é que o ensino de língua é tratado, em sua matriz curricular, como ensino de
gramática, esquecendo-se de que o indivíduo, quando chega à escola, já domina a
modalidade falada da língua. Isso faz com que o indivíduo acredite que língua e gramática
são a mesma coisa. Ao impor apenas uma variedade, reprime aquela que o aluno já domina,
dando-o a “oportunidade” de substituição. Essa repressão, por parte da escola, é
pedagogicamente incorreta, segundo Bortoni-Ricardo (2004), pois:
uma pedagogia que culturalmente sensível aos saberes dos educando está
atenta às diferenças entre a cultura que eles representam e a da escola, e
mostra ao professor como encontrar formas efetivas de conscientizar os
educandos sobre essas diferenças (BORTONI-RICARDO, 2004, p. 38).
136
A gramática normativa, assim como a escola, vê a língua como sistema homogêneo,
pronto e acabado. Nos livros didáticos e nas gramáticas, esta se define como um conjunto de
regras que impõem um modelo ideal de língua que deve ser seguido. Assim, a língua escrita
se sobrepõe à falada, da mesma forma que somente a variedade culta é passível de ser
estudada e aprendida. Possenti (2000) afirma que:
138
utilização de uma variante da língua que difere das normas urbanas de prestígio: a primeira
se refere a uma variante típica da região Sul, e a segunda do Nordeste brasileiro. Outro
ponto bem interessante é o fato de o tema ser estreitamente relacionada à variação
regional.
No entanto, quanto aos registros manifestados nos textos, observa-se que há textos
com níveis maior e menor de formalidade. Como os de menor formalidade ainda são objetos
raros de serem contemplados nos textos didáticos, podemos citar a história em quadrinhos
da Turma do Bermudão & Xaveco (p.130 a 133), o autor utiliza alguns termos típicos da
modalidade falada e também gírias.
As atividades de compreensão e interpretação não propõem ao aluno correlacionar a
forma linguística ao contexto comunicacional de uso, ao contrário, solicitam que faça a
reescrita para que fique adequado à norma-padrão (p.84). Dessa forma, não encontramos
tentativas de conectar tais palavras com o contexto extralinguístico.
Quanto aos itens gramaticais, apesar do uso de textos de diversos gêneros textuais, a
concepção adotada ainda permanece no molde tradicionalista, dando aos alunos conceito
prontos e concebidos pela tradição gramatical.
Também observamos a questão da mudança linguística e verificamos que a coleção
aborda, no entanto, utiliza outra nomenclatura “variação história”. Consideramos essa
questão importante para o entendimento da variação linguística, pois, ao considerar a
mudança linguística, estamos ao mesmo tempo afirmando o caráter heterogêneo e mutável
a língua, que se adapta para satisfazer a necessidade comunicacional de um determinando
grupo social para um determinando contexto (6º ano, p. 31).
As atividades tendem a estabelecer o uso da norma-padrão aos alunos, porém o
fazem utilizando argumentos e enunciados menos agressivos e impostos. Quanto ao tema
norma-padrão e normas urbanas de prestígio, observamos que as autoras não fazem a
devida distinção entre ambas (6º ano, p. 83), levando os usuários do material a confundir os
conceitos das normas. Esse conflito conceitual ajuda na manutenção do preconceito
linguístico.
139
As técnicas de ensino gramatical recorrem às práticas tradicionais, não
oportunizando o aluno a construir seu conhecimento através dos mecanismos propostos
pelo livro.
140
Dessa forma, podemos dizer que a coleção, apesar de ainda conservar algumas
práticas tradicionais, procura oportunizar ao aluno uma reflexão sobre sua língua e sua
utilização.
141
A coleção apresenta diversidade textual, o que auxilia a compreensão do conteúdo e,
dessa forma, também dos fenômenos gramaticais. Observamos que, nesta coleção, o aluno
inicia com atividades para chegar à teoria.
Podemos, então, afirmar que a variação linguística não é tratada como um conteúdo
gramatical e sim como uma abordagem que permeia todo o processo de ensino-
aprendizagem do livro didático.
142
partir da análise de uma tirinha do Menino Maluquinho. No entanto, na seção subsequente
“Conceituando” constatamos que o conceito trazido pelo livro é regido pela norma-padrão
da língua.
Assim, o livro não considera a variação linguística quanto a sua relação com o
indivíduo, em suas explicações quanto à gramática, deixando de explorar as diversas
possibilidades de usos da língua, das variedades linguísticas, desde as mais prestigiadas até
as mais estigmatizadas pela sociedade. Portanto, os exercícios, de cunho gramatical, não
proporcionam questões que possibilitem ao aluno agregar tais regras gramaticais à
determinada situação comunicativa, segundo os parâmetros de uma adaptação
comunicativa adequada. Dessa forma, as poucas atividades não contribuem para um efetivo
desenvolvimento comunicacional do aluno.
Quanto ao quesito conceitual entre norma-padrão de normas urbanas de prestígio,
observamos que a coleção tenta distinguir as normas, porém, equivoca-se quanto à norma-
padrão.
Dessa forma, verificamos que a variação linguística é tratada como mais um
conteúdo gramatical, de forma que os conteúdos são tratados na perspectiva normativa.
Coleção 5: Jornadas.port
Já nesta coleção, as autoras trouxeram o tema no livro do 7º ano. Neste livro,
encontramos poucos textos de variantes diferentes das normas urbanas de prestígio, como
por exemplo, a letra da música “Açum-Preto” de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira (p. 153),
contendo um grande número de palavras/expressões de variedade estigmatizada. E poucas
também são as variedades de registro, predominando o nível mais formal da língua.
As atividades propõem, ao aluno, uma aprendizagem da variação linguística
relacionada ao seu contexto de uso, adaptando de acordo com a situação comunicacional.
Quanto à questão da mudança linguística, verificamos que a coleção aborda,
nomeando como variedade histórica.
Observamos, também, que há uma separação de norma-padrão e de normas urbanas
de prestígio.
143
Nas atividades de exploração gramatical, há ocorrências de prática tradicional de
ensino, apresentando conceitos prontos, marcadas por frases soltas e descontextualizadas,
que não oportunizam ao aluno construir seu próprio conceito.
O conteúdo variação linguística é visto apenas em um volume de toda coleção, sendo
considerado como mais um conteúdo gramatical, uma vez que há ocorrências de uma
abordagem tradicionalista.
CONCLUSÃO
A variação linguística é um tema muito debatido na atualidade, devido ao seu caráter
excludente e preconceituoso, apresentado em contrapartida à norma-padrão. Apesar de
inúmeros trabalhos acadêmicos e científicos sobre o tema, a escola ainda encontra
resistência ao abarcar, em seus bancos, variedades oriundas das classes menos favorecidas
da sociedade.
Neste sentido, todos os livros didáticos observados abordam a questão variacional da
língua portuguesa e de sua riqueza linguística, até mesmo porque é preciso para atender a
uma exigência para a adoção da coleção. Optaram por uma linguagem padronizada, falada
pela minoria privilegiada, alegando que os alunos precisam exercitá-la. É preciso que as
escolas ensinem sim a norma-padrão, a gramática, mas que para isso não destruam as
individualidades, pois quando julgamos e condenamos nosso aluno por sua prática
linguística também estamos fazendo o mesmo com sua comunidade.
É interessante e relevante que seja cada vez mais esclarecido que norma-padrão não
é falada por nenhum indivíduo, é um código, lei, o ideal de língua, que rege a língua tanto
falada quanto escrita. O que se tem são indivíduos esclarecidos linguisticamente, que
possuem uma linguagem mais próxima do ideal, do padrão. Para esses indivíduos, tem-se a
nomenclatura de normas urbanas de prestígios.
Dessa forma, se o indivíduo precisa se comunicar e se fazer entender, é importante
que ele saiba adaptar linguisticamente de uma variante a outra de acordo com o contexto
situacional em que se encontra. E é na escola que ele aprende a dominar outra variante, as
normas urbanas de prestígio, para dar-lhe igualdade para concorrer a um concurso ou
entrevista de emprego, por exemplo, e para ter acesso aos órgãos públicos.
144
Nota-se que, aos poucos, a teoria variacionista está adentrando as escolas brasileiras
através do LD. Seria impossível falar de variação linguística sem mencionar o processo
natural e irreversível da mudança dentro de uma língua. Essa mudança é o resultado de
inovações, renovações e (re)significações decorrentes de escolhas vocabulares do próprio
usuário. Quando pronunciamos uma palavra ou expressão, estamos elegendo uma dentre
várias opções semânticas que ela já desempenhou no tempo. Isso é muito interessante em
se tratando do homem e sua linguagem, uma vez que na história ambas estão fortemente
entrelaçadas. Quando elegemos uma palavra dentre várias outras, levamos junto todas as
formas como já foi utilizada em contexto social no decorrer do tempo.
Não temos a pretensão de termos analisado todas as possibilidades de utilização do
material descrito, até porque, depende e muito dos sujeitos envolvidos no processo
educacional. Apenas apontamos algumas questões pertinentes ao tema proposto.
A efetivação do ciclo de aprendizagem requer muitos fatores, tanto internos (próprio
aluno) quanto externos (métodos e motivações), portanto seria difícil se falar em algo
infalível para o processo de aprendizagem de língua portuguesa para um indivíduo falante e
situado num contexto social desde o dia do seu nascimento.
Os livros didáticos são um forte instrumento de apoio ao ensino escolar e cumprem o
que se destinam a ser. Não podemos tê-los como vilões do fracasso escolar. Assim, os livros
devem seguir a norma linguística imposta socialmente, já que, mesmos os indivíduos
discriminados, tendem a acreditar que o correto é seguir a tradição gramatical e também
discriminam os demais usos, inclusive o seu.
REFERÊNCIAS
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Paulo: Parábola Editorial, 2007.
__________. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 44. ed. São Paulo: Loyola,
2006.
BORTONI-RICARDO, S. M. Educação em língua materna: a sociolinguística na sala de aula.
São Paulo: Parábola Editorial, 2004.
BRASIL. Guia de livros didáticos: PNLD 2014: apresentação: ensino fundamental: anos
finais. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2013.
145
_______. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino
fundamental: língua portuguesa/Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/ SEF,
1998.
CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Português: linguagens. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
CYRANKA, L. F. M. Dos dialetos populares a variedade culta: a sociolinguística na escola.
1ªed. Curitiba: Appris, 2011.
DELMANTO, D.; CARVALHO, L. B. de. Jornadas.port – Língua Portuguesa. 2.ed. São Paulo:
Saraiva, 2012.
GERALDI, J. W. Linguagem e ensino: exercício de militância e divulgação. Campinas:
Mercado das Letras: Associação da Leitura no Brasil, 1996.
LABOV, W. Padrões sociolinguísticos. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
MENNA, L.; FIGUEIREDO, R. VIEIRA, M. das G. Português: uma língua brasileira. 1. ed. São
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POSSENTI, S. Malcomportadas línguas. São Paulo: Parábola Editorial, 2000.
RAMOS, R. de A. Universos: língua portuguesa. Obra coletiva concebida, desenvolvida e
produzida por Edições SM. 1. ed. São Paulo: Edições SM, 2012.
SOARES, M. Linguagem e escola: uma perspectiva social. 7. ed. São Paulo: Ática, 1989.
TRAVAGLIA, L. C.; FERNANDES, V. M. B. A.; ROCHA, M. A. de F. A aventura da linguagem.
2. ed. Belo Horizonte: Editora Dimensão, 2012.
146
O LIVRO DIDÁTICO E O NEGRO: EM FOCO OS LIVROS DIDÁTICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL
APLICADOS NA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE CAMPOS DOS GOYTACAZES
INTRODUÇÃO
Pensando na discriminação contra a população negra que vem se perpetuando há
séculos, os movimentos sociais em parceria com outros segmentos da sociedade tem lutado
para buscar soluções contra a tal discriminação. Nesse contexto, surgem várias alternativas
governamentais buscando diminuir as desigualdades sociais e raciais que essa população
tem sido submetida na sociedade brasileira e, dentre tais medidas, destacamos a
implementação da Lei 10.639/03 que busca inserir a história da população negra e dos
africanos nos currículos escolares das instituições públicas e privadas. Vale ressaltar a luta do
Movimento Negro para a conquista da equidade racial, o qual vem intervindo no sistema
147
educacional há anos devido a importância desse sistema como principal transmissora de
ideologias hegemônicas.
Com a implementação dessa lei, ficou determinada a inclusão nos currículos
escolares do ensino de História da África nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e
Médio, sendo públicos ou privados. Além disso, a Lei institui a data de 20 de novembro, no
calendário escolar, como dia da consciência negra. A partir disso, o Estatuto da Igualdade
Racial – EIR – Brasil (2010) assinala que “os conteúdos referentes à história da população
negra no Brasil serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar resgatando sua
contribuição decisiva para o desenvolvimento social, econômico, político e cultural” (p. 14).
Pode-se dizer que essa lei apresenta-se como resultado de vários conflitos acirrados
por grupos excluídos, objetivando, por meio de políticas públicas, seus direitos e uma
correção de anos de violência e discriminação racial sofridos pelo simples fato de possuírem
tonalidade de pele diferente. Assim, espera-se alcançar uma educação de qualidade e
consciente, tendo como objetivo a formação de indivíduos com uma mentalidade voltada
para a construção de uma sociedade mais igualitária e menos pautada no preconceito.
Esse artigo tem por objetivo geral identificar como o negro é retratado nas imagens
dos livros didáticos aplicados na Rede Pública de Ensino de Campos dos Goytacazes e como
ela pode influenciar na elaboração de pré-conceitos e conceitos.
Como objetivos específicos busca-se analisar os livros didáticos da Educação Infantil,
na faixa etária de 5 anos de uma Escola Municipal do Município de Campos dos Goytacazes;
identificar as representações das imagens de personagens negros e negras presentes nos
livros didáticos e, por último, analisar os impactos dessas representações.
Para a realização desta pesquisa utilizamos a abordagem qualitativa, tendo como
instrumentos de pesquisa a observação participante, conversas informais, análise
documental (livros didáticos) e pesquisa bibliográfica embasada em teóricos que estudam a
questão da representação do negro nos livros didáticos, aos quais se destacam: Cavalleiro
(2000), Costa (2012), Silva (2011), Munanga (2003), dentre outros, que serão apresentados
ao longo desse estudo.
148
A escola desempenha um importante papel na sociedade, é um espaço sociocultural
com indivíduos de diferentes grupos sociais, com instrumentos e métodos para a construção
do saber. Uma de suas ferramentas mais eficaz no processo de formação é o livro didático.
No Brasil, o livro didático entrou como pauta do governo no ano de 1938, quando foi
criada a Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD). Seu objetivo era “examinar e julgar os
livros didáticos, indicar livros de valor para a tradução e sugerir abertura de concurso para a
produção de determinadas espécies de livros didáticos não existentes no país” (COSTA,
1989, p.13).
No decorrer dos anos, vários questionamentos rondaram o livro didático, como por
exemplo: seus conceitos estão corretos? São adequados? Diante disso, muitos acordos,
legislações e programas foram criados para responder tais questionamentos.
Sabe-se que o livro didático é utilizado nas escolas e, na maioria das vezes, é o único
material utilizado na construção de conhecimentos. Esse é de grande influência para a
construção e formação de identidade dos alunos, pois é embutido de conceitos, conteúdos e
ideologia que formam opinião. O livro didático consiste, também, em um instrumento para
as atividades escolares, sendo o professor o seu mediador.
De acordo com Silva (2005):
Prevalecendo-se nos dias atuais, o livro didático influencia o cotidiano da sala de aula
e do trabalho pedagógico, por ele ser uma das principais fontes de consulta utilizadas pelos
alunos e professores. A partir disso, “é fundamental dispor de um livro didático diversificado
e flexível, sensível a variação das formas de organização escolar e dos projetos pedagógicos”
(MEC, 2003, p. 10).
Sendo assim, o livro didático pode influenciar no processo de formação de identidade
e opinião das crianças ao abordarem a questão étnico racial. Para tanto, vale ressaltar o
149
conceito de identidade que de acordo com Cavalleiro (2000, p. 19 apud Erikson, 1976, p. 46),
essa:
150
negra ao não se sentir como membro da sociedade, internaliza que é inferior aos demais e
que, o seu papel nessa, não tem importância e sentido. Ela nega a si própria e aos demais de
sua raça.
Nesse artigo, serão ilustradas algumas páginas dos quatro volumes dos livros em
questão que retrata o objetivo geral da presente análise.
Volume I
Na capa do livro (Figura 1), contém paisagens que fazem parte da cidade de Campos
dos Goytacazes. Esses locais destacados pelas fotos remetem ao leitor, em um primeiro
momento, uma identidade e noção de pertencimento, pois em algum momento já passaram
por um desses locais. Logo em seguida, vem a antecapa (Figura 2), na qual aparecem
crianças em roda fazendo desenhos. Nela só aparece uma menina negra, entre cinco
crianças.
Figura 1 Figura 2
151
a escola. Assim, de acordo com Severino (2010), “surge um mundo novo de diferentes
indivíduos, onde a criança busca se identificar e conhecer diferentes historicidades para
assim construir a sua própria identidade” (p. 12).
Nessa perspectiva, Sá (2010) relata que “o ambiente escolar é uma das instituições
formadoras de opinião que está repleto de identidades diversas, uma forma de micro
sociedade com uma diversidade étnica e cultural enorme” (p. 10). Sendo assim, este
ambiente tem “o compromisso de formar indivíduos íntegros, com valores, hábitos e
comportamentos que respeitem as diferenças” (Ibid.).
Na ilustração abaixo, que se encontra na página 30 (Figura 3), há várias crianças
representadas por meninas e meninos, dentre 30 crianças, apenas 4 são negras.
Figura 3
Por que não há mais crianças negras nessa ilustração? Como as crianças negras se
sentem ao notarem que sua imagem, em seu material de estudo, é mínima?
Desde as séries iniciais faz-se necessário ser trabalhado o conceito de diversidade,
podendo esse ser compreendido como, para Abramowicz (2006) “variedade, diferença e
multiplicidade. A diferença é qualidade do que é diferente; o que distingue uma coisa de
152
outra, a falta de igualdade ou de semelhança” (p. 12). Em suma, pode-se afirmar que onde
há diversidade há, também, diferença.
Os PCNs ao abordarem a questão da pluralidade cultural, acreditam ser, essa prática,
um desafio no contexto escolar, investindo assim, na caminhada contra todo o tipo de
discriminação. Observa-se que as escolas são instituições que possuem diversidade tanto
cultural como étnica, são formadoras de opinião e tem por responsabilidade, formar
cidadãos que respeitem as diferenças.
Portanto, como a criança negra irá se identificar com o seu meio social, se ela não é
representada nem mesmo pelo livro didático utilizado em sua escola? Como se sentir parte
da sociedade, na qual está inserida?
Sendo assim, Severino (2010) declara que a falta de materiais pedagógicos “de
qualidade, exemplificando com maior riqueza de detalhes, a história destes personagens, os
livros didáticos podem acabar acarretando na criança negra várias impressões” (p. 21).
Como por exemplo, “uma imagem negativa e de inferioridade sobre sua história e de si
mesmo refletindo na rejeição em se dizer negro, ou pertencer a este grupo, bem como, uma
baixa autoestima” (Ibid.).
Volume II
A estrutura da capa e da antecapa continuam a mesma (Figura 5 e figura 6). Como
pode-se ver a seguir:
153
Figura 4 Figura 5
154
Começando a análise do volume II, na página 46 (Figura 6) é importante observar,
que 29 trabalhando a família, mais especificamente a idade e a quantidade dos membros, é
mostrado, bem grande no centro na pagina, duas crianças brancas. A menina de olhos azuis,
e o menino que parece ser japonês. E as crianças negras? Não tem idade?
Na página 52 (Figura 7), de acordo com o enunciado, é proposto que as crianças
conversem com o professor sobre as imagens que são mostradas na questão. Essas são de
diferentes salas de aula, no entanto, não há presença de nenhuma criança negra. E ao final
dessa, uma pergunta: que semelhanças e diferenças você percebeu entre as imagens? Em
resposta a essa pergunta, pode-se evidenciar que uma semelhança é observada, sendo essa
sinalizada por ser constituída apenas por crianças brancas. Nos dois casos não há presença
da criança negra. Por qual motivo não representá-las, se essas também pertencem ao
ambiente escolar?
Figura 6 Figura 7
155
Figura 8
156
Volume III
Na imagem abaixo, pertencente a página 12 (Figura 9), na qual vários quadrinhos
representam uma história, tendo por objetivo formar a frase: a vida das pessoas depende da
natureza.
Figura 9
157
Figura 10
158
Volume IV
Apesar de estar sendo analisado o último volume, correspondente ao 4º bimestre
escolar, a estrutura permanece a mesma, sendo a capa e a antecapa iguais as dos volumes
anteriores.
Porém, neste volume encontra-se algo diferente, pois nas páginas 49 (Figura 11) e 50
(Figura 12), mãe e filho, ambos negros, protagonizam uma história.
Em meio aos quatro volumes do livro, essa é a primeira história em que negros são
protagonistas, ainda é muito pouco. Mas pode ser percebido, nas imagens, que os
personagens aparecem com cabeças e orelhas avantajadas, sendo, de alguma forma,
caricaturados. Coloca-se o negro como o personagem principal, mas não deixa-se de
estereotipá-lo.
Figura 11 Figura 12
159
A partir disso, uma temática que deve ser abordada e analisada é a formação
acadêmica dos professores, visando combater o racismo e gerar meios para a produção de
recursos didático-pedagógicos alternativos, voltados para a discussão do racismo,
discriminação racial e compreensão das desigualdades geradas por eles.
Um profissional bem capacitado será capaz de reverter, de maneira positiva, um
material didático equivocado, como também, colocar de modo criativo as competências que
os PCN’s indicam. Mas, para que esse trabalho seja mais efetivo, faz-se necessário recursos
didático-pedagógicos que apresentem novas possibilidades.
O objetivo de todo esse esforço teórico consiste na compreensão dos professores,
abordando de fato a particularidade da condição racial, e com isso, promovendo a
igualdade. Para Silva (2001), “é preciso compreender que a exclusão escolar é o início da
exclusão social das crianças negras”(p. 67).
Mesmo sendo repetitivo nessa análise, cabe ressaltar mais uma vez que o que
importa não é a quantidade de vezes ou crianças que aparecem em uma ilustração, mas o
que realmente importa é saber se o negro está sendo, de fato, abordado nos livros didáticos
da forma como ele é, sem caricaturas, deformações ou coisas do tipo.
Porém, pode-se perceber que a Lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino da
História e Cultura Afro-brasileira e Africana em todas as escolas, públicas e particulares, do
Ensino Fundamental e Médio, ainda não foi “cumprida” pelos currículos ou pelos livros
didáticos, podendo ser notado na análise desses quatro volumes dos livros do Grupo
Expoente.
Portanto, sendo a escola um lugar privilegiado, é nela que deve ocorrer a promoção
da igualdade e eliminação de toda forma de discriminação e racismo, por possibilitar em seu
espaço físico a convivência de pessoas com diferentes origens étnicas, culturais e religiosas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após chegar ao final da análise desses quatro volumes, pode-se conjecturar que os
currículos escolares e os livros didáticos ainda não estão de acordo com a Lei 10.639/03,
ainda sendo o negro invisibilizado e caricaturado.
160
Sabe-se que na produção editorial ocorreram grandes avanços. Porém, há muito
ainda por fazer, sendo necessário a produção de materiais que buscam eliminar o
“etnocentrismo dos currículos escolares e na elaboração de uma metodologia de tratamento
da diversidade racial no ambiente escolar”. (SANTOS, 2001, p. 109)
Apesar do livro didático ainda apresentar tais problemas, existem livros paradidáticos
sendo produzidos para tratar o tema, como por exemplo, Menina Bonita do Laço de Fita, O
Menino Marrom, O Menino Nito, entre outros.
O livro didático é uma importante ferramenta utilizado na construção de
conhecimentos, logo, este não pode ser indiferente a realidade e nem “passar” um conceito
de inferiorização.
Analisando estes livros como um aluno negro, ao abri-lo, se sente em não se vê nas
imagens desse o qual é utilizado diariamente, percebendo que quando aparece nas imagens
é de uma forma estereotipada, com caricaturas, associados à coisas maléficas, intitulado
como incapaz intelectualmente?
A escola apresenta dificuldade de se reconhecer como principal difusora do racismo,
mesmo reconhecendo que seu instrumento mais utilizado, o livro didático, é uma
ferramenta que amplia e divulga estereótipos e visões discriminatórias. Ela passa essa
responsabilidade para a própria criança e para a família, sem considerar que a discriminação
racial tem sido identificada como um fator contribuinte para a evasão escolar.
A discriminação acaba por acarretar várias consequências, como: prejudica o
rendimento escolar, induz a baixa autoestima, cria a possibilidade de repetência e diminui a
frequência dos alunos negros as salas de aula.
Também é importante ressaltar o silêncio dos professores diante de tais ações de
desrespeito ao negro, promovidas pelo livro didático e por toda a sociedade escolar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Moderna, 2006.
BRASIL. LEI Nº 12.288, DE 20 DE JULHO DE 2010. Institui o Estatuto da Igualdade Racial;
Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, n. 138. 21jul. 2010. Seção 1,
161
p. 1-144. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
2010/2010/Lei/L12288.htm> Acesso em 23 jul. 2013.
CAVALLEIRO, Eliane dos Santos. Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo,
preconceito e discriminação na educação infantil. São Paulo: Contexto, 2000.
COSTA, Wanderley Ferreira da; FREITAG, Bárbara; MOTTA, Valéria Rodrigues. O livro
didático em questão. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1989. p. 159.
COSTA, Kátia Regina Rabello da. De quando a pluralidade revela a invisibilidade. ____ In:
Mídia e Racismo / Roberto Carlos da Silva Borges e Rosane Borges (orgs.). – Petrópolis, RJ:
DP et Alii ; Brasília, DF : ABPN, 2012. 248p. (Negras e Negros : Pesquisa e Debates).
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Introdução Geral. Guia de livros didáticos de 1ª a 4ª séries –
PNLD/2004. Brasília: Ministério da Educação, 2003. p. 9-29.
MUNANGA, Kabengele. Superando o racismo na escola. Brasília: Ministério da Educação,
2005. 204 p.
Portal do Grupo Expoente. Disponível em:
<http://www.expoente.com.br/pub/index.pub.php?s=conteudo&contid=3&subcontid=7>
Acesso em: 23 de jun. de 2013.
SANTOS, Isabel Aparecida dos. A responsabilidade da escola na eliminação do
preconceito racial: alguns caminhos. _______. In: Racismo e anti-racismo na educação:
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SÁ, Welligton Santana Moraes de. A presença do negro no livro didático de história do
ensino fundamental: uma primeira análise / Wellington Santana Moraes de Sá. – 2010. 31 f.
Monografia (Licenciatura em Pedagogia) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Faculdade de Formação de Professores. São Gonçalo.
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[Brasília]: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
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162
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mais uma tarefa essencial. _______ In: Racismo e anti-racismo na educação: repensando
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TEIXEIRA, Rosana. A representação social do negro no livro didático de história e língua
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http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2009/anais/pdf/2079_1091.pdf> Acesso em:
15 ago. 2013.
163
SOFISMAS DA ATUALIDADE
RESUMO: A maioria dos textos originais escritos pelos sofistas foram perdidos, e nossa
compreensão moderna do movimento sofista vem da crítica de Platão que dizia que a
transmissão dos ensinamentos feita por eles reduzia-se a comércio interesseiro de saberes
memorizados, retóricos e relativos. Por causa dessa prática de pensamento, com o tempo, o
termo “sofisma” foi adquirindo uma conotação pejorativa, passando a significar um
argumento usado para apresentar uma ilusão de verdade e induzir o auditório ao engano.
Não nos interessa, neste texto, avaliar as críticas feitas aos sofistas. Nosso objetivo é
destacar que é importante, em um mundo no qual há tantas verdades, que os professores,
principalmente os de Leitura, transmitam o conhecimento dos sofismas aos seus alunos para
que possam evitar armadilhas lógicas na própria argumentação e sejam capazes de analisar
a argumentação alheia, evitando serem manipulados por algum “sofista” da atualidade.
Através da apresentação e análise dos vários sofismas em textos publicitários e declarações
da atualidade veiculados em jornais, revistas, televisão, internet, observamos que os alunos
argumentam melhor e desenvolvem senso crítico; capacidades essenciais para serem
cidadãos participantes na sociedade pluralista em que vivemos.
Palavras-chave: Ensino. Sofismas. Leitura. Produção Textual.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
3
Um sofisma é um sofisma? Disponível em http://www.revista.vestibular.uerj.br/ coluna/coluna.php?
seq_coluna=25 Ano 2, n. 4, 2009. Acesso em 20/11/2014.
165
A seguir, apresentaremos alguns tipos de sofismas e exemplos da atualidade que
podem ser utilizados nas aulas de leitura das escolas do Ensino Médio de nosso país.
SOFISMAS LÓGICOS
Sofisma da explicação /âmbito limitado – este sofisma ocorre quando o enunciador
só explica um fenômeno sobre o tema que está defendendo e nada mais.
O ex-presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso, sobre a proibição de drogas,
declarou: “Eu diria às mães: o fato de o fruto ser proibido é que dá mais vontade no seu filho
de experimentá-lo. E diria que elas têm de falar que a droga pode fazer mal, mas sem
demonizá-la” (Veja 07/10/2010). Este argumento é um sofisma porque ele apresentou
apenas um motivo para liberação das drogas, ignorando todos os outros.
166
Depois do fato, portanto devido a ele – é o erro de acreditar que porque um evento
precede outro, o primeiro deve causar o segundo. Este sofisma é muito utilizado na
atualidade. Vejamos alguns exemplos:
167
presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, ao responder a acusação dos candidatos
tucanos (do PSDB) à Dilma Rousseff, candidata à sua sucessão, de que ela estaria envolvida
em escândalos no governo, declarou: “Os tucanos têm bico grande para falar e bico pequeno
para fazer. Eles são tão sabidos que acham que nasceram sabendo das coisas”.
Falsa analogia: entre as situações apresentadas como semelhantes, há muito muitas
diferenças que semelhanças.
168
Dia 3 de maio. Dia Mundial da Liberdade de imprensa.
Dia de alerta para que isso não volte a acontecer.
Apelo a preconceito: termos carregados e emotivos são usados para ligar valores
morais à crença na verdade da proposição. Nos anúncios publicitários, apresentados a
seguir, a ideia implícita é a de que quem não adquirir a agenda não será nem graciosa, nem
bela e nem forte, e o homem que não usar a lâmina da Gilette Mach 3 (“Seja o melhor
HOJE”) não será o melhor:
169
Apelo à piedade: a aprovação do auditório é solicitada com base no estado lastimável
do enunciador.
Apelo à autoridade: a pessoa que vende o produto não está qualificada para ter uma
opinião de perito no assunto. Com certeza, a atriz que recomenda a universidade, no
anúncio, não é uma autoridade no assunto para ser digna de confiança.
170
(2005)
Apelo à tradição: o argumento fundamental é “quanto mais antigo, melhor”. “Só uma
cerveja com tanta tradição poderia reproduzir hoje a mesma excelência de sempre” foi o
único argumento apresentado no anúncio da cerveja Bohemia para defender a ideia de que
o produto é bom. Apelou-se para a tradição apenas.
171
Outro exemplo é o da notícia apresentada na primeira página do jornal O GLOBO em
2011:
172
probabilidade, seguida ainda de outra coisa, e assim por diante, descendo uma “ladeira
escorregadia”, até chegar a uma situação claramente indesejável.
Vejamos este exemplo de argumentação apresentada pelo presidente Lula ressaltando
o quanto a decisão dos consumidores de evitarem as compras poderia agravar a situação
financeira do país: "É preciso alguém dizer para ele [o consumidor] que ele vai perder o
emprego exatamente por não comprar. Na hora em que ele não compra, a indústria não
produz, o comércio não vende e em algum lugar vai estourar. E vai estourar exatamente na
produção industrial". (VEJA-05/12/2008)
Mais um exemplo:
(2014)
173
qualquer coisa para esconder seu segredo, e assim ficarão totalmente sujeitos a vantagens.
Consequentemente, não se deve permitir homossexuais em cargos públicos”.
SOFISMAS LINGUÍSTICOS
Sofisma da ênfase: são gerados pela ênfase dada a uma determinada palavra
gerando, através deste artifício, mais de um sentido para o que foi dito. Neste caso, há duplo
sentido pelo uso da palavra. Na capa da revista apresentada abaixo, a palavra
“IRRESPONSÁVEL”, colocada em destaque, gera este duplo sentido: a revista considera a
candidata como tal ou são apenas os tucanos e alguns petistas?
(ISTOE, 06/04/2008)
Sofisma da anfibiologia: é gerado pela falta de clareza no uso de uma frase ou palavra,
admitindo mais de um sentido para o que foi dito.
174
(Primeira página do jornal HORA DE NOTÍCIAS, 02/12/2011)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através da apresentação e análise dos vários sofismas em textos publicitários e
declarações da atualidade veiculados em jornais, revistas, televisão, internet, ilustramos,
neste trabalho, a importância deste assunto nas aulas de leitura das escolas brasileiras.
Através da abordagem deste assunto, cremos que os alunos poderão argumentar melhor e
desenvolver senso crítico; capacidades essenciais para serem cidadãos participantes na
sociedade pluralista em que vivemos.
175
REFERÊNCIAS
ANDRADE, José Rogério de Pinho. Falácias ou Sofismas. Disponível em
<http://jrparoge.blogspot.com.br/2011/11/falacias-ou-sofismas.html> Acesso em
23/11/2014.
BASTOS, Cleverson L & KELLER, Vicente. Aprendendo Lógica. Vozes, 1994.
BERNARDO, Gustavo. Um sofisma é um sofisma? Disponível em
<http://www.revista.vestibular.uerj.br/coluna/coluna.php?seq_coluna=25> Ano 2, n. 4,
2009. Acesso em 20/11/2014.
______. Redação Inquieta. 5ª ed. Belo Horizonte: Formato Editorial, 2000.
SAMEIRO, Julio. (Tradução e adaptação). Guia das falácias de Stephen Downes. In
<http://criticanarede.com/falacias.htm>.
GARCIA, Othon. Comunicação em prosa moderna. 7. ed. rev. Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas, 1978.
176
O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA E O LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA: UMA
REFLEXÃO NECESSÁRIA
RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo analisar de que forma o uso do livro didático
pode contribuir para que o ensino de Língua Materna seja mais produtivo. Para isso, fizemos
algumas considerações sobre o manual didático, de que maneira ele é concebido pelo
professor de Língua Portuguesa e como se dá a sua utilização em sala de aula. Desse modo,
faz-se necessário conhecer de que forma esses LDs se apresentam. Para isso, fizemos a
análise de quatro livros didáticos de Língua Portuguesa, a fim de entender de que maneira
os gêneros textuais são trabalhados, sua sequência didática e abordagem dos conteúdos
nesses manuais. Para a realização desta pesquisa, utilizamos os pressupostos teóricos da
Linguística, da Análise do Discurso e dos estudos sobre os livros didáticos, valendo-se dos
seguintes teóricos: Coracini (2011), Citelli (2005), Soares (1986), Travaglia (2009 e 2011),
Batista e Rojo (2003), Bagno (2009), dentre outros.
Palavras-chave: Livro didático. Língua portuguesa. Ensino.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Nos últimos anos, o trabalho com gêneros textuais em sala de aula vem sendo
bastante discutido entre pesquisadores da área de Língua Portuguesa. Essas discussões
tornaram-se mais conhecidas pela maioria dos educadores a partir da abordagem realizada
pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (PCN).
Os PCN visam adotar o texto como unidade de ensino e os gêneros textuais como um
objeto mediador no processo da aprendizagem. Assim, o documento reconhece a
importância de o educando e o educador perceberem a função social da língua e que seu
uso, mediante cada situação de interação comunicativa, passa a possuir características de
um determinado gênero textual.
Desse modo, o livro didático (LD) acaba por ser o recurso mais utilizado pelos
educadores em suas aulas ao abordarem os gêneros textuais e não consegue abranger
177
todos, nem mesmo relacioná-los à vivência da maioria dos alunos, pois trata-se de um
material construído para atender às classes de maneira generalizada.
A utilização dos gêneros está vinculada às questões de uso da língua e,
consequentemente, às questões socioculturais. Trabalhar com gêneros textuais é trabalhar
com a língua em uso, com as diversas maneiras com que ela se manifesta e em sua real
situação de interação comunicativa. Logo, os fatores que distinguem os gêneros textuais são
bem mais de cunho social e comunicativo que de cunho formal.
Dessa maneira, ao abordar o tema, o docente acaba por ampliar a competência
textual e discursiva em seus alunos, deixando de trabalhar fatos meramente isolados, sem
estabelecer relação com o texto (NICOLAU, 2012, p.11).
Assim, se os educadores começassem a refletir sobre o trabalho com gêneros a partir
de uma visão funcionalista, que valorizasse a língua em efetiva situação de comunicação, o
educando passaria a relacionar a teoria à sua prática cotidiana e o processo da
aprendizagem seria mais produtivo, visto que ele passaria a refletir sobre os fenômenos
linguísticos de seu idioma.
Para a realização desta pesquisa, utilizamos os pressupostos teóricos da Linguística e
dos estudos sobre os livros didáticos, valendo-se dos seguintes teóricos: Marcushi (2000 e
2008), Koch (2004 e 2012), Antunes (2002), Nicolau (2012), dentre outros.
178
pelos educadores, não devendo perder a “concepção sócio-interativa da língua” e a noção
de texto “enquanto fenômeno empiricamente realizado nos discursos cotidianos”.
Vale ressaltar que o texto está sempre em diálogo com outros textos, pois resulta de
uma atividade discursiva e, segundo Nicolau (2012, p. 82), “se organiza em função de suas
intenções comunicativas dentro de um determinado gênero, tipos relativamente estáveis de
enunciados historicamente determinado”.
Assim, explorar os GTs na sala de aula é trabalhar com a língua em seu uso efetivo e
das mais diversas formas, pois eles “são um artefato cultural importante como parte
integrante da estrutura comunicativa de nossa sociedade” (MARCUSHI, 2008, p. 149).
Para a Linguística Funcionalista, a língua deve ser valorizada a partir de seu uso
efetivo e das diversas situações de comunicação em que o falante está inserido.
Consequentemente, nessa mesma visão, o ensino de língua deve estar pautado nas
interações comunicativas, em que o educador deve valorizar a bagagem linguística com que
o aluno chega à escola, valorizando assim a sua competência linguística.
Segundo Furtado da Cunha e Tavares (2007, p.157),
Desse modo, o trabalho com os GTs seria uma forma de o docente (re)pensar sua
proposta de trabalho com LM em sala de aula, uma vez que os gêneros textuais se
determinam de acordo com o uso efetivo da língua, mediante suas variedades linguísticas e
as questões socioculturais.
Para Koch (2004, p. 162), os gêneros podem servir como
179
Logo, percebe-se mais uma vez que a caracterização dos GTs está influenciada pelo
contexto social, pela cultura da comunidade linguística. Assim, os gêneros estão repletos de
estratégias convencionais para se atingir um determinado objetivo, um objetivo linguístico
específico. Para Marcushi (2008, p.150), “cada gênero textual tem um propósito bastante
claro que o determina e lhe dá uma esfera de circulação”, pois “todos os gêneros têm uma
forma e uma função, bem como um estilo e um conteúdo, mas sua determinação se dá
basicamente pela função e não pela forma”.
Desse modo, o trabalho com os GTs é um meio de se trabalhar com a
interdisciplinaridade na escola, uma vez que envolve os âmbitos social e cultural, não
possuindo uma estrutura rígida para sua caracterização e por envolver as variedades
linguísticas.
Ainda em consonância com Marcushi (2008, p. 151),
o estudo dos gêneros textuais é hoje uma fértil área interdisciplinar, com
atenção especial para a linguagem em funcionamento e para as atividades
culturais e sociais. Desde que não concebamos os gêneros como modelos
estanques nem como estruturas rígidas, mas como formas culturais e
cognitivas de ação social (Miller, 1984) corporificadas na linguagem, somos
levados a ver os gêneros como entidades dinâmicas, cujos limites e
demarcação se tornam fluidos.
Dessa maneira, é impossível conseguir quantificar todos os GTs existentes, pois eles
se classificam mediante as diversas situações de uso efetivo da língua, ou seja, de acordo
com suas variedades linguísticas e seu uso. Assim, tornam-se heterogêneos devido às
inúmeras possibilidades de uso e de interação sociocomunicativa.
Segundo Koch (2012, p. 55),
180
textos realizados em algum gênero”. Com esta mesma concepção, Bakthin (apud KOCH,
2012, p. 57) afirma que
Sabemos que os GTs não são estruturas fixas e estáveis, pois se manifestam de
acordo com as situações de uso da língua, podendo sofrer mudanças mediante esse
contexto de interação comunicativa.
Para Koch (2008, p. 58),
como qualquer outro produto social, os gêneros textuais não são formas
fixas, mas estão sujeitos a mudanças, decorrentes das transformações
socais, de novos procedimentos de organização e acabamento da
arquitetura verbal, bem como de modificações conforme o lugar atribuído
ao ouvinte.
181
aprendizagem algo concreto e produtivo. É importante que o professor traga para a sala de
aula a diversidade dos gêneros e que os relacione com o ambiente sociocultural dos
educandos, com o intuito de que eles ampliem suas competências textual e comunicativa.
Para Koch (2008, p. 61),
Percebe-se, pois, que um ensino voltado para o trabalho com os GTs, sob a visão da
Linguística Funcionalista e Textual, só acrescenta na formação dos educadores como dos
alunos, uma vez que se valoriza a língua em real situação de comunicação, em seus mais
diversos usos, pois, como elucida Marcushi (2008), não nos comunicamos sem utilizar um
determinado gênero.
Koch (2008, p. 62) enfatiza que
Segundo Antunes (2002, p.71), há várias vantagens de se trabalhar com os GTs, mas
as principais são:
182
c) a consideração de como esses procedimentos e essas estratégias
refletem-se na superfície do texto, pelo que não se pode,
inconsequentemente, empregar quaisquer palavras ou se adotar qualquer
sequência textual;
d) a correlação entre as operações de textualização e os aspectos
pragmáticos da situação em que se realiza a atividade verbal;
e) ampliação de perspectivas na compreensão do fenômeno linguístico,
superando-se, assim, os parâmetros demasiados estreitos e simplistas do
"certo" e do "errado", como indicativos da boa realização linguística.
183
movimento, de Izeti Fragata Torralvo e Carlos Cortez Minchillo. Nosso objetivo é observar de
que forma os gêneros textuais são apresentados na coleção.
184
No livro do terceiro ano encontramos contos e romances apenas no eixo de Literatura; 5
contos e 13 fragmentos de romances.
Diante dessas constatações, podemos refletir que, de maneira geral, esses gêneros
literários aparecem em um número reduzido, mas temos consciência de que o livro didático
é apenas um suporte para os alunos e não o único caminho a seguir. Apesar de ser um
suporte, muitas vezes o livro didático é a única fonte imediata de acesso do aluno à leitura,
por isso é importante que o professor reconheça as qualidades e as possíveis falhas do
material que utiliza.
É de se estranhar, por exemplo, que no livro do primeiro ano só apareça um
fragmento de romance no eixo de literatura. Isso sugere que o professor precisa estar atento
para suprir as carências do material didático.
No livro do segundo ano, vemos a maior incidência de contos no eixo de redação, e o
romance só aparece no eixo de literatura. Esse fato se torna importante de ser considerado,
pois o conto é um texto de fácil aplicação em sala de aula, por ser curto, e o pequeno
número desse gênero na coleção requer reflexões do professor.
O livro do terceiro ano nos parece ainda mais diferenciado, pois só apresenta contos
e romances no eixo de literatura. Esse fato nos aponta uma possível falta de integração
entre os eixos e a valorização do texto literário apenas nos capítulos relacionados à
literatura. Segundo o guia do livro didático, a integração dos eixos de ensino favorece a
distribuição do tempo pedagógico, o que nos parece, mais uma vez, um pouco questionável.
Segundo o guia do livro didático, há articulação equilibrada entre os eixos de ensino,
favorecida pelo diálogo entre conteúdos específicos e temas gerais. Apesar dessa afirmação,
verificamos que, na prática, essa articulação não se mostra tão satisfatória.
O guia do livro didático resenha que a coletânea de textos é representativa da
diversidade da cultura brasileira e é de interesse do jovem, oferecendo-lhe, assim,
experiências significativas de leitura. Os gêneros são analisados dentro de suas
especificidades; por exemplo, ao introduzir o estudo de gêneros digitais (e-mail e blog), é
trabalhado o caráter não linear que caracteriza o hipertexto, bem como as características da
linguagem no espaço virtual. A coleção traz atividades que exploram a dimensão da
materialidade do texto na construção dos sentidos; o texto publicitário, por exemplo, é
185
explorado em seus recursos gráficos e em seus efeitos de sentido. Entretanto, há casos em
que a materialidade do texto, as convenções e os modos de ler próprios de determinado
gênero são ignorados. Isso ocorre, por exemplo, no tratamento didático aplicado às letras de
canções, que não considera os aspectos próprios que envolvem esse gênero. Nem sempre os
gêneros são explorados em todos os seus recursos e possibilidades, destinando-se, por
vezes, apenas a ilustrar um tópico linguístico específico.
Ainda de acordo com o guia do livro didático, considera-se que “eixo de literatura
ocupa um lugar de destaque na coleção, num trabalho bem articulado com a leitura de
textos não literários” (BRASIL, 2011). Realmente, a coleção trabalha bastante a diversidade
dos gêneros, mas deixa falhas, principalmente no trabalho com alguns textos literários.
Já na segunda etapa da análise do livro didático, levantamos os demais gêneros
oferecidos. Observamos que, na coleção, as atividades gramaticais são trabalhadas
basicamente com tirinhas e anúncios. Em nossa apreciação, só desconsideramos os
fragmentos de textos que tinham um tamanho muito reduzido. Os demais textos foram
contados na íntegra, inclusive os que foram utilizados na explicação do conteúdo.
No livro didático do primeiro ano, encontramos 137 ocorrências de texto, sendo que
32 são exemplos de textos não literários e 105 de textos literários. Percebemos que a
ocorrência de textos literários é maior no livro, apesar disso, vemos que existe uma
discrepância entre o número de textos curtos (Histórias em quadrinhos, tirinhas, cartuns e
poemas) e textos mais longos (contos, crônicas e fragmentos de romances); tivemos 88
textos curtos e 17 textos longos, conforme observamos na tabela abaixo:
1º ano
Textos literários Textos não literários
Contos 02 Artigo de opinião 04
Fragmentos de 04 Notícia 01
Romances
Poemas 48 Textos Injuntivos 05
Crônicas 03 Textos técnicos 16
Texto Teatral 03 Relato 01
Histórias em 05 Cartas 02
quadrinhos
Tirinhas 32 e-mail 01
186
Fábulas 05 Sermão 01
Charge 02 Resumo 01
Letra de música 01
TOTAL 105 TOTAL 32
Tabela 04: Quantitativo de textos encontrados no Livro Didático.
Fonte: dados da pesquisa.
2º ano
Textos literários Textos não literários
Contos 14 Artigo de opinião 04
Fragmentos de Romances 19 Notícia 02
Poemas 75 Anúncio publicitário 18
Crônicas 02 Textos técnicos 20
Texto Teatral 04 Entrevista 01
Histórias em quadrinhos 02 Reportagem 02
Tirinhas 60
Fábulas 02
Cartum 05
TOTAL 183 TOTAL 47
Tabela 05: Quantitativo de textos encontrados no Livro Didático.
Fonte: dados da pesquisa.
No livro do terceiro ano, a tendência dos demais manuais segue. Encontramos 227
textos utilizados, destes, 66 foram não literários e 161 literários. Analogamente às outras
séries, foram 138 textos curtos e 23 textos longos, como apontamos abaixo:
3º ano
Textos literários Textos não literários
Contos 05 Artigos de opinião 04
Fragmentos de Romances 13 Notícias 05
Poemas 96 Anúncios Publicitários 26
Crônicas 03 Textos técnicos 18
Texto Teatral 01 Reportagem 01
Histórias em quadrinhos 01 Cartas 05
187
Tirinhas 32 Artigos de opinião 11
Fábulas 01
Charge 02
Cartum 07
TOTAL 161 TOTAL 66
Tabela 06: Quantitativo de textos encontrados no Livro Didático.
Fonte: dados da pesquisa.
188
produção de textos. Essas unidades estão dispostas em sequência, nessa ordem sempre, em
todos os livros, do primeiro ao terceiro ano.
De acordo com o guia do livro didático, “A literatura é o eixo de ensino a partir do
qual os demais se organizam. Os temas propostos para cada unidade podem propiciar boas
discussões em sala de aula, permitindo que se associe a perspectiva cronológica a uma
abordagem mais livre e contemporânea dos textos literários selecionados. É nítida a
tendência da coleção tanto para lidar com questões gerais das escolas literárias, como para
considerar o estudo do texto como um conteúdo a ser aferido em exercícios e testes”
(BRASIL, 2011). Apesar dessa afirmação, ao verificarmos as obras, percebemos que essa
integração fica um pouco prejudicada, uma vez que a seção de literatura é a primeira a ser
trabalhada e as demais vêm em sequência, mas com pouco diálogo com as anteriores.
Ainda de acordo como guia, vemos que “O que pode prejudicar a proposta é o
excesso de conteúdos selecionados e o tratamento transmissivo dado a eles, no estilo dos
pontos gramaticais, seguidos de exemplos correspondentes e exercícios de aplicação”
(BRASIL, 2011). Essa consideração é relevante e aponta uma importante constatação, a
coleção ainda valoriza mais os pontos gramaticais do que a leitura, propriamente dita, uma
vez que se realmente fosse integrada, como aponta a resenha do guia, o estudo gramatical
facilmente se integraria aos demais pontos do conteúdo.
Chamou-nos a atenção essa consideração e que, na prática, foi observada nos livros,
a respeito da parte direcionada à literatura: “A perspectiva predominante não é a da
formação do leitor, mas a do estudo dos contextos históricos, associada ao exame das
características de cada período, tendência estética ou estilo autoral” (BRASIL, 2011). Essa
afirmação nos faz refletir bastante, pois comprova o que defendemos nesta pesquisa, de que
o estudo de literatura na escola, na maioria das vezes, não consegue ultrapassar a mera
localização temporal, sem muito vínculo com o texto.
O desenvolvimento de capacidades leitoras é parcialmente limitado pelo
compromisso da subseção em explicitar informações relacionadas à exploração do tema da
unidade e em recortar questões de conhecimentos linguísticos a serem abordadas nas
subseções seguintes. Textos multimodais, assim como aqueles dirigidos especificamente à
189
faixa etária esperada dos alunos, estão pouco presentes, tampouco se evidencia, na
coletânea, a diversidade cultural brasileira.
No livro do primeiro ano encontramos 189 ocorrências de texto, sendo 152 literários
e 37 não literários. Como na primeira coleção, um número consideravelmente maior de
textos literários, mas, novamente, vemos que os textos mais longos, como contos, crônicas e
romances, são 30, enquanto os textos curtos, poemas, tirinhas, entre outros, aparecem 122
vezes, como demostramos na tabela abaixo:
1º ano
Observamos que a existência dos textos mais longos ainda se mostra pequena nos
livros didáticos vistos até aqui. De acordo com o guia do livro didático “Em sala de aula,
será necessário propiciar aos alunos um contato direto com os textos literários, abrindo-se
espaço para a fruição e o desenvolvimento da leitura autônoma” (BRASIL, 2011),
justificando ainda mais a proposta de nossa pesquisa.
Analisando o livro didático do 2º ano, observamos as seguintes ocorrências de textos:
2º ano
3º ano
191
Comparação das coleções de Livros Didáticos
Como vimos, as duas coleções se aproximam bastante quanto ao número de textos
que apresentam: no total, vemos que a coleção Português linguagens traz 449 textos
literários e 145 textos não literários; já a coleção Linguagem em Movimento traz 458 textos
literários e 173 não literários. Na porcentagem dos textos, vemos 4% de contos, 10% de
romances e 39% de poemas; 21% dos demais textos literários e 26% de textos não literários.
As obras didáticas apresentam uma grande quantidade de poemas, quase igual ao número
de textos não literários.
Como constatamos, o número maior de textos é literário, mas, apesar disso, vemos
poucas ocorrências de contos e romances. Quando estes aparecem, se mostram apenas em
fragmentos pequenos e pouco trabalhados. Observamos também que a maior incidência de
textos literários é de poemas e tirinhas, ou seja, textos curtos e de leitura mais rápida e fácil.
O livro didático é extremamente importante, pois, como afirma Cafiero e Corrêa:
Cafiero e Corrêa (2003) realizaram uma pesquisa com quatro coleções de livros
didáticos e também puderam perceber que, como em nossa investigação, os manuais
apresentam um número bem maior de textos literários, em detrimento dos não literários.
De maneira análoga, o número de textos curtos encontrados na pesquisa citada também é
considerável e maior que os demais, como fragmentos de romances. Podemos ver isso no
texto de Cafiero e Corrêa (2003):
O número de textos literários presentes nas duas coleções analisadas, assim como
nas quatro estudadas no trabalho de Cafiero e Corrêa (2003), se justifica na medida em que
um dos critérios estabelecidos pelo PNLD é a presença significativa de textos literários nos
192
livros. Sendo assim, percebemos que todos os manuais demonstram a preocupação de
suprir essa exigência, mesmo que o trabalho com os textos muitas vezes não seja tão
eficiente e significativo.
Outra consideração importante é que nem todos os textos apresentados são
trabalhados com questões de interpretação e leitura. Muitos deles aparecem apenas como
meros exemplos de questões gramaticais. Cafiero e Corrêa (2003, p. 293) constataram:
“Uma tendência que parece se confirmar na análise das coleções é a utilização em larga
escala de fragmentos de narrativas em vez de uso de textos completos”.
Notamos, também, que parece haver, nas coleções, a construção de um gênero
escolar. Isso seria a seleção de certos textos, com algumas características comuns, como
tamanho pequeno e compromisso com uma forma mais fácil de ler, com um grau de
dificuldade menor. Ainda segundo Cafiero e Corrêa (2003, p. 296), “geralmente esses textos
não possibilitam a emancipação do leitor e a ampliação do seu horizonte de expectativas”.
Isso demonstra, mais uma vez, a importância de propor leituras diferenciadas e de
textos completos. As coleções vistas nos mostram uma gama variada de textos importantes,
que se mostram relevantes; o problema é que muitos gêneros, como os fragmentos de
romances e contos, são pouco trabalhados e requerem uma aplicação de novas propostas
selecionadas pelo professor, como afirma Cafiero e Corrêa (2003):
193
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em um mundo globalizado, marcado pelas imensas transformações tecnológicas,
torna-se imprescindível que a escola busque recursos para que o processo de ensino-
aprendizagem, principalmente o de LM, torne-se mais produtivo e que leve o aluno à
reflexão.
Através de todas as abordagens realizadas neste trabalho, percebemos os gêneros
textuais um dos elementos que vêm ganhando maior relevância, nos últimos anos, no
trabalho com Língua Materna. Assim, os atores envolvidos no processo da aprendizagem
devem estar cientes de que essa abordagem não é meramente formal, mas também
funcional.
Dessa maneira, a caracterização de um determinado gênero estará relacionada às
diversas formas como a língua se manifesta, ou seja, de acordo com a interação
sociocomunicativa.
Logo, a importância de se trabalhar com os gêneros em sala de aula está vinculada a
se estudar a língua em uso, em situação comunicativa, em sua total funcionalidade,
deixando de se privilegiar apenas as questões formais e valorizar, também, as funcionais.
Diante da grande relevância em se trabalhar com os gêneros textuais, o educador
acaba por encontrar nos LDs a principal fonte de se explorar o conteúdo, sendo que estes
não conseguem abranger toda essa abordagem. Vale destacar, também, que a grande
maioria desses recursos pedagógicos dá mais ênfase ao trabalho formal com os gêneros do
que com sua funcionalidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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implicações pedagógicas. Perspectiva, Florianópolis, v. 20, n. 01, jan./jun. 2002, p. 65-76.
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introdução aos parâmetros curriculares nacionais / Secretaria de Educação Fundamental. –
Brasília: MEC/SEF, 2011.
194
CAFIERO, Delaine; CORRÊA, Hércules Toledo. Os textos literários em quatro coleções de
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KOCH, Ingedore Villaça. Introdução à linguística textual: trajetória e grandes temas. São
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______; ELIAS, Vanda Maria. Ler e escrever: estratégias de produção textual. 2 ed. São
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MARCUSCHI, Luiz Antonio. Gêneros Textuais: o que são e como se classificam? Recife:
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__________. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola
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MINCHILLO, Carlos Cortez; TORRALVO, Izeti Fragata. Coleção Linguagem em Movimento.
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NICOLAU, Roseane Batista Feitosa. Gêneros textuais no livro didático de língua
portuguesa. João Pessoa: Editora Ideia, 2012.
195
EXPRESSÃO SOCIAL: UM CRUZAMENTO ENTRE A PALAVRA E O CONTEXTO DE PRODUÇÃO
DO DISCURSO
RESUMO: Como resultado da análise teórica e prática de alguns cartazes expostos durante
as manifestações ocorridas no Brasil em 2013, este artigo propõe a reflexão acerca de como
a inscrição da língua em determinado contexto de produção do discurso pode elevá-la à
expressão da ideologia que, sustentada pelas características que compõem o enunciado,
materializa a comunicação social. Adotou-se, em razão da proposta deste trabalho, a
pesquisa bibliográfica como metodologia capaz de dar conta das discussões a respeito do
cruzamento entre a palavra e o contexto de produção do discurso, considerando-se, ainda, a
existência de farta bibliografia a partir da qual é possível entender como se manifesta a
expressão social por meio da palavra, considerada como sustentáculo ideológico. Para isso,
articularam-se os pressupostos teóricos de Bakhtin (2009) aos de outros autores que
discutem a respeito do emprego da língua como prática social. Ao fim, conclui-se que as
noções puramente gramaticais não são capazes de explicar o comportamento linguístico
específico da palavras, porque não dispõem de mecanismos e propriedades flexíveis o
suficiente para a incursão no campo da inter-relação entre o social e o linguístico.
Palavras-chave: Campo discursivo. Signo linguístico. Expressão social.
PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES
Durante o ano de 2013, o Brasil foi palco de inúmeras manifestações populares em
prol de necessárias mudanças nos alicerces sobre os quais a sociedade brasileira se sustenta.
Milhares de cidadãos, alijados de seus direitos e sujeitos a serviços públicos de qualidade
duvidosa, saíram às ruas e fizeram ressoar a voz de uma nação que, adormecida, parecia
despertar para o advento de novos tempos, quando o eco da massa popular passaria a ser
ouvida pelos burocratas e representantes eleitos democraticamente.
Em meio às reivindicações, iniciadas graças à insatisfação geral com as tarifas
abusivas cobradas pela utilização de um transporte público deveras precário, destacava-se o
clamor pelo investimento em educação e saúde de qualidade, em segurança pública e pelo
combate à corrupção. Inúmeros foram os cartazes que ilustraram os protestos e reforçaram
o caráter ideológico das manifestações, especialmente no que diz respeito à educação.
196
Palavras de ordem e pedidos representativos de transformação social inundaram as ruas e
aqueceram as discussões políticas acerca da conduta a ser adotada em uma clara situação
de crise.
Nesse cenário, as palavras ficaram destituídas da simples obrigação de comunicar,
revestindo-se de função social cujo entendimento só pode ser alcançado se considerado o
contexto em que elas foram produzidas. As normas gramaticais foram empregadas em outro
patamar de significação, servindo de esteio à expressão ideológica que se quis atingir. Os
produtores dos discursos, apoiados na estruturação ortográfica propositada, exprimiram
suas intenções e descontentamentos, bem como reclamaram mudanças urgentes.
Assim, dada a profundidade de tais discussões acerca de como a palavra se eleva a
estatuto ideológico a depender do contexto em que é utilizada, não se pretende exaurir as
vias de análise dos cartazes escolhidos como corpora deste trabalho tampouco promover
uma reflexão puramente sociológica, mas ponderar sobre como a inter-relação mantida
entre a palavra, considerada como signo ideológico, e o contexto de produção do discurso
pode produzir expressão social com auxílio de mecanismos da norma da língua.
197
“chocam por sua indefinição teórica” (idem, p.15). Em razão disso, ainda que não se possam
negar as contribuições do linguista genebrino, este trabalho não se apoiará em sua obra
Curso de Linguística Geral.
Ao refletir sobre o objeto da Linguística, Fiorin (2013, p. 47) explica que “Saussure
compara a linguagem a um jogo de xadrez”, sendo que o jogo constituiria o sistema regular e
invariante, ao qual importariam apenas as peças e as regras. A esse sistema Saussure
denominou langue (língua) – seu foco de estudo – em oposição ao que chamou de parole
(fala), caracterizada como “variável, concreta, real, individual” (idem, p. 50).
Apesar disso, o conceito de signo linguístico proposto pelo estruturalismo4 de
Saussure, como uma imagem acústica (significante) que remete a um conceito (significado),
é amplamente explorado pelos estudiosos da linguagem, que dele se valem como ponto de
partida para as análises relativas aos significados que podem ser impressos às palavras
dependendo do contexto discursivo em que são produzidas. Isso significa que a forma
linguística deve ser percebida como um signo mutável, já que este é, “por natureza, vivo e
móvel, plurivalente” (BAKHTIN, 2009, p 15).
A mutabilidade do signo linguístico pode ser notada tanto em relação ao significante
quanto em relação ao significado. Mudanças propositadas na disposição das letras que
compõem um significante podem produzir um novo significante, o qual, por sua vez, gera
um novo significado, mais amplo ou mais restrito conforme a intencionalidade do produtor
do discurso em que o signo, vivo, é inserido.
Nesse sentido, “o discurso é um produto social, resultante da enunciação” (DISCINI e
FIORIN, 2013, p. 184) e se manifesta por meio do texto, este “como um modo de naturalizar
e vulgarizar realidades sociais, como instrumento de autoridade, e como o meio (e a medida)
da disputa política” (HANKS, 2008, p. 153). Com efeito, o discurso se aproxima do uso social
que é dado à língua e tem um propósito que supera a significação primeira que um
enunciado aparenta apresentar, servindo como meio de atingir um efeito.
Acerca disso, explica Maingueneau (2004):
4
De forma sucinta, ao estruturalismo de Saussure, em termos linguísticos, interessava “descrever num
determinado estádio da língua (isto é, sincronicamente), as unidades pertencentes aos diversos níveis da língua
(fonemas, morfemas, etc.), sua posição no sistema e suas regras combinatórias. Foi essa a razão pela qual,
durante o estruturalismo [...], a fonologia e a morfologia tiveram grande desenvolvimento” (KOCH, 2012, p.
8).
198
Considera-se, geralmente, que cada enunciado é portador de um sentido
estável, a saber, aquele que lhe foi conferido pelo locutor. [...] A reflexão
contemporânea afastou-se dessa concepção da interpretação dos
enunciados: o contexto não se encontra simplesmente ao redor de um
enunciado que conteria um sentido parcialmente indeterminado que o
destinatário precisaria apenas especificar. Com efeito, todo ato de
enunciação é fundamentalmente assimétrico: a pessoa que interpreta o
enunciado reconstrói seu sentido a partir de indicações presentes no
enunciado produzido, mas nada garante que o que ela reconstrói coincida
com as representações do enunciador (idem, p. 19-20).
5
Enunciação seria o ato de enunciar, isto é, a evocação crítica de um enunciado.
199
mesmo”, relacionando a ideologia ao signo linguístico de tal forma que “sem signos não
existe ideologia” (idem, p. 31). Isso significa que os signos emergem na consciência individual
por meio da interação social, que só possível através da palavra6, isto é, “um material
flexível, veiculável pelo corpo” (idem, p. 37).
Nessa ótica, o fenômeno ideológico é produzido pela linguagem7, mais precisamente
pela palavra, em razão da capacidade de representar uma realidade social. Assim, “o
processo de simbolização da linguagem exige um sistema fonético que articule imagens
acústicas ‘gerando’ o símbolo, o qual proporcionará condições para a produção de
conceitos/pensamentos” (SEVERO, 2004, p. 128). Para Orlandi (2010, p. 96), a ideologia é
“mecanismo estruturante do processo de significação”, o qual “se liga inextricavelmente à
interpretação enquanto fato fundamental que atesta a relação da história com a língua, na
medida em que esta significa”.
Por fim, há de se observar que essa articulação entre a palavra e a ideologia é
possível graças à existência do signo linguístico inscrito na realidade social, afinal não se
pode “entrar no domínio da ideologia, tomar forma e aí deitar raízes senão aquilo que
adquiriu um valor social” (BAKHTIN, 2009. p. 46).
6
Bakhtin (2009, p. 38) elenca em Marxismo e Filosofia da Linguagem as propriedades que fazem da palavra “o
objeto fundamental para o estudo das ideologias”, quais sejam: pureza semiótica, neutralidade ideológica,
implicação na comunicação humana ordinária, possibilidade de interiorização e presença obrigatória em todo
ato consciente.
7
Hjelmslev (1975 apud FIORIN, 2013, p. 14) afirma que “a linguagem é o instrumento graças ao qual o homem
modela seu pensamento”.
200
Figura 1: A questão ortográfica
Fonte: www.tvdoservidorpublico.com
201
desvio genuíno de norma, pois estão revestidas de um fundo ideológico que se sobrepõe à
realidade ortográfica do cartaz, evidenciando que a ”palavra é um fenômeno ideológico por
excelência” (idem, 2009, p. 36), capaz de expressar uma relação social.
Nessa direção, a contraposição entre educação e “educassão” representa, de forma
ideológica, respectivamente a educação acessível que se gostaria de ter, capaz dar aos
indivíduos conhecimento para se expressar diante daquilo que não lhes agrada e daqueles
que não os representam, e a “educassão” que se tem: falha, despreocupada e inacessível. O
que ocorre na Figura 1, entretanto, é que quem a manejou se valeu conscientemente de um
dos aspectos da própria realidade educacional, representada pelos desvios ortográficos,
para tecer uma forte e pertinente crítica à atenção dispensada à educação brasileira.
Tomando como pressuposto o legado de Bakhtin (2009), o discurso social contido no
cartaz pode ser relacionado às noções de infraestrutura e superestrutura. Basta analisar o
sentido em que é tomado o vocábulo “educassão”, como representante da sistema
educacional que se acredita estar instalado no país, ou seja, como a realidade educacional
em si (infraestrutura) que, tomada como signo ideológico (superestrutura), e não como um
desvio de norma, deveria ser convertida em educação. Logo, desconectada de um contexto
social, “educassão” não passaria de um equívoco ortográfico ou erro de escrita. Contudo, ao
ser imersa no ambiente da manifestação, a expressão comunica muito mais que um desvio,
alcançando a ideia sobre a realidade, isto é, ideologia, como se a dicotomia educação x
educassão representasse, de fato, a educação que se pretende e aquela a que se tem
acesso.
Nessa ótica, o modo como é empregada a palavra no discurso específico pode elevá-
la ao status de produtora de “lentas acumulações quantitativas de mudanças que ainda não
tiveram tempo de engendrar uma forma ideológica nova e acabada” (BAKHTIN, 2009, p. 42),
demonstrando que, associada a contextos sociais diversos, a palavra adotará significações
também diversas, as quais não devem ser desvinculadas do propósito ideológico que as
reveste.
202
De forma também propositada, a Figura 2 (a seguir exposta) emprega vocábulos em
aparente desacordo com a norma padrão8. Contudo, diferentemente do que ocorre na
Figura 1, os pontos enfáticos do discurso são intencionalmente marcados pelas aspas,
significando que
8
Bagno (2007) prefere a expressão norma padrão à norma culta, pois considera que, se ambas fossem
sinônimas, o falantes considerados cultos conheceriam e aplicariam o que é chancelado como padrão
normativo. O que ocorre, entretanto, é que os falantes ditos cultos não falam ou escrevem exatamente
conforme as previsões da gramática normativa, revelando que, mesmo os indivíduos mais escolarizados e mais
urbanos, considerados cultos, não seguem à risca o padrão que lhes é imposto.
203
próximas marcações com as aspas. No entanto, o vocábulo em questão, de per si, não evoca
o social, senão quando imerso no contexto das manifestações. De forma isolada, o primeiro
vocábulo marcado nada mais seria que uma conjunção9 coordenativa adversativa grafada
em desconformidade com as normas ortográficas vigentes, mas, por estar imerso em um
contexto claramente social, tal vocábulo tem seu status alterado, passando a signo porque
9
A gramática normativa classifica a palavra mas como conjunção. Em termos puramente classificatórios, o
normativismo não estaria apto a identificar a expressão ideológica no vocábulo em razão da preocupação
prescritivista que lhe é inerente.
10
Nota-se que o nome é, em outras palavras, um antropônimo, já que “Di‘u’ma” é grafado com letra inicial
maiúscula, em referência à Presidenta da República.
204
fonética11 para revelar uma assimetria social que encontra respaldo no contexto de
produção do discurso.
11
Optou-se pela noção de Fonética em vez da de Fonologia porque, segundo Sacconi (2001, p. 22), esta
“estuda os sons da língua”, enquanto aquela, “os sons da fala”. Além disso, não seria possível a alusão a
situações normativas sem que, de alguma forma, fossem utilizados conceitos também normativos, embora este
não seja o foco deste trabalho.
205
Dessa forma, não se pode reduzir o discurso social que se apoia em palavras –
tomadas como signos, entretanto – a simples mecanismos gramaticais. Contudo, é preciso
entender que tais mecanismos são o suporte que possibilita a interpretação da palavra como
signo, e não como mero vocábulo destituído de significado social. Interpretar de forma
reducionista, desconsiderando o fator ideológico que impregna o discurso e a sua
propriedade de mutação significativa a depender do contexto social, é rejeitar que “a
interação e a linguagem na interação são fenômenos de alta complexidade por envolverem
múltiplos fatores em múltiplas relações” (FARACO, 2009, p. 143).
Outro aspecto que merece observação e que de fato representa a elevação da
palavra ao status de signo é a questão sintática que, juntamente com a ortográfica e a
fonética, destaca-se na Figura 4 conforme se pode observar a seguir.
Por já terem sido explorados nos cartazes analisados anteriormente, não se
discorrerá sobre as questões ortográfica e fonética na Figura 4, mas apenas sobre a sintática
que se evidencia na relação de não concordância entre os sujeito “nois”, representado por
um pronome12 pessoal do caso reto, e o verbo “priciza”.
12
A gramática normativa classifica o vocábulo nós como pronome pessoal do caso reto. A Linguística do
Discurso prefere a denominação proformas em vez de pronomes, já que essa categoria de palavras ora
substitui, ora acompanha um nome.
206
Figura 4: A questão sintática
Fonte: www.permanecerecompartilhar.blogspot.com
Não fosse o contexto em que a combinação sintática foi apresentada, ela poderia ter
inúmeras explicações, tais como a normativa13 e a linguística. No entanto, dado o contexto
social de produção, o desvio na sintaxe14 de concordância chama a atenção ao aspecto
educacional sem que, para isso, seja registrado um propositado desvio da palavra educação,
como ocorreu em todos os corpora submetidos à análise. Nesse caso, o clamor pela
educação de qualidade se manifestou ortográfica, fonética e sintaticamente.
Relativamente à sintaxe da Língua Portuguesa, as gramáticas prescrevem como regra
geral que o verbo deve concordar com o núcleo do sujeito a que está vinculado (NICOLA e
INFANTE, 1997), o que não ocorre no registro do cartaz. A rigor, essa não concordância não
decorre do desconhecimento ou do desprezo ao que é prescrito pelos compêndios
gramaticais. Aliás, se assim o fosse, todos os fenômenos da linguagem estariam reduzidos ao
tratamento da Linguística do Sistema15. Ao contrário, o efeito social produzido pelo discurso
decorreu do conhecimento da regra geral de concordância, a qual foi manipulada para
atingir o propósito de ilustrar a ausência e/ou precariedade da educação que se quer
extirpar da sociedade.
Ocorre que, na Figura 4, “as formas do signo são condicionadas tanto pela
organização social de tais indivíduos como pelas condições em que a interação acontece”
(BAKHTIN, 2009, p. 45), estendendo-se às redes combinatórias propostas pela sintaxe.
Assim, “cada signo linguístico possui seu tema”, este considerado como “a realidade que dá
lugar à formação de um signo” (idem, p. 46) e, sendo forma e tema indissoluvelmente
ligados, quando a palavra se eleva a signo, veiculando ideologia, passa a “produzir
13
O normativismo, considerado como o exame do fenômeno da linguagem efetuado pela gramática
tradicional, também faz parte da linguística, tal como hoje é compreendida (WEEDWOOD, 2002). Optou-se aqui
pela separação entre gramática e linguística apenas em razão do tratamento diverso que uma e outra dão à
linguagem, bem como devido às reflexões propostas neste trabalho.
14
Sintaxe é a ordem linguística que se deve seguir na elaboração de uma frase ou oração, segundo Sacconi
(2001).
15
Expressão utilizada por KOCK (2012) para designar os princípios básicos da linguística moderna cuja
paternidade é atribuída a Ferdinand de Saussure.
207
evidências, colocando o homem na relação imaginária com suas condições materiais de
existência” (ORLANDI, 2010, p. 46).
Em suma, “a ideologia não é a ocultação mas função da relação necessária entre a
linguagem e mundo” (idem, p. 47), o que desloca o simples desvio de concordância verbal a
um propósito que se inter-relaciona com aquilo que se pretende comunicar socialmente: a
questão da educação e a necessidade de professores. Nesse último caso, o discurso contido
no cartaz dá ao professor a condição de transmissor16 do saber, sem o qual os deslizes de
norma não podem ser sanados, mais uma posição ideológica inscrita em um infinito de
possibilidades interpretativas que o contexto de produção do discurso pode proporcionar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entendida como forma de expressão social, a língua, permeada pelo contexto
discursivo em que se insere, abandona os rudimentos de mera exteriorização do
pensamento que justificam seu uso, alcançando um patamar superior de comunicação social
e ideológica, que pode ser experimentado conforme o contexto de produção. Os estudos de
Bakhtin (2009) a propósito da concepção social do discurso e de como ele se constitui na
interação são de suma importância para entender o aspecto mutável da língua, além de
como seu emprego pode se estruturar de forma mais elevada, significando ideologia.
Nos cartazes selecionados como corpora para este trabalho, observou-se que o
contexto das manifestações populares de 2013, que serviu de base para sua confecção,
propiciou e impulsionou não apenas um amontoado comunicativo de palavras sem nexo
contextual, mas um complexo jogo de palavras expressivo e ideológico que, com o suporte
dos conhecimentos gramaticais manipulados propositadamente, foi capaz de evidenciar a
capacidade articulatória múltipla das palavras. Estas, alteadas a signo, passam a evidenciar o
desejo de mudança, não por meio de simples pedidos, mas de elaborados emaranhados que
permitem o emprego da língua como prática social, levando a duas ilações complementares
entre si acerca do comportamento das palavras em um contexto específico, ainda que
pareçam um tanto contraditórias.
16
Como a discussão acerca do papel do professor no ensino da Língua não é pretensão deste trabalho, para
maior aprofundamento sobre o tema, ler Ilari e Basso (2006), Nóvoa (1999), Perini (1985) e Soares (1986).
208
A primeira conclusão a que se chega é a de que, devido ao forte apelo social dos
cartazes no contexto de produção, as noções puramente gramaticais não são capazes de
explicar o comportamento linguístico específico das palavras, porque não dispõem de
mecanismos e propriedades flexíveis o suficiente para a incursão no campo da inter-relação
entre o social e o linguístico. As normas gramaticais, se aplicadas fora do contexto de
produção específico do discurso, não se furtam da tendência classificatória e dicotômica que
lhe é inerente. Além disso, quando empregadas como suporte para o entendimento da
elaboração da expressão social, tais normas ficam relegadas a papeis secundários e
insuficientes do ponto de vista explicativo.
Apesar disso, as normas gramaticais sustentam um aporte teórico sem o qual não
seria possível dar início à análise de corpora como os cartazes que foram selecionados. É a
partir da suposta noção de erro e acerto que gravita em torno da gramática que se podem
atingir os objetivos comunicativos propostos. Assim, na ausência de conceitos como esses, a
análise seria quase vazia do ponto de vista da Linguística do Discurso17, graças à relação de
interdependência entre esta e a Linguística do Sistema. Isso significa que restaria uma
análise sociológica combinada a uma frágil análise linguística. Nessa perspectiva, nota-se
que, uma vez que os textos inscritos nas gravuras são relacionados ao assunto educação,
seria quase inevitável não apontar questões ortográficas, fonéticas, sintáticas ou mesmo
uma compilação delas, haja vista que daí parte o efeito do clamor social.
Assim sendo, é o contexto de produção do discurso que fornece os subsídios
analíticos necessários ao exame do objeto de estudo. Sem o contexto, os signos linguísticos
são reduzidos a palavras soltas que mais servem de peças às estruturas normativas. Com ele,
todavia, o signo linguístico, sendo signo ideológico, “vê-se marcado pelo horizonte social de
uma época e de um grupo social determinados” (BAKHTIN, 2009, p. 45).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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São Paulo: Parábola Editorial, 2007.
17
Para Koch (2012, p. 9), a Linguística do discurso é “uma linguística que se ocupa das manifestações
linguísticas produzidas por indivíduos concretos em situações concretas, sob determinadas condições de
produção”.
209
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WEEDWOOD, B. História concisa da Linguística. 1ª ed. São Paulo: Parábola Editorial,
2002.
210
211
LETRAMENTO DIGITAL: O CONSUMO E AS RESSIGNIFICAÇÕES DAS TICs
INTRODUÇÃO
Pensar na inclusão das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) no espaço
escolar significa também investigar como estão sendo realizadas a capacitação docente e a
circulação dos saberes, já que, como bem afirmam Pretto; Silverio (2008), para se alcançar
“novas educações”, faz-se necessário buscar as potencialidades presentes nos usos destas
tecnologias. Mas para estes autores, a presença de tais instrumentos nas escolas não implica
necessariamente usos efetivos e ganhos no processo de ensino-aprendizagem.
Apesar de se reconhecer as contribuições das TICs na contemporaneidade, evidencia-
se nos sujeitos que transitam nas escolas públicas da periferia acessos desiguais a essas
novas tecnologias. Este ponto, a nosso ver, revela relações assimétricas de poder discutidas
nos axiomas do Marxismo (MARX; ENGELS, 2000), que podem ser localizadas nas entrelinhas
dos “discursos” sobre a Inclusão Digital (BONILLA e PRETTO, 2007). Estas questões já re-lidas
e repensadas no seio dos Estudos Culturais e suas consequências para as práticas educativas
(HALL, 2003b; DE CERTEAU, 1999), principalmente nas escolas públicas deste país,
motivaram a formulação deste projeto.
212
Nesta nova realidade, as escolas e, de modo muito pontual, os professores se
percebem “lançados” num “mundo à parte”, na dita cibercultura18, e como se não bastasse,
descobrem que precisam superar mais este desafio imposto pela dinâmica neoliberal, para
que não sejam de fato “desconectados” deste processo (BONILLA e PRETTO, 2007). Deve-se
destacar que este discurso também se materializa nas angustiadas vozes docentes ecoadas
durante formação continuada para professores de língua materna, numa escola pública do
município de Feira de Santana e que essas vozes refletem e impulsionam a proposta deste
projeto.
É preciso explicar que quando fomos convidados a trabalhar com estes professores,
uma das propostas era fomentar e diversificar práticas de leituras e escritas em sala, ou seja,
propostas voltadas às práticas de letramento (KLEIMAN, 2006; SOARES, 2002; ROJO, 2007).
Logo no primeiro encontro, e para nossa surpresa, vieram perguntas do tipo: vamos
aprender a usar a lousa digital19? Como podemos fazer o aluno se interessar por ler e
escrever a partir desta lousa digital? Por que só agora é que chegou a formação? Enfim,
sentimos muita euforia nesses atores sociais, ávidos por aprender, por serem incluídos na
TIC/lousa digital que a escola dispunha, mas que, segundo eles, até aqui só era usada para
projetar filmes.
Devido ao ocorrido, convocamos a coordenação da escola e solicitamos uma visita e
apresentação à dita lousa digital. Uma questão importante a saber é que, segundo a direção
da escola, a administração pública desta cidade diz defender a Inclusão Digital (ID) e usou
este argumento para implantar um projeto denominado Feira Digital20 que se direciona
especialmente aos segmentos da Saúde; Segurança e Educação. Embora a Saúde e a
Segurança sejam aspectos relevantes, em nossa proposta de pesquisa interessa-nos analisar
o segmento Educação, e mais especificamente os efeitos no ensino e na formação dos
professores desta escola, após a implantação da lousa digital na sala de aula.
18
Para Pierre Levy (1999), a cibercultura é “o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de
atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o ciberespaço” (p.17).
19
Também desconhecíamos seu funcionamento, sabendo da existência desta nova ferramenta de ensino tão
somente mediante chamadas da mídia local.
20
Segundo a direção da escola, este projeto foi recém implantado em Feira de Santana (1 ano) e o modelo fora
importado do estado do Paraná. O texto sobre o projeto Feira Digital está disponível no site:
http://www.pmfsdigital.ba.gov.br.
213
Destarte, compreendemos que eis aí algo que vale a pena investigar: (i) por ser um
tema interessante e atual, que lança um olhar à inclusão digital de grupos minoritarizados21;
(ii) para discutir mais de perto sobre o Letramento Digital22 um novo suporte para leitura e
escrita e sua interface no par de opostos acessos-usos efetivos, que vem quebrando
paradigmas dentro das escolas e (iii) pela novidade da pesquisa, posto que ainda não se
realizou neste município um estudo etnográfico das identidades docentes e suas
representações quanto ao consumo das TICs, bem como os impactos da lousa digital como
uma ferramenta de ensino, buscando entender seus efeitos e possíveis ganhos para a
educação não só nesta escola, mas que possa dialogar com realidades mais amplas.
Em detrimento do estado inicial deste trabalho, optou-se pelo Ensaio Teórico como
forma de apresentar os primeiros achados da pesquisa, por entender que este consiste em
exposição lógica, reflexiva e argumentativa de estudos realizados. Buscou-se ter uma
rigorosa análise dos textos, ainda que tenha havido um alto nível de interpretação e
julgamento pessoal, comum a este tipo de trabalho – o Ensaio Teórico. É sabido que no
ensaio há maior liberdade por parte do autor, no sentido de defender determinada posição
sem que tenha que se apoiar no rigoroso e objetivo aparato de documentação empírica e
bibliográfica, como acontece em trabalhos de outra natureza.
Acreditamos na relevância de um estudo desta, haja visto que as questões culturais e
educacionais que fundamentam este trabalho pretendem lançar um olhar reflexivo/crítico:
sobre as políticas de inclusão digital, sendo Feira de Santana apenas um ponto de partida; a
respeito do letramento digital, que acreditamos transitar entre os territórios da escola e da
comunidade; e sobre a formação continuada e sua importância para permitir a esses
professores uma aprendizagem efetiva, para que possam se apropriar das novas tecnologias
que estão disponíveis na escola.
21
Falar de minorias aqui é pensar nas relações desiguais de acessos à cibercultura e usos efetivos,
especialmente, num contexto de escola pública de um bairro periférico, cujo corpo docente afirma sentir-se
abandonado e “perdido”, sem o apoio/formação que venha conduzir práticas educativas com as TICs em sala
de aula.
22
Estamos cientes que o trabalho com letramento digital, em alguma medida, já está sendo feito no interior
desta linha de pesquisa (a exemplo da defesa da Msc. Úrsula Nascimento de Sousa Cunha). Por outro lado, há
questões que ainda não foram tocadas, e que acreditamos ser discussões bem oportunas para o Mestrado em
Crítica Cultural.
214
O EMBASAMENTO DA PROBLEMÁTICA
Não há como ignorar que pensar em educação na contemporaneidade é
compreender que a introdução maciça das TICs em todas as esferas sociais abriu espaço
para uma nova dinâmica docente no modo de ser e de fazer pedagógico nas escolas
brasileiras. Cabe salientar: abriu espaço, visto que o simples fato de acessar as novas
tecnologias ou a presença de salas de informática nas escolas não pode ser considerado
como políticas de ID, uma vez que não necessariamente implica transformação das
tradicionais práticas de ensino-aprendizagem (BONILLA e PRETTO, 2007; SANTAELLA, 2008).
Atualmente, os estudos de Libâneo (2002) e mais adiante de Costa (2009) anunciam
que há necessidades na escola, envolvendo diretamente as práticas reflexivas docentes e as
questões de formações continuadas, as quais precisam ser revistas mais de perto. Portanto,
há uma questão que muito nos incomoda e que precisa ser combatida que é quando a
sociedade credita a responsabilidade do caos no ensino e, em especial, do ensino nas escolas
públicas apenas ao corpo docente. Muitas vezes, não se reflete que a classe de professores
pode ser/estar pouco instrumentalizada para lidar com as novas configurações educacionais
oriundas dos estudos pós-modernos (HALL, 2003b) e dos adventos das TICs.
Quando direcionamos a lente investigativa às escolas públicas brasileiras e às
políticas de ID, é possível constatar que pouco se conseguirá com programas que não
realizem ações que garantam à população condições para o uso efetivo das TICs com o
intuito de promover o desenvolvimento e reduzir as desigualdades. Dessa maneira, a ID
precisa ser ainda mais discutida e exigida nos espaços escolares como uma possibilidade de
subverter as relações de poder e as formas opressoras que se sustentam e se perpetuam
através da imposição de necessidades neoliberais (MARX; ENGELS, 2000).
Bonilla (2010) acrescenta que o número de professores que propõem atividades de
aprendizagem articuladas diretamente com as TIC é reduzido porque lhe falta formação
continuada para trabalhar com as novas linguagens presentes nestes espaços. De acordo
com Soares (2002), nestes trabalhos precisam ser introduzidas novas práticas sociais de
leitura/escrita, oportunizadas pelo computador e Internet e nomeadas por Letramento
Digital.
215
Outro autor envolvido com os estudos sobre Letramento Digital definiu-o como
conjunto de práticas sociais que “se apóiam, entrelaçam e apropriam mútua e
continuamente por meio de dispositivos digitais para finalidades específicas [...]” (BUZATO,
2007: 16), o qual se difere das práticas de leitura e escrita existentes na cultura do texto
impresso. Para Soares (2002), há vários desafios enfrentados nas escolas públicas brasileiras
quando se pensa no letramento digital, os quais não só se localizam no ponto de escassez
e/ou implantação das novas tecnologias no espaço escolar (televisores, DVD, rádio, internet
e a própria lousa digital (objeto de estudo) etc; mas também nas questões de usos efetivos
que docentes e aprendizes fazem dessas ferramentas na rotina dentro e fora da escola.
Nesta direção, é importante entender as representações identitárias desses sujeitos,
especialmente destes docentes, quanto à condição de usuários/consumidores das TICs
(GARCIA-CANCLINI, 2006) que perpassa o contexto escolar, visto que para Freitas (2006) a
identidade se apresenta nas várias formas de papéis que assumimos ao longo da vida e no
contato com grupos. Esta enunciação parece concordar com os estudos de Hall (2003a) ao
afirmar que não há identidade plenamente identificada e segura, e, consequentemente, o
homem, como sujeito do/no mundo, tem sua identidade colocada em conflito nas diversas
práticas sociais das quais participa/interage.
Como as TICs, o letramento digital e a identidade docente dialogam e se entrelaçam,
cabe problematizar as seguintes questões: Em que medida as políticas de Inclusão Digital são
compreendidas pelos docentes da escola municipal aqui mencionados e quais os efeitos da
utilização das novas tecnologias, em especial do uso da lousa digital, no seu modo de ser e
na prática pedagógica? Além disso, será que quando estes docentes realizam propostas de
leitura e escrita na sala de aula há nelas marcas identitárias de consumo/uso das mídias e
suas linguagens para além dos muros escolares que refletem a realidade sócio-cultural
destes sujeitos, podendo ser traduzidas como práticas de letramento digital? De que
maneira então estas práticas podem ser articuladas em sala de aula, transformando a escola
num espaço de interatividade?
Caberia supor que as discussões sobre ID nesta escola ficam voltadas apenas à
presença das TICs nas salas de aula e não para a posse efetiva delas. Assim, o corpo docente
encontra-se segregado e inserido numa política de inclusão-excludente, já que um programa
216
que apenas oportuniza acessos não basta para emancipar esses sujeitos, garantindo-lhes a
efetiva democratização de saberes consoante às potencialidades destas novas tecnologias.
Entendemos também que não se pode considerar que esses docentes estejam de todo
alheios a estes entornos tecnológicos e as novas linguagens e isso pode ser observado nas
breves narrativas dos docentes pesquisados, pois eles se dizem usuários/consumidores das
TICs fora do contexto escolar, à medida que acessam a internet. Mas falta consciência
quando as representações identitárias de assumem enquanto consumidores destas TICs fora
da escola e dentro dela, o que representa um abismo entre prática e tradição, um desafio ao
seu fazer pedagógico.
CONCLUSÕES
Acreditamos que para haver mudanças nestes usos são necessárias formações
continuadas, garantindo aos professores condições de realizar um ensino que valorize os
usos das TICs e assim mediar juntos aos alunos as práticas de leitura e escrita inseridas nos
ciberespaços, ou seja, professores letrados digitalmente23.
Desta forma, entender como as novas Tecnologias da Informação e Comunicação,
dando destaque à lousa digital, são discutidas, consumidas e ressignificadas, na escola
municipal, situada na periferia do Bairro da Santa Mônica na cidade de Feira de Santana-Ba e
como estes consumidores/docentes avaliam os efeitos da presença das TICs no seu modo de
ser e de fazer pedagógico, dará pistas para a superação da problemática posta.
Além disso, identificamos a necessidade de novas investigações de forma mais
aprofundada: Das experiências de uso das novas tecnologias em sala de aula, de modo que
se avaliem pontos fracos e fortes desta utilização no ensino, vindo a produzir mudanças e
novos interesses no modo de fazer pedagógico; A fim de perceber em que medida as
práticas de leitura e escrita realizadas em sala de aula através das mídias e do uso da lousa
digital refletem o letramento digital docente, valorizando a ação do professor como um
caminho para sua autonomia e real emancipação; De forma a identificar como o corpo
docente, enquanto consumidores das TICs, mobiliza e aplica os conhecimentos de uso das
23
De acordo com Freitas (2010) no conceito de letrados digitalmente, “os professores precisam conhecer a
linguagens digitais que são usadas pelos alunos, para integrá-los, de forma criativa e construtiva, ao cotidiano
escolar” (p.3).
217
novas mídias nas salas de aula; De maneira a imbricar conhecimentos acadêmicos e
conhecimentos da prática desses profissionais, contribuindo para o empoderamento desses
professores, dando-lhes voz e vez para assim reduzir as desigualdades e exclusões, já
apontadas no contexto da ID.
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219
GT 02 – Informação, Educação e Tecnologias
RESUMO: Este trabalho visa a fomentar uma discussão acerca do uso da tecnologia móvel
no ensino de inglês, a partir de resultados iniciais de um projeto em desenvolvimento no
IFFluminense (campus Cabo Frio), que tem como objetivo utilizar dispositivos móveis
enquanto ferramenta educacional de apoio ao processo ensino-aprendizagem de
LE/adicional. Pode-se dizer que, atualmente, há um considerável número de usuários desse
tipo de tecnologia, cujos reflexos são sentidos em ambiente escolar, especialmente, com
educandos da Era Digital que fazem uso constante de aparelhos móveis. Nesse aspecto,
torna-se relevante buscar meios de agregá-los a nossa prática de ensino. Dessa maneira,
nosso projeto encontra eco no cenário atual, no qual dispositivos móveis têm feito cada vez
mais parte de nossas interações sociais e, em virtude da grande demanda, já é possível
encontrar um número significativo de aplicativos não só pagos, mas também
disponibilizados para download grátis, que podem ser utilizados para favorecer o
aprendizado de idiomas. Em termos teóricos, formulamos o nosso trabalho levando-se em
conta os conceitos de mediação (BEDRAN, 2008, SILVA, 2008 & SALOMÃO, 2008),
interatividade (KHALIFA & SHEN, 2004), interação (PICA, 1994), colaboração (DILLENBOURG,
1999) e autonomia (LITTLEWOOD, 1996; PAIVA, 2006; JONES, 2007) e suas interconexões
com a aprendizagem mesclada (Blended Learning). Portanto, espera-se que as questões
problematizadas possam vir a nortear futuras propostas de uso de componentes
tecnológicos dessa natureza em aulas de línguas, além de possibilitar a reflexão acerca do
quão importante papel eles desempenham em práticas educacionais com alunos da geração
digital.
Palavras-chave: Tecnologia móvel. Ensino-aprendizagem de inglês. Aprendizagem mesclada.
Geração digital.
INTRODUÇÃO
Pode-se dizer que a aprendizagem móvel já ocupa um locus de destaque no que toca
ao ensino de língua estrangeira/adicional (doravante LE/A) na contemporaneidade. Esse fato
220
pode ser evidenciado levando-se em conta os inúmeros aplicativos móveis que podemos
encontrar disponíveis para aprendizes de língua inglesa nos dias de hoje. No entanto,
percebe-se que ainda há poucas propostas de práticas pedagógicas voltadas para o uso da
tecnologia móvel em aulas de LE/A. Acredita-se que esta lacuna se deva ao fato de que, no
que concerne à educação formal, o uso de celulares pelos alunos têm sido alvo de diversas
críticas por parte de professores, principalmente por conta de problemas que estes
dispositivos tendem a provocar como, a distração durante as aulas, por exemplo.
Porém, a necessidade eminente de utilizar esses dispositivos como apoio ao processo
de ensino já foi, inclusive, reconhecida numa cartilha lançada pela Organização das Nações
Unidas para a educação, a ciência e a cultura (UNESCO) em 2013, Policy Guidelines for
Mobile Learning24, na qual a UNESCO pontua que a tecnologia móvel amplia o alcance e a
equidade da educação, melhora a educação em áreas de conflito ou que sofreram desastres
naturais, assiste alunos com deficiência, otimiza o tempo na sala de aula, permite que se
aprenda em qualquer hora e lugar, constrói novas comunidades de aprendizado, dá suporte
à aprendizagem in loco, aproxima o aprendizado formal do informal, provê avaliação e
feedback imediatos, facilita o aprendizado personalizado, melhora a aprendizagem contínua,
melhora a comunicação e maximiza a relação custo-benefício da educação.
Segundo Batista & Barcelos (2013), quando se fala em ensino-aprendizado mediado
pela tecnologia móvel, tem-se que a Mobile learning (M-learning)25 é o ramo de estudo que
se dedica a analisar como os dispositivos móveis podem colaborar para a aprendizagem.
Ainda de acordo com essas autoras, as atividades nesse campo de pesquisa, em geral,
tendem a ser ancoradas por questões epistemológicas que envolvem conceitos como:
interatividade, mobilidade, trabalho em equipe, entre outros.
Ressalta-se ainda que propiciar o engajamento dos educandos em práticas que fazem
uso de aparelhos móveis requer considerar que o cenário atual é perpassado pelo uso
24
Cartilha lançada pela UNESCO em 2013 com 13 (treze) bons motivos para usar tecnologias móveis na escola e
10 (dez) recomendações para governos.
25
De acordo com Pelissoli & Loyolla (2004), o M-learning é a fusão de diversas tecnologias de processamento e
comunicação de dados que permite aos estudantes e aos professores uma maior interação. Em outras
palavras, este tipo de aprendizagem utiliza as tecnologias de redes sem fio, os novos recursos fornecidos pela
telefonia celular, a linguagem XML, a linguagem JAVA, a linguagem WAP, os serviços de correio de voz, serviços
de mensagens curtas (SMS), a capacidade de transmissão de fotos, serviços de e-mail, multimidia message
service (MMS), etc.
221
desses dispositivos, os quais estão cada vez mais presentes no dia a dia das pessoas. Isso se
deve, primordialmente, a crescente portabilidade e convergência funcional de tecnologias,
bem como a redução de custo de produtos e serviços disponíveis (BATISTA & BARCELOS,
2013). Sendo assim, enquanto professores comprometidos com o processo ensino-
aprendizagem, diante de educandos da Geração Digital, é preciso buscar maneiras de
agregar as novas tecnologias digitais às nossas práticas cotidianas e, nesse aspecto,
tomamos por enfoque em nossos estudos os aparelhos de telefonia móvel, entendidos
como objetos de ensino e aprendizagem familiares a realidade dos educandos, atuando,
assim, como facilitadores do processo.
No entanto, é importante salientar que a apropriação e uso desse tipo de tecnologia
como recurso de ensino não é uma tarefa simples. Num primeiro instante, elaborar um
plano de aula ancorado pela utilização de aparelhos de telefonia móvel pode até parecer
uma atividade relativamente fácil, pois esses aparatos tecnológicos estão muito presentes
em nossos hábitos diários. Entretanto, faz-se necessário conceber o uso de componentes
digitais móveis a partir de sua finalidade pedagógica. Dessa maneira, como bem nos adverte
Kenski (2007), para que as tecnologias possam trazer alterações no processo educativo, elas
têm de ser compreendidas e incorporadas pedagogicamente. Dito de outra forma, isso
requer “respeitar as especificidades do ensino e da própria tecnologia para poder garantir
que o seu uso, realmente, faça diferença” (KENSKI, 2007, p.46).
Ressalta-se ainda que a utilização pedagogicamente correta de qualquer recurso
tecnológico na contemporaneidade precisa levar em conta, sobretudo, o fato de que educar
com tecnologia é fazer uso proficiente das melhores ferramentas educacionais de que se
dispõe no tempo em que se ensina, mantendo sempre os olhos voltados para o tempo que
virá. Nessa medida, o projeto de que trata este trabalho surge da urgente necessidade de
prover educandos de cursos técnicos do IFFluminense (campus Cabo Frio) com a
oportunidade de se manter em contato com o idioma alvo, em ambiente extraclasse,
entendendo que quanto maior a sua exposição à língua, maiores são as chances de aquisição
de conhecimento significativo e, particularmente, torna-se maior a possibilidade de
desenvolver as habilidades comunicativas que permitem aos mesmos a solidificação de sua
proficiência linguística, tal que seja possível provê-los com as ferramentas necessárias que os
222
permitam utilizar o idioma alvo não só para a formação pessoal, mas também para a
inserção na Comunidade Global.
Assim, podemos afirmar que este projeto dialoga com o cenário atual, no qual o
Instituto se insere como uma instituição pluricurricular, multicampi que se organiza tendo
como eixo a articulação entre Ensino, Pesquisa e Extensão. Desse modo, ao desenvolver um
projeto desta natureza, em aulas de LE/A, acreditamos que os nossos alunos estarão mais
aptos a desenvolver as habilidades linguísticas que os capacitem a usar a língua em estudo
de maneira mais eficaz e proficiente, como suporte à formação acadêmica, para o mercado
de trabalho e, sobretudo, para que estes tenham voz política. Nessa perspectiva, eles
tendem a ser capazes de expressar seus pontos de vista em linguagem convincente,
defendendo os interesses locais e regionais em escala mundial, participando mais
ativamente das decisões em nível global como cidadãos do mundo.
No que tange à manutenção da aprendizagem fora de sala de aula, podemos afirmar
que ao longo dos anos muitos recursos tecnológicos têm surgido como suporte aos estudos
e desenvolvimento de atividades de consolidação de práticas extraclasse. Com o advento
dos avanços tecnológicos, acredita-se que crescem também as possibilidades de melhora do
aprendizado autônomo – em qualquer hora, em qualquer lugar. No entanto, percebe-se que
um número considerável de educandos conhecem as tecnologias que lhes permitem
pesquisar, comunicar-se e publicar, mas nem sempre o fazem com propósitos de
autoaprendizagem. Por essa razão, acreditamos que o professor, enquanto navegador no
info-mar digital26, desempenha um papel fundamental, pois é ele quem indica a rota do
conhecimento, auxiliando na problematização de situações, fomentando questionamentos a
partir da disponibilização de diversos dados em redes de conexão, tornando-se, portanto,
mediador de grupos de trabalho educacional. Por outro lado, o educando deixa de ser
passivo, apenas olhando, ouvindo e copiando, mas interage – inventando, transformando,
coconstruindo, colaborando, acrescentando, tal que este se torne um coautor do processo
26
Neste trabalho, utilizo a expressão info-mar digital para me referir ao fluxo informacional, ou mesmo o mar
de informações pelas quais somos bombardeados diariamente em meios digitais, cabendo ao professor que
navega por essas ondas de comunicação e informação guiar os seus educandos no processo de filtragem,
seleção e aproveitamento adequado de conteúdo, auxiliando-os, assim, na coconstrução de conhecimento
significativo durante o processo de aprendizagem mediado pelas novas tecnologias.
223
de ensino-aprendizagem em curso. Cabem aqui os apontamentos feitos por Pozo & Adalma
(2014) quando salientam que
[...] boa parte dos adolescentes nativos digitais tem uma alfabetização
digital (sabe usar as TICs), mas não tem uma alfabetização digital que os
habilite com as estratégias necessárias para transformar essa informação a
que conseguem ter acesso – muitas vezes melhor que seus professores! –
em conhecimento autêntico. Essa é uma demanda imprescindível para
construir uma verdadeira sociedade do conhecimento, que requer uma
nova cultura de aprendizagem [...] – uma cultura que implica o uso das TICs
não para reproduzir velhos hábitos de ensino e aprendizagem
transmissivos, e sim para fomentar novas formas de aprender e ensinar em
que o docente seja o mediador de um diálogo que transcenda a sala de aula
para incorporar os novos espaços de conhecimento abertos pelas TICs
(POZO & ADALMA, 2014, p.12-13).
Nesse aspecto é que ganha vida o projeto desenvolvido com alunos do IFFluminense
(campus Cabo Frio), com o intuito de investigar as potencialidades do aplicativo
multiplataforma Whatsapp Messenger – como um objeto pedagógico capaz de auxiliar no
processo ensino-aprendizagem de LE/A – enquanto suporte à aprendizagem de educandos
do Curso de Ensino Médio Técnico Integrado em Hospedagem (1º ano), especialmente, em
ambiente extraclasse.
Para o desenvolvimento do projeto em questão, formulamos o nosso trabalho
levando-se em conta os conceitos de mediação (BEDRAN, 2008, SILVA, 2008 & SALOMÃO,
2008), interatividade (KHALIFA & SHEN, 2004), interação (PICA, 1994), colaboração
(DILLENBOURG, 1999) e autonomia (LITTLEWOOD, 1996; PAIVA, 2006; JONES, 2007) e suas
interconexões com a aprendizagem mesclada (Blended Learning).
Em termos sequenciais, este texto está dividido da seguinte maneira: inicialmente,
traçarei algumas considerações acerca da aprendizagem mesclada e a apropriação que nos
interessa desta abordagem para o trabalho na interface com a aprendizagem móvel. Em
seguida, apresentarei as potencialidades do uso do WhatsApp Messenger em aulas de inglês,
bem como as etapas do projeto em desenvolvimento no campus Cabo Frio. Finalmente,
apresento as considerações finais.
224
Since learning is something that the pupil has to do himself and for himself,
the initiative lies with the learner. The teacher is a guide and director; he
steers the boat but the energy that propels it must come from those who
are learning (DEWEY, 1933).
225
e feedback imediatos, facilita o aprendizado personalizado, melhora a aprendizagem
contínua e melhora a comunicação.
Na literatura especializada, tem-se que a Aprendizagem Mesclada (ou híbrida)
desmembra-se em alguns modelos com características bastante peculiares. O recorte
taxionômico comumente encontrado em pesquisas acerca dessa abordagem divide-a em
quatro tipos, quais sejam: Rotation Model, Flex Model, Self-Blend Model e Enriched-Virtual
Model. No que tange ao Rotation Model, sabe-se que este modelo é subdividido também em
quatro tipos, sendo estes: Station-Rotation Model, Lab-Rotation Model, Flipped-Classroom
Model e Individual-Rotation Model. Para o desenvolvimento do nosso projeto, optamos por
utilizar a concepção da Sala de aula invertida (Flipped Classroom) como um tipo específico
de Blended Learning, da categoria Rotation Model (STAKER & HORN, 2012). Essa abordagem
pressupõe um primeiro contato do aluno com o conteúdo virtualmente, fora da sala de aula,
e posteriormente um momento de consolidação da aprendizagem em sala de aula sob a
orientação do professor e através da interação com os colegas de turma. Para melhor
compreendermos a concepção que norteia a filosofia da Sala de aula invertida, apresento
uma análise contrastiva entre o modelo tradicional de ensino e essa abordagem (figura 1).
226
Fonte: Desenvolvida por mim – baseado no modelo de Steed (2012)27
Percebe-se que com a sala de aula invertida ocorre uma quebra de paradigma. Leva-
se em consideração sobremaneira o conhecimento que o educando é capaz de construir de
forma autônoma quando lhe é fornecido insumo por parte do professor em momento a
priori. A consolidação da aprendizagem é, portanto, efetivada em sala de aula, na medida
em que este espaço se constitui em um momento real de elucidação de dúvidas,
problematização de questões em discussões fomentadas pelo conteúdo fornecido pelo
professor-mediador, etc. Há, assim, uma coconstrução de conhecimento. Observa-se que no
caso da tecnologia móvel há uma ampliação das possibilidades de interação dos alunos na
construção compartilhada de saberes, possibilitada pela manutenção do contato entre os
alunos através do aparelho móvel em ambiente extraclasse. Dito isso, cabe a colocação feita
por Tori (2010) quando diz:
27
Adaptação feita de “the Traditional model vs. the Flipped classroom model”, a partir do trabalho de Anthony
Steed (2012), disponível em: HTTP://steedie.wordpress.com/2012/05/24/how-to-flip-your-classroom/ Acesso
em: 12 de março de 2014.
227
WHATSAPP MESSENGER: POTENCIALIZANDO O APRENDIZADO DE LÍNGUA INGLESA
O WhatsApp Messenger é um aplicativo de mensagens multiplataforma que
possibilita aos usuários a troca de mensagens pelo aparelho de telefonia móvel sem a
necessidade de pagar por SMS (serviço de mensagens curtas). Salientamos que uma das
grandes vantagens do uso desse aplicativo como suporte ao processo ensino-aprendizagem
de LE/A é o fato de que ele permite aos usuários criar grupos, enviar mensagens ilimitadas
(com textos, imagens, vídeos e áudios). Nesse aspecto, segundo Souza (2014), a principal
maneira de utilização desse aplicativo como ferramenta educacional se dá por meio da
criação de grupos, em que os participantes desempenham o papel de pares de interação
comunicativa (peers of communicative interaction). Enquanto “pares”, os alunos são
considerados “aprendizes-falantes do idioma alvo que compartilham os mesmos interesses
de interação linguístico-discursiva em práticas de comunicação em ambiente natural (ou
simulado), em mídia virtual” (SOUZA, 2014).
Ao criar um grupo no WhatsApp para uma turma, o professor-mediador torna-se um
gerenciador (ou moderador) de um espaço virtual interativo, colaborativo e autônomo de
apoio ao ensino e a aprendizagem de línguas. No que concerne à autonomia, tomamos por
base o conceito mobilizado por Littlewood (1996) acerca da autonomia em educação, em
que a autora pontua que o educando deve ser capaz de tomar decisões de modo
independente e livre de constrangimentos externos. Isso requer do professor a habilidade
de engajar os alunos em práticas significativas no grupo criado, tal que os mesmos se sintam
confortáveis a participar, e sensibilizados a interagir em ambiente extraclasse com objetivos
bem definidos. Para a autora em questão, essa concepção de autonomia envolve três
aspectos, a saber: autonomia como comunicador (habilidade de usar a língua de forma
criativa, adequando estratégias para se comunicar de acordo com as situações nas quais se
encontra); autonomia como aprendiz (habilidade de se engajar em trabalho independente e
de fazer uso de estratégias de aprendizagem em ambiente de sala de aula e extraclasse) e
autonomia como indivíduo (habilidade de criar contextos pessoais de aprendizagem).
228
Observa-se que o professor-mediador é extremamente importante neste processo ao
criar um ambiente favorável ao desenvolvimento da autonomia do educando, além de
permitir a interação e colaboração entre os pares. Em outras palavras,
[...] a principal função do professor não pode mais ser uma difusão dos
conhecimentos, que agora é feita de forma mais eficaz por outros meios.
Sua competência deve deslocar-se no sentido de incentivar a aprendizagem
e o pensamento. O professor torna-se um animador da inteligência coletiva
dos grupos que estão a seu encargo. Sua atividade será centrada no
acompanhamento e na gestão das aprendizagens: o incitamento à troca
dos saberes, a mediação relacional e simbólica, a pilotagem personalizada
dos percursos de aprendizagem etc. (LÉVY, 1999, p.173, grifo do autor).
229
A partir da análise dos dados fornecidos pelo referido instrumento, foi criado o grupo
ZAPLISH – English on WhatsApp, ou seja, um grupo com o intuito de atuar como um espaço
virtual interativo, colaborativo e autônomo de suporte ao processo ensino-aprendizagem de
LE/A. Nesse grupo, há a presença de pares de interação comunicativa, entendidos como
aprendizes falantes do idioma alvo que compartilham os mesmos interesses de interação
linguístico-discursiva em práticas de comunicação em ambiente natural (ou simulado), em
mídia virtual. Por outro lado, o papel do professor é o de gerenciador (moderador),
mediador do processo comunicativo-interacional.
Pode-se dizer que ao levar em conta a concepção epistemológica da sala de aula
invertida, o professor-mediador utiliza o grupo para fornecer material linguístico-discursivo
aos alunos como tarefa extraclasse. Cabe ao professor também atuar como parceiro de troca
verbal no ambiente virtual, atentando, contudo, para o fato de que os alunos precisam se
sentir à vontade, sem que pensem que estão sendo monitorados ou fiscalizados pelo
professor. Ele é, então, responsável por fomentar o trabalho colaborativo, compreendido
por Dillenbourg (1999) como o exercício da interação e dos ajustes linguísticos e
interpessoais potencialmente oriundos da própria interação em curso, de modo recíproco e
autônomo. Dessa maneira, o tempo em encontros presenciais pode ser dedicado a
atividades didáticas de consolidação das práticas desenvolvidas fora de sala mais do que a
pura exposição de conteúdos, permitindo ao docente a real oportunidade de atuar como
guia dos alunos, dando a devida atenção à diversidade de sua turma. Esse tipo de aplicativo
dá aos educandos a oportunidade de atuar ativamente sobre o seu processo de
aprendizagem, sendo ele/ela responsável por sua autoavaliação, seja durante ou ao final das
interações28.
É importante ressaltar que nos exemplos que serão apresentados, os nomes dos
participantes do grupo foram omitidos, como forma de preservar a identidade dos mesmos.
Em todo caso, os alunos serão referidos como (P1), (P2) etc. Por outro lado, a participação
28
Leva-se em consideração, neste trabalho, uma das concepções mobilizadas por Pica (1996) acerca da
interação na aprendizagem de línguas, sendo esta, uma instância de contato do aprendiz com um interlocutor,
que pode ser um falante nativo ou outro aprendiz, tanto em termos mais gerais como em contextos mais
específicos. No ZAPLISH, por exemplo, esta interação ocorre entre pares – aprendizes-falantes, ou mesmo,
entre o aprendiz e o professor-mediador.
230
do professor-mediador no serviço de mensageria, seja de texto, áudio ou vídeo, será
representada por (PM).
Para facilitar a explicitação, utilizaremos a hora de cada postagem como referência
de exemplificação das linhas dos fragmentos textuais em análise. Dessa forma, na figura 2,
observa-se um exemplo de atividade em que o professor-mediador identificou em sala de
aula uma dificuldade por parte dos alunos quanto à apreensão do sufixo “s” em verbos na
terceira pessoal do singular no Presente Simples. Assim, foi fornecido enquanto insumo para
o desenvolvimento de atividade de fixação extraclasse um desafio. O PM enviou pelo grupo
um Trava Língua29 (Tongue Twister), pedindo para que os alunos postassem uma mensagem
de áudio gravada por eles, tentando ao máximo apurar a pronúncia dos fonemas sem travar
a língua. Num primeiro momento, muitos alunos se mostraram receosos e preocupados com
o desenvolvimento da prática, admitindo, inclusive, tratar-se de uma tarefa complicada, pois
na maioria das vezes os tongue twisters são de extrema complexidade no que se refere à
produção adequada dos sons.
29
O Trava Língua proposto pelo professor-mediador como desafio aos alunos foi: She sells seashells by the
seashore. The shells she sells are surely seashells. So if she sells shells on the seashore, I’m sure she sells
seashore shells.
231
Observa-se, a partir da figura 2, que o ambiente permite a interatividade, entendida
como o potencial dos participantes (usuários) de modificar a forma e o conteúdo do
ambiente em tempo real (KHALIFA & SHEN, 2004). Inicialmente, P1 revelou não entender a
proposta da atividade, externando o seu desapontamento numa postagem às 7h 55min com
um emoticon que nos remete ao choro. Ou seja, o participante se sente triste por não
conseguir alcançar o objetivo da atividade. Por outro lado, P2 inicialmente declarou
implicitamente que não estava conseguindo alcançar o objetivo proposto, muito por conta
do tamanho do trava língua, embora ele tenha admitido que o mesmo não era difícil. Disse,
inclusive, que o seu cérebro estava ficando confuso. No entanto, algumas horas depois, por
volta das 11h 57min, o participante fez uma postagem de contentamento, sentindo-se
orgulhoso por ter conseguido vencer o desafio de obter sucesso ao pronunciar o trava
língua, gravando, consequentemente, um áudio de seu feito para compartilhar com o grupo.
É válido destacar que há uma diminuição na participação do professor nesses tipos de
interação, propiciando, assim, uma maior atuação dos alunos como protagonistas da prática
em andamento. No entanto, o fato do professor manifestar através de “palmas” (utilizando
emoticons) que está atento ao acesso dos educandos contribui para a validação de um
sentimento de credibilidade do ambiente como um espaço de ensino-aprendizagem. Mais
do que estimular e dar um feedback positivo a execução da atividade, o professor-mediador
afirma a sua presença social, pois como postulado por Khalifa & Shen (2004), quão maior a
intensidade de troca de mensagens e falas com um partícipe de interação, maiores são as
chances de manutenção do contato e estreitamento de laços, pois se há resposta por parte
do interlocutor há interação.
232
Figura 3: Ambiente virtual de interação por chat através do WhatsApp Messenger – B
Fonte: Desenvolvida por mim (ZAPLISH – English on WhatsApp)
A figura 3 ilustra uma situação de prática autoavaliativa. Observa-se que neste tipo
de interação por chat os pares utilizam estratégias como: automonitoramento, pedido de
elucidação de dúvidas, as quais contribuem para a solidificação de uma atitude reflexiva
sobre o seu aprendizado através da observação direta de seu desempenho. Na sequência de
postagens ocorrida entre 00h 49min e 00h 50min, P3 digitou a palavra obrigado em inglês
incorretamente. Em diálogos dessa natureza, a falha de digitação não tende a acarretar
problema algum à compreensão global da mensagem. O interlocutor, assim, entende que se
trata de um erro de digitação. Porém, a imediata correção da palavra “tanks” para “thanks”
mostra a preocupação da participante em relação ao seu desempenho linguístico,
demonstrando, ainda, que sua atenção nessa atividade representa um momento relevante
de exposição ao idioma alvo, favorecendo o fortalecimento de sua aprendizagem pela
prática comunicativa. A aluna se mostra engajada na interação.
Salienta-se que muitas vezes, esse tipo de autocorreção efetiva-se mediante o uso de
um asterisco (*) seguido da digitação corrigida do termo que foi empregado de modo
incorreto anteriormente. Tomando por base as explicitações de Littlewood (1996) sobre
233
autonomia, tem-se então a caracterização da autonomia do participante como
comunicador, fazendo uso da língua de forma criativa, adequando estratégias para se
comunicar de acordo com as situações nas quais se encontra. Percebe-se, assim, que os
educandos são participantes ativos no processo de aprendizagem (JONES, 2007).
É possível afirmar que, num ambiente de interação como o ZAPLISH, estratégias de
autoavaliação são favorecidas, por conta da possibilidade de acesso imediato ao conteúdo
postado, mesmo após o envio das mensagens. A oportunidade de reler o que digitou, e ouvir
o que publicou, em uma mensagem de áudio, por exemplo, cooperam para a manutenção
de uma prática de automonitoramento.
Outra estratégia identificada refere-se ao pedido de esclarecimento. Na postagem
ocorrida às 00h 34min, P3 pede explicação sobre que preposição deve ser utilizada com o
verbo “chat”, a saber: “to” ou “with”. Nesse caso, o PM atuou ativamente na elucidação da
dúvida da participante, como observado no trecho postado às 00h 34min. Porém, é preciso
ressaltar que muitas vezes os próprios pares auxiliam na construção de conhecimento,
trabalhando de modo colaborativo. E, por conseguinte, os colegas acabam confiando na
expertise linguística um do outro, visto que a presença social do PM no grupo garante que
caso a explicação fornecida esteja incorreta, o professor tende a intervir na negociação de
sentidos estabelecida entre os pares. Diante disso, pode-se dizer que:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho buscou apresentar alguns dos resultados oriundos de um projeto em
desenvolvimento no IFFluminense (campus Cabo Frio), acerca do uso do aplicativo
multiplataforma WhatsApp Messenger, como ferramenta de apoio ao processo ensino-
aprendizagem de LE/A. Acreditamos, assim, que a tecnologia móvel oferece aos professores
e alunos diversos recursos que podem ser aproveitados de forma eficaz em propostas
pedagógicas centradas no uso desse tipo de tecnologia. Por meio de aplicativos
234
multimidiáticos dessa natureza, o professor-navegador (mediador) pode incentivar o uso das
diversas ferramentas disponíveis para estimular a continuidade dos estudos de seus alunos
em ambiente extraclasse. Um modo prático, dinâmico e interativo de se manter em contato
com o idioma alvo em qualquer lugar, a qualquer hora. Esses dispositivos tecnológicos têm
se mostrado capazes de favorecer o desenvolvimento das habilidades comunicativas em
LE/A, além de contribuir para a solidificação de estratégias de autoaprendizagem, tal que os
alunos se tornam também responsáveis pelo controle de sua prática. Portanto, espera-se
que este trabalho possa fomentar futuros projetos educacionais que envolvam a utilização
da tecnologia móvel em aulas de línguas, por ser este um campo profícuo de possibilidades
no que concerne à implementação de programas de ensino mediados pelas tecnologias
digitais.
REFERÊNCIAS
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Collaborative-learning: Cognitive and Computational Approaches. (pp.1-19). Oxford:
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virtual communities. Proceedings of the International Conference on Information Systems,
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Systems 2004. Pp. 547-558. Acessado em maio de 2014.
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LÉVY, P. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Ed. 34, 1999.
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PERRENOUD, P. Dez novas competências para ensinar. Tradução de Patrícia Cretone
Ramos. Porto Alegre: Artmed, 2000.
235
PICA, T. Research on negotiation: What does it reveal about second-language learning
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POZO, J. I., ADALMA, C. A mudança nas formas de ensinar e aprender na Era Digital.
PÁTIO ENSINO MÉDIO, ano5, n.19, Dez. 2013/Fev. 2014.
SOUZA, C. F. Teaching English to the iPhone generation: reflecting upon the use of
WhatsApp Messenger as an educational tool within language lessons. Comunicação
apresentada no III Simpósio sobre Ensino de Línguas Estrangeiras do CEFET-RJ. Rio de
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STAKE, H., HORN, M. B. Classifying K-12 blended learning. Innosight Institute. May 2012.
Disponível em: <http://www.innosightinstitute.org/innosight/wp-
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TORI, R. Educação sem distância: as tecnologias interativas na redução de distâncias em
ensino e aprendizagem. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2010.
236
PRÁTICAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM DA LÍNGUA INGLESA NA REDE SOCIAL FACEBOOK
INTRODUÇÃO
As novas tecnologias da comunicação vêm movimentando a educação e provocando
mediações entre a abordagem utilizada pelo professor, a maneira de aprender do aluno e o
conteúdo estudado. As diversas ferramentas da web 2.0 têm possibilitado uma proximidade
maior tanto do aluno como do professor de informações mais próximas da realidade, por
meio de imagens, sons e movimentos disponibilizados em rede. Estas, quando melhor
utilizadas, despertam mudanças de comportamento em ambos os sujeitos, uma vez que os
levam a uma compreensão melhor do que está sendo trabalhado em sala de aula.
Apesar disso, ainda é possível perceber que essas tecnologias não são responsáveis
por mudanças drásticas na estrutura dos cursos, na articulação de conteúdos e na maneira
como professores desempenham seu papel didático com seus aprendizes. Como, na maioria
dos casos, são tidas apenas como recursos aos quais se pode recorrer para ensinar, “estão
longe de serem utilizadas em todas as suas possibilidades para uma melhor educação”
(KENSKI, 2007, p.45).
237
Nessa perspectiva, a presente pesquisa busca integrar a utilização da rede social
Facebook ao ensino presencial da língua inglesa em um curso livre de idiomas, entendendo
que a mesma pode funcionar como um apoio dentro e fora da sala de aula. Para tanto, um
grupo de sete estudantes de nível básico foi observado pela autora deste trabalho durante o
ano letivo de 2013. Nesse espaço, eles podiam praticar o que aprendiam em sala de aula, de
forma descontraída e informal, não se afastando do aprendizado quando saíam do curso.
Este artigo, no entanto, não tem a intenção de fazer generalizações, tampouco, dar
uma palavra final sobre o assunto. Em vez disso, procura evidenciar as observações
realizadas no contexto estudado, deixando outros possíveis pontos para serem abordados
posteriormente.
238
interesses, os quais podem variar. Marteleto chama esses espaços de redes sociais,
observando que estas funcionam como “um conjunto de participantes autônomos, unindo
ideias e recursos em torno de valores e interesses compartilhados” (MARTELETO, 2001, p.
72).
Assim sendo, é possível notar que as tecnologias da informação e comunicação (TIC)
têm proporcionado novos modelos de redes sociais e novos instrumentos, podendo fazer
uso de diversas ferramentas, tais quais mensagem, chat, feed de notícias, grupos, páginas,
aplicativos de jogos, e mais, como é o caso do Facebook. Combinando todos esses
elementos, têm-se a formação de uma rede de relações sociais, as quais são compostas
pelas comunidades virtuais. Castells (1999, p. 385) define comunidade virtual como “uma
rede eletrônica de comunicação interativa auto-definida, organizada em torno de um
interesse ou finalidade compartilhada, embora algumas vezes a própria comunicação se
transforme no objetivo”.
Machado e Tijiboy (2005) também apontam que o uso das redes sociais digitais na
educação ainda é um campo pouco explorado, porém promissor. Suas características não
devem ser descartadas nessa área, pois demonstram ser um ambiente rico em
autenticidade, portanto, uma boa oportunidade de atrair estudantes e com eles manter
contato, visando à troca voluntária de ideias e informações.
O MÉTODO COMUNICATIVO
Enquanto nos Estados Unidos, tanto na linguística estruturalista de Bloomfield
quanto na gramática gerativo-transformacional de Chomsky, os linguistas tenham se
concentrado no código da língua, analisada de maneira ascendente até o nível da frase, na
Europa os linguistas se preocupavam em estudar a semântica e a sociolinguística,
enfatizando o discurso. Como defende Leffa (2008), esse estudo não obtinha apenas a
análise do texto – oral ou escrito – como pressuposto, mas também as circunstâncias em
que era produzido e interpretado. Dessa forma, a língua não era analisada como um
conjunto de frases apenas, mas como um conjunto de eventos comunicativos.
Essa nova visão da língua veio ao encontro do vazio deixado pelo declínio do Método
Audiolingual. Com isso, nascia o Método Comunicativo, enfatizando a semântica da língua,
239
em vez de códigos, como acontecia no audiolingualismo. Em linhas gerais, neste método o
uso da linguagem apropriada, adequada à situação em que ocorre o ato da fala e ao papel
desempenhado pelos estudantes, é considerado fator relevante. Nesse sentido, a
comunicação se torna o foco e as formas linguísticas passam a ser ensinadas apenas quando
necessárias ao desenvolvimento da competência comunicativa, podendo ter mais ou menos
importância do que outros aspectos, como saber de que maneira utilizar a língua para se
comunicar em determinada situação.
A partir dos anos 1970 e 1980, novas teorias emergiram nas áreas da linguística e da
psicologia educacional. Piaget e Vygotsky, pais da psicologia cognitiva contemporânea, já
haviam proposto que o conhecimento é construído em ambientes naturais de interação
social, estruturados culturalmente. Dessa maneira, cada aprendiz constrói o próprio
aprendizado baseado em experiências de fundo psicológico resultantes de sua participação
ativa no dado ambiente (SCHÜTZ, 2007). Leffa (2008) ressalta a importância de os materiais
utilizados durante as aulas de inglês serem autênticos. Segundo o pesquisador,
240
O método comunicativo defende a aprendizagem centrada no estudante (LEFFA,
2008), não apenas em termos de conteúdo, mas também de técnicas utilizadas pelo
professor em sala de aula. Assim, este deixa de exercer seu papel de autoridade e de
distribuidor conhecimento para assumir o papel de orientador, de mediador e facilitador da
aprendizagem. Nesse sentido, o aspecto afetivo demonstra ser visto como uma variável de
primordial importância no processo, no qual o professor deve mostrar interesse pelos
anseios dos estudantes, encorajando sua participação, acatando as sugestões por eles dadas
durante as aulas, e, como demonstra Larsen-Freeman (1986, p.129), dando a eles a
“oportunidade de expressarem suas ideias e opiniões”.
Assim, como ressalta Leffa (2008), no método comunicativo não existe ordem de
preferência na apresentação das habilidades (ouvir e compreender, falar, ler, escrever) nem
restrições maiores quanto ao uso da língua materna, pelo contrário, as habilidades são
trabalhadas de modo integrado. Dependendo dos objetivos de cada atividade, poderá haver
concentração em apenas uma delas. Entretanto, “a língua-alvo deve ser um veículo de
comunicação durante a aula e não apenas um objeto de estudo” (LARSEN-FREEMAN, 1986,
p.129).
Portanto, ainda de acordo com Leffa, entre as características deste método,
destacam-se as seguintes:
1. Maior importância às necessidades de comunicação do aluno, como por exemplo,
sugerir, optar, opinar, pedir informação etc.;
2. Funções da linguagem apresentadas em situações que modificam essas
necessidades (como, por exemplo, se dirigir a uma balconista para solicitar informação);
3. Ênfase no modo como usar determinada forma para se atingir certa necessidade
da comunicação;
4. Material de ensino baseado muito mais no estudante e, em relação aos outros
métodos, refletindo com maior precisão o uso natural da língua; e
5. Participação ativa do estudante no processo de aprendizagem através de
dramatizações, trabalhos em grupo, entre outros.
A comunicação, segundo o linguista aplicado Almeida Filho (1998), se dá como uma
forma de interação social propositada, em que acontecem demonstrações de apresentação
241
pessoal, unidas ou não à (re)construção de conhecimento e troca de informações. O
estudioso ainda pontua que
243
Tomou-se, então, a Observação Participante (CHIZOTTI, 1998) como técnica que
permeou as reflexões da observadora. Conforme define o autor (1998, p. 90), a observação
participante “é obtida por meio do contato direto do pesquisador com o fenômeno
observado para recolher ações dos atores em seu contexto natural, a partir de perspectiva e
seus pontos de vista”. Portanto, faz-se relevante elucidar a participação da pesquisadora
deste estudo no ambiente virtual estudado durante todo o percurso da investigação, numa
articulação da teoria (embasada no referencial teórico que alicerçou a pesquisa) com a
prática (emanada no contexto da rede social em tela).
30
Disponível em: https://www.facebook.com/groups/338010686317311/.
244
que iam adquirindo previamente com o uso dos materiais didáticos adotados pelo curso
(livro de tarefas de aula e de casa, CD de áudio para a aula e para casa, web lessons –
atividades desenvolvidas no portal on-line da escola).
Durante todo o ano de 2013, alguns resultados puderam ser observados no grupo:
como a comunicação em inglês acontecia, as postagens que os estudantes realizavam no
grupo, os modos como eles se desempenhavam e ajudavam os colegas, as formações de
frases e parágrafos, a maneira como eles se dedicavam e desenvolviam as tarefas, o que
conseguiam produzir após cada aula, se utilizavam apenas o idioma estudado, as correções
após cada feedback da professora, entre outros. Cabe ressaltar aqui, que o nível ao qual os
estudantes pertenciam no momento deste estudo era o básico.
Com base nessas observações, foi possível identificar, à luz do que ressaltam os
pesquisadores Krashen (1982), Larsen-Freeman (1986), Almeida Filho (1998), Leffa (2008) e
Santos (2011), algumas considerações que podem resultar do processo de ensino e
aprendizagem comunicativo com o uso do Facebook pelos alunos, como um complemento
das atividades desempenhadas na sala de aula.
247
Student 2: I like both types of food. But, I like most of junk food. I like
drinking fruit juice, my favorite is the orange.
Teacher: I love orange juice too! It's one of my favorites...
Student 6: I love eating natural sandwiches too teacher. My favorite
drinking fruit juice is graviola.
Teacher: It's is delicious, isn't it?
Student 6: Yes, very much!
Student 1: I prefer junk food and juice de orange I love!
Teacher: Student 1, what is the correct way of saying this "juice de
orange"?
Teacher: Student 6, graviola is a Brazilian fruit, from the Amazon. But I
found it on the internet as "soursop" in English.
Student 1: I prefer junk food and orange juice I love. correct...
Teacher: Very good, student 1!
Nesse sentido, o interesse que a professora demonstra pelos anseios dos estudantes,
encorajando sua participação, acatando as sugestões por eles dadas durante os comentários
e as aulas, e, como demonstra Larsen-Freeman (1986, p.129), dando a eles a “oportunidade
de expressarem suas ideias e opiniões”31, torna-se parte relevante no processo de
aprendizagem.
Oportuno se faz destacar que a sala de aula deixou de ser um espaço entre quatro
paredes, deixando de existir apenas no curso, para assumir uma dimensão virtual, a partir do
momento em que os alunos puderam participar das atividades fora do horário de aula por
vontade própria, o que demonstrou espontaneidade e vontade de continuar aprendendo e
compartilhando o conhecimento do idioma estudado.
c) A gramática e o vocabulário aprendidos seguiram a função da língua e o contexto;
e os erros foram resultados naturais do desenvolvimento das habilidades de comunicação, o
que não impediu a mesma de acontecer.
Conforme destaca Santos (2011), na aprendizagem de língua estrangeira que segue
como padrão a Abordagem Comunicativa, dominar as regras gramaticais não é a prioridade,
o que faz com que a própria gramática perca sua posição centralizadora. De fato, na rotina
de sala de aula que se orienta por esta abordagem, é possível observar que a prática da
conversação não exige primordialmente os usos gramaticais acurados, especialmente no
caso de alunos de nível básico, que, geralmente, estão em uma fase de adaptação ao ensino
e à aprendizagem do idioma estudado.
31
Tradução de autoria da pesquisadora deste estudo.
248
Apesar disso, a gramática assume uma função de complementaridade no processo
de aquisição instaurado. O estudioso mencionado ainda afirma que:
249
Teacher: Very good, student 4. Observations: 1. "I have breakfast..."; 2. "I
go to work by motorcycle..."; 3. "I start working... Finish working."; 4. "...
Have dinner..."
Student 7: I get up at 6:00 am, I read and listen music and take a shower. I
go to college by bus. I leave home for college at 7:45 am and I walk to the
bus stop. I start the class about 8:10 am and finish 12:00. So, I arrive home
from class about 12:30. I have lunch about 1: 00 pm and begin to study. I
study from 2:00 to 5:00. Sometimes I go to church or enjoy hanging out
with my friends. I go to bed about 11:00 pm.
Teacher: Very good, student 7! Observations: 1. "listen to music"; 2. "... at
about..."; "finish it at...". Kisses
Student 6: I'm a pharmacyst. I work a pharmacy monday to friday from 8:00
at 6:00 p.m. I get up at 7:00 a.m., I take breakfast at 7:30. I go to work by
motorcycle at 7:55. I have lunch at 12:oo o'clock. I go to my home at 6:00
p.m. At night I take a shower, have a snack, watch TV and go to bed at
10:30 p.m.
Teacher: Observations: 1. "I'm a pharmacist"; 2. "...from 8:00 am to 6:00
pm"; 3. "I have breakfast"; 4. "have snack". Excellent!
Student 3: I work in an office from 9:00 to 5:00 Mondays through Fridays.
I'm a secretary. I get up 6:00 a.m I have breakfast and go to walk after I go
to my house, take a shower and go to work. I start work 9:00 a.m and have
lunch at 1:00 p.m. I finish wok at 5:00 p.m. I arrive home from work 5:45. In
the evening I study English, use the computer and make snack. I go to bed
about 11:30 p.m.
Teacher: Great Job, student 3. Observations: 1. "I get up at..."; 2. "... And
take a walk"; 3. " start working"; 4. "... Finish working"; 5. "have snack".
Don't forget to use "at" before time.
Student 2: Good morning guys! Then... I'll talk a little about my routine. I'm
an academic secretary, I work in UNIG from 8:00 to 5:00, Mondays through
Fridays. Usually I wake up at 7:00 and have a breakfast at 7:30, then I brush
my teeth and go to the bus stop which is near my house. I take the
Vinhosa/Cehab/Unig bus about 8:00. I starting work about 8:10 and lunch
at 11:00. My lunch hour is from 11:00 to 01:00pm and after lunch I sleep. In
my workplace has a big sofa, and, is very confortable. In my work there is
not a lot to do. Is tranquil. I go to my home at 5:00pm and usually I make a
snack after I get home. In my free time, I like practice boxe or play the
guitar. At night, I take a shower, have dinner or make a snack, watch TV, I
worship God and I go to bed about 12:00am.
Teacher: Observations: 1. "I work for UNIG"; 2. "have breakfast", don't use
"a" before breakfast; 3. "I start working at... And have lunch..."; 4.
"comfortable" has m before f, different of Portuguese language; 5. Your
workplace is calm; 6. "have snack, use make if you are the Person who
prepares it to eat. If you prepare it, so it's correct. Great Job!
Dessa forma, foi possível perceber nas postagens dos alunos, exibidas na citação
acima, que seus erros, observados e demonstrados pela professora, não os impediram de
passar a mensagem por eles pretendida e participar da atividade proposta, uma vez que,
250
como evidenciado na terceira consideração (letra c), a gramática e o vocabulário aprendido
seguiram a função da língua e um contexto.
Para que a turma pudesse ter um melhor aproveitamento diante do que foi
observado, esses erros foram discutidos na aula seguinte com o grupo e todos puderam
participar de outras tarefas para checar a compreensão das formas gramaticais e do uso das
mesmas em situações reais de comunicação, através de jogos e trabalhos em grupos.
Durante essas tarefas, foi possível observar que os estudantes passaram a se corrigir quando
cometiam os mesmos erros, buscando aprimorar o uso do idioma.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante o transcorrer deste artigo, lançando mão da pesquisa exploratória, o
objetivo foi integrar a utilização da rede social Facebook ao ensino presencial da língua
inglesa em um curso livre de idiomas, entendendo que a mesma pode funcionar como um
apoio dentro e fora da sala de aula. Buscando aporte teórico em autores renomados no
assunto aqui explorado, tentou-se entrelaçar o ensino de línguas e o uso das novas
tecnologias que tanto têm a contribuir para um ensino eficaz, atraente, dinâmico e
autônomo na contemporaneidade, que leva ao sucesso dos estudantes na aprendizagem da
língua estudada.
Faz-se interessante destacar a interação, o compartilhamento de informações
veiculadas na rede escolhida, a aplicabilidade do uso da mesma no ensino e na
aprendizagem do idioma, além da possibilidade de ensinar e aprender através da troca de
experiências vivenciadas no ambiente com a turma durante o tempo em que as observações
foram realizadas.
Nessa perspectiva, a interação dos estudantes entre si e com a professora,
possibilitada por meio das atividades propostas e realizadas, demonstrou que a
comunicação tornou-se possível no ambiente virtual em estudo – a rede social Facebook –
ainda que os erros tenham ocorrido. As tarefas realizadas on-line permitiram aos estudantes
ampliar o espaço da sala de aula, uma vez que até mesmo ao chegar a suas casas, trabalhos,
faculdades, podiam continuar aprendendo inglês, compartilhando informações sobre o
idioma, trocando ideias com os colegas e com a professora, entre outros.
251
Assim sendo, esta pesquisa se constituiu num relato de ações promovidas para a
obtenção de respostas aos questionamentos e curiosidades vivenciados pela autora deste,
que buscou iniciar (pois esta não termina aqui) uma pesquisa que pode contribuir para que
as barreiras do ensino da língua inglesa, formadas por métodos e abordagens tradicionais,
possam ser rompidas e, dessa forma, esse idioma possa ser ensinado e aprendido com mais
motivação nos ambientes presenciais, ampliando os espaços da sala de aula para os espaços
virtuais.
REFERÊNCIAS
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ALMEIDA, F. J. (Coord.). Projeto Nave. Educação a distância. Formação de professores em
ambientes virtuais e colaborativos de aprendizagem. São Paulo: s.n., 2001.
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pressupostos teóricos para a construção de objetos de aprendizagem. Porto Alegre: CINTED-
UFRGS, 2007.
CASTELLS, M. A Sociedade em Rede. A Era da Informática: Economia, Sociedade e
Cultura. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Vida, 1999.
CHIZOTTI, A. Pesquisa em ciências humanas e sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1998.
KENSKI, V. M. Educação e Tecnologias: o novo ritmo da informação. Campinas/SP:
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LARSEN-FREEMAN, D. Techniques and Principles in Language Teaching. Oxford University
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linguística aplicada: o ensino de línguas estrangeiras. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1988. P.
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LARSEN-FREEMAN, D. Techniques and Principles in Language Teaching. Oxford university
Press, 1986.
MACHADO, J; TIJIBOY, A. Redes Sociais Virtuais: um espaço para efetivação da
252
aprendizagem cooperativa. 2005. Disponível:
http://seer.ufrgs.br/renote/article/view/13798. Acesso em: 10 mar. 2014.
MARTELETO, R. M. Análise de redes sociais – aplicação nos estudos de transferência da
informação. Ci. Inf., v. 30, n.1, Brasília, jan./abr. 2001.
SANTOS, M. Análise de Abordagem de Ensino de Língua no Limite. 2011. Disponível em:
http://www.siple.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=215:6-analise-
de-abordagem-de-ensino-de-lingua-no-limite&catid=62:edicao-3&Itemid=107. Acesso em:
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SCHÜTZ, R. O aprendizado de línguas ao longo de um século. Disponível em:
<http://www.sk.com.br/sk-apren.html>. Acesso em: 15 mar. 2014.
TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa qualitativa em
educação. 12 tir. São Paulo: Atlas, 1987.
253
“UMA CÂMERA NA MÃO”, MAS QUAL IDEIA NA CABEÇA?
INTRODUÇÃO
Na década de 60 do século XX, tem início no Brasil um movimento cinematográfico
denominado Cinema Novo, liderado por cineastas que queriam estabelecer um novo padrão
estético para o cinema brasileiro que quebrasse com a ideologia hollywoodiana. Dentre
aqueles que faziam parte deste movimento destaca-se Glauber Rocha, que com sua imortal
frase “Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” definia a incipiente filosofia
cinematográfica.
Hoje, mais do que nunca, temos “uma câmera na mão”. As facilidades tecnológicas
trouxeram, para os dispositivos portáteis, câmeras que permitem o registro de imagens por
qualquer um, em qualquer lugar, sem a necessidade de um grande aparato tecnológico ou
grande habilidade técnica. Durante anos, a TV e o cinema mantiveram sua hegemonia
quanto à produção e à distribuição de audiovisual, sempre primando por qualidade superior.
Porém, no contexto atual, esta preocupação com a qualidade deixou de ser o ponto mais
254
importante; o conteúdo dos vídeos se sobrepôs. Para ilustrar, podemos nos lembrar das
imagens das manifestações populares que ocorreram em vários pontos do território
brasileiro e em algumas cidades no exterior, em junho e julho de 2013. Muitas delas não
apresentam grande qualidade de áudio e de vídeo, mas figuraram em sites como youtube
como as mais visualizadas, tendo sido, ainda, reproduzidas nos grandes canais de TV de todo
o mundo.
Assim, podemos perceber que, no mundo atual, a produção e a distribuição de
conteúdo audiovisual não estão mais intrinsecamente ligadas à aquisição de equipamentos
sofisticados ou a um aparato gigantesco, mas a um conteúdo qualitativo.
No campo educacional, percebemos que, ligado a esse maior acesso à tecnologia
para captação de imagens e sons, ocorreu também um exponencial aumento no número de
produções de vídeos didáticos por parte de docentes nos mais diferentes níveis e
modalidades. Dentre as modalidades educacionais, a educação online se apresenta como um
campo fértil para essas produções pelas facilidades de disponibilização deste tipo de recurso
via internet.
É interessante destacar que, em muitos casos, os vídeos didáticos são a captação de
práticas ligadas ao ensino presencial; estes podem ter sua possibilidade de alcance didático
potencializada pela aplicação de princípios ligados às produções profissionais de audiovisual,
dentre os quais destacamos a pré-produção. Sendo assim, à facilidade de se ter uma
“câmera na mão” deve ser adicionada a “ideia na cabeça”, que nas produções audiovisuais
profissionais, se expressa pela pré-produção (Sinopse, argumento, roteiro e storyboard) e
que, nas atividades educacionais formais se articula com o plano de aula; desta forma, uma
aproximação entre a pré-produção e o plano de aula, a partir de uma reflexão sobre o vídeo
didático, se torna plausível.
Diante disso percebemos a necessidade de uma pesquisa bibliográfica que pudesse
estabelecer um estado da arte em torno da questão. Parte deste levantamento foi
apresentado no IV Colóquio Interdisciplinar de Cognição e Linguagem, realizado na
Universidade Estadual do Norte Fluminense, entre os dias 02 e 04 de dezembro de 2014, por
meio de uma comunicação oral. Este artigo sintetiza as principais ideias apresentadas.
255
DESENVOLVIMENTO
Nossa preocupação com a elaboração, o uso e o alcance do Vídeo Didático advém da
percepção de um maior uso deste recurso como base para a disponibilização de conteúdos
na educação mediada pela internet, seja em experiências de educação presencial,
semipresencial ou à distância. Destaca-se para nós, também, que os vídeos didáticos
constituem grande parte do conteúdo disponibilizado em iniciativas de cursos abertos
massivos online (MOOC - Massive Open Online Courses) que se apresentam como uma atual
tendência no campo educacional, encabeçada por grandes universidades do Brasil e do
mundo. Muitas das produções de Vídeos Didáticos, porém, a nosso ver, subutilizam as
potencialidades do audiovisual e acabam por não se tornarem uma experiência agradável ao
aluno internauta, e, consequentemente, não atingirem seus objetivos didáticos.
Entendemos que ao pensar um plano de aula a ser disponibilizado por meio de
vídeos didáticos, o docente se aproxima do roteirista em sua pré-produção do audiovisual;
ao estabelecer os objetivos, o conteúdo a ser ministrado, os recursos a serem usados na aula
e a forma de exposição, o docente pensa algo similar a sinopse, ao argumento, ao roteiro e a
storyboard de uma produção audiovisual.
De acordo com o pesquisado, em uma perspectiva mais filosófica, a interpretação
semiótica do audiovisual, conforme apresentado por Lúcia Santaella, deve ser entendida
como uma linguagem midiática de grande alcance e que pode ser analisada tendo em conta
uma tríade interpretativa que leva em consideração os signos propriamente ditos, aquilo
que os signos representam e as reações que esta trama interpretativa dos signos podem
gerar naqueles que realizam a interpretação.
Para a Santaella (2005, p.69) o trabalho empreendido pela semiótica objetiva tornar
explícito o potencial comunicativo de uma determinada peça comunicacional (seja ela um
vídeo, uma imagem, um som, etc.) por meio de uma análise dos efeitos que esta dada peça
pode produzir em um receptor real ou fictício, desde as primeiras impressões até
julgamentos de valor que ele geralmente é levado a empreender. Sendo assim, importa
conhecer a fundo as especificidades da linguagem audiovisual, bem como as competências
que se espera dos “leitores” desta linguagem através deste viés semiológico. Estas reflexões
estão mais ancoradas nas obras de Lúcia Santaella intituladas Semiótica aplicada (2005),
256
Culturas e artes do pós-humano (2003) e Imagem, cognição, semiótica, mídia (2005) que
comporão nosso escopo teórico.
Numa perspectiva mais empírica, ao propor uma reflexão sobre a produção de vídeos
didáticos, é imprescindível uma visita à obra do Professor Joan Ferrés i Prats, da
Universidade Pompeu Fabra - Barcelona. Este autor apresenta uma discussão profícua sobre
temas de interesse para este trabalho, como: audiovisual e educação, mídias e educação,
além de sua reflexão sobre a produção e a linguagem audiovisual. Em suas reflexões, Ferrés
apresenta e classifica as possibilidades de uso dos audiovisuais nas práticas educacionais,
alertando para o risco de se incorrer em práticas que subutilizem o potencial deste recurso.
Seus escritos indicam a necessidade de se refletir sobre o uso dos vídeos pelos professores,
pois
ningun profesor o profesora, por buenos que Sean, podran transmitir mejor
que un buen programa de video informaciones que Sean visuales,
dinamicas y sonoras. El profesor puede explicar, pero el video puede
mostrar, describiendo la realidad tangible con el mayor grado de
objetividad posible33 (FERRÉS, 1994, p. 82).
32
O professor que possui uma câmera de vídeo simples tem a oportunidade de conectar o currículo com o seu
entorno: a flora, a fauna, os monumentos históricos, a arquitetura e a pintura, o folclore, eventos culturais, os
costumes sociais, festivais, entidades locais e profissões mais representativas. Tradução livre.
33
Nenhum professor ou professora, por mais bons que sejam, será capaz de transmitir, melhor que um vídeo,
informações que sejam visuais, dinâmicas e sonoras. O professor pode explicar, mas o vídeo pode mostrar
descrevendo a realidade tangível com o maior grau de objetividade possível. Tradução livre.
257
No entanto, o autor destaca que a tecnologia por si só não tem muito a acrescentar,
pois podem ser futuramente substituídas por outras tecnologias, porém uma reflexão sobre
a linguagem audiovisual se torna imprescindível por ser algo possível em diferentes suportes
midiáticos.
Destacam-se também no mesmo campo, as reflexões do professor João Mattar sobre
os usos do vídeo na educação online principalmente em seus textos sobre as aplicações do
Youtube à educação. Suas reflexões permitem pragmatizar os fundamentos do audiovisual
para nossa realidade cotidiana, e mais especificamente para as práticas pedagógicas, sem
abrir mão de boa dose de teoria. As palavras do Professor nos servem como motivação para
a reflexão aqui empreendida, pois, de acordo com seu pensamento,
Mas o que diferencia o vídeo didático das demais produções audiovisuais? Ou, o que
seria o vídeo didático?
O vídeo é uma peça audiovisual e, portanto, congrega em si uma mixagem de
imagens e sons. No entanto, ao tratarmos de vídeo, pensamos numa peça intencional, ou
seja, a nosso ver o vídeo é uma peça comunicativa e como tal tem um objetivo mínimo de
comunicar uma mensagem a um receptor específico ou a um receptor geral, fechando o
ciclo clássico da comunicação: Emissor – Mensagem – Receptor.
Nesta perspectiva podemos dizer que toda produção audiovisual, da mais
profissional a mais amadora, pode ser considerada em última instância, um vídeo. É de
nosso conhecimento que a nova acepção de comunicação advinda com a cibercultura
transforma receptores em emissores e emissores em receptores, mas na dinâmica do vídeo
pensamos que acontece uma retroalimentação que inverte os papéis mas não muda a lógica
clássica.
De acordo com Arroio e Giordan (2006) o audiovisual também é
258
uma produção cultural, no sentido em que é uma codificação da realidade,
na qual são utilizados símbolos da cultura, e que são partilhados por um
coletivo produtor do audiovisual e por outras pessoas para as quais o
audiovisual é destinado (p. 8).
A partir desta acepção, entendemos como vídeo didático a produção audiovisual que
visa motivar a aprendizagem, a partir de conteúdos previamente selecionados e organizados
com o objetivo de gerar habilidades e competências conectadas às teorias pedagógicas que
o docente defende em sua prática. É uma produção com o claro intuito de gerar situações de
ensino e aprendizagem. Este projeto não tratará, portanto, dos vídeos que podem ser
aplicados de forma didática, fornecendo uma aprendizagem tangencial, mas sim daqueles
produzidos com o fim de gerar a aprendizagem através de estratégias de ensino. Podemos
dizer que o vídeo didático também abarca os chamados vídeos educativos e instrucionais.
Para Alves et al (1987, p. 23), na obra em que propõem uma reflexão sobre o “como
fazer” em se tratando de audiovisual, é preciso que o sujeito que se disponha a realizar
produções audiovisuais tenha uma certa alfabetização visual e auditiva, além de boa dose de
criatividade e ainda que domine um pouco dos parâmetros técnicos de produção de um
audiovisual.
259
Esta alfabetização visual e auditiva, a nosso ver se dá através de um bom contato
com diferentes tipos de produção audiovisual, ou seja, um bom produtor de vídeos é
também um bom espectador de filmes. Porém, seu olhar não se direciona apenas ao
conteúdo, mas também aos tipos de abordagens de um roteiro, à beleza da fotografia, às
sutilezas do áudio, às variações de planos de filmagem, e etc. É preciso uma educação do
olhar para o audiovisual que possibilite que o espectador possa refletir sobre o audiovisual
para além dos critérios comuns à massa e passe a realizar um pensamento mais crítico que
envolve o conhecimento de termos que o mundo da produção audiovisual utiliza para se
expressar. É certo que um espectador comum sabe o significado de um prêmio de melhor
filme ou melhor atriz, mas saberia falar sobre o figurino, sobre a fotografia, sobre edição?
Ou ainda, saberia o que estes termos significam dentro do mundo da produção audiovisual?
Um conhecimento, ainda que propedêutico, sobre estes temas não poderia potencializar sua
produção de pequenos audiovisuais para o uso em suas iniciativas de Educação online?
Sobre o conhecimento técnico, temos claro que um docente, que muitas vezes atua
em contextos, em instituições, em modalidades e em níveis diversos não pode, pela própria
lógica de seu trabalho, concentrar os seus parcos momentos de formação para se dedicar a
aprender técnicas de pré-produção, filmagem e edição de vídeos, afinal seu objetivo ao
produzir peças audiovisuais é, antes de mais nada, didático e pedagógico.
Em artigo publicado na revista Novas Tecnologias na Educação, as autoras Vargas,
Rocha e Freire (2007, p. 2) sintetizam os benefícios educacionais advindos com o uso da
produção de vídeos em contextos educacionais, a saber: desenvolvimento do pensamento
crítico, promoção da expressão e da comunicação, favorecimento de uma visão
interdisciplinar, integração de diferentes capacidades e inteligências e valorização do
trabalho em grupo.
Mas estes benefícios devem estar aliados à um bom planejamento, que contemple os
objetivos de aprendizagem, conforme alerta Costa (1978, p. 43 apud Cinelli, 2003, p. 37),
260
Sendo o vídeo didático uma modalidade de aula, entendemos que o mesmo cuidado
que o professor tem com o planejamento de suas aulas presenciais deve ter com o
planejamento de suas vídeo-aulas ou de seus vídeos didáticos. Importa saber quais são estes
cuidados, o que nos leva à uma reflexão sobre a constituição do planejamento de uma aula.
O Planejamento de uma aula se expressa no plano de aula. Alertamos que não
podemos confundir o documento “plano de aula”, que muitas vezes se torna uma servidão
para os professores, com o planejamento de uma aula em toda a sua complexidade. Este
projeto se alinha à segunda acepção do termo. Compreende-se o plano de aula como
[...] devemos entender a aula como o conjunto dos meios e condições pelos
quais o professor dirige e estimula o processo de ensino em função da
atividade própria do aluno no processo da aprendizagem escolar, ou seja, a
assimilação consciente e ativa dos conteúdos. Em outras palavras, o
processo de ensino, através das aulas, possibilita o encontro entre os
alunos e a matéria de ensino, preparada didaticamente no plano de ensino
e nos planos de aula (p. 45).
Dentre estes meios para dirigir e estimular o ensino e a aprendizagem citados por
Libâneo, podemos destacar os vídeos didáticos ou as videoaulas, por serem uma forma de
gerar interação, ainda que assíncrona, entre os sujeitos participantes dos processos de
ensino e aprendizagem.
Sendo o vídeo didático uma ferramenta para o ensino que visa gerar aprendizagem,
deve contar com o mesmo planejamento de uma aula ou de uma sequência didática. No
entanto, é preciso ter claro que a pura experiência de um docente em ministrar aulas não
deve ser motivação para que este prescinda de um planejamento, em suas atividades
261
didáticas, sejam elas presenciais ou online. Como também não deve se entender como certo
que um docente com experiência em ministrar aulas, não precise de desenvolver novas
habilidades para ministra-las através de vídeos didáticos.
Ao planejar uma aula o docente precisa levar em consideração alguns parâmetros
estruturantes que devem constar em qualquer planejamento, independente da concepção
educacional que se adota, desde a mais restritiva àquela mais democrática, a saber: a
formulação de objetivos, a seleção de conteúdos, a metodologia a ser utilizada e a
avaliação se os objetivos foram ou não alcançados. Estes pontos foram abordados por
Masetto (1996) e serão a base para as nossas reflexões sobre o plano de aula apresentadas
na sequência.
É comum uma confusão entre objetivos educacionais e os objetivos que devem
constar de documentos relacionados à planejamentos e pesquisas. A velha regra de colocar
verbos no infinitivo e a velha tabela de verbos a serem utilizados em objetivos de pesquisa
nem de longe se assemelham ao que se entende por objetivos educacionais. Ao determinar
previamente os objetivos, o docente estabelece as metas e os resultados que pretende
atingir com as suas atividades didáticas. Estas metas ou esses resultados serão fruto de
ações desempenhadas por professores e alunos, contando ainda com variantes como, por
exemplo, o acesso a meios que possibilitem a construção do conhecimento. Na definição de
objetivos educacionais evidencia-se atitudes relacionadas aos conhecimentos e habilidades
que o aluno não realizaria eficazmente antes de ter contato através da sistematização
elaborada pelo docente. Os objetivos orientam a seleção dos conteúdos, as estratégias a
serem adotadas, os mecanismos de avaliação, além de possibilitarem que os alunos, tenham
clareza do que é esperado de cada um ao final do processo de aprendizagem.
A partir da definição dos objetivos, devem ser selecionados os assuntos ou temas que
serão apresentados no decorrer da aula ou sequência didática, a estes assuntos ou temas
dá-se o nome de conteúdos que serão meios para que o discente possa alcançar as metas
estabelecidas. Temos claro que a grande maioria dos docentes utilizam o caminho inverso —
primeiro selecionam o conteúdo a ser ministrado e só depois estabelecem os objetivos —
tornando a tarefa de ensinar algo enciclopédico, no qual os conteúdos é que se destacam e
262
não as mudanças de atitude, os comportamento ou as relações estabelecidas com as
diversas áreas do conhecimento. Para Masetto (1996) os conteúdos devem trazer assuntos
Atuais e atualizados;
Que se relacionem diretamente com a vida e a realidade do aluno fora
da escola;
Que despertam interesse do aluno e que sejam adequados a sua faixa
etária;
Que permitam integrar conhecimento de várias áreas, disciplinas ou
ciências, levando a superação da fragmentação e compartimentalização do
saber;
Que despertem curiosidade e repercutam nos novos desafios;
Que apontem para o futuro e que permitam diferentes ângulos de
análise ou comportem diferentes interpretações (p. 91).
A metodologia deriva (ou pelo menos deveria derivar) das concepções pedagógicas
do próprio docente. Um docente com uma prática mais democrática irá favorecer a
263
democracia em sua prática, um docente mais conteudista irá dar foco maior a estratégias
que favoreçam o contato com o conteúdo. Ao pensar a metodologia o docente deve pensar
em todos os recursos que pode dispor para que os objetivos sejam alcançados, incluindo
recursos tecnológicos, humanos ou mesmo refletindo sobre a forma como uma sala de aula
será organizada. Além disso, pode pensar formas diferenciadas de aprendizagem como o uso
de viagens de estudo, estudos de caso, experiências, discussões plenárias, juris simulados. O
que não se pode e não se deve perder de vista é que as metodologias precisam, de acordo
com Masetto (1996, p. 90), ter algumas características, como: Ser estabelecidas visando
conseguir atingir os objetivos definidos; Devem gerar um processo de ensino-aprendizagem
eficiente e devem se adequar aos objetivos.
O último parâmetro estruturante que deve constar em qualquer planejamento de
uma aula é a avaliação. O fato de estar exposto por último neste projeto dentre os outros
parâmetros não indica que ela só deva acontecer no final do processo de ensino e
aprendizagem. A avaliação deve ser processual, acompanhando todo o processo de
aprendizagem pois deve ser entendida como um instrumento de feedback com o educando
em que ambos, docentes e discentes, devem refletir sobre a contribuição de determinada
metodologia para a construção do conhecimento ou para a consecução de um objetivo. “O
feedback se dá quanto à aquisição de informações, ao desenvolvimento de habilidades e de
atitudes de acordo com os objetivos” (MASETTO, 1996, p. 92).
O feedback, como aqui exposto, é um termo que tem suas raízes no âmbito da
administração de empresas e se refere a um procedimento que gera informações relevantes
sobre o desempenho, a conduta ou uma ação executada com o objetivo de dar novas
orientações ou criar comportamentos futuros mais adequados. Portanto, uma avaliação que
dê apenas um feedback final, não permite mudanças durante o processo e torna-se pouco
importante pois não será possível identificar em qual momento da prática educativa
aconteceu o rompimento que não permitiu que os objetivos fossem alcançados.
O desafio reside em refletir sobre estes parâmetros estruturantes (objetivos,
conteúdo, metodologia e avaliação) no âmbito das videoaulas ou dos vídeos didáticos, já que
estes são uma conjugação de uma aula com uma peça audiovisual. O planejamento torna-se
264
assim imprescindível se entendermos que o vídeo didático é uma forma de aula. No
entender de Arroio e Giordan (2006),
Percebemos assim que, de acordo com os autores, o vídeo didático precisa ser
pensado com o mesmo cuidado de uma aula. Ora, um professor dificilmente resume sua
aula à uma exposição desenfreada de conteúdo através de um falatório enfadonho, o que
justifica que esta prática não seja adotada em seus vídeos didáticos. Torna-se necessário
então um planejamento desta aula. Mas planejar uma aula e planejar um vídeo são a mesma
coisa? Nos parágrafos anteriores vimos os itens estruturantes do planejamento de uma aula,
cabe agora pensar os o planejamento de um vídeo para apontarmos as possibilidades de
aproximação entre ambos que constitui o cerne deste projeto de pesquisa visando tornar o a
produção e o uso de vídeos didáticos ou videoaulas uma realidade mais factível aos
docentes.
Assim como o documento “plano de aula” não comporta tudo o que se pode realizar
em uma aula, o documento “roteiro” não comporta tudo sobre a produção de um vídeo. No
entanto, ambos são necessários pois expressam um planejamento prévio, um cuidado do
idealizador, tanto da aula como do vídeo. A roteirização corresponde ao que é entendido
neste artigo como pré-produção, incluindo também a escrita de um roteiro.
Sobre as temáticas pré-produção e roteiro temos autores referência que servem de
escopo teórico à reflexão que empreende-se neste projeto, a saber: Sye Field, Doc
Comparato, Grieson e o professor Sérgio José Puccini Soares da UFJF.
Sye Field é o autor de consagradas obras na área de roteiros como “Manual do
roteiro” (1995) na qual apresenta uma abordagem estrutural dos roteiros que permite ao
leitor e futuro roteirista ter a clara noção dos elementos fundamentais para a construção de
uma boa narrativa, desde a ideia inicial, passando pelo desenvolvimento dos personagens e
das situações dramáticas, até o texto finalizado. O autor esclarece a importância da fase de
265
elaboração da ideia. Muito mais do que ter boas ideias é preciso que o docente que irá
produzir vídeos didáticos entenda como transformar boas ideias em boas narrativas para
realizar bons produtos audiovisuais. De acordo com Field (1995, p. 22), muitos têm uma
ideia inicial para um filme e se lançam a escrever a história, mas logo desistem, pois faltou-
lhes uma parte essencial para desenvolver uma ideia: a pesquisa. Para o autor,
Em apenas dez anos quase todas as escolas passaram a incluir o vídeo nos
seus programas educativos. E não só para aproveitar os filmes didáticos,
mas também para aprender a nova linguagem da imagem, a que tão pouca
importância foi dada na época fotoquímica do cinema, e para aprender a
exprimir-se por meio de imagens, quer dizer, a produzir. Universidades e
34
Pseudônimo de Luís Filipe Loureiro Comparato, roteirista de TV e cinema brasileiros. Parceiro de Gabriel
García Márquez em peças de teledramaturgia para a TV espanhola.
266
escolas técnicas já produzem. Mais ainda, também as escolas secundarias o
fazem. Finalmente, algumas escolas comunicam-se entre si graças ao
milagre que constitui a TV via satélite. É verdade que se trata de ensaios
escolares, mas os professores assumiram já uma nova responsabilidade, a
de ensinar, não apenas a redigir, mas também a produzir meios
audiovisuais (p. 49).
35
Cineasta escocês, foi o primeiro a utilizar o termo Documentário. Foi o fundador da escola inglesa de
documentários que até hoje influencia grandes produtoras de documentários como a BBC e a National
Geographic.
267
roteirização, destacando as três etapas da produção (pré-produção, produção e pós-
produção). Atenta para o fato de que no documentário a escrita do roteiro é uma escrita
aberta que se alonga por todo o processo de produção, apontando assim a importância da
pré-produção.
A nosso ver, a fala do professor Sérgio José Puccini Soares destaca a importância de
se refletir sobre parâmetros estruturantes da produção audiovisual que minimizem a ação
do acaso nestas produções. Assim sendo, cabe-nos refletir sobre a concepção de vídeos
didáticos ou de videoaulas, a partir de sua pré-produção, no sentido de perceber estes
parâmetros estruturantes numa rica interação reflexivo-formativa com professores que
estarão produzindo vídeos na experiência de pesquisa-ação que propomos.
CONCLUSÃO
O levantamento bibliográfico apontou que a produção de vídeos didáticos pode
minimizar a cisão existente entre conhecimentos técnicos e pedagógicos, pois ela
compreende a realização de práticas dialógicas de trabalho. À formação pedagógica dos
docentes deve ser acrescentada os conhecimentos técnicos de produção de vídeo. No
entanto estes conhecimentos precisam de ser traduzidos para uma linguagem comum a
ambas as áreas. Entendemos que uma formação que verse sobre a produção de vídeos,
mesclando e inter-relacionando conhecimentos técnicos e pedagógicos pode contribuir para
uma educação de mais qualidade.
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269
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<http://www.cinted.ufrgs.br/ciclo10/artigos/1bAriel.pdf>. Acesso em: 30 abr. 2014.
270
USO DO CELULAR COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA EM SALA DE AULA
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Antigamente eram utilizados telefones celulares com poucos recursos e funções, que
possuíam apenas funcionalidade básica de comunicação por voz. Com a evolução da
tecnologia foi incorporado nos dispositivos atuais novos recursos e serviços que permitem a
utilização da internet para troca de dados. O acesso aos serviços de telefonia móvel permite
que as pessoas estejam conectadas virtualmente e tenham acesso às informações em todo
canto do mundo. Como forma de romper barreiras nas transmissões de dados entre
dispositivos que dispensem o uso de fios e cabos, surgem então as redes sem fio.
271
Com a implantação e popularização da telefonia móvel, uma nova visão de mundo e
comportamento foi definida, não apenas pela evolução que proporcionou, mas pela
mudança na forma de se comunicar. A telefonia celular promoveu avanços que fazem parte
do cotidiano das pessoas, tanto na comunicação, na disponibilização de serviços e na
operabilidade e conforto que toda tecnologia proporciona (TAVARES, 2004).
Diante de uma nova sociedade, de um novo século que busca o conhecimento de
forma acelerada. As tecnologias estão impactando todo o universo social e gerando novas
dinâmicas em todos os seguimentos, principalmente no que se refere à educação.
Faz-se necessário pensar e repensar em práticas educativas que traduzam a
necessidade e a realidade na qual estamos vivendo, para isso novos mecanismos de
aprendizagem começam a ser planejados e construídos, como forma de enriquecimento
pedagógico.
Portanto este artigo visa mostrar como o desenvolvimento dos sistemas de telefonia
se tornou essencial à sociedade e o modo de utilização do aparelho pode se tornar comum
nos ambientes educativos. Com a rápida evolução da telefonia móvel, as formas de
comunicação são eficientes, sendo de grande valia para a disseminação de informações em
escala global e de forma bastante ligeira.
Numa época de grandes transformações, geradas pela crescente evolução
tecnológica, é importante uma análise dos efeitos causados pelo crescimento da utilização
da telefonia móvel e seus recursos. A comunicação móvel se reflete na sociedade, tornando-
se um fenômeno de grande impacto social, principalmente nas salas de aula como recurso
tecnológico de aprendizagem. Mesmo que proibido dentro das instituições escolares,
pretende-se verificar a utilização dos aplicativos pedagogicamente.
Por esse motivo, o artigo torna-se relevante, pois a escolha justifica-se pelo fato das
telecomunicações viverem o desafio de maximizar a contribuição com o desenvolvimento
tecnológico, cultural e social.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Analisar a influência do aprendizado utilizando os dispositivos móveis (celular)
pedagogicamente;
272
Identificar a importância na utilização dos aplicativos nos dispositivos móveis, para o
aprendizado e;
Observar questões disciplinares e sociais entre alunos e professores diante das
mudanças metodológicas.
METODOLOGIA
Esta pesquisa pode ser classificada como descritiva à medida que descreve como
acontece o uso do dispositivo móvel em sala de aula, na disciplina de língua estrangeira
(inglês) utilizando um aplicativo livre sendo abordado de maneira pedagógica e orientado
pelo professor de um CIEP em Campos dos Goytacazes-RJ com turmas do Ensino Médio
(manhã) e Ensino de Jovens e Adultos (Noite), e explicativa, pois o artigo em questão explica
os resultados obtidos pelo professor mesmo em turmas diferentes.
A pesquisa foi realizada na Escola Pública Estadual (CIEP) em três turmas regulares,
de Ensino Médio, do turno da manhã, com 60 alunos; e em duas turmas da EJA à noite; no
1º semestre do ano de 2014.
Na turma em que nem todos os alunos tinham celular, o professor complementou a
atividade com o uso do computador, projetor de imagens e internet da própria escola.
A atividade proposta foi a utilização do aplicativo Duolingo (aplicativo gratuito para
celular e/ou computador) em suas atividades pedagógicas. Num primeiro momento o
professor conheceu o aplicativo mais detalhadamente, observando seus conteúdos e
atividades propostas, traçou estratégias para sua utilização, onde todos os alunos que
tivessem celular com acesso a internet deveriam baixar o aplicativo e os que não tivessem
fariam atividades em dupla. Num segundo momento cadastrou todos da turma para que
tivesse controle do nível e se estavam “jogando” e estipulou que após uma semana seria
feito uma verificação geral; onde todos saberiam em que nível cada dupla estava e os que
não tinham celulares poderiam participar a partir da exposição do aplicativo através da
internet de um computador e um projetor de imagens e assim ele procedeu por quatro
semanas. Intercalando com seu conteúdo curricular e o aplicativo como suporte de revisão,
tira dúvidas e competição amigável.
273
Desde os primórdios da civilização, como na Grécia antiga, com o uso de sinais de
fumaça mencionado como forma de comunicação, observa-se o desejo de comunicar-se
livre de fios e aparatos. Em 1876, Alexander Graham Bell inventa o telefone. A era da
telefonia celular teve seu início efetivo nos anos 1990, quando o usuário podia obter o
aparelho portátil embora suas dimensões iniciais fossem grandes (DIAS, 2001). Para a
obtenção da portabilidade do aparelho celular, foi desenvolvido um sistema móvel sem fio,
que permitiu a utilização do serviço móvel celular em qualquer lugar.
Vários padrões foram adotados em diferentes países e ficaram conhecidos como
sistemas de 1ª Geração (1G); o AMPS (Advanced Mobile Telephone System – Sistema
Avançado de Telefonia Móvel) nos Estados Unidos, o TACS (Total Access Communications
Systemm – Sistema de Comunicação de Acesso Total) no Reino Unido, o JTACS (Japan Total
Access Communications Systems – Sistema de Comunicação de Acesso total do Japão) no
Japão e o NMT (Nordic Móbile Telephones system – Sistema Nórdico de Telefones Móveis)
nos países do norte europeu (Dinamarca, Finlândia, Suécia e Noruega).
Os sistemas de 1G utilizam a transmissão de dados no modo analógico e a técnica de
acesso ao meio utilizada é a FDMA. Os principais problemas com esses sistemas eram a baixa
qualidade e capacidade dos canais de comunicação e a incompatibilidade entre os diversos
sistemas existentes.
Depois da primeira geração de sistemas móveis veio a 2ª Geração (2G) numa
tentativa de ampliar a capacidade dos sistemas existentes. O sistema AMPS evoluiu para o
DAMPS (Digital Advanced Mobile Phone System – Sistema Avançado de Telefonia Móvel)
que utilizava TDMA, também conhecido por IS-54 (Interim Standard - 54 – Padrão Interino -
54). Como uma alternativa ao IS-54 surgiu nos Estados Unidos o IS-95 (Interim Standard – 95
– Padrão Interino -95), ainda na primeira metade da década de 90 e utilizava o CDMA,
aumentando a capacidade em relação aos sistemas existentes. O IS-54 foi sucedido pelo IS-
136 (Ínterim Standard - 136 - Padrão Interino - 136). Portanto, em meados da década de 90
dois sistemas móveis digitais competiam nas Américas na faixa de 800 MHz (DIAS, 2001).
Com a 2ª Geração foram introduzidos novos serviços de comunicação de voz, com
maior qualidade e capacidade de transmissão, possibilitando atender um maior número de
usuários e, também, foram criados serviços de envio de dados como o SMS (Short Messages
274
Service – Serviço de Mensagens Curtas) para transmissão de pequenos pacotes de dados. O
SMS permite que o usuário envie e receba mensagens de texto de até 160bytes36 (DIAS,
2001).
Ainda no início da década de 90 surgiu a 3ª Geração (3G) teve como proposta o
padrão global das comunicações móveis, com a disponibilidade de altas taxas de transmissão
de dados possibilitando o suporte a aplicativos multimídia e acesso à Internet. O IMT-2000
(International Mobile Telecommunications 2000 – Telecomunicação Móvel Internacional
para o ano 2000) está sendo desenvolvida pela ITU (International Telecommunication Union
– União Internacional de Telecomunicações). Esses sistemas disponibilizam serviços de voz,
dados, e aplicações multimídia sobre as redes sem fio. A ideia é que o IMT-2000 especifique
uma “família de padrões” que disponibilize pelo menos taxas de 2 Mbps (Mega bits por
segundo) em ambientes indoor, 384 Kbps em ambientes de baixa mobilidade, 144 kbps (Kilo
bits por segundo) em ambientes veiculares (outdoor) (DIAS,2001).
O grande avanço dos sistemas de telecomunicações da Tecnologia da Informação
(TI), juntamente com a utilização de um novo tipo de componente de hardware, os
dispositivos móveis, trouxe ao mundo a tecnologia wireless37. De acordo com Amorim
(2002), este tipo de tecnologia, com o passar dos anos e com as novas exigências do
mercado, vem crescendo e possivelmente se tornará um dos meios mais utilizados, pois
pode propiciar diversas funcionalidades. Tudo isso em qualquer lugar ou a qualquer hora,
através de dispositivos móveis.
Ainda Amorim (2002) cita que se pode dizer que a tecnologia wireless disponibiliza a
portabilidade e a praticidade da informação independente do lugar, necessária aos
equipamentos portáteis. Perdendo a dependência de objetos fixos e viagens físicas, se
utilizará as redes wireless para acessar dados onde e quando for necessário.
O grande objetivo da tecnologia não é apenas aumentar a velocidade da conexão,
mas melhorar todo o sistema para oferecer uma experiência mais fluida para os usuários.
36
Bytes: Sequência constituída de um número fixo de bits adjacentes, considerada como a unidade básica de
informação, e cujo comprimento geralmente é constituído de 8bits; octeto.
37
Wireless: É o termo que designa sistemas de telecomunicações em que os sinais são transmitidos por ondas
eletromagnéticas, dispensando o uso de fios proporcionado pela tecnologia wireless, as pessoas desfrutarão de
informações adaptadas a seus hábitos e interesses.
275
Com isso, mais aparelhos poderão se conectar a rede, que deverá ser muito mais rápida que
o 4G atual.
De acordo com o engenheiro de comunicações Mike Short, a rede 5G ainda vai
demorar alguns anos para começar a ser utilizada comercialmente. Assim, espera que os
primeiros aparelhos equipados para utilizar a tecnologia comecem a ser vendidos em 2022
no Reino Unido e até 2024 em outros países. Contudo, isso não significa que as redes 3G e
4G serão deixadas de “lado”, mas sim que novas opções passarão a ser utilizadas em longo
prazo (BARBOSA, 2013).
Enfim, a comunicação sem fio é um suporte para a computação móvel, que explora
diferentes tecnologias de comunicação que serão inseridas tanto em ambientes
computacionais fixos como móveis.
276
A participação dos usuários sofreu além de um aumento, uma mudança que
possibilitou novas formas de comunicação além dos serviços básicos já utilizados como a
conversação por voz e mensagem de texto (SMS). Desta forma, com a interatividade entre
os usuários do serviço móvel é possível estabelecer através do aparelho, comunicação
mediada que agrega vários elementos da interação presencial, pois há a possibilidade de
manipular a voz, o som do ambiente e a imagem dos envolvidos. Como mídia de
interatividade, em relação aos elementos que são inseridos nas mensagens, tais como: o
tom de voz, a possibilidade de intervenção, apropriação e inserção (imagens, sons, vídeos,
documentos, caracteres de expressão). Assim configura-se uma interatividade de troca de
experiências de cunho emocional, por exemplo, reforçado por recursos podem intensificar
de forma a expressar a real ideia ou emoção que o indivíduo que passar para o receptor
(MANTOVANI, 2006).
Fonseca (2013) cita Straubhaar e LaRose (2004) que afirmam que a tecnologia é um
agente transformador e ocasiona impactos sociais. Do ponto de vista filosófico e
tecnológico, uma corrente de teoria que busca entender a tecnologia indo além da
necessidade e utilização de forma estrita, mas também como um estilo de vida, que ganha
força com sua utilidade, onde possibilita relacionar a industrialização da telefonia móvel,
com o pensamento de Aristóteles sobre a tecnologia, como ferramenta para o ser humano
se realizar de forma plena. Fonseca (2013) também cita Merije (2012) que afirma que o
design e funções dos aparelhos celulares tiveram evoluções, como a reprodução de toques
polifônicos e no formato digital MP3 com voz e instrumentos musicais simultaneamente,
bem como a o aumento do tamanho da tela e qualidade de resolução com milhões de cores
e touchscreen (tela com sensibilidade ao toque). Com o avanço das gerações da telefonia
móvel houve um crescimento das taxas de troca de dados, aumento e melhoria das
conexões e velocidade de navegação na internet e aparelhos com mais recursos.
Os telefones celulares atuais possuem outras características além de fazer uma
simples chamada telefônica; agora podem enviar mensagens de texto; realizar navegação na
internet; reproduzir música MP3; gravar memorandos; organizar informações pessoais,
contatos e calendários; enviar e receber e-mails e mensagens instantâneas; gravar, enviar,
receber e assistir a imagens e vídeos usando câmeras e filmadoras embutidas; executar
277
diferentes toques, jogos e rádio; realizar push-to-talk (PTT); utilizar infravermelho e
conectividade Bluetooth; realizar vídeo-chamadas e servir como um modem sem fio para um
PC (SAFKO & BRAKE, 2010, p.266).
Fonseca (2013) menciona Ferreira (2012) que levando em consideração a diversidade
de serviços e a convergência, os aparelhos celulares ofertam uma gama de recursos para o
aprendizado. Possibilita o compartilhamento de ideias e informações, experiências, acessão
a uma diversidade de serviços úteis e complementos didáticos audiovisual, e até jogos.
Segundo Fonseca (2013), na visão de Merije (2012) a combinação de serviços dos
telefones móveis e smartphones com os recursos da internet possibilitaram acessar e
compartilhar conteúdo digital, que permite uma nova forma de aprendizado.
A Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) junto à telefonia móvel está num
processo contínuo de mudanças e isso reflete na mudança do cotidiano de vários segmentos
na sociedade. Sendo assim, o segmento educacional também vem se adaptando a estas
tecnologias, e assim ocorre o crescimento da interatividade e acessibilidade à informação
(FONSECA, 2012).
Desta forma, Fonseca (2013) cita Fedoce e Squirra (2011) que afirma que as escolas
de forma geral necessitam atentar-se para as inovações, uma vez que as formas de ensino e
aprendizado passam por mudanças muito significativas, sendo que novas tendências estão
determinado e concebendo os paradigmas pedagógicos, alterações muito relacionadas à
difusão da Tecnologia da Informação (TI).
Fonseca (2013) também menciona Mülbert e Pereira (2011) que afirmam que a
inovação da tecnologia proveniente da evolução das telecomunicações vem possibilitando
acesso a diversas formas de aprendizado. Assim, tornou-se possível a utilização de aparelhos
móveis como os smartphones e tablets que possibilitam mecanismos de educação
semelhantes, no lugar de um equipamento conectado e fixado numa rede, como um
computador de mesa.
Desta forma são criadas circunstâncias para o progresso de exercícios de ensino-
aprendizagem com equipamentos móveis e portáteis. Fonseca (2013) cita Tarouco (2004)
que elucida que para o método de ensino-aprendizagem, escolas e professores utilizam
principalmente smartphones para apoio pedagógico no aprendizado.
278
NATIVOS DIGITAIS X IMIGRANTES DIGITAIS
Atualmente jovens de variadas faixas etárias, etnias e classes sociais utilizam seus
aparelhos celulares para ouvir música, assistir vídeos, navegar na internet e redes sociais,
trocar mensagens de texto e online e também falar com outras pessoas. No ambiente
residencial utilizam computador, se comunicam por mensagens e redes sociais com amigos
aos quais lidam no cotidiano como na escola, mas também com amigos virtuais que
estabelecem uma amizade virtual através de redes sociais, fóruns, chats e em diversos
domínios da internet.
Estes jovens geralmente buscam informações primeiramente na internet antes de
buscarem nos livros, revistas, ou qualquer tipo de impressão. Eles entendem a tecnologia
digital como uma linguagem, capaz de definir suas atitudes e comportamentos e desta
forma são descritos como nativos digitais, pois estão inseridos na linguagem digital desde o
nascimento (PESCADOR, 2010).
Pescador (2010) cita o pesquisador e educador Prensky (2001) que afirma que esta
geração de jovens prefere buscar informações de forma rápida e interagem com várias
mídias simultaneamente devido à utilização constante smartphones, computadores, e mídia
digital desde o nascimento. Além disso, ainda fica constantemente conectado com seus
círculos sociais através de mensagens de texto (SMS) no celular, computador e demais
dispositivos digitais conectados à internet e com ferramentas de comunicação online como
Whattsap e Facebook.
Pescador (2010) também cita Palfrey e Gasser (2008) que afirmam que jovens que
lidam com a tecnologia desde a primeira idade geralmente têm uma personalidade online e
levam uma vida online através de dispositivos como o celular e recursos como redes sociais,
esses são os nativos digitais. Esta característica de adaptação natural à tecnologia é o que
difere esses jovens de seus pais e outras pessoas de gerações anteriores, as quais quando
eram jovens costumavam relatar suas ideias e pensamentos em diários, que eram fechados
com cadeados para que não pudessem ser lidos. Já os nativos digitais compartilham suas
ideias, pensamentos e até segredos em blogs na internet em redes sociais e desta forma
criam vínculos entre pessoas que podem nunca se encontrar.
279
Segundo Pescador (2010), Prensky (2001) afirma que os nativos digitais podem ser
facilmente identificados em todos os lugares devido à forma de utilizar os dispositivos
tecnológicos e seus recursos. Como estão desde muito cedo familiarizados com a tecnologia
digital, um telefone celular, por exemplo, não é utilizado apenas para as funções primordiais
e básicas como realizar e receber chamadas e mensagens de texto, mas também para ouvir
músicas, assistir vídeos e acessar a internet, podendo também assistir TV. Os nativos digitais
têm a capacidade de realizar várias tarefas simultaneamente, podendo executar um
download de música ou streaming de vídeo online enquanto fazem uma tarefa escolar. Os
nativos digitais nasceram em meio à tecnologia digital e se adaptaram naturalmente.
Para Pescador (2010), é válida a afirmação de Prensky (2001) que os imigrantes
digitais são indivíduos que alcançaram a utilização da tecnologia digital geralmente na vida
adulta, sendo assim, precisam se adaptar. Mesmo quando adaptados à linguagem digital, os
imigrantes digitais ainda mantém determinado “sotaque” em relação aos nativos digitais ao
que se refere à utilização das tecnologias no cotidiano. Muitos não conseguem deixar de
utilizar métodos defasados e antigos. Imprimem e-mails ou não usam a internet como
primeira fonte de busca informação, mas preferem consultar livros e outros materiais
impressos, por exemplo, pois a diferença é mais cultural. A diferença entre as gerações mais
antigas e mais novas definem cada lado.
Os imigrantes digitais costumavam serem passivos em relação às tecnologias de
comunicação de sua época como espectadores e ouvintes do rádio e televisão. Já os nativos
digitais buscam a interação com a tecnologia. Ao invés de ler um manual para aprender
como funciona e como operar um aparelho ou aplicativo, o nativo digital prefere utilizar e ir
aprendendo numa sequência de erros e acertos, valendo-se de uma lógica para o
entendimento. Os jovens preferem explorar e aprender por conta própria a utilização das
tecnologias do que serem passivos e aprender com instruções e manuais (PESCADOR, 2010).
280
mesma e para deixá-las mais dinâmicas, foi desenvolvida uma pesquisa de campo que visa
identificar aspectos capazes de propor melhorias qualitativas e quantitativas para o uso do
dispositivo móvel no processo ensino-aprendizagem.
A elaboração dos questionários consistiu nos seguintes passos: pesquisa exploratória
com questões abertas e fechadas; e perguntas aos alunos e aos professores quanto a fatores
que teriam maior relevância na qualidade do ensino-aprendizagem.
O questionário contém as seguintes considerações: Perguntas aos alunos: (i) Se os
alunos possuem aparelho celular com acesso a internet ou não; (ii) Quantas horas fazem uso
da internet; (iii) Se o uso é para fins pessoais ou educativos e; (iv) Concorda ou discorda com
a proibição do uso do celular em sala de aula, justifica em caso de negativa. Perguntas aos
professores: (i) Se permitem o uso do celular em sala de aula; (ii) Se permitem o uso do
celular pedagogicamente; justificando no caso negativo; (iii) Quantas horas costuma utilizar
a internet e para que fim e; (iv) Se gostaria de utilizar o aplicativo Duolingo em suas aulas.
As pesquisas ocorreram entre os meses de maio a julho de 2014, sendo as questões
preenchidas diretamente pelos entrevistados, a fim de obter avaliações realistas e sinceras e
a identificação foi opcional. A metodologia aplicada para os discentes no primeiro momento
foi conhecer melhor o aplicativo, e em seguida baixá-lo em seus celulares e a partir destas
informações, direcionar o uso conforme pré-estabelecido no aplicativo. Já com os docentes,
foi realizada uma reunião para que pudessem baixar o aplicativo, utilizar e observar se o
conteúdo abordado estava pertinente ao currículo mínimo adotado pela Secretaria de
Educação, ou pelo menos dentro do perfil das turmas.
Após a análise do questionário foi desenvolvido ações de pesquisa apoiadas nas
observações citadas, como ponto de partida para discussões e possíveis decisões. Na
primeira fase, as pesquisas foram feitas com 60 alunos matriculados no primeiro semestre
de 2014 do Ensino Médio referentes ao turno da manhã, turmas do 1º ano com 22 alunos,
2º ano com 20 alunos e 3º ano com 18 alunos, todos com a faixa etária entre 14 e 20 anos.
Entretanto um docente aceitou o desafio de realizar a pesquisa em suas aulas de língua
estrangeira nas turmas e series diferentes do Ensino Médio referente ao turno da manhã, no
CIEP João Borges localizado em Campos dos Goytacazes.
281
Após análise das respostas obtidas a partir da primeira etapa, criou-se a segunda fase
com ideia de fazer um paralelo com o que está sendo ofertado pelo aplicativo e apoiado na
necessidade do currículo mínimo, possibilitando o aproveitamento das atividades.
Esta pesquisa é considerada como descritiva à medida que descreve como acontece o
uso do dispositivo móvel em sala de aula, na disciplina de língua estrangeira (inglês)
utilizando um aplicativo livre sendo abordado de maneira pedagógica e orientado por um
docente do Colégio Estadual em Campos dos Goytacazes, RJ.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os alunos em sua maioria são nativos digitais e, portanto têm facilidade de utilizar o
aplicativo para estudar, desta forma, a utilização do aplicativo mostrou resultados positivos,
com relação ao aprendizado, interesse e comportamento.
Na turma da noite (EJA), sua maioria não possuía celular e também alguns imigrantes
digitais, o professor utilizou o datashow e a internet móvel para motivar sua aula e integrar
todos os alunos.
O fato de precisar de internet para baixar o aplicativo e utilizá-lo nos deixa reféns de
uma conexão, que ainda nem todos tem acesso grátis. Contudo, em algumas escolas é
possível administrar essa utilização. Uma dificuldade também é contar com interesse e
despreparo do professor para fazer a parceria com os alunos.
Com esse trabalho observamos que as transformações na sociedade no que tange às
tecnologias para a educação podem ser utilizadas como facilitadoras no processo ensino-
aprendizagem. E essas quando bem empregadas e planejadas, vêm a contribuir para o
sucesso dos alunos e professores, impulsionando inclusive o comportamento e atenção dos
indivíduos. Para tanto é muito importante o incentivo pedagógico dos aplicativos, pois o uso
do celular em sala de aula ainda é proibido, pela falta de planejamento diário e
concomitante com o currículo mínimo a ser ministrado em aula.
REFERÊNCIAS
282
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SAFKO, Lon; BRAKE, David. K. A Bíblia da mídia social: táticas, ferramentas e estratégias
para construir e transformar negócios. São Paulo: Blucher, 2010.
