Fundamentos Da Pesquisa em Historiografia Linguística

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Fundamentos

da pesquisa em
Historiografia da
Linguística

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32

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE


Reitor: Marco Tullio de Castro Vasconcelos

EDITORA MACKENZIE
Coordenador: John Sydenstricker-Neto

Conselho Editorial
Carlos Guilherme Santos Seroa da Mota
Elizeu Coutinho de Macedo
Helena Bonito Couto Pereira
João Baptista
Jônatas Abdias de Macedo
José Francisco Siqueira Neto
José Paulo Fernandes Júnior
Karl Heinz Kienitz
Luciano Silva
Marcel Mendes
Vladimir Fernandes Maciel

COLEÇÃO CONEXÃO INICIAL


Diretora: Maria Lucia Marcondes Carvalho Vasconcelos

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Ronaldo de Oliveira Batista

Fundamentos
da pesquisa em
Historiografia da
Linguística

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© 2020 Ronaldo de Oliveira Batista

Todos os direitos reservados à Editora Mackenzie.


Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma
sem a prévia autorização da Editora Mackenzie.

Coordenação editorial: Jéssica Dametta


Preparação de texto e diagramação: Jéssica Dametta
Revisão: Paula Di Sessa Vavlis
Capa: Pedro Videira Pancheri
Projeto gráfico: Ana Claudia de Mauro

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

B333f Batista, Ronaldo de Oliveira.


Fundamentos da pesquisa em historiografia da linguística / Ronaldo de
Oliveira Batista. – São Paulo : Editora Mackenzie, 2020.
117 p. ; 23 cm. – (Coleção Conexão Inicial ; 32)

Inclui referências bibliográficas, glossário e índice.


ISBN 978-65-5545-146-7

1. Linguística. 2. Linguística - Historiografia. 3. Linguística - História.


I. Título. II. Série.

CDD 410.9

Bibliotecária Responsável: Paola Damato – CRB 8/6271

EDITORA MACKENZIE
Rua da Consolação, 930
Edifício João Calvino, 6º andar
São Paulo – SP – CEP 01302-907
Tel.: (5511) 2114-8774 (editorial)
editora@mackenzie.br
www.mackenzie.br/editora

Editora afiliada:

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Em memória da minha querida amiga Rosaria Boldarine.

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Agradecimentos

Agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec-


nológico (CNPq), órgão federal brasileiro que, por meio de Bolsa Produ-
tividade (PQ-2) no período 2018-2020, financiou minhas pesquisas que
resultaram na elaboração deste livro.
Da mesma forma, agradeço à Universidade Presbiteriana Mackenzie
e ao Instituto Presbiteriano Mackenzie por me possibilitar (desde 2009),
com meu contrato de trabalho em período integral e bolsa de pesquisa
para pós-doutorado no exterior (em 2016), tempo e condições para que lei-
turas, estudos e pesquisas sejam realizados nas condições mais favoráveis
possíveis.
Em mais de 20 anos de dedicação à docência, três momentos da minha
carreira me marcaram por trazer à lembrança a imagem de afeto que pode
estar relacionada ao professor: 1. entre 1999 e 2000, dei aulas num curso
supletivo noturno para alunos com idades entre 30 e 50 anos; nunca me es-
quecerei dos olhares curiosos daqueles alunos da 5ª série, que aprenderam
comigo a ler um jornal pela primeira vez; 2. em 2019, dei aula de Linguís-
tica para um grupo de alunos que, ao final do nosso último encontro, me
aplaudiu quando disse que ali se encerravam nossas aulas; aquelas palmas
de agradecimento permanecem em mim e talvez eles nem saibam disso;
3. no 2º semestre de 2019, ministrei um curso para uma turma de alunos
de mestrado e doutorado em Letras no Programa de Pós-Graduação do
Mackenzie; naquelas aulas, pude pela primeira vez falar de historiografia
da linguística como sempre havia imaginado; a dedicação e a empolgação
dos alunos com os temas que mostrava nos encontros ficarão para sempre

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na minha lembrança da carreira de professor. Por esses três momentos, sou
profundamente grato.
A distância, duas professoras me marcaram de diferentes modos na
participação em dois momentos da minha carreira de pesquisador: 1. Ma-
ria Carlota Rosa, que participou em 2002 da minha banca de mestrado, até
hoje me impressiona pelo extremamente difícil domínio da clareza intelec-
tual que expõe em seus artigos e livros que acompanho de longe; 2. Evani
Viotti, que participou em 2007 da minha banca de doutorado, é modelo
para sempre de docência excepcional e seriedade na pesquisa. Não há como
deixar de agradecer o papel que tiveram na minha formação intelectual.
Sou grato também à amizade querida de Neusa Barbosa Bastos, que
tantas oportunidades me ofereceu para que eu pudesse apresentar minhas
pesquisas e reflexões em historiografia da linguística.
Este livro seria impensável sem o aprendizado que tive com meus mes-
tres em historiografia da linguística: Cristina Altman e Pierre Swiggers, a
quem devo muito em termos intelectuais e também afetivos.
Por fim, sem a companhia do Antonio, acho que tudo teria sido outra
história, muito menos interessante...