283
NATIVOS DIGITAIS E IMIGRANTES DIGITAIS: APLICABILIDADE DOS CONCEITOS DE MARC
PRENSKY NA REALIDADE DE ESTUDANTES BRASILEIROS
RESUMO: Pesquisamos a aplicabilidade dos termos criados pelo autor Marc Prensky:
“Nativos digitais” e “imigrantes digitais” na realidade de estudantes brasileiros. O autor
afirma que existem diferenças entre as pessoas nascidas na era da popularização da
internet, os nativos digitais, e os nascidos antes dessa era, os imigrantes digitais. Entretanto,
Prensky não usa dados de pesquisas quantitativas para apoiar suas ideias. Aplicamos um
questionário online com perguntas baseadas em afirmações e exemplos extraídos dos livros
e artigos do próprio Marc Prensky. Então, Prensky afirma que nativos digitais adicionam
desconhecidos nas redes sociais digitais frequentemente. O presente estudo demonstra que
6,38% dos entrevistados afirmaram adicionar desconhecidos nas redes sociais com
frequência. E, na faixa etária que engloba “menos de 20 anos” e “de 20 a 25 anos” nenhum
entrevistado respondeu que adiciona desconhecidos nas redes sociais digitais com
frequência. Ainda, segundo Prensky, ser multitarefa é uma característica atribuída aos
nativos digitais. Porém, 26,67% de pessoas na faixa etária de 20 a 25 anos disseram que não
gostam de fazer mais de uma tarefa ao mesmo tempo e que preferem fazer uma de cada
vez. Os resultados apontam que muitas das características atribuídas aos nativos digitais e
imigrantes digitais não se aplicam a realidade de estudantes brasileiros.
Palavras-chave: Marc Prensky. Nativos digitais. Imigrantes digitais. Aplicabilidade. Conceitos.
INTRODUÇÃO
Existem diferenças marcantes entre pessoas nascidas na era da internet e outras que
precisaram “imigrar” para esse novo território? Essa geração, chamada de nativos digitais, é
realmente muito diferente, como Marc Prensky afirma? As características que Prensky
atribui a cada uma dessas gerações são aplicáveis na realidade de estudantes brasileiros?
Essas são algumas questões que o presente estudo pretende averiguar.
Prensky criou os termos “nativos digitais” e “imigrantes digitais” em 2001. Trata-se
de uma nomenclatura para designar os que nasceram depois da popularização da internet e
os que nasceram antes dessa era. Afirma o autor que os nativos digitais têm características
muito diferentes da antiga geração. Ser multitarefa, preferir uma leitura de acesso aleatório
(como no hipertexto) e adicionar desconhecidos nas redes sociais são, segundo Prensky,
algumas características dessa geração.
284
A época da popularização da internet no contexto brasileiro data de 1996. Se
pensarmos em crianças que cresceram rodeadas pela internet, podemos colocar a data de
nascimento delas a partir de 1990. Foi o critério que adotamos nesse estudo. Então até 25
anos de idade é considerado nativo digital. De 26 anos de idade para cima é imigrante
digital.
Diversos são os autores que defendem esses conceitos. Os autores Veen e Vrakking
cunharam a expressão homo zappiens. Concordando e citando Marc Prensky, Veen e
Vrakking afirmam que “a geração da rede difere de qualquer outra do passado porque
cresceu em uma era digital. (...) Os usos dessas tecnologias influenciaram o modo de pensar
e o comportamento do Homo zappiens.” (Veen e Vrakking, 2009, p.29).
Veen e Vrakking, afirmam ainda que “(...) Chamaremos essa geração de Homo
zappiens, aparentemente uma nova espécie que atua em uma cultura cibernética global com
base na multimídia.” (Veen e Vrakking, 2009, p.29).
“A diferença entre o Homo zappiens e você é que você funciona, linearmente, lendo
primeiro as instruções - usando o papel - e depois começa a jogar, descobrindo as coisas por
conta própria quando há problemas. O Homo zappiens não usa a linearidade.” (Veen e
Vrakking, 2009, p.31).
Conforme reforça a autora Maria Beatriz Ramos: “Veem e Vrakking (2009)
denominam os jovens desta época de “geração Homo zappiens, que cresceu usando
múltiplos recursos tecnológicos desde a infância”. (Ramos, 2011, p.14).
Existem críticas aos conceitos de nativos e imigrantes digitais. Uma dessas críticas,
baseadas em pesquisas quantitativas, aparece no estudo de Souza (2013):
Prensky inseriu novos conceitos dando exemplos que percebeu no cotidiano dele. O
autor costuma pegar exemplos de frases ditas por alunos ao final de suas palestras. Prensky
afirma em seu artigo de 2001 que:
285
Os Nativos Digitais estão acostumados a receber informações muito
rapidamente. Eles gostam de processar mais de uma coisa por vez e realizar
múltiplas tarefas. Eles preferem os seus gráficos antes do texto ao invés do
oposto. Eles preferem acesso aleatório (como hipertexto). Eles trabalham
melhor quando ligados a uma rede de contatos (Prensky, 2001).
Porém, o autor não usa nenhum dado de pesquisas quantitativas para delinear essas
informações. É apenas o que ele observa e conversa com alunos do mundo todo, conforme
nos informa o próprio Prensky em suas palestras, livros e artigos.
Portanto, faz-se necessária uma pesquisa quantitativa para averiguar a aplicabilidade
desses conceitos na realidade de estudantes brasileiros.
METODOLOGIA
Acerca de pesquisa bibliográfica GIL afirma que: “a pesquisa bibliográfica é elaborada
a partir de material já publicado, constituído principalmente de livros, artigos de periódicos
e, atualmente, material disponibilizado na Internet.” (GIL apud KAUARK, 2010, p. 28).
Portanto, fizemos uma revisão bibliográfica de artigos e livros do Marc Prensky e de
pesquisadores da área da educação digital como Win Veen, Ben Vrakking, Maria Beatriz
Ramos e Carlos Henrique Medeiros de Souza. Fizemos uma revisão videográfica, assistimos
palestras, entrevistas e outros vídeos que estão disponíveis no site de Marc Prensky e no
youtube.
Encontramos vasto material porque é um tema atual e Marc Prensky é muito
conceituado nesta área. O número de citações para seu artigo "Digital natives, digital
immigrants part 1." no sistema de busca Google acadêmico é de 9.274 citações.
Comparando-se com o livro “A sociedade em rede”, de Manuel Castells, versão em
português, tem 10.536 citações no mesmo sistema da empresa Google.
A pesquisa é uma atividade voltada para a solução de problemas, através do
emprego de processos científicos. (GIL apud KAUARK, 2010, p. 24). Esta pesquisa pretende
verificar a aplicabilidade dos conceitos de Marc Prensky na realidade Brasileira. Se as
características que Marc Prensky diz ser inerentes aos nascidos na era da internet realmente
se verificam presentes no contexto brasileiro.
286
A pesquisa descritiva visa o estabelecimento de relações entre variáveis. Para isso,
utiliza técnicas padronizadas de coleta de dados: questionário e observação sistemática. (GIL
apud KAUARK, 2010, p, 28).
Logo, depois de apreendidos os conceitos de Marc Prensky, desenvolvemos uma
pesquisa exploratória. Entre os dias 04 e 08 de outubro de 2014 foram aplicados
questionários através da rede social Facebook, em grupos formados por estudantes
universitários. Para a aplicação do questionário, foi utilizado o serviço Google Forms.
Para alcançar nosso objetivo, desenvolvemos 28 perguntas divididas em três partes:
Perfil do entrevistado e os conceitos de nativo e imigrante digital. Colhemos o total de 47
respostas.
Os critérios usados para definir o universo da pesquisa foram estes: alunos de 18 a 40
anos, graduandos, mestrandos e doutorandos. O que incluí nativos e imigrantes digitais, ou
seja, que nasceram antes e depois da época da popularização da internet, por volta de 1996,
na realidade brasileira.
As perguntas foram elaboradas tendo em vista exemplos que o próprio Marc Prensky
usa em seus textos. Então, Prensky afirma que imigrantes digitais imprimem e-mails com
frequência e os nativos digitais não. Elaboramos a pergunta: “Você imprime e-mails?” e as
respostas, em formato múltipla escolha: Sempre, quase sempre, toda semana ou quase
nunca. Para verificar a aplicabilidade deste exemplo, desta característica de imigrantes
digitais na realidade brasileira.
De forma semelhante, criamos uma pergunta para averiguar cada características que
Prensky atribui aos nativos digitais e aos imigrantes digitais.
RESULTADOS
Apresentaremos os resultados em duas partes: primeiramente o perfil da amostra e
em seguida a aplicabilidade dos conceitos de nativos digitais e imigrantes digitais na
realidade de estudantes brasileiros.
Primeira parte: O perfil da amostra, conforme os critérios de seleção supracitados.
287
Parte dois: aplicabilidade dos conceitos de Marc Prensky. “Nativos e imigrantes
digitais”:
Pergunta: “Você imprime e-mails?”
288
Nesta questão, enquanto 86,67% dos nativos digitais (na faixa de 20 a 25 anos)
afirmam que aprendem usando os programas de computador e aplicativos, o número cai
para 72,73% dos imigrantes digitais da faixa etária de 31 a 35 anos, na mesma pergunta.
Pergunta: Você trabalha com arquivos compartilhados na rede (Google drive,
Dropbox e semelhantes)?
289
O número de 40% dos nativos digitais (considerando a faixa etária de 20 a 25 anos
nesse exemplo) respondeu que trabalham quase sempre dessa forma. Enquanto que apenas
27,27% dos imigrantes digitais, de 31 a 35 anos, responderam de forma similar.
Pergunta: Você procura gráficos e infográficos para compreender melhor um
assunto?
290
Na faixa etária que engloba “menos de 20 anos” e “de 20 a 25 anos” (Figura 11)
ninguém respondeu que “sim, muitas vezes”.
Pergunta: Você gosta da ideia de ser multi tarefa? Estudar e, ao mesmo tempo,
mandar mensagens, postar nas redes sociais, ler notícias e outras informações. Tudo ao
mesmo tempo?
291
preferem fazer uma ação de cada vez. Enquanto que na faixa etária de 31 a 35 anos (Figura
13) esse valor desce para 9,09%.
DISCUSSÃO
Buscou-se elucidar os seguintes questionamentos: quais conceitos de Marc Prensky
podem ser observados nas ideias e opiniões de estudantes universitários brasileiros. Como
os conceitos de nativos digitais e imigrantes digitais se materializam ou não na realidade
destes estudantes universitários.
A maior parte da amostra é formada por estudantes graduandos, mestrandos e
doutorandos, que representam 70,21% do universo desta pesquisa.
Quando perguntados sobre agir de forma multitarefa, 48,94% responderam que de
vez em quando gostam de ser multi tarefa, 21,28% afirmaram que não gostam da ideia e
preferem fazer uma coisa de cada vez. E 29,79% afirmaram que gostam e sempre fazem.
Quando analisamos os números pelo recorte da faixa etária, percebemos variações
significativas. Na faixa etária de 20 a 25 anos (Figura 12), um número de 26,67% afirmaram
não gostar de realizar multi tarefas e preferem fazer uma ação de cada vez. Enquanto que na
faixa etária de 31 a 35 anos (Figura 13) esse valor desce para 9,09%.
Esses resultados demonstram o contrário do que Marc Prensky afirma. Na realidade
brasileira, os mais jovens não gostam de ser Multitarefa. Já os imigrantes digitais tiveram
maior aceitação nessa forma de agir. Conforme pode ser observado nas figuras 12 e 13.
Acerca da característica de imprimir e-mails, atribuída por Prensky aos imigrantes
digitais: os resultados demonstram que imigrantes digitais costumam imprimir e-mails e
nativos digitais quase nunca imprimem. Concluímos que, no contexto brasileiro atual, essa
característica apontada por Marc Prensky corresponde à realidade de estudantes brasileiros.
No mesmo tema, recortando a faixa etária de 31 a 35 anos de idade, 18,18% afirmam
que “quase sempre imprimem e-mails”. Enquanto que 81,82% desses “imigrantes digitais”
afirmam que “quase nunca imprimem e-mails”. Já na faixa etária de “menos de 20 anos até
25 anos“ 100% afirmaram quase nunca imprimir e-mails.
Cabe ressaltar que o artigo de Marc Prensky acerca de imigrantes digitais e nativos
digitais foi publicado no ano de 2001. Na época, os e-mails eram, muitas vezes, armazenados
292
no computador do próprio usuário. Se o computador estragasse, poderiam perder todos os
e-mails. Fato que, muito provavelmente, reforça a ideia de que os imigrantes digitais
imprimissem e-mails em 2001. Atualmente, os e-mails são armazenados em nuvem e caso o
computador pare de funcionar o indivíduo pode acessar de qualquer outra máquina
conectada à internet.
Ler ou não o manual de um programa/aplicativo: podemos perceber que essa
afirmação de Prensky acerca da diferenciação entre nativos digitais e imigrantes digitais se
aplica na realidade brasileira com ressalvas. É importante ressaltar o contexto histórico. Os
programas, aplicativos, sistemas operacionais e praticamente toda interação pessoa –
computador recebeu uma interface gráfica e ficou mais “amigável”. Os aplicativos são mais
simples de entender, e conseguimos navegar pelos programas de maneira intuitiva, hoje
bem mais fácil que em 2001, data de publicação do artigo de Prensky.
Sugerimos uma pesquisa interdisciplinar para verificar tal fato: a evolução de
interfaces amigáveis e a facilitação da adaptação dos imigrantes digitais ao ciberespaço.
Em seu trabalho, Prensky afirma que nativos digitais trabalham de forma
colaborativa. Uma dessas formas é usando arquivos compartilhados. Esses arquivos ficam
online e permitem a edição de mais de um usuário. Os resultados da presente pesquisa
demonstraram que existem diferenças na relação de trabalho com tais arquivos (figuras 7 e
8). Portanto, se aplica em parte o conceito de Marc Prensky nesse quesito.
Questões acerca da segurança digital podem interferir e muito nessa questão.
Sugerimos mais estudos relacionando essas informações acerca de trabalho com arquivos
compartilhados e a questão da segurança na internet.
Essa pesquisa demonstra que essa afirmativa: “nativos digitais procuram gráficos
para compreender melhor um assunto” não se aplica a realidade brasileira. Ver as figuras 9 e
10.
Acerca de “adicionar desconhecidos nas redes sociais digitais”, precisamos destacar a
falta de segurança pública da nossa realidade. Fato que pode explicar o número de 70,21%
que responderam “sim, raramente” e “não, nunca adicionei desconhecidos”, de todas as
faixas etárias da presente pesquisa. (Figura 11)
293
Apenas 6,38% dos entrevistados afirmaram adicionar desconhecidos nas redes
sociais com frequência. E, na faixa etária que engloba “menos de 20 anos” e “de 20 a 25
anos” ninguém respondeu que “sim, muitas vezes”. Portanto, essa questão não se aplica a
realidade de estudantes brasileiros.
ASPECTOS CONCLUSIVOS
Observamos que não existem atributos exclusivos de nativos digitais ou de
imigrantes digitais. Podemos inferir que os imigrantes digitais se adaptaram muito bem.
Uma pesquisa acerca dessa “adaptação” seria de grande valia para a área de conhecimento.
Como sugestões para trabalhos futuros: um estudo interdisciplinar entre a adaptação dos
imigrantes digitais e a evolução das interfaces amigáveis de programas e aplicativos.
Considerar desde programas sem interface da década de 90 como MS-DOS. Nesse
tipo de programa os usuários deveriam saber os comandos, digitá-los da maneira exata
senão não funcionaria. E, atualmente, os programas com interfaces gráficas, sensível ao
toque e de aprendizagem intuitiva. Esses fatos estariam auxiliando essa adaptação dos
imigrantes digitais ao ciberespaço.
Logo, fica comprovado que alguns exemplos usados por Marc Prensky para ilustrar e
construir seus conceitos de nativos digitais e imigrantes digitais não se aplicam na realidade
brasileira.
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Estrevista com Marc Prensky, Revista época:
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MARC+PRENSKY+O+ALUNO+VIROU+O+ESPECIALISTA.html Acesso em: Outubro de 2014.
296
NOVOS PARADIGMAS PARA A TEORIA DA INFORMAÇÃO “MENSAGEM-EMISSOR-
RECEPTOR” EM TEMPOS DE NOVAS TECNOLOGIAS
RESUMO: O presente artigo é parte do resultado de uma pesquisa mais ampla sobre o uso
das redes sociais digitais como fonte de informação no jornalismo impresso e online. A
motivação foi observar a presença de citações ou referências de perfis das redes sociais
digitais em matérias jornalísticas publicadas em jornais online e impressos de Campos dos
Goytacazes. Este trabalho observou como a apropriação das informações publicadas em
perfis de redes sociais digitais serviu como geradoras ou localizadoras da informação na
notícia. Estudamos o paradigma lasswelliano, que marcou profundamente as pesquisas na
década de 40 e despontou entre as Teorias da Comunicação com a estrutura e a função da
Comunicação na Sociedade. Lasswell explica o fenômeno com as cinco perguntas: Quem?
(emissor), Diz o quê? (mensagem), Por meio de qual canal? (meio), A quem? (receptor) Com
que efeito? (efeito). O objetivo deste trabalho é avaliar se os elementos propostos por
Lasswell ainda se configuram na mesma ordem e, se, com as Novas Tecnologias de
Informação na Comunicação (NTIC’s), estes se modificaram.
Palavras-chave: Teoria da comunicação. Redes sociais. Fonte de informação.
INTRODUÇÃO
A sociedade do século XXI se transforma a cada instante devido ao advento das
Novas Tecnologias da informação e Comunicação (NTIC’s). Vivemos na era da informação e
uma população totalmente pautada nas inovações tecnológicas, utilizando cada vez mais a
Internet como veículo de comunicação e com uma atenção voltada para um meio que
superou o modelo de comunicação de massa.
O objetivo deste artigo é analisar bibliograficamente e com pesquisa de campo a
utilização das redes sociais digitais como fonte de informação no jornalismo impresso e
online. A motivação se deu após se observar a presença de citações ou referências de
publicações em perfis das redes sociais digitais, reproduzidas em matérias jornalísticas
publicadas em meios de comunicação de massa como jornais impressos e online de Campos
dos Goytacazes, no Interior do Rio de Janeiro, como geradoras ou localizadoras da
informação. Tal artigo também tem um caráter interdisciplinar uma vez que permeia no
campo da sociologia, já que percebemos uma transformação na maneira como pessoas
comuns se relacionam com a informação e notícia numa via de mão dupla.
297
Partimos e comparamos a comunicação a partir dos elementos comunicacionais
lasswelliano, que define e delimita a mensagem, emissor e receptor e a observamos neste
novo cenário, a partir das Novas Tecnologias de Informação na Comunicação (NTIC’s) que
emissores e receptores assumem papeis bipolares no processo de comunicação social.
Lasswell, no início do século XX, explica o fenômeno com as cinco perguntas: Quem?
(emissor), Diz o quê? (mensagem), Por meio de qual canal? (meio), A quem? (receptor) Com
que efeito? (efeito). Propomo-nos avaliar se os elementos propostos por Lasswell ainda se
configuram na mesma para estabelecer a comunicação e mostrar como as formas de captura
de informação se alteraram com o novo paradigma de comunicação — as Novas Tecnologias
de Informação na Comunicação (NTIC’s).
Harold Lasswell é um autor habitualmente citado pela área da Comunicação como
um de seus pioneiros, no que tange ao estudo da propaganda no início do século XX e
também em relação ao desenvolvimento do campo comunicacional, com a criação do
método que leva seu nome. A narrativa da história da Comunicação afirma que este foi o
modelo responsável pela organização da pesquisa em comunicação e a classificou em áreas:
o estudo do emissor, o estudo da mensagem, o estudo do canal, o estudo do receptor, o
estudo dos efeitos.
Lasswell foi o primeiro teórico da área que se preocupou em descrever e analisar o
ato comunicacional, definindo melhor na década de 40 como este ato se estabelece. Em
1948, Lasswell publicou um artigo intitulado “The Structure and Function of Communication
in Society” (A Estrutura e a Função da Comunicação na Sociedade), no qual ele reafirma o
paradigma que explica o fenômeno do processo comunicativo.
A partir daí, o teórico define as cinco perguntas-programa que se tornaram
paradigma para as pesquisas em Comunicação. Toda a tradição de pesquisa em
Comunicação se organizou a partir dessas perguntas.
298
Em mais de 70 anos o mundo sofreu várias transformações de forma veloz na área da
comunicação, sendo este campo também responsável pela mudança de civilizações e de
hábitos das sociedades, colocando o ser humano em constante adaptação aos meios de
comunicação e também como protagonista. É aí que surge o questionamento: de que
maneira a comunicação é estabelecida no século XXI? Ela ainda permanece nos moldes
propostos por Harold Lasswell? A teoria que define os principais elementos para estabelecer
a comunicação ainda é a mesma ou também mudou com a evolução dos tempos?
Felipe Pena (2006) diz que toda tentativa de teorizar sobre determinado assunto é,
na verdade, um reducionismo necessário para que se aprofunde o conhecimento sobre ele.
Assim, compreender a comunicação a partir dos conceitos que existem sobre ela não se
configura numa tentativa de aprisioná-la em um quadro, em uma definição. Antes, constitui-
se numa tentativa de trazer à tona diversas formas de interpretar e de vivenciar o
fenômeno. Assim, buscamos na origem do termo compreender a comunicação.
299
realizavam diariamente dezenas de quilômetros, de modo a permitir a entrega ao
destinatário sem muita demora.
Outra grande evolução para a comunicação foi o surgimento do Telégrafo — um
instrumento criado com o objetivo de transmitir mensagens a longas distâncias. Este foi um
dos meios mais utilizados no século II pelo povo romano para transmitir mensagens entre o
seu gigantesco império.
A Revolução Científica iniciada na Europa nos finais do séc.XVI e início do séc.XVII
reforçou o papel da comunicação com o surgimento da imprensa. No século XVII surge o
Jornal, com Gutemberg, Johann Gensfleish (1397-1468). Nascido na cidade de Móguncia
(Alemanha), a ele a história atribui o mérito principal da invenção da imprensa, não só pela
ideia dos tipos móveis -"a tipografia", mas também pelo aperfeiçoamento da prensa (que já
era conhecida e utilizada para cunhar moedas, espremer uvas, fazer impressões em tecido e
acetinar o papel).
A criação do rádio foi atribuída a Nikola Tesla que, no final do séc. XIX, desenvolveu a
tecnologia que possibilita a transmissão de ondas de rádio. Estas ondas são refratadas na
camada mais baixa da atmosfera, a troposfera, a mais indicada para a transmissão de ondas
eletromagnéticas. No séc. XX, o rádio impõe-se como um meio de comunicação muito
importante nas comunicações de longa distância. Com a construção de infraestruturas
capazes de transmitir ondas eletromagnéticas em nível Mundial. No século XX, surge o
Telefone. Apesar de existir alguma controvérsia em torno da questão de quem inventou o
primeiro telefone, Antonio Meucci foi segundo o congresso dos EUA, o "verdadeiro"
inventor do telefone. Esta polêmica deve-se ao fato de Meucci ter vendido, em 1870, a
patente da sua criação a Alexander Graham Bell, considerado por muitos o verdadeiro
inventor. Sucedendo o Rádio vem a televisão, no século XX. Atualmente, este é um dos
meios de comunicação mais requisitados visto que, quase diariamente, existem novas e
melhores opções disponíveis para quem quer usufruir de um home cinema privado, divertir-
se no seu tempo livre ou apenas manter-se informado.
Também no século XX surge a Internet. Definida como uma rede que reúne todos os
dispositivos ligados a esta. Este mecanismo permite que aparelhos comuniquem e
compartilhem informações entre eles. Hoje em dia, a Internet, além de permitir acesso a
300
milhares de milhões de websites que vendem desde roupas a peças de mobiliário, é também
um negócio dominado pelas empresas mais poderosas do mundo como a Google, Apple e a
Microsoft.
ADVENTO DA INTERNET
A partir dos anos 2000 é quase impossível pensar na vida ou em comunicação sem a
utilização de computadores e a Internet, mas essa ferramenta que é essencial hoje só nos foi
apresentada após a Segunda Guerra Mundial, com a difusão das informações, que se tornou
necessária para as potências vencedoras.
Com o advento da Internet e o desenvolvimento de novas tecnologias, alteraram-se
as relações sociais e o fluxo da comunicação. Segundo Castells (2000), a Internet e a Web
influenciaram as transformações sociais, gerando uma sociedade na qual a informação pode
ser produzida e armazenada em diferentes espaços e acessadas por usuários distantes
geograficamente. Castells diz que o processo de globalização no século XXI teve maior
desenvolvimento quando os indivíduos perceberam a capacidade de colaboração em redes
no âmbito mundial, utilizando amplamente os recursos tecnológicos existentes.
Neste processo de transformação conjunta dos sujeitos e dos objetos houve
mudanças entre produtores e usuários de conhecimento. O desenvolvimento das redes de
comunicação, por meio da Internet e do correio eletrônico, permitiu maior participação
social dos indivíduos nos processos de decisão política; gestão participativa nas empresas e
instituições; formação de grupos de colaboração para a realização de atividades, dentre
outras.
A Internet é uma ferramenta poderosa na divulgação da informação seja pela
velocidade com que o conteúdo é produzido, seja pela diversidade da informação, seja pela
massificação de fatos e acontecimentos que chegam a milhões de internautas em pouco
tempo. O avanço tecnológico permite que a Internet sirva a vários objetivos, da informação
ao entretenimento, do lazer à venda de produtos. “Oferecendo notícias, entretenimento,
serviços e negócios, a rede mundial de computadores ainda é um novo meio de
301
comunicação que rivaliza com a televisão, o jornal e outros veículos na troca e difusão da
informação”. (PINHO, 2003, p. 49).
Muniz Sodré e Manuel Castells (1999) dizem que a Internet promoveu uma
verdadeira virtualização no mundo contemporâneo, em que a realidade é cada vez mais
mediada por códigos digitais, assim como no passado a mediação era dada pela hegemonia
do alfabeto. Tal realidade foi descrita por Castells como Virtualidade Real, quando o sentido
do real é apreendido pelo virtual. Já Sodré, em Antropologia do Espelho: uma teoria a
comunicação linear em rede (2002), sustenta que a sociedade contemporânea pós-industrial
vive sob o estigma da midiatização, ou seja, tendendo à virtualização das relações
interpessoais. Visto que a midiatização implica uma nova forma de vida e uma nova forma
de o sujeito se expressar no mundo. Sodré defende a classificação de um novo bios de
acordo com a classificação aristotélica: o bios virtual.
302
depois, seus efeitos ainda são estudados. Da mesma forma, aconteceu com o invento do
telefone, do rádio e da televisão e com a Internet não é diferente.
A Internet possui características importantes ao se configurar como um meio de
comunicação onde usuários não são apenas consumidores de informação, mas também
autores e interlocutores, apresentando um papel oposto ao de um meio de comunicação de
massa, porém é cedo para afirmar que a Internet assume ou não tal característica. Eugênio
Trivinho (2003, p. 174) entende que a mensagem (teoria da comunicação) torna-se
suscetível no ciberespaço de acolher no seu interior os próprios usuários. Tal mistura virtual-
heterogênea entre sujeito e objeto jamais foi ou será possível no processo interpessoal e de
massa.
A comunicação de massa envolve emissor-mensagem-receptor, um processo de
sentido unidirecional, que por vezes, recebe o feedback, processo corriqueiro nos veículos
on-line. Trivinho considera o computador como um veículo de “televiagem comunicacional-
interativa”, sendo o hardware emissor e receptor, respondendo também pelo feedback.
Existem autores que já afirmam que as mudanças tecnológicas alteraram de forma
significativa a comunicação de massa e as classifica. Wilson Dizard (2000) divide a mídia em
duas: mídia antiga e nova mídia. A transição da velha mídia para a nova é liderada pela
tecnologia. “Os meios de comunicação de massa estão entres os vários setores da
comunicação que estão sendo transformados pelas novas formas de coletar, armazenas e
transmitir informação. O fator comum nessa transição é a mudança para a informação na
forma digital”. (2000, p. 24).
Já Pierre Levy (1999, p. 63) explica que o dispositivo comunicacional pode ser distinto
em três categorias:
303
Levy (1999) reforça ainda que “as realidades virtuais compartilhadas, que podem
fazer comunicar milhares ou mesmo milhões de pessoas, devem ser consideradas como
dispositivos de comunicação todos-todos, típicos da cibercultura.
Mas com todas estas definições, as questões a cerca de a Internet ser um veículo de
comunicação de massa estão no limiar das discussões, isso porque os estudos e fenômenos
da rede são recentes à sociedade e ainda envolvem um numero relativo de excluídos
digitais.
38
A CMC, também conhecida como comunicação eletrônica, é a comunicação realizada entre duas ou mais
pessoas e realizada ante a utilização de tecnologias e redes telemáticas que possibilitam a comunicação entre
esses participantes. Essa forma de comunicação surgiu em meados dos anos 70 do século XX e tem como sua
mais famosa representante a internet, surgida inicialmente para comunicação em ambientes militares.
304
outras universidades antes de abrir para estudantes do ensino médio e, eventualmente,
para qualquer pessoa com 13 anos ou mais. No entanto, com base em dados de maio de
2011 do ConsumersReports.org, existiam 7,5 milhões de crianças menores de 13 anos com
contas no Facebook, violando os termos de serviço do próprio site. (Fox, 2011).
O glossário Ketchum de Mídias Sociais (2013) define WhatsApp como “popular
aplicativo para troca de mensagens de texto entre smartphones via internet”. A ferramenta
é melhor descrita pela sua própria página na internet como: “WhatsApp Messenger é um
aplicativo de mensagens multiplataforma que permite trocar mensagens pelo celular sem
pagar por SMS. Está disponível para iPhone, BlackBerry, Android, Windows Phone, e Nokia e
sim, esses telefones podem trocar mensagens entre si! Como o WhatsApp Messenger usa o
mesmo plano de dados de internet que você usa para e-mails e navegação, não há custo
para enviar mensagens e ficar em contato com seus amigos. Além das mensagens básicas, os
usuários do WhatsApp podem criar grupos, enviar mensagens ilimitadas com imagens,
vídeos e áudio”. A revista EXAME publicou uma matéria no dia 13/06/2013 mostrando sobre
a nova ferramenta e o fenômeno que está revolucionando a comunicação da população
entre diversos grupos. A matéria, cujo título é “WhatsApp, a nova ferramenta de trabalho”,
afirma que a ideia do bate-papo contínuo - permitido por simples aplicativos em
smartphones - definitivamente, pegou e vai mais além: Hoje, 12 bilhões de mensagens são
trocadas dentro dos grupos criados no WhatsApp, que tem mais de 200 milhões de usuários
no mundo. Na matéria, o Carlos D’Andréa professor da UFMG e pesquisador de redes
sociais, explica que o WhatsApp é o "sintoma claro da era da hipersociabilidade".
De fato as pesquisas indicam que Facebook, Twiter e Youtube, entre outras redes
sociais digitais, são o caminho preferido dos usuários da Internet em todo o mundo para
obter notícias (PEN RESEARH CENTER, 2013; TELEFôNICA, 2013). Entre os americanos, cerca
de 30% da população adulta conectada obtém notícia através destas ferramentas. Esse
número pode chegar a 38% na Itália, a 45% na Espanha, a 50% da Alemanha e no Brasil,
onde as páginas de mídias sociais estão entre os sites mais visitados pelos usuários da
Internet.
305
Juarez Bahia (2009) diz que as notícias supõem fontes que as geram. Elas têm origem
e se projetam no âmbito dos veículos através de canais como o acontecimento, o
informante, o repórter, as agências de notícias, as entidades públicas e privadas — governo,
sindicatos trabalhistas, empresariado, associações de moradores, setores profissionais em
geral — indivíduos, clubes, etc. Juarez Bahia ainda restringe o grupo considerado fontes de
notícia e as classifica:
Schmitz (2011) explica que as fontes são essenciais na prática do jornalismo e nos
últimos anos deixaram de contribuir apenas na apuração da notícia, mas passaram a
produzir e oferecer conteúdos genuinamente jornalísticos, levando a mídia a divulgar os
seus fatos e eventos, mantendo os seus interesses. O autor delimita mais a importância das
fontes no jornalismo e diz que uma das formas da fonte interferir na esfera pública ocorre
pelo agendamento da mídia. Este processo está ligado à teoria da agenda setting, já sugerida
em 1922 por Walter Lippmann (2008) - que apontou uma relação causal entre as agendas
mediática e pública - e apresentada, 50 anos depois, como uma teoria por Maxwell
McCombs e Donald Shaw (1972).
306
Acreditamos que o questionamento dos pesquisadores em comunicação, a partir da
década de 80, ainda permanece 30 anos depois, pois, a partir do surgimento de novas
ferramentas de informação, como as redes sociais digitais, trazidas pelas Novas Tecnologias
da Comunicação, quem agenda a mídia nesta década? A hipótese aqui levantada é que
certamente as redes sociais digitais pautam e delimitam sim a agenda midiática, limitando o
poder do jornalismo e determinando os temas da atualidade.
A “Pesquisa sobre o uso de redes sociais por jornalistas franceses” (Mercier, 2012),
realizada com 600 jornalistas de toda a França, é um dos estudos a apontar que39, para esses
profissionais, as redes sociais digitais são eficientes para fornecer informações diferentes das
que normalmente circulam no espaço público, localizar fontes, facilitar a troca entre colegas
e construir uma “marca pessoal”.
39
Estudo citado por Deolindo, em seu artigo “Mídias jornalísticas e redes sociais: Estudo exploratório sobre
objetivos, demandas e papel social, publicado em 2014.
307
várias fotos da tal ressaca do mar em sua linha do tempo por volta das 16h. O primeiro
comentário em sua linha do tempo foi registrado às 16h21 do mesmo dia. As fotos do Bill
Baptista foram compartilhadas 74 vezes de seu perfil, disseminando a notícia da ressaca.
Comparamos os sites de informação oficiais e percebemos que o site oficial da Prefeitura de
Campos publicou a notícia da ressaca no Farol no mesmo dia, porém às 17h16. (figura 3).
Tal informação gerou pauta para diversos site de notícias no mesmo dia, como o site
Campos24horas (figura 4) e a versão online do jornal O Diário (figura 5). Todos os canais de
notícias publicaram a informação da ressaca após a publicação do Bill Baptista, que não é
uma pessoa relacionada aos meios de comunicação de massa.
A notícia também fez parte da edição impressa, no dia seguinte, do jornal Folha da
Manhã e do jornal O Diário, como também outros sites de notícias locais.
Figura 1 - Fan Page da Diony Barreto, que em 27/05/2014 compartilhou às 20h38 do status de Bill
Baptista.
308
Figura 2 - Status de Bill Baptista (figura 2), várias fotos de uma ressaca no mar do Farol publicadas
por volta das 16h20.
Figura 3 - O site oficial da Prefeitura de Campos publicou a notícia da ressaca no Farol no mesmo dia,
às 17h16.
309
Figura 4 - A informação gerou pauta para diversos site de notícias no mesmo dia, como o site
Campos24horas.
Figura 5 - A informação também gerou pauta para a versão online do jornal O Diário.
Caso 02 — Temos a fan Page de Alfredo Soares (figura 6), que em 00/00/2014
compartilhou às 09h45 em sua linha do tempo uma foto de um acidente na BR 101, próximo
ao trevo de Macaé. A foto foi usada para a matéria publicada no jornal Folha da Manhã do
dia seguinte, dando o crédito da foto ao leitor Alfredo Soares.
310
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sabe-se que a comunicação pode ser entendida sob a perspectiva de “dar
conhecimento” ou “informar”. A comunicação como compartilhamento supõe um processo
horizontal, no qual o diálogo é sua principal característica. No segundo caso, a comunicação,
com o sentido de dar conhecimento ou informar, supõe uma relação hierarquizada entre
emissor e receptor. Visto dessa forma, o processo de comunicação ganha outros contornos e
nos leva a relativizar os papeis ocupados pelos elementos clássicos da comunicação:
emissor, receptor, meio, mensagem, contexto. A teoria foi antes sustentada por Beltran
(1991).
312
menos densos, mais superficiais, porosos e assimétricos. Ainda assim, eles detêm uma força
toda particular.
Acreditamos que é preciso que os médias definam e delimitem novos critérios e
cuidados para utilização das redes sociais digitais como fonte de notícia, pois assim como o
jornalismo ganha velocidade e tem a sensação de que pode estar em todos os lugares graças
às Novas Tecnologias da Informação na Comunicação, esta utilização também pode ser
perigosa, pois as informações podem ser falsas, aumentadas e até mesmo inventadas pelos
usuários das contas. Os denominados perfis fakes. Recuero (2009) diz que os perfis em redes
sociais não são espelhos definitivos, mas pistas de um “eu” que poderá ser percebido
demais. São construções plurais de um sujeito, representado múltiplas facetas de sua
identidade.
Pena (2005) defende que o ceticismo está para o jornalista assim como a
credibilidade está para o jornalismo. Segundo ele, para um jornalista, desconfiança não é
pecado, mas norma de sobrevivência. A impressão que temos é que o jornalismo parece
viver um paradoxo de construir tal realidade ancorada em dispositivos em que a ficção pode
estar cada vez mais presente, pois se vê refém da velocidade trazida pelas Novas Tecnologias
da Informação.
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313
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Petrópolis: Vozes, 2002.
315
O SABER PEDAGÓGICO E LITERACIA DIGITAL: CONSTRUINDO PRÁTICAS NO COTIDIANO
ESCOLAR
INÍCIO DE CONVERSA
317
atividades de comunicabilidade e a interatividade, potencializando o processo de inclusão
digital e social (ALMEIDA, 2001).
Essa maneira de conceber a prática pedagógica com o uso das TICs nos leva a incluir
dentro da estrutura que servirá de aporte ao trabalho algumas dimensões importantes,
como as "inteligências múltiplas" (Lévy, 1993) e distintos "saberes" (Morin, 1999): o saber
(como conhecimento dos fatos, conceitos, teorias, princípios, fundamentos, nomenclaturas,
personagens, etc.), o saber fazer (como nível procedimental relativo à construção do
conhecimento e ao domínio de habilidades e destrezas),o ser (como ação propriamente dita,
que inclui atitudes, valores, acepções), o saber ser (que se configura como nível de práxis) e
o saber fazer junto (que se organiza em termos da construção do conhecimento por meio de
interações cooperativas e colaborativas com outros atores sociais).
Estamos atualmente vivendo numa sociedade em rede (Castells, 2005), numa era de
partilha e de colaboração, trazida pelo exponencial crescimento da World Wide Web - em
particular a Web 2.0. Cada vez mais, a exigência para que todos vivam, trabalhem e
aprendam numa sociedade em rede aumenta. Em muitos aspetos relacionados com o uso de
um conjunto de serviços da Internet, surgem evidências que nem todos têm a motivação ou
as competências para utilizar esses serviços de forma estratégica ou inovadora, em diversos
contextos de vida e de trabalho, apesar dos elevados níveis de acesso às tecnologias.
De acordo com Kenski (2007), a educação é um duplo desafio, pois além de adaptar-
se aos avanços da tecnologias, é também preciso “orientar o caminho de todos para o
domínio e a apropriação crítica desses novos meios. (KENSKI,2007,p.18) Ainda para esta
autora, as tecnologias podem gerar oportunidades “de comunicação entre professores e
alunos, todos exercendo papéis ativos e colaborativos na atividade didática”.
(KENSKI,2003,p.66)
Reconhecendo os alunos como produtores de conhecimento, sujeitos de linguagem
que produzem discursos e por eles são produzidos (BAKHTIN, 2003, 2009), “dar- lhes voz”, e
dedicar a eles escuta sensível para conhecer o que sabem é um dos caminhos para se
compreender a importância para o aprofundamento em estudos sobre literacia digital. Tais
estudos se justificam por entender, a partir de Bakhtin, que todo discurso dialoga com
318
outros - e os sujeitos discentes são ensinados nos moldes da cultura tradicional, circunscrita
às paredes que os rodeiam.
Para compreender os enunciados dos alunos, faz-se necessário conhecer outros
discursos que compõem o cotidiano escolar. Como fala Fiorin (2008, p. 192), para perceber o
sentido, é preciso situar o enunciado no diálogo com outros enunciados e apreender os
confrontos sêmicos que geram os sentidos. Enfim, é preciso captar o dialogismo que o
permeia. É relevante também compreender os contextos de produção de tais discursos,
tendo em vista que a linguagem não é falada no vazio, mas numa situação histórica e social
concreta no momento e no lugar da atualização do enunciado (BRAIT, 2001, p. 77).
Seguindo estas mesmas ideias, Andrea Cecília Ramal (2002, p.65) apresenta a
seguinte reflexão sobre o assunto:
Estudos sobre literacia digital se fazem prementes dentro do exposto acima, pois
colaboram para atender às novas demandas socioeconômicas necessárias para integração
do cotidiano escolar na sociedade da informação. Seja no computador ou na internet,
segundo Novais (2008), as competências exigidas vão além do domínio do hardware, ou
seja, dos instrumentos físicos, do manuseio técnico como o uso da tela, do mouse e do
teclado do computador. Podemos expressar através das considerações de Soares (2003) de
que nada "adianta aprender uma técnica e não saber usá-la" Concordando com Novais
319
(2008) é preciso abranger a interação, o entendimento da dinâmica estabelecida nas
diversas interfaces, uma compreensão ampliada da cultura digital, uma análise crítica e uma
participação ativa.
Abordados, ainda que de forma breve, os dois termos do tema deste artigo,
passamos agora a uma breve reflexão sobre a literacia digital.
320
consequência de ter-se apropriado da escrita”. Entendemos então que o letramento é um
fenômeno cultural e historicamente situado. O indivíduo, diante das demandas sociais que
fazem uso da escrita e da leitura, apropria-se de um conjunto de práticas sociais,
constituídas como novos eventos que envolvem a língua.
Pierre Lévy (1993 apud Soares, 2002) nos leva a refletir que os efeitos da nova
modalidade de letramento possui uma relação imbricada com a inteligência. As tecnologias
da inteligência não determinam os processos cognitivos e discursivos, elas condicionam
estas atividades. Assim, de acordo com Soares (2002) há uma necessidade “que se pluralize
a palavra letramento e se reconheça que diferentes tecnologias de escrita criam diferentes
letramentos”.
Nos pressupostos de Xavier (2002), a literacia digital é o estado ou condição em que
o usuário, antes chamado de leitor, encontra-se ao adquirir nova postura nos modos de ler,
de escrever e de compartilhar textos, os códigos e sinais verbais e não verbais. Sabemos que
a construção de sentidos e aplicação de conhecimento a partir dos textos multimodais
contidos no ciberespaço é uma das habilidades mais importantes para este século.
A amplitude da expressão literacia digital, no atual contexto marcado por profundas
transformações técnicas e tecnológicas a que assistimos e em que participamos, caracteriza-
se de forma polissêmica. A definição que abraçaremos na construção deste artigo, de acordo
com Jones-Kavalier e Flanningan (2006) é que Literacia Digital pode ser entendida como a
capacidade que uma pessoa tem para desempenhar, de forma efetiva, tarefas em ambientes
digitais - incluindo a capacidade para ler e interpretar o que está exposto na mídia, para
reproduzir dados e imagens através de manipulação digital, e avaliar e aplicar novos
conhecimentos adquiridos em ambientes digitais.
Dentro desta perspectiva, recorremos a Martin para um melhor aprofundamento do
contexto:
321
classificatório; iii) integrar: interpretar e representar informação,
envolvendo sumariar, comparar e contrastar; iv) avaliar: fazer julgamentos
sobre a qualidade, relevância, utilidade ou eficiência da informação; v)
criar: gerar informação ao adaptar, aplicar, desenhar, inventar ou fazer-se
autor de informação (MARTIN, 2006, p. 10).
Assim sendo, o trabalho com literacia digital pode ser organizado através de várias
ideias principais:
• extensão da noção clássica de literacia da compreensão do que está escrito no
papel para o que aparece em diversas formas comunicacionais (texto, som e imagens dando
origem aos conteúdos multimidiáticos);
• a possibilidade de mutação do digital face à maior construção do material escrito;
322
• a diversidade de formas de comunicação digital como enriquecimento sensorial da
comunicação que, com a imprensa, levando para segundo plano as componentes orais da
comunicação;
• a diversidade comunicacional permitida pelos recursos digitais em que a palavra
escrita passa a ser um dos modos de comunicação e não o modo privilegiado;
• a necessidade de o sujeito adquirir competências múltiplas de compreensão e
interpretação de sons e imagens, ou seja, a literacia digital.
Neste contexto, a literacia digital surge como uma indispensável competência como o
saber ler, escrever e contar se constituiu na educação presencial. Compreende-se que, ao se
permitir que os docentes façam uso dos instrumentos tecnológicos concomitante ao uso dos
recursos pedagógicos, há uma ressignificação de suas experiências de aprendizagem,
possibilitando a inclusão social digital e midiática, a partir da interação consciente entre as
diversas experiências e da (re) elaboração de seus saberes.
323
Nesse sentido, Pretto (2006, p.3) nos mostra o grande desafio das formações de
professores a partir das perspectivas curriculares digitais, pois segundo ele “o currículo
precisa ser um articulador das diversas disciplinas, flexível, ágil, dinâmico, interativo,
integrado, heterogêneo, simultâneo” e que atenda às demandas da comunidade escolar, da
sociedade em geral, da produção cultural, dos questionamentos teóricos e metodológicos do
fazer pedagógico na nos tempos atuais midiáticos e tecnológicos em que nos encontramos.
Autores como - Moran, 2003; Behrens, 2003; Almeida, 2008; Perrenoud, 2000;
Valente, 1999 - ressaltam a importância de que os professores devem ter uma formação
que lhes permita analisar as vivências dessa formação, apropriar-se delas e reelaborá-las
para sua própria prática. No que se refere ao uso dos recursos digitais, é necessário ter
clareza do que é, quais as possibilidades e limites de seu uso na educação para que possam
decidir com conhecimento de causa o quê, como, quando e por quê utilizar os recursos das
ferramentas digitais (pesquisas, textos, imagens, software, Internet, chats, e-mail, etc).
O futuro docente deve buscar estabelecer ligação entre as diversas linguagens
presentes nos meios de comunicação com a educação, adequando os instrumentos
utilizados ao processo de ensino e aprendizagem, preparando-se para lidar com as
tecnologias digitais e dominar os novos e os velhos letramentos. Para Buzato (2006, p10) é
“integrar o novo com o que já temos/sabemos, a partir do que já temos/sabemos,
transformando esse conjunto de práticas, habilidades e significados da mesma forma como
novos letramentos transformam os seus precursores”.
Sandholtz, Ringstaff e Dwyer (1997 apud Viana & Bertocchi, 2009), nos mostram que
há algumas fases pelas quais os professores passam ao serem apresentados às novas
tecnologias, as quais são:
Exposição - fase em que, à medida que se vão familiarizando com a tecnologia, os
professores estão ainda mais preocupados com aspectos técnicos e de gestão;
Adoção: os professores passam a se preocupar menos com aspectos técnicos e
mais com a integração das tecnologias para apoiar as práticas existentes; o uso da tecnologia
aumenta para apoiar as práticas pedagógicas;
324
Adaptação: nesta etapa, a nova tecnologia está totalmente integrada à prática
tradicional em sala de aula e os professores enfatizam as tecnologias enquanto ferramentas
de produtividade;
Apropriação: os professores já revelam domínio das tecnologias e começam a
introduzir novas práticas pedagógicas;
Inovação (invenção): a tecnologia é utilizada pelos professores para criar novos e
diferentes ambientes de aprendizagem.
Assim, usar tecnologias digitais em sala de aula requer, além de tempo, mudanças de
hábitos e costumes, mudanças nos currículos escolares a fim de se adquirir novas
habilidades ou competências, mas principalmente um estudo epistemológico que sustente
as práticas pedagógicas mediadas pelas uso delas.
Então a questão relevante diz respeito à “literacia digital” que vem a ser a
necessidade de colocar as habilidades e competências necessárias concomitantemente com
a evolução das tecnologias digitais. E tais considerações remetem aos conceitos daquilo que
Paulo Freire (1987) designa por “leitura da palavra e leitura do mundo”, numa perspectiva
crítica e consciente, pedagogicamente transformadora, como ação para o conhecimento e a
liberdade.
As repercussões profundas no modo como se lê e se vê o mundo, transformando o
acesso ao conhecimento através de uma multiplicidade de canais outrora inexistentes
favorece o reequacionamento da interação permanente da tecnologia com práticas de
literacia. A aquisição de novas competências digitais, constituindo-se no que Martin (2006,
p19) aponta como “uma habilidade de vida”.
325
compreensão de suas regras próprias e de seu desenvolvimento, em que o particular é
tomado como parte da totalidade social, onde se pode refletir, aprender e ressignificar-se.
Esse nova proposição do cotidiano e saberes dos alunos que vão produzindo uma
“cultura” de saberes pedagógicos da escola, na dialeticidade da vida cotidiana, na
concretude do cotidiano escolar dialoga com a perspectiva certeuniana de compreensão de
práticas não pelas extremidades de um aparelho técnico, e sim, por sua própria lógica.
Assim, essa apropriação do discurso alheio dá-se como relação ativa de uma enunciação a
outra (BAKHTIN, 2009, p. 145), como responsividade, e consiste num trabalho em meio a
uma multiplicidade de vozes que convivem e interagem num determinado cenário.
Ainda é muito forte nos cotidianos das escolas, onde existem laboratórios de
informática ou salas de informática, a presença de práticas com o uso do computador que se
sustentam numa concepção em que o uso da tecnologia resume-se a pesquisas na internet,
em que as atividades de aprendizagem estão diretamente relacionadas à manutenção do
saber instituído, afastada de seus usos e funções sociais ou da leitura de um “mundo
globalizado”.
A cultura das crianças, atualmente, é uma cultura midiática e tecnológica, por força
da sociedade em que vive. O papel da escola, nesse contexto, seria fazer com que tanto as
crianças, quanto os jovens e os adultos, pudessem mediar essa cultura à cultura erudita.
Esse processo dialético no qual uma não eliminaria a outra, mas lhe acrescentaria uma
explicação mais completa.
Nesta perspectiva, a escola é então, de acordo com Gadotti e Romão (1997), um local
de encontro de muitos sistemas simbólicos, ou seja, de “muitas culturas”, seja aquela da
bagagem pessoal e de identidade dos diferentes alunos, alunos e professores, seja a cultura
erudita que ali é ensinada, ou ainda, a cultura popular regional do local onde a escola está
inserida.
Hoje em dia, as mídias, os meios de comunicação social, sobretudo a internet, tem
uma influência marcante na primeira cultura que as crianças adquirem. Enquanto
educadora, não posso ignorar, por exemplo, o quanto a criança aprende em frente a um
computador, fora do horário escolar. As crianças, diante de um computador conectado a
internet sentem-se como cidadãs do mundo, instantaneamente ligados a ele, habitando
326
numa aldeia global. Portanto, não há escola, por mais distante e diversa que seja, que
conviva sem a presença de alguma influência da cultura midiática e tecnológica atuais.
Enquanto educadores que somos, muitas vezes optamos pelo silêncio em vez do
diálogo, pois não conhecemos o universo cibernético por onde as mentes criativas dos
alunos navegam horas a fio nos confins do mundo da internet. Mesmo que as narrativas
ficcionais e não-ficcionais oferecidas pelos canais da cibercultura se entrelacem com os
sentidos e significados próprios das culturas locais, em seus contextos e realidades
múltiplos, não podemos perder de vista o fato de que a mídia dominante continua a atender
aos interesses do mercado e não aos interessantes dos internautas, muito menos aos
anseios das crianças, enquanto cidadãos.
Pelo que foi exposto, penso que para que as práticas com o uso de literacia digital
dentro dos espaços escolares contemplem as especificidades das crianças é preciso ampliar
as mediações escolares por meio de novos enfoques pedagógicos que visem a
problematização de conteúdos e realidades. E para que as propostas dessas práticas gerem
experiências reflexivas, transformadoras, é fundamental que se conheça o que as crianças
sabem, como eles constroem seus conhecimentos a partir das leituras híbridas existentes
nos ambientes virtuais.
PERCEPÇÕES FINAIS
No contexto educacional atual, a maioria dos docentes e estudantes adquirem
competências básicas ao utilizarem o computador e a Internet, produzem textos simples,
usando um editor de texto, acessam à web e utilizam o correio eletrônico. Todavia, quando
se trata de utilizar um programa de imagem, ajustar ou editar imagens, compor e produzir
material educacional digital que contenha recursos multimídias, é notório um enorme
desconhecimento e falta de formação nesta área.
Diante disso, a aquisição da literacia digital é imprescindível, de forma a agregar-se a
concepções e modalidades de educação, dentre elas, a educação a distância. Não temos a
intenção de afirmar que o uso das tecnologias digitais agregadas a educação a distância
ajudarão a resolver os problemas educacionais atuais. No entanto, as possibilidades de seu
uso aliado ao uso pedagógico, possibilitam mudanças nas tradicionais maneiras de ensinar e
327
aprender, criando em processos abertos, flexíveis, inovadores e contínuos, o qual se
configura como um novo espaço de construção do conhecimento.
Finalmente, é desejo desta pesquisadora que este artigo não seja um fim em si
mesmo, nem que esgote possibilidade de reflexão, mas que se torne um elemento
divulgador da temática em questão, sendo, também, um material para aqueles
interessados em aprofundar pesquisas sobre a literacia digital dentro desta perspectiva,
principalmente as que se relacionam com o cotidiano escolar.
REFERÊNCIAS
329
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enunciação digital. 2002. Tese de Doutorado- Instituto de Estudos da Linguagem –
Universidade Estadual de Campinas, 2002.
330
O USO DAS REDES SOCIAIS DIGITAIS: UM ESTUDO DE CASO DOS ALUNOS DO PRIMEIRO
ANO DO ENSINO MÉDIO DA ESCOLA ESTADUAL CÂNDIDA PÓVOA - ES
RESUMO: A presente pesquisa busca investigar de que maneira as Redes Sociais Digitais
estão sendo utilizadas pelos alunos do primeiro ano do Ensino Médio da Escola Estadual
Cândida Póvoa, localizada no Município de Apiacá – ES. A investigação faz-se necessária uma
vez que é importante saber o que os alunos pensam e fazem nas redes sociais digitais, pois o
uso dessas redes vem aumentando nos últimos anos e a escola precisa se adequar a essa
realidade. Como ponto de partida da pesquisa, apresentamos o percurso do
desenvolvimento da capacidade de comunicação humana. Na sequência, mostramos os
caminhos pelo qual a tecnologia comunicacional foi passando pelo decorrer dos anos. Por
último, analisamos uma pesquisa de campo feita com os referidos alunos, que versava sobre
a forma como as redes sociais digitais são utilizadas pelos mesmos. Utilizamos, como
referência, a teoria de CASTELLS, CHARTIER, GIOVANNINI, LÉVY, McLUHAN, SOUZA entre
outros autores que versam sobre a temática da comunicação digital.
Palavras-chave: Comunicação. Redes Sociais Digitais. Educação.
331
Sendo assim, pode-se dizer que a tecnologia acompanha o desenvolvimento do
homem desde os seus primórdios. Esse, por sua vez, passou por três estágios que
concretizaram o seu conhecimento, a saber: o medo, o mito e a ciência, como mostra
Kauark, Manhães e Medeiros (2010):
Em cada uma dessas fases, segundo Kauark, Manhães e Medeiros (2010), o homem
buscou explicações e entendimento de suas dúvidas, todas, portanto, foram de grande
importância para o modo de vida como conhecemos hoje, no Mundo pós-moderno. De
acordo com Ferreira (2001):
332
Essa, então, foi responsável por dar uma comprovação verdadeira aos fatos,
concluída a partir de observações pontuais. A ciência traz consigo a mudança dos
paradigmas da época, o que antes era concebido apenas como a vontade divina passa a ser
questionado e comprovado com fatos observáveis e testáveis.
Durante o desenvolvimento do conhecimento, o homem passou por algumas formas
de comunicação: a Pictórica, a gestual, a oralidade e, por último, a escrita. Esse
desenvolvimento dependeu diretamente do contado de um com o outro, ou seja, da vida em
comunidade como mostra Kauark, Manhães e Medeiros (2010):
De acordo com Santos (2008) os fatos têm um lugar privilegiado na teoria pictórica,
pois, embora figuremos também ficções, só os fatos determinam o verdadeiro. Santos
(2008) assim aponta:
A fase gestual, como infere Souza (2003), foi importante para a primeira
comunicação, pois os homens já passavam a interagir em um contato mais direto. De tanto
utilizar os gestos para a comunicação, começaram a emitir ruídos que imitavam também o
som dos animais. A oralidade, então, abriu espaço para uma comunicação mais dinâmica.
333
A escrita revolucionou de vez os padrões de comunicação, pois agora sim existiria um
registro unificado. Como mostra Souza (2003):
Ouvir rádio ou ler uma página é aceitar essas extensões de nós mesmos e
sofrer o fechamento ou o deslocamento da percepção, que
automaticamente se segue. É a continua adoção de nossa própria
tecnologia no uso diário que nos coloca no papel de Narciso da consciência
e do adormecimento subliminar em relação às imagens de nós mesmos.
Incorporando continuamente tecnologias, relacionamo-nos a elas como
servomecanismos (MCLUHAN, 2002, p. 64).
334
Do rolo antigo ao códex medieval, do livro impresso ao texto eletrônico,
várias rupturas maiores dividem a longa história das maneiras de ler. Elas
colocam em jogo a relação entre o corpo e o livro, os possíveis usos da
escrita e as categorias intelectuais que asseguram a compreensão
(CHARTIER, 1999, p.77).
vista por muitos como a verdadeira aglutinação dos demais veículos. Nela já
é possível ouvir programas de rádio, ler jornais diários, trocar mensagens,
acessar programas de televisão e até mesmo utilizar a teleconferência
(SOUZA, 2003, p. 23).
335
Pesquisar na WWW é ao mesmo tempo se encontrar nas multiplicidades e
se perder; é avançar e recuar o tempo todo; é não mais separar e ao
mesmo tempo, com todas as forças tentar distinguir; é o ilimitado e o
limitado que tentam se manifestar e se confundem (LEÃO, 1999, p. 25).
Sabemos que a Internet vem causando alterações importantes, por isso, o seu uso
deve ser considerado tanto na esfera pessoal quanto profissional. É comum que diversas
profissões utilizem a ferramenta para facilitar as interações cotidianas e agilizar transações.
A sociedade, hoje, encontra-se em redes e isso traz alterações significativas, como aponta
Castells e Cardoso (2005):
A educação, em particular, vem precisando, cada dia mais, dos recursos tecnológicos
para tornar o ambiente pedagógico mais atrativo e de acordo com as urgências sociais.
Dessa maneira, faz-se necessária a investigação detalhada da influência da Internet nas
novas relações sociais por ela criada.
337
relacionamento. Quanto mais o homem evoluiu intelectualmente, mais necessidade de estar
com o outro ele teve, pois o outro passou a ser a representação do suprimento daquilo que
lhe faltava. O outro era a ajuda, a companhia, a completude, como aponta Souza e Cardoso
(2011):
As Redes Sociais Digitais vem se tornando cada vez mais um ambiente de interação,
na medida em que recebem novos usuários a cada dia, aumentando progressivamente sua
quantidade de usuários.
338
Todos os setores da sociedade vem se transformando, a partir do uso das novas
tecnologias, com a educação não poderia ser diferente. Cada vez mais se torna urgente
associar as novas formas de interação ao saber escolar, uma vez que o desenvolvimento
tecnológico tende a avançar a cada dia, já não se pode negar a influência que isso vem tendo
dentro da ambiente escolar.
As Novas Tecnologias, por seu caráter intrinsecamente social, não podem deixar de
estar presentes nas discussões sobre educação, haja visto que essa faz parte do
desenvolvimento de qualquer sociedade. Apesar dessa necessidade, o que vemos é uma
sociedade completamente vinculada e dependente das novas tecnologias, mediadas por elas
e o ambiente escolar ainda nos mesmos moldes de séculos passados. É importante que se
faça uma reflexão sobre essa situação, a fim de tentar entender os motivos que levam a
escola a sempre permanecer imutável, pensando as possíveis formas de alteração de
paradigmas.
Apesar da urgência em se alterar alguns paradigmas na educação, não podemos fazer
de maneira impensada, precisamos refletir sobre as práticas educacionais e entender a
melhor maneira de associar a tecnologia para o aprendizado, pois, como aponta Castells e
Cardoso (2005):
ESTUDO DE CASO: O USO DAS REDES SOCIAIS DIGITAIS NO PRIMEIRO ANO DO ENSINO
MÉDIO DA ESCOLA CÂNDIDA PÓVOA
339
Para refletir sobre as possíveis influências das novas tecnologias na educação,
principalmente quanto ao uso das redes sociais digitais, elaboramos uma pesquisa de campo
direcionada aos educandos.
Aplicamos um questionário com perguntas abertas e fechadas, direcionadas aos
alunos do primeiro ano de Ensino Médio da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio
Cândida Póvoa, localizada no Município de Apiacá – Espírito Santo. Nossa tentativa é tentar
entender de que maneira os referidos discentes se comportam frente ao uso das redes
sociais digitais.
Foram pesquisados quarenta alunos, no total, que responderam sobre a maneira
como utilizam as redes sociais digitais. O questionário passou por uma aplicação de
testagem em turmas escolhidas, adequação das perguntas e posterior aplicação final, já em
outras turmas. De acordo com Kauark, Manhães e Medeiros (2010):
A presente pesquisa busca entender como as Redes Sociais Digitais vem sendo
utilizadas pelos alunos interrogados, uma vez que a evolução tecnológica vem influenciando
muito o contexto educacional e isso precisa ser estudado para que se torne um instrumento
a favor da educação e não o seu rival. Souza (2003) considera:
Perguntados sobre o tempo que ficam conectados à internet, 40% disseram que
usam por menos de uma hora por dia, 32,5% afirmaram utilizar entre uma e quatro horas,
340
7,5% disseram que utilizam a internet de quatro a oito horas por dia e, por fim, 20%
afirmaram que ficam mais de oito horas conectados.
Dos alunos entrevistados, 85% fazem parte de alguma rede social digital e apenas
15% não utilizam essas redes. Do tempo que passam conectados à internet, 42,5%
afirmaram usar somente a rede social digital, o tempo todo; 42,5% responderam que usam
parcela do tempo para as redes sociais, mas que também fazem pesquisas da escola, entre
outros. 15% afirmaram não ter acesso à internet com facilidade.
Perguntados sobre a forma como escrevem nas redes, ou seja, de que maneira se
comportam linguisticamente, 17,5% dos alunos responderam que tentam escrever na
internet como escrevem na escola, ou seja, obedecendo às regras ortográficas, gramaticais,
tendo cuidado em escolher as palavras mais adequadas. 67,5% afirmaram que não se
preocupam com as regras e escrevem utilizando gírias, abreviações e convenções linguísticas
para a rede. Essas respostas corroboram para a afirmação de que a rede social digital é um
espaço mais livre, com menos cobrança do uso da variedade padrão da língua. Apenas 15%
afirmaram não escrever nada na internet. Essas respostas nos levam a pensar que,
possivelmente, por apresentar essa característica de liberdade e interatividade, o
ciberespaço pudesse funcionar como um eficiente instrumento de ensino e aprendizado.
45% dos alunos disseram que postam, nas redes sociais digitais, conteúdos
relacionados à vida pessoal, coisas simples como: onde se encontram, com quem estão, o
que estão sentindo ou fazendo naquele momento. 2,5 % afirmaram postar mais conteúdos
relacionados à alguma disciplina escolar. 5% disseram postar, normalmente, conteúdos
relacionados a alguma opção religiosa. 32,5% não fazem postagens.
85% fazem uso do bate papo nas redes sociais digitais, 15% não utilizam o bate papo.
Do grupo, 7,5% conversam apenas com uma pessoa, 15% conversam com duas pessoas no
mesmo momento, 20% com três pessoas, 27,5% conversam com três a cinco pessoas e 15%
com mais de cinco pessoas. Apenas 15% não conversam nas redes.
Questionados sobre o que fazem em seus momentos vagos fora da escola, na maior
parte do tempo, 20% responderam que revisam os conteúdos escolares, 32,5% afirmaram
que utilizam a internet, na maior parte as redes sociais. 47,5% disseram que fazem
atividades variadas.
341
Perguntados se acreditam que as redes sociais digitais podem auxiliar de alguma
maneira as disciplinas escolares, 57,5% dos alunos afirmaram que não, 42,5% afirmaram que
sim. Do grupo que deu resposta afirmativa, 12 acham que as redes sociais digitais podem
ajudar nas pesquisas escolares, 3 acreditam que podem ser sanadas dúvidas nas redes e
apenas 2 pensam que podia-se criar grupos escolares de interesse da turma. Essas respostas
nos levam a pensar que os alunos, por perceberem as tecnologias tão distantes da escola,
acabam por pensar que essas não ajudariam em seu processo de aprendizagem,
corroborando a ideia de que tecnologia e educação são coisas opostas. Os que acham que
pode ajudar acabam tendo uma visão um pouco equivocada do que realmente poderia ser
essa ajuda.
100% dos alunos, quando questionados, afirmaram que a escola, e seus recursos
tecnológicos, não conseguiu evoluir na mesma velocidade que a sociedade que a circunda.
Perguntados sobre o que deveria ser mudado, as respostas abertas foram variadas, mas a
maior parte delas versava sobre a necessidade de mais computadores e recursos
tecnológicos dentro da sala de aula. Já vimos, com a teoria que embasa o trabalho, que
apenas inserir computadores na escola não será suficiente para aproximar escola e
tecnologia, o que realmente precisa ser feito é inserir a tecnologia mediada, que faça
sentido tanto para professores quanto para alunos.
Com a realização dessa pesquisa foi possível perceber que, mesmo na escola pública,
com seu histórico de carência, é perceptível o acesso dos alunos à internet e, por
consequência, às redes sociais digitais. Eles apresentam uma liberdade e espontaneidade na
escrita, uma vez que essa não é monitorada, como na escola. Além disso, eles se mostram
rápidos e objetivos, uma vez que afirmam ter a capacidade de conversar com muitas pessoas
ao mesmo tempo, habilidade comum aos nativos digitais. Percebemos também que o tempo
que eles ficam na internet é bastante significativo e que, pelas respostas, às vezes o uso é
ilimitado mas sem grande aproveitamento para o aprendizado.
Percebemos que realmente a escola não conseguiu acompanhar as evoluções
tecnológicas dos últimos tempos e que os alunos, pelas respostas, percebem esse déficit. É
difícil, pois, tentar vincular o mesmo modelo de escola de séculos passados, parece urgente
que a escola se adapte às novas habilidades dos alunos, pois o avanço tecnológico é um
342
caminho em progresso, dificilmente voltará aos modelos antigos. A esse respeito, Lévy
(1999) considera:
Temos hoje, nas escolas, professores imigrantes digitais que tentam dar conta das
habilidades dos nativos digitais. Há que se perceber que novas metodologias precisam ser
criadas, para que o professor não mais se perceba como detentor de todo conhecimento,
mas sim mediador do conhecimento que se encontra inacabado, espalhado e que precisa ser
agrupado, assimilado, internalizado pelo aluno. O professor que só transmite informações
pode ser substituído por uma máquina sem prejuízo para o aluno, já o professor mediador,
consciente da necessidade de transformação faz muita falta ao ambiente escolar e é pouco
provável que um computador exerça o seu papel. Muitas dúvidas pairam na cabeça dos
professores de nossa época, entre elas a incerteza da mudança de paradigmas ser positiva
ou não, essa situação deixa o professor sem saber, ao certo, que atitudes tomar diante de tal
situação. A esse respeito, Soares (2000) reflete:
Não podemos achar que os mais jovens, pela quantidade enorme de tempo que se
dedicam ao uso das novas tecnologias e da internet, são desligados da sociedade, alheios
aos acontecimentos, eles apenas estão desenvolvendo novas habilidades de interação, como
nos mostra Castells e Cardoso (2005):
Lévy (1993) considera que a escola precisa muito de uma nova perspectiva, mas não
apenas de utilização desenfreada de novas tecnologias, sem uma mediação pedagógica. As
novas tecnologias garantem meios, são instrumentos versáteis e importantes, porém
sozinhos não garantem a efetividade do processo de ensino e aprendizagem. A educação
baseia-se diretamente na comunicação e a tecnologia é uma ferramenta importante nesse
processo. Soares (2000) define que não se trata, pois, de educar usando o instrumento da
comunicação, mas que a própria comunicação se converta no eixo vertebrador dos
processos educativos: educar pela comunicação e não para a comunicação.
Observando o potencial de acesso às Redes Sociais Digitais, precisamos entender de
que forma elas podem ser utilizadas no contexto escolar para efetivar o processo de ensino
aprendizagem, também é preciso repensar o papel que o professor da era digital passa a ter
na escola.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como percebemos, o homem, desde os primórdios, apresenta a necessidade de se
comunicar com o outro. Para satisfazer essa necessidade passou por inúmeros estágios de
desenvolvimento de mecanismos de comunicação, como a fase pictórica, gestual e escrita.
Com o advento da escrita, o homem pensou em divulgar, da maneira mais rápida e prática
possível, as informações que julgavam importantes. Técnicas eram desenvolvidas, a todo
momento, com essa finalidade.
A internet surge, nesse processo evolutivo, como um importante meio de divulgar de
informações, encurtar de distâncias e criar novos paradigmas de interação e
relacionamento. O uso da internet alterou profundamente os paradigmas da sociedade e,
por isso, suscitam tantas investigações científicas.
Como pudemos observar, com a realização desta pesquisa, o ambiente escolar é um
dos poucos da sociedade em rede que ainda não conseguiu se adaptar a esses novos
padrões tecnológicos. Isso é um fator negativo para a educação em nosso país, pois vimos
344
que os alunos de hoje, nativos digitais, estão desenvolvendo novas habilidades com os
recursos tecnológicos que precisam ser valorizados pela escola. É urgente que as escolas e os
professores do século XXI reflitam a importância de mediar o conhecimento com o uso dos
meios tecnológicos, para que esses possam contribuir para o efetivo processo de ensino e
aprendizagem dos nossos alunos.
REFERÊNCIAS
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SOUZA, Carlos Henrique Medeiros de. Comunicação, Educação e Novas Tecnologias.
Campos dos Goytacazes - RJ: Editora FAFIC, 2003.
346
A COGNIÇÃO E AS TICS: APRENDIZAGEM MEDIADA PELA INTERAÇÃO
INTRODUÇÃO
As novas tecnologias da informação e da comunicação assumem, cada vez mais, um
papel ativo na configuração das estruturas cognitivas. Elas facilitam experiências de
aprendizagem complexas e cooperativas, transformam o aprender e reconfiguram o
conhecimento. Nesse contexto, a humanidade evidência uma grande evolução com relação
aos aspectos cognitivos e interativos, que se transformam com rapidez nunca antes
experimentada. Isso se deve em parte à função mediadora, quase onipresente, dessas novas
tecnologias.
No tocante à aprendizagem e ao conhecimento, chegamos a uma transformação sem
precedentes das estruturas cognitivas. As ferramentas tecnológicas ajudam a intensificar o
pensamento complexo, interativo e transversal. Desse modo, as Tecnologias da Informação
e Comunicação (TIC) e as mídias interativas deram um novo sentido a aprendizagem e a
absorção do conhecimento, pautadas em ricas trocas sociais. De acordo com (Lévy, 1998), a
constituição do conhecimento já não é mais fruto unilateral de seres humanos isolados, mas
347
de uma vasta cooperação cognitiva distribuída, da qual participam indivíduos e sistemas
cognitivos artificiais.
Contudo, faz-se necessário uma reflexão sobre o potencial de comunicação e
interatividade que as ferramentas tecnológicas são capazes de possibilitar ao indivíduo, de
modo que a aprendizagem mediada por aparatos tecnológicos favorece o exercício cognitivo
e o desenvolvimento de novas competências cognitivas.
348
meio social. Segundo (Palangana, 2001), Piaget foca sua atenção no indivíduo, entendendo o
objeto apenas como algo perturbador da estrutura cognitiva, ou seja, não ocorre na teoria
construtivista desse autor trocas recíprocas.
Existem dois elementos, na concepção de Vygotsky, que fazem a mediação da
aprendizagem: os instrumentos e os signos, o autor assinala esses elementos como frutos do
ambiente social e cultural do indivíduo. No entanto, de acordo com (Santos, 2003), tais
elementos, intermediários do conhecimento, precisam sofrer um processo de internalização
para serem absorvidos do meio social. (Lins, 2003) afirma que, para Vygotsky a
internalização é um método que abrange a modificação de fenômenos sociais em
fenômenos psicológicos por meio de signos. Para ele, a origem de todas as funções
psicológicas superiores é originada na relação entre seres humanos, defendendo assim, a
ideia de que as interações sociais ocasionam o aprendizado.
A partir disso, vale dizer que o desenvolvimento cognitivo requer que se concretize o
processo de internalização, que abrange a transformação de fenômenos sociais em
fenômenos relativos à cognição do aprendiz, para a produção do conhecimento. Segundo
(Palangana, 2001), a internalização do conhecimento acumulado pelos sujeitos ao longo da
vida e disponível no ambiente social, se dá, especialmente, pela linguagem. Através das
trocas com as pessoas que participam do seu ambiente, ainda quando criança aprende-se os
significados linguísticos ocasionando o conhecimento de sua cultura.
Ao estudar os dois autores, Piaget e Vygotsky, acerca de suas abordagens quanto a
aprendizagem, entende-se que, na ótica vygotskyana, a construção da estrutura cognitiva
está mediada pela interação social e linguagem, nas quais se apoiam no processo de
internalização para a absorção de informações e de ferramentas de representação histórico-
social, formalizadas e expressas a partir do contexto sociocultural do indivíduo. Isso difere da
vertente de Piaget que não inclui o meio social como fator importante para a estruturação
mental.
Nessa perspectiva, vale uma reflexão sobre a aprendizagem mediada pela interação,
a ponto de ver a tecnologia e suas ferramentas como alternativas de produção do
conhecimento na era da informação, proporcionando uma aprendizagem ativa, construtiva,
reflexiva e socializadora.
349
TECNOLOGIA, COGNIÇÃO E APRENDIZAGEM
Já se sabe que a tecnologia modifica a expressão criativa do homem, modificando sua
forma de adquirir conhecimento, interferindo assim em sua cognição. Mas de que modo os
artefatos e objetos técnicos intervêm na atividade cognitiva? De acordo com (Norman, 1993)
as tecnologias não operam uma amplificação e sim uma transformação da cognição. Ou seja,
a ferramenta tecnológica não amplia as capacidades e aptidões dos indivíduos, mas
transforma a natureza cognitiva.
Nos termos de (Hutchins, 1996) as estruturas cognitivas do sistema formado pelo
sujeito em interação com a ferramenta tecnológica não correspondem às propriedades
cognitivas do indivíduo visto de forma isolada, o sistema cumpre uma tarefa que envolve
uma grande carga de memória e planejamento, garantindo uma maior eficiência. O uso da
tecnologia, ao promover uma mudança na natureza cognitiva da tarefa a ser realizada pelo
indivíduo, permite que o sistema realize uma atividade complexa sem que os processos
cognitivos nela envolvidos precisem estar presentes ou serem mobilizados pelo próprio
indivíduo. A distribuição da atividade cognitiva não é, portanto, uma simples extensão de
propriedades individuais e internas aos suportes externos; ela é, antes, um processo de
transformação que caracteriza, segundo Hutchins, o modo de ser da cognição humana, e
não apenas uma peculiaridade de certas práticas e técnicas. O autor propõe, dessa forma,
uma concepção da cognição humana que ultrapassa os limites do indivíduo e da
interioridade.
Nessa perspectiva, a aprendizagem é definida por (Lomônaco, 1984), como uma
mudança de comportamento resultante de prática ou experiência anterior, de modo a ser
um processo interno que ocorre dentro dos organismos. Entretanto, existem inúmera
teorias que têm sido propostas pelos psicólogos cognitivistas para explicar o processo da
aprendizagem. Segundo (Leeper, 1970 apud Lomônaco, 1984), podemos considerar cinco
aspectos como característicos ou comuns as diferentes concepções cognitivas de
aprendizagem: A teoria cognitiva pretende ser uma teoria abrangente ou inclusiva; se utiliza
tanto de dados comportamentais como de dados subjetivos; não é basicamente uma teoria
que explica os fenômenos em termos daquilo que o organismo “conhece”; concebe a função
350
cerebral em termos da organização dos componentes menores da atividade nervosa em
todos funcionais maiores; tem um interesse predominantemente psicológico em vez de
fisiológico.
Uma das primeiras concepções teóricas a respeito do processo de aprendizagem
desenvolvida por psicólogos de orientação cognitiva foi a aprendizagem explicada pela
formação de insights. De acordo com (Garret, 1959), o homem tem um insight quando
aprende integralmente os princípios existentes na execução de uma tarefa ou vê a relação
correta. Na visão de (Hill, 1981), o sujeito tem um insight quando percebe a situação total de
uma nova maneira, incluindo compreensão das relações lógicas ou percepção das conexões
entre meios e fins. Em função de tais considerações, o insight se caracteriza como um
processo que, quando completado, dá ao indivíduo a nítida impressão de ter subitamente
compreendido algo ou chegado a solução de um problema.
A partir dessa concepção do processo de aprendizagem podemos compreender a
ótica de (Hutchins, 1996) sobre a função de mediação das tecnologias cognitivas, ao propor
que uma tecnologia mediadora não está situada entre o indivíduo e a tarefa. Situar o
aparato tecnológico entre o indivíduo e a tarefa implica supor que estes podem ser definidos
prévia e isoladamente.
A ideia de que as tecnologias cognitivas promovem mudanças no modo como as
atividades e processos cognitivos são requeridos ou mobilizados também é explorada por
(Dennett, 1997). Suas análises se voltam para o papel da tecnologia na formação complexa
da inteligência humana e na nossa atividade cotidiana de lidar com um mundo dinâmico
onde, não raro, há inúmeras informações. O autor sugere que a fonte primária de nossa
inteligência é a habilidade em expelir nossas tarefas cognitivas no meio ambiente, lançando
nossas mentes no mundo, construímos dispositivos periféricos que simultaneamente
simplificam o nosso meio facilitando nossa cognição cotidiana e refinam o nosso próprio
pensamento.
Tal perspectiva permite supor que os recursos tecnológicos podem contribuir na
produção de insights, para a emergência de novos processos ou habilidades cognitivas que
não estavam previamente presentes. Além de fornecerem um auxílio externo à cognição, de
promoverem mudanças nas habilidades cognitivas requeridas para certas atividades, de
351
permitirem uma simplificação do mundo ao tornarem disponíveis e utilizáveis as
informações relevantes para os indivíduos, além de todos esses processos que já implicam
uma série de transformações, as ferramentas tecnológicas podem potencializar a
emergência de novas modalidades de representação, conhecimento, significação, trazendo
complexidade seja para o nosso próprio pensamento seja para nossa relação com o mundo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Novas tecnologias da informação e da comunicação já não são meros instrumentos
no sentido técnico tradicional, mas feixes de propriedades ativas. As tecnologias tradicionais
serviam como instrumentos para aumentar o alcance dos sentidos (visão, movimento etc.).
As novas tecnologias transformam o potencial cognitivo do ser humano e possibilitam
estruturas cognitivas complexas e cooperativas, sendo que os próprios sistemas se
transformaram em máquinas cooperativas, com as quais podemos estabelecer parcerias na
pesquisa e no aviamento de experiências de aprendizagem. Portanto, termos como
"usuário", já não expressa bem essa relação cooperativa entre ser humano e essas
ferramentas inteligentes. O papel delas já não se limita à simples configuração e formatação,
ou, se quiserem, ao enquadramento de conjuntos complexos de informação. Elas participam
ativamente do passo da informação para o conhecimento.
Isso nos traz a reflexão de que as tecnologias da informação e da comunicação se
transformaram em elemento constituinte (e até instituinte) das nossas maneiras de ver e
organizar o mundo, de modo que têm um papel ativo e co-estruturante das formas do
aprender e do conhecer.
REFERÊNCIAS
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aprendizagem. 2006.
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352
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HUTCHINS, E. Cognition in the Wild. Massachusetts: MIT, 1996.
LÉVY, P. A inteligência coletiva. São Paulo: Loyola, 1998.
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PALANGANA, I. C. Desenvolvimento e aprendizagem em Piaget e Vygotsky: a relevância
do social. 3. ed. São Paulo: Summus, 2001.
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educação: o significado do aprender. 7. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS,2003.
WITTER G. P.; LOMÔNACO J. F. B. Psicologia da aprendizagem. São Paulo: EPU, 1984.
353
A EVOLUÇÃO DAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO AO LONGO DO TEMPO E A PERCEPÇÃO
DOS PROFESSORES SOBRE SUA UTILIZAÇÃO NA SALA DE AULA
RESUMO: O presente trabalho apresenta uma análise teórica sobre a evolução humana e
das tecnologias da informação ao longo do tempo. O artigo traz ainda uma reflexão sobre
como a internet revolucionou as mais diversas áreas, dentre elas o trabalho, a sociedade e a
educação. Os alunos estão a todo o momento utilizando esses recursos, são os chamados
Nativos Digitais. Ao utilizar as Novas Tecnologias, os professores podem tornar as aulas mais
atraentes e criativas. Desta forma, o objetivo da pesquisa foi apresentar uma reflexão
teórica sobre a evolução das tecnologias da informação e comunicação ao longo dos anos
ate os dias atuais e analisar a opinião de um grupo de professores a respeito do uso destes
recursos na sala de aula. Os dados empíricos foram obtidos através de um questionário
aplicado a professores que atuam com diferentes disciplinas do Ensino Fundamental
(segundo segmento).
Palavras-chave: Novas Tecnologias. Educação. Professores. Sala de aula.
INTRODUÇÃO
Desde a pré-história o homem passou por diversas fases: No inicio, o medo era
atribuído ao desconhecido, dando lugar a posteriori ao mito. Depois o homem passou a fase
da ciência, que perdura ate hoje. Vivemos em um mundo onde para que algo seja concebido
como verdade, deve ser testado e comprovado cientificamente.
A evolução dos meios de comunicação começou na era Gutenberg, com a impressão
em chapa de duzentas bíblias e posteriormente a invenção do livro, jornal, rádio, televisão e
o computador. Na década de 90, a internet revolucionou a era da informatização e
comunicação. As pessoas podiam conversar a longas distâncias como se estivessem perto, o
que tornou o mundo uma espécie de aldeia, conceito proposto por McLuhan como “aldeias
globais”. A internet fez surgir as Redes sociais, o ciberespaço, e revolucionou diversas áreas
dentre elas a sociedade de uma forma em geral, o trabalho e a educação.
354
Neste segmento, é importante salientar que, os alunos hoje, já nascem inseridos em
uma cultura de comunicação em rede e de utilização das tecnologias. A escola, como um
ambiente sistematizado de educação e como um espaço onde ocorrem importantes trocas
de experiências deve se atualizar na incorporação das Novas tecnologias.
Porém, a implementação destes recursos deve ocorrer na escola juntamente com um
processo de mudança de postura. A inserção das novas tecnologias no ambiente escolar não
deve ocorrer somente com o objetivo de “modernização” das escolas, mas sim com um
objetivo definido e bem delimitado.
Neste contexto é objetivo desta pesquisa apresentar uma reflexão teórica sobre a
evolução dos meios de comunicação e da própria comunicação humana ao longo dos anos
ate os dias de hoje. É objetivo ainda, analisar a opinião de um grupo de professores a
respeito do uso e relevância das novas tecnologias na sala de aula, e analisar se as escolas
apresentam um ambiente propício para a inserção dessas novas tecnologias.
A EVOLUÇÃO HUMANA
355
A evolução humana, ao longo de seu percurso é marcada por uma evolução da
inteligência da espécie (Kauark, et al. 2010, p.10). Podemos destacar que para falar de tal
evolução, faz-se necessário relatar sobre três fases distintas em relação ao homem e a
natureza: A fase do medo, a do misticismo e a da ciência.
Os seres humanos primitivos, não conseguiam entender os fenômenos da natureza,
como as tempestades, os raios e trovões. Por esse motivo, suas relações justificavam-se pelo
medo, por sentimento de impotência diante do desconhecido.
Em um segundo momento, o homem passou a atribuir os fenômenos da natureza ao
mágico, as crenças através do mito. Segundo Kauark, et al. 2010, p. 10, o homem nesta
época passa a tentar explicações para os fenômenos a partir de pensamentos abstratos e
associativos, elaborando a magia, as crenças e superstições. Apesar de tais ideias não
surtirem efeitos imediatos, elas serviram de base para a próxima fase, pois o homem passa a
ter um pensamento especulativo, a partir do momento em que começa a propor relações de
associação simbólica a situações de seu cotidiano.
Desta forma, quanto mais pensante o homem se tornava, mais insatisfeito ele ficava
com as explicações místicas e supersticiosas ate então por ele propostas. Agora, ele passava
buscar explicações plausíveis para seus anseios e inquietações.
A técnica e a tecnologia, que se aplicava a capacidade de aprender a trabalhar com
bens naturais os transformando em bens úteis é uma técnica que não se faz exclusiva
somente na história dos seres humanos. Outros animais também o fazem. Com efeito, os
seres humanos têm como capacidade a evolução do pensamento. Esta sim, os difere dos
outros animais.
Com essa evolução do pensamento do homem, do medo ao mágico e metafórico,
surge a ciência, com base na metodologia e pautada na acumulação de conhecimentos
sistemáticos (kauark et al. 2010, p.18). Desde então a ciência nunca mais parou seu processo
de evolução, vez que nos dias de hoje chegamos ao ponto de se afirmar que somente é
verdade aquilo que pode ser comprovado cientificamente com base em teorias propostas e
consequente comprovações.
356
A EVOLUÇÃO DA COMUNICAÇÃO HUMANA
O homem é um ser eminentemente social, pois suas relações estão sempre ligando a
uma comunidade ou a um grupo de pessoas. Desta forma, o saber de um indivíduo e
transmitido por suas relações sócias. A evolução humana está atrelada à necessidade de
expressão do homem. Como primeiros indícios desta necessidade, de expressar seus
sentimentos, suas ideias, seu dia a dia e suas paixões, surgem as pinturas rupestres nas
paredes das cavernas.
As pinturas rupestres eram uma forma de comunicação e de linguagem do homem
primitivo. O conceito de linguagem aplica-se a forma com a qual cada indivíduo se
manifesta. Para atender às suas necessidades de comunicação, os primeiros hominídeos
passaram a se valer de gestos e grunhidos. Jean Jacques Rousseau discorre em seu ensaio
sobre a origem das línguas (1712-1778), que as primeiras linguagens eram expressas tanto
pelos gestos como pelo uso da voz.
Segundo este filósofo, a linguagem aproximou a espécie humana que encontrava-se
dispersa pela terra. Rousseau supôs que a linguagem humana teria evoluído pouco a pouco,
gradualmente a partir da necessidade de exprimir o que sentia com formas mais complexas
e abstratas. Neste contexto, a primeira linguagem do homem foi o "grito da natureza", que
era usado para pedir socorro no perigo ou ao aliviar-se de dores violentas.
Porém há de se salientar que os homens primitivos, antes do desenvolvimento da
linguagem verbal já entendiam o mundo ao seu redor. Todavia segundo Rousseau:
357
Entretanto, essa transmissão por muitos momentos era comprometida, vez que não
existiam nenhum registro a não ser os recursos orais. Dos grafos e pinturas rupestres, o
homem passou para gestos e grunhidos como forma de comunicação e aos primeiros
registros escritos.
Conforme preconiza Paiva (2008), os primeiros registros escritos ocorreram em
folhas de papiro, dispostas em rolos chamados volumen. Foi com Júlio Cesar, imperador de
Roma, no último século a.C., que o rolo cedeu espaço às folhas de papiro dobradas surgindo,
assim, o códex, cujo formato é parecido com o que temos hoje dos livros tradicionais.
A partir da escrita, ao longo do tempo os meios de comunicação e informação foram
evoluindo gradualmente, e agora as memórias não seriam mais apagadas, mas, ficariam
gravadas através de registros escritos.
358
mortas há séculos, ou então que se expressavam apesar de grandes
diferenças culturais ou sociais (Lévy, 2000, p. 114).
Outra grande invenção tecnológica foram os telégrafos que, segundo Souza, 2003
facilitou um avanço no mundo das comunicações, permitindo assim , a comercialização de
notícias para os jornais e leitores. O telefone, outra inovação tecnológica, surgiu na década
de 20. O rádio, que surgiu entre as décadas de 30 e 40, foi uma das grandes revoluções
ocorridas na comunicação de massa. Segundo o referido autor, esta nova forma de mídia
permitiu quebrar alguns paradigmas, passando a ser uma mídia alternativa ao jornal e ao
papel impresso em geral.
A Televisão foi inventada em 1926 por John Baird, mas só chegou ao Brasil em 1950.
A princípio era um artigo de luxo cujo acesso ficava limitado aos ricos, mas aos poucos foi se
infiltrando em todas as classes e hoje está em quase todos os lares (Paiva, 2008, p.7).
Desta forma, cada vez mais um número maior de pessoas vem aderindo a internet
como uma rede, onde lhes são possibilitadas várias atividade como os estudos, pesquisas,
relacionamentos interpessoais... A internet foi uma revolução nos mais diversos âmbitos,
seja nas relações de trabalho, sociedade e na educação. Essas relações interpessoais que
ocorrem na internet, se intensificam a cada ano que se passa. Surgem então o conceito de
ciberespaço, em que essas redes não são somente de computadores, mas também de
pessoas e informações. Sobre o ciberespaço, Lévy o define como:
Hoje, a internet é um recurso pode ser utilizado nas salas de aula, como aliados de
professores e alunos no processo de ensino aprendizagem. Porém, há de se salientar que
nem sempre o uso da internet na sala de aula é sinônimo de utilização eficaz desse recurso
tecnológico. Conforme previa Moran:
360
AS REDES SOCIAIS DIGITAIS
O advento da internet trouxe para a sociedade diversas mudanças características
desse novo recurso. A partir dela, surgiram expressões como comunidades Virtuais, Redes
sociais digitais, sociedade em rede, tribos urbanas. O surgimentos destas e outras
expressões, modificaram de forma grandiosa com a forma em que nos relacionamos com o
outro através da internet.
Uma rede social é definida como um conjunto de dois elementos: atores (pessoas,
instituições ou grupos; os nós da rede) e suas conexões (interações ou laços sociais)
(Wasserman e Faust, 1994; Degenne e Forse, 1999 apud Raquel Recuero)
Raquel Recuero, 2008, atenta para o que seriam os atores e suas conexões. Segundo
a autora, os atores seriam o primeiro elemento da rede social, representado pelos nós.
Trata-se de pessoas envolvidas na rede em que se analisa, que pode ser representado por
um fotolog, weblog, twiter ou perfil do orkut. E o segundo elemento seriam as conexões. Em
termos gerais, as conexões em uma rede social:
são constituídas dos laços sociais, que, por sua vez, são formados através da
interação social entre os atores. De um certo modo, são as conexões o
principal foco do estudo das redes sociais, pois é sua variação que altera as
estruturas desses grupos (RECUERO, 2008, p. 30).
Apesar de um dos principais objetivos da rede ser sua acessibilidade, por ser uma
ligação social e de interesses em comum a conexão fundamental entre as pessoas se dá
através da identidade. As redes sociais, segundo Marteleto (2001, p.72) representam “[...]
um conjunto de participantes autônomos, unindo ideias e recursos em torno de valores e
interesses compartilhados”.
Sendo assim, as interações sociais que movimentam as redes, são de ordem,
econômicas, de trabalho, relações sociais etc., que, acabam por facilitar o compartilhamento
de informação e de conhecimento. O público alvo de cada rede depende dos interesses que
movimentam suas interações, isto por integrarem atores que estejam envolvidos com uma
temática específica, seja ela relações de trabalho, entretenimento, relações pessoais, dentre
outras.
361
AS NOVAS TECNOLOGIAS COMO FERRAMENTAS NA EDUCAÇÃO
A escola se configura como um espaço complexo onde ocorre formalmente a
educação de uma sociedade. Dentre os inúmeros atores envolvidos na escola e no processo
de ensino aprendizagem, destacamos dois: o professor e o aluno. O primeiro, por muito
tempo foi tido como o detentor do saber absoluto, e que “transmitia” esse conhecimento
aos alunos. Hoje o professor é tido como o mediador desse processo de ensino
aprendizagem.
No mundo globalizado ao qual estamos inseridos, objetos como computadores,
televisão, telefax, celular e outros permitem conhecer novos horizontes, conhecer culturas e
línguas, mercados e regimes de governo; permitem modificar signos e realidades que nos
são apresentadas (IANNI, 2001). Desta forma, é de vital importância que os sistemas
educacionais se envolvam com essas tecnologias de forma a criar novas formas de se
ensinar.
Vivemos em uma era, em que os alunos já nascem inseridos no mundo das novas
tecnologias. São os “nativos digitais” termo proposto pelo educador nova-iorquino Marc
Prensky, especialista em tecnologia e educação, que publicou seu mais famoso artigo
“Digital natives, digital immigrants” em 2001. Neste artigo, Marc define como nativos
digitais, aqueles indivíduos que nasceram após a potencialização das Novas Tecnologias da
informação e comunicação (NTICs) e que não conseguem imaginar sua vida sem elas, e
imigrantes digitais, aqueles indivíduos que nasceram antes da potencialização das NTCIs e da
internet, na época em que as pesquisas eram feitas em bibliotecas, nas famosas Barsas sem
a utilização de recursos tecnológicos.
A maioria dos professores se enquadra no quadro de imigrantes digitais, e em
contrapartida seus alunos no de nativos digitais. Desta forma, faz-se necessário e de grande
importância que educadores se valham desses novos recursos tecnológicos em suas aulas, a
fim de torna-las mais interessante a seu público alvo.
Seguindo o mesmo raciocínio e ressaltando essa ideia, Moran (2000) considera “(...)
importante diversificar as formas de dar aula, de realizar atividades, de avaliar”, afirmando:
Porém, como afirma o próprio Moran (2007), “O domínio pedagógico das tecnologias
na escola é complexo e demorado. (...) Há um tempo grande entre conhecer, utilizar e
modificar processos” (MORAN, 2007, p. 90).
E ainda essa aproximação das TICs ao meio escolar, na visão de Alava (2002a, 2002b),
está articulada a uma mudança de postura do educador frente ao aluno e ao conhecimento.
Neste contexto, a incorporação dessas TICs nas escolas não deve ocorrer somente para
transformá-las em um espaço modernizado. Ela deve ocorrer seguida de mudanças de
posturas, ou senão esse esforço será inútil.
Desta forma ficam as seguintes questões: Estariam os professores preparados para o
uso das Novas Tecnologias tão presentes em nosso cotidiano na sala de aula? As escolas
estariam oferecendo os recursos necessários para essa adesão por parte dos professores?
Seria preciso, que os cursos de formação de professores ou de formação continuada
levassem em consideração as novas tecnologias e a sua utilização como questões a serem
abordadas?
1 2 1 1 1 1 2 2 2 1
363
Como pode ser observado, responderam ao questionário professores de Ciências,
Inglês, Língua Portuguesa e matemática, em maioria, seguidos de professores de biologia,
ensino religioso, geografia, história, informática e química.
A faixa etária dos professores entrevistados varia de 20 a 59 anos sendo assim
distribuída:
20 a 29 anos 30 a 39 anos 40 a 49 anos 50 a 59 anos
4 3 6 1
2 3 3 6
366
aperfeiçoamento podem ser grandes aliados para diminuir essa barreira entre as Novas
Tecnologias, professor e aluno.
E por fim, concluímos que, com um planejamento prévio, as novas tecnologias na sala
de aula podem ser uma grande aliada na prática docente na educação contemporânea, pois
estes recursos estão inseridos diretamente no cotidiano destes alunos.
REFERÊNCIAS
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abertas: rumo a novas práticas educacionais? Tradução: Fátima Murad. Porto Alegre, RS:
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ALAVA, S. Ciberespaço e práticas de formação: das ilusões aos usos dos professores. In:
ALAVA, S. (Org.). Ciberespaço e formações abertas: rumo a novas práticaseducacionais?
Tradução: Fátima Murad. Porto Alegre, RS: Artmed, 2002(b). p. 53-70.
DEMO, Pedro. Pedro Demo aborda os desafios da linguagem no século XXI. In:
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Umbelina Caiafa Salgado, Ana Lúcia Amaral. Brasília: Ministério da Educação, Secretária de
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MORAN, José Manuel. Mudanças na comunicação pessoal. São Paulo: Paulinas, 2. ed.
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imigrantes digitais no twitter. UENF, 2011
SOUZA, Carlos Henrique Medeiros de. Comunicação, Educação e Novas Tecnologias.
Campos dos Goytacazes, RJ. Editora FAFIC, 2003.
368
TECNOLOGIA E EDUCAÇÃO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTA PARCERIA
RESUMO: Os avanços tecnológicos têm contato direto com a sociedade moderna. O mundo
inteiro se conecta em questão de segundos. Partindo desse foco, este artigo tem a
finalidade de refletir sobre a parceria das novas tecnologias com a educação - Formação
Humana, Valores e Conhecimento. Não podemos mais, pensar em formar nossos educandos,
sem nos conectarmos a essa rede, a fazer parte desse mundo. Para fazermos essa reflexão,
também serão abordados dois temas: a) Tecnologia e a Formação Humana, b) Conexão
Tecnológica e Construção do Conhecimento. Nesse contexto, findamos, reconhecendo e
afirmando o potencial emancipador da escola e de seu fazer pedagógico, como mediadora
de apropriação de conhecimentos e saberes ligados a tecnologia na formação do ser
humano, integrando comunicação, leitura de mundo e aprendizagem.
Palavras-chave: Tecnologia. Educação. Formação humana. Conhecimento.
INTRODUÇÃO
Na sociedade atual cada vez mais faz-se necessário estar em contato com o mundo
tecnológico. O crescente avanço das tecnologias de informação e comunicação tem
influência direta nos setores econômicos, políticos, sociais e no âmbito educacional não têm
sido diferente. A rápida disseminação das novas tecnologias tem motivado professores a um
maior conhecimento e apropriação destes recursos, bem como sua utilização na sala de
aula.
Fazer uso de recursos tecnológicos na educação contém um olhar multifacetado de
mundo e suas interações. Em outras situações, a invasão tecnológica, chega ser considerada
como uma expansão de mobilidade, ampliando e potencializando relações dos seres
humanos, onde muitos, não se concebem, sem o contato com as redes sociais. Possibilitar a
relação entre Tecnologia/Ética/Conhecimento transformam-se em desbravar caminhos a
serem trilhados na atualidade pela Educação, que é sempre desafiada a se adaptar as
transformações pelas quais a sociedade é submetida. Porém, essa mesma educação, precisa
369
parar de encarar esse momento, como obstáculo, para fazer alianças e parcerias a fim de
obter avanços, alcançar metas e verdadeiramente formar educandos para interagir com esse
modelo de sociedade atual.
Porém, nem sempre isso acontece. Partindo dessa compreensão, esta pesquisa tem
como objetivo discutir aspectos relacionados às tecnologias e a educação bem como esta
parceria, como fonte de transformações relevantes e consideráveis no processo de ensino
aprendizagem, em especial a educação a distância. A partir de nossas experiências como
professores, sentimos a necessidade de discutir sobre que influências e quais consequências
esses recursos se traduzem nos processos de formação humana e no estabelecimento de
valores, pois, lançar mão do uso da tecnologia de informação e comunicação (TIC) na
educação, é transitar no mundo globalizado, que requer habilidades múltiplas em sua
interação. Para isso, faremos algumas considerações sobre esta parceria.
370
Porém, na sociedade contemporânea com incessante crescimento, a concepção
sobre as TICs vem sofrendo constantes mudanças. Uma pequena amostra dessas mudanças
são os avanços dos meios de comunicação que são de vital importância para a evolução dos
indivíduos e sua organização na sociedade. Desta maneira, faremos um breve histórico da
evolução humana desde o surgimento dos primeiros hominídeos até os dias atuais.
DA EVOLUÇÃO DO HOMEM
A evolução humana ao longo do tempo é marcada pela evolução de seu modo de
agir, pensar e de sua inteligência. Podemos destacar que para falar de tal evolução, faz-se
necessário relatar sobre três fases distintas em relação ao homem e a natureza: A fase do
medo, a do misticismo e a da ciência.
Nos tempos primórdios, os seres humanos primitivos, não conseguiam entender os
fenômenos da natureza. Desta forma, suas relações baseavam-se no medo diante do
desconhecido. Esse sentimento diante do desconhecido, gerava uma certa impotência, por
não saber a origem nem o que eram esses fenômenos, como as tempestades, os raios,
trovões.
Posteriormente, o homem passou a justificar ao mágico, os fenômenos da natureza,
as crenças através do mito. Segundo Kauark, et al. 2010, p. 10, “o homem nesta época passa
a tentar explicações para os fenômenos a partir de pensamentos abstratos e associativos,
elaborando a magia, as crenças e superstições”. A partir desta fase, o homem já especulava
e tentava propor soluções para o “desconhecido” o até então “inexplicável”.
Todavia, quanto mais pensante este homem se tornava, mais insatisfeito ele ficava
com as explicações místicas, mágicas e supersticiosas que por eles mesmos eram propostas.
E agora, ele passava buscar explicações que justificassem de fato, suas teorias e
conspirações. E para isso, foram aprimorando cada vez mais as suas técnicas e as
tecnologias, aplicando-as em favor de seu próprio bem e uso, como transformar bens da
natureza em bens de seu próprio uso e consumo. E isso não se aplica somente a história da
humanidade, mas também a de outros animais. O que as difere é a capacidade de pensar
dos seres humanos.
371
Com essa evolução do pensamento do homem, do medo ao mágico e metafórico,
surge a ciência, com base na metodologia e pautada na acumulação de conhecimentos
sistemáticos (kauark et al. 2010, p.18). Desde então a ciência nunca mais parou seu processo
de evolução, vez que nos dias de hoje chegamos ao ponto de se afirmar que somente é
verdade aquilo que pode ser comprovado cientificamente com base em teorias propostas e
constantes processos de comprovações.
DA EVOLUÇÃO DA COMUNICAÇÃO
Cerca de 90 mil anos atrás, os hominídeos não falavam. Fato que marcava a Era dos
Símbolos e Sinais. Para tanto, usavam-se de gestos, símbolos e sons que acabaram sendo
padronizados e passado para as gerações seguintes, de modo que se relacionavam no grupo.
Processos de assimilação, abstração e implantação mútua de gestos e ruídos até chegar a
fala foi bastante vagaroso. Já a Era da Fala, cerca de 35 a 40 mil anos atrás, foi um salto
evolutivo bastante significativo, no que diz respeito a comunicação mais complexa, bem
como, a contestação do que estava exposto. Em seguida, entra a Era da escrita que foi
antecedida pela necessidade do homem em registrar os acontecimentos, através das
pinturas rupestres.
A escrita consolidou-se num período um mais curto em relação aos outros que o
antecederam. Símbolos foram padronizados e fonetizados. O Homem inventou a escrita, que
era marcada em pedras, placas de argila, metais e também no papiro. Mais tarde, as
mensagens passaram a ser produzidas em séries através da tecnologia de impressão e a ser
reproduzida também em massa como foi o rádio e a televisão, telégrafos até chegar nos
modernos celulares
372
A partir do século XX, destacam-se as tecnologias de informação e comunicação através
da evolução das telecomunicações, utilização dos computadores, desenvolvimento da
internet e ainda, as tecnologias avançadas, que englobam a utilização de Energia Nuclear,
Nanotecnologia, Biotecnologia, etc. Atualmente, a alta tecnologia, ou seja, a tecnologia
mais avançada é conhecida como tecnologia de ponta.
Porque uma das coisas importantes que devemos esperar de nosso sistema
educativo é uma formação que não seja mais um enclausuramento
disciplinar e um adestramento no pensamento analítico, mas uma
capacitação do ser humano para a compreensão. Este fechamento em
categorias quase-estanques (estabelecidas há mais de século e meio)
impregna profundamente os organismos de pesquisa e o ensino superior,
condicionando e mediocrizando nossas mais brilhantes inteligências
(JAPIASSU, 2006, p. 38).
Então, com esse direcionamento, podemos notar que nos processos de formação
humana, é fundamental perceber que os caminhos se ramificam de acordo com as
intencionalidades incutidas a ela. Contudo, é fato que, no que diz respeito a construção do
conhecimento, este deve voltar-se para a prática emancipadora que pontencializa e
possibilita a transformação do ser em sua totalidade. Fazer parceria com a utilização da
tecnologia na educação e formação do ser humano é articular espaços e permissões de
373
apropriação do conhecimento assumidas em larga escala, localizar-se no mundo e
conquistar o mundo, dimensionando o saber e fazer, o contestar ou compartilhar, é
transmutar, idealizar, e enfim socializar esses saberes.
Já nos dizia Saviani (2003) que o ser humano trabalha para produzir sua existência.
Nesse contexto, o ser humano produz sua cultura que definirá efetivamente sua existência.
Então, pautar a apropriação dos processos tecnológicos na formação é também considerar a
necessidade nata de comunicação do ser humano com seu grupo social que é parte
fundamental do processo de evolução da humanidade. Inspirados nesse contexto, podemos
destacar nossa crença na educação, como espaço emancipador e de humanização, presentes
nos processos de formação humana, especialmente em conexão com as tecnologias
disponíveis e já inculturada na sociedade contemporânea.
Morin, ainda aponta o que ele mesmo denomina de “desafio da globalidade” (2001,
p. 14), das exigências que esse desafio tenciona do pensamento, quando acrescenta:
METODOLOGIA
A partir da crescente utilização das Novas tecnologias, e da relação desta com o
ambiente escolar, foram levantados vários questionamentos, que nos levavam aos aspectos
positivos e negativos relacionados à relação entre as Novas tecnologias e a educação. Assim,
fomos instigados a buscar embasamento teórico, nas variadas referências, a fim de
estabelecermos uma estrutura mais alicerçada do nosso trabalho. Visto que, existe um
crescimento muito rápido do uso desses recursos e partindo do principio de estarem estes
inseridos diretamente no contexto de vida ou seja no cotidiano de nossos alunos.
374
RESULTADOS
Ao estudar o tema tecnologia e educação, constatamos que este encontra-se cada
vez mais enraizado no cotidiano do ser humano. Prova disso é quando buscamos estudos
dobre a evolução humana e da necessidade de se comunicar. Não aceitá-lo, significa
distanciar-se da realidade atual, é quase cortar a relação de comunicação com o mundo.
Ficou claro também, que a disseminação do acesso, bem como, a sedução pelo uso desses
recursos, tem ido de encontro com a sociedade em tempo recorde. Porém, nem sempre
encontramos escolas com projetos de incentivo a utilização das mesmas, estando por vezes
atreladas a metodologias tradicionais. Muitos professores ainda possuem uma certa
restrição quanto ao uso das tecnologias, por vários motivos distintos. Porém discorremos
que, o ambiente escolar deve estar preparado e utilizar das novas tecnologias, já que as
mesmas encontram-se inseridas no cotidiano dos alunos. Neste contexto, concluímos com a
reflexão de que os avanços tecnológicos auxiliam o fazer humano em uma realidade que não
se podem criar fugas, mas, sim tomar como parte integrante e parceira da educação, com
uma postura crítica, estratégica e ativa na sociedade. Assim, destacamos o papel social de
intervenção, nos vários setores que permeia e suas variadas linhas de atuação, não
perdendo o foco e direção.
CONCLUSÃO
Concluímos que as Tecnologias estão cada vez mais inseridas e modificando
significativamente diversos setores da sociedade como a cultura, a economia e a educação.
Constituir uma parceria entre Tecnologia e educação é afirmar uma soma de possibilidades e
dimensões para atuação, espaços que oportunizam a geração, a gestão, a transferência,
produção e a busca de saberes, mediando informações que desencadeiam ações efetivas na
formação humana. Findamos, reconhecendo e afirmando o potencial da escola como
mediadora de apropriação de conhecimentos e saberes ligados a tecnologia na formação do
ser humano, integrando comunicação, leitura de mundo e aprendizagem.
REFERÊNCIAS
375
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei número 9394, 20 de
dezembro de 1996.
FALAVIGNA, Maurício Serrano. Inclusão Digital, vivências brasileiras. São Paulo: IPSO
Instituto de Projetos e Pesquisas Sociais e Tecnológicas, 2011. Disponível
em:<http://pt.scribd.com/doc/51924842/Mauricio-Falavigna-Inclusao
-Digital-Vivencias-Brasileiras-Web-Version>.Acesso em: 15 out. 2014
JAPIASSU, Hilton. O sonho transdisciplinar e as razões da Filosofia. Rio de Janeiro: Imago,
2006.
KAUARK, Fabiana; MANHÃES, Fernanda castro; SOUZA, Carlos Henrique Medeiros de.
Metodologia da Pesquisa- um guia prático. Itabuna: Via Litterarum, 2010.
MORIN, Edgar. O método V: a humanidade da humanidade. Porto Alegre: Sulina, 2002.
__________, A religação dos saberes: o desafio do Século XXI . Trad. Flávia Nascimento.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
RAMOS, Sergio. Tecnologias da Informação e Comunicação- conceitos básicos. 2008.
SAVIANI, D. O choque teórico da politecnia. In: Trabalho, Educação e Saúde, v. 01, nº 01.
Rio de Janeiro: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, 2003.
376
A EXPANSÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NA MODALIDADE À DISTÂNCIA NO BRASIL, NOS 13
PRIMEIROS ANOS DO SÉCULO XXI, COMO CONSEQUENCIA DA EXPANSÃO DAS TIC´S
RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo principal mostrar que, nestes primeiros
anos do século XXI ocorreu uma grande expansão da Educação Superior Brasileira na
modalidade à distância, tanto na iniciativa privada quanto no setor público. O documento
principal que será analisado neste trabalho será o último censo do INEP/MEC divulgado em
2013 no que tange à evolução do número de matrículas, num comparativo entre as
modalidades: presencial e a distância. Partimos em 2001 de 5.359 matrículas no EaD, no
setor público, correspondendo a 0,2% do total de matrículas nos dois setores (o setor
privado não tinha aluno matriculado), para 1.113.850 alunos, sendo 16,3% de matrículas no
ensino superior em 2012. Dois aspectos serão levados em consideração para esta análise: 1.
Os avanços das NTIC´s possibilitando a melhoria das ferramentas utilizadas para a
transmissão, acesso e na inserção de dados para as aulas; 2. Facilidade no acesso dos alunos
como parte do processo de democratização (sociabilização) da Educação Superior no Brasil,
tanto daqueles que apesar de estarem próximos dos grandes centros, onde o acesso às
instituições de Ensino Superior é mais facilitado, porém apresentam dificuldades nos
quesitos tempo ou disponibilidade de certos horários, como daqueles que desejam cursar
um curso superior, porém sem a disponibilidade da modalidade presencial em seu domicilio
ou região, tendo como única possibilidade o ensino superior na modalidade EaD.
Palavras-chave: Ensino à Distância. Expansão do Ensino Superior à Distância. Novas
Tecnologias da Informação e Comunicação.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente trabalho tem como objetivo principal demonstrar, que a grande evolução
do número de alunos matriculados na modalidade de ensino à distância (no senso do INEP
2012 tinha mais de um milhão de alunos) tem como causa a evolução das tecnologias de
informação e comunicação.
Para tanto, será feita uma revisão na literatura abordando a evolução das TIC´s. Os
objetivos deste trabalho será o de demonstrar que o ensino à distância ocorre aqui no Brasil
desde 1904, sendo executado por diversos veículos de comunicação, como correio, rádio e
televisão ministrando cursos mais voltados para as áreas técnicas, porém somente a partir
377
da evolução das tecnologias da informação e comunicação, utilizando a internet como meio
de ligação entre professor e aluno, é que houve a possibilidade de realização de cursos
superiores de graduação e graduação tecnológica. Em apenas 12 anos de implantação
desses cursos superiores à distância, chegamos em 2012 a um número de matriculados
superando a casa de um milhão e cem mil de alunos. Números esses totalmente
dependentes da evolução das tecnologias da informação e comunicação.
378
Por volta do início do século XVII, surgiu o jornal, mídia impressa, que passou a
democratizar as informações até então restritas a uma privilegiada minoria. Era crescente o
interesse de popularizar a comunicação escrita, democratizando-a. Com sua periodicidade,
atualizações de notícias e conteúdo político e econômico, fizeram que o jornal atingisse
grandes proporções na sociedade (Souza, 2003).
Esse meio de comunicação nunca deixou de veicular entre os consumidores de
informação. De acordo com Neves (2007), o forte crescimento populacional tanto na Europa
como na América do Norte, demandava grande ansiedade por informações para operar em
ambientes de intenso período de inovação, como foi o século XIX, período da primeira e
segunda revolução industrial. Exatamente nesse período que surgiram os jornais diários, a
primeira grande mídia que atingia a massa. Os especialistas datam de 1860 a 1911 como a
era de ouro dos jornais. Pode-se comparar que os jornais cresceram como crescem, em
nossos dias, o mercado de computadores e o acesso à internet.
379
maior facilidade no deslocamento das pessoas, isto é o que se chama de mobilidade real,
mudando para sempre a economia, a sociedade e a política. Nas palavras de Drucker, (2002,
p. 18) “Em cinco anos o mundo ocidental viu-se mergulhado na maior onde de prosperidade
da história – a onda das ferrovias”.
Neves, (2007) também corrobora com essa ideia onde chama a atenção onde o
objetivo primeiro das ferrovias era para o transporte de pessoas e não de carga, sendo este
utilizado inicialmente nos Estados Unidos cerca de 30 anos depois. Ainda segundo Drucker,
(2002), no Japão até os dias atuais, não se tem infraestrutura para transporte de
mercadorias, mas quase que exclusivamente o transporte de pessoas é o que prevalece. A
distância de 15 km foi percorrida, pela primeira vez, pela locomotiva nº 1 da Stockton &
Darlington Railway, que passou a realizar várias viagens no mesmo dia entre Stockton-on-
Tees e Darlington, na Inglaterra, com duração por volta de 65 minutos, atingindo a
velocidade de 39 km/h, com 450 passageiros.
A importância desta criação tecnológica e sua influência na sociedade da época, está
nas palavras de Drucker (2002) apud Fernand Braudel “...em sua última obra, Identidade da
França (1986), foi a ferrovia que tornou a França uma nação e uma cultura. Até então, ela
era um grande agregado de regiões autônomas, unidas apenas politicamente”.
Em 1839 era inaugurado o telégrafo na cidade de Londres, lingando as cidades de
Paddington e West Drayton. Aperfeiçoado fora por Samuel Morse, criando um código que
tornara a linguagem facilitada para a transmissão elétrica. Neves (2007) menciona que a
primeira transmissão feita por Morse foi em 1844, de Washington a Baltimore. Vinte e dois
anos após, em 1866 aconteceu à primeira transmissão transcontinental, ligando as Américas
e a Europa. Mais uma vez as distâncias foram vencidas, pois a informação se tornara mais
rápida, “diminuindo” as longas distâncias entre um ponto e outro tornando a comunicação
interativa e em tempo real, pois era bidirecional. Hillis (2004) aponta que a partir dai deu-se
início à separação entre transporte e comunicações, pois a tecnologia agora permitia mover-
se de um lugar para o outro não apenas com intervenção humana mínima, mas também
com maior velocidade que os objetos físicos. Nem homens, nem quaisquer tipos veículos
tinham tal velocidade na transmissão de mensagens, suplantada pelo uso do telégrafo.
380
A invenção do selo postal, criado na Inglaterra no século XIX também ajudou a realização do
processo de comunicação à longa distância. Também no mesmo século Alexander Graham
Bell em 1870 patenteou o telefone, instrumento que colocava em tempo real pessoas
separadas pela distância para se comunicarem entre si. Em 1880 cerca de 47.900 aparelhos
funcionavam nos Estados Unidos, apesar dos críticos acharem uma utopia colocar em cada
lar americano um aparelho telefônico como queria Graham Bell em 1870. Foram
transcorridos mais de 100 anos para que uma nova tecnologia de telefonia chegasse ao
mercado: a telefonia celular.
A União Internacional de Telecomunicações divulgou um retrato do setor de TICs no
planeta, calculando que há mais de 100 países com penetração da telefonia móvel superior a
100% – e em sete a densidade já ultrapassa os 200%. Nas contas da UIT, as receitas desse
setor superam US$ 1,5 trilhão por ano, ou 2,4% do PIB mundial. Há mais de 6 bilhões de
assinaturas de celular no mundo, mais da metade deles na região Ásia-Pacífico. A China é o
primeiro país a somar mais de 1 bilhão de clientes da telefonia. A Índia deve chegar lá em
breve. Das 6 bilhões de assinaturas móveis, 70% são pré-pagas, percentual que chega, em
média, a 87% em países em desenvolvimento. No ritmo atual, haverá mais celulares do que
pessoas no planeta no final de 2014. Segundo a UIT, 2,3 bilhões de pessoas estão online –
sendo registrado um crescimento de 100% em cinco anos. Mas dois terços da população
mundial, ou três quartos nos países em desenvolvimento, não usam a Internet. Há 1,1 bilhão
de conexões móveis – o dobro das conexões fixas. A banda larga mantém, há quatro anos,
um crescimento anual de 41%. Conexões fixas existem em cerca de 2/3 das residências no
mundo – ou cerca de 600 milhões.
Outro grande avanço experimentado ainda no século XIX e que mudou o mundo foi a
invenção por Hertz, cientista alemão, do rádio, permitindo a transmissão de sinais à
distância sem suporte de cabos e fios (Souza 2003). Com isto estava quebrada a hegemonia
que a imprensa escrita (jornal) tinha de transmitir informações, como veículo de massa
(Neves 2007). Já no século XX, no ano de 1926 deu-se a invenção da televisão, outro veículo
de transmissão para as massas. A primeira transmissão ocorreu na Inglaterra, na cidade de
Londres em 1936. Após a 2ª Guerra Mundial ocorreu um grande crescimento da produção
de aparelhos de televisão dos Estados Unidos para o mundo. A televisão tornou-se,
381
definitivamente, o grande veículo de comunicação em massa e grande fornecedor de
informações, mudando a cultura e a vida das pessoas no mundo inteir
O ADVENTO DA INTERNET
Segundo Castells (2000) a origem da internet ocorreu na década de 60, pelo
Departamento de defesa dos Estados Unidos, visando à proteção contra os soviéticos, do
seu sistema de comunicação, se ocorresse uma possível guerra nuclear.
A origem dos computadores está associada diretamente à indagação “as máquinas
podem pensar?” Talvez tenha sido o que gerou a motivação para a criação do primeiro
protótipo de computador nos anos de 1830 quando o inglês Charles Babbage criou a
Máquina Analítica de Matemática, cuja intenção era construir um aparelho inteligente,
capaz de simular o raciocínio humano. Cem anos após, surgiram os avanços tecnológicos
necessários para a criação do ECIAC, o primeiro computador a realizar múltiplas funções
buscando ser a resposta do inglês Alan Turing, que por toda a vida se debateu com a questão
sobre se a mente humana seria diferente de uma máquina determinística, formulando o
conceito de um aparelho capaz de “computar qualquer sequencia computável”. Muitos
outros contribuíram para a criação e o desenvolvimento dos computadores, como o alemãos
Konrad Zuse e o americano John Atanasoff, que criaram os primeiros computadores digitais.
A criação do ENIAC, pelo físico americano John Mauchly e sua equipe na década de 40,
financiado pelo governo americano com objetivos militares. Em 1968, Douglas Engelbart
compilou tudo o que sabia, adicionou o mouse e o teclado e exibiu o que seria o PC do
futuro. A microinformática surge na década de 70, com o estabelecimento do Personal
Computer – PC – e a convergência tecnológica. Nas décadas de 80 e 90, houve a
popularização da internet e a transformação do PC em um computador coletivo – CC. Nesse
período, a rede é o computador e o computador é uma máquina de conexão (LEMOS, 2004).
Cada dia novas tecnologias, denominadas nômades, que são representados pelos
smartphones, notebooks, laptops, palmtops, cuja ênfase é a mobilidade tecnológica. Neste
século, contamos com computadores coletivos móveis – CCM -, o que agiliza o acesso às
informações (LEMOS, 2004).
382
As Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), tem trazido grandes
transformações neste presente século. Para Drucker (2000) as primeiras Revoluções
Industriais, encurtaram as distâncias, exatamente pelo avanço nos meios de comunicações e
transportes. Com o advento da informática, principalmente pelo desenvolvimento da
INTERNET, as distancias já não existem, pois em qualquer parte do mundo podemos no
comunicar com que estiver ligado à Rede. Podemos realizar coisas que no passado eram
impossíveis como compras, conhecer pessoas de outros países, trocas de informações e
realizar cursos a distância, seja ele técnico, graduação, especialização e até mestrado.
383
Mas o EaD passou por profundas mudanças desde sua criação, sua aceitação era de
desconfiança, uma vez que as formas que eram desenvolvimento não tinham toda a
eficiência do modelo que temos atualmente pelo uso das TICs, que começaram a ser
utilizada a partir de 1990, com a popularização do computador pessoal e da modalidade da
Internet.
Segundo Braga Norte, o ensino a distância no Brasil surgiu em 1904 com cursos à
distância profissionalizantes que eram oferecidos por entidades privadas. Até o ano 2000 o
Instituto Universal Brasileiro e o Instituto Monitor foram responsáveis por mais de três
milhões de pessoas formadas. Os governos federal e os estaduais, na década de 60/70 no
intuito de minimizar o analfabetismo, e melhorar a qualificação dos professores, criou as
TV´s educativas. Iniciativas privadas como a da Fundação Roberto Marinho com aulas
teletransmitidas em determinados horários, ampliaram os cursos a distância, focando na
alfabetização de jovens e adultos, cursos profissionalizantes, cursos supletivos de primeiro e
segundo graus.
Questões como o tamanho continental do país, as distorções entre as regiões, com
uma concentração das Instituições de Ensino Superior em larga escala, predominantemente,
na região Sudeste, criava dificuldade para quem queria ter acesso ao ensino superior, pois os
altos custos de deslocamento, moradia e material de estudo, inviabilizavam o alcance de
muitos ao conhecimento superior. O EaD é muito mais democrático, pois além do custo em
si muito menor que o ensine tradicional presencial, tem um alcance gigantesco.
Outra facilidade que encontramos no EaD é que a questão da flexibilidade, pois o
aluno escolhe o dia, seu horário de estudo e o local, desde que tenha acesso à Internet. Essa
autonomia deve levar o aluno a uma maior responsabilidade pela sua própria formação.
Tudo isto corrobora com o que a UNESCO publicou aquilo que chamou dos quatro pilares
para a Educação do Século XXI, que são: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a
viver juntos e aprender a ser.
Cada vez mais exige-se que o aluno tenha uma participação ativa nesse processo e
não com um mero depósito de informações, as quais não lhe dá as mínimas condições de
aprendizado. Educação não é um monte de informações recebidas, mas um processo no
384
qual o sujeito ao receber essas informações, processa-as e converte-as em conhecimento,
que transforme sua maneira de pensar e de fazer.
De acordo com Clark e Maier (2007), os ambientes virtuais são elementos
importantes na tarefa do ensino pedagógico adequado em relação ao processo de
aprendizagem, pois o conteúdo e a interação entre alunos e professores são realizados
dentro desse ambiente, onde o Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA é um software
baseado na internet facilitando a Gestão dos Cursos Virtuais. Dois exemplos desse tipo de
software é o MOODLE, gratuito com código aberto e o BLACKBOARD, é pago por ter origem
privada.
385
de professores com professores, de alunos com alunos, de professores com alunos. (Moran
2009).
O aprofundamento de suas aulas, com acesso ao que de mais atual está
acontecendo, através de artigos e contato direito com seus autores, onde eles estiverem. A
ajuda de outros colegas, a obtenção de respostas às dúvidas, métodos, materiais, estratégias
de ensino-aprendizagem. A disponibilidade de programas, vídeos, e outros materiais,
podendo ainda copiar imagens, sons, etc. O trabalho do professor é, não só coletar
informações, mas trabalhá-la, de escolhê-la, confrontando visões, metodologias e
resultados.
Com os avanços da tecnologia, muitas dificuldades antes existentes, como a demora
numa pesquisa, tanto pelo professor como pelo aluno, está, hoje, a um clique de nossas
mãos, obtendo rapidez, confiabilidade e um número bastante significativo de informações.
Hoje é possível ao professor compartilhar sua aula com um colega de outro país, ao vivo e a
cores. Este é só o começo de muitas possibilidades que serão disponibilizadas
democraticamente a todos.
386
A EVOLUÇÃO DO ENSINO À DISTÂNCIA: CRESCIMENTO DO NÚMERO DE ALUNOS
MATRICULADOS EM COMPARAÇÃO À MODALIDADE PRESENCIAL, NOS PRIMEIROS 12
ANOS
O presente capítulo tem como objetivo principal mostrar que, nesta primeira década
do século XXI, ocorreu uma grande expansão da Educação Superior Brasileira na modalidade
à distância, tanto na iniciativa privada quanto no setor público. O documento principal que
será analisado neste trabalho será o último senso do INEP/MEC divulgado em 2012 no que
tange à evolução do número de matriculas, num comparativo entre às modalidades:
presencial e a distância. Partimos em 2001 com 5.359 matriculas no EaD, no setor público,
correspondendo a 0,2% do total de matrículas nos dois setores (o setor privado não tinha
aluno matriculado), para 1.113.850 alunos, sendo cerca de 16% de matrículas no setor
público e 84% no setor privado. Isto correspondendo a 16% das matrículas gerais no ensino
superior em 2012. Dois aspectos serão levados em consideração para esta análise: 1. Os
avanços das Tecnologias da Informação Comunicação possibilitando a melhoria das
ferramentas utilizadas para a transmissão, acesso e na inserção de dados para as aulas; 2.
Facilidade no acesso dos alunos como parte do processo de democratização (sociabilização)
da Educação Superior no Brasil, tanto daqueles que, apesar de estarem próximos dos
grandes centros, onde o acesso às Instituições de Ensino Superior é mais facilitado, porém
apresentam dificuldades nos quesitos tempo e ou horário, como daqueles que desejam se
inserir num curso superior, porém sem a disponibilidade da modalidade presencial em seu
domicílio ou região, tendo como única possibilidade o ensino superior na modalidade EaD –
Ensino à Distância.
387
Número de Matrículas em Cursos de Graduação por Organização Acadêmica e Modalidade de Ensino
Brasil 2001/2012
ANO CATEGORIA TOTAL MODALIDADE PARTICIPAÇÃO MODALIDADE PARTICIPAÇÃO
ADMINISTRATIVA PRESENCIAL POR SETOR A DISTÃNCIA POR SETOR
2001 TOTAL 3036113 3030754 100% 5359 100%
100% 99,8% 0,2%
PÚBLICA 944584 939225 31% 5359 100%
PRIVADA 2091529 2091529 69% 0 0%
2002 TOTAL 3520627 3479913 100% 40714 100%
100% 99% 1%
PÚBLICA 1085977 1051655 30% 34322 84%
PRIVADA 2434650 2428258 70% 6392 16%
2003 TOTAL 3936933 3887022 100% 49911 100%
100% 99% 1%
PÚBLICA 1176174 1136370 29% 39804 80%
PRIVADA 2760759 2750652 71% 10107 20%
2004 TOTAL 4223344 4163733 100% 59611 100%
100% 99% 1%
PÚBLICA 1214317 1178328 28% 35989 60%
PRIVADA 3009027 2985405 72% 23622 40%
2005 TOTAL 4567798 4453156 100% 114642 100%
100% 97% 3%
PÚBLICA 1246704 1192189 27% 54515 48%
PRIVADA 3321094 3260967 73% 60127 52%
2006 TOTAL 4883852 4676646 100% 207206 100%
100% 96% 4%
PÚBLICA 1251365 1209304 26% 42061 20%
PRIVADA 3632487 3467342 74% 165145 80%
2007 TOTAL 5250147 4880381 100% 369766 100%
100% 93% 7%
PÚBLICA 1335177 1240968 25% 94209 25%
PRIVADA 3914970 3639413 75% 275557 75%
2008 TOTAL 5808017 5080056 100% 727961 100%
100% 87% 13%
PÚBLICA 1552953 1273965 25% 278988 38%
PRIVADA 4255064 3806091 75% 448973 62%
2009 TOTAL 5954021 5115896 100% 838125 100%
100% 86% 14%
PÚBLICA 1523864 1351168 26% 172696 21%
PRIVADA 4430157 3764728 74% 665429 79%
2010 TOTAL 6379299 5449120 100% 930179 100%
100% 85% 15%
PÚBLICA 1643298 1461696 27% 181602 20%
PRIVADA 4736001 3987424 73% 748577 80%
2011 TOTAL 6739689 5746762 100% 992927 100%
100% 85% 15%
PÚBLICA 1773315 1595391 28% 177924 18%
PRIVADA 4966374 4151371 72% 815003 82%
2012 TOTAL 7037688 5923838 100% 1113850 100%
100% 84% 16%
PÚBLICA 1897376 1715752 29% 181624 16%
PRIVADA 5140312 4208086 71% 932226 84%
F o nt e : M e c / Ine p; T a be la e la bo ra da po r Ine p/ D e e d
388
Podemos perceber claramente, baseados nos dados acima que a expansão dessa
modalidade de ensino está focada nas instituições privadas, cujo investimento tem sido
muito grande nessa modalidade de ensino. Pelos números apresentados no senso de 2012,
vemos que existe um processo de massificação do ensino nessa modalidade, pelos seus
baixos custos, não de implantação, mas de expansão dos cursos. Nas palavras de Alonso
(2010), a autora diz que “A massificação implica estandardizar o ensino, excluindo
possibilidades de práticas pedagógicas alternativas que deem conta dos diferentes contextos
das IES”. Este comentário, temendo pela qualidade que possa ser impresso a todo esse
processo de expansão. É uma preocupação pertinente, uma vez que o EaD, da maneira como
vem se expandindo deverá ser monitorado mais de perto pelos órgãos responsáveis pela
qualidade da educação brasileira, que no caso, não é o foco principal deste trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ensino superior, somente na graduação e graduação tecnológica, na modalidade à
distância, é uma realidade na vida de mais de um milhão de alunos matriculados, em
instituições públicas e privadas, e uma possibilidade, cada vez mais viável, na vida de muitos
outros, seja pela por causa de impeditivos como indisponibilidade de cursar uma faculdade
em determinados horários por pessoas que trabalham viajando, por exemplo, seja por falta
de uma instituição de ensino superior em suas regiões, lugares nunca antes pensando pelas
instituições de ensino, por sua inviabilidade econômico-financeira, pela distância e por
serem pequenos municípios, em regiões sub-densenvolvidas, até mesmo por falta de
infraestrutura suficiente para receber uma instituição, seja ela pública ou privada, até por
conta da imensidão continental do território nacional, vê na modalidade EaD a possibilidade
de sociabilizar o ensino superior a “todos” os cidadãos. Essa expansão só está sendo capaz
por causa do grande desenvolvimento das tecnologias, principalmente a da Tecnologia da
Informação e Comunicação, que vem evoluindo num ritmo muito grande, facilitando cada
vez mais o processo de interação que necessita existir nesse processo de ensino-
aprendizagem entre professor/tutor/aluno.
389
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390
DIÁSPORA: A REDE SOCIAL DIGITAL LIVRE, ENCRIPTADA, FEDERADA, DESCENTRALIZADA,
DISTRIBUIDA, SEGURA E PRIVADA
RESUMO: Esse trabalho apresenta uma rede social digital com propostas direcionadas para o
interesse público no ciberespaço, onde os gigantes da computação como: Google, Facebook
e Twitter perdem seu status de provedor central de serviços. A rede social digital diáspora
surgiu de um simples questionamento feito pelos estudantes de ciência da computação
Daniel Grippi, Maxwell Salzberg, Raphael Sofae e Ilka Zhitomirskiy, no qual os conceitos de
privacidade e conectividade deveriam estar presentes nas definições de redes sociais
digitais. Em seguida iremos abordar a evolução tecnológica das redes sociais digitais, que
impulsionaram as mudanças no modo e na forma como os indivíduos tem se relacionado.
Foram apontados os conceitos de cibercultura e ciberespaço a luz de teóricos como Pierri
Lévy, Manuel Castells, bem como a manifestação e arquitetura do fenômeno das redes
sociais digitais, onde veremos também uma releitura da gênese dos conceitos que
sustentaram seu surgimento e expansão, apresentando reflexões importantes para um
entendimento mais holístico deste tema. Também foram revisitados os conceitos iniciais de
redes chegando às redes sociais digitais como uma nova forma de interação de socialização
da sociedade em rede. Por fim, coube considerar um olhar sobre a influência das novas
tecnologias na sociedade e tentar expor as vantagens e desvantagens conquistadas nesse
caminho percorrido pela humanidade até a atualidade e ajudar o leitor despertar sua
consciência à cerca dos conceitos discutidos a fim de contribuir em suas reflexões e
conclusões individuais.
Palavras-chave: Redes Sociais Digitais. Comunicação. Novas Tecnologias.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
As redes sociais digitais se mostram cada vez mais presentes como fenômeno de
convergências e concertação de pessoas pelos mais diversos e dispersos motivos. Essa
constatação já desperta o interesse por uma investigação científica.
O pesquisador que estabeleceu a primazia na concepção da expressão rede social foi
J. A. Barnes, em uma publicação em 1954. Esse autor se inspirou nas ideias de Radcliffe-
Brown (1940), que estudava sobre estrutura social como uma rede de relações. Segundo
Barnes (1972), a ideia de rede social se consolida na percepção dos membros da sociedade
ou parte dela como elementos imersos. Cada indivíduo é compreendido como uma
391
pluralidade de relações.
Alguns autores apontam que a noção de redes e redes sociais surge na antropologia,
onde o pesquisador Claude Lévi-Strauss, realizando análise etnográfica das estruturas
elementares de parentesco, em seu trabalho intitulado: As estruturas elementares de
parentesco40, marcou o primeiro estudo referente a redes sociais.
Para Souza e Cardoso (2011), existem muitas abordagens sobre redes, em diversas
áreas do conhecimento. Nesse trabalho todas as versões apresentadas visam contribuir para
um entendimento mais amplo desse conceito no aspecto de interesse dessa pesquisa.
Os gigantes da indústria da computação já oferecem inúmeras possibilidades de
adesão a uma rede social digital. Usando o descritor, “quantas redes sociais existem no
mundo?”, o mecanismo de busca do Google, em seu primeiro link de resposta, apresenta
uma lista de redes sociais que possuem verbete referenciado e de conhecimento público
reconhecido, totalizando 49 redes sociais com a relação de seu nome, descrição/foco,
contador de membros, registro e logotipo.
Esse estudo apresenta uma proposta já consolidada de rede social digital que se
diferencia das convencionais, chamada: Diaspora*. Com seus alicerces estabelecidos na
descentralização, liberdade e privacidade dos usuários, a documentação do projeto explica
esses conceitos aos interessados e despertam uma nova consciência entre os usuários de
redes sociais digitais.
A explanação dos conceitos que sustentam a Diaspora*, submetido às teorias dos
principais autores em redes sociais digitais, os estudos mais recentes e a vasta referência
bibliográfica desse assunto, revelou as peculiaridades e características específicas
encontradas nessa nova tecnologia que se estabeleceu pelo interesse coletivo e se mostra
em crescente expansão no ciberespaço.
Com isso, a contribuição dessa pesquisa atinge diretamente ao número cada vez
maior de usuários de redes sociais digitais, bem como oferece uma alternativa aos
indivíduos que buscam outros meios de interação e novas tecnologias para redes socais
digitais.
40
Texto original: Simone de Beauvoir. 1949. “Les Structures Élémentaires de la Parenté, par Claude Lévi-
Strauss”. Les Temps Modernes 7(49): 943-9 (October). Tradução: Marcos P. D. Lanna (UFSCar) e Aline Fonseca
Iubel (PPGAS/UFPR).
392
O texto que segue abaixo apresenta os fundamentos científicos e fatos históricos que
precisam ser observados antes de dissertar sobre o que vem a ser a Diaspora*.
41
CERN – Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire / Organização Europeia para Pesquisa Nuclear.
393
na tecnologia de hipertexto42, que atribuía uma ligação de diversos textos e arquivos a um
link, possibilitando seu acesso de qualquer computador conectado à Internet. Os
documentos então receberam um endereço, denominado Uniform Resource Locator ou URL,
que era constituído por um identificador de hipertextos, mais conhecido como Hypertext
Transfer Protocol(Protocolo de Transferência de Hipertexto) indicando sua disponibilidade
na Web (o conhecido www).
Posto isso, a segunda geração de serviços na internet, chamada de Web 2.0,
constata-se uma expansão nas formas de produção e compartilhamento da informação.
Lembrar as palavras de Tim O´Reilly que diz,
Sendo assim fica mais claro o entendimento as origens tecnológicas que sustentam
atualmente as redes sociais digitais.
42
Terno criado por Theodor H. Nelson que em suas palavras significa: “Por hipertexto pretendo significar
escrita não sequencial, um termo que se ramifica e permite escolhas ao seu leitor e que preferencialmente
deverá ser consultado num monitor interativo”.
394
seguinte conceito:
Para enriquecer a compreensão do que é cibercultura, Souza (2009) diz que esta é
formada pelo conjunto de costumes e conhecimentos agregado ao aparato tecnológico
implantado, contudo, são ainda referenciados em costumes e práticas tradicionais. Nesse
contexto a internet se apresenta como maior expoente da cibercultura.
395
Segundo Castells (1999), rede é a formação de elementos, mais conhecidos como
nós, interligados por arestas, que aplicados à sociedade da informação representam
estruturas capazes de expansão ilimitada.
Nos estudos das redes sociais por Recuero (2009), estas se formam quando um grupo
de indivíduos se liga entre si através de comunicação mediada por computador. Com a
disseminação das redes de computadores e móveis, mais pessoas se relacionam por meio da
Internet, então Primo (2007), nos ajuda a entender esse fenômeno que se estabelece por
meio de interações mútuas e reativas, que Recuero (2003) atribui ao sentimento de
pertencimento as inúmeras ligações entre os frequentadores das comunidades virtuais.
Segundo Mattos e Souza (2012) as características e interesses comuns desses
indivíduos evidenciam a sociabilidade e uma conexão de interesses como quesito de
formação da agregação social no meio digital.
Com os conceitos abordados até aqui, o entendimento da Diaspora* como uma rede
social digital construída pelos próprios usuários, mostra uma perspectiva diferencia para
esse tipo de ambiente, como pode ser visto no próximo tópico.
396
Figura 02: Fundadores da Diaspora*
Fonte: New York Times(2010)
Ainda no site oficial, que pode ser visto na Figura 03 abaixo, ao acessar a
documentação oficial do projeto, pode ser encontrado os pontos mais relevantes da
estrutura dessa rede social digital em tópicos como:
Desenvolvedores
Técnico
Comunidade
Recursos de Podmin
Guias e Políticas
Governança
Em cada tópico são discutidos conceitos e informações que ajudam na adoção de
mudanças e formação da massa crítica de usuários para uma rede social digital livre, onde o
usuário pode optar por salvar seus dados em seu próprio computador, bem como, eliminar
toda espécie de publicidade invasiva e ainda criar e definir suas ligações de interesse
pessoal. Ações e possibilidades que não agradam o modelo das redes sociais digitais como
Facebook e Google+.
397
Figura 03: Site Oficial da Diaspora*
Fonte: O próprio autor (2014)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
399
para um modelo descentralizado nos próximos anos”.
Outro ponto importante que a rede Diaspora* revela, foi que as pessoas se importam
com as questões de privacidade. Em pesquisa realizada em 2012 pela Associated Press, 37%
dos norte-americanos disseram que a maior ameaça à sua privacidade estava nas redes
sociais digitais como Facebook e Twitter. Menos da metada, 47%, achavam positiva à
proteção do direito à privacidade por parte do governo, e 40% afirmaram ser péssimo o
trabalho do governo em proteger esse direito. Por isso em projetos como Diaspora*, temos
uma grande adesão das pessoas, a medida, em que suas características vão sendo
descobertas.
Todo trabalho de revisão bibliográfica buscou os principais teóricos dentro das suas
áreas de pesquisa em redes sociais digitais, bem como pontuou suas contribuições para o
conhecimento científico. A complexidade das novas tecnologias da informação e
comunicação aliadas às necessidades primitivas dos indivíduos em se comunicar e transmitir
conhecimento encontra uma convergência entre velhas formas de fazer com um novo jeito
de realizar e viver, onde o surgimento, acompanhado da consolidação, de uma nova
proposta de rede social digital descentralizada, contribuiu para um momento de profunda
transformação da sociedade.
Na sociedade em rede e na era do conhecimento tudo está conectado e é muito
rápido, entretanto se faz necessário conduzir esse processo com organização e eficiência
para construção desse novo modelo de sociedade, bem como garantir princípios que são
importantes para os usuários.
Como desafio para estudos futuros fica a indicação em observar os constantes
movimentos técnico-sociais que norteiam os meandros das redes sociais digitais e a relação
da humanidade com essas tecnologias de informação e comunicação.
REFERÊNCIAS
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402
PROFESSORES ESTADUAIS E A UTILIZAÇÃO DAS TICs NO COTIDIANO ESCOLAR: DESAFIOS
DA CAPACITAÇÃO
INTRODUÇÃO
O trabalho apresenta o projeto de extensão da UENF: “Professores frente ao desafio:
O uso das Tecnologias de Comunicação e Informação em sala de aula” que se diferencia pelo
estímulo à capacitação tecnológica como meio de construção de conhecimento efetivo na
atividade de ensino com as novas tecnologias em sala de aula. Essa proposta tem por
objetivo trabalhar com os docentes da rede pública de ensino em Campos dos Goytacazes e
região através de atividades práticas realizadas no laboratório de informática do Instituto
Superior de Educação Professor Aldo Muylaert – ISEPAM, monitorados por tutores que
auxiliam no melhor desenvolvimento de suas práticas escolares.
403
Apesar da potência que a tecnologia atual apresenta com as diversas mídias, dentre
elas o computador, a internet, celulares, tablets, etc., ressalta-se que o termo tecnologia
envolve o conhecimento técnico e científico e sua aplicação para a criação e/ou
transformação no uso de ferramentas, processos, técnicas e materiais. Nessa perspectiva há
anos tem-se contato com várias “técnicas” de fazer algo (fogo, pinturas, rupestres, escrita,
parafuso, utilização do ferro, máquinas, etc.), havendo transformações que obrigam ao ser
humano uma adaptação/ atualização.
Tais mudanças permitem perceber um reordenamento de espaços, bem como
alterações nos modelos explicativos de mundo que atingem profundamente a consciência e
a ação do sujeito na tensão entre o individual e o comunitário, o global e o particular
(SOUZA, 2004). É neste cenário de rápidas transformações que se situa o pensamento
contemporâneo, possuidor de uma pluralidade de perfis e tendências que correspondem
aos tipos de racionalidade atualmente vigentes em nossa sociedade. Essa pluralidade de
perfis e tendências e o contexto sócio-econômico global redefinem a finalidade e a
relevância da escola, da educação.
405
transparece aos educandos que uma das bonitezas de nossa maneira de
estar no mundo e com o mundo, como seres históricos, é a capacidade de,
intervindo no mundo, conhecer o mundo. Mas, histórico como nós, o nosso
conhecimento do mundo tem historicidade. Ao ser produzido, o
conhecimento novo supera o outro que antes foi novo e se fez velho e se
“dispõe” a ser ultrapassado por outro amanhã. Daí que seja tão
fundamental conhecer o conhecimento existente quanto saber que
estamos abertos e aptos à produção do conhecimento ainda não existente.
Ensinar e aprender e pesquisar lidam com esses dois momentos do ciclo
gnosiológico: o em que se ensina e se aprende o conhecimento já existente
e o em que se trabalha a produção do conhecimento ainda não existente. A
“dodiscência” – docência-discência – e a pesquisa, indicotomizáveis, são
assim práticas requeridas por estes momentos do ciclo gnosiológico (Freire,
2010, p. 28).
406
técnicos priorizados. O conhecimento é construído também sobre experiências, discussões,
percepções, reflexões, sensibilidade, etc. É importante dar voz a todos para que haja
diálogo, troca. Uma vez que os alunos começam a ganhar espaço e se posicionar dentro
desse espaço, sentindo que desta atmosfera eles fazem parte, começa a haver um processo
de transferência recíproco. A aprendizagem não deve ser mecanizada, sem considerar as
características de cada sujeito, diante de um mundo heterogêneo, plural, em que
comportamentos e valores devem ser constantemente trocados. Quando o ensino é feito de
forma depositada, transferida, o aluno é tomado como um ser passivo, e não é desafiado de
forma a questionar e compreender a realidade em que ele se insere.
Desta forma, pensar o processo de ensino-aprendizagem como diálogo reforça a
ideia de indivíduos inacabados e passíveis de refletir criticamente o que for aprendido,
sendo capaz de dar continuidade ao processo que é infinito. Os sujeitos envolvidos,
professor e aluno, devem estar conscientes de que além do papel que cada qual assume
nesse processo pedagógico, no sentido sistemático, ambos são seres humanos que trazem
consigo fatores biológicos, afetivos, social, cultural, linguístico, entre outros, que os
compõem.
O processo de ensino-aprendizagem abrange um conteúdo que é ao mesmo tempo
produção e produto, visto pelo fato de que faz parte desse todo um conhecimento formal
(curricular) e outro latente, oculto que provém dos indivíduos. Nesse sentido, além da
necessidade dos indivíduos envolvidos serem conscientizados de seus papéis ativos, a escola
tem a função de mediar o conhecimento prévio dos alunos e o sistematizado, propiciando
formas de acesso ao conhecimento científico. Assim, os alunos são estimulados ao acesso do
conhecimento sistematizado, a busca e organização de informações, ao desenvolvimento do
seu pensamento, a formação de conceito/valores, etc.
O que permanece é a busca por métodos mais condizentes com a situação atual para
promover diálogos constantes entre o professor e aluno para o favorecimento de ambos. E a
infografia pode ser uma maneira de estimular o ensino-aprendizagem aproveitando os
diversos recursos tecnológicos potenciais (entende-se que esses recursos existem antes
mesmo do meio digital, só foram potencializados) para contribuir com o alcance dos
objetivos desse processo na concepção que reconhece o papel do educando.
407
O uso de infográfico ou qualquer outra TIC vai ao encontro do que Freire postula
quando diz que "Ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural" e que
"Ensinar exige apreensão da realidade", pois a tecnologia, como citado anteriormente no
trabalho, faz parte da vida e da identidade do aluno; e que se pretende um processo de
ensino-aprendizagem dialógico, que respeite o discente como indivíduo pensante e
autônomo, e a escola como instituição (que procura estar) conectada com a realidade não só
dos educandos, mas também do contexto no qual se insere.
METODOLOGIA
A primeira etapa do projeto envolveu uma avaliação dos módulos oferecidos no ano
anterior para um reordenamento, além de planejamento das atividades a serem exercidas
(elaboração de ofício, cartaz, lista de inscrição; criação de e-mail do projeto; reavaliação da
programação; lista de presença; declaração; comunicação interna para pedidos de materiais,
como bloco, caneta, pasta; etc.) para a execução do curso de capacitação. As escolas
ISEPAM, Colégio Estadual Dr. Sylvio Bastos Tavares e o CIEP Nilo Peçanha foram visitados
para reafirmar a importância do uso das novas tecnologias no processo de ensino
aprendizagem e o convite de participação no projeto.
A segunda etapa do projeto foi a realização das atividades práticas elaboradas na
forma de curso e oficinas para 15 docentes os docentes do ISEPAM e do C.E. Sylvio Bastos
Tavares (foram 30 inscritos, apenas 15 iniciaram o curso), abordando as práticas pedagógicas
e as tecnologias de informação e comunicação com vistas ao desenvolvimento das principais
habilidades.
Com base nas experiências do ano anterior de realização do projeto em que houve
dificuldades para o professor concluir o curso, as atividades práticas neste ano estão sendo
realizadas no laboratório de informática do Instituto Superior de Educação Professor Aldo
Muylaert – Isepam, monitorados por tutores que são graduandos, mestres, mestrandos e
doutorandos da UENF que auxiliam os professores para o melhor desenvolvimento de suas
práticas escolares. O uso das mídias na educação é uma fronteira que esses profissionais
precisam desbravar, uma vez que o computador e as mídias digitais são praticamente
universalmente utilizados pelos alunos.
408
Os professores que participam do curso são do Isepam e do Colégio Estadual Dr.
Sylvio Bastos Tavares. O curso é realizado em módulos como: “As habilidades do século XXI”;
“Aprendendo os fundamentos básicos sobre computadores e internet”; “Aprendendo sobre
redes sociais”; “O uso do blog como ferramenta pedagógica”; “Educação inclusiva e novas
tecnologias”; “Utilizando os recursos de multimídias”; “Apresentação dos trabalhos
realizados” que aconteceram em oito encontros de 2h30min. cada, perfazendo a carga
horária total de 40 horas (20 horas presenciais/20 horas à distância), sendo em terças-feiras
alternadas para não prejudicar as atividades dos professores, das 14h às 16h30min. O curso
iniciou em 26 de agosto de 2014 e finalizou no dia 18 de novembro de 2014.
Em uma terceira etapa do projeto, os professores deveriam elaborar atividades
pedagógicas utilizando as novas tecnologias para que possam ser aplicadas em suas aulas,
confirmando um efetivo aproveitamento dos recursos tecnológicos disponíveis nas escolas,
no entanto a participação não foi efetiva.
DISCUSSÃO E RESULTADOS
Apesar da potência que a tecnologia atual apresenta com as diversas mídias, dentre
elas computador, internet, celular, tablet, datashow etc., ressalta-se que o sintagma
tecnologia tem origem na junção dos termos tecno (do grego techné) que é saber fazer e
logia (do grego logus) que significa razão. Em suma, tecnologia é a razão do saber fazer
(RODRIGUES, 2001, apud VERASZTO, 2008), é o estudo da técnica, da atividade de modificar,
de transformar algo para atender uma necessidade do ser humano. Nessa perspectiva, há
anos tem-se contato com várias “técnicas” de fazer algo (fogo, pinturas rupestres, escrita,
parafuso, utilização do ferro, máquinas, etc.), havendo transformações que obrigam ao ser
humano uma adaptação/ atualização.
Vive-se um impacto com as Tecnologias de Informação e Comunicação - TICs definida
como um conjunto de recursos tecnológicos que proporcionam outro modo de se
comunicar. As TICs surgiram na metade da década de 1970 no contexto da Terceira
Revolução Industrial e Revolução Informacional em que houve as grandes transformações
para as indústrias com o desenvolvimento da robótica e outras tecnologias de ponta,
destinadas a auxiliar o processo de produção industrial. A partir da década de 1990 ocorreu
409
amplo avanço das “novas” TICs, com o objetivo de captar, transmitir e distribuir de forma
precisa e rápida as informações através da televisão, das telecomunicações e da internet
(PORTAL EDUCAÇÃO, 2014).
As mudanças propiciadas pelas TICs permitem perceber um reordenamento de
espaços, bem como alterações nos modelos explicativos de mundo que atingem
profundamente a consciência e a ação do sujeito na tensão entre o individual e o
comunitário, o global e o particular (SOUZA, 2003). É neste cenário de rápidas
transformações que se situa o pensamento contemporâneo, possuidor de uma pluralidade
de perfis e tendências que correspondem aos tipos de racionalidade atualmente vigentes em
nossa sociedade. Essa pluralidade de perfis e tendências e o contexto sócio-econômico
global redefinem a finalidade e a relevância da escola, da educação.
Para tanto, o papel das instituições de ensino é contribuir com a formação de
discentes voltados para o exercício da cidadania, ou seja, seres críticos da realidade em seu
“entorno”. De acordo com Perrenoud (2000) “[...] hoje não podemos mais trabalhar a leitura
e escrita do texto sem nos conscientizarmos das modificações que ocorrem nas práticas da
leitura e da escrita por conta da informática, ou seja, da linguagem digital”, bem como no
processo de ensino aprendizagem. Insiste-se em abordar a leitura como um meio libertador
que propicia aos alunos um caminho fortuito para a formação de cidadãos críticos.
É pertinente ressaltar, que esses novos alunos que estão adentrando a sala de aula,
por terem mais intimidade com os recursos audiovisuais, podem interessar-se pelo uso das
infografias no ambiente de aprendizagem, ampliando, assim, a sua capacidade de aprender
sobre diversos assuntos.
Alguns resultados alcançados foram melhoria no domínio do uso das novas
tecnologias, alternativas para a prática pedagógica instrumentalizada pelos recursos
tecnológicos e inclusão tecnológica dos docentes e alunos.
As professoras disseram que o curso foi importante para aprenderem ações até
“simples” que não dominavam, como baixar vídeo da internet. Uma professora relatou que
tal aprendizagem possibilitou que ela levasse um filme para os seus alunos. Como sugestão,
indicaram uma divulgação por um tempo maior e a informação no momento da divulgação
que o curso não é para iniciantes em informática. Um dos problemas na execução do curso
410
foi a evasão de professores, apesar da estratégia de realizar o curso em um local de maior
acesso (ISEPAM) se comparado à UENF por questões de transporte público. Questionadas
sobre a evasão, algumas informaram que muitas professoras desistiram do curso por não
saberem o básico de informática e ficarem com vergonha de demonstrar esse não
conhecimento.
CONCLUSÕES
Nos trilhos por onde se movimenta o desenvolvimento do trabalho, entrelaça-se a
ressignificação de valores, crenças e teorias, que vêm sendo vivenciados nas teias de
relações do ofício da “profissionalidade” docente frente ao uso dos recursos tecnológicos.
Com efeito, nesse percurso, podem ser fundadas outras condições que permitam a
participação ativa dos professores nos processos de definição de novos modos de ensino,
dando direções mais comprometidas com a qualidade da educação pública em Campos dos
Goytacazes, bem como, proposição de soluções específicas e alternativas de inserção das
novas tecnologias na sala de aula, modelos, programas e avaliações que deverão ser
planejadas.
Com a experiência de mais um ano de curso foi possível reavaliar as ações a serem
tomadas nos próximos, como divulgação por um mês, checar o nível de conhecimento sobre
informática no início do curso, contato próximo com os professores – utilizando mensagem
para celular, e-mail e grupo no Facebook, como foi feito nesse ano, dentre outras ações.
Ressalta-se a importância do curso como estímulo à participação ativa dos professores nos
processos de definição de novos modos de ensino, dando direções mais comprometidas com
a qualidade da educação pública em Campos dos Goytacazes, bem como, proposição de
soluções específicas e alternativas de inserção das novas tecnologias na sala de aula,
modelos, programas e avaliações que deverão ser planejadas.
REFERÊNCIAS
PERRENOUD, P. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed Editora,
2000.
411
PORTAL EDUCAÇÃO. Histórico: Tecnologias de Informação e Comunicação – TICS. Seção
Informática e tecnologia. 21 de janeiro de 2014. Disponível em
http://www.portaleducacao.com.br/educacao/artigos/53796/historico-tecnologias-de-
informacao-e-comunicacao-tics. Acesso em 13 dez. 2014.
POZO, J. I. O processamento de informação como programa de pesquisa. In: Teorias
cognitivas da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998, p. 37-58.
___________. Humana mente: El mundo, La conciencia y La carne. Madrid: Mor, ata,
2003.
SOUZA, Carlos Henrique Medeiros. Comunicação, Educação e Novas Tecnologias. Rio de
Janeiro. Ed. FAFIC, 2003.
__________. A Informática na Educação – Um caso de Emergência. Rio de Janeiro. Ed.
DAMADÁ, 1999.
__________. O computador como um recurso instrucional. Congresso Internacional -
Pedagogia 2001. CUBA, 2001.
__________, A mídia digital e processos educacionais. Congresso Internacional -
Pedagogia 2003. CUBA, 2003.
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http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/communication-and-information/access-to-
knowledge /ict-in-education/. Acesso em 15 dez. 2014.
VERASZTO, Estéfano Vizconde; et al. Tecnologia: Buscando uma definição para o
conceito. Revista Prisma.com. nº7, 2008. pp.60-85. Disponível em
http://revistas.ua.pt/index.php/prismacom/article/viewFile/681/pdf. Acesso em 13 dez.
2014.
412
413
A INFORMATIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:
A INCLUSÃO SOB O OLHAR DA TECNOLOGIA
INTRODUÇÃO
O século XXI encontra-se em pleno desenvolvimento tecnológico, graças às inúmeras
e sucessivas revoluções na área da tecnologia, onde o ser humano deve participar
ativamente nesse processo de construção de uma sociedade informatizada, que atenda da
melhor maneira possível todas as camadas sociais.
Esse estudo de cunho bibliográfico se justifica, pela importância da tecnologia,
principalmente o uso do computador na vida de todos os seres humanos que já trazem
consigo, desde o lar, o manuseio de objetos com componentes digitais que demandam
possuir certa habilidade para manuseá-los. Embasando assim, a construção de uma prática
414
educativa mais apta ao mundo globalizado em que a sociedade está inserida possibilitando a
inclusão dos alunos da Educação de Jovens e Adultos, EJA, a essa camada social estruturada
em tecnologias, onde até mesmo uma simples realização de um pagamento de uma conta,
requer entendimento a respeito dos computadores na hora da digitalização dos valores nos
caixas eletrônicos.
O objetivo geral desse trabalho foi demonstrar teoricamente como é viável trabalhar
na EJA com o computador, sendo este uma ferramenta de auxílio no processo de
aprendizagem, pois já se encontra inserido em sua realidade fora do contexto escolar e
torná-lo um suporte na educação vem a ser uma maneira de realizar uma atividade mais de
acordo com as vivências dos alunos e também de motivar sua permanência na sala de aula.
Contudo, a Educação de Jovens e Adultos, no cenário brasileiro, nasce da união e
compromisso estabelecido entre a alfabetização e a educação popular. Concebida como um
processo de extensão e profundidade, destinando-se a grandes contingentes populacionais,
ao mesmo tempo em que contribuí para que estas pessoas voltem a acreditar na
possibilidade de mudança e melhoria de suas vidas ao poderem ler o mundo e, ao lê-lo,
transformá-lo.
Considerando a importância e o significado que o acesso ao saber representa para a
população e, em especial, para a demanda de jovens e adultos, torna-se relevante, a sua
inclusão digital, pontuado no uso do computador no seu processo de aprendizagem para
edificar a sua permanência, motivação e interesse pelo estudo.
Nesse sentido, buscou-se no princípio descrever um breve relato teórico da EJA no
Brasil, o uso do computador no processo de aprendizagem, abordando também os jovens e
adultos, descrevendo um pouquinho de suas características e como eles se sentem em
relação a voltar a estudar.
Tem-se, ainda, a descrição do computador como ferramenta na educação, não
deixando de relatar o educador e o uso do computador na escola defendendo que o mesmo,
está presente na maioria dos lares e atividades cotidianas, como pagamentos de contas e
transações comerciais, atentando ao professor mediante a sua utilização na
contextualização da aprendizagem escolar.
415
Portanto, neste trabalho, observam-se os alunos da EJA e a inclusão dos mesmos na
sociedade, visando oferecer um norte para todos que se interessam no processo de ensino e
aprendizado dessa clientela.
416
No entanto, estabelecendo um paralelo entre as atuações do professor do ensino
normal, em relação ao alunado da EJA, pode-se afirmar, segundo Freire (1996), que a
disciplina em sala de aula está diretamente ligada ao estilo de prática docente, isto é, à
autoridade profissional, moral e técnica do professor.
Nesse sentido, por ser a EJA uma parte da educação que abarca indivíduos que
necessitam de um aprimoramento em seus conhecimentos, torna-se viável a edificação de
aulas que motivem a sua permanência na escola, evitando sua evasão. Sendo assim, para
tornar a inclusão desses alunos na sociedade há de se entender que a globalização e a
informatização dos meios sociais, econômicos e políticos estão em plena ascensão e não se
pode deixar de amparar essa clientela nesse aspecto, pois seria negligenciar o próprio
progresso do mundo.
Na Lei de Diretrizes e Base (LDB), Lei nº 9394/96, no que se refere à educação de
jovens e adultos, seu artigo 3º fica determina, dentre os princípios que servem de base ao
ensino, que:
418
mais propício para o progresso da humanidade e a sua ascensão pessoal, tornando o
conhecimento formal, como propulsor dessa mudança.
Nesse ponto, fica claro que as instituições escolares, enxergam apenas o aluno da EJA
em suas trajetórias escolares truncadas, de forma específica como evadidos, reprovados,
defasados, com problemas de frequência e aprendizagem. Cabendo a todos que participam
do processo de aprendizagem, desenvolverem consciência da importância de alfabetizar
esse público da EJA e lhes dá uma nova oportunidade de crescimento pessoal.
Segundo Gadotti:
A educação de adultos visa a atuar sobre as massas para que estas, pela
elevação de seu padrão de cultura, produzam representantes mais
capacitados para fluir socialmente recebendo a inclusão que realmente
419
merecem e sendo participativos e até mesmo competitivos no mercado de
trabalho (GADOTTI, 2005, p.67).
O desafio da educação de adultos, concebida também como educação popular, é o
pensar globalmente e atuar localmente, junto às dificuldades estruturais, financeiras e as
exigências do mercado de trabalho. O analfabetismo formal aliou-se ao digital, que também
provoca exclusão, pobreza e injustiça social.
Por conseguinte, o computador está presente na maioria das casas e atualmente é
encontrado em todas as atividades de uma pessoa, seja no lazer, como os jogos
informatizados, nos bancos, saques em dinheiro nos caixas eletrônicos e depósitos, como
também nas compras diárias, supermercados, lojas e postos de gasolinas. Sendo assim, a
escola como uma entidade de formação intelectual e social dos indivíduos, não pode deixar
de complementar sua educação com essa tecnologia.
Para Castells (2000), a sociedade do conhecimento, que advém das informações
adquiridas através da ciência, é muito exigente, ao passo que, se as pessoas não estiverem
preparadas ficarão excluídas. Diante dessa constatação, percebe-se a necessidade da escola
mudar e evoluir, trazer para seu cerne ferramentas pedagógicas que valorizam a formação
integral do aluno, para indicar respostas, sanando as dúvidas, cada vez mais frequente, dos
indivíduos presentes na comunidade atualmente, que querem poder participar do
desenvolvimento político e econômico do país. Sendo assim:
420
tipo de tecnologia, o educador deve fazer um planejamento do conteúdo de forma que se
estabeleçam todos os objetivos que ele quer alcançar perante seus estudantes.
O computador possui uma mágica que desperta em seus usuários a vontade de
dominá-lo e reproduzir desejos de manuseio nos mesmos. Desta forma, para Alencar (2001),
esta motivação em mexer e explorar um computador se projeta pelo fato, dessa máquina se
posicionar como uma ferramenta na sociedade para o uso cotidiano, pois suas informações
são atrativas, como sons, imagens e textos, executando ainda, operações rápidas, tornando
a aprendizagem dinâmica e eficaz. Ao passo que, possibilitem aos usuários a manipulação do
material produzido com facilidade, como correções, alterações e inserções.
Sendo assim, o computador é uma fenomenal ferramenta educacional, pois através
das suas opções de multimídias, internet, produção textual, desenhos e planilhas,
possibilitam ao aprendiz, desenvolver uma aprendizagem que parta dele mesmo, ou seja,
autodidata.
Segundo Ianni (2002) deve-se reconhecer que as tecnologias são necessárias na vida
do ser humano. Cabendo ao professor, entender a dimensão do uso do computador como
instrumento auxiliar no processo de ensino aprendizagem e não, como um fim em si mesmo,
que apenas é mais um componente para apresentar o conteúdo na sala de aula.
Esse mesmo autor acrescenta que é necessário entender o computador em toda a
sua extensão, para não correr o risco de verificar as mudanças e as inovações tecnológicas
distante da realidade da educação, pois por ser, o ensino nas escolas, um processo de
desenvolvimento do ser humano de forma integral, cabe não deixar de associar aos
conteúdos, o uso da informática e a apresentação dos diferentes tipos de tecnologias.
Adaptando o conhecimento formal com a realidade que se encontra a sociedade atual.
Dessa forma, Ianni, apresenta a seguinte reflexão:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação na EJA somente é possível através do olhar do professor, pois este
quando preocupado e ativo nessa modalidade de ensino, propõe um despertar para o aluno
que se vê inserido no mundo, com toda a sua potencialidade e dinamismo.
O uso do computador na EJA vem de encontro com as propostas de um ensino que
qualifique e motive os alunos na aprendizagem formal, pois através da dinâmica do seu uso
em sala de aula, os educandos são envolvidos por uma ferramenta que o desafia e o insere
em um mundo mais compatível com sua realidade cotidiana, fora do espaço escolar e
culmina por ampará-lo na sua inclusão social.
Contudo, diante das leituras dos autores pesquisados, verificou-se que o
conhecimento viabiliza o processo de ascensão do ser humano e que é através dele, que se
promove a edificação de uma sociedade. Sendo assim, favorecer uma cultura informatizada
no âmbito educativo é uma das maneiras que o educador da EJA encontra para explorar da
melhor maneira possível, alternativas motivacionais nessa área.
Dessa maneira, entendeu-se que a educação da EJA na atualidade enfrenta um novo
desafio educativo, que vem a ser o uso das tecnologias na sala de aula. Desse modo, ficou
claro que quando se insere o computador como ferramenta no processo de ensino
aprendizagem está se buscando trazer para o cotidiano escolar as vivências dos educandos
na sociedade que ele está inserido, pois eles já possuem um conhecimento do uso da
tecnologia em seu lar, como celular e internet.
Logo, a utilização das tecnologias se torna cada vez mais cotidiana na vida dos
educandos. Sendo assim, uma escola preocupada com os objetivos educacionais de seus
alunos deve proporcionar aos mesmos, acesso às mídias que possibilitem o seu
desenvolvimento integral. Fazendo com que o seu caminhar nos conteúdos escolares sejam
também, motivados por tecnologias, como o computador.
422
Vale ressaltar ainda, que a educação é um processo que se estende por toda vida. E o
ser humano deve se capacitar cada vez mais, para se viver nesse mundo informatizado que
se está construindo. Sendo assim, por ser a escola o veículo condutor da educação, compete
a ela não ficar de fora desse desenvolvimento tecnológico e adquirir normas e meios para
proporcionar ao seu corpo docente a sua formação na área da informática. Promovendo
assim, uma educação mais próxima da realidade social dos alunos.
Entretanto, por se reconhecer que as tecnologias estão instaladas em diversificados
setores da sociedade, cabe à educação, aliá-la ao seu cotidiano para se desenvolver a
aprendizagem e promover indivíduos capacitados para viver em um mundo, onde o
computador faz parte ativamente da maioria dos cotidianos das pessoas.
O progresso e o desenvolvimento tecnológico é algo atual e real. Tem-se que aceitá-
lo e aprender a utilizá-lo de forma correta e ética, para o bem comum, para a transformação
da sociedade e principalmente para diminuir as diferenças educacionais e sócias dos
indivíduos. Sendo preciso, fazer uma reflexão crítica a respeito do uso da informática na
educação, pois ela sozinha não resolverá os problemas que enfrentam a aprendizagem atual,
como a falta de interesse dos alunos na sala de aula, mas certamente contribuirá para
motivar a sua participação nas aulas.
Por conseguinte, tem-se através da tecnologia um meio eficaz e atraente no processo
de ensino-aprendizagem na EJA como ferramenta que fornece suporte na prática dos
educadores. Não se esquecendo, que o mundo e a tecnologia atualizam-se constantemente
e os professores precisam acompanhar essa evolução, para poderem estar de acordo com as
vivências de seus alunos.
Para Bakhtin (1981, p. 33), “se eu mesmo sou um ser acabado e se o conhecimento é
algo acabado , não posso viver nem agir: pra viver devo estar inacabado, aberto para mim
mesmo – pelo menos no que constitui o essencial em minha vida ; devo ser para mim
mesmo um valor por vir , devo não coincidir com a minha própria atualidade”.
Portanto, por se acreditar que o conhecimento eleva o ser humano e o torna senhor
de seu próprio destino, ou seja, um sujeito autônomo, cabe aos professores direcionarem o
processo de ensino-aprendizagem na EJA, contribuindo para a formação acadêmica de seus
educandos e promovendo sua inclusão em face às tecnologias.
423
REFERÊNCIAS
ALENCAR, Eunice Soriano de. Como desenvolver o potencial criador: um guia para a
libertação da criatividade em sala de aula. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
BAKHTIN, Mikhail (VOLOCHINOV). Marxismo e filosofia da linguagem: Problemas
fundamentais do Método Sociológico na Ciência da Linguagem. 8. ed. São Paulo: Hucitec,
1997.
BRANDÃO, E.J.R. Informática e educação: uma difícil aliança. São Paulo: Cortez, 1995.
BRASIL. Lei Federal nº 9.394/96. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília:
MEC/SEF, 1996.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
IANNI, Octávio. A sociedade global. 10. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
FONSECA, Silva Guimarães. Caminhos da História Ensinada. São Paulo: Papirus, 2005.
424
A PRESSA É INIMIGA... DO JORNALISTA: COMO A ACELERAÇÃO DOS PROCESSOS INTERFERE
NA QUALIDADE DO DISCURSO JORNALÍSTICO
RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo discorrer sobre a aceleração dos
processos de produção e veiculação jornalísticas provocada pela internet e analisar o efeito
dessas mudanças no discurso jornalístico de veículos on-line, tomando-se como exemplo a
cobertura feita pelo portal de notícias G1 sobre o incêndio na boate Kiss (ocorrido em Santa
Maria – RS, em 27 de janeiro de 2013). Com base em autores como Felipe Pena, Pollyana
Ferrari, Pierre Lévy, Patrick Charaudeau, entre outros, fez-se um breve arcabouço teórico
acerca das peculiaridades do jornalismo on-line e analisou-se o discurso jornalístico,
sobretudo em relação à precisão das notícias. Ao final, verificou-se que as condições de
produção do discurso jornalístico no ciberespaço colaboram para que as notícias sejam
geradas rapidamente, de forma prematura, sem a devida apuração, prejudicando, assim a
qualidade e, consequentemente, a credibilidade do que é veiculado.
Palavras-chave: Discurso jornalístico. Jornalismo on-line. Análise do Discurso.
INTRODUÇÃO
O rápido avanço das tecnologias tem provocado mudanças bruscas no setor das
comunicações. Esse cenário dominado pela internet, com inúmeros recursos tecnológicos e
redes sociais, alterou, de forma significativa, as rotinas de produção e veiculação
jornalísticas. Os processos passaram a ser mais flexíveis, rápidos e dinâmicos, o que resultou
em maiores possibilidades de apuração, processamento e publicação em um período de
tempo bem menor.
E assim como facilitou a veiculação, facilitou o consumo, motivado pelo crescente
número de pessoas com acesso à internet no Brasil. Pesquisas recentes sobre hábitos de
consumo de mídias da população brasileira mostram que a internet ficou em terceiro lugar
como mídia mais acessada, atrás da TV e do rádio. Porém, quanto ao meio de comunicação
preferido, a internet sobe para segundo lugar, com perspectiva de crescimento para os
425
próximos anos. Esses dados confirmam a necessidade de reflexão sobre a qualidade do
discurso jornalístico no meio on-line, em relação ao impresso, uma vez que as notícias têm
sido consumidas por cada vez mais pessoas na internet. E que notícia é essa?
No jornalismo on-line, as formas de apuração e verificação de informações passam
pela própria internet, o que possibilita um jornalismo muito mais ágil, porém, de certa
forma, arriscado, porque pode se transformar em superficial, impreciso, sem qualidade e,
consequentemente, sem credibilidade. É importante avaliar até que ponto o ciberespaço e
as suas características intrínsecas, principalmente a questão da atualidade, colaboram com o
exercício do jornalismo, sem atrapalhar o resultado de um trabalho bem elaborado e
criterioso, com a verdadeira apuração dos fatos, evitando, assim, que sejam geradas notícias
“prematuras” nos veículos on-line, decorrentes da pressa própria do meio e da disputa
acirrada pelos internautas, o que requer atualizações rápidas e constantes.
426
Esse “empacotamento”, de fato, ocorre e é perceptível. As matérias selecionadas do
G1 – objetos de análise deste artigo – servem como exemplo. O que explica essa prática é,
certamente, a necessidade de atualização constante imposta pelo meio. “Na internet, o
‘tornar consumível’ ou a ‘disponibilização’ rivaliza com o próprio impacto do que é
divulgado” (HERNANDES, 2012, p. 255), para dar a sensação de máxima atualidade, o que
acaba resultando em imprecisões e erros.
Por trazer mudanças profundas,
[...] não podemos encará-la [a internet] apenas como uma mídia que surgiu
para viabilizar a convergência entre rádio, jornal e televisão. A internet é
outra coisa, uma outra verdade e consequentemente uma outra mídia,
muito ligada à tecnologia e com particularidades únicas (FERRARI, 2008, p.
45).
427
Deve-se levar em consideração, porém, que, se uma notícia é passível de
desconfiança, independe o formato em que está – texto, vídeo, áudio, foto –, porque todos
estão sujeitos à edição e, portanto, ao recorte do que interessa para o veículo jornalístico ser
mostrado, corroborando a teoria do jornalismo como construção da realidade. Ou seja, tem-
se a concepção de que o recurso multimídia é mais atrativo do que legitimador de discurso
em um veículo, por também ser passível de edição.
O aspecto multimídia do jornalismo on-line afetou também os profissionais, suas
funções e hábitos nas redações. Sem dúvida, a convergência dos meios de comunicação
provocou uma reforma radical nas redações, com o surgimento de funções novas,
inexistentes em todos os meios impressos e audiovisuais surgidos no século XX (CASTILHO,
2005). Porém, houve também redução de pessoal, pela obrigatoriedade de os jornalistas
serem multifuncionais, por causa do meio on-line ser multimídia e também exigir produção e
veiculação da notícia em um curto espaço de tempo.
Por ter que exercer diversas funções, como as de apurador, pauteiro e editor da
própria matéria, além de repórter, em um curto espaço de tempo, o jornalista não consegue
manter a qualidade do trabalho, como aponta Kischinhevsky (2009): “[...] muitas vezes,
embora resista a admitir abertamente, o jornalista acaba deixando em segundo plano a
profundidade na apuração, abrindo mão de novas entrevistas que poderiam garantir maior
qualidade na informação” (KISCHINHEVSKY, 2009, p. 69).
Outra grande mudança ocorreu no processo de apuração, que passou a ser feito
majoritariamente pela internet. “O fazer jornalístico está mudando, [...] raramente o
repórter web sai à rua em busca de um fato. O fato vem até ele pela própria net” (FERRARI,
2008, p. 54), seja pela abrangência do meio, seja pela falta de tempo para uma apuração
mais criteriosa em outras fontes. Por causa da apuração precária, “[...] mais do que uma
descrição única e extensa de um dado evento, o on-line promove um mosaico informativo
de pequenas notícias sobre o tema” (FIDALGO, 2003, p. 60).
Os veículos impressos também utilizam a internet para recolher informação
atualmente. O problema do on-line é que, como o tempo de apuração, produção da notícia
e veiculação é curto – diferentemente do impresso, que tem até 24 horas – muitas vezes a
428
informação não é confirmada. E então são geradas imprecisões, que prejudicam a qualidade
e a credibilidade do que é noticiado.
b) Hipertextualidade
Possibilita a interconexão de diferentes blocos informativos – textos, vídeos, áudio,
fotos – através de links (AGUIAR, 2009). Ao utilizar links, um jornal on-line permite que o
leitor decida e avance sua leitura do modo como quiser, sem ser obrigado a seguir uma
ordem linear.
É preciso esclarecer, porém, que também em um suporte impresso – seja livro, como
citou Ferrari, seja jornal – é possível fazer leitura não-linear, consultando o sumário ou o
índice remissivo, como bem lembra Lévy (1999), ou pulando de uma matéria a outra, de uma
página a outra, no jornal impresso. Entretanto, o suporte digital traz uma diferença
considerável: a passagem de um nó [link] a outro é feita, no computador, com grande
rapidez, da ordem de alguns segundos (LÉVY, 1999).
c) Interatividade
A multimidialidade e a hipertextualidade pressupõem interatividade, ao proporcionar
ao leitor a possibilidade de ler as matérias do jornal on-line “na ordem que desejar”
(FERRARI, 2008). Segundo Ferrari (2008), “[...] todo leitor web consegue reconfigurar a
informação de acordo com suas preferências e hábitos de leitura” (FERRARI, 2008, p. 43),
tornando-se um escritor enquanto lê.
Porém, é importante destacar que o “poder de decisão” e de “navegação livre” do
leitor no meio on-line tem ressalvas. Pena (2008) explica que
429
possibilidades”, porque é algo predeterminado, formatado, limitado, que “homogeneiza a
percepção” (VILLAÇA, 2002), como a própria Villaça alerta.
A interatividade também abarca a oportunidade de maior interação entre leitor e
jornal. Aguiar (2009) aponta diversos modos: envio de comentários sobre os fatos
noticiados; participação em chats com jornalistas e entrevistados; troca de e-mails; presença
nos fóruns de discussão; atuação como “repórter-cidadão” nas páginas de jornalismo
colaborativo.
Sabe-se, entretanto, que também no meio on-line a participação é moderada, ainda
que menos que no impresso. Nem todos os comentários enviados ao jornal on-line sobre
determinada matéria, por exemplo, aparecem na página do veículo. E, quando sim, não
ocorre imediatamente após o envio, como descreve Canavilhas na citação acima, ao
defender de forma exacerbada a interatividade do meio on-line. O que não se pode negar é
que, no on-line, a interatividade entre leitor e jornal é potencialmente maior, seja pela
dinâmica do meio – é mais rápido, acessível e prático –, seja também pelo espaço quase
infinito disponível para publicação de comentários.
d) Atualidade
Essa característica, também chamada de instantaneidade, é definida por Aguiar
(2009) como “[...] a capacidade de transmissão imediata e contínua de informações
atualizadas sucessivamente” (AGUIAR, 2009, p. 171), sendo muito forte nos veículos on-line,
pela dinâmica mesma do meio, principalmente nos portais, como explica Hernandes (2012):
430
A análise dos veículos G1 e O Globo, feita neste trabalho, confirma: num mesmo
intervalo de tempo (24 horas), O Globo publicou 19 matérias; o G1, 120, o que equivale,
aproximadamente, a uma atualização a cada 12 minutos do veículo on-line. Ao descrever a
rotina de produção jornalística no meio on-line, Ferrari (2008) corrobora a estatística:
Para compensar o curto espaço de tempo para apuração e produção das notícias, o
computador torna-se a grande fonte de informações. Sobre isso, Pena (2008) faz um alerta
pertinente: ao mesmo tempo em que o computador “[...] é capaz de, quase
instantaneamente, fornecer ao editor de um jornal tudo que já foi publicado sobre
determinado assunto, a diversidade das fontes torna o resultado final pouco confiável”
(PENA, 2008, p. 60).
Castilho (2005) também critica o uso do computador como fonte primária, ao afirmar
que “[...] a notícia deixa de ser um produto acabado para se transformar num processo
contínuo de recombinação informativa” (CASTILHO, 2005, p. 234), como pode ser visto nas
matérias do G1, objetos de análise. Isso ocorre porque “[...] as inovações tecnológicas na
informática [...] permitiram [...] que a notícia pudesse ser modificada infinitamente e de
forma imediata” (CASTILHO, 2005, p. 240), trazendo algumas consequências preocupantes,
431
como a imprecisão nas informações divulgadas e, ao mesmo tempo, o excesso de
informação – uma vez que o tempo de apuração é curto, por conta da necessidade de
atualização constante no meio on-line, o que colabora para que sejam geradas notícias
superficiais e perecíveis, e também porque é fácil modificá-las; além do apagamento de
notícias, principalmente as que contêm erros.
Castilho (2005) acrescenta: “Aos 10 anos de idade, o jornalismo on-line passou a ter
que conviver com o problema da avalancha informativa que nenhuma outra modalidade de
jornalismo enfrentou antes, nos 400 anos de história da imprensa” (CASTILHO, 2005, p. 238).
Souza e Brum (2009), assim como Castilho (2005), citado anteriormente, pensam que
a produção dessa grande quantidade de informação é “incentivada” pelas novas tecnologias,
que facilitam a produção e publicação de notícias. E chamam atenção para uma importante
questão: a qualidade da informação que está sendo veiculada.
Hoje, com a Internet, quase todo mundo pode publicar um texto sem uma
editora ou redação jornalística. No entanto, essa liberdade de publicações
que a Internet oferece acarreta o problema da veracidade da garantia
quanto à qualidade da informação. [...] o maior acesso à informação tornou
visível a parte submersa do iceberg: há informação demais (SOUZA e BRUM,
2009, p. 122).
432
pela busca pela atualização constante. Pelo contrário, deveriam ser considerados os mais
importantes pelos veículos e jornalistas, como defende Ferrari (2008):
Sobre essa característica peculiar do meio on-line, Bastos (2013) resume bem:
e) Personalização
Outra grande diferença entre a mídia tradicional – especificamente a impressa, por
ser objeto deste trabalho – e a on-line é que esta parte de um grupo grande para um grupo
pequeno, e, por fim, para o indivíduo, enquanto a tradicional tem como objetivo falar com
uma grande quantidade de pessoas (FERRARI, 2008). A mídia on-line, graças aos avanços
tecnológicos e à solidificação da era da informação, consegue atingir o indivíduo digital, que
está habituado
Palácios (2003), por sua vez, destaca o espaço ilimitado de armazenamento na web,
mencionado também por Aguiar (2009) anteriormente:
METODOLOGIA
Fez-se uma pesquisa descritiva, quando foram analisadas as matérias sobre o
incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS), ocorrido em 27 de janeiro de 2013. As matérias
435
analisadas foram noticiadas no jornal impresso O Globo e no portal de notícias G1, ambos os
veículos pertencentes às Organizações Globo, maior grupo de comunicação do Brasil,
responsável pela Infoglobo, pela Rede Globo de Televisão, pelo Sistema Globo de Rádio, pela
Editora Globo, entre outros negócios, como TV a cabo e Internet.
A escolha dos veículos teve como critério o fato de tanto O Globo quanto o G1
fazerem parte do maior conglomerado de mídias brasileiro e terem circulação nacional, além
de serem umas das principais fontes de informação dos leitores, conforme recente pesquisa
(BRASIL, 2014).
Também levou-se em consideração, na escolha dos veículos, a preocupação para que
não houvesse discordância de fatores externos que poderia, de alguma forma, interferir na
política editorial do veículo e, consequentemente, no trabalho de análise. Por isso, ambos os
veículos analisados são da mesma empresa, por se ter a compreensão de que “não há
jornalismo sem aquilo que costumamos compreender como sendo ‘exterior’: os fatos, as
relações de poder, os contextos sociais, as decisões políticas, os interesses econômicos, as
crenças religiosas, as concepções estéticas” (MACHADO e JACKS, 2001, p. 12).
Pelo fato de o universo da pesquisa ser amplo (11 páginas internas do jornal O Globo,
totalizando 19 matérias, e 120 matérias do portal G1), foi necessário fazer um recorte dos
objetos de análise. Selecionou-se uma amostra não probabilística das matérias veiculadas
pelo Globo na edição do dia 28 de janeiro de 2013 e das matérias publicadas pelo G1, em um
período de 24 horas (das 3 horas da manhã do dia 27/01/2013 – horário do incêndio – às 3
horas da manhã do dia 28/01/2013).
436
período, publicou 120 matérias relacionadas ao incêndio, o que equivale, aproximadamente,
a uma atualização a cada 12 minutos. É importante deixar claro que se levou em
consideração, nesta contabilização, apenas as matérias com assinatura do G1 e de agências
de notícias nacionais ou internacionais, todas veiculadas no site do G1. Assim, não foram
contabilizadas matérias veiculadas no site do G1 neste mesmo espaço de tempo (das 3 horas
do dia 27/01/2013 às 3 horas do dia 28/01/2013) com assinaturas de outros programas e
veículos das Organizações Globo (como Fantástico, rede RBS, Globo News), por se tratar de
reprodução.
Essa busca incessante pela atualização, muito característica do meio on-line, faz com
que, por causa da pressa, não se dedique tempo suficiente para uma apuração mais
criteriosa e para a confirmação das informações e, assim, sejam cometidas imprecisões nas
publicações. Isso ocorre porque, no jornalismo on-line, ao mesmo tempo em que o
acontecimento é apurado, a matéria é produzida e imediatamente publicada, como explica
Kucinski (2005): “[...] é um novo ritmo de abastecimento de notícias, no qual os fatos vão
sendo narrados continuamente, em textos curtos e pouco acabados, à medida que vão
acontecendo, e não depois que aconteceram” (KUCINSKI, 2005, p. 77).
Um indício forte dessa rotina de produção e publicação instantânea do G1, enquanto
o acontecimento ocorre, é o uso de alguns verbos no tempo presente não só nos títulos,
subtítulos e legendas das matérias – aceitável por serem vistos como o resumo, a parte
comentadora da história, que solicita a atenção do leitor, como Koch (2000) explica –, mas
também ao longo do texto, geralmente acompanhado de advérbios ou locuções adverbiais
como já, ainda, neste momento, ou do gerúndio, que indica uma ação contínua, que está
em andamento.
Observa-se que, das 18 matérias do G1 selecionadas como objetos de análise, nove
apresentam, até mais de uma vez, verbos no presente, totalizando 16 fragmentos, enquanto
O Globo apresenta apenas dois fragmentos, em duas matérias diferentes.
Assim, a quantidade de vezes que o uso do verbo no presente aparece nas matérias
do G1, comparada com a do Globo, ratifica a ideia de que a matéria desenvolve-se junto com
o acontecimento, por causa da dinâmica mesma do ciberespaço, que colabora para que os
437
modos de produção e de veiculação sejam mais rápidos. Porém, a aceleração do processo
traz como consequência a imprecisão das informações veiculadas.
É importante destacar que se fala em imprecisão, e não em erro, pelo fato de o
acontecimento ter sido um incêndio, cuja descoberta das informações demorou algum
tempo. Foi algo que ocorreu em uma madrugada e não teve seu desfecho de imediato.
Então, as matérias analisadas, tanto as do G1 como as do Globo, ainda não tinham o
incêndio como algo definido, acabado, principalmente pelo fato de o período da publicação
selecionado para a análise ter sido bem próximo ao do momento do acontecimento. Por
isso, as informações são consideradas imprecisas, mas não erradas. E, por igual motivo,
também o veículo impresso, mesmo com um tempo maior de produção da notícia, esteve
sujeito a cometer imprecisões (como o fez, ainda que em menor número que o G1), e, ciente
disso, procurou se isentar delas, com os mesmos recursos discursivos e marcas linguísticas,
como se verá adiante.
Um aspecto marcante na cobertura do G1 sobre o incêndio na boate Kiss foi a
divulgação do número de mortes no acidente, que exemplifica bem a imprecisão e também
a busca incessante pela atualização no meio on-line. O G1 atualizou esse dado com doze
números diferentes (sem contar as diversas vezes em que os mesmos números foram
trocados eventualmente), como pode ser visto nos títulos presentes no Quadro 6:
Vê-se que o G1 chegou a noticiar a quantidade exorbitante de 245 mortos que, até
hoje, depois de mais de um ano, não foi atingida. A última vítima fatal foi a 242ª43, ocorrida
no dia 19 de maio de 2013. Passadas 24 horas do incêndio, o número de mortes noticiado no
jornal O Globo e no portal G1 coincidia (231), sem que o jornal impresso cometesse
nenhuma imprecisão, uma vez que os processos de apuração, produção e veiculação, mais
demorados no meio impresso, permitem que o fato seja averiguado mais vezes.
Não se pode deixar de notar que a possibilidade e a facilidade de atualização de uma
matéria de forma infinita e imediata em um site colaboram para que ocorra essa quantidade
de atualizações e, por outro lado, para que se perca o “histórico” do que foi noticiado, uma
vez que há o costume da utilização de um mesmo link para acrescentar, ou mesmo mudar,
43
ORGANIZAÇÕES GLOBO. Morre no RS a vítima de número 242 do incêndio na boate Kiss. In: G1, 19 mai. 2013.
Disponível em: <http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2013/05/morre-no-rs-vitima-de-numero-
242-do-incen- dio-na-boate-kiss.html> Data do acesso: 30 jul. 2013.
438
informações sobre determinado acontecimento. Como exemplo, tem-se o link
<http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2013/01/numero-de-mortes-em-
incendio-de-boate-ja-chega-245-diz-policia.html>, utilizado em dois títulos diferentes, como
pode ser visto nas figuras 2 e 3 abaixo:
Outra diferença marcante nas notícias do portal G1 e do jornal O Globo é o uso dos
tempos verbais. Enquanto as matérias do Globo são constituídas, majoritariamente, por
verbos no pretérito perfeito, que “[...] indica uma ação definida no tempo e exprime uma
certeza de quem fala em relação ao conteúdo de sua comunicação” (CUNHA, 2013, p. 25), as
matérias do G1 mesclam verbos no futuro do pretérito – que expressa dúvida, hipótese, ou
seja, imprecisão –, com discurso indireto, o que sugere que “[...] o orador não se
compromete, não assume a responsabilidade pelo que enuncia; quem faz a afirmação é
‘alguém’, alguma fonte autorizada” (CUNHA, 2013, p. 24), como se vê abaixo:
O Globo:
Eram 2h30m quando a banda Gurizada Fandangueira, após subir ao palco, acionou
um efeito pirotécnico. Como o teto era baixo, a chama atingiu o isolamento acústico,
iniciando o incêndio. O fogo se alastrou rapidamente. Na confusão, todos fugiram
desesperados para o mesmo local.
G1:
Conforme informações da polícia, o incêndio teria começado por volta das 2h30,
depois que o vocalista da banda que se apresentava teria feito uma espécie de show
pirotécnico, usando sinalizador. As faíscas teriam atingido a espuma de isolamento acústico
no teto da boate e (teria) iniciado o fogo, que se espalhou em poucos minutos.
Comparando os dois exemplos, vê-se que se trata das mesmas informações. Mas
alguns aspectos as diferenciam pela maior ou menor precisão que transmitem ao leitor,
como mostra o Quadro 7 comparativo a seguir:
439
eram 2h30m por volta das 2h30
a banda Gurizada Fandangueira a banda que se apresentava
acionou um efeito pirotécnico teria feito uma espécie de show pirotécnico
a chama atingiu as faíscas teriam atingido
iniciando o incêndio [teria] iniciado o fogo
CONCLUSÃO
Com a análise das matérias selecionadas sobre o incêndio da boate Kiss veiculadas
pelos G1 e O Globo, chegou-se à conclusão de que as condições de produção – levando-se
em consideração o conceito de condições de produção de Possenti (2009), citado
anteriormente – do discurso jornalístico no veículo on-line interferem na qualidade e na
credibilidade do discurso, já que a produção do jornalismo on-line ocorre essencialmente no
próprio ciberespaço, num prazo curto, medido em minutos, com poucas pessoas exercendo
múltiplas funções, enquanto a produção do jornalismo impresso tem a internet apenas
como mais uma fonte de pesquisa, além de possuir uma equipe bem estruturada e
disponibilizar de um prazo de até 24 horas para uma apuração acurada.
Observou-se que, por causa da necessidade de atualização constante do veículo on-
line, são veiculadas matérias imprecisas, especulativas e opinativas, com o objetivo
primordial de cumprir o critério de atualidade, em detrimento do compromisso fundamental
do jornalista, que é a verdade dos fatos, a precisa apuração dos acontecimentos e sua
correta divulgação, previsto no Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, no capítulo II,
artigo 4º.
440
Dessa forma, a necessidade de reflexão crítica sobre o discurso jornalístico e também
sobre a responsabilidade do jornalista a respeito do que veicula é de extrema importância,
por se tratar de uma atividade de natureza social e finalidade pública, que atinge muitas
pessoas. Este trabalho é uma pequena contribuição nesta direção.
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443
INFOGRAFIA MULTIMÍDIA: UM NOVO GÊNERO DO JORNALISMO ON-LINE
RESUMO: O presente artigo faz uma reflexão sobre a infografia multimídia e sua recente
inserção no jornalismo on-line, sendo considerada, para autores como Cairo, Sojo e De
Pablo, dentre outros, um novo gênero jornalístico. Para dar fôlego ao trabalho realizou-se
uma pesquisa bibliográfica que faz um recorte histórico da infografia desde os primórdios
até o atual cenário e pontua suas principais as características e relações com a comunicação
e sua utilização no âmbito jornalístico. Em muitos casos o infográfico multimídia substitui o
próprio o texto e traz em sua estrutura a informação jornalística, mesclando imagem e texto
conciso e dando ao usuário a oportunidade de interagir com o infográfico.
Palavras-chave: Infografia multimídia. Jornalismo on-line. Gênero jornalístico.
INTRODUÇÃO
A representação através de imagens se faz cada vez mais presente no âmbito da
comunicação nos dias atuais. A partir do desenvolvimento de tecnologias gráficas, tem se
observado uma profusão de imagens utilizadas para ilustrar jornais, revistas, sítios, peças
publicitárias e produtos, entre outros. Mais especificamente no campo do jornalismo,
algumas informações e dados difundidos pelos veículos midiáticos passaram a ser
compilados visualmente, adotando-se o uso de infografias.
Em linhas gerais, entende-se por infografia a apresentação do binômio imagem +
texto (conciso) em qualquer suporte (impresso ou eletrônico) para transmitir mensagens.
Tal recurso, em muitos casos, é utilizado para passar informações complexas e/ou técnicas,
como as de ciência, política, economia, estatística, tecnologia e outras que o texto só
conseguiria detalhar através de narrativas muito longas.
Quando aportada no ambiente da internet, a infografia ganha a prerrogativa de
incorporar elementos multimídias, que são: imagens em movimento, som, ilustração,
animação, fotografias e vídeos, daí a nomenclatura infografia multimídia. Neste formato, a
leitura se torna multilinear ou não linear, permitindo que o leitor guie sua própria leitura e
interaja com o infográfico.
444
Logo, muitas empresas jornalísticas consolidadas no campo do jornalismo on-line
adotaram uso do gênero informativo, com o intuito de tornar o conteúdo de suas
mensagens de fácil compreensão e mais atrativo para o leitor. Também a popularização de
dispositivos tecnológicos (computadores pessoais, palms, celulares com acesso à internet,
tablets, Kindles) tem propiciado o acesso irrestrito e desenfreado ao ambiente da internet.
Como resultado, muitas pessoas utilizam cada vez mais esse meio para buscar informações.
446
fotografia; faz alusão a algo referido ou relacionado com a fotografia. É
certo que em ocasiões um adjetivo passa a substantivo, como são os casos
de diário e periódico, mas nestes exemplos e em outros semelhantes
encontramos adjetivos substantivados que se estabelecem por não existir
um nome já existente e aceitável para designar o objeto novo, como
acontece com o impresso diário ou impresso periódico que passa a diário e
periódico, respectivamente (DE PABLOS, apud RIBAS, 2005, p.8).
447
final o alfabeto”. O autor complementa tal assertiva frisando que como veículo do
pensamento, o visual é anterior a qualquer linguagem (sistemas de signos) na história das
comunicações entre os homens.
Para De Pablos (1998) a combinação de imagem e texto não é uma inovação: a
infografia existe desde a primeira união comunicativa de um desenho ou pintura sublinhada
por um texto alusivo. Tal aparição representou um fenômeno visual observado na Babilônia,
no Egito e em outras civilizações, encontrado em quadros mesopotâmicos e em pequenas
esculturas.
Nos legados egípcios, com as colunas de seus templos e papiros ilustrados, também é
possível observar uma série de traços informativos integrados por unidades hieroglíficas,
que já constituíam o binômio imagem e texto. A fórmula sempre teve o objetivo de fazer
com as mensagens fossem interpretadas mais facilmente, com clareza, de modo a evitar
interpretações ambíguas.
A xilogravura, técnica de origem chinesa anterior ao tipo móvel de Gutenberg, trazia
prevalência da obra gráfica frente ao texto. A representatividade, segundo De Pablos (1998),
fazia surgir a era da grafia sobre a matéria textual, um binômio imagem + texto, por uma
razão lógica e singela, trazia a comodidade de traduzir a mensagem ao modo gráfico, com
palavras adequadas.
A partir dessas considerações é possível perceber que o embrião da infografia teve
uma presença marcante no decorrer da história. Como dito anteriormente, o visual precede
qualquer linguagem utilizada na comunicação entre as pessoas. Sua contundente utilização
pode ser observada nas pinturas feitas nas igrejas, durante o Renascimento para um público
notadamente analfabeto. A título de exemplo, Dondis cita as obras de Michelangelo para o
teto da Capela Sistina.
448
extraordinariamente raro nas artes visuais, mas, sempre que é alcançado,
tem a precisão de um tiro certeiro (DONDIS, 2000, p. 11).
Ainda nesse contexto, os desenhos de Leonardo Da Vinci não podem deixar ser
mencionadas, já que o artista ficou conhecido como o melhor desenhista da história, além
de ter inventado uma diversidade de equipamentos, que pela falta de tecnologia, muitos
não puderam ser fabricados. Da Vinci inventou veículos, armas, aquedutos, sistemas
hidráulicos, pontes, foi escritor, pensador e chefe de cozinha (HORCADES, 2004).
Da Vinci usava imagens detalhadas para descrever e explicar seus projetos na área
bélica, de engenharia civil e de anatomia humana. Seus desenhos eram caracterizados pelo
rigor científico e mostravam a composição e a função das coisas que ilustrava com textos
explicativos. Além dos esclarecimentos teóricos, Da Vinci perpetuou seus estudos e suas
experiências em uma enciclopédia ilustrada, baseada em tudo o que via a olho nu. Seus
desenhos anatômicos, projetados a partir das autópsias das quais participava eram de
grande complexidade para a época. Seus infográficos foram considerados os primeiros,
voltados para a área médica.
449
INFOGRAFIA MULTIMÍDIA E SEUS GÊNEROS INFORMATIVOS
A infografia produzida para a internet ganha variadas denominações em diferentes
trabalhos como, por exemplo, infografia interativa, infografia digital, infografia animada e
infografia multimídia, todas se referem ao mesmo objeto (RIBAS, 2004). Neste trabalho será
adotada a nomenclatura “infografia multimídia”, levando em consideração a potencialidade
deste produto informativo frente às características da web que é um ambiente
notoriamente multimídia.
A infografia multimídia surge por volta do final do século XX, com o desenvolvimento
de tecnologias da comunicação e se instala como uma das mais importantes formas de
apresentação informativa e documental. Segundo Valero Sancho (2008), o produto tem
figurado no contexto atual como resultado da necessidade que a comunicação escrita possui
de captar novos leitores on-line, sendo mais uma vez um dos “salva-vidas” do jornalismo
escrito.
Nos veículos impressos e também nos telejornais, o evento que marcou a profusão
do uso de infografias foi a Guerra do Golfo Pérsico, em 1991, como já foi explicado
anteriormente. No jornalismo on-line, o fato que marca a popularização de infografias é o
ataque as Torres Gêmeas, ocorrido em 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos (RIBAS,
2004).
Apesar de manter as características essenciais da infografia impressa, a infografia
multimídia agrega as competências do meio em que se insere, estendendo a sua função e
alterando a sua lógica. Embora as linguagens sejam parecidas, a narrativa multimídia é capaz
de gerar unidades informativas impensáveis na narrativa impressa, por agregar além da
imagem e do texto conciso, som, vídeo e movimento (VALERO SANCHO, 2011).
450
formas prováveis de se apresentar uma informação. O mesmo dificilmente ocorreria nos
veículos de comunicação impressos, já que nesse suporte a infografia assume
especificidades limitadas de ilustrar os textos e apoiar os conteúdos difíceis de explicar com
palavras.
452
[...] normalmente não se pode descrever, por meio da infografia multimídia
as coisas intangíveis ou correspondentes ao mundo do imaterial como
podem ser as ideias ou aquelas características do mundo interior do ser
humano, nem tampouco o que é fruto de sensações e transcendências,
ainda que a infografia possua muitos recursos do tipo descritivo (VALERO
SANCHO, 2008, p.06).
453
importantes viriam apresentados na parte central da página, que corresponde ao cetro
ótico, ou em tamanho maior do que o restante (CAIRO, 2008a).
Por ampliarem determinados elementos nos infográficos, o zoom se caracteriza como
ponto de entrada do olhar sobre a página onde se apresenta a matéria. Consideramos que o
infográfico permite três opções de leitura: texto; infográfico; texto e infográfico, de modo
que um ancore o outro. A lógica da construção na cadeia de informação também deve estar
presente mesmo quando a parte visual fala tanto ou mais do que o texto escrito (CAIRO,
2008a).
Para explicar a infografia enquanto gênero jornalístico Sojo (2002) destaca a opinião
de vários autores que defendem ou não a infografia como gênero jornalístico. Assim como
De Pablos, Sojo considera a infografia como um novo gênero formado pela convergência de
soluções tecnológicas de desenho e de conteúdo, que dão como resultado uma mensagem
informativa mais clara e objetiva. De acordo com De Pablos (1998) a infografia “[...] é a
última e mais nova dentre os gêneros jornalísticos de expressão informativa, que se pode
assentar com firmeza na tecnologia informática [...]”.
Botero (apud, SOJO, 2002) sustenta que a infografia é um novo gênero oriundo dos
avanços da tecnologia e da necessidade dos jornais de serem mais visuais para se adaptarem
as exigências dos novos leitores. Na opinião da autora a infografia também pode ser
empregada para contextualizar uma informação, ao mostrar a localização dos personagens,
o aspecto geográfico, ou a atuação dos atuantes. A infografia tem que transmitir ao leitor a
emoção do acontecimento.
Já outros autores pontuam opiniões contrárias e não utilizam o termo gênero para
definir a infografia e aferem a elas vocábulos como disciplina, recurso, ilustração ou
representação, entre outros. Como por exemplo, Colle (1998) que define o infográfico como
uma unidade espacial na qual se utiliza uma combinação ou mescla de códigos icônicos e
verbais para integrar uma informação ampla e precisa.
Campos e Passos (apud, SOJO, 2002) consideram que as infografias são ilustrações
que explicam a situação ou sucessão de fatos referentes a dada notícia. Além disso, estão
complementados por dados informativos ou referências básicas. A partir de uma pesquisa
realizada com cerca de 40 diagramadores, Sojo pôde concluir que a maioria deles considera
454
a infografia como um gênero jornalístico e apontam quatro razões baseadas em
fundamentação teórica para classificá-la como tal, são elas: estrutura claramente definida,
finalidade, marcas formais que se repetem em diferentes tipos de trabalhos e sentido por si
mesma.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como visto no recorte histórico deste trabalho, a representação visual acompanha o
homem desde a pré-história. Considerada como uma das primeiras formas de comunicar, se
apresenta até os dias atuais como uma maneira eficaz de transmitir informações complexas
aos indivíduos. É uma técnica que liga o início da nossa história aos tempos modernos.
O jornalismo, a princípio, trouxe para o meio on-line as antigas técnicas redacionais
utilizadas nos pioneiros veículos de comunicação, mas logo precisou adaptar-se ao meio
alterando sua lógica narrativa de acordo com as potencialidades do ambiente, que se
organiza de forma hipertextual, multilinear, interativa e efêmera. Além disso, a quantidade
excessiva de notícias e informações difundidas na rede é um convite persistente para que o
usuário salte de um nó ao outro sem se ater durante muito tempo em uma só informação ou
página. A partir disso, é possível destacar a necessidade de se rever constantemente os
modos habituais de composição da notícia.
O meio competitivo em que se insere o jornalismo on-line demanda que as
informações sejam passadas de modo simples, rápido e que prenda a atenção do leitor.
Contudo, não se pode suprimir ou simplesmente negligenciar partes de uma notícia para dar
dinamicidade à narrativa jornalística. Uma alternativa eficaz para atender a tal demanda é
compilar visualmente os dados da mensagem, através de infografias multimídias sempre que
for conveniente ao assunto, como, por exemplo, no caso de informações sobre ciência,
tecnologia, medicina e economia, entre outras que exigem uma descrição mais detalhada
sobre o tema, pois uma composição unicamente textual e longa pode tornar a leitura
cansativa diante da tela e fazer com o leitor desista de concluí-la.
Dentro desse contexto, o infográfico multimídia se adéqua perfeitamente as
demandas do jornalismo on-line e se torna um importante aliado para os jornalistas que
ganham a possibilidade de dar uma nova abordagem as suas matérias, além de atender a
455
predileção dos leitores, que são favorecidos quando se deparam com a informação disposta
de maneira clara e concisa. Com isso, a infografia multimídia passa a ser considerada um
novo gênero do jornalismo on-line, pois em muitos é creditada a ela a função de transmitir a
notícia, sem o apoio de um texto.
REFERÊNCIAS
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acesso: 22 de janeiro de 2014.
457
458
A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NO BRASIL – UMA ANÁLISE INICIAL DO CENÁRIO BRASILEIRO
DE ESTUDOS NA MODALIDADE A DISTÂNCIA NOS ÚLTIMOS 4 ANOS
INTRODUÇÃO
Vivemos um momento de uma necessidade constante de ampliação da educação,
desde a educação básica até a pós-graduação. Juntamente com tal necessidade, há um
grande desafio, levar educação de qualidade para aqueles que precisam. Atrelado a este
fator, temos o problema do espaço físico e tempo, há muitos que necessitam e querem
estudar, se qualificar e se capacitar, porém, são impedidos pelas barreiras impostas pela
presença necessária nas salas de aula tradicionais. A Educação a Distância, permite
ultrapassar tais barreiras, ir além do espaço clássico da sala de aula e dos desafios temporais
de estar em um lugar em determinada hora e, por um determinado tempo, para frequentar
a sala de aula de qualquer curso.
459
A utilização de EaD traz ao atendimento de políticas de responsabilidade social e
inclusão, uma vez que, pode levar e oferecer educação de qualidade para aqueles
impossibilitados de estar no espaço clássico de sala de aula. Podemos verificar sobre a
questão da responsabilidade social na afirmação de PRETTI (1996):
460
Na medida em que as ferramentas de tecnologia da informação e comunicação
evoluíram, houve um ganho em potencial para o suporte da metodologia da Educação a
Distância, recursos tecnológicos passaram a dar uma base concreta para a implementação
dos cursos, permitindo novas formas de comunicação e interação aos envolvidos nos
processos de ensino e aprendizagem. A vinda da Internet foi outro fator que revolucionou a
EaD no Brasil e no mundo, a comunicação passou a ser instantânea e as possibilidades de
revolucionar a modalidade se tornou fato.
461
Art. 1º: Para os fins deste Decreto, caracteriza--se a Educação a Distância
como modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos
processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e
tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores
desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos
(BRASIL, 2005).
METODOLOGIA
O desenvolvimento da pesquisa foi feito através de revisão de literatura e
referenciais teóricos que tratam da EaD no Brasil, assim como, em anuários estatísticos da
Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED), disponibilizados para acesso.
Os anuários selecionados da ABED tratam de pesquisas com diversas instituições
brasileiras que atuam e oferecem cursos na modalidade a distância, sendo estes estudados e
liberados nos anos de 2010 até 2013.
462
A tendência é que as fronteiras entre educação presencial e a distância
cada vez mais percam demarcações rígidas. Cursos a distância recorrem a
atividades presenciais como estratégias para conseguir um melhor
rendimento, aumentando o sentimento de fazer parte de um grupo, o que
pode ser decisivo para evitar a evasão (LEMGRUBER, 2008).
Outro aspecto apresentado foi a resistência à mudanças que ainda estão enraizadas
no cenário educacional e pedagógico brasileiro. Muitos professores e alunos, ainda
apresentam uma cultura focada apenas no ensino presencial, não vislumbrando a
possibilidade pedagógica onde não há a figura do professor no centro da sala de aula,
acreditando não serem capazes de fornecer ou absorver conhecimentos através da EaD e
que não existe um envolvimento acadêmico eficaz e eficiente nos processos de ensino e
aprendizagem. Uma afirmação de Bordenave, em 1995 ainda contrasta com tais paradigmas
no cenário atual.
Também sobre a questão das mudanças e ponto negativo, LEMGRUBER (2008) traz
que “alguns consideram que educação a distância, por sua natureza, é sinônimo de educação
massificada, de qualidade inferior”.
Com este aspecto de muitos ainda estarem resistentes a adoção da EaD pelos mais
diversos motivos, também é apontado que a Educação a Distância traz uma maior interação
nos processos pedagógicos, forçando os envolvidos a buscar a construção do conhecimento
de forma coletiva e autônoma, muitas vezes orientados pelos docentes e tutores. Tal
aspecto gera um ganho muito maior para o processo de ensino e aprendizagem de todos os
envolvidos. Neste sentido, FILHO (2011) corrobora afirmando:
Ao analisar o gráfico apresentado relacionado aos anos de 2001 até 2009, notou-se
um crescimento do número de matrículas na modalidade de ensino a distância e um
decréscimo das matrículas na educação presencial. Tal evolução pode ser justificada pela
maior possibilidade de acesso aos recursos de tecnologia da informação, a consolidação da
EaD e do aumento do número de vagas nas instituições que oferecem tais cursos.
O levantamento dos dados para esta pesquisa, foi também baseado nos estudos do
Censo EAD.BR da ABED nos anos de 2010 até 2013. O Censo ABED pesquisou diversos
aspectos da educação a distância no Brasil e os pesquisados podem ser apontados na tabela
abaixo:
Tabela 1 – Base de dados - Instituições que responderam ao Censo EAD.BR 2010 a 2013.
464
Fonte: Censo EAD.BR ABED
A tabela mostra que em 2010 não houve uma subdivisão dos pesquisados,
retornando um total de 198 instituições que responderam ao questionário; em 2011 já
houve uma subdivisão, retornando um total de 231 instituições que responderam aos
questionários, dividindo-se em 179 instituições que atuam oferecendo cursos EaD, 17
fornecedores de produtos e serviços e 28 professores independentes que atuam na oferta
dos cursos a distância; no ano de 2012 o número voltou a crescer, retornando um total de
284 instituições que responderam aos questionários, sendo 231 destas, instituições com
cursos EaD, 21 fornecedores de produtos e serviços e 32 professores; em 2013 novamente o
número voltou a crescer tendo um total de respostas da ordem de 309 instituições, sendo
281 as que oferecem cursos EaD, 28 somente fornecedores de produtos e serviços,
entretanto, neste ano não foi direcionado questionário para professores que trabalham de
forma independente, como justificativa, a formalização do professor como pessoa física que
em 2013 havia se tornado pessoa jurídica, e respondido como instituição.
Para auxiliar na visualização do crescimento das instituições que responderam aos
questionários e demonstrar melhor a evolução, foi elaborado um gráfico em forma de linha
com os anos e o quantitativo das respostas.
465
Fonte: Levantamento dos dados Censo EAD.BR ABED 2010 - 2013
Os dados pesquisados pela ABED, entre 2010 e 2013 apontam como dificuldades
para o crescimento da EaD uma resistência a modalidade por parte das instituições devido
ao fato de considerarem os cursos com menor qualidade, as dificuldades e desafios
organizacionais de uma instituição presencial passar a oferecer cursos EaD, a professores
que se opõem ao ensino a distância devido ao receio de perder seus empregos para a
tecnologia e aos próprios educandos que apresentam resistências em estudar nesta
modalidade. Também há de se ressaltar a questão dos custos de produção dos cursos com
qualidade, um fator apontado pelas instituições como sendo alto e impactante.
A evasão é um grande problema apontado, porém, comparando dados de 2011 e
2012, houve uma diminuição na evasão e o principal ponto apontado para justificar a evasão
dos cursos a distância foi a falta de tempo para estudar e a falta de adaptação à
metodologia. No censo de 2013 a evasão também foi apontada como um dos principais
problemas da EaD. Um percentual da evasão pode ser observada na tabela retirada do
Censo 2013 ABED.
466
Fonte: Censo EAD.BR ABED 2013.
Quando a pesquisa foi aplicada com relação aos investimentos das instituições na
Educação a Distância, notou-se um aumento destes a cada ano, tendo os que responderam
aos questionários da ABED relatado que de 2012 para 2013 um aumento médio da ordem de
32% em média e com uma previsão de aumento também para 2014.
Com relação ao perfil do aluno, a pesquisa apontou que é necessário conhecer o
perfil deste discente que está ingressando na metodologia da Educação a Distância. Neste
aspecto, demonstrou-se que o trabalho, família, obrigações sociais, saúde e interesses
podem influenciar o desempenho do aluno nos cursos em questão, podendo levar estes a
ter sucesso ou não em seus estudos. Uma indicação foi a graduação do aluno,
contextualizando que, quanto maior a graduação do aluno, maior a chance deste concluir
satisfatoriamente um curso na modalidade EaD. Dentro do perfil levantado, com relação ao
gênero, pôde ser constatado que a maioria matriculada nos cursos a distância são do sexo
feminino. Tal constatação pode ser observada no gráfico abaixo:
467
Fonte: Pesquisa realizada no Censo EAD.BR ABED 2010 – 2013
O estudo também apontou que a maior parte dos cursos a distância aplicados estão
em instituições de ensino privadas, com fins lucrativos e de grande porte. Também
demonstrou que a região brasileira com a maior incidência dos cursos EaD é a Região
Sudeste, em segundo lugar a Região Sul. A Região Centro-Oeste também se destaca quando
são pesquisados os cursos chamados livres.
Como um último dado pesquisado neste trabalho, foi feito um levantamento do
número de matrículas em cursos autorizados e acadêmicos. Tais cursos são aqueles que
precisam de autorização dos órgãos educacionais municipal, estadual ou federal para ofertar
os cursos a um público interessado. Não foram levantados os números de matrículas em
cursos livres. Os cursos livres são aqueles que não precisam de autorização dos órgãos
oficiais para serem ofertados, no Censo EAD.BR ABED, os cursos de extensão são
enquadrados também como cursos livres.
468
Gráfico 4 – número de matrículas em cursos autorizados – 2010 a 2013.
CONCLUSÕES
É comprovada a evolução da Educação a Distância no Brasil e no mundo ao longo dos
anos, principalmente após a grande revolução tecnológica que o mundo sofreu nos últimos
30 anos, com a inserção de ferramentas de Tecnologia de Informação e Comunicação, que
revolucionaram as comunicações, possibilitando que as barreiras de tempo e espaço fossem
ultrapassadas na aquisição e construção do conhecimento, ampliando as possibilidades do
ensino a distância, consolidando a modalidade e trazendo novos desafios e oportunidades.
Consolida-se, também, a Educação a Distância como um fator decisivo na democratização do
ensino devido a ser capaz de atender um número muito grande de alunos. Confirmando as
conclusões, ALVES (2011) corrobora quando cita em seu artigo:
469
A Educação a Distância pode ser considerada a mais democrática das
modalidades de educação, pois se utilizando de tecnologias de informação
e comunicação transpõe obstáculos à conquista do conhecimento. Esta
modalidade de educação vem ampliando sua colaboração na ampliação da
democratização do ensino e na aquisição dos mais variados conhecimentos,
principalmente por esta se constituir em um instrumento capaz de atender
um grande número de pessoas simultaneamente, chegar a indivíduos que
estão distantes dos locais onde são ministrados os ensinamentos e/ou que
não podem estudar em horários pré-estabelecidos (ALVES, 2011).
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ABED. Censo EAD.BR Relatório analítico da aprendizagem a distância no Brasil.
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470
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471
AMBIENTES VIRTUAIS DE APRENDIZAGEM. UMA ANÁLISE INICIAL DA UTILIZAÇÃO FRENTE
A ALUNOS E DOCENTES NA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE COMO
FERRAMENTA DE APOIO AO ENSINO PRESENCIAL
Annabell D. R. Tamariz
UENF
RESUMO: Este estudo fez um levantamento inicial com docentes e discentes sobre o
conhecimento de Ambientes Virtuais de Aprendizagem dentro da Universidade Estadual do
Norte Fluminense. Buscou-se analisar os aspectos sobre conhecimento do que é um AVA,
sobre a oferta do recurso dentro da universidade, sobre a opinião em auxiliar ou não nos
processos de construção do conhecimento e o desejo em utilizar ou não o recurso
tecnológico em aulas presenciais como ferramenta de apoio ao ensino, assim como, um
levantamento em referencial teórico sobre o tema ao apontar a necessidade de
transformação no ensino clássico presencial e a oportunidade e importância que a
implementação e utilização da ferramenta traz para os processos pedagógicos.
Palavras-chave: Ensino. Apoio. Educação. Ambientes Virtuais.
INTRODUÇÃO
Vivemos um uma sociedade cada vez mais conectada, as gerações nascidas a partir
da década de 1990 possuem extrema facilidade de lidar com dispositivos computacionais e
tecnologia. Também possuem uma grande característica de multifuncionalidade, sendo
capaz de fazer várias coisas ao mesmo tempo, sem contar com o imediatismo, é uma
geração que não quer esperar.
Sobre as novas gerações, Chalita (2013) traz que as crianças nascidas que tem, até
agora, 12 anos de idade, já nascem conectadas, exemplifica que já sabem ligar sozinhas
dispositivos eletrônicos e divertem-se com jogos, entre outros e manipulam com extrema
facilidade aparelhos como tablets, celulares e computadores. Também aponta que estas
crianças fazem parte da chamada Geração A e, juntamente com as Gerações Y e Z, compõe
os discentes que foram nascidos na chamada era digital.
O mercado globalizado, as novas exigências e as tecnologias existentes trazem a
necessidade de se pensar maneiras de inovar e buscar melhorias nos processos de ensino e
aprendizagem, nesse sentido Perrenoud (2000 apud SOUZA, 2008) esclarece dizendo que o
472
aprendizado por competências, o aprender a aprender e o aprender fazendo, assim como as
interações entre os próprios discentes e docentes contribuem para uma educação
cooperativa com o compartilhamento do conhecimento.
Neste novo contexto da sociedade conectada, é preciso propor e implementar
mudanças nos conceitos da educação, na forma de ligar e apresentar os processos de ensino
e aprendizagem para essa geração, principalmente no ensino superior, preparando estes
alunos para uma educação do futuro, buscando despertar nos alunos a utilização dos
recursos de tecnologia da informação e comunicação como um benefício para a construção
do conhecimento, capacitando este aluno para se tornar um profissional dinâmico e que
atenda às demandas do exigente mercado globalizado e conectado da atualidade.
473
Ainda contextualizando sobre as mudanças necessárias, MORAN (2009) afirma que o
ensino está burocrático, previsível e conservador demais, que há uma necessidade de
mudanças. Também afirma que, é um absurdo os cursos continuarem quase integralmente
centrados na sala de aula. Neste sentido, FREIRE (2009) aponta que é necessária uma
concepção do aprender a aprender. “Estamos no tempo de aprender a aprender. Aquele que
souber isso estará verdadeiramente preparado para viver. Do contrário, vai morrer de
decorar e não vai sair do lugar” (SOUZA, 2008).
Pierre Lévy (2009) reforça em sua obra “Cibercultura” que há uma consolidação do
ciberespaço e que as tecnologias digitais permitem repensar os caminhos da humanidade e
da aprendizagem.
A utilização de Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs) como ferramenta de
apoio no ensino presencial vai de encontro a estas mudanças necessárias e apontadas, com
a inserção de ferramentas de tecnologia da informação, como os AVAs, permite um estímulo
aos envolvidos nos processos educacionais, assim como, uma elevação dos domínios da aula
para além do espaço clássico da sala de aula tradicional.
Utilizar um AVA como apoio ao ensino presencial permite aumentar a disponibilidade
de recursos pedagógicos e mecanismos que irão auxiliar e ampliar meios didáticos em todo o
processo de ensino e aprendizagem.
Medeiros (2002) aponta que a utilização de Ambientes Virtuais de Aprendizagem no
processo educacional presencial, permite uma maior socialização e ampliação do
conhecimento e, traz novas formas de acesso e de práticas educacionais com múltiplas
formas de acesso ao conhecimento e informação.
Neste trabalho, busca-se fazer um levantamento inicial sobre o conhecimento de um
Ambiente Virtual de Aprendizagem frente aos alunos e docentes da Universidade Estadual
do Norte Fluminense (UENF). Especificamente, pretende-se: a) Analisar conhecimentos
iniciais de docentes e discentes sobre um AVA; b) Identificar sobre conhecimento sobre a
existência de um AVA institucional da UENF; e c) Identificar percentual de docentes que
gostariam ou não de utilizar um AVA como apoio ao ensino presencial em suas disciplinas.
METODOLOGIA
474
O desenvolvimento da pesquisa foi realizado através de levantamento de referencial
bibliográfico sobre a necessidade de mudanças no contexto dos processos educacionais,
sobre a implementação da utilização de Ambientes Virtuais de Aprendizagem como uma
ferramenta pedagógica de apoio ao ensino presencial que permite uma melhoria na
construção do conhecimento por docentes e discentes.
Paralelo ao levantamento teórico, foi aplicada uma pesquisa com a utilização de
formulários eletrônicos online de perguntas objetivas. O primeiro formulário foi direcionado
para respostas dos discente, sendo este preparado utilizando o recurso do Google Docs e
disponibilizado um link através da página da UENF no Facebook, onde os alunos podiam
acessar e responder aos questionamentos. Também foi enviado o link de acesso para alguns
alunos por e-mail. A pesquisa aplicada aos docentes também deu-se através de formulário
online elaborado com a ferramenta do Google Docs e enviada através de e-mail institucional
da UENF para um total de 151 professores. No e-mail foi anexado um link para acesso as
perguntas objetivas, onde os docentes poderiam responder as questões e, ao final, enviar as
respostas que ficariam armazenadas em uma base de dados para os estudos e análise dos
resultados.
475
Gráfico 1: Percentual de respostas dos docentes por Centro.
Fonte: Pesquisa online aplicada aos docentes da UENF.
476
Gráfico 2: Percentual dos docentes sobre participação em Cursos a Distância.
Fonte: Pesquisa online aplicada aos docentes da UENF.
O Gráfico 2 aponta que uma grande maioria dos docentes que responderam à
pesquisa, 73% deles, nunca participou de nenhum curso na modalidade de Educação a
Distância, também aponta que 19% participou de Educação a Distância apenas como
docente, 4% atuou apenas como aluno e 4% tiveram participação tanto como aluno, quanto
como tutor e docente.
Outro dado considerado importante e, um dos principais objetos deste estudo foi
buscar junto aos docentes se os mesmos sabem o que é um Ambiente Virtual de
Aprendizagem – AVA. Tal resultado apresenta-se no Gráfico 3.
477
apoio ao ensino presencial e 4% fez ou faz uso dos recursos tanto em cursos a distância
quanto em cursos presenciais como uma ferramenta de apoio ao ensino.
Também foi levantada a opinião dos docentes quanto a utilização de um AVA como
apoio ao ensino presencial, no sentido de ajudar ou não na construção do conhecimento,
uma vez que, as referências bibliográficas apontaram que há um ganho ao se utilizar um AVA
como ferramenta de apoio ao ensino presencial. Neste sentido, as respostas dos docentes
da UENF foram de encontro aos referenciais levantados, com 73% das respostas apontando
a utilização de um AVA como apoio ao ensino presencial ajudar na construção do
conhecimento, não tendo nenhuma resposta a opção que não ajuda, e 27% não souberam
informar, conforme o Gráfico 5 demonstra.
478
Gráfico 5: Opinião dos docentes sobre utilizar um AVA como apoio ao ensino presencial.
Fonte: Pesquisa online aplicada aos docentes da UENF.
479
Também foi objeto da pesquisa buscar o conhecimento se os docentes utilizam ou
gostariam de utilizar um Ambiente Virtual de Aprendizagem como uma ferramenta de apoio
presencial em suas aulas. Como respostas, um total de 65% dos docentes que responderam
ao questionário afirmaram que gostariam de utilizar um AVA como apoio em suas aulas
presenciais, 8% dos docentes responderam que já utilizam enquanto 12% não opinaram, que
pode ser justificado pelas respostas de docentes que não sabem o que é um AVA ou que
nunca utilizaram e 15% dos docentes responderam que não gostariam de utilizar um
Ambiente Virtual de Aprendizagem como ferramenta de apoio em suas aulas presenciais. As
respostas sobre esta questão podem ser verificadas no Gráfico 7.
Contextualizando as respostas dos docentes, de uma forma geral, a maioria dos
participou de algum curso a distância, assim como, conhecem o que é um Ambiente Virtual
de Aprendizagem, porém, também informou nunca ter utilizado um AVA. Outro aspecto
levantado e observado é que, apesar da UENF oferecer um AVA institucional, a maior parte
dos docentes desconhece esta oferta e também apontaram que gostariam de utilizar um
AVA como uma ferramenta de apoio ao ensino presencial de suas aulas. Tal desejo de
utilizar a ferramenta justifica-se quando se observa o fato da maioria dos docentes apontar
para a melhoria no processo de construção do conhecimento.
Gráfico 7: Resposta sobre opinião dos docentes em utilizar ou não um AVA como apoio em suas
aulas presenciais.
480
Fonte: Pesquisa online aplicada aos docentes da UENF.
Também foi aplicada aos discentes uma pergunta sobre saber ou não o que é um
Ambiente Virtual de Aprendizagem. Como resposta, a maioria dos discentes afirmou ter
conhecimento, sendo 85% dos discentes responderam que sabem e 15% não sabiam o que
era um AVA.
481
Gráfico 9: Percentual dos discentes sobre saber o que é um AVA.
Fonte: Pesquisa online aplicada aos discentes da UENF.
Quando foi questionado aos alunos sobre terem utilizado um AVA, o Gráfico 10
aponta para as respostas.
Ao analisar o gráfico das respostas sobre a utilização de um AVA pelos alunos, foi
observado que a maioria, 60% dos alunos, já utilizou apenas em algum curso a distância,
enquanto um percentual de 15% utilizou apenas em cursos presenciais como uma
482
ferramenta de apoio ao ensino. Também foi verificado que outros 15% fez utilização do
recurso tanto em cursos a distância quanto em apoio aos cursos presenciais e, 10% nunca
utilizou um Ambiente Virtual de Aprendizagem.
Outra informação importante foi no aspecto do conhecimento dos alunos sobre a
disponibilização ou não de um Ambiente Virtual de Aprendizagem pela UENF para a
utilização, tanto pelos alunos quanto pelos docentes. As respostas podem ser observadas no
Gráfico 11.
50% dos alunos responderam não saber se na UENF há ou não um AVA disponível
para a utilização. Ao observar esta resposta, comprova-se que, pelo menos 50% destes
alunos não utilizam o recurso dentro da universidade. Também foi verificado que 32%
informaram que não há a disponibilidade do recurso dentro da UENF, aumentando o índice
de comprovação de alunos que não utilizam ou utilizaram a ferramenta no âmbito de suas
aulas na universidade e, somente 18% informaram que a UENF oferece o recurso, entrando
em consonância com os que responderam que já utilizaram como ferramenta de apoio ao
ensino ou em cursos a distância.
Nos dois últimos questionamentos, todas as respostas foram unânimes. Na pergunta
sobre a importância da utilização de um AVA como apoio ao ensino presencial, 100% das
respostas dos discentes apontaram que “ajuda na construção do conhecimento”, assim
483
como, quando as respostas foram sobre o desejo da utilização do recurso pelo professor
como uma ferramenta de apoio ao ensino nas aulas presenciais da universidade, novamente
100% das respostas foram positivas, mesmo tendo um percentual de 15% afirmado não
conhecer o que é um AVA.
CONCLUSÃO
Tratando-se de um estudo inicial sobre a utilização de um Ambiente Virtual de
Aprendizagem como ferramenta de apoio ao ensino presencial na UENF, nota-se que, ainda
há um considerável percentual que não possui conhecimento sobre o que é um AVA,
demonstrando a necessidade de capacitação ou divulgação sobre o recurso. Também há um
desejo da utilização do recurso como apoio ao ensino presencial e em consonância sobre o
auxílio que o recurso adiciona ao processo de construção do conhecimento. Outro aspecto é
a necessidade de difusão do AVA institucional da UENF, para que possa ser toda a
comunidade tenha conhecimento da disponibilidade do recurso e possa utilizá-lo.
Atrelado a estes aspectos, há uma necessidade da continuidade deste estudo, uma
vez que, tratou-se apenas de um levantamento inicial, onde, nos próprios questionamentos
há possibilidade de novas interpretações e análises dos dados coletados.
Sobre o desejo da utilização do AVA como apoio ao ensino presencial e,
principalmente, quando a opinião tanto de alunos quando de professores sobre o auxílio que
a ferramenta pode prover na construção do conhecimento, vai de encontro aos referenciais
teóricos iniciais levantados, que direcionam para a necessidade da mudança dos paradigmas
tradicionais da aula presencial, da necessidade e oportunidade de emprego das ferramentas
de Tecnologia da Informação e Comunicação no processo educacional e, da melhora dos
processos cognitivos e pedagógicos com a adoção de AVAs como ferramenta de apoio ao
ensino presencial.
REFERÊNCIAS
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<http://www.gabrielchalita.com.br/index.php/features/educacao-em-foco/item/1717-a-
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484
FREIRE, P, Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Editora Paz
na Terra. Coleção Leitura. 39. Ed, 2009.
LÉVY, P. O que é o virtual? São Paulo: Editora 34, 1996.
________. Cibercultura. São Paulo: Editora 34. 2009.
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Educativa, 2002, Vigo, 2002.
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Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya; revisão técnica Edgard de Assis Carvalho. – 2. ed. – São
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Educação, Salvador, 2010.
485
SEQUÊNCIA DIDÁTICA E TECNOLOGIA: O GÊNERO ARTIGO DE OPINIÃO NO ENSINO
SUPERIOR
Adriana Recla
Faculdades Integradas de Aracruz
INTRODUÇÃO
Este artigo tem o objetivo de discutir a contribuição da utilização de sequências
didáticas no ensino superior por meio do uso de tecnologia. O trabalho com os gêneros, por
meio da organização de uma sequência didática bem planejada, pode contribuir
significativamente para uma aprendizagem mais significativa com o uso efetivo da Língua
Portuguesa em situações de interação social em meio digital.
Durante as aulas de Língua Portuguesa, realizadas no Curso de Direito das
Faculdades Integradas de Aracruz, discutimos sobre como produzir o gênero artigo de
opinião, no intuito de auxiliar os discentes a utilizarem a produção de texto escrito de modo
a responder a diferentes propósitos comunicativos e expressivos, com os quais irão se
deparar e fazer uso.
Entendemos que as aulas de Língua Portuguesa no ensino superior devem ser lugar
de produção e utilização de distintos gêneros resultantes de diferentes funcionamentos da
comunicação.
486
Este trabalho está ancorado nos pressupostos teóricos de Dolz e Schneuwly (2001,
2004) os quais têm se destacado na atualidade com uma abordagem ampla e atual sobre o
trabalho com sequências didáticas e também nos trabalhos de Marcuschi (2008),
destacando-se a reflexão sobre o uso do gênero no ensino de Língua Portuguesa.
Para o trabalho a que nos propomos, tomamos a concepção de sequência didática
como “um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno
de um gênero textual oral ou escrito” (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2001, p. 97). Já a
noção de gênero será concebida como “as unidades concretas nas quais deve dar-se o
ensino” (DOLZ & SCHNEUWLY apud MARCUSCHI, 2008, p. 213).
Para ilustrar uma maneira de contribuir diretamente com o ensino de Língua
Portuguesa, tomamos uma situação de ensino e de aprendizagem – a produção de um artigo
de opinião por meio de uma sequência didática. O discente do curso de Direito necessita
posicionar-se cotidianamente sobre certos assuntos que circulam socialmente, em especial,
sobre os temas da futura profissão que são cada vez mais inúmeros e profundos. Desse
modo, ele deve expressar seu ponto de vista sobre certos temas, argumentando-os. Para
tanto, selecionamos o artigo de opinião “Cotas: o justo e o injusto”, de autoria da escritora
Lya Luft, no intuito de apresentar este gênero aos discentes, fazendo-os reconhecer como a
autora o produziu. Assim, organizamos com o(s) primeiro(s) período(s) do curso de Direito,
espaços de aprendizagem que trataram do uso e da escrita do gênero artigo de opinião.
Cumpre destacar que cada vez mais os discentes apresentam dificuldades referentes
à elaboração desse gênero, bem como a aplicação de conhecimentos linguísticos necessários
para a produção deste. Verificamos que a participação dos alunos nas discussões da aula
possibilitou a percepção das principais características do gênero artigo de opinião. Todo esse
processo nos levou (professor) a pesquisar e a refletir sobre o trabalho com a sequência
didática e a tecnologia no Ensino Superior.
Concebemos que o gênero artigo de opinião, não pode ser selecionado tão somente
com o fim de desenvolver e avaliar as capacidades de escrita dos alunos. O fato de ele ser
utilizado em sala, no ensino superior, deve-se ao fato de termos o objetivo de proporcionar
uma aprendizagem mais significativa com o uso efetivo da Língua Portuguesa em uma
situação de interação social em meio digital, proporcionando momentos de produção e
487
interação real. É por esta razão que justificamos o trabalho com o gênero artigo de opinião,
por meio da organização de uma sequência didática em um ambiente digital.
Estamos vivenciando uma nova e complexa realidade com o uso das tecnologias, o
que traz novas relações com a escrita. Não podemos negar que a produção de texto é uma
prática essencial em todas as sociedades letradas, e, com o advento das tecnologias digitais
vêm se tornando mais espontânea, alterando a socialização de várias práticas discursivas.
Para nós, o uso da tecnologia pode e deve colaborar na formação de sujeitos leitores e
produtores de discurso, especialmente, no ensino superior. Assim, neste trabalho, a
concepção de tecnologia adotada é a que está presente nos Parâmetros Curriculares do
Ensino Médio defendendo que “a informática não deve ser considerada como disciplina, mas
como ferramenta complementar às demais já utilizadas na escola, colocando-se, assim,
disponível para todas as disciplinas.” (BRASIL, 2006, p. 208).
Não temos a pretensão de apresentar soluções ou de inovar para a melhoria do
ensino de Língua Portuguesa no ensino superior. Nosso propósito é o de colocar em pauta
uma possibilidade de trabalho envolvendo a produção de texto com o uso da tecnologia.
Sabemos que embora existam inúmeras investigações sobre práticas pedagógicas no ensino
de língua ainda necessitamos de intervenções dinâmicas para que o aluno seja de fato
sujeito leitor e produtor de textos e discursos.
488
O professor de Língua Portuguesa vem sendo desafiado cada vez mais a lidar com os
novos conceitos e construir uma nova prática, principalmente com o trabalho com gêneros.
Recla & Valerio (2011, p. 11) destacam que a “noção de gênero como instrumento de
ensino-aprendizagem tem se tornado um tema frequente no debate didático de como
ensinar Português, levantando questões sobre o que significa trabalhar com os gêneros”. Por
esta razão é necessário que o docente apresente atividades reflexivas sobre o uso do
gênero, e, respectivamente, da língua. O intuito é oportunizar o exercício de produção
autêntica, antes e durante o processo de apreensão do conhecimento do gênero.
Essas são questões relevantes, visto que ensinar com gêneros deve fazer com que o
discente possa situar-se dentro de um contexto vivido, interativo, fazendo uso social da
linguagem. É neste sentido que a elaboração de sequência didática pelo professor é
essencial, pois é por meio dela que se poderá ter embasamento teórico para tomar decisões,
selecionar materiais de ensino, escolher metodologia para o trabalho em sala de aula.
Na proposta para o trabalho com gêneros por meio de um modelo didático de
gêneros (Schneuwly e Dolz, 2004 apud GUIMARÃES, 1998, p. 77), é possível definir os
princípios, os mecanismos enunciativos que se põem em ação e os mecanismos de
textualização que constituirão os objetos de aprendizagem dos alunos. Para tanto, o
professor considerará os conhecimentos existentes sobre gêneros, as capacidades dos
aprendizes e os objetivos a que propõe a atividade. Somente após este modelo é que será
desenvolvida a sequencia didática.
A estrutura da sequência didática apresenta os seguintes passos: projeto e situação
comunicativa; produção inicial; módulos e produção final (DOLZ & SCHNEUWLY, 2004, p. 98).
Asseveramos que a sequência didática possibilita que atividades propostas em sala
explorarem as condições de produção em que os gêneros são construídos e as relações que
se estabelecem entre o produtor e o receptor. Além disso, o professor pode considerar o
desempenho dos aprendizes, sendo este objeto de análise. Desse modo, adaptar-se-á as
sequências às necessidades dos discentes, verificando-se as dificuldades na escrita, os
objetivos da sequência, como construir um módulo para tratar de uma dificuldade comum
ou particular, quais as melhores atividades para a continuação da sequência, entre outros.
489
Portanto, a sequência passa a ser fonte de informação para o professor, sendo um
dos princípios básicos a revisão ou a revisão ortográfica. Contudo, a sequência didática não
pode assumir na totalidade, a tarefa de melhorar o domínio da língua pelos aprendizes. Isto
significa favorecer a articulação do trabalho proposto nas sequências com outros níveis de
estruturação da língua, como é o caso da gramática, ortografia e da sintaxe.
APRESENTAÇÃO DA SITUAÇÃO
Nesta etapa, apresentaremos qual atividade escrita será realizada. Apresentamos aos
discentes o artigo de opinião “Cotas: o justo e o injusto”, de autoria da escritora Lya Luft,
para que tivessem acesso a este gênero. Em seguida, os alunos serão conduzidos para
reconhecer como este gênero foi organizado. Levantaremos com os discentes em sala: Qual
é o gênero abordado? A quem se dirige? Que forma assume? Quem participará da
44
Este recurso permite aos usuários criar e editar documentos online ao mesmo tempo colaborando em tempo
real com outros usuários (Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Google_Docs).
491
produção? Que conteúdos serão produzidos? Na apresentação da situação, é preciso que os
alunos percebam, imediatamente, a características do gênero e saibam com quais vão
trabalhar.
No caso do artigo de opinião, os alunos deverão compreender bem a questão
colocada e os argumentos a favor e contra as diferentes posições.
Esta etapa preparará os discentes para a primeira produção, considerada uma
primeira tentativa de produção do gênero que será, em seguida, trabalhado em módulos.
PRIMEIRA PRODUÇÃO
Nesta etapa solicitaremos aos discentes uma produção inicial, em que eles
elaborarão um primeiro texto escrito, o qual revelará para o professor e para eles mesmos
as representações que têm do gênero. É nesta produção inicial que os alunos definirão como
o gênero será abordado, a quem se dirigirá, qual a forma, quem participará da produção.
Isso permite que os alunos percebam as próprias dificuldades e potencialidades referentes
ao processo de elaboração textual.
Após o contato com o gênero, a proposta de uma primeira produção de um artigo de
opinião poderá ser simplificada: solicitar aos alunos que produzam o próprio artigo de
opinião com base no tema do texto “Cotas: o justo e o injusto”, previamente lido e discutido
em sala de aula.
Após a produção inicial de cada aluno, o professor realizará uma avaliação para
propor as oficinas da sequência didática. É por meio desta avaliação que o professor
preparará os módulos que auxiliarão ao discente a produzir o gênero.
492
estruturar o texto ou introduzir argumentos, entre outros. Durante esta etapa os alunos
registrarão no Google Docs a produção escrita.
Nesta etapa, o aluno fará a refacção da primeira produção. Será utilizado o Google
Docs, ambiente já familiar aos alunos em outras atividades. Isto facilitará e organizará a
formatação dos textos para posterior publicação.
493
PRODUÇÃO FINAL
Por último, ocorrerá a produção final, em que o discente individualmente praticará as
noções trabalhadas nos módulos, colocando em prática os conhecimentos adquiridos.
Simultaneamente, o professor realizará a evolução das produções do artigo por meio da
avaliação do processo.
Concluída a produção final, o aluno fará a revisão do próprio artigo com a finalidade
de apresentá-lo para que possa ser lido e comentado pelos colegas.
É válido destacar que ao longo de todas as etapas, a avaliação do professor ocorrerá
de modo processual, considerando sempre o desenvolvimento dos discentes desde a
primeira produção até a produção final.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscamos, neste artigo, contribuir para o trabalho do professor com a utilização de
sequência didática para trabalhar com gêneros possíveis nas aulas de Língua Portuguesa no
ensino superior.
A sequência didática aqui apresentada coloca no espaço da sala de aula, o trabalho
com o gênero artigo de opinião. Desse modo, verificamos que podemos focalizar nas aulas
diferentes gêneros sob diferentes formas e em diferentes espaços.
Por fim, ressaltamos que pretendemos contribuir para um ensino de Língua
Portuguesa, no ensino superior, mais direcionado aos sujeitos professor e aluno, por meio
da incorporação de uma atividade que inter-relacione produção de texto e tecnologia. Isso
porque verificamos que é preciso mais práticas pedagógicas que se debrucem a reformular o
ensino de Língua Portuguesa.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília:
MEC/SEMTEC, 2000. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.pdf.
Acesso em 29/10/2010.
494
DOLZ, Joaquim; NOVERRAZ, Michèle; SCHNEUWLY, Bernard. Sequências didáticas para o
oral e para a escrita: apresentação de um procedimento. Coleção de Livros Didáticos.
Edições De Boeck, 2001.
DOLZ, Joaquim; SCHNEUWLY, Bernard. Gêneros orais e escritos na escola. Tradução de
Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2004.
GUIMARÃES, Ana Maria de Mattos. Reflexões sobre propostas de didatização de Gênero.
In: SIGNUM: Estudos da Linguagem. Centro de Letras e Ciências Humanas, Universidade
Estadual de Londrina. – N. 1, Londrina: UEL, 1998.
MARCHUSCI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São
Paulo: Parábola Editorial, 2008.
RECLA, Adriana; VALERIO, Claudia Lucia Landgraf. O trabalho com sequência didática no
ensino médio: o gênero resenha crítica com o uso da tecnologia. In: SALEM, Khalil (Org.).
Análise Linguística textos e contexto. São Paulo: Fiuza, 2011. (Coletânea Acadêmica de
Estudos em Letras e Educação – CAELE), pp. 09-20.
SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Os gêneros escolares: Das práticas de linguagem
aos objetos de ensino. Revista Brasileira de Educação, Mai/Jun/Jul/Ago 1999, Nº 11.
Disponível em:
<http://anped.org.br/rbe/rbedigital/RBDE11/RBDE11_03_BERNARD_E_JOAQUIM.pdf>
Acesso em: 15 jan. 2015.
495
CIBERATIVISMO E A REDE: AS INTERSECÇÕES ENTRE A DEEP WEB E A SURFACE WEB
RESUMO: Com o avanço das tecnologias digitais, onde o espaço virtual se configura como
um território habitado pela informação, é possível observar como esta, uma vez lançada na
rede, é capaz de percorrer o mundo em tempo quase real. Este fato torna o ciberespaço um
canal de comunicação precisamente eficaz, principalmente com a presença das redes sociais
digitais, que favorecem o relacionamento entre os grupos e inclina seus usuários a uma forte
tendência de expressão pessoal. Ainda observa-se a formação de grupos e correntes sociais
que se unem por um propósito comum, que podem, inclusive, desencadear ações coletivas
na rede ou fora dela. Esse movimento é o ciberativismo, ou seja, a utilização da rede visando
difundir informações e reivindicações sem mediação. Neste contexto, acredita-se que se vive
uma utopia de acesso à informação, mas na verdade enxerga-se apenas 1/3 do que
realmente existe na Web (BORGES, 2004), o que é chamado de Surface Web ou Web Visível.
Os outros 97% são conceituados como Deep Web, local digital onde residem informações de
cunho privilegiado, não acessíveis nos buscadores comuns. Logo, o objetivo deste trabalho
consiste em estabelecer uma análise das informações privadas disponibilizadas na web
visível através dos grupos ciberativistas Wikileaks e Anonymous; e em um segundo
momento, construir um estudo do caráter da Deep Web como fonte de informações
privilegiadas. Será investigado o comportamento e o compartilhamento de informações de
ambos os grupos na rede Facebook, o feedback dos usuários e como outras mídias tratam do
assunto.
Palavras-chave: Ciberativismo. Deep Web. Surface Web. Facebook.
INTRODUÇÃO
Com o avanço das chamadas novas tecnologias da informação e comunicação (TIC’s),
é possível constatar diversas transformações na sociedade contemporânea. Vive-se a era das
redes sociais digitais onde limites de comunicação são quebrados constantemente. E nesse
cenário também é possível observar o surgimento de outros paradigmas: por um lado, nota-
se a exposição voluntária dos usuários da rede, em uma prática de publicização do privado; e
por outro, a existência de informações ocultas existentes nas camadas da Deep Web ou Web
Invisível, onde um mundo de dados secretos se esconde.
O espaço virtual ou simplesmente o ciberespaço, é um território desterritorializado,
onde a protagonista é a informação: senhora que habita as mídias, as redes sociais, blogs,
vlogs e que são consumidas em alta velocidade como um banquete disposto à nossa frente a
496
ser devorado a qualquer momento. Tal fato ainda favorece o relacionamento entre os
grupos e inclina seus usuários a uma forte tendência de expressão pessoal.
Também é possível observar a formação de grupos e correntes sociais que se unem
por um propósito comum, que podem, inclusive, desencadear ações coletivas na rede ou
fora dela. Esse movimento é o ciberativismo, ou seja, a utilização da rede visando difundir
informações e reivindicações sem mediação, com o objetivo de buscar apoio e mobilização
para uma causa; criar espaços de discussão e troca de informação; organizar e mobilizar
indivíduos para ações e protestos on-line e off-line (RIGITANO, 2003, p. 3). Como exemplo, é
possível citar dois grupos que tem marcado a sociedade atual com suas ações: a organização
Wikileaks, que publica em suas páginas informações confidenciais vazadas de governos e
empresas; e o grupo Anonymous, que é uma legião descentralizada formada por usuários de
comunidades digitais que desempenham ações coletivas e que cujas identidades, como o
próprio nome propõe, são desconhecidas.
Logo, constata-se que a rede é um ambiente onde há espaço para todos que
desejarem se inserir neste contexto e em que a atmosfera é de liberdade. Esta liberdade
mostrada nas redes é a grande responsável pela propagação de informações pessoais
expressas através das mais diversas formas no ciberespaço, assim como a publicização de
conteúdo privado de entidades e outros órgãos.
Por outro lado, enquanto acredita-se que vivemos uma utopia de acesso à
informação, na verdade enxerga-se apenas 1/3 do que realmente existe (BORGES, 2004). Tal
fato se deve às conclusões de que a plataforma virtual que é usada no cotidiano, também
chamada de Surface Web ou web superficial, é apenas uma agulha no palheiro. Estima-se
que o conteúdo da web profunda seja 500 vezes superior àquela a que os motores de
pesquisa (como o Google, por exemplo) tem acesso (BERGMAN, 2001). Os motores de
pesquisa na web tem a informação nas suas bases de dados limitada à web superficial, não
sendo visíveis os conteúdos que uma página dinâmica pode ter (BENTO, acesso em 2013).
Logo, toda a representação da WWW é apenas uma ponta do iceberg, tendo em vista
que 2/3 de sua superfície é oculta. Ou seja, a Deep Web abriga um espaço onde reside a
informação de maior qualidade, encerrada em sistemas de informação inacessíveis às
ferramentas de pesquisa convencionais (BORGES, 2004).
497
Dentre essas duas faces da rede, destacam-se os objetos de pesquisa desse trabalho:
as informações de cunho pessoal que se tornam públicas ao serem lançadas no ciberespaço
através de grupos ciberativistas (principalmente nas redes sociais como o Facebook); e o
lado oculto onde residem informações privilegiadas; objetos estes que ilustram um delicado
limite entre o público e o privado.
498
Desde o fim do ano de 2011, quando se fala em Facebook, é possível deparar com a
maior rede social do mundo Web. O Facebook é um sistema que foi criado pelo americano
Mark Zuckerberg, enquanto este era aluno de Harvard. O objetivo da rede era focar em
alunos que migravam do High School para as universidades.
A rede foi lançada em 4 de fevereiro de 2004 e hoje é um dos sistemas com maior
base de usuários no mundo (RECUERO, 2009, p.172). Ela funciona através de perfis e páginas
e é possível acrescentar aplicativos.
Uma prática utilizada dentro da rede é a tagging, caracterizada pelo uso de hashtags
que é uma forma de facilitar a recuperação de mensagens sobre um mesmo tema (PRIMO,
2008).
Após esse breve exame da rede, é proposta outra análise, dessa vez do lado invisível
da web, espaço que abriga, para uns, perigo, e para outros, privilégio em informações.
Para Pompéo e Seefeldt (2013), a Web contém dados e informações que,
armazenadas num servidor, podem ser exibidos por meio de hipertextos, vídeos, sons e
imagens. Esse material é lido através de um navegador da internet que, através de
provedores de busca, direciona o usuário às páginas determinadas.
Porém, um detalhe importante é que esse conteúdo é varrido da Surface Web, que
resume a coletânea de páginas encontradas da plataforma superficial. Logo, o que chama a
atenção é que o conteúdo apresentado em toda sorte de variedades não é total. O restante
do conteúdo, em toda sua abundância, na verdade está na parte profunda, chamada de
Deep Web, que fica alheia aos provedores habituais. Isso acontece porque
Os autores ainda explicam que a expressão Deep Web foi criada por Michael K.
Bergman, fundador do programa Bright Planet, software especializado em coletar, classificar
e procurar conteúdo nessa esfera da Web. Bergman (2001) afirma que:
499
Searching on the Internet today can be compared to dragging a net across
the surface of the ocean. While a great deal may be caught in the net, there
is still a wealth of information that is deep, and therefore, missed. The
reason is simple: Most of the Web's information is buried far down on
dynamically generated sites, and standard search engines never find it
(BERGMAN, 2001).
Vários cronistas de páginas da web visível que estiveram na Deep Web, narram que
“cibercriminosos e espiões oferecem seus serviços”, e é oferecida a “venda de documentos
falsos, com páginas que oferecem até cidadania norte-americana”. 45
Mas nem tudo é negativo, por outro lado é possível encontrar “uma biblioteca com
livros raros, serviços de mensagens instantâneas, cerca de 50 GB de livros sobre religião,
psicologia e outros assuntos curiosos, além de acervos de músicas e filmes” 46. Além disso,
“correspondentes internacionais se comunicam com suas respectivas redações por meio da
Deep Web. Países como Irã, Coreia do Norte e China costumam controlar a internet
convencional, sobretudo se quem estiver navegando nela for um jornalista estrangeiro.
Nesse caso, usar a Deep Web é um jeito de burlar a censura” 47.
45
Disponível em: http://olhardigital.uol.com.br/noticia/nas-entranhas-da-deep-web-o-que-h-de-bizarro-na-
parte-de-baixo-da-internet/31170
46
Disponível em: http://olhardigital.uol.com.br/noticia/twitter-livros-e-m-sica-o-lado-cult-da-deep-web/31124
47
Disponível em: http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI331438-17770,00-
NEM+TUDO+SAO+TREVAS+O+LADO+BOM+DA+DEEP+WEB.html
500
Figura 1: Comparativo da Surface e Deep Web.
Fonte: Google Images.
Para ter entrada nesse mundo oculto da Web, é necessário um navegador específico,
o Tor ou Thor (The Onion Router). O projeto Tor, inicialmente apoiado pela Marinha dos
EUA, baseia-se na ideia de se criar uma rede de computadores de usuários na qual uma
requisição de página web ou de outro recurso passa pelas máquinas de vários usuários,
escondendo assim o IP do computador que faz a requisição original, garantindo anonimato
(PISAWERICZ, 2013, p. 80).
E a esse universo oculto foi atribuída a gênese das atividades de dois grupos
ciberativistas: o Wikileaks e o Anonymous, grupos que hoje estão também na Surface Web.
CIBERATIVISMO
Iniciando a análise do primeiro grupo, Costa e Araújo (2012) mostram que a Wikileaks
é uma organização internacional sem fins lucrativos, com sede na Suécia. Surgiu em 2006
com um site, administrado por The Sunshine Press, mas apenas foi oficializada no ano
seguinte. Eles explicam que:
Soares (2010) acredita que a Wikileaks pretende ser um grande banco de dados de
informações sensíveis aberto às massas. Porém ele mostra que o gerenciamento das
conexões ao Wikileaks é uma questão especialmente delicada. Além da necessidade de
garantir o anonimato para os que publicam novos vazamentos e para aqueles que os
baixam, o grupo protege os envolvidos através de softwares livres que permitam navegação
anônima, como o Tor.
Apesar da transação dessas informações de cunho privado circularem na Deep Web,
elas também se espraiam na Surface Web através das redes sociais que redirecionam ao
conteúdo estendido que o grupo deseje divulgar.
501
O segundo analisado é o Anonymous, que se notabiliza por ser difícil de ser
classificado, visto que a identidade dos seus membros é anônima. Qualquer pessoa pode ser
um “anonymous”. Conforme Teixeira et al. (2012) lembram,
Nós somos uma ideia. Uma ideia que não pode ser contida,
perseguida nem aprisionada. Somos uma ideia que surgiu em 2004 e
sempre seguiu uma linguagem de memética e muitas sátiras. Hoje,
Anonymous é uma ideia de mudança, um desejo de renovação (...)
Temos em mãos pela primeira vez o poder de produzir, distribuir e
trocar informações. (...) Qualquer um, e todo aquele que carregar
esse ‘sentimento, é, por definição, Anonymous (ANONYMOUS,
acesso em 2013).
INTERSECÇÕES
48
Disponível em: http://olhardigital.uol.com.br/noticia/relembre-5-dos-principais-feitos-do-
anonymous/30331.
502
Objetivando contribuir para o fortalecimento do fato de que ambos os grupos se
utilizam da Deep Web como fonte para colher informações de cunho privilegiado, é
proposta uma análise das intersecções feitas entre essas duas partes da Web, visto que são
trazidas do fundo para a superfície.
O uso da rede social Facebook é um exemplo disto. Ambos os grupos possuem
páginas oficiais na rede onde divulgam notícias sobre governos, documentos oficiais e
dossiês.
No caso do Wikileaks, cujo lema é And the truth will set you free (e a verdade te
libertará), só no ano de 2010 chegaram à público 250 mil documentos diplomáticos dos
Estados Unidos, entre outros, que também citam o Brasil49. Isso revela uma possível quebra
de sigilo da Deep Web. As intersecções feitas e divulgadas pelo grupo em seu próprio site e
em suas redes sociais causaram longas repercussões junto à mídia, os governos e o público
em geral, que resultaram na prisão do fundador Assange e de Chelsea Manning e Edward
Snowden, que contribuíram diretamente na divulgação de detalhes dos programas de
vigilância dos EUA; e pelo vazamento de um vídeo do ataque de um helicóptero a civis em 12
de julho de 2007 em Bagdá.
Após esses eventos, outros apoiadores e membros do grupo se mantêm em
atividade, ainda cultivando seu caráter de denúncia sob diversos aspectos. Um exemplo é o
print abaixo, feito da página oficial no Facebook, onde o público é incitado à coragem. A
cadeira vazia, ao lado dos monumentos do trio é vazia, denotando que qualquer um pode
ocupa-la e ser “corajoso”.
49
Disponível em: http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2010/11/30/veja-o-que-ja-foi-
divulgado-nos-documentos-vazados-no-wikileaks.htm.
503
Figura 2: Print feito da página oficial do Facebook do Wikileaks.
As datas dos posts fazem menção ainda às denúncias feitas dos documentos
americanos vazados, que indicam indignação por parte do público e até mesmo admiração
pelo trabalho de Assange.
Por parte do grupo Anonymous, também presente na rede Facebook, cujo lema é We
do not forgive, we do not forget (nós não perdoamos, nós não esquecemos), eles se auto
descrevem na página como “os Cavaleiros Anônimos” que apoiam os “pobres e impotentes”.
A ação hacker do grupo tem chamado bastante atenção desde o início de suas
atividades, em 2003, na qual eles estimulam a formação de um cérebro global ativista pela
mesma causa.
Também é possível acompanhar diversas denúncias feitas pelo grupo e o feedback
intenso do público, como mostram as figuras abaixo:
505
Figura 7: Print da página do Anonymous no Facebook.
O post é um alerta aos atos de espionagem dos EUA ao telefones celulares dos
cidadãos americanos a fim de encontrar criminosos. Segundo o alerta, estão sendo usadas
pequenas aeronaves equipadas com uma máquina chamada Dirtbox, que imitam o sinal das
torres de telefonia para coletar os números de celulares e a região na qual estão.50 O
feedback do público permeia entre a descrença e a ironia:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tais informações revelam as intersecções feitas no dia a dia pelos grupos
ciberativistas superando as barreiras comunicacionais em níveis inimagináveis, causando
moções dentro e fora das redes. É importante destacar que este é um estudo que não se
esgota, mas dá margem à análises mais profundas no universo acadêmico, visto que sua
importância tem habitado as redes, as ruas, as mídias e as ideologias humanas.
50
Disponível em: http://canaltech.com.br/noticia/seguranca/Espionagem-EUA-utilizam-avioes-comerciais-
para-rastrear-celulares/.
506
É importante nos perguntarmos até onde se estende a informação; o quão ao alcance
de nossas mãos ela realmente está; os reais interesses e preços a serem pagos pela busca da
“verdade”; e as consequências para a sociedade como um todo.
REFERÊNCIAS
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www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/ueadsl/article/.../3042/3000. Acesso em:
28/08/2013.
508
HISTÓRIA E TECNOLOGIA: REDES SOCIAIS, VÍDEO E FOTOGRAFIA COMO INSTRUMENTOS
NA PRÁTICA DE ENSINO DO PROFESSOR DE HISTÓRIA DO ENSINO BÁSICO
Helan de S. Couto
UNIFSJ
RESUMO: O presente trabalho propõe discutir o uso das TIC’s para o ensino de História e os
dilemas vivenciados na rede básica de ensino para implementar tal prática. Busca-se elucidar
alguns recursos tecnológicos disponíveis para a colaboração no processo de ensino-
aprendizagem da disciplina, tais como as redes sociais e mídias, visto que a utilização de
TIC’s, nos contextos de aprendizagem formal já se tornou real, faltando apenas ser
interiorizada pela a escola.
Palavras-chave: História. Prática de Ensino. TIC’s. Mídias.
INTRODUÇÃO
As tecnologias aplicadas à educação tem se tornado um tema recorrente no meio
acadêmico e institucional. Há uma soma considerável de artigos sendo produzidos com o
intuito de não só por em prática as tecnologias da informação e da comunicação (TIC's) nos
ambientes de aprendizagem, mas também entender como seu uso pode ser (ou não)
benéfico para os alunos. De qualquer forma, não se pode negar seu desenvolvimento e
crescimento no meio educacional.
Para alguns às tecnologias tem sido semelhante ao ar: quase impossível viver sem. O
que dizer então sobre os alunos que vem de uma geração nativa, tecnologicamente falando?
No entanto, cabe o questionamento de como utilizar tantas tecnologias em sala de
aula, na educação básica. Neste caso em específico será analisada quais instrumentos e
recursos os profissionais de História tem utilizado para o ensino de História.
O presente trabalho surge como resultado de um minicurso, realizado como o intuito
de aproximar as TIC's dos professores de História. Não se tem a intenção de criticar tão
somente os recursos utilizados até o presente, no entanto, a realidade confronta com a
prática de ensino, que promove a expectativa de melhora do ensino de História,
especialmente no que diz respeito à pratica e aos recursos utilizados para a aprendizagem.
509
Portanto, este artigo se dividirá nas seguintes seções: primeiro será apresentado um
estudo sobre as TIC's - história e recursos; em seguida, se debruçará uma análise sobre os
dilemas enfrentados dentro da prática de ensino de história; e por fim, serão identificadas
tecnologias aplicáveis em sala de aula e para a capacitação do profissional, que se propõe a
estar sempre refletindo sua prática.
510
distribuição e armazenamento de informação e dos processos comunicativos. Vivencia-se a
massificação das mídias de informação.
Do final século XVIII ao século XXI a revolução tecnológica ganhou corpo e forma,
após ter passado por outras revoluções que mudaram o pensamento ocidental, como a
Revolução Francesa (1789)51 e. Revolução Russa (1917)52, e ainda por duas grandes
guerras53, nos mostram que certamente, a sociedade mudou muito. Não por menos o
historiador Eric Hobsbawm dedica um livro somente a esse período da história da
humanidade, o Era das Revoluções (1998).
Ainda no século XX, o mundo vivenciou uma grande crise política e econômica,
gerada pelo mal-estar da bipolaridade mundial e o medo de uma nova guerra eminente
entre EUA e URSS, que proporcionaram ao mundo a maior corrida armamentista até então
vista. Esse período da história mundial ficou conhecido por Guerra Fria54. Durante esse
período, visualizamos o nascimento do primeiro transitor (1947), passando para o
microprocessador (1971) e para o microcomputador (1975), o cerne da revolução
tecnológica da informação no século XX. Então, além da corrida armamentista, uma nova
revolução tecnológica surge, permitindo que novas tecnologias da informação se
difundissem pelo globo numa a velocidade assustadora em menos de duas décadas, entre
meados das décadas de 1970 e 1990 (CASTELLS, 2000).
Um teórico que aborda esse momento é Castells em sua obra A Sociedade em Rede
(2000). Castells (ibidem) afirma que foi através do microprocessador que surge o
microcomputador, e os avanços das telecomunicações permitem o funcionamento em rede
dos microcomputadores, e as aplicações dessas tecnologias impulsionaram a produção de
51
Período da história ocidental marcado por intensa agitação política e social na França, que marcou a história
do país e, mais amplamente, em todo o continente europeu. É caracterizado pelo fim da monarquia absolutista
francesa e dos privilégios feudais, aristocráticos e religiosos, e foram tomados por grupos políticos radicais de
esquerda, das massas nas ruas e de camponeses na região rural do país. Os princípios da revolução francesa
ecoam até os dias atuais: Liberté, Égalité, Fraternité (liberdade, igualdade e fraternidade).
52
A Revolução Russa de 1917 iniciou-se em 1917, E foi marcada por derrubar a autocracia russa e levou ao
poder o Partido Bolchevique, de Vladimir Lênin. A soma dos fatores levou a manifestações populares que
fizeram o monarca renunciar e, no fim do processo, deram origem à União Soviética, o primeiro país socialista
do mundo, que durou até 1991.
53
Aqui, refere-se a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
54
Período histórico de disputas estratégicas e conflitos indiretos entre os EUA e a URSS. Foi um momento de
conflito político, militar, tecnológico, econômico, social e ideológico entre as duas grande potências mundiais, à
época, e suas zonas de influência. Denominou-se "Guerra Fria" porque não houve uma guerra direta entre as
duas superpotências, dada a inviabilidade da vitória em uma batalha nuclear.
511
semicondutores, novos softwares foram estimulados pelos novos microcomputadores, e
assim por diante.
Certamente que os EUA foi o lócus da primeira revolução em tecnologia da
informação, mais especificamente na Califórnia dos anos 1970, como resultado de indução
tecnológica e não como determinação social (Op. Cit.). Castells (2000) chega a afirmar que a
reestruturação econômica e social da década de 1980 só foi possível a partir da tecnologia
disponível nos anos 70, que por sua vez, condicionou toda a trajetória da tecnologia nos
anos 1990.
É nesse contexto que surge, para Castells (2000), a sociedade em rede, como
consequência da interação dessas duas forças: "o desenvolvimento de novas tecnologias e a
tentativa da sociedade de reaparelhar-se com o uso do poder da tecnologia para servir a
tecnologia do poder” (CASTELLS, 2000, p.69).
Acredita-se que a revolução da tecnologia da informação, portanto, dependeu
cultural, histórica e espacialmente de um conjunto de circunstâncias especificas, e cujas
características determinaram seu futuro.
Portanto, é através da aplicação imediata no próprio desenvolvimento da tecnologia
gerada, que o mundo pode-se conectar, valendo-se da tecnologia da informação.
Certamente é sabido que o mundo ocidental está se conectando cada vez mais, e também é
sabido que ainda há áreas do globo que ainda não estabeleceram conexões com as TIC's.
Porém, não é esse o intuito desse trabalho, apesar de ser uma discussão necessária. O
acesso às informações e às comunicações se torna cada dia mais imediato, e é exatamente
por isso que se propõe cada vez mais sua aplicação no meio educacional.
512
mediando a comunicação e a informação via Internet. É na verdade um novo espaço de
sociabilidade, de comunicação e conhecimento, de organização e de informação. São
encontradas na cibercultura uma diferente lógica comunicacional, com rede hipertextual
própria, marcada pela multiplicidade, interatividade, imaterialidade, virtualidade, tempo
real, multissensorialidade e multidirecionalidade, de símbolos e significados próprios (Levy,
1999).
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN´s) o atual cenário
educacional visa a total associação entre a educação do cidadão com o novo contexto
socioeconômico-tecnológico, cuja característica está na informação digitalizada como nova
infra-estrutura básica. A sociedade está, como afirma Levy (1999) encontra-se condicionada,
mas não determinada pela técnica. Portanto, se a escola, inserida dentro da sociedade e
instituição pertencente a esta, não inclui a Internet e as TIC´S na educação dessa nova
geração de alunos, ela vai contra todo o movimento da cibercultura e da modernização da
educação, podando o crescimento e a inclusão do aluno. E é nesse cenário que entra a aula
de história e a utilização das TIC´S.
A atual realidade da sala de aula, deixa pouco espaço para grandes avanços, quando
se trata da inserção das TIC´S na sala de aula, principalmente no que se diz respeito do
ensino público. Há uma carência de recursos e tecnologias para a melhoria do aprendizado
do aluno, ou, quando existem essas tecnologias, falta capacitação dos profissionais da
educação. Isso somado a um crescente desinteresse pelo hábito da leitura (fundamental
para a aprendizagem de História) e a longas aulas expositivas, o efeito não poderia ser outro:
baixo rendimento e resultados nas avaliações cada vez mais frustrados (SOSA & TAVARES,
2013). Podemos observar mais claramente esse discurso em Kenski (2010, p.45):
Por mais que as escolas usem computadores e internet em suas aulas, estas
continuam sendo seriadas, finitas no tempo, definidas no espaço restrito
das salas de aula, ligadas a uma única disciplina e graduadas em níveis
hierárquicos e lineares de aprofundamento dos conhecimentos em áreas
específicas do saber. Professores isolados desenvolvem disciplinas isoladas,
sem maiores articulações com temas e assuntos que têm tudo a ver um
com o outro, mas que fazem parte dos conteúdos de uma outra disciplina,
ministrada por um outro professor.
513
Tal fato também se deve pelo crescente distanciamento entre a escola e as mudanças
sociais que vem ocorrendo. Além do fato de como as escolas entendem a disciplina História:
como algo estático, voltado para a memorização, tornando-a questionável, seja sobre sua
relevância, seja como disciplina formadora de conhecimento, o que é algo muito perigoso.
Para o historiador March Bloch (2001), a depreciação da história só serve a um propósito: o
da ignorância. Pensando nisso, o desafio de lutar contra este estigma da disciplina História
na escola, se torna parte da responsabilidade não somente do professor de História, que vai
ter que confrontar essa realidade para a melhoria do aprendizado dos alunos, mas também
de todos os profissionais que estão envolvidos na estruturação do currículo escolar.
514
A partir disso, percebemos como a as novas tecnologias (fotografia, vídeo, imagens,
internet, aplicativos, filmes) contribuem metodologicamente, quando usadas corretamente
para a construção conhecimento histórico.
Ao estudar os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio no Brasil, é
clara a proposta de utilização de novas metodologias no ensino, através de filmes e o uso da
informática, o que faria da aula de História algo mais dinâmico e atrativo para o aluno.
Sobre essas tecnologias a serem utilizadas cabe um leque de opções que, em sua
maioria, são desconhecidas pelo professor, e que podem contribuir para a sua prática em
sala de aula. Podemos por exemplo citar o trabalho de Michele Rosa (2011) e sua pesquisa
com a utilização de acervo digital de fontes históricas, através do uso da informática.
Na atual conjuntura educacional, cabe uma série de recursos para a prática do
professor. Claro que o aliado mais popular, com suas óbvias ressalvas e cuidados na
metodologia de ensino, continua sendo Hollywood. No Brasil, a difusão desse recurso
apareceu já nas primeiras décadas do século XX. Mocellin (2010) afirma que “intelectuais
ligados à Escola Nova [...] como Fernando Azevedo, Afrânio Peixoto, Anísio Teixeira e Edgar
Roquete-Pinto, também identificaram no cinema um forte potencial didático” (SOUZA apud.
MOCELLIN, 2012 p.10).
Os filmes e documentários são atrativos aos alunos, que vão buscar as devidas
ligações com o conteúdo aplicado, claro com a prévia orientação do professor. Infelizmente
tem se criado uma cultura de utilizar o filme para “passar o tempo”, o que desconstrói
completamente a metodologia de ensino que poderia ser muito produtiva na sala de aula.
Por isso, ao exibir o filme, o professor deve ter alguns cuidados, entre eles, o planejamento
prévio, com um roteiro pré-estabelecido sobre o que o aluno deve observar e anotar sobre o
filme. Esquemas e analogias entre o conteúdo lecionado e o filme também trata-se de uma
boa proposta para que o aluno produza. Há também a possibilidade de se trabalhar aulas e
entrevistas com historiadores renomados no canal do Youtube55.
Outra opção é trabalhar o conteúdo através de imagens, sejam elas impressas ou
utilizando o recurso do projetor. As artes visuais atraem essa geração digital. Segundo
55
YouTube é um site que permite que seus usuários carreguem e compartilhem vídeos em formato digital. Foi
fundado em fevereiro de 2005 por três pioneiros do PayPal, um famoso site da internet ligado a gerenciamento
de transferência de fundos. Referência Wiipédia. Site: www.youtube.com
515
Renata Libório56, Psicóloga, nós “Vivemos em uma época de culto à imagem, à celebridade.
(...) as pessoas se expõem e desejam o tempo todo ser vistas e curtidas virtualmente. Hoje,
estar em evidência é sinal de status, dá sensação de importância”. Esse perfil vem
alcançando cada vez mais crianças e jovens, que utilizam aplicativos para se comunicar com
o mundo virtual e real.
Para que o ensino de História, todavia, seja levado a bom termo, (...), torna-
se necessário que o professor inclua, como parte constitutiva do processo
ensino/aprendizagem, a presença de outros mediadores culturais, como os
objetos da cultura material, visual ou simbólica, que ancorados nos
procedimentos de produção do conhecimento histórico possibilitarão a
construção do conhecimento pelos alunos, tornado possível “imaginar”,
reconstruir o não-vivido, diretamente, por meio de variadas fontes
documentais (SIMAN, 2004. p. 88).
56
Entrevista de abril de 2014 da Revista Nova Escola
57
O Pinterest é uma ferramenta visual onde você pode encontrar ideias para todos os seus projetos e
interesses. Referencias do próprio site: ww.pinterest.com
58
Facebook é um site e serviço de rede social que foi lançado em 4 de fevereiro de 2004, operado e de
propriedade privada da Facebook Inc.. Referencia: Wikipédia. Site: www.facebook.com
516
Há ainda uma rede social específica sobre História, que alcança professores,
pesquisadores e estudantes, o Café História59. Segundo sua própria descrição o site se
denomina uma rede social de conteúdo aberto. Os que acessam a página não necessitam de
um cadastro para acessar os conteúdos, como outras rede sociais. Neles estão disponíveis
artigos entrevistas, documentários e documentos digitalizados para a pesquisa em História.
Por isso se torna um relevante recurso de pesquisa direcionada na sala de informática, que
pode contribuir para as pesquisas de estudo dos alunos, e que vão além dos sites de buscas
dos quais eles estão acostumados.
Todos esses recursos podem e devem ser utilizados a favor do ensino de história.
Além desses, há uma infinidade de outros, tais como televisão, aplicativos específicos para o
ensino de História, banners, etc. No atual contexto da “sociedade em rede” (CASTELLS, 2000)
da qual estamos inseridos, o professor de História (e das demais áreas) é desafiado a
utilizar as TIC´S como instrumentos facilitadores do ensino-aprendizagem e do saber
histórico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Certamente que o surgimento e, por consequência, o uso de novas tecnologias no
ensino de história amplia o universo de metodologias aplicadas ao ensino de História,
voltando-se para uma metodologia diversificada de conteúdos, atividades e avaliações,
serão capazes de estimular o interesse do aluno e melhorar a produtividade e a prática do
docente, valendo-se da vivência do educando com o universo tecnológico.
Com a utilização das TIC´s no ensino de História, a mesma deu uma nova roupagem
à prática de ensino e à construção do saber histórico em sala de aula, ampliando o cenário
de fontes e o seu acesso à comunidade escolar. Dentro da infinidade de instrumentos a
serem utilizados para a melhoria do ensino de História, aqui foram citados apenas alguns
59
O Café História é uma rede social online fundada em 18 de janeiro de 2008 pelo jornalista e historiador
Bruno Leal. É voltada para estudantes, professores, pesquisadores e para todos aqueles que acreditam que
estudar e discutir história é o maior barato. Todo o conteúdo do site é aberto. O internauta não precisa fazer
nenhum cadastro para acessar textos, vídeos ou fóruns. É tudo livre e gratuito.Descrição retirada do próprio
site: http://cafehistoria.ning.com/
517
destes que estejam mais acessíveis ao professor, a escola e ao educando. Certamente que,
gradativamente, muitos outros recursos podem e devem ser inseridos a essa realidade.
Esse tipo de aprendizagem permitirá ao aluno desenvolver habilidades e
competências previstas nos Parâmetros Curriculares Nacionais, criando um envolvimento da
realidade social com a virtual, tão comum a esse aluno. Isso acrescentará à formação
intelectual e cognitiva do mesmo, assim como livrará a disciplina História do limbo da
memorização. Por isso, não deve-se dissociar o ensino das transformações da sociedade, que
recebe muitas informações cada vez com maior velocidade, o que leva o professor a
desdobrar-se entre sua formação específica e sua atualização de mundo, o que exige muito
do profissional da educação. Vale ainda destacar que sem a devida capacitação e
aprofundamento nos estudos sobre a produção historiográfica e a prática do ensino de
História e suas interações com as TIC´s. Dessa forma, a formação continuada dos
profissionais de História torna-se imprescindível para o seu sucesso dentro e fora de sala de
aula, mesmo sabendo que esses movimentos muito recentes.
As novas tecnologias contribuem também de forma metodológica para o ensino de
História, como foi destacada durante o presente trabalho, tanto no que se diz respeito à
pesquisa quanto à produção e à transmissão do conhecimento histórico, seja ele
desenvolvido com ou sem a internet.
As alternativas propostas neste artigo visam elucidar e contribuir para a prática do
professor de História, e das Ciências Humanas de forma geral, estimulando o docente a
melhorar e repensar a sua prática de ensino.
A reinvenção de novos caminhos que traga melhorias para a educação deve ser
realizada pelo professor de História. Certamente que, como todo caminho, haverão
obstáculos e dificuldades em sua trajetória. E é por isso que o profissional da História não
pode deixar de continuar se capacitando e dando continuidade à pesquisa, da qual sugiram
alternativas válidas para traçar o caminho desejado pelo professor.
REFERÊNCIAS
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Zahar, 2001.
518
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em: 10/07/2014
519
ENSINAR PARA A GERAÇÃO TECNOLÓGICA: UM DESAFIO PARA A ESCOLA E PROFESSORES
DA CONTEMPORANEIDADE
RESUMO: Este trabalho busca refletir sobre os desafios de ensinar para a “Geração
Tecnológica”, também chamada de “Geração Mídia”, uma nova geração que, naturalmente,
são conhecedores da tecnologia e dominam as novas ferramentas e o acesso à Internet, sem
nenhuma dificuldade. Do outro lado, os professores, na maioria “Imigrantes Digitais”, com
impasses e deficiências da própria formação, veem-se em desvantagem frente às
diversidades da contemporaneidade, pois se sentem inseguros para usar os computadores e
a Internet e não sabem manuseá-los em suas práticas docentes. Esse despreparo do
professor resulta em uma grande distância entre professor e aluno, podendo colocar em
risco o que há de mais valioso no processo de ensino aprendizagem: a interação. Sabe-se
que o papel do professor é essencial em fornecer orientações mediadoras no sentido de
estimular os cérebros dos seus alunos e ajudá-los a buscarem informações, a fazerem
conexões e transformarem essa rede de informações adquiridas no ciberespaço em
conhecimentos significativos. Para Gary Samall (EUA), desde quando o homem aprendeu a
usar uma ferramenta, o cérebro não sofria um impacto tão grande e significativo como
ocorreu com o uso da Internet, pois o cérebro humano é uma estrutura que é movida a
desafios e que se transforma com eles. Logo, essa nova geração que está em constantes
atividades nas redes, que envolvem desafios, experimentação, inovação, criatividade,
necessita do professor que esteja motivado a buscar novas alternativas de trabalho e que
conheça as necessidades das novas gerações, os processos cognitivos de aprendizagem, as
novas ferramentas tecnológicas e, interaja com elas.
Palavras-chave: Ensino. Práticas docentes. Tecnologias.
INTRODUÇÃO
No contexto do atual modelo econômico-político-social, escola e professores
encontram-se diante de um grande desafio que é propor uma nova educação que busque
formar e inserir na sociedade tecnológica indivíduos preparados e capazes de elaborar e
realizar seus projetos de vida com segurança, determinação e autonomia.
Com o surgimento das novas tecnologias, o indivíduo depara-se com uma nova forma
de agir e de viver, moldado num sistema vinculado às novas ferramentas e aquele que não
conseguir operar sua rotina neste novo formato está excluído deste novo mundo.
520
Todavia, a escola, como espaço formador de indivíduos, precisa adotar um novo
formato de educação pautado numa estrutura voltada para a atual realidade global.
O perfil do aluno atual é bem diferente. Os jovens de hoje já nasceram na era
tecnológica e cresceram convivendo com as mais diferentes formas de tecnologia e
desenvolvendo com elas uma relação natural.
A rotina dos chamados “Geração Mídia” está fortemente vinculada ao uso de
videogames supermodernos, tablets, computadores e celulares conectados à internet, e com
programas e recursos mais abrangentes na busca de informações. Executam várias tarefas
ao mesmo tempo, são curiosos, dinâmicos e querem aprender pela experimentação, pelo
dinamismo e pelo entusiasmo.
Para atender a este novo sujeito, a escola precisa adotar um novo modelo de
educação comprometida com o ensino de qualidade com propostas educacionais que
atendam as necessidades da sociedade contemporânea, respeitando a capacidade, os
interesses e o ritmo de aprendizagem de cada aluno, atendendo assim, a heterogeneidade e
a individualidade de sua comunidade.
Propõe-se, neste artigo, uma reflexão sobre os novos desafios que a escola enfrenta
para dar conta de seu papel formador e as dificuldades encontradas pelo professor em atuar
em uma sociedade caracterizada pela transformação tecnológica, entendendo que a
parceria entre a Educação e a tecnologia pode ser um caminho que contempla a diversidade
e a complexidade social, visando à formação crítica dos cidadãos.
521
Para Prensky, há um desnivelamento quanto à educação para estes dois grupos, não
podendo, então, os nativos digitais ficarem presos a um sistema educacional que não condiz
com a realidade dos jovens atuais. De acordo com o autor, este desnível é influenciado pela
disseminação das TICs desde o final do século XX.
O fato de diferentes níveis de ensino em diferentes países e contextos
socioeconômicos chama a atenção de outros autores como, por exemplo, Markgren (2008);
Oliveira (2010); Santos et al.(2011) e Tapscott (2010) que afirmam que, de acordo com a
evolução social e tecnológica, as características dos indivíduos foram se definindo,
facilitando assim, uma identificação das gerações ao longo destes dois últimos séculos. Estes
autores dividem a sociedade nas seguintes gerações: Belle Époque (também conhecida como
Geração Tradicional, nascidos antes da década de 50); Baby Boomers ou geração TV (1946-
1964); Geração Baby Dash ou Geração X (1965-1976); Geração Y ou Geração Millennials, ou
ainda Geração Internet ou Geração Digital (1977-1997); e Geração Z ou Geração Next a partir
de 1998.
Essas gerações são caracterizadas com base no consumo midiático, atribuindo à Tevê
a atenção dos "babyboomers"; a “geração X” como grande consumidora dos canais de rádio,
televisão e cinema, aproveitando destes meios para se especializarem e se prepararem
profissionalmente; a terceira, chamada de “geração Internet" ou "geração X" tem como
marca a Internet; e, finalmente ele atrela a comunicação móvel à "geração Next”, ou seja, às
gerações seguintes.
O termo “geração” nasceu da teoria de Comte (1998), que durante décadas definiu
geração como os descendentes ou sucessores de seus pais, sendo calculada como uma
geração ao fim de um período de 25 anos. Porém, com o aumento da expectativa de vida
das pessoas, o intervalo entre as gerações diminuiu, fazendo com que pessoas de gerações
diferentes convivam no mesmo ambiente social.
Para Feixa e Leccardi (2010, p.187), na concepção mecânica de Conte, há uma linha
teórica mais usual para a divisão das gerações que busca identificar um tempo quantitativo e
objetivamente mensurável como critério para o progresso linear. “Comte afirmou que o
ritmo pode ser calculado simplesmente pela medição do tempo médio necessário para que
uma geração seja substituída – na vida pública– por uma nova.”
522
Portanto, vale esclarecer que as pessoas classificadas em uma geração não têm
necessariamente o comportamento ajustado nela, ou pode ter uma mistura de dois ou mais
comportamentos característicos de gerações diferentes. Estas classificações de gerações são
utilizadas como denominações didáticas para apresentar as caracterizações de cada fase.
A geração Mídia mencionada neste artigo refere-se às três últimas gerações: as
gerações X, Y e Z.
Para conhecer mais sobre a geração Mídia, ou seja, os alunos dessa nova geração,
são apresentadas aqui algumas de suas características:
• Preferem computador à televisão, não largam o celular, possuem e-mail e
participam das redes sociais;
• Aprendem muito rápido e são multitarefas;
• Preferem horizontalidade nas relações;
• Vivenciaram avanços midiáticos tecnológicos significantes - conhecem bem a
linguagem das máquinas;
• Estão imersos em diversas redes sociais digitais – Whatsapp, MSN, Facebook,
Formspring, Twitter...;
• Consideram o ciberespaço seu habitat natural e lógico;
• Apreciam narrativas transmidiáticas;
• Aprendizado não linear.
• Buscam estímulo em linguagens diferenciadas;
• São autodidatas, mas precisam de suporte e orientação;
• Consomem e produzem informação – sem critérios muito definidos (relevância da
informação);
• Solicitam aulas adequadas ao seu contexto;
• Tem dificuldades em atividades muito longas;
• Sentem necessidade de serem desafiados constantemente;
• Não veem utilidade no que estudam - pouca motivação na escola;
• Gostam do aprendizado fora da escola – simulações, interação, colaboração,
grupos, redes...
523
Estas características apresentadas pelos jovens desta geração são emergentes das
mudanças e transformações do mundo, causadas pelas inovações tecnológicas e o convívio
com estes novos instrumentos, como a TV, os videogames, os brinquedos sofisticados e
posteriormente o computador, tudo à disposição, o que confirmam a necessidade que estes
jovens têm de buscar o conhecimento de modo diferente.
Antes mesmo de aprendermos a lidar com os nativos digitais, surge, nos momentos
atuais, uma nova classificação social para a próxima fase, sucessora da geração mídia, é a
denominada “Geração Alpha”. Esta geração pertence aos nascidos a partir do ano de 2010,
ainda com características indefinidas, mas já se pode afirmar que nunca uma geração teve
tanto acesso a informação e educação como esta. As gerações Z e Alpha podem se unir
numa nova terminologia, mas, por não haver ainda características definidas, deve ser
chamada, por enquanto, de Geração Alpha.
Para Fernanda Furia60, as crianças da geração Alpha, nascidas depois de 2010,
chegaram num mundo mudado pela tecnologia, num mundo pronto e vão viver estas
mudanças com mais naturalidade.
Especialistas acreditam que estas crianças são, de fato, mais evoluídas que as das
outras gerações. Prensky afirma que “o cérebro humano está evoluindo cognitivamente em
função dessa simbiose com a tecnologia. É uma evolução do ser humano”. Contudo, pais e
professores encontram-se diante de um grande desafio na educação dessa geração que não
se contenta com os atuais formatos de educação, os quais vêm sendo adotados desde a
revolução industrial.
Para Lemos (2009), há uma grande dificuldade de comunicação entre os jovens da
geração mídia e seus professores, o que traz como consequência, sérios problemas no
processo de ensino e aprendizagem.
A exposição deste cenário justifica o estudo proposto neste artigo, apresentando
uma análise reflexiva sobre as características dos alunos da atual geração, advindas das
influências das TIC, as implicações das tecnologias para o processo de ensino e
aprendizagem e o impacto entre as novas gerações e o modelo atual de educação.
60
Fernanda Furia - Mestre em Psicologia de Crianças e Adolescentes (UniversityCollege London/ The Anna
Freud Centre- Londres), e Especialista em Psicoterapia de Crianças e
Adolescentes<http://porvir.org/porpensar/10-maneiras-de-preparar-novas-geracoes-para-vida/20140613>
524
O ATUAL MODELO DE EDUCAÇÃO ATENDE À NOVA GERAÇÃO
Sabe-se que, com a chegada das novas tecnologias, houve uma repercussão nos
processos de trabalho, sejam na sua qualificação, condições, saúde do trabalhador, políticas
de ocupação e uma série de outros fatores que afetaram os sujeitos desse processo e sua
organização. Aos poucos, depois de muitas discussões e medidas alternativas, houve uma
acomodação, mas ainda não satisfatória, no sentido de atender às novas exigências do
mercado trabalhista.
Apesar da reorganização dos postos de trabalho feitos nos novos moldes exigidos pela
modernização tecnológica, ainda se vê a necessidade de investimentos na formação e
capacitação do trabalhador. É preciso que o sujeito-chave desse processo tenha as
habilidades competentes necessárias para atender a demanda do mercado de trabalho.
Entretanto, conforme relata o professor Jim Lengel61,
61
Jim Lengel é Professor na Hunter College na Universidade de Nova York e consultor em organizações de todo
o mundo sobre a aplicação de novas tecnologias ao ensino e aprendizagem.
525
Para que a escola possa, dentro do seu papel formador de cidadãos, oferecer ao
aluno todas as habilidades exigidas para o mercado trabalhista, Lengel sugere diretrizes de
uma proposta que pode mudar as bases do trabalho de muitas escolas: a Educação 3.0.
Este novo modelo de educação define o uso e o impacto na educação com uma
aprendizagem colaborativa e personalizada, reutilizando conteúdos através de métodos
formais ou informais. Esta nova forma deve tomar um caminho direcionado para a Educação
tecnológica, através de um trabalho em que professores e alunos interagem na produção
coletiva do conhecimento, utilizando as ferramentas apropriadas para o trabalho pedagógico
e que possam atender seus interesses através da prática e experimentações.
Diante da necessidade dessas mudanças na educação, surge o grande desafio para
uma geração de docentes que se preparou na sua formação acadêmica para ensinar em uma
era pré-digital, quando ainda não se contava com recursos que pudessem favorecer a
interação e a colaboração capazes de conectar pessoas, tanto do meio acadêmico quanto da
sociedade civil, independentes de suas diversidades culturais, nacionais e de formação.
Os espaços institucionais legitimados para a formação dos cidadãos são as escolas e
as universidades, onde a educação é denominada educação escolar formal, mas há também
processos de educação não formal, ou seja, educação informal como Grupos, ONG’s e
empresas que oferecem cursos de capacitação, atualização, treinamento que podem ser
integrados ou não à educação formal. Portanto, a educação é tudo aquilo que adquirimos de
pessoas, grupos, instituições formais ou não formais, nos processos de transmissão de
cultura, valores, saberes, novas ideias, conhecimentos que habilitam o homem a viver em
sociedade.
A escola precisa também rever seus currículos. O que entendemos por qualidade de
educação depende de bons currículos, de novas relações de ensino com as propostas
transversais dos PCN’s. Os currículos precisam estar voltados para a realidade do aluno,
ligados ao seu cotidiano, à sua vida, devem estar contextualizados e aplicados à realidade do
estudante.
O aluno nascido na era tecnológica e que está sempre conectado, é capaz de, com a
orientação do professor, trabalhar em grupo, participar de projetos, desenvolver atividades
interdisciplinares, atividades que já devem, desde o início de cada curso, fazer parte dos
526
novos currículos. Para Sacristán, (2000, p.26), “O currículo é o cruzamento de práticas
diferentes e se converte em configurador, por sua vez, de tudo o que podemos denominar
como prática pedagógica nas aulas e nas escolas”.
A educação, nesta era chamada de “idade mídia”, pode contar com o apoio das novas
tecnologias, mas para que as mudanças sejam favorecidas elas precisam estar apoiadas nas
bases principais de uma educação inovadora. Conforme Moran (2007), podem-se citar como
bases: a) o conhecimento integrador e inovador; b) o desenvolvimento de
autoestima/autoconhecimento; c) a formação do aluno-empreendedor; d) a construção do
aluno-cidadão; e e) o processo flexível e personalizado. Estes pilares apoiados pela
tecnologia fazem com que o ensino-aprendizagem seja mais integrado, flexível, ativo e
inovador.
A FORMAÇÃO DO PROFESSOR PARA A EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA
Diante do atual panorama em que as TICs estão presentes facilitando a vida do
estudante no caminho da aprendizagem, urge pensar tanto na formação dos professores
quanto na implementação das novas ferramentas digitais como facilitadoras do trabalho
pedagógico.
Para que a escola possa atender as necessidades do aluno digital, ela precisa contar
com a contribuição do professor, que numa sociedade capitalista, em que o lucro, a
rentabilidade é uma preocupação constante, têm seus salários baixos, turmas cheias, falta
de motivação dos dirigentes, empobrecendo assim, a qualidade do serviço. A escola precisa
de bons professores e eles precisam ser estimulados, motivados e bem preparados para a
tarefa de ensinar, eles são as peças-chave na mudança da educação (MORAN, 2007).
O papel do professor no processo educacional é essencial, pois cabe a ele saber
orientar e fazer a mediação entre o sujeito e as TICs. Para isso, ele precisa dominar a
tecnologia, saber usá-la de modo que os envolvidos do processo possam buscar as
informações através dos buscadores das redes, trazer os conteúdos necessários e utilizar
dinâmicas mais colaborativas, visando aos benefícios para os processos de ensino e
aprendizagem. O professor precisa saber também, escolher os recursos didáticos em função
dos estilos cognitivos dos aprendizes e analisar quais ferramentas e em quais momentos elas
podem auxiliá-los.
527
A facilidade que os atuais alunos têm de transitar nesse novo ambiente das
tecnologias implica na necessidade de uma nova geração de professores, pois a inovação no
ensino depende tanto do conhecimento do professor em seu conteúdo quanto de seu
conhecimento na utilização das TICs.
Professores e alunos estão em constante interação com as tecnologias digitais nos
mais diversos ambientes. Eles carregam seus celulares, notebooks ou tablets, e há também,
os computadores disponibilizados na maioria das instituições, como escolas, clínicas, bancos
e outros, porém a inserção dessas tecnologias no dia a dia das práticas educacionais é
diferente, pois é necessário que os envolvidos no processo tenham as habilidades exigidas
para o trabalho com um novo formato de ensino.
Neste novo cenário transformado pela presença das TICs, o professor não só ensina,
mas também aprende. Ele não é mais o detentor do conhecimento, ele passa a ser o
mediador e, numa interação com seus alunos, ele orienta para um trabalho de busca de
informações e construção do conhecimento.
528
Para Tajra (2001, p.48) quando se pensa em tecnologia aplicada à educação, pode-se
dizer que são os instrumentos utilizados no processo de ensino e de aprendizagem. Devido à
disseminação social do avanço técnico, a partir de 1980 os audiovisuais foram inseridos em
um novo modelo de recurso didático e tiveram uma nova denominação de “Novas
Tecnologias Educacionais”.
Com as novas formas de ensinar, acredita-se numa maior aproximação do ensino à
realidade através de materiais concretos e de modernos meios tecnológicos capazes de
motivar os alunos a buscarem informações e diminuir o atraso educacional em relação ao
desenvolvimento tecnológico.
As novas ferramentas tecnológicas são recursos considerados mais comuns e grandes
colaboradores nas práticas pedagógicas. Com eles, os educadores buscam despertar e
motivar o interesse dos alunos, desenvolver a capacidade de observação, aproximar o
participante da realidade, internalizar as informações visualizadas nos conteúdos de
aprendizagem, oportunizar a busca do próprio conhecimento através das informações
oferecidas no ambiente de estudo, esclarecer noções mais abstratas e trabalhar e
desenvolver a experimentação concreta.
Segundo os PCNs, a inserção de inovações tecnológicas no ambiente escolar só é
válida se contribuir para melhorar a qualidade de ensino, caso contrário, continuarão os
velhos métodos de ensino mascarados de uma nova roupagem que de nada adiantarão. Os
Parâmetros (1997) relatam que: “As tecnologias devem servir para enriquecer o ambiente
educacional, propiciando a construção de conhecimentos por meio de uma construção ativa,
crítica e criativa por parte dos alunos e professores" (p.140). Entende-se assim, que as
tecnologias como ferramentas auxiliares para os educadores devem ser um tema bem
pensado para que a escola não se iluda com uma proposta de uma pedagogia nova, mas que
continua com os mesmos erros da pedagogia tradicional.
Os PCNs abordam ainda, a importância dos recursos tecnológicos na sociedade
contemporânea e essencialmente na educação considerando que:
529
ficar de fora ou à margem deste dinamismo, tendo de se enquadrar nesse
processo de transformação educacional e comunicação autêntica, aberta
entre professores e alunos principalmente, mas também incluindo
administradores a comunidade, principalmente os pais.
Dessa maneira, Lévy enfatiza ainda, que será necessário, também, buscar soluções
que utilizem técnicas capazes de ampliar o esforço pedagógico dos professores e dos
formadores desses profissionais.
É preciso lembrar que as tecnologias trazem grandes contribuições para o cenário
educativo, facilitam o trabalho de troca, colaboração, interação, mas nunca será capaz de
resolver os enigmas do mundo interior do ser humano. O trabalho da escola não se restringe
a apenas ensinar a aprender e preparar somente para o trabalho. O aluno precisa também
da educação social, aquela que ensina a compreender o mundo nas suas desigualdades;
conhecer o significado de ética como integração dos vários elementos do universo, o meio
530
ambiente, os seres vivos; aprendendo a conviver com as diferenças, a se comportar no
confronto com as diversidades, dentre outros.
Francisco Gutiérrez62, em sua pesquisa sobre educação na era da informação, sugere
que a escola atual dê mais atenção à sensibilidade do indivíduo do que para uma
racionalidade abstrata e distante. Sendo assim, a educação não pode estar apoiada somente
nos trabalhos amparados pelas tecnologias, mas num trabalho de colaboração entre os
sujeitos e as instituições no intuito de permitir ao indivíduo o direito de encontrar seus
espaços pessoais, sociais e profissionais e tornarem-se cidadãos realizados e produtivos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando se pensa no sistema educacional, a situação apresenta-se bastante
complexa. Há uma grande distância entre o mundo das TICs e o mundo da educação, pois as
transformações acontecem com tal rapidez que se faz pensar na existência de um impasse.
Portanto, isso deixa claro que, além da necessidade de simplesmente aperfeiçoar o sistema
educacional, o momento traz também a exigência de uma profunda transformação
estrutural do processo educacional com a inclusão das TICs.
A introdução das novas tecnologias da informação e da comunicação no contexto
educacional só tende a trazer vantagens para o ensino aprendizagem se essa parceria entre
a tecnologia educacional e a prática pedagógica for de colaboração, ou seja, desde que
professores e alunos possam interagir e construir o conhecimento e a tecnologia seja
vinculada aos objetivos pedagógicos (Dillon, 1996).
O que se pode dizer é que a edificação de uma escola competente, democrática e de
qualidade é uma exigência social, portanto a instituição educacional deve estar pronta para
atender a sociedade nas suas necessidades básicas de sobrevivência no mundo
universalizado.
Vale lembrar, também, que é preciso construir a escola visando à concretização do
projeto elaborado dentro da política dos órgãos governamentais e a contextualização social,
ou seja, com implantação de políticas educacionais coerentes com as transformações da
62
Francisco Gutierrez Doutor em Educação com especialização em Pedagogia da Comunicação e Mediação
Pedagógica, Diretor do Instituto Latino-americano de Pedagogia da Comunicação-ILPEC, em Heredia, Costa Rica
531
sociedade como um todo e não apenas com perspectivas voltadas somente para a
modernização do sistema.
Compreender os novos processos de aquisição e construção do conhecimento
implica em compreender que para acompanhar as exigências da sociedade atual há de se
considerar como fundamental a introdução destes novos recursos das novas ferramentas
tecnológicas com o acesso à internet e a capacitação do professor para a inserção dessas
novas ferramentas nos processos de ensino-aprendizagem.
A introdução destas tecnologias exige compreender de forma mais ampla a
necessidade de fortalecer a conexão escola e sociedade, articulando intensamente o
trabalho educacional direcionado ao objetivo de, através da produção do conhecimento,
formar o cidadão para a vida.
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533
REFLEXÕES SOBRE O CIBERESPAÇO COMO LUGAR DE MEMÓRIA SOCIAL
RESUMO: O presente artigo tem o objetivo de refletir o ciberespaço como lugar de memória
social, em um contexto em que a modernização das tecnologias de comunicação e
informação traz a necessidade de adaptação da sociedade como um todo. Com sua
capacidade infinita de armazenamento, o ciberespaço permite a virtualização dos lugares de
memória e seu acesso irrestrito por pessoas ao redor do mundo, com isso, os lugares de
memória deixam de se restringir a um espaço geográfico. Com base em autores como Pierre
Lévy, Solange Epelboin e outros, realizou-se um levantamento teórico sobre as
características do ciberespaço e os lugares de memória inseridos neste espaço. Para
demonstrar tal processo de reminiscência escolheu-se a Biblioteca Digital Mundial para
analisar o resgate histórico, social e cultural instaurado. A partir da análise do site da
biblioteca, reafirma-se a importância da memória social e do recurso tecnológico como um
facilitador para perpetuar a existência e, também, como um suporte que potencializa a
resistência ao esquecimento.
Palavras-chave: Lugar de memória. Ciberespaço. Tecnologias da comunicação e informação.
INTRODUÇÃO
A partir das novas tecnologias, o Ciberespaço vem sendo objeto de análise em
diversas vertentes. Por isso, com o desenvolvimento do artigo, propõe-se analisar o
ciberespaço como lugar de memória social, sob a perspectiva que com sua capacidade
infinita de armazenamento (ou quase), o ciberespaço permite a virtualização dos lugares de
memória e seu acesso irrestrito por pessoas ao redor do mundo, com isso, os lugares de
memória deixam de se restringir a um espaço geográfico. Nessa vertente, faz-se a
consideração de espaço/território, virtualização e Ciberespaço com suporte teórico para
fundamentar a abordagem. Além de se convocar fundamentos sobre a memória social.
A pertinência da pesquisa compreende o entendimento de que a sociedade como
organismo/sistema63 está em constante retroalimentação/desenvolvimento e as
63
Herbert Spencer (filósofo inglês), no século XIX, parte da definição de sociedade como um organismo. Por
analogia, destaca, então, processos de crescimento, expressos através de diferenciações estruturais e
funcionais. Disponível em: http://educacao.uol.com.br/biografias/herbert-spencer.jhtm
534
análises dessas mudanças, desde as mais singelas até as aprofundadas, contribuem de certa
forma para impulsionar e/ou tentar explicar essas transformações do mundo
contemporâneo, enriquecendo as discussões acadêmicas e sociais.
Com o objetivo de refletir o ciberespaço como lugar de memória social, em um
contexto em que a modernização das tecnologias de comunicação e informação traz a
necessidade de adaptação da sociedade como um todo, escolheu-se a Biblioteca Digital
Mundial para analisar o resgate histórico, social e cultural propiciado pela rede. Como nela
está disponível diversos materiais, elegeu-se a fotografia “Isabel, Princesa do Brasil” da
Coleção Thereza Christina Maria, composta por 21.742 fotografias, reunidas pelo Imperador
Pedro II e por ele doadas à Biblioteca Nacional do Brasil - BN. Tal fotografia consta no acervo
da Biblioteca Digital Mundial.
O VIRTUAL E O CIBERESPAÇO
O filósofo da informação Pierre Lévy (1996, p.16) define que o virtual é como
complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação, um
acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de
resolução: a atualização.
Sendo assim, “o virtual não se opõe ao real, mas ao atual: virtualidade e atualidade
são apenas duas maneiras de ser diferentes”. E continua ponderando que “o real assemelha-
se ao possível; em troca, o atual em nada se assemelha ao virtual: responde-lhe”. Pode-
se concluir que é um processo cíclico como afirma o teórico: “A atualização ia de um
problema a uma solução. A virtualização passa de uma solução dada a um (outro)
problema.” (LÉVY, 1996, pp.15, 17, 18).
O teórico ressalta a diferença entre a realização (ocorrência de um estado pré-
definido) e a atualização (invenção de uma solução exigida por um complexo
problemático) e que o virtual é tomado como maneira de ser, mas a virtualização como
dinâmica. Nesse recorte, chega-se ao entendimento de que a virtualização é um processo
537
em que um acontecimento, um objeto ou uma entidade passa a estar em potencial, latente
e será real, apesar de já existir, enquanto possibilidade, com a atualização – resolução do
problema.
Segundo Pierre Lévy (1999, pp.53, 88) “o virtual não ‘substitui’ o ‘real’, ele multiplica
as oportunidades para atualizá-lo”, é a releitura, a atualização de algo que existe
concretamente. Por exemplo, quando se edita um texto fisicamente gravado no HD (Hard
Disk) do computador, quem edita está sempre saindo do totalmente virtual para o
físico para não perder as informações. E mesmo que não se tenha gravado o
documento nessa memória virtual – HD – há a memória temporária, onde pode, com alguma
sorte, ser recuperado o arquivo da inexistência concreta.
Nesse contexto, os lugares ainda existem, apenas se apresentam de forma
atualizada, em ícones que muitas vezes mascaram até mesmo a existência de um lugar-
origem que, nesse mundo virtual, pode ser um lugar-físico (hardware) ou um lugar-
linguagem (software). Assume-se que o concreto ainda é condição fundamental da
existência e da própria virtualização. Virtual por virtual, a realidade é sempre uma
virtualização do que está gravado em nossos cérebros. O mesmo acontece quando se está
no Ciberespaço - há um suporte físico que o sustenta, reforçando a concepção desse
ambiente como espaço, lugar “real” (SOUZA e COSTA, 2006).
Há uma metamorfose da realidade “real”, que já existia, para a virtual. A grande
mudança está na noção de espaço-tempo, não presença, velocidade/interatividade. A partir
da virtualização, não se pode mais dimensionar, mais propriamente no Ciberespaço, alguma
coordenada espaço-temporal. “O virtual existe sem estar presente.” Vive-se em outro
momento, no qual se encoraja um estilo de interação quase independente dos lugares
geográficos (telecomunicação, telepresença) e da coincidência dos tempos (comunicação
assíncrona). Apesar de não ser uma novidade absoluta, pois já se tinha de alguma
forma uma comunicação contínua, recíproca e a distância com a escrita, a gravação de som e
imagem, o rádio, a televisão, o telefone e a carta, a internet potencializou de uma forma
única a comunicação67.
67
LÉVY, 1999. pp.48, 49.
538
O mundo virtual, sustentado pelos aparatos tecnológicos, possibilita a existência do
Ciberespaço. Afinal, o Ciberespaço, como fundamentam os autores Souza e Costa (2005), é a
virtualização, a atualização em um lugar, de dados registrados em outro lugar,
interconectados por redes, e que, por suas características técnicas de programação, permite
a mediação da comunicação entre os seres humanos e com a própria cultura por eles
produzida, principalmente, se considerar que os dados que aparecem na tela do
computador, em um site, por exemplo, podem estar hospedados em um lugar físico do
outro lado do mundo.
As definições de Lévy (1999, pp. 44, 49, 92) acrescentam que o Ciberespaço é um
espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das
memórias dos computadores, sendo como um único computador em que não é possível
traçar seus limites e definir seu contorno, pois é um computador cujo centro está em toda
parte e a circunferência em lugar algum, um computador hipertextual, disperso, vivo,
fervilhante, inacabado. Além disso, suas particularidades técnicas permitem que os
membros de um grupo humano (que podem ser tantos quantos se quiser) se coordenem,
cooperem, alimentem e consultem uma memória comum, e isto quase em tempo real,
apesar da distribuição geográfica e da diferença de horários.
No entanto, pode-se afirmar que nem tudo que é virtual é Ciberespaço. Com o apoio
de Rosa (2001) a consideração a se fazer é que existe diferença entre off-line e on-line. A
primeira condição compreende as operações feitas com a máquina que está automatizada
para responder mecanicamente aos comandos enviados – o que corresponde pela utilização
operacional do computador pelo ser humano. Já a condição on-line pressupõe a relação, a
sociabilidade, a interatividade, a existência de um lugar para se entrar e sair – neste caso
está inserido o Ciberespaço.
Outro ponto que deve ser esclarecido é a compreensão de internet. A internet 68 pode
ser entendida por dois enfoques diferentes: como recurso tecnológico que interliga
computadores, sistema de comunicação (fios, cabos, fibra ótica, wireless) e como espaço,
ambiente de comunicação/interação – Ciberespaço. Ressalta-se, ainda, que atualmente a
68
Criada em 1970, constituía um grupo de computadores conectados entre si. Tim Berners-Lee, em 1989, com
a criação da WWW – World Wide Web – deu um passo importante para facilitar a navegação com apenas um
clique. A Internet só chegou no Brasil em 1993 (ALTMAN, 2004).
539
internet, a troca de informações está presente em diversos aparelhos. Antes o computador
tinha um único formato conhecido. Agora, seus componentes informáticos (captadores,
memórias, processadores, etc.) podem ser achados em outros “mecanismos”: cartões
eletrônicos, distribuidores automáticos, robôs, aparelhos eletrodomésticos, scanner, fax,
câmeras de vídeos, telefones, rádios, televisões, etc., ou seja, onde a informação digital seja
automaticamente processada. (LÉVY, 1996, p.47). Assim disseminada em diversos suportes,
a internet potencializa a capacidade de armazenamento de dados e informações que
contribuem para a permanência da memória tanto pelo caráter de resistência ao
esquecimento quanto pela possibilidade de acesso e reprodutibilidade/ compartilhamento
desses conteúdos.
540
acontecimentos vividos. Ainda nesse sentido, o autor pondera que para Halbwachs a
memória não se resume a reprodução do passado e sim a reconstrução do mesmo a partir
de experiências coletivas. Para Sá (apud EPELBOIN, 2004), a característica construtiva da
memória humana não é tão fiel à conservação do passado, pois considera-se que há
fragmentos inventados e inseridos em histórias de vida para garantir a elas coerência e
continuidade.
Segundo Epelboin (2004), Halbwachs afirma que lembrar não consiste em reviver,
mas sim, refazer, reconstituir, com imagens e ideias de hoje as experiências do passado.
Logo, a memória não é sonho e sim trabalho. Também não é individual e sim coletiva, pois a
memória do indivíduo depende do seu relacionamento com a família, classe social escola,
enfim, dos grupos de referência e pertencimento do indivíduo em questão.
Ainda abordando Halbwachs, Epelboin (2004) destaca que para este autor o sujeito
apresenta dois tipos de memória: uma individual e a outra coletiva. A primeira pode apoiar-
se na segunda, pois o sujeito ao recordar seu passado estaria estabelecendo relações com as
lembranças dos outros indivíduos do seu convívio social. Assim, o autor distingue a memória
interna, pessoal, denominada autobiográfica e a memória externa, social, intitulada
histórica. Halbwachs estabelece mais uma distinção entre a memória histórica e a coletiva:
enquanto a memória histórica demarca linhas rígidas de separação temporal, a memória
coletiva conta o limites temporais incertos, em que há múltiplas memórias possíveis e
destaca-se as semelhanças existentes entre as experiências individuais e aquelas referentes
aos membros que compartilhavam quadros sociais.
541
ANÁLISE DO SITE: BIBLIOTECA DIGITAL MUNDIAL
Na última visita em 25 de novembro de 2014, a Biblioteca Digital Mundial - BDM
(www.wdl.org/pt/) tinha o total de 10.930 itens sobre 193 países do período entre 1200 a.C.
a 2000 d.C. para pesquisa. Para conhecer a estrutura da BDM é importante destacar alguns
marcos cronológicos para a sua constituição: - em junho de 2005 o bibliotecário do
Congresso dos EUA, James H. Billington, propôs a criação de uma Biblioteca Digital Mundial
para a UNESCO; - em dezembro de 2006 a UNESCO e a Biblioteca do Congresso co-
patrocinaram uma reunião de peritos com as principais partes interessadas de todas as
regiões do mundo que decidiu estabelecer grupos de trabalho para desenvolver normas e
diretrizes para seleção de conteúdos; - em outubro de 2007 a Biblioteca do Congresso e
cinco instituições parceiras apresentaram um protótipo da futura Biblioteca Digital Mundial
na Conferência Geral da UNESCO; - abril de 2009 a Biblioteca Digital Mundial foi lançada
para o público internacional com conteúdo sobre cada estado-membro da UNESCO.
A partir de uma pesquisa com o sintagma Brasil no acervo da Biblioteca Digital teve-
se 448 resultados em português. Para restringir a pesquisa, pelo critério de conteúdo do e
sobre o Brasil do século XIX, escolheu-se o conteúdo “Isabel, Princesa do Brasil” uma
fotografia da Coleção Thereza Christina Maria que é composta por 21.742 fotografias,
542
reunidas pelo Imperador Pedro II e por ele doadas à Biblioteca Nacional do Brasil - BN. A BN
disponibilizou para a Biblioteca Digital Mundial 373 imagens da coleção fotográfica em
versão digital – essa quantidade de fotos foi constatada pelo resultado obtido na busca do
site com o filtro Coleção Thereza Christina Maria. A coleção abrange uma ampla variedade
de temas. Documenta as conquistas do Brasil e do povo brasileiro no século XIX, e também
inclui muitas fotografias da Europa, da África e da América do Norte.
543
Figura 2: Seção com a fotografia: “Isabel, Princesa do Brasil”.
544
Figura 3: Fotografia original (obtida com o download).
Fonte: Biblioteca Digital Mundial, 2013.
Existe, também, uma espécie de ficha catalográfica com nome do fotógrafo: Pacheco,
Joaquim José Insley (1830-1912); data de criação: 1883 d.C.; data do assunto: 1880 d.C. a
1890 d.C.; idioma: português; lugar: América Latina e Caribe – Brasil; tópico: História e
geografia – História da América do Sul – Brasil; Outras palavras-chave: Família Real; Isabel,
Princesa do Brasil. 1846-1921; Memória do mundo; retratos fotográficos; tipo de item:
imagens, fotografias; descrição física: 30X24 centímetros; coleção: Coleção Theresa Chistina
Maria; instituição: Biblioteca Nacional do Brasil; Recursos externos:
//hdl.loc.gov/loc.wdl/brrjbn.112 - link que remete a Biblioteca Nacional Digital Brasil
(http://acervo.bndigital.bn.br/sophia/index.html) que traz outras informações sobre a obra
(Figura 4). Todas essas informações são apresentadas como botões que podem ser clicados
para pesquisar outros itens relacionados àquela informação. Ao final, tem-se a data da
última atualização daquela seção da página: 20 de fevereiro de 2013.
545
Figura 4: Informações adicionais da fotografia.
546
instituições parceiras, a fim de reduzir a lacuna digital dentro dos e entre os países,
conforme está disponível no site.
Assim, permite ser um instrumento que potencializa o trânsito entre as culturas pela
possibilidade de acesso a conteúdos de diversos países e pelos conteúdos serem permeados
de links que se interconectam em uma construção hipertextual quase infinita, algo que
facilita as interconexões. No site os internautas tem a facilidade de conhecer conteúdos com
apenas alguns cliques e com todas as opções que a internet propicia de compartilhar o
conteúdo e a partir dele inserir comentários e opiniões, um recurso que facilita o acesso e
potencializa a resistência ao esquecimento com uma prática de construção de memória
social. Afinal, a memória social/coletiva é um processo de construção grupal que reunir
aspectos coletivos e aspectos individuais, já que a memória envolve recursos da ordem
cognitiva, emocional e comportamental, localizados em sujeitos inseridos em contextos
sociais que podem estar permeados por recursos tecnológicos que facilitam a perpetuação
da memória como uma extensão do homem.
CONCLUSÃO
O ciberespaço potencializou a mudança de diversos paradigmas ao redor do mundo,
principalmente no que diz respeito ao acesso irrestrito a informações e em relação aos
lugares de memória não foi diferente. Pode-se concluir, a partir das abordagens teóricas
deste artigo, que o ciberespaço vem figurando no cenário atual como um importante lugar
para a construção, manutenção e resgate da memória social. Isso porque o ambiente
interativo, dinâmico e de fácil acesso permite que as informações relacionadas a
determinado grupo social sejam visualizadas ao redor do mundo, dispensando a presença
em um lugar físico.
A memória social pensada para este cenário torna-se flexível e ganha as fronteiras
geográficas internacionais, permitindo o acesso às diversas culturas. Além disso, a memória
social ganha a possibilidade de ser ampliada, já que o ciberespaço permite a contribuição
dos indivíduos nos conteúdos disponibilizados. O presente trabalho explorou o site da
Biblioteca Digital Mundial para exemplificar como o ciberespaço potencializa a
representação social e os dados disponibilizados sobre diversos países, o que desencadeia
547
uma construção coletiva da memória, disponibilizada em único lugar. Pois, segundo Epelboin
(2004), a memória social deve ser compreendida com a função de afirmar a identidade dos
grupos para servir a integração e continuidade destes e para reconstruir o passado segundo
interesses particulares destes conjuntos.
REFERÊNCIAS
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partir da fenomenologia. Revista eletrônica: Caminhos de Geografia, vol. 6, n.º 16. Artigo
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PACHECO, Joaquim José Insley. Fotografia: “Isabel: Princesa do Brasil”, 1883. In:
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em 21 set. 2014.
549
GT 03 – Pesquisas Interdisciplinares em Educação e Saúde
INTRODUÇÃO
A música I will survive gravada e interpretada pela primeira vez pela cantora norte-
americana Gloria Gaynor no final da década de 70, foi criada segundo a autobiografia da
cantora intitulada “Gloria Gaynor: I Will Survive” (1998) com o objetivo de denunciar a
discriminação de mulheres negras, mas devido ao contexto da década de 70 marcado pelas
baladas da Era Disco, os homossexuais que tinham maior espaço dentro das boates da
época, contribuíram para o sucesso de I will survive, transformando-o em um hino da
comunidade gay. Além disso, ao analisarmos a letra da música, observamos uma mensagem
de força e superação ao preconceito como podemos ver no trecho a seguir (minha
tradução): “E eu passei muitas noites só sentindo pena de mim mesma. Eu costumava chorar.
Mas agora eu mantenho minha cabeça bem erguida”. (Gloria Gaynor – I will survive, 1978).
Anos mais tarde, a música foi incluída na trilha sonora do filme australiano de temática gay
550
“As aventuras de Priscila, a rainha do deserto” (1994) que conta a história de duas drag
queens e uma transexual.
De acordo com Trevisan (2000) a efervescência do movimento Drag Queen no Brasil
se deu na década de 90, apesar de que segundo o autor, este fenômeno já ocorria desde a
década de 70. A inserção e a aceitação das drags queens no cenário noturno e parcialmente
também no cenário social, foram facilitadas devido a suas performances lúdicas e satíricas,
participando em âmbitos políticos e sendo presenças marcantes nas Paradas do Orgulho
Gay.
Drag queens e travestis são distintos. Embora socialmente ambos sejam
categorizados como homens que se vestem de mulher, eles estão inseridos em meios sociais
distintos, uma vez que as drag queens atuam sob um conceito mais flexível de travestismo.
Embora sejam atores transformistas, as drags distinguem-se dos travestis por andarem, em
seu cotidiano, vestidos de homens, exercendo profissões diversas, podendo ser
heterossexuais, homossexuais, bissexuais e etc, já as travestis utilizam próteses de silicone e
hormônios na constituição de seus corpos femininos, permanecendo travestidas em seu
cotidiano, porém não de maneira exagerada e caricata. Para as transformistas o tempo
define o masculino e feminino. Seus corpos são modificados através da maquiagem, roupas,
espumas para formar os seios e quadris. Diante de uma transformista montada é difícil
reconhecer se é homem, mulher, travesti ou transexual. O ato da transformação tem como
objetivo ocultar o masculino. A diferença entre transformistas e drag queens refere-se ao
fato de que essas últimas não têm a preocupação das transformistas em parecer mulher. A
maquiagem é carregada, as roupas são exageradas, altas plataformas, cabelos coloridos e
etc. (SILVA; FLORENTINO, 1996).
De acordo com estudo realizado por Vencato (2000) sobre as drag queens nas casas
noturnas, foi observado que o público presente nestas casas, freqüentadas por drags,
mesmo que tenha uma imagem pré-formada de um travesti, nestes espaços as diferenças
entre travestis e drags se tornam mais claras, atribuindo as performances das drag com as
artes cênicas e interpretativas: dublam, dançam e encenam. Além disso, enquanto os
travestis permanecem vestidos de mulher em seu cotidiano, as drags não.
551
As drag queens têm maiores facilidades de se situarem nos universos heterossexual e
homossexual, pois elas se inserem nos espaços sociais e culturais através de suas
performances artísticas, enquanto que os travestis são associados à prostituição, sofrendo
assim, a exclusão social.
552
Fonte: http://sophia.smith.edu/
Para Almeida (1995) o sujeito masculino não é somente um modelo com caracteres
sexuais, mas sim, um conjunto de atributos morais de comportamento, socialmente
admitidos e relembrados, assim, para Santos (2012) os gêneros são construções
estabelecidas com o intuito de regular as interações entre os indivíduos em determinado
espaço, do outro lado deve existir um agente que comanda e reproduz os sentidos que
participam nesses processos de diferenciação.
553
DRAG QUEEN: O VESTIR-SE DE UM GÊNERO
Os cabelos na maioria das vezes longos, produção impecável através de vestidos
glamorosos, saltos altos e muitas cores. Vestir-se de um gênero, olhar-se, se encontrar no
espelho e sair nas ruas de forma diferente, isso é a drag queen. Através da fantasia, segundo
Santos (2012) os comportamentos que antes eram sufocados pelo controle ético dos
sistemas de poder adquirem permissividade pelos mecanismos de inversão de categorias,
como por exemplo, o universo dos gêneros.
De acordo com um estudo realizado por Green (2000) as demonstrações explícitas de
gêneros e outras apropriações através de paródias do universo simbólico feminino na
cultura popular do país aparece de modo constante. Esses comportamentos podem ser
observamos no decorrer das festividades de carnaval, onde os homens assumidos
socialmente heterossexuais muitas vezes se expressam na forma lúdica através dos
conceitos de gênero de forma temporária.
O ato de se montar com as características do gênero oposto e estar na fronteira entre
os universos masculino/feminino, apresentando um corpo produzido para o espetáculo, são
originários atribuídos pela indústria audiovisual, através da televisão, dos clips musicais e do
cinema que reflete nos espaços de sociabilidade LGBTTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis, Transexuais e Transgêneros). Através das informações midiáticas ás vezes
errôneas, são impressas na sociedade a imagem de que ser drag queen é sinônimo de
termos como: palhaço de luxo, rainha dragão, travesti entre outros.
Observamos no quadro abaixo que a homossexualidade pode ser evidenciada de
diferentes formas baseadas na conduta e/ou na identidade sexual de cada indivíduo.
554
HSH Homens que fazem sexo com homens.
Esta sigla é utilizada principalmente pelos
profissionais da saúde para se referirem a
homens que mantém relações sexuais
com outros homens, independente
destes terem identidade sexual
homossexual.
Homossexuais Indivíduos que tem orientação sexual e
afetiva por pessoas do mesmo sexo.
Gays Indivíduos que se relacionam afetiva e
sexualmente com pessoas do mesmo
sexo, assumindo estilo de vida de acordo
com sua preferência.
Lésbicas Refere-se às homossexuais femininas
555
Vencato (2002, p. 67) nos apresenta alguns estilos de drag queens juntamente com
algumas definições:
METODOLOGIA
Este artigo consiste em um estudo de caso que segundo Yin (2005), este tipo de
pesquisa contribui com o “conhecimento dos fenômenos individuais, organizacionais,
sociais, políticos e de grupos”. (p. 20)
Para o desenvolvimento desta pesquisa, entrevistamos a drag queen Amanda Fierce
(Juíz de Fora-MG) que após a apresentação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,
foi entrevistada em agosto de 2014. Foi utilizado um gravador para registrar o áudio e após a
entrevista os discursos foram transcritos literalmente segundo autorização da participante.
Foi utilizado para guiar a entrevista um formulário com questões semiestruturadas
abordando sobre os processos de criação e montagem da personagem. Para análise do
material utilizamos a análise de enunciação, na qual a comunicação segundo Minayo (1999)
é vista como um processo e o discurso como ato. Nesta perspectiva, a entrevista tem um
lugar de destaque, sendo um discurso dinâmico e espontâneo. Temos como objetivo
analisarmos os discursos da participante sobre o ser/estar drag queen, as questões de
gênero, vida noturna, sexualidade, vestuário e performances nos shows.
556
ANÁLISE DOS DADOS
O quadro a seguir nos apresenta a identificação da participante.
No dia da entrevista fui recebido por um rapaz branco, de olhos castanhos claros,
cabelo raspado, pé tamanho 42 e medindo 1,86 de altura, não lembrando em nada a sua
personagem drag Amanda Fierce, cuja escolha do nome Amanda foi baseado na drag queen
nova iorquina Amada Lepore e Fierce que simboliza força, foi baseado no alterego da
cantora Beyoncé. De acordo com Zimerman (2012),
[…] alter ego ou alterego (do latim alter = outro egus = eu) é um termo
criado por Freud para conceituar coisas que estão no Ego de uma
determinada pessoa, as quais podem ser transferidas para uma outra, que
passa a funcionar como se fosse uma duplicata da primeira pessoa (p. 54)
“A Jessica Rabbit sempre foi uma das maiores inspirações, minha marca é o cabelo
vermelho, então quando sou associada à Jessica Rabbit ou Ariel (a pequena sereia)
fico muito feliz. Amanda Lepore, Beyonce, Katty Perry, Christina Aguilera, sempre
gostei de divas pops, então sigo algumas tendências delas”.
Amanda Fierce afirma que em 4 anos que se monta já gastou mais de 7 mil reais para
suas produções e diz que confecciona na maioria das vezes seus acessórios e suas próprias
roupas devido à dificuldade em encontrar vestidos por causa das proporções do seu corpo,
os sapatos são importados comprados em lojas específicas, e sobre os sapatos ela diz: “se a
forma não fechar não importa a dor e sim a beleza”. Desde criança Amanda sempre teve
interesse pela construção da beleza feminina através dos saltos e maquiagens, mas foi com
16 anos de idade através de um vídeo no Youtube da drag queen paulistana Labelle Beauty
que a ideia de começar a experimentar esse universo começou a ser amadurecida, mas a
primeira aparição como Amanda Fierce foi aos 18 anos através de um concurso de novos
talentos ocorrido em Juíz de Fora-MG no ano de 2010. Todo o processo de montagem da
drag Amanda demora cerca de 3 horas, incluindo a maquiagem, roupa e colocação de
acessórios. Quanto à maior curiosidade por parte de muitos, não pude deixar de questioná-
la:
“Há varias maneiras, eu uso duas básicas. Se a produção for de vestido ou algo que
não marque a virilha, uso duas calcinhas para prender o órgão. O homem quando
558
está sendo gerado no útero, os testículos são gerados internamente e depois descem
para a bolsa escrotal, o local onde o testículo foi formado não fecha, então nós
empurramos os testículos para aquele espaço novamente, puxamos o pênis para trás
e prendemos tudo com uma calcinha bem apertada. Mas se for algo de virilha
marcada, ou tapa sexo, fazemos o mesmo processo e prendemos tudo com
esparadrapo depois”.
O ato de montar segundo nossa entrevistada, é simplesmente por prazer:
Em meio a tantos objetos coloridos e até mesmo luxuosos, a entrevista foi iniciada
sobre o que é ser drag queen.
559
conta da peruca e adereços, desequilibrada pelo sapato absurdo, não perder a
postura e agir como se fossem plumas. Mas nada incomoda quando fazemos o que
gostamos.
Fonte: Pesquisa de Campo, 2014.
“Minha mãe sabe, mas nunca viu foto. Meu pai teoricamente não sabe, mas acho que já viu
alguns pares de salto alto. Meu irmão sabe e nunca me contou nada, fiquei sabendo pela
minha cunhada quando contei pra ela, depois de um tempo ela me falou que já sabia antes
que eu falasse, mas ela estava esperando minha iniciativa. Tenho 3 primas que sabem pela
minha boca. O restante da família, quem sabe foi por fofoca alheia”.
560
As dificuldades desse universo também se estendem às casas noturnas, que em sua
grande maioria segundo a experiência vivida por Amanda e suas colegas em algumas cidades
como Juíz de Fora-MG, Rio de Janeiro-RJ e São Paulo-SP oferecem baixos cachês pelos
shows, variando entre R$ 100,00 a R$ 250,00 reais, desvalorizando e não cobrindo o
investimento em produções e planejamentos das apresentações. Na maioria das vezes, os
lucros só podem ser obtidos quando as drags são contratadas para apresentações em outras
cidades, assim, o valor, incluindo (passagem, hospedagem, confecção da roupa e
apresentação) pode ser estipulado pela artista.
No quadro abaixo observamos o discurso da nossa participante sobre como é estar
drag queen.
As drag queens são sinônimos de alegria. Aonde chegam, atraem os olhares das
pessoas através das roupas, maquiagem, cabelo, do jeito irreverente de serem e pelas
performances no palco.
561
O palco é o momento de glória de uma drag queen, é o lugar onde ela expressa sua
arte e explora através de coreografias e ao som de músicas toda a sua corporeidade. É o
lugar de colher os frutos de todo um trabalho realizado através de costuras, apliques,
maquiagens e etc., para que ocorra a aceitação do público por meio de uma performance.
CONCLUSÃO
O ser/estar drag queen é uma luta para romper preconceitos e ter o trabalho
reconhecido. É deixar ser liberada através das cores, roupas, salto altos e gestos toda a
feminilidade sufocada pela sociedade, é colocar no universo preto e branco um pouco de
rosa, purpurina e alegria, celebrando assim, a rainbow fest, a festa do arco-íris.
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VENCATO, A. P. “É luxo!”: algumas drags e outras histórias de carnaval na Ilha de Santa
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ZIMERMAN, D. E. Etimologia de Termos Psicanalíticos. Artmed. p. 54. 2012.
563
ÁGUA: BEM COMUM PARA AS ESCOLAS E PARA A VIDA
RESUMO: O elemento fundamental para o viver encontra-se na água, que possui várias
funções diante do homem, sendo a principal a de lhe prover a vida. Podemos engajar neste
pensamento o ato de distribuir a responsabilidade de preserva-la através dos educandos e
dos educadores nas unidades de ensino. Para isso elaborar um conjunto de propostas que
possam contribuir a formulação de políticas públicas em favor de escolas sustentáveis é o
objetivo principal deste artigo. Para se ter uma escola sustentável se faz necessários três
fundamentos ,os quais são o espaço físico, gestão e currículo.
Palavras-chave: Água. Educando. Escola. Sustentabilidade.
INTRODUÇÃO
Sabemos que a água é o bem essencial para todos, é de suma importância saber
preserva-la; para isso devemos incutir nos discentes, desde a educação infantil até o resto de
sua vida sua a importância, pois se a estrutura do infanto-juvenil for bem “construída” eles
saberão cuidar da água para sempre. Instruir a criança desde pequena sobre a importância
da água não é apenas o dever dos pais é uma das suas principais responsabilidades, pois fará
deste, um cidadão plenamente consciente dos seus deveres e responsabilidade com relação
não apenas da natureza, mas em todos os âmbitos de sua vida. A conscientização sobre a
preservação do meio ambiente e especialmente da água tem inicio de forma simples, fazer
um passeio com o individuo mostrando a importância da água para cada ser vivo, incentiva-
lo a não jogar lixo nas encostas dos rios e lagos, falar para eles que a agua é a base de tudo,
sem ela não haveria vida , esta composição tão simples é muito importante para a
preservação da existência da espécie humana ,esta é tão significante que a Terra é
chamada de planeta água.
As percentagens concretas sobre o gasto da água em cada setor da Terra, segundo
GOMES (2014) é:
565
Art. 1º - A água faz parte do patrimônio do planeta. Cada continente, cada
povo, cada nação, cada região, cada cidade, cada cidadão é plenamente
responsável aos olhos de todos.
Art. 2º - A água é a seiva do nosso planeta. Ela é a condição essencial de
vida de todo ser vegetal, animal ou humano. Sem ela não poderíamos
conceber como são a atmosfera, o clima, a vegetação, a cultura ou a
agricultura. O direito à água é um dos direitos fundamentais do ser
humano: o direito à vida, tal qual é estipulado do
Art. 4º - O equilíbrio e o futuro do nosso planeta dependem da preservação
da água e de seus ciclos. Estes devem permanecer intactos e funcionando
normalmente para garantir a continuidade da vida sobre a Terra. Este
equilíbrio depende, em particular, da preservação dos mares e oceanos, por
onde os ciclos começam.
Art. 7º - A água não deve ser desperdiçada, nem poluída, nem envenenada.
De maneira geral, sua utilização deve ser feita com consciência e
discernimento para que não se chegue a uma situação de esgotamento ou
de deterioração da qualidade das reservas atualmente disponíveis.
Art. 9º - A gestão da água impõe um equilíbrio entre os imperativos de sua
proteção e as necessidades de ordem econômica, sanitária e social
(KOEDDERMANN, 2011).
MATERIAIS E MÉTODOS
A metodologia aplicada para a explanação deste tema foi o de revisão bibliográfica
de obras que se adequassem ao tema. Os materiais utilizados foram artigos científicos
retiradas da internet, para tais abordagens foram colocadas palavras chaves, tais como:
sustentabilidade, escola sustentável, gestão escolar, água como bem precioso para a
humanidade etc., bem como livros paradidáticos os quais abordavam o assunto referente a
sustentabilidade nas escolas e a reutilização da água pelas escolas, bem como as escolas
ecologicamente sustentáveis .
OBJETIVOS
O presente artigo científico tem como objetivo geral mostrar a importância da água
nas Unidades de Ensino (U.E), e para a vida de todos; conceituação da água como elemento
do meio ambiente. Como objetivos específicos que foram desenvolvidos apresenta-se o
esclarecimento do por que da água ser um patrimônio comum da humanidade.
RESULTADOS E DISCURSÕES
566
A água considerada doce é exclusivamente continental e representa somente 1% da
água líquida existente. Essa está à disposição do homem para seu uso corrente,
principalmente no que diz respeito ao preparo de alimento, por apresentar ausência de
sabor e de sais; a mesma é encontrada em rios, lagos , sangas e córregos (SCHUMACHER e
HOPPE, 1998,.p. 10).
A fim de proteger este recurso contra o seu uso degenerativo foram criadas politicas
públicas em defesa deste bem com vários objetivos .
De acordo com as redes de água os objetivos das politicas nacionais das águas são:
Assegurar à atual e as futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de
qualidade adequados aos respectivos usos.
A utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte
aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável.
A prevenção e a defesa contra eventos críticos, de origem natural ou decorrente do
uso integrado dos recursos hídricos.
No mesmo sentido o Brasil criou diversas Leis que protegem a preservação da água
na brasil, bem como órgãos responsáveis para tais ações.
A Lei Brasileira das Águas coloca o país entre as Nações de legislação mais avançadas
do mundo. A Política Nacional de Recursos Hídricos prevê a gestão integrada e tem como
instrumentos para viabilizar a sua implantação, os planos de bacias, o enquadramento dos
corpos d’água em classes segundo os usos preponderantes, a outorga de direito de uso, a
cobrança pelo uso da água, a ANA - Agência Nacional de Águas e o sistema de informações.
A Política Nacional traz como fundamento o conceito da água como um bem de domínio
público, dotado de valor econômico, tendo como usos prioritários o abastecimento humano.
(Rede das águas SOS MATA Atlântica).
A lei previu a formação de Comitês de Bacia em cada bacia hidrográfica. São coletivos
compostos por representantes dos diferentes setores – governo, sociedade civil organizada
e usuários de água (empresas, agricultores...) –, onde se decide em conjunto sobre os usos
da água. Através de reuniões, os participantes estudam a situação do momento para corrigir
os maus usos, evitar – quando necessário – os abusos e maiores benefícios de alguns, para
garantir os direitos dos demais. O desafio é atender a todos os usos sem prejudicar a
567
disponibilidade das águas para as próximas gerações. Em 1992, durante a Rio-92, no Rio de
Janeiro, 179 países assinaram a Agenda 21, um plano de ação mundial para criar um novo
modelo de desenvolvimento – econômica, social e ambientalmente sustentável – que
resulte em melhor qualidade de vida para a Humanidade e atenda às necessidades e
aspirações das atuais e futuras gerações. Seu capítulo 18 é dedicado aos cuidados com a
água. Esse acordo internacional, que o Brasil subscreveu, é a base para a Agenda 21
Brasileira, bem como para as Agendas 21 estaduais, municipais e a Agenda 21 na escola.
A transição para a sustentabilidade nas escolas é promovida a partir de três
dimensões inter-relacionadas: espaço físico, gestão e currículo.
Espaço físico: utilização de materiais construtivos mais adaptados às condições locais
e de um desenho arquitetônico que permita a criação de edificações dotadas de conforto
térmico e acústico, que garantam acessibilidade, gestão eficiente da água e da energia,
saneamento e destinação adequada de resíduos. Esses locais possuem áreas propícias à
convivência da comunidade escolar, estimulam a segurança alimentar e nutricional,
favorecem a mobilidade sustentável e respeitam o patrimônio cultural e os ecossistemas
locais.
Gestão: compartilhamento do planejamento e das decisões que dizem respeito ao
destino e à rotina da escola, buscando aprofundar o contato entre a comunidade escolar e o
seu entorno, respeitando os direitos humanos e valorizando a diversidade cultural, étnico-
racial e de gênero existente.
Currículo: inclusão de conhecimentos, saberes e práticas sustentáveis no Projeto
Político-Pedagógico das instituições de ensino e em seu cotidiano a partir de uma
abordagem que seja contextualizada na realidade local e estabeleça nexos e vínculos com a
sociedade global( Manual das escolas sustentáveis-2013)
Em se tratando das escolas, estas devem ter um espaço físico adequado para
desenvolver o projeto de sustentabilidade, ou adequar-se a ele, todas as Unidades de
Ensino (U.E) podem ser modificadas em ambientes sadios para a sustentabilidade,
principalmente se tiver um Projeto Politico Pedagógico( PPP),voltado a preservar o meio
ambiente. O âmbito escolar pode migrar de um tradicional para um sustentável (figura 1).
568
Figura 1: A: fotografia do banheiro da escola José Francisco de Sales (acervo pessoal). B: fotografia do
banheiro da escola Colégio Estadual Erich Walter Heine(site da SEEDU-RJ).
A foto 1A é um dos exemplos de escolas tradicionais que não fazem o reuso da água
e há um desperdício deste bem comum a todos que fazem parte da comunidade escolar.
Adotando medidas simples poderia mudar este quadro de desperdício, como por exemplo
,na foto 1 colocar o bebedouro com escoamento de água para o mictório no banheiro
masculino ,visto que são bem próximos e o gasto financeiro não seria tão alarmante ou
coloca-lo ligado ao lavatório. Em contra partida a foto 2 é do Colégio Estadual Erich Walter
Heine, em Santa Cruz, acaba de receber a certificação de primeira escola totalmente
sustentável do Brasil e de toda a América Latina. A certificação LEED (Leadership in Energy
and Environmental Design) é concedida pela entidade internacional Green Building Council.
A unidade escolar, uma Dupla Escola que oferece Ensino Médio integrado ao curso
técnico de Administração, foi construída pela ThyssenKrupp CSA em parceria com o Governo
do Estado e a prefeitura do Rio de Janeiro dentro de padrões que geram redução de até 40%
no consumo de energia.
Como exemplos de diminuição no uso de energia, estão os números relativos ao
consumo de água e luz em escolas do mesmo porte. No C. E. Erich W. Heine, as iniciativas
569
geraram uma redução mensal de R$ 4.000,00 para R$ 1.600,00 na conta de água e de R$
4.500,00 para R$ 1.800,00 na de luz. (PORTAL RIO CAPITAL, 2013)
O aproveitamento de água pluvial precipitada nas residências do meio urbano se
enquadra nessa categoria. Essa tecnologia vem crescendo e dando ênfase à conservação da
água. Além de proporcionar economia de água potável, o aproveitamento da água pluvial
em residências pode reduzir as despesas com água potável e contribuir para a diminuição do
pico de inundações, quando aplicada em larga escala, de forma planejada e em uma bacia
hidrográfica (TOMAZ, 2003).
Segundo Agência Nacional das Águas (ANA) (2014) A água de chuva pode ser utilizada
desde que haja controle de sua qualidade e verificação da necessidade de trata mento
específico, de forma que não comprometa a saúde de seus usuários, nem a vida útil dos
sistemas envolvidos. Em pesquisa realizada na Universidade de São Paulo, foram
constatadas as seguintes características da água de chuva coletada e armazenada em
reservatório: propriedades de água mole; pH entre 5,8 e 7,6;DBO5,20: menor que 10;
presença de coliformes fecais em mais de 98% das amostras realizadas; presença de
bactérias:
– clostrídio sulfito redutor (91% das amostras) que pode causar intoxicação alimentar, entre
outras doenças;
– enterococos (98% das amostras) que podem causar diarreia aguda; e
– pseudômonas (em 17% das amostras) que podem ocasionar infecções urinárias.
Trocar as caixas de descargas por caixas acopladas econômicas, fazer sistema de
reaproveitamento da água da chuva, esta pode ser usada para as descargas, lavar louças,
calçadas, pátios, etc. reduzindo assim o consumo da água nas U.E, em relação ao lixo podem
ser feitas coletas seletivas, infelizmente em diversa U.E, não é feita a captação deste resíduo,
utilizar materiais reciclados, etc, ao se tratar da energia elétrica, podem ser colocados
painéis solares, aquecedores solares, lâmpadas com time de força(desliga as lâmpadas
quando não houver ninguém no ambiente),etc.
Os gestores podem iniciar o processo, envolvendo funcionários e famílias do entorno.
As faxineiras, por exemplo, devem atentar ao descarte de lixo e produtos de limpeza e ao
bom uso de água e energia. Já aos professores fica a tarefa de discutir as várias questões
570
ambientais com os conteúdos das disciplinas. "Tudo isso passa à comunidade a mensagem
de que a escola se preocupa com a Terra", afirma Nogueira (2014).
Para começar uma escola sustentável, não tem jeito, é preciso ir do básico. Na base
da pirâmide de uma escola sustentável está, obviamente, a educação. Promover diálogos,
conversas, roda de discussão e semanas temáticas que abordem assuntos relacionados aos
conceitos e práticas sustentáveis é necessário para que, mais do que repetir ações, as
crianças, profissionais e pais tenham verdadeiros hábitos responsáveis e conscientes em sua
vida. (Portal eco)
Pode alegar que para se ter a preservação da água é preciso primeiro se ter uma
educação de qualidade e isto só será possível se houver escolas com uma ampla visão do
que é sustentabilidade .
A educação ambiental tem como perspectiva a construção de sociedades
socialmente justas e ecologicamente equilibradas e sociedades sustentáveis
,comprometendo-se com um processo educativo que exige ações educativas ambientais
críticas e emancipatórias, superando as tendências tradicionais de Educação e ensino. Essas
ações emergem de uma proposta metodológica pautada na participação coletiva de
educadores e educandos (TOZONI, 2012). Baseando-se neste pensamento, as escolas podem
economizar a água, e modificar o seu modo de pensar criando politicas internas visando uma
escola ecologicamente equilibrada e assim terá também um ambiente sadio para os
discentes e docentes poderem praticar ações que minimizam o desperdício da água .
A fim de economizar esse bem precioso no Município de Balneário Camboriú - SC
foram criadas Leis para resguardar a água de ser desperdiçada. Como por exemplo, em seu
Art. 3° - O Controle do Desperdício de Água tem como objetivos:
572
ideias de preservar este bem, no próximo século já não haverá mas água disponível em
nenhum setor.
Segundo a UNESCO, até 2050,quando 9,3 bilhões de pessoas devem habitar a Terra,2
a 7 bilhões destas não terão acesso à água de qualidade, seja em casa ou na comunidade.
Há uma tendência de reduzir em um terço,nos próximos 20 anos ,a quantidade de água
disponível para cada pessoa no mundo. Ao ser tomada medidas simples no âmbito escolar
podem ser evitado um grande desperdício da água, como mostra a tabela 1:
CONCLUSÃO
A fim de concluir este trabalho podemos mostrar que Todos têm o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial á sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defende -lo e
preserva-lo para as presentes e futuras gerações.( Capítulo VI, artigo 225, da Magna Carta
.).Sendo assim, todos os cidadãos tem o dever de preservar não só a água que foi o tema
principal deste artigo, mas todo o meio ambiente, começando de forma simples nos lares,
seguindo para as U.E; a fim de conscientizar desde a educação infantil até o E.M (Ensino
Médio ) e posteriormente nas graduações.
Pode se ressaltar que o problema do desperdício da água não é apenas a nível
nacional, mas também mundial, e é através das Unidades escolares, em como a
conscientização dos docentes que esse quadro pode começar a ser mudado, porém não
depende apenas de discentes esforçados, se faz necessária uma ação em conjunto dos
governantes e de todos que fazem parte da comunidade escolar.
574
Há escolas que felizmente se tornam modelos a serem seguidos por seus exemplos
diários de práticas sustentáveis e levam os alunos (crianças e adolescentes) a participarem
ativamente desse processo não só no ambiente escolar como em casa e na sociedade.
Porém infelizmente a maioria das escolas não se preocupa em trabalhar todos os dias com
essa área, e nem tão pouco servem de exemplo para seus alunos.
Em consequência ao uso inapropriado da água por parte de todos, gera-se situações
desesperadoras é o que esta acontecendo em Barra do Piraí, uma grande seca que leva a
discentes voltar para suas casas, pois não tem água na rede escolar. "Quase não tem aula e
estamos sem merenda porque não tem água”. Diz estudante do 7 º ano da escola municipal
Paulo Fernandes.
São as atitudes de todos os cidadãos que direcionará o fluxo da água como um todo,
se conscientizarmos desde bem pequenos os nossos educandos teremos cidadãos
conscientes sobre a importância da água como bem comum para a escola e para a vida.
Sendo assim obteremos resultados positivos a respeito da preservação da água,
assim como educandos responsáveis e conscientes sobre o equilíbrio ambiental e a
conservação da água nas unidades escolares e na vida cotidiana.
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577
TECNOLOGIA ASSISTIVA E TERAPIA OCUPACIONAL: CONFECÇÃO DE MESA ADAPTADA
PARA A PROMOÇÃO DA AUTONOMIA NO DESEMPENHO DA ATIVIDADE DE ALIMENTAÇÃO
EM IDOSOS HOSPITALIZADOS
INTRODUÇÃO
O desafio do presente século é o envelhecimento humano. De acordo com Veras
(2007) esse desafio contemporâneo implica na mudança de modelos de atenção à saúde da
população idosa, com o objetivo de minimizar o sofrimento, dependência e custos, dando a
esta população idosa a condição de decidir sobre sua própria vida. O processo
natural do envelhecimento chamado de senescência compromete progressivamente
aspectos físicos e cognitivos. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002) a
terceira idade tem início entre os 60 e os 65 anos. No Brasil define-se como idoso o indivíduo
com idade igual ou superior a 60 anos. O Brasil ocupa hoje a sétima colocação mundial em
número de idosos, com projeções estatísticas apontando que em 2025 ocupe a sexta posição
mundial e a primeira posição da América Latina (Ishizuka, 2003).
O envelhecimento ocorre devido à evolução que cada ser humano vivencia no
decorrer da existência. Este processo se inicia ao nascimento, abrangendo a infância,
578
puberdade e posteriormente a maturidade, chegando ao envelhecimento. As experiências do
envelhecer são singulares e ocorrem de maneiras e formas diferentes uns dos outros. De
acordo com Brêtas (2003), o envelhecimento é considerado como um processo complexo,
com aquisições individuais e coletivas. Por mais que o processo de envelhecimento seja algo
individual, o mesmo ocorre na esfera coletiva, sofrendo em todo o momento influência da
sociedade, compreendendo a vida como um fenômeno social e não apenas biológico. A
velhice é relacionada por muitos como uma fase marcada por fragilidades e patologias,
entretanto, segundo Hayflick (1996) o envelhecimento não é algo que esteja relacionado às
doenças, pois independentemente da fase do desenvolvimento o ser humano está suscetível
aos mais diversos tipos de patologias. É notório que, devido ao avanço da idade, nosso
sistema imunológico reduz sua capacidade de defesa do organismo, tornando o indivíduo
mais suscetível às doenças, o que não significa que ele inevitavelmente adoeça. De acordo
com Meireles et al. (2007), envelhecer é inevitavelmente um processo de alterações no
organismo humano, consistindo em um fenômeno fisiológico, comportamental e
cronológico, ou seja, se tornando sinônimo de progressão do tempo, da idade adulta até o
fim da vida.
A presente pesquisa, de natureza exploratória, foi realizada em um hospital da rede
pública situado na cidade de Juiz de Fora- MG, nos pacientes atendido pelo setor de Terapia
Ocupacional da instituição e tem em sua análise um cunho quali-quantitativo. Segundo
Severino (2007) o estudo exploratório busca somente dados sobre um determinado objeto,
demarcando assim um campo de trabalho, onde são mapeadas as condições de amostragem
desse objeto.
Este artigo foi estruturado da seguinte forma: primeiramente conceituou-se
Tecnologia Assistiva (TA); logo após, evidenciou-se a atuação da Terapia Ocupacional no
contexto hospitalar utilizando a TA como recurso terapêutico através da confecção de mesas
adaptadas para a autonomia da atividade de alimentação no leito, elucidou-se os
procedimentos metodológicos, bem como a apresentação e análise de dados; e por fim
apresentamos as considerações finais.
TECNOLOGIA ASSISTIVA
579
A Tecnologia Assistiva (TA) segundo o Comitê de Ajudas Técnicas (2007) é uma área
do conhecimento interdisciplinar que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias,
práticas e serviços com objetivo de promover a funcionalidade. Para o Instituto de
Tecnologia Social (ITS Brasil – 2008) o conceito de TA vem sendo revisado nos últimos anos,
devido à sua abrangência e importância desta área. Nos primórdios, um pedaço de pau
utilizado como bengala improvisada, por exemplo, é caracterizado como sendo um recurso
de Tecnologia Assistiva.
De acordo com Manzini (2005),
Nos estudos e pesquisas relacionados a TA, Manzini (2008) nos apresenta algumas
variedades de subáreas, como por exemplo, i) equipamentos e ajudas sensoriais para
pessoas com deficiência visual, auditiva e física; ii) sistemas de comunicação alternativa; iii)
recursos e equipamentos para mobilidade e transporte; iv) seating (estudos sobre a postura
sentada); v) recursos para controle de ambientes; vi) tecnologia assistiva no contexto
escolar; vii) tecnologia assistiva no contexto do trabalho. Há uma infinidade de recursos de
baixo custo a serem utilizados e confeccionados nos diversos ambientes onde pessoas com
alguma incapacidade e/ou limitação de movimentos/ funcionalidade podem utilizar para a
melhoria do desempenho nas atividades de vida diária (AVDs).
Para Rocha (2005) a TA é vista como uma ferramenta indispensável
para no processo de reabilitação do indivíduo, contribuindo para a inclusão e integração de
pessoas com algum tipo de deficiência, sendo importantes instrumentos de ajuda técnica. A
ISO 9999: 2002 define essas ajudas técnicas como sendo:
582
Quando o paciente é submetido á internação depara-se com o fato de que seu corpo
está em déficit, de que suas possibilidades estão diminuídas, e consequentemente, de que
sua vida, está fugindo do controle, o que faz com que ele fique dominado pelo medo e pelos
sentimentos de incapacidade e de tristeza.
Segundo Pessini (2006),
583
funcional e do desempenho ocupacional durante a internação e a
orientação na alta hospitalar e o acompanhamento domiciliar
(GIARDINETTO; MARTINI; CRUZ; MONI; RUIZ; RODRIGUES; PEREIRA, 2009,
p.65).
METODOLOGIA
A presente pesquisa é exploratória, descritiva e teve como objetivo analisar a
atuação da Terapia Ocupacional no contexto hospitalar, a utilização da Tecnologia Assistiva
(TA) na saúde do idoso hospitalizado, descrevendo as etapas da utilização da TA como
recurso terapêutico para a adequação postural e promoção da autonomia no desempenho
da atividade de alimentação em pacientes idosos internados para tratamento em um
hospital público da cidade de Juiz de Fora - MG.
584
nos pacientes com amputações de membro superior dificuldades em manusear e segurar o
prato.
Esta intervenção (confecção e utilização da mesa adaptada) teve como objetivo a
promoção da adequação postural e autonomia funcional dos pacientes idosos no âmbito
hospitalar, possibilitando também a prevenção de complicações no quadro clínico,
contribuindo assim para a minimização de episódios de brônquio aspiração, deformidades
posturais, entre outras. O produto (mesas adaptadas) foi desenvolvido no período de Janeiro
a fevereiro de 2014 e distribuído nas enfermarias do hospital em março de 2014 em parceria
com a equipe de Enfermagem e Fisioterapia da instituição.
O início da confecção ocorreu com a triagem dos pacientes que se encontravam
restritos no leito, foram observados os seguintes itens: a) pacientes com capacidade ativa de
adotarem a postura sentada; b) pacientes com capacidade passiva de adotarem a postura
sentada e c) pacientes que não apresentavam condições clínicas para a postura sentada,
como podemos observar no gráfico abaixo:
MATERIAIS UTILIZADOS
Os materiais utilizados foram de baixo custo, somando caixas de papelão, tesouras,
grampeadores, fitas adesivas e plásticos para encapar o produto, alguns desses materiais já
se encontravam na instituição e outros foram conseguidos via doação de supermercados da
cidade. Foram arrecadadas cerca de 140 caixas de papelão, porém nem todas eram
adequadas para o trabalho devido ás condições ruins em que elas se encontravam,
perfazendo assim, o total de 95 caixas adequadas para o trabalho de confecção da mesa
adaptada.
Na figura abaixo, podemos observar um dos pacientes selecionados, realizando a
atividade de alimentação utilizando a mesa adaptada:
586
Fonte: Dados da pesquisa. 2014.
CONCLUSÃO
A adequação postural somada à acessibilidade de um produto de baixo custo de
tecnologia assistiva contribuiu para a diminuição das queixas de pacientes referentes ao
desconforto postural e permitiu a realização adequada das atividades de vida diária com
enfoque na alimentação. A fabricação de uma mesa adaptada pelo terapeuta ocupacional
possibilitou maior autonomia funcional durante a realização da atividade de alimentação,
contribuindo para a estimulação da funcionalidade manual, preensão, movimentação de
membros superiores (antebraço, braço e mão).
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2.466, 2007.
589
A MODELAGEM MATEMÁTICA NA LICENCIATURA: UMA EXPERIÊNCIA NO PIBID
RESUMO: O presente artigo refere-se a uma pesquisa realizada com alunos do curso de
Licenciatura em Matemática da UENF, bolsistas do PIBID (Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência), durante o ano letivo de 2014. Diante de experiências obtidas em
outras investigações, podemos observar professores que utilizam em suas aulas o sistema
tradicional, com aulas predominantemente expositivas e respaldadas apenas no rigor
matemático, sem a devida aplicação prática. Acreditamos ser necessário que o professor,
cada vez mais, utilize diferentes metodologias de ensino, buscando, entre outros aspectos,
motivar seu aluno podendo influenciar positivamente em seu aprendizado. Desta forma, os
futuros professores devem ter a oportunidade de vivenciar a prática de situações
investigativas que abordem a Matemática aplicada a contextos pois capacitando-os e
motivando-os, isso poderá refletir no ensino de matemática na Educação Básica. Neste
trabalho realizamos a capacitação destes licenciandos para a utilização da metodologia de
Modelagem Matemática. Durante a capacitação foram tratados aspectos teóricos e
desenvolvidos projetos para serem aplicados em turmas de Ensino Médio de duas escolas
públicas estaduais do município de Campos dos Goytacazes, onde o PIBID Matemática da
UENF atua, ocorrendo a experiência prática com a aplicação dos projetos nas referidas
escolas. Ao final, pretende-se analisar as concepções, entendimentos, contribuições e
aprendizados do uso desta metodologia para a prática docente dos licenciandos.
Trabalhando desta forma, acreditamos numa reflexão do futuro professor quanto a sua
práxis. A pesquisa ainda encontra-se em andamento mas resultados preliminares apontam
que os licenciados sentem-se motivados a utilizar, no dia-a-dia escolar, uma metodologia de
ensino que se apresenta promissora no processo de ensino/aprendizagem.
Palavras-chave: Educação Matemática. Metodologia de Ensino. Modelagem Matemática.
Interdisciplinaridade.
INTRODUÇÃO
Pesquisas na área de Educação Matemática apontam para dificuldades no
aprendizado dos educandos das diversas séries da Educação Básica com a disciplina de
590
Matemática. Paralelamente a isto, diante de experiências obtidas em outras investigações,
podemos observar professores que utilizam em suas aulas o sistema tradicional, com aulas
predominantemente expositivas e respaldadas apenas no rigor matemático, sem a devida
aplicação prática. Tal tendência, segundo Porto (1987 apud STAHL, 2003, p.1), traduz o
pensamento da escola tradicional, caracterizado por valorizar o ensino universalista, sem se
preocupar, contudo, com o dia a dia do aluno, em que a função do professor é dominar o
conhecimento, selecioná-lo e ministrá-lo, de forma lógica e progressiva, num clima de
ordem, obediência e de forma acabada e inquestionável. Acreditamos ser necessário que o
professor utilize diferentes metodologias de ensino, buscando, entre outros aspectos,
motivar seu aluno podendo influenciar positivamente em seu aprendizado.
A Modelagem Matemática constitui-se como uma abordagem pedagógica capaz de
associar a matemática à realidade mediante um processo de investigação. Tal abordagem
implicará, segundo diversos autores, em um ensino com maior motivação, facilitação da
aprendizagem, preparação para utilizar a matemática em diferentes áreas, desenvolvimento
de habilidades gerais de exploração e compreensão do papel sócio-cultural da matemática,
podendo auxiliar os professores no processo de ensino-aprendizagem. Ela caracteriza-se
como um ambiente de aprendizagem69, no qual os alunos são convidados a indagar e/ou
investigar, por meio da Matemática, situações provenientes de outras áreas (BARBOSA,
2001).
Os documentos oficiais apontam algumas das características da Modelagem
Matemática a serem desenvolvidas no Ensino Médio. Os Parâmetros Curriculares Nacionais
do Ensino Médio, por exemplo, sinalizam no tópico investigação e compreensão os seguintes
aspectos:
69
Ambiente de aprendizagem (SKOVSMOSE, 2000) refere-se às condições propiciadas aos alunos para a
realização de atividades.
591
Desta forma, nos dias atuais, a Modelagem se apresenta como uma proposta
significativa, pois permite interpretar e compreender os mais diversos fenômenos do nosso
cotidiano. Além disso, relaciona o conteúdo muitas vezes isolado da sala de aula com o dia a
dia dos alunos e, se trabalhada de maneira eficaz, pode proporcionar diversos benefícios
como a motivação, facilitação da aprendizagem, desenvolvimento do raciocínio,
desenvolvimento do aluno como cidadão crítico e compreensão do papel sociocultural da
Matemática. Como afirma Bassanezi (2002), ela pode ser um caminho para tornar a
Matemática, em qualquer nível, mais atraente, agradável e motivadora.
Desta forma, nos cursos de Licenciatura os futuros professores devem ter a
oportunidade de vivenciar a prática de situações investigativas que abordem a Matemática
aplicada a contextos, como argumenta Meyer et al. (2011, p. 66):
Os futuros professores deverão ser preparados para que eles, junto com os
seus alunos, atuem como pesquisadores de sua vivência cotidiana e, a
partir delas, possam buscar os sentidos que são produzidos nas regras e
convenções.
592
OBJETIVOS
Objetivos gerais
Trabalhar a metodologia de Modelagem Matemática com alunos do curso de
Licenciatura em Matemática da UENF, bolsistas do PIBID, oferecendo ações de vivência e
lhes viabilizando a familiaridade na utilização de situações reais, em que são identificados
problemas, cuja solução é encontrada através da elaboração de modelos matemáticos,
desenvolvendo a habilidade de investigação do licenciando e lhe assegurando um trabalho
com aplicações de sua área de interesse, a Matemática, possibilitando-os a utilizarem a
Modelagem Matemática enquanto metodologia de ensino no dia a dia da sala de aula.
Objetivos Específicos
Analisar concepções, entendimentos, contribuições e aprendizados do uso desta
metodologia para a prática docente dos licenciandos.
DESENVOLVIMENTO
Modelagem Matemática
Bassanezi (2002) apresenta Modelagem Matemática como um processo dinâmico
utilizado para obtenção de modelos matemáticos e consiste, essencialmente, na arte de
transformar situações da realidade em problemas matemáticos. Segundo ele e Ferreira
(1998), a Modelagem busca, a partir de um problema não matemático, sua solução através
de um modelo dentro de uma teoria matemática conhecida que facilite sua obtenção. A
figura 1 mostra um dos esquemas que podem traduzir o processo de uma Modelagem
Matemática.
593
Figura 1 – Esquema simplificado da Modelagem Matemática.
Fonte: Adaptado de Biembengut (1997).
594
No caso 1, o professor apresenta um problema, devidamente relatado, com dados
qualitativos e quantitativos, cabendo aos alunos a investigação. Neste caso o estudante
recebe os dados.
No caso 2, os alunos deparam-se apenas com o problema para investigar, mas têm
que sair da sala de aula para coletar dados. Ao professor cabe a tarefa de formular o
problema inicial. Neste caso os alunos são mais responsabilizados pela condução das tarefas.
E, por fim, no caso 3, a formulação do problema, a coleta de dados e a resolução são
tarefas dos alunos.
Os três casos mostram como a Modelagem pode ser flexível no planejamento do
professor. Pode-se iniciar de maneira simples, como no caso 1; e pode ser um projeto mais
longo, como nos casos 2 e 3.
Como afirmam Almeida e Dias (2004 apud VERTUAN, 2007, p.39), o envolvimento do
aluno com as atividades de Modelagem Matemática é um processo gradativo, aumentando
no decorrer das atividades.
Pesquisa Qualitativa
A respeito da natureza qualitativa da pesquisa, Bogdan e Biklen (1994) afirmam que é
aquela em que o investigador procura entender o processo pelo qual as pessoas constroem
significados e descrevem o que são esses significados. Ou seja, na pesquisa qualitativa os
pesquisadores priorizam melhor compreender a experiência e o comportamento humano.
Para (Medeiros 2010, pág.26), a pesquisa qualitativa:
Nessa pesquisa optou-se pela análise qualitativa como meio de análise por
entendermos que suas características envolvem a obtenção de dados descritivos obtidos no
contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o processo do que o
produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes.
METODOLOGIA
595
A condução das atividades
A presente pesquisa foi realizada com vinte alunos do curso de Licenciatura em
Matemática da UENF, bolsistas do PIBID, sendo desenvolvida durante o ano letivo de 2014. A
atuação do PIBID Matemática da UENF se dá em duas escolas públicas da cidade de Campos
dos Goytacazes, que serão nomeadas de "Escola A" e "Escola B".
A proposta deste trabalho teve como meta a capacitação dos referidos licenciandos
para a utilização da Modelagem Matemática enquanto metodologia de
ensino/aprendizagem. Desta forma, durante o período de capacitação foram desenvolvidos
projetos de Modelagem Matemática voltados para os conteúdos que seriam trabalhados
pelos professores nas turmas do Ensino Médio. Também foram tratados aspectos teóricos
da Modelagem, argumentos para sua utilização como estratégia de ensino, sobre os
obstáculos à sua implementação no contexto atual, sobre os caminhos para sua
implementação, entre outros.
Posteriormente, os licenciandos foram inseridos no contexto da sala de aula,
aplicando os projetos desenvolvidos. Esta etapa visou à experiência prática deles, onde
puderam observar como se dá a utilização desta metodologia no dia a dia da sala de aula.
Os licenciandos foram divididos por escola. Onze trabalharam na Escola A, divididos
em três grupos, sendo dois grupos com quatro deles e um com três. O outro grupo com nove
licenciandos trabalhou na Escola B, divididos em três grupos de três bolsistas cada. Cada
grupo aplicou dois projetos em duas turmas. Os projetos foram utilizados por mais de um
grupo, pois eram apenas três projetos, mas a mesma turma nunca via o mesmo projeto.
O quadro 1 mostra o cronograma das atividades realizadas e das que ainda estão em
andamento.
597
Obtendo-se a área, pode-se determinar o outro modelo que represente o orçamento,
considerando como gasto apenas o preço das telhas, caso o projeto fosse executado. O
modelo de telhado a ser utilizado para o cálculo do orçamento está representado pela figura
2.
O projeto foi dividido em três etapas. Na primeira etapa os alunos foram levados até
a quadra de esportes das escolas para medirem sua largura e comprimento. Na segunda
etapa, eles deveriam construir um modelo que representasse a área de um telhado tipo
colonial e na terceira etapa, construir outro que representasse o orçamento que seria gasto
para a construção deste telhado, considerando apenas os preços das telhas. Iniciam, então,
a segunda etapa analisando como poderiam construir o modelo que representasse a área
total do telhado. Na sequência, decidiram procurar um modelo que tomasse como variável
apenas a largura da quadra, buscando assim a área para uma unidade de comprimento do
telhado (conforme mostra esquema do telhado na figura 3) e depois, considerando o
comprimento da quadra, chegariam à área total do telhado, como mostram as figuras 3 e 4.
598
Figura 3 – Exemplificação da estrutura de um telhado para obtenção de um modelo que determine
sua área. (Acervo pessoal)
599
telhado seria portanto de: , chegando ao valor que seria necessário para a
construção do telhado (considerando apenas o valor das telhas) na quadra da escola.
Projeto II - "Qual a melhor embalagem?". (Adaptado de Revista Nova Escola, n.
174).
Conteúdo de interesse/ Série: Geometria Plana e Espacial/ 1ª e 2ª séries do Ensino
Médio.
Este projeto aborda duas atividades distintas relacionadas ao mesmo tema.
Atividade 1:
Conteúdo: Planificação e áreas de figuras planas.
Esta atividade propõe que os alunos analisem duas embalagens de biscoitos
recheados com a mesma massa total de conteúdo, sendo uma em formato cilíndrico e outra
em formato de paralelepípedo, e descubram qual embalagem traz menor custo para o
fabricante, ou seja, qual delas utiliza a menor quantidade de material em sua embalagem.
As embalagens foram levados pelos alunos das turmas. O projeto foi iniciado com a
manipulação das embalagens, transformando-as nas suas planificações, conforme mostra a
figura 5. Analisaram as formas geométricas encontradas nas planificações e calcularam as
respectivas áreas, determinando assim a quantidade de material usado para confecção da
embalagem com o cálculo da área (modelo). Sabendo que as embalagens possuem a mesma
massa de conteúdo, verificaram qual seria a mais econômica na produção, ou seja, a que
gastaria menor quantidade de material.
Atividade 2:
600
Conteúdo: Geometria espacial e comparação de preços.
Esta atividade propõe que os alunos comparem embalagens de mesmo produto, mas
que são vendidas em tamanhos diversos: embalagens individuais e embalagens maiores. O
objetivo é verificar qual é a mais econômica, ou seja, comparando preço e quantidade de
conteúdo (volume) de cada uma delas. Por exemplo, verificar se é mais vantajoso comprar
três embalagens de 300 ml cada de um determinado produto ou uma embalagem de 900ml.
Para a execução da atividade proposta, os alunos levaram embalagens de mesmos
produtos, porém em tamanhos diferentes com os respectivos preços cobrados. Calcularam o
volume dos produtos utilizados (prismas, cilindros, etc) (modelo volume). A partir de então,
verificando o preço de cada produto e os volumes para as respectivas embalagens, analisar
qual embalagem é a mais econômica: “mais volume por menor preço”.
Projeto III - "Estimativa de orçamento para pintura de uma quadra poliesportiva".
(Fonte: Licenciandos, atores no projeto)
Conteúdo de interesse/ Série: Geometria Plana / 1ª série.
Este projeto busca determinar o modelo que represente o orçamento para pintura de
uma quadra poliesportiva. Os licenciandos levaram um exemplo de modelo a ser seguido
para a quadra poliesportiva, conforme figura 6.
Os alunos foram até as quadras das escolas para coletarem as dimensões das
mesmas e para fazerem os esboços que julgassem necessários, assim como o raio dos
círculos/semicírculos e dimensões dos retângulos que seriam utilizados. Já com as medidas
601
em mãos, efetuaram o cálculo das áreas de cada figura geométrica individualmente (através
das fórmulas da área dos retângulos, trapézios, círculos). Determinaram então a área total
para cada cor de tinta (somatório das áreas das figuras geométricas de mesma cor).
Sabendo a quantidade de tinta necessária pesquisaram em lojas especializadas os melhores
preços das cores escolhidas, em diversos tamanhos, bem como o rendimento em m² de cada
tinta.
RESULTADOS E CONCLUSÃO
A fase de análise dos dados da pesquisa ainda encontra-se em andamento e, desta
forma, não possuímos ainda resultados finais. Apresentaremos alguns resultados
preliminares obtidos a partir da análise de algumas respostas dos questionários dos
licenciandos e de reuniões e conversas informais tidas ao longo de todo o processo de
desenvolvimento deste trabalho.
A maioria dos licenciandos acredita no potencial da utilização da metodologia de
Modelagem Matemática, pois segundo eles a aplicação da matemática atrelada ao cotidiano
dos alunos mostrou-se como uma ótima ferramenta para aumentar a motivação e o
interesse, pois como afirmam Biembengut e Hein (2005), o ensino/aprendizagem de
Matemática será mais gratificante, uma vez que o aluno passe a aprender o que lhe desperta
interesse, tornando-o então corresponsável pelo seu aprendizado.
Outros pontos positivos relatados na experiência que tiveram com a Modelagem
foram: a contextualização, a possibilidade de diversificar as aulas, quebra do paradigma de
unicidade do professor, entre outros.
A principal dificuldade apontada foi a demanda de um tempo maior para aplicação
dos projetos. Os projetos de Modelagem necessitam de mais tempo do que o necessário
para uma aula convencional, portanto requerem um bom planejamento e contribuição das
escolas para que possam ser desenvolvidos de forma satisfatória.
De modo geral, eles notaram que a experiência com a Modelagem Matemática
trouxe contribuições para a prática docente, pois, segundo eles, ela permitiu que
desenvolvessem a criatividade e possibilitou a vivência com uma metodologia alternativa,
que se mostrou eficaz. Sendo assim, a maioria afirmou que utilizaria a Modelagem
602
Matemática na sala de aula como futuro professor. Portanto, os licenciados sentem-se
motivados a utilizar, no dia-a-dia escolar, uma metodologia de ensino que se apresenta
promissora no processo de ensino/aprendizagem.
Podemos concluir então que a vivência que tiveram com esta metodologia irá
contribuir positivamente para a formação e prática docente destes futuros professores.
REFERÊNCIAS
BASSANEZI, R. C. Ensino-aprendizagem com modelagem matemática: uma nova
estratégia. São Paulo: Contexto, 2002.
BIEMBENGUT, M. S.; HEIN, N. Modelagem Matemática no ensino. São Paulo: Editora
Contexto, 2003.
MEYER, J. F. C. A.; CALDEIRA, A. D.; MALHEIROS, A. P. S. Modelagem em Educação
Matemática. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011.
SANTOS, P. M. dos; STAHL, N. S. P. Aplicação da Modelagem Matemática no Ensino
Médio à luz da Teoria dos Registros de Representação Semiótica. Campos dos Goytacazes,
RJ, 2012.
SKOVSMOSE, Ole. Educação Matemática Crítica. Campinas: Papirus, 2001.
STAHL, N. S. P.; MEYER, J. F. C. A. Aprendizagem Escolar e Qualidade de Vida via
Modelagem Matemática e Simulações. Biomatemática, Campinas, SP, v.15, 2005.
603
REFLEXÕES SOBRE OS CONCEITOS SOBRE DROGAS: POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES NAS
AÇÕES PREVENTIVAS E TERAPÊUTICAS
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo evidenciar os conceitos sobre drogas, bem
como suscitar reflexões sobre as políticas, as ações e os seres que giram em torno desta
questão. Tal assunto vem crescendo no meio acadêmico na tentativa de compreender e
elaborar táticas para o enfrentamento do problema. Uma vez que há um aumento do
consumo, além de uma taxa de crescimento de dependentes químicos. Como suporte
teórico foram utilizados dados do Ministério da Saúde, Organização Mundial de Saúde,
Secretaria Nacional Antidroga, além das pesquisas de ARAUJO (2012), TOWSEND (2012),
LARANJEIRA (2005). Assim, o artigo justifica-se também, por as drogas apresentarem na
escala de terceiro transtorno psiquiátrico atrelado aos mais múltiplos problemas sociais,
familiares e de saúde. Dessa forma, pretendemos contribuir com a fundamentação de
trabalhos e pesquisas que auxiliem estratégias de ações preventivas e terapêuticas, além de
possibilitar a expansão do conhecimento, tendo em vista ainda que novas ações terapêuticas
possam ser construídas a partir da avaliação dos serviços já existentes prestados à
população, bem como suscitar reflexões sobre as políticas existentes e as que possam surgir.
Palavras-chave: Dependência química. Drogas. Possibilidades terapêuticas.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo evidenciar os conceitos sobre drogas e suscitar
reflexões sobre as ações envolvidas. O uso de drogas é hoje considerado uma questão de
saúde pública. A partir dessa frase podemos analisar e perceber a complexidade que é
lidar/cuidar de um dependente de drogas. Dessa forma, o tema em questão, vem sendo
discutido por pesquisadores a fim de compreender e elaborar estratégias para o
enfrentamento do problema, que cresce em escala alarmante.
Neste sentido, no que se refere às ações existentes sobre drogas, a Secretaria
Nacional Antidrogas (Senad), objetiva articular as políticas públicas. Assim, a LEI Nº 11.343,
DE 23 DE AGOSTO DE 2006, designa:
604
usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à
produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá
outras providências.
Essas ações são voltadas aos usuários de drogas, incentivadas pelo Governo Federal,
porém, em linhas gerais, a prevenção é a melhor ferramenta que norteia esses dilemas
sociais, a capacitação de profissionais da educação e saúde auxilia no enfrentamento e
direcionamento desta questão.
OS CONCEITOS
Historicamente, a questão do uso abusivo e/ou dependência de álcool e outras
drogas tem sido abordada por uma ótica predominantemente psiquiátrica ou médica. As
implicações sociais, psicológicas, econômicas e políticas são evidentes, e devem ser
consideradas na compreensão global do problema. Cabe ainda destacar que o tema vem
sendo associado à criminalidade e práticas antissociais e à oferta de "tratamentos"
inspirados em modelos de exclusão / separação dos usuários do convívio social.
Continuando a reflexão sobre o uso de substâncias psicoativas pela humanidade,
percebe-se que essa conceituação recente, “droga é um problema de saúde pública”, é bem
pertinente. Analisando separadamente as palavras chaves dessa frase, temos como a
primeira delas droga. Segundo a Organização mundial de Saúde (OMS), “droga é qualquer
substância não produzida pelo organismo que tem a propriedade de atuar sobre um ou mais
de seus sistemas, causando alterações em seu funcionamento". No relatório do I Fórum
Nacional Antidrogas (1999), realizado pela Secretaria Nacional Antidroga (SENAD), temos a
citação de Xavier de Oliveira,
605
As drogas são apenas substâncias psicoativas, naturais ou sintéticas, que
podem ser utilizadas pelo homem com diferentes finalidades. Não podemos
dar a uma determinada droga uma conotação de algo bom ou ruim, assim
não podemos considerar uma droga em si como algo destrutivo ou criativo.
O que vai poder ser destrutivo ou criativo é a maneira pela qual o homem
se relaciona com a droga independentemente do produto químico em
questão.
606
Oliveira e Kerr-Correia (2013), relatam que historicamente, esse conceito de droga-
problema surgiu em meados do século XIX, nos Estados Unidos com o cunho racial, religioso,
econômico e político. Isto é, não se considerava droga importante no que dizia respeito a
saúde individual ou coletiva.
Para esses autores, no Brasil temos uma reflexão da realidade de uma forma mais
ampla: a sociedade brasileira começou a se preocupar com essas situações, quando atentou
para o fato de que "o progresso do país" poderia estar ameaçado em razão do aumento
populacional nos centros urbanos, o aumento do alcoolismo, da "vadiagem" e das doenças
venéreas, atualmente denominadas de Doenças Sexualmente Transmissíveis, nas primeiras
décadas do século XX.
Ampliando essa temática, temos outros pontos a ligar ao consumo de drogas pela
sociedade, como a rede de poder que envolve essa prática, não só das drogas ilícitas, mas
também das chamadas drogas lícitas.
Quando afirmamos que o uso de drogas está ligado ao poder, destacamos a políticas
ligadas a grandes indústrias de medicamentos, por exemplo, à criminalidade, tráfico e
produção de armas de fogo, subvenção e lavagem de dinheiro, exploração do ser humano e
de menores, principalmente, à violência, à mortes por diferentes causas, e inúmeras outras
formas de se subjugar e controlar as pessoas e consequentemente a sociedade.
Sob a ótica da saúde, podemos lembrar dos malefícios imediatos, muitas vezes
associados ao uso abusivo, como overdoses de drogas sintéticas, acidentes causados por
indivíduos alcoolizados, agressões físicas, e outros. Além das comorbidades ocasionadas pelo
consumo a médio e longo prazo, descritas na literatura.
Por último, vamos analisar o termo saúde pública. Os paradigmas da saúde vem
evoluindo ao longo do tempo e chegamos a um ponto da definição de saúde da OMS,
"...completo bem estar social e não simplesmente ausência de doença". Essa definição muda
a visão de cuidados para o aspecto de melhorar a saúde e não de só cuidar da doença. Isto é,
amplia o que entendemos como saúde: ser saudável passa a ter a conotação além de se ter
ou não uma doença.
O termo qualidade de vida passa a ser um parâmetro de saúde. Mesmo o cuidado
aos ditos doentes, que tem que receber um tratamento de determinada doença, é estendido
607
a outros aspectos ligados à vida desse "doente", como sua condição de vida, de trabalho de
moradia, de estrutura familiar, aspectos psicológicos, e tantos outros enfoques que são
necessários para um "bem estar" do indivíduo.
Outro ponto importante para essa reflexão é que quando se amplia essa visão de ser
humano colocamos essa perspectiva na qualidade de vida, que vai levar a uma rede de
relações que chega a uma comunidade e indo mais além, a uma sociedade.
AGUIAR (2011, PG 44) aponta: que na 8ª Conferencia Nacional de Saúde que
representou o evento político-sanitário mais importante da segunda metade do século XX,
foram lançadas as bases doutrinárias de um sistema de saúde pública para o Brasil. Essa
conferência colocou em pauta três aspectos conceituais que extrapolam a visão biologicista;
a saúde deve ser vista como direito de cidadania e dever do estado; e a instituição de um
sistema único pautado pelos princípios da universalidade, integralidade, da equidade, da
descentralização e da participação da comunidade.
No que diz respeito à dependência química, além desses pontos, devem ser focados a
prevenção, a formação profissional e a reinserção comunitária.