Julho de 2020

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Sumário

Sobre o autor 11

Apresentação 13

O conhecimento sobre a linguagem e a


ciência da linguagem 17
O conhecimento sobre a linguagem    17
A ciência da linguagem    22

O conhecimento histórico 31
A polissemia da palavra história    31
História e historiografia   
32
O historiador   
35
Objetividade e subjetividade na análise do historiador    37
As fontes históricas   
38
A periodização histórica   
40
Modelos de reconstrução historiográfica    42

A pesquisa em Historiografia da Linguística:


princípios 45
História e Historiografia da Linguística    45
O historiógrafo da linguística    51
Parâmetros de análise   
55
Fontes para histórias da linguística    58

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A escolha da periodização    61
Problemas em Historiografia da Linguística    63

A pesquisa em Historiografia da Linguística:


procedimentos 91
Princípios da análise historiográfica    91
Fases da análise historiográfica    93
Métodos para análise   
94

Conclusão 99

Referências 101

Bibliografia comentada 109

Glossário 111

Índice 115

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Sobre o autor

Ronaldo de Oliveira Batista é mestre e doutor em Linguística pela


Universidade de São Paulo (USP), com estágio de pós-doutorado pela
Katholieke Universiteit Leuven (Bélgica) sob supervisão de Pierre Swiggers.
Professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Letras da
Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Bolsista Produtividade
do CNPq. Autor dos livros Introdução à Historiografia da Linguística (Ed.
Cortez, 2013) e A linguagem e os falantes: ideias linguísticas e sua história
(Ed. Mackenzie, 2017). Organizador e coautor dos livros Historiografia da
Linguística (Ed. Contexto, 2019) e Questões em Historiografia da Linguística:
homenagem a Cristina Altman (Ed. Pá de Palavra, 2020).

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Apresentação

Em linguagem didática, acessível a estudantes de graduação e pós-graduação


(estes em estágios iniciais de pesquisa), este livro se configura como um ma-
nual introdutório para a pesquisa em Historiografia da Linguística.
A Historiografia da Linguística é uma área que vem, nos últimos
anos, ganhando cada vez mais adeptos, isto é, pesquisadores que se preo-
cupam, como objeto principal de investigação, com a história do conheci-
mento sobre a linguagem produzido em diferentes recortes temporais, por
diferentes autores em diferentes contextos.
Uma definição inicial de Historiografia da Linguística compreende o
objetivo de descrever, analisar e interpretar o que se falou sobre a lingua-
gem humana e sobre as línguas em qualquer época. Mesmo em períodos
anteriores ao estabelecimento de fato de uma ciência da linguagem nos
séculos XIX e XX.
Cada vez mais parece ser importante insistir numa formação integral
dos pesquisadores em linguística e línguas. E essa formação tem de incluir
no seu conjunto de conteúdos e práticas informações sobre a história do
conhecimento linguístico.
Professores, alunos, pesquisadores que lidam com a linguagem como
objeto principal de suas atividades de pesquisa e ensino precisam conhecer
elementos que permitem maior compreensão de como, ao longo do tempo,
foram se formulando pensamentos, ideias, teorias, métodos de descrição
das línguas.
Para que esse objetivo seja alcançado, é necessário que haja na forma-
ção dos jovens pesquisadores disciplinas e cursos a respeito da história dos

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estudos sobre a linguagem. Acreditando ser esse um objetivo relevante,
este livro pretende ser o primeiro passo para os interessados em mergulhar
nesse universo de pesquisa.
Esse mergulho será dado pelos nossos leitores em quatro etapas:

1. em um primeiro momento, discute-se o que é o conhecimento


sobre a linguagem e o que é a ciência da linguagem;
2. em seguida, uma reflexão sobre o conhecimento histórico é apre-
sentada, pois compreender como se elaboram interpretações his-
toriográficas é passo importante na pesquisa em Historiografia da
Linguística;
3. em um terceiro momento, princípios teóricos da Historiografia da
Linguística são apresentados em linguagem clara e objetiva, com
o intuito de transmitir aos leitores elementos e problemas teóricos
considerados fundamentais para a área;
4. na sequência, procedimentos analíticos em Historiografia da Lin-
guística são explicitados com exemplos, com o objetivo de apre-
sentar aos leitores como se faz uma pesquisa na área.

Uma conclusão, de forma circular, reforça a necessidade da área na


formação dos pesquisadores e docentes em Linguística e Letras, dialogan-
do, portanto, com esta apresentação.
Um glossário com termos fundamentais para compreender o que é a
Historiografia da Linguística também é apresentado aos leitores com su-
gestões de leituras de aprofundamento sobre as pesquisas na área.
As considerações teóricas e metodológicas presentes neste manual in-
trodutório (que tem como especificidade o foco na introdução à pesquisa
na área) são, sem dúvida, resultado de várias leituras realizadas em dife-
rentes fontes que forneceram a matéria-prima de reflexão, exposta aqui em
linguagem didática. Esse tipo de linguagem, típica de manual introdutório
na feição do gênero livro didático, levou à opção de não adotar em excesso