No I Fórum Nacional Antidrogas, o relatório do subgrupo G, coordenado por Dr. João
Carlos Dias, afirma que o uso de drogas é responsável por perdas sociais e econômicas
significativas, ligadas diretamente a índices de acidente de trabalho, absenteísmo,
produtividade e deterioração das relações interpessoais.
Quando colocamos as consequências de um uso de drogas a ponto de interferência
não só de indivíduos, mas de uma sociedade, isso torna um problema público e quando
implica na necessidade de intervenções clínicas, abrange também a saúde da população. E aí
justifica o termo, saúde pública.
609
Nunca é demais, portanto, insistir que é a rede – de profissionais, de
familiares, de organizações governamentais e não-governamentais em
interação constante, cada um com seu núcleo específico de ação, mas
apoiando-se mutuamente, alimentando-se enquanto rede – que cria
acessos variados, acolhe, encaminha, previne, trata, reconstrói existências,
cria efetivas alternativas de combate ao que, no uso das drogas, destrói a
vida.
CONCLUSÃO
Como fechamento dessas reflexões, mostramos que questão da droga é amplamente
social, porque o uso, abuso e a dependência é uma cultura e um aprendizado de como viver
em sociedade e da forma como essa sociedade organiza seus interesses em saúde, na
política, econômicos e legislativos.
Atualmente o consumo de drogas, principalmente as ilícitas, diz respeito à busca de
prazer. Essa função, sem dúvida, domina na toxicomania moderna, junto ao tráfico, que é a
outra vertente presente nas pesquisas.
As políticas públicas visam cuidar desse indivíduo com focos em seus aspectos
individuais, levando o raciocínio para os aspectos biopsíquicos e sociais e para isso é
necessário diferentes abordagens, diferentes profissionais estratégias adequadas às
condições desse indivíduo.
Pretendemos, comas reflexões acima, contribuir com a apresentação de ações
preventivas e terapêuticas em dependência química, além de abordar um pouco do o
conhecimento do que já vem sendo construído neste campo de atuação, tendo em vista
ainda que novas ações terapêuticas podem ser construídas a partir da avaliação dos serviços
já existentes prestados à população, bem como suscitar reflexões sobre as políticas públicas,
as ações e os usuários de drogas.
REFERÊNCIAS
610
ABNT– Associação Brasileira de Normas Técnicas NBR 6023 2002, Informação e
documentação - Referências – Elaboração, Brasil 2002.
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desafios. São Paulo: Ed. Martinari, 2011.
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Programáticas Estratégicas. Área Técnica de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas.
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usuários de álcool e outras drogas. 2 Ed. Série B. Textos Básicos de Saúde Brasília – DF,
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organizadores Paulina do Carmo Arruda Vieira Duarte, Vladimir de Andrade Stempliuk e
Lúcia Pereira Barroso. – Brasília: Secretaria Nacional Antidrogas, 2009.
______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. SVS/CN - DST/AIDS. A
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FAZENDA, I. C. A. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. 3. ed. Campinas:
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Laranjeira R, Zaleski M, Ratto L. Comorbidades psiquiátricas: uma visão global. J.
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611
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TOWSEND, Mary C. Enfermagem Psiquiátrica: conceitos de cuidados na prática baseada
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612
A ESCOLA COMO ESPAÇO DE PROMOÇÃO DE SAÚDE E A AÇÃO DOS PROFISSIONAIS
ENVOLVIDOS NESSE PROCESSO
RESUMO: Nos últimos anos, estudos apontam maior preocupação com a saúde relacionada
à atividade física e hábitos alimentares nas escolas. É reconhecido o espaço da escola como
potencial para a aquisição de hábitos saudáveis ao estabelecer relações interpessoais e de
conhecimento. As preferências alimentares dos mais jovens, que nem sempre se alinham
aos alimentos considerados mais saudáveis, associadas ao sedentarismo, são alvo de
estudos epidemiológicos, os quais têm registrado um aumento da prevalência de obesidade
entre esses sujeitos. Tal situação pode gerar, em médio prazo, o aumento da probabilidade
de riscos de doenças cardiovasculares, hipertensão e outros transtornos de saúde. O
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), implantado em 1955 garante, por meio
de repasses financeiros, a alimentação escolar dos alunos de toda a educação básica, que se
inicia na educação infantil e se estende até à educação de jovens e adultos, em escolas
públicas e filantrópicas, e que tem por objetivo atender às necessidades nutricionais dos
alunos durante sua permanência em sala de aula, contribuindo para o crescimento, o
desenvolvimento, a aprendizagem e o rendimento escolar dos estudantes, bem como
promover a formação de hábitos alimentares saudáveis. Porém, o ato de comer na escola vai
muito além do que estabelece o programa, uma vez que as instituições disponibilizam outros
tipos de alimentos nas cantinas internas e também permitem que os alunos levem alimentos
consigo. O professor de educação física tem autonomia para tratar de questões ligadas à
saúde na escola, trabalhando com atividades em sala de aula e até com grandes projetos
voltados à prática de atividade física como instrumento de manutenção da saúde, o que por
sua vez relaciona-se à prevenção de diversos tipos de doenças crônicas.
Palavras-Chave: Alimentação escolar. Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Saúde pública.
INTRODUÇÃO
Segundo dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), garante, por meio de repasses
financeiros, a alimentação escolar dos alunos de toda a educação básica, e que tem por
objetivo atender às necessidades nutricionais dos alunos durante sua permanência em sala
613
de aula, contribuindo para o crescimento, o desenvolvimento, a aprendizagem e o
rendimento escolar dos estudantes, bem como promover a formação de hábitos alimentares
saudáveis.
Segundo a controladoria-geral da união (2006), especificamente, os beneficiários da
Merenda Escolar são alunos da educação infantil (creches e pré-escolas), do ensino
fundamental, da educação indígena, das áreas remanescentes de quilombos e os alunos da
educação especial, matriculados em escolas públicas dos estados, do Distrito Federal e dos
municípios, ou em estabelecimentos mantidos pela União, bem como os alunos de escolas
filantrópicas, em conformidade com o Censo Escolar realizado pelo INEP no ano anterior ao
do atendimento.
O programa tem sua ascensão no início da década de 40, quando o Instituto de
Nutrição, assim reconhecido, defendia a proposta de o estado oferecer alimentação na
escola. Entretanto, não foi viável concretizar a proposta por falta de recursos financeiros. Já
então na década de 50, foi elaborado o Plano Nacional de Alimentação e Nutrição, chamado
de conjuntura alimentar e o problema da nutrição no Brasil. Através deste, se estrutura um
programa de merenda escolar em abrangência nacional, sob a responsabilidade pública. Na
proposta original, apenas o Programa de Alimentação Escolar se manteve, contando com o
financiamento do Fundo Internacional de Socorro à Infância (FISI), atualmente UNICEF, que
permitiu a distribuição do excedente de leite em pó destinado, inicialmente, à campanha de
nutrição materno-infantil. Em 31 de março de 1955, foi assinado o Decreto n° 37.106, que,
como apresentado no artigo 1º, institui a Campanha de Merenda Escolar na Divisão de
Educação Extraescolar do Departamento Nacional de Educação, do Ministério da Educação e
Cultura. Em sua legislatura, foram celebrados convênios diretos com o FISI e outros órgãos
internacionais. Daí então surgiu a ideia de cantinas escolares, assim como estabelecido no
artigo 3º deste mesmo decreto” A ação da campanha se estende a todo território e será
realizada, ou diretamente através da criação de cantinas escolares, ou mediante convênios a
serem firmados com entidades públicas ou particulares” Decreto n° 37.106/ 55).
O nome do projeto foi alterado ainda mais três vezes. No ano de 1956, com a edição
do decreto nº 39.007, sendo chamado de Campanha Nacional de Merenda Escolar (CNME),
com o propósito de promover o atendimento ainda com abrangência nacional.
614
Posteriormente, já em 1965 foi denominado, pelo Decreto n° 56.886, Campanha Nacional de
Alimentação Escolar (CNAE) e surgiu com um elenco de programas de colaboração
americana, entre os quais, ainda segundo dados do FNDE, destacavam-se o "Alimentos para
a Paz", financiado pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional
(USAID); o Programa de “Alimentos para o Desenvolvimento”, voltado ao atendimento das
populações carentes e à alimentação de crianças em idade escolar; e o “Programa Mundial
de Alimentos” (PMA), da Organização das Nações Unidas (ONU) para Agricultura e
Alimentação (FAO/ONU). Somente em 1979 passou a denominar-se Programa Nacional de
Alimentação Escolar (PNAE) ao qual se mantém atualmente.
A partir de então ficou assegurado o direito à alimentação escolar a todos os
matriculados no ensino fundamental através de um programa suplementar de alimentação
escolar a ser oferecido por todos os entes federados com a promulgação da Constituição
Federal, em 1988.
Segundo estudos epistemológicos, o ato de comer na escola vai muito além do que o
programa estabelece. Bosi, 1988 descreve:
Além destes aspectos, quase sempre desprezados, outra questão relevante deve ser
tratada, a alimentação paralela que ocorre dentro da escola, uma vez que as instituições
disponibilizam outros tipos de alimentos nas cantinas internas e também permitem que os
alunos levem alimentos consigo, sendo assim, o programa não pode se restringir somente a
merenda escolar, ações educativas devem ser elaboradas para que o objetivo da escola seja
assegurado também no aspecto de educação alimentar. Ações desta natureza podem ser
trabalhadas intersetorialmente e interdisciplinarmente uma vez que estas contribuições
serão refletidas nestes mesmos setores por ser é sabido que os maus hábitos alimentares
são fatores de risco para diversas doenças crônicas.
615
Partindo do pressuposto este estudo tem o objetivo de avaliar criticamente o
posicionamento da escola e dos profissionais responsáveis como interventores no processo
de promoção de saúde.
De fato, a alimentação desempenha um papel primordial durante todo o ciclo de vida
dos indivíduos. Dentre os estágios da vida destaca-se a idade escolar, que se caracteriza por
um período em que a criança apresenta um metabolismo muito mais intenso quando
comparado ao do adulto. Considerando as preferências alimentares dos mais jovens, que
nem sempre convergem com os alimentos considerados mais saudáveis, associados ao
sedentarismo, os estudos epidemiológicos têm registrado um aumento da prevalência de
obesidade entre esses indivíduos. Segundo o relatório da International Obesity Task Force
(IOTF) de 2003, para a Organização Mundial da Saúde, estima que aproximadamente 10%
dos indivíduos entre cinco e 17 anos de idade apresentam excesso de gordura corporal,
sendo que de 2 a 3% são obesos. Já no Brasil, o modelo da prevalência mundial está se
repetindo, como identificado na segunda etapa da Pesquisa de Orçamentos Familiares
realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2006), na qual se
encontrou excesso de peso em 40,6% da população. Na faixa etária pediátrica, estudos
nacionais demonstram prevalências de excesso de peso que variam entre 10,8% a 33,8% em
diferentes regiões. Dados do IBGE, mostram que o excesso de peso e a obesidade são
encontrados com grande frequência, a partir de cinco anos de idade, em todos os grupos de
renda e em todas as regiões brasileiras. Em 2009, uma em cada três crianças de cinco a nove
anos estavam acima do peso recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Tal situação pode gerar, a médio prazo, o aumento da probabilidade de riscos de
doenças cardiovasculares, hipertensão e outros transtornos de saúde.
Desde a implantação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), muitas
foram as iniciativas e medidas por parte do poder executivo em relação ao estabelecimento
de políticas públicas de alimentação, formuladas e implementadas sob alegações diversas,
mas que, essencialmente, compartilham a constatação óbvia do precário estado nutricional
de diversos segmentos da população brasileira, sendo mais crucial aquele constituído pelas
crianças na fase pré-escolar.
616
O governo brasileiro, através de programas sociais, têm expressado a preocupação
em desenvolver atividades promotoras de saúde no ambiente escolar, como o Programa
Saúde na Escola (PSE), que no ano de 2014 estava aberto aos municípios e passou a atender
creches e pré-escolas. São mais de 50 mil escolas que participam do programa. O mesmo é
gerenciado pelo Ministério da Saúde que investe também em ações preventivas para evitar
a obesidade em crianças e adolescentes. Essa intervenção na escola se dá, pois, a mesma
apresenta-se como um espaço e um tempo potencial para promover a saúde, por ser um
meio onde passa-se grande parte do tempo, ainda mais as que oferecem ensino em tempo
integral, sendo uma forte influência na formação do sujeito se considerarmos as mais
diversas teorias de aprendizagem. O ambiente de ensino, ao articular de forma dinâmica a
comunidade escolar, familiares e profissionais de saúde, proporciona as condições
necessárias para desenvolver atividades que reforçam a capacidade da escola de se
transformar em um local favorável à aquisição de hábitos saudáveis, o trabalho de todos os
envolvidos nesse processo, podendo, por conseguinte, constituir-se em um núcleo de
promoção de saúde local na grande relevância do fato de o PNAE estender suas ações à toda
a comunidade escolar, envolvendo as famílias, funcionários em designação administrativa,
professores, além, obviamente os alunos.
As atividades educativas que promovem a saúde na escola representam importantes
instrumentos se considerarmos que sujeitos com a posse de informações e conhecimentos,
têm mais possibilidades de melhorar seu bem-estar em seus diversos aspectos. A
informação sobre os comportamentos identificados como fatores de risco para as doenças
crônicas, incentivam o desenvolvimento de atitudes pessoais que promovam a saúde. Por
parte da escola, a conscientização sobre as causas econômicas e ambientais da saúde e da
doença, propriamente dita, podem contribuir para organizar atividades pedagógicas,
direcionadas a mudanças ambientais, econômicas e sociais, criando condições favoráveis à
saúde. É necessário uma relação dialogal, uma comunicação emancipadora, em que os
sujeitos sejam envolvidos na ação educativa, levando em conta a reconstrução do saber da
escola
O nutricionista, por sua vez, como o profissional de saúde que atua diretamente na
relação entre o homem e o alimento, juntamente com o profissional de educação física da
617
escola, também promotor de saúde, podem exercer as suas funções de promoverem a
saúde no meio escolar através de atividades assistenciais e educativas relacionadas com o
desenvolvimento do Programa de Alimentação Escolar (PNAE), de forma a não somente
garantir o que está previsto no documento, mas também, contribuir verdadeiramente com a
saúde da comunidade.
618
Para Abreu (1995), Castro & Peliano (1985), Moyses & Collares (1995), e Pipitone
(1995), as atividades educativas em nutrição desenvolvidas no ambiente escolar não têm
conseguido atingir esse objetivo.
619
O trabalho escolar lida com os valores, as crenças, os mitos e as representações que
se têm sobre a própria relação do saber-fazer-ser educador e educando. Organizar e
estimular situações de aprendizagem nas quais a saúde possa ser compreendida como
direito de cidadania e um pressuposto ético, valorizando as ações voltadas para sua
promoção, é inerente à escola.
São múltiplas as faces do estar saudável ou estar doente, e, reconhecida essa
complexidade, o professor lidará com as questões de saúde e de doença de maneira
diferenciada, atuando mais intensamente nas ações preventivas, ou seja, através da
informação e orientação para a profilaxia.
Considerando as teorias sócio interacionistas de base da educação e assimilando com
o tema abordado, pode-se dizer que promover saúde é tocar nas diferentes dimensões
humanas, é considerar a afetividade e a inteligência, igualmente relevantes e como
indissociáveis das demais dimensões, portanto, a promoção da saúde é vivencial,
interiorizada através da prática e pela influência do meio, desta forma, nitidamente, a escola
exerce o potencial nesse desenvolvimento.
Asseguradamente o professor de educação física tem total autonomia para tratar de
questões ligadas à saúde na escola através dos Temas Transversais, pois este se baseia numa
tomada de posição diante de problemas fundamentais e urgentes da vida social, o que
requer uma reflexão sobre o ensino e a aprendizagem de seus conteúdos: valores,
procedimentos e concepções a eles relacionados partindo da necessidade do contexto ao
qual está inserido, trabalhando com atividades em sala de aula e até com grandes projetos
voltados à prática de atividade física como instrumento na manutenção da saúde, uma vez
que o mesmo está diretamente relacionado aos mais diversos tipos de doenças crônicas.
Tratando de saúde, o PCN apresenta como um de seus objetivos a manutenção de
saúde assim como apresentado: “Conhecer o próprio corpo e dele cuidar, valorizando e
adotando hábitos saudáveis como um dos aspectos básicos da qualidade de vida e agindo
com responsabilidade em relação à sua saúde e à saúde coletiva.”
Para isto, podemos observar que os métodos liberais de ensino e aprendizagem não
são eficientes para tratar desse assunto, necessitando de uma ação mais construtiva,
620
partindo da real necessidade do aluno e nele centrado, a fim de desenvolver sua autonomia
assim como também é tratado no documento citado.
Nessa perspectiva, fica evidente a relevância das relações sociais democráticas para a
construção dessa competência. Ainda no mesmo capitulo em que se encontra o texto
anterior vemos:
CONSIDERAÇÕES GERAIS
De fato, para que se tenha um resultado interventivo relevante, mais do que ações
isoladas, é preciso articular os sistemas, integrando-os e possibilitando a intersetorialidade
de forma a garantir a qualidade de vida e a saúde da população. O programa de alimentação
escolar se revela, assim, como um espaço propício para desenvolver atividades de promoção
da saúde, produção de conhecimentos e de aprendizagem na escola. Atendendo aos
requisitos expostos anteriormente, o PNAE poderia utilizar o espaço educativo em que se
constitui no sentido de provocar o diálogo com a comunidade escolar sobre os fatores que
influenciam suas práticas alimentares diárias, possibilitando questioná-las e modificá-las,
ajustando-as com as diferenciações culturais, por meio da discussão de temas como: fatores
condicionantes e determinantes de práticas alimentares, crenças e tabus.
Criar um ambiente favorável à aprendizagem, enquanto um processo social e
permanente, para que todos aqueles que exercem suas atividades no cenário escolar
possam conduzir sua alimentação em busca de uma vida mais saudável, cientes dos
condicionantes de suas práticas alimentares, é uma forma de desenvolver os recursos sociais
621
e pessoais necessários para alcançar o estado de bem-estar. Esta é a mais relevante
contribuição que o programa de alimentação escolar pode dar para promover a saúde da
comunidade escolar e de seus familiares. O nutricionista tem aí a oportunidade de
desenvolver outros papéis além daquele de administrador de refeições que suavizam o
efeito da pobreza sobre a população carente, como se fosse essa a única função dos
programas de suplementação alimentar. Desenvolvendo seu potencial como educador em
nutrição, deve estar presente na transformação do espaço da merenda escolar em um
ambiente de promoção da saúde e de aprendizagem. Explorando, no serviço de alimentação
escolar, situações que permitam adquirir conhecimentos significativos a partir da
experiência cotidiana, o nutricionista cria condições para tornar o ambiente onde quem atua
também ensina e aprende, num empenho conjunto na busca por melhores condições de
saúde.
O educador físico, por sua vez, também deve exercer papel fundamental no processo
de promoção de saúde, pois a sua atuação permite, além de tudo, um contato pessoal com
seus alunos, dando-lhe possibilidade de ações ajustadas ás particularidades.
Em fim, podemos constatar em diversos estudos a atividade física e a alimentação
como componentes indissociáveis e ambos por si só, se não equiparadas, não são suficientes
para a intervenção e manutenção da saúde do sujeito.
No auge da transformação da escola para uma total democracia, sendo um dos
principais objetivos do plano nacional de educação, a cooperação em conjunto com os mais
diversos segmentos sociais e cidadãos interligados pode colabora um atendimento mais
eficiente dando ênfase aos aspectos qualitativos sobre os quantitativos.
REFERÊNCIAS
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da criança e ato pedagógico? Em Aberto. Brasília, v.15, n.67, p.5-20, 1995.
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais. Introdução. Ensino Fundamental. Brasilia:
MEC/SEF, 1998
622
CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Gestão de Recursos Federais – Manual para Agentes
Públicos. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/cgu/cartilha_CGU.pdf> Acessado em 12 de
dezembro de 2014
Decreto nº 37.106, de 31 de Março de 1955. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1950-1959/decreto-37106-31-marco-1955-
332702-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acessado em 12 de dezembro de 2014.
IPIRANGA, L. Prefácio. In: LEME, Maria José Paes; PERIN, Maria da Luz F. 1, 2. Feijão com
arroz: educação alimentar. Brasília: FAE/MEC, 1995, p. 5.
MOYSES, M.A.A., COLLARES, C.A.L. Aprofundando a discussão das relações entre
desnutrição, fracasso escolar e merenda. Em Aberto, Brasília, v.15, n.67, p.33-56, 1995.
PIPITONE, M.A.P. A relaçãosaúde e educação na escola de 1º Grau. Alimentação e
Nutrição, São Paulo, n.65, p.48-52, 1995.
623
A MEDIAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO COGNITIVO – A PERSPECTIVA
VYGOTSKYANA DA EDUCAÇÃO NA ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL
INTRODUÇÃO
Desde o nascimento, a criança é observada por pesquisadores em seu
desenvolvimento fisiológico, motor, intelectual, psicológico e social. Muitos estudos nas
áreas da saúde, da educação, da psicologia, da sociologia tentam dar conta da complexidade
que é conhecer o humano e seu desenvolvimento. Cada disciplina focando em um aspecto
determinado e todas procurando uma comunicação entre si acabam conferindo ao tema o
status de interdisciplinar, uma vez que diante de um objeto de estudo tão complexo,
nenhuma alcança êxito sozinha.
Falar de desenvolvimento humano é falar de interdisciplinaridade, é falar de
cognição, é falar de linguagem. O presente artigo tem por objetivo apresentar a visão
Vygotskyana acerca do desenvolvimento cognitivo da criança, que enfatiza a aquisição da
linguagem com marco qualitativo de sua evolução maturacional, e também, refletir sobre a
importância da mediação nesse processo.
624
A inserção da criança no meio social, tanto pela via da família, quanto pela via da
escola, é fortemente marcada por mediadores, pessoas que se incumbem de lhe passar
informações e conhecimentos culturais e científicos, capazes de alterar sua condição
psicoemocional e intelectual.
Num intercâmbio entre Psicologia, Educação e Sociologia, Vygotsky trata dessa
relação entre aprendizado, desenvolvimento e mediação quando apresenta o conceito de
Zona de Desenvolvimento Proximal e diz que as capacidades reais de uma criança
influenciam seu aprendizado e este amplia aquelas. Tal processo é manejado pela figura da
mediação, principalmente a social, que fará a ponte entre um nível de desenvolvimento e
outro mais elevado.
Por seu turno, o instrumento psicológico mais utilizado pelo mediador social é a
linguagem, responsável não só pela comunicação e inter-relação dos sujeitos, mas também
por uma função organizadora do conhecimento, que produz novas formas de
comportamento.
625
Todos os esforços concentram-se em encontrar o limiar inferior de uma
capacidade de aprendizado, ou seja, a idade na qual um tipo particular de
aprendizado se torna possível pela primeira vez” (VYGOTSKY, 2007, pag.
88).
Vygotsky (2007) critica essa perspectiva no sentido de que ela não abre margem de
possibilidade para que o processo de aprendizagem possa trazer algum ganho de
desenvolvimento para o indivíduo. Somente o desenvolvimento poderia favorecer o
aprendizado. Mas nunca o aprendizado poderia aumentar ou qualificar o desenvolvimento.
Newman e Holzman (2002) falam de uma dependência unilateral: “a aprendizagem, embora
separada do desenvolvimento, depende do desenvolvimento, enquanto o desenvolvimento
não é afetado pela aprendizagem” (p.73).
E, Vygotsky (2007) resume essa perspectiva dizendo que “o aprendizado forma uma
superestrutura sobre o desenvolvimento, deixando este último essencialmente inalterado”
(p.89).
A segunda perspectiva é a da Identidade, que postula a igualdade entre aprendizado
e desenvolvimento. Seu precursor foi Willian James que admitia que o desenvolvimento era
o domínio de reflexos condicionados. O processo de aprendizado era visto inseparavelmente
misturado com o processo de desenvolvimento. James acreditava que os hábitos eram a
base tanto para o desenvolvimento quanto para a aprendizagem.
Vygotsky (2007) se referiu a essa perspectiva como reducionista, vez que reduzia
aprendizado à formação de hábitos e identificava dois processos diferentes,
desenvolvimento e aprendizado.
A terceira perspectiva era uma tentativa de conjugar as duas anteriores,
combinando-as. Koffka foi seu grande representante, ele acreditava que o desenvolvimento
poderia se realizar através da maturação do sistema nervoso, mas também por meio da
aprendizagem. Newman e Holzman (2002) destacam que Koffka admitia a influência da
aprendizagem sobre o desenvolvimento, mas o criticam dizendo que ele não especificou
como essa influência acontecia.
Apesar de não aderir a essa terceira perspectiva de relação entre desenvolvimento e
aprendizagem, Vygotsky valoriza três aspectos que a diferenciam das demais: o primeiro, é
que ela combina dois pontos de vista que até então eram tidos como opostos, ou seja, que
626
maturação biológica e aprendizado influenciam o desenvolvimento; o segundo, é que os dois
aspectos que constituem o desenvolvimento são interagentes e dependentes, apesar de
Koffka não explorar muito como se dá essa interação; e o terceiro, é a importância que ele
dá ao aprendizado no desenvolvimento da criança. Koffka e outros teóricos do
desenvolvimento afirmam que
Até então a maturidade de uma criança era medida pelo nível de desenvolvimento
real que ela apresentava, ou seja, por aquelas habilidades que ela era capaz de
desempenhar sem ajuda de qualquer pessoa, de forma independente, sem, contudo, levar
em consideração o que ela seria capaz de fazer se recebesse algum tipo de auxílio. No
entanto, o que Vygotsky (2007) quis demonstrar é que aquilo que a criança está prestes a
realizar de forma autônoma revela mais sobre seu desenvolvimento do que aquilo que ela já
faz sozinha.
A fim de demonstrar sua teoria, Vygotsky (2007) construiu um exemplo em que
compara duas crianças que acabaram de entrar na escola, ambas com dez anos de idade
cronológica e oito anos em termos de desenvolvimento mental. Ele questiona se poderia
dizer que elas têm a mesma idade mental, e responde que naturalmente sim, no sentido de
que elas podem lidar, de forma independente, com tarefas até o grau de dificuldade que foi
padronizado para o nível de oito anos de idade. Vygotsky afirma que se parasse nesse
ponto, as pessoas poderiam imaginar que o curso subsequente do desenvolvimento mental
e do aprendizado escolar para essas crianças seria o mesmo, uma vez que ele depende dos
seus intelectos. No entanto, se esse ponto de referência fosse apenas um dado inicial, e se
fossem mostradas às crianças várias maneiras de tratar um determinado problema,
diferentes resultados surgiriam: alguns adultos poderiam realizar uma demonstração inteira
e pedir à criança para repeti-la, outros poderiam iniciar a solução e pedir à criança para
terminá-la ou, ainda, fornecer pistas. Nessas circunstâncias, seria possível perceber que a
primeira criança pôde lidar com problemas até o nível de doze anos de idade e a segunda
até o nível de nove anos de idade. Com isso, Vygotsky conclui que essas crianças não
apresentam a mesma idade mental.
628
Nesse sentido, para se alcançar a realidade mais próxima do desenvolvimento mental
da criança, é preciso analisá-la em seus dois níveis: o de desenvolvimento real e a zona de
desenvolvimento proximal. Feito isso, Hedegaard (1996) salienta que seria possível traçar
condições de ensino mais adequadas, estimulando uma série de processos internos de
desenvolvimento. Para a autora, a zona de desenvolvimento proximal funcionaria como uma
ferramenta analítica para planejar o ensino, e favorecer a aprendizagem.
Pode-se perceber que o pensamento de Vygotsky aponta para o fato de que a
aprendizagem conduz o desenvolvimento, ela o direciona. A partir do desenvolvimento real,
deve-se estimular a criança apresentando-lhe desafios que vão além desse marco, criando a
zona onde será possível a produção de um salto qualitativo de desempenho cognitivo, a
zona de desenvolvimento proximal. Vygotsky (2007) propõe que “um aspecto essencial do
aprendizado é o fato de ele criar a zona de desenvolvimento proximal; ou seja, o
aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, (...)” (p.103).
Newman e Holzman (2002), afirmam que a análise de Vygotsky sobre a história do
desenvolvimento da relação entre conceitos espontâneos e conceitos científicos é um
excelente exemplo de como a aprendizagem conduz o desenvolvimento, e é exemplo
também da afirmação que ele faz de que essa condução favorece a crescente capacidade da
criança em se envolver em atividades de forma volitiva e consciente. Para eles, essa
abordagem é a comprovação da natureza social da volição e da consciência. Isso porque, ela
é desenvolvida numa interação entre a criança e o adulto ou entre a criança e outras mais
desenvolvidas.
Considerando conceitos espontâneos como aqueles que a criança aprende na sua
vida diária e conceitos científicos como aqueles recebidos no ambiente escolar como parte
de um sistema de conhecimento (NEWMAN, HOLZMAN, 2002), Hedegaard (1996) chama
conceitos espontâneos de conceitos corriqueiros e afirma que:
o grau com que a criança domina os conceitos corriqueiros mostra seu nível
de desenvolvimento presente, e o grau com que ela adquiriu os conceitos
científicos mostra a zona de desenvolvimento proximal (p. 200).
629
De maneira que, a maior ou menor facilidade que o indivíduo tem em assimilar
conceitos científicos, aponta para o seu maior ou menor desenvolvimento, dentro da zona
de desenvolvimento proximal.
Conclui-se que, no que se refere à relação entre desenvolvimento e aprendizado,
Vygotsky percebeu que o bom aprendizado é aquele que se adianta ao desenvolvimento,
uma vez que é ele, o bom aprendizado, quem cria a zona de desenvolvimento proximal.
Somente através do ensino/aprendizado, notadamente o sistematizado, é que processos
internos de desenvolvimento são despertados.
MEDIAÇÃO
Coll et al, (1996) em seu livro Desenvolvimento Psicológico e Educação, II, declara
que o processo de formação das funções psicológicas superiores se dá através da atividade
prática e instrumental do indivíduo sobre seu ambiente. Porém, essa atividade não acontece
de forma individual, mas sim em interação ou em cooperação social. A transmissão dessas
funções acontece mediante a atividade ou interatividade entre a criança e o adulto ou entre
ela e outras crianças mais maduras, na zona de desenvolvimento proximal. Ele afirma que
esse processo de mediação pode ser chamado de educação, e salienta que Vygotsky
apresentou dois tipos de mediação, a instrumental e a social.
Baseando-se na lógica dialética de Marx e no seu materialismo histórico,
principalmente na ideia de que o homem produziu instrumentos para modificar o ambiente,
e assim evoluiu culturalmente, ele afirma que Vygotsky propôs a mediação instrumental a
partir do conceito de instrumento psicológico, que caracteriza a atividade humana, e é
conceituado como sendo “todos aqueles objetos cujo uso serve para ordenar e reposicionar
externamente a informação” (COLL et al,1996, p.83).
São exemplos de instrumentos psicológicos uma moeda, uma régua, uma agenda, um
semáforo e, o mais importante de todos, o sistema de signos, e com ele a linguagem, que se
constitui como grande sistema de mediação instrumental.
Dessa forma, a internalização dos instrumentos psicológicos, notadamente da
linguagem, possibilita ao indivíduo um salto de qualidade na sua interação cultural,
produzindo desenvolvimento psíquico e cognitivo. Coll et al (1996) afirmam que, na
630
perspectiva de Vygotsky, “nossos sistemas de pensamento são fruto da internalização de
processos mediadores desenvolvidos por e em nossa cultura.”(p.84)
Assim também, e mais ainda, a mediação social ou mediação instrumental
interpessoal constrói as estruturas necessárias para o desenvolvimento da criança. Ao ser
inserida num contexto social e cultural desde o nascimento, a criança vai internalizando as
informações e as experiências recebidas do adulto e de outras crianças maiores. Esse
processo de mediação interpessoal “permite que a criança desfrute de uma consciência im-
própria, de uma memória, atenção, categorias e inteligência, emprestadas pelo adulto, (...)”.
(COLL et al, 1996, p.85)
Inicialmente, a visão de mundo da criança é uma visão social e externa, construída
pelo outro. Na medida em que a criança vai amadurecendo e construindo correlatos
internos para os operadores externos, é que sua mente, sua visão de mundo vai se tornando
individualizada. Isso é o que Vygotsky estabeleceu com sua lei da dupla formação dos
processos psicológicos, segundo Coll et al (1996):
631
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo o exposto, é possível perceber que, dentro da perspectiva de
Vygotsky, a mediação tem papel fundamental no desenvolvimento do indivíduo, por isso sua
teoria tem um cunho social tão relevante. O indivíduo se constrói e é construído numa
interação relacional, tanto dele com o ambiente, quanto dele como outros indivíduos.
Em princípio se questionou como as relações interpessoais poderiam contribuir para
o desenvolvimento cognitivo da criança, mas o que se pode inferir com o presente estudo é
que as relações interpessoais estão na base de todo desenvolvimento, não só o cognitivo.
No que se refere especificamente à mediação social ou interpessoal, a contribuição
também se verifica nos aspectos psicoemocionais, vez que, ao se levar em conta a qualidade
da relação entre mediador e mediado, vínculos afetivos podem se estabelecer. Nesse
sentido, é preciso lançar um olhar mais acurado sobre a relação aluno/professor, dentro do
ambiente escolar. Para além do quê e do como, é fundamental que se questione sobre quem
está mediando.
O mediador escolar há que ser um indivíduo competente, qualificado e empenhado
no seu ofício. Há que ter consciência da importância do seu papel e do quanto pode
modificar a realidade intelectual, emocional, psicológica e social do seu aluno. Independente
das políticas públicas, do reconhecimento e valorização profissional necessários, o
profissional da educação necessita responsabilizar-se e comprometer-se com a
profundidade do alcance da sua função: não apenas informar, mas também formar.
REFERÊNCIAS
COLL, César; PALACIOS, Jesus; MARCHESI, Álvaro. Desenvolvimento psicológico e
educação: psicologia da educação. Porto Alegre: Artes médicas, 1996.
HEDEGAARD, M. A Zona de Desenvolvimento Proximal como Base para a Instrução. In:
MOLL, L. C. (org) Vygotsky e a educação: Implicações pedagógicas da psicologia sócio-
histórica. Artes Médicas, 1996.
NEWMAN Fred; HOLZMAN, Lois. Lev Vygotsky – cientista revolucionário. São Paulo. Ed.
Loyola. 2002.
632
VYGOTSKY, Lev Semenovich. A formação social da mente: o desenvolvimento dos
processos psicológicos superiores. 7ª ed. São Paulo: Martins Fontes – selo Martins, 2007.
633
ALFABETIZAÇÃO E APRENDIZAGEM NA TERCEIRA IDADE: EDUCAÇÃO, INCLUSÃO E
CIDADANIA
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Novos paradigmas surgem na sociedade em função do envelhecimento populacional
e das alterações na distribuição etária com significativo aumento da população idosa no
Brasil. A longevidade com qualidade de vida, antes de tudo, pressupõe a superação de
estigmas, preconceitos e a concepção de que o envelhecimento estaria associado ao
declínio, à incapacidade e à morte. O paradigma da inclusão social ou não exclusão desta
parcela populacional, nos remete a pensar em novas práticas pedagógicas que visem
promover a interação e a valorização em diferentes formas de construção do conhecimento,
eliminando barreiras, questionando os mecanismos de segregação e vislumbrando novos
caminhos que possibilitem a permanência ativa da pessoa idosa na sociedade.
Ações educativas para este público pressupõe o desenvolvimento de ações
estruturadas que atendam as especificidades do aluno idoso no processo educacional,
enfatizando recursos que assegurem a aquisição de novas aprendizagens, do
desenvolvimento cognitivo e de inclusão social. A educação nesta fase da vida já não
634
apresenta o mesmo significado da juventude, nem tem a obrigatoriedade legal, mas
representa a auto realização, a participação social, a autoconfiança e a autonomia.
Se considerarmos as faixas etárias, a população idosa apresenta a maior taxa de
analfabetismo, o que consequentemente acarreta maior grau de dependência e exclusão
social. Transpor barreiras impostas pelo analfabetismo pressupõe ações estratégicas
flexíveis, produtoras de conhecimentos e que abranjam as mudanças oriundas das
transformações sociais.
Diante desses argumentos, este trabalho se apresenta com objetivo principal
provocar reflexões e discuções a respeito da importância da alfabetização na terceira idade.
O “AGRISALHAMENTO” DA POPULAÇÃO
O processo de transição demográfica, relacionado com a queda das taxas de
mortalidade e fecundidade, tem provocado uma rápida variação na estrutura etária do Brasil
e de todo o mundo. Esta tendência tem se caracterizado pela redução proporcional de
crianças e jovens, associado ao aumento da população adulta e da substantiva elevação da
população idosa. No Brasil, em relação à população idosa, a previsão, segundo dados
divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística ( IBGE, 2011), é que esse
número triplique do ano de 2010 até 2050, passando de 21 milhões de idosos em 2010 para
63 milhões, correspondentes a 10% do total da população em 2010 para 29% em 2050.
Revela ainda, que em 2025 o Brasil estará mundialmente colocado no sexto lugar em
população idosa, com aproximadamente 32 milhões de pessoas com 60 ou mais anos de
idade. A tendência de envelhecimento populacional fica ainda mais clara ao se observar que
o grupo de idosos de 60 anos ou mais de idade será maior que o grupo de crianças com até
14 anos de idade após 2030, e em 2055 a participação de idosos na população total será
maior que a de crianças e jovens com até 29 anos de idade (IBGE, 2013). Assim, para a
Organização Mundial da Saúde (OMS, 2005), “Uma redução nas taxas de fertilidade e um
aumento da longevidade irão assegurar o contínuo “agrisalhamento” da população
mundial”. (OMS, 2005, p.8).
Sendo assim, o envelhecimento populacional e as alterações na distribuição etária,
acarretam consequentemente demandas por políticas públicas específicas, além de servir
635
como alerta para uma sociedade excludente e seletiva do necessário comprometimento com
a inclusão das pessoas envelhecidas como agentes atuantes do contexto social. A OMS
(2005) considera que qualquer que seja a idade definida dentro de contextos diferentes, é
importante reconhecer que a idade cronológica não é um marcador preciso para as
mudanças que acompanham o envelhecimento. Existem variações significativas relacionadas
ao estado de saúde, participação e níveis de independência entre pessoas idosas que
possuem a mesma idade. Afirma que as autoridades precisam considerar essas variações ao
formular políticas e programas para esta população. A longevidade com qualidade de vida,
antes de tudo, pressupõe a superação de estigmas, preconceitos e a concepção de que o
envelhecimento estaria associado ao declínio, à incapacidade e à morte. O idoso que
compõe a sociedade atual está aberto a novos conhecimentos, é produtivo, ativo,
autônomo, capaz de ocupar e ter seu espaço reconhecido pela sociedade.
636
culturais, espirituais e civis, e não somente à capacidade de estar fisicamente ativo ou de
fazer parte da força de trabalho.” (OMS, 2005,p.13).
Partindo desta concepção de envelhecimento ativo, pressupõe-se que preservando o
equilíbrio entre as suas potencialidades e limitações, a aquisição de novas aprendizagens se
destaca como auxiliar na manutenção de um envelhecimento saudável quer seja nos
aspectos físicos, psicológicos ou sociais, visto que, “o desenvolvimento das capacidades
cognitivas ocorre durante toda a vida, inclusive na velhice, contrapondo-se à tradicional
ideia de que somente crianças e adolescentes poderiam se desenvolver cognitivamente”
(SCORALICK-LEMPKE, et al., 2012, p.650).
Como coadjuvantes do funcionamento e fortalecimento cognitivo na velhice,
destacam-se, entre outros, a motivação, a autoestima, a satisfação com a vida, a
autoconfiança e a segurança de pertencimento a grupos familiares e sociais. Neste sentido,
a educação ocupa papel fundamental para os aspectos cognitivos durante o processo de
envelhecimento, favorece a formação crítica do idoso, para que tenha condições de manter-
se ativo e com maior inserção social, com consciência de seus valores, com potencialidade
de articulação, de exigir mais respeito, dignidade, reivindicar os seus direitos e maior
percepção de suas próprias competências. A OMS (2005) acrescenta que:
637
Assim, a educação pode estimular a aquisição de novas descobertas, promovendo
possíveis ganhos durante a velhice. Para SCORALICK-LEMPKE, et al., (2012) a educação
destinada a pessoas idosas tem três diferentes funções:
Para a UNESCO (2009, p.11) “a educação é um direito fundamental, uma chave que
permite o acesso aos direitos humanos básicos, tais como saúde, habitação, trabalho e
participação, entre outros”.
O IDOSO E O ANALFABETISMO
A UNESCO (2008) adverte que os desafios da alfabetização dos jovens, dos adultos e
principalmente dos idosos no Brasil ainda são imensos, aponta que em 2006 mais de 65
milhões de jovens, adultos e idosos brasileiros tinham escolaridade inferior ao ensino
fundamental, e o país possuía, ainda, 14,3 milhões de analfabetos absolutos, a maior parte
dos quais pertencentes aos grupos com idades mais avançadas. Apesar dos avanços da
última década, dados do INAF (2011/2012) apontam que o percentual da população
alfabetizada funcionalmente passou de 61% em 2001 para 73% em 2011, mas acrescenta
que apenas um em cada quatro brasileiros domina plenamente as habilidades de leitura,
escrita e matemática.
O censo de 2010 realizado pelo IBGE (2011) revela que a maior taxa de
analfabetismo, segundo os grupos de idade, está entre as pessoas com 60 anos ou mais,
apesar de ter havido redução entre os anos de 2000 e 2010. Para justificar este fato,
considera-se que a falta de oportunidade de acesso às instituições escolares nas décadas de
1930 a 1950, seja um dos fatores relevantes a essa realidade, como demonstrado a seguir:
638
de 1930 até, pelo menos, os anos 1950, o ensino fundamental ainda era
restrito a segmentos sociais específicos. Nessa medida, o baixo saldo da
escolaridade média dessa população é um reflexo desse acesso desigual
(IBGE, 2002, p.20).
Para a OMS (2005, p. 30) “os baixos níveis de instrução e o analfabetismo estão
associados a maiores riscos de dependência e morte durante o processo de
envelhecimento”. Tajra (2013) acrescenta que:
639
A alfabetização, concebida como o conhecimento básico, necessário a
todos num mundo em transformação (...), é um direito humano
fundamental. Em toda sociedade, a alfabetização é uma habilidade
primordial em si mesma e um dos pilares para o desenvolvimento de outras
habilidades. (...) A alfabetização tem também o papel de promover a
participação em atividades sociais, econômicas, políticas e culturais, além
de ser requisito básico para a educação continuada durante toda a vida
(SESI/UNESCO,1999, p.23).
No Brasil, há um enorme contingente de idosos que não sabem ler e escrever e até
que nunca frequentaram instituições escolares. Sendo assim, muitas vezes “não
correspondem às expectativas sociais relacionadas à escolarização e aos diversos usos da
linguagem escrita, o que afeta suas vidas, restringindo os lugares sociais que podem ocupar,
as possibilidades e os recursos de que podem lançar mão para agir nos mais variados
âmbitos sociais”. (UNESCO, 2008, p. 58). E constantemente são estigmatizados e
discriminados como analfabetas e excluidas de situações que envolvem domínio da
linguagem escrita.
Na concepção de Paulo Freire, citado por Gadotti (2011, p. 13) a alfabetização vai
além do domínio do código linguístico, “possibilita uma leitura crítica da realidade, constitui-
se como importante instrumento de resgate da cidadania e reforça o engajamento do
cidadão nos movimentos sociais que lutam pela melhoria da qualidade de vida e pela
transformação social”.
Além de ser uma necessidade básica, independentemente da idade ou do grupo
social a que pertencem, ser alfabetizado é um direito humano e dever do Estado. Transpor
paradigmas na alfabetização de idosos pressupõe romper com o estigma do
assistencialismo, da recompensa por não estar na idade “própria” de estudar.
Na concepção de Soares (2002), indivíduos ou grupos sociais que dominam o uso da
leitura e da escrita têm habilidades e atitudes necessárias para a participação ativa e
competente de interação com os outros e com o mundo que os cerca, têm atitudes e
competências discursivas e cognitivas que lhes conferem estado ou condição de inserção em
uma sociedade letrada.
A UNESCO (2008) destaca que a alfabetização envolve aprendizagens para além da
decodificação e dos princípios de organização do sistema da escrita, inclui o domínio das
relações entre fonemas e grafemas, as regularidades e irregularidades ortográficas; de
640
compreensão e construção de sentidos em contextos de usos sociais da escrita e da leitura.
O processo de alfabetização envolvem, portanto, um conjunto de procedimentos
pertinentes ao planejamento de rotinas necessárias à aprendizagem da leitura e da escrita.
Inclui ainda, a seleção de livros e materiais didáticos que apóiem de forma consistente o
trabalho pedagógico, o diagnóstico dos saberes e necessidades dos estudantes, bem como a
análise dos processos de aprendizagem por eles já vivenciados.
641
Para Tajra (2013, p. 11) “os analfabetos são aqueles que não sabem relacionar,
criticar, interpretar e interagir com o seu meio”. Transpor barreiras impostas pelo
analfabetismo carece ações estratégicas flexíveis, produtoras de conhecimentos e que
abranjam as mudanças provenientes das transformações sociais.
São milhões os idosos brasileiros que não puderam se escolarizar no decorrer de suas
vidas, o que consequentemente difculta, entre outras coisas, a sua autonomia e a inclusão
social. Pensar na alfabetização de idosos nos compromete a refletir sobre sua condição de
cidadão e sujeito histórico, considerar suas vivências e experiências ao longo da vida, como
também atentar ao fato de que são cidadãos excluídos do universo escolar por razões
diversas, além das limitações físicas em relação à audição, visão, e aos aspectos cognitivos,
em função do envelhecimento. Contudo, tais condições e limitações não os caracterizam
como incapazes diante do processo de aprendizagem.
Portanto, para que o idoso possa ser usuário da escrita é preciso que além do
domínio de letras e códigos ele interaja em situações sociais em que a leitura é necessária. O
idoso uma vez alfabetizado aprende a fazer uso da escrita e da leitura em sua vida cotidiana.
Nesse sentido, os processos de alfabetização de idosos, devem focar as suas práticas
relacionadas à escrita e as variadas formas de uso, dando sentido em suas vivências.
Alfabetizar idosos, no entanto, não é apenas inseri-lo no mundo da leitura e da escrita é
acima de tudo despertar a sua capacidade de interpretar, compreender, criticar, reconstituir
e produzir conhecimento. Colaborando assim, para que possam transitar com intimidade
entre diversas práticas sociais e saibam buscar conhecimentos e informações para continuar
aprendendo ao longo da vida. No entanto, romper a marginalidade do analfabetismo na
terceira idade pressupõe ações estratégicas de transformação e de produção de
conhecimentos, dentro do contexto histórico, cultural e social.
Programas que atendem a esse público precisam considerar as suas experiencias, o
que já sabem e o que querem aprender. Assim, os programas de alfabetização de idosos,
“sua organização e funcionamento, seus conteúdos e abordagens metodológicas devem
estar ancorados nas necessidades dos sujeitos que dela tomam parte” (UNESCO, 2008, p.55).
642
Uma oferta educativa que inclua o ensino e a alfabetização de idosos deve antes de
tudo reconhecer as suas aprendizagens ao longo da vida, na família, na comunidade, no
trabalho, na sua participação social e no exercício da própria cidadania.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nosso interesse neste trabalho foi provocar uma reflexão, no que diz respeito, às
estratégias educacionais utilizadas no processo de ensino e aprendizagem de idosos,
ressaltando a alfabetização como necessidade elementar, e de direito, favorecedora no
desenvolvimento de competêncais e habilidades e de participação social, sem, no entanto,
ressaltar as ações educativas como assistencialistas, mas, como direito humano e exercício
da cidadania.
A alteração na configuração etária e a substantiva elevação da população idosa
configuram a nova estrutura da população brasileira e mundial, diante desta realidade, se
faz necessário à inclusão das pessoas envelhecidas como agentes atuantes do contexto
social. Tal ação reflete a necessidade de mudanças nas demandas por políticas educacionais
específicas, e acarretam implicações e adaptações, para que essa população viva com
melhor qualidade de vida.
Vivemos numa sociedade letrada e de constantes transformações sociais, o
analfabetismo, ainda imperativo entre pessoas com idade acima de 60 anos, ocasiona não
apenas limitações de leitura e escrita mas também exclusão social frente à supremacia do
letramento.
O processo de aprendizagem na alfabetização de idosos, se configura como uma
ferramenta de estímulo, de motivação, de elevação da autoestima, além de favorecedora no
desenvolvimento cognitivo, na autonomia, na descoberta de capacidades e potencialidades
e como promotora de interação e participação da pessoa idosa na sociedade atual, visto que
vivemos numa sociedade organizada por meio da escrita, e deparamos, tanto no ambiente
doméstico, nos espaços de lazer, na religião e nas práticas sociais mais variadas, com a
necessidade de ler e de escrever. Dominar a escrita e a leitura e conhecer seus usos amplia
as possibilidades de expressar opiniões e sentimentos. Assim, a alfabetização é um processo
643
que favorece a inclusão em diversas práticas de comunicação e é, principalmente, um
processo de conquista da cidadania.
Conferir prioridade à escolarização e alfabetização de pessoas idosas é uma postura
relevante em um país com elevado analfabetismo nesta faixa etária, mas a percepção
limitada em relação a educação dessa específica população, vista com desleixo e muitas
vezes considerada desnecessária, dificulta e inibe a adoção de políticas educacionais que
articulem o desenvolvimento para a cidadania e para inclusão no contexto atual da
sociedade.
Conhecer os interesses da população idosa, assegurar seus direitos e viabilizar
programas que sejam acessíveis e significativos é de imprescindível relevância. O
envelhecimento populacional e a irrefutável contribuição de atividades educacionais para a
manutenção de um envelhecimento saudável, nos aspectos físicos, psicológicos e sociais, se
constituem em justificativas determinantes para que sejam promovidas iniciativas efetivas
de educação e de alfabetização na velhice.
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645
646
“COMER E CONVERSAR É SÓ COMEÇAR” - AS NARRATIVAS CULINÁRIAS COMO ESTRATÉGIA
DE RECONHECIMENTO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO COMER, BEBER E ENVELHECER
INTRODUÇÃO
Na atualidade é inquestionável o fato de que a alimentação humana deve ser
considerada a partir de uma perspectiva integral e multidisciplinar e nesse propósito, é
necessário a colaboração de disciplinas, tanto das ciências da natureza, como também da
visão diferenciada das ciências humanas. Desde o início dos estudos nutricionais, foi a
biologia, a física, a química e suas interfaces (bioquímica, fisiologia), as searas nas quais tal
tema era comumente tratado. Entretanto, é mister reconhecer que a alimentação é
atividade humana das mais importantes, não só pelas razões biológicas evidentes, mas
também e principalmente, por envolver aspectos econômicos, sociais, científicos, políticos,
psicológicos e culturais fundamentais na dinâmica da evolução das sociedades. Diante destas
647
argumentações, ANDREATTA (2012) aponta a Teoria das Representações Sociais como uma
opção interessante para o estudo dos significados que as pessoas constroem em torno da
alimentação e seus vínculos com a saúde, por associar as dimensões subjetivas e as
dimensões sociais que intervêem nesta construção. A partir dessas considerações, objetivou-
se estudar as representações acerca da ideia de alimentação saudável que os idosos
frequentadores do projeto de extensão TERCEIRA IDADE EM AÇÃO da UENF elaboraram
durante as Oficinas de Narrativas Alimentares, atividade estratégica utilizada para conhece-
las. Foi alvo de interesse suas construções acerca do que seja considerado alimentação
saudável a partir do questionamento provocativo inicial comer bem é comer saudável?
Buscou-se nestas oficinas oferecer condições favoráveis para o compartilhamento das
experiências alimentares e das principais inquietações ligadas à elas, principalmente ao se
pensar no conjunto de construções sociais sobre doenças e seus riscos na fase da vida em
que se encontram e o papel que a alimentação ganha nestas preocupações.
648
compartilhamento das refeições, hoje se vê gradualmente substituída pelas opções de
alimentação rápida, normalmente pensadas para atitudes individuais. Parafraseando
Giddens, isto seria uma das consequências da modernidade – a maior racionalidade, tanto
no aspecto da funcionalidade quanto da conveniência, que agora acompanha as práticas
alimentares.
O empenho em utilizar oficinas de narrativas culinárias, como chamado neste
trabalho, apresenta algumas intenções significativas. É conhecido o argumento de que a
comida é uma voz que comunica e, assim como a fala, pode contar histórias (AMON &
MENASCHE, 2008).
As práticas alimentares podem se constituir narrativas expressivas e constitutivas das
subjetividades. Ao lado disso, estudos (JOVCHELOVITCH, 2007) apontam que o contar
histórias tem a capacidade de transformar, tanto o conhecimento social, como as
representações do passado e as apresentações da identidade, em vida. As histórias de vida
narradas pelos próprios sujeitos quando em grupo, podem dar sentido aos acontecimentos
auferindo-lhe identidade enquanto grupo e, além disso, propiciam a construção de um
futuro individual e social. As narrativas entrelaçam-se com a continuidade das comunidades,
com os saberes do senso comum compartilhados e ainda, possibilitam a reflexão, o
questionamento e a crítica, sendo, portanto, constituintes das comunidades. Assim,
narrativas culinárias e/ou alimentares servem como estratégia para alcançar-se a expressão
de comer bem e comer saudável do grupo estudado e prática da Teoria das Representações
Sociais.
Em outro ramo do estudo das humanidades, na Filosofia da Linguagem de Roland
Barthes, em sua obra Elementos de semiologia (1971) a alimentação é tratada como um
exemplo de sistema de significação. Para Barthes, a relação entre a linguagem e o ato de
comer é muito semelhante aos processos linguísticos puros: somos sujeitos e nossas ações
são controladas por um código geral determinante, pois a comida responde como possuindo
um autêntico caráter de linguagem, uma vez que não deixa de ser um conjunto de
elementos, os quais as palavras seriam os ingredientes; organizados conforme regras
gramaticais – as receitas; os tipos de preparações, a arrumação de pratos, a ordem de
649
ingestão, a composição de cardápios – a sintaxe; e a retórica – o que se diz e o que não se diz
da comida que se come e o que se diz com a comida.
Ao tratarmos a alimentação como um tipo de linguagem, estaremos dizendo que,
assim como esta, a alimentação expressa a tradição e a identidade dos grupos sociais. As leis
que regem a comestibilidade e a comensalidade são leis que visam a compatibilidade, a
conveniência, o ajuste e a expressão de identidade de cada área cultural: alimentos, comidas
e iguarias são classificados de acordo com cada região e por um código de valores, regras e
símbolos, o que traduz o modelo simbólico de uma área cultural em uma época
determinada.
Um outro aspecto considerado muito importante e que nos chamou a atenção neste
estudo é o grande espaço que a industrialização dos alimentos tem ocupado nas práticas
alimentares atualmente. Uma vez definido que a comida é uma forma de linguagem,
questão das mais evidentes sobre a alimentação atual é o processo de distanciamento
humano em relação aos alimentos, pelo fato de estarem disponíveis em embalagens que há
muito já transcenderam suas origens. Para os idosos esse distanciamento é um fator
importante quando pensamos no consequente afastamento de suas experiências
alimentares destes novos alimentos, principalmente se considerarmos que tais experiências
é um dos elementos constituintes da subjetividade, tal como discutido por ANDREATTA (op.
cit.).
A produção de alimentos em larga escala e o grande tempo de prateleira de que hoje
dispõem aliados à viabilidade global de transporte e negociação, acabam por ocasionar a
ruptura espacial e temporal entre a produção e o seu acesso. Aos moldes da expressão
utilizada por Anthony Giddens em As Consequencias da Modernidade (GIDDENS, 1991), há
um certo “desencaixe” do tempo biológico do alimento e de seu tempo de consumo, não
havendo linearidade temporal imediata entre estas duas situações – o surgimento do
alimento no mundo e o uso desse alimento como comida. Na esteira deste raciocínio, a
industrialização pode ser percebida como um processo que distancia o alimento original das
pessoas. Muitas vezes torna-se difícil perceber qual alimento está na composição de um
produto, sem contar que já existem produtos que não contém ingredientes naturais, ou seja,
alimentos in natura, mas sim elementos sintetizados pela inovação tecnológica. As
650
informações alimentares e nutricionais contidas nos rótulos podem causar estranheza por
não oferecer nenhum reconhecimento dos produtos químicos listados como ingredientes,
como componentes alimentares, conforme destaca Pollan (2008). A recomendação do autor
de que – “coma somente aquilo que a sua avó identificaria como alimento” – releva esse
estranhamento que vem mediando a relação humana e os industrializados. A estranheza dos
ingredientes listados nos rótulos dos produtos alimentícios não favorece o reconhecimento
de tais nomes no cotidiano do sujeito que come aquele alimento. O ingrediente estranho
não compõe sua narrativa quando relata suas preferências alimentares ou o recordatório do
que comeu naquele dia. Aliás, ninguém sequer consegue guardar na lembrança os aditivos
ou ingredientes com nomes diferentes presentes nos rótulos de alimentos industrializados.
Alimentos são reconhecidos e tratados como tal quando inseridos na história de vida do
sujeito e o relato a respeito do que come mistura-se com a sua história de vida. Além dos
elementos adicionados aos alimentos em função de seu processamento industrial,
atualmente existe a modalidade gastronômica chamada gastronomia molecular (THIS,
2003), cuja proposta é trabalhar quimicamente os compostos alimentares para buscar novas
sensações de sabor, o que praticamente desconstrói a identidade da comida. A prática
gastronômica objetiva a distinção de seus pratos puramente pelo aspecto visual, o que pode
ocasionar a separação do alimento de sua origem natural e regional e convertê-lo em
ornamento de um status social.
MÉTODO
Este trabalho é o resultado de investigação qualitativa e foi utilizada a técnica de
grupo focal com idosos do projeto TERCEIRA IDADE EM AÇÃO.
Estes idosos passaram a ser os sujeitos desse estudo e o critério de seleção utilizado
foi apenas o de ser um frequentador do projeto com disponibilidade e desejo de frequentar
os encontros às segundas feiras. Todos eles ficaram cientes da situação de pesquisa e
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Como já colocado, o objetivo era
conhecer as construções desse grupo acerca da noção de “comer bem é comer saudável?”.
O trabalho de campo foi realizado entre os meses de novembro e dezembro de 2014.
Em um primeiro momento, o grupo foi abordado com o convite para participar da pesquisa,
651
com a proposta de “Conversas sobre comer, beber e viver: aspectos da vida saudável”. O
convite apresentava o seguinte cronograma:
– 03/11 -Acolhimento e primeiras prosas;
– 10/11 - Comer bem é comer saudável?;
– 17/11 - Tenho pressão alta mas adoro uma feijoada!;
– 24/11 - Manga com leite faz mal?;
– 01/11 - Diabetes, essa vilã;
– 08/12 - Fechar a boca por que?;
– 15/12 - Cozinhar só pra mim é um saco!!
– 22/12 - Comer e beber entre amigos, como é bom!!
Por motivos alheios à nossa vontade, as três últimas sessões não puderam ser
realizadas. Entretanto, as duas últimas datas já haviam sido condensadas em um encontro.
Dessa forma não houve prejuízo na exposição dos conteúdos previstos e não foi realizada
apenas a última sessão programada. Assim, o último encontro ocorreu no dia 01/12.
Cada sessão do grupo focal tinha o tempo médio de noventa minutos e foram
gravadas em arquivos de áudio e vídeo. Para a apresentação desses primeiros resultados, foi
feita transcrição temática das falas da oficina sob o tema “Comer bem é comer saudável?” e
utilizado o referencial teórico de Lawrence Bardin (2011) para análise de seu conteúdo,
quando foram definidas algumas categorias de expressão das construções do grupo,
mostradas mais adiante. Os encontros aconteciam às segundas-feiras pela manhã, de 9:30
às 11:00 horas. No primeiro encontro os integrantes se apresentaram e foram convidados a
comentar suas expectativas em relação a essa nova experiência. A partir da segunda sessão,
os encontros foram orientados por temas definidos. Para motivar a narrativa dos
participantes foi feito levantamento superficial na internet de informações disponíveis sobre
os temas de conversa. Por exemplo, sobre o tema “Comer bem é comer saudável?”, foram
também mostradas e comentadas algumas informações de blogs que circulam na rede. Com
essa inciativa, pensou-se em levar para as sessões o que está comumente povoando o senso
comum acerca dos temas trabalhados. Entretanto, apesar de termos alcançado o objetivo
esperado – fomentar as falas – percebemos que essa estratégia pode não ter sido a mais
adequada, uma vez que pode ou poderá, em futuros trabalhos com o grupo, intimidar
652
aqueles que não têm o domínio da leitura. Apontamos essa possível falha do recurso
utilizado porque em algumas sessões o material foi disponibilizado para o grupo e isto pode
ter causado algum desconforto, apesar de não termos notado nenhuma situação que
sinalizasse esta possibilidade.
RESULTADOS
As oficinas tiveram frequência variada como mostrado no quadro a seguir:
Data Participantes
1º. Encontro – 03 de novembro Sete
2º. Encontro – 10 de novembro Cinco
3º. Encontro – 17 de novembro Três
4º. Encontro – 24 de novembro Dois
5º. Encontro – 01 de dezembro Seis
Quadro demonstrativo de frequência das oficinas.
A seguir mostraremos alguns trechos das falas que ilustram essas categorias e que
indicaram algumas das preocupações presentes nas narrativas.
653
Fala C - “eu acho que do jeito que eu tô fazendo vai ajudar o mecanismo do organismo,
porque se eu começar a fazer estravagância, comer, comer, aí vai sobrecarregar o
organismo, os rins, o coração, e mais pra frente vai te dar um resultado negativo”
654
Fala B: “... eu gosto muito de salada, salada de fruta, salada de legume, salada de folha não
sou muito chegada não... agora frutas eu adoro”
Fala C: “... bota um tempero, um pouquinho de alho, um pouquinho de óleo, um pouquinho
de vinagre, aí pega o alface, tomate, pepino [...] depois vai comer com arroz e feijão e a
complementação aí você não fica tão pesado, parece que vai purificando o caminho, vamos
dizer assim, aí quando o pesado bate...”
Fala B: “... o netinho, quando vai ao restaurante pede suco... até nabo, que para mim é
horrível a netinha gosta....”
Fala E: “isso é comida saudável”
Fala B: “com o tempo a menina passou a comer chocolate, mas é por causa do colégio”
Fala E: “eu vejo por essa ótica, já estão sendo orientados pro futuro... [porque já estão tendo
uma boa formação de saber escolher depois né, o que vi ser bom e o que não vai, vão
entender essa orientação”
Fala A: “a minha neta ficava 14 dias comigo porque minha filha trabalhava embarcada então
eu fazia a comida dela, aí fazia quase uma sopa no feijão, botava, chuchu, cenoura,batata,
beterraba, ela até sabia que tinha tudo, era só bater tudo, aí ela comia mesmo sabendo que
tinha isso tudo, então, eu achava que ela estava bem alimentada né? Porque não mastigava
mas, automaticamente tava comendo tudo ali”
Fala B: “Eu gosto de cozinhar a beterraba no feijão”
Fala C: “O meu arroz não é branco não, o meu arroz é com cenoura”
Fala E: “o saudável é o que vai fazer bem à saúde”
655
Fala B: “faz mal, mas que é gostosinha é...”
Fala C: “às vezes tem um empadão...”
Fala B: “ah, isso não é comer bem é comer muito...”
Fala D: “quer dizer que as vezes a gente vai comer, aí tem aquele churrasco, aquela
gordurinha, eu gosto demais”
Fala B:”carnezinha com gordura, ‘dilícia’”
Fala D: “final de semana a gente sai do sério”
(moderadora): Por que?
Fala C: “Pra poder comer bem”
DISCUSSÃO
O grupo analisado – os idosos do TERCEIRA IDADE EM AÇÃO da Uenf – é
notoriamente um grupo que apresenta condição muito diferenciada pelo fato mesmo de
estarem expostos à frequentes atividades físicas e intelectuais do referido projeto. Por isso
656
considerou-se que o grupo já apresente um perfil sofisticado em relação às construções
relacionadas ao cuidado alimentar e nutricional e de saúde. Alguns discursos já revelam esta
apropriação de orientações. Por exemplo a fala “se eu começar a fazer estravagância, comer,
comer, aí vai sobrecarregar o organismo, os rins, o coração, e mais pra frente vai te dar um
resultado negativo” e também, “eu não como após as 20 h, porque é como o professor de
yoga falou, depois dessa hora o corpo começa a fazer a distribuição” já denota um
conhecimento mais elaborado do funcionamento orgânico, matéria trabalhada em outras
atividades do projeto. Por outro lado há falas que mostram um conhecimento tradicional,
que remete ao aprendizado histórico, relacionado à experiência de cada um, como a fala “eu
fazia a comida dela, aí fazia quase uma sopa no feijão, botava, chuchu, cenoura, batata,
beterraba, ela até sabia que tinha tudo isso, era só bater tudo, aí ela comia mesmo sabendo
que tinha isso tudo, então, eu achava que ela estava bem alimentada”.
Ficou clara a distinção feita entre as concepções de comer bem e comer saudável.
Algumas falas demonstram que comer bem é comer com prazer; “todo dia podia ser
domingo porque a gente come bem”; “final de semana a gente sai do sério [...] pra poder
comer bem”, enquanto que comer saudável é a alimentação prescrita por alguma
autoridade em saúde que, além da alimentação, estende sua vigilância a outras variáveis,
como o peso e a combinação de alimentos; “comer frutas, legumes e verduras, né, claro que
que tem que ter a porção de feijão, arroz”, “não passo de 58, tô sempre mantendo essa
faixa, porque se eu for na endócrino e tiver mais ela me puxa a orelha”.
Saltou aos olhos o fato de o grupo se mostrar conhecedor de algumas informações
bem específicas e de cunho científico, por exemplo nas falas “o quê, gordura trans, sai
dessa!”, “mas hoje, eu não tô entendendo, hoje é óleo de côco que faz bem, é tanta coisa
com côco”, o que aponta o fato de o senso comum atualmente estar muito exposto a esse
tipo de informação, através das mídias e da propaganda de alimentos. Por um lado
possibilita o esclarecimento em relação a benefícios e/ou malefícios de algumas práticas,
mas por outro lado, a exacerbada crença na ciência pode favorecer a desvalorização do
conhecimento tradicional.
CONCLUSÃO
657
As Oficinas de Narrativas Alimentares foram uma iniciativa que buscou promover o
compartilhamento de saberes sobre comida e cuidados com a saúde entre os
frequentadores do projeto de extensão TERCEIRA IDADE EM AÇÃO. Observou-se que o
compartilhamento fortaleceu vínculos e identidades, ao favorecer o encontro de situações
vivenciadas por cada sujeito na história contada pelo outro, como também pela
comprovação de como tudo pode ser feito de modo diferente do que estamos acostumados
a fazer, reafirmando a troca de saberes e a liberdade criativa das subjetividades.
Partindo do princípio que que comer é uma ação intimamente associada à inserção
social subjetiva, as oficinas objetivaram tratar a EAN pela perspectiva de se considerar a
prática alimentar como uma forma de expressão subjetiva e proporcionar ao participante do
programa espaço de compartilhamento de histórias.
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659
PERFIL DE ADOLESCENTES GRÁVIDAS ATENDIDAS PELO SISPRENATAL EM CAMPOS DOS
GOYTACAZES, RJ
Gisele Pessin
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
INTRODUÇÃO
A gravidez na adolescência tem sido um assunto recorrente na literatura mundial,
com crescente interesse pelo tema, sendo publicados trabalhos científicos em diversos
países. O assunto é tratado, em alguns países, como problema de saúde pública, inclusive
com grandes investimentos no sentido de reduzir o número de adolescentes grávidas.
Campanhas e esforços têm sido conduzidos a fim de que os adolescentes evitem a gravidez,
principalmente através do estímulo ao uso de métodos contraceptivos, como a camisinha, e
de orientações sobre o planejamento familiar.
660
A incidência de gravidez durante o período de adolescência parece ser um problema
associado aos níveis social, cultural e de educação dos envolvidos, sendo a ocorrência maior
em países menos desenvolvidos e em indivíduos da população cujo grau de escolaridade seja
menor.
No Brasil, a cada ano, cerca de 20% das crianças que nascem são filhas de
adolescentes, o que representa o triplo dessas ocorrências na década de 1970. A Pesquisa
Nacional em Demografia e Saúde, realizada em 1996, apontou que 14% das adolescentes já
tinham pelo menos um filho, e as jovens mais pobres apresentavam fecundidade dez vezes
maior (CORREA, 2003). Em 1990, os partos de mães adolescentes representaram 12,5% de
todos os nascimentos no país. Entre as adolescentes grávidas atendidas pelo Sistema Único
de Saúde (SUS) no período de 1993 a 1998, houve aumento de 31% dos casos de meninas
grávidas entre 10 e 14 anos (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009).
O Brasil é um dos países em que se verifica alta incidência de adolescentes grávidas,
sendo que as estatísticas apontam aumentos gradativos na parcela da população nesta fase
e que contraem a gestação. Os nascidos vivos gerados por mães adolescentes
representavam 15,86% do total de nascimentos em 1984 e, em 2002, esta proporção
aumentou para 20,74% e, embora em 2010 tenha ocorrido redução para 18,42%, ainda pode
ser considerada alta (Figura 1).
661
Valor ainda alto
25%
% de filhos nascidos de mães adolescentes
21,2%
19,3%
20%
13,9%
15%
5%
0%
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Figura 1- Proporção de filhos nascidos de mães adolescentes de 1984 a 2010.
O incremento crescente nas taxas de gravidez na adolescência pode ser explicado por
diferentes causas, dependendo do país. Dentre os fatores de risco associados ao problemas
podem ser citados os aspectos socioeconômicos. Apesar do fenômeno atingir e estar
crescente em todas as classes sociais, ainda se verifica forte relação entre pobreza e baixa
escolaridade com a baixa idade para gravidez. Além disso, fatores como a diminuição global
para a idade média para menarca e da primeira relação sexual compõem um cenário de risco
que colabora para o aumento dessas taxas (CERQUEIRA-SANTOS et al., 2010).
Segundo Faisal-Cury e Menezes (2008), adolescentes grávidas têm início da vida
sexual de forma mais precoce e usam menos métodos contraceptivos na primeira relação
sexual. Apesar de possuírem conhecimento sobre contracepção, parcela considerável das
adolescentes não usou nenhum método durante a coitarca. Assim, estes autores concluíram
que o simples conhecimento sobre técnicas contraceptivas não é suficiente para evitar
gestações não planejadas, sugerindo a importância de investigar outros aspectos
psicossexuais da maternidade e identidade materna entre adolescentes.
Além disso, pode-se citar: a falta de lazer, maus exemplos familiares, curiosidade
natural, necessidade de expressar amor e confiança, solidão, carência afetiva e necessidade
de afirmação, como elementos adicionais que podem levar a adolescente iniciar sua vida
662
sexual precocemente, com risco de uma gravidez indesejada (COSTA; PINHO; MARTINS,
1995). Concomitantemente, neste período surge, entre as adolescentes, o interesse de
quebrar tabus de caráter moral. Estes tabus são impostos pela sociedade, o que pode levar
as jovens a contestá-los, mantendo relações sexuais ilícitas, na busca da libertação da tutela
paterna (FREDIANI; ROBERTO; BALLESTER, 1994).
A literatura cita uma série de problemas decorrentes da gestação em adolescentes,
incluindo os impactos da gestação em adolescentes sobre o rendimento e evasão escolar,
bem como redução das oportunidades de inserção no mercado de trabalho. Alguns estudos
averiguaram que parcela significativa dos adolescentes, tanto pais quanto mães,
interrompem os estudos para cuidarem dos filhos e/ou para ajudarem financeiramente no
sustento da família. Verifica-se um certa retaliação social às mães adolescentes, que sentem-
se marginalizadas, o que acaba por implicar no abandono à escola por vergonha. Ainda,
estas mães adolescentes, não raro, não tem como e com quem deixar o filho, e tendem a
obter apenas empregos informais.
Diversos autores apresentaram problemas relacionados à saúde da adolescente
grávida, podendo ser citados: complicações obstétricas (BELO; SILVA, 2004; GONTIJO;
MEDEIROS, 2004), elevado índice de morbidade materno-fetal (VIÇOSA et al., 1992), maior
probabilidade de morrer durante a gravidez (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005), concepto com
baixo peso ao nascer (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1998), toxemia gravídica, disfunção uterina,
maior índice de parto cesárea, desproporção céfalo-pélvica, síndromes hemorrágicas,
lacerações perineais, amniorrexe prematura e prematuridade, anemia materna, trabalho de
parto prolongado, infecções urogenitais, abortamento (FIGUEIREDO; PACHECO;
MAGARINHO, 2005). Além disso, ocorrem mais casos de morte da mãe com baixa renda,
resultantes do recurso ao abortamento por automanipulação ou abortamento clandestino
(BROWN, 2006).
A gravidez acaba por conduzir a diversos efeitos sociais negativos, como: casos de
violência associada à gravidez na adolescência (BURROWS et al., 1998; MONTEIRO; CUNHA;
BASTOS, 1998), maus tratos em filhos (FALCONE et al., 2005), abandono da escola, a
ausência do pai e/ou da mãe do domicílio, o desemprego paterno e/ou materno e a menor
663
participação da família em grupos comunitários (FIGUEIRÓ, 2002), associação com utilização
de drogas (MITSUHIRO et al., 2006) e tabaco (CAPUTO; BORDAIN, 2007),
Dentre os impactos negativos sob o ponto de psicológico, foram contatados: conflito
emocional e educacional mediante a situação da maternidade (VIÇOSA et al., 1992),
depressão pós-parto e durante a gestação (PEREIRA et al., 2010; CORREIA et al., 2011) e
ideação suicida (FREITAS; BOTEGA, 2002; VAZQUEZ; PIÑEROS, 1997; CASSORLA, 1985;
DATASUS, 1999).
Alguns trabalhos têm demonstrado que a gravidez durante a adolescência pode ser a
causa de baixos rendimentos escolares e/ou evasão, além de reduzirem as chances de
inserção das mães no mercado de trabalho, sobrecarregando o Estado. Neste contexto, a
implantação de creches poderia ajudar na redução da sobrecarga sobre o Estado, à medida
auxilia na manutenção da mãe adolescente na escola.
De acordo com Figueiró (2002), um maior risco de gravidez é associado com o
abandono da escola e a baixa auto-estima das jovens. Dentre as causas que as adolescentes
elencam para terem deixado de estudar aparece a gravidez ou casamento (PAPALIA; OLDS,
2000). Dentre os fatores que determinam a saída da adolescente da escola, antes do
nascimento do filho estão o constrangimento e as pressões de diretores, professores,
colegas e pais de colegas (BARALDI et al., 2007). De acordo com Bhana et al. (2010), em
estudo realizado na África do Sul, as atitudes e práticas dos professores têm influência sobre
a permanência das adolescentes grávidas na escola, que pode implicar em efeitos negativos
e destrutivos da vida acadêmica das alunas. Frediani, Roberto e Ballester (1994) apresentam
dados de pesquisas diversas que relacionam a maternidade ao abandono definitivo da
escola. Em um estudo realizado em 180 instituições de ensino público da Colômbia, foi
verificada desistência 8 vezes maior em adolescentes grávidas (OSORIO; HERNÁNDEZ, 2011).
Alguns autores (BRANDÃO, 2003; AQUINO-CUNHA et al., 2003) têm ressaltado as
dificuldades envolvidas na análise da relação entre precocidade da vida reprodutiva e
desempenho escolar. Stevens-Simon et al. (1996) afirmam que o fato de adolescentes terem
desanimado com o rendimento escolar constitui um fator que levou-as a utilizarem relações
sexuais, o que culminou na gravidez. Godinho et al. (2000), afirmam que, durante a
adolescência, acontecem modificações da sexualidade que, se associada a falta de apoio
664
familiar e de expectativas de vida, levam a perda da auto-estima e baixo rendimento escolar.
Stevenson, Maton e Teti (1998) sugerem que a evasão escolar, nos Estados Unidos, estaria
fortemente associada a fatores sociais e a características individuais, como suporte
emocional/psicológico e que adolescentes grávidas mostraram-se estimuladas a
continuarem os estudos durante o período gestacional, reconhecendo a importância do
mesmo.
Quanto às possibilidade de inserção da mães no mercado de trabalho, podem ser
citados alguns efeitos negativos da gravidez como a perda das oportunidades de trabalho,
com limitações de oportunidade (FREDIANI; ROBERTO; BALLESTER, 1994). Rangel e Queiroz
(2008) constataram que adolescentes acreditam que a gravidez nessa fase seria um
destruidor de planos futuros. Ainda, o aspecto social implica no abandono escolar e na
limitação da formação profissional, podendo comprometer suas expectativas de vida futura
(BARALDI et al., 2007).
Percebe-se que o assunto “gravidez na adolescência” é pesquisado por diversos
autores sob diferentes prismas, mas poucos artigos entrevistam especificamente mães
adolescentes que evadiram para saber os motivos da interrupção dos estudos. Não
obstante, não se registram trabalhos que apresentem quais procedimentos deveriam ser
adotados para manter as mães adolescentes nas escolas.
Assim, seria interessante a realização de um estudo para verificar a percepção das
gestantes e mães adolescentes que abandonaram os estudos no município de Campos dos
Goytacazes quanto aos motivos que as levaram a evadir e o que poderia ser feito para evitar
a evasão.
O presente artigo faz parte do projeto de tese intitulado “Proposta de políticas
públicas para o enfrentamento da evasão escolar de adolescentes grávidas e mães
adolescentes no município de Campos dos Goytacazes, RJ”, sendo que um dos estudos
abordados é o acompanhamento das adolescentes grávidas através do SISPRENATAL.
O Sistema de Acompanhamento do Programa de Humanização no Pré-Natal e
Nascimento (SISPRENATAL) tem como objetivo o desenvolvimento de Ações de Promoção,
Prevenção e Assistência à Saúde de Gestantes e Recém-Nascidos, ampliando esforços no
sentido de reduzir as altas taxas de morbi-mortalidade materna, perinatal e neonatal,
665
melhorando o acesso, da cobertura e qualidade do acompanhamento pré-natal, da
assistência ao parto e puerpério e da assistência neo-natal, subsidiando Municípios, Estados
e o Ministério da Saúde com informações fundamentais para o planejamento,
acompanhamento e avaliação das ações desenvolvidas, através do Programa de
Humanização no Pré-Natal e Nascimento.
O objetivo do presente artigo é apresentar dados consolidados referentes a
escolaridade e estado civil de adolescentes atendidas pelo SISPRENATAL em Campos dos
Goytacazes.
METODOLOGIA
Foi realizada uma compilação de 133 fichas de cadastro (Figuras 2 e 3), preenchidas
pelos enfermeiros, no Centro de Referência e Tratamento da Criança e do Adolescente
(CRTCA), nas unidades I e II do município de Campos de Goytacazes, RJ.
O período de abrangência das fichas foi de 24 de julho a 4 de outubro de 2014, sendo
anotados dados relacionados a idade, escolaridade e estado civil das entrevistadas.
666
Figura 2- Ficha de cadastro do SISPRENATAL
667
Figura 3- Detalhe das informações na ficha de cadastro do SISPRENATAL
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A idade das adolescentes cadastradas pelo SISPRENATAL é apresentada na Figura 4.
% das pacientes
19 anos 6,8%
18 anos 11,3%
17 anos 20,3%
Idade
16 anos 25,6%
15 anos 20,3%
14 anos 13,5%
13 anos 2,3%
668
Observa-se, pela Figura 4, que mais do que 60% das adolescentes grávidas de
Campos dos Goytacazes, de acordo com o SISPRENATAL, estão na faixa etária entre 15 e 17
anos, com menores percentagens nas idades próximas de 19 ou 13 anos. Ressalta-se que,
embora possa parecer uma frequência baixa, 2,3% das adolescentes engravidaram aos 13
anos, o que é extremamente preocupante. Nesta idade, ou próxima dela, a adolescente
provavelmente está física e psicológica em formação e bastante vulnerável.
A Figura 5 apresenta a proporção de adolescentes grávidas com ensino fundamental
completo de acordo com a idade.
55,6%
19 anos
(5 de 9)
46,7%
18 anos
(7 de 15)
Idade
40,7%
17 anos
(11 de 27)
23,5%
16 anos
(8 de 34)
7,4%
15 anos
(2 de 27) Geral: 24,8%
Figura 5- Proporção de adolescentes grávidas com ensino fundamental completo de acordo com a
idade.
66,7%
19 anos
(6 de 9)
92,9%
18 anos
(13 de 14)
44,4%
17 anos
(12 de 27)
Idade
31,3%
16 anos
(10 de 32)
33,3%
13 anos
(1 de 3)
Figura 6- Frequência de adolescentes grávidas que reside com o esposo de acordo com a idade.
CONCLUSÕES
Verificou-se que, dentre as que tinham idade superior a 14 anos, apenas 24,8%
tinham conseguido concluir o ensino fundamental. Quanto ao estado civil, apenas 43,5% das
adolescentes grávidas declararam viver com o companheiro, sendo que, dentre as que
possuem até 16 anos, a proporção que vive com o cônjuge é ainda menor, da ordem de
32,5%. Conclui-se que, embora o estudo ainda vá ser ampliado, já se observa que a gravidez
na adolescência pode ter impactos negativos no desempenho escolar e que, em sua maioria,
as entrevistas declararam não terem constituído família propriamente dita, com
independência dos pais.
670
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673
OBJETOS DE APRENDIZAGEM:ANÁLISE BIBLIOMÉTRICA NA BASE SCOPUS
INTRODUÇÃO
O objeto de aprendizagem (OA) pode ser descrito como entidades reutilizáveis com
características instrucionais e tecnológicos, que podem ser confeccionados em formato
digital ou não digital, sendo usados no processo ensino/aprendizagem com a finalidade de
complementar os aprendizados, auxiliando tanto na modalidade à distância como na
presencial (PRATA; NASCIMENTO, 2007).
Wiley (2001) menciona o termo reutilização em sua definição de objetos de
aprendizagem: “todo o recurso digital que pode ser reutilizado para apoiar aprendizagem” o
que reforça ainda mais os fundamentos para a criação dos OA´s.
De acordo com Polsani (2003) os objetos devem incluir explicitamente a reutilização
em sua definição, sendo um recurso independente e autônomo baseado em conteúdos de
674
aprendizagem que estão predispostos a serem reutilizados em vários contextos
instrucionais.
Segundo Tavares (2004) a idéia da aprendizagem significativa, durante o processo de
ensino/aprendizagem o aprendiz precisa ter uma experiência única, individual e pessoal ao
utilizar o material didático empregado na abordagem de um conteúdo específico. Baseado
nesse requisito, o recurso busca no uso da interatividade a solução para o desenvolvimento
cognitivo mais eficiente do aprendiz.
Por conseguinte, tem-se a interatividade, a qual tem grande destaque, pois sugere
não apenas a simples participação do usuário de forma unidirecional, mas sim, a
participação do aprendiz de forma bidimensional. Além de receber conteúdos, o aluno
torna-se capaz de intervir e modificar a informação recebida, interagindo ativamente do
processo e saindo da passividade presente nos métodos tradicionais de ensino (PRATA;
NASCIMENTO, 2007).
Sicilia e García (2003) relatam que a evolução da aprendizagem com base na internet
tem estimulado a busca de métodos e tecnologias que pode possibilita um grau de
reaproveitamento de conteúdos de aprendizagem e de atividades. O conceito de OA está no
centro de um novo paradigma de design instrucional para a Web baseado em aprendizagem.
Cada objeto deve auxiliar os aprendizes a atingir o objetivo previamente planejado. A
produção de um OA é uma tarefa complexa que envolve várias fases de análise e cujos
produtos vão desde pequenas atividades realizadas em computadores até simulações
complexas, mas que sempre visem fomentar o aprendizado do aluno (PRATA; NASCIMENTO,
2007).
Palloff e Pratt (2004) destacam que as interações entre estudantes e professores são
fundamentais para o processo de ensino e aprendizagem. Considerando esse ponto de vista,
acredita-se que o trabalho realizado com a utilização desses recursos tecnológicos signifique,
além de uma nova proposta de interação, o favorecimento de uma melhoria no processo da
obtenção do conhecimento.
Os objetos de aprendizagem apresentam inúmeras vantagens, à medida que se
tornem mais eficientes, padronizados, disponibilizados, e comuns, eles se tornarão ainda
mais importantes. Bibliotecas de referência e instrução tais como coletores de informação
675
da internet, disseminadores e a forma com que educadores lidam com os OA, devem
desempenhar um papel vital na utilização de objetos de aprendizagem para melhorar os
seus repositórios e sessões de informação de instrução de alfabetização, além de prestar
assistência para instrutores na busca e localização de objetos de aprendizagem úteis
existentes (SHANK, 2003).
Os professores, em geral, estão utilizando as tecnologias para ilustrar aquilo que já
vinham fazendo, para tornar as aulas mais interessantes. Faltam ainda o domínio técnico-
pedagógico que os permitam perceber as tecnologias como instrumentos que fornecem
novas formas de pensar, e que são capazes de ajudar o educando a alcançar níveis de
habilidades requeridas e compatíveis com o mercado de trabalho do século XXI (MORAN,
2002).
Deve ser alvo de atenção do educador então, a forma com que essas técnicas serão
aplicadas e utilizadas no cotidiano docente e discente e para que isso aconteça essas
tecnologias precisam ser aprofundadas pelos professores para que possam assegurar uma
efetiva participação em sala de aula e em seu cotidiano profissional (PRATA; NASCIMENTO,
2007).
Os objetos de aprendizagem mostraram-se intelectualmente estimulantes para os
professores. Eles revigoraram os conhecimentos e os desafios apresentados. Em alguns
casos, superaram os receios iniciais no uso das Tecnologias de Informação e Comunicação
quando foram expostos a objetos de aprendizagem percebendo o impacto positivo que
poderia ter em seu ensino (SCHIBECI et al., 2008).
Seguindo padrões propostos pelas entidades governamentais, tais como programas
específicos do Ministério da Educação, a construção dessas ferramentas tecnológicas
possibilita a quebra de modelos educacionais no ensino cotidiano pelo professor, uma vez
que o mesmo adere o uso das mesmas em suas atividades letivas (BRASIL, 2010).
Shank (2003) comenta sobre as possíveis formas com que um OA pode ser criado ou
utilizado, o que pode gerar um contexto de confusão semântica. Sendo importante examinar
esse recurso por meio de suas bibliotecas e métodos de distribuição para esclarecer o termo
e conceito. Este procedimento possibilita um entendimento mais profundo de alguns dos
676
benefícios da utilização de objetos de aprendizagem por meio de um exame de como uma
referência e instrução pode fazer uso de um OA.
Várias propostas de avaliação da qualidade dos OA têm sido relatadas nos últimos
anos, no entanto, ainda não há consenso sobre o que constitui um OA de boa qualidade,
nem a melhor maneira de conduzir o processo de avaliação. Isto pode ser atribuído à
natureza heterogênea e multifacetada desses recursos. Como eles podem diferir em vários
aspectos (padrão de ensino, tecnologia utilizada, design, o tipo, tamanho, duração, etc.) é
razoável supor que os critérios de qualidade e as formas de avaliá-los também possam
diferir de acordo influências do cotidiano educacional (CECHINEL; SÁNCHEZ-ALONSO;
GARCÍA-BARRIOCANAL, 2011).
Um das formas de se mensurar e analisar as tendências de publicações em
determinada área é a utilização de métodos bibliométricos. O objetivo do presente trabalho
é realizar uma análise bibliométrica a respeito de objetos de aprendizagem na base Scopus.
METODOLOGIA
A base Scopus, presente no Portal Periódicos da Capes, foi consultada para quanto à
expressão “objeto de aprendizagem” em inglês (learning object). A consulta ocorreu no dia
20 de janeiro de 2015, sendo anotadas informações relacionadas aos número de artigos dos
principais autores, países e instituições, sendo os resultados estratificados de acordo com a
modalidade de publicação (em periódicos ou em anais de congressos) e de acordo com a
abrangência (mundial ou brasileira).
Com base no número de artigos por ano, foram obtidas equações de regressão
exponencial, sendo calculado, com base nestas, as taxas de crescimento anual.
RESULTADOS
Os principais países que mais publicaram a respeito do tema “objeto de
aprendizagem” são apresentados na Figura 1.
677
0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0%
Alemanha 6,5%
Canadá 6,4%
Periódico
França 4,4%
Japão 4,4%
Itália 3,5%
Austrália 2,8%
Espanha 2,8%
Holanda 2,6%
Brasil 1,7%
.
China 13,3%
Alemanha 7,1%
Japão 6,5%
Reino Unido 6,1%
Canadá 4,1%
Congresso
Espanha 4,1%
França 3,9%
Itália 3,3%
Taiwan 2,7%
Austrália 2,6%
Índia 2,4%
Coréia do Sul 2,0%
Brasil 1,9%
Pode-se perceber que os Estados Unidos constituem o país com maior quantidade de
artigos publicado a respeito do tema tanto em congressos quanto em periódicos presentes
na base Scopus. De forma geral, também sobressaem a China, a Alemanha, o Japão e o
Reino Unido como países com significativas contribuições na área.
678
As Figuras 2, 3, 4 e 5 demonstram as curvas de crescimento exponencial do número
de publicações por ano, de artigos em periódicos no mundo, em periódicos no Brasil, em
congressos no mundo e em congressos no Brasil, respectivamente. As taxas de crescimento
anual são apresentadas na Tabela 1.
1500
1250
1000
750
500
60
A rtigos em periódicos - Brasil
50
40
30
20
10
0
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014
A no
679
log Y = - 1159 + 351,8 log X (P<0,001; R-Sq=80,7%)
2500
1500
1000
500
0
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014
A no
60
A rtigos em congressos - Brasil
50
40
30
20
10
0
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014
A no
680
Pode-se perceber que a taxa de crescimento mundial é maior em congressos (19,2%
ao ano) do que em periódicos (12,2% a.a.). Ainda, o Brasil apresenta evolução mais
acelerada do número de publicações, tanto em congressos quanto em periódicos, sendo que
as taxas de crescimento estão em torno de 29% ao ano.
A Tabela 2 apresenta os principais autores que publicaram na base Scopus.
Periódicos Congressos
Mundo Brasil Mundo Brasil
Autor n Autor n Autor n Autor n
Gaffan, D. 57 Izquierdo, I. 15 Bischof, H. 45 Siqueira, S.W.M. 10
Smith, L.B. 51 Cammarota, M. 11 Shih, T.K. 35 Vicari, R.M. 8
Rolls, E.T. 44 Quevedo, J. 10 Darrell, T. 32 Silveira, R.A. 8
Aggleton, J.P. 37 Pereira, G.S. 8 Zisserman, A. 32 Fontanari, J.F. 7
Murray, E.A. 36 Schroder, N. 8 Kragic, D. 27 Cechinel, C. 6
Humphreys, 34 Roesler, R. 7 Duval, E. 26 Melo, R.N. 6
G.W.
Bussey, T.J. 32 Comim, C.M. 7 Chen, T. 24 Perlovsky, L.I. 6
Gauthier, I. 29 Rossato, J.I. 6 Huang, T.S. 24 Sicilia, M.A. 6
Grossberg, S. 29 Souza, D.O. 6 Ng, A.Y. 23 Sanchez-Alonso, 5
S.
Vallortigara, G. 29 Reolon, G.K. 5 Piater, J. 23 Braz, M.H.L.B. 5
Prediger, R.D.S. 5 Yano, Y. 23 Ulbricht, V.R. 5
Barichello, T. 5
Porciuncula, L.O. 5
Takahashi, R.N. 5
Tabela 2- Principais autores que publicaram a respeito do tema “objetos de aprendizagem” na base
Scopus.
Mundo Brasil
Periódico n Periódico n
Behavioural Brain Research 307 Behavioural Brain Research 13
Journal of Neuroscience 225 Educacao E Pesquisa 12
Cognition 194 Neurobiology of Learning and Memory 9
IEEE Transactions on Pattern 186 Revista Brasileira De Ensino De Fisica 9
Analysis and Machine
Intelligence
Neuropsychologia 185 Neuroscience 7
681
Journal of Experimental Child 179 Acta Paulista De Enfermagem 5
Psychology
Child Development 179 Lecture Notes in Computer Science Including Subseries 5
Lecture Notes in Artificial Intelligence and Lecture
Notes in Bioinformatics
Plos One 176 Revista Latino Americana De Enfermagem 5
Neurocomputing 174 Brain Research 4
Journal of Comparative and 161 Hippocampus 4
Physiological Psychology
Tabela 3- Periódicos com maiores quantidades de publicações a respeito do tema “objetos de
aprendizagem” na base Scopus.
Mundo Brasil
Congresso n Congresso n
Lecture Notes in Computer Science 1837 Lecture Notes in Computer Science Including 39
Including Subseries Lecture Notes in Subseries Lecture Notes in Artificial
Artificial Intelligence and Lecture Intelligence and Lecture Notes in
Notes in Bioinformatics Bioinformatics
Proceedings of SPIE the International 526 Communications in Computer and 11
Society for Optical Engineering Information Science
Proceedings of the IEEE Computer 392 Proceedings of the International Joint 10
Society Conference on Computer Conference on Neural Networks
Vision and Pattern Recognition
Proceedings of the IEEE International 209 Iberian Conference on Information Systems 7
Conference on Computer Vision and Technologies Cisti
Proceedings IEEE International 197 Proceedings Frontiers in Education 6
Conference on Robotics and Conference Fie
Automation
Proceedings International Conference 195 Ceur Workshop Proceedings 4
on Pattern Recognition
Proceedings of the International Joint 185 ACM International Conference Proceeding 4
Conference on Neural Networks Series
IEEE International Conference on 176 IFIP Advances in Information and 4
Intelligent Robots and Systems Communication Technology
ACM International Conference 170 7th International Conference on Information 3
Proceeding Series Technology Based Higher Education and
Training Ithet
Communications in Computer and 154 IEEE Global Engineering Education Conference 3
Information Science Educon
IEEE International Conference on Neural 3
Networks Conference Proceedings
Advances in Intelligent Systems and 3
Computing
Conference Proceedings IEEE International 3
Conference on Systems Man and Cybernetics
Proceedings International Conference on Next 3
Generation Web Services Practices Nwesp
2005
682
Proceedings of the IASTED International 3
Conference on Computers and Advanced
Technology in Education
Proceedings of the Iadis International 3
Conference E Learning 2012
Tabela 4- Congressos com maiores quantidades de publicações a respeito do tema “objetos de
aprendizagem” na base Scopus.
683
CONCLUSÕES
Pode-se concluir que o tema “objeto de aprendizagem” tema apresentado crescente
interesse por parte da comunidade científica, sendo que os Estados Unidos constituem o
país com maior número de publicações. Ainda, o Brasil tem ainda baixa representatividade
quanto aos artigos sobre o tema, mas apresenta taxas de crescimento anuais bem
superiores as médias mundiais. Ainda, foi possível identificar os principais autores,
instituições e periódicos, tanto em congressos quanto em periódicos.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Rede Internacional Virtual de Educação - RIVED. Conheça
o Rived. Disponível em: <http://rived.mec.gov.br>. Acesso em: 15 mar. 2010.
CECHINEL, Cristian; SÁNCHEZ-ALONSO, Salvador; GARCÍA-BARRIOCANAL, Elena.
Statistical profiles of highly-rated learning objects. Computers & Education. Amsterdam, v.
57, n. , p.1255-1269, 2011.
MORAN, José Manuel. A interatividade na Televisão e nas Redes Eletrônicas. 2002.
Disponível em: <http://www.eca.usp.br/prof/moran/interativ.htm>. Acesso em: 07 dez.
2010.
PALLOFF, Rena M.; PRATT, Keith. O Aluno Virtual: Um Guia para Trabalhar com
Estudantes On-Line. Porto Alegre: Artmed, 2004.
POLSANI, Pithamber R.. Use and Abuse of Reusable Learning Objects. Journal Of Digital
Information, v. 3, n. 4, p.1-10, 2003.
PRATA, Carmem Lúcia; NASCIMENTO, Anna Christina Aun de Azevedo. Objetos de
aprendizagem: uma proposta de recurso pedagógico/Organização. Brasília: Mec, Seed,
2007.
SCHIBECI, Renato et al. Evaluating the use of learningobjects. In Australian and
NewZealandschools. Computers & Education, Amsterdam, v. 50, n. 1, p.271-283, 2008.
SHANK, John D.. The emergence of learning objects: The reference librarian. Research
Strategies, Amsterdam, v. 19, n. 3, p.193-203, 2003.
684
SICILIA, Miguel-angel; GARCÍA, Elena. On the Concepts of Usability and Reusability of
Learning Objects. International Review Of Research In Open And Distance Learning, v. 4, n.
2, p.1-11, 2003.
TAVARES, Romero. Aprendizagem significativa. Revista Conceitos, v. 5, n. 10, p.55-60,
2004.
WILEY, David A.. The Instructional Use of Learning Objects. Bloomington: Agency For
Instructional Technology, 2001.
685
ATENDIMENTO HUMANIZADO: ANÁLISE ESTATÍSTICA DAS PUBLICAÇÕES NA BASE SCOPUS
Eduardo Shimoda
Universidade Candido Mendes - Campos
INTRODUÇÃO
Estimativa do IBGE revela que, em 2050, a população brasileira com mais de 60 anos
ultrapasse 29% da população, que será maior que a quantidade de habitantes com menos de
15 anos (28%), tornando a procura de centros ou abrigos para idosos cada vez mais intensos,
minimizando o isolamento das pessoas mais velhas que continuam tendo necessidade de
participar do convívio social (IBGE, 2013).
A humanização do atendimento consiste em proporcionar, de forma ética, um
ambiente favorável aos pacientes, contribuindo para que o atendimento seja menos
traumático. Humanizar é uma preocupação constante na saúde. Para tanto tem sido
buscada a melhoria das práticas de cuidado, adotando novos modelos assistenciais, onde a
equipe multidisciplinar que atende as pessoas, não se preocupem apenas com a doença,
mas com o ser humano como um todo.
686
A importância do atendimento humanizado e os benefícios que serão alcançados
com essas práticas serão fatores estimulantes para as práticas humanizadas, conforme a
política de humanização preconizada pelo Ministério de Saúde, e que, ainda não está
plenamente implantada em muitas instituições hospitalares por falta de conhecimento e
incentivo efetivo e continuado aos trabalhadores.
Além disso, o tema é relativamente novo e diversos estudos têm sido conduzidos
recentemente. A análise de tendências de publicações e estatísticas relacionadas às
publicações na área seria interessante. Desta forma, o objetivo de presente trabalho é
analisar, bibliometricamente, as publicações relacionados ao assunto “humanização” na
base Scopus.
CONCEITO DE HUMANIZAÇÃO
Humanizar - ato ou efeito de humanizar. Humanizar, tornar humano, torna afável,
dar condições de homem. Tornar-se humano, afável, humanizar-se (HOUAISS, 1994).
A humanização hospitalar é a palavra chave para se projetar um hospital do futuro.
Sendo necessário conhecer as características da população que irá utilizar o espaço e as
atividades predominantes que essa população vai desenvolver, para projetar um ambiente
adequado (SANTOS, 2007).
O processo de humanização tem impactos múltiplos na instituição hospitalar
podendo transformar a cultura organizacional, promover a revisão da política de
atendimento da instituição e buscar, constantemente, maior valorização e
comprometimento de todos os profissionais envolvidos; promover a democratização das
informações, com o estímulo ao diálogo entre as famílias e os profissionais de saúde. Esse
processo busca o desenvolvimento de uma nova cultura institucional que possa instaurar
novos padrões de relacionamento ético entre gestores, técnicos e usuários (SANTOS, 2007).
Nesse sentido, humanizar implica dar lugar tanto a palavra do usuário quanto a
palavra dos profissionais, de forma que possam fazer parte de uma rede que promova o bem
estar de todos (SANTOS, 2007).
A HISTÓRIA DA ASSISTÊNCIA
687
No início de nossa história a enfermidade era vista com resignação pela civilização e o
alívio da dor só poderia ser encontrado em templos, onde religiosos se dedicavam aos
cuidados dos moribundos que, na maioria das vezes, eram deixados à própria sorte.
Consequentemente, foram criados os Hospitais, que eram vistos como abrigos para
indigentes, onde os cuidadores não possuíam técnicas ou formação específica para as
enfermidades. Com o avanço dos conhecimentos científicos, o atendimento foi ampliado,
exigindo conhecimentos e técnicas especificas. O uso de tecnologia e normatização foram
medidas essenciais neste processo de mudança. Devido a essa grande transformação, as
instituições passaram a enfrentar um novo problema: as relações interpessoais, pois quanto
mais eram exigidas técnicas e burocratizarão no atendimento maior o distanciamento entre
a equipe e a pessoa sob cuidado (BENEVIDES e PASSOS, 2004).
A realidade no serviço de saúde no Brasil mostra que esse distanciamento só fez
aumentar a insatisfação por parte dos pacientes. A preocupação em demasia com outros
aspectos no atendimento, tornou periférica, pelos profissionais de saúde, a necessidade de
entender que o sujeito hospitalizado se vê retirado do ambiente familiar, e privado de sua
individualidade fazendo com que aumente a necessidade de um contato mais humano.
(BENEVIDES e PASSOS, 2004).
688
privilégios de qualquer espécie e direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua
saúde.
A partir desse marco histórico para a saúde no Brasil, foram construídos alguns
alicerces que sustentam o programa de humanização no país. No ano 2000, o Ministério da
Saúde regulamentou o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar
(PNHAH). O PNHAH foi criado no intuito de promover uma nova cultura de atendimento à
saúde no Brasil. A humanização passou a ser considerada um elemento a ser alcançado e
defendido pelo SUS para melhoria da qualidade da assistência. Conforme Benevides (2004) a
“humanização como política pública deveria criar espaços de construção e troca de saberes,
investindo nos modos de trabalhar em equipe. Isto supõe, é claro, lidar com necessidades,
desejos e interesses destes diferentes atores”.
Assim a humanização busca considerar os clientes dos serviços de saúde como
elementos significativos no processo de cuidar. Esse conjunto de normas e diretrizes
políticas construídas pelo Ministério da Saúde buscam a aproximação entre quem cuida
(profissionais) e quem é cuidado (os clientes do SUS). O documento Humaniza SUS afirma
que a humanização vista como política, implica em ser tomada como medida transversal,
onde há troca de saberes, diálogo entre os profissionais, trabalho em equipe e consideração
aos desejos e necessidades dos atores sociais, sejam clientes ou profissionais (BRASIL, 2002).
Desejar do cuidador que ele trabalhe de maneira humanizada requer que ele próprio
trabalhe num ambiente humanizado.
689
sentimentos. Pensar em um ambiente de trabalho que seja propício e que haja um aparato
técnico, filosófico e institucional voltado para a qualidade do trabalho, isso repercute no
cuidado ao cliente (BRASIL, 2002).
Percebe-se que, na atenção à saúde, as ações voltadas à humanização do cliente
devem ser manifestadas nos âmbitos: organizacional, ambiental, tecnológico, nas inter-
relações, nas atividades terapêuticas.
Esses fatores não podem ser desarticulados da intenção de querer o bem ao cliente,
de afetividade e envolvimento profissional com os preceitos do cuidado ético e digno.
Humanizar, tanto no aspecto político, quanto no aspecto do cuidado individualizado, requer
do profissional a percepção das implicações éticas do cuidado. Cuidar de forma mais digna
requer uma interação e o estabelecimento de vínculos entre a equipe e a família no intuito
de promover uma comunicação mais aberta e amenizar o estresse do cliente frente a sua
patologia (CAMPOS, 2002).
A humanização no atendimento e nas relações interpessoais da equipe exige uma
mudança nas relações profissionais tornando-as mais saudáveis, respeitosas e,
principalmente, investindo na formação humana da equipe, para que assim possam oferecer
um cuidado mais humanizado e com um embasamento ético (SILVA, 2005).
Além disso, é de fundamental importância a produção de uma arquitetura capaz de
proporcionar as condições físicas e mentais necessárias para os usuários, funcionários e
acompanhantes, dos centros de cuidado ao idoso, resultando em espaços acolhedores,
humanos e resolutivos.
A estrutura da instituição, sua construção física, sua localização, o acesso a
população, são fatores importantes para a prática da humanização. Além disso, programas
de prevenção; criar e incentivar grupos multidisciplinares de estudo; estabelecer canais de
informações; realizar pesquisa de satisfação; criar ouvidoria; dar continuidade ao trabalho
de prevenção quando o paciente sai do hospital; relação pessoal com a família melhoram as
relações interpessoais (interna e externa).
Não basta ao hospital dispor de estrutura moderna, equipamentos apropriados às
suas atividades médicas e uma administração criativa, se tudo isto não estiver voltado para a
satisfação das necessidades dos usuários e dos funcionários que os atendem, antes de se
690
pensar em paredes, móveis, equipamentos, tem de se priorizar a valorização das relações
humanas, pois dela surgirá a estrutura humanizada (MEZZOMO, 2002).
Humanização surge como um desafio no novo século para os profissionais de saúde,
pois há a preocupação com a complexidade tecnológica, fragmentação do cuidado em visões
isoladas, áreas específicas. Além do que, há deficiências estruturais do sistema de saúde
como um todo, faltam filosofias de trabalho e de ensino voltadas à humanização de maneira
efetiva (BENEVIDES e PASSOS, 2004).
METODOLOGIA
A pesquisa foi realizada na Base Scopus, presente no portal Periódicos da Capes,
durante o mês de novembro de 2014, sendo utilizada a palavra-chave “humanization”.
Restringiu-se a pesquisa a apenas artigos em periódicos, excluindo-se artigos das áreas de
bioquímica, imunologia e farmacologia. Foram coletadas informações referentes a autores,
países, ano, instituição e periódicos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Figura 1 mostra a quantidade de artigos (%) relacionados ao tema “humanização”
por país.
691
32,4%
30%
Quantidade de artigos (%)
20%
10%
6,6%
0%
Itália
Brasil
França
Canadá
Bélgica
Alemanha
Espanha
Reino Unido
Estados Unidos
China
Pode-se perceber que o Brasil é o país que mais tem publicações no tema
humanização, sendo responsável por quase 1/3 dos artigos mundiais. O segundo lugar,
representado pelos Estados Unidos, tem apenas 6,6% das publicações. É possível constatar
que, definitivamente, o Brasil é o país que mais tem investidos em pesquisas a respeito do
tema.
As Figuras 2 e 3 apresentam as curvas exponenciais do número de publicações
mundiais e brasileiras, respectivamente, bem como as taxas de crescimento anuais.
692
140
60
40
20
0
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014
A no
120
log Y = - 2580 + 781,5 log X (P<0,001; R-Sq=82,8%)
100
Nº de publicações (Brasil)
80
Taxa de crescimento:
47,8% ao ano
60
40
20
693
Analisando as Figuras 2 e 3, é possível observar que, no mundo, as publicações
relacionadas ao tema “humanização” têm apresentado crescimento exponencial bastante
acelerado, em torno de quase 20% ao ano. O Brasil, além de ser o país que mais publica
sobre o tema, demonstra crescimento ainda maior, da ordem de quase 50% ao ano,
havendo tendência de incremento ainda maior da diferença em relação aos demais países
do mundo.
A Figura 4 traz informações referentes aos principais autores que publicaram artigos
sobre “humanização” na base Scopus.
7 7
6
6
Quantidade de artigos
5 5 5 5 5
4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4
4
0
Demoulin, S. (Bélgica)
Gong, J. (China)
UFRN)
Unifor)
UNICAMP)
UNESP)
UFSC)
UFV)
USP)
USP)
UFES)
Figura 4- Principais autores que publicaram a respeito do tema “humanização” na base Scopus.
694
A Figura 5 apresenta os principais periódicos com mais artigos relacionados ao tema
“humanização”.
60
52
50
Quantidade de artigos
40
32 31
30
25
20 19 18 18
17 16 15
10
0
Interface Communication
Revista Gaucha De
Texto E Contexto
Cadernos De Saude
Revista Da Escola De
Revista Brasileira De
Ciencia E Saude Coletiva
Saude E Sociedade
(Brasil, FIOCRUZ)
(Brasil, UFSC)
(Brasil, UFRGS)
Enfermagem
EENFUFRGS
Enfermagem
(Brasil, ABRASCO)
(Brasil, ABEn)
(Brasil, USP)
Health Education
Enfermagem
(Brasil, UNESP)
(Brasil, USP-RP)
(Brasil, USP)
Enfermagem
De Enfermagem
(Brasil, UFF)
Publica
Nursing
Figura 5- Dez principais periódicos com mais publicações relativas ao tema “humanização”.
695
80 76
60
Quantidade de artigos
40
24
22 21 21
19 18
20
16 16 15
0
UNIFESP
FIOCRUZ
UFSC
UFC
UFRN
USP
UNESP
UFRJ
UFRGS
UFF
Figura 6- Dez principais instituições que mais publicam sobre “humanização” na base Scopus.
CONCLUSÕES
Conclui-se que a humanização no atendimento é um tema cujo interesse têm
crescido rapidamente, sendo o Brasil, até o momento, o país que mais tem investido
esforços no sentido de estudá-lo.
O país tem a maior quantidade, maior taxa de crescimento, os principais autores, os
principais periódicos e as principais instituições que mais publicam na base Scopus.
REFERÊNCIAS
696
BENEVIDES, R.; PASSOS, E. A humanização dos serviços e o direito à saúde. Cadernos de
Saúde Pública. Rio de Janeiro, v. 20, n. 5, p.1342-1353, set./out. 2004.
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Assistência Hospitalar-PNHAH. Brasília: Ministério da Saúde, 2002.
_______, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Senado Federal, 1988.
CAMPOS, G. W. S. A saúde pública e a defesa da vida. São Paulo: Hucitec, 2002.
HOUAISS, Antonio; KOOGAN, Abrahão. Enciclopédia e Dicionário. Rio de Janeiro: Editora
Guanabara Koogan, 1994.
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697
ANÁLISE BIBLIOMÉTRICA NO BRASIL E NO MUNDO A RESPEITO DO TEMA MELANOMA NO
PORTAL ISI WEB OF KNOWLEDGE
RESUMO: Melanoma é uma neoplasia originada a partir de mutações nos melanócitos, que
são as células da pele responsáveis pela produção de melanina, pigmento que promove a
proteção da pele contra os danos dos raios solares. Ele é encontrado em imensa maioria na
pele, porém não é único dela. É uma neoplasia que pode ser encontrada em diferentes
formas, cuja incidência e mortalidade estão aumentando durante décadas sendo, portanto,
um problema de saúde pública. O objetivo do presente trabalho é realizar uma análise
bibliométrica das publicações brasileiras e internacionais a respeito do melanoma no Portal
ISI Web Of Knowledge. A coleta de dados foi realizada em maio de 2013, procurando
informações sobre o número de publicações internacionais e nacionais, ano das publicações,
áreas de pesquisa abordadas, países que mais publicaram palavras-chaves, instituições e
periódicos. Após isso, uma análise da taxa de crescimento anual e as concentrações dos
artigos. Foi verificado que o Brasil, apesar de não estar entre os líderes no ranking das
publicações, possui taxa de crescimento anual de 22,4%, que é significativamente maior que
a taxa mundial, de 4,2%. As principais áreas das publicações são: oncologia, dermatologia e
biologia molecular e bioquímica. Constatou-se ainda que as faculdades federais do estado de
São Paulo são as que dominam as publicações no Brasil, vindo o estado do Rio de Janeiro
atrás. Assim, pode-se entender que apesar do Brasil possuir um número cada vez mais
crescente nas publicações, estas ainda estão concentradas nas instituições de São Paulo.
Palavras-chave: Melanoma. Bibliometria. Evolução temporal. Concentração de publicações.
INTRODUÇÃO
O melanoma é um tumor maligno derivado de melanócitos da crista neural. Essas
células são encontradas predominantemente na epiderme, em sua camada basal, possuindo
função de produção e transferência da melanina para os queratinócitos ativos. A melanina
quando concentrada no espaço perinuclear desses queratinócitos protege a célula da
radiação UV (GIORGI et al., 2012). Com a formação embrionária ocorre uma migração dessas
células para seus destinos finais. O melanoma apesar de ser primariamente encontrado na
698
célula, pode ser visto nas meninges, vaginas, olhos, trato gastrointestinal e aparelho
respiratório (artigo 12). A transformação dos melanócitos a células tumorais pode ocorrer
tanto por via normal, quanto em indivíduos geneticamente predispostos. A Agência
Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (INCA, 2012), um órgão da OMS classificou a
radiação solar como carcinogênica para seres humanos UV (GIORGI et al., 2012). O
melanoma costuma ocorrer em 5% e 4% dos homens e mulheres, respectivamente no
Ocidente (ZIMMERER et al., 2013).
De acordo com os dados do Instituto do Câncer (INCA, 2012), embora a pele seja alvo
de 25% do tumores malignos mais frequentes do Brasil o melanoma representa somente 4%
dos cânceres malignos da pele. Apesar de relativa baixa incidência, ele é o considerado mais
grave devido à alta chance de metástase. Foi estimado que no ano de 2012 surgiriam 6.230
novos casos, sendo aproximados os números entre homens e mulheres. Os óbitos no mesmo
ano seriam de aproximadamente 1.507, sendo a maioria no sexo masculino. (INCA)
A patogêneses dessa neoplasia é complexa e não totalmente esclarecida, porém
sabe-se que a radiação ultravioleta (UV) é o principal fator etiológico. Relacionam-se com a
patogênese a interação de vários fatores de risco, como meio ambiente, acúmulo de
mutações genéticas, ativação de oncogenes, inativação de genes supressores tumorais e
lesão ao DNA UV (GIORGI et al., 2012).
Dada a importância dos raios UV, quando se analisa a influência dessa radiação, o
risco depende de qual é o tipo dos raios UV, qual foi a intensidade da exposição e qual a
proporção de melanina na pele. Os raios UV possuem um espectro que pode ser dividido em
três grupos de acordo com o comprimento de onda: UVA (ondas de 320 a 400 nm), UVB
(ondas de 280 a 320 nm) e o UVC (ondas de 200 a 280 nm). Os raios B são os grandes
responsáveis pela indução da carcinogênese de pele e os raios C são muito potentes nesse
aspecto, mas por sorte ele não traz malefício já que é filtrado pela camada de ozônio, sendo
portanto, outro aspecto importante na preocupação sobre a redução da dessa camada
devido aos poluentes produzidos pela população humana. Sabe-se que os cânceres de pele
de tipos não-melanoma estão mais associados a uma exposição cumulativa à radiação,
diferentemente os melanomas, que ocorrem mais por intensa exposição intermitente, logo a
699
radiação de alta intensidade e intermitente oferece mais riscos quando comparada a
acumulativa crônica (KUMAR; PERKINS, 2010).
Os locais que têm exposição solar intermitente possuem um pico de incidência mais
comumente em indivíduos entre a terceira e a quinta décadas de vida, já os locais com
exposição crônica têm um aumento da ocorrência depois dos 50 anos. (MORDOH, 2009).
Existe, porém, um paradoxo: que é o que os raios UVB estimulam a síntese de vitamina D na
pele, substância que pode promover apoptose das células do melanoma. Estudos
epidemiológicos, clínicos e pré-clínicos apoiam o papel da vitamina D na prevenção de vários
tumores. O derivado ativo dessa vitamina é o calcitriol (1,25 dihidroxivitamina D) que é
considerado um anti-proliferativo, com efeitos pró-apoptóticos e anti-angiogênicos (GIORGI
et al., 2012.; POMMERGAARD et al., 2013).
A radiação UV artificial é uma fonte de vitamina D, mas também pode aumentar a
incidência de melanoma. Usuários de bronzeamento artificial, muito comum pelos jovens
nos países não tropicais, aumentam o risco relativo de melanoma e de cânceres de pele não-
melanoma. Porém, os estudos atuais indicam a necessidade de mais pesquisa a respeito
desse tema (JOHANE et al., 2013). Quando se compara com outras neoplasias de pele, os
cânceres não-melanoma são mais comuns, com menos chances de metástases e recidivas
locais, sendo frequentemente tratados com tratamento cirúrgico (POMMERGAARD et al.,
2013).
O fenótipo do indivíduo é um dos fatores de risco mais variados. Cabelos claros ou
ruivos, características de bronzeamento da pele, predisposição a sardas, existência de nevos
melanocíticos (existe relação entre o número de nevos e à exposição à luz UV) e
susceptibilidade a queimaduras solares são exemplos. Indivíduos com pele mais escura
apesar de possuírem maior proteção contra a ação dos danos do sol, quando são afetados,
são detectados frequentemente em estágios mais avançados (SONDA; GOMES, 2011).
Pacientes com parentes de primeiro grau diagnosticados com melanoma possuem o dobro
de risco de desenvolvimento. A história pessoal de cada melanoma ou tumor de pele não-
melanoma também são fatores, já que o risco de 5 anos de desenvolvimento de um segundo
melanoma primário é de 11,4% (TUONG et al., 2012). Ainda assim, não há indicação de
testes de detecção da susceptibilidade genética fora do contexto dos protocolos de
700
investigação diagnóstica. (MORDOH, 2009). A localização do indivíduo pode interferir na sua
exposição à radiação UV, logo os que se situam em elevadas altitudes ou baixas latitudes
possuem maior risco (TUONG et al., 2012).
A mortalidade e a incidência do melanoma estão aumento durante as décadas sendo,
portanto, um problema de saúde pública, logo a investigação sobre quais são os indivíduos
de alto risco é uma importante arma a ser utilizada para programas de educação em saúde e
também tratamento individual, auxiliando na prevenção e no diagnóstico precoce, que ainda
é o fator mais importante na cura. (MORDOH, 2009).
Sabe-se que incidência de melanoma maligno cutâneo aumento 690% no período de
1950 a 2001. Essa incidência continua crescendo, porém com alterações mínimas na
mortalidade. Esses dados podem sugerir que os diagnósticos feitos são mais de lesões com
níveis de Breslow mais precoces, tendo um melhor prognóstico e comportamento indolente
(GIORGI et al., 2012).
A partir disso, fica evidente a importância das novas técnicas utilizadas (PCR,
marcadores sorológicos) tanto para o diagnóstico quanto para escolha de melhor estratégia
de tratamento e terapia adjuvante (quimioterapia, radioterapia, imunoterapia).
A clínica do melanoma é classicamente assintomática, porém o prurido e a dor
podem ser considerados manifestações precoces. Os sinais clínicos característicos são
analisados didaticamente com a mnemônica ABCDE do melanoma e significam: Assimetria,
Bordas irregulares, Colorações alteradas, diâmetro e evolução. Os melanomas podem
apresentar variações de tons como preto, marrom, vermelho e azul mais escuro. Essa
neoplasia possui como característica duas etapas de crescimento e evolução, sendo a
primeira de forma horizontal na epiderme e derme superficial. Nesse início as células
tumorais não possuem grande capacidade de metástase. A segunda etapa do crescimento
ocorre após um período indeterminado de tempo e passa a ser de modo vertical o
crescimento, logo há uma invasão das células tumorais para as camadas mais profundas;
essa fase em muitas das vezes é evidenciada pelo aparecimento de um nódulo e está
relacionada com aumento do potencial para metástases (KUMAR; PERKINS, 2010.; TUONG et
al., 2012.; REGO et al., 2012).
701
Histologicamente, as células tumorais do melanoma são maiores, com grandes
núcleos que possuem contornos irregulares, cromatina perifericamente aglomerada e
nucléolo eosinofílico, diferentemente dos melanócitos normais ou das células dos nevos
melanocíticos. Sendo que, não há muita diferença na célula do crescimento vertical
comparada com o crescimento horizontal. Vale ressaltar que existe uma pequena parcela
das lesões que são consideradas atípicas e de difícil diagnóstico, sendo classificadas como
tumores melanocíticos de potencial maligno indefinido; sendo necessária a excisão
completa(KUMAR & PERKINS, 2010). Relevante também, é o fato de nem todos os
melanomas apresentarem todas as características do ABCD, isto é, são as combinações dos
parâmetros que fazem com que uma lesão cutânea seja ou não suspeita de ser melanoma
(TUONG et al., 2012).
Determinam um pior prognóstico: figuras de mitoses, regressão da lesão, sexo
masculino, localização em extremidades, ulceração (reduz em 5% a sobrevida), existência de
xeroderma pigmentoso (doença autossômica recessiva caracterizada por aumento da
sensibilidade à luz solar e incapacidade de reparar o dano ao DNA ocorrido pela luz),
profundidade maior que 1,7 mm (relação direta entre a profundidade do tumor e o
surgimento de metástases) (KUMAR & PERKINS, 2010.;TUONG et al., 2012). O prognóstico
costuma ser bom para melanomas finos, tendo uma sobrevida de mais de 90% em cinco
anos no estágio I e de 45-79% no estágio II. As metástases reduzem drasticamente os índices
de sobrevida. No estágio IV o cérebro é o local de maior incidência de metástase e possui o
pior prognóstico quando comparado a outras metástases viscerais, prevendo uma sobrevida
de 3 a 4 meses após o diagnóstico. Em segundo lugar são os pulmões. Pacientes que
possuem doença metastática visceral, o órgão mais invadido é o fígado (TUONG et al., 2012).
Esses tumores são um dos que apresentam maior incidência de complicações neurológicas,
onde as metástases cerebrais respondem por grande mortalidade, contribuindo em mais de
90% dos óbitos e que pode se disseminas gerando poucos sintomas, tendo frequentemente
diagnóstico mais lento, o que de certa forma, justifica a sobrevida média baixa (JACKSON et
al., 2013).
A disseminação do melanoma ocorre mais por via linfática, que se faz de modo
sequencial (LAGES et al., 2011), por isso quando os linfonodos são alcançados pelas células
702
tumorais, inicia-se uma nova resposta das células T frente aos antígenos, possibilitando uma
invasão metastática em um novo ambiente repleto de citocinas pró-inflamatórias. Sua
metastatização costuma iniciar-se pelos gânglios linfáticos e secundariamente para o tecido
subcutâneo, pulmão e cérebro. Em alguns casos raros, pode ocorrer a metastatização para o
trato gastrointestinal, podendo ter complicações associadas como anemia, hemorragia,
obstrução, intuscepção e dor abdominal. No trato gastrointestinal, o jejuno e o íleo são os
locais mais envolvidos, podendo em casos mais raros, afetar o estômago, reto e colo, sendo
assim, uma indicação cirúrgica (REGO et al., 2012).
Estatisticamente, o melanoma é mais frequente na parte superior das costas e braços
dos homens abaixo de 50 anos, acrescentando ouvido e face nos acima de 50 anos e, nas
costas e nas pernas das mulheres baixo de 50 anos,acrescentando face e braços nas com
mais de 50 anos (TUONG et al., 2012). Esse dados indicam fortemente a relação com a
exposição a luz solar, porém como o melanoma também é visto em indivíduos de
pigmentação mais escura e em locais pouco expostos ao sol, fica claro que essa exposição ao
sol não é o único fator predisponente (KUMAR & PERKINS, 2010).
O melanoma é encontrado sobre as formas de: 1) Melanoma extensivo superficial –
que é a forma de maior incidência em indivíduos de pele clara, sendo comum o diagnóstico
entre terceira e quinta décadas de vida. No momento diagnóstico, costuma ter pelo menos 6
mm, chegando até 25 em fase avançada. Geralmente em vários tons de bege, marrom,
cinza, preto e violeta; raramente possui tons azuis ou áreas de hipopigmentação; 2)
Melanoma nodular – corresponde a 20-30% dos casos, têm início precoce do crescimento
vertical, clinicamente grossos à palpação e castanhos escuros ou preto, ocorrendo
principalmente após os 60 anos de vida. É uma lesão de rápida evolução (meses); 3)
Melanoma Lentigo Maligno - costuma ser diagnosticada aproximadamente na sétima década
de vida. Sua ocorrência é maior em peles cronicamente lesada pela luz solar, ocorrendo
portanto em locais mais expostos, como face e nariz. Seu início se dá como uma pequena
lesão, mas que pode atingir vários centímetros, apesar da lenta evolução, é tipicamente
assimétrico com bordas elevadas. É predominantemente plano, podendo ter um foco de
crescimento vertical; 4) Melanoma Acro-lentiginoso - É uma lesão pouco frequente em
indivíduos de pele clara, cujo diagnóstico ocorre por volta da sétima década de vida, por isso
703
grande parte dessas lesões são diagnosticadas em fases avançadas. Sua incidência é maior
nas palmas das mãos, plantas dos pés e próximo às áreas ungueais. Uma marca dessa forma
é que ela costuma ser a mais frequente nos indivíduos de raça negra. Apresenta-se como
uma mácula negra-amarronzada; e 5) Melanoma amelanótico -Existe ainda, o melanoma
amelanótico cujo diagnóstico é mais difícil, visto que uma característica clássica do
melanoma é a sua pigmentação e este, não possuem pigmentação clínica bem evidente.
(BONFA, 2011; TUONG et al., 2012; REGO et al., 2012). Sendo os melanomas nodular e acral
lentiginoso os que mais surgem nos idosos, tipicamente em locais de pequena exposição
solar, como palmo-plantar (REGO et al., 2012).
A primeira classificação do melanoma aceita universalmente foi desenvolvida em
1983 pela American Joint Commission on Cancer e pela União Internacional Contra o Câncer,
em que o dividiu em 4 estágios, de acordo com o risco de disseminação e com sua espessura
(Índice de Breslow) e com a invasão das células tumorais (Níveis de Clark). O
microestadiamento deve considerar o tamanho do crescimento vertical de acordo com os
níveis de Clark, o espessamento do tumor em milímetros de acordo com a calssificação de
Breslow e possivelmente a ulceração (REGO et al., 2012).
Em maio de 2002 foi realizado um novo estadiamento do melanoma com o objetivo
de oferecer um guia de estudo para melhor noção sobre o prognóstico, sendo incorporados
novos marcadores como: existência de ulceração, número de linfonodos metastáticos e
níveis elevados de LDH. (BONFA, 2011). O índice de Breslow ainda é a mais importante
forma de predizer a sobrevida (BONFA 2011.; KUMAR & PERKINS, 2010.; TUONG et al.,
2012).
Apesar das diversas técnicas que auxiliam no diagnóstico, o estudo histopatológico
ainda é o melhor método de confirmação diagnóstica. A biópsia de linfonodo sentinela
aumenta significativamente a detecção de micrometástases, essa técnica baseia-se no fato
do linfonodo sentinela ser o primeiro a receber a drenagem das células. Pode-se ainda usar o
tecnécio, um corante azul (o gânglio mais fortemente corado e com emissão de
radioatividade é retirado, sendo este estudado com cortes histológicos corados por
hematoxilina-eosina e imunohistoquimica; caso haja positividade, procede-se com
extirpação completa de todo o território ganglionar), técnica comumente utilizada em lesões
704
com Breslow maior ou igual a 1 mm ou aqueles menores, mas com níveis de invasão que
comprometem a hipoderme e ulcerações. Vale ressaltar que essa técnica também evita
tratamentos desnecessários, como em algumas situações, a própria linfonodectomia radical,
quando desnecessária (MORDOH, 2009). Alguns anticorpos contra proteínas específicas à
gênese do melanoma, como gp100/HMB45, Melan-A/MART-1, tirosinasa e proteina tipo 1 e
2 relacionada a tirosinasa (TyrP1/2) são úteis para o diagnóstico de melanoma, porém o
antígenos específicos de diferenciação, como tirosina e Melan-A\MART-1 tem limitada
sensibilidade. O HMB 45 reconhece a glicoproteina gp100 que é específica dos melanomas e
células névicas, porém o índice de falso negativo não permite uma ampla utilização.
(MORDOH, 2009) Como a biópsia do linfonodo é uma técnica menos invasiva, Morton em
1992 disseminou a utilização do rastreamento linfático pré-operatório e linfonodectomia
quando necessário, em lesões com Breslow maiores que 1 mm ou até com tamanho menor,
mais com Clark maior que III ou ulceração. A linfoncintilografia pré-operatória é uma
importante etapa que deve ser realizada algumas horas antes da cirurgia. Essa técnica
evidencia o trajeto das cadeias linfáticas, suas localizações e drenagem (LAGES, et al, 2011).
A biópsia de pele ainda é o padrão-ouro para diagnóstico de melanoma cutâneo,
sendo a biópsia excisional com margem de 1 a 2 mm a mais preferida para lesões suspeitas
de melanoma. A incisional pode ser utilizada nos melanomas faciais ou com envolvimento
acral, também em lesões pouco suspeitas ou muito grandes, porém essa biópsia quando
subtotal pode não ser de boa acurácia para o estadiamento preciso (TUONG et al., 2012).
Apesar de haver um aumento da incidência, também há um aumento na sobrevida
dos doentes, isso se deve a detecção precoce do tumor devido principalmente aos
programas de educação social da população, já que não houve mudança brusca nas técnicas
de tratamento (BONFA, 2011). Alguns dados sugerem um excesso de diagnóstico dessa
patologia em jovens, em que várias campanhas de rastreio aumentam a consciência da
população. Em contrapartida, o aumento da incidência e da mortalidade verifica-se mais na
população mais antiga, principalmente em homens acima de 50 anos, que costumam ser
menos sensíveis à vigilância e às campanhas públicas(GIORGI et al., 2012). Com esses dados,
fica clara a importância das campanhas públicas para o incentivo da prevenção, sendo
705
igualmente importante o treinamento dos médicos para um diagnóstico cada vez mais
precoce, aumentando dessa forma a cura.
Mesmo os cânceres de pele não-melanoma, têm a radiação UVB como importante
fator de risco e grande parte dos indivíduos com essas neoplasias, são UVB-susceptíveis.
Logo, a identificação de indivíduos UBV-susceptíveis também é uma boa técnica de
prevenção, devendo ter uma melhor educação a respeito de fotoproteção, instruções sobre
o reconhecimento dos sinais do melanoma no início de seu desenvolvimento (regra do
ABCD), realizar autoexame e ter contato regularmente com atendimento de
dermatologistas. É fundamental a proteção e o cuidado mais atencioso durante a infância,
visto que é uma fase vulnerável aos efeitos do sol em que a exposição acumulativa nas duas
primeiras décadas de vida aumenta significativamente o desenvolvimento de câncer de pele
(SONDA & GOMES, 2011).
Vale ressaltar que a erradicação do tumor precocemente é ainda a forma mais segura
de cura (NASER, 2011). Foram aprovadas Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas do
Melanoma Maligno Cutâneo pelo Ministério da Saúde através da portaria de número 357,
de 8 de abril de 2013, com objetivo de estabelecer parâmetros e diretrizes nacionais para o
diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos portadores dessa doença (INCA, 2013)
BIBLIOMETRIA
A bibliometria é um método quantitativo das áreas de biblioteconomia e ciência da
informação, com objetivo de mapear informações a partir de registros bibliográficos de
documentos (BOUSTANY, 1997, apud KOBASHI; SANTOS, 2009). O seu uso vem aumentando
devido ao fato de usar de métodos quantitativos na busca por uma avaliação objetiva de
toda a produção científica, acrescida das informações sobre autores, trabalhos, países e
outros temas que podem existir em cada categoria do que desejamos saber (PRICE, 1976,
apud ARAÚJO, 2006). A crescente vontade de novos conhecimentos com alta circulação e
disseminação é um dos motivos pelos quais ocorre o levantamento do inventário das
atividades científicas (SILVA et al., 2011).
No estudo da bibliometria, três estudiosos possuem destaque: Lotka, Zipf e Bradford.
Esses nomes correspondem cada um a uma “lei” específica. A Lei de Zipf (Lei do Mínimo
706
Esforço) mede a frequência do surgimento das palavras em diversos textos, gerando
ordenadamente uma lista de termos de um assunto. A Lei de Bradford (Lei de Dispersão)
proporciona a quantificação da produtividade das revistas, estabelendo as áreas de
dispersão e o núcleo sobre algum assunto em um mesmo conjunto de resvistas. Por fim, a
Lei de Lotka (Lei do Quadrado Inverso) demostra a quantificação da produtividade dos
autores, frente a um modelo de distribuição do tipo tamanho-frequência dos diferentes
autores em um conjunto de documentos (VANTI, 2002).
O estudo bibliométrico possui variadas finalidades, como a avaliação da qualidade da
pesquisa dos cientistas e da produtividade dos mesmos, através da medição com base nos
números de citações\publicações dos mesmos, podendo assim, revelar os avanços e as
tendências de publicações nas variadas áreas do conhecimento. Também serve para o
acompanhamento dos estudos desenvolvidos nas diferentes esferas do conhecimento
científico, ao analisar quais são os autores que mais publicam e outras variáveis (SILVA;
SANTOS; RODRIGUES, 2011).
MÉTODOS
A análise de dados desse trabalho foi feita através do Portal ISI Web Of Knowledge. A
busca foi realizada no dia 29 de abril de 2013, retorna as publicações que têm as palavras em
seu título, resumo ou palavras-chaves. As informações consideradas pertinentes à evolução
temporal, áreas de pesquisa, às palavras-chaves, aos periódicos, aos países e às instituições,
foram obtidas através de uma busca refinada nesse Portal.
Foi através de uma regressão logarítmica das publicações em função dos anos em
que se conseguiu uma análise temporal e, para isso as variáveis foram linearizadas. A taxa de
crescimento é representada pelo coeficiente angular da equação. Após isso, foi possível
saber a relação entre as publicações a respeito de melanoma durante os anos no Brasil e no
mundo. A evolução das publicações e a taxa de crescimento foram avaliadas através de
gráficos que para estes, foram utilizadas funções de regressão exponenciais entre
quantidade de publicações e os anos. Os valores das variáveis foram linearizados quando se
aplicou o logaritmo.
707
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Análise por país
A tabela 1 mostra uma listagem dos países que mais publicam sobre Melanoma.
Pode-se constar que o país que mais publica atualmente é os Estados Unidos (EUA), com
aproximadamente 41% das publicações mundiais. A Alemanha encontra-se em segundo
lugar com aproximadamente 9,3% das publicações. Os 10 países que mais publicam somam
89,9%. Isso demonstra que uma maioria dos trabalhos produzidos no mundo vêm sendo
feitos por uma minoria. O Brasil ocupa o 22º lugar, respondendo por 1% das publicações,
indicando uma grande defasagem entre o volume de pesquisas realizadas no mundo e as do
país, principalmente quando analisado o fato de ser um país tropical, cuja incidência solar é
de maior intensidade e frequência, por outro lado, existe o fato das populações de pele mais
clara, como as dos outros países analisados, serem as mais afetadas quando comparado o
fenótipo de maior risco ao melanoma.
708
proporcionalmente, poucas publicações, a taxa de crescimento é bem maior do que a média
mundial.
140 4500
log y = - 1335 + 404,6 log X log Y = - 267,8 + 82,15 log X
120
4000
Nº de publicações (Mundo)
Nº de publicações (Brasil)
100
3500
80
3000
60
40 2500
20
2000
0
1995 2000 2005 2010 1995 2000 2005 2010
A NO A NO
709
40%
34,8%
35%
30%
% das publicações
25%
22,2%
20%
16,3%
15% 13,8%
12,7%
11,5%
9,6%
10% 8,2%
7,5% 7,5% 7,5% 7,4%
6,6% 6,3%
5,6% 5,2% 5,0% 5,7% 5,3%
4,7%
5%
0%
Cirurgia
Patologia
Patologia
Cirurgia
Oncologia
Oncologia
Biologia Celular
Biologia Celular
Dermatologia
Imunologia
Dermatologia
Biologia Molecular e Bioquímica
Química
Oftalmologia
Oftalmologia
Pesquisa experimental médica
Farmacologia e Farmácia
Farmacologia e Farmácia
Figura 4 - Percentagem das dez principais áreas de publicação a respetio de Melanoma no Mundo e
no Brasil
710
4,5%
3,97%
4,0%
3,5% 3,42%
3,01%
3,0%
2,74% 2,74%
% das publicações
2,60% 2,60%
2,5% 2,33%
2,19% 2,19%
2,0%
1,5%
1,0%
0,56% 0,50%
0,48%
0,5% 0,36% 0,36% 0,35% 0,34% 0,33% 0,30% 0,30%
0,0%
HERLYN M
ROSENBERG SA
SHIELDS JA
MARIA DA
SHIELDS CL
FERRONE S
GARBE C
CHAMMAS R
PESSOA C
BUZAID AC
BURNIER MN
DE MORAES MO
SCHADENDORF
JASIULIONIS MG
RODRIGUES EG
TRAVASSOS LR
MORTON DL
THOMPSON JF
COSTA-LOTUFO
KIRKWOOD JM
LV
D
711
30%
28,5%
25%
20%
% das publicações
15%
13,4%
10%
8,6%
0%
BUTANTAN INST
UNIV ESTADUAL
UNIV SAO PAULO
HARVARD UNIV
YALE UNIV
UNIV PITTSBURGH
CAMPINAS
ANGELES
JANEIRO
CANC CTR
CANC CTR
DO SUL
Mundo (n=69.828) . Brasil (n=731)
Figura 6 - Percentagem e relação das principais instituições responsáveis pelas publicações a respeito
de Melanoma.
712
5,0%
4,65%
4,5%
4,0%
3,69%
3,5%
% das publicações
3,0% 2,87%
2,5% 2,41%
2,33%
1,97%
2,0% 1,78%
1,74%
1,53% 1,45% 1,50%
1,43%
1,5% 1,31% 1,24%
1,23% 1,23% 1,23%
1,09%
1,0%
0,5%
0,0%
BRAZILIAN JOURNAL OF
ANAIS BRASILEIROS DE
INTERNATIONAL
EUROPEAN JOURNAL OF
JOURNAL OF CANCER
CLINICAL CANCER
BIOLOGICAL RESEARCH
CANCER RESEARCH
BRITISH JOURNAL OF
CANCER
DERMATOLOGY
CANCER
MELANOMA RESEARCH
MELANOMA RESEARCH
TOXICON
BMC CANCER
CANCER IMMUNOLOGY
PLOS ONE
IMMUNOLOGY
DERMATOLOGY
INVESTIGATIVE
JOURNAL OF
MEDICINAL CHEMISTRY
JOURNAL OF
JOURNAL OF
IMMUNOTHERAPY
INTERNATIONAL
RESEARCH
DERMATOLOGIA
MEDICAL AND
CANCER
Figura 7 - Percentagem dos principais periódicos que publicam a respeito do Melanoma no Mundo e
no Brasil.
CONCLUSÃO
Melanoma é uma neoplasia de alta incidência e mortalidade, sendo considerado um
problema de saúde pública. Através de estudos bibliométricos verificou-se que o Brasil não
se encontra entre os líderes no ranking das publicações, respondendo apenas a 1% destas,
porém a partir de 2005 houve um aumento exponencial nessas publicações, estas possuindo
atualmente, uma taxa de crescimento anual de 22,4%, o que é bem superior à taxa mundial
de 4,2%. No país, duas universidades do Estado de São Paulo representam quase 50% do
Brasil nessas publicações, logo deve haver maior incentivo e investimento por parte do
restante dos estados do país para que todas as regiões acompanhem esse crescimento
significativo no conhecimento.
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715
ANÁLISE BIBLIOMÉTRICA A RESPEITO DAS PUBLICAÇÕES MUNDIAIS E BRASILEIRAS SOBRE
TIROXINA NA BASE SCOPUS
INTRODUÇÃO
Endocrinologia é uma especialidade médica que estuda as ordens do sistema
endócrino e suas secreções específicas, chamadas de secreções fisiológicas. A endocrinologia
possui vários ramos de estudo, como a neuroendocrinologia, obesidade e diabetes, adrenais,
endocrinologia feminina e masculina, metabolismo dos carboidratos, lipídios e proteínas,
tumores neuroendócrinos, síndromes poliglandulares e a tireoide, a qual será abordada em
mais detalhes neste trabalho.
716
Acerca da tireoide sabe-se que esta fica localizada na face anterior da região cervical,
no seu terço médio, próxima à traqueia, e é dividida em dois lobos. Essa glândula pesa
aproximadamente 20 g, e sua atuação é controlada pela ação do TSH, que já foi abordado
anteriormente. Sua função depende, também, da absorção do iodo, elemento químico
essencial na síntese de seus dois principais hormônios são: a tiroxina (também chamado de
T4) e a triiodotironina (T3). O T4 funciona sobretudo como um pré-hormônio, sendo que a
monodeiodinação do anel externo de sua estrutura molecular fornece 75% da produção
diária de T3, que é o principal hormônio ativo (Berne et al 2000; Guyton & Hall, 2012)
Sobre a produção desses hormônios, o processo se inicia no retículo endoplasmático
e no complexo de Golgi das células epiteliais cuboides, os quais secretam uma grande
glicoproteína chamada tireoglobulina nos folículos. Cada molécula de tireoglobulina contém
cerca de 70 aminoácidos tirosina. As tirosinas são os principais substratos e se combinam
com o iodo para formar os hormônios tireoideanos. Assim sendo os hormônios tiroxina e
triiodotironina são formados no interior da molécula de tireoglobulina. A tireoide armazena
estes hormônios em seus folículos no interior das moléculas de tireoglobulina em uma
quantidade suficiente para suprir as necessidade normais do organismo por 2 a 3 meses
(GUYTON; HALL, 2012).
Os principais efeitos fisiológicos destes hormônios são ativação da transcrição
nuclear de um grande numero de genes, fazendo com que seja sintetizado um grande
número de enzimas, proteínas estruturais e de transporte e de outras substâncias; aumento
da atividade metabólica celular com o aumento do número e a atividade das mitocôndrias
elevando a taxa de formação de trifosfato de adenosina (ATP) para fornecer energia para as
funções celulares; aumento do transporte ativo de íons através de membranas celulares
aumentando assim a taxa metabólica corporal através do aumento da ativação da bomba de
sódio e a produção de calor; promoção do crescimento e desenvolvimento do cérebro
durante a vida fetal e nos primeiros anos de vida pós-natal. Na fase de criança determinam a
maturação dos ossos e o fechamento das epífises; influenciam o metabolismo dos
carboidratos estimulando a captação rápida de glicose pelas células, aumento da glicólise, da
gliconeogênese, da taxa de absorção pelo trato gastrointestinal e da secreção da insulina;
influencia no metabolismo de lipídios, os quais através dos hormônios tereoideanos são
717
mobilizados rapidamente do tecido adiposo, o que reduz os acúmulos de gordura do
organismo e aumenta a concentração de ácidos graxos livres no plasma e acelera
amplamente sua oxidação pelas células; aumento da taxa metabólica basal em 60% a 100%
pelo fato de aumentarem o metabolismo em quase todas as células corporais; devido ao
aumento no metabolismo provocado pelos hormônios tireoideanos, os tecidos utilizam o
oxigênio mais rápido que o normal e há uma liberação aumentada de produtos metabólicos.
Esses efeitos aumentam a vasodilatação e consequentemente o fluxo sangüíneo, levando-se
também, desta forma, o débito cardíaco; efeito direto sobre a excitabilidade do coração, o
que eleva a frequência cardíaca; elevação da atividade enzimática provocada pelos
hormônios tireoideanos provoca um aumento da força de contração cardíaca; aumento da
frequência e a profundidade da respiração, devido aos efeitos causados pelos hormônios
tireideanos como a maior taxa metabólica basal que aumenta a utilização de oxigênio e a
formação de dióxido de carbono; aumento da taxa de produção de secreções digestivas e a
mobilidade do trato gastrointestinal; e produção de efeitos excitatórios sobre o sistema
nervoso central aumentando a velocidade do pensamento.
Neste trabalho apresenta-se um estudo bibliométrico a respeito das publicações
sobre este hormônio produzido pela tireoide, a thyroxine, no Brasil e no mundo, na base de
dados Scopus.
A bibliometria consiste na utilização de métodos quantitativos a fim de se obter uma
avaliação objetiva da produção (ARAÚJO, 2006). Ainda sobre a bibliometria Oliveira et al
(1992) explicam que a avaliação da produtividade científica deve ser um dos elementos
principais para o estabelecimento e acompanhamento de uma política nacional de ensino e
pesquisa, uma vez que permite um diagnóstico das reais potencialidades de determinados
grupos e/ou instituições. A bibliometria constitui uma técnica quantitativa de avaliação
desta produtividade. A partir desta, é possível, mediante a aplicação de métodos
estatísticos, fazer constatações a respeito do estado de uma dada arte, ou ramo
(PRITCHARD, 1969).
De acordo com Mesquita et al (2006) a Scopus é uma base de dados multidisciplinar,
produzida pela editora Elsevier desde 2004, com cobertura desde 1960, que contém
resumos de 27 milhões de artigos, referências e índices da literatura científica, técnica e
718
médica. Esta base de dados pode incluir citações e links para texto completo de artigos,
quando esses estão disponíveis. Eles explicam que segundo a empresa, a base de dados
indexa 14.000 títulos de periódicos de 4.000 editoras internacionais, com atualizações
diárias. Mais de 60% dos títulos são de outros países que não os Estados Unidos e 85% do
conteúdo é indexado utilizando os vocabulários controlados para a definição das palavras-
chave e/ou descritores. Esta base pesquisa, simultaneamente, o conteúdo dos artigos
indexados em sua própria plataforma, na web (através do Buscador Scirus da Elsevier para
páginas com conteúdo científico) e ainda bases de patentes sobre o assunto pesquisado. A
base Scopus cobre as seguintes áreas do conhecimento: química, física, matemática,
engenharia, ciências da saúde e vida, ciências sociais, psicologia, economia, biologia,
agricultura, ciências ambientais e ciências gerais. Em recente pesquisa, constatou-se que a
Scopus encontra-se, juntamente com o Google Scholar e a Web of Science, entre as maiores
bases de dados multidisciplinares (MESQUITA, 2006).
O objetivo do presente trabalho é, portanto, realizar um estudo bibliométrico,
utilizando a base de busca Scopus, a respeito do hormônio da tireoide, thyroxine, tanto no
Brasil como no mundo, sendo apresentados a evolução temporal e os países, autores,
instituições e periódicos que mais publicam acerca deste tema.
MÉTODOS
Os dados foram obtidos a partir da busca de artigos científicos na base Scopus,
disponível no Portal Periódicos da Capes. A busca foi realizada no dia 07 de Maio de 2013.
Inicialmente foi feita utilizando-se o termo “thyroxine”, sendo utilizada a opção de busca
rápida, que retorna as publicações que tenham a palavra digitada no título, no resumo ou
nas palavras-chaves. As demais informações foram obtidas através de uma busca refinada na
própria base de dados.
Foi através de uma regressão logarítmica das publicações em função dos anos que se
conseguiu uma análise temporal e, para isso as variáveis foram linearizadas. A taxa de
crescimento é representada pelo coeficiente angular da equação. Após isso, foi possível
saber a relação entre as publicações a respeito de melanoma durante os anos no Brasil e no
mundo.
719
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Recuperou-se um total de 32.158 trabalhos científicos sobre tiroxina publicados no
mundo que estão indexados na base Scopus, e no Brasil a quantidade de publicações
recuperadas na base Scopus sobre o mesmo tema foi de 615.
A Tabela 1 e a Figura 1 apresentam os dezessete primeiros países que mais
publicaram a respeito deste tema, e o Brasil se encontra na 17º posição. Os Estados Unidos
se destaca em relação aos outros países, que está bem a frente com 10739. Em segundo
lugar está o Reino Unido com 3083 publicações a respeito de tiroxina e logo abaixo, bem
próximo do Reino Unido está o Japão em terceiro lugar.
Tabela 1 - Países que mais publicaram artigos na base Scopus sobre tiroxina
País Nº de artigos %
EUA 10739 23,11%
Reino Unido 3083 6,63%
Japão 2917 6,28%
Itália 2042 4,39%
Alemanha 1955 4,21%
França 1527 3,29%
Canada 1368 2,94%
India 1251 2,69%
Holanda 1129 2,43%
Turquia 928 2,00%
...
Brasil (17º lugar) 615 1,32%
720
25%
23,11%
20%
Frequência relativa (%)
15%
10%
6,63% 6,28%
5% 4,39% 4,21%
3,29% 2,94% 2,69% 2,43%
2,00% 1,96% 1,81% 1,74% 1,61% 1,45% 1,33% 1,32%
0%
Italy
Brazil
Sweden
Germany
Turkey
Canada
Japan
India
China
Spain
Poland
Australia
United States
France
Netherlands
Belgium
United Kingdom
Figura 1 - Países que mais publicaram artigos na base Scopus sobre tiroxina
Todos os outros países estão bem abaixo dos EUA, mas a diferença entre eles não é
tão grande. O Brasil se comparado aos EUA, se encontra muito inferior a respeito das
publicações sobre tiroxina e não faz parte dos dez primeiros países que mais publicam a
respeito deste tema.
Pode-se perceber que os dezessete países que mais publicam somam 69,19%. Apesar
de totalizar mais da metade das publicações feitas no mundo na base scopus a respeito de
tiroxina pode-se perceber que a diferença entre esses países não é muito grande. Isso
significa que muitos países no mundo realizam pesquisas acerca deste assunto.
O Brasil ocupa a 17ª posição, com apenas 1,32% nas publicações no mundo,
indicando que há uma grande defasagem entre o volume de pesquisas realizadas no planeta
e as realizadas no país.
A Figura 2 apresenta a distribuição exponencial das publicações na base scopus sobre
tiroxina ao longo das décadas no Brasil e no mundo. A partir das equações de regressão
exponenciais, que podem ser observadas na parte superior da Figuras 1, foi elaborada a
Tabela 2, que apresenta o coeficiente angular das equações de regressão. Este indica a taxa
de crescimento do número de publicações científicas relacionadas a tiroxina no mundo e no
Brasil.
721
De acordo com os dados da Tabela 2, na década de 80 o Brasil apresentou uma taxa
de crescimento de 11,2% enquanto no mundo essas publicações tiveram uma taxa de
crescimento negativa, de -1,2%. Já na década de 90 a taxa de crescimento no brasil foi de
30,4% e no mundo esta permaneceu negativa, de -0,8%.
Entre os anos de 2000 e 2012 o número de publicações sobre tiroxina no Brasil
cresceu 11,5% e no mundo houve um aumento significativo nessas publicações de 3,4%, se
comparado com os anos anteriores. Isso mostra que o Brasil mantém um número
significativo de publicações anuais sobre esse assunto e que no mundo, nos últimos anos
esse número cresceu muito. Esses dados estão de acordo com o aumento da incidência de
doenças da tireoide no Brasil e no mundo, que vem apresentando um aumento.
Tabela 2 – Taxa de crescimento do número de publicações sobre tiroxina ao longo dos anos
1100
6
log Y = 80,42 - 23,48 X
log Y = - 716,6 + 217,5 log X
1050 5
Publicações
Publicações
1000 4
950 3
2
900
1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989
Ano Ano
2a 2b
20
1040
log Y = - 1751 + 530,9 X
log Y = 56,02 - 16,07 X
1020
15
1000
Publicações
Publicações
980
10
960
940
5
920
900 0
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
Ano Ano
2c 2d
722
60
1300 log Y = - 219,3 + 67,33 log X
log Y = - 717,7 + 217,8 log X
50
1200
Publicações
Publicações
40
1100
30
1000
20
900 10
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012
Ano Ano
2e 2f
Figura 1 – Crescimento do número de publicações sobre tiroxina ao longo dos anos
A Tabela 3 e o Gráfico 2 apresentam uma listagem dos autores que mais publicam
sobre o assunto no brasil e no mundo. Observa-se o autor com o maior número de
publicações no mundo é o Visser, T.J, com 231 trabalhos publicados. Em segundo lugar com
204 publicações, Braverman, L.E., e em terceiro lugar o Refetoff, S. Com 188 trabalhos. O
somatório de publicações dos dez mais que publicam é igual a 1.518, isso equivale a 3,25%.
Já no Brasil, a soma das publicações dos dez primeiros autores resulta em 238
trabalhos, ou 38,69%. Em primeiro lugar encontra-se Vaisman, M. com 36 trabalhos
publicados, ou 5,85%, em segundo lugar Lisboa, P.C. com 30 trabalhos, ou 4,88% e em
terceiro, o Medeiros-Neto, G. com 26 trabalhos, ou 4,23%.
Tabela 3 – Principais autores que mais publicam sobre tiroxina no mundo e no Brasil
Nome do Autor n % Nome do Autor n %
Visser, T.J. 231 0,50% Vaisman, M. 36 5,85%
Braverman, L.E. 204 0,44% Lisboa, P.C. 30 4,88%
Refetoff, S. 188 0,40% Medeiros-Neto, G. 26 4,23%
Larsen, P.R. 151 0,32% Pazos-Moura, C.C. 24 3,90%
Pinchera, A. 141 0,30% Carvalho, D.P. 22 3,58%
Chopra, I.J. 136 0,29% Knobel, M. 21 3,41%
Fisher, D.A. 122 0,26% Bianco, A.C. 21 3,41%
Hershman, J.M. 120 0,26% Passos, M.C.F. 20 3,25%
Wiersinga, W.M. 116 0,25% Moura, E.G. 19 3,09%
Ingbar, S.H. 109 0,23% Barreto-Chaves, M.L.M. 19 3,09%
723
7%
6% 5,85%
4,88%
5%
Frequência relativa (%)
4,23%
3,90%
4%
3,58%
3,41% 3,41%
3,25%
3,09% 3,09%
3%
2%
1%
0,50% 0,44% 0,40% 0,32% 0,30% 0,29% 0,26% 0,26% 0,25% 0,23%
0%
Pazos-Moura, C.C.
Carvalho, D.P.
Barreto-Chaves,
Lisboa, P.C.
Knobel, M.
Pinchera, A.
Chopra, I.J.
Ingbar, S.H.
Bianco, A.C.
Moura, E.G.
Larsen, P.R.
Fisher, D.A.
Medeiros-Neto, G.
Passos, M.C.F.
Visser, T.J.
Braverman, L.E.
Vaisman, M.
Hershman, J.M.
Refetoff, S.
Wiersinga, W.M.
M.L.M.
Mundo . Brasil
Figura 3 - Principais autores que mais publicam sobre tiroxina no mundo e no Brasil
A Tabela 4 e o Figura 4 representam as áreas que mais publicam sobre esse tema.
Pode-se observar que no mundo em primeiro lugar a área que mais publica é a medicina
com 27.148 publicações ou 58,41%. Em segundo lugar está Bioquímica, genérica e biologia
molecular com 21097 publicações ou 43,39%, e em terceiro lugar está a Farmacologia,
toxicologia e farmácia com 2.927 publicações que correspondem à 6.30%.
Já no Brasil o primeiro lugar é ocupado pela Bioquímica, genética e biologia
molecular com 341 trabalhos e 55,45%. Em segundo lugar está a Medicina, porém com o
mesmo número de publicações e mesmo percentual que o primeiro lugar, e em terceiro
lugar está Agricultura e Ciências Biológicas com 49 trabalhos e 7,97%.
70%
60% 58,4%
55,4% 55,4%
50%
45,4%
Frequência relativa (%)
40%
30%
20%
10% 8,0%
7,0% 6,8%
6,3%
5,2% 4,7%
4,3%
2,8% 2,1%
1,9% 1,6% 1,5% 1,3% 1,6% 1,1% 1,0% 1,0%
0%
Pharmacology, Toxicology
Pharmacology, Toxicology
Biochemistry, Genetics
Veterinary
Immunology and
Chemistry
Biochemistry, Genetics
Veterinary
Immunology and
Dentistry
Chemistry
Agricultural and Biological
Environmental Science
Environmental Science
Neuroscience
Health Professions
Neuroscience
Health Professions
Medicine
Medicine
and Molecular Biology
Microbiology
and Pharmaceutics
and Pharmaceutics
Sciences
Sciences
Mundo Brasil
70%
63,7%
59,0%
60%
51,1%
49,9%
50% 48,5%
Frequência relativa (%)
42,4%
40,8%
40%
33,9% 33,6% 33,2% 33,8%
30,7%
30% 27,8%
23,1% 22,9%
20% 18,0%
14,2% 14,6%
11,3%
10,3%
10%
0%
Hypothyroidism
Hyperthyroidism
Hypothyroidism
Hyperthyroidism
Liothyronine
Liothyronine
Thyrotropin
Triiodothyronine
Thyrotropin
Triiodothyronine
Male
Adult
Middle Aged
Male
Adult
Middle Aged
Adolescent
Adolescent
Female
Female
Mundo . Brasil
726
Tabela 6 – Periódicos que mais publicam sobre tiroxina no mundo e no Brasil
Periódico n % Periódico n %
Journal of Clinical Endocrinology 1823 3,92% Thyroid 37 6,02%
and Metabolism
Endocrinology 1669 3,59% Journal of Clinical Endocrinology and 28 4,55%
Metabolism
Clinical Endocrinology 867 1,87% Arquivos Brasileiros De Endocrinologia 24 3,90%
E Metabologia
Acta Endocrinologica 854 1,84% Hormone and Metabolic Research 24 3,90%
General and Comparative 787 1,69% Journal of Endocrinological 23 3,74%
Endocrinology Investigation
Thyroid 711 1,53% Clinical Endocrinology 22 3,58%
Journal of Endocrinological 591 1,27% Journal of Endocrinology 21 3,41%
Investigation
Journal of Endocrinology 552 1,19% Brazilian Journal of Medical and 16 2,60%
Biological Research
Hormone and Metabolic Research 450 0,97% Endocrinology 10 1,63%
European Journal of Endocrinology 420 0,90% Journal of Pediatric Endocrinology and 9 1,46%
Metabolism
7%
6,02%
6%
5%
4,55%
Frequência relativa (%)
3%
2,60%
2% 1,87% 1,84%
1,69% 1,63%
1,53% 1,46%
1,27% 1,19%
0,97% 0,90%
1%
0%
Endocrinology and Metabolism
Journal of Endocrinology
Clinical Endocrinology
Journal of Endocrinological
European Journal of
Journal of Endocrinological
Endocrinology
Endocrinology
Acta Endocrinologica
Thyroid
Endocrinology
Arquivos Brasileiros De
Endocrinology
Journal of Pediatric
Biological Research
Journal of Clinical
Journal of Clinical
Research
Research
Investigation
Investigation
Mundo Brasil
728
25%
22,76%
20%
16,75%
Frequência relativa (%)
15%
10%
7,97%
7,32%
6,02%
5,37% 5,37% 5,20% 5,04%
5%
3,74%
1,29%
0,63% 0,57% 0,52% 0,45% 0,44% 0,42% 0,36% 0,36% 0,35% 0,31%
0%
Erasmus University Medical
VA Medical Center
University of Chicago
UNESP-Universidade Estadual
Università degli Studi di Napoli
Universidade Estadual de
Universidade de Sao Paulo
Grande do Sul
Campinas
Angeles
Diseases
Federico II
de Janeiro
Center
Paulista
Alegre
Paulo
Janeiro
Gerais
Mundo Brasil
CONCLUSÃO
Essa pesquisa teve a intenção de mostrar o comportamento dos estudos realizados
sobre tiroxina na base Scopus. Foram considerados países, autores, áreas, palavras-chaves,
instituições e periódicos para as devidas análises do número de publicações.
Os resultados mostram que os Estados Unidos é o país que mais publica. Nessa
classificação, o Brasil ocupa o 17° lugar, indicando que ainda se encontra em fase de
expansão.
No que diz respeito à evolução de publicações verificou-se que a taxa de crescimento
do caso brasileiro é expressivamente maior que a taxa de crescimento mundial, significando
que o Brasil possui um grande potencial de crescimento.
A maior parte das palavras-chaves usadas nos artigos brasileiros e mundiais sobre
tiroxina são iguais e todas relacionadas à doenças da tireoide e seus hormônios. Já os
autores que mais publicam sobre esse assunto no mundo o no Brasil diferem em sua
totalidade.
Outro ponto analisado foi frequência relativa das áreas que publicam no assunto. A
medicina ocupou um lugar de destaque, sendo indiscutivelmente a área que mais publica no
729
tema tiroxina. A justificativa para essa posição consiste no aumento significativo da
incidência de doenças da tireoide envolvendo distúrbios do hormônio tiroxina.
Em relação aos veículos de publicação, o presente estudo observou que a maioria dos
veículos com os maiores números de publicações no mundo é na área de Medicina e de
nacionalidade americana, que está de acordo com a classificação quanto aos países que mais
publicam e quanto às universidades que mais publicam.
Por fim, os resultados mostram uma grande concentração de publicações nas áreas
de saúde, nos Estados Unidos, em revistas e instituições americanas. Cabe ressaltar que o
Brasil atualmente não ocupa uma posição de destaque em relação ao número de
publicações, porém o seu potencial de crescimento é expressivo. Além disso, esse estudo
possibilitou identificar que a maioria das instituições que tratam do tema é de administração
pública, retratando que o maior incentivo da pesquisa brasileira ainda vem dessas
instituições.
REFERÊNCIAS
BERNE, Robert M. et al. Fisiologia. 5. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
GUYTON, Arthur C.; HALL, John E. . Tratado de Fisiologia Médica. 11. ed. Rio de Janeiro:
Elsevier 2006.
MESQUITA, R. et al. Elaboração e aplicação de instrumentos para avaliação da base de
dados Scopus. Perspectivas em Ciência da Informação. Belo Horizonte. v. 11, n. 2, p. 187-
205, maio-ago. 2006.
OLIVEIRA, A. C. de; DÓREA, J. G.; DOMENE, S. M. Bibliometria na avaliação da produção
científica da área de nutrição registrada no Cibran: período de 1984-1989. Ciência da
Informação, Brasília, v. 21, n. 3, set./dez. 1992.
SCOPUS. Disponível em: <http://www.scopus.com/home.url>. Acesso em: 07 mail. 2013.
730
ANÁLISE BIBLIOMÉTRICA NO BRASIL E NO MUNDO SOBRE OS PRINCIPAIS TIPOS DE
CÂNCER NO PORTAL SCOPUS
RESUMO: O câncer atualmente é uma doença comum, na qual sua incidência aumenta a
cada dia, sendo uma das principais causas de morte no mundo. Esta enfermidade acarreta
em sérias consequências biológicas e psicossociais para o paciente, visto como uma doença
associada a sofrimento e morte. Neste trabalho, são relatados os principais tipos de câncer
no Brasil, dentre eles, o de mama, próstata, pulmão, colorretal, pele, fígado e câncer
metastático. Hoje a medicina ocupa um lugar de destaque, sendo indiscutivelmente uma das
áreas que mais publicam artigos científicos. A atual pesquisa tem como objetivo mostrar
uma análise bibliométrica no Brasil e no mundo sobre os principais tipos de câncer no portal
Scopus. Foi feito um levantamento de dados onde se conseguiu identificar o número total de
publicações no mundo, os países que mais publicam sobre o tema, os tipos de câncer que
são mais estudados no mundo e no Brasil, qual posição do Brasil no ranking mundial de
publicações e a taxa de crescimento anual de publicações do Brasil quando comparada a
taxa de crescimento mundial.
Palavras-chave: Bibliometria. Câncer. Brasil.
INTRODUÇÃO
O câncer hoje é uma doença comum, em que sua incidência aumenta a cada dia,
sendo umas das causas que mais matam no mundo perdendo somente para doenças
cardiorrespiratórias e causas externas como acidentes automobilísticos, acidentes de
trabalho, entre outros (AUSTRALIAN BUREAU OF STATISTIC, 1997; MINISTÉRIO DA SAÚDE,
1997).
Com a crescente industrialização e com o envelhecimento da população, houve uma
redefinição desde os aspectos de padrão de vida, consumo, modo de trabalho. Essas
modificações contribuem muito na incidência de câncer atualmente, já que esta é uma
doença de caráter multifatorial associada a fatores genéticos, hábitos alimentares, sexuais e
731
sociais, utilização de alguns medicamentos, algumas formas de radiações, condições
ocupacionais e ambientais (WATERS, 2001; ALBALA et al., 2001).
O câncer é uma doença a qual acarreta em sérias consequências biológicas e
psicossociais para o paciente, visto como uma enfermidade associada a sofrimento e morte
(BARBOSA et al., 2004). Em parte dos casos, o câncer apresenta evolução mais agressiva e
exige tratamento mais rigoroso, que na maioria dos casos provoca importantes e
desagradáveis efeitos adversos (VENTUR; PAMPLONA; CARDOSO, 2004).
Tabela 1: Principais tipos de câncer (exceto pele não melanoma) no Brasil, em 2012, de acordo com o
sexo.
Sexo masculino Sexo feminino
Localização primária casos percentual Localização primária casos Percentual
novos novos
Próstata 60.180 30,8% Mama Feminina 52.680 27,9%
Traqueia, Brônquio e 17.210 8,8% Colo do Útero 17.540 9,3%
Pulmão
Cólon e Reto 14.180 7,3% Cólon e Reto 15.960 8,4%
Estômago 12.670 6,5% Glândula Tireoide 10.590 5,6%
Cavidade Oral 9.990 5,1% Traqueia, Brônquio e 10.110 5,3%
Pulmão
Esôfago 7.770 4,0% Estômago 7.420 3,9%
Bexiga 6.210 3,2% Ovário 6.190 3,3%
Laringe 6.110 3,1% Corpo do Útero 4.520 2,4%
Linfoma não Hodgkin 5.190 2,7% Sistema Nervoso 4.450 2,4%
Central
Sistema Nervoso 4.820 2,5% Linfoma não Hodgkin 4.450 2,4%
Central
Fonte: INCA (2012).
732
primeira gravidez após os 30 anos, nuliparidade e a ingestão de álcool. A mamografia é o
exame de imagem utilizado para detectar precocemente esta neoplasia através de lesões
inicias (INCA, 2012).
O câncer de pulmão é o câncer mais comum no mundo e, também, a principal causa
de morte por tumor maligno. A estimativa de novos casos no Brasil em 2012 foi 27.320,
sendo 17.210 homens e 10.110, mulheres. A principal causa relacionada a esta doença é o
tabagismo, o qual constitui um problema de saúde pública. Esta neoplasia é altamente letal
e os principais sintomas encontrados são tosse e sangramento pelas vias respiratórias. Os
exames utilizados no diagnóstico são radiografia simples de tórax, tomografia
computadorizada, broncoscopia e biópsia. Os tabagistas têm cerca de 20 a 30 vezes mais
risco de desenvolver o câncer de pulmão, dessa forma, o ato de não fumar permite a
redução da incidência e da mortalidade por esta neoplasia. Entretanto, vale ressaltar que
existem outros fatores de risco como exposição à poluição do ar, infecções pulmonares de
repetição, doença pulmonar obstrutiva crônica, fatores genéticos e história familiar (PARKIN
et al., 2001; INCA, 2012).
O câncer de próstata é o segundo mais comum entre os homens no Brasil como
apresentado na Tabela 1. O aumento da incidência pode ser justificado pela aumento da
expectativa de vida , visto que é uma doença considerada da terceira idade, pelo maior
acesso a informação e pela evolução dos métodos diagnósticos. A etnia e a história familiar
também têm sua importância como fatores de risco. Os sinais clínicos normalmente são
silenciosos, por ser tratar de uma doença de evolução lenta e, quando presentes o paciente
queixa-se de disúria, polaciúria, retenção urinária aguda e hematúria (INCA, 2012;
GONÇALVES et al., 2008).
O câncer colorretal é classicamente considerado como doença de indivíduos idosos
com mais de 50 anos, porém, quando a população jovem é afetada o prognóstico é pior
comparado com a população geral. Os fatores de riscos são os ambientais, predisposição
genética, obesidade, idade acima de 50 anos, historia de fístula anal infectada pelo vírus HPV
e com feridas no ânus. Os principais sintomas apresentados são dor na hora da evacuação,
com sangramento ou não, coceira, ardor, com presença ou não de secreções, mudança de
hábito intestinal, anemia de origem indeterminada, desconforto abdominal e tenesmo. Essa
733
neoplasia pode ser detectada precocemente pela pesquisa de sangue oculto nas fezes e
colonoscopia e, assim, direcionar a melhor conduta terapêutica (INCA, 2012).
O melanoma representa 4% das neoplasias malignas da pele, sendo que o câncer de
pele é o mais frequente no Brasil, correspondendo há 25% de todos as neoplasias malignas
no país. O prognóstico está diretamente ligado a detecção precoce da doença. O diagnóstico
é clinico pelo aparecimento de uma lesão pigmentada ou modificações numa lesão
pigmentada pré-existente como assimetria, bordas irregulares, cores diferentes na mesma
lesão, coceira e descamação, sendo confirmado pela biopsia. A doença tem predomínio em
pacientes com pele clara e com exposição a luz solar. Entretanto, a história prévia de câncer
de pele, história familiar de melanoma, nevo congênito, maturidade, xeroderma pigmentoso
e nevo displásico também contribuem para o aparecimento da doença (INCA, 2012).
As neoplasias malignas de fígado são divididas em primárias e secundárias. As
primárias são originadas no próprio órgão, enquanto as secundárias são provenientes de
metástases. O tumor hepático mais comum é o carcinoma hepatocelular, correspondendo a
80% dos casos, é altamente agressivo e apresenta rápida evolução. Os sintomas
predominantes são dor e massa abdominal, distensão, anorexia e emagrecimento, falta de
apetite, astenia, icterícia e ascite. A detecção precoce deste tumor pode ser feita através da
ultrassonográfica abdominal e da dosagem de alfafetoproteina no sangue. Outros exames
que auxiliam no diagnóstico são tomografia computadorizada, ressonância magnética e
confirmado pela biopsia e histopatológico (INCA, 2012).
No Brasil, esses tumores aparecem em quarto lugar na incidência entre homens e em
sexto, entre as mulheres (Tabela 1). O efeito protetor contra essa doença é a dieta rica em
vegetais e frutas, tendo como fator de risco a ingesta de bebidas alcoólicas, tabagismo,
infecção pela bactéria Helicobacter pylori. Os sintomas podem ser confundidos com doenças
benignas como úlcera e gastrite, já que não são específicos e variam entre perda de apetite,
plenitude gástrica, vômitos, náuseas, epigastralgia, magrecimento, sangramentos ocultos
nas fezes, hematêmese . O diagnostico é feito através da visualização da lesão, com biopsia e
avaliação citológica utilizando a endoscopia digestiva alta (INCA, 2012).
A metástase é definida como o comprometimento a distancia de um foco primário
pra outro órgão. As vias de disseminação podem ocorrer de três maneiras: sanguíneas,
734
continuidade e a via linfática, que segue a drenagem normal da área do tumor primário que
recebe maior número de vasos linfáticos. O primeiro linfonodo a receber a metástase do
câncer primário é chamado de linfonodo sentinela. Isto é importante, pois, se ele for
biopsiado e não apresentar comprometimento tumoral, haverá baixa probabilidade dos
restantes dos linfonodos da mesma região estarem comprometidos (INCA, 2012).
A União Internacional Contra o Câncer (UICC) desenvolveu um sistema de
estadiamento dos tumores que tem como base a avaliação da dimensão do tumor primário
(T), a extensão da disseminação em linfonodos regionais (N) e a presença ou não de
metástases a distância (M) – Sistema TNM de Classificação dos Tumores Malignos. Esse
sistema auxilia na escolha da melhor conduta terapêutica para cada caso (INCA, 2012).
BIBLIOMETRIA
Bibliometria é uma análise quantitativa de variáveis do discurso, é o tratamento
quantitativo (matemático e estatístico) das propriedades e do comportamento da
informação registrada, conforme Pritchard (1969).
A bibliometria tem como objetos de estudo os livros ou as revistas científicas, cujas
análises se vinculam à gestão de bibliotecas e bases de dados. (SANTOS E KOBASHI, 2009)
Atualmente a bibliometria comporta três leis básicas, que são: 1. a Lei de Bradford,
que descreve a distribuição da literatura periódica numa área específica; 2. a Lei de Lotka,
que descreve a produtividade dos autores; e 3. a Lei de Zipf, que descreve a frequência no
uso de palavras num determinado texto (ALVARADO, 1984).
A bibliometria, como área de estudo da ciência da informação, tem um papel
relevante na analise da produção cientifica de um país, uma vez que seus indicadores
retratam o grau de desenvolvimento de uma área do conhecimento (MACHADO, 2007).
Com a popularização do termo, muitos estudos foram sendo realizados, tornando a
bibliometria um método de pesquisa que da subsidio ao bibliotecário no gerenciamento dos
serviços informacionais, como também proporciona maior conhecimento, por meio de seus
indicadores, do desenvolvimento cientifico e tecnológico de um país (MACHADO, 2007).
A base Scopus está disponível no Portal Periódicos da Capes e é uma dos principais
bases de indexação de periódicos no mundo.
735
OBJETIVO
O objetivo do presente trabalho é apresentar um estudo bibliométrico sobre os
principais tipos de câncer, com o intuito de identificar as taxas de crescimento das
publicações na base Scopus, comparando-se o Brasil e o mundo.
MATERIAL E MÉTODOS
O presente trabalho foi realizado através da coleta de informações na base de busca
de artigos científicos Scopus, disponível no Portal Periódicos da Capes. A busca foi realizada
no dia 27/08/2013, sendo utilizada a opção de busca rápida, que retorna as publicações que
tenham a palavra digitada no título, no resumo ou nas palavras-chaves.
A busca pelas informações foi feita a partir das palavras-chave associadas aos
principais tipos de tumor obtidas no sistema DECs (Tabela 2). As informações relacionadas à
evolução temporal foram obtidas nos campos em que é possível refinar a busca.
736
RESULTADOS E DISCUSSÃO
250.000
200.000 195.155
175.340
Número de publicações
150.000
112.436
108.579
100.000
85.375
76.052
67.282
61.115
50.000
0
Mama Pulmão Próstata Sist. Linfático Reto Pele Fígado Estômago
Figura 1- Números de publicações de artigos dos principais tipos de câncer no mundo na base
Scopus.
Pode-se perceber que os principais tipos de câncer no Brasil (Tabela 1) são os que
mais foram publicados e estudados pelo mundo todo, onde mama está em primeiro lugar
em números de publicações.
737
Tabela 3- Dez países (mais o Brasil) com mais publicações a respeito de câncer de mama, pulmão,
próstata e sistema linfático na base Scopus
Mama Pulmão Próstata Sist. Linfático
País N % País n % País n % País n %
EUA 6524 33,4 EUA 5062 28,9 EUA 3185 41,9 EUA 2361 21,7
7 % 1 % 7 % 1 %
Reino 1458 7,5% Japão 2235 12,7 Japão 4701 6,2% Japão 1383 12,7
Unido 5 3 % 9 %
Aleman 9989 5,1% China 1297 7,4% Aleman 4404 5,8% Aleman 7043 6,5%
ha 4 ha ha
Itália 9900 5,1% Reino 9285 5,3% Reino 4293 5,6% China 6044 5,6%
Unido Unido
Japão 9049 4,6% Aleman 9112 5,2% Canadá 3522 4,6% Itália 5296 4,9%
ha
França 7978 4,1% Itália 8497 4,8% Itália 2988 3,9% Reino 4573 4,2%
Unido
Canadá 7595 3,9% França 7145 4,1% França 2540 3,3% França 3804 3,5%
China 6478 3,3% Canadá 5218 3,0% China 2214 2,9% Holanda 2670 2,5%
Holanda 5066 2,6% Coréia 4299 2,5% Suécia 1997 2,6% Coréia 2552 2,4%
do Sul do Sul
Austráli 4297 2,2% Holanda 4125 2,4% Holanda 1976 2,6% Canadá 2113 1,9%
a
Brasil 1353 0,7% Brasil 986 0,6% Brasil 572 0,8% Brasil 853 0,8%
(26º) (26º) (23º) (21º)
Total 195155 Total 175340 Total 76052 Total 108579
Tabela 4- Dez países (mais o Brasil) com mais publicações a respeito de câncer de reto, pele, fígado e
estômago na base Scopus
Reto Pele Fígado Estômago
País N % País n % País n % País n %
EUA 1636 26,8 EUA 2916 34,2 EUA 2879 25,6 Japão 1473 21,9
3 % 4 % 8 % 5 %
Japão 6472 10,6 Aleman 6770 7,9% Japão 1853 16,5 EUA 8947 13,3
% ha 9 % %
Reino 5759 9,4% Japão 5418 6,3% China 1173 10,4 China 7670 11,4
Unido 4 % %
Aleman 4271 7,0% Reino 4878 5,7% Aleman 6520 5,8% Coréia 3188 4,7%
ha Unido ha do Sul
Itália 3664 6,0% Itália 4711 5,5% Itália 5625 5,0% Aleman 3124 4,6%
ha
China 2985 4,9% França 3485 4,1% Reino 5167 4,6% Itália 2939 4,4%
Unido
França 2772 4,5% Austráli 2746 3,2% França 4670 4,2% Reino 2571 3,8%
a Unido
Holanda 2226 3,6% China 2342 2,7% Coréia 3168 2,8% França 1407 2,1%
do Sul
Austráli 1902 3,1% Canadá 2291 2,7% Taiwan 2828 2,5% Taiwan 1100 1,6%
a
738
Canadá 1818 3,0% Holanda 2278 2,7% Canadá 2457 2,2% Holanda 976 1,5%
Brasil 405 0,7% Brasil 862 1,0% Brasil 626 0,6% Brasil 455 0,7%
(24º) (20º) (25º) (20º)
Total 61115 Total 85375 Total 112436 Total 67282
1.600
1.400 1.353
1.200
986
Número de publicações
1.000
853 862
800
626
600 572
455
405
400
200
0
Mama Pulmão Próstata Sist. Linfático Reto Pele Fígado Estômago
Figura 2- Números de publicações de artigos dos principais tipos de câncer no Brasil na base Scopus.
739
Porém, no Brasil, pele está em terceiro órgão mais publicado enquanto no mundo está em
quinto. Isso possivelmente se deva ao fato de ocorre, no Brasil, grande incidência de câncer
de pele em função dos fatores de risco presentes.
4º
7º
10º
13º
Posição do Brasil no ranking mundial.
16º
28º
31º
34º
37º
40º
43º
46º
49º
52º
740
1,20%
1,01%
1,00%
Publicações brasileiras (% do mundo).
0,79%
0,80%
0,75%
0,69%
0,66% 0,68%
0,40%
0,20%
0,00%
Mama Pulmão Próstata Sist. Linfático Reto Pele Fígado Estômago
Mama Mama
log10(Mundo) = - 417,2 + 127,5 log10(Ano) log10(Brasil) = - 1288 + 390,6 log10(Ano)
150
9000
Mundo
Brasil
8000
100
7000
50
6000
5000 0
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012
A no A no
741
Pulmão Pulmão
log10(Mundo) = - 589,4 + 179,7 log10(Ano) log10(Brasil) = - 1272 + 385,7 log10(Ano)
Brasil
9000
80
8000
60
7000
40
6000
5000 20
4000 0
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012
A no A no
Próstata Próstata
log10(Mundo) = - 453,2 + 138,3 log10(Ano) log10(Brasil) = - 1083 + 328,3 log10(Ano)
5500 S 0,0156798 S 0,0877212
90
R-Sq 98,4% R-Sq 91,6%
R-Sq(adj) 98,2% 80 R-Sq(adj) 90,8%
5000
70
4500
60
4000
Mundo
Brasil
50
3500 40
30
3000
20
2500
10
2000 0
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012
A no A no
80
Mundo
Brasil
5000
60
40
4000
20
3000 0
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012
A no A no
Reto Reto
log10(Mundo) = - 534,3 + 162,9 log10(Ano) log10(Brasil) = - 1334 + 404,4 log10(Ano)
5500 S 0,0136019
80 S 0,123066
R-Sq 99,1% R-Sq 89,3%
5000 R-Sq(adj) 99,0% 70 R-Sq(adj) 88,4%
4500 60
50
4000
Mundo
Brasil
40
3500
30
3000
20
2500
10
2000
0
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012
A no A no
742
Pele Pele
log10(Mundo) = - 386,6 + 118,1 log10(Ano) log10(Brasil) = - 1257 + 381,1 log10(Ano)
4000
100
3500 80
Mundo
Brasil
60
3000
40
2500
20
2000 0
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012
A no A no
Fígado Fígado
log10(Mundo) = - 573,4 + 174,7 log10(Ano) log10(Brasil) = - 1090 + 330,5 log10(Ano)
9000 S 0,0082982
100 S 0,0813717
R-Sq 99,7% R-Sq 92,8%
R-Sq(adj) 99,7% 90 R-Sq(adj) 92,1%
8000
80
7000 70
Mundo
60
Brasil
6000
50
5000
40
4000 30
20
3000
10
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012
A no A no
Estômago Estômago
log10(Mundo) = - 507,2 + 154,6 log10(Ano) log10(Brasil) = - 817,4 + 247,9 log10(Ano)
4500 S 0,0121588 S 0,0852285
R-Sq 99,2% R-Sq 86,8%
50
R-Sq(adj) 99,1% R-Sq(adj) 85,6%
4000
40
3500
Mundo
Brasil
3000 30
2500
20
2000
10
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012
A no A no
Figura 5- Evolução do número de publicações acerca do tema principais tipos de câncer no mundo e
no Brasil.
743
Tabela 4- Taxa de crescimento do número de artigos relacionados aos principais tipos de câncer no
Brasil e no mundo.
Coeficientes Taxa de
Órgão Região crescimento
A b (% a.a.)
Mundo -417,2 127,5 6,6%
Mama
Brasil -1288,0 390,6 21,6%
Mundo -589,4 179,7 9,4%
Pulmão
Brasil -1272,0 385,7 21,3%
Mundo -453,2 138,3 7,2%
Próstata
Brasil -1083,0 328,3 17,8%
Mundo -411,9 125,8 6,5%
Sist. Linfático
Brasil -1210,0 366,8 20,1%
Mundo -534,3 162,9 8,5%
Reto
Brasil -1334,0 404,4 22,4%
Mundo -386,6 118,1 6,1%
Pele
Brasil -1257,0 381,1 21,0%
Mundo -573,4 174,7 9,1%
Fígado
Brasil -1090,0 330,5 18,0%
Mundo -507,2 154,6 8,0%
Estômago
Brasil -817,4 247,9 13,2%
25%
22,4%
21,6% 21,3% 21,0%
20,1%
20%
17,8% 18,0%
Taxa de crescimento anual (%)
15%
13,2%
5%
0%
Mundo
Brasil
Mundo
Brasil
Mundo
Brasil
Mundo
Brasil
Mundo
Brasil
Mundo
Brasil
Mundo
Brasil
Mundo
Brasil
744
Figura 6- Taxa de crescimento anual (%)
CONCLUSÃO
O estudo feito sobre analise bibliométrica no Brasil e no mundo sobre os principais
tipos de câncer no portal Scopus permite fazer as seguintes conclusões:
- O câncer hoje e uma doença comum e bastante estudada pelos países, porém as
publicações estão muito concentradas em um número pequeno de países onde se destacam
os EUA e Japão.
- A produção científica brasileira cresceu nos últimos tempos, mas o Brasil não ficou entre os
dez primeiros países que mais publicam sobre os principais tipos de câncer. Mesmo assim, a
taxa de crescimento de publicações, foi maior do que a taxa de crescimento mundial para
todos os tipos de câncer estudados.
- Outro ponto analisado foi que os principais tipos de câncer no Brasil, em 2012, também
foram os mais estudados e publicados no contexto mundial e brasileiro.
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746
MANUTENÇÃO DA APTIDÃO FÍSICA DO IDOSO MEDIANTE EXERCÍCIO FÍSICO
RESUMO: Praticar exercício físico, além de combater o sedentarismo, contribui de maneira relevante
para a manutenção da aptidão física do idoso. O objetivo do estudo foi verificar o efeito dos
exercícios físicos do programa do centro de convivência de Marataízes – ES, Brasil, associada à saúde.
Foram avaliados 45 dos 90 idosos participantes. Foram coletados dados para avaliação
antropométrica e foi realizada uma bateria de testes de aptidão física proposta por Rikli e Jones
(1999), com avaliações de força e resistência de membros superiores e inferiores e variável
metabólica. As avaliações e os testes foram aplicados no início das aulas até o período determinado
para o desenvolvimento deste artigo, para verificar o desempenho dos avaliados quando
comparados aos resultados iniciais.
Palavras-chave: Idosos. Exercício físico. Aptidão física. Avaliação física.
INTRODUÇÃO
747
Vários municípios têm investido em programas de atividade física para idosos, com o
objetivo de promover a saúde populacional, porque através da atividade física algumas
doenças são prevenidas ou amenizadas, economizando assim recursos do sistema de saúde,
além de proporcionar melhor qualidade de vida aos idosos. Baseado nesse contexto, o
presente estudo teve como objetivo apresentar um trabalho feito no município de
Marataízes no estado do Espírito Santo - Brasil, desenvolvido como parte da política pública
do município e destacando a importância na vida dos idosos de trabalhos como esse
realizado em consonância com a expectativa de envelhecimento ativo e saudável.
METODOLOGIA
O município de Marataízes – ES, Brasil, adota o Centro de Convivência como meio de
proporcionar atividade física para os munícipes com idade igual ou superior a 60 anos e é
mantido por meio da Secretaria de Assistência Social e Habitação. A pesquisa deste artigo
baseou-se no trabalho realizado entre abril de 2011 a outubro de 2012, quando as
atividades eram realizadas em um salão de aproximadamente 50m² utilizando-se apenas de
halteres na prática dos exercícios.
O programa de atividade física do centro de convivência era oferecido nas segundas,
terças e quartas feiras das 07h00min às 08h40min da manhã e atendia a 90 idosos que
frequentavam regularmente.
No programa eram realizadas séries de exercícios de flexibilidade, resistência
muscular localizada, desenvolvimento cardiopulmonar e aeróbico através de um trabalho
específico.
Os exercícios de flexibilidade duravam cerca de 20 a 30 minutos, trabalhavam todos
os grupamentos musculares independente dos segmentos que seriam trabalhados
posteriormente na parte neuromuscular.
O trabalho de resistência muscular localizada durava cerca de 40 minutos e
alternava-se por segmento, de forma que nas segundas-feiras eram trabalhados
grupamentos musculares de membros superiores, enquanto nas terças-feiras trabalhavam-
se os músculos do tronco e nas quartas-feiras grupamentos musculares de membros
748
inferiores. Utilizavam-se alteres de 1 a 3 quilos dependendo da idade e condição física do
participante.
Os exercícios que enfatizavam o desenvolvimento cardiopulmonar e aeróbico
duravam em torno de 10 e 30 minutos e eram realizados através de ginástica aeróbica e
caminhadas respectivamente, com intensidade variada de leve á moderada. Ao fim do
trabalho eram propostas atividades de volta à calma.
Para ingressar no programa de atividade física deviam-se seguir alguns critérios:
Primeiramente o idoso seguia ao setor administrativo para fazer seu cadastro munido
de identidade, comprovante de residência e título de eleitor. Após a inscrição, o idoso era
encaminhado ao professor responsável e logo, se possível, realizavam-se testes pré-
avaliativos para atividade física como Par-q e teste de fatores de risco para doenças
coronarianas. Se nos testes o avaliado estivesse marcado duas ou mais opções em “sim”,
encaminhava-se ao médico através de uma carta específica, para verificação de seu estado
de saúde com relação à prática de exercícios físicos. O atestado médico era solicitado
independente dos resultados dos testes, pois era critério para ingresso no programa. Se no
primeiro momento não se constatasse nenhum fator de risco à prática de exercícios físicos,
o idoso já se ingressava nas atividades e recebia orientação diferenciada dos demais já
praticantes, com exercícios de leve intensidade para adaptação e preparo para exercícios de
maior intensidade, enquanto cumpria o prazo para entrega do atestado médico que durava
cerca de 30 dias. O não cumprimento do prazo acarretava na suspensão da participação das
atividades.
Após todo o processo anterior marcava-se uma nova data para o inscrito passar por
uma série de avaliações com data e hora registradas para verificação da condição física e
esta era realizada de seis em seis meses sempre nos mesmos horários.