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citações diretas, indiretas e notas de rodapé indicando as bases teórico-
-metodológicas que sustentam minhas afirmações ao longo do livro.
No entanto, não se pode deixar de fazer referência aos autores que
serviram de apoio teórico. Sendo assim, indicam-se aqui os autores con-
sultados (nas áreas da linguística, da história e historiografia da linguís-
tica, da epistemologia da ciência e da linguística, da teoria e filosofia
da história), sem os quais a escrita deste livro seria impossível: Altman
(1998, 2000, 2019); Aróstegui (2006); Auroux (2006); Barros (2019);
Bastos e Batista (2016); Batista (2013, 2017a, 2017b, 2018, 2019a, 2019b,
2019c); Batista e Bastos (2015); Benjamin (1994); Bloch (2001); Borba
(1991); Borges Neto (2004); Bourdieu (2004); Bunge (1989); Cavalie-
re (2013); Chalmers (1993); Cruz (2007); Colombat, Fournier e Puech
(2017); Dascal (1978/1982); Fiorin (2002, 2003, 2017); Foucault (2008);
Fourez (1995); Gonçalves e Góis (2012/2014); Hénault (2006); Hymes
(1974); Joseph (1995a, 1995b); Kneller (1980); Koerner (1995, 2014 [cole-
tânea com textos escritos em diferentes épocas]); Koerner e Asher (1995);
Kragh (2001); Kuhn (2000); Laudan (2011); Law (2003); Leite (2019);
Lopes (1995); Löwy (1987); Lyons (1987); Magalhães (2005); Marcondes
(2009, 2016); Martin (2003); Murray (1994); Mussalim e Bentes (2007);
Nietzsche (2017 [1874]); Paveau e Sarfati (2006); Pérez (2019); Prost
(2012); Pucci (2016); Rancière (2018); Sampson (1980); Schapin (2010);
Schlieben-Lange (1993); Schmitter e van der Wal (1998); Schaff (1995);
Soutet (2017); Swiggers (1983, 1991, 1998, 2010, 2019a, 2019b, 2020);
Tucker (2004); Turazzi e Gabriel (2000); Vaquera (2018); Weedwood
(2002); e Ziman (1979).
Este livro completa uma coleção que sempre foi pensada para intro-
duzir jovens pesquisadores e dar apoio, aos pesquisadores experientes, para
leituras mais complexas em Historiografia da Linguística. O primeiro pas-
so dessa iniciativa foi a publicação de um manual, de feição teórica, para
aqueles que pela primeira vez se interessam pela área. Em 2013, Introdu-
ção à Historiografia da Linguística foi publicado pela Editora Cortez. Em

Apresentação 15

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2019, a Editora Contexto publicou a coletânea Historiografia da Linguística,
com textos escritos por especialistas nacionais e internacionais para leitores
mais experientes na área. Em 2020, uma coletânea (em parceria com Neusa
Barbosa Bastos), publicada pela Editora Pá de Palavra, apresenta questões e
problemas em Historiografia da Linguística, também tendo como alvo pes-
quisadores já iniciados na área. Este livro também é dirigido aos iniciantes
na pesquisa, dialogando de modo complementar com aquele de 2013; por
meio de discussões de temas fundamentais em Historiografia da Linguísti-
ca, apresenta-se uma introdução à pesquisa em Historiografia da Linguística.
Espero com este livro dar mais um passo na divulgação de uma área
que consideramos ser de importância crucial na formação dos pesquisa-
dores e professores que se preocupam com a linguagem e seus fenômenos.

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O conhecimento sobre a
linguagem e a ciência da linguagem

O CONHECIMENTO SOBRE A LINGUAGEM

O conhecimento sobre a linguagem foi manifestado, expresso e divulgado


de diferentes modos e formas ao longo dos tempos. Pode-se até apontar,
em tese, que a partir do momento em que os homens1 descobriram o po-
der de comunicação por meio de símbolos e signos algum tipo incipiente
de reflexão sobre a linguagem tenha surgido empiricamente e com fun-
ção prática.
De qualquer modo, ainda na linha da especulação, a descoberta da
escrita e as possibilidades de representação desta podem ter levado a uma
espécie de reflexão mais apurada sobre o fenômeno da linguagem humana.
Que símbolos usar? Quando usar? Como combinar símbolos? Questiona-
mentos como esses podem ter sido comuns para aqueles que enfrentavam
os mistérios da linguagem escrita por volta do ano 3.000 a.C.
Nosso recuo histórico será menos abrangente. Vamos considerar como
limite temporal os períodos em que efetivamente se começou a pensar so-
bre a linguagem como objeto de reflexão filosófica, de ensino, de interme-
diação de funções práticas sociais e culturais, de elaborações de narrativas,

1 Neste livro, usaremos homem e homens para referência geral à espécie humana, sem espe-
cificação de gêneros. Também com referência geral no masculino serão empregadas pala-
vras de natureza gramatical. Esse é o uso consagrado em língua portuguesa. No entanto,
não somos alheios à relação entre linguagem e gênero e às formas de preconceito e segre-
gação que a omissão do gênero feminino pode gerar.

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de construção de mitos, de orientações religiosas, entre outras possibilida-
des dessa natureza.
A seleção desse recorte temporal é escolha daquele que elabora uma
historiografia (uma narrativa sobre os acontecimentos históricos). Assim,
serão consideradas reflexões, especulações, descrições, análises, regras nor-
mativas sobre a linguagem e as línguas que foram elaboradas séculos antes
de se poder efetivamente falar de uma linguística.
Esse conhecimento sobre a linguagem será nomeado em diferentes
momentos deste livro como ideias linguísticas. Essa expressão fará refe-
rência a todo e qualquer conhecimento produzido sobre a linguagem, as
línguas, o processo comunicativo, os mitos e a mitologia referentes à lin-
guagem humana, as questões religiosas e filosóficas que passam por con-
siderações linguísticas, a relação entre linguagem e pensamento, entre ou-
tros temas relacionados.
Não há, portanto, um sentido restritivo na expressão ideias linguís-
ticas, que contempla aqueles conhecimentos de natureza científica e não
científica sobre a linguagem.