AVALIAÇÃO ANTROPOMÉTRICA
Nesta avaliação coletavam-se dados de Idade, peso corporal, estatura corporal,
circunferência de cintura e de quadril. Baseando-se nos mesmos, calculava-se o IMC (índice
de massa corporal) com os valores obtidos do peso corporal e a estrutura corporal total
749
dividindo o valor do peso (em quilogramas) pelo quadrado da estrutura corporal (em
metros), conforme especificado na fórmula a seguir:
Após a obtenção dos resultados, aferia-se com os dados apresentados nas tabelas
propostas no livro: “A avaliação do idoso: física e funcional de MATSUDO, S. M. M.; 2000,
páginas 29 e 34 respectivamente.
Relação cintura/quadril
GÊNERO IDADE RISCO ALTO RISCO MUITO ALTO
50 - 59 0,97 – 1,02 > 1,02
Masculino 60 - 69 0,99 – 1,03 > 1,03
50 - 59 0,82 – 0,88 > 0,88
Feminino 60 - 69 0,84 – 0,90 > 0,90
A avaliação do idoso: Física e Funcional. MATSUDO, S. M. M.; 2000, página 34.
750
FUNÇÕES NEUROMOTORAS
Flexão de cotovelo
É um teste alternativo descrito por Rikli e Jones (1999) para mensurar indiretamente
a força dos membros superiores quando não se tem a disposição o dinamômetro manual.
Para aplicação deste teste é recomendado à utilização de halteres de 2,27kg para mulheres e
3,63kg para homens. Devido a dificuldade de encontrar pesos com esta padronização foram
utilizados halteres de 2kg e 4kg, respectivamente.
Neste teste o avaliado permanecia sentado em uma cadeira, com as costas retas no
encosto e pés totalmente apoiados no chão, com o lado dominante do corpo perto da
extremidade lateral da cadeira. Segurava-se peso de lado com a mão dominante fechada. O
teste se iniciava com o braço estendido para baixo ao lado da cadeira, perpendicularmente
ao chão. Ao sinal o avaliado com a palma da mão voltada para cima, flexionava o braço,
completando totalmente o ângulo de movimento, voltando depois à posição inicial com o
cotovelo totalmente estendido. Ao retornar à posição, o participante devia manter o peso
segurado com a mão fechada. Solicitava-se que o idoso repetisse o movimento o maior
numero de vezes possíveis dentro do tempo de 30 segundos. Após a realização do teste o
resultado era aferido com a tabela a seguir:
IDADE 60 – 64 65 – 69 70 – 74 75 – 79 80 – 84 85 – 89 90 – 94
Média feminina 16,1 15,2 14,5 14 13 13 10,9
Média masculina 19 18,4 17,4 16,2 16 16 12
Rikli e Jones (1999).
751
Solicitava-se a realização do movimento completo o maior número de repetições
possíveis dentro de 30 segundos. Após a obtenção do resultado, aferia-se com os dados
apresentados na tabela a seguir descrita por RIKLI; JONES:
IDADE 60 - 64 65 - 69 70 - 74 75 - 79 80 - 84 85 - 89 90–94
Média feminina 14,5 13,5 12,9 12,5 11,3 10,3 8
Média masculina 16,4 15,2 14,5 14 12,4 11,1 9,7
Rikli e Jones (1999).
VARIÁVEIS METABÓLICAS
Teste de marcha estacionária de 2 minutos
É um teste alternativo para medir endurance aeróbica, descrito por Rikli e Jones
(1999).
A altura mínima adequada do joelho para realizar a marcha de cada participante é
em nível do ponto médio entre a patela e a crista ilíaca. Ao sinal, o participante deve iniciar
a flexão dos joelhos, simulando o movimento de marcha (sem correr), sem sair do lugar,
começando com a perna direita, completando a maior quantidade possível de passadas
dentro do período de tempo de 2 minutos. Somente se conta o número de vezes que o
joelho direito alcança a altura determinada. As passadas podem ser reassumidas se o
período de tempo de 2 minutos não haver terminado. Ao final do teste o avaliado deve
caminhar lentamente durante 1 minuto como estratégia de volta á calma.
Solicitava-se a realização do movimento completo o maior número de repetições
possíveis dentro de 2 minutos. Após a obtenção do resultado, aferia-se com os dados
apresentados na tabela que se segue:
IDADE 60 – 64 65 – 69 70 – 74 75 – 79 80 – 84 85 – 89 90 – 94
Média feminina 91 90 84 84 75 70 58
Média 101 101 95 91 87 75 69
masculina
Rikli e Jones (1999).
AVALIAÇÃO POSTURAL
752
Após a realização dos testes remarca-se uma nova data para realização da avaliação
postural e logo o idoso era orientado quanto à vestimenta adequada para realização.
O teste de avaliação postural consistia na visualização do corpo com relação à
postura do indivíduo para verificar se há presença de desvios, os mesmos eram registrados
numa ficha específica.
Em primeiro momento observava-se os pés, joelhos e cintura pélvica. Após avaliava-
se a coluna vertebral em dois planos, sagital e frontal. Na sequência observavam-se o
abdômen, nivelamento da cintura escapular e posição da cabeça com relação ao tronco. Por
fim solicitava-se ao avaliado executar a marcha para verificar se há erros com relação à
execução. Na constatação de um desvio, o idoso era encaminhado ao médico para um
diagnóstico clínico.
RESULTADOS
Os resultados, exceto a relação do sexo, foram baseados na análise da primeira e
ultima avaliações realizadas de 45 dos 90 participantes, pois os demais não foram avaliados
regularmente, impossibilitando a comparação dos dados.
Sexo
Dos 90 participantes 9 são do sexo masculino (10%) e 81 são do sexo feminino (90%).
IMC
TABELA 1
Média dos resultados do índice de massa corporal antes e após o período de trabalho.
Pré Pós Diferença de médias (pós-pré)
27,7 27 - 0,7
Com relação aos resultados do índice de massa corporal, observa-se que não houve
desenvolvimento significativo, porem deve-se levar em conta que o nível de fidedignidade
desta avaliação ébaixa e não muito satisfatória.
753
TABELA 2
Média dos resultados da relação cintura quadril antes e após o período de trabalho.
Avaliação postural
RELAÇÃO DE DESVIOS E PERCENTUAL COM RELAÇÃO À QUANTIDADE DE AVALIADOS
SEGMENTO QUANT. %
CONCLUSÃO
Diante dos resultados apresentados e discutidos, concluímos que o programa de
exercício físico produziu melhoras significativas nas variáveis neuromotoras de força de
membros inferiores e superiores, mas não foi suficiente para alterar o índice de massa
corporal, baseando-se somente no teste de IMC. Levando em consideração que o teste de
IMC não produz certeza no aumento ou diminuição de percentual de massa magra ou gorda,
755
visto que não é um teste com fidedignidade alta, não pôde ser afirmado que os idosos
obtiveram aumento ou diminuição desses percentuais.
Mesmo não apresentando minuciosamente os resultados do estudo, pode-se
concluir que na comparação dos dados das avaliações, foram observadas diferenças no
desenvolvimento das capacidades motoras dos idosos. Principalmente nos testes de flexão
de cotovelo, de sentar e levantar e corrida estacionária 2 minutos, foram observadas
expressivas mudanças, confirmando a importância da atividade física para melhoria da
qualidade de vida e independência na realização das atividades da vida diária,
proporcionando aos idosos um envelhecimento saudável e ativo.
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757
GT 04 – Multiculturalismo e Processos de Formação Humana
INTRODUÇÃO
A discussão e reflexão proposta neste trabalho giram em torno das tensões
multiculturais geradas e vivenciadas no ambiente escolar, especialmente, no espaço da sala
de aula.
A sociedade transfere cada vez mais à escola o dever de uma formação cidadã, que
agregue desde valores a aspectos cognitivos. No entanto, a escola não cumpre seu dever
social isolada das demais instituições, é necessário o apoio da família, por exemplo.
Um dos motivos de discórdia entre os estudiosos do multiculturalismo está no
próprio nome, uma vez que alguns consideram mais adequado a utilização do termo
interculturalismo, por considerarem que traz a ideia de culturas em relação.
758
Além do termo, citamos também como impasse, as perspectivas pelo qual o
multiculturalismo é defendido, desde uma perspectiva folclórica até as perspectivas mais
críticas.
Essas diferentes abordagens e tensões existentes acerca do multiculturalismo
proporcionam uma revisão e reflexão sobre as formas pedagógicas de inseri-lo de maneira
que os sujeitos envolvidos nesse processo sejam contemplados.
Para que a educação multicultural aconteça nas escolas é necessário que os
profissionais envolvidos possuam uma formação adequada, que atenda o trabalho
individual, mas também as demandas coletivas impostas pelas diferenças.
Canen e Moreira (2001) defendem a necessidade de formação emocional do
professor, uma vez que para enfrentar as adversas situações diárias o docente precisa de um
olhar afetivo.
Com relação ao currículo, ocorreu alguns avanços legais ligado a questões
multiculturais, como os PCN e a lei no 10.639/03, que inclui no currículo oficial da Rede de
Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira". No entanto, o
questionamento que fazemos está na prática docente, será que houve mudança na
metodologia em sala de aula?
Outro fato, que torna a tarefa da educação multicultural desafiadora está ligada a
obrigatoriedade de cumprir um currículo disciplinar adotado e, muitas vezes, elaborado
pelas secretarias sem a participação dos professores. Diante dessa realidade, o professor
necessita ser um questionador capaz de refletir e reformular o currículo e sua prática, na
medida do possível, com vistas a diminuir a marginalização dos grupos que não são
contemplados nas atividades dos livros didáticos, por exemplo.
A fim de conquistar essa liberdade é necessário que as atividades ultrapassem o
cunho folclórico das datas comemorativas e análises superficiais e incorporem tensões e
aspectos multiculturais críticos ao debate cotidiano.
ENTENDENDO O MULTICULTURALISMO
759
O multiculturalismo é um termo que tem sido empregado com frequência em
publicações e eventos, estando ou não associados a educação. Por isso, nosso primeiro
passo, será entendê-lo visto que há diferentes significados.
Segundo Candau (2008), o multiculturalismo não nasceu nas universidades e no
âmbito acadêmico em geral, de forma que seu locus de produção está nos movimentos
sociais. A autora também enfatiza que um dos motivos de discórdia entre os estudiosos e
críticos do tema está no próprio nome, devido a polissemia do termo.
761
D’Akesky (2005) argumenta a favor de um “multiculturalismo democrático” como
política capaz de reconhecer as singularidades de cada cultura, sem a pretensão de se
identificar uma cultura como universal e ampliando o diálogo e o respeito entre as diversas
formas de manifestação e identificação cultural.
Neste contexto, acreditamos que a postura defendida pelo autor só será possível
através da educação, até mesmo pelo fato da própria escola ser um espaço de convivência
de culturas diferentes.
De acordo com Canen (2005), o multiculturalismo deve superar posturas dogmáticas,
que tendem a congelar as identidades e desconhecer as diferenças no interior das próprias
diferenças.
Com essa fala da autora passamos para o próximo tema, no qual discutiremos a
formação multicultural do professor como prerrogativa para uma educação pautada na
valorização do diferente na constituição da rotina escolar.
762
A ideia defendida pelos autores enfatiza a necessidade de formação emocional do
professor, uma vez que para enfrentar as adversas situações diárias o docente precisa de um
olhar afetivo. Afinal, o ato de educar envolve também os aspectos sentimentais.
Ainda de acordo com os autores Canen e Moreira (2001),
Neste contexto, o educador poderá ser um mediador dos estereótipos caso sua
formação se paute em uma visão acrítica das instituições, que não contempla outras formas
de ação e reflexão. Por outro lado, uma formação ligada à pluralidade cultural e étnica pode
despertar nesse educador uma postura crítica acerca dos instrumentos pedagógicos em
voga, possibilitando-lhe a desconstrução de mitos, paradigmas e preconceitos
historicamente veiculados na cultura escolar.
Que professores estão sendo formados, por meio dos currículos atuais,
tanto na formação inicial como na formação continuada? Que professores
764
deveriam ser formados? Professores sintonizados com os padrões
dominantes ou professores abertos tanto à pluralidade cultural da
sociedade mais ampla como à pluralidade de identidades presente no
contexto específico em que se desenvolve a prática pedagógica?
Professores comprometidos com o arranjo social existente ou professores
questionadores e críticos? Professores que aceitam o neoliberalismo como
a única saída ou que se dispõem tanto a criticá-lo como a oferecer
alternativas a ele? Professores capazes de uma ação pedagógica
multiculturalmente orientada? (MOREIRA, 2001, p. 43).
765
De acordo com Santomé (2005),
766
Uma política que de fato reconhecesse as diferenças culturais no ambiente
escolar, seria por um lado abraçar o modelo aberto e interativo de Candau
(2009) que visa a educação e a negociação cultural; adotar como modelo o
multiculturalismo revolucionário de McLaren (1997) que propõem não só o
combate às praticas discriminatórias, mas também, uma reestruturação nas
bases sociais, políticas e culturais; assumindo também o multiculturalismo
critico e pós-modernizado ou pós-colonial sugerido pó Canen (2007) que,
não congela as diferenças e a capacidade de construção das identidades
plurais como base de construção das identidades (ANDRÉ, 2012, p. 21).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se, então, que a sala de aula poderá ser um espaço para o conhecimento e
valorização de culturas, se houver uma metodologia que estimule discussões e reflexões,
ultrapassando o olhar folclórico cultural.
A escola é um ambiente social, onde se confronta diferentes culturas, etnias, sendo
assim é importante que em suas práticas cotidianas seja prioridade a construção de valores
e saberes.
No atual cenário brasileiro, uma formação multicultural implica uma revisão dos
próprios projetos pedagógicos das universidades. É preciso que haja uma reformulação das
práticas pedagógicas desenvolvidas. Também é fundamental que se discuta a questão do
currículo dos cursos destinados à formação de professores.
Percebemos que tivemos alguns avanços legais, como os PCNs, que apesar de
reconhecer que um dos maiores desafios da escola é vencer a discriminação, nos
entristecemos ao ver que, na prática, os professores ainda não possuem uma formação
adequada para alcançar esta necessidade de ensino.
Outro fato, que torna a tarefa da educação multicultural ainda mais difícil está ligada
a obrigatoriedade de cumprir um currículo disciplinar adotado e, muitas vezes, elaborado
pelas secretarias sem a participação dos professores. Diante dessa realidade, o professor
necessita ser um questionador capaz de refletir e reformular o currículo e sua prática, na
767
medida do possível, com vistas a diminuir a marginalização dos grupos que não são
contemplados nas atividades dos livros didáticos, por exemplo.
Como as turmas e os próprios professores são heterogêneos, não existe nenhum
manual de instruções que nos forneça o passo a passo para o trabalho multicultural em sala
de aula. No entanto, a contextualização do currículo escolar e a contribuição disciplinar no
desenvolvimento de eixos temáticos trabalhados de forma interdisciplinar podem indicar um
caminho de excelência para o ensino e valorização da diversidade.
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769
RESUMO: Na visão da psicanálise fundamentada na posição lacaniana o sujeito do
inconsciente se constitui em sua divisão subjetiva causada pelo significante por uma
operação dialética causada pelo efeito divisor da linguagem sobre o ser vivo, que lhe aliena
ao campo do Outro. Esta posição se contrapõe à visão desenvolvimentista da psicologia do
desenvolvimento, que atribui a formação do psiquismo humano à evolução biológica e à
adaptação do bebê humano ao seu contexto sócio-histórico-cultural pregando a maturação
do organismo como base da organização do psiquismo da criança, como também se
contrapõe às teorias psicanalíticas dos pós-freudianos e demais enfoques que adotam o
ponto de vista do desenvolvimento psicológico infantil em etapas evolutivas, num
reducionismo biologizante. Para os psicanalistas adeptos da releitura da obra freudiana
realizada por Lacan, o sujeito se estrutura pela incidência da linguagem verbal humana sobre
o corpo do vivo, o que lhe abre a porta do mundo simbólico, campo dos significantes. Do
ponto de vista lacaniano, para se tornar um ser da linguagem, o indivíduo (até então
indiviso) passa pelas experiências do estádio de espelho e a edípica, e estas resultam em
efeitos singulares para cada um. Em meio ao drama edípico da pequena infância, ocorre a
escolha da estrutura psíquica do sujeito frente à castração do Outro.
Palavras-chave: Sujeito do inconsciente. Campo do Outro. Significante e linguagem.
770
Para Lacan é a estrutura70 da linguagem que se abate sobre o corpo do vivo
provocando o efeito da constituição do sujeito, em seu encontro inaugural com o Outro, o
que leva o ser vivo do infans71 ao falasser72. O ser vivo é cindido pelo significante que lhe
insere enquanto sujeito na ordem da linguagem, estruturando o inconsciente como uma
linguagem. Essa posição se contrapõe à visão desenvolvimentista da psicologia do
desenvolvimento, que atribui a formação do psiquismo humano à evolução biológica e à
adaptação do bebê humano ao seu contexto sócio-histórico-cultural pregando a maturação
do organismo como base da organização do psiquismo da criança.
A pressuposição do desenvolvimento psicológico com bases na genética tentou
condicionar a emergência pulsional à fisiologia. O geneticismo fundamenta as teorias do
desenvolvimento psicológico da criança, que nele se baseando, exclui o sujeito. Sabe-se ser
parte da tradição psicanalítica a observação de crianças, prática sobre a qual pesam as
críticas lacanianas de ser esta a base sobre a qual se ergueram as psicologias do
desenvolvimento da criança.
Na visão da psicanálise fundamentada na posição lacaniana, a linguagem humana
vem a se estabelecer para o sujeito em suplência de uma falta; falta esta originária que
comparece como objeto do desejo, marcada no real do corpo, em torno do qual a pulsão
circula.
O conceito de sujeito foi resgatado por psicanalista francês Lacan da tradição
filosófica para, na psicanálise, designar aquele que é o sujeito do desejo humano, enquanto
que a ciência procura isolar e excluir o sujeito de suas produções e experimentos científicos.
Na psicanálise esse conceito adquiriu relevância central ao ser identificado como o sujeito do
70
A estruturação é uma armação, um arcabouço; é o ato ou efeito de estruturar, de fazer ou formar estrutura,
que é a disposição e ordem das partes de um todo. Lacan foi a princípio tomado como um estruturalista, mas o
estruturalismo pregava uma estrutura sem centro, excluindo o sujeito, e Lacan a isto se opôs. A noção de
estrutura do estruturalismo inclui a combinação de elementos inter-relacionados de modo dependente, de
modo que a posição de cada um afeta a do outro, que reunidos em uma totalidade apresentam qualidades
específicas da totalidade, que é autônoma.
71
Aquele que ainda não fala. “A palavra ‘infância’ vem do latim infantìa, ae que significa tanto ainda não falar
como infância, o que é novo, novidade; do latim infans, ántis, que não fala, criança” (CASTRO, 2005). A palavra
infans, utilizada por Lacan a princípio, foi preterida ao tornar mais preciso o campo da fala (parole) e da
linguagem (langage).
72
Parlêtre (parler+être), é a junção de parler (falar) e être (ser). Traduzido como falasser esta palavra é um
neologismo utilizado por Lacan para designar o sujeito afetado pela falta a ser que indroduz o significante que
divide o seu ser e seu corpo (LACAN, [1972-1973, 1975-1976, 1979] 1985, 2007).
771
inconsciente, ou seja, o sujeito do desejo que anima o ser vivo. Para Lacan o sujeito do
inconsciente é o sujeito do desejo, e o desejo é o eixo fundamental em torno do qual gira a
existência do sujeito73.
Do ponto de vista lacaniano, para se tornar um ser da linguagem, o indivíduo (até
então indiviso) passa pelas experiências do estádio de espelho e a edípica, e estas resultam
em efeitos singulares para cada um.
Em meio ao drama edípico da pequena infância, ocorre a escolha da estrutura
psíquica do sujeito frente à castração do Outro. É a partir da experiência do estádio do
espelho e dos distintos momentos do complexo de Édipo, que culminam na experiência da
castração, que os pais vêm a ter papel fundamental na singularização74 do infans, daquele
que ainda está por se constituir. A imagem refletida no espelho é tomada do Outro para si
pelo sujeito em vias de advir, e é o elemento de troca simbólica pelo qual este ser vivo se
torna humano, passando de uma existência animal a uma existência humana com a
instauração da ordem simbólica. Ao constituir-se enquanto um sujeito, o ser vivo habitado
pelo humano torna-se passível de um inconsciente, que é o patológico que habita o sujeito.
Neurose, psicose e perversão são as três estruturas possíveis onde o sujeito se situa.
Há ainda a hipótese da estrutura autista, ventilada pelos contemporâneos de Lacan, Rosine e
Robert Lefort, que afirmaram que nessa estrutura não existiria o Outro. É a estrutura da
linguagem, campo do Outro, que faz acontecer a constituição psíquica do sujeito ao se
conectar ao corpo do vivo, conexão que não ocorre no autismo pela sua recusa em entrar na
ordem da linguagem.
O estádio do espelho (Lacan, [1949] 1998) enquanto matriz do imaginário é a
experiência pela qual passa o sujeito em vias de advir, em seus três tempos, que explica os
efeitos constitutivos do sujeito pela linguagem.
Em suas incursões iniciais pela psicanálise, Lacan escreveu seu artigo “O estádio do
espelho como formador da função do Eu (je) tal como nos é apresentado pela experiência
73
Cindido pelo significante, este sujeito do inconsciente, embora evanescente, se faz presente na cadeia
significante emergindo como non sense no discurso do falante, ou seja, ele emerge no discurso no intervalo
entre significantes.
74
Aqui a palavra singularização foi preferida à subjetivação, pelo cunho singular que a psicanálise dá à
constituição do sujeito, diversamente ao caráter psicológico dado à segunda palavra, sendo a subjetividade
objeto da Psicologia.
772
psicanalítica”, preparado para o Congresso de Marienbad em 1936 e reescrito em 1949 para
publicação.
No “Estádio do espelho” Lacan ([1949], 1998) examina, na experiência vivida pelo
bebê de 06-18 meses, o modelo constitutivo de um Eu [moi] alienado ao campo do Outro –
Outro que funciona como um espelho onde a imagem egóica se projeta.
Enquanto matriz do imaginário, o estádio do espelho, em seus três tempos, nos
mostra que: num primeiro momento, o bebê humano vive a experiência de seu corps
morcelé, um corpo despedaçado, sem dentro nem fora; num segundo momento, ele pode
visualizar uma imagem de um outro em reflexo; e num terceiro momento ele reconhecerá a
imagem refletida no espelho como sua, ou seja, encontrará sua unidade imaginária através
do Eu [moi], uma imagem ofertada através do desejo do Outro materno.
O corpo fragmentado de um recém-nascido é, a princípio, vivido e percebido em
pedaços: pela boca que suga o seio/alimento, pelos olhos que veem, pela barriga que ronca,
pelo seio que alimenta, pela voz que é escutada, pelo ânus que defeca. O corpo é a princípio
puro auto-erotismo, sem dentro e nem fora, e ao mesmo tempo dentro e fora.
A identificação que acontece no estádio do espelho é a “transformação produzida no
sujeito quando ele assume uma imagem” (LACAN, [1949] 1998, p. 97), que lhe proporcionará
inclusive o controle motor de seu corpo.
Lacan explana a experiência de júbilo vivida pelo o bebê humano ainda titubeante, ao
reconhecer-se na imagem do Eu [moi] projetada pelo Outro materno, a ela identificando-se
como seu Eu ideal, origem de futuras identificações secundárias.
Esta unificação imaginária do corps morcelé é feita por uma imagem alienada que
proporciona ao sujeito em vias de advir um reflexo de sua superfície corporal. Funciona
773
como uma gestalt75 que configura e antecipa para o bebê uma imagem completa enquanto
ele ainda se encontra mergulhado em sua insuficiência orgânica derivada de sua
prematuração, e esta gestalt vem a ter efeitos formadores sobre seu organismo.
O sujeito em vias de advir constrói sua identidade imaginária pela via do desejo do
Outro, que lhe engaja em uma alienação fundamental. Este terceiro momento do estádio do
espelho, que coincide com o primeiro momento do Édipo, é um momento de
assujeitamento do sujeito em vias de advir à ordem simbólica.
É esse momento que decisivamente faz todo o saber humano bascular para
a mediatização pelo desejo do outro, constituir seus objetos numa
equivalência abstrata pela concorrência de outrem, e que faz do eu esse
aparelho para o qual qualquer impulso dos instintos será um perigo (Ibid.,
p. 101).
75
Termo em alemão que significa configuração, forma. Este termo vem a dar nome a um dos vários sistemas
teóricos em psicologia.
76
Innenwelt = interior, Umwelt = exterior.
774
ordem simbólica é instaurada pelo Nome-do-Pai, que vem a proporcionar a estrutura
triádica ao sujeito em vias de advir. “É uma rivalidade fundamental, numa luta com a morte
primeira e essencial, que se produz a constituição do mundo humano como tal” (LACAN,
[1955-1956] 1985, p. 51).
A interdição do incesto se dá pela entrada do sujeito no campo da linguagem, com a
cisão causada pelo significante, uma vez que a Coisa (Das ding) está interditada. A Coisa foi o
que Freud denominou como esse objeto inominável causador do desejo do qual o que
podemos apreender, só se possibilita pela abordagem simbólica do furo no Real. “De que se
trata na metáfora paterna? Há, propriamente, no que foi constituído por uma simbolização
primordial entre a criança e a mãe, a colocação substitutiva do pai como símbolo, ou
significante, no lugar da mãe.” (LACAN, [1956-1957] 1995, p. 186).
A constituição do sujeito do inconsciente vem a se dar pelo atravessamento do Édipo,
na medida em que o sujeito em vias de advir vive a experiência da castração ao ser atingido
e cindido pela Lei do Pai. Diante da castração do Outro, este sujeito torna-se assim um
sujeito barrado e portanto, desejante, o que o remeterá a uma eterna busca da coisa
perdida, o que fará dele um sujeito angustiadamente desejante.
A constituição do sujeito é um efeito dialético da entrada no mundo da linguagem
que vem a produzir o efeito de singularização do infans. É a este campo da linguagem ao
qual o sujeito em vias de advir deve se alienar para que se efetive sua singularização, o que o
tornará um sujeito desejante, levando-o à habitar um lugar simbólico no campo do Outro.
O sujeito do inconsciente se constitui na imersão do ser vivo no campo da linguagem,
experiência que lhe imprimirá um sintoma e transformará o real do seu corpo, exilando-o na
linguagem, esse campo do Outro. E assim a palavra mata a coisa, que passa a se representar
pelo significante da falta.
775
Para Lacan o Simbólico é o fictício que estrutura o inconsciente como uma linguagem,
e que faz o homem buscar "o retorno de um signo": “É o mundo das palavras que cria o
mundo das coisas, inicialmente confundidas no hic et nunc do todo em devir, dando um ser
concreto à essência delas [...]. O homem fala, pois, mas porque o símbolo o fez homem.”
(LACAN [1953] 1998, p. 277-278).
O sujeito advém pela afetação feita pelo significante, que o faz desejante do objeto
da falta. “Pelo discurso analítico o sujeito se manifesta em sua hiância, ou seja, naquilo que
causa o seu desejo” (LACAN, [1972-1973] 1985, p. 20).
É o significante que permite fundar, com sua ordem, a dimensão simbólica para o
sujeito em vias de advir. “Por que é que damos tanta ênfase à função do significante?
Porque é o fundamento da dimensão do simbólico, o qual só o discurso analítico nos permite
isolar como tal” (Ibid., p. 32).
O sujeito em vias de advir se constituirá como um produto desta alienação estrutural.
E para isto, é preciso que o Outro materno lhe ofereça uma significação matricial pela
linguagem, que com uma função de corte vem recortar o corpo do infans onde se marcará a
letra, para que se institua uma ordem simbólica, dando-lhe uma significação fálica.
A Singularização é este advento que faz do infans um falasser, um sujeito falante e
desejante, tal como o desejo do Outro materno o pré-determina. O destino do infans como
habitante do mundo simbólico sofre suas vicissitudes pela interferência do desejo do Outro
materno. Portanto, para adentrar no mundo simbólico, o infans deve assumir como sua a
imagem ofertada pelo Outro, numa identificação que vem do Outro para o sujeito, o que lhe
possibilita constituir-se como um sujeito e construir seu lugar no mundo. O campo do Outro
é o campo da linguagem, mundo simbólico onde o sujeito é chamado a habitar pelo convite
do desejo materno. É a este campo da linguagem ao qual o infans deve se alienar para que
se efetive sua humanização, o que o levará à sua constituição subjetiva.
Assim sendo, o desejo do homem emerge pela via do desejo do Outro, pois para
Lacan, por ser “um animal presa da linguagem, o desejo do homem é o desejo do Outro”
(LACAN, [1958] 1998, p.634).
Para o freudiano Lacan, a linguagem é inscrita para o sujeito no jogo de
presença/ausência da coisa. Assim, ela acaba por tecer sobre a falta real uma nomeação
776
simbólica que visa contornar esta falta, ao tempo que, por sua dialética, esta abordagem
resulta em ressaltá-la, destacando-a. O desejo do Outro é o que possibilita ao sujeito o
acesso ao seu próprio desejo, cujo objeto é o objeto da falta.
O registro Simbólico instaura a mediação entre o Real e o Imaginário, operando como
um instrumento lógico de transposição de uma desordem real para um ordenamento mítico,
por meio do pensamento mítico, edípico por excelência.
É a instalação da ordem da linguagem que possibilita haver sujeito, substituindo o
desejo da mãe pelo significante do Nome-do-pai. Sem isso, o sujeito estaria enredado na
objetalidade do desejo do Outro materno e seu destino seria o confinamento ao lugar
reservado pelo desejo do Outro materno, como nas psicoses.
A metáfora paterna vem se colocar no lugar ocupado pela mãe como uma sequela da
passagem do sujeito pelo Édipo. “O complexo de Édipo é, como tal, um sintoma. É na
medida em que o Nome-do-Pai é também o Pai do Nome, que tudo se sustenta, o que não
torna o sintoma menos necessário.” (LACAN, [1975-1976] 2007, p. 23).
É a linguagem, com sua estrutura e seu sistema de representações, aquilo que faz
furo no real, que margeia e contorna o real do corpo e o que se pretenderia que fosse o
instinto humano. Mas o Real permanece sem lei e impossível de se inscrever, ainda que o
sistema simbólico possa abordar este inominável de diversas formas, na forma de criação e
artifício humanos.
Ao se inserir no campo do Outro, o campo dos significantes, o sujeito em vias de
advir sofre uma divisão subjetiva causada pelo objeto da falta, que funciona como um
primeiro significante para o sujeito. A inscrição do significante produz no infans, massa
amorfa de carne, com seu efeito de corte, um sujeito dividido, que deixa cair um resto, o
objeto a, uma operação significante que sexualiza o corpo do vivo pelo desejo do Outro,
contornando-o e tornando-o um corpo delineado e erotizado pela letra.
O objeto a é a causa do desejo e preexiste ao objeto Eu - esta imagem que tenta a
recobrir a falta causada pela perda do objeto, o primeiro de uma mítica satisfação. Neste
sentido fundamenta-se a noção lacaniana de que é preciso que haja falta para haver sujeito,
ou seja, é preciso pagar com uma “libra de carne” (LACAN, [1962-63], 2005) para participar
777
do mundo humano, para fazer laço social, o que não vem a ocorrer, por exemplo, em caso
de autismo.
O significante produz no infans, com seu efeito de corte, um sujeito dividido, que
deixa cair um resto, o objeto a, que a partir de então, sexualiza e erotiza este sujeito. Os
objetos caem do corpo em sequência: o seio, o bebê, as fezes, a imagem, a voz e o pênis (em
detumescência), caem em substituição ao objeto perdido.
O investimento do desejo do Outro materno sobre o corpo da criança resulta na
erogeneização de suas bordas orificiais e na criação de um circuito pulsional que a anima.
Seria assim, produzindo bordas simbólicas em torno de orifícios reais, que se instalariam os
significantes, que se enraízam na “areia da carne”.
Para Lacan os “estágios se organizam em torno da angústia da castração”, que é
“como um fio que perfura todas as etapas do desenvolvimento” (Lacan, [1964] 1979, p. 65).
Nos aparecimentos e reaparecimentos do objeto - o objeto que se constitui enquanto
faltoso - o desejo do Outro se apresenta dirigido a um falo, significante da falta, ao qual o
sujeito se aliena e se constitui enquanto dividido pela falta do Outro, assumindo como seu
desejo, o desejo do Outro. Este desejo está ligado à função de corte e a função do resto (a)
passa a ser a de mover o desejo do sujeito.
O sujeito em vias de advir precisa, mediante a experiência da angústia, ceder uma
parte do seu corpo ao Outro para entrar na ordem simbólica, o que Lacan denomina como a
extração do objeto a.
É preciso, portanto que o corte se faça para que, em suas bordas, se delineie o desejo
do sujeito, sem o que não haverá sujeito desejante.
Marcado pela letra, objeto da falta, o sujeito se insere no Campo do Outro, que é o
campo do saber e da linguagem. Este objeto da falta constitui-se no jogo de
presença/ausência da coisa, tal como o explicou Freud (1920): na brincadeira do fort-da77
uma criança jogava um carretel por trás do sofá e dizia, em alemão, “fort”, e depois puxava o
carretel e dizia “da” para elaborar as ausências da mãe: “Foram esses jogos de ocultação que
Freud, numa intuição genial, produziu, a nosso ver, para que neles reconhecêssemos que o
77
Foi embora- voltou.
778
momento em que o desejo se humaniza é também aquele em que a criança nasce para a
linguagem.” (LACAN, [1953] 1998, p. 320).
Perante o non sense do Real, introduzimos um semblante que lhe faça face, já que a
confrontação direta com esse vazio suscita angústia. O objeto a faz semblante perante o
vazio do real, dando-lhe uma forma de abordagem, uma forma de borda, como o desenho
do litoral sobre a terra.
É no campo do inconsciente do sujeito, assim constituído de significantes, que
emerge a pulsão78, oriunda do vivo, mas que comparece no campo da representação
simbólica em sua busca incessante de reencontrar uma satisfação que o sujeito supõe que
houvera, que o leva ao encontro com o objeto da falta. A pulsão é uma força interna
constante com um objeto indiferente: o objeto a.
Para Lacan (1964) a pulsão é a articulação entre o significante e o corpo do sujeito, de
modo que o Simbólico invade o Real para nele circular. Da borda corporal erótica emana
uma força constante em direção ao seu alvo em busca da satisfação. Mas neste circuito, o
que é encontrado é o objeto de uma perda, que remete a pulsão a percorrer infinitamente
um circuito pulsional, contornando o objeto em seu encontro faltoso. Daí a pulsão ser
sempre parcial, num trajeto possibilitado pela intervenção de um outro que erotiza o corpo
do sujeito.
O circuito pulsional só se instalaria dentro da lógica do significante, com a
estruturação do inconsciente (freudiano). O ordenamento das pulsões se deve à demanda
do Outro em suas intervenções sobre o corpo do sujeito, neste caso, em vias de advir. Para
Lacan, a libido “é o órgão essencial para se compreender a natureza da pulsão” (LACAN,
[1964] 1979, p. 195). Ele é um órgão irreal que tem suas relações com o Real e se materializa
no corpo em sua função erótica.
Deste modo, não é a biologia que se impõe ao corpo em maturação, que levaria à
sucessão de fases oral, anal, fálica e genital, como querem os pós-freudianos.
78
A pulsão situa-se na fronteira entre o somático e o psíquico, “como o representante psíquico dos estímulos
que se originam dentro do organismo e alcançam a mente, como uma medida da exigência feita à mente no
sentido de trabalhar em consequência de sua ligação com o corpo” (FREUD, [1915] 1976, p. 142)
779
A alienação fundamental pela qual o ser vivo adentra no reduto humano faz de um
objeto, a, o foco do sujeito desejante. Desde então este sujeito é portador da sintomática
humana, de um pathos que o funda como sujeito, constituído em sua singularidade.
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781
ENSINO RELIGIOSO CONFESSIONAL NA REDE ESTADUAL DO RIO DE JANEIRO E SUA
RELAÇÃO COM A FORMAÇÃO HUMANA
INTRODUÇÃO
Neste estudo analisamos o atual estágio da regulação para o Ensino Religioso (ER) no
Estado do Rio de janeiro. A problemática que motiva essa reflexão é o possível descompasso
entre a regulação da legislação estadual para o (ER) expresso na Lei nº 3459 de 14 de
setembro de 2000, em relação a outras legislações seja no âmbito estadual como na
Constituição Estadual de 1989 - (CE) quanto no âmbito nacional com a Constituição Federal
de 1988 - (CF) e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - (LDBEN) de 1996 para esse
componente curricular.
782
A (CF) no art. 210 evidencia que o ER deverá ser cumprido no Ensino Fundamental. A
(CE) mantem a regulação da Carta Constitucional Federal em seu art. 313: “O ensino
religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas
públicas de ensino fundamental.” (RIO DE JANEIRO, 1989, P. 167). Na legislação estadual
para o ER a disciplina também é ofertada no Ensino Médio. Contrariando a orientação
federal e estadual.
Muito há o que se discutir sobre tudo isso. Para começarmos, devemos lembrar que
o próprio conceito de laicização, buscado por muitos Estados Nacionais da atualidade,
encontra barreiras nesse tipo de postura política. A constituição brasileira, em seus
princípios gerais, busca fundamentar a todos os cidadãos a soberania, a cidadania, a
dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, bem como
o pluralismo político. Nesse sentido faz-se primordial buscar compreender como as
discussões sobre o ER manifestaram-se nas mobilizações pela Constituinte e após a
promulgação da Constituição cidadã e as repercussões da nova Carta Constitucional sobre a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN/1996) e na legislação estadual sobre
o ER no Rio de janeiro analisando a regulação e participação no desdobramento de sua
implantação.
O que buscamos compreender é como essa noção foi se desenvolvendo. Para isso
propomos analisar como e quando o (ER) passa a ser entendido e regulado enquanto política
educacional? Quais os fundamentos epistemológicos legitimam essa posição? Sem
comprometer ou violar o princípio do Estado Laico na Educação Pública no Brasil.
Por limite desse estudo definimos laicização como processo resultante da laicidade.
“A expressão laicidade deriva do termo laico, leigo. Etimologicamente laico se origina do
grego primitivo laós, que significa povo ou gente do povo. De laós deriva a palavra grega
laikós de onde surgiu o termo latino laicus. Os termos laico, leigo exprimem uma oposição
ao religioso” (RAQUETAT JR, 2008, p. 4).
O autor distingue o conceito de laicização com o de laicidade. Laicização “é uma
noção que possui caráter negativo, restritivo. Sucintamente pode ser compreendida como a
exclusão ou ausência da religião da esfera pública. A laicidade implica a neutralidade do
783
Estado em matéria religiosa.” (Ibiden, p. 5). Logo é um fenômeno político, deriva do Estado e
não da religião.
Por conta dos limites desse trabalho não apresentamos a trajetória das diversas
legislações sobre o tema, focando nossa analise no recorte temporal dos 25 anos passados
da promulgação da (CF). No entanto, relevamos da literatura referente ao ER os seguintes
aspectos: (1) presença ou não de ER nas escolas oficiais; (2) a obrigatoriedade, ou não, do
aspecto facultativo da confessionalidade; (3) as diferentes modalidades de ensino em que o
ER seria exercido; (4) a questão do financiamento de instituições privadas com recursos
públicos.
Estas indefinições são reflexos da falta de uma política educacional nacional para
regular o ER. Ficando a cargo de cada Estado a responsabilidade pela regulação e
implementação do ER. Essas tentativas que trazem, por outro lado, uma diversificação na
elaboração de materiais e conteúdos que possibilitam a experiência de diferentes
concepções de ER: confessional, ecumênico e interconfessional na prática de sala de aula. E
que levam a novas reflexões como:
Bourdieu (1982) através do conceito de Campo religioso irá explicar como a formação
de um grupo de trabalhadores intelectuais que ao tornarem-se especializados, pela
burocratização e racionalização, irão construir representações com o objetivo de possibilitar
a produção do sentido. E como esse corpo será de fundamental aporte para manter a
legitimação da dominação de um grupo social, pela construção de sistemas simbólicos:
Essa estrutura irá compor o capital religioso, que irá inculcar um habitus religioso:
“princípio gerador de todos os pensamentos, percepções e ações, segundo as normas de
uma representação religiosa do mundo natural e sobrenatural, ou seja, objetivamente
ajustados aos princípios de uma visão política do mundo social.” (BOURDIEU, 1982, p. 57).
785
De outra forma as produções simbólicas tornam-se instrumentos de dominação, e as
ideologias compostas por um caráter religioso alcançam bastante eficácia, para a
legitimação, pois ao elevarem-se ao nível do sagrado, do não mundano, praticamente anula
qualquer tipo de desconstrução desses discursos. Nesse sentido:
Com efeito, vislumbramos nesse processo a perspectiva teórica do habitus. “Por meio
deste conceito compreende-se também que o dominado aceita a dominação não
simplesmente por conformar-se com ela, mas por incorporar valores que realmente o fazem
acreditar na legitimidade da dominação” (MENDONÇA, 2012, p.22).
Assim, “A transformação social como trabalho de inculcação deve durar o bastante
para produzir uma formação durável; isto é, um habitus como produto da interiorização dos
princípios de um arbitrário cultural capaz de perpetuar-se após a cessação da Ação
Pedagógica e por isso de perpetuar nas práticas os princípios do arbitrário interiorizado
(BOURDIEU; PASSERON, 1975, p. 44).
Esse processo é categorizado pelos autores como “violência simbólica” uma vez que
ele não se dá sob a forma de coerção física, mas envolve consentimento e dominação. O
desdobramento do impacto teórico dessa perspectiva para o ambiente educativo gera
posições como a de Mendonça em que:
Assim, pensamos que a escola pode manter um ethos para além da reprodução.
Sendo espaço de reflexão ao levar em conta o conflito de classe como perspectiva política
ideológica. Como um local de debate e reflexão sobre a realidade com intenção de
transformar através da emancipação.
Para isso fez-se necessário apontar como o cenário atual de estagnação vem se
estruturando para podermos desconstrui-lo.
A lei 3.459/00 foi aprovada durante o governo de Anthony Garotinho que no ano
anterior já havia instituído a Lei n. 3.280/1999. Esta última “uma lei que determinava a
obrigação de toda escola pública fluminense ter, na disciplina ensino religioso,
obrigatoriamente o ‘estudo dos livros da Bíblia’.” (ALMEIDA 2006, p.215). Num primeiro
momento pode parecer estranho que um governador evangélico possa ter aceitado um
projeto católico.
No entanto, devemos ficar atentos a alguns dados demográficos do Rio de Janeiro
que “mostram o Rio de Janeiro como o Estado com o maior contingente de adeptos das
denominações evangélicas" (CAVALIERE, 2006, p.11). Some-se a isso a regulamentação da lei
que oferece a palavra final sobre a qualificação do professor de ER seria a autoridade
religiosa e fica fácil compreender quão longe de um processo laico nos encontramos quando
pensamos estas questões.
No seu posicionamento, o Deputado Estadual Minc se utiliza largamente do
argumento laicização. Apesar disso, mesmo atendendo ao foco da laicização
compreendemos que esse argumento, embora tenha força persuasiva, não confere
legitimidade à Lei. Inconformado com a aprovação do texto da lei sobre o ER, Minc ajuizou
uma Representação por Inconstitucionalidade da Lei n. 3.459/00. Para tal, baseou-se em três
argumentos: (1) a violabilidade da lei pelo caráter confessional, (2) o estabelecimento de
que o contrato de servidor público fosse condicionado à determinação de autoridade
788
religiosa, (3) o caráter sectário do ensino do ER por ser atribuído por autoridades religiosas.
Em 08 de abril as proposições de Minc foram decididas. A primeira das proposições de Minc
não foi aceita tendo sido exposto pelo tribunal que confessionalidade:
[...] seria mera relação com “crença religiosa”, característica que estaria
presente em qualquer modelo de ensino religioso, ao passo que a própria
lei proibia o proselitismo religioso, entendido como “sentido de
recrutamento, com hostilidade por crenças ou adeptos de outras correntes
confessionais” (ALMEIDA, 2006, p.216).
Esses dados apontam que o Estado do Rio Janeiro através da atual regulação do
ensino religioso de caráter proselitista nas escolas públicas está favorecendo a intolerância
ao possivelmente acirrar conflitos nas camadas populares. Acentuando, portanto, a divisão
de entre grupos sociais e reduzindo o exercício da Cidadania e da Educação Republicana.
Acreditamos que, da forma como se configura atualmente, ao manter o “verniz ideológico”
de uma posição reacionária que busca legitimar a ordem vigente, utiliza-se da escola como
mero aparelho de reprodução, potencializado pelo ER de caráter proselitista.
789
A atual legislação de ER no Estado do Rio de Janeiro vem contrariando o
posicionamento em que o ER está inserido atualmente. De acordo com esse debate mais
sofisticado, o ER vem sendo abordado numa perspectiva não proselitista que possibilita
avanços na questão da formação humana, uma vez que não haverá denominações religiosas
preteridas ou favorecidas.
Alguns dados obtidos nos estudos sobre o tema nos dão indícios de que no Estado do
Rio de Janeiro, a legislação vigente que regula o componente curricular aqui em destaque
manifesta uma (des)virtualização em relação à dimensão de formação humana presente na
atual produção acadêmica. Pode-se perceber que nos municípios fluminenses o ER mostra-
se como dispositivo de exclusão social79 (CAVALIERE, 2007), (MENDONÇA, 2012)
promovendo intolerância, impossibilitando o exercício do conceito de laicidade do Estado.
CONCLUSÃO
Podemos compreender as incoerências nas legislações no que concerne o ER,
levando-se em consideração alguns eventos relevantes ao tema: a assinatura da Concordata
Brasil-Vaticano, o credenciamento de professores pelas entidades religiosas e o caráter
confessional que essa disciplina tem assumido nas escolas do Rio de Janeiro ao “exigir do
79
As pesquisas realizadas no ano de 2004 por Ana Maria Cavalieri em 14 escolas da Baixada Fluminense
concluem que a forma como e o Ensino Religioso vem sendo praticado no modelo confessional adotado no Rio
de Janeiro promove a intolerância religiosa entre os alunos da rede básica; a dissertação de Amanda André
Mendonça defendida em 2012 apresenta como essa regulação de Ensino Religioso implica numa violência
simbólica às minorias religiosas.
790
professor formação religiosa obtida em Instituição por ela mantida ou reconhecida”. Essas
características destituem do Estado seu caráter de provedor de um ensino laico.
Isso tudo, apesar de todos os avanços conceituais que demandam uma nova
epistemologia que influencia a reorganização curricular dos conteúdos da disciplina.
Proposta esta que promove a reflexão acerca da importância em se considerar a escola
pública como um local de debate e reflexão sobre a realidade com a intencionalidade de
transformá-la através da emancipação.
O ensino religioso confessional transforma o Estado em seu aparelho de reprodução e
usando o campo religioso como um poder simbólico. Operacionalizado pelo habitus, busca
na religião a força legitimadora para reproduzir a dominação. Esta proposta analítica buscou
entender em que sentido pode haver uma incompatibilidade da Lei nº 3.459, de 14/09/2000
(ESTADO DO RIO DE JANEIRO), e o atual estágio das discussões sobre o Ensino religioso no
Brasil. Segundo esta lei, em seu artigo 1º., assegura-se o “respeito à diversidade cultural e
religiosa no Rio de Janeiro, vedadas quaisquer formas de proselitismo”. Apesar disso, o que
se pode perceber é que isso não ocorre atualmente no Estado do Rio de Janeiro, pois a atual
legislação do ER fluminense desqualifica a dimensão da formação humana deste campo de
ensino, servindo-se superficialmente do conceito de laicidade do Estado.
Para romper com essa lógica precisamos da escola, ela é o instrumento por
excelência para operar essa mudança tendo em vista seu caráter de formação massivo, mas,
para isso precisamos encarar uma luta inaudível, passando pela desconstrução das faltas de
continuidades nas políticas educacionais, na setorização do atendimento a política social, no
aligeiramento da formação de professores, no embuste da participação democrática
esvaziada de conteúdo, distanciada da realidade social de seus atores, e do poder simbólico
advindo do campo religioso dentro do espaço público.
E nessa escola o ER pode ser conforme prenunciamos um elemento não de alienação,
mas, de transformação ao elevar a categoria humana às coisas do espírito. Criar um espírito
do corpo para que os seres humanos não esqueçam que apesar de todo o avanço material e
progresso tecnológico, possamos alcançar os ideais de uma modernidade que mantenha a
realidade do mundo socialmente construído em que os homens existam em suas vidas
cotidianas, não como meros clientes, produtos ou mão de obra. Mas, que tragam para a
791
materialidade o improvável o utópico, para que isso possa povoar o espírito e tornar-se
concreto.
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do ensino religioso nas escolas públicas. 2006. 316f. Dissertação (Mestrado). Programa de
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2000.
793
A GEOMETRIA E O DEFICIENTE VISUAL: UMA PROPOSTA DE INCLUSÃO UTILIZANDO
MATERIAIS CONCRETOS
RESUMO: Este texto tem por objetivo apresentar reflexões de pesquisa de mestrado que
visa compreender a relação existente entre o ensino de Geometria e o deficiente visual. Para
tanto, num primeiro momento, realizou-se uma breve análise dos tipos de deficiência visual
existentes, da história e importância da Geometria, além das leis que regem a Inclusão
Escolar no Brasil. Foi elaborada uma proposta de ensino de Geometria (Geometria Plana e
Introdução à Geometria Espacial) utilizando materiais concretos, como geoplano, chapas de
alumínio e figuras espaciais representadas por objetos do cotidiano. Aplicou-se,
inicialmente, a proposta no Educandário de Cegos São José Operário localizado na cidade de
Campos dos Goytacazes e logo após, numa escola da rede municipal de ensino também da
cidade de Campos dos Goytacazes, numa turma regular de ensino que continha alunos
videntes e alunos com deficiência visual. Por fim, apresenta-se uma pequena conclusão
acerca da vivência observada entre esses alunos e suas relações. Espera-se contribuir de
maneira significativa para reflexões a respeito do tema em questão.
Palavras-chaves: Deficiência visual. Geometria. Material concreto. Geoplano.
794
Visto a importância histórica da Geometria e comparando com os dias atuais, pode-
se afirmar que ela é um instrumento que permite a percepção e a visualização do espaço. É
importante também para desenvolver habilidades em outras áreas do conhecimento. Possui
muitas aplicações no mundo real, além de levar o aluno a investigar, descrever e perceber
propriedades, pré-requisitos estes importantes no desenvolvimento da atitude científica e
na elaboração de uma linguagem escrita clara e sucinta, envolvendo vários conceitos
aprendidos.
A cada dia mais a Geometria tem sido fundamental no processo de ensino e
aprendizagem, auxiliando na organização do pensamento e raciocínio. Por meio da
visualização, o aluno interage e isso o leva ao exercício da reflexão.
Lorenzato (1995) afirma que:
795
que utilizam espelhos, dobraduras de papel, redes gráficas, entre outros. Esses tipos de
jogos têm sido utilizados na sala de aula como motivadores para o estabelecimento de
situações que levam a criança a identificar, diferenciar, reconhecer e comparar formas;
comparar distâncias; visualizar figuras; observar movimentos realizados no plano, etc.
Portanto, essas situações possibilitam que a criança vivencie precocemente atividades
dinâmicas que valorizem a visualização, as características e as regularidades das formas.
No caso dos alunos que possuem alguma deficiência visual, a Geometria pode ser
uma grande aliada. Se o aluno for estimulado, com objetos concretos, por exemplo, durante
as aulas de Geometria, certamente ele conseguirá desenvolver-se também em outras áreas.
Segundo Sá (2004), quando um deficiente visual é levado desde criança a dispensar
sua atenção ao que percebe por meio de outros sentidos, o setor em sua mente responsável
pela visão será estimulado a se conectar com os demais setores, auxiliando-os a se
desenvolverem além dos padrões convencionais. Pode-se imaginar que o tato será o
primeiro da fila a receber apoio. No caso de um aluno deficiente visual, é muito importante
que ele receba uma atenção especial. Um cuidado a mais do profissional da educação; neste
caso, do professor de Matemática e/ou Geometria.
Como a Geometria é muito "visual", é imprescindível torná-la o mais palpável
possível. E fazendo isso, o professor contribui não só com o aluno com deficiência visual,
mas com todos os alunos de forma geral.
796
para a frente ou para trás, piscar os olhos para ver os objetos que estão longe ou perto;
entre outros.
É fundamental que a sociedade entenda que o ser humano pode ser um ser humano
deficiente, mas nunca a deficiência em forma de ser humano. É imprescindível que, um a
um, os obstáculos da rejeição familiar, as dificuldades de adaptação e integração social
dentro da sociedade, sejam, transformadas em alavancas (SÁ, 2004).
Não se pode nunca medir as capacidades de um indivíduo pela sua deficiência. Deve-
se compreendê-los como seres humanos sem um dos sentidos mas plenamente capazes de
se conectar e interagir com o mundo ao redor por meio dos sentidos restantes. Apesar disso,
não se pode negar que o progresso ora auxilia, ora dita novas regras. Com a informática, por
exemplo, displays touch-screens, imagens digitais de alta definição parece que quem vê
pode fazer quase tudo.
O aluno deficiente visual é aquele que difere da média, a tal ponto que irá necessitar
de professores especializados, adaptações curriculares e/ou materiais adicionais de ensino,
para ajudá-lo a atingir um nível de desenvolvimento proporcional às suas capacidades.
Em entrevistas realizadas a pessoas com deficiência visual, percebe-se que há muita
dificuldade nas aulas de Geometria para compreender a parte teórica e colocá-la em prática
pelo fato de, na maioria das vezes, não haver nenhum material concreto para analisarem.
Destaca-se a fala de um dos entrevistados: "Deveria ter mais ênfase no ensino para
pessoas com necessidades especiais. Porque se o professor der aula pra todos os alunos,
como se todos fossem cegos, todos aprenderiam da mesma forma. Agora, os professores
dão aulas exclusivamente para pessoas que enxergam... aí dificulta demais a aprendizagem
do aluno com necessidade especial" (Aluno A.C.C.).
Dessa forma, percebe-se a necessidade de uma educação inclusiva que vise, muito
além do que a simples inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais, uma
educação de qualidade. Faz-se necessária reflexão e atitude a fim de modificar as estruturas
que ainda são precárias no âmbito da inclusão:
De acordo com Bueno (1993), “dentro das atuais condições da educação brasileira,
não há como incluir crianças com necessidades educativas especiais no ensino regular sem
apoio especializado, que ofereça aos professores dessas classes, orientação e assistência”.
797
Assim a educação inclusiva possibilita ao educando um ensino por completo,
respeitando sempre suas necessidades e diferenças.
A capacitação de profissionais (Formação Continuada) é algo fundamental para que a
inclusão tenha cada vez mais força. Embora ainda seja algo que caminha a lentos passos,
sabe-se que a Inclusão Escolar vem ganhando força. Mas quando começou-se a falar em
Inclusão? Quais são as leis que a regem?
Segundo Santos e Rodrigues (2011),
798
A educação inclusiva no Brasil ainda está em seu estado inicial, e sabemos que apoio
e investimento são necessários. Todavia, esperamos que o contínuo aprimoramento de
projetos, tanto na formação de professores, como, principalmente na formação continuada
dos mesmos, com o tempo sane ou pelo menos diminua os pontos decadentes do
atendimento aos educandos com necessidades especiais.
Com relação a instrumentos e formas facilitadoras para o ensino dos alunos com
deficiência visual destaca-se o Sistema Braille, que é um processo de escrita e leitura
baseado em 63 símbolos em relevo, resultantes da combinação de até seis pontos (também
disponível com combinação de até oito pontos), dispostos em duas colunas de três pontos à
direita e três à esquerda de uma cela básica denominada cela braille. Pode-se fazer a
representação tanto de letras, como algarismos e sinais de pontuação (Figura 1). A leitura é
feita da esquerda para a direita, ao toque de uma ou duas mãos ao mesmo tempo.
A escrita braille é realizada por meio de uma reglete e punção (Figura 2) ou de uma
máquina de escrever braille. A reglete é uma régua de madeira, metal ou plástico com um
conjunto de celas braille dispostas em linhas horizontais sobre uma base plana. O punção é
um instrumento em madeira ou plástico no formato de pera ou anatômico, com ponta
metálica, utilizado para a perfuração dos pontos na cela braille. O movimento de perfuração
deve ser realizado da direita para a esquerda para produzir a escrita em relevo de forma não
espelhada. Já a leitura é realizada da esquerda para a direita. Esse processo de escrita tem a
799
desvantagem de ser lento devido à perfuração de cada ponto, exige boa coordenação
motora e dificulta a correção de erros.
Existe uma máquina, já antiga no mercado e com um alto custo, chamada Duplicador
Braille Ez-Form, também conhecida como Thermoform (Figura 3). É uma espécie de
copiadora para material adaptado. O Thermoform produz as matrizes empregando calor e
vácuo para produzir relevo em películas de PVC.
800
Butadieno Estireno) ou PLA (Ácido Poliático). O material possui baixo custo e é altamente
durável.
802
Já no segundo laboratório realizado no Educandário, foi apresentado aos alunos
conceitos de ângulos. A aula foi iniciada com uma pequena recordação da aula anterior que
falou, como já relatado anteriormente, sobre a ideia intuitiva de ponto, reta, plano,
segmentos de reta e polígonos. Logo em seguida, foi perguntado aos alunos se sabiam o que
era um ângulo e para que eles servem. Um aluno que estava sentado no fundo da sala disse
que ângulos serviam para medir. E aí foi iniciada uma conversa em que o objetivo era
estimular a fala e a participação de todos. Para a realização das atividades envolvendo o
conceito de ângulo, foram utilizadas chapas de alumínio cujas aberturas representam
ângulos. Segue imagem de alunos manipulando as chapas de alumínio (Figura 6).
803
Figura 7: Alunos realizando atividades de Geometria Plana
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante o processo de pesquisa, pode-se perceber que esta área ainda necessita de
muito investimento e incentivo. Os professores não se sentem totalmente capacitados para
804
atuar com alunos com deficiência visual e os próprios alunos dizem não conseguir aprender
tudo que o professor deseja ensinar, devido a dificuldade de visualização.
Em contrapartida, observou-se ser uma área, embora ainda carente de materiais e
adaptações necessárias, possibilitadora de um retorno indescritível. Trabalhar com alunos
com deficiência visual permite-nos enxergar além. Permite-nos sentir que o processo de
ensino e aprendizagem é literalmente uma troca, no qual cada um está ali por inteiro,
doando-se uns aos outros por um bem maior. Os laboratórios realizados no Educandário de
Cegos São José Operário foram de extrema importância e crescimento profissional, pois,
além de ter proporcionado o meu primeiro contato com alunos com deficiência visual, foi o
que gerou e possibilitou maior desejo de continuar adentrando esta área de ensino que
utiliza a fala e o uso de materiais concretos. Muitas concepções que pareciam inabaláveis,
foram, com esse projeto se transformando e dando vez a novos pensamentos e opiniões. O
contato dinâmico com os alunos com deficiência visual permitiu a percepção da pluralidade
de trajetórias e maneiras de viver, mas, sobretudo de um desejo unânime de aprender e
revelar suas potencialidades.
REFERÊNCIAS
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LORENZATO, S. Por que não ensinar geometria? Educação Matemática em Revista. São
Paulo: Sociedade Brasileira de Educação Matemática. n. 4, p. 3-13, 1995.
805
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São Paulo: Sá Editora, 2004.
SANTOS, M. J. O.;RODRIGUES, M.M. A LDB e a inclusão educacional no Brasil, 2011.
Disponível em <http://www.webartigos.com/artigos/a-ldb-e-a-inclusao-educacional-no-
brasil/79477/#ixzz3M3cXF9XP>. Acesso em 09 de junho de 2014.
806
A EDUCAÇÃO COMO PROCESSO DE FORMAÇÃO VIRTUOSA DO CIDADÃO EM ARISTÓTELES
RESUMO: A educação, sem dúvida nenhuma, é um tema de grande importância para a vida
humana. Ela está relacionada com a necessidade de construção do ser humano e do mundo
que o cerca. Assim, é por causa da singular importância da educação para o
desenvolvimento humano, que se pensa ser relevante uma investigação acerca da natureza
do processo educativo. Contudo, apesar de ser objeto de pesquisa de inúmeros estudiosos, a
temática não se esgota em nenhuma vertente. Por isso, pretende-se investigar a natureza
do processo educativo desenvolvido por Aristóteles e apresentar, em linhas gerais, os
princípios de uma educação comprometida com a eudaimonia humana.
Palavras-chave: Ética. Natureza. Indivíduo. Virtudes e educação.
INTRODUÇÃO
Aristóteles nasceu em Estagira, na Calcídia, no ano de 384 a.C., foi professor e
fundador de uma escola, Liceu. Sua teoria sobre a educação chegou-nos de maneira
fragmentada e esparsa. Para compreender um pouco mais sobre sua pedagogia é
fundamental que se investigue duas obras escritas por ele: a Ética a Nicômaco e A Política.
Nestas duas obras encontrar-se-á os princípios norteadores da formação segundo
Aristóteles. De maneira geral, pode-se dizer que o que é apresentado na Ética a Nicômaco
nos possibilitará falar dos princípios pedagógicos para a virtude e, na Política, poder-se-á
encontrar as bases para um processo educativo de inserção do indivíduo na Pólis
(comunidade política). Desse modo, a investigação acerca do processo educativo, segundo
Aristóteles terá como objeto de análise essas duas obras.
O processo educativo, de acordo com Aristóteles, é desenvolvido a partir das
seguintes questões: de que maneira poderá o homem tornar-se virtuoso, contribuindo para
a vida política de sua cidade? Como o homem poderá realizar a sua própria eudaimonia na
Pólis? Pode-se antecipar que Aristóteles, inserido na sua realidade, observou o
807
comportamento de pessoas e grupos para desenvolver aquilo que seria, para ele, o melhor
modelo educacional, isto é, um modelo humanitário que conduziria o indivíduo à
eudaimonia na Pólis. Neste modelo, a eudaimonia só pode ser atingida numa Pólis formada
por indivíduos virtuosos. O seu modelo educacional não se destina apenas aos indivíduos,
mas também a Pólis. O objetivo de Aristóteles ao relacionar ética, política e educação foi
desenvolver princípios gerais norteadores da ação humana, a fim de que o homem pudesse
agir sempre em conformidade com o que é bom para si e para a Pólis. Estes princípios são
oriundos de uma investigação acerca do melhor modelo de vida e do como realizá-lo.
Segundo Aristóteles, a educação deve formar o homem em todas as suas dimensões
para uma vida virtuosa e feliz no seio da Pólis. Contudo, esta educação não pode ser um
projeto pessoal, ela deve ser uma ação desenvolvida por um projeto político comprometido
com o melhor modelo de vida. Portanto, a educação não pode ser um processo que não vise
a um télos (fim) nobre, em outras palavras, a educação não pode deixar de considerar o para
quê educar para poder saber como educar. Assim, a teleologia será algo indispensável para a
elaboração de um projeto político educacional. Esta preocupação com a teleologia da
educação, presente no pensamento de Aristóteles, parece colidir com os projetos
educacionais que estão mais preocupados com os meios, com a técnica, do que
propriamente com o télos.
Aristóteles foi lido por vários historiadores da educação como alguém que deu uma
contribuição pouco original a essa área, se comparado a Platão e Isócrates, contemporâneos
seus que retomaram a herança sofista e a modificaram80. Compartilham dessa ideia autores
como Werner Jeger e Henri Marrou. Outros expositores do seu pensamento, tais como
Höffe, Düring, Guariglia, não dedicam nenhum espaço à sua concepção de educação.
Contudo, seguindo o pensamento de outros autores que também são expositores do
pensamento aristotélico, tais como Lombard, Cenci, Hourdakis, Lopes, investigar-se-á o
pensamento educacional de Aristóteles como um pensamento que tem muito a dizer sobre
a educação. Apesar dos Livros VII e VIII da Política serem os únicos escritos substancias de
Aristóteles sobre a educação, são Livros que revelam não apenas uma reflexão do que já foi
dito, sobretudo por Platão nas Leis. Embora estes livros tenham sido escritos na primeira
80
Cf. CENCI, Vitório A. Aristóteles e a educação. Belo Horizonte, Autentica Editora, 2012, p. 27.
808
fase do pensamento aristotélico, fase platonisiante, eles contêm um método investigativo
próprio de Aristóteles e sua conclusão é absolutamente original.
Aristóteles não era um mero pesquisador. Sua trajetória com mestre no Liceu fez
dele um experiente pedagogo e isso fica evidente em todo o seu sistema filosófico, de modo
que, pode-se dizer que o interesse de Aristóteles pela educação não se limita aos Livros VII e
VIII da Política. Em todo o sistema filosófico de Aristóteles perpassa uma preocupação com a
educação. Nas chamadas ciências práticas – Ética e Política – a ideia de uma práxis educativa
para formar o homem de forma virtuosa para o bem viver é absolutamente clara. Por isso,
Ética, Política e Educação estão amalgamadas em Aristóteles.
Na Metafísica, Aristóteles afirmou que “o sinal que distingue o sábio do ignorante é a
capacidade de ensinar”81. O sábio é, portanto, aquele que é capaz de apreender e de
ensinar. Aristóteles não fora considerado “mestre dos que sabem” meramente por causa da
sua sabedoria apreendida, mas por causa da sua sabedoria ensinada. Logo, ele é mestre
porque tem o que ensinar.
81
Met. I, 1, 981b.
82
MARROU, Henri Irénée. História da Educação na Antiguidade. São Paulo, EPU, 1990, p. 67.
83
Cf. MARROU, opcit, p. 33.
809
isso, a pedagogia ateniense tornou-se modelo e inspiração para toda a Grécia. O ideal da
educação ateniense tornou-se okalokagathía84 (Καλοκἀϒαϑία).
Aristóteles chegou a Atenas em 367a.C. para ingressar como estudante, na Academia
de Platão. Ele observou uma degeneração do sistema educacional de Atenas, pois esta havia
sofrido uma transformação no seu ideal, o ideal de formar o homem para a beleza do corpo
e para o bem nas ações cedeu lugar ao lucro. Para Cenci, “o espírito de lucro, presente em
Atenas nesse contexto, importava mais que o sentido cívico, o que revela uma crise de
valores estreitamente ligada a uma crise educativa”85. Esse espírito foi plantado na cultura
ateniense pelos sofistas.
Os sofistas chegam a Atenas no momento de seu apogeu. São estrangeiros que
recusam a ideia de enraizamento: “não são de lugar nenhum e vão a toda a parte, entre os
outros, dando mais valor à circulação e à troca que à autoctonia e à autarquia86. Atenas era
uma cidade perfeita para os sofistas, era rica, hospitaleira, dada às novidades; a ágora era o
ambiente apropriado para a retórica dos sofistas. A sophia é para eles uma technê profana e
útil, por isso deveria ser vendida como mercadoria.
Naturalmente, os sofistas provocaram em Atenas uma crise de valores, pois o lucro e
o útil eram mais importantes que as virtudes. Aristóteles, ao observar essa crise, constatara
que ela era conseqüência de uma crise educacional, uma vez que ela ocorreu graças ao
desinteresse da Pólis pela educação. Não havendo uma educação organizada pela Pólis, ela
começou a ser uma espécie de educação doméstica, onde os pais educavam seus filhos de
acordo com interesses utilitaristas87. Seguindo a construção do pensamento educacional de
Aristóteles, pode-se dizer, como Cenci, que a escola, quando desvinculada das finalidades da
cidade e de seus ideais comuns, não sabe mais o que e nem como ensinar 88. Assim, a crise de
Atenas é uma crise educativa, pois havia nela uma educação voltada para os interesses
privados.
Aristóteles desenvolveu um projeto político educacional que visava a apresentar os
princípios básicos para uma educação comprometida com o télos da Pólis e do próprio
84
Ideal de beleza e bondade.
85
CENCI. op cit. p. 29.
86
VERGNIÈRE.op cit. p. 24.
87
Cf. CENCI, op cit. p. 29.
88
Ibidem.
810
homem. Antecipando, pode-se dizer que, neste projeto, ele chama a responsabilidade pela
educação para o legislador. Neste projeto, a negligência na educação é apresentada como
uma ruína para a própria cidade, assim “a negligência das cidades a este respeito é nociva
aos respectivos governos”89. Contudo, a preocupação de Aristóteles fora de formar o
cidadão para viver bem dentro da Pólis. Embora, esta empreitada exigisse, em primeiro
lugar, o empenho da Pólis, ela não deixou de evocar a família para participar dela. Deste
modo, seguindo a concepção da precedência da Pólis em relação às outras espécies de
associações, Aristóteles propusera que fosse de dever da Pólis determinar o que e como se
deve ensinar em harmonia com a família.
No início do séc V a.C., em Atenas, surgiu um grande debate acerca da possibilidade
ou não do ensino das virtudes. Figuravam neste debate os sofistas e, mais tarde, Sócrates e
Platão também se debruçaram sobre esta questão. Aristóteles, quando ainda era discípulo
de Platão, certamente, ouviu as lições do seu mestre sobre o assunto. Quando ele fundou o
Liceu e começou sua reflexão na condição de pesquisador e mestre, trouxe mais uma vez a
questão da possibilidade ou não de ensinar as virtudes para o âmbito da reflexão.
Na Ética a Nicômaco, há um tratado sobre a virtude que constitui o Livro II desta
obra. Na Política, há várias passagens sobre a importância das virtudes para a efetivação da
eudaimonia tanto no âmbito individual como coletivo. Embora a Ética a Eudemo e a Magna
Ética também tratem das virtudes, concentrar-se-á a reflexão na Ética a Nicômaco e na
Política.
A cultura grega revela uma espécie de entendimento geral sobre a possibilidade ou
não do ensino das virtudes. Esta cultura é testemunha da afirmação positiva acerca da
possibilidade do ensino das virtudes, pois, nas diversas formas de manifestações dessa
cultura, fica claro que os gregos aprendiam as virtudes por meio delas, assim os gregos
aprendiam virtudes com as leis, o teatro, as poesias, as epopeias, e também com a filosofia.
Para Perine, os gregos aprendiam mais do que conteúdos nestas manifestações, pois, por
estes instrumentos pedagógicos, aprendiam um modo de ser humano, em outras palavras,
aprendiam virtudes que governariam as suas relações interpessoais e, também, virtudes que
89
Pol 1333 a.
811
possibilitariam um modo próprio de vida fundado e articulado com um télos propriamente
humano.
90
PERINE, M. Quatro Lições sobre a ética de Aristóteles. São Paulo, Edições Loyola, 2006, p. 105.
91
Pol 1338
812
[...] adotar uma postura acerca das virtudes será adotar uma postura acerca
do caráter narrativo da vida humana. [...] se a vida humana é compreendida
como progresso através de males e riscos, morais e físicos, com os quais o
indivíduo pode deparar-se e superá-los, de maneiras melhores ou piores e
com maior ou menor grau de êxito, as virtudes encontraram seu lugar com
as qualidades cuja posse e exercício costumam levar ao êxito nessa
empreitada, e os vícios, da mesma forma, comas qualidades que tendem ao
fracasso92.
Para Aristóteles, as qualidades morais que possibilitam o maior grau de êxito na vida
humana não são inatas no homem, mas são acrescidas à natureza dele pelo processo
educativo. A natureza estaria, desse modo, sendo compreendida como um feixe de
potencialidades que devem ser orientadas pela educação, a fim de que se atualize em
virtudes. A educação, portanto, possui a tarefa de desenvolver estas capacidades e a forma
de fazer isto é harmonizar três capacidades no homem, a natureza, o hábito e a razão. Estas
três capacidades devem ser harmonizadas para que o homem tenha a posse das qualidades
morais, isto porque, as qualidades morais se relacionam, vitalmente, com estas três
capacidades. Assim, para Aristóteles, três coisas fazem os homens bons e dotados de
qualidades morais, a natureza, o hábito e a razão.
Três coisas fazem os homens bons dotados de qualidades morais, e as três são: a
natureza, o hábito e a razão. Primeiro a natureza deve fazer nascer um homem, e não um
animal qualquer; depois o homem deve nascer com determinadas qualidades de corpo e
alma; não há utilidade alguma em nascer com certas qualidades, pois os hábitos podem
levar a alterá-las (algumas qualidades são, naturalmente, sujeitas a serem modificadas pelos
hábitos para pior ou melhor). Os outros animais vivem, de modo geral, levados pela
natureza, embora em pequena proporção, alguns sejam guiados também pelos hábitos; o
homem, todavia, usa também a razão para viver, por ser o único dotado de razão; logo, nele
estas três coisas devem harmonizar-se entre si, pois muitas vezes os homens agem,
contrariamente, aos seus hábitos e à natureza por causa da razão, se convencem de que é
melhor conduzir-se de certa maneira. Já definidas as qualidades que os homens devem ter
por natureza, para serem mais facilmente guiados pelas mãos do legislador; o restante é
92
MACINTYRE, A. Depois das virtudes. Tradução de Jussara Simões, São Paulo, EDUSC, 2001, p. 246.
813
obra da educação, pois os homens aprendem algumas coisas pelo hábito e outras por ouvi-
las dos mestres93.
Depreende-se da afirmação da supra cit que a natureza não oferta qualidades morais,
mas que é predisposta para recebê-las, por meio do processo educativo, e embora ela seja
de suma importância para as qualidades morais, pois um homem não dotado naturalmente
de predisposições não poderá apreender as virtudes, ela não determina se os homens serão
ou não virtuosos. Contudo, a natureza é passível de ser melhorada, pois há lacunas nela e,
para Aristóteles, a educação pode preencher estas lacunas94. Como só o homem é capaz de
ser instruído, só ele é capaz de melhorar sua natureza. Logo, “nem por natureza nem
contrariamente à natureza a excelência moral é engendrada em nós, mas a natureza nos dá
capacidade de recebê-la, e esta capacidade se aperfeiçoa com o hábito”95.
Visto que a posse das qualidades morais não se deve à natureza, mas não acontece
sem ela, resta então que o hábito e a razão engendram na natureza humana as qualidades
morais. Dessa maneira, as virtudes são aprendidas tanto pelo hábito quanto pela razão. Ao
chegar a esta compreensão, Aristóteles se viu diante da necessidade de examinar qual das
duas capacidades humanas tem primazia no processo educativo. Na verdade, ele quer saber
“se é pela razão ou pelo hábito que se deve iniciar a educação”96.
Aristóteles fora buscar na psicologia um princípio ordenante entre alma e corpo,
entre alma racional e alma apetitiva, para poder dizer se é o hábito ou a razão que deve ter a
primazia no processo educativo. No que tange o composto corpo-alma a primazia, a juízo de
Aristóteles, está no corpo, “pois o corpo é anterior à alma, no processo da geração”97. O
corpo e a alma formam duas partes distintas. Ela, a alma, teria duas partes, uma racional e
outra irracional. Na parte irracional também há uma subdivisão, pois ela é composta por
uma parte totalmente isenta de razão, a parte vegetativa - comum a todos os seres vivos – e
a apetitiva que é capaz de ouvir a razão e de obedecê-la.
93
Cf. Pol 1332 a.
94
Cf. Pol 1337 a.
95
EN 1102 b.
96
Pol 1334 b.
97
Ibidem.
814
elemento apetitivo e em geral o elemento concupiscente participam da
mesma em certo sentido, até o ponto em que a ouvem e lhe obedecem; é
nesse sentido que falamos na “racionalidade” de um pai ou de amigo, em
contraste com a “racionalidade” matemática98.
Ao dizer que “os apetites devem ter em vista a inteligência”, Aristóteles está partindo
do princípio segundo o qual, há sempre na natureza partes que mandam e partes que
obedecem101. Assim, os apetites (parte comandada) devem ser educados para ouvir a razão
(parte que comanda); embora isso não aconteça por natureza, pode acontecer por meio da
instrução. Já ao dizer que “os exercícios do corpo devem ter em vista a alma”102, ele quer
98
EN 1102 b.
99
Pol 1334 b.
100
Ibidem.
101
Esse princípio já foi tratado por nós no segundo capítulo dessa pesquisa.
102
Pol 1334 b.
815
salientar o télos da existência humana, pois não exercita o corpo da criança visando apenas
conquistas matérias, mas, sobretudo, exercita o corpo delas para que elas possam obter não
apenas uma beleza física, mas também uma beleza espiritual, ou seja, para que o corpo seja
espelho de uma alma nobilitante. Assim, há um télos para os exercícios dos corpos que
transcende o físico, da mesma maneira, há um télos para capacidade desejante do homem
que transcende o mero desejar.
Aristóteles também fez uma subdivisão da parte racional da alma a exemplo do que
fez na parte irracional. Para ele a razão humana possui duas faculdades, uma que encontra
os princípios invariáveis e universais, trata-se da parte científica, e a outra chamada
calculativa, que se relaciona com as coisas passíveis de variações e, portanto, não universais.
103
EN 1139 a.
816
muitos casos precisamos primeiro ter feito nossas experiências”104. A experiência, a vida
vivida, valida ou não um certo princípio moral.
Finalmente, é de juízo de Aristóteles que há duas formas de virtudes que podem ser
atribuídas à alma raciona, uma é a intelectual e a outra é a moral. Como nenhuma virtude é
inata, as virtudes intelectuais ( sabedoria, inteligência, discernimento, etc) e as morais
(liberalidade, moderação, etc), são acrescidas à natureza humana por meios diferentes;
enquanto as intelectuais são acrescidas à natureza humana pelo ensino, as morais são por
meio dos hábitos. E como as crianças desde pequenas são mais sensação do que razão, a
instrução delas, por este motivo, deve começar pelos hábitos.
REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Trad. Mario da Gama Kury, 3ª ed. Brasília: UnB. 2001.
__________. Política. Trad. de Mário da Gama Kury 2ª ed. Brasília: UnB, 1988.
CENCI, A. V. Aristóteles & a educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.
___________. A educação moral em perspectiva, concepções clássicas e desafios atuais.
Passo Fundo: UPF, 2007.
MACINTYRE, A. Depois das Virtudes: um estudo em teoria moral. Trad. de Jussara
Simões, São Paulo: EDUSC, 2001.
MARROU, H. I. História da Educação na Antiguidade. Trad. de Mário Leônidas.
PERINE, M. Quatro Lições sobre a Ética de Aristóteles. São Paulo: Loyola, 2006.Casa-
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RICKEN, F. O bem-viver em comunidade, a vida boa segundo Platão e Aristóteles. Trad.
de Inês Antônia Lohbauer. São Paulo: Loyola, 2008.
VERGNIÈRES, S. Ética e Política em Aristóteles. São Paulo: Paulus, 1998.
104
RICKEN, F. O bem-viver em comunidade, a vida boa segundo Platão e Aristóteles. Tradução Inês Antônia
Lahbaeur. São Paulo, Edições Loyola, 2008, p. 126.
817
GT 05 - Educação, Trabalho e Qualidade
RESUMO: Este texto tem por objetivo apresentar reflexões de pesquisa de mestrado que
visa compreender os significados que professores do Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia Fluminense, que fazem parte do grupo de pesquisa OBEDUC, atribuem ao
Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA. Para tanto, num primeiro
momento, realizou-se discussão a respeito da trajetória da Educação de Jovens e Adultos ao
longo da história da educação no Brasil. Narra-se numa perspectiva crítica vários
acontecimentos e momentos importantes à efetivação da Educação de Jovens e Adultos
como Modalidade de Ensino, o que ocorreu a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, Lei nº9394/96, bem como a integração dessa Modalidade de Ensino com a
Educação Profissional, através do Decreto n°5.478/2005, substituído após um ano pelo
Decreto nº 5.840/2006, que instituiu o PROEJA. Além disso, realizou-se, levantamento da
produção científica, nos bancos de dados do Google Acadêmico, da CAPES, do SCIELO e do
SCIRUS, com a finalidade de mapear as produções que apresentavam a palavra PROEJA no
título, nas palavras-chaves e/ou nos resumos, entre os anos de 2009 até 2013, com a
finalidade de focalizar as principais temáticas abordadas nesses artigos e assim escanear as
principais argumentações a respeito do tema. Por fim, apresenta-se uma pequena
apreciação das significações expressas por professores do PROEJA, através das entrevistas
realizadas e dos dados coletados. Espera-se contribuir de maneira significativa para reflexões
a respeito da política educacional em questão.
Palavras-chave: PROEJA. Produção acadêmica. Representações sociais.
A ARENA DE TENSÕES
Constata-se que a escolarização de jovens e adultos foi se consolidando ao longo do
tempo como um importante campo de discussão de práticas e teorias dentro do âmbito do
818
conhecimento científico. Dessa forma, é uma arena de pesquisa fortalecida e que apresenta
um significativo quantitativo de produções acadêmicas.
Diante dessa afirmativa, vale acrescentar a essa discussão o posicionamento crítico
de autores que ao longo dos anos refletiram e problematizaram o tema da escolarização dos
jovens e adultos no Brasil.
Como lembram Oliveira e Pinto (2012, p.13-14),
Pode-se perceber que a educação de jovens e adultos apesar de não ter deixado de
ser uma preocupação de momentos históricos de nossa história educacional, os dados acima
evidenciam que ela não se fez eficaz.
A história da Educação de Jovens e Adultos no Brasil é marcada por uma relação de
domínio estabelecida historicamente entre a elite e as classes populares. Uma concepção
que nasce da relação entre conquistador e conquistado e manifesta-se em muitos
documentos oficiais que parecem tratar a EJA como um favor e não como institucionalização
de um direito. Assim, reproduz-se a visão de que a escolarização de jovens e adultos é algo
inferior, destinado a cidadãos inferiores. Essa concepção fomenta o preconceito contra seu
público, considerado: adulto analfabeto, “incompetente, marginal, culturalmente inferior”
(FÁVERO, 2004, p.15). Concepção esta que tem sido profundamente internalizada por estas
pessoas que se julgam sem direito à educação.
Percebe-se que a Educação de Jovens e Adultos se desenvolveu ao longo da história
atrelada a políticas educacionais desarticuladas e que, portanto, nunca permitiram um
avanço qualitativo dessa modalidade de ensino. Em acordo com esse argumento Paiva
(2006) afirma que o histórico da Educação de Jovens e Adultos no Brasil aponta a
descontinuidade e a insuficiência das políticas públicas. No entanto, afirma que os projetos e
819
as políticas públicas têm um importante papel pedagógico e que, se dispostas, são
instrumentos de transformação da sociedade.
Rummert e Ventura (2007) apontam ainda que o Governo de Lula trouxe maior
destaque para a Educação de Jovens e Adultos do que os governos anteriores. No entanto, o
discurso de valorização não foi acompanhado por ações concretas para a superação das
dificuldades vinculadas a essa modalidade de ensino.
820
adultos (EJA), a exemplo o Programa Nacional de Integração da Educação
Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e
Adultos (PROEJA), detona-se uma onda sísmica, que produz em nós,
educadores, a necessidade de repensar o conhecimento até então
instituído para, de novo, aventurar-nos pelas possibilidades e potências da
criação científica.
Dessa forma, faz necessário refletir sobre os novos desafios que permeiam essa
experiência educacional – PROEJA- evidenciando a importância dessa reflexão para o melhor
desenvolvimento da pratica educacional.
821
De acordo com Garcia e Ramos (2013, p. 123):
Dessa forma, é possível perceber que esse modelo de currículo integrado é de fato
inovador, uma vez que chama à cena o reconhecimento das pluralidades dos saberes além
dos científicos e tecnológicos, visando dialogar com outras formas de conhecimento, porém
é um desafio aos sistemas de ensino e seus agentes, para fazer com que a proposta do
discurso oficial se consolide nas práticas estabelecidas nas Instituições de Ensino.
Sob a ótica do tema Educação e Trabalho destacam-se autores como: Vieira (2009);
Rismann (2011), Oliveira & Machado (2011); Yamanoe & Viriato (2012); Xavier (2013),
Machado & Rodrigues (2013), entre outros.
822
A partir do estudo dos autores citados percebe-se que o discurso que alia trabalho
com educação é algo que desponta novamente, o que pode ser comprovado pelas políticas
públicas voltadas para educação em prol do mundo do trabalho e que continuam gerando
discussões na comunidade científica.
De acordo com Xavier (2013, p. 09):
A respeito do tema perfil dos alunos tem-se como fonte os trabalhos de: Baggio
(2009), Silva e Farias (2009); Angelo, Moura e Gomes (2010), Moura e Melo (2010); Santos
(2012), Souza e Silva (2012); Barros (2012) e outros.
Sob essa discussão a problemática aponta uma visão de que os alunos de PROEJA
buscam uma formação de qualidade e gratuita, com a finalidade de conseguir (re) inserção
no mercado de trabalho. Além disso, os textos apontam um desafio que é a viabilização do
acesso pleno ao direito dos trabalhadores jovens e adultos à educação de qualidade.
Qualidade essa que, segundo Silva e Souza (2012, p. 13):
No que diz respeito à produção sobre os profissionais que atuam com o PROEJA, os
artigos apontam principalmente sobre questões como: formação inicial, formação
continuada e perfil dos professores, entre os autores temos: Vargas (2009), Silva(2009), Lira
(2010), Leal e Holanda (2010); Coan e Viseu (2011), Jacinto e Cedro (2011); Viriato, Favoreto
e Klein (2012), Ventura e Cavalcante (2012), Gonçalves (2012), Paiva (2012); Freitas (2013),
Maron (2013).
823
De acordo com Paiva (2012, p.63):
Além disso, os artigos produzidos sob essa temática apontam, de um modo geral, que
o professor é também sujeito no processo educativo escolar. Dessa forma, enquanto sujeito,
possui uma história de vida, aprende e reconstrói seus saberes pela experiência e no
cotidiano de suas atividades. Diante disto, faz-se necessário analisar a formação docente
para atuar no PROEJA discutindo os limites neste campo de pesquisa. Propiciando uma
reflexão sobre a (re) construção dos saberes docentes de professores do PROEJA, trazendo
ao debate a relevância da formação continuada.
Além dos ambientes virtuais de aprendizagens, autores apontam que, vários são os
instrumentos de apoio ao processo de construção do conhecimento. De acordo com Martins
e Neto (2013) o turismo pedagógico constitui-se como elemento dinamizador do processo
de aprendizagem no PROEJA, além disso, Augustinho, Viana e Rôças (2012) apontam que o
cinema pode ser importante recurso pedagógico de ensino em cursos como o PROEJA.
A avaliação da aprendizagem em PROEJA é outro tema discutido sob uma perspectiva
que valoriza a constante busca da construção do conhecimento. Autores como: Maffasioli
(2009); Leal e Holanda (2010), Blum e Zanardine (2010); Blum (2011); Rodrigues e Pretes
(2013), entre outros abordam essa temática.
Segundo Maffasioli (2009, p.4):
Diante do exposto percebe-se que existe uma tendência crítica a pensar a avaliação
na busca de um novo sentido, em que a classificação dê lugar a aprendizagem. Assim
Maffasioli (2009, p. 4/5) afirma que:
826
Vale ressaltar que visando à permanência do aluno, é necessário que se busque
novas metodologias de ensinar e aprender, considerando os interesses e o histórico dos
jovens e adultos. Dessa forma, a educação para jovens e adultos precisa ser pensada de
forma articulada com o mundo do trabalho, numa perspectiva criadora e não alienante.
Segundo Stoco (2010, p.7 e 8):
828
palavras é sinal de convenção, as palavras evocadas na Técnica de Associação Livre de
Palavras foram agrupadas da seguinte forma:
1) Perfil do público alvo: aluno, aluno, aluno adulto, adulto, baixo capital cultural,
defasagem escolaridade/idade, diversidade, heterogeneidade, jovens e adultos, poucos,
multifacetado.
2) Qualidades desse público: atenção, boa relação, comprometimento,
compromisso, dignidade, esforço, generosidade, persistência, superação.
3) Perspectivas com relação ao PROEJA: aprendizagem, cidadania, conhecimento,
direito, ensino, ensino, educação, formação técnica, oportunidade, permanência, qualidade,
reconhecimento, satisfação.
4) Desafios: dificuldade de aprendizagem, dificuldade de aprendizagem, dificuldade
de aprendizagem, dificuldade de aprendizagem e dificuldade de permanência.
Dados os agrupamentos e as evocações percebe-se que a palavra mais frequente foi
detectada no grupo “Desafio”, sendo a palavra – dificuldade – seja de aprendizagem ou
permanência, destacada entre 5 professores do total de 8 entrevistados. Essa frequência nos
aponta a convenção de que o PROEJA trouxe a Instituição um grande desafio que se dá em
relação a garantir que o processo de ensino aprendizagem aconteça de forma significativa e
que os alunos possam de fato construir conhecimentos.
Trona-se perceptível à pretensão de se caracterizar o PROEJA a partir do referencial
familiar trazido pelos professores, por isso a evocação de palavras dirigiu-se a caracterizar o
PROEJA, tendo como referência o público alvo, ou seja, aos alunos. Entende-se que o
PROEJA como um objeto não-familiar pelo estranhamento que causou ao grupo de
professores, que precisou recorrer às questões familiares para compreendê-lo.
829
Entende-se que o PROEJA como um objeto não-familiar pelo estranhamento que
causou ao grupo de professores, que precisou recorrer à questões familiares para
compreendê-lo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do levantamento e abordagens feitas, percebe-se que as pesquisas realizadas
e apontadas nesse trabalho, estão bem articuladas e assinalam um crescimento constante
de produção científica a respeito do tema. Vale ressaltar que, essas pesquisas traduzem os
desafios que permeiam a prática, o “fazer”, das políticas educacionais, mais
especificamente, da política educacional em questão – PROEJA. Constatou-se ainda a
necessidade das instituições se sensibilizem para a efetivação de uma educação e
profissionalização de fato, para o público do PROEJA. Ao longo deste artigo, com base nos
apontamentos das produções acadêmicas pesquisadas, percebeu-se que ainda existem
alguns limites para a superação da histórica dicotomia entre formação profissional e
educação de jovens e adultos, apesar da notável intencionalidade em alterar os rumos da
educação no país.
Esse trabalho buscou ainda desvelar os significados que os professores, que fazem
parte do grupo de pesquisa OBEDUC e atuam no PROEJA, no Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia Fluminense, construíram em torno do programa, levando em
consideração seus conhecimentos. Para tanto, a Teoria das Representações Sociais foi
utilizada no sentido de delineara representação que esses sujeitos fazem do objeto em
questão a partir da identificação das convenções. Além disso, os significados também
emergiram das falas dos sujeitos que foram categorizadas de acordo com o tema abordado.
Nesse sentido, a ênfase dessa pesquisa recai sobre o que dizem e percebem os sujeitos
envolvidos no PROEJA na certeza de que os significados levantados permitem uma reflexão a
respeito do programa a partir de uma interlocução entre o ideal e o real.
REFERÊNCIAS
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implantação do PROEJA Estado do Paraná. Curitiba: UFPR, 2009.
830
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Vitória: UFES, 2013.
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Câmpus Florianópolis: Algumas Reflexões. Revista EJA em debate, Florianópolis, ano 2, n. 3.
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FERREIRA, Maria José de Resende (org.). EJA e Educação Profissional: desafios da pesquisa e
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curso técnico de edificações. Revista Eletrônica Itinerarius Reflectionis, Goiás, n.13, p. 2-15,
2012.
832
A NOVA EJA NA REPRESENTAÇÃO SOCIAL DE SEUS DISCENTES
RESUMO: Este trabalho foi realizado no primeiro semestre do ano 2014. Objetivou
compreender as representações sociais dos discentes de uma escola pública, localizada no
interior norte do estado, sobre uma proposta de programa denominada “Nova Eja”,
implementada pela Secretaria de Estado de Educação do Estado do Rio de Janeiro (SEEDUC)
a partir do ano de 2013. O referencial metodológico utilizado foi a Teoria das
Representações Sociais de Serge Moscovici (2007) enquanto aporte teórico e constructo
utilizado em investigações de fenômenos sociais no sentido de colaborar para uma
proposição de discussões que relacione significação e realidade. Em um primeiro momento,
refletimos a respeito da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil. Em seguida,
exploramos as representações expressas pelos sujeitos sociais, a respeito da nova política de
EJA. Os resultados revelaram que as representações que os alunos construíam sobre essa
nova proposta, nos pareceu estarem ancoradas em informações superficiais.
Palavras-chave: Educação básica. Educação de Jovens e Adultos. Representação social.
INTRODUÇÃO
Neste trabalho procuramos analisar um programa elaborado pela SEEDUC
denominado “Nova Eja” e refletir a respeito dos indícios das representações sociais dos
discentes sobre essa recente política de EJA.
Foi realizado em três fases: a inicial se constitui em um breve estudo da história da
EJA no Brasil. Na segunda, analisamos alguns aspectos ligados à elaboração teórica da “Nova
Eja”. Por último, procuramos compreender via Teoria das Representações Sociais, as
representações produzidas pelos discentes a respeito do programa.
833
espécie de regeneração da disciplina aos pobres brancos e negros alforriados (ARROYO,
2007).
Os anos posteriores aos de 1940 foram de ebulição no que concernem as políticas
públicas. Foram marcados por políticas que ampliavam as discussões em torna da EJA, como:
a regulamentação do Fundo Nacional do Ensino Primário (FNEP) que previa o repasse de
25% de recursos da União aos Estados para serem aplicados na educação supletiva dos
adultos, a criação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP) que se dedicou a
fomentar e publicar obras ligadas ao ensino supletivo, o lançamento da Campanha de
Educação de Adolescente e Adultos (CEAA) que somada a Campanha Nacional de Educação
Rural, visavam alfabetizar e aprofundar o trabalho educativo e a Campanha Nacional de
Erradicação do Analfabetismo que marcou uma nova etapa nas discussões sobre a educação
de adultos. (BEISIEGEL, 1982).
Necessário destacar que após os anos 40 o analfabetismo era ser visto como grande
problema nacional. Cerca de 55% da população brasileira era analfabeta, fato que estimulou
a arquitetura urgente de ações, como projetos e campanhas locais e nacionais. O
pesquisador Osmar Fávero (2004) interpretou o lançamento dessas campanhas emergências
para a diminuição do analfabetismo da seguinte maneira:
834
Paulo Freire, defendia as ideias progressivas de uma educação igualitária e com intensa
mobilização popular. A partir da década de 60, movimentos populares se organizaram no
Norte e Nordeste do Brasil, em prol da alfabetização de jovens e adultos. Em Recife, nasceu,
o Movimento de Cultura Popular, os Centros de Cultura Popular da União Nacional dos
Estudantes e o Movimento de Educação de Base. Em Natal a Campanha “De pé no chão
também se aprende a ler” e a Campanha de Educação Popular da Paraíba. Os representantes
destes grupos se organizaram e pressionaram o governo federal a fim de que este
oferecesse apoio e coordenasse tais iniciativas a nível nacional, o que fora feito no ano de
1963, ano em que se cria o Plano Nacional de Alfabetização, como avigorou o estudioso
Guadêncio Frigotto:
Com Golpe Militar de 1964, ações e iniciativas ligadas a EJA foram extintas, mas
devido aos altos índices de analfabetismo, o governo no ano seguinte ao golpe, lançou a
Cruzada ABC, com a pretensão de - subordinada ao capital internacional-, desenvolver
programas de alfabetização e formação de jovens e adultos (VENTURA, 2001).
De acordo com a referida autora, em 1968 foi criado o MOBRAL (Movimento
Brasileiro de Alfabetização), cujo objetivo era erradicar o analfabetismo, que até os anos 80
atingia o território nacional. Quase duas décadas após sua criação, em 1985 foi substituído
pela Fundação Nacional de Educação de Jovens e Adultos (Fundação Educar) que tinha como
meta, assessorar municípios e instituição que ofereciam o ensino supletivo. Na ocasião, a Lei
de Diretrizes e Bases 5692/71 regulamentava o ensino supletivo, diferenciando-o do ensino
regular e do ensino secundário, separando um capítulo próprio composto de cinco artigos.
Apontando para as seguintes funções do Ensino Supletivo suplência, suprimento e
aprendizagem e qualificação.
835
No ano de 1974, a fim de organizar o esse ensino, as Secretarias Estaduais de
Educação criam os Centros de Estudos Supletivos. Anos depois, a C.F de 1988, artigo 208
estabeleceu algumas garantias para a educação, como o Ensino Fundamental, obrigatório e
gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria (VENTURA 2001).
No contexto internacional, o ano de 1990 foi declarado pela Organização das Nações
Unidas (ONU), como o Ano Internacional da Alfabetização. Entretanto, no Brasil, a Fundação
EDUCAR foi extinta e por um período, a União deixa de se responsabilizar por essa
modalidade de ensino (RUMMERT, 2007).
No mandato do Presidente Fernando Collor de Melo (eleito pelo povo que tomou
posse em 15 de março de 1990 e teve seu afastamento do governo no dia 02 de outubro de
1992, após aprovação do impeachment em 29 de setembro) registrou-se a ausência do
Governo Federal nos projetos de alfabetização. Os municípios assumiram a EJA. Para
substituir a Fundação EDUCAR, o governo Collor criou o Plano Nacional de Alfabetização e
Cidadania (PNAC), que não se concretizou efetivamente e serviu apenas para demonstrar
respeito ao Ano Internacional da Alfabetização (VENTURA, 2001).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei no 9.394/96 substitui a
denominação de Ensino Supletivo para Educação de Jovens e Adultos (EJA), considerada
como modalidade da Educação Básica. A Emenda Constitucional n.º 14, de setembro de
1996 institui o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério (FUNDEF). Regulamentado pela Lei n.º 9.424 (BRASIL, 1996), de 24
de dezembro do mesmo ano, e pelo Decreto nº 2.264/97, o FUNDEF foi implantado,
nacionalmente, em de janeiro de 1998, quando passou a vigorar a nova sistemática de
redistribuição dos recursos destinados ao Ensino Fundamental, não contemplando
matrículas na EJA (VENTURA, 2001).
Neste contexto, as necessidades educativas da EJA foram definidas como políticas
marginais, de caráter emergencial e transitório. No cenário internacional, a V Conferência
Internacional da EJA, realizada em Hamburgo/Alemanha, em julho de 1997, resultou em dois
importantes documentos, a Declaração de Hamburgo e a Agenda para o Futuro. Discutiu-se
na conferência e afirmou-se na declaração a crença em que, apenas o desenvolvimento
centrado no ser humano e a existência de uma sociedade participativa, baseada no respeito
836
integral aos direitos humanos, levariam a um desenvolvimento justo e sustentável e pautado
no direito de todos à educação continuada ao longo da vida (UNESCO, 1997).
Tal discussão suscitou no Brasil, um processo de organização e estruturação de
Fóruns Estaduais e dos Encontros Anuais da EJA. Entretanto, a oportunidade de educação
continuada ao longo da vida para homens e mulheres não foi consolidada devido à ausência
políticas públicas educacionais (RUMMERT, 2007).
Se posicionado frente à problemática, o Conselho Nacional da Educação (CNE),
através de sua Câmara de Educação Básica (CEB), aprova o Parecer CNE/CEB nº 11, de 10 de
maio de 2000, que definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e
Adultos, no qual a EJA passa a ter três funções básicas: reparadora, equalizadora e
permanente ou qualificadora. Na visão pesquisadora Sonia Rummert (2007), para cumprir
com tais funções a EJA deveria ser pensada a partir de um modelo pedagógico próprio, que
assegurasse na prática pedagógica, na relação professor aluno e no processo de ensino-
aprendizagem a inclusão de estratégias de valorização da experiência de vida de jovens e
adultos trabalhadores.
Em 2003, o Governo Federal lança o Programa Brasil Alfabetizado, cujo objetivo foi
superar o fenômeno do analfabetismo da população jovem com 15 anos ou mais, adultos e
idosos e contribuir para a universalização do Ensino Fundamental no Brasil. Outro programa
foi instituído em 2005, sob a Lei n° 11.129 denominado Programa Nacional de Inclusão de
Jovens (ProJovem). Este, com a intenção de executar ações integradas que promovessem a
elevação do grau de escolaridade dos brasileiros. No mesmo ano, a Lei nº 11.180 criou o
Projeto Escola de Fábrica, com a finalidade de promover a formação profissional inicial e
continuada para jovens com idade entre 16 e 24.
Em 2005, o Governo Federal cria um programa nacional que sofre alteração em sua
nomenclatura antes mesmo de ser posto em prática, conforme Silva (2003) chamado de
837
Em termos de propostas, registrou-se, ainda, o Programa Nacional de Acesso ao
Ensino Técnico e Emprego – PRONATEC, criado pelo Governo Federal, em 2011, com o
objetivo de ampliar a oferta de cursos de Educação Profissional e Tecnológica, que vem
sendo ofertado atualmente, por várias instituições do país (Brasil, 2011).
839
explicita Arruda (2002):
840
cultura e a da história”. (JODELET, 2011, p.21)
Quanto à dimensão funcional da teoria enquanto produto social e aporte para
compreender a realidade o francês Jean-Claude Abric (1998) que estuda a representação no
mundo do trabalho revelou o seguinte:
841
produzem saberes sobre si mesmos, sobre os outros e sobre a multidão de objetos sociais
que lhes são relevantes” (JOVCHELOVITCH, 1998, p. 87).
Notório ressaltar a importância e veemência da Teoria das Representações Sociais,
enquanto campo complexo e interdisciplinar de estudos, uma vez que na visão de Sá (1998)
“o campo de estudo das representações sociais se encontra em franca expansão no Brasil,
não apenas no âmbito da psicologia social, mas também nos de disciplinas aplicadas, como
educação, enfermagem e serviço social [...]” (SÁ, 1998, p.15).
RESULTADOS
Caracterização da unidade escolar e dados quantitativos
A fim de analisar as representações dos alunos que estavam matriculados no 1º Ano
do Ensino Médio na Modalidade “Nova Eja”, a respeito desta modalidade de ensino, foi
aplicado um instrumento de geração de dados constituído por uma entrevista aberta,
divididas em duas:
1ª Parte - Identificação: Composta por quatro perguntas relacionadas a nome, idade,
série, sexo.
2ª Parte - Composta por basicamente por três perguntas, que de acordo com as
respostas dos entrevistados, geraram (ou não) outras, a fim de arguir no maior grau possível
o nível de conhecimento dos entrevistados. As perguntas bases eram:1) Tempos sem
estudar; 2)No próximo ano, se fosse possível escolher entre se matricular na Eja e Nova Eja,
qual escolheria? 3)Sabe a diferença entre Eja e “Nova Eja”?
A escola selecionada para a pesquisa fazia parte da rede estadual de ensino do
estado do Rio de Janeiro e ficava localizada na área urbana da cidade de Campos dos
Goytazaces, município do Norte Noroeste do estado.Por determinação da SEEDUC a escola
iniciou no ano letivo de 2014 com vagas para a “Nova Eja”. E, na ocasião da coleta de dados,
a unidade escolar formou uma única turma de alunos para o 1º módulo da Nova Eja,
composta por 17 alunos, dentre os quais 11 participaram da pesquisa, o que corresponde a
aproximadamente 65 % do total de matriculados na turma (conforme gráfico 1).
842
Fonte: Pesquisa.
Com base nas respostas fornecidas na primeira parte da entrevista, foi possível
identificar um traço muito peculiar na EJA: o processo de juvenilização, uma vez que os
dados mostraram que do total de entrevistados, 66% tinham menos de 20 anos de idade
(conforme gráfico 2).
Gráfico 2: Idade
Fonte: Pesquisa.
Gráfico 3: Sexo
843
Fonte: Pesquisa.
Esses dados confirmam que o público da “Nova Eja” seria fruto de um processo de
juvenilização da Eja e que talvez o percentual de mulheres que abandonavam os estudos
poderia ser menor que o dos homens.
Na segunda parte do instrumento de pesquisa, a partir das respostas dadas, percebe-
se que 75% estava 2 ou mais anos fora dos bancos escolares.
Fonte: Pesquisa.
844
P11 - A Nova Eja termina mais rápido!
Observou-se, que a questão da natureza da “Nova Eja”, pareceu ser uma temática
conflituosa no âmbito da educação discente. Importante observar, que os discursos dos
docentes, se remeteram à Representação Social, à medida que demonstram algumas de
suas elaborações mentais construídas no coletivo, a partir da dinâmica que se estabeleceu
entre as atividades psíquicas dos sujeitos (nesse caso, os discentes) e o objeto do
conhecimento (a questão da “Nova Eja” para esses atores).
A análise das entrevistas orais permitiu-nos verificar que dentre os participantes,
poucos entrevistados demonstraram saber a respeito das diferenças entre EJA e “Nova Eja”,
como se pode ver nos seguintes depoimentos, quando se perguntou se sabiam a diferença
entre Eja e “Nova Eja”:
P3 - “Sei não qual a diferença(...)”
P5 - “Não é a mesma coisa não?”
P9 -“Teria que saber o que é Nova Eja (...)”
P10 - “Qual a diferença entre os dois?
P11 - A Nova Eja é está em que eu estou agora?
Considerando a indispensável necessidade de conhecer as condições reais em que os
indivíduos estão inseridos para uma análise plausível e cuidadosa da realidade e a questão
do papel social e histórico da EJA, foi que percebemos a importância de se analisar as
representações dos discentes, uma vez que essas, cumpririam com uma das funções da
Teoria das Representações Sociais, a medida estabelecia uma ordem e orientava os
indivíduos em seu mundo social, como apontou Moscovici (2007) ao definir sua teoria como:
Pode-se contatar também que o nível de conhecimento por parte dos alunos da rede
estadual de ensino a respeito das mudanças ocorridas na estruturação da rede estadual de
ensino no que diz respeito à Eja, mesmo daqueles que buscam matrícula nessa modalidade
845
de ensino foi muito aquém, do ponto de vista social e político, como afirmou Gadotti (1997),
quando disse que a escola não distribui poder, mas constrói saber que é poder. O autor
afirmou também que não se muda a história sem conhecimentos, mas tem-se que educar o
conhecimento para que se possa interferir na realidade. Para o ele, o papel da escola
consistia em colocar o conhecimento nas mãos dos excluídos de forma crítica, porque, a
pobreza política produz pobreza econômica (GADOTTI, 1997).
Diante destes discursos, ainda recorrendo aos estudos de Moscovici (2007),
percebeu-se a caracterização coletiva das representações, enquanto ideologias que se
transformaram em realidade compartilhada, na medida em que corporificou ideias, valores
e experiências coletivas. Nesse mérito, tendeu-se a induzir a seguinte provocação: até que
ponto foi, é, ou será real a remodelação estrutural da EJA no estado do Rio de Janeiro
enquanto proposta de educacional, proposta pelo estado? Nesse sentido, acrescentou
Moscovici “(...) um dos motivos do estudo das representações é o próprio ser humano com
o que ele tem de mais preciso: a capacidade de fazer perguntas e de procurar respostas,
buscando compreendê-las sem se conformar a elas (MOSCOVICI, 2007 p,48).
846
as representações que os alunos tinham sobre a “Nova Eja” pareceram estar ancoradas na
superficialidade e no “achismo”. Tal dado talvez indique a necessidade de se lançar um novo
olhar sobre a literatura referente às analises dos discursos dos alunos no sentido de ampliar
os conhecimentos sobre o núcleo estruturante da realidade vivida por esses sujeitos, assim
como até que ponto gestores, docentes e sociedade devem pensar toda estrutura, contexto
e diálogo no que concerne a implementação de projetos e programa sociais, sobretudo na
área da Educação de Jovens Adultos.
Assim, entendeu-se que grandes ainda sãos as dificuldades e entraves encontrados
Educação de Jovens e Adultos. Fato, que talvez se deva a dimensão essencialmente histórica
dessa educação que no Brasil, trilhou caminhos diversos, mas que cabe à sociedade e à
comunidade científica analisar os fenômenos e propostas educacionais, a fim de buscar
formas de superação dos problemas e embates, como aponta Moscovici ao insistir no papel
fundante de sua teoria no enfrentamento de tais questões: “[...] através das representações
nós superamos o problema e o integramos em nosso mundo mental e físico, que é, com
isso, enriquecido e transformado” (MOSCOVICI, 2007, p.26).
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849
ANÁLISE BIBLIOGRÁFICA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E DO CONCEITO DE
INTERDISCIPLINARIDADE
RESUMO: O presente trabalho é fruto de algumas reflexões iniciadas nas aulas da disciplina
“Introdução à Cognição e Linguagem” ofertada na Universidade Estadual do Norte
Fluminense (UENF) pelo Programa de Mestrado em Cognição e Linguagem credenciado pela
Capes. Configura-se num estudo de cunho qualitativo de natureza bibliográfica, cujo objetivo
é observar as possibilidades de interseção entre a Teoria das Representações e a perspectiva
da Interdisciplinaridade. A investigação girou em torno das situações históricas e contextuais
envolvidas na construção dos conceitos. Para tanto, observou as proposições de ambos no
campo científico e suas prováveis respostas frente à necessidade contemporânea de
superação das fragilidades impostas pela fragmentação da ciência.
Palavras-chave: Psicologia social. Representações sociais. Conhecimento.
ANÁLISES INTRODUTÓRIAS
A humanidade ao longo da história sempre procurou analisar e explicar os
fenômenos. Mas na medida em que, o conhecimento foi se tornando cada vez mais
complexo, houve uma veemente necessidade de exigir-se uma análise integrada e
multifacetada de explicação da realidade. Fazendo referência à busca humana por saberes e
sua relação com a vida social, o professo Gaudêncio Frigotto (2008) argumentou o seguinte:
Desse modo foi que contextualmente falando, o historiador britânico Erick Hobsbawn
desejando compreender como e por que o mundo veio a ser o que é, e para onde se dirige,
explicou em seu livro “A era das revoluções” que o século XX foi marcado por inúmeras
850
transformações, sobretudo do ponto de vista da ciência, da filosofia da religião e da arte e,
por conseguinte, dos impactos produzidos por essas mudanças (HOBSBAWN, 1962).
O fato de pensar na história da humanidade e no que tratou o pesquisador, fomos
estimulou a buscar discutir nesse trabalho, de forma breve e sucinta a questão da relação
entre a Teoria das Representações Sociais e a Interdisciplinaridade, enquanto categorias de
análises da realidade em construção, com vista a novas maneiras de fazer ciência na
contemporaneidade.
851
Por essa perspectiva, Alvarenga explicou que em termos de prática de pesquisa, a
ampliação da Interdisciplinaridade na ciência, impulsionou a partir do século XX, o
desenvolvido de novas práticas de pesquisa, com o propósito de unir as disciplinas, para que
juntas tentassem produzir respostas para os problemas (ALVARENGA 2010).
A interdisciplinaridade, como um enfoque teórico-metodológico ou gnosiológico,
como a denominou Gadotti (1999), insurgiu na segunda metade do século XX, em resposta a
uma necessidade verificada principalmente nos campos das ciências humanas e da educação
na busca em superar a fragmentação e o caráter de especialização do conhecimento,
causados por uma epistemologia de tendência positivista em cujas raízes estavam o
empirismo, o naturalismo e o mecanicismo científico do início da modernidade. Afirmou o
autor:
852
holística de conhecimento. Como resultado desse movimento, a aplicação da
Interdisciplinaridade na ciência, recomendou também, o surgimento de novas disciplinas
agregadoras, que unissem áreas especificas do conhecimento, a fim de compreender
fenômenos que seriam incompreensíveis com o conhecimento de apenas uma área
(ALVARENGA 2010).
Como um dos exemplos de “disciplina agregadora”, podemos quem sabe citar, na
Psicologia Social, a Teoria da Representação Social enquanto categoria epistemológica que
em sua origem recebeu influência tanto da Psicologia quanto da Sociologia.
853
Entre as razões que explicam a força desse movimento, já mencionei o
alcance da Teoria das Representações Sociais. A diversidade das dimensões
psíquicas, intelectuais e cognitivas que ela abraça, a diversidade dos níveis
sociais, individuais, interinindividuais, intergrupais e ideológicos que ela
articula permitem dar conta da complexidade dos fenômenos que uma
psicologia autenticamente social deve considerar (JODELET, 2011, p.21).
854
pré-decodificação da realidade por que ela determina um conjunto de
antecipações e expectativas (ABRIC, 1998, p.28).
855
ANÁLISES RELACIONAIS ENTRE A TEORIA DA REPRESENTAÇÃO SOCIAL E A
INTERDISCIPLINARIDADE
Se atentarmos para o significado da palavra interdisciplinaridade, perceberemos que
o sentido denotativo apresentado na primeira parte desse trabalho, fez referência à ideia de
ponte assentada na Teoria das Representações Sociais apresentada por Moscovici (1971) ao
explicar sua origem na relação dialógica entre psicologia e sociologia. Moreira e Oliveira
(1998) ao explicitar a interface entre Interdisciplinaridade e representações sociais partiram
dessa noção de diálogo entre as disciplinas, explicando assim, sua particularidade de
natureza interdisciplinar e o estabelecimento de comunicação em níveis de contribuição e
entendimento entre as disciplinas, de forma a auxiliar a compreensão cada vez mais clara
dos objetos de pesquisa (MOREIRA E OLIVEIRA, 1998).
Por essa perspectiva, Alves (2004), em um trabalho que abordou de forma crítica e
histórica a interdisciplinaridade enquanto conceito em construção, explorou o potencial das
representações sociais de explicar os fenômenos sociais em um enfoque dialético,
compreendendo o homem com ser psicológico e social. Sobre o caráter interdisciplinar da
teoria de moscoviciana, nos escritos da estudiosa observou-se o seguinte fragmento:
857
conhecimento condizentes com sua natureza, no sentido de abarcar ao máximo a totalidade
da realidade.
Sendo assim, o entendimento da Teoria das Representações Sociais como
Interdisciplinar ultrapassou sua gênese estrutural de interligar a área da psicologia e
sociologia. Compreendê-la como essencialmente Interdisciplinar, significa também apontar
suas potencialidades metodológicas e seus múltiplos constructos, como forma de integração
entre os sujeitos, processos sociais e o real.
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859
SATISFAÇÃO E IMPORTÂNCIA DO CURSO DE ELETROTÉCNICA/PROEJA - CAMPUS
ITAPERUNA NA PERCEPÇÃO DISCENTE
RESUMO: Este trabalho utiliza uma ferramenta estatística com o objetivo de ordenar itens
pré-definidos que interferem na análise da avaliação de satisfação e de importância que os
discentes do Instituto Federal Fluminense atribuíram à qualidade do curso de Eletrotécnica.
A pesquisa foi realizada no período de outubro/2011 a dezembro/2012 por meio de
aplicação de questionários aos discentes das turmas do 1º ao 6º períodos do Curso de
Eletrotécnica do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação
Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), no âmbito do projeto
“Diagnóstico da qualidade de ensino no PROEJA: um estudo na Região Norte e Noroeste
Fluminense, com foco nos aspectos formativos e metodológicos”, financiado pela
Capes/Observatório da Educação. Com base no trabalho de campo, os dados obtidos foram
tabulados e analisados. Desse modo, verificou-se que, considerando a análise dos discentes,
alguns itens apresentaram uma importância alta e uma satisfação baixa, demonstrando
necessidade de melhorias; outros apresentaram importância e satisfação altas, devendo ser
mantida a mesma política de ação; e ainda itens que, na visão discente, não interferem na
qualidade do curso. Dessa forma, nossa pesquisa justifica-se pela intenção de avançar nas
discussões sobre a qualidade do curso e apresentar itens gritantes para a gestão atuar de
forma pontual.
Palavras-chave: Questionário. Discentes. Importância e Satisfação.
INTRODUÇÃO
A Educação de Jovens e Adultos (EJA), através de amparo legal, é definida como
sendo uma modalidade de ensino, que se apresenta com o propósito de contemplar àqueles
indivíduos que, por únicas ou múltiplas razões, não acessaram a educação propedêutica
regular na faixa etária apropriada.
Segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010),
o número de brasileiros com mais de 15 anos de idade que não sabem ler e nem escrever é
860
de 12,9 milhões. Isto significa que 9,6% da população do país encontra-se em condição de
analfabeto ou analfabeto funcional. Nesse cenário, o número de matrículas no curso do
PROEJA em 2010 foi de 27 milhões e o total de investimentos disponibilizados pelo governo
federal nessa modalidade de ensino correspondeu a 37 milhões de reais, segundo dados da
Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica – SETEC (BRASIL, 2010).
O Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade
de Jovens e Adultos (PROEJA) trazia em seu arcabouço a junção das disciplinas técnicas com
as propedêuticas, assim como afirma a SETEC (2007, p. 12):
861
administrativo para os gestores atuarem de forma pontual nas áreas onde se fizer
necessário. Assim, no âmbito do objetivo geral, cinco objetivos específicos são apontados:
Identificar a avaliação de satisfação dos discentes em relação a itens
disponibilizados;
Identificar a avaliação de importância de itens disponibilizados na percepção
discente;
Sequenciar os itens em relação a avaliação de importância na visão discente;
Sequenciar os itens em relação a avaliação de satisfação na visão discente;
Propor trabalhos futuros sobre o tema da pesquisa.
REVISÃO DA LITERATURA
Como afirma Frigottoet al. (2005), o Decreto nº 5.478/2005, através de seus artigos
3º e 4º, legitima a união da formação profissional integrada ao ensino médio na modalidade
de Educação de Jovens e Adultos e deve ser ofertada como formação inicial e continuada ou
como habilitação técnica.
Em 13 de julho de 2006 é promulgado o Decreto 5.840/2006, o qual regulamenta o
Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na
862
modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) em conformidade e compatibilidade
com a Lei 9394 de 1996 e que oferece as diretrizes legais da Educação Nacional. Conforme
afirma Campos (2011, p.1):
METODOLOGIA
Descrição da Análise
No Campus Itaperuna, a aplicação dos questionários (43 no total) ocorreu nos meses
de agosto e setembro de 2012 e foi constituído por 20 itens de perguntas referentes a duas
vertentes: A Importância dos tópicos em relação à avaliação da qualidade do curso para os
discentes; e a Satisfação dos discentes com os tópicos analisados. Na avaliação para
Importância, foram listadas as seguintes opções:
[1] Nada Importante;
[2] Pouco Importante;
[3] Importância Média;
[4] Importante;
[5] Muito Importante, e
[N] Não Sei/ Prefiro Não Opinar.
Enquanto para Satisfação, foram avaliadas as seguintes opções:
[1] Totalmente Insatisfeito;
[2] Parcialmente Insatisfeito;
865
[3] Nem Satisfeito/Nem Insatisfeito;
[4] Parcialmente Satisfeito;
[5] Totalmente Satisfeito e
[N] Não Sei/Prefiro Não Opinar.
Posteriormente, os resultados são apresentados estatisticamente de forma descritiva
e é realizada a comparação entre a satisfação e a importância de cada item. Para tal análise,
segundo Matsukuma (2007, p. 89):
866
Fonte: Elaborada pelo autor, 2012.
867
Figura 2 - Matriz dos itens nos quadrantes.
Observa-se que, nos resultados apresentados, dos quinze (15) itens pré-
determinados, 11 se encontra na região do quadrante MANTER, o que significa que as
políticas públicas de fomento implantadas pela equipe gestora estão com uma avaliação
satisfatória; quatro (4) itens se encontram na região do gráfico MELHORAR, o que significa
que, as políticas públicas que dão subsídios a esses itens deverão ser reajustadas, visando a
uma melhoria.
Na figura 3, notam-se as posições dos itens em relação à satisfação e a importância,
dependendo da avaliação dos discentes do Campus Itaperuna.
868
Figura 3 - Matriz de posição de cada item em relação às médias de satisfação e importância.
4,5
Realização
profissional
4,0 Oportunidade de emprego
Horário
Didática
Conciliar curso e emprego
3,0
Novas tecnologias
Coordenação do curso
2,5
Visitas técnicas
Estágios
2,0
3,5 4,0 4,5 5,0
Importância
Fonte: Elaborada pelo autor, 2012.
869
Figura 4 – Percepção dos discentes em relação a avaliação de Importância-Campus Itaperuna.
Grau de Importância (médias e erros padrão)
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Figura 5 – Percepção dos discentes em relação a avaliação de Satisfação – Campus Itaperuna
Grau de Satisfação (médias e erros padrão)
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
871
importância dada a esses itens pelos discentes, no momento de avaliar a qualidade do curso
e reflete-se, com os resultados apresentados, o alto índice de insatisfação e também alerta a
equipe gestora do Campus sobre a necessidade de reformulação de suas políticas públicas
no momento de atribuir importância aos fatores de gestão da qualidade.
O item Localização, na análise dos resultados, apresentou, tanto para a avaliação da
importância como a da satisfação, valores considerados médios, demonstrando que, em
relação à mobilidade, a mesma não é considerada, por parte dos discentes, um fator de
interferência quando se analisa a qualidade do curso.
Conforme os resultados apresentados nesse trabalho, foi possível identificar alguns
aspectos que poderão subsidiar novas pesquisas, em que se destacam: a) Fazer uma análise
global envolvendo os outros cursos nesta mesma modalidade; b) Realizar pesquisa
semelhante junto aos docentes do curso; c) Realizar uma comparação dos dados obtidos
pelas visões dos discentes e docentes; e d) Fazer a comparação dos resultados obtidos entre
os softwares estatísticos SAEG e SPSS(Statistical Package for the Social Sciences).
AGRADECIMENTO
O presente trabalho foi realizado com apoio do Programa Observatório da Educação,
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES/Brasil.
REFERÊNCIAS
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Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de
Educação de Jovens e Adultos – PROEJA, e dá outras providências. Disponível em:
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874
O ESTUDO DE CASO NA LÍNGUA PORTUGUESA PARA O ENSINO DE JOVENS E ADULTOS:
REPENSANDO A DOCÊNCIA
RESUMO: Este trabalho teve sua origem nos fundamentos que regem a legislação da EJA, a
qual prevê o direito à educação básica daqueles que não tiveram acesso à escolarização
formal na idade devida ou tiveram sua escolaridade interrompida por algum motivo; e
ressalta a particularidade desse público. Por isso, a escola deve traçar diretrizes pedagógicas
para atender a essa modalidade de ensino. Contudo, o sistema educacional, apesar de ter
avançado em relação ao acesso à escolarização garantido por lei, ainda tem o desafio de
promover um ensino de qualidade que, efetivamente, atenda a essa especificidade. Dessa
forma, a prática docente precisa ser repensada a fim de buscar novas metodologias de
ensino adequadas ao perfil desse aluno. Nesse viés, a experimentação do estudo de caso
histórico pode ser um recurso para o diálogo como estratégia a dinamizar as relações de
ensino-aprendizagem, pois respeita, à medida que são conduzidas atividades que valorizem
a vivência do aluno, o princípio educacional da oferta de ensino específico para a
modalidade de jovens e adultos. Desse modo, o objetivo do presente trabalho foi verificar a
viabilidade da aplicação da técnica do estudo de caso para o processo de ensino-
aprendizagem da Língua Portuguesa numa turma de PROEJA do Instituto Federal
Fluminense, no âmbito do projeto Observatório da Educação. Percebemos, nesse estudo de
caso, os avanços dos alunos quando promovemos ações que valorizaram os seus saberes
trazidos e construídos sobre o tema da pontuação, uma vez que a apreensão das regras
desse conteúdo fez sentido prático para sua vida.
Palavras-chave: Estudo de caso. Docência. PROEJA.
INTRODUÇÃO
A proposta de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na
modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), concebida pelo Ministério da
Educação Profissional e Tecnológica (SETEC), promove a formação de jovens e adultos para o
mercado de trabalho e para o efetivo exercício da cidadania e inclusão social.
Os fundamentos que alicerçam o PROEJA estão em consonância com os pressupostos
da Constituição Federal do Brasil (1988) que prevê o direito à educação básica e a inclusão
875
daqueles que não tiveram acesso ao processo de escolarização formal ou tiveram sua
escolaridade interrompida por algum motivo.
Em 1996, a LDB reafirma os princípios da Constituição e destaca que a Educação de
Jovens e Adultos tem um perfil diferenciado, um público específico. Por isso, a escola deve
traçar diretrizes pedagógicas para atender a essa especificidade. Com isso, o sistema
educacional tem por imperativo legal e desafio propor uma nova estrutura, uma
metodologia adequada ao perfil desse aluno, uma proposta de ensino de formação completa
(humana, social e profissional) de um cidadão capaz de atuar plenamente no mundo.
A Educação de Jovens e Adultos traz em sua história momentos de avanços em
relação à Constituição e ao acesso à escolarização garantido por lei, mas não em relação ao
atendimento a esse público de modo particular. Mesmo que já se tenha reconhecido o
aspecto legal e que essa oferta de ensino deva ser diferenciada, a EJA não conquistou,
plenamente, esse reconhecimento junto aos profissionais da educação. Percebe-se, nesse
cenário, um momento de transição, um desejo de mudança que, por sua vez, traz a
necessidade de repensar a prática educativa, respeitando o princípio educacional de oferta
de ensino específica para a modalidade de jovens e adultos.
Todo momento de mudança, na verdade, é um momento de angústias, de incertezas
que gera insatisfações, desentendimentos, mas que, justamente por isso, é, ao mesmo
tempo, um momento positivo, fértil e, sobretudo, anunciador. O novo nasce do velho e
depende dele por isso. A solução surge no problema, partindo do reconhecimento de que
algo não funciona, requer mudança e necessita de atitude. É no desdobramento desse
percurso que a docência se encontra. A prática docente precisa ser repensada e discutida
porque é nesse exercício do pensamento que o professor encontra caminhos e faz
descobertas.
Nessa necessidade de mudanças, surge o estudo de caso, inicialmente desenvolvido e
aplicado em Medicina, Direito, Administração e Ciências Naturais, como recurso didático
para a compreensão de conceitos e resolução de problemas. Nesse viés, a experimentação
do estudo de caso no campo da Educação poderia ser uma ferramenta de revitalização da
prática docente fundamentada numa concepção de que a docência deve ser investigada no
876
ato da própria função e de que o diálogo deve ser promovido como estratégia a dinamizar as
relações ensino-aprendizagem.
Dessa forma, a técnica de estudo de caso pode também ser experimentada na
compreensão de conceitos e resolução de problemas na área da língua materna. E nesse
sentido, nosso estudo justifica-se por ser pioneiro no uso dessa metodologia no ensino de
Língua Portuguesa e por avançar nas discussões sobre a necessidade de se pensar em
práticas educativas diferenciadas que levem em conta a experiência de jovens, adultos e
idosos no processo de aprendizagem.
O estudo de caso é uma metodologia que busca criar situações-problemas, conflitos
inseridos em um contexto que favoreçam o debate e a argumentação. O papel principal do
professor consiste em mediar o conhecimento, criar um ambiente propício ao
desenvolvimento da autonomia, autoestima, senso crítico, iniciativa própria, criatividade,
capacidade de propor soluções, enfim, um ensino voltado para o perfil do aluno como
sujeito ativo e participante da construção do seu próprio conhecimento, da sua identidade
social e inclusão no mundo do trabalho.
O estudo de caso, de certa forma, veio atender a necessidade de pensar o ensino de
Jovens e Adultos de forma diferenciada, posto que não se pode mais conceber a EJA como
uma função de suplência, sendo agora uma modalidade da educação básica e como
modalidade tem um perfil específico, com características próprias (LDB 9394/96).
O estudo do caso valoriza a resolução de problemas de forma compartilhada, onde os
indivíduos assumem o compromisso de sua aprendizagem e ainda contribuem para o
aprendizado do outro. Para isso, deve-se levar em conta a vivência do aluno, os
conhecimentos, os valores que ele traz e ter a sensibilidade e habilidade de integrar as
questões em discussão com as suas contribuições.
Essa formação desejada implica uma postura ousada do professor, ou seja, implica
quebrar paradigmas, vencer as resistências surgidas na comunidade escolar, inclusive por
parte dos alunos habituados e acomodados ao sistema tradicional de ensino.
A aplicação do estudo de caso é mais disponível ao diálogo e mais complexa porque
o professor não tem apenas que dominar o conteúdo da aula, mas também promover a
interação, despertar os elementos provocadores do raciocínio, conhecer bem seus alunos,
877
manter a discussão viva, instigar, ou seja, deve conhecer a técnica na hora da elaboração e
aplicação do caso. Como diz Joseph Schuwab apud Merseth (1969), o professor deve [...]
“estar consciente de forma alerta e sensível do que cada aluno está dizendo e fazendo, não
só no momento, mas todo o curso da discussão”.
Com base nesses fundamentos, o presente trabalho tem como propósito utilizar a
técnica do estudo de caso no ensino da língua materna com o objetivo de verificar sua
viabilidade e sua relevância para o ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa numa turma
do PROEJA do Instituto Federal Fluminense. Na aplicação da técnica do estudo de caso,
aborda-se o tema “pontuação”, partindo de atividades desencadeadoras de discussões que
promovam reflexões, que viabilizem a construção dos sentidos e que proporcionem o
reconhecimento da necessidade da pontuação em um texto escrito.
A escolha do conteúdo “Pontuação” no ensino da língua portuguesa, neste estudo de
caso, tem como justificativa o letramento como um dos fatores de pertencimento, pois
Ouvimos, comumente, a fala de que “os sinais de pontuação servem para marcar, na
escrita, as pausas respiratórias, permitindo a entonação correta.” O estudo de caso em
questão tem o objetivo de revelar ou de fazer o aluno perceber a relevância e o sentido
prático da pontuação na elaboração do discurso, que o papel dos sinais de pontuação vai
além de marcas de pausas respiratórias, que a ausência da pontuação, assim como o seu uso
indevido, prejudica a compreensão do enunciado e compromete o discurso. A pontuação é
um recurso da língua escrita que aborda as inumeráveis particularidades da língua falada,
como gestos, expressões faciais, tonalidade de voz e todas as demais intencionalidades de
sugerir aquilo que está além da elocução oral, mas subentendido nas entrelinhas, como por
exemplo, pensamentos e sentimentos dos interlocutores.
A metodologia do estudo de caso, a ser aplicada nesta pesquisa, tem como proposta
verificar:
878
a) a construção do conhecimento como resultado da interação humana sob a
influência de um contexto específico: a pontuação;
b) o desempenho dos alunos através do estudo de caso.
Nesse sentido, o papel do professor é decisivo para contribuir na formação de um
leitor mais aguçado e malicioso, capaz de perceber a intencionalidade na utilização dos
recursos da pontuação nos textos.
PLANEJAMENTO DA AÇÃO DO ESTUDO DE CASO
Na prática docente, a etapa do planejamento é de suma importância para se
alcançarem os objetivos da proposta pedagógica. O planejamento do estudo de caso deve
ser traçado tendo em vista o perfil do público alvo. O corpo discente do PROEJA é
diferenciado e, para atender a essa especificidade que é exigência da LDB105, deve-se
conhecer bem os alunos, saber ouvir suas experiências, dialogar, criar uma relação de
confiança e de respeito entre escola-aluno, professor-aluno e aluno-aluno, gerando um
ambiente democrático, amigável, harmonioso e decisivo para o sucesso da aprendizagem.
O papel do professor é de líder da discussão e, ao mesmo tempo em que ele a
conduz, é também participante desse processo. O estudo de caso exige mais tempo de
preparação, um planejamento diferente da aula do ensino tradicional, que inclui preparar o
material, conhecer o assunto proposto, supor as indagações possíveis, direcionar as
discussões, envolver os alunos, incentivá-los e encorajá-los na troca de conhecimentos e na
participação do processo de aprendizagem.
A estratégia adotada no estudo de caso se pauta num planejamento detalhado e
flexível de uma proposta de um problema contextualizado no formato de um texto narrativo
e, como relata Fonseca (2012, p.36):
105
O art. 4º, inciso VI, da LDB impõe a oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; e
no inciso VII, a oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades
adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições
de acesso e permanência na escola.
879
Em seguida, a próxima etapa é a da interação: o aluno vai refletir sobre a questão
proposta e direcionada pelo professor, explicar seu ponto de vista, avaliar a opinião dos
colegas, repensar seus conceitos e, a partir dessa interação, elaborar uma solução.
O ESTUDO DE CASO
Para esta fase da pesquisa, escolhemos a técnica (ou metodologia) de Bardin (2009)
para aplicarmos o caso. Ela é dividida em três etapas: i) a pré-análise, ii) a exploração do
material e, iii) o tratamento dos resultados: a inferência e a interpretação. Essa metodologia
de ensino foi aplicada em uma turma do PROEJA do Instituto Federal Fluminense e teve
como primeiro momento a leitura, compreensão e interpretação do fragmento do texto
“Pontuação: operador da textualidade” (anexo 1).
Para esse momento da leitura foi utilizado um texto sobre a história da pontuação
cuja escolha justificou-se pelo fato de que se deve conhecer o assunto em sua origem para
despertar nos alunos o interesse, a curiosidade pelo tema, a disposição em fazer
descobertas e promover o conhecimento de forma segura, eficaz e construtiva.
Primeiramente, foi feita uma leitura direta do texto, sem interrupções ou
considerações para que os alunos percebessem a ideia geral. Sabemos que essa leitura inicial
é apenas a primeira etapa do processo, que a leitura, por si só, não dá conta de alavancar a
discussão pretendida no estudo de caso e que não é suficiente para desenvolver o
comportamento leitor. Promovemos essa prática efetiva da leitura como condutores para a
construção de sentidos, cientes dos objetivos didáticos a que essa ação se destinava.
Esse ato da leitura não deve ser visto como uma ação banal, mas como uma ação
com um propósito comunicativo entre professor-aluno para desencadear a discussão
pretendida. A leitura em voz alta permite uma interação entre a língua escrita e a língua
falada. Dessa interação, resulta um conhecimento novo. Isso significa que enquanto o aluno
escuta a leitura do professor, ele descobre que o seu pensamento organiza-se de formas
diferentes, atribuindo novas relações de sentidos.
A leitura do texto foi proferida em voz alta a fim de atrair a atenção do aluno e
revelar-lhe as múltiplas possibilidades que o texto oferece. Conduzimos essa prática social
da leitura fazendo com que todos os alunos participassem comentando o que foi lido,
880
levantando hipóteses, debatendo ideias e construindo seu conhecimento. Valorizamos a
vivência e as contribuições que os alunos trouxeram para a discussão, pois acreditamos que,
dessa forma, podemos contribuir no desenvolvimento da autoconfiança, autonomia e
pensamento crítico, imprescindíveis na construção do conhecimento e na formação
profissional e humana desse indivíduo.
Após esse momento inicial, fizemos uma releitura de cada parágrafo acompanhada
de indagações e inferências sobre a ideia central. Nessa etapa, procuramos atrair a atenção
para a história da pontuação, envolvendo os alunos e aguçando sua curiosidade.
O texto, sobre a história da pontuação (anexo 1), foi essencial para que os alunos
desenvolvessem a construção do conhecimento. Os alunos perceberam que os sinais de
pontuação não obedeciam, na sua origem, ao padrão hoje estabelecido: o lógico-gramatical.
Antigamente, a pontuação seguia o critério baseado nas pausas respiratórias e no perfil
melódico da cadeia falada: o ritmossemântico. Com esse conceito apreendido, os alunos
identificaram os motivos pelos quais o critério ritmossemântico foi sendo desconsiderado ao
longo do tempo e pelos quais a pontuação passou a seguir o critério lógico-gramatical
orientado pelos novos princípios do pensamento matemático.
Em seguida, desencadeamos a discussão encorajando os alunos a expor suas ideias e
motivando-os a continuar no exercício do pensamento, mantendo a discussão viva. Depois,
levantamos os seguintes questionamentos oriundos do texto:
1. Por que surgiu a necessidade do critério lógico-gramatical da pontuação?
2. Os textos, na Antiguidade, eram pontuados de acordo com a melodia dada pelo
autor. Outros leitores poderiam fazer diferentes interpretações desses textos?
Nessa etapa do debate, em que essas questões foram propostas, percebemos que os
alunos chegaram às conclusões de modo esperado pelo planejamento. Após esse momento,
pedimos que os alunos respondessem por escrito às questões que foram propostas para que
suas ideias ficassem registradas. Chamou-nos a atenção o fato de que os alunos, em sua
maioria, mostraram-se à vontade e seguros em realizar tal atividade, pois o debate
promoveu o envolvimento e a segurança do aluno com o tema.
É importante destacar que o nosso trabalho em sala de aula foi o de direcionar a
aprendizagem, não demos respostas prontas, induzimos o caminho ao aluno que participou
881
ativamente da construção do seu próprio conhecimento, assumindo a responsabilidade de
seu aprendizado. Desse modo, as respostas de grande parte dos alunos nos confirmaram
que eles compreenderam o papel da pontuação como um instrumento fundamental na
produção de sentido.
882
Registros escritos referentes à segunda pergunta
Sim. Por que o texto sem um padrão de pontuação a ser seguido gera muitas
interpretações. (aluno 1)
Sim. Talvez o leitor não entendesse o texto. O critério lógico-gramatical dá clareza de
sentido e lógica na relação entre as palavras. (aluno 2)
Sim. Porque o texto ficaria sem sentido, desorganizado e não obedeceria à um
padrão. (aluno 3)
Na época, o que era certo para eles, hoje é errado para nós. Então, eles entendiam
de um jeito diferente do de hoje. Sendo assim, para eles esse era o jeito certo da pontuação.
(aluno 4)
Sim. Porque cada um interpretaria de maneira diferente. (aluno 5)
Mais ou menos. Hoje nós temos esse entendimento, mas naquela época não
tínhamos essa visão. (aluno 6)
Sim. Hoje pontuamos seguindo um critério padronizado, mas naquela época
obedeciam a um padrão melódico. (aluno 7)
Sim. Porque na Antiguidade não se seguia um padrão. (aluno 8)
Sim. Porque as palavras colocadas sem pontuação confundiam muito o
entendimento, pois não havia organização nos textos. (aluno 9)
Talvez, antigamente, eles conseguissem até interpretar os textos. Mas, hoje, cada um
interpretaria de uma forma diferente esses textos antigos. (aluno 10)
Nos tempos antigos eles entendiam, pois era o modo de organizar o pensamento
deles. Mas, hoje organizamos de modo diferente. (aluno 11)
Sim. Quem lesse entenderia de formas diferentes ou sem lógica gramatical. Mas,
para as pessoas da época era certo. (aluno 12)
Sim. Pois os textos eram lidos de forma direta, ou seja, sem uma pausa definida e
isso, de uma certa forma, gerava duplo sentido, interpretações diferentes. (aluno 13)
Sim. Pois sem uma regra que siga o padrão lógico, o texto gera duplo sentido. (aluno
14)
883
Sim. Porque cada um lia de maneira diferente, fazendo entonações diferentes e por
isso gerava entendimentos diferentes. (aluno 15)
Sim, o texto gerava interpretações variadas. O emprego lógico-gramatical surgiu para
padronizar o texto. (aluno 16)
Consolidação
Neste momento, buscamos atrair a atenção do aluno para a relevância do conteúdo
da pontuação e consolidar o conhecimento que foi construído no estudo histórico realizado
através da atividade referente ao texto I. Dessa forma, a fim de despertar o interesse para
esse momento, aplicamos um segundo texto “O testamento e a Pontuação” (anexo 2) - que
narra a história de um homem rico à beira da morte que resolve escrever seu testamento,
mas morreu antes mesmo de ter tido tempo de pontuar o texto. A partir desse texto,
propomos uma atividade seguindo as seguintes etapas:
1. Fizemos a leitura até o terceiro parágrafo do texto.
2. Apresentamos o problema a ser solucionado.
3. Dividimos a turma em 4 grupos e cada grupo representou um dos quatro
personagens do texto citados no testamento.
4. A tarefa de cada grupo foi pontuar a frase do testamento de modo a contemplar o
interesse do personagem, representado pelo respectivo grupo, em receber a herança.
5. Ao final das apresentações do grupo, levantamos a seguinte questão: Qual a
importância da pontuação como instrumento imprescindível na produção de sentido?
6. Pedimos aos alunos que respondessem essa pergunta por escrito.
884
A importância da pontuação está na clareza de sentido que dá ao texto. Pontuar
corretamente garante o sentido que se quer dar ao texto. (aluno 4)
O uso indevido da pontuação gera ambiguidade. (aluno 5)
A pontuação é muito importante para preservar o sentido do texto, pois a pontuação
errada muda totalmente o sentido do texto. (aluno 6)
O uso errado da pontuação causa alteração de sentido do texto. (aluno 7)
Para garantir o sentido que se quer dar ao texto. (aluno 8)
A pontuação é muito importante para dar o sentido que se quer dar ao texto. O uso
incorreto ou a ausência da pontuação deixa o texto sem sentido, confuso. (aluno 9)
A pontuação é muito importante para dar o sentido que se quer dar ao texto. (aluno
10)
A ausência da pontuação muda o sentido das frases. (aluno 11)
A ausência da pontuação pode gerar vários entendimentos para o texto. (aluno 12)
O uso adequado da pontuação evita variações de sentido do texto. (aluno 13)
A pontuação dá sentido às frases e a ausência da pontuação gera desentendimento
para o leitor. (aluno 14)
Os sinais de pontuação dá clareza ao texto. (aluno 15)
Por causa da pontuação, observamos sentidos diferentes para um mesmo texto.
Portanto, a pontuação feita corretamente dá o real sentido que se quer dar ao texto. (aluno
16)
Percebemos que os alunos aprofundaram seus conhecimentos de forma prática
nessa atividade do texto II quando aplicaram os sinais de pontuação no texto. Conforme
propõe o estudo de caso, o grupo teve que discutir o problema, interagir com os colegas,
ouvir as opiniões, reavaliar sua conclusão e propor solução. Como nos diz Merseth (1991):
Esse exercício de interação dos alunos foi essencial para a resolução da questão, pois
à medida que os alunos iam inserindo os sinais de pontuação eles iam percebendo a
mudança de sentido no contexto e fazendo o uso adequado da pontuação. Desse modo, os
885
alunos perceberam que pontuar é mais do que uma pausa na respiração, mais do que
entonação e ritmo, mais do que uma organização sintática, mas, especialmente, um
instrumento capaz de construir sentidos ao texto. Assim, reconheceram o papel dos sinais de
pontuação como operador da textualidade e consolidaram o conhecimento apreendido no
texto sobre a história da pontuação (anexo1).
AVALIAÇÃO FORMATIVA
A avaliação aplicada neste estudo de caso foi baseada na concepção de avaliação
formativa, ou seja, uma atividade prática que se constitui de uma ação articulada e coerente
realizada no contexto da sala de aula nos momentos de interação professor-aluno a partir de
propostas colocadas pelo docente que observa o desempenho do aluno e conclui sobre as
aprendizagens construídas.
Sob esse enfoque a avaliação desempenhou um papel essencial, quando a
concebemos como
886
Desse modo, a avaliação é vista como um instrumento de orientação para a prática
docente, possibilitando ao professor diagnosticar e acompanhar a aprendizagem dos alunos.
Ao contrário da avaliação formal (de caráter classificatório), a avaliação formativa vai além
de medir conhecimentos, pois oferece informações aos professores e alunos para que eles
ajustem suas ações buscando novas estratégias de aprendizagem.
Primeiramente, aplicamos as tarefas contextualizadas que propunham problemas
levando os alunos a estabelecer relações para solucioná-los e, em seguida, realizamos
momentos de feedback que foram essenciais para analisar o desempenho dos alunos, pois
através deles recolhemos informações a respeito do processo ensino-aprendizagem para a
conscientização dos progressos e dos caminhos a seguir a fim de sanar as dificuldades.
Os momentos de feedback foram além de uma simples comunicação, foram
fundamentados no tema, no planejamento da aula, no estímulo à participação dos alunos,
na retomada das etapas do processo de construção do conhecimento e na contrapartida dos
alunos. Desse modo, avaliamos os resultados obtidos, observamos aqueles que alcançaram
os objetivos e aqueles que ainda não haviam reconhecido o papel da pontuação na
construção de significados, como instrumento de enunciação. Assim, através desse processo
de interação, pudemos ajustar as ações pedagógicas para a consolidação dos êxitos e fazê-
los perceber, de maneira plena, os recursos que a língua portuguesa oferece.
Dessa forma, concluímos que é viável utilizar a técnica do estudo de caso no ensino
da Língua Portuguesa. Essa metodologia foi primordial para a compreensão dos conceitos
que envolvem a pontuação. Constatamos que a construção do conhecimento baseada na
interação promoveu a autoconfiança, autonomia e contribuiu, significativamente, para o
desempenho dos alunos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito à educação não se restringe a uma etapa da vida e nem se restringe ao
espaço da escola, pois a vida é feita de aprendizados contínuos em diferentes espaços. O
sujeito é um ser que se faz por meio de experiências humanizadas, e é essa sua essência que
o faz interagir com o mundo e participar ativamente da construção do seu conhecimento, ao
mesmo tempo em que participa da construção do conhecimento do outro. E, justamente por
887
essa característica essencial do ser humano que não se deve conceber uma escola que
ofereça uma educação baseada na transmissão de saberes. A escola precisa partir desse
princípio humanístico para traçar suas diretrizes pedagógicas, propiciar situações e criar
ambientes para que essa interação promova a construção do conhecimento. Portanto,
aplicar a técnica de estudo de caso - metodologia baseada na interação - significa avançar na
busca de novas práticas pedagógicas emancipatórias, contribuindo para uma outra
concepção de educação de Jovens e Adultos que respeite especificidades da modalidade
EJA.
Dessa forma, entendemos que a dimensão linguística corresponde a um dos pilares
dessa formação desejada de um cidadão capaz de atuar plenamente na sociedade em que
vive. Vale lembrar que muitos Jovens e Adultos que retornam à escola desenvolveram
experiências culturais em sua vivência, mas vivemos numa sociedade que privilegia àqueles
que sabem ler, escrever e, sobretudo, àqueles que sabem fazer uso da escrita com
propriedade. Desse modo, entendemos que, para caminhar em busca da permanência do
aluno na escola, do sentimento de pertencimento, de uma educação de qualidade e de uma
formação completa e continuada, a escola deve partir do universo desse aluno, dar voz e vez
às suas expectativas. Não queremos adotar o estudo de caso como a salvação da educação e
nem como solução para os percalços do ensino da língua portuguesa, longe disso, mas essa
metodologia mostrou-se ser uma ótima estratégia para uma educação que promove uma
formação possível e condizente com a realidade.
Percebemos, nesse estudo de caso, os avanços dos alunos quando promovemos
ações que valorizaram os seus saberes trazidos e construídos sobre o tema da pontuação,
uma vez que a apreensão das regras desse conteúdo fez sentido prático para sua vida.
Reconhecemos que o estudo de caso não é o único caminho para essa concepção do
ato educativo como ação transformadora e participativa na construção do conhecimento,
mas que é viável para o ensino da língua portuguesa.
AGRADECIMENTO
O presente trabalho foi realizado com apoio do Programa Observatório da Educação, da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES/Brasil.
888
REFERÊNCIAS
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BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. Rio de Janeiro, 1999.
BRASIL. Congresso Nacional. Lei Federal nº 9.394. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. 20 de dezembro de 1996.
__________. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
__________. Parecer CNE/CEB nº 11/2000, de 10 de maio de 2000.
BRASIL. Ministério da Educação Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica.
Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de nível médio na modalidade
de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA. Documento Base, 2007.
ESTEBAN, M. T. Avaliação: momento de discussão da prática pedagógica. In: GARCIA, R. L.
(org.). Alfabetização dos alunos das classes populares. São Paulo: Cortez, 1997.
FONSECA, M. H. P. B. Ensino de Ciências da Natureza no PROEJA. 2011. Tese
(Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Ciências Naturais, Universidade Estadual do
Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Campos dos Goytacazes, RJ, 2011.
HERREID, C. F. The Death of problem-based learning? Journal of College Science
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HYGINO, C. B. Uso de Episódios da História da Ciência em Aulas de Física no PROEJA.
2011. 91 F. Dissertação (Mestrado) – Mestrado em Ciências Naturais, Departamento de
Programa de Pós-graduação em Ciências Naturais, Universidade Estadual do Norte
Fluminense Darcy Ribeiro, Campos dos Goytacazes, RJ, 20011.
MERSETH, K. The case for cases in teacher education. Washington, D.C.: American
Association of Colleges for Teacher Educacion, 1991.
O TESTAMENTO e a pontuação. Disponível em:
http://www.recantodasletras.com.br/gramatica/3300458. Acesso em 05 de set. 2014.
PAIVA, Jane. Os desafios da Educação no tempo presente. O lugar da EJA: de que
Educação estamos falando? Entrelaçando olhares por uma educação planetária. 1. ed. Rio
de Janeiro: Caetés, 2014. p. 77 – 106.
SÁ, L. P. e QUEIROZ, S. L. Estudos de Caso no Ensino de Química. Campinas: Átomo, 2009.
889
SILVA, J. F. (Org.). Práticas avaliativas e aprendizagens significativas. Porto Alegre:
Mediação, 2003.
ANEXO I
890
Segundo Houaiss, a história da pontuação revela, no mundo ocidental, como uma
lenta conquista. A tradução medieval legou-nos o sistema iniciado pelos alexandrinos,
enquanto o Renascimento limitou-se a herdar, em linhas essenciais, os principais signos de
pontuação modernos, empregando-os num sentido progressivamente lógico-gramatical,
enquanto antes se fazia preferentemente subordinado ao perfil melódico da cadeia falada e
às pausas respiratórias mais nítidas.
Essas observações de Houaiss, ao lado de considerações de antigos gramáticos,
deixam evidente que o emprego dos sinais de pontuação não obedecia, na sua origem, ao
padrão hoje estabelecido - o lógico-gramatical. Razões de ordem melódica, prosódicas
determinavam o uso desses sinais; assim, a produção do sentido fazia-se a partir de uma
base ritmossemântica, que foi, ao longo do tempo, sendo desconsiderada.
A lógica do pensamento, orientada por um raciocínio eminentemente matemático,
mudou os princípios sobre os quais se deveria pautar a pontuação. A partir daí, a
estruturação lógica passou a ser considerada como a base de uso da pontuação, deixando de
levar em conta as questões relativas a ritmo, à lógica aparentemente desorganizada do
pensamento em si.
[...]
Tânia Maria Nunes de Lima Câmara
ANEXO II
O TESTAMENTO E A PONTUAÇÃO
891
Um homem rico, sem filhos, sentindo-se que morreria logo, pediu papel e caneta e
escreveu assim:
“Deixo meus bens à minha irmã não a meu sobrinho jamais será paga a conta do
mordomo nada dou aos pobres”
O moribundo não teve tempo de pontuar o texto e morreu.
Eram quatro concorrentes. Chegou o sobrinho e fez estas pontuações numa cópia do
bilhete:
“Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho. Jamais será paga a conta do
mordomo. Nada dou aos pobres.”
A irmã do morto chegou em seguida com outra cópia do testamento e pontuou
assim:
“Deixo meus bens à minha irmã. Não a meu sobrinho. Jamais será paga a conta do
mordomo. Nada dou aos pobres.”
Apareceu o mordomo, pediu uma cópia do original e fez estas pontuações:
“Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do
mordomo. Nada dou aos pobres.”
Um juiz estudava o caso, quando chegaram os pobres da cidade. Um deles, mais
sabido, tomou outra cópia do testamento e pontuou deste modo:
“Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do
mordomo? Nada! Dou aos pobres!”
(Autor desconhecido)
http://www.recantodasletras.com.br/gramatica/3300458
892
DESAFIOS DA PRÁTICA EDUCATIVA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DO SÉCULO XXI
RESUMO: A economia como protagonista do contexto social abre espaço para que as
mudanças provocadas pelas novas tecnologias da informação se estabeleçam e suas
variadas possibilidades de aprendizado ramificaram-se para diversificadas áreas, mas o
sistema educacional permanece cercado por ideologias que não contextualizam a realidade.
No quadro de mudanças na natureza e no processo de trabalho passam a ser exigidos dos
trabalhadores: a capacidade de diagnosticar e solucionar problemas, aptidão para tomada
decisão, trabalho em equipe, enfrentamento de situações em constantes mudanças e
intervenção no trabalho para melhoria da qualidade dos processos, produtos e serviços. Essa
situação trouxe um lado luminoso para o processo de educação para o trabalho que foi a
possibilidade de um novo tratamento para os conteúdos, a partir de concepções gerenciais e
da introdução de tecnologias que exigem maior base de educação geral e formação integral
do indivíduo. Este estudo analisa práticas docentes nos cursos de formação profissional,
tomando por base a importância de uma educação voltada para o desenvolvimento de
competências e habilidades que ultrapassem a dimensão técnica. O procedimento que
envolve esta pesquisa é descritiva analítica e reflete a proposta pedagógica de uma
instituição de formação profissional relacionada à prática dos instrutores. A captação de
informações foi feita por meio de questionários respondidos por professores e alunos da
instituição. Os instrutores e alunos destacam a indisponibilidade/não utilização de recursos
tecnológicos e material didático como limitadores da prática de ensino dos instrutores. Isso
demonstra a complexidade da docência na educação profissional e a necessidade de
utilização destes recursos na operacionalização do desenvolvimento de competências.
Palavras-chave: Educação profissional. Práticas pedagógicas. Ensino por competência.
REALIDADE EM TRANSIÇÃO
É inegável a disponibilidade, em variadas formas, dos conteúdos que transitam por
meio de diferentes sistemas de informação. Real e virtual se completam das mais variadas
formas e mudam rapidamente o presente.
Na sociedade da informação, como é compreendido o atual momento que vivemos,
funções e processos dominantes estão cada vez mais organizados em torno de redes. De
acordo com Castells (1999), o processo que ocorre nesse novo modo de desenvolvimento
pelas redes é caracterizado por três estágios: a automação de tarefas (racionalização de
893
processos existentes); a experimentação de usos (inovações) e a reconfiguração de
aplicações (implementação de novos processos, criando novas tarefas). Como a matéria-
prima fundamental das novas tecnologias é a informação, cada novidade tecnológica pode
se tornar instantaneamente a matéria-prima para o próximo ciclo do desenvolvimento,
contribuindo para o aumento da rapidez do processo de inovação.
A transição se constata quando é manifestada a convivência de pessoas de gerações
tão diferentes. Seja Y, X, Z ou A, as classificações variam e são separadas sob variados
aspectos, sendo os mais marcantes a velocidade de propagação das informações e a
utilização das tecnologias.
Para uma geração que não experimentou viver toda uma vida na era digital dos
tempos atuais, compreender o perfil do estudante gera desconforto, insegurança e
compreensão limitada. Afinal, seus modelos mentais tem como base a educação
socioeducativa recebida em tempos cuja predominância da ideologia era baseada nos
sistemas produtivos. Nestes, os modelos de produção eram alinhados com características
em que os ambientes de aprendizagem consideravam o aluno de forma passiva. Assim como
o controle que caracterizava de forma marcante o período.
Por fim, neste sentido, Kenski (2012) no livro Educação e Tecnologias: o novo ritmo
da informação, salienta que:
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
894
Em decorrência do processo de inovação e de uma sociedade em que os
conhecimentos não param de evoluir, surge uma nova natureza para o trabalho. Para Pierre
Lévy (1999), filósofo francês da cibercultura, “trabalhar quer dizer, cada vez mais, aprender,
transmitir saberes e produzir conhecimentos”. O que é preciso saber profissionalmente já
não pode ser totalmente planejado nem precisamente definido com antecedência, diz Lévy.
As necessidades postas pelo trabalho e a definição de perfis profissionais são cada vez mais
singulares e mutantes.
Conforme relata, Pastore (2013), o mundo do trabalho não quer diploma, quer
pessoas com bom senso, lógica de raciocínio, que saibam trabalhar em grupo, saibam se
comunicar, saibam escrever, que entendem o que lê e que dominem o seu ofício.
As instituições educativas impulsionadas por demandas e significados oriundos dos
avanços tecnológicos e das novas concepções do trabalho sofrem mudanças decorrentes da
cultura, tempo, espaço e rumos educacionais. Nesse contexto de perplexidade do mundo
educacional que vivencia bruscas rupturas provocadas pelos avanços tecnológicos e
demandas produtivas, surge a preocupação sobre o desempenho do trabalho docente.
Moran (2013) destaca que, as mudanças dependem, em primeiro lugar, de termos
educadores maduros intelectual e emocionalmente, pessoas curiosas, entusiasmadas,
abertas, que saibam motivar e dialogar. Pessoas com as quais valha a pena entrar em
contato, porque desse contato saímos enriquecidos.
De acordo com Deffune e Depresbiteris (2002), muitos princípios e ações
pedagógicas poderiam ser criados para humanizar os currículos da formação técnica, entre
eles, i) a busca de estratégias para o desenvolvimento de uma aprendizagem significativa,
desafiadora, estimuladora de raciocínios mais elaborados, da participação ativa, da
resolução de problemas; ii) o oferecimento de oportunidades de simulação das diversas
formas de organização do trabalho, em série, em células e de modo individual, de maneira a
preparar o aluno para o contexto real, tanto para o mercado formal como para o informal;
iii)a visão do todo e de suas partes, considerando-se, principalmente, a lacuna encontrada
em práticas do trabalho organizado em série e a necessidade de preparar o futuro
trabalhador organizado para células de manufatura, que exige competências que vão além
do trabalho taylorizado.
895
E, dentro deste debate, este artigo prioriza compreender questões relacionadas à
competência docente e a formação profissional no curso técnico em Logística oferecido no
SENAC/RJ na Unidade Campos. O estudo reflete sobre os documentos institucionais sob a
ótica da Lei Diretrizes e Bases da Educação (LDB) seu percurso histórico da educação
profissional brasileira e o ensino do professor da formação técnica.
BASE LEGAL PARA FORMAÇÃO DE PESSOAS PARA O MERCADO DE TRABALHO
Uma educação voltada para o desenvolvimento de competências e habilidades que
ultrapasse a dimensão técnica contemplando o trabalho com as dimensões de
desenvolvimento do indivíduo e a formação cidadã.
A nova diretriz constitucional demonstra a necessidade de ajustes nos sistemas de
ensino, conduzindo à elaboração de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, que após oito anos da promulgação da nova constituição, é finalmente
regulamentada, como a lei 9394 em dezembro de 1996, e denominada lei “Darcy Ribeiro”
em homenagem ao seu mentor. Segundo Frigotto (1998, p.25), a nova LDB apresenta-se de
forma generalizada, em relação à legislação anterior, a lei 5692/71, na medida em que passa
a conferir aos sistemas de ensino, maior liberdade na organização de suas propostas.
Ao ensino profissional, por suas características técnicas e específicas, a nova lei
atribui o estatuto de preparação para o mundo do trabalho às unidades de ensino que
atendem por força de lei, a esta modalidade. Esta especificidade da formação profissional,
segundo o legislador não pode excluir da formação do técnico, e educação geral, tanto que,
em seus artigos 39 e 42, a LDB considera que: “A Educação Profissional deve estar integrada
às diferentes formas de educação, assim como ao trabalho, à ciência e à tecnologia”.
Entre os referenciais específicos, destaca-se o Decreto Federal 2.208/97, que
estabelece as diretrizes da Educação profissional, situando às competências do Ensino
Técnico e Tecnológico, desde a preparação para o trabalho na Educação Básica, até o ensino
profissional e as instituições que estão credenciadas para ministrá-lo.
Sua organização curricular passa a ser própria e independente do ensino médio,
podendo ser oferecida de forma concomitante ou sequencial a este. Mas, a desvinculação
não significa que as instituições deverão oferecer um ensino exclusivamente prático:
896
Qualquer curso profissionalizante sempre demandará a estruturação de
currículos contemplando todas as dimensões do desenvolvimento humano:
a cognitiva, a afetiva e a psicomotora, fundadas em princípios éticos,
políticos e estéticos que contribuam para consolidação de conceitos e
valores indispensáveis ao exercício da cidadania na democracia. (DECRETO
N° 2.208/ 97).
897
ALUNOS
A população alvo da pesquisa foi composta por 140 alunos do curso de Técnico em
Logística, sendo distribuídos em seis grupos. Dos grupos não foi considerado participantes
do primeiro módulo, pois a percepção seria afetada pelo curto prazo de experiência
discente.
A pesquisa realizada foi do tipo censo que conforme aponta Lopes (2003, p.1): é a
coleta exaustiva de informações das "N" unidades populacionais, ou seja, o exame de todos
os elementos de uma população ou universo. Na etapa de aplicação dos questionários não
foi possível alcançar toda a população alvo, tanto de instrutores como de alunos mostrando
indícios de taxa de insucesso ao final do levantamento. A coleta de dados utilizada foi uma
adaptação do instrumento SERVQUAL, cujo objetivo é analisar a satisfação de cliente em
relação a serviços ou produtos ofertados por empresas e organizações.
O documento foi disponibilizado por meio de formulário do aplicativo Google docs. A
coleta com os alunos foi feita presencialmente em sala de informática da instituição. Foi
encaminhada mensagem eletrônica aos instrutores e também solicitação de preenchimento
do formulário presencialmente de acordo com a disponibilidade na instituição.
Os gráficos 1, 2 e 3, apresentam dados levantados por meio dos questionários. São
cinco afirmativas, diante das quais cada aluno e instrutor deveria se posicionar em uma das
opções dadas: Discordo fortemente (1), Discordo (2), Concordo parcialmente (3), Concordo
(4), Concordo fortemente (5).
No Gráfico 1, segundo as pesquisadoras, dos alunos que participaram da pesquisa,
61% concordam fortemente que nas aulas são apresentados desafios que estimulam a
aprendizagem e o agir profissional. A estratégia de utilizar desafios para estimular a
aprendizagem é de grande importância na educação profissional, pois o aluno vai sendo
preparado para enfrentar situações inesperadas e desafiadoras que podem acontecer no seu
dia-a-dia e no ambiente de trabalho.
898
Fonte: SIQUEIRA; SILVA, 2013.
899
Fonte: SIQUEIRA; SILVA, 2013.
INSTRUTORES
No item 14 do questionário, questão de base discursiva, os instrutores apontam duas
vertentes em relação à maior dificuldade para realização de suas atividades. A falta de
equipamentos tecnológicos e materiais didáticos disponíveis foram descritos por 55,56% dos
instrutores como a principal dificuldade encontrada. No Quadro 2 é mostrada a resposta de
um dos instrutores ao referido item do questionário.
900
Quadro 2: Pergunta aberta respondida por um dos instrutores
Podemos perceber que recurso didático é todo o tipo de material que possa facilitar
a absorção do conteúdo pelo aluno. A fim de exemplificar, podemos citar como recursos
didáticos: cartazes, data-show, computador, filmes, mapas, retroprojetor, revistas, jogos. O
professor tem o papel de selecionar os melhores recursos a fim de facilitar o entendimento e
absorção do conteúdo que ele deseja aplicar.
REFERÊNCIAS
CASTELLS, Manoel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
DEFFUNE, Deisi; DEPRESBITERIS, Léa. Competências, habilidades e currículos de
Educação Profissional: crônicas e reflexões. 3. ed. São Paulo: Editora SENAC, 2002.
KENSKI, Vani Moreira. Educação e Tecnologias: o novo rítmo da informação. 8. ed. São
Paulo: Papirus, 2012.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. Rio de Janeiro: Editora 34, 1999.
MORAN, José Manuel; MASETTO, Marcos T.; BEHRENS, Marilda Aparecida. Novas
tecnologias e mediação pedagógica. 21. ed. São Paulo: Papirus, 2013.
902
PASTORE, J. Educação e mercado de trabalho. Publicado em 26 jul. 2013. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=QIa2RaCqqfE>. Acesso em: 02 nov. 2014.
SIQUEIRA, Carla Lessa; SILVA, Jaqueline Dias. Prática de Ensino dos Instrutores e
Proposta Pedagógica: Curso Tecnico de Logística do SENAC\ RJ unidade Campos. Rio de
Janeiro, 2013 Artigo Científico apresentado ao Curso de Pós Graduação em Educação no
Século XXI do IFF Campos.
903
DESIGUALDADES SOCIAIS E VIOLÊNCIA CONTRA O PROFESSOR NA EDUCAÇÃO BÁSICA
RESUMO: As desigualdades sociais presentes no Brasil se dão por meio, também, da escola,
por não ofertar uma educação de qualidade, acarretando em desigualdades educacionais,
tendo em vista que o país ainda não atingiu um ensino de excelência. O presente trabalho
tem por objetivo analisar como as desigualdades sociais no Brasil contribuem para o
crescimento dos casos de violência escolar contra os profissionais da educação,
especialmente contra os professores e que os fatores educacionais são fortes determinantes
de futuras desigualdades sociais, o que se dará por meio das desigualdades de
oportunidades presentes no sistema educacional. A metodologia utilizada foi qualitativa,
tendo como instrumentos relatos de professores, pesquisa e revisão bibliográfica. A
pesquisa traz a problemática da desvalorização do docente perante a sociedade e suas
consequências para o universo escolar. Foram pesquisados relatos de professores que
sofreram com a violência escolar e os motivos para ocorrência destas. As considerações têm
por objetivo contribuir para uma melhor reflexão sobre o sistema educacional brasileiro,
bem como a importância da educação no processo de identidade do educando.
Palavras-chave: Desigualdades sociais. Desvalorização do docente. Violência escolar.
INTRODUÇÃO
As desigualdades sociais presentes no Brasil se dão por meio, também, da escola, por
não ofertar uma educação de qualidade, acarretando em desigualdades educacionais, tendo
em vista que o país ainda não atingiu um ensino de excelência. Para que a economia do país
cresça com maior igualdade de renda é necessário que a educação passe por muitas
mudanças, com políticas públicas eficazes e comprometidas com a qualidade do ensino.
Na atualidade, com as informações que chegam a todo o momento pelos diversos
tipos de meios de comunicação, a escola está inserida em uma sociedade que requer uma
mudança, cujas transformações em todos os seus aspectos econômicos, políticos e culturais,
estão subordinados a uma dinâmica globalizante e demandam a vitalização de competências
de toda a comunidade escolar. A sociedade atualmente está inserida num contexto marcado
pela crise do mundo do trabalho que se reflete de várias formas no universo educacional.
Um exemplo é a participação da mulher no mercado de trabalho. A responsabilidade da
904
educação dos filhos, que antes pertencia principalmente à família, passa a ser cada vez mais
transferida para a escola, que atualmente é responsável pela socialização e formação moral
das crianças e jovens, indo muito além dos limites da formação intelectual.
Nessa perspectiva de desigualdades educacionais, a educação se torna cada vez mais
presente e necessária para a formação do capital humano e cultural, e o professor acaba
sendo o agente facilitador da aprendizagem, contribuindo para um melhor desempenho de
seus alunos.
Nesse sentido este estudo tem por objetivo analisar a importância da educação para
todo indivíduo seja ele de classe mais favorecida ou menos favorecida, bem como o
problema da desvalorização que o professor sofre enquanto profissional da educação e
agente primordial neste processo do conhecimento, buscando analisar os casos de violência
sofrida por este profissional.
Este estudo trará, posteriormente, as considerações finais. Espera-se que este
contribua de forma satisfatória para uma melhor compreensão sobre a importância da
educação e do professor para a sociedade.
905
os cidadãos possam estudar e se qualificar para atender a urgente expansão da
industrialização que requer da escola, técnicas e alto poder de inovação para que os
estudantes possam dar retorno como demanda efetiva do desenvolvimento tecnológico e
econômico.
E é nesse cenário educacional, econômico e político que surgem as análises de
Bourdieu, voltadas à sociologia da educação e da cultura. Ele dedicou-se
à pesquisa empírica e teórica relacionadas às sociedades contemporâneas e às relações
sociais que permitem a reprodução da cultura dominante dentro do sistema de ensino.
Conforme Bourdieu, o ser humano é um ator socialmente construído, em seu
ambiente familiar, tornando-se fruto do meio em que se vive e o capital cultural é de grande
valia para explicação das desigualdades escolares.
Nessa mesma perspectiva, Soares (2006) define a ideologia do dom, segundo a qual
as causas do sucesso ou do fracasso na escola devem ser buscadas nas características dos
indivíduos: a escola oferece “igualdade de oportunidades”, e o bom aproveitamento dessas
oportunidades dependerá do dom de cada um. Este “dom” seria a capacidade do aluno em
se adaptar à sociedade como um todo, em favor de suas aptidões individuais. Deste modo, o
fracasso escolar está fundamentado pela incapacidade do aluno em se ajustar ao que lhe é
ofertado.
Pode-se se contrapor a abordagem de Bourdieu com a concepção da ideologia do
dom. Para ele, a escola é uma das principais instituições a qual os privilégios sociais se
mantêm, pois o conhecimento é cobrado em prol dos grupos dominantes, como se sua
cultura fosse universal. Já para Soares o fracasso do aluno não seria de responsabilidade da
instituição, porque ela competiria atender de forma desigual os desiguais por natureza,
perpetuando assim as desigualdades sociais dentro da escola (NOGUEIRA e NOGUEIRA,
2002).
De acordo com Nogueira e Nogueira (2002), na sociedade existem vários arbitrários
culturais, pois nenhuma cultura é superior à outra. Os valores, atitudes, comportamentos
não se fundamentam de forma universal. Cada grupo social possui uma cultura e no caso da
escola a cultura escolar só se fará legítima quando considerada em disputa igualitária entre
as classes sociais. O autor acredita que os valores arbitrários capazes de se consolidar como
906
cultura legítima, no caso das sociedades de classes, seriam os valores da classe dominante,
tornando-se legítima por esta classe. As classes dominadas teriam que se adequar a este
arbitrário imposto da cultura escolar que acaba por favorecer apenas à classe dominante o
conhecimento necessário. A violência simbólica ocorre pelo fato dos estudantes da classe
dominada não se reconhecerem como parte integrante da cultura escolar.
No caso mais específico da instituição de ensino que é fundamentada pela ação
pedagógica, ela pode ter a capacidade de, a partir de seu currículo, não ser arbitrária e nem
vinculada a nenhuma classe social.
Segundo Nogueira e Nogueira (2002, p. 29),
Para o autor, o que não pode faltar na vida de uma pessoa é uma escola pública de
qualidade, eficaz e gratuita, capaz de levar o aluno a conscientização do seu reconhecimento
como cidadão atuante e incluso na sociedade civil, nas reivindicações de seus direitos, a
refletir antes de tomadas de decisões que o auxiliem na construção de um mundo mais
digno e justo.
908
Nessa sociedade moderna é preciso ainda compreender a educação como meio de
ascensão social, pois ela é o principal meio para se inserir o sujeito no mundo em que vive e
no mercado de trabalho, hoje tão competitivo. A partir dela, pode-se conhecer diferentes
realidades e vivenciar melhores oportunidades como, histórias e culturas de outras nações
por meio dos livros de História, tornando-se necessário que o sujeito tenha a escolarização
da educação básica, para que posteriormente possa escolher qual disciplina do Ensino
Médio na qual se identifica, para o ingresso em uma universidade ou faculdade e assim,
prolongar-se nos estudos, sempre lembrando que é a partir da mesma que poderá sair do
grau de pobreza e desigualdade humana ao qual se vive e até chegar ao sucesso almejado.
De acordo com a LDBEN nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996:
909
Dentro das ações políticas educacionais, o Governo Federal lança o novo projeto de lei do
PNE (Plano Nacional de Educação), no decênio 2011-2020, de acordo com artigo 214 da
Constituição Federal, no qual altera as metas a serem alcançadas, sendo revisto também o
percentual do PIB (Produto Interno Bruto) nacional a ser investido na área da educação.
Conforme Art. 2º São diretrizes do PNE - 2011/2020:
I - erradicação do analfabetismo;
II - universalização do atendimento escolar;
III - superação das desigualdades educacionais;
IV - melhoria da qualidade do ensino;
V - formação para o trabalho;
VI - promoção da sustentabilidade sócio-ambiental;
VII - promoção humanística, científica e tecnológica do País;
VIII - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em
educação como proporção do produto interno bruto;
IX - valorização dos profissionais da educação; e
X - difusão dos princípios da equidade, do respeito à diversidade e a gestão
democrática da educação (MEC) 2012.
910
A VIOLÊNCIA ESCOLAR NO COTIDIANO DO PROFESSOR
O professor, sendo um agente do processo de ensino e aprendizagem, se vê
ameaçado, angustiado e desvalorizado, deixando sua autoestima baixa, pois quando não
consegue exercer seu papel na sociedade, que é o de educador, ou seja, facilitador da
aprendizagem se encontra retraído e com medo. Nota-se que esses casos de violência
ocorrem dentro do seu próprio ambiente de trabalho.
911
No caso mais especifico da violência escolar, a sala de aula torna-se um campo de
trabalho ameaçador para os professores, com isso a escola que deveria ser um lugar de paz
e construção do conhecimento, está cada vez mais violenta e insegura.
O relato acima comprova o que foi afirmado por Silva (2008), que o professor tem
sofrido violência, até mesmo quando tem por objetivo corrigir um aluno, visto que a
violência tem ocorrido também aos arredores das escolas, se manifestando nos espaços
públicos e privados.
A sociedade brasileira por sua vez, vem-se deparando com um aumento das
violências nas escolas, sendo diversos os episódios envolvendo agressões
verbais, físicas e simbólicas aos atores da comunidade escolar, fato que
despertou as atenções das diversas instâncias governamentais, dos
organismos internacionais e da sociedade civil (SILVA, 2008, p. 3).
912
acolhedor, torna-se um lugar agressivo e que acaba por contribuir para doenças de muitos
professores.
Por isso, a urgência que se tornou essencial hoje – e que muitos não
percebem, é tratar a violência na escola como um trabalho de lucidez
quanto ao que estamos fazendo com nosso presente, mas, sobretudo, com
o que nele se planta e define o rumo do futuro. Para isso, é preciso renovar
nossa capacidade de diálogo e propor um novo projeto de sociedade no
qual o bem de todos esteja realmente em vista (TONCHIS, 2012, p. 3).
Diante desses aspectos, espera-se que a escola coloque em seus projetos anuais,
formas de tratar a violência escolar, a partir de debates e discussões, até mesmo através de
relatos de outros professores trazendo para os alunos a importância de respeitar o próximo,
bem como o sofrimento, o próprio afastamento do magistério e o trauma que um professor
pode levar para o resto de sua vida, quando é agredido na escola, que é o seu local de
trabalho.
Sendo assim, acredita-se na necessidade do poder público em se envolver de forma
comprometida com as instituições de ensino, pois assim os professores estarão mais seguros
em seu ambiente de trabalho e a escola passaria a ser um lugar com menos agressões físicas
e verbais.
Desta forma acredita-se que muitos professores têm desistido do magistério, pois
levam horas planejando suas aulas, e quando chegam à sala de aula são deparados com
alunos desinteressados e ainda por isso munido de objetos cortantes, como neste exemplo,
uma tesoura. A pergunta que fica é até que ponto o professor vai ser desvalorizado neste
país, principalmente os de educação básica?
“Não sei onde recorrer, pois, dentro da escola não tenho apoio. Fui
agredida, fui xingada e registrei no livro de ocorrências, porém a escola não
fez nada. Fui à delegacia e agora estou sendo discriminada dentro da
escola. O que fazer?” (Relato de uma professora, EDUCAÇÃO PÚBLICA,
2012).
Pode-se definir violência como sendo "o uso de palavras ou ações que
machucam as pessoas. Violência também é o uso abusivo ou injusto do
913
poder, assim como o uso da força que resulta em ferimentos, sofrimento,
tortura ou morte" (MALDONADO, 1997, p. 9).
A violência no meio escolar vem se firmando e sendo constatada de maneira cada vez
mais rápida no dia a dia dos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem, mais
específico no caso do professor, sendo um campo que não pode ser deixado de lado, pois a
agressividade tem se alastrado no universo escolar, desse modo o professor deverá
promover o entendimento com as diferenças, e a escola deverá ser um espaço de
convivência, onde os conflitos deverão ser trabalhados da melhor forma possível e
compreensível. Nota-se que as políticas públicas e a segurança na escola são fatores
decisivos na contribuição para que esta violência escolar se amenize.
Assim, a violência aparece de maneira assustadora nos mais variados ambientes
sociais, mas principalmente na escola.
Este relato traz a indignação de um professor que após repreender seu aluno por
indisciplina é agredido com socos e chutes. Pode-se assim afirmar que entrar em uma sala
de aula hoje passou a representar uma tarefa de risco para muitos educadores. Sabe-se que
a violência contra os professores ocorre tanto na rede pública quanto na rede particular de
ensino, se fazendo sempre presente.
Nesse sentido, torna-se necessário um amplo debate sobre essas questões, pois não
há mais quem diga que aquele olhar respeitoso, de valorização e de reconhecimento social
oferecido aos professores vem perdendo lugar para a desvalorização, o desrespeito, o
estresse e o desânimo.
Acredita-se que na atualidade, a velocidade com que as mudanças e as informações
ocorrem é preciso que a escola, principalmente na figura do próprio professor, participe de
maneira efetiva de toda essa mudança. O professor neste contexto de violência se vê
coagido e despreparado.
914
As agressões físicas ou verbais e as ameaças de alunos contra professores são
evidências do retrocesso que sofre o profissional da educação vítima de uma clara
desvalorização da sociedade. Ainda existem professores que são agredidos e não denunciam
por medo de perderem suas vidas ou até mesmo de envolverem suas famílias neste
contexto violento e inseguro.
O Portal O Globo Educação diz que:
915
alunos, como também de parentes deles, no entanto pouco o país tem feito para garantir
verdadeiramente a saúde do professor e a segurança nas escolas.
Essa situação é agravada pelo fato do professor além de ter que trabalhar muito e em
diversas escolas, na tentativa de receber um salário digno para sua sobrevivência. Para a
resolução dessas agressões, muitos professores se abstém à direção da escola, considerando
adequada e suficiente para solucionar os conflitos entre alunos, professores, funcionários,
pais e a comunidade.
Outro relato que deve ser levado em consideração, é de um professor de História da
Escola Poeta Manuel Bandeira localizado no Estado de Pernambuco.
“Me encontrava na sala dos professores com mais cinco colegas, se não me
falhe a memória, preenchendo o diário escolar de 2010, quando o aluno
Emaxwell Robson foi saber o resultado, assim como várias outras pessoas. A
vice-diretora havia dito que ele estava reprovado em quatro disciplinas,
dentre as quais a minha. Segundo relato da vice-diretora, após xingar todos
os professores, de que podia xingar, ele se dirigiu para sala dos professores.
Ele abriu a porta, eu não percebi, só senti duas tapas fortes nas costas
quando eu virei o rosto para briga do lado de fora. Em momento nenhum
esbocei reação com medo que ele estivesse armado. Eu estava com medo
que ele estivesse armado. Me deu dois chutes, mas não pegaram. As
meninas começaram a gritar e alguém gritou algo relativo ao portão. Feche
o portão, fecha à grade, alguma coisa assim, na esperança de prendê-lo na
escola, enquanto a polícia era chamada. Ele correu, acho que ele empurrou
alguém que iria fechar o portão, porque funcionários do sexo masculino
com exceção da minha pessoa havia só o menino dos serviços gerais, todas
as demais eram mulheres. Ele saiu, pegou a bicicleta, ele sempre vinha de
bicicleta e disse que do lado de fora a gente acertava o restante. Após a
agressão ele me ameaçou. Eu não percebi que estava sangrando, as
meninas perceberam e chamaram a patrulha escolar. Tem um posto que
fica bem próximo à escola, mas chegando no posto só tinha um policial,
esse policial não podia sair dali e deixar o posto vazio. Meia hora depois, 40
minutos, chegou a patrulha do GTARC, responsável pela área. Foram
repassados os dados de Emaxwell, endereço, nome da mãe, tudo isso, os
policiais sabiam quem era. A família dele tem um histórico policial longo.
Ele não tem ficha, mas segundo relato dos policiais, ele era conhecido por
916
uso de drogas. Na escola, ele é conhecido por perturbar bastante, não
respeitar os funcionários, não respeitar o pessoal da limpeza” (SINTEPE,
2011).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se que existe a necessidade de uma maior reflexão do Estado sobre o seu
papel quanto à legitimidade no controle da violência, para que assim contribua de forma
significativa para a diminuição da violência escolar. É necessário que o professor da rede
pública consiga ter uma prática de ensino com qualidade. Nesse sentido as situações e
problemas que permeiam as relações na escola atentam para uma compreensão de diversos
tipos de disparidades, que são produzidas e redimensionadas por aqueles que compõem o
universo escolar e que necessitam ser pensados, visando trazer novos significados sociais e
políticos do que é vivenciado no cotidiano escolar.
Diante dos relatos foi possível observar que os professores costumam adotar uma
posição passiva diante das agressões físicas, verbais e morais sofridas. Por outro lado outros
vão contra o sentimento de impotência, recorrendo assim a instituições que os ajudem a
resolver esses conflitos. Diante desses aspectos pode-se constatar que, para uma sociedade
ser bem desenvolvida, faz-se necessário uma educação dotada de instrumentos eficazes
para o pleno desenvolvimento do educando.
Em suma, entende-se que para a educação ser eficaz é preciso que a qualidade do
ensino não esteja somente presente nas leis brasileiras e, sim, garantida, de forma que o
professor seja valorizado em seu campo de trabalho, com escolas bem estruturadas,
professores recebendo um salário digno para exercer seu trabalho, que é fundamental para
obtenção da verdadeira qualidade do ensino, bem como projetos educativos que tratem
toda essa problemática da violência escolar na sociedade.
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professores. 3ª Ed. São Paulo : EDUSC (coleção Educar), 1999.
920
INVESTIGAÇÕES SOBRE ESTRATÉGIAS QUE LEVAM AO BOM DESEMPENHO DE ALUNOS DO
ENSINO SUPERIOR A DISTÂNCIA
RESUMO: O presente trabalho foi desenvolvido a partir de uma pesquisa com alunos do
Curso de Pedagogia de uma Instituição de Ensino Superior à Distância que visou analisar
elementos que colaboram ou não com o bom desempenho dos estudantes, visto que apesar
do seu crescimento e aprimoramento, a EAD ainda tem altos índices de reprovação e/ou
evasão. A pesquisa foi realizada com alunos que permanecem em curso e teve como
objetivo compreender as motivações que levam a essa permanência. Outro intuito é
esclarecer possíveis problemas e buscar estratégias para melhorias. Sua realização se deu
através de entrevistas e questionários que buscavam conhecer os instrumentos de avaliação
mais utilizados, os problemas mais frequentes, os resultados e outros fatores considerados
essenciais ao sucesso ou fracasso pelos alunos. Os alunos apontaram algumas falhas nas
práticas do curso, como desorganização do material, avaliações em desacordo com o
conteúdo programático e pouca interatividade com os coordenadores de disciplina e tutores
à distância. Em relação às suas práticas, apontaram a pouca dedicação e a falta de
organização pessoal. O bom desempenho foi associado à qualidade do material e dos
profissionais envolvidos, ao desenvolvimento de uma autonomia por parte do aluno e aos
estudos em grupo. Os alunos pesquisados foram levados a se autoavaliar, e assim puderam
perceber suas falhas e suas conquistas. Muitos alunos reconheceram ser responsáveis tanto
pelos êxitos como pelos fracassos, se reconheceram como sujeitos ativos no processo
ensino-aprendizagem. Essa tomada de consciência parece ser elemento essencial para o
bom desempenho e permanência no curso.
Palavras-chave: Autonomia. Autoavaliação. Alunos. EaD.
INTRODUÇÃO
Interessamos em investigar que estratégias podem auxiliar no bom desempenho dos
alunos do Ensino Superior à Distância após nos depararmos com um alarmante número de
evasão e reprovação do curso em que atuamos. Analisamos alguns dados quando fomos
fazer o trabalho de conclusão de curso da Especialização em Planejamento, Gestão e
Implementação da Educação à Distância.
O curso em que atuamos é o de Pedagogia, funciona há 7 anos na cidade de
Natividade/RJ. O índice de evasão está próximo de 30%, mas em períodos passados chegou a
921
mais de 50%. Constatamos que muitos alunos desistem do curso logo no início e outros vão
perdendo disciplinas e não estão conseguindo dar prosseguimento satisfatório, nem concluir
no prazo esperado. Até hoje menos de 10 alunos concluíram. Apesar dos dados negativos,
não é interesse aqui debruçar sobre o fracasso, pelo contrário. O intuito aqui é compreender
as motivações de alguns alunos, que mesmo em meio a um cenário de muitas desistências
estão dando prosseguimento a seus estudos, uns inclusive muito próximos de concluir.
A pesquisa foi realizada com alunos que permanecem em curso e teve como um dos
objetivos compreender as motivações que levam a essa permanência. Outro intuito foi
esclarecer possíveis problemas e buscar estratégias para melhorias. Fizemos entrevistas e
aplicamos questionários a trinta alunos. Buscamos identificar os instrumentos de avaliação
mais utilizados, os problemas mais frequentes, os resultados e outros fatores considerados
essenciais ao sucesso ou fracasso pelos alunos.
A Educação à Distância pode possibilitar uma aprendizagem mais autônoma. Se, por
um lado, a ausência do contato direto com o professor pode ser um entrave para alguns, por
outro lado faz com que o aluno se torne mais independente e responsável, desenvolva
hábitos de estudo e organize melhor o seu tempo, adaptando sua rotina às suas
necessidades de estudo e se tornando, assim, mais disciplinado. A EAD permite uma
aprendizagem mais independente, em que o aluno irá aprender a aprender e aprender a
fazer; favorece uma maior flexibilização, principalmente em relação ao tempo; permite uma
autonomia de estilo, ritmo, método de aprendizagem; estimula a responsabilidade
(MOREIRA, ARNOLD e ASSUMPÇÃO, 2006).
Riccio (2010) define autonomia como “assumir-se a si próprio como sujeito de sua
história”. E destaca que ser autônomo nessa modalidade de ensino é fundamental. Para a
autora, o ideal é que se promova um ambiente de aprendizado colaborativo. A proposta
pedagógica deverá ser pautada no diálogo. Para que esse ideal seja alcançado, a participação
deve ser estimulada e, sobretudo, as ações autônomas. Autonomia não quer dizer
isolamento; é tornar-se ativo, participante. “Os ambientes virtuais de aprendizagem são
espaços multirreferenciais onde a aprendizagem ocorre graças à interação, autonomia e
colaboração” (Idem).
922
Longe de criar uma nova educação, a EAD e suas tecnologias se constituem em
possibilidades diferenciadas de fazer educação, para o que é necessário criar uma cultura
pedagógica “que tenha compromisso com as autonomias do professor, do aluno e da
própria estrutura e organização da educação em relação aos seus tempos, espaços e
pressupostos teóricos” (KENSKI, 2006).
É preciso analisar os prós e contras dos meios tecnológicos e as linguagens utilizadas,
enfatizando a importância da produção do conhecimento individual e do desenvolvimento
da autonomia. É ainda importante ressaltar, de acordo com Preti (2005):
923
Gráfico 1: Instrumentos de avaliação mais utilizados.
Os alunos relataram que a maioria das avaliações, e as que valem maiores notas, são
formais, fechadas e padronizadas. Outros métodos de avaliação são participação em fórum,
chats e oficinas presenciais, mas esses métodos ainda são pouco utilizados e, quando o são,
valem poucos pontos para a média final. A maioria dos alunos, cerca de noventa por cento
entre os pesquisados, relatou o desejo de ter as atividades feitas pelos ambientes virtuais de
aprendizagem mais valorizadas. Também relataram a necessidade de se elaborar atividades
mais dinâmicas, menos formais e fechadas, para que se possam valorizar melhor as
individualidades.
Os alunos responderam algumas questões, como iremos expor abaixo:
1) As instruções de aulas e demais orientações da equipe da disciplina (coordenador
e tutores à distância) deram ênfase ao desenvolvimento do pensamento crítico?
924
2) O resultado obtido nas avaliações presenciais (corrigidas pelo coordenador e
tutores à distância) foram coerentes com o que você estudou ou acredita ter merecido?
3) O resultado obtido nas avaliações à distância (corrigidas pelo tutor presencial)
foram coerentes com o que você estudou ou acredita ter merecido?
4) Ao terminar de cursar a disciplina, você acredita ter compreendido os conteúdos
de que maneira?
As respostas nos levaram a algumas reflexões sobre como os alunos percebem seus
desempenhos. Em relação à primeira questão destacada as respostas foram confusas, como
podemos observar no gráfico 2. Dos trinta alunos, trinta e três por cento responderam que a
ênfase ao desenvolvimento do pensamento crítico foi pouca. No entanto, esse mesmo
percentual respondeu que a ênfase foi extrema. Esses dados são interessantes para
percebermos como cada aluno entende e vivencia uma mesma situação de forma diferente.
925
Quando questionados sobre os resultados da avaliação presencial, segunda questão
destacada, os alunos fizeram um exercício de autocrítica. Foram levados a pensar se suas
notas estavam coerentes com o que estudaram. Pensaram no critério merecimento, se
mereceram mesmo a nota que tiveram. Como podemos observar no gráfico 3, mais de
oitenta por cento responderam que seus resultados nas avaliações presenciais foram entre
“coerentes” e “muito coerentes”.
Para entender melhor esses dados, perguntamos a cada um, em tom informal, se
suas notas foram boas. Queríamos que fossem sinceros e espontâneos, sem pensar no peso
de uma resposta para uma pesquisa. Dos alunos que consideraram “coerente”, “muito
coerente” ou “extremamente coerente” (total de vinte e quatro), metade (doze) respondeu
que não, que as notas não foram muito boas. Perguntamos o motivo dessas notas e a
maioria dos que responderam não ter tido boa nota (oito de doze), respondeu que não
haviam estudado ou se dedicado suficientemente. Autoavaliaram-se como responsáveis pela
nota ruim. Esses alunos que reconheceram suas falhas consideraram o resultado coerente.
Dos que afirmaram que o resultado foi “pouco coerente”, todos afirmaram ter obtido
nota ruim. Quando perguntamos o motivo, ressaltaram uma desorganização na disciplina e
926
incoerência na matéria dada com a matéria cobrada na prova. Instigamos a se autoavaliarem
e, mesmo assim, afirmaram que se dedicaram suficientemente, que o resultado era
incoerente, que eles mereciam notas melhores.
Na questão da coerência das notas em relação ao merecimento, verificamos que os
dois problemas apontados para resultados ruins foram falta de dedicação pessoal e
desorganização da disciplina. Entre os dezessete por cento dos alunos que responderam que
seu resultado foi “pouco coerente”, todos afirmaram ter tido nota ruim por culpa de
desorganização da disciplina. Dos oitenta e três por cento que responderam “coerente”,
“muito coerente” ou “extremamente coerente”, a metade que afirmou ter nota ruim culpou
a falta de dedicação pessoal. Percebemos, assim, que a maioria dos alunos reconhece o peso
de suas ações. Os alunos reconhecem que devem ser mais autônomos, responsáveis pelos
seus êxitos. No entanto, há de se considerar o número de alunos que aponta falhas na
organização da disciplina como elemento prejudicial aos bons resultados.
Sobre o terceiro questionamento destacado, que fala da coerência no resultado das
avaliações à distância corrigidas pelo tutor presencial, sessenta e seis por cento
consideraram “coerente” ou “muito coerente”. A maioria destes afirmou ter tido bons
resultados. Ao serem questionados por que tiveram bons resultados, os alunos responderam
que frequentaram as tutorias e dedicaram tempo suficiente para estudar para essas
avaliações. Dos alunos que afirmaram que o resultado foi “pouco” ou “nada coerente”,
todos afirmaram ter tido resultados ruins e, ao serem interrogados dos motivos, as respostas
variaram entre má organização das avaliações, questões confusas e questões incoerentes
com o material estudado. Consideraram o resultado incoerente porque acreditam que
tiraram notas ruins por culpa da desorganização da disciplina.
927
Percebemos com esses dados e com as respostas informais, que os alunos que
tiveram bom resultado nessas avaliações reconheceram que foram responsáveis por isso.
Afirmaram que se dedicaram e frequentaram as tutorias, por isso o resultado foi justo e
coerente. No entanto, parte significativa, trinta e quatro por cento, afirmou que o resultado
foi incoerente por que mereciam nota melhor, e só não conseguiram por culpa da
desorganização da disciplina.
A última questão destacada foi uma autoavaliação sobre o que compreenderam da
disciplina. Todos responderam que a compreensão foi “boa”, “muito boa” ou
“extremamente boa”.
928
Essa questão foi muito subjetiva (propositalmente): não foi perguntado o resultado
em nota, foi perguntado o nível de compreensão que tiveram. Essa pergunta pretendeu
instigá-los a pensar sobre o aprendizado que eles acreditam ter conquistado efetivamente.
Mesmo os alunos que, em questões anteriores, afirmaram ter obtido nota ruim, agora
afirmaram ter compreendido “bem” ou “muito bem” os conteúdos. Quando questionados
por que acreditam ter tido essa boa compreensão, oitenta por cento afirmou que se
dedicaram aos estudos e vinte por cento consideraram boas as disciplinas, com conteúdos
de fácil compreensão. Podemos perceber mais uma vez o reconhecimento nas ações
pessoais. A maioria entende que a boa compreensão se deve à sua atitude de se dedicar em
estudar.
O método de avaliação da instituição em que os alunos pesquisados estudam ou
estudaram tem suas provas presenciais padronizadas. Vários alunos, de vários pólos, fazem a
mesma prova ao mesmo tempo na ausência do professor que a elaborou. Devido a essa
condição, o rigor na sua elaboração deve ser grande para que se minimizem os problemas. O
planejamento pedagógico deve ser mais criteriosamente observado de modo que se
harmonizem conteúdos e avaliações.
Quando os alunos foram instigados a se autoavaliar, cerca de noventa por cento do
total de trinta alunos admitiram que deveriam se dedicar mais aos estudos. Apenas dez por
929
cento afirmaram que se dedicam suficientemente. No entanto, como pode-se observar nos
apontamentos anteriores, é bastante significativo o quantitativo de alunos que fala sobre a
desorganização da instituição.
Os alunos reconheceram que essa modalidade de ensino necessita de uma maior
dedicação, que eles precisam desenvolver certo grau de autonomia, se não, o êxito fica
difícil de ser alcançado.
Esses alunos parecem se aproximar de um trabalho autônomo, pois caminham muito
individualmente. Eles relataram que lêem o material, tiram suas próprias compreensões e
interagem pouco ou quase nada com os tutores à distância e coordenadores de disciplina,
que são os que organizam o material e as avaliações. Cerca de setenta por cento do total de
trinta alunos reclamaram da falta de diálogo com os tutores à distância, reclamaram que
eles não interagem, alguns dos tutores nem ao menos respondem as solicitações.
Após as questões citadas perguntamos que estratégias cada um dos alunos utilizava
para atingir bons resultados e ser aprovado nas disciplinas. As estratégias mais citadas
foram:
1) Dedicação pessoal;
2) Organização de horários para se dedicar exclusivamente ao estudo;
3) Frequencia nas tutorias presenciais;
4) Frequencia nas salas de tutoria na plataforma de ensino;
5) Organização de grupos de estudo presenciais;
6) Organização de grupos de estudo por meio de rede social;
7) Estreitamento laços com tutores presenciais, trocando e-mails, mensagens por
rede social e celular;
8) Pesquisas em diferentes fontes de informação além do material disponibilizado.
9) Observação dos motivos que levaram colegas a abandonar o curso;
As estratégias citadas também levam a entender que os alunos reconhecem a
importância do esforço pessoal. Dedicação, organização de horários, frequência nas tutorias
e pesquisa em outros materiais demonstra que o esforço pessoal é essencial. Além disso, o
estreitamento de laços com colegas e tutores também parece colaborar bastante.
930
Um dos fatores que chamou atenção, e que vários alunos citaram, foram as histórias
dos colegas que desistiram. O fracasso de um colega parece ser um fator estimulante a se
empenhar. Vivenciar o fracasso de um colega parece fazer com que esses alunos tenham
mais vontade de vencer, de superar os obstáculos. Muitos relataram com tristeza historias
de colegas que não puderam ou não conseguiram dar prosseguimento ao curso e
demonstraram muita vontade em ter histórias diferentes.
Percebemos com essas respostas que a EAD exige muita presença. Seja de modo
presencial ou virtual, esses alunos que estão dando prosseguimento aos estudos disseram
estar sempre em contato com colegas e tutores. Fazem grupos de estudo frequentemente
no pólo ou na casa de algum colega. Ficam em constante contato virtual com os colegas
através de e-mail, plataforma ou rede social. A maioria disse ter estreitado laços com os
tutores presenciais. Eles buscam frequentar as tutorias e quando não podem trocam e-mail,
mensagens e telefonemas.
Os poucos alunos que relataram não manter muito contato com colegas e tutores já
haviam feito outra graduação, alguns já haviam feito até uma especialização. Nesse caso os
alunos já estão habituados com o ensino superior e conseguem ter bom desempenho devido
a essa experiência que já trazem. Quando perguntado o motivo do bom desempenho
afirmaram que se dedicam a leitura do material e à pesquisa.
Quando perguntamos o motivo por que muitos deles se reúnem em grupo alguns
responderam que possuem ou possuíam dificuldades em escrever. Disseram que entendiam
os conteúdos quando liam o material, mas que tinham dificuldade em se expressar na hora
das provas. Para superar essa dificuldade eles começaram a se unir para fazer as atividades
de pesquisa (Avaliação à Distância). Também passaram a recorrem aos tutores presenciais
pedindo orientação sobre os trabalhos feitos. Com ajuda dos colegas e tutores começaram a
superar esse problema.
Outros alunos, além de ter dificuldade em se expressar disseram não entender bem a
linguagem utilizada no material e recorrem a colegas e tutores para buscar um melhor
entendimento. Todos os alunos disseram que após as reuniões de grupo ou as seções de
tutoria, que conseguem compreender as matérias de maneira muito mais satisfatória e
assim conseguem se desempenhar melhor nas avaliações.
931
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O aluno que conseguimos identificar com essa pesquisa que está conseguindo ter
bom desempenho na EAD é um aluno ativo, que não se acomoda com as dificuldades e
busca estratégias para ultrapassá-las. É o aluno que conquistou uma autonomia aliada à
interação e colaboração.
Percebemos que os alunos compreendem que suas ações, que suas iniciativas são
fundamentais para alcançarem bons resultados. Quando questionados do motivo de maus
resultados, muitos se autoavaliaram e responderam que deveriam ter-se dedicado mais.
Constatamos que grande parte se vê como sujeito da própria história.
O repetido relato sobre a desorganização das avaliações, no sentido de não estarem
coerentes com a matéria indicada para estudo, faz-nos refletir o que afirmou Luz (2007). O
autor destaca que há grande necessidade de planejamento e elaboração criteriosa de todas
as avaliações utilizadas no ensino de modalidade à distância. Mais ainda do que no
presencial, o critério rigoroso é condição básica e imprescindível para o sucesso das mesmas.
O rigor no critério deve ser ampliado porque, na modalidade à distância, avaliações de
grande importância são aplicadas aos alunos por quem não as elaborou, o que impossibilita
ajustes e orientações complementares na hora da aplicação. Quando o professor que deu as
aulas e preparou a prova é o mesmo que aplica, ele pode, na hora, tomar ciência de
possíveis reclamações dos alunos e pode, assim, tomar as providências necessárias, seja
reformulando, cancelando e acrescentando questões ou até mesmo anulando a prova caso
perceba que se equivocou na formulação. Na forma atual da EAD, isso nem sempre é
possível e a pesquisa constatou as queixas sobre essa situação.
Os alunos pesquisados foram levados a fazer um exercício de autoavaliação. Eles
reconheceram algumas habilidades e deficiências, deram suas opiniões, fizeram muitas
reflexões. Refletir sobre seu próprio desempenho é um meio eficiente para o aluno
identificar suas habilidades e deficiências e, assim, melhorar no que precisa. Essa tomada de
consciência parece ser elemento essencial para o bom desempenho e permanência no
curso.
932
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fundamentos interfaces e dispositivos relatos de experiência. Edições Loyola, São Paulo,
2006.
933
GT 06 - Questões de Ética e de Filosofia Política
RESUMO: Embora seja considerada como direito da personalidade, o presente artigo, tem
como objetivo geral, analisar a necessidade ou não do consentimento do titular do direito à
imagem e as consequências da sua utilização não autorizada. Para tanto, será feito um
estudo sobre a colisão de direitos que envolvem a liberdade de expressão, o dever de
informação e o direito à imagem. Inicialmente, será feita uma breve evolução do conceito de
liberdade para a Filosofia e para o Direito, em seguida, abordaremos a liberdade de
expressão e de informação como direitos fundamentais e finalmente a colisão desses
direitos frente ao uso não autorizado da imagem, tendo como fundamentando o art.20,
caput, do Código Civil, objeto central deste estudo. Também será analisado toda a evolução
do tema diante do avanço das novas tecnologias, que em curto espaço de tempo levam as
informações a todos os lugares.Frente a todos esses avanços, surge a necessidade de se
conhecer os limites impostos pela lei, o posicionamentos da doutrina e dos tribunais, no
contexto do ordenamento jurídico brasileiro.
Palavras-chave: Princípios. Direito. Filosofia. Liberdade. Personalidade.
INTRODUÇÃO
Pesquisas demonstram que as novas tecnologias, sem dúvida, muito têm
contribuído para o acesso à informação. Contudo, surgem novos desafios não só para o
operador do Direito, como também para os educadores: orientar sobre a liberdade de
expressão e o direito de informação sem que isso se transforme em abuso de direito.
Nesse contexto, a liberdade de expressão, o direito à informação e o direito à
imagem serão temas centrais deste artigo, assunto inovador trazido pelo Código Civil
vigente e que está relacionado e tutelado expressamente como direitos
personalíssimos.
Porém, embora seja um tema atual, diversos pensadores filosóficos em tempos
mais distantes já discutiam os pontos que serão objetos deste estudo. No mundo
934
globalizado, aonde as informações chegam a curto espaço de tempo, é possível
observar que a divulgação de comentários, notícias e fotos (que expõem a intimidade
excessiva, muitas vezes) são vistos por internautas espalhados nos mais diversos
lugares, mesmo aqueles em lugares mais isolados. Mais ainda, é possível perceber que
a divulgação de informação é imediata, o que possibilita a integração de povos e países
em um curto espaço de tempo.
Toda essa mudança traz consigo pontos positivos, porém, em contrapartida
provoca também uma série de novos fatos com necessidades de soluções. No senso
comum, muitos não possuem consciência do que divulgam ou publicam, no entanto,
existem também os profissionais que vivem da divulgação e publicação de obras, o que,
nos últimos anos, tem gerado a polêmica que envolve o ponto de central desse artigo.
Trata-se das publicações de autores a respeito das biografias envolvendo figuras
públicas e as discussões que cercam esta polêmica. Assim, diante do exposto, tem-se o
seguinte questionamento: de que maneira importa reconhecer o uso da liberdade de
expressão, o direito à informação e o direito à imagem no cotidiano da comunicação?
Nessa perspectiva, surge a discussão a respeito dos limites entre o direito de
liberdade de expressão, o direito à informação, o direito à imagem e as consequências
para os atos daí decorrentes.
Esses direitos podem conflitar, visto que, de um lado, está um direito
fundamental, garantido constitucionalmente, bem como em lei ordinária, que é o da
liberdade de se expressar. Da mesma forma, existe o direito que todo cidadão tem de
ser informado e, por outro lado, há o direito também considerado como
personalíssimo, que é o de ter a imagem protegida.
Nesse contexto, em caso de problemas com exposição cibernética, surge a
possibilidade do autor do dano ter que reparar o prejuízo causado quando, através de
ações judiciais, aqueles que sofreram tais lesões recorrerem ao Poder Judiciário.
Assim, em face dos fatos ocorridos nos últimos tempos a respeito da polêmica
envolvendo autores e personalidades públicas, no que diz respeito às biografias não
autorizadas e à possível alteração dos artigos 20 e 21 do Código Civil de 2002, surge
esta proposta.
935
Nesse ponto, cumpre ressaltar que está em andamento uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade, bem como projeto de lei que visa alterar parcialmente os
referidos artigos do atual Código Civil brasileiro.
Tendo em vista a exposição da problemática inicial, é impositivo que se pontue o
modo como a pesquisa pretende ser conduzida: estabelecidos os conceitos e a evolução
no primeiro momento, serão tratadas em seguida, as garantias e a proteção no que diz
respeito à liberdade de expressão, direito à informação e direito à imagem, na
legislação vigente e, finalmente, a colisão desses direitos no uso autorizado - ou não -
envolvendo as biografias de pessoas públicas, bem como as consequências jurídicas daí
decorrentes.
936
entendido não apenas como a representação física de uma pessoa, mas, igualmente, como a
forma pela qual ela é vista na coletividade.
Por outro lado, é também direito do cidadão a liberdade de expressão, o que
representa, sem dúvida, uma forma de democracia. O Direito à liberdade em seu sentido
amplo já se fazia presente desde a Declaração Universal de Direitos do Homem, de 1948,
como forma de oportunidade de vida digna.
Segundo Rodrigues Junior (2009), no que se refere à titularidade no exercício dessa
liberdade, qualquer pessoa pode ser sujeito ativo, e não apenas aquelas que fazem da
comunicação de ideias e informações a sua profissão. Sobre o direito à informação o autor
assim preceitua:
Nessa ordem de ideias, o art.5º, inciso IX da Constituição Federal, dispõe que “é livre
a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença”.
Porém, frente a esse direito, a Constituição Federal, ao tratar dos direitos
fundamentais, tutela também o direito à própria imagem, dispondo em seu art.5º:
Nesse sentido, o ordenamento jurídico brasileiro cria regras que necessitam ser
respeitadas, ficando certo que, quando os direitos considerados como direitos fundamentais
937
e personalíssimos são violados pelo abuso da manifestação de pensamento, cabe ao Poder
Judiciário o dever de responsabilizar o indivíduo causador do dano.
Sobre o assunto, o Código Civil de 2002 consagra de maneira expressa em seu artigo
12 que “[...] pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e
reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”.
Levando em consideração o tema objeto de nosso estudo, a lei civil de 2002 assim se
expressa:
938
O internauta, tendo este mecanismo a seu alcance, com a possibilidade de
manifestar-se livremente sobre tudo e todos, utiliza-o muitas vezes de forma
descompromissada, expressando opiniões que vão desde um elogio até mesmo à
exposição de fotos e palavras agressivas, que podem causar constrangimento e ofensas
capazes de gerar sérias consequências ao(s) envolvido(s).
Para Garcia (2012), dentre tantos ambientes virtuais existentes, destacam-se as
chamadas redes sociais digitais, dos quais se tem como exemplos mais conhecidos no
Brasil, o Facebook, o Orkut, o Linkedin, Myspace, o Flicker e o Twitter. Em tais
ambientes é possível compartilhar, curtir, postar fotografias, vídeos, dados pessoais e
profissionais, interesses e informações em geral.
Souza (2003) descreve que as novas formas midiáticas permitem que os
interessados tenham acesso a um número maior de pessoas e a um volume maior de
informações mais rapidamente do que se é capaz de imaginar. Gonçalves (2012)
considera que o Direito Digital e a preocupação que dele decorre habita o cotidiano
brasileiro. Do mesmo modo, fala que se tornou rotineiro invadir a privacidade das pessoas,
com o objetivo de conhecer algum fato constrangedor que propicie vantagem ilícita.
939
O dispositivo do “amicus Curiae” permite que a entidade exponha sua
opinião na corte sem participar como parte no processo. A OAB já havia
declarado-se a favor da publicação de biografias que não tenham sido
previamente autorizadas.
Uma matéria jornalística, por exemplo, sobre a vida de alguém pode por em
linha de atrito o direito de liberdade de expressão e a pretensão à
privacidade do retratado. Considerados em abstrato, ambos os direitos são
acolhidos pelo constituinte com direitos fundamentais. A incidência de
ambos no caso cogitado, porém, leva a conclusões contraditórias entre si.
Para solucionar o conflito, hão de se considerar as circunstâncias do caso
concreto, pesando-se os interesses em conflitos, no intuito de estabelecer
que princípio há de prevalecer, naquelas condições específicas, segundo um
critério de justiça (p.189).
941
A POLÊMICA DAS BIOGRAFIAS E O USO NÃO AUTORIZADO DA IMAGEM
Após analisar através da presente pesquisa, o que a filosofia, a doutrina jurídica, a lei,
a jurisprudência tratam a respeito da liberdade de expressão, o direito às imagens e os
institutos afins, relevante, ainda, destacar a saída encontrada, no direito em caso de colisão
desses direitos considerados como direitos fundamentais e a possível solução encontrada
para resolução de conflitos, especificamente no caso das biografias não autorizadas.
Os direitos inerentes aos seres humanos, conforme já analisados anteriormente, no
âmbito do direito público, são, portanto, considerados como direitos fundamentais, já na
esfera do direito privado, direitos da personalidade, e que de acordo com a grande maioria
dos doutrinadores, não podem ser elencados com um rol taxativo.
Adotando a tese do professor FLÁVIO TARTUCE, “didaticamente, podemos aqui
trazer uma regra de três, afirmando que, na visão civil-constitucional, assim como os direitos
da personalidade são para o Código Civil,os direitos fundamentais estão para a Constituição
Federal”.
Por serem direitos, inerentes ao ser humano, é possível que em algumas situações
concretas, haja conflito, daí o interesse de estudiosos do direito procurarem encontrar uma
solução quando, por exemplo, no exercício de um determinado direito que esteja previsto
na CF ou no CC, ocorra à colisão ao direito assegurado a outrem.
De acordo com Norberto Bobbio:
942
É o princípio não expresso, mas implícito, em nosso sistema normativo e
que deve nortear a tarefa do julgador, no sentido de sempre sopesar os
direitos em conflito em face do caso concreto que lhe é oferecido para
análise e solução, diante da formação de seu convencimento.
E mais:
943
aplicada para satisfação de um interesse, sopesando, qual deverá prevalecer em detrimento
do outro.
Justamente por isso, é que o Enunciado n. 274 da IV Jornada de Direito civil prevê na
sua segunda parte, que em caso de colisão entre direitos da personalidade deve-se adotar a
referida técnica.
944
Esse critério visa, embora com a satisfação de um interesse, que se
restrinja, da menor forma possível, aquele que é o alvo do sacrifício para o
caso concreto, não o aniquilando e sempre lhe preservando um mínimo
irredutível chamado núcleo essencial, estando, portanto, também ligado ao
princípio da concordância prática ou da harmonização.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A vida em sociedade implica necessariamente, que as liberdades e direitos sejam
desempenhadas de tal forma que não prejudique o direito alheio. O estudo se ateve,
portanto, ao art. 20, caput do Código Civil, tratando especificamente de dois assuntos dentro
dos direitos da personalidade: A liberdade de expressão e o direito à imagem, sendo
analisados sob a ótica filosófica, constitucional e civilista.
Foi analisada também a polêmica existente em caso de colisão, concluindo que
quando estes direitos são declarados no texto constitucional, conferem aos indivíduos
proteção, por individualizarem a pessoa em si e sua projeção na sociedade em que vivem.
Porém, pelos conflitos existentes na aplicação da norma, a doutrina estabelece alguns
critérios a serem levados em consideração pelo aplicador do direito no caso concreto.
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Nello Morra. Tradução e notas Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo:
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947
DISTANÁSIA AUTOMATIZADA – REFLEXÃO TEÓRICO CONCEITUAL
INTRODUÇÃO
A atividade do profissional médico em nossa sociedade parece estar associada a uma
conduta automatizada de caráter distanásico na abordagem de pacientes terminais. O
próprio sentido do termo distanásia ganhou diferentes entendimento em diferentes
momentos de avaliação e ocorrência de sua existência, dificultando o estabelecimento de
um padrão balizador de condutas necessárias à administração responsável de uma vida
humana – bioética. Além disso, a popularização e discussão da eutanásia na mídia relegou a
distanásia uma discussão em segundo plano em nossa sociedade apesar da eutanásia ser
banida de nossa sociedade e a distanásia quase uma rotina diária de nossos hospitais.
O automatismo das condutas humanas, uma consequência da repetição de uma
atividade humana qualquer, torna o indivíduo uma ator robótico do existir. Somente um
incômodo em sua existência o torna questionador de tais condutas automatizadas. As
alterações de tais condutas se fazem, normalmente, após um desagradável questionamento
sobre ações e suas consequências que encontram oposição em ideias pré-definidas, em
948
informações moldadas por uma formação inicial. Após reanálise de tais questionamentos,
podemos observar a inovação de nossos conceitos/definição de novos preceitos.
A renovação destes conceitos iniciais da formação médica se faz quando constatamos
o quanto normalmente aceitamos sem questionar ultrajantes violações de conceitos éticos e
morais. No âmbito do agir médico, a máxima de nunca desistir de uma vida humana nos
levou, ao longo de séculos, a atuar de modo distanásico por um ideal de um bem maior. Na
primeira metade do século passado, incentivado pelo forte alavancamento da pesquisa
cientifica e pelo aprendizado obtido durante as duas Grandes Guerras, o saber médico
verdadeiramente avançou e atingiu um significativo marco na segunda metade do século XX.
Isso reverberou diante da comunidade médica mundial na certeza de que, a qualquer
momento, uma nova descoberta poderá mudar o curso de uma patologia que impõe hoje
um sofrimento sem opções, principalmente para um paciente que encara a morte estando
de posse de um suporte médico/tecnológico. Porém, registra-se que nas últimas décadas do
século XX e no início deste novo milênio nos deparamos com a presença de uma nova
conjuntura social questionando a visão do ato médico quando este se vê em situação
distanásica. A publicação do revisto Código de Ética Médica CEM em 2009, foi resultado
deste questionamento sofrido pela sociedade médica em vários âmbitos e entre eles a
postura médica frente uma sociedade francamente distanásica. Cabe neste momento,
definir de melhor modo possível o que seria a distanásia, a eutanásia e também a
ortotanásia. Segundo o dicionário Michaelis/UOL
(http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/), o termo distanásia significa “morte
dolorosa, agonia lenta”. A palavra distanásia vem do grego dys = ato defeituoso ou errado e
thánatos = morte. O mesmo dicionário ainda o define como o antônimo de eutanásia que
seria a ‘morte sem sofrimento ou ainda a eliminação ou morte sem dor de pacientes com
moléstia incurável’. Observar a ressalta ser a morte sem sofrimento em vigência de uma
moléstia incurável. A palavra eutanásia também deriva do grego eu=boa e thánatos = morte.
Já a palavra ortotanásia, por incrível que pareça, não se encontra disponível neste mesmo
dicionário em acesso até a data de 20jan2015. Ortotanásia também vem do grego e significa
orto=correto, da orientação certa e e thánatos = morte. Ou seja, é a morte corretamente
conduzida, sem sofrimento. É o processo natural da morte sem agonia. Esta, a ortotanásia,
949
foi questão integrante da Resolução 1.805/2006, pelo Conselho Federal de Medicina. No
entanto, o Ministério Público Federal do Distrito Federal requereu a suspensão desta
resolução por estar em desacordo com o Código Penal Brasileiro. Ao longo de quatro anos
esta ação perdurou até que, em 2010, o juiz Roberto Luis Luchi Demo, em decisão divulgada
pela 14ª Vara da Justiça Federal de Brasília considerou improcedente o pedido do Ministério
Público Federal (MARTINELLI, 2014). Porém, o curtíssimo tempo de aprovação e validade
desta lei traz distorções no seu entendimento entre profissionais da área médica e da área
jurídica dificultando sua real e verdadeira implantação em nossa sociedade. A
multifatoriedade de questões sociais e individuais que incidem sobre essa questão será
apresentado a seguir.
OBJETIVOS
Refletir sobre o significado da palavra distanásia em nossa sociedade, principalmente
no meio médico, e entender a dificuldade do profissional em identificar os limites da
conduta ortotanásica e a distanásica. Como “encaixá-las” no verdadeiro e real entendimento
que o alvo destas condutas (pacientes, familiares, demais membros da equipe médica e
sociedade jurídica brasileira) para que possam se acomodar em seus anseios sem deturpar o
senso de dignidade de cada um. Como acomodar suas visões de ética, moral e justiça, e sem
abalroar os diversos e diferentes preceitos religiosos dos componentes de nossa sociedade.
METODOLOGIA
Revisão bibliográfica das discussões em conselhos profissionais de medicina e das
últimas publicações do meio jurídico culminando com uma reflexão teórico conceitual
acerca do termo distanásia no Brasil de hoje.
950
patologia? A resposta é que, com muita certeza, não estamos avaliando nenhuma doença e
sim, avaliando e tratando uma pessoa. Não um indivíduo mas um sujeito, ser dotado de sua
própria noção de ética, de sua própria vontade de lutar pela vida (ou desistir dela), sua
próprio conjunto de valores, costumes e conceitos religiosos, não deixando de citar todas
estas mesmas visões em sua família e o peso econômico que seu processo patológico exerce
sobre ele e sua família. Se simplesmente tratar fosse dar medicamento talvez fosse mais
fácil, porém o ato médico é tratar o sujeito e não a doença. Logo, o ator principal na
definição do ato ortotanásico, o profissional médico, deve considerar cada um dos fatores
acima descritos na consideração ética de suas decisões. Impor conduta ortotanásica
enquanto paciente e/ou família considera eutanásia seria um erro horrendo do ato médico.
Abaixo, encontra-se um quadro comparativo entre a eutanásia, ortotanásia e
distanásia e o reconhecimento destas em nossa sociedade, além da sequência de valores
que influenciam a consideração destes valores para cada indivíduo e o médico.
951
Visão médica – (onde está atuando) (precisa considerar demais visões )
Visão individual como paciente (sofrimento, esperança, etc)
Visão familiar (aspecto afetivo, econômico, social)
Visão religiosa/espiritual
Visão cultural/costumes
Visão social
Visão econômica
Visão jurídica
O peso destas variáveis na sociedade moderna de hoje se diferencia do peso
apresentado em tempos de outrora quando o médico era autoridade isolada e detentor
único do conhecimento. Hoje, através do ganho educacional e cultural do brasileiro,
associada à facilidade de acesso informação (principalmente após o surgimento e
crescimento da internet com acesso universal à informação), o médico foi despojado do
poder de único detentor do conhecimento. Esta situação coloca o profissional médico em
uma nova condição de postura ética onde ouvir e considerar demais opiniões de familiares e
pacientes se torna obrigatória. Ainda assim, este não se exime de atuar de modo
emergencial quando não há tempo hábil para notificação de paciente e/ou familiares e se
expor as discordâncias. Entra, então, em cena um novo personagem no relacionamento
médico-paciente, o receio do questionamento jurídico.
106
“Bioética é o estudo sistemático das dimensões morais – incluindo a visão moral, as decisões, a conduta e as
linhas que guiam – das ciências da vida e da saúde, com o emprego de uma variedade de metodologias éticas e
uma impostação interdisciplinar”
Reich, W.T., Encyclopedia of Bioethics. New York, Macmillian, 1995;247-56
952
bioética. Logo, entende-se que um juiz também usará seu conhecimento de situação e sua
avaliação sobre o questionamento do requerente assim como o profissional da medicina o
fez, porém com a vivência de um jurista e não de um profissional de medicina. Segundo
PESSINI (2013), para uma enorme legião de juristas ainda sem cultura ética e bioética no
Brasil, observamos outro entendimento da situação segundo o nosso Código Penal onde se
verifica a confusão entre os conceitos de eutanásia e ortotanásia. Comumente interpretam o
ato ortotanásico como, diante da morte iminente e inevitável de um paciente, abreviar sua
vida (praticando a eutanásia). Martinelli (2014) preferiu denominar tal visão de “eutanásia
passiva”. Continuando, encontramos situações onde, diante da morte iminente não praticar
distanásia pode ser encarada como eutanásia e não deixar margem para caracterização da
eutanásia por ser encarada como distanásia. Em avaliação desta situação na visão Código
Penal Brasileiro, Martinelli (2014) descreve a ortotanásia, ou eutanásia passiva como “...
uma omissão de uma indicação terapêutica para determinado caso. Também pode ser
definida como a omissão de toda intervenção que possa prolongar a vida de forma artificial”.
Para Borges (2005), o código civil assegura o direito à vida e não o dever não havendo
a possibilidade de se obrigar um indivíduo a submeter-se a um tratamento. Esse direito do
cidadão brasileiro é uma garantia constitucional de sua liberdade de consciência e
autonomia jurídica assegurada no art. 1º da Constituição Federal. O inciso XXXV do art. 5º
garante, inclusive, o direito de o paciente recorrer ao Judiciário para impedir qualquer
intervenção ilícita em seu corpo contra sua vontade. Neste ponto, Pessini (2013) abre um
novo questionamento: até quando podemos assegurar que um paciente em situação
terminal pode apresentar consciência adequada para manter sua autonomia. Em exemplos
desta situação se enquadrariam alguns pacientes com Alzheimer em processo degenerativo
mais avançado ou diversas outras situações degenerativas que evoluem com torpor da
consciência.
Retornando a publicação de Borges (2005) encontramos a definição de eutanásia
“quando ocorre a morte movida por piedade, por compaixão em relação ao doente. A
eutanásia verdadeira é a morte provocada em paciente vítima de forte sofrimento e doença
incurável, motivada por compaixão. Se a doença não for incurável, afasta-se a eutanásia.”
Reconhece, por fim, segundo o Código Penal Brasileiro a eutanásia pode ser considerada um
953
homicídio privilegiado. Não há referência específica a eutanásia no Código Penal Brasileiro.
Conforme a interpretação desta conduta, ela pode assumir a caracterização de homicídio,
auxílio ao suicídio ou ser atípica. Logo, podemos ser criminalizados por uma conduta
ortotanásica quando esta for interpretada como uma “eutanásia passiva”. Finalizando a
análise que Borges desenvolve sobre eutanásia, ortotanásia, distanásia e o biodireito, Borges
descreve que “a ortotanásia é conduta atípica frente ao Código Penal” por não se apresentar
como causa mortis visto que o processo de morte já se encontra em vigência.
Mais uma vez, Pessini (2013) cita o jurista José Henrique R. Torre que comenta que o
envolvimento dos médicos em causar ou apressar a morte de pacientes é obviamente
proibido, mas há na lei suporte ético para medicação para alívio da dor e demais
contribuições para o conforto de pacientes terminais, mesmo que isso traga risco à vida. No
entanto, não deixa de destacar, que do ponto de vista jurídico, pode-se questionar se a
ortotanásia como uma omissão. Em mais um adendo de sentido dúbio, cita que, caso o
médico, na subtração parcial ou total de uma droga terapêutica, “somente será considerado
o causador da morte do doente se essa terapêutica tiver potencial para evitar a morte”. Ou
seja, o jurista Jose Henrique R. Torre estabelece condição de total instabilidade a decisão
médica frente a uma conduta ortotanásica, pois o médico pode ser, a qualquer momento,
enquadrado na situação de homicídio.
954
paciente terminal, fato este que, a imposição de uma decisão médica neste âmbito nos
levaria mais uma vez ao desgaste de um questionamento jurídico.
Outro estresse participante do dia a dia do profissional da área médica está na sua
própria interpretação/identificação técnica do momento médico de assumir sua postura
ortotanásia. A “linha ortotanásica” (eutanásia ortotanásia distanásia), assim como a
linha do tempo (ontem hoje amanhã) apresentam seus alvos (a ortotanásia e o hoje)
no encontro de seus extremos. Porém, diferente da linha do tempo, a “linha ortotanásica”
não apresenta limites precisos. Isso que dizer que dois médicos podem apresentar diferentes
opiniões, mesmo quando não divergem em questão do emocional, do social, do religioso ou
do jurídico. Estou falando somente da visão técnica. Assim, principalmente o médico
intensivista, é frequentemente exposto ao dilema de quando estará prolongando o morrer
(distanásia) ao invés de salvando uma vida. A opção por mais um esforço terapêutico
sempre nos atormenta na forma da dúvida possível. Nesta mesma linha de pensamento
Borges (2005) cita a ressalvas descritas por Ramón Martín Mateo, que descreve objeções na
busca angustiante pela ortotanásia. Ramón se apropria do argumento de que, o intenso e
incessante desenvolvimento do conhecimento médico faz com que a determinação da
irreversibilidade de um quadro de saúde pode ser falha e/ou imprecisa. Em um campo muito
mais amplo, não de discute apenas uma licitude ou a ilicitude da ortotanásia mas indaga-se
sobre os limites ou possibilidades do conhecimento científico a cada determinado momento
e a ciência e consciência destes a cada momento. Assim, em vista da existência desses
limites, os cuidados contra o arbítrio devem ser maximizados.
CONCLUSÃO
A distanásia na sociedade brasileira ainda é considerada como conduta dentro de um
padrão ético por um grande número de profissionais da área médica e também jurídica. A
principal razão deste entrave evolutivo de nossa sociedade se encontra no curto período de
tempo desde o início de discussão do tema bioética em nosso meio (menos de duas
décadas) que culminou com a recentíssima formulação do nosso Código de Ética Médica
(2009).
955
São causas observadas para a resistência do meio médico em implementar condições
para abolir a distanásia:
Aceitar opinião de terceiros sem embasamento técnico o fato esse que pode levá-
lo a agir contra seus próprios preceitos éticos,
A formação médica, até o momento, direcionada pela máxima que sempre é
possível um resultado positivo,
Além da imaturidade do sistema judiciário brasileiro frente esta questão bioética
que pode punir o profissional médico por agir dentro ou fora das novas normatizações do
CEM 2009.
BIBLIOGRAFIA
BEAUVOIR, Simone. Uma morte muito suave.Trad. Álvaro Cabral. 3a. ed. Nova Fronteira,
RJ.1990.
BORGES, RCB. Eutanásia, ortotanásia e distanásia: breves considerações a partir do
biodireito brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 871, 21 nov. 2005. Disponível em:
<http://jus.com.br/artigos/7571>. Acesso em: 19 jan. 2015.
BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM Nº 191/2009, publicação no
D.O.U, 24 set 2009, seção I, p.90. retificação publicação no D.O.U, 13 out 2009, seção I,
p.173., http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2009/1931_2009.htm. Acesso em:
01 dez. 2014
MARTINELLI, JPO. A ortotanásia e o direito penal brasileiro, Instituto Brasileiro de
Ciências Criminais, http://www.ibccrim.org.br/artigo/10507-A-ortotanásia-e-o-direito-penal-
brasileiro. Acesso em: 01dez2014
PESSINI, Léo. Distanásia: por que prolongar o sofrimento?, Disponível em:
http:cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2013/301/distanásia-por-que-prolongar-o-
sofrimento. Publicado em 22/03/2013. Acesso em: 26/10/14
PÍCOLO, GG. O direito de morrer: eutanásia, ortotanásia e distanásia no direito
comparado. Por jean mattos- Postado em 28 setembro 2012. Disponível
em: http://investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/direito-constitucional/232395-o-
956
direito-de-morrer-eutanasia-ortotanasia-e-distanasia-no-direito-comparado. Acesso em
20jan 2015.
REICH, W.T. Encyclopedia of Bioethics. New York, Macmillian, 1995;247-56
957
ENTRE A JUSTIÇA E A LIBERDADE: UMA BREVE REFLEXÃO DA TEORIA LIBERTÁRIA
RESUMO: O presente artigo pretende apresentar uma breve reflexão acerca do pensamento
libertário, com base na obra de Michael Sandel – Justiça, o que é fazer a coisa certa, e suas
relações entre a justiça e a liberdade, apresentando o pensamento libertário e suas
premissas básicas onde defende a ausência de qualquer tipo de paternalismo por parte de
Estado, nenhuma legislação sobre moral e a ausência de qualquer distribuição de renda e
riqueza. Assim, para tal teoria, um Estado moralmente justificável seria aquele que
garantisse o direito da propriedade privada, fizesse cumprir contratos e mantivesse a paz,
sendo um conceito elementar nas relações entre a justiça e a liberdade.
Palavras-chave: Teoria libertária. Pensamento libertário. Liberdade. Paternalismo.
INTRODUÇÃO
Qual é o ponto comum entre a justiça e a liberdade? E qual o papel fundamental do
Estado na promoção da justiça e da liberdade dos indivíduos? O presente artigo propõe uma
reflexão sobre o pensamento libertário com base na obra de Michael Sandel - Justiça, O que
é fazer a coisa certa, e outros teóricos, para expressar as bases fundamentais do que sejam,
segundo eles, a concepção de justiça e liberdade, defendendo a ideia de que somente um
Estado que faça garantir os direitos individuais, protejam a propriedade privada contra
roubos e mantenham a paz, é compatível com uma justificação moral do Estado.
Em um primeiro momento, tratarei sobre o ponto de partida do libertarianismo e a
partir dai sobre seus pontos principais, e sua premissa básica que opõe a qualquer
paternalismo, nenhuma legislação sobre a moral e nenhuma redistribuição de renda, e sua
defesa de um Estado mínimo que garanta a mais ampla esfera de liberdades individuais.
Assim, pretendo nessa breve reflexão tratar as questões de justiça e liberdade sob a
ótica libertária e seus pontos principais para que possamos tentar um vislumbre auspicioso
sobre a relação entre justiça e a liberdade e seus efeitos em um Estado verdadeiramente
democrático.
958
A aplicação dos efeitos da liberdade humana é muito importante para concebermos
uma teoria plausível de justiça. Se considerarmos uma teoria em que as liberdades
individuais estejam ligadas as proposições ditadas pelo Estado, não teremos, de fato, uma
aplicação de justiça social plena. Michael Sandel aborda no capítulo três da sua obra Justiça -
O que é fazer a coisa certa,107 sobre a teoria libertária e suas implicações para a justiça e
liberdade do indivíduo. Ele afirma que “Apenas um Estado mínimo – aquele que faça cumprir
contratos, proteja a propriedade privada contra roubos e mantenha a paz – é compatível
com a teoria libertária dos direitos. Qualquer Estado que vá além disso é moralmente
injustificável.”108
Milton Friedman em sua obra: Capitalismo e Liberdade109 expressa o ideal libertário
acerca do papel do Estado na Economia. Entretanto, ele ainda coloca em questão o papel do
Estado em outras esferas da sociedade. Segundo ele, somente um Estado que garanta as
liberdades individuais e que tenha um sistema jurídico compatível com essas liberdades no
seu sentido mais amplo, e que garanta a livre iniciativa, protegeria, de fato, os cidadãos para
exercerem sua liberdade. Ele ainda escreve, em relação ao Estado que:
107
SANDEL, Michael J. Justiça – O que é fazer a coisa certa/ Michael J. Sandel; tradução de Heloísa Matias e
Maria Alice Máximo; 10ª edição; Rio de Janeiro; Ed. Civilização Brasileira, 2013.
108
Ibidem, Pág. 79.
109
FRIEDMAN, Milton, Capitalismo e Liberdade, titulo original: Capitalism and Freedom, Org. Igor César Franco.
Disponível em: http://liberalismo.0catch.com/
110
Ibidem, Pág.05
959
Friedrich A. Hayek escreveu em Os Fundamentos da Liberdade111 uma importante
obra em que aborda as relações entre o Estado e os indivíduos. Ele classifica as liberdades
individuais em varias esferas concebendo um conceito de liberdade plena do indivíduo, de
modo que o mesmo se torne completamente responsável pelas suas ações, e impulsionado
a desenvolver ainda mais suas potencialidades. Assim, qualquer impedimento a essa
liberdade primordial seria uma coerção à verdadeira liberdade individual e um cerceamento
da livre iniciativa.
Uma teoria do Estado que interfira nas escolhas intimas dos seus cidadãos e na forma
que lidam com os recursos provenientes do seu trabalho seria, para Hayek, uma espécie de
coerção, pois tal teoria impediria os seus cidadãos de usarem todas as suas capacidades. Ele
assim escreve:
NENHUM PATERNALISMO
Segundo os libertários, o paternalismo é injustificável porque não deve haver uma lei
que proteja a pessoa contra si mesma. Isso implica na detenção do Estado sobre a escolha
111
HAYEK, Friedrich August Von, Os fundamentos da liberdade, Título original: The constitution of liberty,
Introdução de Henry Maksoud, tradução de Anna Maria Capovilla e José Ítalo Stelle. São Paulo, Visão, 1983.
112
Ibidem, Pág. 147
960
dos cidadãos em escolher livremente qual o caminho a seguir. Um Estado paternalista é
injustificável, em primeiro lugar porque cercearia a liberdade dos mais bem sucedidos sob a
pretensão de ajudar os “bem menos favorecidos” sem o seu consentimento. Por si só, O
Estado não pode produzir riqueza, e assim, impõe sobre os cidadãos uma forte alta taxação
a fim de justificar a ajuda aos menos bem sucedidos, Provocando, desse modo, a restrição
da liberdade dos mais afortunados. Em segundo lugar, porque o Estado paternalista mina a
livre iniciativa. Ao favorecer um determinado setor produtivo em detrimento de outro o
Estado paternalista provoca um tolhimento da capacidade criativa gerada pela concorrência.
O resultado são preços maiores e menor qualidade no serviço prestado.
Milton Friedman assim escreve:
Dessa forma, o Estado não age com o espírito paternal a que se pretende, mas sim,
como o padrasto que impede o crescimento dos seus “enteados”, no caso, os indivíduos,
relegando sempre a mediocridade da sociedade e impedindo o crescimento social através da
livre iniciativa. Ao agir de forma paternalista, o Estado taxa os cidadãos para proteger
determinado setor, provocando o empobrecimento dos indivíduos, a diminuição do poder
de compra, o enfraquecimento da economia, produzindo, ao fim um Estado inchado e uma
economia debilitada.
Henry Hazlitt, no capítulo 11 de sua obra Economia Numa Única Lição aborda essa
questão:
113
FRIEDMAN, Milton, Capitalismo e Liberdade, titulo original: Capitalism and Freedom, Org. Igor César Franco.
Pág. 06.
961
Na questão das tarifas devemos ter em mente uma precaução final. É a
mesma precaução que achamos necessária ao examinarmos os efeitos da
maquinaria. É inútil negar que uma tarifa beneficia realmente - ou, pelo
menos, pode beneficiar - interesses particulares. A verdade é que ela os
beneficia, a expensas de todos os demais. Beneficia-os realmente. Se
apenas uma indústria pudesse obter proteção alfandegária, ao mesmo
tempo em que seus donos e operários desfrutassem os benefícios do
comércio livre, em tudo o mais que comprassem, essa indústria estaria
sendo, afinal, beneficiada. Como tentamos, porém, estender as bênçãos da
tarifa mesmo às pessoas das indústrias protegidas, tanto produtores como
consumidores, com o protecionismo outras pessoas começam a sofrer, e,
finalmente, acabam ficando em situação pior do que quando elas e outras
não tinham tal proteção.114
Sandel levanta nesse ponto algumas objeções sobre, se realmente as coisas devem
ser vista sob esse ponto de vista e se não haveria outros fatores que deveriam ser colocados
em pauta para um conceito que conciliasse justiça e liberdade, virtude e livre mercado. Se a
lógica do mercado totalmente livre seria que os trabalhadores deveriam trabalhar para
quem bem entendessem, por outro lado, poderiam haver empregadores que os explorassem
e que não pagassem o justo. Se é assim, como não haver um órgão, que seria o Estado, que
garanta a segurança de um trabalhador? Portanto, a taxação sobre os produtos, tese em que
a posição libertária condena, não é tão ruim como o trabalho forçado. Ele mesmo alega, que
a resposta libertária seria afirmativa, porém com uma ressalva: “Por que o Estado deveria
forçá-lo a fazer essa escolha?”115 indicando que, na verdade, o Estado não age como pai,
mas sim como ladrão que rouba um bem que não se pode interferir. A economia das
sociedades.
114 HAZLITT, Henry. Economia Numa Única Lição, Trad. Leônidas Gontijo de Carvalho. – São Paulo, Instituto
Ludwig von Mises Brasil, 2010 pág. 82-83
115
SANDEL, Michael J. Justiça – O que é fazer a coisa certa/ Michael J. Sandel; tradução de Heloísa Matias e
Maria Alice Máximo; 10ª edição; Rio de Janeiro; Ed. Civilização Brasileira, 2013, Pág. 86
116
Ibidem, Pág. 79
962
significar felicidade para uns nem sempre se configura como felicidade para outros. Por isso
a proposta libertária defende o Estado não deve impor nenhuma ação que cerceie a
liberdade dos indivíduos.
Um caso interessante seria o uso obrigatório do cinto de segurança. Para os
libertários a imposição do Estado com relação ao uso obrigatório do cinto de segurança seria
um acinte à liberdade dos indivíduos, ou seja, a pergunta libertária parte do seguinte
princípio: Por que o Estado deve aferir o que seja moral ou não? Se o que eu faço sem dar
prejuízos a terceiros é bom para mim, por que o Estado tem o poder de dizer que não é?
Essa pergunta libertária toca em dois temas de grande reflexão quando se trata da
questão do aborto e a liberação das drogas: para a maioria dos libertários a proibição das
drogas, discriminadas pelo Estado entre “lícitas” e “ilícitas” é um tipo de paternalismo que
cerceia a liberdade dos indivíduos em relação a fazer o que entende ser o melhor para si.
Para os libertários, não é o Estado quem deve fazer a escolha entre o que eu devo usar e não
usar e mais uma vez, O Estado não deve usar a força coerciva da lei para impor aos seus
cidadãos a vontade da maioria. Nesse ponto em questão a proposta libertária se distancia
ainda mais da proposta utilitárias e seu princípio básico de Maximizar a felicidade da maioria
e minimizar o sofrimento.
A questão do aborto torna o a proposta libertária mais complexa. Libertários mais
moderados, defendem que a legalização do aborto não é lícita, pois, não garante a liberdade
do indivíduo que está sendo gerado, assim, a despeito do corpo da mãe ser livre para tomar
sua decisão, tal não é lícita em virtude de sua liberdade cercear a liberdade de terceiros.
Porém, libertários mais radicais defendem que o Estado não deve interferir na escolha que
cabe somente à mulher que é “dona” seu próprio corpo, sendo portanto soberana sobre que
“contém” dentro dele.
Sandel alega que “a filosofia libertária não se define com clareza no espectro
político.”117 Ou seja, em alguns casos alguns libertários são contra determinadas ações
como fruto de uma ação de virtude governamental. Ele também alega que alguns dos
grandes defensores do livre mercado são também a favor de política culturais supostamente
SANDEL, Michael J. Justiça – O que é fazer a coisa certa/ Michael J. Sandel; tradução de Heloísa Matias e
117
Maria Alice Máximo; 10ª edição; Rio de Janeiro; Ed. Civilização Brasileira, 2013; Pág. 80
963
de produção de virtude, outros partidários do Estado tem uma visão libertária mais radical
com relação a ações culturais do ponto de vista de assuntos como os direitos dos
homossexuais, direitos de reprodução e a separação da Igreja e Estado, entre outros.
118
Ibidem, Pág. 87
SANDEL, Michael J. Justiça – O que é fazer a coisa certa/ Michael J. Sandel; tradução de Heloísa Matias e
119
Maria Alice Máximo; 10ª edição; Rio de Janeiro; Ed. Civilização Brasileira, 2013; Pág.87
964
os menos bem sucedidos, trata-se de uma apropriação indevida dos bens dos mais bem
sucedidos em forma de impostos que visam o bem estar dos menos bem sucedidos.
Um grande problema nessa questão é se o Estado tem justificação moral plausível
sobre os bens daqueles que produziram renda e riqueza e que são obrigados a ajudar,
mesmo contra a sua vontade, sob a alegação de os menos bem sucedidos serão
recompensados pelo que não produziram. A teoria libertária contesta que o Estado teria
autoridade moral para redistribuir renda e riqueza em virtude da injustiça cometida para
com os mais bem sucedidos.
Essa questão nos leva a outra objeção importante dada por Sandel que tem
características de um trabalho em equipe. Todos sabem que ninguém chega ao topo sem
que seja ajudado por outros, e em uma equipe, seja esportiva ou empresarial, sempre
haverá aqueles que ganham mais e aqueles que ganham menos. Não teriam, os que ganham
mais, uma dívida para com aqueles que ganham menos? A resposta dos libertários seria que
tais “pessoas já foram remuneradas por seus serviços de acordo com o valor de mercado.
Embora recebam menos (...) elas aceitaram voluntariamente os valores atribuídos às funções
que desempenham.”120
Segundo a teoria libertária, o trabalho em equipe é remunerado de acordo com a
importância de cada um no exercício da atividade. Em uma equipe esportiva, por exemplo,
médicos, jogadores, técnicos, roupeiros, árbitros etc, já recebem o seu sustento, de acordo
com os valores de mercado, não sendo justo, assim, que o astro do time receba o mesmo
valor que o roupeiro, porque na verdade, as pessoas vão ao Estádio ver o astro a
desempenhar seu papel e não o roupeiro. Partindo dessa premissa, igualar os salários do
astro e do roupeiro seria injusto com o astro que se preparou e que é o centro da atenção
das pessoas que estão ali para vê-lo. Esse é um ponto interessante que revela um mercado
que automaticamente afere o valor mediante o trabalho e a importância de cada individuo
promovendo a livre iniciativa e a liberdade econômica.
Mais ainda sobre esse ponto em questão, Sandel ainda levanta uma objeção ao
pensamento libertário que tem a ver com a “sorte” de algumas pessoas com o seu talento
120
Ibidem, Pág. 87
965
especial, e assim, tal pessoa não achar que aquilo que lhe “foi dado”, o leva a entender que
não precise considerar seja unicamente responsável pelo seu sucesso. Mas, partindo dessa
mesma objeção a teoria libertária entente que cada sociedade aprecia determinados valores
em detrimento de outros e não seria o Estado que deveria regular a sociedade a valorizar
pessoas e prazeres.
Outra objeção levantada por Sandel é com relação a que uma vez que todos
participam do Estado, temos voz ativa para abordar sobre leis e discordar quando for o caso
delas. Dentro de uma democracia todos nós podemos nos opor à criação de novas leis como
em todo o Estado democrático de direito. Assim, as taxações e os impostos cobrados pelo
Estado não são feitos sem o consentimento das pessoas. A resposta libertária é nesse ponto
mais confortável, pois ainda que uma pessoa possa se opor a uma determinada lei, se a
mesma fosse aprovada e sancionada tal, pessoa seria obrigado a cumpri-la mesmo contra a
sua vontade. A resposta libertária ainda vai mais longe como podemos ver no texto abaixo:
CONCLUSÃO
121
Ibidem, Pág. 88
966
Essa breve reflexão se ateve, de forma bem introdutória, a fazer uma análise do
pensamento libertário, levando em conta os ideais de liberdade e democracia tão
importante para as sociedades. Não defendemos aqui, de forma alguma, uma ausência do
Estado, nem tampouco um Estado omisso quanto às suas responsabilidades. Entretanto,
com base no pensamento libertário não foi defendida um excesso de atribuições do Estado
interferindo na vida e nas escolhas das pessoas. Uma liberdade que impeça seus cidadãos de
produzir e de escolher o que é melhor para sim, não é verdadeira liberdade, assim como um
Estado que impõe o que acha melhor para os indivíduos sem dar a eles a chance de escolher,
é um Estado opressor e, portanto, injustificável moralmente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e Liberdade. Título original: Capitalism and Freedom,
Org. Igor César Franco. Disponível em: http://liberalismo.0catch.com/.
HAYEK, Friedrich August Von. Os fundamentos da liberdade. Título original: The
constitution of liberty, Introdução de Henry Maksoud, tradução de Anna Maria Capovilla e
José Ítalo Stelle. São Paulo, Visão, 1983.
HAZLITT, Henry. Economia Numa Única Lição. Trad. Leônidas Gontijo de Carvalho. São
Paulo, Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010 pág. 82-83.
SANDEL, Michael J. Justiça – O que é fazer a coisa certa/ Michael J. Sandel; tradução de
Heloísa Matias e Maria Alice Máximo; 10ª edição; Rio de Janeiro; Ed. Civilização Brasileira,
2013.
967
968
UMA ANÁLISE DE POLÍTICA SOBRE O LIBERALISMO POLÍTICO DE RAWLS
RESUMO: O debate que se verifica no decorrer do trabalho é estabelecido por uma reflexão
existente dentro do direito e da filosofia sobre as ações afirmativas. A importância desse
debate organiza-se a partir de reflexões que são formadas por vários entendimentos
filosóficos, no entanto, especialmente se procura tratar aqui da visão de Rawls e seu
liberalismo no fomento de posições e politicas estatais em sua concretude.
Palavras-chave: Ações afirmativas. Políticas de cotas. Liberalismo. Filosofia.
INTRODUÇÃO
969
Hoje, com o intento de salvaguardar a estrutura da democracia norte-americana, a
Suprema Corte Americana tende a conceber a inconstitucionalidade do sistema de
cotas, que fora instituído para beneficiar as maiorias raciais.
Mesmo tão contrastantes as realidade norte-americana e brasileira, o Brasil seguiu a
linha de cotas dos Estados Unidos. Adotou uma política criada para um contexto tão diverso
do nosso, sem entender o seu funcionamento e os critérios para a efetivação dessa ação
afirmativa. Sociólogos, historiadores e até mesmo alguns educadores criticaram essa
política. Ainda o governo ignorou a seara do técnico para abarcar a ideia protecionista, ao
custo de gerar grande insatisfação às maiorias.
Tal arbítrio tem gerado graves discussões sociais sobre raça e a mais severa crítica
sobre tal ação afirmativa. Daí se presume que este programa procede uma discriminação
entre pessoas, porque, em verdade, não há que se falar em diferenças ou raças, o que deve
existir é a igualdade. No entendimento de Célia de Azevedo, em sua obra Anti-racismo e seus
paradoxos: reflexões sobre cota racial, raça e racismo, ela afirma que o
[...] devemos fazer todo esforço possível para construir uma sociedade
desracializada, na qual a singularidade do indivíduo seja valorizada e
celebrada e na qual exista a liberdade de assumir, por escolha própria,
uma pluralidade de identidades.[...] Talvez isso não ocorra a curto
prazo aqui no Brasil, principalmente se o Congresso cometer a
imprudência de aprovar o Estatuto da Igualdade Racial, o qual forçará
os cidadãos a assumir uma identidade principal baseada na cor da pele
(PENA, 2006, p. 47).
971
A tessitura de teorias antigas com as mais atuais poderão sustentar formas
diferenciadas de analisar a temática em pauta, sublinhando sempre a questão dos
direitos individuais. Por essa razão, iniciaremos o trabalho com a teoria do liberalismo,
que defende tão ardorosamente tais direitos, enquanto políticas, como a das cotas, os
violam em nome de uma abstração coletiva como a propalada “justiça social”, que
atropela os direitos dos indivíduos.
Nessa empreitada, partirei da compreensão do que seria a teoria do liberalismo
inglês, surgido na Inglaterra, durante o século XIX. Nesse momento o país vivia um
apogeu, como a maior potência mundial. Em plena Revolução Industrial, impulsionava
movimentos em massa dos operários que procuravam, com suas manifestações, atingir
um maior número de pessoas possível com a igualdade de direitos à liberdade.
Para desenredar a discussão do tema, trarei à baila a teoria filosófica do
utilitarismo, impelida por movimentos de liberdade e igualdade. Dois de seus
precursores são John Stuart Mill e Jeremy Bentham, sendo este último o seu fundador.
Bentham (1748-1832), simpatizante desta teoria, vem inová-la, ao substituir o
direito natural, ideal típico dos teóricos contratualistas, pela ideia da utilidade ou
“princípio da utilidade”. A nova teoria fundamenta o meio hábil e capaz de influenciar
os legisladores na criação de normas legais mais adequadas à realidade social. Para
Bentham, a verdade depende de resultados práticos. Nesse sentido, é preciso criar
normas que prestigiem um maior número de pessoas otimizando a felicidade. Estaria aí
a receita correta para uma sociedade menos egoísta e mais satisfeita.
Em contrapartida, John Stuart Mill (1806-1873), que herda de seu pai, James
Mill, o interesse pela teoria utilitarista, traz a ela influências próprias de sua época,
como o positivismo de Comte, uma construção teórica mais democrática.
Sobre as duas teorias (liberalismo e utilitarismo), o autor Lionel Robbins
descreve:
[...] as teorias liberais de política econômica dos séculos XVIII e XIX têm
como origem duas tradições filosóficas diferentes. Por um lado, temos
a tradição do direito natural e dos direitos naturais, segundo a qual o
critério para julgar uma política consiste na sua conformidade a uma
ordem natural preexistente [...]. Por outro lado, temos a tradição
utilitarista, difundida principalmente por Hume e Bentham, segundo a
972
qual as leis são feitas essencialmente pelos homens e devem ser
julgadas de acordo com seus efeitos sobre a felicidade geral, a curto e
a longo prazos (ROBBINS,1972).
974
Todavia, também as teorias compensatórias sofreram duras críticas, uma
vez que constitui regra basilar de qualquer legislação sobre indenizações,
em casos de responsabilidade civil por atos ilícitos, de que apenas aquele
agente que de fato os praticou pode ser acionado judicialmente. Dizer que
toda a sociedade é culpada pela discriminação é, a nosso sentir, um
argumento de conteúdo exclusivamente moral, sem qualquer pretensão
jurídica. Dessa maneira, as ações afirmativas não se sustentam com base na
teoria da compensação, e, por conseguinte, não podem ser vistas como
mero mecanismo de redistribuição de bens e oportunidades, sob pena de
chegarmos às conclusões absurdas acima mencionadas (apud PISCITELLI,
2009, p. 66).
Tais concepções apresentadas acima são o pano de fundo para os debates que
circundarão a realidade de apresentação deste trabalho, objetivando dentro de cada
visão, encontrar caminhos e analisar aspectos conflitantes entre os autores objeto
975
desta pesquisa. Sublinha-se o importante Johw Rawls (autor da obra A Justiça) e
também o já citado Michael Sandel, indubitavelmente com relação ao debate que eles
delineiam em torno de conceitos conexos de justiça dentro da realidade da tutela dos
desiguais na concepção de ações afirmativas.
Mas, o que seria a tutela dos desiguais e o que pretendem as ações afirmativas?
Neste diapasão, fomentamos a discussão sobre até que ponto os nomeados desiguais
são realmente desiguais e até que ponto a exclusão realmente existe por causas sociais
ou por causas legais. Até que ponto estamos efetivamente vendo a justiça ou
escamoteando-a. Até que ponto estamos realizando trabalhos de inclusão ao bem-estar
comum, conforme desejam os teóricos utilitaristas, que serão objeto de nosso estudo
aprofundado, ou efetivando a desigualdade como meio de promoção do populismo. Até
que ponto o Estado deve interferir e, em contraparte, deve se excluir como meio de
provocação justa.
Já as ações afirmativas vêm para fortalecer que tais tutelas sejam atingidas; são
os caminhos proporcionados pelo Estado, seja juiz, seja legislador, seja seu executor
com os mecanismos necessários para dirimir ou diminuir a desigualdade atingida por
determinadas ações. O ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski, em
seu voto sobre a ADPF 186, assim deliberou:
977
Igualdade jurídica formal é igualdade diante da lei (artigo 3º, alínea 1,
Lei Fundamental). Ela pede a realização, sem exceção, do direito
existente, sem consideração da pessoa: cada um é, em forma igual,
obrigado e autorizado pelas normalizações do direito, e, ao contrário,
é proibido a todas as autoridades estatais não aplicar direito existente
em favor ou à custa de algumas pessoas. Nesse ponto, o mandamento
de igualdade jurídica deixa-se fixar, sem dificuldades, como postulado
fundamental do estado de Direito (DIAS, 2004, p. 2).
O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Aires Brito, em seu voto sobre a ADI
4277/DF, declara:
978
tratá-los como meros instrumentos da felicidade coletiva (SANDEL,
2013, p.135).
São essas diferenças e esses conflitos que nos importam, desnudando a análise
realizada de justiça sobre o manto da teoria que melhor se adapta ao interesse
governamental e social.
Sandel, ao falar em seu capítulo cinco sobre Kant, afirma: “Uma coisa é condenar
o sofrimento de uma criança porque ele reduz a felicidade geral e outra é condená-lo
por ser moralmente inaceitável, uma injustiça com a criança”. (SANDEL, 2013, p.135).
Ainda, argumenta Kant “que a moral não diz respeito ao aumento da felicidade
ou a qualquer outra finalidade. Ele afirma, ao contrário, que ela está fundamentada no
respeito às pessoas como fins em si mesmas.” (SANDEL, 2013, p. 137). Desta forma, a
teoria kantiana procura em sua base analisar o ser humano como o fim, e não o objeto
para se atingir esse fim pretendido. Isso fatalmente conflita com a politica de cotas hoje
adotada, tendo em vista que se sacrifica um indivíduo sob a pretensão do interesse de
uma parcela da sociedade.
Entre o utilitarismo, o libertarismo, o kantismo, as análises do próprio Sandel
sobre essas teorias, muitas são as abordagens para definir uma mesma coisa. Suas
visões variadas e plurais nos proporcionam uma gama inesgotável de combustível,
capaz de inflamar o debate sobre como se definir o que é justo.
“Os libertários talvez tenham uma resposta: as pessoas não deveriam ser usadas
como meros instrumentos para a obtenção do bem-estar alheio, porque isso viola o
direito fundamental da propriedade de si mesmo”, observa Sandel. (2013, p.179). Quão
profunda e esclarecedora é essa observação, pois demonstra a diferença leg ítima de
diversas visões e nem sempre ações afirmativas são a pureza da legitimidade e da
propriedade como parece ser.
Na defesa dos direitos às cotas, temos uma concepção paternalista de governo,
algo como diz Nozick, longe de um estado mínimo de intervenção, visão destinada aos
libertários. (NOZICK, 2011, p.32).
979
Diferentemente dessa ótica, o desenvolvimento da teoria kantiana inspira as
doutrinas jurídicas e políticas contemporâneas, bem como a definição de dignidade
humana e a concepção dos direitos fundamentais.
Há um destaque entre Rawls e Kant delineado por Sandel. Ele explica que, para
Kant, uma lei será justa quando ocorrer a aquiescência da população como um todo. Já
Rawls argumenta que encontraremos a verdadeira justiça quando nos perguntarmos
quais princípios adotaríamos em uma situação de igualdade. Assim Sandel busca
justificativa, que nos ajudam melhor compreender qual deveria ser a proposta de
justiça na realidade contemporânea, em especial no Estado brasileiro. (SANDEL, 2013,
p.178-179).
Em outra perspectiva, conhecer as faces das teorias filosóficas do utilitarismo
que priorizam o ato que pode garantir uma maior felicidade é maximização de um
resultado. Esta teoria, em determinados momentos, minimiza o interesse do ser
humano ou ele próprio por um interesse maior.
Já o libertarianismo procura enfrentar suas questões como sendo uma total
liberdade apresentada ao Estado e às pessoas. Cada qual faz o que deseja consigo
independentemente de outras vontades, pela ausência de regras. O ser human o é o seu
próprio dono, pode, inclusive, dispor até de sua vida se melhor lhe convier.
Em uma importante passagem, Sandel conclui as principais teorias da seguinte
forma:
980
As apresentações de pontos de vista distintos, seguidas de análises e d iscussões,
bem como as pesquisas de dados de três universidades brasileiras inseridas no sistema
de cotas estão estruturadas, neste trabalho, em três capítulos.
Para tanto, procurarei ter sempre em mente as palavras de Friedrich Muller:
A FILOSOFIA DE RAWLS
Os grandes debates emersos nas ações afirmativas sobre o sistema de cotas têm
gerado críticas acirradas. Um dos pontos fundamentais dessa discursão é relativo aos
conceitos de justiça e igualdade, que requer uma análise sobre a efetividade dos pretensos
conceitos. Outro fator conflitante surge em meio à análise de existência ou não de
diferenças ou raças, haja vista que deve existir igualdade. No entendimento de Célia de
Azevedo, em sua obra Anti-racismo e seus paradoxos: reflexões sobre cota racial, raça e
racismo,
981
daquelas produzidas nos Estados Unidos da América, como já aventado no capítulo
anterior. Não se trata de um simples dado histórico, mas de uma forma contextual de se
compreender as motivações e a estrutura de cada realidade que deve ser observado no
momento de reações invasivas do governo na realidade individual. Em nosso Estado
Federal encontramos peculiaridades que estão presentes somente em nossa realidade,
como afirma Benjamin:
[...] devemos fazer todo esforço possível para construir uma sociedade
desracializada, na qual a singularidade do indivíduo seja valorizada e
celebrada e na qual exista a liberdade de assumir, por escolha própria,
uma pluralidade de identidades. [...] Talvez isso não ocorra a curto
prazo aqui no Brasil, principalmente se o Congresso cometer a
imprudência de aprovar o Estatuto da Igualdade Racial, o qual forçará
os cidadãos a assumir uma identidade principal baseada na cor da pele
(PENA, 2006, p. 47).
Fato é que o Brasil já aprovou o referido Estatuto no qual são inseridas várias
ações afirmativas com o fim de proteger as minorias excluídas. Também os Estados
Unidos da América, motivados por causas similares, criaram políticas
antidiscriminatórias no sistema de ensino, sobre as quais a Suprema Corte Norte -
Americana faz a seguinte análise:
984
segunda característica, o autor menciona a necessidade de comparação de suas
próprias ideias com o utilitarismo e afirma: “uma concepção política de justiça difere de
inúmeras doutrinas morais, pois estas são comumente consideradas visões gerais e
abrangentes. O utilitarismo é um exemplo.” (RAWLS, 2000, p. 16).
Ainda sob o aspecto da segunda característica na concepção política de justiça,
uma passagem do filósofo não pode deixar de ser destacada pela dimensão de
igualdade que ela proporciona ao tratar do desejo de justiça:
Os fatores reais do poder que regulam no seio de cada sociedade são essa
força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas da
sociedade em apreço, determinando que não possam ser, em substância, a
não ser tal como elas são.
985
As doutrinas abrangentes de todos os tipos – religiosas, filosóficas e morais
– fazem parte do que podemos denominar “cultura de fundo” da sociedade
civil. É a cultura do social, não do político. É a cultura da vida cotidiana, de
suas diversas associações: igrejas e universidades, sociedades científicas e
profissionais, clubes e times, para citar somente algumas. Em uma
sociedade democrática, há uma tradição de pensamento democrático, cuja
substância é pelo menos familiar e inteligível ao senso comum educado dos
cidadãos em geral. As principais instituições da sociedade e as formas
aceitas de interpretá-las são vistas como um acervo de ideias e princípios
implicitamente compartilhados (RAWLS, 2000, p.16).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais, 2. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2008.
BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 186 (ADPF 186/RJ).
986
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Barreto; Mota (2011) e Garrone (2010).
DIAS, Maria Berenice. A Igualdade Desigual. Disponível em
http://www.mariaberenice.com.br/uploads/32_-_a_igualdade_desigual.pdf. Acesso em 22 de
fevereiro de 2014.
DOMINGUES, Petrônio. Varia hist. v. 3, n. 37. Belo Horizonte, jan./fev. 2007. Resenha.
Disponível em www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-877520070001100015.
FRY, Peter et alli. Divisões perigosas: políticas raciais no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2007.
GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa: aspectos jurídicos. In: Abong, Racismo no Brasil.
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direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar,
2001.
MULLER, Friedrich. Revista Brasileira de Direito Constitucional, n. 1, jan/jun. – 2003, p. 12.
NOZICK, Robert. Anarquia, Estado e Utopia. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
PISCITELLI, Rui Magalhães. O Estatuto como Promotor de Ações Afirmativas e a Política de
Cotas para o Acesso dos Negros à Universidade. Curitiba: Juruá, 2009.
RAWLS, John. Uma teoria da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
ROBBINS, Lionel. Teoria da Política Econômica. Ibrasa, 1972.
ROUSSEAU, J. J. Do contrato social. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
SANDEL, Michael J. Justiça: o que é fazer a coisa certa. 10. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2013.
VITA, Álvaro de. O liberalismo igualitário, sociedade democrática e justiça internacional. São
Paulo: Martins Fontes, 2008.
987
ASPECTOS JURÍDICOS E FILOSÓFICOS SOBRE O PODER PUNITIVO DO ESTADO NA ESFERA
PENAL
RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar de forma interdisciplinar algumas concepções
jurídicas e filosóficas sobre o exercício do poder punitivo do Estado, com ênfase aos desafios
encontrados pelo julgador criminal, no exame de casos concretos. Para tanto, dividimos este
trabalho em quatro partes: na primeira, discorremos acerca das concepções teóricas sobre o Direito
Penal, abordando sua finalidade, definição e as ações do Estado. Na segunda, explanamos sobre o
direito de punir do Estado e seus limites, fazendo uma relação entre Direito e Filosofia. Na terceira,
tratamos da punição e as éticas normativas, com o fim de se buscar o sentido da punição. Na última
parte, propomos reflexões sobre os desafios para se fazer a coisa certa na Justiça Penal, com base na
obra de Michael Sandel. A partir das discussões sobre justiça, explanadas pelo filósofo americano,
refletimos acerca da liberdade de tomada de decisão do juiz e sua missão em “fazer justiça” na área
criminal.
Palavras-chave: Poder punitivo do Estado. Justiça. Punição.
988
alternativas menos incisivas, como o Direito Civil ou Direito Público, são insuficientes à
proteção eficaz dos bens jurídicos. Neste sentido, discorre outro penalista brasileiro:
989
O DIREITO DE PUNIR E SEUS LIMITES
Direito Penal objetivo e Direito Penal subjetivo são duas expressões utilizadas pelos
estudiosos penais para explicar a relação entre as normas penais positivadas e as ações e
intervenções do Estado. Conforme Mirabete e Fabbrini (2012), o Direito Penal objetivo é
formado pelo conjunto de normas que regulamentam a ação do Estado, estabelecendo os
crimes e as sanções penais. Os autores discorrem: “Somente o Estado, em sua função de
promover o bem comum e combater a criminalidade, tem o direito de estabelecer e aplicar
essas sanções.” (MIRABETE e FABBRINI, 2012, p. 5-6). Desta forma, o Estado é considerado o
único titular do jus puniendi, isto é, do “direito de punir”, denominado Direito Penal
subjetivo. Destaca-se que o jus puniendi estatal não deve ser praticado com arbitrariedade,
como se pode confirmar:
990
bom funcionamento das relações sociais e manter suas formas de vida e cultura. A
imposição dos limites é estabelecida por meio de normas que, a partir de sua violação,
impõem ao infrator uma sanção, que pode ser social ou jurídica.
De acordo com Smanio e Fabretti (2012), o Direito Penal insere-se no denominado
sistema de controle social, sendo uma de suas instituições e o controle social jurídico-penal
é um controle normativo, isto é, exercido por um conjunto de normas, em que a
pena/punição passa a ser considerada monopólio do Estado. Veja-se:
992
castigo é imposto por uma exigência ética, não se tendo que vislumbrar qualquer conotação
ideológica nas sanções penais. Para a Escola Clássica, a pena era tida como puramente
retributiva, não havendo qualquer preocupação com a pessoa do delinquente.
Com relação às teorias relativas, Mirabete e Fabbrini (2012) explicam que à pena era
atribuído um fim exclusivamente prático, em especial o de prevenção. O crime não seria
causa da pena, mas a ocasião para ser aplicada. Sendo o crime a violação do Direito, o
Estado deve impedi-lo por meio da coação psíquica (intimidação) ou física (segregação). A
pena é intimidação para todos, ao ser cominada abstratamente, e para o criminoso, ao ser
imposta no caso concreto. O fim da pena é a prevenção geral, quando intimida todos os
componentes da sociedade, e de prevenção particular, ao impedir que o delinquente
pratique novos crimes, intimidando-o e corrigindo-o.
Mirabete e Fabbrini (2012) explanam que, a partir das teorias ecléticas, passou-se a
entender que a pena, por sua natureza, é retributiva, tem seu aspecto moral, mas sua
finalidade é não só a prevenção, mas também uma correlação de educação e correção. Para
Pelegrino Rossi, a pena deve objetivar, simultaneamente, retribuir e prevenir a infração.
Na perspectiva do Direito Penal, com o surgimento da Escola da Defesa Social, de
Adolfo Prins e Filippo Grammatica e, mais recentemente, com a Nova Defesa Social, de Marc
Ancel, Mirabete e Fabbrini (2012) afirmam que tem-se buscado instituir um movimento de
política criminal humanista fundado na ideia de que a sociedade apenas é defendida à
medida que se proporciona a adaptação do condenado ao meio social (teoria
ressocializadora). Para Miguel Reale Junior, foi adotada a perspectiva da pena como
instrumento de ressocialização do condenado. Esse posicionamento moderno procura
excluir definitivamente a retributividade da sanção penal.
Em que pese o posicionamento teórico mencionado, a respeito da pena como
instrumento de ressocialização do condenado, é importante destacar o posicionamento da
Filosofia para atribuir o sentido da punição, considerando as éticas normativas.
No capítulo “Éticas deontológicas: a ética Kantiana”, o filósofo e pesquisador Júlio
Esteves, faz relevante explicação sobre o retributivismo e o prevencionismo, como se pode
observar:
993
O retributivismo assume uma atitude retrospectiva diante do crime e
pergunta em que medida a justiça pode ser feita retribuindo ao criminoso
no grau e proporção de seu delito, restituindo assim o equilíbrio da
“balança da justiça”. O retributivista se baseia numa fundamentação moral
deontológica da punição, sustentando que ela deve se seguir ao crime em
virtude de uma qualidade (negativa) intrínseca ao ato e ao agente
criminoso, e não em virtude de supostas consequências socialmente
desejáveis que ela possa produzir no futuro. [...] Para os prevencionistas, a
finalidade e a justificativa moral da punição estão justamente na sua
capacidade de prevenir o comportamento socialmente indesejável,
dissuadindo as pessoas a não cometerem o crime (ESTEVES, 2014).
Sandel (2014) destaca as muitas divergências que podem ser encontradas na análise
e reflexão sobre o que é correto e incorreto, o que é justo e injusto, diante dos
posicionamentos e entendimentos diferentes a respeito do mesmo tema. O filósofo afirma
que uma das formas para começarmos a raciocinar com clareza sobre as concepções de
994
justiça e injustiça, é observarmos como a reflexão moral aflora com naturalidade, quando
nos deparamos diante de uma difícil questão de natureza moral.
A princípio, do ponto de vista jurídico e filosófico, todo indivíduo que pratica um
crime (violando e sacrificando, assim, um bem jurídico alheio) é merecedor de uma
pena/punição, em razão da violação de uma norma jurídico-penal e de uma norma de
conduta. Entretanto, se considerarmos todo o conjunto de circunstâncias que podem levar
uma pessoa a praticar um delito, vamos nos deparar com difíceis questões a serem decididas
pela justiça penal. A vontade do indivíduo, sua consciência e motivação, os meios
empregados, sua finalidade, as consequências do crime, o grau de lesividade, o contexto em
que ocorre o fato, todos estes elementos, quando analisados em um fato concreto, podem
sugerir uma alternativa diferente da punição.
Nos questionamentos e reflexões explanados em seu livro, Sandel (2014) resume as
três abordagens da justiça que explorou, a saber: a) justiça significa maximizar a utilidade ou
o bem-estar (visão utilitarista); b) justiça significa respeitar a liberdade de escolha (visão
libertária) e c) justiça envolve o cultivo da virtude e a preocupação com o bem comum. O
filósofo posiciona-se favorável a esta última abordagem e critica as outras duas, como
podemos conferir:
Para Sandel (2014), não há como se conquistar uma sociedade justa meramente pela
maximização da utilidade ou pela garantia da liberdade de escolha. O filósofo afirma que o
995
alcance de uma sociedade justa exige um raciocínio coletivo a respeito do significado da vida
boa e cria uma cultura pública que admite as discordâncias que ocorrerão de forma
inevitável. Complementa: “[...] questões de justiça são indissociáveis de concepções
divergentes de honra e virtude, orgulho e reconhecimento. Justiça não é apenas a forma
certa de distribuir as coisas. Ela também diz respeito à forma certa de avaliar as coisas.”
(SANDEL, 2014, p. 322-323).
Se aplicarmos, por semelhança, as explicações e considerações de Michael Sandel
para a prática da justiça penal, novas reflexões podem ser pensadas e discutidas.
Definitivamente, a tarefa de julgar é uma árdua tarefa, sobretudo, aquela exercida pelo juiz
criminal, vez que este exerce o poder punitivo do Estado, aliás, o juiz pode ser considerado o
próprio poder, isto é, o Poder Judiciário. No livro As misérias do processo penal, o jurista
italiano expõe interessante posicionamento:
Ser e fazer o que deve ser feito de forma plena, sem deficiências, sem sombras e sem
lacunas está longe de ser uma tarefa fácil, entretanto, fazer a coisa certa, “fazer justiça”
deve ser a maior missão do julgador na tomada de sua decisão diante dos conflitos penais.
Carnelutti (2012, p. 49) afirma: “Nenhum ser humano que refletisse sobre o que seria
necessário para poder julgar um outro aceitaria ser juiz. Mas encontrar juízes é preciso, e
este é o drama do direito.”
De fato, a justiça deve envolver o cultivo da virtude e a preocupação com o bem
comum. Em relação ao exercício da justiça penal, há grandes desafios para o Poder
Judiciário. Propomos as seguintes reflexões: a) Ao analisar um caso concreto, valendo-se de
normas penais não incriminadoras permissivas, o julgador pode tomar a decisão de excluir o
crime, por reconhecer que o autor da conduta agiu em legítima defesa ou em estado de
necessidade, próprio ou de terceira pessoa, ainda que este agente tenha tirado a vida ou
violado a integridade física ou o patrimônio de outrem. b) Em outra situação, o juiz pode
996
deixar de aplicar a pena para um ladrão que cometa um furto de bagatela, em razão dos
princípios da insignificância e da intervenção mínima do Estado, sob o entendimento
minimalista do Direito Penal.
Considerando os casos mencionados e a existência de decisões judiciais que excluem
o crime, em razão de alguma norma jurídica, ou absolvem algum agente, em decorrência de
algum princípio, perguntamos: para a Filosofia, a falta de punição nestas situações pode ferir
a moral e a justiça? Em alguns casos, matar e furtar, seriam fatos moralmente toleráveis?
Existem decisões judiciais que ferem a moral?
As indagações apresentadas têm por finalidade despertar reflexões acerca do que
seria fazer a coisa certa em situações conflitantes, em dilemas como os fatos apresentados,
em que o juiz precisa analisar os casos concretos, as provas e ser convencido para a tomada
de sua decisão.
Segundo Sandel (2014), justiça também diz respeito à forma certa de avaliar as
coisas. Concordamos com o filósofo e compreendemos que, no exercício da justiça penal, o
poder punitivo do Estado deve ser limitado, moderado e proporcional, devendo o julgador
estabelecer, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, a
punição, entretanto, também compreendemos que nem sempre a punição será necessária.
Na dissertação de mestrado, A punição no sistema moral Kantiano, encontramos o
seguinte posicionamento:
Immanuel Kant, apesar de ter escrito pouco sobre direito penal, é citado
unissonamente, segundo a literatura jurídico-criminal que se conhece,
como o principal autor a defender o retribucionismo; Kant consideraria
absoluta a necessidade de pena jurídica, sequer permitindo que indivíduos
condenados à morte em uma sociedade que estava para se dissolver
consensualmente pudessem escapar da execução. Apesar dessa posição
juridicamente consolidada, ao ler alguns trechos de A Metafísica dos
Costumes percebe-se que a defesa da pura retribuição não é compatível
com o exposto por Kant. E mais, ao ler as anotações dos ouvintes das aulas
de Kant, editadas pela Academia no volume XXVII das obras completas,
resta explícito que o filósofo vislumbra uma finalidade preventiva na
punição (SCARIOT, 2013, p.8).
Scariot (2013), em sua pesquisa, propõe que Kant não tenha defendido uma sanção
jurídico-criminal exclusivamente retributiva (retribucionismo puro) e sustenta que existem
escritos em que o filósofo expõe uma concepção preventiva da pena. Nesta direção,
997
pretendemos iniciar outras investigações, a fim de pesquisar o significado e a finalidade da
punição, tanto para o Direito Penal quanto para a Filosofia, associando a concepção de
justiça como a forma certa de se avaliar as coisas.
REFERÊNCIAS
CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Campinas/SP: Servanda, 2012.
ESTEFAM, André; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal Parte Geral. São Paulo:
Saraiva, 2014.
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GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. Impetus: Rio de Janeiro, 2012.
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Paulo: Atlas, 2012.
SANDEL, Michael J. Justiça: o que é fazer a coisa certa? Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2014.
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Programa de Pós Graduação em Filosofia: Universidade Caxias do Sul, 2013.
SMANIO, Gianpaolo Poggio; FABRETTI, Humberto Barrionuevo. Introdução ao Direito
Penal: Criminologia, princípios e cidadania. São Paulo: Atlas, 2012.
ZAFFARONI, Eugenio Raul; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Manual de Derecho
Penal: parte general. Buenos Aires: Ediar, 2010.
998
GT 07 - Hipertextualidade e Literatura: Modos de escrita e de leitura
RESUMO: A literatura é expressão do homem e das relações que ele estabelece com o meio
em que vive e com o seu espaço social. Essa relação somente é possível através da
linguagem. Nesse sentido, o intuito desse artigo é fazer uma análise da linguagem através do
viés da literatura pontuando as relações cognitivas e interdisciplinares, e ainda pensar sobre
a função da literatura numa sociedade cercada de tecnologias e mudanças constantes. A
literatura é capaz de resistir no mundo onde o curto tempo e as rotinas de trabalho exigem
do homem cada vez mais de seu tempo e não sobrando espaço para reflexão e lazer. A
literatura é capaz de humanizar o homem diante dos confrontos sociais de hoje. As
fundamentações teóricas utilizadas são: Barthes (2004), Candido (2000), Compagnon (2010),
autores do campo da teoria literária; Koch (2009) e Marcuschi (2008) do campo da
Linguagem.
Palavras-chave: Linguagem. Literatura. Sociedade.
999
tempo, individual, social, fisiológica e psíquica. Por isso, a linguagem sofre determinações
sociais e está relacionada às questões cognitivas.
Podemos destacar o conceito de cognição em Koch (2009), o princípio básico da
ciência cognitiva é que o homem representa mentalmente o mundo que o cerca de uma
maneira específica e que, nessas estruturas da mente, se desenrolam determinados
processos de tratamento, que possibilitam atividades cognitivas bastantes complexas. Dessa
forma a cognição e linguagem se realizam como uma forma de ver e sentir o mundo, de
estar no mundo, de perceber, de entender as múltiplas implicações que se realizam, ao
analisar um acontecimento, um aspecto da natureza, isto é, os fenômenos na dimensão
social, natural ou cultural.
Entendida assim, a cognição é o fenômeno que ocorre no processamento de
informação na mente e tem relação ampla com a linguagem. O ser humano captura e
processa as informações que lhes são transmitidas no cotidiano através da linguagem,
também entendida não somente como a escrita, mas a linguagem como todo processo de
interação e comunicação do homem.
A linguagem é essencial para aprender, ela permite construir e reconstruir
significados, ampliando e tornando mais complexos nossos conhecimentos. Mais do que
apenas nos ajudar a comunicar conhecimentos, a linguagem permite que homem relacione
com conhecido e o desconhecido, como também a reinventar o experimentado.
Para Faraco (entrevista em Cortez e Xavier, 2003), acredita na premissa de que
somos fundamentalmente seres de linguagem, é difícil separar linguagem e sujeitos. A
linguagem ou práticas de linguagem nos precedem e, em certo sentido, elas nos sujeitam. E
nelas que nos constituímos como seres heterogêneos, seja porque a realidade da linguagem
é heterogênea, seja porque nosso psiquismo, imerso nesse caldo de heterogeneidade, tem
diferentes formas de produzir sentidos, seja no plano consciente, seja no plano inconsciente.
A língua como uma atividade social não somente usada para comunicar, mas também
para realizar ações através da interação social e cognitiva entre os falantes. Esta visão leva
em conta as situações de interlocução nas quais a língua se realiza e a influência de fatores
de diversas ordens no curso dessas situações.
1000
A possibilidade de perceber, sentir, olhar e expressar implicam em modos de
comunicação. Essas relações, por sua vez, formam e constituem-se pela linguagem como um
recurso para se expressar social, cultural e subjetivamente, percebendo o ser e o agir das
outras pessoas. Essa capacidade humana possibilita nos comunicarmos através do
pensamento expresso tanto pela palavra oral ou escrita, como pelos gestos corporais, ou
seja, meios que nos permitem enunciar percepções individuais e coletivas.
Em Fiorin (2008), a linguagem verbal é a matéria do pensamento e o veículo da
comunicação social. Assim como não há sociedade sem linguagem, não há sociedade sem
comunicação. Tudo o que se produz como linguagem ocorre em sociedade, para se
comunicado, e como tal, constitui uma realidade material, que se relaciona com que lhe é
exterior, como o que existe independentemente da linguagem. Como realidade material:
organização de sons, palavras e frases. A linguagem é relativamente autônoma, como
expressão de emoções, ideias, propósitos, no entanto, ela é orientada pela visão de mundo,
pelas injunções da realidade social, histórica e cultural de seu falante.
Pensando na relação da linguagem com o homem, muitos estudiosos da língua
propuseram conceitos e estudos sobre a linguagem, mas foi com Ferdinand Saussure (1857 -
1913) ao divulgar sua visão sobre a Linguística Geral, cujas anotações foram reunidas e
publicadas por dois de seus discípulos, após a sua morte, resultando em um de seus mais
importantes trabalhos: o Curso de Linguística Geral, que ajudou os estudos linguísticos a se
consolidar como ciência. Saussure considera a língua um sistema de signos, cuja significação
depende das relações de valor entre eles, pois a língua se estrutura ordenadamente de
maneira a formar um todo significativo, a partir de pares opostos. Ele institui, então a sua
visão dicotômica da linguagem, distinguindo língua e fala, sincronia e diacronia, significado e
significante, relações sintagmáticas e relações paradigmáticas.
Voltando no ponto da interação e do convívio social pela linguagem, podemos
também pensar a linguagem a serviço da criação artística. O texto da literatura é um objeto
de linguagem com qual associa uma representação da realidade física, social e emocional
através de palavras da língua na configuração de um objeto estético. O texto está em nós na
medida em que revela marcas profundas do ser humano. O artista da palavra incorpora
1001
elementos dessa dimensão que nos são culturalmente comuns. Será que a literatura é capaz
de resistir no mundo contemporâneo? Qual a função dela na sociedade?
Tendo em vista que à modernização e a tecnologia, seus avanços e influências no
cotidiano do ser humano, o homem contemporâneo virou escravo do tempo em função do
mundo globalizado, capitalista e individualista ao qual vivemos.
Meu Deus do céu, não tenho nada a dizer. O som de minha máquina é
macio.
Que é que eu posso escrever? Como recomeçar a anotar frases? A palavra é
o meu meio de comunicação. Eu só poderia amá-la. Eu jogo com elas como
se lançam dados: acaso e fatalidade. A palavra é tão forte que atravessa a
barreira do som. Cada palavra é uma ideia. Cada palavra materializa o
espírito. Quanto mais palavras eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu
sentimento.
Devemos modelar nossas palavras até se tornarem o mais fino invólucro
dos nossos pensamentos. Sempre achei que o traço de um escultor é
identificável por um extrema simplicidade de linhas. Todas as palavras que
digo – é por esconderem outras palavras.122
122
LISPECTOR, Clarice. Sobre a escrita. Disponível em: www.releituras.com/clispector_escrita.asp. Acesso em:
15de setembro de 2014.
1002
Para Compagnon (2010) podemos conceituar a literatura no sentido amplo e no
sentido restrito. Para o autor, no sentido amplo, a literatura é tudo o que impresso, é todos
os livros que a biblioteca contém. Essa acepção corresponde à noção clássica de “belas-
letras” as quais compreendiam tudo o que a retórica e a poética podiam produzir, não
somente a ficção, mas também a história, a filosofia e a ciência, e ainda toda eloquência. Por
outro lado, no sentido restrito, a literatura varia consideravelmente segundo as épocas e
culturas.
Ao considerar a literatura como arte é determiná-la como tipo especial de
comunicação, que se vale também de uma linguagem especial. Assim podemos pensar que a
linguagem especial precisa apoiar-se em uma língua que se configura em textos, os quais se
caracterizam em uma forma de discurso. A literatura e as artes constroem modelos para a
percepção de realidade e para a reconstrução de experiência.
A obra literária está na criatividade do artista e, desse modo, ela consiste na invenção
de novos meios de expressão; não há uma gramática normativa com regras rígidas para o
texto literário, seu único espaço de criação é a liberdade, o escritor é captador da imagem
do cotidiano e busca na palavra a forma de representação.
A poesia é um exemplo de como a literatura representa um processo de linguagem
criativo que através das práticas discursivas, verifica na própria escrita a eficácia
comunicativa, com total liberdade escrita textual, sendo o conteúdo expressivo o ponto
importante da escrita poética. Já lembra Aristóteles (1987), que toda poesia se origina da
imitação, que é próprio da natureza humana, pois a harmonia e o ritmo sempre a
acompanharam. No decorrer destas imitações chegaram-se aos metros. Pouco a pouco tais
imitações deram origem à poesia, que se diversificou pelos vários poetas e estilos de época.
A essência da linguagem da poesia está na palavra, na imaginação criadora, e no seu
isolamento de regras da escrita. A poesia é uma criação sublime, ela está para o homem na
1003
essência da criação e depois do seu fim porque a poesia não morre. O poeta cria o mundo e
os seus significados sendo capaz de invadir os pensamentos dos leitores e transportá-los ao
mundo dos sonhos, suas palavras são mágicas, puras e nos leva ao além, nos fazendo
descobrir os segredos da vida, ao encontro do sentimento humanizado no próprio homem.
o poema
antes de escrito
antes de ser
é a possibilidade
do que não foi dito
do que está
por dizer (GULLAR, 2010, p.21).
1004
comunicacionais, a cultura midiática é responsável pela aplicação dos mercados culturais e
pela expansão e criação de novos hábitos no consumo de cultura.
Em linhas gerais, as mudanças que ocorreram fizeram surgir novas tendências na
cultura, e seguindo este caminho a literatura transcendeu seu espaço comum do papel para
o mundo interativo da internet, dos blogs, dos e-books, dos hipertextos.
Para Süssekind (2004) a escrita eletrônica toca dois pólos extremos: por um lado, a
fixação perene, intemporal de textos e documentos, já que os sistemas de depósito virtual
não estão sujeitos à usura do tempo nem à finitude do espaço; mas por outro, a produção
textual mais efêmera, introduzindo na escrita uma dimensão de provisoriedade, de
contingência, que esta, enquanto inscrição em suporte fixo, não possuía.
Em termos de tendência temos, por exemplo, o conto que passa a ser um gênero de
destaque na atualidade, trazendo muitas propostas de recursos renovadores. As temáticas
do conto são muito variadas. A crônica também economiza nas palavras, preferindo a
simplicidade e a aproximação com a oralidade. Ambos, conto e crônica estimulam o leitor a
uma nova leitura mesmo que muitas vezes as tramas continuam comuns à vida diária desse
mesmo leitor.
Nesse contexto, tem sido enfatizado que, mais do que um mero sistema de
comunicação, o suporte material da linguagem é capaz de promover inovações quanto à
maneira como a linguagem se organiza, gerando consequências também sobre a cultura, em
sentido mais amplo. Como não poderia deixar de ser, a literatura, enquanto meio
privilegiado de expressão da linguagem e da cultura.
Para Candido (2000) a função social da literatura independe da vontade ou da
consciência dos autores e consumidores de literatura. A própria natureza da obra, da sua
inserção no universo de valores culturais e do seu caráter de expressão, coroada pela
comunicação.
Mesmo a literatura sendo difundida por outro suporte além do papel, ela continua
com sua natureza pertubartiva e geradora de inquietações. Nutrindo-se da tradição ou da
inovação, ela propõe diferente e até ousadas concepções de mundo. A complexidade do
texto literário se firma nos aspectos filosóficos, existenciais e sociais do ser humano. É capaz
de levar o leitor a questionar as ações humanas dentro da sociedade.
1005
A obra depende estritamente do artista e das condições sociais que
determinam a sua posição. Por motivo de clareza, todavia, preferi
relacionar ao artista os aspectos estruturais propriamente ditos; quanto à
obra, focalizemos o influxo exercido pelos valores sociais, ideologias e
sistemas de comunicação, que nela se transmudam em conteúdo e forma,
discerníveis apenas logicamente, pois na realidade decorre do impulso
criador como unidade inseparável. Aceita, porém, a divisão, lembremos que
os valores e ideologias contribuem principalmente para o conteúdo,
enquanto as modalidades de comunicação influem mais na forma
(CANDIDO, 2000, p.30).
A literatura desperta o indivíduo para mundo de ideias tendo influência direta no seu
comportamento social. A escrita literária faz com que o homem parta para a emancipação
de suas amarras ideológicas. A leitura crítica e reflexiva pode libertar o leitor e direcioná-lo
uma nova percepção das coisas e de mundo.
Barthes (2004) revela a literatura com um modo de circulação socialmente
privilegiado, mas com uma linguagem consistente, profunda cheia de segredos, dada ao
mesmo tempo como sonho e como ameaça. Esta é a consequência: a forma literária pode
doravante provocar os sentimentos existentes que estão atados ao interior vazio de todo
objeto: sentido do insólito, familiaridade, repugnância, complacência, uso, homicídio.
Dessa forma, a concepção de Barthes (2004) para uma literatura que é a utilização da
linguagem não submetida ao poder, à linguagem literária não necessita de regras de
estruturação para se fazer compreender. Enquanto a utilização da linguagem cotidiana
requer uma estrita obediência de sua estrutura, deve-se enquadrar o pensamento nas
estruturas linguísticas, para que haja uma perfeita comunicação, a linguagem literária não
obedece a qualquer regra estrutural fixa. O autor, que se utiliza dessa linguagem, não é
obrigado a emoldurar seus pensamentos nas estruturas linguísticas; ele é livre para escolher
e criar uma estrutura própria, que proporcione a ele uma clara expressão de seus
sentimentos e idéias.
Assim, construindo o texto de acordo com seus próprios desejos, o escritor consegue
que sua criação tenha um novo valor, passa da simples utilização comunicativa da linguagem
à utilização artística da mesma, e um novo poder. O poder pela nova linguagem é um poder
ligado ao valor artístico. A linguagem literária assume aspectos de representação e
demonstração. Através dessa linguagem, pode-se refletir sobre a própria língua com
1006
liberdade. A linguagem literária permite que as palavras assumam vida própria, com novas
significações que não aquelas a elas conferidas usualmente.
Segundo D’Onofrio (2002) podemos esquematizar as funções literárias em cinco
perspectivas: “estética”, arte da palavra e expressão do belo; “lúdica” provocar um prazer;
“cognitiva”, forma de conhecimento de uma realidade; “catártica”, purificação dos
sentimentos e “pragmática”, pregação de uma ideologia.
A escrita literária tece relações com e a partir da linguagem, apresentando palavras
sensíveis aos leitores. Ela emociona e mobiliza o ser humano, tanto no nível racional como
no emocional, possibilitando uma vinculação diferenciada consigo mesma, com o outro e
com o mundo. Ela manifesta-se como uma consciência que conhece certa natureza e a
admira, manipula-a, transforma pela significação, porque é a arte da palavra e sua essência é
a linguagem esteticamente organizada, de modo a efetivar a expressão e a comunicação.
A literatura, pelo seu caráter artístico e criativo no emprego da linguagem, possui
características que permitem não apenas o encontro das pessoas com sua própria
subjetividade, mas também a construção de uma espécie de rede invisível, ligando aqueles
que compartilham a experiência com mundo, numa sociedade carente de ideologia.
CONSIDERAÇÕES
A literatura contribui fortemente para a formação intelectual do indivíduo. Ela é
imprescindível e deve fazer parte da vida das pessoas de maneira constante, pois fornece a
base cultural necessária ao indivíduo para viver plenamente sua subjetividade integrada à
sua vida prática. Portanto, a literatura exerce uma função social importante. É através dela
que o indivíduo abandona temporariamente sua própria disposição e preocupa-se com algo
que até então não experimentara. Essa função é que possibilita ao indivíduo o
reconhecimento da realidade que o cerca quando transporta para o mundo ficcional.
Assim, a experiência vivenciada pelo leitor literário está diretamente relacionada ao
horizonte de sua expectativa, em sua compreensão do mundo, como de seu comportamento
social. O texto literário não é e não pretende ser um texto utilitário. São os leitores que, a
partir do diálogo com o mesmo, lhe atribuem diferentes funções ou finalidades.
1007
Diante da literatura abrem-se inúmeras virtualidades cognitivas do texto, pois como
seres singulares têm reais condições de interpretar de maneiras diversas. Esse contato com
o texto literário é riquíssimo para o desenvolvimento cognitivo e emocional dos indivíduos,
para que eles possam constituir-se cada vez mais seres humanos reflexivos e críticos.
Uma das necessidades fundamentais do homem é dar sentido ao mundo e a si
mesmo, e a literatura permanece como veículo para esse diálogo. O texto literário é a
modalidade textual abrangente por fazer o leitor viajar por um mundo talvez desconhecido
por ele, a leitura das descobertas da vida.
Vivemos numa sociedade que a preocupação com as atividades cotidianas faz do
homem escravo de seu próprio tempo, imerso no espaço vazio de sentido e convicções. A
literatura pode promover o encontro do homem com seus anseios, pode ampliar a visão de
mundo através de seus personagens e mundo fictício. Um mundo dentro do livro, mas que
poderia ser um mundo com personagens da vida real.
REFERÊNCIAS
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BARTHES, Roland. O grau zero da escrita. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2004.
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Paulo: T.A. Queiroz, 2000.
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Editora UFMG, 2010.
CORTEZ, Suzana; XAVIER, Antônio Carlos. Conversas com linguísticas: Virtudes e
controvérsias da lingüística. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.
COUTINHO, Afrânio. Notas de Teoria Literária. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2008.
D’ONOFRIO, S. Teoria do texto: prolegômenos e teoria da narrativa. 2 ed. São Paulo:
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FILHO, Domício Proença. A linguagem literária. São Paulo: Editora Ática, 2007.
1008
FIORIN, José Luiz. Linguagem e interdisciplinaridade. Revista Alfa, v. 2008 p. 29-53.
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/alea/v10n1/v10n1a03.pdf. Acesso em:
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GULLAR, Ferreira. Em alguma parte alguma. Rio de Janeiro: José Olympio, 2010.
KOCH, Ingedore G. Villaça. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Editora Cortez,
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MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São
Paulo: Parábola Editorial, 2008.
SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes pós-humano: da cultura das mídias a cibercultura.
São Paulo: Paulus, 2003.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Editora Cultrix, 2008.
SÜSSEKIND, Flora. Historiografia literária e as técnicas de escrita: do manuscrito ao
hipertexto. Rio de Janeiro: Editora Vieira e Lent, 2004.
1009
MODOS DE LEITURA NA INTERNET: ATO DE DEAMBULAÇÃO DA POESIA
INTRODUÇÃO
Durante o mês de junho de 2013 aconteceram protestos no Brasil que revelaram
diversas reivindicações da população do país e também o mero extravasamento de
insatisfações contra a corrupção/a impunidade no país. Essas ações, por não terem uma
pauta específica, ganharam múltiplas interpretações, que acabaram por gerar ora
esperanças ora preocupações e se transformaram em sinal de alerta para parte da esquerda
brasileira, a partir do momento em que manifestantes começaram a utilizar o slogan “o
gigante acordou”, pautando-se por um nacionalismo exacerbado e tentando obscurecer
bandeiras de partidos políticos.
Desse desentendimento, surgiu uma tensão entre os partidos políticos que “sempre
estiveram nas ruas” e aqueles que até junho de 2013 não as haviam experimentado como
espaço para a reivindicação social. Afinal, o que estava acontecendo e quem eram aqueles
cidadãos que foram às ruas protestar? Os estudos feitos acerca desse momento histórico (e
movimentos que aconteceram em todo o mundo no decorrer dos últimos anos) apontam
para o esvaziamento das esferas tradicionais de reivindicação.
1010
O protesto estopim para todo o país foi o convocado pelo Movimento Passe Livre
(MPL) e realizado em São Paulo contra o aumento de R$0,20 nas tarifas do transporte
público. O que poderia ser mais um protesto contra o aumento de passagem foi o início de
uma onda que afetou todo o país, inclusive outras nações, quando brasileiros residentes em
outros países resolveram também ir às ruas em apoio ao que ocorria em sua terra natal. A
aparente banalidade da causa, que levou milhões de brasileiros às ruas, logo foi respondida:
“Não é só pelos 20 centavos”, externando que motivos não faltavam para ocupar o espaço
público.
Os protestos eram mostrados em diversas mídias, tradicionais ou não, apontando
para as disputas simbólicas no campo jornalístico. Instituições de ensino superior
produziram debates, apresentando correntes sociológicas que poderiam explicar o
movimento que tinha como premissa o apartidarismo, fato que despertou não só o gigante,
mas também um viés direitista, contribuindo para um esfriamento de algumas alas da
esquerda tradicional.
Além disso, houve diversas publicações acerca do tema (Castells acrescentou um
posfácio à edição brasileira em seu livro Redes de Indignação e Esperança. Também foram
lançados os livros Cidades Rebeldes. Passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do
Brasil pela Boitempo e A internet e a rua pela editora Sulina). Diante desse cenário, era difícil
manter um ar blasé.
Neste contexto, em que as notícias chegam até nós alguns segundos após um clique,
Vinagre – uma antologia de poetas neobarracos, coletânea lançada na internet em formato
PDF durante os protestos, foi capaz de causar burburinhos: foi tema de entrevista aos
vândalos na revista Cult, de matéria no jornal O Globo, e ganhou espaço na mesa de debate
“Narrar a rua” da edição da Feira Literária Internacional de Paraty (FLIP) daquele mesmo
ano. A produção dos poemas se fez no calor dos protestos, que não foram iguais a tantos
outros ocorridos no país anteriormente, mas semelhantes aos ocorridos na Espanha, nos
Estados Unidos e em países árabes, revelando novas formas de protestar por meio das redes
sociais (CASTELLS, 2013).
O que se pretendia com a rápida divulgação era a explosão de significados e
insatisfações; que a coletânea fosse como uma bomba a cair e a sacudir a todos. O
1011
organizador da coletânea Fabiano Calixto, também poeta e doutorando em teoria literária e
literatura comparada pela Universidade de São Paulo (USP), fez uma convocação pelo
Facebook, compilou os poemas em uma edição PDF e jogou no mar da internet. A única
triagem feita no material foi a não publicação de poemas de direita. Foram duas edições: a
primeira divulgada no dia 17 de junho e a segunda, quatro dias depois. A coletânea reuniu
poemas produzidos em todo o país, totalizando 157 poetas.
As ruas serviram para os cidadãos se manifestarem, mesmo aqueles que nunca foram
militantes políticos e que não puderam/quiseram anteriormente experimentá-las nesse
processo social. As ruas, nos poemas da coletânea citada, revelam um momento ímpar da
história do Brasil. Explodem emoções e também significados. Fazem uma imensa rede por si
só, conectando os gritos de São Paulo e os protestos do Pará. Fazem o leitor caminhar pelas
ruas e conhecer a batalha de poetas cidadãos e suas agonias durante a repressão policial e
estimulam o leitor (no poema aqui analisado – “O grito do sangue Tupiniquim”) a extrapolar
as páginas da coletânea em PDF. O poema parece querer levar o leitor a outras páginas. As
aspas no poema expõem outras vozes, revelam o recorte dado pelo autor, mas ao mesmo
tempo instigam a procura por outra(s) referência(s). E um site de busca está apenas a um
clique.
Em função dessas inquietações, o ensaio analisa os modos de leitura na internet, de
acordo com os processos de virtualização e atualização (LÉVY, 1996), expondo as
possibilidades de seleção e hierarquização do texto pelo leitor. Além disso, pretende-se
também, a partir das observações de Villaça (2002), refletir sobre aspectos qualitativos da
leitura atravessada pelos hipertextos.
1012
Desliza ao som de “A las barricadas”
“Há de ser outro dia”
“Caminhando contra o vento,
sem lenço, sem documento”
E este vinagre nas mãos é tão inofensivo...
O sangue dentro _ este é o estopim e o grito _
Este ninguém tira de nós, ninguém tira de mim...
(Bárbara Lia)
Em um contexto marcado pelas Novas Tecnologias, as leituras são feitas cada vez
mais por atravessamentos, por acúmulos de informações aqui e acolá que se somam a um
texto primeiro/base ou mesmo que contribuem para sua dispersão. E se a mudança ocorreu
na leitura, por outro lado, podemos notar alterações na escrita, que no caso analisado neste
trabalho apresenta uma pilhagem de informações, revelando uma tendência de nossa
época, tal como sinaliza David Harvey: “Rejeitando a ideia de progresso, o pós-modernismo
abandona todo sentido de continuidade e memória histórica, enquanto desenvolve uma
incrível capacidade de pilhar e absorver tudo o que nela classifica como aspecto do
presente”. (2010, p. 58)
Outra tendência é o questionamento à originalidade (HUTCHEON, 1988), que se
mostra no poema analisado. As frases e os fatos não são inéditos, haja vista que remetem a
músicas já conhecidas no cenário brasileiro. O ineditismo se dá na organização dos trechos
musicais e dos nomes de personalidades conhecidas do universo político e cultural.
Além da pilhagem e do questionamento à originalidade, percebe-se ainda a
importância dos aspectos políticos nos versos, assim como aconteceu com a poesia marginal
brasileira dos anos 1970.
1013
sobreposições de fatos históricos, e na quebra da linearidade discursiva, o que representa a
maior valorização da interpretação do leitor, abrindo espaço para a estética da recepção.
1014
Com efeito, hierarquizar e selecionar áreas de sentido, tecer ligações entre
essas zonas, conectar o texto a outros documentos, arrimá-lo a toda uma
memória que forma como que o fundo sobre o qual ele se destaca e ao qual
remete, são outras tantas funções do hipertexto informático (LÉVY, 1996, p.
37).
O poema analisado possui marcas (aspas e itálico) que reforçam a ideia de que o
leitor pode se comportar como protagonista, dependendo do modo pelo qual escolhe
percorrer o texto (haja vista que ele é chamado para fora e buscar informações acerca
dessas referências ou mesmo tirar dúvidas/relembrar determinado fato histórico, que foi
associado pela poeta nos versos). O leitor pode querer relembrar alguma coisa sobre a vida
de Pagu, de Graciliano Ramos, de Guevara, ou mesmo se desconhecer esses personagens
pode procurar saber quem foram. Assim também com a “Grândola Vila Morena” e “A las
barricadas”. Como Villaça (2002, p. 108) aponta “o leitor pode libertar-se da obrigatoriedade
do linear”.
Mesmo não possuindo hipertextos convencionais para remeter a janelas da internet
nos versos, uma checagem no Google remete o leitor a outros espaços virtuais, “pilhando” a
leitura com outros dados, a partir de um simples e rápido jogo de palavras disposto no site
de busca acima mencionado. Esse processo é facilitado porque a coletânea foi lançada na
internet e as marcas no poema funcionam como hipertextos, que aguçam o leitor.
Entretanto, Lévy chama a atenção para o papel preponderante da subjetividade
humana na atualização de um texto, evitando as entradas ou cliques a esmo nos hipertextos
que aparecem, chamados por Lévy de “conjunto de possíveis”.
1015
Nesse ambiente virtual, o leitor escolhe se vai clicar ou não em um hipertexto, se vai
abrir ou não outra janela, se vai se deixar levar a esmo pelos links que surgirem ou pelas
marcas que podem funcionar como hipertextos (como as aspas e o itálico do poema “O grito
do sangue Tupiniquim”). Nessa leitura aos saltos, escapando da linearidade, é preciso, de
fato, que o leitor seja protagonista, para não incorrer nas artimanhas citadas por Lévy
(1996).
O leitor vai percorrer o texto aleatoriamente, distraindo-se com os “índices prescritos
intencionalmente por um autor ou editor” (VILLAÇA, 2002, p. 109), comportando-se como
um dândi, ou vai caminhar tendo consciência desses pulos para não se perder na infinidade
de possibilidades colocadas diante dele pela internet? A resposta se define pelas escolhas do
próprio leitor. Melhor que ele se mantenha na posição de detetive.
Segundo observações de Lévy (1996), tanto a escrita quanto a leitura nas redes
digitais não podem ser avaliadas como inovadoras quando se pensa na possibilidade de
associação com outros textos, haja vista que a diferença entre nosso tempo e épocas
passadas se dá na velocidade e nas facilitações de acesso às informações extras.
A novidade está no fato de que cada leitor, ao atualizar o texto/dar uma resposta
criativa ao nó que surge a sua frente de forma mais rápida, pode, por meio do hipertexto,
multiplicar sentidos, a partir das construções realizadas, não apenas modificando ligações,
mas também podendo acrescentar nós, ocorrendo a virtualização do texto e da leitura.
1016
hipertexto, do traçado pontilhado das possíveis dobras do sentido, já é um
leitor. Simetricamente, quem atualiza um percurso ou manifesta este ou
aquele aspecto da reserva documental contribui para a redação, conclui
momentaneamente uma escrita interminável. As costuras e remissões, os
caminhos de sentido originais que o leitor inventa podem ser incorporados
à estrutura mesma dos corpus. A partir do hipertexto, toda leitura tornou-
se um ato de escrita (LÉVY, 1996, p. 45 e 46).
Diante de infinitas possibilidades, o leitor não precisa ficar à mercê dos links
imediatos que aparecem a partir do hipertexto. Ele pode elaborar novos percursos,
protagonizando novas redes e sentidos com suas respostas criativas aos textos. “A diferença
entre autor e público tende a perder seu caráter fundamental, ela é apenas funcional. Pode
variar de um caso para outro. O leitor está a todo momento pronto para passar a escritor”.
(BENJAMIN apud CLÉMENT, 2003, p. 35)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ler algum texto que esteja em um arquivo no computador é um desafio para mim,
principalmente quando estou conectada à internet. Confiro o e-mail, olho o Facebook,
escrevo, releio textos, paro e retorno à atividade inicial. Entretanto, talvez essa seja uma
dificuldade só minha, haja vista que sem a internet a dispersão me faz dar voltas pela casa,
beliscar algo na geladeira, ligar a TV, conferir a roupa na máquina de lavar. Enfim, quis
apenas refletir sobre a dispersão que nos acomete, estejamos ou não no computador
conectado à internet.
O fato é que a leitura na internet amplia nosso leque de possibilidades. Às vezes, a
dispersão em função de um texto complexo pode nos levar a buscar leituras mais palatáveis
acerca do tema ou mesmo nos fazer desistir e procurar um amigo com quem conversar no
Facebook sobre qualquer coisa.
Já não somos os mesmos de gerações anteriores. Os modos de leitura se alteraram
com o desenvolver da humanidade. A começar da fase oral para a escrita, a primeira
virtualização lembrada por Lévy (1996). Estamos pilhando, talvez nos mantendo na
superfície, como sentencia Harvey (2010), mas as possibilidades de interpretação são
imensas, posto que “o hipertexto tende a permitir uma evanescência do autor e uma
incorporação do leitor”. (BABO, 2004, p. 109)
1017
Lidar com o efêmero, grande marca da pós-modernidade, é um desafio. Talvez o
outro seja aprofundar a base de conhecimento. O cidadão escolhe como percorrer a rua, se
a toma em dias de protestos ou se apenas anda a esmo, alienado das tensões sociais. A
analogia serve também ao leitor. Quem ele possa ser como o flanêur descrito pelo jornalista
João do Rio em uma das crônicas compiladas no livro A alma encantadora das ruas: “Flanar é
a distinção de perambular com inteligência”. (2008, p. 28)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BABO, M. A. O hipertexto como nova forma de escrita. In: SUSSEKIND, F (org).
Historiografia literária e as técnicas da escrita: manuscrito ao hipertexto. Rio de Janeiro:
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BRANDÃO, H. H. N. Introdução à análise do discurso. Campinas: Ed. Unicamp, 2004.
CASTELLS, M. Redes de Indignação e Esperança: Movimentos sociais na era da internet.
Rio de Janeiro: Zahar, 2013.
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Acessado em janeiro de 2014.
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“Vinagre – 2ª edição ampliada” (entrevistas). Disponível em:
http://babelpoetica.wordpress.com/2013/06/24/vinagre-2-a-edicao-ampliada/. Acessado
em janeiro de 2014.
1019
O UNIVERSO FICCIONAL DAS FANFICTIONS: AS REGRAS DOS FÓRUNS COMO ESTRATÉGIA
NA ADEQUAÇÃO DA ESCRITA ÀS NORMAS ORTOGRÁFICAS DA LÍNGUA PORTUGUESA
1021
linguagem utilizada pelo internauta é determinada pelas características e restrições do meio
no qual ela se encontra, ou seja, trata-se de uma mistura de características da linguagem
escrita, pois assim ela se apresenta, com características da linguagem oral, pois a natureza
de sua comunicação é de interação direta e simultânea, típica deste tipo de linguagem.
Para Santaella (2003) é através da linguagem que o ser humano se constitui como
sujeito e adquire significância cultural. Os tipos de cargas que a sociedade impõe aos
indivíduos, a natureza dos constrangimentos e domínio com que ela opera produzem seus
efeitos na linguagem. Esses efeitos tendem a ser obliterados pelo privilégio sistemático que
costuma se dar ao sujeito como ponto de origem da motivação,consciência e intenção.
Desde a configuração cartesiana do sujeito, depois disseminada no Iluminismo, desde a
inscrição dessa configuração nas instituições da democracia representativa, na economia
capitalista, na organização social burocrática e na educação secular, ela se tornou a
fundação cultural ocidental.
O modo de ver e interagir com o mundo, de sentir e de atuar são sempre orientados
pelos meios de comunicação, e servem de modelo de vida. A sedução da linguagem da
internet é constante, proporcionando ao público um mundo de informações, que mesmo
sem tratamento pedagógico, transforma-se em formação.
A grande provocação é a de integrar e interagir no mundo de informações rápidas e
globalizadas, harmonizando a metodologia da construção da conversação humana dentro de
um contexto da norma culta. Familiarizar com as linguagens múltiplas, com a proliferação de
tecnologias, de frases e de expressões e as diferentes lógicas de articulação.
A internet quebrou as barreiras geográficas e culturais, e acabou criando, também,
uma linguagem universal, um código que, muitas vezes, só os internautas conseguem
decifrar. Quem entra na sala de bate-papo, escrevendo palavras com pontuações corretas e
colocando os devidos acentos, acaba por denunciar que não pertence àquele grupo e não
está acostumado a utilizara linguagem da internet.
O que caracteriza a linguagem dos internautas é a expressividade, a forma
despreocupada com que usam e abusam da língua escrita, sem se importarem com as
normas rígidas da língua escrita formal. Isso faz com que os interlocutores se expressem de
1022
modo o mais informal possível, fazendo com que a língua escrita usada por eles, no
momento da conversação, se pareça bastante com a linguagem coloquial.
Nessa nova forma de comunicação, os internautas utilizam recursos da própria
linguagem escrita e oral, obtendo um resultado bastante satisfatório e comunicativo. Além
disso, eles, nas conversações em tempo real, não dispõem de tempo para fazer um
planejamento prévio de seu discurso.
A imagem de degradação da escrita e, por extensão, a da língua, pelo uso da
tecnologia digital, advém do pressuposto de que haveria uma modalidade escrita pura,
associada seja à norma culta padrão, seja à gramática, seja à imagem de seu uso por autores
literários consagrados que deveria ser seguido por todos em quaisquer circunstâncias. Há,
portanto, a presunção de um sistema abstrato de formas linguísticas destituído da expressão
dos modos de interação e de sua relação com a sociedade, com a história, com a cultura.
Segundo Antunes (2010) o léxico tem uma função significativa na estruturação do
texto, na construção de seus sentidos na definição de sua adequação às condições sociais de
seus contextos de uso. Em qualquer grupo social. As situações de uso da linguagem são
imensamente diversificadas. Variam os eventos sociais em que atuamos; variam os
interlocutores; variam os propósitos com que interagimos; variam os gêneros textuais em
que nos expressamos. As atividades de linguagem supõem uma versatilidade de quem
executa, sobretudo em um mundo caracterizado por uma explosão de mais e novos modos
de interação em mundo cada vez mais dependente da informação escrita ou digital.
Não se pode desprestigiar e desconsiderar as modalidades escritas ou orais que estão
em uso nos diversos segmentos da sociedade, em todos os seus níveis. Nesse contexto, há
que se considerar a questão da adequação, cada situação exige de quem nela está envolvido
comportamento, vestimenta e linguagem adequada.
A língua, em suas diversas formas e variantes, é uma entidade viva, dinâmica e é o
código utilizado pelo ser humano para se comunicar com seus semelhantes, trocar
informações, difundir suas idéias e conceitos. Cada segmento de nossa sociedade, assim
como cada indivíduo, tem a sua forma de se expressar. A internet, a maior rede de
comunicação e informação criada pelo homem, também criou sua variante da língua. Todos
1023
os dias, milhares pessoas se conectam a essa enorme rede. Cada vez mais pessoas vão
aprendendo o "internetês", o linguajar dos internautas.
A língua escrita e quase falada dos internautas é mais uma das inúmeras variantes de
uso de nossa língua. Não há dúvida de que esse segmento poderia influir nas futuras
transformações por que a língua irá passar, mas isso não significa deterioração, mas
evolução do idioma.
Uma prova que a língua evolui e não perde suas estruturas e a relação das variantes
de uso de nossa língua, é caso dos autores e leitores de fanfiction. A palavra fanfiction vem
da palavra “fanática” e “ficção”. É uma história fictícia inventada por um fã sobre os
membros do seu grupo preferido, ou sobre os seus atores favoritos ou mesmo sobre
personagens de novelas ou de mangas.
Os leitores e autores são adolescentes e pré-adolescentes, que estão ainda em
período de estruturação de vocabulário e geralmente são pertencentes a grupos que usam
gírias. Mas ao escrever uma história, seja num diálogo ou na descrição de fanfiction existe
toda uma preocupação com a linguagem, ponto incomum no mundo virtual das
principalmente das redes sociais. Nas histórias de fanfiction, por exemplo, as abreviações
são evitadas e os cuidados com a coerência e a escrita no desenvolvimento do enredo
existem toda uma preocupação para não dar impressão de que escreveu tudo com pressa,
mas que valorizou a história. As únicas exceções para o internetês é quando as personagens
da história estão conversando por mensagens no celular ou em algum chat da internet. O de
autor de fanfiction deve passar longe do internetês.
Dessa forma, podemos afirmar que a gramática é um conjunto de regras para o
funcionamento de uma língua, não existe língua sem gramática, mas existe liberdade para
usar, entretanto, é relevante pensar em aprender a as regras e normas para utilizar em
diferentes ambientes onde a qualidade do discurso fará diferença.
FANFICTIONS
Fanfictions possui como abreviatura os termos fanfic (muito utilizado em fóruns de
publicação de fanfictions) e fic (mais usado pelos escritores e leitores de fanfictions).
Segundo Oswand e Rocha, fanfic
1024
é uma história criada por um fã de determinada obra e/ou personagem
(Harry Potter, Cavaleiros do Zodíaco, Crepúsculo etc.) aos quais tem acesso
seja individualmente, por intermédio das mídias massivas – livros, filmes,
desenhos animados –, seja coletivamente, por intermédio da conexão em
rede – msn, blogs, orkut, wikipedia, sites etc. (OSVALD; ROCHA, 2013,
p.276).
Fanfics são histórias escritas por fãs baseadas no universo ficcional criado por
terceiros. As fanfics não possuem fins lucrativos e são escritas, geralmente, por desagrado
dos fãs quanto a finais ou para prestigiar personagens criados por terceiros ou alguma
personalidade famosa, como os cantores e atores.
As fanfics observadas em muitos fóruns podem ser agrupadas em duas categorias:
estórias que seguem o universo ficcional criado pelo autor do trabalho em questão, fanfics
canônicas, ou aquelas estórias que não seguem o estilo criado pelo autor da obra fazendo
com que os personagens se comportem de forma diferencia da esperada na obra a qual a
fanfictions foi baseada, fanfics não-canônicas.
As fanfics canônicas ou não-canônicas podem ser observadas por muitos autores e
podem gerar mudanças no enredo de alguma série ou anime. Isso pode ser observado em
entrevistas de Masashi Kishimoto, criador do manga Naruto. Kishimoto mencionou que
possivelmente apresentaria no final da série alguns dos casais que os fãs da série gostavam e
tanto mencionavam. Após a finalização da série de manga, pode-se observar ao final a
presença dos casais Naruto e Hinata, mencionados em várias fanfics da categoria Naruto, e
Sasuke e Sakura, também protagonizando várias fanfictions sobre a série.
Alguns fóruns como o SocialSpirit, abriram espaço para escritas originais, permitindo
aos membros deixarem o universo ficcional de terceiros e podendo criar o seu próprio. Essas
estórias não são originalmente classificadas como fanfictions, apesar de pertencerem e
serem publicadas em um site de hospedagem de fanfics.
O fórum SocialSpirit, analisado neste artigo, apresenta uma definição para
fanfictions. A imagem abaixo representa a classificação do site em questão.
1025
Figura 1: Definição encontrada no canal fanfic do fórum SocialSpirit
SOCIALSPIRIT
1026
Como já mencionado esse foi o site analisado durante a pesquisa. Suas regras serão
apresentadas posteriormente para análise dos resultados encontrados.
Esse site foi criado por Túlio Henrique Thomé, sua classificação de membro aparece
como dono. Observando seu perfil nota-se que sua data de registro foi em 18 de janeiro de
2006. Como o site não apresenta uma parte falando sobre o histórico do mesmo, pode-se
entender essa data como a fundação o fórum. Inicialmente era conhecido como AnimeSpirit
(AS para simplificar e muito usado por seus membros).Em 2014, como crescimento do fórum
e não sendo mais dedicado apenas a animes e mangás, o fórum teve seu nome alterado para
SocialSpirit.
Existe muitos detalhes do site que não serão tratados nesse artigo, serão
mencionados e analisados apenas a categoria fanfic, que é o objeto desta pesquisa.
No SocialSpirit, quando as fanfics são listadas em uma busca feita no canal fanfic, elas
aparecem na forma simplificada presente na imagem acima. Nela o leitor poderá encontrar
parte da classificação da fanfic e a sinopse, algo obrigatório nas fics publicadas no fórum e
também o maior atrativo aos leitores. Uma sinopse mal feita poderá deixar um bom texto
sem muita procura.
Quando clicado, o leitor será direcionado a página principal da fanfic em questão.
Será o momento de entrar em contato com todos os dados da fanfic e a lista de capítulos do
mesmo. Alguns autores acrescentam capas na fanfic e nos capítulos, geralmente, fruto de
manipulação de imagens e servindo também como atrativo aos leitores.
1027
Figura 3: Exemplo de fanfiction da categoria Original
A fanfic utilizada como exemplo é intitulada Insuficiente e foi escrita pela usuária
Insuficiente. Nessa imagem pode-se notar a capa feita pela autora e um detalhe presente
apenas na categoria original, o aviso legal mencionando que o universo ficcional foi criado
pelo autor e não baseado em terceiros. Também aparece a nota ante plágio, avisando aos
leitores que o material não deve ser utilizado sem a autorização do autor. Note-se também o
botão de denúncia, utilizado por usuários, fiscalizadores, betas e administradores quando a
fanfic não desobedece as regras do site.
É necessário fazer alguns apontamentos nessa parte. O fórum apresenta uma
hierarquia. Os administradores são aqueles que fiscalizam o site inteiro e responsável por
investigar as denúncias e excluir fanfics ou banir membros quando necessário. Eles estão
1028
sujeitos as ordens do dono do fórum. Existem os betas, são usuários que ganham um status
maior, eles auxiliam os administradores, uma vez que o site cresceu muito, houve
necessidade de mais ajuda para a manutenção e fiscalização. Os betas do canal fanfic são
chamados de Beta Reader.
1029
classificação, título, sinopse, a estória em si, entre outras.). Serão apresentados alguns prints
das regras, apenas as partes relevantes para esse trabalho.
Logo na parte inicial é frisado que as regras devem ser lidas antes de adicionar a
estória. São destacados dois pontos logo inicialmente: O primeiro é a proibição da
publicação de trabalhos de terceiro, ou seja, o plágio. Isso gera o banimento do usuário e
esse trabalho é realizado pelos administradores do canal fanfic. O segundo ponto é a ofensa
aos membros. Isso não é tolerado, o respeito é uma das regras que devem ser obedecidas
pelo usuário independente de que parte do site esteja utilizando.
1030
Figura 6: Parte inicial das Regras de Envio de Fanfics.
Na parte inicial das regras de envio de histórias, o item destacado na imagem acima
apresenta as características dos textos aceitos no canal Fanfic. São aceitos os textos em
prosa e em verso (há alguns anos poemas não eram aceitos). Não são aceitos plágios,
biografias e autobiografias, artigos, avisos, apenas descrições de personagens, já que o site
aceita as fics de fichas, onde os usuários criam personagens e o escritor apenas desenvolve a
história.
Os textos devem ser literários e estarem adequados aos padrões de fanfics
apresentados no site. Se esta regra for desrespeitada, o texto será excluído por estar fora da
regra 1.1, é essa a mensagem que o usuário receberá em suas notificações.
Um detalhe interessante é que, apesar de não poderem ser publicadas biografias e
autobiografias, podem ser encontradas nos sites autoficções e romances biográficos. Para a
1031
apresentação de alguns termos, Leujeune define a autobiografia como “uma narrativa
retrospectiva em prosa que uma pessoa faz de sua própria existência, quando focaliza sua
história individual, em particular a história de sua personalidade.” (LEJEUNE, 2008, p. 14). O
termo autoficção foi um termo utilizado por Doubrovisky em 1977 para qualificar o romance
que havia escrito. Segundo Figueiredo, “a autoficção é um gênero que embaralha as
categorias de autobiografia e ficção de maneira paradoxal ao juntar, numa mesma palavra,
duas formas de escrita que, em princípio, deveriam se excluir.” (FIGUEIREDO, 2010, p. 91).
Quando esses textos são “encontrados” são levados aos administradores para que
eles resolvam o que deverá acontecer. Geralmente são usuários que conhecem a vida do
autor e que identificam as autoficções. Esses textos não são excluídos, geralmente.
1032
muitos usuários são pré-adolescentes e adolescentes. Uma minoria possui mais de 30 anos
de idade (entre 10% e 20% dos usuários).
A regra 5.1 vai lidar com a presença de emoticons, símbolo muito utilizado no
“internetês”. Emoticons não deve estar presente no corpo do texto, caso sejam
encontrados, pode gerar a exclusão de uma fanfic mesmo que ela já tenha trinta capítulos
publicados e apenas dois capítulos apresentem um emoticon. Existem apenas exceções para
seu uso nas notas do autor e quando o texto for a descrição de uma conversa dos
personagens em um chat na internet.
A regra 5.4 vai lidar com os textos de baixa qualidade. São aqueles com muitos erros
ortográficos, com muito internetês, erros gramaticais, muita incoerências entre outros
aspectos. Esse ponto apresenta maior relevância, porque aponta justamente para a
qualidade da escrita dos textos, diminuindo muito o uso do internetês no fórum.
Essa regra surgiu a pouco tempo, após 2010. Inicialmente existiam muitas fanfics com
muito internetês e erros que dificultavam a leitura. Os usuários tiveram que se adequar a
ova regra, contudo, houve um tempo para isso acontecer e textos anteriores a 2010, senão
fossem atualizados com nova postagem não são excluídos porque a regra é nova. Todas
essas regras serve para a melhora da escrita e dos textos dos usuários já que o fórum é
visitado por editoras e alguns usuários já tiveram seus textos publicados na forma impressa,
como já foi mencionado.
É fato que os usuários ficam revoltados inicialmente quando seus textos são
excluídos. São muitas reclamações em fóruns e mensagens mal educadas para os
administradores. Porém, um fato observável, é que após a crise inicial da exclusão, os
usuários voltam a publicar a mesma estória com maior qualidade.
Os administradores julgam as denúncias que são feitas por meio de um formulário
preenchido com os motivos da denúncia para ser identificada qual a regra que está sendo
desobedecida. Os administradores poderão alterar a fanfic, removendo o problema, mas, se
forem muitos erros ou muitas regras infringidas, o texto será excluído. Todos os usuários
devem estar cientes das regras, então, é apenas mencionado a regra que foi infringida na
notificação que o usuário recebe após ter seu texto excluído.
1033
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como a amplificação das novas tecnologias e da utilização do ciberespaço e das redes
sociais, a linguagem simplificada com emoticons foi surgindo e se expandindo. Muitos jovens
utilizam essa linguagem com seus pares enquanto usam as redes sociais.
O internetês, assim classificada essa linguagem simplificada nesse trabalho, acaba
surgindo nos textos escritos por esses jovens. Dessa forma, a escrita destes apresenta baixa
qualidade por não se adequar a norma padrão da língua portuguesa.
Muitos sites estão funcionando como uma ferramenta contra o uso excessivo desse
internetês, são os foruns de escrita de fanfictions. As regras que esses sites possuem mostra
a necessidade de uma escrita mais adequada à norma padrão e aumenta a qualidade dos
textos escritos pelos jovens.
No SocialSpirit a regra 5.5 é a que trata mais especificamente da qualidade do texto e
classificados textos excluídos como baixa qualidade. Ela inibi o uso de internetês e excesso
de erros ortográficos, gramaticais e de pontuação.
Para a fiscalização, o fórum conta com usuários comuns, fiscalizadores, beta Readers
e administradores. Eles irão ler os textos publicados e identificar aqueles que estão
desobedecendo às regras. Apesar da revolta inicial, os usuários voltam com uma escrita
melhor e pode-se perceber que o texto vai evoluindo, surgindo enredos cada vez melhores.
E assim, muitos usuários são contemplados com a publicação de seu texto na forma
impressa, algo gratificante para um mero fórum de fanfictions e para os usuários.
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Editora, 2010.
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Parabóla, 2002.
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Criação & Crítica, n. 4, abr/2010. Disponível em:
http://www.revistas.usp.br/criacaoecritica/article/view/46790/50551. Acesso em: 05 out.
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1034
GOMES, Maria Lúcia de Castro. Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa. São Paulo:
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LEJEUNE, Philippe. O pacto autobiográfico: de Rousseau à Internet. Belo Horizonte:
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OSWALD, Maria Luiza; ROCHA, Sergio Luiz Alves da. Sobre juventude e leitura na
“idade mídia”: implicações parapolíticas e práticas curriculares. Educar em Revista,
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SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes pós-humano: da cultura das mídias a cibercultura.
São Paulo: Paulus, 2003.
SOCIALSPIRIT. Disponível em: http://socialspirit.com.br/ Acesso em: 14 dez. 2014.
1035
CRÍTICA GENÉTICA - ANÁLISE DO PROCESSO DE CRIAÇÃO DE POEMAS. ENTRE
MANUSCRITOS E POSTAGENS NO CIBERESPAÇO
Pedro Lyra
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
INTRODUÇÃO
A arte é a possibilidade de se conhecer o mundo de forma menos técnica e mais
humanizada. Pesquisadores que optam por análises de obras de arte para compreensão de
determinadas cronotopias aspiram a conhecer as sensações do artista e seu modo de
transcender a realidade.
No documentário Janela da alma, dirigido por de João Jardim e Walter Carvalho
(2001), o poeta Manoel de Barros declara que: “O olho vê, a lembrança revê as coisas e a
imaginação, é a imaginação que transvê, que transfigura o mundo, que faz outro mundo.
Para o poeta e para o artista, de modo geral, a transfiguração é a coisa mais importante”.
1036
Entendendo o artista como este ser capaz de transfigurar o mundo, o crítico genético
pretende desvelar o processo de transfiguração.
A crítica genética torna o artista mais humano, pois ao acompanhar o desenvolver e o
surgir de uma obra, revela as escolhas e os processos de criação. A ideia de arte como fruto
de mera inspiração é substituída pela revelação de um árduo trabalho em busca da
expressão ideal.
Charles Sanders Pierce (apud SALLES, 2008, p. 126) explica que: “Pessoas que
constroem castelos no ar, na sua maioria, não realizam muito; mas todo homem que
realmente realiza grandes feitos elabora castelos no ar, mas depois penosamente os copia
em chão firme”. O crítico genético entende, como Manoel de Barros, o artista como ser
capaz de criar um novo mundo. Entretanto, o crítico quer acompanhar a construção dos
castelos no chão, na tela, na folha de papel.
O desejo em se conhecer os processos de construção das obras de arte não é
recente. Entretanto, a crítica genética, reconhecida como forma de análise da criação de
obras de arte, surgiu apenas em 1968, na França. “No Brasil, ela só surgiria mais tarde, em
1985, com o ‘I Colóquio de Crítica Textual: o Manuscrito Moderno de Philippe Willemart’”
(TEIXEIRA; SOUZA; LYRA, 2012, p.193).
Cecília Salles (2008, p.20) esclarece que “A Crítica Genética surgiu com o desejo de
melhor compreender o processo de criação artística, a partir dos registros desse seu
percurso deixados pelo artista”. O crítico não concebe a obra como um todo acabado, mas
como algo que “vai se tornando, ao longo de um processo que envolve uma rede complexa
de acontecimentos” (SALLES, 2008, p. 24).
A crítica genética pode se ocupar de plurais manifestações artísticas. É possível
acompanhar o desenvolver de uma imagem na tela, de textos no livro ou mesmo de uma
apresentação de dança. Com as novas tecnologias, é possível filmar ensaios e acompanhar o
nascer de uma coreografia, por exemplo. Também a crítica genética cinematográfica foi
facilitada com o desenvolvimento tecnológico. No começo da arte cinematográfica, as fitas,
muitas vezes caras, eram regravadas a fim de se buscar economia. Desta forma, era comum
manter apenas a última versão editada. Nos atuais anos de 2015, pode-se arquivar imagens
na internet ou em dispositivos com alta capacidade de armazenamento.
1037
Se, para os críticos genéticos que contam com as imagens como documentos do
processo, o trabalho foi facilitado com o desenvolvimento tecnológico, para os que se
ocupam da crítica de textos impressos as novas tecnologias geraram novos desafios.
O poema, antes escrito a punho, hoje pode ser criado diretamente na tela do
computador. Nos textos à tinta, era possível ver as rasuras e analisar a própria caligrafia do
poeta. Era o nascer artesanal do texto, com vestígios da identidade fisiológica do autor.
Frente aos manuscritos, cabia ao geneticista:
123
Disciplina “Tópicos Especiais – Na era da escrita on line: A crítica genética”, oferecida em 2014-2 pelo Curso
de Doutorado em Cognição e Linguagem da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro.
1038
processo que são “índices do artista em ação, uma criação em processo, um pensamento em
movimento” (SALLES, 2008, p.50).
A fim de compreender as mudanças no trabalho do crítico genético decorrentes dos
avanços das novas tecnologias de informação e comunicação, este trabalho apresenta o
relato sobre a crítica de um poema a partir de manuscritos. A experiência da crítica com
acesso aos documentos do processo será confrontada com os relatos dos poetas
cibernautas, que muitas vezes só “salvam” a obra final.
1039
Ideias sobre o porquê do início da escrita do soneto no meio do salão de jogos são
apenas especulações da crítica. Mas o texto escrito no verso do cartão revela que o poeta
desejava outro jogo, queria jogar com as palavras e que estava muito mais interessado na
poesia do que na conquista do jogo. Compreensível para poetas que preferem a eternidade
dos versos ao prazer efêmero dos prêmios.
124
Primeiro manuscrito.
1040
Figura 3: M-1 - Arquivo do poeta
Em M-3, Pedro Lyra substitui o ponto final depois do vocativo “meu amigo” por uma
vírgula. Com isso, o autor reduz o tempo do vocativo levando o leitor mais rapidamente ao
alerta “mais cuidado”. Outra alteração no terceiro manuscrito é o retorno das reticências. As
mudanças levam a crer que o poeta pretende dar leveza ao verso, aproximando-o da
oralidade.
125
Segundo manuscrito.
126
Terceiro manuscrito.
1041
Figura 6: D-1 127- Arquivo do poeta
As reticências somem novamente em D-1. Entretanto, desta vez, elas são substituídas
por dois pontos. A mudança demonstra a intenção do autor em deixar claro que o porquê de
o “amigo” ter que tomar cuidado será colocado no verso imediatamente posterior. Outra
mudança observada em D1 é a diagramação do texto. O primeiro verso deixa de ocupar
somente uma linha. Cada um dos seus três sintagmas passa a ocupar uma linha, com
supressão das vírgulas: o primeiro sintagma no alinhado à esquerda, o segundo centralizado
e o terceiro alinhado à direita. Desta forma, a organização do verso coloca todos os seus
sintagmas em evidência, pois segue o campo de visão mais comum entre os observadores.
Temos a tendência de olhar do canto superior esquerdo para o canto inferior direito. Esta
organização do primeiro verso foi mantida até a última publicação.
Em D-2128, os dois pontos do final do verso são substituídos pelo ponto final. A
mudança permanece até a última publicação.
Ao analisar a última versão do trecho, pode-se considerar que a expressão “meu
amigo” aproxima autor e leitor. O segundo sintagma tem grande importância no verso. Um
“Cuidado” isolado não é suficiente para convencer o interlocutor a parar. Mas uma
advertência oriunda de um amigo, de quem normalmente se espera o bem, é transformada
em um importante conselho. O terceiro sintagma sugere que se tenha ainda mais atenção e
é concluído com um ponto final. O poeta opta por não deixar o verso em aberto. Ele propõe
uma pausa maior. A mudança na pontuação no fim do verso assemelha-se à oscilação das
cores do semáforo. Ao invés de apenas alertar e pedir atenção, o poeta sugere ao indivíduo
chamado no segundo sintagma que pare, pelo menos um pouco mais. Depois de mais quatro
documentos com pequenas alterações de pontuação, surge em D-2 o primeiro verso em sua
versão, pelo menos até aqui, definitiva:
Cuidado
meu amigo
mais cuidado.
127
Primeira digitação.
128
Segunda digitação.
1042
A crítica do primeiro verso do soneto lyrano revela a importância dos documentos
para o desenvolvimento do trabalho. O geneticista necessita dos vestígios, dos registros do
processo para analisar a criação da obra.
A crítica129 do Soneto da Fêmea- VIII foi facilitada porque o poeta guardava os
registros de seu processo de criação. Depois do trabalho genético feito em cada verso, foi
possível não apenas comtemplar o poema em sua versão final, mas ver as ideias soltas no
bilhete de bingo ganharem corpo e sentido durante o processo revelado nos documentos.
129
Empreendi a análise integral do soneto noutro ensaio: A gênese do “Soneto da Fêmea-VIII – Às suas flechas”,
a sair no 3º volume de Conhecimento em Processo, série coletiva de professores e pós-graduandos do
mestrado e do doutorado em “Cognição e Linguagem” da UENF.
1043
dos textos, os dois grupos têm normalmente comportamentos distintos: enquanto o
primeiro sente mais intimidade com o papel, o segundo prefere os computadores. Para a
crítica genética, o grupo de imigrantes deixa mais vestígios. O professor Pedro Lyra, por
exemplo, mantém em seu laboratório na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy
Ribeiro um acervo com manuscritos – documentos do processo de inúmeros poemas. A
preocupação do poeta, imigrante digital, em manter os arquivos difere de muitos poetas que
iniciaram suas atividades artísticas no ciberespaço.
1044
Outro poeta (B) de apenas 19 anos, e com mais de 100 poemas publicados no
ciberespaço, afirmou que, apesar de escrever no papel, só salva a versão final.
Estre os poetas que salvam várias versões do poema, todos têm mais de 10 anos de
trabalho literário. O poeta C, que escreve há mais de 30 anos, afirmou: “Só coloco na
internet depois de fazer minha autocensura e corrigir alguns erros ortográficos ou de
concordância”. Quando questionado se salva os documentos de seu processo de criação, ele
declarou: “Salvo tudo que escrevo, além de imprimir, visando uma futura publicação”.
1045
Dentro deste contexto, caberá ao crítico analisar postagens, e-mails, chats e
quaisquer vestígios do poema deixados no ciberespaço. Os documentos do processo serão
virtuais e demandarão uma detalhada pesquisa em um meio marcado pela dificuldade de
identificação dos autores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho do crítico genético é facilitado quando o poeta guarda os documentos de
seu processo de criação. A análise do “Soneto da Fêmea-VIII – Às suas flechas” se deu sem
dificuldades porque os documentos dos processos estavam resguardados pelo próprio autor.
O trabalho do crítico foi apenas analisar o desenvolver do texto, os vestígios dos momentos
da criação.
Não se pretende dizer que, com as novas tecnologias, não se possa fazer críticas
genéticas. O autor que desejar salvar as versões de seu texto não terá grandes dificuldades.
A criação de uma pasta virtual com todos os documentos do processo é extremamente
possível. O que acontece é que a produção de poemas ao computador facilita o trabalho dos
artistas que, como Saramago, desejam sumir com as marcas de seu processo de criação, ou
nem sequer se preocupam com isso. Ao crítico, caberá a análise de textos de postagens,
indícios do processo involuntariamente criados pelo artista.
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro, RJ: Zahar,
2001.
GOBIRA, Pablo. O Arquivo do Escritor na Era da Reprodutibilidade Técnica Digital:
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LÉVY, Pierre. Cibercultura. Trad. Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 2009.
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LYRA, Pedro. Desafio: uma poética do amor. 3ed. Fortaleza, CE: TOPBOOKS / UFC, 2002.
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SALLES, Cecilia Almeida. Crítica Genética: Fundamentos dos estudos genéticos sobre o
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Colóquio Interdisciplinar de Cognição e Linguagem. Campos dos Goytacazes, RJ: UENF,
2012. p. 192-2005. Disponível em:
http://www.pgcl.uenf.br/cicl/download/anais/Anais_Col%C3%B3quio.pdf – Acesso:
20/12/2014.
1047
RECURSOS HIPERTEXTUAIS NO LIVRO NADA NA LÍNGUA É POR ACASO, DE MARCOS
BAGNO
RESUMO: O livro impresso tem passado por mudanças e sido submetido a olhares diversos
ao longo de sua história. Nesse sentido, esta comunicação irá apresentar uma reflexão
acerca dos modos de escrita assim como dos modos de leitura a partir dos recursos
hipertextuais no contexto contemporâneo. Para tanto, como objeto de análise será utilizado
o livro de Marcos Bagno “Nada na língua é por caso: por uma pedagogia da variação
linguística”, acreditando ser tal livro um exemplo de nova forma de escrita de texto teórico e
consequentemente contribuindo para a formação de um novo leitor. Nesta pesquisa,
interessa-nos o olhar para as mudanças ocorridas em relação aos aspectos organizacionais
do livro impresso e as implicações que isso tem trazido para uma nova forma de leitura.
Ulilizou-se como embasamento teórico Lévy (1996), Marcuschi (2007), Villaça (2002),
Zilberman (2001), dentre outros. O objetivo deste trabalho é identificar no livro de Bagno
exemplos de hipertexto e ainda destacar a mudança da forma de escrever e dos processos
de leitura e atualização por parte do leitor.
Palavras-chave: Leitura. Leitor. Hipertexto.
INTRODUÇÃO
A inserção das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) na vida cotidiana
dos cidadãos é um evento marcante porque reordena o modo como o homem se relaciona
na sociedade. No bojo das TICs, o hipertexto se destaca sobremaneira tanto por sua
funcionalidade quanto por sua difusão, na medida em que se tem constituído em um
instrumento cada vez mais utilizado na veiculação de informações e na construção de
espaços dialógicos de comunicação. Nesse sentido, este ensaio irá apresentar uma reflexão
acerca dos processos do modo de escrita assim como os modos de leitura a partir da
influência hipertextual no contexto contemporâneo. Por isso, levanta-se a seguinte questão-
problema: como essas mudanças intervêm nas formas de escrita e leitura e quais as suas
consequências para a formação de um leitor com gestos e práticas de leitura hipertextual?
Em face disso, utilizamos como objeto de estudo deste trabalho o livro de Marcos Bagno
“Nada na língua é por caso: por uma pedagogia da variação linguística” acreditando ser um
1048
exemplo de nova forma de escrita de texto teórico e consequentemente contribuindo para a
formação de um leitor hipertextual. Este trabalho parte-se da hipótese de que os processos
criativos de leitura e modos de escritas que ocorrem na atualidade sofreram modificações
por consequência das tecnologias de informação, tanto pelo fato de o escritor utilizar novas
estratégias de escritas, como pelo fato de haver surgido um novo perfil de leitor. Neste
ensaio, interessa-nos o olhar para as mudanças ocorridas em relação aos aspectos
organizacionais do livro impresso e suas implicações que isso tem trazido para uma nova
forma de leitura. Ou seja, interessa-nos analisar o livro, particularmente o de Bagno, como
um objeto hipertextual, numa perspectiva de texto como hipertexto e que põe em cena um
novo leitor. Este ensaio tem como objetivo identificar aspectos no livro de Bagno como
exemplos de hipertexto e ainda destacar a mudança da forma de escrever e os processos de
leitura e atualização por parte do leitor.
1049
“podemos desobedecer as instruções, tomar caminhos transversais, produzir dobras
interditas, estabelecer redes secretas, clandestinas, fazer emergir outras geografias
semânticas” (LÉVY, 1996, p. 36). Segundo Marcos Marcionilo, editor do livro de Bagno, “Toda
a criação do livro foi feita pelo autor. A editora aprovou o projeto e começou a intervir na
produção gráfica do livro. Por isso, o copyright do texto é do autor e o copyright do livro
como produto gráfico é da editora”.
Figura 8: Capa do livro “Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística”
1050
O espaço da escrita relaciona-se até mesmo com o sistema de escrita: a
escrita em argila úmida, que recebia bem a marca da extremidade em
cunha do cálamo, levou ao sistema cuneiforme de escrita; a pedra como
superfície a ser escavada serviu bem, num primeiro momento, aos
hieróglifos dos egípcios, mas, quando estes passaram a usar o papiro, sua
escrita, condicionada por esse novo espaço, foi-se tornando
progressivamente mais cursiva e perdendo as tradicionais e estilizadas
imagens hieroglíficas, exigidas pela superfície da pedra (SOARES, 2002,
p.149).
Dessa forma, podemos perceber que a relação entre o texto e seus leitores passou
por diversas transformações ao longo da história. A distribuição, organização e estrutura do
texto encontrado nos livros em rolo da Antiguidade, nos manuscritos medievais não são de
forma alguma as mesmas que nos apresenta a escrita contemporânea. Essas novidades em
relação à apresentação do escrito sempre causam certo impacto nos leitores. A necessidade
de dominar a nova forma, através das técnicas de escrita ou leitura inéditas, propõe novos
pensamentos e novas atitudes, para Soares “O espaço de escrita condiciona, sobretudo, as
relações entre escritor e leitor, entre escritor e texto, entre leitor e texto” (SOARES, 2002,
p.149).
Nesse sentido, analisando a forma de composição do livro de Bagno, podemos
afirmar que existem diversas possibilidades de leitura com suas páginas povoadas de
imagens fazendo uma mescla entre o verbal e o visual. Ao abrirmos o livro de Marcos Bagno
“Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística” deparamos com
uma multiplicidade de formas de dizer. Isso porque, recursos tornados possíveis com a
escrita do computador passaram a fazer parte de outros textos: notas laterais, boxes
diversos, quadros, links, figuras e tantos outros não são mais restritos à escrita midiática.
Esses recursos estão presentes nas várias páginas desse livro, de acordo com Koch “todo
texto é plurilinear na sua construção, poder-se-ia afirmar que – pelo menos do ponto de
vista da recepção – todo texto é um hipertexto” (KOCH, 2011, p.61).
No livro abordado podemos destacar aspectos que configuram a hipertextualidade,
caracterizando-se realmente como um retrato do hipertexto eletrônico. As separações
textuais que condensam em si textos particulares, além de links muito se assemelham ao
modo de escrita do ambiente digital. O leitor poderá escolher seu modo de leitura, por
exemplo, “ler o texto de maneira contínua e só consultar as notas após essa leitura;
1051
consultar apenas as que mais lhe interessarem ou mesmo não ler nenhuma” o leitor poderá
ainda ler ou consultar separadamente os recursos presentes nas páginas desse livro “Poderá,
também, interromper sua leitura a cada chamada e integrar o conteúdo da nota à leitura
que está fazendo” (KOCH, 2011, p.61). Segundo Marcuschi “A ordem das informações não
está dada na própria estrutura da escrita” (MARCUSCHI, 2007, p.147). O livro de Bagno pode
ser visto numa perspectiva hipertextual pela forma como é escrito, ou seja, pela
heterogeneidade de linguagens que lhe é constituído “A diferença com relação ao hipertexto
eletrônico está apenas no suporte e na forma e rapidez do acessamento” (KOCH, 2011,
p.61). O leitor desta obra poderá considerá-la, portanto, como uma rede em que se
transpassam outros textos. A esse respeito, Koch entende que:
O texto, assim constituído, é dinâmico, está sempre por fazer. Isto implica,
por parte do leitor, um trabalho contínuo de organização, seleção,
associação, contextualização de informações e, consequentemente, de
expansão de um texto em outros textos ou a partir de outros textos, uma
vez que os textos constitutivos dessa grande rede estão contidos em outros
e também contêm outros (KOCH, 2007, p.24).
Esse tipo de leitura propõe ao leitor formular suas hipóteses acerca do que leu e do
que lhe é novo, não no sentido de alguém que decifra e interpreta os recursos da escrita
eletrônica, mas de alguém que lida com os “caminhos” que uma página de livro, como o
analisado, pode oferecer. Segundo Martins “Novos procedimentos narrativos exigem
também formas diferentes de leitura" (MARTINS, 2011, p.166) tal pensamento se afina com
o de Zilberman “Experiências de vanguarda propuseram outras instruções ao leitor (...)”
(ZILBERMAN, 2001, p.107), a autora considera também que o leitor “é encarado na condição
de sujeito histórico, passível de transformação e adequação em virtude das mudanças
sociais e tecnológicas” (2001, p.85), Umberto Eco conclui que: “Os leitores empíricos podem
ler de várias formas, e não existe lei que determine como devem ler, porque em geral
utilizam o texto como um receptáculo de suas próprias paixões, as quais podem ser
exteriores ao texto ou provocadas pelo próprio texto” (ECO, 2004, p. 14).
A partir dessas considerações podemos concluir que o hipertexto não se restringe
apenas ao texto eletrônico, mas a qualquer texto que possibilite leituras que extrapolam o
próprio texto, independentemente do suporte em que se encontre. Assim, é possível
1052
considerar o livro de Bagno como um hipertexto, pois se trata de “uma matriz de textos
potenciais” (LÉVY, 1996, p. 40), em que o leitor, por meio das escolhas que faz produz uma
nova e diferente leitura. Desse modo, podemos compreender tal livro como uma rede
hipertextual em que seus itens de informações se encontram disposto como um objeto
multifacetado com relação às linguagens e que põe em cena uma nova prática de leitura.
O HIPERTEXTO
Segundo Marcuschi “O termo hipertexto foi cunhado por Theodor Holm Nelson em
1964, para referir uma escritura eletrônica não-sequencial e não linear, que se bifurca e
permite ao leitor o acesso a um número praticamente ilimitado de outros textos a partir de
escolhas locais e sucessivas, em tempo real” (MARCUSCHI, 2007, p.146). Desta forma, o
leitor tem condições de definir o fluxo de sua leitura a partir de assuntos que o faz buscar
outros temas, de forma ágil e dinâmica o que podemos entender que o sentido de um texto
é móvel e não fixo, Pierre Lévy explica que “a abordagem mais simples do hipertexto é a de
descrevê-lo por oposição a um texto linear, como um texto estruturado em rede” (1996,
p.44), de acordo com Koch “ O hipertexto constitui um suporte linguístico-semiótico hoje
intensamente utilizado para estabelecer interações virtuais desterritorializadas” (KOCH,
2011, p.63) para Villaça “Os hipertextos servem para interromper o fluxo de leitura através
de redes remissivas interligadas, os links, e para conduzir o leitor a um vertiginoso delírio de
possibilidades” (VILLAÇA, 2002, p.107) é justamente esse tipo de leitura que encontramos no
livro de Bagno.
Se o livro de Marcos Bagno “Nada na língua é por caso: por uma pedagogia da
variação linguística” tivesse circulação pela internet, poderíamos selecionar algumas
palavras chave, a exemplo do termo “helenismo” (p.62), ou um enunciado como:
“Infelizmente, essas inovações linguísticas também continuam sendo alvo de outro tipo de
abordagem, nada científica dessa vez, e consistente apenas com uma ideologia linguística
obscurantista e preconceituosa: o ataque dos defensores (...)” (p.156), marcá-las como
hiperlinks (ligações eletrônicas) e pular diretamente para a caracterização linguístico-
1053
discursiva do tema proposto. Ao leitor caberia posicionar o cursor do mouse sobre o
hiperlink e seguir (ou não) a indicação marcada para leitura, de acordo com Koch os
hiperlinks “permitem ao leitor realizar livremente desvios, fugas, saltos, instantâneos para
outros locais virtuais da rede, de forma prática, cômoda e econômica” (KOCH, 2011, p.63).
Entretanto, no livro analisado, não há os recursos do suporte eletrônico, pois estamos
tratando de um texto impresso, mas há, neste caso, um grande número de notas explicativas
tão eficientes quanto os hiperlinks. De acordo com Lévy “Desde suas origens
mesopotâmicas, o texto é um objeto virtual, abstrato, independente de um suporte
específico. Essa entidade virtual atualiza-se em múltiplas versões, traduções edições,
exemplares e cópias” (LÉVY, 1996, p.35).
1054
Figura 10: Enunciados que funcionam como links (p.156)
O LEITOR ESCRITOR
Tudo o que vem sendo discutido até aqui intervêm nos gestos de leitura e lança
questões para os estudos nesta área, especialmente no que se refere à formação de
um leitor com olhar amplo que consiga interagir com um objeto “plurilinear”, como o
livro de Bagno, que busca diferentes linguagens, diferentes olhares, com diferentes
formas de expressão do conhecimento. Ao folhear o livro de Bagno deparamos com
uma heterogeneidade textual que mobiliza recursos formais e tipográficos, com tipos e
cores de fontes diferenciadas, além das ilustrações que criam um fundo, um contexto
para o que está sendo apresentado.
mlv
O livro em análise pode ser visto numa perspectiva hipertextual pela
heterogeneidade que se virtualiza ao seu redor, pois este objeto permite não apenas
visualizar a heterogeneidade material que lhe é constitutiva, mas inferir as diversas
possibilidades que suas páginas podem materializar, nesse sentido, “O leitor pode
libertar-se da obrigatoriedade do linear” (VILLAÇA, 2002, p.108). No capítulo intitulado
“Por que tratar da variação linguística?” (p. 27) podemos ver nas páginas seguintes
(p.28 e 29) algumas notas explicativas, que tratam do tema, visando elucidar dentro da
linguística o termo “Sociolinguística”, além de informá-los sobre questões mais atuais,
a exemplo: estatísticas e indicação de livro para leitura. O visual das ilustrações é
complementado pelo verbal (ou vice-versa) que se dispõe em plaquinhas ou quadros
ancorados em diferentes pontos deste hipertexto. Além disso, há o jogo de cores que
funciona como um atrativo a mais. O leitor poderá escolher seu modo de leitura e
traçá-la da forma que preferir, criando, dessa forma, em cada “nota” ou link seu
próprio hipertexto, conforme diz Villaça: “Através de links que ligam passagem do livro
a outras, o leitor caminha” (VILLAÇA, 2002, p.108). Segundo Lévy o texto é repleto de
vazios que estimulam o desdobrar de seus múltiplos sentidos, diz o autor:
mlvi
Figura 12: Exemplos de hipertextos (p. 28 e 29)
mlvii
cada leitor ou aos segmentos variados de público; decorre igualmente da propriedade
de o destinatário intervir na obra” (ZILBERMAN, 2001, p.91), ou seja, é o leitor quem
dá significado ao que foi lido, baseado nos conhecimentos de mundo que já possui.
Desta forma, para Lévy:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este breve trabalho permitiu um novo olhar para o livro de Bagno “Nada na
língua é por caso: por uma pedagogia da variação linguística”, no qual a estrutura
hipertextual apresenta-se como um novo caminho. A leitura passa a ser definida ao
andar “através de links que ligam passagem do livro a outras, o leitor caminha”, não
havendo “obrigatoriedade do linear”, podendo, dessa forma, “o leitor libertar-se”. Os
aspectos destacados nas páginas do livro analisado exigem a presença de um novo
leitor. Não no sentido de alguém que decifra e interpreta apenas os recursos da escrita
contidos no livro, ou seja, uma “leitura horizontal”, sem aprofundamento, mas de
alguém que lida com as exigências que uma página de livro, a exemplo, o de Bagno,
pode oferecer ao seu leitor. Nesse sentido, o hipertexto aparece como a
potencialização do texto, um novo processo de escrita/leitura que determina novas
práticas de leitura, entrando em cena um novo leitor capaz de criar e construir seu
próprio texto. A partir do contato com o livro de Bagno o leitor se vê aguçado pelo
mlviii
interesse de descobrir novos “nós” e passa a agir como um detetive que busca
informações e parte para novas leituras, passando a construir seu próprio texto, de
forma atualizada e inovadora.
REFERÊNCIAS
BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação
linguística. São Paulo: Parábola, 2012.
DELEUZE, G. & GUATTARI, F. Introdução: rizoma Em Mil platôs, capitalismo e
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ECO, Umberto. Seis passeios pelo bosque da ficção. São Paulo: Companhia das
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KOCH, Ingedore G. Villaça. Desvendando os segredos do Texto 7ª ed. São Paulo:
Cortez, 2011
KOCH, Ingedore G. Villaça. Hipertexto e Construção do Sentido. São Paulo, Alfa
Revista de Linguística, 2007 vol. 51 nº 1 p. 23-38. Disponível em:
http://seer.fclar.unesp.br/alfa/article/view/1425/1126. Último acesso 21 jan 2014
LÉVY, Pierre. O que é o Virtual? São Paulo: Editora 34, 1996.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Cognição, Linguagem e Práticas Interacionais. Rio de
Janeiro: Lucerna,2007.
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interdisciplinares sobre linguagem e cognição. RJ: TEMPO BRASILEIRO, 2011. (ISBN:
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SOARES, Magda. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura.
Educ. Soc., dic. 2002, vol.23, no.81, p.143-160. ISSN 0101-7330. Disponível em:
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VILLAÇA, Nízia. Impresso ou Eletrônico? Um trajeto de leitura. Rio de Janeiro:
Mauad, 2002.
ZILBERMAN, Regina. Fim do Livro, Fim dos Leitores? SP: Senac, 2001.
mlix
A PERSPECTIVA DA (RE)CONFIGURAÇÃO DA LINGUAGEM DA COMUNICAÇÃO NO
FACEBOOK
INTRODUÇÃO
A história da evolução humana sempre esteve atrelada às formas de
comunicação desde a linguagem gestual e pictórica, à era da fala e da escrita até, mais
recentemente, à era da informação. Assim, a informação que vem sendo transmitida
por vários veículos de comunicação tornou-se ainda mais presente na vida do ser
humano a partir dos meios eletrônicos. Com as inovações tecnológicas e o
desenvolvimento de interfaces comunicacionais, o espaço virtual vem sendo
amplamente difundido. Nesse novo ambiente, a sociedade contemporânea depara-se
com novos paradigmas que exigem mudanças, inclusive de comportamento.
mlx
O advento da comunicação mediada pelo computador muda as formas de
organização, identidade, conversação e mobilização social. Assim o ciberespaço
possibilita outras capacidades. Ao cibernauta é apresentada uma rede quase infinita
de informações que podem ser utilizadas de inúmeras maneiras. Esse ambiente
inventa uma nova interação, conforme avalia o filósofo da informação francês Pierre
Lévy (2011): comunicação em tempo quase real, novas perspectivas de espaço-tempo
(mutantes), velocidades qualitativamente novas, junção de várias mídias - unimídia, ou
seja, um mundo de possibilidades.
Com o desenvolvimento da internet, potencializada pela era World Wide Web -
WWW, as redes sociais, que já faziam parte da sociedade, foram atualizadas no meio
digital. Apesar de o modelo emissor e receptor continuar o mesmo, o canal muda e
potencializa as formas de interação. O receptor “passivo” pode assumir o papel de
emissor e vice-versa num diálogo instantâneo, ou quase, totalmente diferente da
dinâmica que ocorria com as mídias anteriores – rádio e televisão. A troca de
informações ganha novo status e acontece efervescentemente nos meios digitais e as
organizações empresariais utilizam essa mídia para a comunicação. Dentre a gama de
assuntos a serem abordados, destaca-se o objeto de estudo desse trabalho: a
comunicação organizacional130 nas redes sociais digitais, sendo matriz do estudo a
linguagem utilizada pelas instituições nessa mídia.
Em tempo de comunicação digital, no qual as mudanças acontecem a todo
momento, tanto a prática quanto o estudo desse assunto contemporâneo tornam-se
cada vez mais desafiantes. Nesse ínterim, buscam-se desenvolver reflexões que
possam compreender a questão sobre a forma como a linguagem da comunicação
institucional vem sendo (re)configurada em função da migração das organizações para
as redes sociais digitais. Tendo o objetivo de caracterizar as (re)configurações
ocorridas com a linguagem usada nas fan pages das marcas Guaraná Antarctica e
130
Expressão equivalente, nesse estudo, à comunicação social e à comunicação institucional.
Considerando, conforme avalia Kunsch (2003, p. 164, 165): a comunicação institucional não se reduz a
uma simples divulgação institucional e de marcas, mas compartilha informações de interesse público
sobre os atributos organizacionais (missão, visão, valores, filosofia e políticas) e objetiva conquistar a
simpatia, credibilidade e confiança, realizando influência político-social. É preciso interagir com o
público sem se restringir como uma “emissora de marcas”. Nessa perspectiva, a instituição é um sujeito
consciente, pensando e dirigindo sua produção.
mlxi
Banco Itaú, analisadas pelo tempo de um mês (dezembro, 2013) a partir dos critérios
de estilo linguístico, forma, conteúdo e função da linguagem. Diante do exposto, é
levantada a hipótese de que a linguagem da comunicação institucional vem sendo
(re)configurada significativamente nas redes sociais digitais. No caso do Facebook,
utilizam-se menos a persuasão e o enaltecimento da empresa para a comunicação
institucional e de marca com informações de interesse público – seguindo o formato
de notas rápidas (que mesclam texto, imagem, vídeos e links) – mas, principalmente,
busca-se a interação imediata com os públicos de interesse da empresa para manter
uma relação mais próxima, transparente e conquistar a simpatia, a credibilidade e a
confiança do público, utilizando uma linguagem não-linear de caráter interativo e
hipertextual.
Em tempos de globalização, nos quais as sociedades do mundo inteiro passam
a estar conectadas, é imposta aos homens a busca incessante pela compreensão das
transformações que ocorrem na contemporaneidade. Tais mudanças afetam
diretamente as formas de comunicação, e os profissionais da área devem assumir o
papel de analisar criticamente as comunicações que vêm surgindo, percorrendo
sobretudo as transformações ocorridas com a linguagem – mola propulsora da
comunicação. Além disso, as análises das mudanças que ocorrem na sociedade
contribuem de certa forma para impulsionar e/ou explicar essas transformações do
mundo contemporâneo, sendo importante para enriquecer as discussões acadêmicas e
sociais.
mlxii
(referência). Pela linguagem o homem pensa, age e interage com o mundo, sendo
possível a referência e a comunicação. Nesse processo, a linguagem interfere e é, ao
mesmo tempo, transformada pelos atores sociais.
Desta forma, a jornalista e docente em Comunicação Social brasileira Mágda da
Cunha (2005, p. 1531) afirma que cultura, linguagem e historicidade são fatores
envolvidos na multiplicidade de sentidos que recobrem a comunicação. Entende-se
que a linguagem, que ganha outras possibilidades em uma mídia atual, configura e é
reconfigurada por esse ambiente. Sob o enfoque sociológico, o espanhol docente em
Sociologia e Planejamento Regional Manuel Castells (1999) discorre sobre a relação
direta entre a história, a sociedade, a cultura, a economia, a inovação tecnológica,
acrescenta-se a linguagem. Para o autor, a revolução tecnológica da informação,
apresentada com mais impulso a partir das duas últimas décadas do século XX, tem, no
mínimo, a mesma importância da revolução industrial do século XVIII. Este evento
histórico atual induz um padrão de descontinuidade nas bases da economia, da
sociedade e da cultura.
Para o sociólogo (ibid.) o capitalismo teria uma realidade limitada sem a nova
tecnologia da informação. Não foi por acaso que a revolução tecnológica surgiu em
meio à reestruturação do capitalismo, servindo-lhe como ferramenta básica para
instaurar essa remodelagem, assim como o industrialismo esteve ligado à constituição
do capitalismo como modo de produção. Com isso, a sociedade emergente desse
processo atual é capitalista e também informacional. No entanto esses processos de
renovação do capitalismo e difusão do informacionalismo acontecem de maneiras
diferentes em cada país pela peculiaridade de sua história, cultura e instituições,
apesar de o capitalismo e do informacionalismo serem processos inseparáveis em
escala global. Castells (1999, p. 69) ressalta que a atual revolução tecnológica não é
caracterizada pela centralidade de conhecimentos e informação, mas pela utilização
destes para a “geração de conhecimentos e de dispositivos de processamento/
comunicação da informação, em um ciclo de realimentação cumulativo entre a
inovação e seu uso.”
A linguista francesa Julia Kristeva (1969, p. 9) discorre sobre a dimensão da
linguagem:
mlxiii
O nosso século é tanto o do átomo e o do cosmos como o da
linguagem. Rádio, televisão, cinema, jornais diários com tiragens de
milhões de exemplares, livros de bolso e de biblioteca, relatórios
econômicos, políticos e sociais, documentos internacionais,
conferências – os verbos falar, ler e escrever são conjugados em
todas as pessoas e em todos os tempos, de manhã à noite e em
todos os países do mundo, a um ritmo que nunca se tinha conhecido
e que não se podia imaginar há uns cinquenta anos. E a estas
linguagens sobrepõem-se todas as outras, não menos ricas, do gesto
e da imagem [...]: uma banda desenhada, um quadro abstrato, [...]
um filme mudo ou uma dança são práticas de linguagem – tal como
as lengalengas do nosso vizinho ou os editoriais do nosso jornal. O
homem moderno está mergulhado na linguagem, vive na fala, é
assaltado por milhares de signos, a ponto de já quase só ter uma
existência de emissor e de receptor.
mlxv
HD (Hard Disk) do computador, quem edita está sempre saindo do totalmente virtual
para o físico para não perder as informações. E mesmo que não se tenha gravado o
documento nessa memória virtual – HD – há a memória temporária, onde pode, com
alguma sorte, ser recuperado o arquivo da inexistência concreta. Nesse contexto, os
lugares ainda existem, apenas se apresentam de forma atualizada, em ícones que
muitas vezes mascaram até mesmo a existência de um lugar-origem que, nesse mundo
virtual, pode ser um lugar-físico (hardware) ou um lugar-linguagem (software). Castells
(1999) também contribui com tal concepção, sendo contundente com a afirmação de
que a realidade “vivida” sempre foi virtual, visto que é percebida pela representação
simbólica. A humanidade existe em um ambiente simbólico e atua por meio dele.
Há uma metamorfose da realidade “real”, que já existia, para a virtual. A
grande mudança está na noção de espaço-tempo, não presença,
velocidade/interatividade. A partir da virtualização, não se pode mais dimensionar,
mais propriamente no ciberespaço, alguma coordenada espaço-temporal: “O virtual
existe sem estar presente.” (LÉVY, 2010, p. 50). Vive-se em outro momento, no qual se
encoraja um estilo de interação quase independente dos lugares geográficos
(telecomunicação, telepresença) e da coincidência dos tempos (comunicação
assíncrona). Apesar de não ser uma novidade absoluta, pois já se tinha de alguma
forma uma comunicação contínua, recíproca e a distância com a escrita, a gravação de
som e imagem, o rádio, a televisão, o telefone e a carta, a internet potencializou de
uma forma única a comunicação.
O mundo virtual, sustentado pelos aparatos tecnológicos, possibilita a
existência do ciberespaço. Afinal, o ciberespaço, como fundamentam o pesquisador
em tecnologia da informação e comunicação e na área de educação, Carlos Henrique
Souza e o pesquisador em antropologia e sociologia Marco Aurélio Costa (2005), é a
virtualização, a atualização em um lugar, de dados registrados em outro lugar,
interconectados por redes, e que, por suas características técnicas de programação,
permite a mediação da comunicação entre os seres humanos e com a própria cultura
por eles produzida, principalmente, se considerar que os dados que aparecem na tela
do computador, em um site, por exemplo, podem estar hospedados em um lugar físico
do outro lado do mundo.
mlxvi
O ciberespaço pode ser associado ao hipertexto, por sua característica
agregativa, interativa e no qual se pode interagir de uma maneira diferenciada,
seguindo caminhos já determinados pelos links, que sugerem uma navegação
orientada, ou criando novos links, perfazendo o caminho por suas escolhas, seus
acréscimos à leitura que se faz: “Os hipertextos servem para interromper o fluxo de
leitura através de redes remissivas interligadas, os links, e para conduzir o leitor a um
vertiginoso delírio de possibilidades” (VILLAÇA, 2002, p.107). Além de conter vários
hipertextos, o ciberespaço pode ser caracterizado como um “mega” hipertexto, numa
escala gigante. O ambiente torna disponível um dispositivo de comunicação original,
pois ele permite que várias pessoas construam de forma progressiva e cooperativa um
contexto comum. Por essa nova modalidade de interação em que as informações
estão interligadas em remissões múltiplas, ‘nós’ em rede, concretiza-se o ciberespaço
como um espaço hipertextual.
Além disso, compreendem-se as influências que o ambiente do ciberespaço
causa na vida sociocultural do ser humano. Segundo Castells (1999), a comunicação
molda a cultura porque a realidade é reconhecida como tal a partir de como são as
linguagens. É por meio das linguagens – meios de comunicação como metáforas do
indivíduo, mas não somente isso – que o conteúdo da cultura é criado. Sendo a cultura
mediada e determinada pela comunicação (atrelada à história), o “nosso sistema
tecnológico” provoca transformações fundamentais nas crenças, valores, códigos e
comportamentos. Atenta-se para o fato de os sistemas tecnológicos serem
socialmente produzidos, sendo a produção social estruturada pela cultura. Desta
maneira, a internet, como ciberespaço, é moldada pela cultura dos seus produtores/
usuários131 e não, somente, pelos valores das inovações tecnológicas.
Mesmo desconfiado das previsões dos “futurólogos” da mídia, que anunciavam
a convergência entre computadores, internet e mídia (“multimídia” como possibilidade
de comunicação interativa em vídeo, áudio e texto), pela capacidade de conexão da
131
Castells (2003, p. 34) denomina “por produtores/usuários [...] àqueles cuja prática da Internet é
diretamente reintroduzida no sistema tecnológico; os consumidores/usuários, por outro lado, são
aqueles beneficiários de aplicações e sistemas que não interagem diretamente com o desenvolvimento
da Internet, embora seus usos tenham certamente um efeito agregado sobre a evolução do sistema.”
mlxvii
época, Castells (2003) define a internet como meio que vai além da convergência de
mídias.
Já Lévy (2010, p. 68) defende ser mais adequado o termo “unimídia” para
indicar “a confluência de mídias separadas em direção à mesma rede digital
integrada.”, já que multimídia indica uma variedade de suportes ou canais, algo
contrário à tendência do ciberespaço rumo à interconexão e à integração.
É importante destacar a consideração da semioticista brasileira Lucia Santaella
(2003, p.24 e 25) que argumenta que as mídias são simplesmente meios, suportes
materiais, canais físicos, nos quais as linguagens se corporificam e pelos quais
transitam. Assim, no meio atual – a rede social digital –, a linguagem tende a se ajustar
aos seus limites e às suas possibilidades de expressão. “O computador traz consigo o
hibridismo sígnico e midiático que é próprio do ciberespaço” (SANTAELLA, 2007, p.84).
Tais mudanças com as mídias digitais produzem reflexos na vida do indivíduo como um
todo, inclusive na sua vida social e na forma de pensar, agir e sentir a realidade, ainda
mlxviii
que não se consiga dimensionar o quanto ou a qualidade disso pela efervescência
recente das transformações.
mlxix
teoria das matrizes de linguagem e pensamento, a pesquisadora viabiliza o intermédio
entre os conceitos peircianos e as linguagens manifestas, de modo a orientar a leitura
de processos concretos de signos com um mapa flexível e multifacetado.
Santaella (2005) fundamenta que não existem matrizes, linguagens puras. A
sonoridade poderia alcançar certo grau de pureza se o ouvido não fosse tátil e não se
ouvisse com o corpo todo. A verbal é a mais misturada, pois envolve a sintaxe do
domínio sonoro e a forma do domínio verbal. Sendo assim, esclarece-se que
a lógica da matriz verbal não quer necessariamente significar que a
linguagem tem de estar manifesta em palavras, assim como a lógica
da matriz sonora não quer dizer que a linguagem deva estar
necessariamente manifesta como som. Há uma lógica da matriz
verbal que, certamente, o discurso verbal realiza de maneira
otimizada, assim como há uma lógica da sonoridade que o som
evidentemente realiza de maneira otimizada, tanto quanto há uma
lógica da visualidade que, sem dúvida, a linguagem visual realiza em
sua plenitude. Entretanto, isso não quer dizer que a lógica verbal não
possa se realizar em signos visuais ou sonoros. Assim também, a
lógica visual pode se manifestar em signos verbais ou sonoros, tanto
quanto a sonoridade pode adquirir formas que a aproximam dos
signos plásticos ou da discursividade própria do verbal (SANTAELLA,
2005, p. 373).
mlxxi
• Ao código (conjunto de signos usado na transmissão e recepção da
mensagem): Função metalinguística – faz referência ao próprio código usado;
• À mensagem (texto/informação transmitida): Função poética – afetiva,
conativa, metafórica, subjetiva.
Tais funções podem agir em separado, mas, normalmente, apresenta-se um
feixe de funções. Jakobson (2003) ressalta que esse feixe não significa uma simples
acumulação de funções, mas constitui uma hierarquia de funções. O que torna
importante distinguir a função primária e as funções secundárias.
Com a mudança de suporte, outras potencialidades são oferecidas como
características agregativas à linguagem presente na internet pela possibilidade de
integração do meio. Sobre a (re)configuração da linguagem, temática contundente
para esta pesquisa, abordam-se as reflexões de Mark Poster, David Crystal e Mauro
Sousa, estudiosos no assunto. O pesquisador americano Mark Poster, docente em
história, cinema e mídia, dedicou seus últimos anos de vida (faleceu em 2012) a
reflexões sobre as novas mídias e as oportunidades políticas propiciadas pela internet.
Em seu livro A segunda era dos média, versão portuguesa lançada em 2000, Poster
fundamenta o seu interesse sobre o papel dos novos média132 a partir da teoria crítica
social, inspirando-se, principalmente, nos postulados de Michel Foucault. Poster (2000,
p. 71) fundamenta:
132
Média (português europeu) é o mesmo que media (inglês) e mídia (português brasileiro). Para ser
compatível com o livro de Poster, utilizam-se ambas as terminologias para designar veículo de
comunicação.
mlxxii
Universidade de Wales, em Bangor (cidade do estado americano do Maine). Em seu
livro A revolução da linguagem, de 2005, Crystal ressalta a década de 1990, em
particular, como um período significativo na história da linguagem em que se pode
observar o encontro de três tendências principais com implicações globais de cada
uma e que, juntas, vêm alterando a “ecologia linguística” do mundo. São elas: o
surgimento de uma língua global – o inglês; o fenômeno das línguas ameaçadas e a
chegada da internet. Crystal (2005) denomina a linguagem da internet como netspeak,
uma linguagem que não é idêntica à fala ou à escrita, mas apresenta certas
propriedades seletivas e adaptáveis presentes em ambas. Desta maneira defende que
Em suma, nas abordagens dos três autores, Poster, Crystal e Sousa, pode-se
reconhecer o entendimento das mídias como expressões de linguagens em
transformação:
mlxxiv
comunicação institucional, linguagem utilizada. A amostra qualitativa, conforme
Recuero et al. (2012), das duas fan pages – Guaraná Antarctica e Banco Itaú – foi
definida com base nas características necessárias para a observação dos fenômenos e
pela pesquisa feita pela empresa Dito (especializada em monitoramento de mídias)
que em 2012 monitorou mais de 5.400 fan pages brasileiras, por meio da ferramenta
GraphMonitor (primeira ferramenta brasileira criada em novembro de 2010 para
monitorar fan pages do Facebook) e vem apontando desde janeiro de 2012 essas
páginas como as mais influentes no quantitativo de fãs – cada qual com 17.014.074 fãs
do Guaraná e 6.568.735 fãs do Banco, em 19 de janeiro de 2014, nas categorias marcas
e instituição financeira, respectivamente133. Além disso, faz-se pesquisa descritiva, por
meio de observação sistemática no intervalo de tempo determinado por um mês em
2013 (dezembro), sendo analisados o estilo linguístico, a forma, o conteúdo e a função
da linguagem.
A página do Guaraná Antarctica possui 16.879.225 fãs (no último dia do
período analisado – 31.12.2013), dentre as pessoas que mais comentaram sobre a
marca são 323.722 fãs na semana de 16.12 a 22.12.2013 (pico de audiência); na última
semana de dezembro, 25.12 a 31.12.2013 foram 233.207 seguidores; a faixa etária
média é de 18 a 24 anos de idade e a cidade da maioria delas é São Paulo. Nesta
mesma semana última de dezembro, teve-se 128.212 novas curtidas. As informações
foram apresentadas na página na seção “Curtidas e Pessoas falando sobre isto” 134.
Com esta observação, registra-se que foram feitas, na fan page do Guaraná Antarctica,
237 publicações em dezembro, uma média de 07 publicações por dia na linha do
tempo. Pode-se perceber que a cor verde pertencente ao rótulo da marca e sua cor
oficial (o logotipo é branco e vermelho) aparece na maioria das publicações como
maneira de reforçar a presença da marca. Imediatamente a cor verde é associada ao
Guaraná Antarctica.
133
*Pesquisa em janeiro de 2012, nas duas categorias. Fonte: http://blog.dito.com.br/2012/01/top-10-
facebook-brasil-janeiro-confira-as-fan-pages-que-comecaram-bem-2012/_ *Pesquisa, categoria marcas,
última em outubro. Fonte: http://blog.dito.com.br/2012/11/confira-as-marcas-e-midias-brasileiras-com-
mais-fas-no-facebook-brasilem-outubro/_*Pesquisa, categoria instituição financeira, última em agosto.
Fonte: http://blog.dito.com.br/2012/09/top10-marcas-e-midias-no-facebook-brasil-em-agosto/. Acesso
em 07 jan. 2013.
134
Fonte: https://www.facebook.com/GuaranaAntarctica/likes. Acesso em 10 jan. 2014.
mlxxv
Na fan page do Banco Itaú, houve 6.514.182 de seguidores (no último dia do
período analisado – 31.12.2013). Dentre eles, os usuários que mais comentaram sobre
a marca - 204.432, na semana de 06.12 a 12.12.2013 (pico de audiência); na última
semana de dezembro, 25.12 a 31.12.2013 foram 55.513 curtidores com idade entre 18
a 24 anos, e São Paulo foi a cidade da maioria. Nesta última semana, registraram-se,
também, 8.770 novas curtidas. Todas as informações são apresentadas na página do
Banco na seção “Curtidas e Pessoas falando sobre isto”135. O acompanhamento da
página teve o resultado de 22 postagens no mês de dezembro. O Banco busca utilizar
todas as possibilidades do Facebook e dar notoriedade à marca por meio de um layout
atrativo e agradável. A cor laranja oficial da marca - o logotipo do Banco é azul e
amarelo- faz-se presente na maioria das postagens para reforçar a presença da marca
na memória dos usuários. Intuitivamente os usuários associam de imediato a cor
laranja ao Banco Itaú.
O estudo comparativo é apresentado no Quadro 1. Desta maneira, as
aproximações são apresentadas na cor padrão do texto, e as dicotomias são
destacadas nas cores verde oficial do Guaraná Antarctica e laranja oficial do Banco
Itaú.
135
Fonte: https://www.facebook.com/itau/likes. Acesso em 10 jan. 2014.
mlxxvi
rolê - passear; top - ótimo; dose -
paciência).
Cartazes digitais (frases Cartazes digitais (frases
metafóricas, de incentivo, metafóricas, de incentivo); fotos;
significado); fotos; vídeo; promoções; notas rápidas; links;
promoção; notas rápidas; links; aplicativos personalizados e vídeo.
Forma
aplicativos personalizados; foto
montagem; enquetes; enigma do
dia; imagem com ilusão de ótica;
desafio do dia (caça-palavra).
Datas comemorativas; dicas Datas comemorativas; dicas
(almoço, lanche da tarde e (gastos, compras seguras,
jantar); amizade; amigo (Série pulseiras identificadoras para as
“Belas Reflexões”); dicionário crianças na praia, doação de parte
Guaraná Antarctica; do imposto de renda); Copa Brasil
Conteúdo mandamentos; listagens (15 – 2014; novela; leia para uma
micos, 15 promessas para manter criança; coleção Itaú de livros
amizade); feriados; dia da infantis; filme do Programa Espaço
semana; contagem regressiva Itaú de Cinema; sorte do dia;
para o fim de ano; receitas; programa de compartilhamento
personalidades na história. de bicicletas.
Função da Funções referencial, conativa, Funções referencial, conativa,
Linguagem emotiva e metalinguística. emotiva.
mlxxvii
links) – mas, principalmente, busca-se a interação imediata com os públicos de
interesse da empresa para manter uma relação mais próxima, transparente e
conquistar a simpatia, credibilidade e confiança do público, utilizando uma linguagem
não-linear de caráter interativo e hipertextual. Nota-se ainda que a linguagem
reconfigura-se em diversos estilos e hibridizações reunidas em um mesmo suporte,
fato inédito como declarado, anteriormente, por Santaella (2005), potencializando as
características de não-linearidade e hipertextualidade. Além disso, a interatividade do
ciberespaço contribui para o contato mais próximo e imediato com o público.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, entendeu-se a linguagem como sistema aberto que sofre
alterações ao longo do tempo pelas transformações socioculturais relativas às épocas
históricas. Reconheceu-se a importância do estudo linguístico sob a perspectiva que
considera a estrutura da linguagem não suficiente em si mesma, ou seja, a certeza de
que o sentido não está somente nas palavras, mas no fato de que a linguagem se
desdobra e ganha sentido nas múltiplas possibilidades de uso e nas circunstâncias em
que são utilizadas por um dado grupo social.
Da mesma forma, os meios e as formas de comunicação são considerados
como constituintes de determinantes das relações de poder e de dominação nas
sociedades contemporâneas. Assim, a internet – como mídia atual - não é apenas um
fato tecnológico, mas é um fato social que interfere diretamente nas relações sociais,
culturais, econômicas, políticas, “e a sua principal moeda de troca é a linguagem” (Tim
Berners-Lee) – “a linguagem é o coração da Internet e o motor que aciona a
característica de interatividade na rede” (CRYSTAL, 2001, p. 237 apud CORRÊA, 2005,
p. 317).
Esse movimento permitiu compreender que a linguagem, que já não se reduzia
à representação da realidade (espelhamento do mundo), não é apenas uma
ferramenta instrumental que enfatiza a racionalidade mecânica das estruturas sociais,
mas a linguagem (re)configura e é (re)configurada pela própria realidade/atualidade.
mlxxviii
Dessa forma, as estruturas sociais são afetadas pela linguagem e não podem
permanecer imunes frente a tal (re)configuração. Ao reconhecê-la, a forma de
organização das estruturas sociais e empresariais é transformada.