Quando se trabalha com fatos ocorridos na longa duração do tempo,


e, consequentemente, se propõe levar em conta os saberes construí-
dos em estados de sociedades diferentes, pertencentes a áreas cul-
turais eventualmente diferentes, é preciso constituir uma concepção
do objeto (os saberes construídos sobre as linguagens e as línguas)
tão pouco normativa sobre o plano epistemológico quanto possível.
A noção de “teoria” apresenta o risco de tomar seu sentido apenas no
contexto de certa concepção da ciência, na ocorrência daquela que se
desenvolve no Ocidente a partir do século XVIII. Para evitar esse tipo
de armadilha, que consiste em supor problemas já tidos como resol-
vidos, preferimos o termo ideias sobre a linguagem e as línguas, que
tem a vantagem de ser menos comprometido epistemologicamente;
ou, mais exatamente, que concerne a um engajamento diferente, me-

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nos normativo, e mais respeitoso com a diversidade de formas que
pode tomar o saber na história, ou em outras culturas. Sob esse termo
ideia, subsumem-se todos os tipos de objetos que ultrapassam larga-
mente aquele de “teoria”: há os conceitos [...], os procedimentos [...], as
técnicas [...] (COLOMBAT; FOURNIER; PUECH, 2017, p. 16).

Esse conhecimento sobre a linguagem, antes da institucionalização


científica da linguística no século XIX, foi manifestado de diferentes
formas: especulações filosóficas; gramáticas descritivas; gramáticas pe-
dagógicas; gramáticas normativas; dicionários com diferentes funções;
tratados sobre as línguas; manuais para ensino de língua; ensaios sobre
questões linguísticas.
Diante desse conjunto amplo e de destacada presença na história do
conhecimento sobre a linguagem, não se pode adotar uma postura valora-
tiva. O que é anterior a uma ciência da linguagem não carece de postura
teórica e metodológica. A diferença está nos modos de formulação e circu-
lação de ideias linguísticas em diferentes períodos e sociedades.
Para que se possa ter uma breve ilustração da importância do conhe-
cimento sobre a linguagem não formulado nos moldes de uma ciência tal
como se passou a compreender a partir do século XIX, segue um qua-
dro com algumas das grandes ideias linguísticas ocidentais anteriores aos
anos 18002.

2 A seleção no quadro tem seu lado negativo, pois é restritiva e desconsidera outros eventos
históricos. No entanto, há também um lado positivo, que possibilita ampla visão introdu-
tória de episódios marcantes. Para conhecer a história da linguística com mais detalhes:
- História concisa da linguística, de Barbara Weedwood (2002);
- Uma história das ideias linguísticas, de Bernard Colombat, Jean-Marie Fournier e Chris-
tian Puech (2017).

O conhecimento sobre a linguagem e a ciência da linguagem 19

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Período Agentes Temas

Reflexão sobre a
arbitrariedade dos nomes
Filósofos gregos
Divisão das partes da sentença em
sujeito e predicado
Antiguidade clássica
Classificação das partes do discurso
Gramáticos
gregos e latinos Formatação da gramática e
suas partes
Especulações sobre o significado
linguístico
Gramáticas do latim, do grego e
do hebraico

Filósofos, religiosos, Gramáticas de línguas estrangeiras


Período medieval
gramáticos
Relações entre linguagem e
pensamento
Gramáticas especulativas com
feição universal e gramáticas
particulares
Descrição gramatical e lexicográ-
Gramáticos, tutores e
fica das línguas das nações que se
professores
formavam no período moderno
Descrição gramatical e lexico-
Período moderno
Missionários e viajan- gráfica das línguas dos povos dos
tes europeus territórios colonizados por paí-
ses europeus

Gramáticos e filósofos Gramáticas racionais e universais

Quadro 1 – Ideias linguísticas da Antiguidade até o período moderno

Após essa série de conquistas intelectuais no campo dos estudos sobre


a linguagem, nos anos 1700-1800 novas formas de compreensão de ciência
se espalharam por diversos países e nações. É a partir do período final

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desse marco temporal que podemos começar a falar de fato de uma ciência
da linguagem – a linguística.
Uma demarcação intelectual pode ser aquela que distingue os saberes
antes do século XIX como não autônomos no estudo da linguagem. Isto
é, as descrições e reflexões sobre a linguagem estavam vinculadas ou a
interesses filosóficos (como as especulações em torno da linguagem como
instrumento de compreensão da realidade), ou a interesses político-sociais
(como a constituição de gramáticas e dicionários para afirmar a unidade de
uma nação ou para legitimar por meio da religião processos de submissão
de povos colonizados), ou a interesses pedagógicos (para ensino do que se
considerava bom uso da língua).
Apenas a partir do século XIX é que se poderá falar de uma aborda-
gem autônoma da linguagem humana, sem correlação ou determinação
funcional com outras áreas do saber como motivador principal da tarefa de
descrição e análise de fenômenos linguísticos.
No entanto, adotaremos um emprego anacrônico do termo linguística,
pois esse uso é consagrado nos estudos da história do conhecimento sobre
a linguagem.
Linguística, portanto, fará referência a todo e qualquer estudo, refle-
xão, especulação que se efetivou na corrente histórica a respeito da lingua-
gem como propriedade humana de comunicação, intelecção e expressão.
O uso do termo linguística não implica a exclusão de um conjunto
variado de reflexões, descrições e explicações propostas antes dos séculos
XIX e XX. Sob o termo, agrupam-se abordagens variadas. Teremos, as-
sim, de considerar uma linguística stricto sensu (como a ciência dos séculos
XIX, XX e XXI) e uma linguística lato sensu (toda reflexão/descrição/ex-
plicação, em qualquer domínio intelectual, que tenha por objeto a lingua-
gem e as línguas).