Assim, os sistemas de comunicação eletrônica são percebidos como linguagem
determinante da vida dos indivíduos e dos grupos em todos os seus aspectos, social,
econômico, cultural e político. É com base no papel da linguagem nas relações sociais
que se aborda a forma como a própria linguagem vem sendo alterada pelas
tecnologias da comunicação. Poster (2000, p. 73) diz que, nas comunicações
eletrônicas, “a linguagem é entendida como performativa, retórica, como um veículo
ativo na construção e no posicionamento do sujeito”. Acrescenta-se: uma linguagem
não-linear de caráter interativo e hipertextual.
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mlxxix
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mlxxx
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VILLAÇA, Nízia. Impresso ou Eletrônico: Um Trajeto de Leitura. RJ: Mauad, 2002.
mlxxxi
O MEDO DE ESCREVER: PROBLEMAS DA AUTORIA NARRATIVA ENTRE
ALUNAS/PROFESSORAS DO PARFOR/UENF
INTRODUÇÃO
mlxxxii
A pesquisa justificou-se pelo interesse em dar continuidade a um trabalho
realizado durante a graduação. O objeto de investigação para a pesquisa de mestrado
foi a relação das alunas do PARFOR136/UENF com a escrita, considerando o medo de
escrever, e, como a autoria narrativa poderia ser vivenciada pelas alunas do
PARFOR/UENF no sentido de buscar uma relação mais “amigável” com a escrita.
Dessa forma, neste trabalho problematizamos o medo de escrever entre as
alunas do PARFOR/UENF com a escrita. Indagamos em quais aspectos esta relação
negativa pode ser revertida pela ação da autoria narrativa, ou seja, será que os
exercícios da autoria narrativa sobre memórias marcantes podem contribuir para
melhorar a relação das alunas com a escrita?
O objetivo geral da pesquisa foi analisar a relação das alunas de uma de
Pedagogia do PARFOR com a escrita, e o quanto esta relação pode melhorar a partir do
exercício da autoria envolvendo narrativas escritas de experiências marcantes em sala
de aula.
A pesquisa teve de cunho qualitativo e teve sua metodologia orientada por
uma análise exploratória através de entrevistas e questionários, cujas perguntas foram
elaboradas conforme orientações sugeridas por Selltiz (1974) seguida de propostas de
produção textual.
Para a condução teórica da pesquisa utilizamos principalmente os pressupostos
teóricos de Eni Orlandi (1988) e Michel Foucaul (2006). Hilário Bohn e Osmar de Souza
(2003), que abordam os processos de autoria escolar com o intuito de salientar a
necessidade de esses elementos estarem presentes de forma dinâmica e coerente no
processo de aprendizagem, em busca de transformações educacionais no ensino da
escrita da língua materna.
Quanto ao aspecto metodológico, o público que constituiu a amostra foi
composto de 26 estudantes do 1º período da Licenciatura em Pedagogia do PARFOR/
UENF. A turma escolhida para realização deste estudo é constituída de alunas oriundas
136
O Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR) presencial é um
programa nacional implantado pela CAPES em regime de colaboração com as Secretarias de Educação
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e com as Instituições de Ensino Superior (IES). O
objetivo principal do programa é garantir que os professores em exercício na rede pública de educação
básica obtenham a formação exigida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN, por
meio da implantação de turmas especiais, exclusivas para os professores em exercício.
1083
de várias instituições de Ensino Médio e Superior, de bairros da cidade e distritos
vizinhos e todas atuam na profissão docente, na Educação Infantil e primeiro
segmento do Ensino Fundamental.
Para iniciar a pesquisa foi realizada uma sondagem exploratória sobre as
relações com a escrita, junto às alunas do 1º período do Curso de 1ª Licenciatura do
PARFOR da Universidade Estadual do Norte Fluminense-RJ. Em seguida, aplicou-se um
questionário biográfico com a finalidade de colher informações e assim traçar um
perfil destas alunas. O questionário foi aplicado individualmente, contendo perguntas
abertas e fechadas.
Na sequência, foram realizadas as atividades da autoria narrativa, desde
entrevistas gravadas em áudio até a produção textual e ilustração para a
sistematização e confecção do livro “Professoras autoras: lembranças profissionais”.
De acordo com Bernardo (2010, p. 2), “Quem escreve despe mais do que as
próprias roupas, porque enquanto escreve ainda não sabe o que mostra para os
outros”. Para o autor, esses “outros” são a razão do porque “todo aluno não quer que
ninguém leia sua redação enquanto a escreve ou faz questão de colocá-la debaixo da
pilha de redações na mesa do professor, não importa se suas notas são boas ou não na
1084
matéria” (id. p. 2). Bernardo é incisivo ao explicar tais reações, simplesmente “Porque
escrever definitivamente não é fácil, expondo-nos no momento mesmo de fazê-lo” (id.
ib.).
No mesmo sentido, Bernardo (2010, p. 1) afirmando que “o medo maior é de
nos entregarmos e nos deixarmos sem proteção, sem máscaras, desnudos, livres”.
Quando escrevemos deixamos a nossa marca, a nossa personalidade, uma palavra em
lugar de outra, isso pode dizer muito sobre nós. E mais: o que escrevemos pode ser
lido, relido, analisado, estudado, interpolado, enfim, um universo infinito de
possibilidades que nos exporá para o mundo, nos descortinará diante dos outros.
Enquanto professoras a cobrança da escrita perfeita é ainda maior. Palavras
ditas, o vento leva. E quando alguém as usa contra nós, muitas vezes podemos e o
fazemos, argumentamos que não era bem aquilo que pretendíamos dizer. Mas ao
escrever, a prova está gravada, presa no papel, não tem como renegar, está ali
provado, escrito.
Para avançar na questão, nos apropriamos do questionamento de Kramer
(2001, p. 103): “É possível tornarmos nossos alunos pessoas que leem e escrevem se
nós mesmos, professores, não temos sido leitores e temos medo de escrever?”. Ao
mencionar sua pesquisa “Cultura, modernidade e linguagem”, na qual investigou o que
leem e escrevem os professores, a autora afirma que conheceu “histórias de
desprazer, indisposição, obrigatoriedade e vontade de não ler”, depoimentos de
professoras com “pavor e vergonha de escrever seus relatórios escolares”. Mais uma
vez, deparamo-nos com a relação restrita do professor com a escrita, possivelmente
adquirida no contexto escolar de sua infância e adolescência.
Bonh (2003, p. 83) discute em sua pesquisa que o professor “não se considera
escritor e entende que não forma alunos escritores”. No entanto, sente-se angustiado
com essa situação e, muitas vezes, incapaz de solucioná-la. Percebemos assim a
extensão do problema das alunas PARFOR/UENF em sua distante relação com a
escrita, pois, como seus alunos, também partilham do medo de escrever que,
provavelmente, originou-se em sua formação na educação básica. E mais, não está
sendo resolvido em sua primeira formação superior, uma vez que, ressalta Bohn
(ibdem, p. 81), não é de se estranhar que “alunos universitários, profissionais liberais,
1085
pós-graduandos, quando confrontados com a produção textual, entram em pânico”.
Pânico este, provavelmente, oriundo dos modelos conservadores de ensino da escrita,
nos quais não se permite errar na ortografia ou na concordância, por exemplo.
Dentre as vinte e seis professoras-alunas pesquisadas, vinte e duas (84,6%)
explicitaram algum sentimento negativo em sua relação com a escrita.
Entretanto, escrever para si foi mencionado por 50% delas como algo mais fácil,
que lhes dá prazer ou lhes permite “desabafar” ideias e sentimentos. É assim que o
medo e o fascínio, como também a recusa e o desejo, deixam à mostra alguns dos
paradoxos exercidos pela escrita.
A partir desse ponto, a pesquisa de Bohn (2004) foi escolhida para finalizar a
discussão sobre o medo de escrever, considerando que o autor reúne todos os
elementos até agora descritos no sentido de explicar a dinâmica no interior da escola
que leva ao medo de escrever em qualquer nível de escolaridade, e mais, apresenta
pistas que remetem à formação universitária, na perpetuação desses medos.
1086
Mas, se a relação autor/obra publicada, tem referência no século XVII, esta é
apenas uma parte da história dos usos da palavra autor ligada à produção textual.
Considerando que, entre o fim da Idade Média e o século XVIII, houve um imenso
trabalho de interessados em organizar a progressiva multiplicação de textos de livros
manuscritos e impressos colocados em circulação, o resultado de tantas operações de
arrolar os títulos, classificar as obras, reconhecer textos, foi o fato de ter tornado
“possível o ordenamento do mundo do escrito”, conforme assinala Chartier (1998, p.
7).
É nesse momento da história que a noção de autor se expande como princípio
fundamental ligado à produção dos textos. Para Chartier (1998, p. 7): “o sonho de uma
biblioteca universal, real ou imaterial, contendo todas as obras já escritas, a
emergência de uma nova definição do livro, associando indissoluvelmente um objeto,
um texto e um autor constituem algumas das invenções que, desde Gutenberg,
transformaram as relações com os textos”.
Mas, Chartier pergunta se a relação autor/obra publicada, observada no século
XVII, seria a mais antiga. E, citando trabalhos do final do século XVI, Chartier (id. p. 46)
nos informa que nesse período a noção de autor não está necessariamente ligada
apenas à publicação impressa, mas também aos manuscritos. Nesse sentido, o
primeiro critério de classificação das obras é o da ordem alfabética dos primeiros
nomes dos autores e o segundo é instituir a biografia do autor como referência
fundamental da escrita, como podemos observar a seguir:
1087
ainda manuscritas quando da morte de seu verdadeiro autor”, especifica: “Visto que já
falei muito das obras daqueles que ainda não estão em evidência”. Nesse sentido,
Chartier (id.) conclui: “No fim do século XVI, na França, se a categoria autor constitui o
princípio fundamental da classificação do discurso, ela não pressupõe
obrigatoriamente a sua “evidência”, quer dizer, a sua existência impressa”.
O CONCEITO DE FUNÇÃO-AUTOR
137
Este artigo foi publicado em Discurso e Leitura, em 1988.
1088
Porém, em nota de rodapé, vinculada à citação que fez do princípio formulado
por Foucault, Orlandi (1988, p. 77), acrescenta o detalhe que os diferencia:
1089
Em meus trabalhos tenho ressignificado a noção de autoria e
procurado deslocar também a de comentários/versões que não se
limita apenas a uma questão formal, de repetição, mas de
formulação, tendo a ver com a função-autoria tal como a concebo.
Na função-autor efetiva do sujeito não reformula apenas em um
sentido superficial, ele entra na relação com o corpo do discurso,
com o acesso ao seu acontecimento. Ele desliza, produz efeitos
metafóricos, faz funcionar sua memória discursiva (Orlandi, 2008, p.
4).
Dessa forma, Orlandi (id., p. 82) conclui que a escola, como lugar de reflexão, é
um lugar necessário para a elaboração da experiência de autoria, na relação com a
linguagem. Embora não é suficiente, tendo em vista que a relação do aluno com o
mundo fora da escola também possibilita a experiência da autoria. De toda forma, a
escola.
1091
privilegiado de formação e autoformação, apontado para uma nova epistemologia de
formação.
1092
computador em casa, 93% possuem internet e e-mail, mas apenas 36% responderam
aos e-mails enviados pela sondagem, as outras precisavam aguardar a disponibilidade
de outra pessoa, geralmente os filhos, para respondê-los.
Observa-se que existe uma gama de profissionais da educação, principalmente
professores, que não aceitam as novas tecnologias como instrumento transformador
da sua prática pedagógica, entretanto não duvidam de seus benefícios, nem de que
representam uma transformação na sociedade, concordando paradoxalmente com o
que afirma Souza (2009, p. 10):
CONCLUSÕES
A partir das análises realizadas pode-se concluir que as alunas não tinham
despertado em si o desejo da escrita, como parte integrante da produção textual. E
percebemos também uma relação negativa com a escrita que interferia na
comunicação, em expressar-se e comunicar-se com destreza, principalmente através
da escrita.
O principal desafio que o professor encontra hoje é o de descobrir novas
formas de ensinar, explorando os recursos da comunicação para motivar o aluno à
escrita, apontando as diferenças entre as várias formas de narrar e escrever um texto,
explicando a finalidade e a utilidade da escrita, uma vez que para utilizá-las, os
usuários precisam ler e escrever de maneira segura.
Consideramos necessário para a formação pedagógica das alunas, postular a
centralidade da escrita como ponto de convergência interdisciplinar e epistemológico,
pelo entendimento da escrita como direito social, direito de todos de aprendê-la em
1093
seus usos e práticas sociais numa relação amigável, não submissa, com o ato de
escrever.
Destacamos também a necessidade de estudos futuros em relação à
problemática do medo de escrever entre docentes e durante a formação de
professores para os anos iniciais principalmente.
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1095
DESMUNDO, DE ANA MIRANDA: A LINGUAGEM LITERÁRIA E A RECONSTRUÇÃO
FICCIONAL DA HISTÓRIA DO BRASIL COLONIAL POR UM OLHAR FEMININO
1096
Paradoxalmente, a incomensurabilidade da ideia de texto e produção literária
se choca com a ideia de originalidade do processo criativo, por estar embutida na
pluralidade perceptiva que a palavra literária conserva e dispõe. Entretanto, a
literatura não tem nenhuma obrigação, a partir do ponto de vista que tomamos, com o
real. Ela apenas o simula, ou simula a experiência por meio da linguagem literária.
Assim, essa contraversão em torno do emprego artístico da palavra e das questões de
originalidade criativa, resulta, para nós, em virtualidades linguísticas e em
possibilidades de ser ver na linguagem literária os rostos que ela veio a desejar, bem
como os diferenciados diálogos que ela experimentou no seu processo de criação.
Estas são, para nós, percepções que se mesclam e não que se excluem.
A literatura transforma e intensifica a linguagem comum, afastando-as
sistematicamente da cotidiana. Assim como as demais acepções de linguagem
(técnica, inspirada, emotiva, expressiva, entre outras), possui raiz comum à língua
comum, terra-mãe de todas elas. Todavia, não é e não pode ser uma simples
depuração da linguagem utilitária. Ao transpor o mundo utilitário para o mundo da
representação, a obra literária despoja-o de sua contingência e torna-o, então,
profunda e extremamente significativo.
Portanto, a especificidade da linguagem literária procede da língua comum em
termos de potenciação. De acordo com Alonso Schökel,
Nesse sentido, Roman Jakobson, citado por Schökel (1986), comenta que a
linguagem literária procura ir além do discurso do ornato retórico. Ela não é um
1097
complemento deste, “[...] mas uma reavaliação total do discurso e de todos os seus
diversos componentes” (p. 110).
A linguagem literária é, para Schökel (1986), uma estrutura múltipla. Isso
significa que possui diversos planos que podem se corresponder harmoniosamente ou
então se contrapor em assonância ou dissonância: o plano sonoro, com inúmeros e
múltiplos valores expressivos estritamente ligados ao sentido – sem contar o sopro de
sensibilidade que os permeia; o plano rítmico em que se manifestam a flexibilidade e a
emoção; o plano da significação com seus círculos concêntricos de conotações e de
ressonâncias que a combinação pode intensificar; o plano das imagens enquanto
descoberta e manifestação das analogias do ser; o plano das formas parciais de
desenvolvimento, herdadas, renovadas e inovadas; o plano das formas totais que
denominamos gêneros; e o plano das ideias, pensamento e concepções.
O processo de escrita literária, a nosso parecer, singulariza relações e processos
de criação frente às demais aplicações e usos da linguagem comum. Nesta trama
verbal, tornam-se presentes e manifestos, o intelectual, o imaginativo e o emotivo,
que conjuntamente com as três funções da linguagem, compactuam na obra.
Decorre daí o aspecto da pluralidade que se assume dentro da obra literária por
meio de sua linguagem e sua especificidade, uma vez que não é possível esgotar a
percepção e a análise de uma obra apenas por um aspecto, principalmente no que
tange às questões de representação, já que esta mesma pluralidade admite graus.
Sua tessitura orgânica, ritmo e ressonância superam empregos usuais. Trata-se,
portanto, de um tipo de linguagem que chama atenção sobre si mesma, enquanto que
exibe sua existência material face aos usos corriqueiros.
Considerando já ser observado que a linguagem poética sempre foi distinta da
linguagem de uso comum, o estudioso Alonso Schökel (1986) considera que o escrever
contemporâneo apresenta relações entre temas e motivos às vezes mais contrapostos
que justapostos, gerando no leitor uma impressão de anormalidade, surpresa,
estranheza, enfim, categorias emergentes desta busca pela palavra rica em matizes –
fenômeno que causa tanta impopularidade às poéticas moderna e pós-moderna, como
afirma José Ortega y Gasset (2005) em A Desumanização da Arte.
1098
Portanto, não devemos considerar a linguagem poética como pedra inerte,
aprisionadora do sentido, mas algo que colabora intimamente com o autor e que vai
adquirindo o entendimento do leitor. A imago não está aprisionada na palavra e esta
não a torna enrijecida. Ao contrário, a palavra poética evoca significações, imagens,
matizes que tornam a expressão poética suave e fluida.
Embora a transferência de atenção para a realidade material do texto seja uma
característica dos estudos formalistas russos, a aplicação do conceito de linguagem
literária como uma reunião de “artifícios” relacionados entre si, dispostos sobre
funções dentro de um sistema textual que incluem som, ritmo, rimas, métrica, sintaxe,
imagens e demais técnicas, contribuiu para o alavancamento da tomada de
compreensão de palavra literária fora da ideia de “automatização”.
Entendendo a especificidade da linguagem literária como aquilo que a distingue
de outras formas do discurso, pelo fato de “deformar” a língua comum de várias
maneiras, os estudos formalistas começavam a perceber que, sob recursos ou
“artifícios” literários, a linguagem comum era intensificada, ora expandida, ora
condensada; torcida; reduzida; ampliada ou invertida.
Este efeito de estranhamento gerado, observado no emprego artístico da
palavra sublinhava, a nosso parecer, o início das reflexões ou da tomada de
consciência sobre a fala cotidiana, das nossas apreensões e reações mediante a nossa
realidade e ao nosso tempo, que podem torná-las apagadas, embotadas ou mesmo
automatizadas.
O estudo da especificidade da linguagem literária assume, aqui, propositalidade
a partir do momento em que nos chama à consciência dramática dessa mesma
linguagem. Ele renova, modifica e amplia nossas relações habituais, tornando nosso
objeto mais perceptível. A lida com uma linguagem de emprego diferenciado,
engenhoso, encerra uma autoconsciência sobre o intensificado em relação ao usual.
1099
isso, Marinho (2008), considera que, a partir do momento em que a História
abandonou uma posição positivista, de verdade única e totalizante, a Literatura
percebeu “que poderia explorar os interstícios silenciados, os segredos escondidos,
que lhe acenavam em todas as palavras não ditas e situações não esclarecidas”
(MACHADO, 2008).
A Literatura adentra espaço enquanto a História passa a ser então, repensada
enquanto criação humana, com estruturas e práticas sociais que podem ser
compreendidas como textos sociais, à medida que todo acesso ao passado se dá via
texto.
Nesta reelaboração, os narradores surgem de maneiras extremamente
múltiplas e complexas dentro de um mundo que não pode mais ser visto unicamente
por uma perspectiva.
Corroborando com esta reorientação dos estudos no exame do diálogo em
questão, Marinho (2008) alude a um reempenhamento da escrita, dada a
complexibilidade da natureza humana diante a construção e o resgate da memória
pela transcrição ficcional da história.
Este reeempenhamento da escrita consiste numa ruptura com peso dos relatos
históricos de que temos conhecimento enquanto nossos próprios documentos ou
monumentos, condicionantes da nossa visão de passado e da consequente memória
de que dele possamos ter ou fazer.
Já na década de 70, Rayden White, ocupado com o estudo da influência do
texto ficcional nas narrativas históricas do século XIX, observara que a narratividade
ficcional se constituía uma via de mão dupla, já que esta, tanto poderia utilizar
informações recolhidas no campo da história, quanto a história também poderia se
servir de seus recursos de escrita.
Os estudos da época, ao revelarem que os textos históricos eram narrativas,
possibilitaram uma série de conclusões, dentre elas, a de que os historiadores
constroem uma versão para o passado, ou seja, a história é vista enquanto uma
construção da memória.
1100
Pode-se, desta maneira, aproximar historiadores e ficcionistas, na medida em
que ambos constroem em seus textos uma versão ou uma possível história para um
momento determinado.
A narratividade que une os discursos históricos e literários deixa claro que a
leitura do mundo, dos eventos e das pessoas, seja histórica ou ficcional, configura-se
sempre como uma tomada de posição (entenda-se aqui, como manipulação) e de uma
codificação que faz uso de uma “linguagem comum [que] tem as suas próprias formas
de determinismo terminológico, representadas pelas figuras de linguagem sem as
quais o discurso em si é impossível” (WHITE, 2001, p.151).
O historiador vê-se compelido a explicar os acontecimentos que registra, a
partir do momento em que o que busca descrever é a interpretação de um dado fato
histórico, muito embora esteja cerceado pelo dever de ater-se única e exclusivamente
ao fato que relata. Contudo, como já perscrutara White (2001), os recursos de que ele
dispõe não o auxiliam nesta tarefa, pois “nenhum escritor pode representar algo vivo
se evita completamente os elementos acidentais” como afirma Gerog Lukács (1968). Já
o ficcionista se satisfaz plenamente neste ponto, pois está desobrigado à apreensão do
real, podendo, livremente, por sua interpretação, resgatar e interligar o passado ao
presente ao passo que convoca o futuro a partir das potencialidades que o ato literário
lhe oferece.
Assim, para Hayden White, interessado em analisar como a os discursos
históricos e literários dialogam:
1101
contemporaneidade que percebemos as narrativas como um possível lócus de reflexão
do diálogo em questão, operante na obra.
Ao explorar lacunas do discurso histórico através da potencialidade permitida
pelo literário, sob a ótica do tempo presente, a autora confecciona um enredo com
fortes amarras, que revelam pesquisa comprometida e empenhada na produção do
trabalho. Através da leitura do romance é possível a identificação de elementos
textuais que implicam na revisão das narrativas que construíram (e continuam
construindo) a identidade nacional como o trecho que segue, da carta de Manoel da
Nóbrega a El-Rei D. João, datada de 1552138:
138
NÓBREGA, Manoel. Cartas Jesuíticas I - Cartas do Brasil (1549-1560). Belo Horizonte: Editora Itatiaia,
1988.
1102
nossa fortuna, ocupando-os no sentimento das coisas que nos mais
doíam, numa quietação de pouco sono e medo das nossas próprias
imaginações, as quais nos faziam desejar grandemente a chegada da
manhã, porque tudo quanto podíamos estender aos olhos era a
pequena ordem com que a desventura nos tinha cortado a vida
(MIRANDA, 1996, p. 21).
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1104
LITERATURA INFANTOJUVENIL, VISUALIDADES E LINKS: INTERAÇÕES E LEITURAS
1105
publicações literárias para crianças e jovens139 tenham primado por ilustrações de
qualidade, visando, assim, garantir a preferência do público consumidor, ampliando,
por sua vez, o mercado para designers, ilustradores e outros profissionais do mercado
editorial.
Essa literatura, apoiada em vários recursos da linguagem visual e no contexto
da hipermídia, apresenta-se e se propõe como lugar criativo de manifestação da
experiência das imagens ou como ponto de fricção e de interpretação de linguagens.
Ao considerar esses olhares, o jogo dos intertextos e de links em algumas tramas e
obras, essa comunicação oral pretende analisar o livro infantojuvenil e a ilustração
como corpus e leitura estética e visual.
O universo do texto literário para criança e jovens, principalmente a partir da
década de 90, recebeu uma migração de artistas plásticos que concebe o objeto livro
de outra maneira; o objeto livro apresenta-se no jogo e concentração de linguagem de
natureza vária e variada. Ele perde, definitivamente, o estatuto de mero instrumento
decorativo ou puramente literal. Integram-se ao livro, os avanços tecnológicos e a
articulação com os vários ambientes midiáticos, fortalecendo o intercambio de
culturas, saberes e textos, reconhecendo o perfil do leitor do terceiro milênio. Nesse
contexto, a hibridização de códigos, linguagens e mídias - suscita novo leitor e outra
interatividade com o design digital. Dessas confluências de mídias e hibridização das
esferas tecnológicas, emerge o dinâmico universo hipermidiático.
Essas obras solicitam, de algum modo, novos paradigmas de pensar, agir e
sentir ou ensinar esse novo modo de leitura. A estrutura multilinear e multisequencial
de suas características requerem um leitor/receptor capaz de interagir, por meio de
escolhas e percepção astuta suas descobertas, enredos, objetivos.
Ao acompanhar esse contexto multifacetado, fluido e não sequencial, Abrindo
Caminho, de Ana Maria Machado (2004), Cantiga (2014), de Blexbolex - pseudônimo
de Bernard Granger, Abra este pequeno livro (2013), de Jesse Klausmeier e Alice Viaja
nas Histórias (2007), de Gianne Rodari exploram as formas tradicionais de som,
139
Ler melhor a esse respeito o livro: SERRA, Elizabeth Org. A arte de ilustrar livros para crianças e
jovens no Brasil. Fundação Nacional do Livro infantil e juvenil. Rio de Janeiro: FNLIJ, 2013.
1106
imagem e escrita que se metamorforseiam, representando uma espécie de cartografia
através de elementos-chave ou links (nexos associativos).
Com o intuito de sugerir essa cartografia de certos sistemas visuais com a
aparente falta de arranjo sistemático, em que, todavia, mantêm coerência e coesão
dentro de uma dialética da desordem, recorre-se às contribuições teóricas do
hipertexto140. Essas contribuições disponibilizam novas possibilidades de leitura ao
incorporar em sua dinâmica o modo fragmentado e fluido com que a memória opera,
pois ele “[...] não é feito para ser lido do começo ao fim, mas sim através de buscas,
descobertas e escolhas”. (SANTAELLA, 2007ª, p. 308) Assim, “[...] permite ao leitor
abrir janelas e mais janelas no texto, promovendo um encadeamento com outros
textos e contextos, sem seguir necessariamente as trilhas já traçadas.” (WALTY, 2006,
p. 117)
Acompanhando o formato hipertextual, essas obras estão sujeitas a volatilizam-
se, seguindo o curso de um rizoma, o qual imbrica em uma cadeia de caminhos
formada por vários blocos interdependentes que permite redescobrir a autonomia e a
importância das partes. Logo, tal multiplicidade dota o texto/livro de um excesso de
entradas e saídas que pode transbordar por uma linha de fuga e ultrapassar o livro.
O objetivo dessa leitura não é apresentar questões pertinentes à natureza e às
tipologias da imagem, nem tampouco discutir o que está subjacente aos mecanismos
editoriais no que concerne à circulação do livro infantojuvenil, mas mostrar algumas
modalidades literárias em que a imagem visual se faz decisiva no processo de
motivação de transposição para o nível do abstrato e convencional do código escrito
ou virtual, fortalecendo, por outro lado, uma expressividade peculiar e representativa
da literatura infantojuvenil com a tecnologia e com a versatilidade estética da leitura
pela ilustração.
A partir dessas premissas, torna-se fundamental destacar que, nesse fluxo de
linguagens, o livro impresso, também, é afetado significativamente pela cibercultura,
140
Hipertexto é um conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem ser palavras, imagens, gráficos
ou parte de gráficos, sequências sonoras, documentos complexos que podem eles mesmos ser
hipertextos. [...] Navegar em um hipertexto significa portanto desenhar um percurso em uma rede que
pode ser tão complicada quanto possível. Porque cada nó pode, por sua vez, conter uma rede inteira.
(LÉVY, 1993: 33)
1107
constituindo-se, assim, em um campo fértil de experimentações literárias,
especialmente, para crianças e jovens. Ou seja, nessas obras:
141
O flâneur é um observador que se estimula em fixar residência na multiplicidade, onde tudo se move,
infinito e evanescente. É um personagem errante e misterioso que teve origem na obra de Baudelaire. O
flâneur é consciente, livre, preserva a própria identidade e emerge em tempos diversos, ele é capaz de
1108
Para fundamentar o conceito de leitura que a obra amplia, Lucia Santaella,
considera e retoma intertextualmente a expressão visual literacy (letramento visual ou
alfabetização visual). A partir dessa premissa, para se ler uma imagem, “deveríamos
ser capazes de desmembrá-la parte por parte, como se fosse algo escrito, de lê-la em
voz alta, de decodificá-la, como se decifra um código, e de traduzi-la, do mesmo modo
que traduzimos textos de uma língua para outra" (2012, p.12).
Ressignificada, a alfabetização visual, nesse caso, significa aprender a ler
imagens, desenvolver a observação de seus aspectos e traços constitutivos, detectar o
que se produz no interior da própria imagem, sem, no entanto, fugir para outros
pensamentos que nada têm a ver com ela. Ou seja, nessa perspectiva, significa adquirir
os conhecimentos correspondentes e desenvolver a sensibilidade necessária para
saber como as imagens se apresentam em suas diversas facetas e modos específicos.
Na rubrica O que é imagem, Lucia Santaella discute o conceito de imagem
retomando princípio platônico: existem imagens naturais, como as refletidas na água e
existem imagens artificiais, como as produzidas, criadas ou recriadas pelo homem.
Com base nessa distinção, a estudiosa instaura uma breve discussão entre os ideais
naturalistas e os convencionalistas sobre a imagem. Porém, os dois vieses possuem o
caráter de duplo, inerente e decorrente da similaridade entre imagem e o que dela
pode ser representada.
O terceiro e quarto capítulo da obra exploram as imagens que articulam e
integram, em sua composição, a palavra e a imagem e as suas relações diversas na
construção de sentidos. Na rubrica Imagens nos livros ilustrados explora as
proximidades entre imagem e texto, considerando três tipologias de leitura como
forma de leitura dos enunciados verbo-visuais: a relações sintática, semânticas e
pragmáticas.
O quinto e último capítulo trata das rubricas Imagens no design e A imagem no
contexto da hipermídia. Esse último olhar, em consonância com essa discussão,
conceitua e apresenta a hipermídia como a nova configuração de linguagens humanas,
constituída pela fusão do hipertexto com a multimídia. O hipertexto caracteriza-se,
retornar e remontar o passado histórico a partir do presente, apontando para um futuro cheio de
possibilidades.
1109
segundo Santaella, “por nós ou pontos de intersecção que, ao serem clicados,
remetem a conexões não lineares, compondo um percurso de leitura que salta de um
ponto a outro de mensagens contidas em documentos distintos, mas interconectados”
(2012, p.177). Na conexão dos hipertextos com documentos distintos e
multimidiáticos (fotos, músicas, vídeos etc), inaugura-se uma nova maneira de formar,
configurar e disseminar informações: a hipermídia.
Leitura de imagens, em seu conjunto, questiona ou desconstrói opiniões, ideias
e concepções que, muitas vezes, são instituídas como naturais, necessárias,
consensuais, para a leitura ou trabalho pedagógico com a imagem. Nesse sentido, a
obra traz importantes reflexões e críticas sobre ideias estabelecidas pelo senso
comum.
Discutir as condições atuais de produção de leitura, numa interseção entre o
livro literário e as diversas mídias, torna-se fundamental para quem quer chegar perto
dos sentidos da leitura ou da versatilidade que ela propõe ou instaura. Hoje, mais do
que nunca, o cenário dos estudos sobre a leitura, cresce a preocupação com a
multimodalidade, ou seja, com os espaços multimodais, em que os sentidos são
construídos a partir de recursos como gestos, olhares, postura e disposição de objetos
visuais, conceito que vem produzindo desdobramentos no campo dos estudos sobre a
literatura para crianças e jovens.
Texto, imagem e som já não são o que costumavam ser. Deslizam uns
para os outros, sobrepõem-se, complementam-se, confraternizam-
se, unem-se, separam-se e entrecuzam-se. Tornam-se leves,
perambulantes. Perderam a estabilidade que a força de gravidade
dos suportes fixos lhes emprestavam. Viraram aparições, presenças
fugidias que emergem e desaparecem ao toque delicado da pontinha
do dedo em minúsculas teclas (SANTAELLA, 2007, p.27).
1110
aberta do que até então se considera literatura, para não se correr o risco de alcançar
a complexidade desse tema. Para discutir o que destacamos como versatilidade do
leitor, nesse texto, trazemos exemplos de algumas reflexões através das obras-recorte.
Em Abrindo Caminho, de Ana Maria Machado e ilustrado por Elisabeth Teixeira,
acompanham-se construções circulares, formas fragmentadas, rizomáticas e
labirínticas, que instigam visualmente jogo de retomadas, e interatividade com o leitor,
segundo a teoria de Santaella (2007a).
1111
Figura 2: Capa de Cantiga (2014), de Blexbolex.
1112
plásticos, pesa e mede as palavras, justapõe o presente e o passado, interroga
realidades aparentemente óbvias, para representar nas suas instigantes imagens, o
fluxo e refluxo da condição humana e das imagens do mundo em links.
Definitivamente, Cantiga funciona como um elogio aos olhos, ao ato de ouvir e contar
histórias, como, também, ao mundo da arte.
Abra este pequeno livro (2013) 142, de Jesse Klausmeier, com ilustrações de Suzy
Lee revela, num primeiro lance de olhar, o jogo metalinguístico do processo da leitura
ou do próprio ato de brincar com o livro. Jogo relacional, além de apelativo pelo título
que nomeia a obra, a brincadeira propõe equações, referências recíprocas de um
sistema de signos e de linguagem.
142
Livro que recebeu o prêmio da FNLIJ Monteiro Lobato como melhor tradução/adaptação para criança
em 2014.
1113
Espécie de elogio ao livro e à leitura, Abra este pequeno livro - que não tem
nada de pequeno - é, também, metáfora e estratégia da leitura como jogo da memória
ou identidade individual e coletiva, bem como baú que guarda alguma visão de
mundo, impressões visuais e hipertextuais, relações, descobertas, saberes, memória
poética ou links visuais.
Livros dentro do livro, a obra sugere que um personagem abra um novo livro, e
o leitor, por sua vez, também, o acompanhe, descobrindo outro livro, e assim,
sucessivamente, até o infinito de livros e leituras, descobertas e horizontes. O livro
como um todo, é a arte e arte de inventar, de fingir, de enganar e ao mesmo tempo
mostrar o seu engano. Essas atitudes são vistas em livros que se repetem na ilustração
e na própria estrutura da obra, na leitura que se propõe e no ato de folhear, nas
bordas das páginas que escondem e prolongam, visualmente, um quantitativo de
páginas que não existem de fato, no gesto de abrir e fechar, na multiplicidade poética
de livros e leituras nas mãos dos personagens e na mão do próprio leitor. É, também,
uma linguagem instauradora de realidades e exploradora de sentidos, a qual possui
uma capacidade de gerar, tanto na forma impressa, como poética, inúmeras
significações a cada nova leitura ou olhar, porque a leitura é, a partir daí, uma
estratégia visual/hipertextual.
Semelhantes aos hipertextos ou acompanhando essas características, os livros
que se abrem dentro de um livro maior, com capa dura e em tons de roxo e lilás,
trazem formatos inovadores, proporcionando uma experiência de leitura estética,
criativa, lúdica e interativa. Dentro de cada livro, escondem-se livros menores, até
ficarem menores ainda, tão menor do que o dedo da giganta da história, que precisará
da delicadeza do ato de virar a página. Suzy Lee e Jesse Klausmeier criam, ludicamente,
assim, livros dentro de livros que merecem serem lidos em suas individualidades,
delicadezas e gesto específico. Leitura e sentidos, os sentidos da leitura, ou mesmo, a
leitura pelos sentidos: o ver, o ler, o sentir, o manusear.
1114
Figura 5: Capa do livro Alice Viaja nas Histórias (2007), de Gianni Rodari.
Como quem acompanha o gesto dos links, quem folheia Alice Viaja nas
Histórias (2007), do italiano Gianni Rodari e com ilustrações de Anna Laura Cantone
não tem como ficar encantado com as viagens, a memória de leitura e o deleite visual.
Qualquer leitor atento experimentará os links como estratégias de retomadas e
memória, tanto visual como hipertextual.
Alice Viaja nas histórias cresce, alonga-se, como os tempos e links dos contos
de fadas pelos séculos a fora, em profusão: palavras, pensamentos, vontades,
acúmulo, leituras infinitas, páginas e paisagens. Uma biblioteca de Alice? E o livro
multiplica-se, porque ele se alastra, e ri: enquanto houver histórias e livros, o leitor
estará tomado, possuído dos pequenos recuos, dos adjetivos cheios, dos vocábulos
encharcados, cobrindo, com folhas e leituras, as páginas. O desenho do rosto de Alice
permanecerá, tal como comprovam os retratos, praticamente o mesmo. Por isso, ela
não morre e atravessa séculos e linguagens.
O livro inteiro é um elogio à leitura, à literatura ou a certa hipertextualidade
que faz do enredo uma rede de citações. É uma memória, trabalho de retomadas que
não apenas narram; recolhem, imprimem, espalham, retém, recriam. Costuras,
lembranças, sensações. Histórias que correm de dentro para fora, para cima e para
baixo, para lá e para cá. Agita mil fragmentos díspares, ora iluminados, ora em sombra,
pendentes, oscilantes, errantes.
1115
Por meio de visualidades, exercício interativo de leitura e jogo, foi possível
imergir nas malhas ou redes textuais que compõem os livros Abrindo Caminho,
Cantiga, Abra este pequeno livro e Alice viaja nas histórias revisitando-os, olhando-os
(sem pressa alguma), percebendo outros textos, livros ou imagens de livros que eles
guardam ou aludem. Essa navegação visual e impressa pelas páginas e nexos reforçam
e estabelecem, de alguma forma, certa trama de linguagens, guiada pelas percepções
dos leitores; possibilitando compreender que cada itinerário é uma descoberta nova
(de caminhos que se bifurcam, como quis Borges) e que nunca se está perdido na
profusão de fios (ou rede que eles retomam, reforçam, reconstituem, refazem,
reescrevem, recontextualizam visualmente).
Essa atividade leitura e versatilidade que ora pausa em uma página,
provisoriamente, à espera de novas descobertas ou detalhes, possibilitaram a
amplidão de um olhar para além dos horizontes nacionais, em um encontro com o
outro, com muitos, com traços e descobertas. Do veio teórico utilizado para perceber
essa intricada rede de fios múltiplos da ilustração, emergem novas leituras e
visualidades, além de um novo perfil do leitor cognitivo, como via de acesso e
maneiras de entender as interfaces criadas, bem como proporcionar a percepção dos
complexos enlaces da cultura e da língua.
Os livros, utilizados como recortes para esta leitura, em suas diversas
configurações e linguagens são, nesse sentido, exemplos de sugestões visuais ou
impressas de hipertextos, pois se constituem de centros e hierarquias provisórios que
se estabelecem na interação do leitor com o tecido texto-visual por meio de uma
produção em rede multilinear, certo mapa de linhas que remete ao mundo, à cultura e
à leitura. Eles, em sua potencialidade ou versatilidade de leitura, abarcam, pelo jogo
interativo e visual, o que Lúcia Santaella reforça como novas configurações da imagem
em um novo ambiente altamente híbrido, o da hipermídia.
Clicada a palavra ou a imagem, ela pode nos levar a outros cantos e esquinas da
rede e nelas podemos encontrar outros textos explicativos ou imagens ilustrativas. É
difícil prever o que vamos encontrar. De todo modo, os livros em questão sugerem
uma leitura em rede, inteiramente feita de conexões e chegar a elas depende do
usuário, de suas visualidades, leituras e interações. Por meio de suas ações interativas,
1116
fragmentos de ilustrações, partes de algum desenho vão de juntando a outras partes
de outra ilustração, transmutando-se em intocáveis versões que brotam, na medida
em que o receptor/leitor se coloca em posição de coautor desse processo. Isso só é
possível devido à estrutura de caráter hiper, não sequencial, multidimensional, que dá
suporte às opções daquele que Lucia Santaella consagrou como “leitor imersivo”.
Esse leitor, por sua vez, e a partir dessas reflexões estéticas e pedagógicas, deve
perceber os processos dinâmicos de produção e recepção (hiper)textual, os quais
pressupõem a desconstrução de lugares fixos, uma vez que ele torna-se, também,
coautor dos sentidos, da interação do movimento alinear, contínuo, multidirecional
das tramas e artimanhas que a obra sugere. Em mais de um livro do recorte estudado,
as ilustrações são integradas à linguagem verbal, a qual, por sua vez, estaria integrada
aos enunciados não verbais (ou visuais) em um procedimento que resultaria em uma
duplicação da leitura.
A literatura infantojuvenil contemporânea seja ela da criação impressa - com os
recursos extremamente visuais e apelativos ou técnicas de designers - seja das tramas
virtuais e labirínticas com seus recursos hipermidiáticos - assume, definitivamente,
novas formas de ler/ver e novas formas de conceber o objeto livro. A abordagem
impresso-virtual trouxe uma nova perspectiva da tecnologia enquanto fonte cultural.
As diversas linguagens utilizadas, sons, movimentos, imagens e, sobretudo, a
interatividade, transformaram a leitura e releitura do conto numa experiência criativa
e pedagógica.
Assim, estudar literatura ou estabelecer novas práticas com o processo de
alfabetização visual e leitura é correlacionar, o tempo todo, diferentes sistemas de
signos. Desse modo, sempre num ambiente descontraído e lúdico, percebemos como a
linguagem das ilustrações e do mundo artístico sofre os efeitos e características de
diferentes códigos, e, por outro lado, como esses efeitos agem sobre eles, o que, de
certa forma, provoca um processo ininterrupto de transformação com o trabalho da
linguagem. Um trabalho que ganha força com os vários recursos tecnológicos.
Enfim, o trabalho lúdico com a leitura e a literatura infantojuvenil de boa
qualidade é o lugar, comprovadamente, de manifestações da linguagem, e, que faz
confluir, além dos diversos códigos e manifestações culturais, um ambiente diverso e
1117
atraente. Além do mais, pela literatura infantojuvenil, a sensibilização artística da
leitura das ilustrações acontece em comum com as mutações do mundo das
linguagens, linguagens pelas quais o concreto histórico fala e relaciona-se
semioticamente.
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1119
VIDAS SECAS: UMA LEITURA HIPER E INTERTEXTUAL
1120
facilitar a leitura e a sua compreensão. É o códice, o precursor do livro no formato que
hoje conhecemos. Tem-se, com esse novo suporte, a possibilidade de se tocar esse
objeto, folheá-lo livremente. Já no século XV, a tecnologia da impressão,
potencializada pela invenção de Gutenberg, colocou o livro ao alcance de um número
extraordinário de pessoas.
Muitas foram, por conseguinte, as transformações ao longo da história que
marcaram a relação entre a escrita/leitura e o escritor/leitor. Agora, em pleno século
XXI, estamos inseridos na era da escrita eletrônica que evidencia uma revolução de
suporte material no qual o hipertexto se destaca.
Muitas são hoje, no campo dos estudos da linguagem, as discussões acerca da
noção e natureza do hipertexto. Constituindo a base de escrita na internet, o
hipertexto configura um processo de leitura/escrita pautado na não linearidade,
permitindo o acesso, através de inúmeros links, a outros textos – verbais ou não
verbais – de maneira instantânea. Blocos de textos estariam conectados entre si e
estruturas agregativas – sons, imagens e palavras – comporiam todo o universo dessa
escrita hipertextual. Dessa forma, em um meio informático, digital, o hipertexto
possibilita o leitor escolher o percurso de leitura que deseja seguir já que o processo
da escrita associado ao da leitura pauta-se não em um trabalho de sucessão, mas de
associação.
O caráter não linear do texto e a ideia de um suporte informático são
comumente atribuídos à noção de hipertexto. Lévy (1996, p. 44), entre outras
concepções, o define
1122
instante da leitura, assemelha-se às recorrências que fazemos aos hipertextos na tela
de um computador, ou seja, da mesma forma como os links em ambiente virtual são
acionados – transportando-nos a inúmeros outros eventos agregativos de som ou
imagens, por exemplo, – a linguagem literária, comportando-se também como um link,
aciona a imaginação e criatividade do leitor. Esse poder têm os textos literários. Na
obra Vidas secas, em particular, observamos tal comportamento. Vejamos:
143
Daqui por diante citaremos trechos de Vidas secas pelas iniciais VS, seguidas da página
correspondente.
1123
Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas
verdes. [...] A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos
galhos pelados da caatinga. [...] Os juazeiros aproximavam-se,
recuaram, sumiram-se. (VS, p. 7).
1124
um som, com a vantagem de que cada leitor estabelecerá relações (representações)
sonoras ímpares e únicas ao passo que, na rede, todos os leitores têm acesso às
mesmas informações hipertextuais pois aqui tudo já está configurado.
Como se vê, o signo lingüístico – através das duas faces que o compõem:
significado e significante – cria outros signos visuais ou sonoros, cria imagens e sons.
Nesse sentido, podemos considerar que a palavra – objeto da literatura – comporta-se
como um link no texto literário, isto é, no ato da leitura, o leitor busca seja na memória
seja nos conhecimentos adquiridos representações ou associações para tudo o que lê.
Esse ato de buscar empreendido pelo leitor compara-se com as conexões que são
realizadas quando um hipertexto informático é acionado.
1125
atualização – é convocado em resposta a um processo oposto: a virtualização.
Procuremos esclarecer esse ponto e, para iniciarmos nossas considerações,
tomaremos a noção de hipertexto em Babo (2004, p. 107):
144
Todo o projeto da obra, desde a sua concepção, caminhou para a hipertextualidade quando
Graciliano Ramos inicia a escrita do texto pelo nono capítulo “Baleia” e não pelo primeiro, o modo
tradicional da construção de uma narrativa.
1126
Arrastaram-se para lá, devagar, sinha Vitória com o filho mais novo
escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio,
cambaio, o aio a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa no
cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho
e a cachorra Baleia iam atrás (VS, p.7).
1127
Mais uma vez a organização interna da obra evidencia o “descentramento da
linearidade” e do “núcleo textual” narrativo (Babo, 2004) visto que se permitem, em
sequência aleatória, leituras variáveis, numa disposição diversa da apresentada pelo
autor.
Nesse sentido, observamos que Graciliano Ramos vale-se da hipertextualidade
para compor toda a arquitetura narrativa em Vidas secas. Essa estrutura fragmentária
se instaura devido à inexistência de transição entre os capítulos que ora focam os
personagens da obra – “Fabiano”, “Sinha Vitória”, “O menino mais novo”, “O menino
mais velho”, “Baleia”, “O soldado amarelo” – ora algumas circunstâncias em que se
encontra toda a família em determinado momento – “Mudança”, “Cadeia”, “Festa”,
“Inverno”, “Contas”, “O mundo coberto de penas” e “Fuga”. Esses capítulos, dessa
forma, constituem quadros, fragmentos da realidade.
Há, nessa estrutura hipertextual de Vidas secas, o que Lévy (1996, p. 16) chama
de virtualização, já que para o filósofo “o virtual é como o complexo problemático, o
nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um
objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução: a
atualização”. O autor ao apresentar uma obra cujo enredo é formado por capítulos
“desmontáveis” cria um “nó” para o leitor, dado que este deve proceder a um ato de
atribuir significado a essa escolha do autor. Partindo do pressuposto de que “um ato
de leitura é uma atualização das significações do texto” (Lévy, 1996, p. 41), o leitor
entende que a independência entre os capítulos de Vidas secas reflete o isolamento
social de todos os membros da família de Fabiano e, por extensão, do povo nordestino
que vive à margem, sofrendo por conta de uma ordem social e econômica injusta, em
nosso país. Assim os capítulos autônomos ou independentes entre si funcionam como
uma espécie de espelho do ilhamento do homem nordestino, impossibilitado de
compreender o mundo em que vive, impossibilitado de interagir com seus pares,
vivendo estanque, à margem da sociedade.145
145
Não se pode pensar que essa sequência descontínua do texto provoque incoerências na obra; ao
contrário, há um todo coeso, uma unidade que resulta do tema tratado e a forma como o autor mescla
os episódios narrados.
1128
Ainda convém lembrar a estrutura circular entre o primeiro e o último capítulos
da obra, que é também uma forma hipertextual de organização da narrativa. E é
também em Lévy (1996, p. 43) que encontramos respaldo em nossa discussão, quando
nos diz: “ler consiste em selecionar, em esquematizar, em construir uma rede de
remissões internas ao texto, em associar a outros dados, em integrar as palavras e as
imagens a uma memória pessoal em construção permanente”. Os capítulos
autônomos e justapostos apresentam uma narrativa determinada por três
movimentos: retirada – período de estabilização (estio) – retirada novamente. A
circularidade desses movimentos é marcada no capítulo inicial e no final.
Há uma convergência temática entre esses capítulos, ambos registram a
mesma cena: a seca expulsando a família de Fabiano, que sai em busca de um local
onde possa encontrar uma condição melhor de vida.
1129
Iriam para diante, alcançariam uma terra desconhecida. Fabiano
estava contente e acreditava nessa terra, porque não sabia como ela
era nem como era. [...] Os meninos em escolas aprendendo coisas
difíceis e necessárias (VS, Capítulo “Fuga”, p. 159).
Muitas obras que nasceram nesse momento histórico estão, por conseguinte,
comprometidas em denunciar uma realidade socioeconômica, desmistificando a
idealização de um país sem problemas, tão proclamada pelo Romantismo. Autores
como José Américo de Almeida e Rachel de Queiroz, entre outros, participaram desse
projeto literário, tendo, inclusive, a seca como motivo literário:
Andavam devagar, olhando para trás, como quem quer voltar. Não
tinham pressa em chegar, porque não sabiam aonde iam. Expulsos do
seu paraíso por espadas de fogo, iam, ao acaso, em descaminhos, no
arrastão dos maus fados.
Fugiam do sol e o sol guiava-os nesse forçado nomadismo (ALMEIDA,
2004, p.8).
1131
O diálogo entre os textos citados é evidente. Como participam da mesma
tendência – a literatura engajada de 30 –, há nas narrativas desses autores citados
uma retomada de tema. O drama vivido pela família de Fabiano em Vidas secas
também é o mesmo vivido pelos personagens de A bagaceira e de O quinze. Inevitável
recorrermos também a Koch (2008, p. 59) para finalizarmos nossas ponderações. Suas
palavras reforçam nossos postulados:
PALAVRAS FINAIS
Estruturada a partir de capítulos narrando episódios independentes, atribuímos
a Vidas secas o caráter de escrita hipertextual, o que faculta ao leitor inúmeras
combinações de sequências de leituras, que a nosso ver são também hipertextuais. O
leitor, portanto, liberta-se da obrigatoriedade do linear, da hierarquia, se é que essa
obrigatoriedade existe.
Cabe ressaltar que não pretendemos abarcar as inúmeras considerações a
respeito do assunto em nossas análises; aliás, esse trabalho seria impossível.
Procuramos, dessa forma, enfatizar em nossas leituras que a hipertextualidade não
habita exclusivamente os meios eletrônicos como o senso comum pode conceber.
Muito mais do que uma realização para suporte dos meios virtuais, ela se manifesta
também em textos impressos, inclusive em obras literárias. Assim, partilhamos com
Lévy (1996, p. 40) a ideia de que “um hipertexto é uma matriz de textos potenciais,
sendo que alguns deles vão se realizar sob o efeito da interação com um usuário”. A
leitura hipertextual de Vidas secas, dessa maneira, além de tornar-se um leque que se
abre para a percepção de inúmeros significados que devem ser atualizados pelo leitor,
possibilita ainda estabelecer um diálogo com outras obras, de diferentes autores.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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VILLAÇA, Nízia. Impresso ou eletrônico?: um trajeto de leitura. Rio de Janeiro:
Mauad, 2002.
1133
GT 09 - Autorregulação da aprendizagem
INTRODUÇÃO
É recorrente nos dias de hoje a discussão acadêmica sobre a qualidade da
aprendizagem em ambiente escolar. Muitos estudos recentes têm apontado que o
processo de ensino-aprendizagem é uma construção que vai além do modelo de ação
do professor como mero transmissor de conhecimento e o aluno como passivo
receptor do saber. A literatura especializada tem mostrado que a autorregulação
contribui para uma aprendizagem eficaz, sendo a autonomia na aprendizagem
geralmente relacionada ao processo de autorregulação.
Segundo Corno (2012), para que os alunos adquiram hábitos de uma
aprendizagem autorregulada, faz-se necessário que a prática de ensino vá
1134
gradativamente mudando o controle da aprendizagem do professor para o próprio
aluno.
Considerando-se a significância do docente frente ao desenvolvimento do
comportamento autorregulado do aluno, busca-se neste artigo relatar algumas
observações decorrentes de um estudo sobre a percepção de alunos do 9º ano do
Ensino Fundamental, acerca do comportamento dos professores em sala de aula,
verificando se essa conduta apresenta características facilitadoras para a
aprendizagem autorregulada dos aprendizes.
A escolha dos alunos do 9º ano do Ensino Fundamental decorreu do fato desses
sujeitos encontrarem-se em pleno desenvolvimento do pensamento formal, o que nos
leva a crer que possuem uma visão mais realística da relação professor X aluno em sala
de aula. Para tanto, foram aplicados questionários a 60 alunos (29 do sexo masculino e
31 do sexo feminino), estando eles com idade entre 13 e 16 anos.
146
Este relato focaliza algumas características da relação professor/aluno referentes às dimensões
cognitiva/metacognitiva e motivacional.
1135
com recuos e avanços sempre diferentes, porque enriquecidos pela experiência
anterior, pelo contexto em que ocorrem, e pelos resultados que vão sendo alcançados.
Alguns teóricos tendem a destacar aspectos distintos da autorregulação, no
entanto Pintrich (2010) afirma que todos corroboram com a ideia de que o estudante
que autorregula sua aprendizagem tende a ter uma participação ativa e construtiva em
relação à construção de significados, adaptando seus pensamentos, sentimentos e
ações de modo a facilitar sua aprendizagem.
Segundo Zimmerman (1986), faz-se necessário que o indivíduo organize e
discrimine seus recursos internos e externos, para que possam ser alcançados os
objetivos propostos em cada tarefa. Para o autor, tanto na aprendizagem escolar ou
em qualquer outra tarefa, a autorregulação abrange as dimensões anteriormente
citadas.
Pintrich (2010) apresenta um modelo que sintetiza as dimensões e fases do
comportamento autorregulado, apresentado a seguir:
Ativação do
valor da
tarefa
Ativação do
interesse
1136
2- Execução: Consciência Consciência Consciência e Monitoran
metacognitiva e e monitorament do
Monitorament monitoramento da monitorame o do esforço, (avaliando)
o cognição nto da do uso do a tarefa e
motivação e tempo e da condições
do afeto necessidade do
de ajuda contexto
Auto-
observação do
comportamen
to
Mudança de Avaliação
escolha do
contexto
Fonte: PINTRICH (2010, p. 454).
1137
autoconhecimento dos processos cognitivos quanto o autocontrole da atividade
cognitiva.
Segundo o modelo de metacognição elaborado por Flavell (1987), o
conhecimento metacognitivo envolve: autoconhecimento da pessoa; da tarefa a ser
realizada; e da estratégia para a realização da tarefa. Para Flavell (1987), o alcance das
metas ou dos objetivos pretendidos decorre desse conhecimento.
Vê-se assim o quão importante é levar os alunos a refletirem sobre suas
limitações e potencialidades, bem como sobre a adequação das estratégias utilizadas
na realização das tarefas. Entretanto, conforme reconhece Eccles e Wigfield (2002), é
necessário que o aprendiz atribua valor ao que faz para que se sinta motivado a agir,
por conseguinte, é importante que o professor explicite a finalidade das tarefas que
solicita, pois sem isto o aprendiz não tem como reconhecer sua importância ou lhe
atribuir valor.
A motivação do sujeito e a clareza dos objetivos a alcançar são fundamentais
para a ocorrência do comportamento metacognitivo. Os objetivos a serem alcançados
a longo prazo podem ser desestimuladores, por conseguinte é importante que se
estabeleça etapas na realização das tarefas (SÁ, 2004), e que os alunos saibam utilizar
estratégias para a manutenção da motivação durante o processo de aprendizagem
(CORNO, 2001).
O monitoramento, possibilitando ao aprendiz refletir acerca da adequação dos
procedimentos utilizados, lhe permite reformular procedimentos ou estratégias
utilizadas, quando percebe que essas não estão sendo eficazes para o alcance dos
objetivos pretendidos ( BROWN, 1978). Ter um comportamento estratégico é saber
usar a técnica autoconsciente da sua finalidade, ou saber quando, onde, e como usá-la
(VEIGA SIMÃO, 2004).
ASPECTOS METODOLÓGICOS
O instrumento aplicado, elaborado segundo a literatura especializada, foi
composto de 31 (trinta e uma) questões assim distribuídas: 13 (treze) perguntas
relacionadas à fase de antecipação ou de antevisão da tarefa; 12 (doze) perguntas
relacionadas à fase de execução e de controle da tarefa; e 6 (seis) perguntas
1138
relacionadas à reflexão ou avaliação após o término da atividade. O questionário foi
aplicado no horário de aula dos alunos. Neste relato discutiremos apenas os resultados
obtidos em decorrência da análise das perguntas que nos pareceram mais
significativas para o tema em pauta. Tais perguntas são de natureza
cognitiva/metacognitiva e motivacional e buscaram verificar:
Se os objetivos da disciplina eram esclarecidos aos alunos pelo professor;
Se os alunos eram incentivados a estabelecer etapas para a realização das
tarefas;
Se antes da realização de cada tarefa, o professor justificava para os alunos a
finalidade de sua execução;
Se havia motivação dos alunos durante a execução da tarefa, e se utilizavam
estratégias para mantê-la;
Se os alunos eram incentivados a monitorar a adequação das estratégias
utilizadas para o alcance do objetivo desejado;
Se os alunos eram incentivados a analisar se caminhavam em direção aos
objetivos pretendidos, e se haveria outra maneira mais eficaz para executar a tarefa
solicitada;
Se os alunos eram capazes de identificar seus pontos fortes, e aqueles que
necessitavam melhorar.
RESULTADOS OBTIDOS
Os resultados relacionados às dimensões cognitiva/metacognitiva e
motivacional, correspondentes a cada fase que integra o ciclo do comportamento
autorregulado, serão apresentados inicialmente em forma gráfica e posteriormente
analisados.
Vejamos inicialmente os resultados das perguntas mencionadas relacionadas à
fase de antecipação de realização da tarefa. Embora tenhamos analisado apenas 3
(três) variáveis do comportamento nesta etapa e nas demais, há outras variáveis
integram cada etapa, além das que focalizamos.
1139
Quadro 2 - Variáveis de natureza cognitiva/metacognitiva, observadas na fase de antecipação
da ação ou fase de planejamento prévio:
1141
Os resultados parecem que estão polarizados, ou seja, não há grande
discrepância entre as respostas dos sujeitos favoráveis ou contrárias à atitude
facilitadora do professor ao comportamento autorregulado do aluno.
Comparando os resultados apresentados no Quadro 3 com os do Quadro 4,
constata-se que os estudantes de ambos os sexos apresentam melhor desempenho
nas variáveis de natureza cognitiva/metacognitiva, e relacionadas à fase que antecipa
a ação (Quadro 3), em comparação ao desempenho das variáveis de monitoramento e
controle relacionadas ao aspecto motivacional e metacognitivo observado na fase da
execução da tarefa (Quadro 4).
Dentre as variáveis observadas nesta fase, a utilização de estratégias de
incentivo à manutenção da motivação, é o aspecto evidenciado como o menos
trabalhado pelos professores.
Segundo a literatura especializada (ZIMMERMAN, 2001), o comportamento
autorregulado utiliza estratégias adequadas durante a realização das tarefas. É
fundamental que o aluno tenha o hábito de utilizar também estratégias para que sua
motivação não diminua durante esta etapa; o professor em sala de aula deve estimula-
lo a refletir e agir nesta direção.
Para Veiga Simão (2002b), os professores podem favorecer o envolvimento dos
estudantes na aprendizagem, conduzindo-os a terem uma atitude mais crítica no que
concerne aos seus próprios métodos de estudo, mesmo sem a presença de um
educador. Neste contexto, ao refletirem se estão no caminho certo para atingirem os
objetivos pretendidos, os alunos passam a conhecer melhor seu aprendizado, podendo
identificar maneiras mais eficazes para melhorarem seus processos de aprendizagem.
Na fase de reflexão ou avaliação final da tarefa, buscou-se verificar se os alunos
eram incentivados a analisar se os objetivos requisitados foram alcançados, se haveria
outras maneiras de se executar a tarefa realizada, e se eles conseguiam identificar seus
pontos fortes e também aqueles que necessitam ser aprimorados. O Quadro 4
apresenta as variáveis observadas na fase de avaliação final da tarefa.
1142
Quadro 4- Variável de natureza cognitiva/metacognitiva, observadas na fase de
reflexão ou de avaliação final da tarefa
- Habitualmente os alunos
são incentivados a
identificar seus pontos
fortes e aqueles que
precisam ser melhorados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1143
A autorregulação da aprendizagem se desenvolve através da interação entre
professores e alunos e entre estes e seus pares. O professor é, talvez, a fonte mais
importante no direcionamento de experiências facilitadoras ao comportamento
autorregulado dos aprendizes. Para que os alunos adquiram hábitos de uma
aprendizagem autorregulada, é importante que a prática de ensino gradativamente
mude o controle da aprendizagem do professor para o próprio aluno (CORNO, 2012).
Percebeu-se, através da análise dos dados que, na percepção dos alunos,
alguns professores desenvolvem práticas facilitadoras para uma aprendizagem
autorregulada. Entretanto, há necessidade de que mais professores se envolvam no
desenvolvimento destas práticas, ensinando estratégias que possam manter a
motivação durante a realização das tarefas, e incentivem com mais frequência os
alunos a refletirem durante a execução das atividades que desenvolvem, e sobre as
formas de melhor alcançarem os objetivos propostos, contribuindo assim para que
esses aprendizes melhorem seus rendimentos escolares.
A autorregulação da aprendizagem pode transformar a educação, uma vez que
colabora na construção de um modelo de aprendizagem mais eficaz. Percebe-se que
muitos professores não desenvolvem estas práticas por não terem uma preparação
prévia para tal, o que nos leva a concluir sobre a necessidade de se investir mais na
formação continuada desses docentes, visto que o professor desempenha um papel
muito importante no processo de aprendizagem.
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1146
O ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL E A CRENÇA EM DEUS COMO SUSTENTÁCULO
DA CRENÇA DE AUTOEFICÁCIA
RESUMO: Este artigo decorre de uma pesquisa realizada com jogadores profissionais
de futebol em treinamento técnico, integrantes de um clube localizado na cidade de
Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro. O estudo fundamentou-se na teoria da
Autorregulação da Aprendizagem e a observação do comportamento dos atletas em
treinamento técnico teve como referência as dimensões que integram o construto da
Autorregulação da Aprendizagem (dimensões cognitiva/metacognitiva, motivacional,
comportamental e contextual), nas diferentes fases do comportamento autorregulado
(de antecipação, de execução, e de reflexão ou avaliação final da tarefa). Participaram
do estudo trinta e dois atletas. Além do questionário, utilizou-se como recurso de
observação um grupo focal, do qual participaram quinze sujeitos, como forma de
aprofundamento de alguns resultados. Dentre os temas abordados no grupo focal,
discutiu-se a crença de autoeficácia por parte dos atletas entrevistados, onde estes
afirmaram que estão sempre pedindo a Deus para que tenham sucesso na carreira,
que suas forças vêm de Deus, e sem Ele fica impossível ir além, e que tudo na vida
depende de Deus, o que demonstra que a crença em Deus é o sustentáculo da crença
de autoeficácia, manifestada pelos atletas. Neste sentido, esta pesquisa explora a
análise deste resultado relacionado à crença de autoeficácia, fundamentando-se na
literatura especializada que afirma que o comportamento autorregulado pode
influenciar esta crença. Observou-se que a crença religiosa é algo muito forte e
presente na vida dos atletas entrevistados. De acordo com os mesmos, a religião e a fé
contribuem para a vida de jogador e em seus desempenhos.
Palavras-chave: Autorregulação da aprendizagem. Atleta de futebol. Crença de
autoeficácia.
INTRODUÇÃO
O futebol é a modalidade esportiva de maior destaque no Brasil. Os clubes têm
procurado jogadores cada vez mais qualificados, seja no aspecto físico, técnico, tático,
psicológico, ou em outros; buscam a formação de fortes equipes, que correspondam
às suas expectativas para a disputa de campeonatos e obtenção de títulos. Por outro
lado a literatura especializada mais recente, como Zimmerman (2010), Pintrich (2010),
dentre outros, tem enfatizado que em todas as áreas profissionais o comportamento
autorregulado contribui para o bom desempenho da pessoa que almeja alcançar
determinado objetivo.
1147
Nessa perspectiva fez-se um estudo de caso147 com um grupo de trinta e dois
(32) atletas profissionais de futebol em treinamento técnico, integrantes de um clube
localizado na cidade de Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, com o objetivo de
identificar se esses sujeitos apresentavam comportamento condizente ao que
preconiza a teoria da Autorregulação da Aprendizagem.
Utilizou-se como recurso de observação um questionário, elaborado de acordo
com a literatura especializada, compreendendo procedimentos relacionados às
dimensões que integram o construto da autorregulação nas suas diversas fases.
Após a aplicação do instrumento, as respostas dos sujeitos foram quantificadas
através de frequência e porcentagem transformadas em tabelas, e fez-se a análise dos
dados tomando como referência as fases e dimensões que integram o construto da
autorregulação, segundo o modelo apresentado por Pintrich (2010). Neste estudo,
concluiu-se que a dimensão em que os atletas apresentaram melhor desempenho foi
no que diz respeito à dimensão motivacional, onde, constatou-se que 100% dos
entrevistados acreditavam em suas capacidades de realizar as tarefas, ou seja, tinham
crença de autoeficácia, além disso, esse sentimento dos atletas prevaleceu em todas
as etapas.
Após a análise do questionário, sentiu-se necessidade de se realizar um grupo
focal ou entrevista coletiva com um grupo de quinze sujeitos escolhidos
aleatoriamente, objetivando aprofundar alguns resultados decorrentes da aplicação do
questionário. Dentre as temáticas que se buscou compreender melhor com o grupo,
uma foi relacionada a crença em Deus como sustentáculo da crença de autoeficácia,
onde observou-se que esse sentimento tem suporte na religião. Neste sentido,
constatou-se que o sentimento de autoeficácia está sendo amparado pela crença em
deus, ou seja, com a ajuda de Deus.
147
Dissertação de mestrado intitulada “O comportamento em treinamento técnico de jogadores
profissionais de futebol: um estudo na perspectiva da autorregulação da aprendizagem”, realizada por
Thiago Azevedo da Silva, e apresentada ao programa de pós graduação em Cognição e Linguagem da
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF)”, para a obtenção do título de Mestre,
sob a orientação da profa. Dra. Vera Lucia Deps.
1148
A TEORIA DA AUTORREGULAÇÃO DA APRENDIZAGEM
A literatura especializada mais recente tem enfatizado que em todas as áreas
profissionais o comportamento autorregulado contribui para o bom desempenho da
pessoa que almeja alcançar determinado objetivo.
Segundo Zimmerman (2010, p.14) “Autorregulação refere-se a pensamentos,
sentimentos e ações autogerados, planejados, e ciclicamente adaptados para a
obtenção de objetivos pessoais”. Assim a autorregulação envolve o entrelaçamento
das seguintes dimensões: cognitiva/metacognitiva, motivacional/afetiva,
comportamental e ambiental.
Ainda o mesmo autor também cita o caráter cíclico da autorregulação em
diferentes fases, quais sejam: a) fase de antecipação ou de planejamento e avaliação
que antecede a ação; b) fase de execução, que inclui o monitoramento e o controle da
ação; e c) fase de reação e reflexão, após a conclusão da tarefa.
A aprendizagem autorregulada compreende as dimensões e fases
mencionadas. Zimmerman (2010) afirma que tais dimensões podem ser verificadas
tanto no contexto das atividades escolares, quanto em qualquer outra atividade.
Zirmmerman (2010) comenta sobre o caráter cíclico da autorregulação, ou seja,
diferentes fases, sendo essas também reconhecidas por diversos autores, dentre eles,
Pintrich (2010), Lopes da Silva (2004) e Veiga e Simão (2004).
Essas fases, segundo a literatura especializada acima mencionada, são: fase de
antecipação, planejamento e avaliação que antecede a ação; fase de execução, que
engloba monitoramento e controle da ação; e fase final que consiste em reflexão da
ação executada.
Na fase de planejamento faz-se o mesmo para execução de determinada tarefa,
pois é o momento em que ocorre também a clarificação de objetivos pessoais, ou
metas a alcançar. Nesta, faz-se necessário que a pessoa venha também estabelecer
etapas para a concretização de metas. Nesta fase o indivíduo deve analisar seus
conhecimentos anteriores, de modo que contribua, com este exercício, para a
realização da tarefa, e, consequentemente, para o alcance das metas pretendidas. Há
também, nesta etapa, um processo de seleção e reflexão de estratégias relacionadas à
1149
ação a ser executada. O planejamento de determinada atividade inclui também o
tempo gasto no cumprimento de uma tarefa.
Na fase de execução ocorre o desenvolvimento da ação e a utilização da
estratégia selecionada. Esta fase engloba o monitoramento e o controle da ação. No
que diz respeito ao monitoramento, o indivíduo analisa seu comportamento na ação
que executa, a adequação das estratégias utilizadas e avalia seu desempenho,
identificando seus pontos fortes além dos que precisam ser melhorados. Quanto ao
controle, este está ligado à seleção e utilização de novas estratégias em substituição às
que não estão possibilitando caminhar em direção ao objetivo pretendido, como ao
aumento ou diminuição do esforço em determinada tarefa, a mudanças e
renegociações.
A fase de autorreflexão, ou fase final, refere-se à avaliação da tarefa executada,
ou seja, o julgamento pessoal, que permite a autoavaliação e autocorreções por parte
do indivíduo, fazendo com que este venha a analisar o caminho percorrido durante a
execução da tarefa. Tal avaliação é influenciada pelos fatores metacognitivos (pessoa,
tarefa e estratégia) motivacionais (expectativas de eficácia e atribuições causais),
volitivas (administração do tempo, persistência), bem como pelo feedback recebido
tanto de amigos, como de familiares e docentes. Nesta etapa, também podem ser
revistos planos e estratégias, avaliar os resultados atingidos; corrigir os processos da
etapa de execução, pois são ações necessárias não apenas na fase final, mas durante
todo o processo da ação realizada. Isto, porque nesta fase poderá ocorrer a
mobilização dos esforços relacionados à tarefa, tanto para a manutenção, quanto para
a correção, havendo, assim, a reflexão a respeito dos sucessos e fracassos. Além disso,
dentro do processo de autoavaliação a pessoa poderá se deparar com resultados
indesejáveis, fazendo com que a mesma venha a ter dificuldade de se desenvolver,
buscar alternativas e de se empenhar no processo de mudança da tarefa.
No que diz respeito às dimensões do comportamento autorregulado de acordo
com Zimmermamm (2010), são de natureza cognitva/metacognitiva, motivacional,
comportamental e contextual. O autor afirma que a autorregulação na aprendizagem é
o grau em que os indivíduos atuam a nível metacognitivo, motivacional,
comportamental e contextual sobre os seus próprios processos e produtos de
1150
aprendizagem durante a realização das tarefas; informa também que em qualquer
atividade a autorregulação da aprendizagem implica nas dimensões citadas.
No que diz respeito à dimensão metacognitiva, Flavell (1976) afirma que se
trata do conhecimento pessoal em relação ao próprio funcionamento cognitivo. Além
disso, o mesmo autor menciona que a metacognição está relacionada aos processos de
supervisão e regulação que o sujeito exerce sobre a própria atividade cognitiva na
realização de uma tarefa.
A metacognição é conceituada por Brown (1978) como o controle deliberado e
consciente das atividades cognitivas. Nesse sentido, as ações metacognitivas são os
mecanismos autorregulatórios utilizados pelo sujeito durante a resolução de um
problema ou diante do enfrentamento de uma tarefa, o que implica ter consciência
das limitações do próprio sistema; conhecer o repertório de estratégias
disponibilizadas e utilizá-las de forma apropriada; identificar e definir problemas;
planificar e sequenciar ações para o alcance de objetivos; supervisionar, comprovar,
revisar e avaliar o andamento dos planos e sua efetividade.
Mateos (2001) informa que a Metacognição está ligada aos conhecimentos
conscientes e verbalizáveis acerca de atividades cognitivas, além dos processos e
operações de planejamento, supervisão e avaliação dessas ações, baseando-se nos
conhecimentos declarativos (conhecimento daquilo que se sabe e saber expressar esse
conhecimento); e conhecimentos procedimentais (saber o caminho para conhecer
aquilo que se sabe).
Nesta perspectiva, Flavell (1981) afirma que o controle que um indivíduo exerce
sobre sua própria atividade cognitiva depende das ações e interações entre os
conhecimentos metacognitivos (conhecimento sobre a pessoa, a tarefa e as
estratégias), experiências metacognitivas (aquelas que acompanham a atividade
cognitiva), as metas cognitivas (objetivos a serem alcançados) e as estratégias
(cognitivas - empregadas para o desenvolvimento da atividade cognitiva em direção ao
objetivo; metacognitiva - a função é supervisionar o progresso).
Em relação ao conhecimento metacognitivo sobre pessoa, Flavell (1981) afirma
que este está ligado ao conhecimento que o indivíduo tem sobre seus pontos positivos
1151
e negativos, com a finalidade de utilizar tais conhecimentos de modo estratégico para
o alcance de objetivos pessoais.
Em relação à tarefa, segundo Flavell (1981), diz respeito ao entendimento da
sua dificuldade, das informações disponibilizadas sobre a mesma, dos conhecimentos
que devem ser ativados para seu melhor desempenho, dos fatores colaboradores para
seu desempenho, e sua relação com os objetivos a que o indivíduo almeja alcançar.
Quanto às estratégias, estas relacionam-se à execução da tarefa e ao
conhecimento que a pessoa tem sobre as mesmas. O conhecimento estratégico é
indispensável para a aprendizagem e autonomia do aluno, a fim de que a atividade
seja conduzida de forma eficaz. Para Veiga Simão (2004), na construção da
autorregulação da aprendizagem, o uso das estratégias é um marco relevante, seja na
fase de planejamento, dos atos executórios, seja da avaliação do trabalho.
Zimmerman (2010) acrescenta que uma das características da aprendizagem
autorregulada é o uso de estratégias pelo indivíduo com o intuito de aprimorar seu
aprendizado.
Quanto à dimensão motivacional, relacionado ao aspecto da autorregulação da
aprendizagem, Wolters (2003) afirma que esta também pode ser compreendida como
o grau em que os sujeitos agem de modo intencional, no sentido de principiar, manter
ou reforçar a sua determinação quanto ao seu próprio desenvolvimento, completar
uma tarefa ou atingir um objetivo.
As pessoas podem ser motivadas por variadas razões, sejam pelos seus próprios
interesses e valores ou por razões externas. Nesse sentido, Deci e Ryan discorrem
sobre a motivação humana intrínseca, a saber:
1152
Falk e Pereira (2010) relatam que a motivação intrínseca é “caracterizada pelo
envolvimento do indivíduo em uma tarefa, gerado pelo prazer provocado pela
atividade” (p. 81).
Weinberg e Gould (2008, p. 157) afirmam: “as pessoas com motivação
intrínseca esforçam-se interiormente para serem competentes e autodeterminadas
em sua busca por dominar a tarefa em questão”.
Por outro lado, sobre a motivação extrínseca, Moreno et.al. (2006 p. 1)
descreve:
1153
Nesta ordem de ideias, considera-se importante que o professor contribua para
o desenvolvimento motivacional de seus aprendizes. Neste aspecto, outro fator
relevante à motivação é o feedback realizado pelo docente. Segundo Bzuneck (2010) o
feedback que o discente recebe afeta tanto o processo de aprendizagem quanto a
motivação. Sobre o assunto pode-se observar:
1154
Quanto à dimensão comportamental/volitiva, Veiga Simão (2006) informa que
esta se refere às estratégias ligadas à volição, ao esforço realizado nas tarefas, tal
como a persistência, a procura de ajuda, e a escolha de um comportamento em razão
dos êxitos a serem alcançados.
Carta (2012) explica que a fase de controle volitivo está relacionada aos
processos que ocorrem em um determinado momento de aprendizagem, tendo como
objetivo possibilitar aos sujeitos o alcance dos objetivos estabelecidos, por meio do
uso de adequadas estratégias.
A volição relaciona-se ao controle de intenções e impulsos para que a ação
ocorra. Portanto, as estratégias volitivas contribuem na gestão do esforço, uma vez
que estimulam a procura de boas condições para a realização de uma ação bem-
sucedida (KUHL, 1984; CORNO, 2001). Desta maneira, a volição traduz a vontade e o
esforço que a pessoa executa para alcançar e manter o objetivo a que se propõe.
(CORNO, 1994)
Segundo Corno (2001) o controle volitivo é acionado quando outros interesses
ou necessidades subjetivas competem com a intenção de trabalhar ou aprender,
dividindo, assim, a atenção dos sujeitos. O autor afirma que existem algumas situações
que exigem controle volitivo, a saber: quando os alunos têm que realizar determinadas
tarefas sem ter liberdade para outras atividades naquele momento; quando existe
algum ruído considerável que cause distração nos objetivos traçados pelos alunos;
quando a ansiedade está associada ao desempenho, o que possa interferir ou bloquear
o desejo de agir.
Em relação às estratégias volitivas, o autor prossegue informando que estas
podem contribuir para que o aluno possa ter o controle de sua motivação, de seus
processos internos, de seu comportamento e do ambiente de aprendizagem, bem
como no tocante à atenção, à ansiedade e aos elementos que desviam a atenção das
tarefas e/ou objetivos elaborados.
Para Kuhl (1984), as estratégias volitivas contribuem para a manutenção da
atenção, podendo evitar respostas impulsivas, como também colaboram com a
perseverança, a gestão do esforço durante a realização da tarefa e o controle das
emoções e sentimentos.
1155
Na dimensão contextual, Veiga Simão (2006) informa que essa envolve o
contexto físico e social do ambiente de aprendizagem. Além disso, esse ambiente é
fator essencial para que ocorra a aprendizagem na perspectiva do processo
autorregulatório (LOPES DA SILVA, VEIGA SIMÃO e SÁ, 2004).
Carita et al (1998) informa que o espaço da execução da tarefa deve ter boas
condições para o desenvolvimento, promovendo a concentração dos indivíduos.
Todavia, Freire (2009) ressalta que no ambiente de aprendizagem, os alunos devem ter
o controle do ambiente físico e ter a consciência dos fatores sociais envolvidos à
aprendizagem. O autor ressalva também que o devido ambiente poderá sofrer
influência de valores, pressões sociais, o que poderá interferir nos resultados.
1156
No que diz respeito à dimensão motivacional observou-se aspectos
relacionados à crença de autoeficácia dos jogadores de futebol.
Inicialmente é válido ressaltar que Bandura (1986; 1997) refere-se à
autoeficácia como sendo a percepção da capacidade para realização de uma tarefa
específica ou um conjunto de tarefas em um domínio específico. Segundo o autor,
relaciona-se à crença de um indivíduo sobre sua capacidade para atingir determinadas
realizações, e à crença ou expectativa de que é possível, através do esforço pessoal,
realizar com sucesso uma determinada tarefa e alcançar um resultado desejado.
Cunha et al. (2011) tecem comentários a respeito da autoeficácia, afirmando:
A teoria da autoeficácia – entendida sistematicamente como a
percepção subjetiva da sua capacidade – também é muito
significativa no construto motivacional, pois se a crença de
autoeficácia de um indivíduo é baixa em uma determinada tarefa,
menos motivado ele estará para realizá-la, em virtude do medo do
fracasso (p. 97).
1158
sentimento de autoeficácia está sendo amparado pela crença em Deus, ou seja, com a
ajuda de Deus.
É comum dentro do contexto do futebol ver determinados tipos de
manifestações religiosas por parte dos jogadores, seja através do gesto do sinal da
cruz, das mãos levantadas aos céus, atletas ajoelhados, em círculos, em grupo de
oração. Todas essas manifestações variam no decorrer do jogo, podendo ser vista
antes da equipe entrar em campo, antes e após uma substituição de um jogador, antes
e depois de uma cobrança de falta ou pênalti, depois de um gol marcado ou não, e
principalmente depois de uma conquista.
Gomes (2012) destaca a religião como um aspecto em que os atletas de futebol
e outros personagens envolvidos depositam suas esperanças para diversos anseios:
Observou-se que a crença religiosa é algo muito forte e presente na vida dos
atletas entrevistados. De acordo com os mesmos, a religião e a fé contribuem para a
vida de jogador e em seus desempenhos. Além disso, os jogadores ressaltaram que
dentro do grupo há respeito à religião de todos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo teve como propósito possibilitar reflexões no que diz respeito a
importância da motivação no comportamento autorregulado juntamente com a crença
de autoeficácia no comportamento autorregulado dos atletas de futebol.
Verificou-se que a motivação dos atletas relacionada à crença de autoeficácia,
que se traduz em maior persistência, esforço e atenção, essa crença é sustentada por
outra, qual seja, a crença em Deus e que a religiosidade é um aspecto de forte
evidência no grupo observado e que de acordo com os mesmos, a religião e a fé
contribuem para a vida de jogador e em seus desempenhos.
1159
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1163
A METACOGNIÇÃO E A TRANSFERÊNCIA LINGUÍSTICA NA LEITURA ESTRATÉGICA EM
L1 (PORTUGUÊS BRASILEIRO) E L2 (INGLÊS)
1164
Quanto à transferência de conhecimentos na leitura, assim como na produção
oral e escrita e na compreensão auditiva, o aprendiz de segunda língua pode elaborar
um output linguístico em segunda língua (L2) que reflita seu raciocínio na primeira
língua, o que se constitui em fator interveniente no aprendizado de uma segunda
língua. Esse fenômeno é denominado de transferência linguística: a transposição de
estruturas de uma língua primeiramente adquirida pelo aprendiz, no seu desempenho
na língua-alvo. Neste estudo, discutem-se as pesquisas sobre transferência de
procedimentos como estratégias, observando-se que na leitura em língua estrangeira o
aprendiz tende a fazer uso dos mesmos procedimentos leitores que emprega em L1
(ALDERSON e URQUHART, 1984).
A metacognição, cognição de segunda ordem, além de diferentes
manifestações, também apresenta especificações terminológicas. Um dos exemplos é a
distinção cognição e metacognição. O critério distintivo mais utilizado é o do
envolvimento ou não da consciência, como assume Brown (1980). Consciência aqui
tomada como o “[...] conhecimento que as pessoas têm de seus objetos mentais, sejam
eles percepções, imagens ou sentimentos”. (POERSCH, 1998, p. 8). Segundo esse
critério, atividades conscientes seriam caracterizadas como metacognitivas e atividades
inconscientes ou subconscientes seriam consideradas cognitivas. Tal critério é adotado
neste estudo, porém numa versão mais fraca, envolvendo gradualidade, o que implica
que o cognitivo pode se tornar metacognitivo sob determinadas circunstâncias e vice-
versa (MOTTA, 2007).
Um dos planos em que a metacognição se manifesta é na aquisição de uma
segunda língua e seus fenômenos correlatos. Nesse sentido, menciona-se o processo
de transferência de conhecimentos da L1 para a L2, já que os conhecimentos
sedimentados na L1 são constantemente recrutados pelo aprendiz da L2, na tentativa
de construir generalizações e detectar diferenças, que podem motivar a construção de
novas categorias. A esse processo denominamos transferência linguística, conceituado
por Odlin (1989) da seguinte forma: “transferência é a influência resultante das
similaridades e diferenças entre a língua-alvo e qualquer outra língua que tenha sido
previamente (e talvez imperfeitamente) adquirida”(ODLIN, 1989, p. 27).
1165
Quanto aos âmbitos linguísticos em que ocorre, segundo Hawkins e Towell
(1994), a transferência se manifesta em distintas direções, da L1 para a L2, da L2 para a
L1 e, em vários planos da língua, tais como o fonológico, o lexical, o sintático, etc., bem
como em diferentes habilidades linguísticas, dentre as quais a compreensão leitora. A
compreensão leitora em L2, fruto da interação das motivações e saberes anteriores do
leitor, seus conhecimentos discursivo-linguísticos e enciclopédicos e os saberes que
estão no texto, em seus aspectos conteudistas e formais, mediada por fatores afetivo-
cognitivos, pode manifestar influência das estruturas da língua nativa do aprendiz.
Assim, a compreensão leitora pode ser facilitada ou dificultada pela presença de
cognatos ou falsos cognatos e, também, pela variação dos padrões gramaticais entre
línguas.
Além disso, autores como Seidenberg (1992) e Alderson e Urquhardt (1984)
parecem pressupor a existência de mecanismos comuns na leitura em L1 e L2, quanto
ao processamento cognitivo. Mas há também posições contrárias, como a de Revell e
Sweeney (1993), para quem a transferência de capacidades leitoras da língua-mãe para
a língua estrangeira é de rara ocorrência. Isso porque os aprendizes de L2 tendem a se
concentrar em demasia na decodificação, o que faz, segundo os autores citados, com
que não empreguem procedimentos da leitura proficiente em L1, supostamente
ativados em níveis superiores de processamento leitor, quando da construção de
sentidos.
Outra importante via de estudo do processamento leitor, tanto em L1 quanto
em L2, é a da análise de estratégias, já que a leitura é uma atividade que inclui
procedimentos cognitivos e metacognitivos (KLEIMAN, 1998). Assim, quanto ao tipo de
processamento envolvido, no entendimento de Kleiman (1998, p.50), “as estratégias
cognitivas de leitura seriam aquelas operações inconscientes do leitor, no sentido de
não ter chegado ainda ao nível consciente, que ele realiza para atingir algum objetivo
de leitura”, tratando-se de procedimentos altamente eficazes e econômicos. Já as
estratégias metacognitivas de leitura envolveriam consciência e controle sobre o ato
leitor e intencionalidade no propósito da leitura (KLEIMAN, 1998).
Quanto às estratégias metacognitivas de leitura, existem alguns estudos
brasileiros como os de Joly, Cantalice e Vendramini (2004), Evidências de validade de
1166
uma escala de estratégias de leitura para universitários; Joly, Santos e Marini (2006),
uso de estratégias de leitura por alunos do ensino médio; Joly (2007), Escala de
estratégias metacognitivas de leitura para universitários brasileiros: estudo de validade
divergente; e Filho (2002), Repertório de estratégias de compreensão da leitura e
conhecimento metacognitivo de professores de língua portuguesa. Envolvendo
participantes de diferentes níveis, esses estudos abordam tipos de estratégias mais e
menos empregadas como as estratégias metacognitivas globais, de apoio e de
resolução de problemas ou de previsão, monitoramento e avaliação em categorias
como antes, durante e após a leitura e traços como faixa etária, gênero, curso, período,
turno frequentado, etc. Tais estudos embasam o estudo empírico sobre metacognição,
transferência linguística e compreensão leitora constante na próxima seção.
Um estudo empírico transversal, com delineamento comparativo sobre os
fenômenos da metacognição, transferência linguística e compreensão leitora, foi
desenvolvido a partir de uma situação prática de leitura em duas línguas. Na avaliação
do uso e da transferência de estratégias metacognitivas na leitura em português
brasileiro e em inglês, nos cursos de Letras e Administração, empregou-se o tratamento
quanti-qualitativo dos dados.
O curso de Letras foi escolhido com o propósito de verificar a manifestação de
processos metacognitivos aliados à linguagem e ao seu ensino, já que acadêmicos de
Letras, como futuros professores de línguas, poderiam estar mais cientes de aspectos
linguísticos, sendo mais capazes de refletir de modo consciente sobre eles. Elegeu-se,
em contraponto, o curso de Administração, cujos egressos não possuem uma formação
linguístico-didático-pedagógica específica.
Inicialmente, os acadêmicos de Administração e Letras Português/Inglês da
Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) foram submetidos, segundo as condições
usuais de aplicação (individualmente ou em pequenos grupos) à seção de leitura de um
do testes do TOEIC (2000), Test of English for International Communication, para
verificação da proficiência leitora em inglês.
Dos acadêmicos aprovados com notas acima de 50% no TOEIC, constituiu-se a
amostra da pesquisa, 16 acadêmicos em cada grupo. Os sujeitos então foram
submetidos a dois instrumentos de leitura, um em inglês e outro em português,
1167
compostos por textos de caráter expositivo-argumentativo, sobre os quais foram
elaboradas questões objetivas e dissertativas de compreensão textual e questões de
reflexão sobre a tarefa. Tendo como suporte um programa de computador
desenvolvido especialmente para esta pesquisa, escrito na linguagem Java, esses
instrumentos buscaram captar o processamento leitor através da técnica do protocolo
escrito retrospectivo e do desempenho nas tarefas.
Os textos selecionados para compor os instrumentos descrevem e discutem as
diferenças entre homens e mulheres sob a perspectiva de descobertas científicas,
sendo que ambos os instrumentos são constituídos de quatro partes com estrutura e
nível das questões similares. A parte I contém uma questão em que o leitor deve prever
a temática do texto a partir do título. Em seguida, na parte II, após ler as instruções, o
participante descreve o seu processamento leitor ao longo da leitura do texto, sempre
após a leitura de cada parágrafo, tendo acesso a todo o texto somente após finalizada a
leitura e a descrição do processamento leitor.
Já na parte III, há cinco questões de múltipla escolha que propõem a
substituição de palavras por sinônimos, a identificação do tema, a escolha da ideia
mais importante para a tese, a compreensão da tese e a identificação do
propósito/objetivo do texto. A parte IV contém quatro questões abertas sobre a tarefa
realizada, uma autoavaliação justificada sobre a compreensão leitora, a confirmação
justificada de hipóteses sobre o texto, um resumo do texto e a avaliação da influência
do conhecimento do inglês e da habilidade de leitura em língua inglesa na realização da
tarefa de compreensão leitora em português e vice-versa.
Desenvolveu-se também um teste piloto para simular a aplicação dos
instrumentos de compreensão leitora a serem utilizados, realizado individualmente
com três sujeitos. A principal conclusão do teste piloto foi a necessidade de realizar as
sessões dos instrumentos de modo separado. As testagens foram realizadas
concomitantemente, sendo que em cada grupo de sujeitos, metade iniciou a realização
das atividades de compreensão leitora pelo instrumento em português brasileiro e a
outra metade pelo instrumento em inglês, para que houvesse controle de uma
eventual alteração dos resultados em função da língua e do cansaço decorrente das
tarefas, do conhecimento da temática dos textos e da estrutura dos testes, o que é
1168
chamado de efeito de treino (bias effect). Ao término, os sujeitos respondiam ao
formulário de perfil leitor e conhecimento linguístico em L1 e L2, uma entrevista escrita
sobre o histórico de estudo e hábitos de leitura em português e inglês.
As estratégias foram analisadas a partir de uma adaptação da classificação de
estratégias leitoras metacognitivas de Filho (2002), Joly, Cantalice e Vendramini (2004),
Joly, Santos e Marini (2006) e Joly (2007). Estruturou-se uma classificação de 67
estratégias, que aparecem arroladas abaixo, posteriormente agrupadas em 23
categorias como estratégias de previsão do texto, verificação de sua estrutura,
questionamento, visualização, opinião, anotações, referência, atenção,
análise/interpretação, paráfrase, etc. para diminuir o efeito da sobreposição
classificatória.
Quanto aos resultados referentes às partes específicas dos instrumentos, nas
questões de múltipla-escolha, o grupo de Administração apresentou melhor
desempenho, embora essa diferença seja sutil, no instrumento em inglês e o grupo de
Letras apresentou um sutil melhor desempenho no instrumento em português. De
modo geral, houve uma pontuação aproximadamente mediana em ambos os grupos e
instrumentos, com leve declínio na pontuação no instrumento em português em
relação ao de inglês.
Os resumos dos sujeitos foram analisados, segundo a tipologia de unidades de
ideias para protocolos de reconto de Carrell (1992), por sua vez, baseada na
classificação de Meyer e Freedle (1984). Essa classificação divide os resumos em nível
topo, alto, médio, baixo a partir da divisão entre ideias principais e detalhes do texto.
Para efeito de estabelecimento dos níveis dos resumos, solicitou-se a quatro juízes da
área de Letras, a leitura dos textos dos dois instrumentos e posterior identificação das
ideias principais e secundárias.
Quanto aos resultados, considerando-se o nível topo, nível de resumos que
indica o maior nível de compreensão textual, no instrumento em inglês o grupo de
Letras obteve um desempenho ligeiramente superior ao grupo de Administração. No
tocante ao instrumento em português e no nível topo, o grupo de Administração
obteve um sutil melhor desempenho na comparação com o de Letras. A diferença de
porcentagens de frequência de uso é pequena, de modo que, numa perspectiva
1169
genérica, pode-se afirmar que o desempenho em ambos os grupos é semelhante em
ambos os instrumentos.
Referente à questão sobre a transferência linguística, no instrumento em
português, em ambos os grupos, houve maior incidência de respostas negativas quanto
à influência do conhecimento de língua e leitura em inglês. Já no instrumento em
inglês houve maior incidência de respostas positivas quanto à influência do
conhecimento de língua e leitura em português. Quanto à transferência explícita de
estratégias leitoras, duas incidências foram observadas, uma no grupo de
Administração, da L1 para a L2, no aspecto do entendimento da ideia principal de um
texto e outra no grupo de Letras, da L2 para L1, no aspecto da compreensão a partir do
contexto.
Observando-se as três primeiras posições no instrumento em inglês, as
categorias 40 (produções sobre o texto) e 8 (hipóteses sobre o texto) figuram como
primeira e terceira colocação entre grupos respectivamente, excetuando-se a segunda
posição que, no grupo de Letras, conforme supracitado, é a categoria 17 (mobilização
de conhecimentos prévios sobre o texto) e no grupo de Administração, a categoria 48
(avaliação da compreensão do texto). Quanto às demais categorias, houve distinções
muito pequenas entre as posições de frequência das categorias.
No instrumento em português, por seu turno, houve mais distinção entre
grupos nas três primeiras colocações de categorias de estratégias leitoras
metacognitivas mais usadas e maior semelhança nas demais posições. Enquanto no
grupo de Administração a categoria 40 (produções sobre o texto) aparece em primeiro
lugar, no grupo de Letras está em terceiro lugar. A categoria 64 (comentários opinativos
sobre o texto), em segundo lugar no grupo de Administração, aparece em primeiro
lugar no grupo de Letras. E a categoria 17 (mobilização de conhecimentos prévios
sobre o texto), em segundo lugar no grupo de Letras, aparece em sexto lugar no grupo
de Administração, de forma que o seu uso configura uma diferença mais significativa
no uso de estratégias leitoras metacognitivas entre grupos. Já a categoria 51 (releitura
do texto), em terceira posição no grupo de Administração, aparece em quarto no grupo
de Letras; as demais categorias apresentam semelhança nas posições de frequência de
uso.
1170
A relativa homogeneidade no uso de estratégias leitoras metacognitivas entre
grupos pode ocorrer devido a diferentes razões. Pode-se supor que haja influência da
experiência e conhecimento prévio da tarefa, ou a existência de procedimentos
universais de leitura, ou, ainda, a existência de padrões nos tipos de estratégias
metacognitivas leitoras utilizadas, tanto em relação à tipologia quanto à frequência de
uso. A padronização do uso de estratégias leitoras metacognitivas nos instrumentos em
idiomas diferentes, pode também sugerir que o processamento leitor entre línguas
também tenha a mesma natureza, semelhante ao que afirma Seidenberg (2002), para
quem o processamento leitor em L1 e L2 provavelmente possua mecanismos comuns.
Quanto à verificação numérica da quantidade de incidências das categorias de
estratégias entre cursos, no instrumento em inglês, o grupo de Administração fez 475
incidências de categorias de estratégias enquanto o grupo de Letras fez 567
incidências. No instrumento em português, enquanto o grupo de Administração fez
507 incidências, o grupo de Letras fez 592. Em ambos os instrumentos, portanto, houve
maior utilização de categorias de estratégias metacognitivas leitoras no grupo de
Letras, o que pode indicar que o enfoque no ensino de línguas, próprio da área de
formação de Letras, pode evidenciar um maior nível de ativação metacognitiva em
tarefas linguísticas como a leitura.
Quanto ao âmbito geral, conclui-se que as estratégias utilizadas têm relação
direta com o tipo de questões dos instrumentos. Quanto aos cruzamentos estatísticos
realizados entre as porcentagens de uso de estratégias e os vários aspectos descritos
no formulário de perfil leitor e de conhecimento linguístico em L1 e L2, a maioria não
apresentou diferenças significativas.
Acadêmicos do curso de Administração utilizaram mais estratégias
metacognitivas de leitura relacionadas à produção sobre o texto (paráfrase, reescritura,
reflexão) em ambos os instrumentos, enquanto os acadêmicos do curso de Letras
utilizaram mais estratégias metacognitivas de leitura relacionadas ao uso de
conhecimento linguístico em ambos os instrumentos. Verificou-se, também, que houve
uma considerável padronização quanto ao tipo e frequência de uso das categorias de
estratégias utilizadas nos instrumentos, com maior emprego das categorias de
estratégias metacognitivas de leitura, 08 (hipóteses sobre o texto), 17 (mobilização de
1171
conhecimentos prévios sobre o texto), 22 (atenção a determinados aspectos leitores),
36 (recordações a respeito do texto), 40 (produções sobre o texto), 48 (avaliação da
compreensão do texto), 51 (releitura do texto), 59 (interpretação de texto) e 64
(comentários opinativos sobre o texto). No tocante às diferenças quanto ao número de
incidências de mobilização de categorias de estratégias metacognitivas entre grupos,
observou-se que o grupo de Letras utilizou mais estratégias metacognitivas de
compreensão leitora em relação aos alunos do curso de Administração em ambos os
instrumentos.
Além disso, houve baixíssima manifestação explícita de transferência de
estratégias leitoras metacognitivas, registrando-se apenas uma ocorrência de L1 para
L2 e uma de L2 para L1, em cada grupo. De fato, portanto, os sujeitos não transferiram
estratégias metacognitivas de compreensão leitora do português brasileiro na
compreensão leitora em inglês e vice-versa com frequência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As estratégias metacognitivas, estudadas na perspectiva teórica deste trabalho,
foram analisadas empiricamente nos aspectos de tipo e frequência de uso, bem como
na transferência de seu uso de um instrumento de compreensão leitora para outro.
Aqui, portanto, bem se evidenciou a interação do leitor com sua cognição via processos
metacognitivos (JOU e SPERB, 2003).
Os resultados, que evidenciaram uma significativa padronização das categorias
de estratégias leitoras metacognitivas mais utilizadas em ambos os grupos e
instrumentos, sinalizam a possível existência de procedimentos universais de leitura
que se evidenciem em leitores falantes de diferentes línguas e de diferentes áreas de
formação, ou, então, a existência de transferência implícita de estratégias leitoras
metacognitivas. A vinculação do maior uso de determinadas estratégias a certas áreas
de formação e aos tipos de questões formuladas, bem como a correlação positiva entre
a formação linguístico-pedagógica e a maior evidência metacognitiva na leitura
também constituem resultados importantes.
Como pontos positivos deste estudo, o uso de uma metodologia diferenciada –
o protocolo escrito retrospectivo – e a reclassificação de estratégias para a solução da
1172
questão da sobreposição classificatória, podem ser citados. Em termos de futuros
estudos, sugere-se que certos aspectos da investigação empírica sejam aprofundados,
tais como verificar se o conhecimento prévio sobre a temática do texto é um fator
relevante no uso e frequência de estratégias; o estabelecimento de diferentes níveis de
complexidade em uma mesma estratégia é viável; e a diferenciação dos tipos de
transferência é possível de ser estabelecida. Tais detalhamentos teóricos talvez possam
contribuir efetivamente para pesquisas centradas na interface leitura e cognição.
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1175
A INFLUÊNCIA DO COMPORTAMENTO DO PROFESSOR NA TRANSMISSÃO DO
CONHECIMENTO PARA ALUNOS UNIVERSITÁRIOS
INTRODUÇÃO
Estudos recentes têm acentuado o papel do aluno na regulação da sua
aprendizagem, o uso de estratégias de monitoração da ação escolar, a avaliação dos
processos adotados e a análise dos resultados alcançados, demonstram um
comportamento autorregulado no processo de aprendizagem, estas ações exigem uma
participação ativa do aluno na gestão do aprendizado, onde aspectos intrínsecos como
interesse e motivação, são considerados da mesma forma que aspectos extrínsecos
como o papel do professor na transmissão do conhecimento.
Tradicionalmente era dada ao aluno a incumbência da aquisição do
aprendizado restando ao professor a transmissão do conhecimento, hoje estudos
mostram que passa a ser papel do professor ajudar os alunos a interiorizar os
conteúdos, ensinando-os a aprender, e a aprender a aprender. Definir com clareza os
objetivos e as estratégias de aprendizado pode facilitar a compreensão dos alunos em
1176
relação ao que está sendo ensinado ás estratégias devem ser conscientes e
intencionais, dirigidas para um objetivo relacionado com a aprendizagem.
De Acordo com o site (http://revistaescolapublica.uol.com.br) acessado em 06
de janeiro de 2015: “O Censo Escolar de 2011 revelou um dado preocupante. A taxa de
reprovação no ensino médio brasileiro atingiu 13,1%, maior número desde 1999. A
constatação levanta uma importante questão: o país está regredindo na educação dos
jovens? Os alunos do ensino médio aprendem menos hoje e, por isso, são mais
retidos? Segundo diversos especialistas, não é esse o caso. A reprovação é resultado
de uma conjunção de fatores nem sempre negativa - embora longe de ser positiva”.
De que forma as falhas na educação do ensino médio comprometem a
capacidade de aprendizagem do aluno quando chega ao nível universitário? Que
estratégias podem ser utilizadas pelo professor universitário a fim de nivelar o
entendimento dos alunos prejudicados pela decadência do ensino médio?
O grande crescimento das universidades no país, apoiadas por incentivos do
governo que promovem a facilidade de acesso ao nível acadêmico, como por exemplo,
o FIES, Programa de financiamento estudantil, levou o ensino superior a muitas
pessoas que antes não poderiam cursar uma faculdade, porém, podemos perceber,
que esta facilidade de acesso tem aumentado o número de egressos, por conseguinte
exigindo a contratação de mais professores de nível universitário, e que saibam lidar
com os desafios do mundo acadêmico atual onde tecnologias, motivação, habilidade
de relacionamento e interação com os alunos são fundamentais para o sucesso do
professor.
1177
os indivíduos emitem em si, mas sim as contingências do qual o comportamento é
função. Tentando elucidar sua ideia, Skinner (1972, p.4) expõe que “Três são as
variáveis que compõem as chamadas contingências de reforço, sob as quais há
aprendizagem: A ocasião em que o comportamento ocorre, o próprio comportamento
e as consequências do comportamento”.
Skinner aponta que um dos grandes problemas do ensino atualmente está em
criar condições favoráveis para as consequências do comportamento. Para que o
comportamento seja efetivamente reforçado é importante que a consequência esteja
associada em um breve tempo com a resposta emitida pelo organismo. Na tentativa
de aproximar o aparecimento de um reforçador do comportamento emitido do aluno
Skinner criou as máquinas de ensinar. Para ele, essas máquinas deveriam ser colocadas
em sala de aula para auxiliar o professor no ensino dos conteúdos. As máquinas são
programadas com perguntas de múltipla escolha sobre um determinado assunto, o
aluno terá que colocar o botão na casa que corresponde a resposta correta, caso erre,
o aluno não consegue passar para a pergunta seguinte. Pode-se acoplar uma luz que
acenda toda vez que o estudante apresente a resposta correta. Um fator importante a
ser citado sobre a maquina é que, como cada criança teria um aparelho, o ritmo da
sequência de perguntas é controlado porcada aluno (SKINNER, 1972).
Para Skinner, o uso das máquinas cessa com o problema da contiguidade do
reforço e permite que cada aluno tenha o seu tempo respeitado, podendo cada
criança ter um trabalho mais individualizado possível. Este autor expõe também os
benefícios que o uso das máquinas trariam ao professor e a forma como deve
comportar-se com este novo instrumento em sala de aula. Esta relação do uso de tal
instrumento com o professores será descrita no tópico seguinte.
A preocupação de Skinner com um trabalho individual que seja coordenado
pelo próprio sujeito mostra que, diferentemente do que se divulga em muitos
materiais didáticos, este autor considera a subjetividade de cada indivíduo. Fica
evidenciado, então, que a teoria de Skinner não só aponta para um trabalho
individualizado, como também indica formas de fazê-lo.
1178
Skinner considerou o professor como um dos principais elementos para a
aprendizagem dos sujeitos. Esta ideia se torna ainda mais explicita quando o autor diz
que “ensinar é o ato de facilitar a aprendizagem; quem é ensinado aprende mais
rapidamente do que quem não é” (SKINNER, 1972, p. 4). Fica claro, nesta afirmação, o
valor dado por Skinner aos professores e à função indispensável que esta profissão
exerce no desempenho de uma boa aprendizagem.
Skinner (1972) procurou esmiuçar ainda mais a função de um professor na
aquisição da aprendizagem de um sujeito ao apontar que este deve arranjar
contingências de reforço. Assim, o professor deve fornecer situações indicando o que
deve ser observado ou adquirido na experiência, de modo que o sujeito possa emitir
e/ou exercitar os comportamentos que se pretende ser ensinado. Um importante
ponto, citado por esse autor, se refere à consideração das condições dos indivíduos no
desenvolvimento da aprendizagem, seja ela física, psíquica ou social, pois toda
arrumação de contingências é ineficaz se o sujeito está limitado, em seu
desenvolvimento, a responder da forma pretendida. Visto isso, fica clara a necessidade
do professor em montar um ambiente que estimule e propicie o aluno a compreender
e executar os comportamentos que se pretende ensinar. Assim, para Skinner, um
professor, ao montar uma situação de aprendizagem, deve sempre se questionar
sobre os reforçadores que estão e irão ser utilizados e na forma como estão dispostas
as contingências de reforço. Essas questões podem levar o professor a rever a sua
estratégia de ensino, tornando-a mais eficaz. (SKINNER, 1972)
Faz-se necessário também, após a aquisição de um comportamento, que sejam
feitos exercícios que repitam a sua emissão, para que assim seja possível ao aluno uma
manutenção, bem como a sua fixação enquanto ação para situações similares. Para
auxiliar na execução dos exercícios, Skinner (1972) aponta para o uso das máquinas de
ensinar. Como foi explicado no tópico anterior, para Skinner as máquinas serviriam
para trabalhar com os alunos assuntos específicos previamente planejados. Cabe ao
professor programar as sequências dos exercícios numa ordem que vá do mais simples
ao mais complexo, como também supervisionar as crianças quando na execução das
máquinas para poder criar estratégias mais individualizadas para cada aluno.
1179
Skinner (1972) aposta na ideia do uso das máquinas, até mesmo para a
valorização dos professores. Para ele, o uso das máquinas garante o aprendizado
mecanicista, que os currículos pressupõem, deixando o professor com mais tempo e
preocupação para questões interpessoais.
ESTRATÉGIAS DE APRENDIZAGEM
A estratégia é considerada como um guia das ações a seguir. A autorregulação
consciente permite que o aluno esteja atento a sua estratégia á todo momento, como
se estivesse tendo um diálogo consigo mesmo, e quando se desvia de seus propósitos
é capaz de reorientar e regular suas ações, o que supõe um verificar permanente do
processo de aprendizagem. São 3 as fases desse processo a planificação quando o
aluno decide o que vai fazer, a realização quando o aluno realiza a tarefa e Avaliação
quando ao aluno avalia sua própria atuação Nisbet e Shuckmith (1986).
Para Snowman (1986) a estratégia de aprendizagem é um plano geral que se
formula para tratar uma tarefa de aprendizagem, e a técnica de aprendizagem é uma
competência mais específica que se usa à serviço da estratégia.
O ato de ensinar passa a ter o compromisso de levar os alunos a terem esses
conhecimentos e não somente transmitir informações, é ensinar os alunos a pensar, a
fazer esquemas, resumos a terem estratégias de aprendizagem. Nisbet (1992) Salienta
que deve existir um equilíbrio entre processo e conteúdo para facilitar a
aprendizagem.
1180
ou fortalecimento de uma resposta por meio da observação das consequências de tal
comportamento.
Alguns comportamentos dos alunos podem ser reforçados pelo
comportamento do professor. O medo dos alunos de responderem uma pergunta em
sala de aula, pode receber um reforço positivo ou reforço negativo: Dizer ao aluno que
sua resposta está errada, pode despertar uma aprendizagem vicária negativa, gerando
no aluno respondente e nos outros alunos da sala de aula o medo de dar respostas.
Caso a observação do professor seja positiva mesmo diante de uma resposta errada,
poderá despertar um reforço positivo, promovendo a coragem e a motivação para
responder outras perguntas, exemplo - Se a resposta for: Interessante seu ponto de
vista, agora o que pensa sobre esta visão? Apresentar outro ponto de vista – Reforço
positivo.
Bandura afirma que este processo se dá pela observação do próprio
comportamento e o comportamento alheio, obtendo informações relevantes as
pessoas desenvolvem hipóteses sobre as prováveis consequências de produzir aquele
comportamento no futuro. Embora Bandura concordasse com Skinner sobre a
possibilidade de mudar o comportamento humano por meio do reforço, também
sugeriu que a aprendizagem por observação é mais segura do que o comportamento
operante de Skinner. No condicionamento operante o sujeito sofre as consequências,
diferentemente do aprendizado por condicionamento vicário no qual pode antecipar e
avaliar os prós e os contras. O que importa não é diretamente o reforço, mas sim o que
o individuo faz com este estímulo. O modelo de autorregulação está relacionado com
este tipo de aprendizagem, pois uma mudança voluntária de comportamento sempre
será mediada pela percepção do sujeito a respeito de seu desempenho.
Bandura prefere a utilização do termo “regulação” em detrimento do termo
classicamente utilizado por Skinner de “reforço”, pois um reforço funciona
principalmente como “Uma operação informativa e motivacional, mais do que um
reforçador mecânico de resposta” (BANDURA, 1977, p.21). Deste modo, a natureza
humana é vista como uma vasta potencialidade, a ser elaborada pela experiência
vicária ou direta. Bandura descreve a teoria do autorreforço, que pode gerar emoções
tanto negativas como positivas, pois acontece por comparação onde o individuo
1181
compara o seu comportamento com padrões internos, se julgar que o comportamento
esta a altura de seus conceitos, pode haver um sentimento de satisfação, mas se não
corresponde aos seus padrões, pode causar culpa, insatisfação ou frustração. Este tipo
de reforço fornece uma noção de autodireção, proporcionando alternativas
relacionadas ao comportamento que podem evitar a autopunição posteriormente. A
teoria do autorreforço demonstra mais uma vez a crença de Bandura na
funcionalidade da capacidade cognitiva do ser humano.
TEORIA DA AUTOEFICÁCIA
Autoeficácia é a crença ou percepção do indivíduo sobre sua capacidade de
desempenho em atividades específicas, as experiências de êxito são a fonte mais
importante do desempenho das crenças de autoeficácia, pois constituem para o aluno
a prova de que consegue desempenhar os comportamentos ou executar as ações
necessárias para a realização da tarefa (Fontaine 2005, p123).
Acredita-se que a autoeficácia influencia o desempenho escolar e, da mesma
forma é influenciada por ele, tendo implicações no desenvolvimento e aprendizagem
do aluno os Alunos com elevado senso de autoeficácia tendem a se esforçar mais,
desta forma melhoram seus resultados por outro lado esta consciência de autoeficácia
reforça a percepção de competência escolar, mas as experiências de fracasso escolar
também influenciam negativamente o desenvolvimento das crenças de autoeficácia,
podendo se associar a prejuízos de ordem emocional e comportamental. As pessoas
com baixas crenças de autoeficácia evitam as situações potencialmente ameaçadoras,
não por estarem bloqueadas pela ansiedade, mas porque acreditam serem incapazes
de lidar com as ameaças ( BANDURA,1989).
Uma pessoa com elevada crença de autoeficácia faz um julgamento de suas
próprias capacidades, ou seja, avalia sua própria inteligência, conhecimentos e
habilidades, acreditando que as possui ou que pode adquiri-las para a realização de
uma determinada tarefa, acredita-se que a autoeficácia é um instrumento
fundamental para o sucesso, a autoeficácia tem muito em comum com a motivação
intrínseca, referem-se ao julgamento pessoal que o aluno tem de suas próprias
capacidades para executar as ações necessárias para atingir determinado objetivo, tais
crenças influenciam as aspirações e o envolvimento com metas estabelecidas, o nível
1182
de motivação, a perseverança em face das dificuldades, a resiliência, as adversidades,
relacionando-se com a qualidade do pensamento que o aluno utiliza.
O ALUNO E A ESCOLA
Segundo Thomas ( 2002 apud DEPS; GULIATH,2013), o ambiente escolar e o
discurso do professor são de fundamental importância para o desenvolvimento
metacognitivo do aluno. Ele comenta que alguns pesquisadores concluíram que a
linguagem do pensamento não esta presente no discurso em sala de aula e que os
professores precisam estar conscientes e precisam usar tal linguagem. Os alunos
devem ser levados a entender as razões de desenvolverem as atividades em sala de
aula e a refletir sobre a forma ideal de aprender de acordo com seu estilo pessoal e de
acordo com as necessidades da tarefa.
Resultados de avaliações têm evidenciado o baixo desempenho escolar dos
estudantes brasileiros, e comparando-se com estudantes de outros países, verifica-se
que os brasileiros têm obtido a mais baixa classificação, conforme vem sendo
divulgado através dos meios de comunicação. Sou propensa a acreditar que tal
fracasso decorre, em grande parte, do fato de os alunos não saberem estudar, ou seja,
de não refletirem sobre os seus processos de aprendizagem, de não saberem utilizar
estratégias de estudos adequadas, procedimentos que vêm sendo dominados pela
literatura especializada, de ineficácia do comportamento metacognitivo. (Deps, Vera
Lúcia, Formação de professores: percursos investigativos no cotidiano escolar, 2010).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se que vários fatores podem contribuir para o sucesso na
aprendizagem do aluno, o uso das tecnologias, e de métodos de ensino adequados,
devem ser utilizados à favor dos interesses dos alunos, gerando a motivação
necessária para o alcance dos objetivos individuais de cada aluno, meta que parece
ser uma missão impossível para os professores diante do atual cenário, não diferente é
o desafio dos alunos de conseguir assimilar conteúdos diversos em meio a tanta
informação, desta forma, o aluno deixa de ser sujeito passivo para ser sujeito ativo no
processo de ensino- Aprendizagem.
1183
È possível que muitos alunos não alcancem o sucesso escolar por não
possuírem estratégias de aprendizagem e não possuírem controle sobre seu
comportamento cognitivo, ao estabelecer estas estratégias o aluno se torna capaz de
efetivar suas ações direcionando seu comportamento para os objetivos traçados,
conquistando assim novos conhecimentos e sendo capaz de modificar suas ações de
forma estratégica.
O uso de estratégias de monitoramento da ação escolar, a avaliação dos
processos adotados e a análise dos resultados alcançados, demonstram um
comportamento autorregulado no processo de aprendizagem, estas ações exigem uma
participação ativa do aluno na gestão do aprendizado, onde aspectos intrínsecos como
interesse e motivação, são considerados da mesma forma que aspectos extrínsecos
como o papel do professor na transmissão do conhecimento.
O discurso do professor em sala de aula tem demonstrado ser um fator
importantíssimo no desenvolvimento e estímulo dos alunos, portanto a aprendizagem
conta com a colaboração do professor que talvez seja a fonte mais importante no
direcionamento de experiências motivacionais, para que os alunos adquiram hábitos
de aprendizagem adequados, de forma que possam aprender a planejar suas ações de
aprendizagem, monitorar as estratégias escolhidas, e refletir sobre os resultados
alcançados. Ser professor segundo as teorias do Skinner e Albert Bandura possui
implicações motivacionais, estratégicas e de consciência da importância de seu papel,
como condutor dos alunos, para uma viajem também chamada de busca por novos
conhecimentos.
REFERÊNCIAS
BANDURA, A. (1969). Modificação do comportamento. Rio de Janeiro:
Interamericana.
BZUNECK,J.A. & GUIMARÃES, S.É.R, Motivação para aprender. Petrópolis: Vozes,
2010.
DEPS, Vera Lúcia. Formação de Professores: Percursos Investigativos no Cotidiano
Escolar. Editora Unimontes, 2010.
MATEOS, M. Metacognición y educación. Buenos Aires: Aique, 2001.
1184
REVISTA ESCOLA PÚBLICA,
http://revistaescolapublica.uol.com.br/textos/28/ensino-medio-reprovado-267452-
1.asp
_________. (1994). Self-efficacy. In V. S. Ramachaudran (Ed.), Encyclopedia of
human behavior (Vol. 4, pp. 71-81). New York: Academic Press.
SKINNER, Burrrhus Frederic. (1972). Tecnologia do ensino. (Rodolpho Azzi, Trad.).
São Paulo: Herder, Ed. da universidade São Paulo, 1972.
VEIGA SIMÃO, A.M. (2002). Estudo acompanhado: uma oportunidade para
aprender a aprender, Lisboa, Ciclo de conferências. Departamento da Educação
Básica, Ministério da Educação.
1185
USO DO MAPA CONCEITUAL COMO ESTRATÉGIA AUTORREGULADA DA
APRENDIZAGEM
Elizangela Tonelli
Instituto Federal do Espírito santo
INTRODUÇÃO
Os indivíduos adotam procedimentos na regulação, monitoramento e
planejamento do seu próprio pensamento que são chamados de metacognição, que é
uma habilidade reflexiva e crítica sobre o próprio pensar e o como agir.
A partir dessas reflexões o indivíduo planeja como irá executar uma atividade
adotando estratégias que considera adequadas e eficazes para seu aprendizado. A
regulação é o próprio pensar que, quando posto em prática, corresponde à atividade
em si e sua manutenção, ou seja, é a ação de monitorar as variáveis que norteiam sua
aprendizagem, bem como a autoavaliação em todo o processo.
O aluno que possui uma postura autorregulada é proativo, mantém-se firme na
realização das tarefas, exibe competências em todos os contextos de aprendizagem e
utiliza com mais assertividade as estratégias que estão a seu dispor, sustentando-as ou
alterando-as sem muitas dificuldades (BANDURA, 2008).
Acerca dos aspectos mencionados, muitas pesquisas em educação têm focado
seus estudos em busca de estratégias de ensino e aprendizagem que promovam o
1186
comportamento autônomo e autorregulado dos estudantes, principalmente, do Ensino
superior.
Levando em consideração essas necessidades, esse estudo propôs o uso dos
mapas conceituais como estratégias de estudo autorregulado, tendo em vista a
reflexão e organização do pensamento, de forma a monitorar e autoavaliar o quanto
se sabe acerca do conteúdo proposto.
O objetivo desse estudo foi identificar o nível de concordância dos alunos do 2º
período do curso de Engenharia Mecânica do IFES, acerca do uso dos mapas
conceituais como ferramenta de auxílio nos pensamentos metacognitivos dos
conteúdos disciplinares, bem como no monitoramento do aprendizado. Como
metodologia aplicada para a coleta das informações, primeiramente, cada aluno
construiu o seu mapa conceitual acerca dos conhecimentos adquiridos com a disciplina
de Ciências dos Materiais. Ao final da tarefa, eles responderam um questionário com 9
(nove) ações vistas como estratégias autorreguladas da aprendizagem,
implicitamente contempladas no processo de construção do mapa conceitual.
Ao final desse estudo, os alunos consideraram o uso dos mapas conceituais
como uma estratégia prática e eficaz para identificar e simplificar o entendimento,
assim como para verificar o quanto se sabe acerca do conteúdo. Conclui-se a partir
daí que as ações promovidas na construção de mapas conceituais incentivam a postura
autorregulada do aprendiz em adotar estratégias para organizar e transformar as
informações recebidas, facilitar a sua codificação, aferir as consequências lógicas,
bem como avaliar seu aprendizado, utilizando-se de ensaios e auxílio da memória das
experiências anteriormente adquiridas.
TECENDO TEORIAS
Muitas investigações têm sido feitas no âmbito da aprendizagem centrada nas
capacidades cognitivas e nos aspectos atitudinais. No que diz respeito à realização
escolar, Flavell (1970) aponta diferenças significativas no desempenho, não apenas em
função das estratégias cognitivas utilizadas, mas também às estratégias
metacognitivas.
1187
Um dos aspectos mais relevantes na aprendizagem tem sido o reconhecimento
de quando e como utilizar determinada estratégia, sua aplicabilidade, eficácia e
momento certo. A tomada de consciência em conhecer o que já se sabe, analise e
avaliar como se conhece, Flavell (1970) denomina essas ações como metacognição.
Apesar de semelhantes, a cognição e a metacognição possuem ações
singulares. Em termos restritos cognição se refere a um tipo específico de
representação dos objetos e fatos (isto é, representações proposicionais). Já
a metacognição diz respeito, entre outras coisas, ao conhecimento do próprio
conhecimento, à avaliação, à regulação e à organização dos próprios processos
cognitivos. De acordo com Weinert (1987), as metacognições podem ser consideradas
cognições de segunda ordem: pensamentos sobre pensamentos, conhecimentos sobre
conhecimentos, reflexões sobre ações.
Flavell (1987) acrescenta ainda que, enquanto as estratégias cognitivas são
destinadas simplesmente a levar o sujeito a um objetivo cognitivo, as estratégias
metacognitivas se propõem a avaliar a eficácia das primeiras.
Ribeiro (2003) resume em duas formas o entendimento da
metacognição: conhecimento sobre o conhecimento (tomada de consciência dos
processos e das competências necessárias para a realização da tarefa) e controle ou
autorregulação (capacidade para avaliar a execução da tarefa e fazer correções
quando necessário - controle da atividade cognitiva, da responsabilidade dos
processos executivos centrais que avaliam e orientam as operações cognitivas).
Assim, é suposto que a prática da metacognição conduz a uma melhoria da
atividade cognitiva e, consequentemente, uma potencialização do processo de
aprender. Estes processos são exigentes, pois implicam em uma postura autorregulada
do aprendiz em reestruturar o que já se sabe pela inserção de novas informações,
reconhecendo os avanços e as lacunas ainda existentes.
De acordo com Bandura (2008), a agência humana possui características
fundamentais: intencionalidade, antecipação e autorregulação. Por meio da
intencionalidade as pessoas elaboram planos e estratégias de ação para realizá-los.
Pela antecipação, as pessoas antecipam resultados esperados de ações prospectivas,
guiando e motivando seus esforços. Com a autorregulação os agentes criam padrões
1188
para monitorar, regular e avaliar os seus atos e refletir sobre suas ações, fazendo
ajustes quando necessários.
Na trajetória de pesquisas sobre a autorregulação, Zimmermann nos ajuda na
identificação do tema. Para Zimmerman (2000, p.14), "a aprendizagem autorregulada
refere a pensamentos, sentimentos e ações autogeradas que são planejadas e
ciclicamente adaptadas para realização de metas pessoais". O autor resume que ações
metacognitivas, motivacionais e comportamentais colocam os alunos como
participantes do seu próprio processo de aprendizagem. Como critérios de definição,
Zimmermann (2008) diz que essas três categorias devem estar presentes na trajetória
de realização acadêmica dos alunos. Essas categorias englobam, entre outros, as
análises sobre estratégias de aprendizagem, monitoramento metacognitivo e
percepção de autoconceito.
A autorregulação é descrita por Zimmerman (2006) e Zimmerman e Cleary
(2006) como cíclica, pois que o feedback de um desempenho anterior torna-se
propostas de ajustes para as ações subsequentes, para o aprimoramento e elevação
das metas e dos desafios. Zimmerman apresenta três ciclos para a ocorrência da
aprendizagem autorregulada: a fase prévia que é a análise da tarefa onde ocorre o
planejamento de estratégias e definição dos objetivos; a fase da realização que inclui
os processos de autocontrole do desempenho e da motivação e também a auto-
observação; e por fim a fase de autorreflexão que envolve o julgamento pessoal como
a autoavaliação e as atribuições causais. Conforme exposto, o modelo é cíclico,
portanto a fase de autorreflexão influencia na fase prévia seguinte.
Polydoro e Azzi (2009) apontam que tanto para Zimmerman quanto para
Bandura os aprendizes autorregulados não são diferenciados somente por sua
orientação pró-ativa e performance, mas também por suas capacidades
automotivadoras.
Independente da concepção acerca da autorregulação percebe-se que elas
realçam o caráter efetivamente intencional da ação, com um objetivo previamente
estabelecido. Os processos por meio dos quais se pode alcançá-lo dependem das
características individuais e contextuais, bem como da capacidade do aluno em refletir
e operar sobre essas mesmas características. O que se espera, então, para possibilitar
1189
a efetivação dessa proposta é um sujeito que se coloca no processo como
protagonista.
Assim, a autorregulação pode ser encarada como um mecanismo complexo que
envolve múltiplos componentes motivacionais, comportamentais e metacognitivos,
sendo o último um dos mais relevantes pois a tomada de consciência, ou seja, o
reconhecimento daquilo que se sabe e o que desconhece acerca do seu
conhecimento é de fundamental importância para o aprendizado autônomo.
1190
Figura 1: Exemplo de um mapa conceitual
1191
Sendo assim, o mapa conceitual orienta tanto professor como aluno em buscar
ações e intervenções para o aperfeiçoamento do ensino e ampliação da aprendizagem.
Vale ressaltar que,
a análise do mapa é essencialmente qualitativa. O professor, ao invés
de preocupar-se em atribuir um escore ao mapa traçado pelo aluno,
deve procurar interpretar a informação dada pelo aluno no mapa a
fim de obter evidências de aprendizagem significativa (MOREIRA,
2006, p. 8).
148
um software livre desenvolvido pelo IHMC (Institute for Human and Machine Cognition).
1192
semestre estudado. Para a construção dos mapas os alunos utilizaram o programa
Cmap Tools 149.
Abaixo segue um exemplo de mapa construído:
Figura 2: Mapa Conceitual construído pelo aluno A acerca da disciplina de Ciências dos
Materiais.
149
um software livre desenvolvido pelo IHMC (Institute for Human and Machine Cognition).
150
Escala de resposta psicométrica usada habitualmente em questionários. Ao responderem a um
questionário baseado nesta escala, os perguntados especificam seu nível de concordância com uma
afirmação.
LIKERT. R. (1932), A Technique for the Measurement of Attitudes, Archives of Psychology . 140: pp. 1-5
1193
sabe do conceito “Ciência dos Materiais” bem como autoavaliação da sua
aprendizagem. Conforme apresentado no quadro 1.
O uso do Mapa F % F % F % F % F % F %
Conceitual me permitiu...
Pensar o que eu sei
1 acerca da disciplina. 9 50 7 38 2 12 0 0 0 0 0 0
Usar a lógica do meu
2 pensamento. 10 56 7 38 1 6 0 0 0 0 0 0
Relacionar o conceito
3 geral aos conceitos
mais específicos
(características, 15 82 3 18 0 0 0 0 0 0 0 0
diferenças,
semelhanças, etc).
Visualizar tudo que eu
4 sei acerca da 16 88 1 6 1 6 0 0 0 0 0 0
disciplina.
Acompanhar o
5 percurso e a evolução 7 38 8 33 3 18 0 0 0 0 0 0
do meu aprendizado.
Reconhecer o que eu
6 desconheço acerca da 8 44 8 44 1 6 0 0 0 0 0 0
disciplina.
Reconhecer o que eu
7 ainda preciso 7 38 7 38 4 24 0 0 0 0 0 0
aprender acerca da
disciplina.
De uma forma geral,
8 autoavaliar na 6 33 8 44 4 22 0 0 0 0 0 0
disciplina.
Utilizá-los como uma
9 estratégia eficaz na
de avaliação do meu 13 72 2 12 2 12 1 6 0 0 0 0
aprendizado.
1194
A partir das respostas apresentadas no Quadro 1 buscaremos fazer uma análise
tecendo apontamentos embasados nos aporte teórico utilizado neste estudo. Vale
ressaltar que o objetivo desse estudo não é mensurar a eficácia dos mapas conceituais
como ferramenta e/ou estratégia autorregulada, mas sim, por em evidência, os níveis
de concordância/discordância dos alunos, (a partir do contato com a ferramenta)
relacionados a alguns aspectos relevantes à autorregulação da aprendizagem
contemplados na construção dos mapas conceituais.
Portanto, buscando verificar se os mapas conceituais permitem o aluno,
refletir de forma metacognitiva, ou seja, pensar acerca do que ele sabe da disciplina
de Ciências dos Materiais, 9 alunos disseram “concordar totalmente”, 7 alunos
disseram “concordar” e 2 disseram “concordar parcialmente” com essa afirmativa
(Questão 1 - quadro 1).
De acordo com Flavell (1987) por meio de estratégias metacognitivas o
individuo é capaz de pensar sobre o próprio pensar. Em virtude disso, o individuo
autorregulado desenvolve o controle das operações cognitivas e assume os
processos executivos centrais que avaliam e orientam essas operações.
Mantendo o foco no controle das ações cognitivas pelo aprendiz, verificamos a
opinião dos alunos sobre o uso dos mapas conceituais como forma de organizar o
pensamento cognitivo por meio da livre lógica, 10 alunos disseram “concordar
totalmente”, 7 alunos disseram “concordar” e 1 aluno disse “concordar parcialmente”
com essa afirmativa. (Questão 2 – Quadro 1).
Acerca da possibilidade de organizar o conhecimento de forma hierárquica por
meio do mapa, na ação de relacionar e classificar conceitos gerais à conceitos
específicos (características e semelhanças, divergências, etc), dentre os respondentes,
15 alunos disseram “concordar totalmente” e 3 alunos disseram “concordar”, que
os mapas os permitiram executar essa ação (Questão 3 - quadro 1).
A esse respeito Ausubel (1980) diz que a aprendizagem envolve um processo de
armazenamento de informação, organização e integração de um conceito, que a
posteriori irá ancorar novos conhecimentos.
No intuito de possibilitar o aluno fazer um desenho da sua estrutura cognitiva
acerca dos seus conhecimentos, de forma a permitir que visualize tudo que ele sabe
1195
em relação a disciplina, entre os alunos, 16 alunos “concordaram totalmente”, 1 aluno
“concordou” e 1 “concordou parcialmente com essa afirmativa (Questão 4 - quadro
1). Essa visão geral acerca do que sabe pode ser visto como um feedback do
desempenho anterior, bem como o monitoramento do aprendizado que, de acordo
com Zimmerman (2000) pode ser usado para fazer ajustes em performances atuais
como um contínuo aprimoramento pró-ativo que inclui elevação de metas e desafios.
Um dos aspectos relevantes que favorece o comportamento autorregulado é
criar condições para que o aluno amplie o seu envolvimento com a gestão de seus
percursos e se responsabilize progressivamente pela sua aprendizagem. Em relação às
contribuições dos mapas, como forma de analisar a trajetória do seu aprendizado e
acompanhar o percurso e a evolução do seu aprendizado, 7 alunos “concordaram
totalmente”, 8 disseram que “concordam” e 3 “concordaram parcialmente” com essa
afirmativa (Questão 5 - quadro 1).
Aprender de forma autorregulada é ser protagonista de sua aprendizagem. Assim,
para verificar a relevância dos mapas conceituais no reconhecimento de suas
dificuldades, ou seja “reconhecer o que ainda precisa aprender”, 7 alunos
“concordaram totalmente” com essa afirmativa, outros 7 alunos “concordaram” e 4
alunos disseram que “concordam parcialmente” (Questão 7 - Quadro 1).
Como forma de se autoavaliar por meio do mapa conceitual, reconhecendo os
avanços e as lacunas ainda existentes em seu aprendizado, 6 alunos “concordaram
totalmente”, 8 alunos “concordaram” e 4 “concordaram parcialmente” com a
afirmativa de que o uso do mapa conceitual permitiu a eles, de uma forma geral, se
autoavaliarem na disciplina de “Ciências dos Materiais”, conforme mostra a (Questão 8
- Quadro 1).
Bandura diz que o aluno autorregulado cria padrões para avaliar, monitorar,
regular e refletir sobre suas ações. São a partir da autorreflexão e autoavaliação que o
aluno busca possíveis ajustes para superar suas dificuldades.
Por fim, ao avaliar, de forma geral, a eficácia dos mapas conceituais como estratégia
de avaliação da aprendizagem, 13 alunos “concordaram totalmente” com a eficácia
dos mesmos para esse fim, 2 disseram “concordar”, 2 disseram “concordar
parcialmente” e 1 disseram “discordar” com essa afirmativa (Questão 9 - quadro 1).
1196
Entre as justificativas alguns apontamentos colocam o mapa conceitual como “um
recurso prático que facilita a aprendizagem, pois informa visualmente uma sequência
de raciocino [...] tornando o aprendizado mais simples. [...] e um entendimento maior
sobre o assunto”.
Resumindo as teorias apresentadas por Flavell (1970), Bandura (2008) e
Zimmerman (2000; 2006; 2008) uma das principais características que definem o
comportamento autorregulado do aluno é quando ele se coloca protagonista do seu
aprendizado e se torna o gestor dos seus projetos, seus progressos e suas estratégias
diante de tarefas e obstáculos. Portanto, acredita-se que o uso do mapa
conceitual, dentre outras ferramentas e estratégias, contribui de forma significativa
para o constructo da aprendizagem, de forma a proporcionar subsídios informacionais
tanto para educadores como para estudantes seja na forma de diagnóstico quanto na
forma de organização do pensamento reflexivo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A abordagem dos mapas conceituais em sala de aula, sob um olhar geral, é
vista pelos alunos como uma estratégia/ferramenta eficaz ao aprendizado pois
proporcionam de forma livre e única, expressar o conhecimento construído. Por meio
dos mapas é possível identificar e simplificar o entendimento de um conceito, de
forma a externalizá-lo, modificá-lo e internalizá-lo novamente em sua estrutura
cognitiva, valorizando os conhecimentos prévios enquanto fundamento para a
apropriação e/ou ampliação de conceitos. Esses aspectos geram condições para os
alunos se responsabilizem progressivamente pelas suas aprendizagens.
Visto como estratégia de aprendizagem, os mapas conceituais provêm aos seus
autores uma visão ampla do que se sabe acerca de um determinado conceito ou
disciplina, ampliando assim as oportunidades do individuo se valerem de recursos
pessoais favoráveis para refletirem e compreenderem seus percursos de
aprendizagem. A estruturação e reestruturação, resultantes dos conflitos cognitivos e
espaços, proporcionando ao aluno a tomada de consciência acerca das discrepâncias,
dificuldades e erros que, quando analisados e confrontados se mostram como espaços
de avanços e superações.
1197
Apesar de não ter feito uma abordagem com os professores, pode-se inferir
que como estratégia de ensino, os mapas são capazes de prover aos educadores
direcionamentos acerca do aprendizado dos seus alunos por meio da identificação e da
relação entre os conceitos bem como delinear a qualidade das alterações processadas
na estrutura cognitiva do aluno. Porém, faz-se importante lembrar que nessa
verificação não cabe ao professor julgar acerca da assertividade entre as relações
estabelecidas entre os conceitos, mas sim promover a regulação do ensino e a
autorregulação da aprendizagem dos alunos.
Considera-se ainda que mais do que uma ferramenta, o mapa conceitual é
também uma estratégia que pode ser usada por professores e estudantes, como forma
de avaliar os objetivos educacionais, sistematizar e organizar o material instrucional,
bem como, articular os conhecimentos prévios aos conhecimentos novos. Há de se
considerar ainda que, por mais eficiente que seja uma proposta didática seu valor é
relativo às necessidades de aprendizagem dos alunos, respeitando os diferentes ritmos
de aprender de cada um. Considerando esses fatos, para uma melhor avaliação e
compreensão acerca da eficácia dos mapas conceituais no aprendizado autorregulado,
deixamos como proposta de estudos futuros, a análise das etapas realizadas pelos
alunos na construção dos mapas, no intuito de verificar como o pensamento cognitivo
e metacognitivos foram empregados pelos alunos, afim de reconhecer as deficiências e
potencialidades de cada um.
REFERÊNCIAS
AUSUBEL, D.P, NOVAK, J.D. & HANESIAN, H. Psicologia educacional. Rio de
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1200
PROMOÇÃO DE ESTRATÉGIAS DE LEITURA EM LÍNGUA INGLESA COMO RECURSO
AUTORREGULADOR DA APRENDZAGEM: UM ESTUDO COM OS ALUNOS DA
UNIVERSIDADE ESTADUAL NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO NA DISCIPLINA DE
INGLÊS TÉCNICO
Elizangela Tonelli
Instituto Federal do Espírito Santo
RESUMO: Por longo tempo a leitura tem sido preterida em comparação a outras
práticas de lazer. Diferentes tipos de mídias interativas vêm ganhando espaço no
cotidiano social, refletindo assim um diferencial educacional na promoção de técnicas
e competências de leitura. A literatura especializada em língua inglesa aponta que a
leitura pode contribuir significativamente para o desenvolvimento da competência
comunicativa e intercultural dos alunos ao torna-los capazes de autorregular
diferentes estratégias, aumentando assim sua motivação na aprendizagem,
envolvendo o aluno na leitura e compreensão do texto. O objetivo deste estudo é
analisar e refletir sobre as práticas de leitura de textos em língua inglesa dos alunos da
UENF- Universidade Estadual do Norte Fluminense- na disciplina de Inglês técnico e as
estratégias utilizadas por esses alunos nos processos de compreensão textual e
tradução. Pra isso se questionou de que forma eram definidas as estratégias de leitura
para os textos em língua inglesa e se as mesmas estratégias foram úteis para a
obtenção do objetivo principal: a interpretação textual. Dessa forma, foram aplicados
27 questionários aos alunos desta disciplina a pela análise dos dados, ficou
evidenciado que os alunos utilizavam de estratégias de leitura diversificadas que os
tornavam conscientes do seu processo de pensamento e motivados para uma
participação ativa sobre seu processo de aprendizagem, promovendo dessa forma
mecanismos de autorregulação da aprendizagem.
Palavras-chave: Leitura. Língua inglesa. Estratégias de aprendizagem.
INTRODUÇÃO
Ao longo do século XXI, a leitura vem compartilhando espaço com outras
práticas de lazer aliadas as mídias interativas que refletem um diferencial educacional
na promoção de técnicas e competências de leitura. Ao referirmo-nos a língua
estrangeira inglesa, a leitura pode contribuir significativamente para o
1201
desenvolvimento da competência comunicativa e intercultural dos alunos ao torna-los
capazes de autorregular diferentes estratégias de leitura, aumentando assim sua
motivação na aprendizagem. Desse modo, a competência de leitura assume um
caráter dinâmico, pois o aluno se envolve na compreensão do texto de forma crítica,
descobrindo e monitorizando as suas estratégias de leitura de aprendizagem.
De acordo com Zimmerman (2001), a autorregulação da aprendizagem refere-
se a um processo autodiretivo, através do qual os aprendizes transformam suas
habilidades mentais em habilidades relacionadas a tarefas. Trata-se de um método ou
procedimento que os aprendizes usam para gerenciar e organizar seus pensamentos e
convertê-los em habilidades usadas para o processo de aprendizagem.
A fim de tornarem-se autorregulados, os estudantes necessitam estar
conscientes do seu processo de pensamento e motivados para uma participação ativa
sobre seu processo de aprendizagem. Evidencia-se, assim, que o uso das técnicas de
autorregulação é desejável por seus efeitos nos resultados educacionais, pois a
autorregulação envolve ativamente os alunos em suas atividades acadêmicas. Mas,
para isso acontecer, os estudantes precisam visualizar a aprendizagem como um
exercício ativo que eles fazem por conta própria, e não como um evento que ocorre
devido a instruções e comando dos professores.
Este estudo apresenta a possibilidade de desenvolver atividades associadas à
leitura que promovam o desenvolvimento de compreensão textual dos alunos de
Inglês Técnico da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, a fim de
ratificar a premissa de que os alunos, ao serem capazes de autorregular diferentes
estratégias de leitura, adquirem autoconfiança no domínio da língua estrangeira e
aumentam a sua motivação na aprendizagem.
Baseado nesta premissa, neste estudo foi perguntado aos alunos como eles
desenvolvem as estratégias de leitura em língua inglesa e se as estratégias
desenvolvidas são úteis para a compreensão de textos, ressaltando assim o objetivo
deste estudo: analisar e refletir sobre as práticas de leitura em língua inglesa bem
como o emprego de estratégias como um recurso promovedor da autorregulação da
aprendizagem.
1202
UMA BREVE ABORDAGEM SOBRE DA AUTORREGULAÇÃO DA APRENDIZAGEM
Deci e Ryan (1991) definem a aprendizagem autorregulada como um processo
ativo e construtivo, através do qual os estudantes estabelecem objetivos para a sua
aprendizagem e, depois, tentam monitorar, regular e controlar o pensamento, a
motivação e o comportamento, guiados por seus objetivos. Segundo esses autores, a
teoria dos objetivos presume que estes são representações cognitivas futuras daquilo
que a pessoa tenta realizar e de suas razões para realizar a tarefa.
Os autores alegam que objetivos influenciam a motivação, através de alguns
processos: dirigem a atenção e ação para um alvo intencional; mobilizam o esforço de
acordo com a dificuldade da tarefa; promovem a persistência e o desenvolvimento de
planos e estratégias; e fornecem informação sobre a qualidade do desempenho. A
falta de clareza dos objetivos a atingir dificulta a utilização de estratégias adequadas,
consequentemente conduz ao erro.
A participação ativa do indivíduo no estabelecimento dos objetivos pode levar a
uma maior satisfação no envolvimento nas atividades resultantes do sentimento de
autonomia e escolha pessoal.
O insucesso do desempenho escolar nem sempre tem origens em déficits
cognitivos ou dificuldades específicas de aprendizagem. Ele pode ser resultado da
ausência ou fraca motivação para a aprendizagem ou da utilização inadequada de
estratégias dentre outros.
De acordo com Zimmermam (2001) e Rosário (2004), para uma um indivíduo
ser autorregulado, ele deve seguir uma série de passos em que iniciam, controlam e
avaliam suas atividades.
A figura seguinte (Figura 1) apresenta o modelo da atividade autorregulada
composto por três fases: planejamento, execução e avaliação, especificando o que
deve ser observado em cada fase.
1203
Figura 1- Detalhamento do Modelo Teórico
Planejamento, Execução, Avaliação - PLEA
Fonte: Rosário (2004b).
1205
Logo, conforme o princípio da regulação da aprendizagem é possível criar,
construir e implementar estratégias, ajustando-as ao ensino para que o
desenvolvimento das aprendizagens aconteça. A regulação tem como objetivo
contribuir diretamente para a progressão das aprendizagens, o que significa
acompanhar o aprendiz em seu processo. Regular atividades pedagógicas também
significa escolher, planejar, apresentar e avaliar propostas de trabalho, que têm
origem no sujeito desencadeador da ação.
Desta forma, evidencia-se que o educador/pedagogo autorregulador constrói
estratégias, que envolvam os educandos em suas conquistas e aprendizagens; atua de
forma a possibilitar-lhes melhor compreensão dos fatos e das tarefas a serem
realizadas;estimula-os para que atinjam patamares mais elevados de abstração e
compreensão.
A proposta de aprendizagem autorregulada se mostra extremamente positiva,
porque através dela o pedagogo/educador estimula o educando/trabalhador a
participar, se envolver no processo: sugerindo estratégias de ação; levantando
objetivos; acompanhando os resultados; refletindo sobre eles; organizando e
(re)organizando se necessário outras propostas. O profissional da educação, ao
oferecer oportunidades de auto regulação ao sujeito-trabalhador, também autorregula
sua própria atuação, o que fortalece o trabalho integrado. Ela proporciona o
envolvimento do trabalhador que, ao entender o que e por que está fazendo tal
atividade, se compromete e participa mais efetivamente.
O educador envolvido no processo de aprendizagem autorregulada estimula a
construção de propostas de ação que contemplem as fases e as características
previstas por esta teoria; considera os princípios subjacentes a ela; implementa ações
autorregulatórias que envolvam fatores cognitivos/metacognitivos, motivacionais e
contextuais, que estimulem à auto regulação da aprendizagem.
1206
Sendo assim, verifica-se uma interação entre o leitor e as suas experiências anteriores,
o seu domínio da língua, a sua afinidade como contexto, o seu objetivo e as suas
estratégias metacognitivas de aprendizagem. Na leitura, os estudantes estão
desenvolvendo o seu conhecimento metacognitivo, quando refletem sobre as
exigências das tarefas, sobre as competências e estratégias pessoais que devem ser
aplicados na resolução de problemas, quando testam os seus conhecimentos e reveem
os trabalhos realizados, Todas estas ações podem contribuir para melhorar o nível de
conhecimento metacognitivo sobre os objetivos, as estratégias, a própria tarefa e
sobre o nível de realização atingido.
Sendo assim, a organização das ideias, o objetivo e a clarificação da tarefa
específica de leitura que se pretende que o aluno-leitor realize são determinantes na
compreensão e fascínio pelo ato de ler. O ato de ler é uma competência ativa e
envolve adivinhar, prever, verificar, ou seja, todo um questionamento interior.
Wallace (1992) considera que, se os leitores numa segunda língua lerem mais
fluente e extensivamente, mais ganhos adquirem em termos de conhecimento das
estruturas chave e vocabulário da língua, e acentua que o que é determinante na
motivação dos leitores é o conteúdo dos textos selecionados e não a sua
especificidade linguística. Sugere ainda, que as primeiras experiências de leitura são
marcantes e podem abarcar grandes ganhos na aprendizagem, desenvolver atitudes
positivas na leitura e aumentar a motivação e o prazer.
Nas atividades de leitura os papéis do professor e dos alunos alteram-se,
interligando-se num trabalho conjunto, logo a participação dos alunos é mais ativa e
dominante e o professor tem um papel facilitador. O sucesso na leitura depende ainda,
de acordo com Fyfe e Mitchell (1985) da capacidade dos leitores manterem um
balanço apropriado entre duas fontes de informação: a informação contida no texto e
o conhecimento e experiência adquiridos e usados para o interpretar. Esta foi uma das
estratégias de leitura desenvolvidas pelos alunos e em que alguns demonstraram
alguma dificuldade.
Na leitura, os alunos-leitores podem demonstrar uma preocupação em
procurar saber o significado de todas as palavras que não conhecem. O uso excessivo
do dicionário ou o recurso ao professor para uma explicação exaustiva do vocabulário
1207
são estratégias que importa contrariar, no sentido da promoção de uma leitura mais
autônoma e eficaz. O leitor não tem de ter a preocupação de compreender tudo o que
lê.
A leitura extensiva implica que se verifique uma relação pedagógica em que o
professor assuma um papel de orientador, facilitando a conquista de autonomia por
parte do aluno. Trata-se de desenvolver uma pedagogia de leitura centrada no
aprendiz cuja finalidade é melhorar a sua competência de leitura de textos, mas
também torna-lo um leitor independente e responsável. As instruções relativas às
atividades a realizar têm que ser claras e o aluno deve ter um conhecimento pleno dos
seus objetivos e da sua importância, como afirma Sinclair (1996: 153-154):
1208
isso o professor deve ser paciente e insistente nesse ponto, incentivando os alunos a
serem responsáveis pela sua própria aprendizagem.
Os ganhos da autorregulação resumem-se à conquista de autoconhecimento
dos alunos como aprendizes e do conhecimento acerca do processo de ensino-
aprendizagem. Este conhecimento é metalinguístico, metacomunicativo e estratégico,
elevando a capacidade de identificação e resolução de problemas, mas também a
capacidade de descoberta de novas formas de aprender, E também um conhecimento
didático, que permite aos alunos compreenderem como se ensina e aprende em
contexto pedagógico, e assim favorece a sua participação ativa na negociação de
sentidos e de decisões.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O estudo assenta-se numa experiência desenvolvida no ano letivo de 2011-
2012 nas duas únicas turmas existentes de Inglês Técnico que conta com a presença de
alunos de mestrado e doutorado da Universidade Estadual do Norte Fluminense- Darcy
Ribeiro. Trata-se de um estudo, de caráter qualitativo, realizado com 27 alunos das
referidas turmas, em relação à promoção de estratégias de leitura em língua inglesa
como recurso autorregulador da aprendizagem.
Inicialmente com o intuito de reconhecer quais estratégias de leitura eram
empregadas pelos alunos, perguntou-se aos mesmos quais hábitos de leitura eles
possuíam quando eles liam artigos em língua inglesa (Tabela 1).
Quais hábitos de leitura você utilizava antes de saber Respostas dos alunos
das estratégias de leituras de textos de língua
inglesa?
F de respostas % de respostas
-Procuras todas as palavras desconhecidas no
dicionário 10 15,2%
-Olhar imagens presentes no artigo antes da leitura
-Ler as frases devagar e com atenção 12 18,1%
-Ler o mesmo artigo várias vezes 10 15,2%
-Não ler o artigo até o fim, caso não consiga entendê- 7 10,6%
lo no princípio.
-Ler até o fim, sem avançar páginas 9 13,6%
1209
-Pedir ajuda para resolver dificuldades de leitura 10 15,2%
TOTAL 8 12,1%
66 100,0%
F de respostas % de respostas
-Fiz uma leitura prévia do texto. 13 16,0%
-Busquei/analisei as pistas tipográficas 14 17,3%
-Ativei meu conhecimento prévio sobre a temática
tratada no texto 14 17,3%
-Deduzi algumas informações. 13 16,0%
-Prestei atenção nos grupos verbais/nominais. 10 12,3%
-Anotei as palavras desconhecidas e busquei o
significado 10 12,3%
-Troquei opiniões sobre os artigos com outras 7 8,8%
pessoas
TOTAL 81 100,0%
1211
Tabela 4: A autorregulação como recurso facilitador da aprendizagem
F de respostas % de respostas
- Desenvolvi estratégias de leitura. 30 60,0%
- Senti-me motivado para aprender. 20 40,0%
TOTAL 50 100,0%
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao autorregularizem suas aprendizagens, os estudantes desenvolvem uma
atitude reflexiva e experimental face ao saber e ao seu ensino/aprendizagem,
aceitando riscos, lidando com problemas, estabelecendo e confrontando objetivos,
formulando e verificando suas estratégias, e monitorando suas atividades. O aluno se
torna autônomo a partir do momento que ele entende que deve participar ativamente
do seu processo de aprendizagem.
O professor, por sua parte, deve ser uma pessoa que auxilia na execução das
tarefas dos alunos, esclarecendo objetivos, apresentando estratégias, monitorizando
as atividades de seus alunos, enfim, fornecendo continuamente feedback aos alunos
tornando-os autoconfiantes e motivando-os para prosseguir em seu processo de
aprendizagem. Desse modo, evidenciou-se nesse estudo que, a auto regulação da
aprendizagem, contribuiu para o desenvolvimento pessoal dos alunos ao nível de
motivação, autoconfiança e criação de uma imagem positiva sobre si próprios como
aprendizes da língua-estrangeira.
1212
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1214
GT 10 - Pesquisas Interdisciplinares no contexto das Ciências Humanas
INTRODUÇÃO
A Terapia Ocupacional é um curso relativamente novo no Brasil e fora
implantado recentemente na Universidade Federal de Sergipe – UFS / Campus
Universitário Professor Antônio Garcia Filho. Neste Campus a metodologia de ensino é
voltada para a prática, baseada no Problem Based Learning – PBL. A Aprendizagem
Baseada em Problemas - ABP (MAMEDE, 2001) é uma metodologia ativa e utiliza um
conjunto de ferramentas que integram a teoria e a prática desde o primeiro período e
dessa maneira proporciona que aos acadêmicos e futuros profissionais desenvolvam
perfil humanista, crítico, líder e investigativo (GOMES, 2009).
Neste modelo metodológico não há matérias e sim unidades curriculares. No I
Ciclo (1º e 2º períodos) os alunos de Terapia Ocupacional estudam com alunos de
outros cursos, como por exemplo, Nutrição, Odontologia e Fonoaudiologia, as
unidades curriculares são: a) Tutorial: Os alunos estudam por meio de problemas, por
exemplo, na segunda-feira ou terça-feira inicia-se o tutorial, os alunos recebem o
1215
problema, escolhem um coordenador (que coordena a sessão tutorial) e um secretário
(realiza anotações), leem o problema, retiram os termos desconhecidos e as
perguntas, logo após levantam hipóteses sobre as perguntas, redigindo dessa maneira
um resumo, e por fim elencam os objetivos. Em casa os acadêmicos realizam os
estudos e voltam na quinta-feira ou sexta-feira para discorrer sobre o que estudaram
(fecha-se a sessão tutorial e abre-se outra sessão). O professor chama-se tutor, pois,
ele direciona a sessão tutorial; b) as Habilidades e Atitudes em Saúde, onde são
ensinadas técnicas “comuns” para todos os cursos, por exemplo, aferir os sinais vitais,
higienização das mãos, etc.; c) Práticas de Ensino na Comunidade – PEC, nesta unidade
há a integração da teoria com a prática. Os discentes desde o primeiro período tem
contato com a comunidade, aplicando questionários, realizando intervenções, entre
outros, e ao mesmo tempo estudam sobre politicas publicas de saúde, logo, tenta-se
interligar a teoria estudada com a vivencia na sociedade. d) Laboratório de Anatomia-
fisiologia-histologia. Vale ressaltar que ainda há palestras sobre assuntos abordados
em tutorial, em laboratório e até mesmo em PEC.
A partir do II Ciclo (3º e 4º períodos) os acadêmicos começam a estudar com
pessoas do seu próprio curso e assuntos específicos do seu próprio curso. As unidades
curriculares continuam as mesmas, só muda a terminologia: a) Sessões de tutorial
estuda-se em todos os ciclos; b) Habilidades e Atitudes em Saúde, na Terapia
Ocupacional passa a se chamar no II Ciclo (3° e 4° períodos) de Habilidades
Profissionais em Terapia Ocupacional I – HAPRO TO I, e, no III Ciclo (5° e 6° períodos)
Habilidades Profissionais em Terapia Ocupacional II – HAPRO TO II. A HAPRO são
técnicas e procedimentos voltados para a Terapia Ocupacional; c) Laboratório de
Anatomia-fisiologia-histologia na Terapia Ocupacional não há mais no II Ciclo, há agora
no II Ciclo (3° e 4° períodos) o Laboratório de Pesquisa em Terapia Ocupacional I –
LPTO I, e, no III Ciclo (5° e 6° períodos) Laboratório de Pesquisa em Terapia
Ocupacional II – LPTO II. O LPTO é um laboratório de pesquisa, ensina-se como realizar
pesquisas bibliográficas, como fazer revisão literária, buscas cientificas, pesquisa e
extensão, entre outros; d) PEC a partir do II Ciclo (3° e 4° períodos) passa a ser Práticas
de Integração Ensino-Serviço em Terapia Ocupacional I – PIESTO I, e, no III Ciclo (5° e 6°
períodos) Práticas de Integração Ensino-Serviço em Terapia Ocupacional II – PIESTO II.
1216
A PIESTO segue o mesmo raciocínio da PEC, só que as ações são relacionadas à Terapia
Ocupacional. Os estudantes relacionam a teoria e a prática; No IV Ciclo (7° e 8°
períodos) ocorrem os estágios e finalização do Trabalho de Conclusão de Curso – TCC.
Bem, como fora brevemente explanado, a ABP é uma metodologia totalmente
ativa e possibilita com que o acadêmico possa atuar diretamente com a comunidade,
além de participar de programas de pesquisa e extensão.
METODOLOGIA
O presente trabalho apresenta experiências vivenciadas pelos discentes do II
Ciclo (3° e 4° períodos) de Terapia Ocupacional em uma maternidade e um
ambulatório, por meio da unidade curricular Práticas de Integração Ensino-Serviço em
Terapia Ocupacional I – PIESTO I, nesta unidade os acadêmicos relacionam teoria e
prática. Os discentes supervisionados pela docente visitaram uma maternidade e
realizavam anamneses, observavam reflexos primitivos e podiam orientar as mães em
alguns aspectos. No ambulatório, os discentes eram supervisionados por uma técnica
graduada em Terapia Ocupacional, e juntos realizavam intervenções de estimulação
precoce, observação de reflexos, orientação aos pais, entre outros.
1217
de Hospital Amigo da Criança. Falou também sobre o quadro profissional, os
procedimentos que ocorrem logo após o nascimento, dentre outros. Como por
exemplo, após o nascimento, o neonato é examinado e 5 minutos depois vai para o
berço aquecido. Se o parto for normal, ele e a mãe recebem alta em 24 hs, se for
cesariana, recebem alta após 48 hs.
Esse foi o primeiro momento da aula neste dia, logo após, seis alunos dirigiram-
se para o Núcleo de Terapia Ocupacional para o segundo momento da aula. Lá estava a
técnica em Terapia Ocupacional juntamente com uma mulher jovem e uma criança.
Nesse dia também se iniciara a intervenção dos discentes no ambulatório. A técnica
graduada em Terapia Ocupacional realizou uma anamnese com a mãe da criança e
aplicou alguns testes com a criança a fim de identificar a real situação do
desenvolvimento cognitivo/sensorial/motor, como por exemplo, observar os reflexos
primitivos: Reflexo da Preensão Palmar, Reflexo de Preensão Plantar, Reação Postural
Cervical, entre outros. A criança expressou respostas significativas diante dos testes.
Com os dados obtidos durante os testes, os alunos planejaram atividades para mais
três próximos atendimentos.
Após o acompanhamento terapêutico no ambulatório os alunos dirigiram-se
para a maternidade, neste terceiro momento dividiram-se em duplas para que
pudessem aplicar uma anamnese com as mães. Com o termino da aplicação da
anamnese, as duplas realizavam os reflexos, sempre assistidos pela docente.
Por fim, todos os discentes retornaram para o Núcleo de Terapia Ocupacional a
fim de discorrer sobre as vivencias e discutir textos de referencia para a aula. O texto
dessa aula fora: A detecção precoce dos fatores de risco relacionados à prematuridade
e suas implicações para a Educação Especial.
O texto fala a respeito da detecção precoce de fatores oriundo da
prematuridade. Segundo Vaz (1986) a prematuridade pode ser um dos diversos fatores
de risco que podem comprometer o crescimento e o desenvolvimento dos indivíduos.
É um preocupante problema de saúde pública, pois esta é uma das principais
consequências para a morbidade e mortalidade infantil. Mas o que é prematuridade?
De acordo com Crossne (1980) no inicio diziam que prematuridade era o neonato que
nascia com 2500g ou menos, mas isso é errôneo, pois, diversos fatores contribuem
1218
para isto. Logo, o Comitê Especializado em Saúde Materno-Infantil da Organização
Mundial de Saúde em 1961 recomendou que o conceito da prematuridade deveria ser
substituído pelo de baixo pelo de nascimento. Sendo assim, a Organização Mundial de
Saúde (OMS, 2010) definiu o conceito de prematuridade como o nascimento abaixo de
37 semanas gestacionais e atualmente é considerada a principal causa de morte,
morbidade e incapacidade infantil no mundo.
Em Terapia Ocupacional para a identificação da prematuridade um dos meios
utilizados é conversando com a mãe. A anamnese é fundamental antes de toda e
qualquer intervenção, pois nela coletamos dados importantes para utilizarmos como
base na intervenção. Outros meios de detecção são o cálculo por meio das semanas na
amenorreia, a medida da altura do fundo uterino, o estudo do líquido amniótico, a
ultrassonografia fetal e obstétrica, entre outros, mas a ultrassonografia fetal e
obstétrica atualmente é o meio mais confiável. Também existem métodos para avaliar
a idade gestacional, alguns métodos são: Método de Dubowitz, Método de Capurro,
Método de Ballard-New Ballard Score, entre outros. De acordo com Ramos et al.
(2002), a determinação da idade gestacional tem como finalidade determinar o grau
de maturidade do recém-nascido. E os neonatologistas se baseiam em dados
selecionados pelo exame físico e neurológico. O método mais utilizado tem sido o
Método de Capurro, pois permite aplicação mais simples e atende às necessidades dos
serviços.
Para Gomella (2006) a prematuridade pode ser limítrofe, moderada e/ou
extrema. E diversos fatores contribuem para que ocorra prematuridade, alguns fatores
são: fatores epidemiológicos, obstétricos, ginecológicos, clínico-cirúrgicos,
iatrogênicos, e, diversos outros fatores que são desconhecidos pelos profissionais da
saúde. Quanto mais precoce a prematuridade for identificada, melhor é para
minimizar ou evitar sequelas tanto para o neonato, quanto para a mãe.
A prevenção de qualquer deficiência depende da identificação precoce dos
chamados indivíduos de risco. Por meio da rápida identificação dos fatores de risco
biológicos, médico-biológicos e multifatoriais e o encaminhamento das crianças para
serviços especializados, ocorre à possibilidade da realização de trabalhos preventivos,
1219
por meio de programas de promoção de saúde e de intervenção precoce (UFSCar,
2011).
De acordo com Lejarraga (2002) a detecção precoce de problemas no
desenvolvimento é importante porque permite a ação oportuna com consequente
melhor evolução a longo prazo. E, também quando identificado, pode haver
estimulação precoce. Segundo Herren e Herren apud Martins e Moser (1996), a
estimulação precoce é um conjunto de processos preventivos e/ou terapêuticos para
assegurar à criança um melhor intercâmbio com o meio em que vive durante a
primeira infância. E estimulando precocemente, algumas sequelas que existem podem
ser minimizadas ou até mesmo “acabar”. Logo, bebês prematuros possuem maior
déficit de desenvolvimento e condições de incapacidade que os bebês nascidos a
termo. E quanto antes houver intervenção com os bebês nascidos a termo melhor será
para o desenvolvimento motor, cognitivo, sensorial destes. Pois a intervenção precoce
atenua as consequências que a prematuridade causou. E nessa intervenção faz-se
necessária a atuação de diversos profissionais da área da saúde, onde cada um irá
realizar estímulos para sua especialidade, e todos irão promover o bem-estar da
pessoa.
Esta foi à vivência realizada no primeiro dia, ocorreram mais outros três
encontros, sendo cada um com duração de um turno, no caso o matutino e ao término
das intervenções havia esclarecimentos dos pontos positivos, pontos negativos e
discussão de textos referenciados para as respectivas aulas.
Existem atualmente diversas técnicas aplicadas em ambientes hospitalares,
sempre buscando a humanização. Uma dessas é o Método Canguru que logo no
principio era cheio de tecnológica, mas não funcionava, pois, havia alto índice de
morbimortalidade infantil. Logo, o Método Canguru fora melhorado e passou a ser o
Método Mãe Canguru, neste, o neonato é levado para a enfermaria para ter contato
pele a pele com a mãe, apresentando assim menores riscos biopsicossociais. O Método
Mãe Canguru promove a estabilidade térmica, substituindo as incubadoras,
permitindo alta precoce, menor taxa de infecção hospitalar e consequentemente
melhor qualidade da assistência com menor custo para o sistema de saúde.
1220
O Método Mãe Canguru permite que haja trabalho de equipe interdisciplinar,
onde vários profissionais atuam com um único fim. Um desses profissionais é o
Terapeuta Ocupacional que atua nos três estágios, assistindo o neonato, a família e
atuando nas áreas física, mental e social. O Terapeuta Ocupacional tem como função
realizar estimulação precoce, observar o ambiente e se necessário adaptando-o para
que não ocorra super estimulação. Orientar os pais do neonato a respeito de como
cuidar desse bebê devido à prematuridade. O Método Mãe Canguru é muito
importante para que ocorra o desenvolvimento do prematuro, e o vínculo mãe-bebê.
Segundo Fontes (1984) é crescente a população de bebês com risco de
apresentar lesão neurológica perinatal. Em especial, são os prematuros e os Recém
Nascidos – RN de baixo peso ao nascimento que podem apresentar paralisia cerebral
nos primeiros meses de vida. (MARCONDES, 1994) (DIAMENT, 1996). É importante que
os afetados neurologicamente sejam identificados. Isto possibilita uma terapêutica
precoce com um programa de estimulação, que busca melhorar o desenvolvimento
neuropsicomotor. (BRANDÃO, 1985) (LOPES, 1999).
A observação dos reflexos é importante, pois se a criança não esboçar alguma
resposta ao estimulo, pode ser que haja alguma intercorrência que deve ser analisada
com profundidade e caso seja diagnosticado alguma anormalidade, pode haver a
intervenção precoce.
Existem alguns testes que servem para que ocorram intervenções precoces
com base nos resultados obtidos, estes são os reflexos. Alguns reflexos são abordados
na literatura como técnicas utilizadas para identificar propensões de problemas
futuros, leves, moderados ou graves. Alguns reflexos são: Reflexo de Moro, Reflexo de
Preensão Palmar, Reflexo de Sucção, Reflexo de Marcha Automática, entre outros.
De acordo com Capute (1982), Levitt (1982), Molnar (1979), quanto ao reflexo
de Moro, considera-se que a persistência após o sexto mês de vida pode indicar
suspeita de lesão neurológica.
Segundo Figueiredo (1984), Duarte (1985), Levitt (1982) e Nelson (1979) o
reflexo de preensão palmar é considerado um sinal indicativo de encefalopatia grave
quando está presente após o sexto mês de vida, quando há oponencia de polegar ou
ainda se está ausente desde o nascimento.
1221
Figueiredo (1984), Levitt (1982) e Alves (1999) dizem que, quanto ao Reflexo de
Sucção, a ausência ao nascimento e durante os primeiros meses é indício de grave
comprometimento do sistema nervoso central. E em relação ao Reflexo de Marcha
Automática, sua persistência além do segundo ou terceiro mês de vida pode ser
considerado sinal precoce de lesão neurológica. (BRANDÃO, 1985) (LEVITT, 1982).
Dessa maneira, entende-se que quanto mais cedo forem analisados os reflexos,
melhor será para intervir precocemente se necessário.
Um dos profissionais que pode analisar os reflexos é o Terapeuta Ocupacional
como citado no texto A assistência da Terapia Ocupacional sob a perspectiva do
desenvolvimento da criança. O Terapeuta Ocupacional pode dar assistência em relação
ao desenvolvimento da criança. Sendo que o olhar da Terapia Ocupacional sobre a
criança deve considerar as bases teóricas que abordam o processo do
desenvolvimento e a relação da criança com o mundo externo, buscando intermediar e
facilitar esse encontro e, quando necessário, adaptar o ambiente para que este possa
ocorrer. (MOTTA, M.P. TAKATORI, M.A., 2001).
O Terapeuta Ocupacional pode atuar na pediatria, mas sempre considerando o
instrumento de ações da Terapia Ocupacional, que é a tríade paciente-terapeuta-
atividade. Ou seja, o Terapeuta Ocupacional irá intervir, mas tem que analisar o
paciente como um todo, analisando as áreas biopsicossociais, e considerando a
vontade do paciente, para que a atividade seja prazerosa e os resultados sejam
melhores. Considerando, que na infância o brincar é de suma importância, e este deve
existir durante todo o tratamento.
O Terapeuta Ocupacional tem que analisar também o ambiente que seu
paciente é inserido, pois segundo Winnicott (1963), o ambiente aqui não tem mais a
função de prover de modo pleno o indivíduo, que já não se encontra num estado de
dependência absoluta, como no caso do bebê, mas continua fundamental para o
desenvolvimento da criança, adulto, idoso, como um contexto físico, social, cultural e
emocional que possibilitará percorrer a dependência em direção à independência, a
qual, nunca é totalmente alcançada.
A Terapia Ocupacional também trabalha com a reabilitação e surgem temas
como deficiência, incapacidade e desvantagem. Segundo a Organização Mundial de
1222
Saúde (1980), a deficiência refere-se a toda alteração do corpo ou aparência física, de
um órgão ou de uma função, qualquer que seja sua causa, indicando perturbação em
nível orgânico; incapacidade reflete as consequências da deficiência em termos de
desempenho e atividade funcional do individuo; e, desvantagem diz respeito aos
prejuízos que o individuo experimenta devido à deficiência e a incapacidade, refletindo
em sua adaptação e interação com o meio.
Dessa maneira afirma-se novamente a importância de uma boa avaliação do
paciente, considerando ele (pessoa), o ambiente físico que ele é/está inserido, e
demais pessoas que tem contato com ele. Prevalecendo dessa maneira terapêuticas
voltadas para a tríade paciente-terapeuta-atividade. Sendo que essas atividades
terapêuticas podem ser de diferentes abordagens: Integração Sensorial (enfatiza o
processamento sensorial dando como base um apoio vestibular, tátil e
proprioceptivo), Tratamento do neurodesenvolvimento (enfatiza o controle motor
(postura, tônus)), entre outras.
Logo, a Terapia Ocupacional referente à população infantil, enfatiza-se que são
as necessidades da criança que orientam os caminhos da assistência, pensando na
criança e seu contexto, incluindo dessa maneira a família. Focando que um sistema irá
interferir no outro, e o Terapeuta Ocupacional irá atuar de maneira que todos os
sistemas estejam equilibrados, e o paciente tenha suas necessidades supridas, e
possua maior autonomia e independência para realizar suas atividades cotidianas.
E não só o Terapeuta Ocupacional, mas outros profissionais devem unir-se para
intervir o mais precocemente a fim de analisar o desenvolvimento infantil, para que a
criança não tenha problemas futuros. Dessa maneira, deve haver o trabalho
multidisciplinar e interdisciplinar, prevalecendo à humanização que se faz cada vez
mais rara nos dias atuais.
A Terapia Ocupacional atua também na atenção ao desenvolvimento da
criança. Segundo Anderson (2003), o desenvolvimento da criança é um importante
determinante de saúde. Os primeiros anos de vida são considerados um período de
grande oportunidade para crescimento e desenvolvimento, estabelecendo uma base
crítica para a saúde e sucesso acadêmico da criança, como também um período de
vulnerabilidade.
1223
Nessa fase é comum identificar crianças que não são capazes de realizar as
tarefas típicas para sua idade cronológica, estabelecendo assim um atraso no
desenvolvimento. Mesmo havendo atraso no desenvolvimento, o desenvolvimento
será alcançado mais tarde que o normal. E haverá o desenvolvimento de domínios das
4 áreas: Desenvolvimento Motor; Desenvolvimento da Linguagem; Desenvolvimento
Adaptativo ou cognitivo; e, Desenvolvimento Social ou Pessoal.
Existem diversos fatores de risco para o atraso no desenvolvimento, alguns
fatores de risco são: ambiente, fatores biológicos, fatores genéticos (síndromes ou
patologias), entre outros. Esses fatores interferem todas as áreas biopsicossociais,
afetando assim a vida da pessoa afeta a estrutura e função do corpo, atividade, e
participação da pessoa nas atividades.
Segundo a AOTA (Occupational Therapy Practice Framework, 2002), a estrutura
e função do corpo traduzem a perda ou anormalidade de funções fisiológicas ou
psicológicas, e na terapia ocupacional significa observar os componentes de
desempenho: sensório-motor, cognitivo e psicossocial. Nas atividades, observa-se: a
limitação no desempenho das Atividades de Vida Diária - AVD ou outras atividades
rotineiras, o que na terapia ocupacional significa observar o impacto nas áreas de
desempenho: AVD, educação e brincar, considerando o contexto. A participação é
definida como restrição na participação ativa, quer por barreiras arquitetônicas ou
exclusão social, que na terminologia da AOTA traduz o contexto de desempenho, ou
seja, a casa, a escola e a comunidade. Logo, percebe-se que a Terapia Ocupacional
avalia a criança (a pessoa) como um todo (biológico, psicológico, e, social:
biopsicossocial), e todas as atividades propostas são com base nessa visão generalista.
A Terapia Ocupacional também tem como intuito identificar o desempenho
ocupacional da criança, seja ela com atraso no desenvolvimento ou não. Para
identificar o desempenho ocupacional, deve haver a detecção do atraso do
desenvolvimento, primeiramente. Detectar atrasos no desenvolvimento significa
observar com detalhe o comportamento, examinando cada mudança e considerando o
contexto no qual a criança está inserida. Esse processo requer uma avaliação global da
criança nas áreas de abrangência (HALEY, 1994; RIDZ, 2005), pois, como defendeu
1224
Gillete (1991), os conceitos básicos de uma profissão devem estar refletidos nos
termos e medidas utilizados na prática.
Alguns instrumentos são utilizados para a detecção do atraso no
desenvolvimento, alguns instrumentos são: Canadian Occupational Performance
Measure, The Perceived Efficacy and Goal Setting System (PEGS), Pediatric Evaluation
of Disability Inventory, Functional Independence Measure for Children, School Function
Assessment, Assessment of Motor and Process Skills, Histórico Lúdico, Escala Lúdica
Pré-Escolar, Alberta Infant Motor Scale (AIMS), Bayley Scale od Infant Development,
Home Observation for Measurement of the Environment, entre outros, sendo que cada
instrumento analisa alguns aspectos, podendo avaliar o desempenho ocupacional,
nível de independência, autonomia, etc.
Diante disso, aborda-se novamente a intervenção da Terapia Ocupacional que
deixa de lado a Intervenção Central (que analisava apenas a patologia) e passa a
utilizar a Abordagem Baseada na Família (sendo que nesta a família tem uma
participação significativa, pois, ao se avaliar uma pessoa tem que considerar todos os
sistemas que esta está inserida).
Diante de tudo que fora brevemente relatado, conclui-se que a Terapia
Ocupacional atua na área física, cognitiva, mental, social, nas fases da vida. Pode iniciar
abordando a infância, principalmente avaliando o desenvolvimento, a fim de
identificar possíveis atrasos. Sendo que o atraso de desenvolvimento consiste num
desfasamento entre a idade cronológica e a idade correspondente às aquisições
demonstradas, que se exprime de um modo mais ou menos uniforme. A partir disto, é
primordial que o profissional terapeuta ocupacional saiba realizar os testes de reflexos
e identificar se o desenvolvimento da criança está adequado para a faixa etária ou não.
Para que o profissional identifique algum atraso no desenvolvimento, ele deve
conhecer o desenvolvimento normal, e ser capacitado e qualificado para aplicar testes
de reflexos e assim diagnosticar algum atraso no desenvolvimento apresentado pela
criança na faixa etária especifica. E quanto mais precoce for detectado o atraso, mais
chances existem para que este não provoque sequelas mais graves e comprometam
mais ainda todo o desenvolvimento da criança.
1225
O Terapeuta Ocupacional deve saber o desenvolvimento normal para
identificar o atraso no desenvolvimento. E desta forma intervir precocemente para
que o atraso não interfira nas atividades da vida daquela pessoa e a torne dependente
de outra, já que o terapeuta ocupacional tem como um dos objetivos, proporcionar a
autonomia e independência aos seus pacientes.
CONCLUSÃO
Percebe-se que o Terapeuta Ocupacional pode atuar na maternidade e no
ambulatório com diversos objetivos, um destes é a detecção precoce de atraso no
desenvolvimento, para que possa haver a estimulação e acompanhamento precoce.
Logo, identificando precocemente qualquer atraso no desenvolvimento, o profissional
atuará a fim de minimizar os danos biopsicossociais, ressaltando que o homem
interfere no sistema e o sistema interfere no homem.
REFERÊNCIAS
COELHO, Z.A.; REZENDE, M.B. Atraso no desenvolvimento. In: CAVALCANTI, A.
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2007.
GOMELLA TL. Neonatologia: manejo, procedimentos, problemas no plantão,
doenças e farmacologia neonatal. 5. ed. Porto Alegre: Artmed; 2006.
GOMES, R. et al. Aprendizagem Baseada em Problemas na formação médica e o
currículo tradicional de Medicina: uma revisão bibliográfica. Revista Brasileira de
Educação Médica 33 (3): 444 – 451; 2009.
GUIMARÃES, E. L.; TUDELLA, E. Reflexos primitivos e reações posturais como sinais
indicativos de alterações neurossensoriomotoras em bebês de risco. Pediatria (São
Paulo) 2003; 25:28-34. Disponível em:
http://pediatriasaopaulo.usp.br/index.php?p=html&id=571. Acessado em: 17 de
novembro de 2013.
MAMEDE, S.; PENAFORTE, J. (org.). Aprendizagem baseada em problemas.
Fortaleza: Hucitec. 2001.
MOTTA, M.P.; TAKATORI, M. A assistência em Terapia Ocupacional sob a
perspectiva do desenvolvimento da criança. In: DE CARLO, M. M. R. P; BARTALOTTI,
1226
C.C. Terapia Ocupacional no Brasil: fundamentos e perspectivas. São Paulo; Plexus
Editora, 2001.
PIZZANI, L. et al. A detecção precoce dos fatores de risco relacionados à
prematuridade e suas implicações para a Educação Especial. Revista Educação
Especial. v. 25, n. 44, p. 545-562, set./dez. 2012.
SOUZA, A. C. de; GALVÃO, C. Terapia Ocupacional: Fundamentação & Prática.
Guanabara: Koogan. 512-519.
1227
INTERDISCIPLINARIDADE EM UM PROJETO DE PESQUISA: ENTRE OS ÂMBITOS DA
COGNIÇÃO E DA LINGUAGEM
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Sabe-se que o mundo, hoje, encontra-se inserido numa era de globalização, no
qual o conhecimento pode ser acessível a todos, com uma velocidade constante. De tal
forma, as informações, em instantes, tornam-se um objeto de posse para muitos,
porém, em poucos segundos tornam-se obsoletas. É a geração da rapidez, do
instantâneo, da fugacidade.
Em consonância com tal era, a forma como o conhecimento é assimilado,
absorvido e reformulado também sofreu alterações, ao longo do tempo. O que era
único, fechado em si próprio, ou o que comumente chamam de resignado a uma “área
dura” passou a não responder a tantos questionamentos (demanda científica),
justamente por se limitar ao seu campo exclusivo de trabalho.
1228
Assim, o conhecimento ansiava por desvendar novas veredas; um desejo
emergente e urgente de transcender aquilo que já era de propriedade de uma
determinada área. Foi devido a esta urgência, que surgiu a interdisciplinaridade.
Este estudo, motivado por esta nova forma de conceber e elaborar o
conhecimento, pretende fazer uma ponte entre a cognição e a linguagem, a partir de
um projeto de pesquisa em andamento do Programa de Pós-Graduação em Cognição e
Linguagem (UENF) – Desempenho na escrita de redação e a crença de autoeficácia: um
estudo com pré-vestibulandos em Campos dos Goytacazes/RJ - , verificando se o último
pode ser considerado um trabalho interdisciplinar, visto que esta é a proposta inicial
do referido programa.
Partindo destas considerações, atuarão como referências bibliográficas
principais as obras Interdisciplinaridade em ciência, tecnologia e inovação (PHILIPPI JR.
& SILVA NETO – Ed., 2010), Argumentação e desenvolvimento do Pensamento Reflexivo
(LEITÃO, 2007), Epistemologia e cognição (ABRANTES org., 1994) e Práticas
Interdisciplinares na escola (FAZENDA, 2013).
Assim, o presente artigo desvendará os caminhos que levaram ao aparecimento
da interdisciplinaridade, além de compreender os conceitos de cognição e linguagem,
salientando a importância desta pesquisa por tratar de uma temática tão atual e que,
sem dúvida, será a sustentação e o embasamento das investigações que estão por vir.
A INTERDISCIPLINARIDADE
O presente tópico fará uma análise de como o conhecimento elaborou um
trajeto até o campo interdisciplinar, partindo, principalmente do capítulo Histórico,
fundamentos filosóficos e teórico-metodológico da interdisciplinaridade (ALVARENGA,
et.al., 2010) do livro Interdisciplinaridade em ciência, tecnologia e inovação organizado
por Arlindo Philippi Jr e Antônio Silva Neto. A obra foi produzida com apoio da Escola
de Altos Estudos da CAPES, em comemoração aos 10 anos da área multi e
interdisciplinar da CAPES e ficou em segundo lugar no 53º Prêmio Jabuti, na categoria
Educação.
Interdisciplinaridade em ciência, tecnologia e inovação advoga que a
interdisciplinaridade é um campo do conhecimento em construção. Ela emerge no ano
1229
de 1960. Entretanto, para adentrar neste assunto é preciso, primeiramente, analisar
seus pressupostos; neste caso, a ciência.
Analisando a história da ciência, Japiassu (2006 citado por ALVARENGA, 2010)
diz que se trata de uma categoria da história moderna, na medida que não se encontra
nada equivalente na história da humanidade. O que hoje se trata como ciência era
conhecido como Filosofia Natural, firmando-se apenas com a nomenclatura primeira,
na segunda metade do século XIX.
A partir daí, a ciência distancia-se de todas as outras formas de conhecimento,
baseando-se apenas em provas argumentativas apoiadas na razão, através da
experimentação e da verificação. Japiassu (2006 citado por ALVARENGA, 2010) ainda
contribui ao dizer que são as transformações pelas quais o mundo passa que
permitirão explicar as condições favoráveis para o surgimento da Ciência Moderna, a
qual nasce no Ocidente e começa a ganhar expressão na 2ª fase da história da
Universidade de Paris, nos séculos XVIII e XIX. Concomitante à criação das
Universidades de Berlim e de Londres, a ciência inicia seu processo de fragmentação
numa série de especialidades fechadas, as disciplinas.
Maria Elisa Ferreira, no capítulo Ciência e Interdisciplinaridade do livro Práticas
interdisciplinares na escola (FAZENDA, 2013) ressalta, em relação a este paradigma
desvinculado da realidade, que:
É uma fase da ciência que se demonstra totalitária, uma vez que nega todas as
outras formas de conhecimento que não se pautam nos seus princípios (SANTOS, 2004
citado por ALVARENGA, 2010). A crítica aos limites da Ciência Moderna indica a
importância e o reconhecimento da interdisciplinaridade, como nova forma de se fazer
ciência.
A interdisciplinaridade busca respostas para o que a ciência fechada em si
mesma não conseguia responder. Diante disso, os saberes são (re)ligados e como
1230
consequência novas áreas do conhecimento multiplicam-se. O termo passa a ganhar
espaço em Congressos, debates, como forma de promover conexões/intercâmbios.
Muitos são os estudiosos que tratam (trataram) deste assunto, enriquecendo as
discussões, como Piaget (considerado o criador da transdisciplinaridade), Jantsch,
Heckhausen, Marcel Boisot, Berger, entre outros. Muitos deles refiguraram o citado
termo, nomeando outras situações de ampliação do conhecimento, como a
multidisciplinaridade e a transdisciplinaridade, por exemplo, o que é destacado por
Ivani Fazenda, disseminadora da interdisciplinaridade no Brasil: “Muitos estudiosos
têm tomado para si a tarefa de definir a interdisciplinaridade e, nessa busca, muitas
vezes se perdem na diferenciação de aspectos tais como : múlti, plúri e
transdisciplinaridade” (2013, p. 18).
Assim, é necessário uma reflexão neste sentido, a fim de que tais
nomenclaturas não sejam confundidas. Retomando Piaget (1972 citado por
ALVARENGA, 2010), o mesmo apresenta 3 formas específicas do conhecimento:
1) Multidisciplinaridade: colaboração mútua de duas ou mais ciências, sem que
as disciplinas sejam modificadas ou enriquecidas (patamar inferior);
2) Interdisciplinaridade: há reciprocidade dentro das trocas / enriquecimento
mútuo/ busca de estruturas mais profundas;
3) Transdisciplinaridade: não se contenta com as interações entre as
disciplinas, mas situa as ligações no interior de um sistema local
O que é importante depreender destas definições, especificamente neste
trabalho, é que como foi dito, o conhecimento vive um processo de transição e a
interdisciplinaridade faz parte deste contexto, constituindo-se uma forma
enriquecedora de se fazer ciência através do diálogo entre áreas, que até então
poderiam ser consideradas não relacionáveis:
1231
libertadora, pois permite enriquecer nossa relação com o outro e
com o mundo (FAZENDA, 2013, p.20).
COGNIÇÃO E LINGUAGEM
A cognição e a linguagem são duas áreas que se relacionam diretamente ao
longo do desenvolvimento do ser humano. Como é de conhecimento geral, o homem é
dotado de pensamento, o qual ganha expressão através da linguagem.
São muitos os estudos que comprovam tal relação, e até mesmo teorias de
grande prestígio no mundo científico, como as de Piaget e Vygotsky, por exemplo.
Todavia, é importante, primeiramente, tentar explicar e esclarecer os respectivos
conceitos. Para esta tarefa, se fará necessária um breve comentário sobre algumas
passagens do artigo Argumentação e desenvolvimento do pensamento reflexivo
(LEITÃO, 2007), além da análise de alguns trechos do livro Epistemologia e cognição
(ABRANTES –org., 1994).
Tendo em vista as referidas obras, percebe-se que a cognição e a linguagem,
mais uma vez, ocupam um papel importante nas investigações acadêmicas, por
justamente compartilharem de um objeto de estudo, o homem.
De acordo com Abrantes (1994, p.9), a cognição reúne “uma variedade de
processos associados à percepção, ao raciocínio, à resolução de problemas, à
aprendizagem, à memória, etc.”. Deste modo, pode-se inferir que a cognição é relativa
aos processos de pensamento e/ou do conhecimento humano.
Retomando Piaget (1999) e Vygotsky (1995), ambos enxergavam a reflexão/a
cognição/ o pensamento como processos ligados às formas argumentativas de
comunicação. Na verdade, esta ligação levou algum tempo para ser considerada
relevante, devido justamente às diferentes concepções pelas quais a linguagem
passou: a)linguagem como representação (espelho) do mundo, b) linguagem como
instrumento (ferramenta) de comunicação, c)linguagem como forma (“lugar”) de ação,
1232
interação. Diante de tais concepções e a partir de investigações e transformações
ocorridas durante este processo, verificou-se que, na essência, o homem é a
linguagem, visto que esta faz a mediação entre o indivíduo e o mundo.
É importante destacar que quando se fala em linguagem, há uma referência aos
padrões de comunicação criados pelos sujeitos, como a fala, a escrita, as imagens, etc.
Sem linguagem, não há aquisição de conhecimento, isto é, não há cognição.
Selma Leitão, baseando-se em estudos de Bakhtin (1995) e Vygotsky (1995),
ressalta que:
1233
PROJETO DE PESQUISA EM FOCO: SUA INTERDISCIPLINARIDADE
Este tópico do trabalho preocupa-se com a verificação de elementos
interdisciplinares referentes a um projeto de pesquisa em andamento no Programa de
Pós-Graduação em Cognição e Linguagem, do Centro Ciências do Homem, da
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. O referido projeto tem
como título “Desempenho na escrita de redação e a crença de autoeficácia: um estudo
com pré-vestibulandos em Campos dos Goytacazes/RJ”.
A temática dessa pesquisa surgiu de uma reflexão, primeiramente, sobre as
diversas oportunidades de acesso ao ensino superior, hoje, no Brasil. Estas
oportunidades, tanto públicas quanto as privadas, têm apresentado-se como uma
realidade desde o final dos anos 90, sobretudo a partir da criação das políticas
públicas, como o Enem, o Pró-Uni, o FIES, por exemplo, conforme afirma Zago (2008).
Assim, ao mesmo tempo, surgiram os Cursos Pré-Vestibulares, aulas preparatórias
para auxiliar neste processo de ingresso à faculdades e universidades do país.
Em diversos exames pré-vestibulares que ocorrem no Brasil, há um grande
enfoque na Língua Portuguesa e suas vertentes. Além disso, geralmente, a nota neste
campo disciplinar tem grande relevância, no que se refere à parte de Redação, a qual
exige do aluno um olhar crítico, argumentos definidos, o domínio da norma culta, além
de outras habilidades.
Desta forma, havendo a motivação por esta temática, o problema desta
investigação surgiu de uma pesquisa feita por Albert Bandura e Barry Zimmerman
(1994) ao analisarem o impacto das influências autorreguladoras no desempenho nos
cursos de redação com calouros de uma faculdade. Tal estudo concluiu que a
autoeficácia acadêmica observada - a crença na própria capacidade para organizar e
executar ações requeridas ao desempenho de situações específicas (Bandura, 1997) -
afetou a nota de aprendizado diretamente e também por seu impacto no
estabelecimento de metas pessoais.
Por ser um elemento tão importante e determinante nas diversas situações que
o homem enfrenta, a autoeficácia também se constitui como regulador dos
pensamentos e do comportamentos dos indivíduos. Assim a autoeficácia está
1234
intimamente ligada às metas que um sujeito estabelece para si próprio, aos seus
pensamentos otimistas e/ou pessimistas que ele cria ao executar certa tarefa, além de
permitir a autorregulação e o autocontrole, conforme Zimmerman (1999, p.193)
destaca: “as crenças de autoeficácia influenciam sobre as metas que as pessoas
selecionam e sobre o compromisso que adquirem com elas. Quanto mais capaz uma
pessoa se considera, mais fortes são as metas que estabelece para si mesma”.
A partir desta consideração, pretende-se reconfigurar o respectivo estudo com
outros sujeitos, especialmente pela relevância de uma dissertação-argumentativa bem
elaborada como quesito para aprovação num vestibular/ENEM
Esta pesquisa de natureza quantitativa e do tipo descritivo, quanto ao ponto de
vista dos objetivos, tem como intuito geral analisar a relação entre a crença de
autoeficácia e o desempenho em redação de alunos inscritos no curso Pré-Vestibular
(a ser definido), em Campos dos Goytacazes/RJ. Sua metodologia consistirá de analisar
conceitualmente a crença de autoeficácia – assim como a autorregulação da
aprendizagem e seu aspecto motivacional -, e investigará, bibliograficamente, o
universo dos cursos Pré-Vestibulares e a escrita de redação. Além desta etapa, haverá
a aplicação, no início do cursinho, de um questionário e de um inventário de escrita
aos pré-vestibulandos (elaborado por Bandura e Zimmerman) com 25 questões, além
de um teste de autosatisfação. Os resultados destes instrumentos serão
comparados/relacionados com as notas finais das redações feitas nos simulados do
respectivo Curso Pré-Vestibular, obedecendo aos critérios de avaliação do Exame
Nacional do Ensino Médio (ENEM).
A partir destas observações a respeito do projeto de pesquisa analisado, busca-
se investigar se o mesmo encaixa, de fato, na proposta interdisciplinar do Programa de
Pós-Graduação em Cognição e Linguagem (CCH-UENF). Nesse programa, prioriza-se
um diálogo entre as diversas áreas do conhecimento, promovendo assim uma reflexão
crítica, ancorada na realidade:
1235
o de pôr em contato essas diferentes abordagens para produzir um
conhecimento mais vasto, mais profundo, mais fértil e mais útil
socialmente do que o restrito conhecimento especializado, a respeito
da cognição e da linguagem, tal como figuram em nossas duas linhas
de pesquisa (SOUZA, 2014, p.15).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste trabalho, foi enfatizada a importância de se considerar a relação
cognição-linguagem como algo inerente ao ser humano – fato este comprovado por
muitos estudiosos.
A essência dialógica do homem evidencia a necessidade deste em fazer
interagir seu psiquismo e o aspecto social. Neste contexto, nota-se que, em síntese,
pode-se considerar que o os indivíduos são interdisciplinares, conforme Assumpção
diz: “a interdisciplinaridade mostra-se fundamentada na intersubjetividade, tornando-
se presença, através da linguagem como forma de comunicação e expressão humana.”
(in FAZENDA, 2014, p.30)
1236
Analisar e verificar se uma pesquisa insere-se num aspecto interdisciplinar
consiste em estabelecer relações, diálogos, de forma que um fato não seja encarado
de forma isolada, mas que sofra influências da interação entre diversos campos.
Ter foco, intencionalidade e respeito por cada área que norteia um estudo
interdisciplinar é a chave de sucesso para a compreensão de qualquer fenômeno.
REFERÊNCIAS
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Brasília, 1994.
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Florianópolis, v. 26, n. 1, 149-174, jan./jun. 2008
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afrontamos los câmbios de La sociedad actual (Albert Bandura – Ed.). Biblioteca de
Psicología Desclée de Brouwer, 1999.
1238
ORTOTANÁSIA: A MORTE NO “TEMPO CERTO” E O DIREITO EXISTENCIAL À
AUTODETERMINAÇÃO
INTRODUÇÃO
Desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, passando pela
consagração da dignidade da pessoa humana no texto constitucional, logo no artigo
1º, o assopro de constitucionalização, descortinou novas fronteiras aos direitos da
personalidade, que passaram a ter um tratamento legal, doutrinário e jurisprudencial
mais exigente, visando acompanhar a perspectiva de respeito à pessoa inaugurada
pela vigente Carta Cidadã, de 1988.
Nessa linha de intelecção, os direitos relativos à dignidade da pessoa humana,
os direitos de personalidade, também denominados direitos existenciais, se assentam
sobre novos paradigmas, alçando a autodeterminação a um status jamais verificado.
Na perspectiva civil-constitucional, de mais ampla tutela aos direitos existenciais, a
Ortotanásia se mostra importante discussão atual e de grande relevância para a
1239
efetividade dos direitos fundamentais assegurados pela constituição democrática em
vigor.
O presente artigo visa abordar o respeito à autodeterminação da pessoa no que
tange à sua livre escolha quanto à opção pela Ortotanásia e demais decisões sobre
como deseja passar os últimos dias de sua existência com vistas à efetividade da tutela
dos direitos existenciais – cerne dos elevados anseios desta Constituição Democrática.
Será desenvolvida uma abordagem bibliográfica da temática. Utilizou-se metodologia
qualitativa, mediante pesquisa bibliográfica em autores contemporâneos, estudiosos
do assunto de artigos científicos jurídicos e do Conselho Federal de Medicina. Na
perspectiva da temática eleita – Constituição democrática e efetivação dos direitos –
tem-se a Ortotanásia como discussão pertinente no que tange ao respeito à
autodeterminação da pessoa e à efetividade dos direitos existenciais
constitucionalmente tutelados.
PRINCIPIOLOGIA CIVIL-CONSTITUCIONAL
Respeito à dignidade da pessoa humana
A dignidade da pessoa humana, elencada no artigo inaugural da Constituição
Cidadã, não sem razão, confere grande primazia aos atributos da personalidade,
elevando-a a valor de altíssima grandeza, o que "demonstra sua precedência – não
apenas topográfica, mas interpretativa - sobre todos os demais capítulos
constitucionais” (ROSENVALD, 2007, p. 35). E o fez com a finalidade de que sejam
resguardados os ideais de cidadania que inspiraram a Carta de 1988. Essa precedência
impõe que a dignidade humana, não mais simplesmente como princípio, mas como
valor do Estado Democrático de Direito, seja analisada com primazia sobre qualquer
outro princípio, pois ferir a dignidade humana, importaria lesão a toda a principiologia
constitucional, e, por via reflexa, feriria todo o ordenamento jurídico. Comenta
Perlingieri (2007, p. 155, 156), que "A personalidade é, portanto, não um direito, mas
um valor (o valor fundamental do ordenamento) e está na base de uma série aberta de
situações existenciais, nas quais se traduz a sua incessante mutável exigência de
tutela", passando a ser axioma a permear toda conduta no estado democrático de
direito.
1240
Explica Schreiber (2007, p. 86) que a dignidade humana é a essência dos
direitos da personalidade, não podendo se limitar, como cláusula geral, a interesses
restritos.
A ortotanásia traz o ser humano para o centro da discussão. Valorizar a vida
humana é considerar o homem como um ser complexo, formado por dimensões
biopsicológica, social e espiritual. Toma como ponto de partida o fato de que por mais
que a doença subtraia as faculdades normais do enfermo, não será capaz de tirar-lhe a
dignidade, que deverá acompanhá-lo até o último suspiro.
ORTOTANÁSIA
Cabe aqui diferençar Eutanásia de Ortotanásia. Enquanto na Eutanásia a morte
se dá no momento em que age o terceiro movido pela condolência, provocando o
processo de falecimento, na Ortotanásia, a intervenção não influenciará o destino do
doente terminal, apenas garantirá que a morte seja menos dolorosa e ocorra no seu
tempo certo. Em suma, aduz Santoro (2013, p. 22), “ortotanásia é a supressão de
cuidados, a não ser os paliativos, em pacientes que se encontrem em estado terminal,
cujo curso da morte já se iniciou. Assim não há uma conduta positiva ou negativa que
1242
seja a causa do resultado morte.” O enfermo deve ser considerado incurável quando
não há qualquer chance de recuperação que leve o médico ao dever de agir. Sendo
incurável, deve o médico optar pelo máximo de cuidados paliativos.
Relevante ainda asseverar que distanásia é justamente o contrário, é a
obstinação terapêutica, a busca pela vida a qualquer custo, sem se ponderar o melhor
interesse do doente, havendo preterição da dignidade da pessoa humana em
detrimento da luta pela infalibilidade da ciência, que levada ao extremo, assemelha-se
à tortura, dado o nível de sofrimento e dor a que submete o doente.
Cabe ainda ponderar que a vida não deve ser entendida como um direito
absoluto. Quando a CF/88 garante que o direito à vida é inviolável (caput do artigo 5º),
quer protegê-lo contra toda ação ou omissão injusta. A Ortotanásia apenas ressignifica
a relativização do direito à vida, para entendê-lo como uma oportunidade de
promover a morte com dignidade, como corolário da vida digna.
Conceito
Ortotanásia é uma palavra de etimologia grega, formada pelas expressões ortos
(certo) e tanatos (morte natural, no tempo certo). Estudos realizados pelo professor
Jackes Roskam, em 1950, apresentaram um conceito intermediário entre provocar a
morte e prolongar o processo de morte (SANTORO, 2012, p. 132). Concluiu que, entre
antecipar o fim da vida humana por meio da eutanásia e prolongá-la pela obstinação
terapêutica (distanásia), há um instituto intermediário que é a morte na hora correta,
natural – a Ortotanásia.
A Ortotanásia somente tem lugar mediante constatação de estado terminal do
paciente, caracterizado pela morte inevitável e iminente, configurado pelo início do
processo de morte, no qual qualquer conduta interventiva se mostraria ineficaz para
evitar o resultado morte. O fim altruístico que move a prática da conduta é uma
característica que compõe o conceito de Ortotanásia. O enfermo não será deixado à
própria sorte, sendo-lhe deferidos cuidados paliativos, já que a Medicina Paliativa
desenvolveu-se, mudando o foco de atenção da doença para o paciente e, ao fazê-lo,
passou a tratar o enfermo de forma integral (VIEIRA, 2012, p. 263). Visa a aliviar a dor
1243
física e sintomas da moléstia, com ênfase em tratar o sofrimento psicológico e
espiritual da pessoa acometida de doença grave, evolutiva ou terminal.
Por fim, é indispensável o aspecto do consentimento do enfermo ou,
subsidiariamente, da família, a anuência. Trata-se do consentimento informado
(CABRAL, 2011, p. 64). Farias e Rosenvald (2013, p. 214) acrescentam que “o
profissional da Medicina tem de atuar em conjunto com o paciente, orientando sem
coagir e sem menosprezar a vontade”.
Disciplina jurídica
No âmbito do Direito Criminal, o Projeto de Lei nº 236, de 2012, de autoria do
Senador José Sarney, que trata da reforma do Código Penal Brasileiro, prevê a
inexistência de crime para o médico quando deixar de fazer uso de meios
extraordinários, adoção de cuidados paliativos e atestado de morte iminente por dois
médicos. Restando clara a atipicidade da conduta do médico, cabe ressaltar a
relevância de que o estado de terminalidade (caracterizado pelas expressões morte
iminente, inevitável e doença irreversível) seja atestado por dois médicos, o que
conduz a uma segurança maior a respeito do quadro clínico do enfermo que se valerá
da Ortotanásia.
No âmbito do Direito Civil-constitucional, toda a principiologia voltada para a
tutela da dignidade da pessoa humana busca proteger os direitos de personalidade e
todas as suas emanações, constituindo-se a autodeterminação, o livre arbítrio e a
possibilidade de autogovernar-se, a base do direito constitucional à liberdade.
Comenta Moraes (2009, p. 93) que a tutela psicofísica das garantias penais é muito
mais restrita do que a contida na órbita cível151, sendo a segunda apta a preservar um
âmbito muito maior de hipóteses de interesses existenciais.
Embora sempre houvesse princípios implícitos e disciplina sobre o respeito à
vontade humana no que tange aos tratamentos de saúde, o Enunciado nº 403 do
Conselho de Justiça Federal, na V Jornada de Direito Civil, regulamenta o art. 15 do
151
Comenta a autora: “No princípio da proteção à integridade psicofísica da pessoa humana estão
contemplados, tradicionalmente, apenas o direito de não ser torturado e o de ser titular de certas
garantias penais, como o tratamento do preso nas detenções e nos interrogatórios, a proibição de penas
cruéis, etc. Na esfera cível, no entanto, a integridade psicofísica vem servindo a garantir numerosos
direitos da personalidade [...].” (MORAES, 2009, p. 93).
1244
Código Civil, admitindo que a pessoa possa se negar a tratamento médico, inclusive
transfusão de sangue.
Toda a proteção deferida pela ciência jurídica à dignidade da pessoa, liberdade
de autodeterminação e exercício do livre arbítrio buscam efetivar o direito civil-
constitucional.
Por fim, o direito à Ortotanásia chega aos tribunais, sendo indispensável
colacionar parte da ementa e breve comentário do relatório da Apelação Cível Nº
70054988266 do TJRS. Desprovida por unanimidade. Decisão recente, de 20.11.2013.
Relator: Des. Irineu Mariani.
O relator reconheceu que o paciente idoso estava lúcido, vendo a morte como
alívio do sofrimento. Salientou se tratar de um caso que se insere na dimensão da
Ortotanásia. E se o paciente se recusa ao ato cirúrgico mutilatório, conclui o relator,
invocando o princípio da dignidade da pessoa humana: em relação ao seu titular, o
direito à vida não é absoluto e nem pode ele ser obrigado a se submeter a cirurgia com
risco (art. 15 CCB). Negou provimento à pretensão que era do Ministério Publico.
A Ortotanásia vem assumindo seu papel precípuo de tutelar a
autodeterminação da pessoa enferma, bastando para isso que tenha ela capacidade,
apresente estado de terminalidade e manifeste vontade de forma livre (consentimento
informado). A orientação dessa decisão com certeza servirá como precedente para
1245
julgamentos de muitas outras situações concretas em busca de efetividade da
autodeterminação da pessoa enferma.
152
Resolução Nº 1.931 do Conselho Federal de Medicina, de 17 de setembro de 2009, publicado no
Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 24 set. 2009 em vigor a partir de 13/04/2010.
1246
registrada no prontuário médico, podendo o doente requerer uma segunda opinião
médica.
Ainda há que se ressaltar a adoção de cuidados paliativos como uma normativa
da Medicina, que protege a pessoa nessa fase final de vida, na qual já se encontra
debilitada, diminuindo-lhe as dores e proporcionando bem estar (será tratada em
tópico autônimo).
O Estado de São Paulo é pioneiro com a Lei Estadual 10.241 /1999, que regula
direitos dos usuários dos serviços de saúde, assegurando ao paciente terminal o direito
de recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida.
Mário Covas, governador do Estado à época, disse que sancionava a lei como político e
como paciente (com câncer já diagnosticado). Dois anos depois, estando em fase
terminal, dela se valeu pra recusar legitimamente o prolongamento artificial da vida
(FARAH). O foco da intervenção deixa de ser a doença para atender ao doente,
entendido com um ser único, ativo, com direito à informação e à autodeterminação
1247
(autonomia plena para decisões a respeito de seu tratamento). A prática correta dos
cuidados paliativos prioriza a atenção individualizada ao doente e à sua família,
buscando sucesso no controle e prevenção do sofrimento.
O termo paliativo se origina da expressão pallium que em latim, significa
manto, entendendo-se que o objetivo dos cuidados paliativos é envolver com um
“manto” de cuidados o enfermo em fase avançada da doença, a fim de lhe
proporcionar alívio da dor, conforto e qualidade de vida. Há uma sadia convergência
de condutas entre a Ortotanásia e a adoção de cuidados paliativos com a finalidade de
que a morte ocorra de forma natural.
Por fim, cabe ressaltar alguns princípios norteadores dos cuidados paliativos
enunciados pela Organização Mundial de Saúde em 2002 e apontados por Pessini;
Bertachini (2005): alívio de dor e estresse; vida como process0o natural; não antecipa,
nem posterga a morte; oferece suporte e auxílio ao paciente e à família até a morte;
deve ser iniciado o mais rápido possível.
O Projeto de Lei nº 524/2009, do Senado Federal, traz oportunas definições de
procedimentos paliativos, cuidados básicos, tratamentos desproporcionais e
extraordinários, nos incisos II a VI do seu artigo 3º. Entendido o cuidado paliativo como
tratamento proporcional ao estado terminal, cabe à equipe médica diagnosticar as
condições de sobrevida, optar pelos tratamentos que minorem o sofrimento e
promovam a dignidade humana, sem deixar de suprir o paciente e a sua família de
todas as informações e ferramentas para que continue decidindo os rumos de sua
própria vida.
1248
de forma especial (art. 107 do CCB), podendo ser realizado por documento particular
ou por escritura pública, sem que a forma comprometa sua validade, produção de
efeitos e efetividade.
Borges (2007, p. 240) o conceitua como “documento em que a pessoa
determina, de forma escrita, que tipo de tratamento ou não-tratamento deseja para a
ocasião em que se encontrar doente, em estado incurável ou terminal, e incapaz de
manifestar sua vontade”.
Assim, pode-se dizer que o Testamento Vital é um instrumento no qual a
pessoa expressa decisões a serem tomadas a respeito de si mesma ou de sua saúde
com produção de efeitos futuros, para o momento de inconsciência, sendo que a
grande questão a ser enfrentada, reside na efetividade quanto ao cumprimento das
declarações nele contidas. Deve ser escrito, datado e assinado de próprio punho ou
digitado. Pode ser ainda registrado em cartório, sob forma de escritura pública, cujo
principal escopo é limitar a atuação médica e da própria família no momento em que o
titular da vida e da saúde já não possui capacidade para decisão. O autor deve avisar
ao médico e à família da existência desse documento, podendo solicitar que seja
anexado ao prontuário (se físico) ou digitalizado (se virtual) a fim de garantir
efetividade.
1249
Além dessas razões, o vigente Código Civil Brasileiro (CCB), no seu art. 15
determina: “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a
tratamento médico ou a intervenção cirúrgica” – razão primeira para se afirmar que a
lei interna oferece uma tutela bastante cuidadosa à pessoa e suas decisões,
permitindo-lhe o direito a não sofrer, conforme já comentado em tópico anterior. Um
direito que transcende todas as tendências anteriores da Medicina cuja obstinação
terapêutica (ou distanásia) era um compromisso do médico, inafastável pela vontade
do paciente.
A nova perspectiva do Direito e da Medicina faz ruir a clássica interpretação do
juramento hipocrático que fazia o médico refém da obrigação de “salvar a vida” em
qualquer circunstância. Agora, por várias disposições legais, a pessoa somente se
submete a certos tratamentos se optar por eles, devendo o médico, pelas razões
insculpidas no Código de Ética e já apresentadas nesta breve reflexão, respeitar a
vontade e a decisão da pessoa. Mediante consentimento informado.
A adoção de cuidados paliativos, a observância do testamento vital e proteção
pelo Judiciário, conforme se verificou no julgado supra, são medidas capazes de
imprimir efetividade ao direito do enfermo que deseja se valer da Ortotanásia, sem
prejuízo da legislação específica que se faz necessária no âmbito Civil. Enfim, a
efetividade dos direitos existenciais depende ainda de atuação consciente do
Judiciário, como foi possível constatar no acórdão proferido na Apelação Cível
interposta pelo Ministério Público no TJRS. Enquanto não há lei específica, cabe ao
Judiciário agir em consonância com a doutrina, princípios constitucionais e livre
convencimento motivado em defesa da autodeterminação do enfermo.
Em boa doutrina, analisa Barroso (2009, p. 83), o significado da expressão
efetividade: “a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela
representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a
aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da
realidade social."
Assim, um direito somente se efetiva quando se torna real no mundo sensível,
fazendo-se respeitar. Mas, em relação ao objeto em análise, como assegurar a
1250
efetividade da vontade do titular do bem jurídico “vida”? Como assegurar-lhe que não
será submetido a tratamentos, a seu ver, desumanos, inúteis e cruéis?
Tanto a Medicina (Resoluções do CFM e atuação ética dos profissionais) como o
Direito (leis, doutrina e jurisprudência) são ciências que traçam uma necessária
interdisciplinaridade no sentido de proteção da pessoa: “ambas as ciências são
corresponsáveis pela efetividade da tutela dos direitos existenciais” (CABRAL, 2011, p.
94).
Acrescenta Barroso (2009, p. 287) sobre a atuação do Estado para a efetividade
das normas: “são imprescindíveis instituições, atitude e procedimentos aptos a fazer
atuar, concretamente, o comando abstrato da norma”. Então, em relação à
Ortotanásia, somente haverá efetividade quando a autodeterminação da pessoa
enferma for respeitada e seus desejos para os últimos dias de existência forem
cumpridos pelo Poder Público, por médicos, família e amigos, que possuem o poder-
dever de cumprirem as determinações verbais ou expressas em testamento vital,
imprimindo efetividade ao direito fundamental à liberdade, manifestados pela
autodeterminação, livre arbítrio e em respeito à dignidade da pessoa que deseja
realizar a Ortotanásia, por entender que certos tratamentos absolutamente
desnecessários e degradantes podem se tornar verdadeira tortura para a fase terminal
de sua vida que é tão importante quanto à inicial, a merecer tantos cuidados e
respeito, já que a pessoa se vê completamente fragilizada. Seria desarrazoado na fase
terminal ceifar da pessoa o direito de morrer dignamente, sem dor e sofrimentos que
podem e devem ser evitados.
CONCLUSÃO
Os direitos existenciais firmados sobre a perspectiva do direito à
autodeterminação, alça a autodeterminação a um valor intrínseco à dignidade
humana, valor supremo, fundamento da República Federativa do Brasil. Assim, a
pessoa capaz que não deseja suportar tratamentos desumanos e inúteis, que pela
intensidade da dor podem ser comparados à tortura, pode optar pela Ortotanásia, a
fim de aliviar suas dores e encontrar refrigério para atravessar a fase mais delicada de
sua vida, que são os derradeiros momentos da existência humana.
1251
Tanto o Direito Criminal como o Civil-constitucional, encontram-se caminhando
no sentido de tutelar o direito à autodeterminação, reconhecendo na Ortotanásia uma
conduta lícita e em consonância com a dignidade da pessoa humana, oferecendo a
mais ampla tutela aos direitos existenciais. Além disso, a Medicina, no mesmo sentido,
vem protegendo a pessoa, sua autodeterminação e a prática da Ortotanásia, que conta
com a resoluções importantes do Conselho Federal, a disciplina contida no Código de
Ética Médica (protegendo direitos, consentimento e respeito ao paciente) e a
específica do tema em tela, a Resolução Nº 1805/2006, considerada um avanço até
mesmo maior que o Direito.
Delineou-se a aceitação da aplicação da Ortotanásia pelo Direito, pela
Medicina, inclusive comentando-se um julgado de vanguarda do tribunal do Rio
Grande do Sul, que garantiu ao doente o direito de não ter o pé amputado, com base
no direito de decidir lucidamente sobre sua saúde, invocando inclusive o art. 15 do
CCB que desobriga a pessoa a se submeter a intervenções contrárias à sua vontade.
Efetividade desses direitos mostra-se a grande questão, que paulatinamente
vem ocorrendo, seja através do atuar ético do médico, de uma sentença justa como a
do juiz monocrático que sentenciou no mesmo sentido que o tribunal do RS e ainda na
conduta da própria família em se posicionar com respeito aos desejos do doente,
atendendo sua vontade, ainda que manifestada de forma verbal. Vale destacar ainda a
importância do testamento vital, que deve ser fomentado a fim de que se aumente a
efetividade da prática lícita e ética da Ortotanásia, conforme já se salientou, sem
prejuízo de necessária disciplina jurídica capaz de fornecer segurança para a prática
ética da Ortotanásia em relação a todos os sujeitos envolvidos, como enfermos,
familiares, médicos e operadores do direito.
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1252
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VIEIRA, Mônica Silveira. Eutanásia: humanizando a visão jurídica. Curitiba: Juruá
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1253
1254
A RELEVÂNCIA DO CONTRATO NO ÚTERO DE SUBSTITUIÇÃO
INTRODUÇÃO
O tema a ser exposto abordará a sistemática contratual na prática do “útero de
substituição”, assim como a interdisciplinaridade do tema e sua inerente
complexidade.
A técnica do “útero de substituição” constitui-se como uma prática de
reprodução medicamente assistida que não pressupõe o ato sexual, envolvendo duas
partes: os solicitantes – um casal ou uma mulher impossibilitado(a) de gerar filhos por
não ter condições física e biológica de sustentar uma gestação – e a mulher
(meramente) hospedeira que cede o próprio útero pactuando um acordo com a outra
1255
parte com o intuito de solucionar a concretização do projeto familiar do(s)
solicitante(s) e dar continuidade em suas linhagens hereditárias.
A prática em questão não é prevista em qualquer legislação pátria de forma
expressa ou, ainda, tácita. A única regulamentação existente é a Resolução do
Conselho Federal de Medicina, como parâmetro moral e ético, mas que não possuem
força de lei, portanto incapaz de controlar as consequências jurídicas provenientes da
utilização da técnica, inexistindo qualquer tipo de sanção penal prevista para as
possibilidades de descumprimento. Entretanto, é o que tem oferecido suporte aos
magistrados e aos tribunais, assim como os costumes, a analogia e os princípios gerais
de direito, para bem julgarem e dirimirem qualquer conflito de interesses.
Diante disso, faz-se mister a elaboração de contrato no sentido de se
resguardar os direitos e deveres das partes envolvidas, tendo em vista que a referida
prática pode ser acometida de alguns riscos e conflitos de interesses.
Aborda-se-á a caracterização do útero de substituição, assim como a
interdisciplinaridade que o procedimento acomete e, sobretudo, a relevância da
elaboração de contrato, demonstrando que o objeto da relação contratual não é a vida
da criança, mas o procedimento da cessão temporária do útero.
Utilizou-se metodologia qualitativa, de cunho exploratório, mediante pesquisa
bibliográfica em autores contemporâneos, estudiosos do assunto de artigos científicos
jurídicos e do Conselho Federal de Medicina, assim como nos principais bancos de
dados disponíveis.
1256
Nesse sentido, Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2008, p. 374) se
manifesta:
153
Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
1257
Dados da Organização Mundial de Saúde apontam que de 10 a 15% dos casais
convivem com o problema da infertilidade. Essa realidade só materializa a necessidade
de se amparar nas técnicas de reprodução medicamente assistidas a fim de realizarem
o desejo de se ter um filho.
Com base no princípio da legalidade, não se pode proibir o direito de se ter um
filho pelo método que seja, tendo em vista que neste Estado, tudo o que não é
proibido é permitido, uma vez que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, inciso II, CF/88). Por conseguinte,
afirma-se que no ordenamento jurídico não há qualquer obstáculo ou limitação para a
reprodução assistida, sendo indispensável apenas a aceitação da mulher, e se casada,
de seu marido ou companheiro.
Como forma apropriada, compete comentar que não há cabimento do
emprego desta técnica excepcional, ilustrativamente, por mera vaidade da solicitante
ou no sentido de uma provável gestação colocar em questão suas condições estéticas,
causar desconforto ou até mesmo, por embaraços profissionais, devendo ser apartada
qualquer manifestação de vaidade. Sua indicação deve ser ajustada, unicamente, por
motivos médicos.
Silvia da Cunha Fernandes (2003, p. 100) esclarece que:
1258
assemelhada não podia ter filhos, realizando o seu desejo de tê-los por intermédio de
sua serva Bila.
Não se vendo na condição de gerar filhos, Raquel passa a ter a sensação de
inutilidade. Assim, relata a Bíblia no Livro de Gênesis:
Vendo, pois, Raquel que não dava filhos a Jacó, teve inveja de sua
irmã e disse a Jacó: Dá-me filho, senão morro. Então, se acendeu a ira
de Jacó contra Raquel e disse: Estou eu no lugar de Deus que impediu
o fruto de teu ventre? E ela disse: Eis aqui minha serva Bila; entra a
ela, para que tenha filhos sobre os meus joelhos, e eu assim receba
filhos por ela. Assim, lhe deu a Bila, sua serva por mulher, e Jacó
entrou a ela. E concebeu Bila e deu a Jacó um filho. Então disse
Raquel: Julgou-me Deus, e também ouviu a minha voz, e me deu um
filho; por isso, chamou o seu nome Dã (GÊNESIS, 30: 1-6. 1995, p.
42).
1259
Como se vê, os progressos da ciência são tamanhos, ao alcançar coisas e obtido
êxitos que nem mesmo Deus acreditaria. Neste sentido, o respeitável autor Rodrigo da
Cunha Pereira (2012, p. s/n) expõe:
1260
de mulheres de serem mães por este acesso, cerceando seus direitos de escolha, ao
estabelecer diversas normas restritivas, podendo-se citar as seguintes: só podem
“emprestar” o útero quem for parente consanguíneo até o quarto grau, a idade
máxima das candidatas à gestação passa a ser de 50 anos, a idade limite para a doação
de gametas (óvulos/espermatozoides) é de 35 anos para a mulher e de 50 para o
homem e, além disso, veda-se a onerosidade do ato.
Diante do exposto, constata-se que a legislação brasileira ainda não conseguiu
acompanhar a rápida evolução da ciência médica para utilização das novas tecnologias
reprodutivas, destoando-se os seus ritmos e culminando-se, assim, numa verdadeira
lacuna da lei. Verifica-se que já é um fato consumado a normatização dessa matéria,
em diversos países, como os Estados Unidos, Austrália, Bélgica, Dinamarca, Grã-
Bretanha, Grécia, Holanda, Índia, Israel, Rússia e Ucrânia. No Brasil, entretanto, ainda
se encontra sem regulamentação jurídica específica, sendo o tema tratado pelo
Conselho Federal de Medicina, conforme mencionado.
Diante do exposto, pode ser observado que além desta temática ser polêmica e
complexa, possui natureza interdisciplinar, por abarcar várias áreas do conhecimento.
Desta forma, vale tecer uma breve análise sobre sua essência interdisciplinar.
1261
científico, mas é considerada, ao mesmo tempo, alternativa e complemento do modo
disciplinar do pensamento”.
A ideia de um conhecimento unitário sempre existiu na história do
pensamento, onde as disciplinas comunicavam-se entre si, constituindo uma
verdadeira unidade. Mas, com o surgimento da Modernidade, em torno do século XVII,
acarretou-se um processo de desintegração crescente da unidade do saber. Deste
modo, a interdisciplinaridade surge para a necessidade de se “ultrapassar” a
fragmentação e a característica de especialização do conhecimento.
A fim de que se incida a interdisciplinaridade, não se aborda a eliminação das
disciplinas, cultiva-se o fato de que se tornem comunicativas entre si, atuando-se nas
fronteiras disciplinares e na conexão dos saberes, por meio de interconexões e
passagens entre os conhecimentos.
Uma colaboração de inestimável valor para a temática foi de Hilton Ferreira
Japiassu (1976). Segundo o ilustre pensador:
154
Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
1263
medicamente assistida quando este for empregado, por meio de contrato, onde todos
expressem o seu consentimento com o procedimento, estabelecendo delimitações
inequívocas, claras e seguras a fim de se resguardar e proteger todos os direitos e
deveres das partes envolvidas. Outra medida que também pode obstar futuras
contendas é o parentesco entre a mulher solicitante, diga-se mãe biológica e a mulher
gestacional, conforme disposto na Resolução nº 2.013/2013 do CFM.
Uma das maiores referências do direito civil no Brasil, Silvio de Salvo Venosa
(2006, p. 273-274) tece a imediata articulação sobre o tema, quando alega que:
1264
Havendo conflito, a regulamentação pelo Conselho Federal de Medicina é
insuficiente para deliberar tais questões que surgem entre o casal que planejou a
gestação e a mulher que cedeu o útero.
A insegurança jurídica acerca da filiação da criança nascida por meio do útero
de substituição é uma angústia que o casal solicitante vem enfrentando quando se
utiliza da referida técnica. É necessário destacar a premente necessidade de facilitação
do registro civil (no respectivo RCPN155) da criança gerada, situação que atualmente
encontra entraves, carecendo de intervenção judicial para a solução.
No que se refere a essa questão, não há um consenso legal, até o presente
momento. Pelo direito corrente, a gestação e o parto são decisivos da maternidade,
assim, a criança sairá da maternidade com a Declaração de Nascido Vivo em nome da
mulher meramente hospedeira. Como medida profilática, indica-se que o casal
biológico formalize um contrato com o devido termo de consentimento da mulher
gestacional. Uma atitude derradeira é se postular uma ação judicial baseada no exame
de DNA, comprovando que a criança é filha genética dos pais biológicos.
Conforme relatado, a regulação do procedimento da gestação por outrem
através de contrato torna-se imprescindível, haja vista uma lacuna legislativa
considerável do tema, inviabilizando-se sua possível normatização. Portanto, o
respeito e o cumprimento de alguns princípios resguardados pela Constituição
Federal/88, como os do melhor interesse da criança, da dignidade da pessoa humana,
do direito à vida, da liberdade, da igualdade, da intimidade, de procriação e do
planejamento familiar, trazem à tona a segurança que as partes contratantes
necessitam.
Ratificando essa orientação, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald
(2010, p. 551-552), reforçam que “[...] é importante a fixação de requisitos necessários
para a validade do ato [...]”, já que inexiste a alternativa de negação da existência de
tal procedimento.
Tomando-se como embasamento a Resolução do CFM, o contrato não é
proibido, dispondo-se como um pacto estabelecido entre o casal/mulher solicitante e a
155
Registro Civil das Pessoas Naturais.
1265
gestante. É, comumente, formalizado por meio de contrato registrado em Cartório de
Títulos e Notas, atestando de alguma maneira a realização do compromisso firmado.
Conforme afirma Silvio de Salvo Venosa (2008, p. 01), “a expansão do
fenômeno contratual não é somente de ordem quantitativa. Nessas últimas décadas,
os contratos diversificam-se e especializam-se em multifacetárias modalidades”.
Ainda, segundo o autor, as “estruturas contratuais [...] estão em constante mutação.
Os contratos mais utilizados vão paulatinamente tornando-se refinados. Alguns
resultam de uma organização social (...)” (Ibid., p. 03). Como se vê, a evolução dos
contratos está relacionada às demandas sociais, estabelecendo-se novos tipos, ou até
mesmo aprimorando os já existentes.
Silvio Rodrigues (2002, p. 09) assevera que o contrato se sujeita à participação
de, no mínimo, duas partes culminando-se por ser uma espécie de negócio jurídico,
que ocorre de maneira bilateral, visto que advém do resultado do interesse de ambas
as partes, apresentando deste modo um mútuo consenso.
Entretanto, em regra, o contrato bilateral é oneroso. Além desta modalidade de
contrato ser uma forma mais segura no que tange o adimplemento vinculado à
entrega do bebê, pois visa à garantia da entrega do mesmo, permitindo que a gestante
tenha uma gratificação financeira pela dedicação, zelo, responsabilidade, cuidados,
comprometimento referente ao feto e energia dedicados no transcorrer de toda a
gravidez. Ademais, reforça a necessidade de cumprimento do que foi estipulado, na
íntegra. Cabe assinalar o entendimento de Sergio Gischkow Pereira (1998, p.72) de que
não se admite o debate na reprodução humana medicamente assistida, se a cessão do
útero for tratada como contrato de locação de coisa ou contrato de locação de
serviços, tento em vista os princípios constitucionais supra mencionados. Diante do
exposto, é necessário frisar que o objeto do contrato não será a vida da criança, mas o
procedimento em si.
É fundamental evidenciar que, no caso de contrato oneroso, a garantia de
salvaguarda em relação ao contratante é mais segura, se comparado ao contrato
gratuito. Os doutrinadores jurídicos Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald
(2012, p. 257 e 259) assinalam como contratos onerosos os “que geram vantagens e
sacrifícios para ambas as partes e gratuitos quando uma das partes concede a outra
1266
vantagens sem contraprestação, só ela se submetendo a um sacrifício patrimonial,
enquanto a outra obtém um benefício (...)”. E, ainda, reforçam expressando que:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sabe-se que a evolução tecnológica, científica e médica é incontestável, já que
nos permitiu benefícios incomensuráveis, oportunizando que muitas pessoas realizem
seus mais diversos sonhos, como se ter filhos, conforme o caso em tela. Sabe-se,
também, que inexiste um caminho de volta para tais avanços que seguem em
velocidade acelerada. Por outro lado, o Direito não pode se acanhar, designando o
caminho mais simples da censura, em vez de afrontar e solucionar os casos concretos
que poderão surgir. Como se vê, o ritmo da “produção” legislativa se destoa de tais
avanços e, assim, aos operadores do direito encarrega-se que encontrem as soluções
mais coerentes para as demandas que irão se manifestando.
No contexto do útero de substituição, tema deveras polêmico, amplo,
complexo e, cada vez mais, presente na realidade da sociedade contemporânea, que,
por ventura, poderá ensejar um sem número de situações fáticas diversas e
conflituosas, faz-se necessário a confecção de um contrato na tentativa de se
resguardar e formalizar tudo o que for acordado entre as partes envolvidas, impedindo
que contrariedades venham à tona.
Além disso, o contrato também apresenta como ideologia a necessidade da
igualdade entre as partes pactuantes, conferindo segurança às relações humanas. O
contrato é fruto da autonomia privada e por esta razão deve ser influenciado pelos
valores sociais relevantes. Sociologia, filosofia, medicina, bioética, direito são ciências
que unidas, molecularizam o dirigismo contratual, fazendo uma simbiose de ideias e
conceitos, trazendo um verdadeiro sincretismo de realidade.
Deve-se ter como norte a satisfação plena das partes, que devem ter absoluta
consciência de todos os aspectos do contrato, tendo todas suas questões sanadas.
Em se tratando de um contrato tão singular quanto o relacionado à gestação
em útero alheio, toda prudência é imprescindível. O manejo correto do contrato e sua
perfeita confecção evitam, no futuro, pendências jurídicas que causariam desgaste e
lamentações.
1268
Deve-se ainda frisar que, neste contrato, há inserido um dos grandes valores
humanos que é a dignidade de se viver e ter uma fonte biológica conhecida. O ser
nascente dessa gestação em útero alheio, apesar de ainda não ter experimentado o
sopro da vida, deve necessariamente ter todos os seus direitos preservados e
assegurados no contrato. O foco principal deste tipo de contrato não é o patrimônio,
nem a obtenção de lucro, mas sim a prática em questão.
É importante esclarecer que as partes, apesar de livres para escolher e realizar
este tipo de contrato, uma vez que a vontade é o elemento que impulsiona as relações
humanas, não são soberanas para utilizarem este negocio jurídico como escudo
protetivo para práticas ilícitas. Todo ser humano tem o poder de regular seus próprios
interesses. No entanto, há de se imprimir freios para que essa vontade não ultrapasse
nenhum limite do tolerável.
Neste contexto, a licitude deve ser o mecanismo principal de confecção do
contrato que delimita o uso da gestação em útero alheio. Ela deve delimitar todas as
questões atinentes ao tema, não permitindo que seja realizado nenhum tipo de prática
tortuosa, em consequência todos os direitos das partes envolvidas serão preservados
levando ao objetivo principal do contrato.
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teórico-metodológicos da interdisciplinaridade, in A. Philippi & A. Silva Neto (ed.)
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1270
REFLEXÕES SOBRE O ATO DE DISPOR DA PRÓPRIA VIDA: O “CASO RAMÓN
SAMPEDRO” À LUZ DA MORAL KANTIANA
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Em muitos momentos da vida humana, presenciam-se situações nas quais
pessoas se encontram em condições adversas, tidas como incompatíveis com a
concepção de vida boa e digna. Se, felizmente, não se presenciam esses fatos com
familiares, de alguma maneira, acaba-se presenciando tais situações com terceiros,
seja com uma pessoa do próprio convívio ou mesmo alguém conhecido do público.
Um caso que repercutiu mundialmente se deu com o ator americano
Christopher Reeve. Famoso pelo papel de Super-homem nos cinemas, Reeve ficou
tetraplégico ao fraturar duas vértebras da coluna cervical ao cair de um cavalo em uma
competição equestre em maio de 1995. Graças ao atendimento imediato e às
tecnologias que a medicina na época, Reeve permaneceu nessas condições até o ano
de 2004, quando faleceu ao sofrer um ataque cardíaco em decorrência de seu estado
de saúde. Naquela época, a opinião pública ficara dividida entre os que sustentavam,
por um lado, que a condição de tetraplégico, para uma pessoa que gozava uma vida de
sucesso, com status de “super-herói”, não era digna de ser vivida, e, portanto, não
1271
havia razão alguma para que ele continuasse naquelas condições; e, por outro, aqueles
que acreditavam que a tetraplegia não era motivo para a perda da dignidade humana
e que, além disso, Reeve tinha, no pior dos casos, acesso aos melhores tratamentos
médicos de sua época.
Ora, diante de situações como esta, depara-se com algumas questões
fundamentais acerca da vida que normalmente não são questionadas no cotidiano. De
fato, questões como a dignidade da vida humana, o ato de tirar a própria vida, entre
outras, só se tornam motivo de reflexões quando, de alguma maneira, toma-se
conhecimento de casos que excedem o limite de uma vida comumente aceita como
digna. O presente artigo apresentará o caso “Ramón Sampedro”, com o objetivo de
iniciar uma reflexão com base na seguinte questão da ética kantiana: o ato de dispor
da própria vida poderia ser moralmente aceito?
156
Segundo Esteves (2013, p. 4) e Agrest (2007, p. 252), a etimologia da palavra eutanásia deriva de dois
termos gregos: eu (bom) e thanatos (morte). Assim, em sua gênese etimológica, eutanásia quer dizer
“boa morte”.
1272
reversão do quadro), a uma morte rápida e indolor. Segundo Agrest (2007, p.33), o ato
de não impedir a morte de um paciente nestas condições poderia ser considerado,
analogamente, como uma prática da eutanásia. Em ambos os casos, acredita-se que a
intenção do agente seria o bem-estar da pessoa (paciente).
O caso de Ramón se enquadra em uma categoria específica da eutanásia, a
saber, a eutanásia voluntária157. Pois esta seria feita, como bem observou Esteves
(2013, p. 04), “com o consentimento ou mesmo solicitação expressos em algum
momento oportuno pelo próprio paciente”. De fato, em um diálogo com a advogada
que analisara sua solicitação, Ramón se posiciona da seguinte maneira:
eu quero morrer porque a vida para mim neste estado, a vida assim
não é digna, então eu, bom, eu entendo que alguns tetraplégicos
possam se sentir ofendidos quando eu digo que viver assim não é
digno, mas eu não estou julgando ninguém, quem sou eu para julgar
quem quer viver, e por isso eu quero que ninguém me julgue e nem à
pessoa que me presta a ajuda necessária para morrer [...]
(AMENÁBAR, Alejandro, filme Mar Adentro, 2004).
157
Em um sentido mais técnico, a prática da eutanásia pode ser interpretada por dois pontos de vista
distintos. O primeiro diz respeito ao paciente e, o segundo, ao médico. Aquele se divide em três
categorias: eutanásia voluntária, não-voluntária e involuntária. A primeira categoria se caracteriza pela
consciência ou voluntariedade do paciente no ato; a segunda é realizada geralmente por terceiros, ou
seja, familiares ou médicos, pois neste caso, o paciente não está em plena posse de sua consciência; e, a
última, é praticada contra a vontade do paciente. Esta última categoria é interpretada como uma forma
de homicídio, sendo condenada jurídica e moralmente. Já o segundo ponto de vista, se divide em:
eutanásia ativa e passiva. Denomina-se ativa, pois é realizada através da intervenção de medicamentos;
e, passiva, quando não há a intervenção de medicamentos, ou seja, pela abstenção do tratamento. Para
mais informações ver: AGREST, Diana Cohen. Por mano propia: estudo sobre lãs prácticas suicidas. 1ª
ed. Bueno Aires: Fondo de Cultura Econòmica, 2007.
1273
portanto, às características de voluntariedade e de consciência da pessoa em ambas as
práticas, a eutanásia voluntária não passaria “de uma forma de suicídio e, por
conseguinte, deveria ser tratada como um caso particular de suicídio (ESTEVES, 2013,
p. 5)”.
Ora, se a solicitação de Ramón quanto à prática da eutanásia voluntária
equivale a um caso de suicídio particular, devido à imperativa necessidade da ajuda de
terceiros para a consumação do ato, ela poderia ser caracterizada, ainda, como um
caso particular de suicídio assistido.
Com efeito, essa forma de pôr fim à própria vida se classifica como “assistida”,
porque aquele que deseja morrer (nesse caso, Ramón Sampedro) está literalmente
impossibilitado de consumá-la por si próprio, com suas próprias mãos, necessitando,
assim, da intervenção de terceiros para obter o objetivo pretendido – a morte. De fato,
segundo Agrest (2007), o propósito do suicídio assistido seria ajudar àquele que não
pode dispor por si mesmo de uma vida que se revela para si pior do que a própria
morte, a cometer o suicídio de forma intencional e sem dor.
ASPECTOS JURÍDICOS
1. O suicídio na perspectiva de Ramón Sampedro
Ramón não encontrou ajuda imediata para cometer suicídio. A primeira
resposta negativa foi a de sua própria família, que se posicionou categoricamente
contrária ao seu desejo de morrer. Neste sentido, restou a Ramón, conforme se
anunciou acima, iniciar uma batalha judicial nos tribunais espanhóis. A justificativa da
justiça espanhola para negar pedidos a pessoas que, como Ramón, necessitam da
ajuda de terceiros para cometer o suicídio é análoga na maioria dos países.
Ora, a prática do suicídio não é um direito reconhecido juridicamente, mesmo
que a pessoa não possa ser penalizada por esse ato, porém, à pessoa que ajuda ou
incentiva o suicídio, são imputadas penas judiciais por se tratar de uma hipótese de
homicídio, consoante Agrest (2007).
Isto se comprova no caso de Ramón Sampedro. Com efeito, para isentar seus
“colaborados” de possíveis acusações jurídicas, Ramón deixou um vídeo dos últimos
momentos de sua vida com o intuito de mostrar que aquele ato era consentido,
1274
desejado e planejado por ele. De fato, antes de virar o pescoço para ingerir uma dose
letal de cianeto de potássio, ele declara que aqueles que o ajudaram a realizar o
suicídio são seus amigos e que não poderiam ser responsabilizados, nem punidos por
esse fato, pois, apenas emprestaram suas mãos por amor, praticando apenas atos
isolados que não configurariam crime, e, que, somados, fizeram com que ele obtivesse
êxito no ato de levar a cabo seu intento de antecipar a morte. Salientou, ainda, que o
plano foi exclusivamente seu, sendo ele próprio responsável. No vídeo, ele se dirigiu às
autoridades judiciárias lamentando que teve que morrer clandestinamente, embora
tivesse buscado diante do Judiciário o direito de morrer de forma digna e, ao mesmo
tempo, legítima perante seu Estado Democrático de Direito. Ele deixou as imagens e as
declarações como prova a ser usada por eles, caso fossem acusados de auxílio ao
suicídio perante a justiça.
1275
essa conduta, se o suicídio se consuma; e de 1 a 3 anos, se da tentativa frustrada de
causar a morte de outra pessoa resulta lesão corporal de natureza grave. Lesão
corporal grave é aquela que resulta em qualquer dos incisos do §1º do artigo 129 do
Código Penal. Pode ser incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias,
perigo de vida, debilidade permanente de membro, sentido ou função ou aceleração
de parto. Explica Rogério Greco (2012, p. 260) que a incapacidade abrange tanto
atividades laborativas como de lazer, bastando que tais atividades não sejam
juridicamente ilícitas.
Os incisos I e II do parágrafo único trazem duas causas de aumento de pena:
quando o crime é praticado por motivo egoístico e quando a vítima é menor ou tem,
por qualquer motivo, reduzida a sua capacidade de discernimento. Fácil perceber que
o auxílio no contexto da eutanásia não configura motivo egoístico, ao contrário, o
motivo que move o agente é, supostamente, a compaixão pelo sofrimento de outro
ser humano. Em relação à menoridade ou a reduzida capacidade de discernimento,
dispensam-se maiores comentários, a não ser que para o menor de 14 anos e para
aquele que não tem nenhuma capacidade de discernimento por doença, embriaguez
ou outro motivo, o referido crime seria o de homicídio, conforme ensina Fernando
Capez (2011, p. 130-131).
Dentre os verbos enumerados no artigo (induzir, instigar ou auxiliar alguém ao
suicídio), o que se aplica à questão da eutanásia é o “auxílio”, que é a participação
material no delito, emprestando meios para a prática considerada nefasta. A conduta
de auxiliar pode ser comissiva (que remete ao verbo cometer, agir), quando, por
exemplo, entrega-se o veneno à vítima ou ensina-se a usá-lo, ou omissiva (que remete
ao verbo omitir, um “não agir”), que ocorre quando solicitado pela vítima, o autor
deixa de tomar as medidas necessárias para evitar o evento fatal – a morte.
Ressalta-se, a participação do agente deve ser secundária, pois, segundo Nelson
Hungria (apud CAPEZ, 2011, p. 124), “se há participação direta no ato executivo do
suicídio, o crime passa a ser o de homicídio”. Na hipótese de participação, por
exemplo, quando alguém aciona um processo mecânico que desencadeará a morte da
vítima, estará cometendo o crime previsto no artigo 121 do Código Penal.
1276
No crime de auxílio ao suicídio existe dolo (intenção de provocar a morte), que
pode ser direto ou eventual, sendo necessário, portanto, que, ao menos, o sujeito que
pratica o auxílio tenha condições de antever o resultado letal da conduta que põe em
prática. Na eutanásia está evidente que o que presta auxílio almeja a morte do
paciente.
Rogério Greco (2012, p. 189) menciona lição de Emiliano Borja Jiménez ao
abordar o crime em destaque – “o suicídio, que pode ser definido como a morte
voluntária, querida e desejada, de uma pessoa com capacidade de agir, é uma conduta
propriamente humana”. O autor aponta a relevância de a pessoa querer e, mais, ter a
possibilidade de interferir na própria trajetória, a qual não parece ser a hipótese
vivenciada por Ramón Sampedro. Este, em razão de grave acidente, restou
impossibilitado de esboçar qualquer movimento relevante, inclusive para tirar a
própria vida.
TOMADA DE DECISÃO
Tradicionalmente, ao receber o diploma universitário o médico recém-formado
faz um juramento conhecido como “Juramento Hipocrático” (baseado em Hipócrates,
considerado pai da Medicina), quando se compromete moralmente a preservar a vida
e promover a saúde do paciente, por razões médicas. Neste mesmo juramento, o
médico se compromete a nunca causar mal ao paciente, não administrar
medicamentos que o levem à morte, e nem incentivá-lo a morrer. Mesmo em
hipóteses nas quais o paciente se encontra em condições consideradas degradantes,
como é o caso de um paciente acometido por uma doença degenerativa já em estágio
avançado, em tese, o médico teria a obrigação e o dever moral de lutar por sua vida
até o último instante. Entretanto, se esse mesmo paciente, consciente de sua
condição, como Ramón, decidir pôr fim à sua própria vida por acreditar que ela não
seria mais digna de ser vivida, o médico deveria ainda seguir os princípios morais de
seu juramento e mantê-lo vivo mesmo contra sua vontade? Caso a resposta seja sim,
pode-se caracterizar essa conduta do médico como uma espécie de paternalismo?
Age de forma paternalista, segundo Agrest (2007, p. 226), aquele que, segundo
seus critérios pessoais de benefícios, considera a obrigação moral de ajudar pessoas,
1277
superior à obrigação de respeitar a autonomia do ajudado. No que se refere à relação
entre médico e paciente, uma atitude paternalista seria ilustrada, por exemplo, pela
intervenção do médico na liberdade do paciente de se autodeterminar, fundamentada
na concepção de que a obrigação moral do médico de preservar a vida do paciente
seria maior do que a obrigação moral de respeitar suas decisões.
Uma das justificavas para esta forma de paternalismo, estaria relacionada ao
fato de os danos causados por uma possível interrupção do tratamento serem
irreparáveis, ou até mesmo levarem o paciente a óbito. Desse modo, concepções de
bem-estar, preservação e promoção da vida seriam interpretadas de forma objetiva
através de critérios inerentes à medicina, ao passo que as opiniões do paciente,
mesmo quando sua própria vida se encontra em risco, seriam consideradas como
irrelevantes para o seu tratamento.
No entanto, nas últimas décadas, como bem observou Brock (2009), tem
ocorrido uma mudança fundamental no quadro ético da medicina no que diz respeito
às práticas paternalistas. Em um nível mais avançado, nos Estados Unidos e em algum
grau em outros países, esse novo quadro ético da medicina tem sido marcado por uma
rejeição ao modelo paternalista, em favor de uma tomada de decisão compartilhada
entre médico e paciente.
De acordo com Brock (2009), tomada de decisão seria aquela realizada no fim
ou próximo do fim de uma vida em condições consideradas severas, em que estariam
em jogo o bem-estar, a forma de tratamento e a vida do próprio paciente. São várias
as razões, segundo Brock (2009, p. 231), para esta mudança histórica, sendo algumas
internas à própria medicina e outras determinadas por mudanças externas à medicina,
ou seja, localizadas na sociedade e na cultura em geral.
Os fatores externos à medicina poderiam ser representados pelos vários
movimentos dos direitos do consumidor, originários de nosso tempo, e pelo que Brock
designou de “general chalenges to established authority”. Acredita-se que esses
fatores externos citados por Brock, poderiam ser analisados à luz de um modelo de
sociedade, neste caso, a norteamericana, fortemente influenciado por princípios
libertários, uma vez que eles tendem a fomentar a liberdade de escolha e, por
conseguinte, o direito originário do indivíduo de tomar suas decisões sem intervenções
1278
contrárias a sua vontade, caso eles não causem danos a terceiros. Por outro lado, os
fatores internos manifestariam mudanças fundamentais na concepção dos objetivos
da própria medicina como, por exemplo, considerar como importante a participação
do paciente na tomada de decisão para o seu próprio tratamento, o denominado
consentimento informado, consoante Boechat Cabral (2011).
Desse modo, questões sobre o bem-estar do paciente, preservação e promoção
de sua vida, passariam a ser concebidas também por princípios subjetivos. Nesta
perspectiva, o paciente passaria a ter a possibilidade de participar ativamente das
decisões sobre o seu tratamento, escolhendo se privar de qualquer espécie de
tratamento, por exemplo, caso esta decisão satisfaça sua concepção de vida digna.
No entanto, é importante reconhecer, como bem observa Brock (2006, p. 232),
que mesmo no exercício de sua autodeterminação, ou melhor, de sua autonomia,
alguns pacientes poderiam tomar decisões que não promoveriam seu bem estar, como
escolher um tratamento inadequado, por exemplo.
AUTONOMIA
1. Autonomia como princípio de autodeterminação
Ao se autodeterminar, o paciente se depara com a possibilidade de escolher
um tratamento inadequado ao seu caso, ou de decidir pôr fim a sua própria vida, ainda
que estas decisões estejam orientadas pelos seus próprios valores. Sendo assim, quais
seriam as justificativas dadas pelo paciente ao seu médico para que este interrompa
seu tratamento, mesmo sabendo que essa decisão resultaria em sua morte? E, em que
princípios esta eventual justificativa estaria fundamentada? Para que as reflexões
sobre o ato de dispor da própria vida, objeto do presente artigo, possam pretender
possuir certa plausibilidade, faz-se necessário considerar alguns pontos fundamentais
que deverão norteá-las.
Para tanto, deve-se criar um caso hipotético de um paciente acometido por
uma doença degenerativa que lhe impossibilitaria viver sem o sustento de aparelhos
médicos, e, consciente de sua condição, desejasse abreviar sua vida com base em
argumentos única e exclusivamente racionais. A exigência imposta aqui para que seus
argumentos sejam racionais, justifica-se na medida em que se acredita que a razão
1279
humana seria o único ponto comum os seres humanos, ao qual se poderia recorrer
caso se pretendesse que os juízos possam ser universalmente aceitos. Não que outras
instâncias, como, por exemplo, metafísicas ou religiosas, não possuam argumentos
que poderiam ser utilizados com o mesmo propósito, porém, podem não ser
reconhecidos por aqueles que não participam destes pontos de vista. Desse modo,
esses argumentos deverão ser emitidos à luz de princípios de uma moral laica e, por
conseguinte, racional. Ademais, o paciente deverá ainda estar quite de suas obrigações
e deveres para com terceiros, estando, portanto, em jogo apenas deveres e obrigações
morais para consigo mesmo, pois, de acordo com Esteves,
1280
autônomo para ele, assim como para Agrest (2007, p. 234), é poder viver de acordo
com valores que ele mesmo elegeu e com os quais se identifica.
No entanto, uma possível objeção poderia ser feita ao paciente em questão,
com o objetivo de questionar sua capacidade de decidir autonomamente. Em casos
como este, os médicos alegariam que decidir pela rejeição do tratamento seria sempre
um ato de irracionalidade, pois, decidir pela morte não poderia ser uma atitude
autônoma e, por conseguinte, racional. Além disso, poderiam alegar que devido às
circunstâncias de seu quadro clínico, o paciente tomaria sua decisão de maneira
precipitada, influenciado, por exemplo, por sintomas de um possível quadro
depressivo. Desta forma, parece que o critério para avaliar a autonomia do paciente
tende a ser sua decisão pela morte. Mas, se o que se entende por autonomia for
mesmo agir em conformidade com os valores com os quais se identifica, então, a
morte poderia ser um deles, e, sendo assim, não haveria problema moral algum no
fato de decidir pôr fim à sua própria vida.
Tendo em vista esta noção de autonomia, parece que a justificativa do paciente
não poderia ser refutada pelo médico, ou será que quando o que se está em jogo é sua
vida, ele deve se orientar por valores de terceiros? No que se refere à discussão sobre
a autonomia do paciente se autodeterminar baseando-se em seus próprios valores,
Agrest afirma:
1281
atualmente, é relativamente fácil de se obter acesso a diagnósticos. Desse modo, uma
das justificativas que o paciente poderia usar seria justamente seu conhecimento
sobre seu quadro clínico e seu possível prognóstico. Com base nesses conhecimentos,
ele poderia ter alguma noção das possíveis consequências da rejeição de seu próprio
tratamento, e, até mesmo que esta rejeição poderia resultar em sua morte. Além do
mais, ele estaria consciente da existência de outras formas de tratamento, e, que os
avanços da medicina, sobretudo no que concerne à sua doença, não surgiriam de uma
hora para outra, mas seriam frutos de anos de pesquisas, podendo assim, não ser
beneficiado por esses avanços ainda em vida. Ainda assim, o médico poderia alegar
que sua decisão não é autônoma e, por conseguinte, não racional?
A fim de questionar a autonomia do paciente em questão, faz-se necessário
retomar o caso de Ramón Sampedro, que permaneceu tetraplégico durante 28 anos
devido a uma lesão sofrida na coluna cervical. Durante esse período, tentou inúmeras
vezes fazer com que sua decisão de cometer o suicídio fosse reconhecida
juridicamente. Em um de seus argumentos a favor de sua morte, Ramón afirmava que
“viver é um direito e não uma obrigação”, referindo-se ao seu estado de saúde que o
impossibilitava de agir livremente e, assim, de viver o que para ele seria uma vida
digna. Ora, será que os 28 anos de sua luta para adquirir o direito jurídico e moral de
morrer não foram suficientes para que ele pudesse deliberar sobre as consequências
de sua decisão?
Neste período, Ramón escreveu um livro intitulado “Cartas desde el inferno”
com poemas e pensamentos que tinham como inspiração a questão da morte, fato
que poderia confirmar sua consciência em relação a sua decisão. Organizou, ainda,
uma estratégia para cometer o suicídio assistido por amigos e simpatizantes à sua
causa, tendo gravado um pequeno discurso com o intuito de justificar seu direito à
morte, e, ao mesmo tempo, assumir a autoria do ato para liberar as pessoas que o
ajudaram de possíveis acusações (AMENÁBAR, 2004). Ora, será que as atitudes de
Ramón neste período não poderiam ser ainda interpretadas como autônomas e
racionais?
1282
Para o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), tanto Ramón quanto o
mencionado paciente hipotético, não estariam agindo autonomamente. Antes, porém,
de explicar porque Kant negaria o ato de dispor da própria vida como um ato de
autonomia, será necessário compreender o que Kant entende por ações moralmente
boas.
Em sua obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Kant (1974) afirma
que uma ação seria moralmente boa não pelas consequências ou fins que ela poderia
atingir, pois, consequências reconhecidas comumente como boas poderiam, segundo
o filósofo, serem alcançadas por ações moralmente reprováveis.
Com efeito, se o valor moral das ações fosse condicionado aos seus resultados,
então, o roubo poderia ser moralmente correto, caso o ladrão praticasse boas ações
com o seu produto, como, por exemplo, ações beneficentes.
Além disso, se as ações fossem boas de acordo com suas consequências ou fins
alcançados, elas não poderiam ser boas em sentido absoluto, mas, apenas para
aqueles que concordarem que o fim alcançado seja algo bom. Isto seria, segundo Kant
(1974), contrário à moralidade, pois, ações morais devem ser incondicionalmente
boas, e não apenas relativamente boas.
Ademais, a ação em si mesma, ou seja, a ação empiricamente constatada, não
poderia ser, segundo Kant, um critério seguro para que uma ação fosse reconhecida
como moralmente boa.
Com efeito, pode-se realizar uma ação moralmente boa como, por exemplo,
ajudar pessoas necessitadas, sem que com isso tal ação possa ser digna de autêntico
valor moral. A beneficência, por exemplo, pode ser uma ação moralmente boa, visto
estar externamente em conformidade com os preceitos da lei moral. No entanto,
quando se sabe da intenção do agente, essa ação pode vir a ser moralmente
reprovável, como seria o caso, por exemplo, de uma pessoa que ajuda necessitados
visando ganhar algo em troca, ou ser reconhecido pelo público como uma pessoa
caridosa, entre outros adjetivos. Portanto, uma ação empiricamente constatada não
poderia ser, segundo Kant, digna de autêntico valor moral até que se saiba da real
intenção do agente, pois, “quando se fala de valor moral”, afirma o filósofo, “não é das
1283
ações visíveis que se trata, mas dos seus princípios íntimos que se não vêem (1974, p.
213)”.
“Princípios íntimos” seriam equivalentes a motivos ou intenções do agente em
realizar determinada ação. Para Kant, somente tais “princípios íntimos” poderiam ser
dignos de autêntico valor moral. Porém, não seriam quaisquer “princípios” ou, melhor
dizendo, não seriam quaisquer motivos que atribuiriam autêntico valor moral às ações.
Com efeito, segundo o filósofo, quando se cumpre uma ação moralmente
obrigatória tendo como motivo uma inclinação, isto é, desejos, paixões, interesses, em
suma, todos os impulsos oriundos da natureza sensível do homem, essa ação careceria
de valor moral. Pois, a máxima da ação, isto é, o princípio que determina a vontade do
agente, não expressaria, de acordo com Kant (1974), nenhum conteúdo moral.
Por exemplo: conservar a própria vida, afirma Kant (1974, p. 206), seria uma
obrigação moral, além de ser uma inclinação natural que todo ser vivo possui. No
entanto, aquele que preserva a vida de acordo com a máxima de que se deve
preservá-la apenas quando se mostra digna não teria valor moral algum. Já, aquele
que possui a máxima de que a vida deve ser preservada independente das
circunstâncias, teria autêntico valor moral, pois, essa máxima passaria no teste de
universalização, uma vez que estaria fundamentada tão somente no respeito à lei
moral que obriga todos os seres humanos a conservarem suas vidas.
Ora, Kant convida o agente que pretende realizar determinada ação, a
submeter a máxima que a fundamenta a um teste de universalização, ou seja, a uma
possível assembleia universal de seres racionais. Se, tal máxima passa pelo teste de
universalização ela seria considerada, segundo Kant, como uma lei universal, ou seja,
como uma lei válida para todos os seres racionais.
A fim de compreender essa questão, utiliza-se a máxima de Ramón, a saber,
“posso cometer o suicídio caso minha vida não se manifeste mais como sendo digna de
ser vivida”. Imagine-se que Ramón tenha sustentado: posso querer que minha máxima
seja aceita como uma lei universal e, por conseguinte, válida para todo ser racional?
Segundo Kant, a máxima de Ramón não poderia ser aceita como uma lei universal
válida para todos os seres racionais, pois, nela estaria contida uma contradição, e,
assim, ela se autodestruiria.
1284
Com efeito, se conservar a vida é uma lei universal da natureza, tendo o
homem o dever moral de conservá-la, então, uma máxima que contrarie essa lei por si
só seria uma contradição e, por conseguinte, se autodestruiria. A fórmula do teste de
universalização para que as máximas possam se tornar leis universais, Kant a
caracteriza de Imperativo categórico, ou imperativo da moralidade, que seria expresso
da seguinte maneira: “age como se a máxima da tua ação se devesse tornar, pela tua
vontade, em lei universal da natureza” (Kant, 1974, p. 215, grifo do autor).
Ora, o que fundamenta o Imperativo categórico seria a possibilidade da
máxima de um ser racional ser estabelecida necessariamente como uma lei para todos
os seres racionais. Agindo desta forma, a pessoa se concebe não como meio para um
determinado fim, mas, tanto ele quanto todos os seres racionais como fins em si
mesmos. Ao desejar que todos os homens sejam fins em si mesmos, e não apenas
meios, eles estariam reconhecendo a existência de um valor absoluto que lhes seria
intrínseco.
Segundo Kant, coisas são destituídas de valor, são relativas à nossa razão, e, por
conseguinte, são contingentes; ao contrário, “os seres racionais se chamam pessoas,
porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, quer dizer, como algo
que não pode ser empregado como simples meio [...]”. (Kant, 1974, p. 229, grifo do
autor). Sendo assim, o princípio desta lei consistiria no reconhecimento necessário do
valor absoluto que todo ser racional possui. A fórmula deste princípio seria uma
reformulação daquela do Imperativo categórico, e se expressa da seguinte maneira:
“age de tal maneira que tomes a humanidade, tanto em tua pessoa, quanto na pessoa
de qualquer outro, sempre ao mesmo tempo como fim, nunca meramente como
meio” (KANT, 1974, p. 243).
Tendo como base a proposta de Kant sobre o valor intrínseco e necessário das
pessoas, pode-se dizer que aquele paciente hipotético, ao solicitar o desligamento dos
aparelhos que o mantinham vivo, destituiu a si mesmo e a humanidade destes valores
incondicionais. Pode-se dizer também, que, ao agir assim, o paciente em questão se
considerou como uma coisa destituída de valor, ou um objeto que pode ser descartado
ao bel-prazer. Se a máxima “dispor da própria vida quando esta não se mostrar mais
digna” fosse permitida ao paciente, como também à humanidade, então, não existiria
1285
nada na natureza que contivesse um valor em si mesmo, podendo ser tudo rebaixado
ao nível de “coisas”. Portanto, essa máxima seria moralmente reprovável, pois, além
de se encontrar em contradição com a lei moral de conservar a própria vida, não seria
compatível com aquele princípio de que as pessoas possuem um valor absoluto.
E, assim, pode-se responder àquela questão sobre a negação de Kant à
autonomia da qual tanto Ramón quanto o paciente hipotético reivindicaram como
fundamento do ato de dispor da própria vida, pois, para Kant (1974), ser autônomo é
ser uma espécie de legislador da humanidade, ou seja, é ser um representante da
humanidade que existe necessariamente em todos os seres racionais. Essa autonomia
se manifestaria justamente na determinação de máximas que possam ter validade não
somente para o indivíduo que a escolhe, mas também, e, ao mesmo tempo, válida
para todo ser racional. E, como pôde ser visto tanto no caso de Ramón, quanto no do
paciente hipotético, a máxima que fundamentaria suas ações não poderia ser validada
por todos os seres racionais e, portanto, não poderiam ser digna de seres concebidos
como autônomos. Eis, segundo Kant (1974, p. 238), o princípio da autonomia: “não
escolher senão de modo a que as máximas da escolha estejam incluídas
simultaneamente, no querer mesmo, como lei universal”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao fim dessa reflexão sobre o ato de dispor da própria vida, faz-se necessário
ressaltar a complexidade do tema, por suas implicações e consequências legais e
morais.
Sob a ótica do Direito Penal, não há uma sanção disciplinada para aquele que
comete suicídio, tanto é que quando a pessoa não consegue consumá-lo e se recupera,
não sofre nenhuma pena em razão da tentativa. Entretanto, aquele que auxilia o
suicídio, pratica crime contra a vida, segundo o mesmo Código, com penas previstas
para as diferentes situações de atuação.
Sob a ótica da moral, os casos aqui discutidos são tomados como se a vida de
cada ser humano estivesse em jogo. No caso de Ramón poder-se-ia dizer que tenha lhe
faltado dar uma chance à vida se mostrar de outra maneira, pois, desde quando tomou
ciência da tetraplegia já colocara obstáculos que o impediam de viver naquelas
1286
condições. Talvez se Ramón tivesse a oportunidade de conhecer outros casos
teoricamente mais degradantes do que o seu certamente teria repensado sua noção
de vida digna.
Quanto ao suicídio, acredita-se que a intenção de cometê-lo não se esgotava no
próprio ato, mas, visava fins ulteriores àquele de pôr fim a uma vida indigna. No caso
do paciente hipotético, algumas considerações precisam ser feitas. Por se tratar de
uma doença degenerativa já em estágio avançado, e sem perspectivas de reversão do
quadro, acredita-se que seria complexo estabelecer critérios para avaliar o que se
pode suportar quando a vida é mantida somente através de suporte vital e se sofre
dores constantes.
Apesar desta dificuldade, defendem-se intervenções médicas com o intuito de
salvar a vida do paciente. Se os critérios para estabelecer os limites das intervenções
médicas fossem subjetivos, os pacientes poderiam a qualquer instante recusar um
tratamento sem obter maiores informações sobre seu diagnóstico, e, até mesmo,
sobre seu prognóstico.
Quanto à questão da autonomia como princípio da autodeterminação,
acredita-se que, quando não se estabelece uma noção unívoca, tanto para o médico
quanto para o paciente, não se pode afirmar que a decisão do paciente tenha sido
autônoma. Para ele, ser autônomo é se guiar por seus próprios valores, já para o
médico, decidir pela morte não poderia ser uma decisão autônoma. Sendo assim,
quem estaria com a razão, o médico ou o paciente? No entanto, quando se trata de
questões sobre a vida humana, importa considerar o que traz Kant à reflexão quando
diz que o ser humano não é coisa destituída de valor, ou que se possui valor
condicional. Ao contrário, pessoas possuem um valor incondicional, absoluto,
independente de situações contingenciais.
Neste sentido, o ato de dispor da própria vida, observado sob a moral de Kant,
não poderia ser justificado moralmente, visto que se encontra em contradição com a
nossa própria natureza, na medida em que, seres humanos dotados de valor absoluto,
ao solicitarem a morte se colocam no nível de coisas. Além do mais, devem-se levar
em conta os possíveis problemas que poderiam existir para humanidade se fosse
permitido a bel-prazer, pessoas disporem de suas vidas como se elas fossem objetos
1287
destituídos de um valor intrínseco. Dessa forma, justifica-se, por exemplo, suicídios em
massa, ou até mesmo, ataques terroristas, pois, nestes casos aquele que o comete o
ato, coloca sua vida e, ao mesmo tempo, a humanidade como meio e não como fim
em si mesma.
REFERÊNCIAS
AGREST, Diana Cohen. Por mano propia: estudo sobre lãs prácticas suicidas. 1ª ed.
Bueno Aires: Fondo de Cultura Econòmica, 2007.
AMENÁBAR, Alejandro (direção). Mar Adentro. BARDEM, Javier (protagonista).
Filme espanhol em DVD, 2004. Ficha técnica: Mar adentro é um filme espanhol (com
co-produção francesa e italiana) de 2004, do gênero Drama, dirigido
pelo chileno radicado na Espanha Alejandro Amenábar.
BOECHAT CABRAL, Hildeliza Lacerda Tinoco. Consentimento informado no
exercício da medicina e tutela dos direitos existenciais: uma visão interdisciplinar.
Itaperuna: Gráfica e editora Hoffmann, 2011.
BROCK. W. Dan. Medical Decisions at the end of life. In: The Cambrige Companion
to Bioethics. Peter Singer; Helga Kuhse (Eds.), 2009.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 2, parte especial. São Paulo:
Saraiva, 11ed, 2011.
ESTEVES, Julio. Eutanásia e suicídio: reflexões introdutórias. No prelo.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume II. Niterói: Impetus,
9ed, 2012.
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Abril
Cultural, 1974 (Coleção os Pensadores).
POJMAN, Louis; VAUGHAN Lewis. The Moral Life: an introductory reader in ethics
and literature. 3ª ed. New York: Oxford, 2007.
STOFFELL, Brian. Medical Decisions at the end of life. In: The Cambrige Companion
to Bioethics. Peter Singer; Helga Kuhse (Eds.), 2009.
1288
CURRÍCULO E EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR NO BRASIL: UMA ANÁLISE HISTÓRICA
RESUMO: O presente estudo tem por objetivo analisar as influências dos diferentes
currículos de Educação Física na prática de atividades físicas escolares. O termo
currículo designa o conjunto daquilo que se ensina e aprende, tendo como referência
alguma ordem de progressão, podendo inferir-se para além do escrito ou prescrito
oficialmente, ou seja, o que é efetivamente ensinado e aprendido na sala de aula ou
fora dela. A história do Brasil mostra que os programas de atividades físicas passaram
por mudanças de acordo com as diversas concepções sobre a Educação Física. Iniciou-
se com a Educação Física Higienista, priorizando a saúde dos indivíduos, logo após a
Educação Física Militarista, visando à obtenção da saúde capaz de suportar combates e
guerras, passando para a Educação Física Pedagogicista, mostrando à sociedade uma
Educação Física como prática eminentemente educativa. Iniciou-se então a Educação
Física Competitivista, cujo objetivo era a caracterização da competição e por fim a
Educação Física Popular, sustentando-se quase que exclusivamente numa teorização
transmitida oralmente para os trabalhadores no país. Assim, os currículos sempre
foram importantes na escolha das práticas de atividades físicas.
Palavras-chave: Currículo. Educação física escolar. Brasil.
INTRODUÇÃO
Nos dias atuais a Educação Física no ensino escolar de acordo com Gebara
(2002), deve estar integrada ao projeto político e pedagógico da escola. Ao longo da
história têm sido atribuído a Educação Física, incumbências diferenciadas que a
caracterizaram/caracterizam como componente curricular responsável pela educação
do corpo. Segundo Forquin (1996) a expressão, "componente curricular" é sinônimo de
matéria escolar, matéria de ensino e identifica os conteúdos do currículo. O termo
currículo, num sentido mais corrente designa o conjunto daquilo que se ensina e
daquilo que se aprende; tendo como referencia alguma ordem de progressão,
podendo inferir-se para além do escrito ou prescrito oficialmente, ou seja, o que é
efetivamente ensinado e aprendido no interior da sala de aula, ou fora dela, enfim,
1289
currículo num sentido geral e abstrato é a dimensão cognitiva e cultural do ensino,
qual seja, seus conteúdos, saberes, competências, símbolos e valores.
Assim para Souza; Vago (1997), currículo amplia o significado de organização
disciplinar, do sentido de regras de conduta, para o sentido de organização disciplinar
como: objetivos, partes e matérias do ensino. Diante do exposto, pode se dizer que um
componente curricular é, no sentido de matérias de ensino, não apenas um
constituinte do rol de disciplinas escolares, mas, um elemento da organização
curricular da instituição.
Para Rodrigues (2003) em sua especificidade de conteúdos, traz uma seleção de
conhecimentos que, organizados e sistematizados, devem proporcionar ao discente
uma reflexão acerca de uma dimensão de cultura e que aliado a outros elementos
dessa organização curricular, visam a contribuir com a formação cultural do aluno.
Para compreender as principais influências que marcaram e caracterizaram a Educação
Física, é necessário considerar suas origens no contexto histórico, especialmente no
cenário brasileiro, ao qual, será dada ênfase.
1290
juntavam-se os médicos, que tinham a tarefa de passar à sociedade algumas das leis
morais essenciais à família, os padrões de conduta física, moral e intelectual da nova
família brasileira. A concepção denominada Educação Física Higienista era uma
concepção particularmente forte nos anos finais do Império e no período da Primeira
República (1889 - 1930), que se preocupava em instituir a Educação Física como
agente de saneamento público, agindo como protagonista num projeto de assepsia
social, tendo um papel fundamental na formação de homens e mulheres sadios, fortes,
dispostos à ação.
O liberalismo do início do século XX no Brasil para Medina (1993) acreditou na
educação, na Educação Física e particularmente na escola, como redentora da
humanidade. Sobre os ombros da educação e da escola foram depositadas as
esperanças das elites intelectuais na construção de uma sociedade democrática e livre
dos problemas sociais. Os liberais não titubeavam em jogar às costas da ignorância
popular a culpa pelos problemas sociais que, em verdade, se originavam da
perversidade do sistema capitalista. Para o autor a função de assegurar a saúde e o
vigor dos corpos, aumentando a reprodução e longevidade dos indivíduos,
incrementar a população do país e melhorar os costumes privados e a moral pública,
observa-se uma tentativa simplista de resolver os problemas da saúde pública na
escola através da Educação Física.
De acordo com Castelani (2003) vários pontos defendidos pelo pensamento
liberal em relação à Educação Física, e que culminaram naquilo que estamos
designando de Educação Física Higienista, estão vivos, ainda hoje, permeando os
discursos de autoridades governamentais, de pedagogos, de médicos e professores de
Educação Física. A Educação Física Higienista, preocupada com a saúde, perdeu
terreno para a Educação Física Militarista (1930 - 1945), que derruba o próprio
conceito de saúde, para vinculá-lo agora a saúde da Pátria. Esta concepção segundo o
autor, visava impor a toda sociedade padrões de comportamento estereotipados,
frutos da conduta disciplinar própria ao regime de quartel, cujo objetivo fundamental
era a obtenção de uma juventude capaz de suportar o combate, a luta, a guerra,
enfim, a formação de um cidadão-soldado capaz de obedecer cegamente e de servir
de exemplo para o restante da juventude pela sua bravura e coragem. É nessa
1291
construção do novo homem que podemos entender a Educação Física como uma
disciplina necessária.
Para Filho (1996) a Educação Física deveria ser suficientemente rígida para
elevar os cidadãos da nação à condição de servidores e defensores da Pátria. O seu
papel seria de colaboração no processo de seleção natural, eliminando os fracos e
premiando os fortes, no sentido da depuração da raça. Para Ghiraldelli (2004) a
influência militarista na Educação Física brasileira é um componente forte e
duradouro. Em 1921, através de decreto, impôs-se ao país como método de Educação
Física oficial, o famoso "Regulamento nº 07", ou "Método do Exército Francês". Em
1931, quando do início da vigência da legislação que colocou como disciplina
obrigatória nos cursos secundários, o "Método Francês" foi estendido à rede escolar. A
Escola de Educação Física do Exército, fundada em 1933, funcionou praticamente
como pólo aglutinador e coordenador do pensamento sobre a Educação Física
brasileira durante as duas décadas seguintes. Somente na elaboração da Constituição
de 1937 é que se fez a primeira referência explícita à Educação Física, incluindo-a no
currículo como prática educativa obrigatória em todas as escolas brasileiras.
A ideia central da concepção para Castelani (2003) era o aperfeiçoamento da
raça, seguindo assim as determinações impostas pelas falsas conclusões defendidas
pela biologia nazifascista. A ordem e a disciplina dos militares tornaram-se marcantes
na ginástica, sendo eles próprios os professores nas escolas, ou melhor, instrutores nas
escolas, onde os alunos eram adestrados de acordo com os modelos apresentados por
seus instrutores. Derrotado o nazifacismo após 1945, a Educação Física Militarista foi
obrigada a se reciclar. Isto não significa, de maneira alguma, que a prática da Educação
Física, após esta derrota, tenha se livrado dos parâmetros impostos pela Educação
Física Militarista.
A concepção Pedagogicista (1945 - 1964), é a concepção que vai reclamar da
sociedade a necessidade de encarar a Educação Física não somente como uma prática
capaz de promover saúde ou disciplinar a juventude, mas de ser uma prática
eminentemente educativa (DARIDO, 1999). Para o autor a ginástica, a dança, o
desporto, são meios de educação dos discentes. São instrumentos capazes de levar a
juventude a aceitar as regras de convívio democrático e de preparar as novas gerações
1292
para o altruísmo, o culto a riquezas nacionais, etc. o sentimento corporativista de
valorização do profissional da Educação Física permeia a concepção. Assim, é possível
forjar um sistema nacional de Educação Física, capaz de promover a Educação Física do
homem brasileiro, respeitando suas peculiaridades culturais, físico-morfológicas e
psicológicas.
Segundo Ghiraldelli (2004) do final do Estado Novo até a promulgação da
primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961, houve um grande debate
sobre o sistema de ensino brasileiro. A Lei 4024/61 estabeleceu a obrigatoriedade da
Educação Física para o ensino primário e médio. Gradativamente o esporte ocupa mais
espaço nas aulas de Educação Física com a introdução do Método Desportivo
Generalizado, contrapondo aos antigos métodos de ginástica tradicional. As fortes
influências da tendência tecnicista, sofridas na educação aparecem na Lei n. 5.540, em
1968 para o ensino superior e na Lei 5.692, em 1971 para o ensino de 1º e 2º graus,
onde a Educação Física torna-se obrigatória em todos os graus de ensino, teve seu
caráter instrumental voltado ao desempenho técnico e físico do aluno. No âmbito
escolar, a partir do Decreto n. 69.450 de 1971, considera-se a Educação Física como a
atividade que por seus meios, processos e técnicas desenvolvem e aprimoram forças
físicas, morais, cívicas, psíquicas e sociais do educando. A falta de especificidade do
decreto manteve a ênfase na aptidão física. A iniciação esportiva, a partir da quinta
série, torna-se um dos eixos fundamentais de ensino em busca de novos talentos, para
participar de competições internacionais representando a pátria. O efeito desse
modelo não deu certo (GHIRALDELLI, 2004).
Para Filho (1996) o descontentamento cada vez maior da sociedade brasileira
com o autoritarismo presente ao longo dos governos militares no final dos anos 70
passou a clamar pela abertura política - a redemocratização. Na Educação Física
nacional, questionamentos e contestações das práticas e das políticas da época são
travados. A produção literária na área passa a ser intensa e versa principalmente sobre
as concepções que historicamente vinham formatando e orientando as suas práticas.
Aos problemas que emergiam na Educação Física escolar neste período o Estado
responderia com uma nova legislação em 1971.
1293
Na Lei nº 5692/71, a Educação Física torna-se obrigatória em todos os graus de
ensino, e teve seu caráter instrumental voltado ao desempenho técnico e físico do
aluno. A partir do decreto nº 6450 de 1971, a Educação Física é regulamentada como
componente curricular do ensino de 1º e 2º graus, hoje ensino Fundamental e Médio
(FILHO, 1996). Segundo o autor a Resolução SE nº 8, mais uma vez enfatiza a
necessidade de constar a Educação Física no currículo escolar ao observar que ela "se
constitui em componente curricular obrigatório em todas as séries do ensino de 1º e 2º
graus, nos termos do Decreto Federal nº 6450/71". (São Paulo, 1985: 493). A Educação
Física entendida, como componente curricular obrigatório, terá o planejamento de
suas atividades subordinado á escola, de modo que contemple seu plano geral de
trabalho e com ele se harmonize.
1294
psicomotor (CASTELANI, 2003). Passa-se a discutir as relações entre educação Física e
sociedade sob a influência das teorias críticas da educação, sobre o seu papel e sua
dimensão política. Há uma mudança de enfoque, amplia-se á visão da área biológica,
enfatizando as dimensões psicológicas, sociais, cognitivas e afetivas, concebendo o
aluno como um ser humano integral (DARIDO, 1999). De acordo com o autor, os
objetivos da disciplina se embasam em objetivos educacionais mais amplos, o
conteúdo torna-se diversificado e os pressupostos pedagógicos mais humanos,
opondo-se à visão comportamentalista expressa no ensino esportivo. Nessa época,
vários outros autores ganharam destaque com suas produções de cunho filosófico,
sociológico, histórico, antropológico e pedagógico. Com a nova Lei de Diretrizes e
Bases (LDB), a Lei nº 9394/96, a obrigatoriedade do ensino da Educação Física é de
responsabilidade dos Conselhos Nacional e Estaduais de Educação, dos sistemas de
ensino, bem como das próprias escolas (CURY, 2005).
Souza e Vago (1999) comentam sobre o ensino de Educação Física em face a
LDB e acentuam que é importante registrar que essa obrigatoriedade esta também
explicitada no Parecer nº 376/97, de 11/06/97, do Conselho Nacional de Educação,
que reafirma o parágrafo terceiro do artigo 26 da LDB, enfatizando que a Educação
Física é, sim, componente curricular da educação básica, cuja oferta deverá estar
integrada á proposta pedagógica da escola. Também o Parecer nº 5/97, de 07/05/97,
Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, garante que os
componentes curriculares que integrarão a base comum nacional somam-se á
Educação Física, nos termos da Lei.
O Ministério da Educação e do Desporto, através da Secretaria da Educação
Fundamental (MEC/SEF), mobilizou a partir de 1994 um grupo de professores
pesquisadores no sentido de elaborar os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Em
1997, foram lançados os documentos referentes aos 1º e 2º ciclos (primeira a quarta
séries) do Ensino Fundamental e no ano de 1998 os relativos aos 3º e 4º ciclos (quinta
á oitava séries), incluindo um documento específico para a área de Educação Física
(CURY, 2005).
1295
Figura 1. Estudantes em educação física realizando atividades com enfoque nos jogos de
brincadeiras.
Fonte: www.unicamp.br
Fonte: http://www.humanitates.ucb.br/2/educacao.htm
1296
principais questões que o professor deve considerar no desenvolvimento do seu
trabalho, subsidiando as discussões, os planejamentos e avaliações da prática de
Educação Física.
CONCLUSÃO
O presente artigo buscou apresentar questões importantes sobre a
trajetória e a inserção curricular da educação física escolar no ensino básico no
Brasil.
REFERÊNCIAS
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de Saúde resolve aprovar diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas
envolvendo seres humanos. Em 10 de outubro de 1996.
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1297
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renovação e transformação da educação física,11ª. Ed. Campinas, SP: Papirus,1993
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renovações, modismos e interesses. Ijuí: Sedgraf, 1997
SOARES, Carmem Lúcia. Educação Física: raízes européias e Brasil. Campinas-RS,
Autores Associados, 1994.
1298
A (TRANS)FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA ATRAVÉS DA ATIVIDADE: RELATO DE UMA
EXPERIÊNCIA
INTRODUÇÃO
Realizou-se um estudo com o objetivo de verificar se estudantes de medicina
apresentavam, em seus processos de aprendizagem, procedimentos relacionados ao
que preconiza a teoria da autorregulação da aprendizagem158. A realização do referido
estudo justifica-se pela importância que a literatura especializada mais recente tem
atribuído ao comportamento autorregulado do aprendiz, para ocorrência de
aprendizagem eficaz.
Neste trabalho descreve-se algumas constatações obtidas através do estudo,
relacionadas às etapas e dimensões que integram o comportamento autorregulado,
158
Dissertação de mestrado realizada por Roberto Mendes Ferreira sob a orientação da profa. Dra. Vera
Lucia Deps, intitulada “A experiência na aprendizagem dos procedimentos de avaliação da alta
hospitalar pós-colecistectomia sob a ótica da aprendizagem autorregulada”. Universidade Estadual do
Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF. Campos dos Goytacazes – RJ, 2012.
1299
procurando estabelecer conexão entre as conclusões obtidas e a teoria da atividade
iniciada por Vygotsky (1981; 1987), ampliada por Leontiev (1985), e continuada por
Galperin (1986).
A descrição seguinte obedecerá a seguinte sequência: inicialmente far-se-á uma
breve descrição da teoria da autorregulação da aprendizagem que subsidiou a
pesquisa e da teoria da atividade. Em seguida contextualizar-se-á a prática no ensino
médico observado, e descrever-se-á a metodologia do trabalho. Posteriormente
apontar-se-á convergências entre os resultados obtidos na pesquisa realizada, e o que
preconiza a teoria da atividade. Finalizando, apresentar-se-á as conclusões e
sugestões, bem como as referências bibliográficas.
1300
monitorização e controle. Alinham-se a este conceito outros autores, dentre eles
Brown (1978), que é também pioneira no estudo dessa área.
De acordo com o modelo de Flavell (1981), o controle que o indivíduo pode
exercer sobre sua própria atividade cognitiva depende das ações e interações entre
quatro componentes, quais sejam: a) o conhecimento metacognitivo; b) as
experiências metacognitivas; c) as metas cognitivas; d) as estratégias.
Explicando cada componente: O conhecimento metacognitivo se relaciona ao
conhecimento sobre a pessoa, a tarefa e as estratégias. O conhecimento do primeiro
aspecto compreende o conhecimento e as crenças na perspectiva intraindividual,
interindividual e universal.
O segundo aspecto do conhecimento metacognitivo se refere ao conhecimento
da tarefa, e a maneira como a natureza e demanda da tarefa influenciam sua execução
e relativa dificuldade.
O terceiro aspecto do conhecimento metacognitivo é o conhecimento da
efetividade relativa da estratégia. Flavell (1981) diferencia dois tipos de estratégias:
cognitivas e metacognitivas. Para o autor as estratégias cognitivas são empregadas
para fazer progresso da atividade cognitiva em direção ao objetivo, e as
metacognitivas utilizadas com a função de supervisionar este processo. De acordo com
Zimmerman (2000), ainda que seja difícil encontrar uma postura universal para definir
aquilo que se considera “estratégia”, a maioria dos autores atribui às mesmas as
seguintes propriedades: são procedimentos ou sequências integradas, que constituem
um plano de ação que o sujeito seleciona entre diversas alternativas, com a finalidade
de conseguir uma meta pré-fixada.
As experiências metacognitivas (ideias, pensamentos, sensações ou
sentimentos) acompanham a atividade cognitiva, estão relacionadas com o progresso
em direção aos objetivos, e podem ser interpretadas conscientemente.
Exemplificando, Mateos (2001) menciona a leitura de um texto de conteúdo familiar,
que pode estimular uma reação tal como “eu já conheço isto”.
As metas cognitivas têm um sentido equivalente aos objetivos a que se almeja
alcançar. De acordo com Pintrich (2000), o atual conceito de objetivos de realização
aborda a questão do propósito ou razão que leva os estudantes a empenharem-se nas
1301
tarefas de realização, bem como os padrões ou os critérios que eles constroem para
avaliar a sua competência ou sucesso na tarefa.
Sá (2004) assevera que os estudantes desenvolvem o seu conhecimento
metacognitivo quando refletem sobre as exigências das tarefas, as competências e
estratégias pessoais que devem ser aplicadas na resolução dos problemas, quando
testam os seus conhecimentos e reveem os trabalhos realizados.
Outra dimensão do comportamento autorregulado do indivíduo é a motivação.
Ela influencia a maneira como os indivíduos participam ou não em determinada
atividade (ECCLES et al., 1989, dentre outros).
Para vários autores (DECI e RYAN, 1985; WEINER, 1985; DWECK, 2000, ECCLES e
WIGFIELD, 2002, dentre outros) as crenças psicológicas, os objetivos e valores são
entendidos como organizadores e determinantes do comportamento e da orientação
motivacional dos indivíduos. Destaca-se, nos diversos enfoques, a teoria da
autoeficácia como parte do modelo Cognitivo-Social de aprendizagem desenvolvido
por Bandura (1977; 1997; 1986; 2001). O pesquisador define autoeficácia como “a
crença das pessoas em sua capacidade de exercer determinado controle sobre o
próprio funcionamento e sobre eventos do ambiente” (BANDURA, 2001, p. 10).
Segundo o autor, aqueles que acreditam que seus atos têm potencial para alterar os
eventos ambientais estão mais propensos a agir e a ser bem-sucedidos do que aqueles
que têm baixa autoeficácia.
Ames (1992) destaca que o sujeito interessado em despertar, desenvolver ou
manter motivação eficaz, de melhor qualidade e duradoura, deve usar “estratégias
motivacionais” no seu processo de aprendizagem.
Segundo Deci e Ryan (2000), a motivação humana foi tradicionalmente
diferenciada em intrínseca e extrínseca. No primeiro caso o comportamento é
motivado pela atividade em si, ou seja, pela satisfação a ela inerente. A motivação
extrínseca existe quando a atividade é percebida como meio para alcançar eventos
externos desejáveis ou escapar de indesejáveis, ou seja, ela é exercida por seu valor
instrumental. Os pesquisadores enfatizam que, nessa visão dicotômica, os melhores
resultados em termos de aprendizagem, desempenho, criatividade, entre outros, estão
relacionados à motivação intrínseca (RYAN e DECI, 2000). Hoje os autores argumentam
1302
que existe um consenso crescente de que as motivações intrínseca e extrínseca não
devem ser tratadas em polos opostos, mas podem operar conjuntamente em
diferentes situações e mesmo formar um conjunto gradual.
Em relação à dimensão volitiva/comportamental, várias concepções de
autorregulação enfatizam que as ações que o sujeito empreende para concretizar suas
intenções, bem como os processos psicológicos subjacentes que guiam estas ações,
são de natureza volitiva (CORNO, 2001). As variáveis volitivas são responsáveis pela
escolha e nível de empenho na realização das tarefas, bem como pela manutenção do
esforço necessário à concretização das metas desejadas (CORNO, 1994; KUHL e
FURHRMANN, 1998; PINTRICH, 1999). A volição é a vontade, o esforço que o sujeito
faz para alcançar e manter o objetivo a que se propõe, dentro ou fora da escola
(CORNO, 1994). O esforço se refere a um ato intencional, que aumenta o
comprometimento com a tarefa, aumentando a atenção, a concentração e a
quantidade de tempo gasto com a tarefa, ou no fazer de atividades específicas
(BOEKAERTS, 2002).
Para Corno (2001) as ocasiões em que há necessidade de comportamento
volitivo ocorrem quando os alunos têm que realizar determinadas tarefas e não têm
liberdade para outras atividades naquele momento. Por meio das estratégias volitivas,
o aluno pode controlar sua motivação, seus processos internos, seu comportamento e
o ambiente de aprendizagem, especificamente a atenção, a ansiedade e os elementos
que desviam a atenção das tarefas e/ou objetivos previamente elaborados (PINTRICH,
1999; CORNO, 2001). As estratégias volitivas reforçam o caráter voluntário da ação
autorregulada (KUHL, 1984; KUHL e CORNO, 1994; FURHMANN, 1998; PINTRICH,
1999).
A teoria da volição distingue este conceito daquele relacionado ao de
motivação. A motivação gera o impulso ou intenção para agir, enquanto que a volição
controla intenções e impulsos para a ação ocorrer (KUHL, 1994). Enquanto os aspectos
motivacionais são mais utilizados para iniciar as tarefas, as variáveis volitivas se
relacionam mais com a manutenção e com a persistência nos objetivos.
A dimensão contextual envolve o estudo do meio ambiente tanto físico como
social. No plano físico, a competência para organizar e reestruturar o local de estudo, é
1303
uma das características marcantes dos alunos autorregulados (ZIMMERMAN, 2000).
Apesar desse fato, Carita et al (1998) afirmam que não existe uma regra universal
quanto à melhor forma de organizar o local de trabalho, uma vez que este espaço
deverá acima de tudo, estar adequado às necessidades e aos gostos pessoais de cada
aluno, fazendo-o sentir-se bem e tornando a própria atmosfera do local de trabalho,
um incentivo ao estudo.
Entretanto Carita et al (1998) asseveram que a ausência de uma regra universal
não significa inexistência de alguns aspectos consensuais a ter-se em conta. As autoras
afirmam que existe consenso de que o espaço de trabalho deve ser tranquilo, sem
ruído nem interrupções, de forma a promover a concentração nas tarefas. Deve ter
boa iluminação, além de uma temperatura agradável com ventilação; o mobiliário
deve ser adequado de acordo com as conveniências e deverá, em regra, ser o mesmo,
uma vez que a mudança do local de trabalho implica novos estímulos geradores de
distração, bem como novas adaptações.
A utilização de suportes educacionais é um dos aspectos a ter-se em conta na
regulação do ambiente físico. Possuir um local de trabalho com acesso fácil a fontes de
informação (livros, dicionários, enciclopédias, computador, software educativo,
internet, material áudio ou vídeo, etc.), e partindo do princípio de que o aluno possui
as competências necessárias a uma boa utilização dessas fontes, pode constituir-se
como um fator chave na promoção da autorregulação (BARROSO, 1998).
No plano do contexto social, Zimmerman (2000) salienta que solicitar
informação a outrem não é diferente de pesquisar informações em fontes escritas.
Nessa perspectiva destacamos o papel do professor. Note-se, no entanto, que,
segundo Newman (1994), o tipo de ajuda procurada pelos alunos autorregulados
difere da mera dependência, sendo seletiva no que diz respeito à extensão dos
conhecimentos, além de ser direcionada a alguém que se sabe ser capaz de possuir
tais conhecimentos, e a ajuda é colocada na forma de questão.
Monereo et al (1995) salientam que para ensinar estratégias de pensamento é
necessário em primeiro lugar contar com professores que as utilizem no plano pessoal
e profissional, a fim de que não pensem só o que ensinam, mas também ensinem o
1304
que pensam e como pensam, pelo que a modelação se constitui como um aspecto
central do papel do professor.
A modelação é entendida por Schunk (2001) como mudança cognitiva, afetiva e
comportamental, que resulta da observação de modelos, sendo estes sujeitos ou
caracteres reais ou simbólicos, em cujos comportamentos, verbalizações e expressões
não verbais os observadores prestam atenção, servindo como “deixas” para a
modelação da aprendizagem em curso.
Outros autores reforçam este argumento, ressaltando que os indivíduos
adquirem novos comportamentos e cognições, assim como modificam as existentes,
como consequência de observarem o comportamento e as verbalizações de outros
(HENDERSON e CUNNINGHAM, 1994; GLASERSFELD, 1995).
Schunk (Apud ZIMMERMAN, 1994) demonstrou que proporcionar feedback aos
alunos acerca dos seus esforços e resultados, ajuda-os a perceber o progresso na
consecução dos seus objetivos, mantem a motivação, e melhora a eficácia em relação
a aprendizagens futuras. Entretanto para o autor, o feedback relativo ao esforço
dispendido só será benéfico e crível, se prestado durante a aquisição das
competências, de modo que este feedback não será benéfico se prestado após a
realização da tarefa.
O trabalho em grupo permite não só motivar para a realização das tarefas e
promover o raciocínio cognitivo como promover o desenvolvimento de competências
de relacionamento interpessoal. O trabalho em grupo é uma ferramenta poderosa no
que diz respeito ao desenvolvimento de competências de autorregulação. Segundo
Detry e Cardoso (1996), a interação social tem efeitos de desequilíbrio e
reestruturação cognitiva que Doise (Apud DETRY e CARDOSO, 1996) denomina conflito
sociocognitivo:
1305
Outros autores focalizam as tarefas e admitem que, tarefas difíceis tornam-se
mais fáceis e potencializam mais aprendizagem, se elaboradas em pequenos grupos
(PRAT e IZQUIERDO, 1998). Alguns autores também verificaram que os alunos, ao
observarem outros a realizar uma tarefa, mais facilmente acreditarão que também são
capazes de as realizar (SCHUNK, 1994).
Vejamos sucintamente em que consiste cada fase do processo
autorregulatório:
1ª fase – Planejamento prévio:
Teoricamente o processo começa com a definição dos objetivos que se
pretende alcançar. Continua, ainda na fase inicial, com a preparação de um plano
onde, na sua elaboração, as expectativas, crenças e cognições são avaliadas. Nesta
fase, no plano cognitivo/metacognitivo, faz-se a ativação de conhecimentos prévios
para a execução da tarefa, relacionados ao conteúdo e ao conhecimento
metacognitivo (relacionado à própria pessoa, à tarefa a ser executada, e às estratégias
a serem utilizadas). No plano motivacional o aprendiz deve avaliar sua adesão ao
objetivo pré-estabelecido, as crenças que possui e que podem interferir no seu
processo de aprendizagem, dentre elas a de autoeficácia; e avaliar também o valor que
atribui à tarefa, dentre outros. Em relação à dimensão comportamental, deve ser
planejado o tempo e o esforço necessários para a execução das tarefas, e elaborado
um planejamento para auto-observação do comportamento. Em relação ao contexto,
observam-se as possíveis interferências do contexto físico e social que poderão facilitar
ou dificultar o alcance do objetivo pretendido.
Na fase de execução, as ações planejadas são executadas, monitoradas e
controladas, isto é, avaliadas no sentido de estarem ou não permitindo caminhar em
direção ao alcance dos objetivos pretendidos, e redirecionadas se necessário for. No
ciclo desta teoria, a fase do planejamento prévio pode ser modificada à medida que a
avaliação é realizada. Assim a avaliação pode modificar o planejamento, que, por sua
vez, pode ou não modificar a forma de executar a tarefa. Este é um processo dinâmico
e interconectado que não se esgota, pois é retroalimentado pelos sujeitos e pelo
desenvolvimento das etapas que o perpassam. O planejamento, a execução e a
1306
autorreflexão estão interconectados, atuando em um só foco: alcançar objetivos
previamente estabelecidos através de estratégias adequadas.
A fase de reação e avaliação final, permite rever o “caminho percorrido”,
sabendo-se que a aprendizagem é um processo inacabado, que requer esforço e
atividade constante. A avaliação é permanente, no sentido de ocorrer durante todo o
processo, e não apenas na etapa final. Avalia-se: se os objetivos pretendidos foram
alcançados; se as estratégias utilizadas foram adequadas, ou se devem ser
reformuladas; as reações afetivas e as atribuições de valor; se deve ou não haver
persistência em relação ao objetivo inicial; se o contexto deve ou não ser alterado.
Resultados de pesquisas têm demonstrado que a prática deste modelo tem
possibilitado aos alunos alcançar uma aprendizagem mais eficaz.
1307
Leontiev, para tornar compreensível a relação que ocorre nos planos
teórico e prático entre a atividade, o social e a mediação.
1308
Segundo Talízina (1988), através das várias etapas percorridas pelo indivíduo
no processo de execução de uma atividade, e no contato com o objeto correspondente
à atividade em execução, o conceito, através da palavra, torna-se uníssono ao objeto,
por conseguinte melhor compreendido ou assimilado. Isto também reforça a
importância dos conceitos científicos ou transmitidos pelo professor partirem dos
conceitos espontâneos ou aprendidos pelo educando através de suas experiências de
vida, pois possibilita que os conceitos científicos, ensinados pela formalização de
regras lógicas, estejam associados à experiência direta do aprendiz com o objeto.
As pesquisas realizadas por Leontiev (1985) e colaboradores comprovaram a
tese da unidade entre a atividade e a psique, ou seja, a atividade psíquica interna
traduz a atividade externa e materializada.
Núñez (2009, p. 71) menciona que, na análise estrutural da aprendizagem como
tipo de atividade, ou para a colocação em prática da teoria da atividade preconizada
por Leontiev, é necessário delimitar:
1309
A teoria da autorregulação também reconhece, como exposto anteriormente,
que o comportamento do aprendiz autorregulado é cíclico, isto é, inclui um
planejamento prévio, o monitoramento e o controle durante a execução da ação, e a
avaliação após sua execução. Reforçando ainda essa convergência, Núñez (2009, p. 75)
menciona que:
1311
multiplicidade dos fenômenos, o que o qualifica como pensamento do tipo teórico”.
Na bibliografia deste trabalho, encontra-se referência de obras dos pesquisadores da
teoria da atividade, que poderão auxiliar àqueles interessados em adquirir
conhecimento mais profundo sobre o tema.
1312
A iniciação prática ocorre partindo do pressuposto que os alunos dominam os
conhecimentos teóricos e já tenham participado de experiências que os habilite a
empreender o exame clínico com a colaboração do professor. Entretanto apenas um,
dos doze sujeitos observados, mencionou ter realizado, por iniciativa própria, atividade
de observação da prática médica antes do ingresso no internato médico em clínica
cirúrgica.
ASPECTOS METODOLÓGICOS
Natureza do estudo: Tratou-se de um estudo de caso, de natureza quanti-
qualitativa.
Sujeitos e local do estudo: A pesquisa foi realizada com estudantes de
medicina, de uma faculdade localizada na região sudeste do Brasil. Participaram doze
alunos do 5º ano da graduação médica (11 do sexo feminino e 1 do sexo masculino),
solteiros, na faixa etária entre 22 e 27 anos. Todos os participantes estavam
matriculados na disciplina “internato médico em clínica cirúrgica”, no contexto de
aprendizagem dos procedimentos de alta hospitalar pós-colecistectomia. Essa
disciplina tem caráter teórico/prático - introduz o aluno na prática de procedimentos
médicos, o que determinou sua escolha para observação. Na Instituição pesquisada, a
disciplina ocorria a partir do 5º (quinto) período.
O internato em cirurgia dos estudantes no 5º ano na instituição observada tem
a duração de sete semanas, para cada grupo de 12 alunos. Neste período a rotina de
treinamento na enfermaria foi diária, perfazendo o total de dez horas semanais. O
mínimo de 12 pacientes é assistido diariamente nesta enfermaria. Na rotina diária os
alunos realizam os procedimentos médicos necessários à assistência ao paciente. Em
seguida aos atendimentos é realizado um “round” com a presença dos 12 alunos e de
um professor, onde se promove debate sobre cada caso atendido, no intuito de
analisar a melhor abordagem e conduta para cada um. Durante este “round” há
oportunidade para que cada aluno expresse a lógica que fundamentou suas decisões
no atendimento ao paciente, exponha suas dificuldades e habilidades, viabilizando a
troca de experiência dentro do grupo, facilitando assim a superação coletiva dos
desafios.
1313
Recursos de observação: As observações basearam-se nas etapas e dimensões
que integram o construto do comportamento autorregulado, segundo modelo
elaborado por Pintrich (2000). Por conseguinte observou-se o comportamento dos
estudantes em três momentos relacionados aos seus ingressos na disciplina
mencionada: antes, durante e ao final do curso, nas dimensões
cognitiva/metacognitiva, motivacional, comportamental e contextual.
O questionário, juntamente com a entrevista coletiva (grupo focal), e a
observação propriamente dita, foram os instrumentos utilizados para a coleta de
dados. O questionário tinha perguntas predominantemente objetivas (fechadas),
complementadas com perguntas abertas ou discursivas, e foi dividido em três partes:
As perguntas do questionário foram elaboradas de acordo com o referencial da teoria
da autorregulação da aprendizagem envolvendo as três fases da aprendizagem
autorregulada. Cada parte do questionário contemplava as dimensões da
aprendizagem autorregulada mencionadas anteriormente. As perguntas relacionadas à
fase prévia ou que antecedeu à ação, eram referentes às seguintes variáveis:
consciência do pesquisado sobre os objetivos a atingir; conhecimentos prévios e
crenças dos sujeitos; comportamento volitivo relacionado à motivação e ao contexto.
As perguntas relacionadas à fase de execução da ação tinham perguntas envolvendo
variáveis da mesma natureza da fase prévia, porém na perspectiva de monitorização e
controle durante a execução dos procedimentos de alta hospitalar pós-
colecistectomia. As perguntas relacionadas à fase de reflexão final da ação, buscaram
conhecer aspectos relacionados à autoconsciência sobre os resultados alcançados
relacionados aos objetivos previamente traçados.
O questionário foi previamente submetido à avaliação de três pesquisadores,
que o consideraram adequado aos propósitos do estudo; além disso, foi testado com
um grupo de estudantes de medicina do 5º ano, não participantes da pesquisa, que
manifestaram perfeito entendimento acerca das perguntas do instrumento. Além da
aplicação do questionário, realizou-se diariamente entrevista coletiva (grupo focal),
onde se discutia os procedimentos dos estudantes nos atendimentos realizados.
Procedimentos de aplicação: O questionário foi aplicado pelo próprio
pesquisador em duas etapas: as perguntas relacionadas à caracterização dos
1314
respondentes e à 1ªfase do comportamento autorregulado foram aplicadas durante a
quarta semana do internato; arbitrou-se esta ação por ser este um período
intermediário dentro do internato em cirurgia. A segunda etapa de aplicação do
instrumento ocorreu durante a sétima e a última semana do internato, momento em
que se colheram informações acerca de comportamentos relacionados à 2ª e à 3ª fase
da aprendizagem autorregulada.
Tratamento e análise dos dados: os dados obtidos através da aplicação do
questionário foram transformados em tabelas de distribuição de frequência e
percentagem para análise. Fez-se análise de conteúdo das respostas às perguntas
abertas, que, após terem sido classificadas em categorias e subcategorias, Fez-se
tratamento estatístico transformando os dados em tabelas de distribuição de
frequência e porcentagem. Além dos relatos dos próprios estudantes através dos
questionários aplicados, a análise dos dados foi complementada com as observações
registradas através dos encontros coletivos.
1315
aumento da motivação dos estudantes. Na fase de execução, a crença de autoeficácia
dos graduandos foi aumentada em comparação à fase de antecipação à realização das
atividades, possivelmente em decorrência do aumento de leituras/informações
teóricas, que o bom desempenho das atividades exigiu.
Além da busca por informação escrita, a maioria dos pesquisados mencionou
buscar ajuda com os colegas, e principalmente com o professor. Buscar ajuda faz parte
do comportamento autorregulado, e corresponde ao que preconiza a teoria da
atividade, no sentido de que o sujeito desenvolve sua aprendizagem na medida em
que estiver envolvido pessoalmente através da mediação de pessoas mais
conhecedoras.
As atividades de estágio foram apresentadas aos estudantes pelo coordenador
da disciplina. Inicialmente foi detalhado para os alunos como deveria ocorrer a
execução das atividades e solicitado que as iniciasse, o que lhes possibilitou adquirir
consciência da lógica da estruturação da ação. Num segundo momento e
concomitantemente ao prosseguimento da execução das tarefas, foram realizadas
reuniões ou entrevistas coletivas (grupo focal), ocasião em que os alunos eram
convidados a verbalizar suas experiências, refletindo sobre seus procedimentos, e
ouvindo o feedback do professor e dos colegas, acompanhado de orientações quando
necessário. A literatura assevera que o feedback é muito benéfico, visto que ajuda o
aprendiz a perceber seu progresso em direção aos objetivos pretendidos, entretanto
para ser benéfico deve ocorrer durante a aquisição da competência como ocorreu no
grupo observado.
A verbalização do que realizavam na prática corresponde à 2ª etapa do que
Galperin (2001) denomina “etapa verbal da ação”, e vai ao encontro da ideia de
Vygotsky (1989) incorporada atualmente pela teoria da autorregulação da
aprendizagem (ZIMMERMAN, 2000; BOEKAERTS, 2000; dentre outros), no sentido de
que a linguagem oral facilita ao aprendiz a conscientização de seus conhecimentos e
dificuldades, contribuindo assim para uma melhor aprendizagem.
Os estudantes estavam num processo constante de monitoramento e de
controle de suas atividades, outra característica do comportamento autorregulado.
1316
Nos encontros dos alunos com o professor buscava-se compreender o “como se faz”,
resultando na construção de um modelo teórico da atividade.
Ao término do estágio, na autoavaliação dos alunos, suas respostas indicaram
que durante a realização do estágio prático a aprendizagem foi fundamentada na
reflexão consciente sobre o significado dos problemas que surgiram ao longo da
tarefa, possibilitando aumento da compreensão acerca das próprias capacidades,
numa espécie de diálogo consigo mesmo.
Os alunos, em sua totalidade, responderam que a experiência através do
estágio lhes possibilitou aprender o que realmente é importante nos procedimentos
de alta hospitalar pós-colecistectomia. Os objetivos a alcançar, que não estavam claros
na fase que antecipou à realização das atividades, tornaram-se mais evidentes. O
estágio possibilitou aos estudantes confirmar habilidades que julgavam possuir,
descobrir novas habilidades, desenvolver aptidões, e, para uma minoria, descobrir que
não possuíam as habilidades ou aptidões que julgavam ter. Vendo os casos na prática e
discutindo condutas com o professor, conseguiram compreender, consequentemente
aprender melhor os conceitos científicos.
A aprendizagem através dos encontros de grupo vai ao encontro da concepção
da teoria da atividade, de que os processos psíquicos inicialmente têm caráter
interpsicológico (adquiridos na relação do sujeito com o mundo externo) e
posteriormente apresentam caráter intrapsicológico. A experiência através do estágio
oportunizou aos alunos, a partir da atividade externa, elaborar melhor suas atividades
internas, ou seja, à melhor compreensão dos conceitos teóricos segundo seus
depoimentos, reforçando assim o que preconiza os pesquisadores da teoria da
atividade.
As respostas dos estudantes também são compatíveis com o que a literatura
define como características do comportamento autorregulado, no sentido de que,
enquanto o estudante vai adquirindo conhecimentos sobre si próprio e sobre os
outros, vai construindo representações mentais internas de si próprio e dos outros,
adquirindo aprendizagem.
CONCLUSÕES E SUGESTÕES
1317
Os resultados do estudo realizado respaldam a literatura quando esta afirma o
valor da prática como agente de modificação do comportamento, a atividade como
transformação das ações, pensamentos, e sentidos. Os resultados comprovaram que
situações de aprendizagem que enfatizam a utilidade daquilo que se aprende, podem
induzir a objetivos centrados na aprendizagem.
A experiência de aprendizagem através da atividade prática, e relacionada a
situações reais como ocorreu com os sujeitos deste estudo, possibilitou maior
motivação dos alunos e melhor assimilação e/ou formação/reformulação de conceitos
científicos. O engajamento na atividade possibilitou também o desenvolvimento do
comportamento autorregulado dos aprendizes, uma vez que facilitou-lhes a definição
dos objetivos a atingir, e a escolha de procedimentos ou estratégias mais condizentes
ao alcance dos mesmos. Isto reforça o que preconiza a teoria da atividade, a respeito
da unidade entre a atividade externa e a interna na formação do conceito e da
consciência, bem como reforça que a ação é a fonte do conhecimento humano.
A constatação de que os conceitos são mais bem assimilados em conexão com
a prática, tem repercussões na organização curricular dos cursos de formação
profissional, e converge para o que preconiza as diretrizes curriculares para o curso de
medicina, que recomendam, entre outras coisas, que se utilizem metodologias
destacando, além da integração dos conhecimentos, a participação ativa do aluno na
construção do conhecimento.
Por conseguinte acredita-se que o estágio, como se costuma denominar a
introdução do aluno na prática profissional, deve ser iniciado nos primeiros anos após
o seu ingresso no curso, e não nos últimos períodos de sua formação. Naturalmente
que essa prática deve ser oportunizada em etapas, inicialmente com a simples
observação do estudante, até que ele esteja apto a ter maior independência de ação, o
que possivelmente ocorrerá em uma fase mais próxima ao final do curso. Entretanto,
durante todas as etapas, a conexão teoria/prática e o acompanhamento do aprendiz
por um mediador mais experiente ou pelo professor, e o compartilhamento de
experiências com os colegas e professor acompanhado de feedback, muito poderá
contribuir para o bom desempenho futuro do profissional em formação.
1318
Não se trata de uma visão reducionista da prática pela prática, mas de uma
forma de despertar a consciência dos alunos para suas próprias dificuldades de
aprendizagem, e para os problemas da sociedade em que se insere, instigando-os à
busca de soluções para o alcance das transformações necessárias. Em suma, o estágio
prático, aliando a teoria à prática, possibilitou aos alunos maior reconhecimento da
utilidade dos conceitos teóricos estudados e maior compreensão dos mesmos,
consequentemente uma melhor aprendizagem.
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1322
POSIÇÃO ESPACIAL, PERCEPÇÃO CORPORAL E SIGNIFICAÇÃO: ANÁLISE DA PRESENÇA
NAS OBRAS DE GEORGE ROUSSE
INTRODUÇÃO
Há um destaque expressivo na questão da percepção visual como a principal
relação do homem com o mundo que o cerca e isso é (re)conhecido há muitos séculos.
A Óptica, parte da Física que trata do estudo da propagação dos raios luminosos, foi
fundada ainda no ano 300 a.C. por Euclides, mas é no século XIX que Helmholtz e
Fechner desenvolvem a teoria da percepção visual (cf. AUMONT, 2008, p. 17). Apesar
da distância temporal dos estudos, podemos ver que definitivamente a interferência
do sentido da visão no processo cognitivo humano foi alvo de interesse filosófico e
científico nos últimos séculos.
1323
A visão como sentido é um processo extremamente especializado composto
por funções ópticas, químicas e nervosas, que não iremos abordar neste artigo, mas
que o reconhecer deste fato torna a importância do posicionamento do corpo no
espaço – interesse principal de nosso artigo – prioritária para a compreensão simbólica
da mensagem visual. Sendo assim, além das relações materiais, temos o ambiente da
relação simbólica entre ser humano e coisa percebida o centro nervoso deste estudo
como criador da mensagem visual.
Basicamente, é a visão, somada a outros sentidos, a responsável pelo nosso
entendimento do tempo e do espaço. Por exemplo, na dimensão temporal nosso
cérebro processa duas imagens comparando-as e entendendo que “algo” ocorreu
entre os momentos X e Y. Mesmo com limitação, nossos olhos só percebem dois
fenômenos como não-sincrônicos se ambos estiverem distantes pelo menos 60 a 80
milissegundos (AUMONT, 2008, p. 32), assim duas imagens da mesma coisa servem
como referências para a mente de que algo transcorreu entre o momento X e o
momento Y. Assim, como na questão espacial, há algo de marcante no fato de sermos
um corpo que se vê vendo, isso determina que a visão colabore para o entendimento
daquilo que é o corpo e aquilo que não o é, e, portanto, faz parte do Mundo.
Assim, durante o amadurecimento (processo contínuo e não findado) das Artes
Visuais, como técnica e linguagem, os diversos artistas (pintores, escultores,
desenhistas, fotógrafos, etc.) aliados aos estudos da matemática, da física e da
fisiologia, permitiram o desenvolvimento de alguns preceitos simbólicos que
representariam as dimensões do tempo e do espaço quando observados por leitores
visuais da obra.
Conceitos como os índices de profundidade (Gradientes de Textura, Perspectiva
Linear e Variações de Iluminação) foram estudados, principalmente na pintura clássica
e renascentista (ARGAN, 2002) e replicados ou mimetizados e são usadas até os dias
atuais na fotografia e na pintura/desenho.
1324
mundo tal como se observava pelo próprio olhar. A mimeses (capacidade de cópia do
“real“) mostrou-se insuficiente para entender o fenômeno da expressão fotográfica, já
que o próprio aparelho fotográfico realizava uma espécie de “recorte”
espaciotemporal, ou seja, o fotógrafo escolhe exatamente em que momento e em que
tempo realizar a captura da imagem (DUBOIS, 1993).
Mesmo assim, a fotografia é uma mensagem visual trazida em um suporte
bidimensional e capturar uma imagem em fotografia pode ser entendido como dois
atos, que variam conforme a profundidade do entendimento técnico do apreensor
fotográfico: o fotógrafo amador que nunca teve treinamento formal, talvez tenha lido
o manual da câmera, mas que nos dias atuais apenas se deleita em visualizar a imagem
a ser capturada no visor de cristal líquido do celular; e o amador-avançado ou
profissional que já tiveram treinamento técnico, leram alguns livros sobre como
fotografar ou atuaram como fotógrafos. Para o primeiro, a captura das imagens não é
um exercício de reflexão sobre qual o resultado da mensagem visual e sim questão de
reflexo para capturar o “momento inesquecível”, o olhar que não pode ser perdido na
memória, aquela roupa que ficava tão bem. Para o segundo, as “regras” de
composição determinam o entendimento que o mesmo possuí sobre o significado da
mensagem visual capturada.
Os chamados “Manuais de Fotografia” (cf. FOLTS et al, 2007) como são
conhecidos os livros mais básicos de técnicas de fotografia têm geralmente nos seus
primeiros capítulos um que trata especificamente sobre composição. Composição para
fotografia é ensinada com os mesmos princípios que para a pintura, ou seja, o
entendimento do que simbolicamente seria o perto ou o longe, e suas representações
visuais, são replicadas na fotografia tanto quanto na pintura. Por isso, conceitos como
“ponto de fuga” ou “pontos de ouro” são vistos como determinantes para uma
fotografia tecnicamente “perfeita”.
Contudo, como perceber o objeto “em si” se o que parecemos observar são
apenas “figuras sobre fundos”? Para Rudolph Arhein (2011, p. 35) “o ver é
essencialmente um meio de orientação prática, de determinar com os próprios olhos
que uma certa coisa está presente num certo lugar e que está fazendo uma
1325
determinada coisa”, o que se assemelha ao pensamento de Maurice Merleau-Ponty de
que a visão é responsável pela localização do ser humano no Mundo.
HORIZONTES E PERSPECTIVAS
A imagem produzida pelo homem seria então uma espécie de mapa que o
ajudaria a se localizar no Mundo, mas ao observarmos as obras de Georges Rousse
questionamos a acuidade destes mapas, uma vez que vê-se a priori que diferentes
posicionamentos físicos do observador podem providenciar diferentes significações do
ambiente visto.
Para entender um objeto, Merleau-Ponty apoia-se em Leibniz: “a casa ela
mesma não é nenhuma dessas aparições, ela é (...) o geometral dessas perspectivas do
qual se podem derivá-las todas, ela é a casa vista de lugar algum” (MERLAU-PONTY,
2006, p. 103). Com isso, lança mão de um termo, horizontes, baseado nos estudos da
psicologia da Gestalt, que não é especialmente físico, mas também temporal: “cada
momento do tempo se dá por testemunhos todos os outros, ele mostra sobrevindo,
‘como aquilo devia passar’ e ‘como aquilo terá acabado’” (op. cit., p. 106).
Contudo, mesmo que concebamos a totalidade dos horizontes que
apreendemos, não seremos capazes de captar a essência do “objeto absoluto” (IDEM,
p. 107). “A casa tem seus conductos de água, seu chão, talvez suas fissuras que
crescem secretamente sob a espessura do telhado. Nós nunca os vemos, mas ela os
tem ao mesmo tempo em que suas janelas ou chaminés visíveis para nós” (IDEM,
p.107-108), concluindo que “é este êxtase da experiência que faz com que toda
percepção seja percepção de algo” (IDEM, IBIDEM), levando a determinação de que é,
então, nosso corpo, o nosso ponto de vista sobre o mundo, “como um dos objetos
desse mundo” (IDEM, p.108).
159
Tivemos a oportunidade de ver pessoalmente o trabalho de Georges Rousse em dezembro do ano de
2013 em exposição no Museo de Arte Contemporáneo de Santiago no Chile.
1327
adornos requintados. Então, a obra não poderia ter sido extraída deste prédio em
específico, pois visualmente ela não fazia parte do mesmo.
Após alguns minutos de observação, o vigia (que fazia papel de guia por
diversas vezes), aponta um local específico no chão, marcado com uma bola em tinta
branca, de onde poderíamos “ver melhor” a obra. Este “ver melhor”, este ponto no
chão, eram os locais que Rousse havia escolhido para retratar sua obra. Assegurar-se
que aquilo que ele queria que sua obra repassasse comunicativamente advinha
daquele pequeno ponto no espaço. E lá estava a estrela, a mesma da bandeira chilena.
Esta obra, em específico, não era apresentada em um suporte fotográfico (as
outras obras da mostra, todas grandes fotogramas impressos e emoldurados, estavam
dispostas nas salas que compunham o semicírculo no entorno do constructo, mas sua
execução se dá pelo olhar, mas não como na fotografia. Nas obras apresentadas em
suporte fotográfico, apenas uma condição de observação é dada ao apreensor da
imagem fotográfica. Apesar de polissêmica (SILVA, 2012), a fotografia se limita a uma
condição espaciotemporal que condiciona parte da leitura a ela dada, diferentemente
da instalação ali colocada que por mais que houvesse algo de fotográfico nela, ainda
assim ela estava na tridimensionalidade.
A espacialidade traduzida da fotografia, sua condição ontológica, é a
bidimensionalidade, melhor dizendo, o suporte da fotografia é tradicionalmente
bidimensional. Trata-se de uma folha, uma tela de um computador ou outro tipo de
aparelho eletrônico. Mesmo assim, por exercício da composição temos a sensação da
tridimensionalidade.
Figura 01
1328
Foto de Arquivo Pessoal. Obra de George Rousse.
As outras obras apresentadas no espaço do MAC, eram registros fotográficos
de exercícios de vicissitudes ambientais orquestradas por Rousse cujo resultado é
solidificado, não permitindo que uma mudança do posicionamento da visão do
observador altere o resultado perceptivo da obra. Diferentemente daquela que nos
recepcionou, q ue não estando sob condições fotográficas, permitia que
escapássemos do “lugar correto” e tivéssemos outra vivência da obra.
Ao compararmos com o que foi visto na obra de Rousse, entendemos que as
regras de composição podem ser limitadoras da mensagem visual. Quando o mesmo
interfere em um ambiente, por exemplo desenhando uma faixa perfeitamente linear
na fotografia, mas que é pintada sobre colunas e paredes em diferentes distâncias do
observador (cf. FIGURA 02).
Rousse brinca aqui com o conceito de horizontes. A imagem estática não
permite que alteremos o posicionamento do nosso corpo em relação ao eixo da obra,
contudo, tendo a experiência da obra da FIGURA 01, podemos projetar nossa
“experiência de presença” nas outras obras, sendo que para Gumbrecht presença está
atrelada basicamente à condição física (cf. GUMBRECHT, 2010, p. 103) teremos isso
associado a nossa “Memória do Mundo” (cf. MERLEAU-PONTY, 2006, p. 108).
1329
Figura 02
1330
baseada na cultura do sentido, em que tudo tem que ter um significado (GUMBRECHT,
2010, p. 128).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A fotografia de George Rousse escapa as amarras tradicionais da linguagem
fotográfica, demonstrando que a preocupação do fotógrafo não deve apenas ser o
domínio da técnica ou permitir que a câmera faça sua própria configuração. Ou seja,
deve o fotógrafo concentrar-se na fotografia como suporte não apenas de sensações,
mas de uma mensagem visual e deve o leitor dessa imagem fazê-lo da mesma forma,
1331
de modo que sua leitura seja aprofundada e ele mesmo se coloque virtualmente no
lugar do apreensor da imagem fotográfica.
A hipótese de ligação entre a teoria da percepção de Maurice Merleau-Ponty e
a teoria da “Produção de Presença” de Hans U. Gumbrecht demonstrou ser viável,
dentro de uma ligação conceitual que vai além de apenas considerar a veia
fenomenológica de ambos os teóricos e requer uma pesquisa mais detalhada. Se
estendermos a análise que procurou ser feita aqui a outras obras fotográficas, teremos
diferentes interpretações daquelas comumente encontradas.
Assim, conquistar a essência da obra de Rousse seria um exercício muito maior
do que apenas visualizá-la do “ponto certo”, mas o somatório de todos os horizontes
(perspectivas), inclusive de significados, presentes na obra.
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1333
RESUMOS DAS APRESENTAÇÕES ORAIS E DOS BANNERS
1334
GT 01 – Língua, Linguagem e Educação
1335
INTERDISCIPLINARIDADE NO ENSINO DE ARTE: A PROPOSTA RIZOMÁTICA DA
DVDTECA ARTE NA ESCOLA
1336
FORMAÇÃO ESCOLAR E ATUAÇÃO DOCENTE: PERSPECTIVAS SOBRE LEITURA, ESCRITA
E ORALIDADE NO ENSINO FUNDAMENTAL I
1337
ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DAS CONCEPÇÕES DOS ESTUDANTES ACERCA DO CONCEITO
DE VELOCIDADE DE REAÇÃO
Ismael Cruz
IQ/UFBA
RESUMO: Este trabalho tem por objetivo analisar as diversas concepções dos
estudantes acerca do conceito de velocidade de reação química considerando sua
natureza e seus diversos contextos. A principal concepção de educação que permeia o
trabalho de intervenção é a pedagogia crítico-social dos conteúdos que concebe que o
papel primordial da escola é difundir conteúdos vivos, concretos, indissociáveis das
realidades sociais. Como referencial metodológico foram usadas a proposta de modelo
de perfis conceituais. Foi aplicado um questionário de concepções a uma turma
contendo 30 alunos do 2º ano do ensino médio da rede pública do estado da Bahia,
em Salvador, antes e após as aulas teóricas e a problematização através de fenômenos
como a dissolução de um comprimido efervescente em diferentes condições
(temperatura e pulverizado/não pulverizado) e a decomposições do peróxido de
hidrogênio (concentração), na presença de um tubérculo (batata). A partir da análise
qualitativa e quantitativa das concepções prévias foi constatado que a maioria dos
sujeitos inicialmente possuem concepções alternativas e que explicam os fenômenos
químicos através de aspectos puramente sensoriais. Porém, após as intervenções
pedagógicas constatou-se que os alunos apresentavam respostas de caráter científico,
contudo, na maioria dos casos, quando submetidos situações/problemas que
apareciam com a formulação explicitamente científica. Deste modo, fica evidente a
dificuldade que os estudantes do ensino médio têm de pensar a ciência química para
além do contexto disciplinar.
Palavras-chave: Educação. Química. Ensino.
1338
PARA QUÊ? POR QUEM? E PARA QUEM?
O LIVRO DIDÁTICO ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA E GÊNERO DISCURSIVO EM
CIRCULAÇÃO NO BRASIL
1339
POR UMA SOCIOLINGUÍSTICA DA VISUALIDADE. UM CAMINHO POSSÍVEL PARA
ENTENDER A PRODUÇÃO ARTÍSTICA CONTEMPORÂNEA
1340
O USO DOS ESTRANGEIRISMOS NA CONSTRUÇÃO DO DISCURSO DE FALANTES DA
REGIÃO NORTE-FLUMINENSE
1341
AULAS INTERDISCIPLINARES COM O XADREZ: UMA EXPERIÊNCIA NO PIBID/UENF
1342
ENTRE LOBOS, FADAS E BRUXAS: IDENTIDADE, MEMÓRIA E LITERATURA NOS
BOSQUES DA EDUCAÇÃO INFANTIL
RESUMO: O presente trabalho é fruto das atividades que vêm sendo realizadas por um
grupo de bolsistas de Pedagogia/Seropédica da UFRRJ, em uma escola municipal da
mesma cidade, na educação infantil. O objetivo deste projeto é trabalhar memória e
identidade, individual e coletiva, com vistas à compreensão da história local pelos
alunos. Partindo do referencial de Benjamin (1987), segundo o qual a perda da
memória, por vezes, representa um grave problema para a sociedade que perde sua
história, utilizamos a contação de histórias, através de obras de literatura
infantojuvenil, para incentivar o entendimento acerca do nome, da identidade, do
quem sou eu, quais as minhas memórias e quem eu gostaria de ser. Utilizamos,
também, a literatura oral, em seu conceito de patrimônio (Topa, 2000), com as
cantigas de roda, as atividades de trava-línguas e parlendas para resgatar e valorizar a
cultura popular e a memória local. Como resultados, temos observado que os alunos
estão identificando melhor o seu nome, e reconhecendo seu espaço, por meio das
histórias lidas e das cantigas. Por fim, através do projeto, estão sendo confeccionados
vários materiais, como livro de biografia de cada criança, além de jogo da memória e
de fantasias para trabalhar a imaginação – todos na perspectiva dialética de quem eu
gostaria de ser, ou posso ser, sem deixar de ser eu mesmo. No momento, esse material
está sendo catalogado para compor o acervo de um espaço de leitura e de memória, a
essas crianças, na própria sala de aula, no formato de uma bebeteca.
Palavras-chave: Literatura infanto-juvenil. Literatura oral. Memória. Identidade.
1343
O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E A TRANSPOSIÇÃO DOS PCNS ÀS PRÁTICAS DE
SALA DE AULA: ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA
1344
A INTERLOCUÇÃO ENTRE LINGUAGEM, COGNIÇÃO E INTERDISCIPLINARIDADE
RESUMO: Desde as últimas décadas do século XIX, a linguagem humana tem sido
objeto de estudo de diversos grupos de profissionais. Isso se deve ao fato de ela estar
relacionada a uma capacidade própria do ser humano: a comunicação. A linguagem
tanto pode ser entendida de uma forma mais geral, quanto de forma mais específica,
para os usuários de português, ela tem sentido mais amplo, ficando a língua
portuguesa como um caso específico dela, uma vez que existem diversos tipos de
linguagem além da verbal. Quando tomada como conceito geral, a linguagem refere-se
à capacidade humana de aprender e usar sistemas de comunicação mais complexos
como, por exemplo, o sistema de programação de computadores. Este artigo tem
como objetivo evidenciar o caráter interdisciplinar da linguagem, uma vez que ela nos
acompanha por toda a vida, do momento de nosso nascimento até o fim de nossa
existência, estando, portanto, presente em todas as situações de aquisição de
conhecimento. Além disso, pretende-se apontar a interdisciplinaridade como a
possibilitadora de um saber mais consistente, visto que proporciona que o
aprendizado se efetive de forma mais global, menos fragmentada, em consonância
com a visão de que o conhecimento tem como base um caráter integrador e que essa
integração dos saberes tem sido muito valorizada na atualidade.
Palavras-chave: Linguagem. Interdisciplinaridade. Comunicação.
1345
O PERCURSO DAS EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS NAS SINCRONIAS DOS SÉCULOS XIX E
XXI NA CIDADE DE CAMPOS DOS GOYTACAZES
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo apresentar uma análise da trajetória de
mudança das expressões idiomáticas nas sincronias dos séculos XIX e XXI na cidade de
Campos dos Goytacazes. Partimos do pressuposto de que a língua não comporta
somente a gramática, mas também, abrange um léxico incluindo as normas sociais de
uso da língua. No entanto, o ensino de Língua Portuguesa, nos últimos anos, tem sido
marcado pelo lugar central e exclusivo da gramática normativa baseando na
concepção de certo ou errado. Assim, este estudo justifica-se por ser um importante
recurso pedagógico a ser utilizado nas salas de aulas de escolas, principalmente no
Ensino de Língua portuguesa. Para tal pretensão, nossa amostra será constituída por
expressões idiomáticas na linguagem publicitária presente nos jornais do século XIX e
por expressões usadas no século XXI coletados no corpus “A língua falada e escrita na
região norte-noroeste fluminense” (Núcleo de estudos Linguagem e Educação), da
Universidade Estadual do Norte Fluminense – UENF. Acreditamos que é possível
promover a valorização da diversidade linguística e da heterogeneidade do léxico
através de seu conhecimento e difusão de sua existência. Ressalta-se, que um estudo
desse tipo faz-se imprescindível na cidade de Campos dos Goytacazes tomando em
consideração a realidade sociocultural presente na cidade, evidenciada através de
reflexões sociolinguísticas que direcionam para a necessidade de um ensino de Língua
de Língua portuguesa que favoreça a inserção social, a partir da reflexão da língua e
seus diferentes usos.
Palavras-chave: Ensino lexical. Expressões idiomáticas. Variação linguística.
1346
POLÍTICA EDUCACIONAL: A RELAÇÃO PÚBLICO - PRIVADO NO COLÉGIO PARTICULAR
RIO BRANCO EM BOM JESUS DO ITABAPOANA
RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo discutir a cultura escolar do Colégio
Rio Branco, instituição privada situado no Município de Bom Jesus do Itabapoana/RJ
(1922-2011), e sua relação com as políticas públicas educacionais municipais nas
décadas de 70 e 80 do século XX, coadunado a ação interna com as diretrizes
Educacionais Estadual e Federal. Entende-se que “a cultura escolar desponta das
diversas formas de interação no ambiente escolar na transmissão de conhecimentos
teóricos do docente com o saber escolar e as conexões entre vida escolar e reformas
educativas. Essa relação será analisada através da política de bolsas existente na
escola, ofertadas pelo município, sendo a única instituição a ministrava o ensino de
segundo grau na cidade. Essa pesquisa será realizada sob a perspectiva qualitativa, na
base histórica. A averiguação da trajetória da escola dar-se através de análise de
documentos, jornais (Norte Fluminense) entrevistas. Para tal, propõe-se analisar o
discurso tendo como foco o conceito de “Capital Cultural” de Pierre Bourdier. O intuito
aqui é compreender a cultura escolar presente na instituição e a influência que a
política de bolsa exerce sobre ela. Acredita-se que a assistência do poder público
Municipal, ocorre em detrimento da ausência de instituições públicas Estadual e
Federal com oferecimento das modalidades de ensino oferecidos por esta instituição.
Conclui-se, que ao longo do tempo o Colégio Rio Branco, preocupou-se com a
escolarização bonjesuense, atendendo à todas as classes, através de bolsas de estudo,
o que contribui de forma significativa para a construção de uma cultura escolar
singular que manteve este educandário como o mais importante da cidade durante
décadas, mesmo depois da fundação de escolas públicas.
Palavras-Chave: Cultura Escolar. Política de Bolsa. Colégio Rio Branco. Política
Educacional.
1347
PRÁTICA DOCENTE: REFLEXÕES SOBRE O PIBID/ISEPAM
1348
O AMOR EM CORÍNTIOS RETOMADO POR CAMÕES E RENATO RUSSO
Viviane C. F. Rodrigues
UFF/CEDERJ
1349
OS FRAMES ENQUANTO FERRAMENTAS COGNITIVO-PEDAGÓGICAS DE ATIVAÇÃO DE
CONHECIMENTO PRÉVIO NA LEITURA EM LE
1350
LITERATURA INFANTIL: UM CONVITE AO FANTÁSTICO MUNDO DO POEMA ATRAVÉS
DA POESIA
1351
ESCREVENDO MAIS, EU ME (RE)ESCREVO
Caroline Fardin
Centro Universitário São Camilo – ES
Dayane Herrmly
Centro Universitário São Camilo – ES
1352
A CRIAÇÃO ICÔNICA DOS NOMES DOS PERSONAGENS MACHADIANOS
1353
LIVRO-REPORTAGEM: O GÊNERO SITUADO NA FRONTEIRA ENTRE O REAL E O
FICCIONAL
RESUMO: As teorias dos gêneros textuais tem seus primeiros indícios atribuídos ao
filósofo grego Aristóteles que propôs a tripartição dos gêneros em épico, dramático e
lírico com formas e funções predetermiadas a fim de estabelecer uma organização da
produção poética. Ao longo dos séculos ocorre a multiplicação dos gêneros,
acompanhando os repertórios de discursos na comunicação humana. Porém, a
interdisciplinaridade dos estudos, incluindo os aspectos social, histórico e ideológico,
ocorre a partir do início do século XX e consolida-se na década de 1960, com as
publicações do filósofo russo, Mikhail Bakhtin (1895 - 1975). Ele redefine a noção de
gênero, inserindo as relações sociais na diferentes esferas de comunicação. Os gêneros
passam a ser analisados como entidades dinâmicas, com limites e demarcações fluídas.
É também na década e 1960 que repercutem os livros-reportagem, considerados pelos
teóricos da comunicação, um gênero híbrido, que conta histórias reais com técnicas da
literatura, transitando entre a objetividade do jornalismo e a subjetividade da arte
literária. Porém, segundo os pressupostos teóricos da linguística, como este gênero
seria caracterizado? Qual seu aspecto diacrônico? Revisando a bibliografia de Bakhtin e
dos linguistas Dominique Maingueneau e Luiz Antônio Marcuschi foram traçados
critérios de análise do livro-reportagem As Duas Guerras de Vlado Herzog: da
perseguição nazista na Europa à morte sob tortura no Brasil, vencedor do prêmio
Jabuti de literatura, em 2013, na categoria de não-ficção. A partir da sua categorização
nos aproximamos da construção composicional da obra que, segundo Bakhtin, reúne
as principais características para definição de um gênero.
Palavras-chave: Livro-reportagem. Gênero. Linguística. Discurso.
1354
A MANIFESTAÇÃO DA SUBJETIVIDADE EM "O ESPELHO"
1355
FORMAÇÃO DOCENTE VERSUS FORMAÇÃO DE LEITORES NO ÂMBITO ESCOLAR
1356
ENSINO DE GRAMÁTICA: QUO VADIS?
1357
ESTUDO INDIVIDUAL À LUZ DOS TESTES ABC DE LOURENÇO FILHO
1358
PROJETOS DIDÁTICOS COM GÊNEROS TEXTUAIS: CONTRIBUIÇÃO PARA UMA
PEDAGOGIA INTERDISCIPLINAR
Jacqueline Ribeiro Fernandes
PG-UEL
1359
ONDE NÃO HAVERIA NADA. INTERAÇÃO SOCIAL, LINGUAGEM E COGNIÇÃO
HUMANA: ALGUMAS QUESTÕES A RESPEITO DESSAS RELAÇÕES OBSERVADAS A
PARTIR DO AUTISMO
1360
PRECONCEITO LINGUÍSTICO: REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE
LÍNGUA PORTUGUESA
RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo tecer reflexões acerca do ensino de
Língua Portuguesa empreendido nas escolas e do preconceito linguístico instaurado
pelas mesmas. De acordo com pesquisas atuais no âmbito da Educação, o preconceito
linguístico tem sido uma forma de exclusão social e da não aceitação das variações
linguísticas que não são consideradas de prestígio/ elitizadas, excluindo, dessa forma,
toda riqueza e miscigenação que a língua possui. Dessa forma, trata-se como erro e
como uma variante marginalizada e estigmatizante a língua, patrimônio cultural de um
povo. Nesse sentido, é necessário refletir sobre o ensino de língua e suas concepções
nas aulas de Língua Materna. Nessa perspectiva, alunos e professora promoveram
leituras, análise reflexiva e crítica de obras sobre o tema em questão, expondo seus
posicionamentos em seminários avaliativos. Foi possível observar o quanto tem-se
enraizado uma cultura preconceituosa no que diz respeito ao uso da própria língua e
de toda sua heterogeneidade e, sobretudo, de sua riqueza cultural, que ultrapassa o
mito de “língua homogênea” prescrito pela tradição gramatical. Assim, descarta-se a
variação como um erro, sem que ao menos se procure analisar os processos de
evolução e mudança linguística. Para tanto, baseamo-nos em alguns referenciais
teóricos, a saber: “Preconceito Linguístico: o que é, como se faz” e “A Língua de
Eulália”, ambos de Marcos Bagno.
Palavras-chave: Preconceito linguístico. Língua Portuguesa. Exclusão social. Variação
linguística. Heterogeneidade.
1361
A LINHA DE ERRÂNCIA DO AUTISMO E O MÉTODO-PENSAMENTO DE FERNAND
DELIGNY: ONDE A LINGUAGEM SE AUSENTA, O QUE HÁ?
1362
LÍNGUISTICA APLICADA NO ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS
1363
O LIVRO DIDÁTICO E O LIVRO ELETRÔNICO: RUPTURA OU RENOVAÇÃO
PEDAGÓGICA?
RESUMO: O livro didático tem sido utilizado na sala de aula de modo tradicional, sem
maiores atrativos aos discentes, contudo, sabemos que há uma urgência na
revitalização e sua utilização no processo de ensino e aprendizagem, pois vivenciamos
transformações na sociedade decorrente das novas tecnologias, que tem provocado
mudanças muitas amplas, como por exemplo: no comportamento, na atitude e, nas
relações entre o livro, o leitor e a prática pedagógica. Desse modo, procuramos
evidenciar de que forma o livro didático tem sido usado no contexto escolar frente às
transformações decorrentes da inserção das novas tecnologias no processo educativo.
Além disso, refletiremos sobre a questão ideológica veiculada nos livros didáticos de
Língua Portuguesa. O livro didático é historicamente contextualizado, o pensar de uma
época está aí posto. Não é por acaso que os conteúdos dos livros mudam, pois se
mudam os pensares. Mas, afinal, seria possível algo sem ideologia? Como também,
discutir o futuro do livro eletrônico em detrimento do livro impresso. Assim,
vislumbramos nessa abordagem a possibilidade de compreender a evolução histórica e
cultural do livro, do leitor e também da linguagem, que observamos na sociedade da
informação, tendo como pano de fundo as Novas Tecnologias da Informação e
Comunicação - NTICs, a hipermídia, a grande rede. Toda mudança, num primeiro
momento, é vista como ameaça. Mas é preciso antes de tudo conhecer, questionar,
pensar, discutir para então se posicionar. Vemos nas NTICs uma grande aliada na
democratização do saber.
Palavras-chave: Livro didático. Livro eletrônico. Novas Tecnologias. Leitura. Práticas
pedagógicas.
1364
A ESCOLA COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO DE PEQUENOS LEITORES
RESUMO: Esse texto apresenta o resultado de uma pesquisa realizada durante o ano
letivo de 2013, em uma sala de crianças entre 4 e 5 anos de idade, da educação
infantil. Baseamos em uma pesquisa participante, desdobramento da pesquisa
qualitativa, que prevê a participação do pesquisador na rotina escolar. Surgiu de
relações teóricas e práticas vivenciadas com essa turma e questionamentos que
procuravam apontar de que forma as crianças interagiam com o que é oferecido na
prática pedagógica, mais especificamente, com relação à literatura infantil. Além das
ações próprias do currículo, o trabalho com a literatura visou contribuir com a
formação de crianças leitoras, mesmo que ainda não dominassem o código escrito. Foi
inserida no cotidiano desses alunos a partir de várias estratégias como a criação de um
cantinho de leitura em sala de aula, o acesso aos acervos da literatura infantil na
biblioteca da escola, as contações de histórias, idas à biblioteca municipal, cultivo de
uma horta de feijão resultado da história “João e o Pé de feijão”. No movimento
apresentado pelas crianças durante o projeto, percebemos ações voltadas para a
aproximação com a linguagem escrita por meio do interesse pelas obras literárias e por
registros de manifestações, falas e histórias através de inúmeras linguagens,
resultando assim, um processo de formação de pequenos leitores.
Palavras-chave: Literatura. Espaço escolar. Formação leitora.
1365
O TRABALHO COM LEITURA NA SALA DE AULA
1366
O LEITOR DO LIVRO IMPRESSO – ESPÉCIE AMEAÇADA DE EXTINÇÃO?
1367
ESTRATÉGIAS PRESSUPOSTAS PARA A LEITURA DO LIVRO A NOVELA DA PANELA, DE
ÂNGELA LAGO
1368
A RELAÇÃO ENTRE LÍNGUA-LITERATURA E SUA INFLUÊNCIA NO CONTEXTO SOCIAL
DO ALUNO LEITOR
1369
DE ÉDIPO A JANO: A AGONIA DO ATUAL PROMETEU ACORRENTADO
RESUMO: Este trabalho apresenta como tema a prática docente e tem por objetivo
propor um novo tipo de discursividade ao professor na atualidade. Em face das
diversas linguagens, digitalizadas, que de maneira hipertextual atravessam o contexto
contemporâneo, indagamos sobre a possibilidade de construir uma diferente tecitura
para o magistério na hodierna ecologia cognitiva. Adotando por referência a polifonia
e a polissemia, elaboradas por Mikhail Bakhtin, buscamos uma nova arquitetura para
as relações de ensino e aprendizagem. Baseado em uma pesquisa bibliográfica,
procuramos uma aproximação entre a subjetividade, em construção diante da cultura
digital, e a educação escolar numa tentativa de superar os desafios impostos à sala de
aula na contemporaneidade. Nesse percurso, nos deparamos com uma engenharia de
linguagens que ressignifica a relação espaço/tempo/realidade e descortina um novo
espaço antrópico, o ciberespaço, mobilizador de um descentramento do
conhecimento. Encontramos, na alteridade e na dialogicidade bakhtiniana entre os
atores da educação, um propulsor para articular as relações pedagógicas ao cenário do
novo século e assim reestruturar o trabalho e uma nova identidade docente. Para
tanto, nos espelhamos em Jano, que, na mitologia romana, inaugura um novo tempo
ao olhar, simultaneamente, com uma dupla face o passado e o futuro.
Palavras-chave: Linguagem. Dialogicidade. Alteridade. Cultura. Educação.
1370
GT 02 – Informação, Educação e Tecnologias
1371
“COLE”: UMA FERRAMENTA DE ENSINO PARA SURDOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL
1372
NOVO CURRÍCULO MÍNIMO DE FÍSICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO:
ANÁLISE DO POSICIONAMENTO DE PROFESSORES
1373
CIBERESPAÇO E IDENTIDADE LÍQUIDA
1374
A ESCRITA DOS TWITTEIROS: UMA ANÁLISE DE NEOLOGISMOS NO MICROBLOG
TWITTER
1375
IDENTIDADE DO PROFESSOR FRENTE ÀS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO
1376
SOCIEDADE NO CIBERESPAÇO DO ESPETÁCULO: A ONDA É APARECER NO YOUTUBE
1377
O USO DO COMPUTADOR NA ALFABETIZAÇÃO INFANTIL
RESUMO: Este artigo apresenta algumas reflexões sobre o uso do computador como
ferramenta mediadora na educação dentro do processo de alfabetização de crianças.
Sua abordagem teve início na observação do contexto escolar e nos estudos teóricos
de autores que fundamentaram essa pesquisa, tendo como objetivo principal mediar à
alfabetização de maneira contextualizada, através desse recurso tecnológico. O
computador está mudando o processo de alfabetização das crianças da atualidade e
está cada vez mais presente na vida das mesmas, afetando a construção de sua
identidade. Os chamados nativos digitais têm interesses diferentes, é natural
pensarmos em diferentes maneiras para motivá-los, participando desde cedo do seu
desenvolvimento,criando hábitos seguros e condições adequadas, auxiliando seus
conhecimentos, onde do ponto de vista dos usos sociais da escrita no mundo
contemporâneo participa de uma complexidade cada vez maior. Nota-se que a
participação do educador é fundamental e imprescindível para a mediação, que
poderá refinar o uso de novas tecnologias no âmbito educacional. Porém, para a
efetivação desse recurso como ferramenta pedagógica, o professor terá que apropriar-
se tanto de conhecimentos relacionados ao uso da informática na educação
quanto,substancialmente, do processo de desenvolvimento do ensino-aprendizagem,
principalmente no que diz respeito à leitura e à escrita, onde a própria escola deverá
rever velhos conceitos, reformulaando de maneira democrática e participativa as
metodologias utilizadas, adequando-se as novas tecnologias de comunicação e
informação.
Palavras-chave: Criança. Computador. Alfabetização.
1378
AUTISMO E ESCOLA: CRIANDO OPORTUNIDADES AO DESENVOLVIMENTO SOCIAL
1379
INCLUSÃO DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR
Millene Millen
UEMG
1380
POR UMA LINGUAGEM JURÍDICA CLARA: UMA QUESTÃO DE DIREITO AO ACESSO À
JUSTIÇA
Millene Millen
Universidade Federal de Juiz de Fora
RESUMO: Este artigo apresenta uma análise da linguagem jurídica numa perspectiva
linguística, na atualidade, demonstrando que seu tradicionalismo vem causando
limites ao acesso à Justiça pelo cidadão comum. Partindo desta premissa, o presente
artigo tem como objetivo responder a seguinte indagação: de que forma a linguagem
jurídica poderá ser utilizada como um instrumento de compreensão não de poder,
tornando-se acessível e compreensível aos leigos da área jurídica? Assim, a análise
teve como corpus uma amostragem de petições jurídicas da Comarca de Tombos/MG.
A metodologia utilizada para a elaboração desta análise foi à pesquisa bibliográfica, em
livros, periódicos e sítios eletrônicos, visto que eles oferecem subsídios para a
fundamentação teórica e também permitem que um tema seja analisado sob outro
enfoque, gerando novas perspectivas. O que se defende neste trabalho é a
importância da simplificação da linguagem jurídica, uma inteligibilidade textual, com o
objetivo de melhorar, consideravelmente, a relação entre o Direito e o cidadão
comum, facilitando assim o acesso dele à Justiça.
Palavras-chave: Linguagem jurídica. Acesso à justiça. Jurisdiquês.
1381
"FORA DE ÁREA" NA SALA DE AULA: INTEFERÊNCIAS DO CELULAR NO AMBIENTE DE
APRENDIZAGEM EM UMA ESCOLA ESTADUAL NO MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS
GOYTACAZES/RJ
1382
AFERIÇÃO DE CONHECIMENTOS DO ALUNO COM AUXÍLIO DA MINERAÇÃO DE TEXTO
1383
A METÁFORA DO HIPERTEXTO DE PIERRE LEVY SOB O CONTEXTO DA VARIAÇÃO
LINGUÍSTICA DE LABOV
1384
REESTRURAÇÃO DO DESIGN DE WEBSITE ACADÊMICO CENTRADO NO USUÁRIO
RESUMO: A comunicação é imprescindível nos dias atuais e pode ser feita a partir do
uso das tecnologias disponíveis na web, como por exemplo, e-mails, fóruns, bate-papo,
dentre outras. Uma outra forma de comunicação é a utilização de websites, porém,
por serem sistemas de comunicação mais complexos, exigem uma estruturação no que
diz respeito ao planejamento de design e funcionalidades para que possa ser um canal
de comunicação eficiente. O principal objetivo de um website institucional é transmitir
informações aos seus navegantes (usuários ativos) e permitir a troca de informações
entre estes e a própria instituição, por meio de menus, plataformas internas, dentre
outros mecanismos de comunicação. Para o desenvolvimento deste trabalho será
realizada uma pesquisa quali-quantitativa e o principal instrumento de pesquisa será o
questionário semiestruturado, que será aplicado em formato on-line aos alunos de
uma instituição de ensino particular, situada no interior do Estado do Rio de Janeiro. A
aplicação do questionário visa coletar as primeiras informações com relação à
interface do website atual e também preferências dos usuários que ali navegam. A
partir dessa perspectiva, será desenvolvido um projeto de um novo design do website
da instituição, em que o design será centrado no usuário, avaliando de forma crítica
toda sua estrutura, para assim, criar soluções para as falhas de interface e melhorar a
navegação do usuário.
Palavras-chave: Interação humano-computador (IHC). Design centrado no usuário.
Website institucional.
1385
FORMAÇÃO DO PROFESSOR PARA O USO DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E
COMUNICAÇÃO NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO
PRESENCIAL E A DISTÂNCIA
1386
REFLEXO DA DENÚNCIA NA REALIDADE DIGITAL
DENÚNCIAS E AS NOVAS TECNOLOGIAS
1387
A IMPORTÂNCIA DE DONNA HARAWAY PARA O CIBERFEMINISMO
1388
OS CONSTRUCTOS DIALÓGICOS NA ESTRUTURAÇÃO DE IDENTIDADES: O “EU” E OS
PROCESSOS DE DEPENDÊNCIA DE TECNOLOGIAS DIGITAIS
Giovane do Nascimento
UENF
1389
AS NOVAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO E A SOCIEDADE EM
REDE: FOMENTO PARA O FORTALECIMENTO DA EDUCAÇÃO ABERTA
1390
O PROFESSOR-AUTOR E O COMPARTILHAMENTO DE MATERIAIS NAS REDES SOCIAIS
1391
COMPUTAÇÃO EM NUVEM: UM PASSO PARA O FUTURO
Lilian Fernandes
Faculdade de Filosofia de Campos – UNIFLU / FAFIC – Campus Campos dos Goytacazes
1392
OS JOGOS DIGITAIS E O ENSINO DE IDIOMAS: DIALOGANDO COM AS POSSIBILIDADES
1393
FACEQUADRO AFRICANO
1394
APRENDIZAGEM: CONFRONTO DE TEORIAS REMOTAS COM A TEORIA CONECTIVISTA
1395
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA E INCLUSÃO DIGITAL POR MEIO DAS TECNOLOGIAS DE
INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO
1396
O GÊNERO PUBLICITÁRIO NA AULA DE LÍNGUA ESTRANGEIRA
RESUMO: Aprender outro idioma é uma atividade complexa, que percorre um longo
processo. Afinal saber como a linguagem funciona, entendê-la, escrevê-la e comunicar-
se com precisão não é uma tarefa simples. Por isso, um programa completo de ensino
de línguas deve alcançar um equilíbrio entre atividades controladas linguisticamente e
atividades comunicativas, proporcionando ao aprendiz a oportunidade de
“experimentar” a língua em diferentes contextos. Este equilíbrio está diretamente
relacionado aos variados recurso a serem utilizados e ao ambiente motivador que o
professor pode criar para as aulas, o que resultaria em uma perspectiva comunicativa.
Nos últimos dois séculos novas tecnologias, principalmente as ligadas à área de
comunicação como o rádio, a televisão, o jornal e a internet, propiciaram o surgimento
de novos gêneros textuais e o interesse, por parte dos educadores, em utilizar esses
recursos em sala de aula. Por isso é importante reconhecer que os textos se
manifestam sempre em algum gênero textual e que isso interfere diretamente na
produção e compreensão dos mesmos. Percebeu-se que quando se leva para sala de
aula uma proposta de ensino, baseada na didática dos gêneros textuais, considerando
as diversas esferas da atividade humana, o ensino não se desvincula das práticas
sociais de uso da linguagem e prende a atenção do aluno, funcionando como elemento
motivador nesse processo. O objetivo desse trabalho é apresentar o gênero
publicitário, nos comerciais de televisão, como recurso para unir a língua e a cultura da
língua-alvo e estabelecer a comunicação de forma contextualizada. A publicidade induz
a uma visão dinâmica do social, privilegiando implicitamente as ideias mais atuais e usa
conotações culturais, icônicas e linguísticas, sobretudo as que veiculam estereótipos
mais facilmente codificáveis e compreensíveis. Utiliza também modelos globais de
conhecimentos e baseia neles suas mensagens, para que a intercomunicação se faça
com rapidez, clareza e persuasão. Outro fator que deve ser levado em conta nos
comerciais de televisão é o tempo, pois as propagandas são exibidas em
aproximadamente sessenta segundos, o que não compromete o andamento da aula e
não cansa o aluno, pelo contrário, estimula a sua curiosidade, funcionando como
elemento motivador no processo de aprendizagem da língua estrangeira.
Palavras-chave: Aprendizado de Línguas. Recursos audiovisuais. Espanhol Língua
Estrangeira (E/LE).
1397
O USO DO CELULAR COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA EM SALA DE AULA
1398
A METÁFORA DO HIPERTEXTO POR PIERRE LEVY SOB O CONTEXTO DA
VARIAÇÃO LINGUÍSTICA DE LABOV
1399
relações, e que ao mesmo tempo nossa intimidade não ultrapassou um certo grau, já
que falamos assuntos anódinos, etc. Através de seus atos, seu comportamento, suas
palavras, cada pessoa que participa de uma situação estabiliza ou reorienta a
representação que dela fazem os outros protagonistas. Sob este aspecto, ação e
comunicação são quase sinônimos. A comunicação só se distingue da ação em geral
porque visa mais diretamente ao plano das representações.
Palavras-chave: Hipertexto. Variação linguística. Novas Tecnologias da Informação e
Comunicação.
1400
GT 03 – Pesquisas Interdisciplinares em Educação e Saúde
1401
INCLUSÃO ESCOLAR: UMA QUESTÃO DE ATITUDE
1402
MODELAGEM MATEMÁTICA NO ENSINO MÉDIO: UMA INVESTIGAÇÃO À LUZ DA
TEORIA DOS REGISTROS DE REPRESENTAÇÃO SEMIÓTICA
RESUMO: Este artigo tem como objetivo apresentar uma experiência de trabalho
evidenciando a utilização da Modelagem Matemática como metodologia de ensino
facilitadora da construção do conhecimento em Matemática, tendo como referência a
efetivação de atividades cognitivas preconizadas pela Teoria dos Registros de
Representação Semiótica. Para tanto, foi realizada a aplicação de modelos
matemáticos em duas turmas de Ensino Médio. A coleta de dados se deu por meio do
diário de bordo realizado pelo professor e de resultados de testes aplicados aos
educandos. As análises dos testes e os apontamentos relatados constituíram
informações fundamentais para refletir, entre outros aspectos, sobre o processo de
aprendizagem dos educandos, no que diz respeito à realização das conversões dos
diferentes registros de representações semiótica durante o processo de aprendizagem.
Palavras-chave: Modelagem Matemática. Teoria das Representações Semióticas.
Metodologia de Ensino. Interdisciplinaridade.
1403
A EDUCAÇÃO INFANTIL COMO ESPAÇO DE PRODUÇÃO DE SABER PARA A CRIANÇA
COM DEFICIÊNCIA VISUAL
1404
INTERDISCIPLINARIDADE E CONTEXTUALIZAÇÃO EM LIVROS DIDÁTICOS DE QUÍMICA
DO ENSINO MÉDIO
RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo avaliar a aplicação dos conceitos de
interdisciplinaridade e contextualização na apresentação do conteúdo “ácidos e bases”
em Livros Didáticos de Química do Ensino Médio. Foram analisados os livros: “Química
na abordagem do cotidiano” - Francisco Miragaia Peruzzo e Eduardo Leite do Canto,
“Química” - Ricardo Feltre, “Química: ser protagonista” - Julio Cezar Foschini Lisboa e
“Química” - Eduardo Fleury Mortimer e Andréa Horta Machado. Em apenas um caso
não foi possível verificar a aplicação dos conceitos em questão, embora, mesmo no
melhor dos casos, tanto a interdisciplinaridade quanto a contextualização aprecem de
modo tímido ou complementar, representando pouco mais de 10% dos exercícios
propostos. Os conceitos em análise aparecem com maior frequência quando os
autores utilizam exercícios de vestibulares ou do ENEM.
Palavras-chave: Interdisciplinaridade. Contextualização. Livro didático.
1405
CONTRIBUIÇÕES DA TÉCNICA DE FACILITAÇÃO NEUROMUSCULAR PROPRIOCEPTIVA
NA PREVENÇÃO DE QUEDAS EM IDOSOS
1406
UNIVERSIDADE E DESENVOLVIMENTO SÓCIOECONOMICO: UMA BREVE ANÁLISE
COM ENFOQUE NA ÁREA DA SAÚDE
1407
AUTOMEDICAÇÃO: EDUCAÇÃO DA POPULAÇÃO PARA CONTER ESSA TENDÊNCIA
MUNDIAL
1408
CONHECIMENTOS E ATITUDES DE DIABÉTICOS E FATORES ASSOCIADOS
RESUMO: Este estudo teve como objetivo avaliar conhecimentos e atitudes sobre
Diabete mellitus (DM) de portadores de diabetes e identificar fatores associados.
Métodos: Estudo transversal com 25 diabéticos atendidos numa Clínica Escola de
Nutrição em Diamantina/MG. Na coleta de dados foram utilizados os Questionários de
Conhecimento sobre DM (DKN-A) e de Atitudes Psicológicas do Diabetes (ATT-19).
Foram ainda avaliadas variáveis antropométricas, de adiposidade, demográficas, e
bioquímicas. Utilizou-se os testes de correlação de Pearson ou Spearman, teste T ou
Mann-Whitney e de regressão linear nas análises estatísticas. Adotou-se nível de
significância valor de p < 0,05. Resultados: predomínio do sexo feminino (72,0%) com
idade média, escolaridade e tempo de diagnóstico respectivamente de 52,72, 10,04 e
7,8 anos. A maioria apresentou conhecimento satisfatório sobre DM e todos
apresentaram baixa prontidão para o manejo da doença. A idade foi a única variável
que associou ao escore de DKN-A (r2=0,267; coeficiente beta= -0,546; p=0,005),
indicando que para cada aumento de um ano na idade dos voluntários, há uma
redução de 0,546 no escore de DKN-A. Conclusões: Os diabéticos avaliados
apresentam bom conhecimento sobre sua doença, no entanto, não apresentam
atitudes positivas sobre a mesma. Com o aumento da idade há uma redução o nível de
conhecimento.
Palavras-chave: Diabetes mellitus. Conhecimento. Atitude. Idade. Escolaridade.
1409
O PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO E A EDUCAÇÃO EM DIREITOS
HUMANOS
RESUMO: Este trabalho tem como principal objetivo analisar o Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD) e o próprio livro didático sob a luz dos direitos humanos em
educação, tendo como recorte a cidade de Campos dos Goytacazes, no âmbito da
educação municipal; A metodologia a ser empregada versa a revisão bibliográfica
referente ao tema; levantamento e análise de documentos referentes ao PNLD,
concretização de entrevistas aos professores das escolas participantes e a observação
do cotidiano escolar, tendo em vista a abordagem qualitativa. O PNLD será analisado
de acordo com os horizontes teóricos e práticos de Pedro Demo, como uma política
social participativa que busca enfrentar a pobreza política dos indivíduos, a fragilidade
da cidadania. A pesquisa encontra-se no estágio inicial de construção, por isso ainda
não é possível abordar seus resultados. Tem-se o intuito de instigar uma reflexão que
contribua para o debate sobre as políticas públicas que envolvem o PNLD no âmbito
nacional e como elas são percebidas ou não em Campos dos Goytacazes, considerando
também a temática dos direitos humanos. O PNLD, considerado uma política
educacional pública, muitas vezes não é concretizado da forma como é emitido pelo
governo federal, o que pode acarretar prejuízos para a educação pública. É possível
verificar que, apesar da existência de uma avaliação do livro didático, tanto proposta
pelo próprio PNLD, tanto concretizada posteriormente pelos professores na escola,
percebe-se que alguns livros didáticos, bastante utilizados em sala de aula, pouco
trabalham ou discutem superficialmente a temática dos direitos humanos.
Palavras-chave: Política social. Programa Nacional do Livro Didático. Livro didático.
Educação. Direitos humanos.
1410
APOSENTADORIA FRENTE AO ENVELHECIMENTO BEM-SUCEDIDO
1411
MAPEAMENTO DO DESEMPENHO COGNITIVO DE IDOSOS E SEUS REFLEXOS NO
ENVELHECIMENTO BEM SUCEDIDO
RESUMO: Políticas públicas e pesquisas sobre o envelhecimento humano são cada vez
mais centradas no desenvolvimento de estratégias para manter a saúde cognitiva e
funcional em idosos objetivando um envelhecimento independente, autônomo e com
qualidade. Nesse sentido, este estudo tem como questão norteadora: de que forma o
mapeamento do desempenho cognitivo de idosos pode refletir na orientação para um
envelhecimento bem sucedido? Como objetivo geral, pretende-se mapear o
desempenho cognitivo de idosos e seus reflexos na orientação para um
envelhecimento bem sucedido. A amostra será constituída de idosos a partir dos 60
anos, de ambos os sexos, do Projeto de Extensão Universitária “Terceira Idade em
Ação”, realizado na UENF, no município de Campos dos Goytacazes/RJ. O
delineamento desta pesquisa será de caráter do tipo longitudinal, com uma
abordagem de natureza quali-quantitativa diante do problema exposto. Para atingir os
objetivos propostos, esta pesquisa caracteriza-se como exploratória e descritiva. Os
instrumentos a serem utilizados são: Anamnese, Escala de Depressão Geriátrica,
Questionário de Percepção Subjetiva de Queixas de Memória e Mini-Exame do Estado
Mental. No que tange ao período da pesquisa, o processo de coleta de dados
encontra-se em fase de andamento. Como hipótese inicial acredita-se que, o
mapeamento do desempenho cognitivo de idosos poderá permitir uma orientação
para um envelhecimento bem sucedido visando minimizar as perdas cognitivas no
decorrer do tempo.
Palavras-chave: Envelhecimento. Cognição. Idosos.
1412
A IDENTIDADE SOCIAL E INDIVIDUAL DA MULHER EM CONTRASTE COM AS POLÍTICAS
DE SAÚDE PÚBLICA
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo discutir as questões relacionadas ao corpo,
conforme o gênero e a identidade feminina nas formulações das políticas públicas de
assistência a saúde. Problematizando as construções genéricas das políticas de saúde
individual e coletiva ao ponto de se confundir com os próprios princípios do SUS, assim
como a evolução do Programa Nacional de Atenção Integral a Saúde da Mulher e a
Política Nacional de Humanização. A pesquisa está baseada em artigos científicos dos
sites da área da saúde, Lilacs e Scielo e livros nacionais e internacionais, periódicos e
anais, publicados que contemplam as transformações da assistência a saúde da mulher
no período de 1974 a 2004. Como resultados, observou-se que a mulheres se
apresentam em seus aspectos biopsicossociais marcadas historicamente pela
discriminação social e cultural do sexo e gênero. Os quais podem ser observados nos
programas e ações em saúde pública como outra obrigatoriedade do sexo, não
levando em consideração aspectos específicos do construto de gênero indissociáveis
para assistência integral a saúde da mulher.
Palavras-chave: Identidade. Gênero. Saúde pública. Saúde da mulher.
1413
O CLIMA FACILITADOR DA APRENDIZAGEM NA PERSPECTIVA DO AMBIENTE FÍSICO
ERGONÔMICO
1414
pessoal como no processo de ensino aprendizado, podendo levar a uma diminuição no
desempenho escolar e quando se torna consciente a queixas dos integrantes deste
ambiente (professor e aluno), interferindo na elaboração de estratégias de
aprendizado que estimule mecanismos cognitivos e de memória para aquisição de
novos conhecimentos. Autores afirmam que o grau de regulação que o estudante pode
exercer sobre a aprendizagem não resulta apenas de uma descoberta pessoal, mas
pode ser estimulada e desenvolvida se o contexto educativo do ambiente criar
oportunidades para o desenvolvimento das competências que favoreça ao exercício.
Palavras-chave: Contexto educativo. Aprendizagem autorregulada. Sala de aula.
Ambiente físico ergonômico.
1415
PERFIL DE COMPETÊNCIA DE ENFERMEIROS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA
PARA ATENÇÃO AO PRÉ-NATAL DE BAIXO RISCO
Ana Cristina de Sá
Centro Universitário São Camilo
1416
GT 04 – Multiculturalismo e Processos de Formação Humana
1417
AS CULTURAS AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL
SIGNIFICATIVO NAS RAÍZES DA FORMAÇÃO, DOS COSTUMES E TRADIÇÕES ÉTNICAS
NO MUNICÍPIO DE ITAPERUNA-RJ: COMO APORTE CONSTITUINTE DE UMA PRÁTICA
PEDAGÓGICA INTER E TRANSDISCIPLINAR
1418
O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE ARTE EDUCADORES EM CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM
PELA UAB - DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Giovane Nascimento
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
1419
disciplina, isso pode se referir à dificuldade de acesso aos cursos de graduação em
Arte, ofertados até então, de forma presencial apenas pela Universidade Federal do
Espírito Santo (UFES) situada em Vitória, capital do estado, localizada há 139 km de
Cachoeiro de Itapemirim. Nesse sentido, poderíamos afirmar que em sua maioria os
professores da disciplina Arte em Cachoeiro de Itapemirim não possuem graduação na
área específica, ou seja, não possuem Licenciatura Plena em Arte, e para atender a
demanda necessária do Município. A questão se estende ainda para a rede municipal
que também enfrenta a mesma realidade. Visando atender a demanda em lei
referente à disciplina Arte, e o número de interessados habilitados à disciplina é
insuficiente para atender a realidade, o sistema educacional estadual e municipal na
região abre exceções no que se refere à formação do professor de Arte. Muitas vezes
se valem de uma certificação advinda de um curso livre de 120 horas que independe
de um registro no MEC e que não atende sequer as exigências mínimas de uma
complementação pedagógica. Nesse sentido, um professor de Geografia, por exemplo,
acaba adquirindo o direito de se candidatar ao cargo de professor de Arte, recebendo
a denominação de não-habilitado. Um novo quadro surgiu a partir da chegada do
curso de Artes Visuais oferecido pela UFES em parceria com a prefeitura no Município
de Cachoeiro de Itapemirim. Iniciado no final de 2008, o curso semipresencial de
Licenciatura em Artes Visuais no pólo UAB/EAD/UFES/IFES, possibilitou a 30 alunos
selecionados através de processo seletivo a graduação na área, e, no final de 2012,
formou a primeira turma com 23 novos profissionais da disciplina de Arte. A segunda
turma teve inicio só agora, no segundo semestre de 2014. O curso em questão tem
duração de 4 anos, que se perpassam em encontros presenciais e virtuais na
plataforma AVA (Ambiente Virtual de Aprendizagem) com monitores e professores, e
no final de cada semestre é exigido do aluno a preparação e apresentação de um
seminário interdisciplinar e provas avaliativas de cada disciplina. Pretende-se, como
dissemos anteriormente, avaliar o processo de formação desses professores e o
impacto dessa formação em sala de aula, visando a valorização dessa disciplina, do
potencial que a Arte possui para se repensar o seu papel na educação. Para orientar o
nosso projeto sob a perspectiva teórica o percurso será direcionado pela educadora
Ana Mae Barbosa e seus estudos relativos à história da Arte na educação brasileira,
apresentados em seu livro Recorte e colagem e pela consideração e perspectiva
pragmatista da Arte apresentada por John Dewey em seu texto Arte como
experiência, realizando um contraponto com a interpretação de Richard Shusterman
em seu texto Vivendo a arte, em que Shusterman concorda com Dewey quando se
refere à relevância da Arte como prática, e aponta certos contrapontos à tal
experiência.
Palavras-chave: Formação Humana. Arte. Educação.
1420
VOZES FEMININAS EM PERIÓDICOS DO XIX:
UMA ANÁLISE SEMÂNTICO-COGNITIVA DO CONECTOR MAS
1421
GESTÃO DEMOCRÁTICA DO CURRÍCULO E O MULTICULTURALISMO ESCOLAR
1422
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS EM PERIFERIAS CAPIXABAS: UMA ANÁLISE DE
REPORTAGENS DE JORNAIS DO SUL DO ESTADO DO ESPIRITO SANTO SOBRE A
JUVENTUDE DESSAS LOCALIDADES
1423
INCLUSÃO ESCOLAR NA FORMAÇÃO DE PEDAGOGOS: DIRETRIZES E PERSPECTIVAS
1424
IDENTIDADE, LINGUAGEM E CULTURA:
OS ESTUDOS CULTURAIS E AS PERSPECTIVAS CRÍTICAS EM FRIEDRICH NIETZSCHE,
MARTIN HEIDEGGER E JACQUES DERRIDA
1425
ADOLESCÊNCIA E IDENTIDADE: O SENTIDO DE PERTENCIMENTO EM UMA
COMUNIDADE BUZIANA
1426
GT 05 - Educação, Trabalho e Qualidade
Karine Castelano
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
1427
O PROCESSO DE AVALIAÇÃO DO CENTRO DE TRABALHO E CULTURA DE RECIFE/PE
COMO MÉTODO DIFERENCIADO
1428
EDUCAÇÃO E TRABALHO: A PRINCIPAL AÇÃO DE UMA INSTITUIÇÃO FEDERAL EM
PROL DA INCLUSÃO SOCIAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
1429
O PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA: O
PROCESSO DE ESCOLHA DOS LIVROS E A UTILIZAÇÃO QUE OS PROFESSORES FAZEM
DESTA FERRAMENTA
1430
ALUNOS DO PROEJA E AS MARCAS DE UMA ESCRITA: ESTABELECENDO ANÁLISES E
COMPARAÇÕES
1431
O PERFIL DE EDUCADORES DE JOVENS E ADULTOS E SUAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS:
A NECESSIDADE DE FORMAÇÃO CONTINUADA EM UMA REDE MUNICIPAL DE ENSINO
Karine Castelano
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
1432
POLÍTICA EDUCACIONAL PARA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: O SIGNIFICADO
DO PROEJA SEGUNDO OS PROFESSORES/IFF
RESUMO: Este texto tem por objetivo apresentar reflexões parciais que estão servindo
de base à construção da dissertação, pré-requisito para conclusão do mestrado em
Políticas Sociais/CCH/UENF. A proposta de pesquisa é compreender os significados que
professores do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense, que
fazem parte do grupo de pesquisa OBEDUC (Edital Capes nº049/2012), atribuem ao
Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA. Para tanto, subentendeu-se
necessário, num primeiro momento, realizar uma discussão a respeito da trajetória da
Educação de Jovens e Adultos ao longo da história da educação no Brasil. Assim, narra-
se numa perspectiva crítica vários acontecimentos e momentos importantes à
efetivação da Educação de Jovens e Adultos como Modalidade de Ensino, o que
ocorreu a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº9394/96, bem
como a integração dessa Modalidade de Ensino com a Educação Profissional, através
do Decreto n°5.478/2005, substituído após um ano pelo Decreto nº 5.840/2006, que
instituiu o PROEJA. Além disso, realizou-se, levantamento da produção científica, nos
bancos de dados do Google Acadêmico, da CAPES, do SCIELO e do SCIRUS, com a
finalidade de mapear as produções que apresentavam a palavra PROEJA no título, nas
palavras-chave e/ou nos resumos, entre os anos de 2009 até 2013, com a finalidade de
focalizar as principais temáticas abordadas nesses artigos e assim escanear as
principais argumentações a respeito do tema. Por fim, apresenta-se uma pequena
apreciação das significações e indicações expressas por professores do PROEJA,
através das entrevistas realizadas e dos dados coletados. Espera-se poder contribuir de
maneira significativa para as reflexões a respeito da política educacional em questão.
Palavras-chave: Política educacional. Educação de Jovens e Adultos. PROEJA.
1433
GT 06 - Questões de Ética e de Filosofia Política
RESUMO: Este presente trabalho tem por objetivo central problematizar o ensino de
filosofia no ensino médio público no Brasil contemporâneo. Mais exatamente,
buscamos refletir sobre a teoria e a prática no ensino de filosofia, ou seja, sobre as
competências e habilidades propostas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de
filosofia no processo de ensino/aprendizagem no contexto educacional das escolas
públicas contemporâneas. Para tanto, tornou-se necessário uma breve história do
ensino de filosofia no Brasil através das vicissitudes curriculares sofridas pela disciplina
filosofia desde a promulgação da Lei 5.692/71 e a homologação da Lei 11.684, de
2008, que reintroduziu a obrigatoriedade do ensino de filosofia no currículo nacional.
Em seguida, apresentaremos alguns elementos no ensino de filosofia contemporâneo
que acreditamos que possam ilustrar o que, aqui, convencionamos chamar de o Ideal e
o Real no ensino de filosofia no ensino médio público. Por fim, iremos propor uma
reflexão sobre a necessidade do atual ensino de filosofia no ensino médio público
brasileiro.
Palavras-chave: Ensino de Filosofia. Ensino Médio. Processo de ensino-aprendizagem.
Escolas públicas brasileiras.
1434
UMA DISCUSSÃO SOBRE A JUSTIFICATIVA MORAL DA PENA DE MORTE À LUZ DA
FILOSOFIA MODERNA
1435
RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE COMO REFERENCIAL DE APLICABILIDADE
DA JUSTIÇA
Ione Galoza
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
1436
O EMBATE FILOSÓFICO DA JUSTIÇA NA PROMOÇÃO DAS AÇÕES AFIRMATIVAS
Ione Galoza
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
1437
GT 09 - Autorregulação da aprendizagem
RESUMO: Sabe-se que a atenção é um pré-requisito para que haja uma aprendizagem
efetiva e atualmente a falta de atenção tem sido um assunto amplamente discutido
nas universidades, escolas e até mesmo na mídia em geral. Esse é o fator principal para
que muitas crianças com dificuldades de manter atenção às aulas sejam diagnosticadas
como portadoras da doença conhecida como TDA (Transtorno de déficit de atenção),
sendo que a literatura especializada diz que apenas 6% das crianças possuem
dificuldades de atenção provenientes de fatores neurológicos. Um estudo através da
teoria Q-sort, com uma amostra de 334 alunos da 9° série do ensino fundamental de
escolas estaduais de Campos, constatou que 50% dos estudantes demonstravam
dificuldades em prestar atenção às aulas, não obstante não apresentassem nenhum
problema de origem neurológica. Considerando conforme aponta a teoria do
processamento da informação, que a atenção é primordial para o processamento da
informação, por conseguinte, para a ocorrência da aprendizagem, realiza-se um estudo
de caso, com uma amostra de 210 estudantes de uma escola pública localizada na
mesma região em que ocorreu o estudo prévio citado, com o objetivo de identificar se
a falta de atenção ocorre independentemente da faixa etária e do nível de
escolaridade do aluno e, na percepção dos alunos quais os fatores que tem contribuído
para essa dificuldade de atenção em sala de aula. Trata-se de um estudo descritivo,
exploratório, de natureza quanti- qualitativa.
Palavras-chave: Cognição. Controle da atenção. Aprendizagem.
1438
RELAÇÃO DE ALUNOS DO ENSINO MÉDIO COM A APRENDIZAGEM EM
MATEMÁTICA: UM ESTUDO NA PERSPECTIVA DA AUTORREGULAÇÃO DA
APRENDIZAGEM
1439
NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS E AUTORREGULAÇÃO DA APRENDIZAGEM
1440
GT 10 - Pesquisas Interdisciplinares no contexto das Ciências Humanas
1441
O POTENCIAL PERSUASIVO DO TEXTO IMAGÉTICO TELEVISIVO NA FORMAÇÃO DO
SUJEITO E A IMPORTÂNCIA DA ARTE NA EDUCAÇÃO PARA DESMASSIFICAÇÃO DO
OLHAR
1442
A BIOGRAFIA/AUTOBIOGRAFIA COMO COADJUVANTES PARA UMA MELHOR
COMPREENSÃO DO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA
1443
SEMIÓTICA E NEUROBIOLOGIA: A LÓGICA DOS SENTIMENTOS E SEUS EFEITOS NO
CÉREBRO HUMANO
1444
MEMÓRIAS DA ESCOLA: O PATRIMÔNIO CULTURAL E EDUCATIVO DA ESCOLA
PROFISSIONAL NILO PEÇANHA, CAMPOS (RJ)
RESUMO: Nas últimas décadas, a pesquisa histórica vem destacando a relevância das
contribuições dos Arquivos Escolares enquanto patrimônio histórico, educativo e
cultural para o estudo da história e da memória da Educação. A fim de conhecer e
compreender a formação produzida pela Escola Profissional Nilo Peçanha, em Campos
(RJ) entre 1930 e 1940, este estudo vem expor, justamente, seu patrimônio educativo
e cultural, configurados em seu Arquivo Escolar, tomado aqui como objeto, e ao
mesmo tempo, o principal repositório de fontes da pesquisa. Com um perfil
educacional bastante peculiar, a Escola, que muito contribuiu para a formação
profissional feminina, permanece na memória popular, pela preservação do
mesmo prédio, tombado pelo Inepac desde 2003, e abrigando hoje o Colégio Estadual
Nilo Peçanha. Neste estudo, o prédio também é entendido como patrimônio de
relevância para a compreensão da cultura escolar, além de apresentar esta cultura
escolar, através de sua memória material e imaterial.
Palavras-chave: Memória. Arquivo escolar. Patrimônio cultural. Fontes documentais.
1445
APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA NA DISCIPLINA DE QUÍMICA COM O USO DA MÚSICA
1446
PSICOMOTRICIDADE NA ESTIMULAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL: UMA
PROPOSTA DE INTERVENÇÃO DA TERAPIA OCUPACIONAL
1447
CRENÇAS DE ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO RELACIONADAS À MOTIVAÇÃO PELO
ESTUDO DA MATEMÁTICA
Lucas Maciel
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
1448
PERCEPÇÃO DE PROFESSORES E ALUNOS DO ENSINO MÉDIO RELACIONADA AOS
OBJETIVOS DO ENSINO DE MATEMÁTICA
1449
CRENÇAS DE ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO, RELACIONADAS À MOTIVAÇÃO PELO
ESTUDO DA MATEMÁTICA
Lucas Maciel
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
1450
INSTRUMENTOS PARA AVALIAÇÃO DA IMAGEM CORPORAL: UMA REVISÃO DE
LITERATURA
1451
A PRÁTICA ESPORTIVA NA VIDA COTIDIANA DE DEFICIENTES FÍSICOS PARTICIPANTES
NOS JOGOS OLÍMPICOS DA APAE DE ALÉM PARAÍBA-MG
1452
A (TRANS)FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA ATRAVÉS DA ATIVIDADE: RELATO DE UMA
EXPERIÊNCIA
RESUMO: Este artigo tem como objetivo apresentar os resultados de uma pesquisa
que verificou o comportamento autorregulado de estudantes de medicina, na
disciplina Internato de Cirurgia. Observou-se o comportamento dos estudantes antes,
durante e após seus ingressos no estágio do curso. A teoria da autorregulação da
aprendizagem ofereceu os subsídios teóricos que nortearam as observações. Tratou--
se de um estudo de caso descritivo, de natureza quanti-qualitativa. Participaram 12
estudantes de medicina. Utilizou-se o questionário e a observação como recursos
para a coleta de dados. Fez-se análise dos conteúdos das respostas das perguntas
abertas, transformando-as em categorias e subcategorias, que, após terem sido
computadas, foram transformadas em tabelas de distribuição de frequência e
porcentagem, como também o foram as respostas das perguntas fechadas.Concluiu-
se que o ingresso no estágio influenciou positivamente no comportamento
autorregulado do estudante, e os resultados convergiram para o que preconiza a
teoria da atividade de Leontiev, no sentido de que a atividade facilita a consciência e
a apropriação do conhecimento, reforçando assim a importância da teoria aliada à
prática, e a necessidade da inclusão do estágio a partir dos primeiros anos do curso
de formação médica.
Palavras-chave: Comportamento autorregulado. Teoria da atividade. Introdução à
prática.
1453
POSIÇÃO ESPECIAL, PERCEPÇÃO CORPORAL E SIGNIFICAÇÃO: ANÁLISE DA PRESENCE
NAS OBRAS DE GEORGE ROUSSE
1454
EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM UM ESPAÇO NÃO-FORMAL: ESTUDO REALIZADO EM
UMA ESCOLA PÚBLICA NA CIDADE DE JUIZ DE FORA/MG
RESUMO: A educação no espaço não formal é uma área que vem crescendo no atual
cenário da educação ambiental (EA), por isso, este trabalho se baseia em tal
perspectiva educacional. A escolha do tema foi devido sua pouca exploração em sala
de aula e através das necessidades percebidas pelos alunos de uma escola pública na
cidade de Juiz de Fora/MG. A contextualização do Ensino de Química foi necessária
para atingir uma aprendizagem significativa e efetiva para os alunos. Dessa forma, a EA
também tem por objetivo inserção da química no cotidiano dos alunos. Foi aplicado
um pré-teste para a verificação do conhecimento deles e posteriormente distribuído
um recorte de jornal fictício com a manchete “O Rio Paraibuna pede socorro”, para
leitura e discussão em grupos de quatro alunos. Foi proposto a eles uma pesquisa
sobre as etapas do tratamento de água. No segundo momento, para facilitar o
entendimento deles perante o tema abordado, foi realizado uma visita na Estação de
Tratamento de Água (ETA), CESAMA. Ao final foi proposto uma pesquisa sobre a
importância do tratamento de água e os problemas decorrentes do consumo de água
não potável. No terceiro momento, sob orientação, os alunos realizaram trabalhos e
apresentações através de pôsteres, experimentação e maquete. Para finalizar, foi
aplicado um teste para avaliação do desenvolvimento perante o projeto.
Palavras-chave: Educação ambiental. Espaço não-formal. Escola pública.
1455
ADMINISTRANDO AS ILUSÕES: SOBRE O “EFEITO DUNNING-KRUGER” NA GESTÃO DE
POLÍTICAS PÚBLICAS
Leonardo R. Miguel
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
1456