O conhecimento sobre a linguagem e a ciência da linguagem 21

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A CIÊNCIA DA LINGUAGEM

Dois marcos temporais indicam a formação de uma prática científica que


procura observar a linguagem e seus fenômenos a partir de concepções
teóricas delimitadas e procedimentos metodológicos explicitados: 1. o sé-
culo XIX, que a partir de uma perspectiva diacrônica sobre a linguagem
(que observa uma língua e as mudanças pelas quais ela passa ao longo do
tempo) definiu métodos para analisar os componentes fonológico e mor-
fológico das línguas e sua evolução e relação interlínguas; 2. o século XX,
que a partir de uma perspectiva sincrônica sobre a linguagem (que observa
a língua e suas relações estruturais em um recorte determinado no tem-
po, sem uma observação longitudinal de modificações no desenrolar dos
tempos) determinou as diretrizes que vieram a constituir a base do que se
reconhece como a linguística moderna.
A denominação linguística para a ciência da linguagem é do século
XIX. Nos anos 1800, os linguistas estavam preocupados com a filiação das
línguas, com as semelhanças possíveis entre diferentes sons e estruturas
internas das palavras. A partir de fatos efetivamente observados nas lín-
guas (principalmente a constituição fonética e morfológica e suas mudan-
ças históricas), em um ponto de vista diacrônico, os linguistas dessa época
(como Friedrich von Schlegel [1772-1829], Jacob Grimm [1785-1863],
Rasmus Rask [1787-1832], Franz Bopp [1791-1867], August Schleicher
[1821-1868]) elaboraram um método histórico de observação. Considerada
o procedimento metodológico fundador da ciência da linguagem, a com-
paração entre línguas em busca de relações históricas formatou a corrente
chamada de linguística histórico-comparativa.
No início do século XX, um professor genebrino iria romper com essa
bem estruturada e reconhecida linguística: Ferdinand de Saussure (1857-
1913), e seus cursos de linguística geral, entre 1907 e 1911, provocaram a
primeira grande ruptura na história da linguística. Ao recusar o predo-
mínio da abordagem diacrônica (em favor de uma que fosse sincrônica),

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Saussure lançou as bases teóricas de um estudo da língua a partir da obser-
vação do sistema linguístico, das unidades que compõem as línguas e dos
tipos de relações que elas contraem entre si.
Marco desse momento, a publicação póstuma do Curso de linguística
geral em 1916, tendo por base anotações das aulas dadas por Saussure, é con-
siderado discurso fundador da linguística e até hoje é leitura obrigatória para
aqueles que querem entender a linguística e seu desenvolvimento histórico.
Após esses dois movimentos fundamentais, a ciência da linguagem se
diversificou em diferentes campos, principalmente desenvolvidos em torno
de uma oposição entre uma perspectiva formal (que privilegia o estudo do
sistema linguístico por ele mesmo) e uma perspectiva funcional (que anali-
sa o sistema linguístico em relação com os falantes e os contextos nos quais
se estabelecem as práticas comunicativas e expressivas).

A linguística é normalmente definida como ciência da linguagem, ou


alternativamente, como estudo científico da linguagem. O próprio
fato de que há uma seção neste livro e em outras introduções à lin-
guística, explicitamente dedicada à discussão do status científico des-
ta disciplina não deve deixar de ser comentado. Afinal, disciplinas cujo
status científico é inquestionável – a física, a química, a biologia etc.
– não têm necessidade de justificar sua reivindicação de se chamar
ciência. Por que deveria a linguística preocupar-se tanto em defen-
der a validade do seu título? E por que, ao defender suas credenciais
científicas, o linguista tantas vezes dá a impressão de protestar em
demasia? O leitor tem todo o direito de levantar suspeita.
O primeiro ponto a se salientar é que a palavra inglesa “Science” tem
uma abrangência muito menor do que muitas de suas traduções con-
vencionais em outras línguas: tais como “Wissenschaft” em alemão,
“nauka” em russo e mesmo “science” em francês. A linguística, mais
do que a maioria das outras disciplinas, sofre das implicações muito
específicas das palavras inglesas “science” e “scientific”, que se refe-

O conhecimento sobre a linguagem e a ciência da linguagem 23

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rem, antes de mais nada, às ciências naturais e aos métodos de inves-
tigação que lhes são característicos. Isto ainda é verdade, apesar de
que expressões como “ciências sociais”, “ciências do comportamento”
e “ciências humanas” se façam cada vez mais comuns. Deveríamos,
pois, interpretar a palavra “ciência” [...] como simplesmente “disciplina
acadêmica devidamente constituída”?
Há bem mais nesta questão do que nos sugeria tal interpretação. A
maioria dos linguistas que adota a definição de sua disciplina como
sendo o estudo científico da língua o fazem por ter em mente uma
distinção entre uma forma científica e acientífica de realizar a tarefa.
Podem discordar sobre algumas das implicações da palavra “cientí-
fico”, como os filósofos e historiadores da ciência. Mas concordam
unanimemente sobre as principais diferenças entre o estudo científico
da língua e o estudo não científico (LYONS, 1987, p. 45-46).

Como vimos, a definição de linguística como ciência pode gerar dis-


cussões filosóficas e históricas. Consideraremos, neste livro, que há de
fato uma ciência da linguagem, que se estabeleceu como tal a partir do
século XIX.
Essa consideração implica que sejam apontadas algumas caracterís-
ticas possíveis que sustentem essa definição de ciência para a linguística:

Considera dados que podem ser observados,


A linguística é empírica
verificados e analisados

A linguística não é Desconsidera observar a linguagem para


prescritiva determinar regras do bom uso da língua
Dialoga com outras ciências ao explicar fe-
A linguística é inter-
nômenos da linguagem humana e das lín-
disciplinar
guas naturais
A linguística é orientada Determina pontos de vista que definem pa-
teoricamente râmetros de análise dos dados

Quadro 2 – Características da linguística como ciência (continua)

24 Fundamentos da pesquisa em Historiografia da Linguística

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 24 13/01/2021 16:49:26


Parte de uma concepção teórica que es-
A linguística segue procedi-
tabelece diretrizes de descrição e análi-
mentos metodológicos
se dos dados
A linguística opera com Considera objetos teóricos que podem não
construtos teóricos ter realidade concreta observável

Quadro 2 – Características da linguística como ciência (continuação)

As principais orientações da linguística do século XX podem ser re-


sumidas, com o risco da simplificação e da omissão, pelos seguintes nomes
e pelas seguintes correntes teóricas:

1. Ferdinand de Saussure (1857-1913) e sua noção de valor e sistema


linguístico, em torno de suas célebres dicotomias: significado/sig-
nificante; língua/fala; sintagma/paradigma; sincronia/diacronia;
2. como exemplo da recepção do pensamento de Saussure, Louis
Tesnière (1893-1954) e sua sintaxe de dependência a ressaltar a
perspectiva estrutural no estudo do sistema linguístico;
3. Louis Hjelmslev (1899-1965) foi um dos mais destacados linguis-
tas a aprofundar na sua teoria glossemática a concepção de língua
como sistema, presente em Saussure;
4. Leonard Bloomfield (1887-1949) e a linguística descritiva norte-
-americana (com teor psicológico behaviorista), de caráter for-
mal, com a proposição de métodos de análise principalmente dos
componentes sonoros e morfológicos das línguas. Na sucessão de
Bloomfield, há: Zellig Harris (1909-1992) e o distribucionalis-
mo norte-americano, que formulou, em perspectiva estrutural,
conceitos e procedimentos transformacionalistas no estudo da
sentença, e Kenneth Pike (1912-2000) com sua tagmêmica de di-
mensão semântica e funcional;
5. Émile Benveniste (1902-1976), reconhecido herdeiro do pen-
samento de Saussure, que escreveu um conjunto muito variado
de trabalhos e lançou as bases do que contemporaneamente se

O conhecimento sobre a linguagem e a ciência da linguagem 25

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 25 13/01/2021 16:49:26


compreende como uma linguística da enunciação. Na sequência
de estudos da enunciação, Oswald Ducrot estabelece teorias sobre
a pressuposição, a argumentação e a polifonia enunciativa;
6. Roman Jakobson (1896-1982) e suas contribuições pioneiras para
uma concepção funcional de tratamento das línguas, para a des-
crição fonológica e para a análise do processo de comunicação em
termos de funções da linguagem;
7. Noam Chomsky e sua gramática gerativa, que, ao privilegiar nas
décadas de 1950-1970 o componente sintático, estabeleceu um
conceito biológico de língua por meio da proposição de uma fa-
culdade da linguagem radicada no cérebro;
8. Algirdas Julius Greimas (1917-1992) e sua proposição de uma
semiótica estrutural (na herança saussuriana) nos anos 1960, na
qual se estabelecia um método de estudo para a apreensão do per-
curso gerativo de sentido dos textos;
9. Michel Pêcheux (1938-1983) e sua abordagem filosófica da lin-
guagem por meio da compreensão de fenômenos linguísticos pela
relação entre língua e ideologia, possibilitando a formação do
campo da análise do discurso francesa;
10. a recepção ocidental, via intelectuais franceses, da compreensão
dialógica da linguagem elaborada no interior do chamado Círculo
de Bakhtin, por Mikhail Bakhtin (1895-1975) e Valentin Vólo-
chinov (1895-1936) na década de 1920 na Rússia;
11. William Labov e sua marcante oposição ao conceito de falante
ideal da gramática gerativa em termos da proposição de uma so-
ciolinguística atenta ao falante, ao uso social da língua e aos mé-
todos de descrição e análise de fenômenos de variação;
12. John Langshaw Austin (1911-1960), que, a partir de sua contri-
buição na filosofia da linguagem, começou a abrir caminho para o
estudo da dimensão pragmática nos estudos linguísticos;

26 Fundamentos da pesquisa em Historiografia da Linguística

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 26 13/01/2021 16:49:26


13. um grupo de pesquisadores alemães que fundou a linguística tex-
tual, inicialmente em perspectiva formal, mas que atualmente
dialoga com estudos do discurso e da cognição. Nomes no século
XX como Teun Van Dijk e Jean-Michel Adam são representati-
vos de correntes teóricas de estudos do texto;
14. Michael Halliday (1925-2018), para citar apenas um nome de
amplo conjunto de linguistas que fizeram forte oposição à gramá-
tica gerativa chomskiana, propondo uma linguística de base sis-
têmico-funcional, atenta ao uso da língua condicionando formas
da linguagem verbal;
15. a formação de uma variada corrente contrária ao pensamento
de Noam Chomsky, principalmente a partir da década de 1970,
formando o grupo de especialidade reconhecido como semântica
gerativa, que também possibilitaria proposições futuras de uma
linguística cognitiva;
16. os diferentes diálogos interdisciplinares que formataram campos
como a psicolinguística, a análise da conversação, a neurolinguís-
tica, entre outros.

Essa diversidade da linguística tentativamente pode ser considerada


em algumas direções expressivas que configuram uma caracterização epis-
temológica da ciência da linguagem (ainda que essas direções muitas vezes
não contemplem aspectos peculiares de cada autor ou proposta teórico-
-metodológica):

• teorias elaboradas em torno do conceito de signo linguístico e suas


relações estruturais;
• teorias elaboradas em torno de uma perspectiva transformacional
da linguagem, com ou sem correlação psicológica;

O conhecimento sobre a linguagem e a ciência da linguagem 27

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• teorias elaboradas em torno da consideração dos falantes e dos
processos comunicativos como determinantes para seleções e re-
lações no sistema linguístico;
• teorias elaboradas em torno da produção da significação;
• teorias elaboradas em torno da relação linguagem, história e
ideologia;
• teorias elaboradas em torno da correlação linguagem, cognição,
cérebro.

Naturalmente que mesmo diante dessa pluralidade teórica (que mui-


tas vezes ecoa em multiplicidade de métodos), há elementos em comum
que permitem conferir unidade para a ciência da linguagem: a descrição
e a explicação de dados e fenômenos linguísticos a partir de um ponto de
vista que se distancia sobretudo de uma perspectiva prescritivista. Está na
esfera de preocupação dos linguistas a necessidade de compreender o que é
a linguagem humana e como ela se manifesta concretamente em diferentes
línguas (em seus sistemas e modos de funcionamento).
O que vimos até o momento precisa ser contrastado com a sensata
consideração do historiógrafo da linguística John E. Joseph:

Esses desenvolvimentos não afetaram todo o trabalho sobre lin-


guagem da mesma forma. Em vez disso, o “mainstream” foi pro-
gressivamente redefinido na direção da investigação autônoma. Por
mainstream, entende-se o grupo com o maior poder e prestígio insti-
tucional, sem nenhuma implicação de que outras abordagens fossem
“água estagnada” em qualquer sentido que não fosse o domínio que
possuíam nas principais revistas, agências de apoio, departamentos
acadêmicos e atenção pública. [...] Entre as décadas de 1930 e 1950,
o mainstream da linguística foi definido por várias “escolas” america-
nas e europeias (escolas entendidas como grupos de linguistas que
compartilham algumas suposições comuns básicas sobre problemas

28 Fundamentos da pesquisa em Historiografia da Linguística

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 28 13/01/2021 16:49:26


e metodologia, embora discordem de assuntos específicos) que hoje
são agrupadas como “estruturalistas”. [...] Desde a década de 1960 até o
presente, o mainstream foi definido pelas abordagens “gerativistas” que
se originaram no trabalho de Noam Chomsky. Mas quando o século XX
termina, a síntese dos últimos 30 anos parece estar se dissolvendo. A
linguística se dividiu em uma panóplia de abordagens bem entrinchei-
radas que são praticamente iguais em prestígio. E o campo como um
todo está ficando à sombra de megadisciplinas emergentes, como cog-
nitivismo e conexionismo (JOSEPH, 1995a, p. 221-222, tradução minha).

Da reflexão acima, podemos concluir que a natureza do conhecimento


científico não é fixa e imutável. Cada época histórica elabora suas maneiras
próprias de compreender o que é científico e como se define a prática científica.
Não há ciência, portanto, fora de um eixo temporal histórico, por mais
que a visão corrente de ciência como algo objetivo e fruto de momentos de
descobertas isoladas ainda permaneça no imaginário comum.

Imparcialidade, autonomia e neutralidade do conhecimento cientí-


fico são facilmente desmentidas quando se verifica a filiação desse
conhecimento a estruturas de poder. Um exemplo entre muitos é o
que aconteceu com o pouco apoio dado no mundo às pesquisas de
fusão nuclear para fins energéticos, uma grande promessa de resolver
de maneira limpa, democrática e eficiente a demanda por recursos
energéticos, mas que se choca contra os interesses de poderosos gru-
pos econômicos. É uma ilusão crer que as decisões sobre a pesquisa
do conhecimento partam da própria comunidade de cientistas. Aliás,
mesmo um indivíduo dedicado ao conhecimento científico não deci-
de sozinho o que pesquisar, como [...] no caso do inglês Isaac Newton
(1643-1727), cujas pesquisas serviram em sua época para atender os
vários interesses das manufaturas nacionais de navios, bombas hi-
dráulicas, minas, etc. (MAGALHÃES, 2005, p. 36).

O conhecimento sobre a linguagem e a ciência da linguagem 29

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 29 13/01/2021 16:49:26


Recusando uma ideia de ciência como produto de um gênio em seu
momento eureka!, entendemos ciência também como componente de uma
sociedade e de uma cultura.
Os cientistas fazem parte de um organismo social, reúnem-se em gru-
pos, participam de eventos científicos, articulam-se entre si em termos de
oposição ou contribuição. A ciência é social no sentido de que endossar ou
refutar um procedimento científico é algo que parte de uma comunidade.
Entender a linguagem de um ponto de vista científico é estar atento
para essa configuração dinâmica que assumem os diferentes campos da
ciência que procura descrever e explicar dados e fenômenos linguísticos.
As concepções de linguagem/língua e os métodos que permitem chegar a
explicações coerentes e coesas são variados, a ponto de escolas e linguistas
demarcarem posicionamentos teórico-metodológicos muitas vezes opos-
tos, na linha do confronto.

Assim, a rigor, as várias teorias não são necessariamente teorias de


um mesmo objeto, embora tenham todas a linguagem como seu ob-
jeto. [...] podemos dizer que a diversidade teórica existe porque exis-
tem modos diversos de ver a realidade (no nosso caso, a linguagem).
Além disso, a diversidade é necessária para a saúde científica de uma
área de conhecimentos (BORGES NETO, 2004, p. 29).

Concluindo a discussão, por enquanto...

A linguagem humana é extremamente complexa. Apenas a diversidade


de abordagens (científicas ou não) que procuram entender por que e para
que falamos pode nos levar a respostas plausíveis para a compreensão des-
sa propriedade específica e excepcional dos seres humanos. Não à toa, o
linguista francês Émile Benveniste (1995, p. 285) já nos alertava em 1958
que “a linguagem ensina a própria definição do homem”.

30 Fundamentos da pesquisa em Historiografia da Linguística

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O conhecimento histórico

A POLISSEMIA DA PAL AVR A HISTÓRIA

A palavra história (muitas vezes escrita com maiúscula: História) é polis-


sêmica, isto é, apresenta diferentes significados a serem selecionados pelos
falantes dependendo do contexto em que ela é empregada.
Em sua origem grega, a palavra história tinha como referência a noção
de observação ou descrição de animais e minerais. Posteriormente é que a
palavra contemplou a denotação de narrativa de acontecimentos humanos,
como entendemos atualmente.
Desde o grego Heródoto (485-425 a.C.), considerado o fundador oci-
dental da história como narrativa de fatos do passado, essa múltipla signi-
ficação da palavra é objeto de reflexões. Também para os latinos antigos,
a palavra era usada em duplo sentido: para indicar acontecimentos reais e
indicar relatos que dos acontecimentos eram feitos.
Assim, história pode fazer referência a um conjunto de fatos do pas-
sado, ao campo de estudos das Humanidades que analisa esses fatos do
passado e até ações cotidianas, como no uso da palavra para significar um
relato que algum amigo nos contou sobre o que aconteceu com ele.
Diante dessa instabilidade semântica, podemos elencar alguns signi-
ficados possíveis:

• história como memória coletiva e individual: aquilo que uma so-


ciedade ou uma pessoa considera como o conjunto de aconteci-
mentos relevantes para serem recordados;

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 31 13/01/2021 16:49:26


• história como fabulação ou ficção: narrativas inventadas que ape-
lam para a imaginação; em português costumávamos ter a palavra
estória para remeter a esse significado, mas esse uso não é mais
corrente no português brasileiro atual;
• história como conjunto de fatos localizados temporalmente: aque-
les eventos que foram significativos para serem observados por um
historiador;
• história como escrita sobre o conjunto de fatos localizados tempo-
ralmente: a análise sobre fatos do passado e do presente a partir
do ponto de vista e dos materiais selecionados pelo historiador.

Os significados da palavra história que nos interessam neste livro são


os dois últimos mencionados:
a. história como conjunto de fatos;
b. história como análise desse conjunto de fatos.

HISTÓRIA E HISTORIOGR AFIA

Uma possibilidade para resolver o emprego polissêmico da palavra história


é adotar um outro termo recorrente nos estudos históricos: historiografia.
Assim, história refere-se ao conjunto de evidências de fatos do passa-
do ou do presente selecionados pelo historiador para análise. Já a palavra
historiografia se refere às análises interpretativas que o historiador faz so-
bre o conjunto de evidências de fatos históricos que selecionou para serem
analisados.
A constituição morfológica da palavra historiografia apresenta o ele-
mento -grafia, de origem grega, que nos remete à noção de escrita: histo-
riografia é a escrita sobre a história.
Para muitos pesquisadores, a palavra historiografia faz referência ao
estudo da obra dos historiadores, isto é, quando um pesquisador procura

32 Fundamentos da pesquisa em Historiografia da Linguística

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observar em termos de análise o que fizerem e fazem os historiadores. Não
vamos considerar esse significado neste livro.
Em nossas considerações, vamos adotar, portanto, a seguinte distinção:

Conjunto de evidências de fatos e


HISTÓRIA
eventos de uma sociedade e cultura.

Análise reflexiva sobre o conjunto


de evidências de fatos e eventos se-
HISTORIOGRAFIA lecionados pelo historiador; a escrita
da história (como atividade de com-
preensão do passado e presente).

Figura 1 – Definições de história e historiografia

Considerando essa distinção, podemos perceber que história e his-


toriografia não se referem a uma mesma atividade ou a um mesmo con-
junto de elementos. Uma não é idêntica à outra. Isso porque a totalidade
histórica (o conjunto de evidências de fatos e eventos) nunca poderá ser
apreendida, já que o olhar do historiador faz recortes ao selecionar o que
ele considera relevante para ser analisado.
Ou seja, uma historiografia nunca é a totalidade da história. Por isso
que muitos historiadores diferentes podem analisar o mesmo documento
histórico e produzir diferentes historiografias, isto é, diferentes análises
interpretativas. O olhar do historiador é seletivo e adota um ponto de vista
que considera alguns elementos e descarta outros.

Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo “como


ele de fato foi”. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como
ela relampeja no momento de um perigo (BENJAMIN, 1994, p. 224).

O conhecimento histórico 33

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 33 13/01/2021 16:49:27


Essa consideração não enfraquece a atividade do historiador no campo
das ciências humanas, uma vez que este sempre trabalha com pressupostos
teóricos e métodos de tratamento de suas fontes primárias (os documentos
históricos que seleciona) para garantir que se esteja diante de um trabalho
orientado cientificamente.
Cabe ao historiador uma função importante: resgatar os feitos huma-
nos para que possamos não só compreender nosso passado, como também
entender implicações do passado no presente, não numa atitude de correla-
ção direta, mas de investigar o humano a partir das pistas que outras gera-
ções deixaram. Ao historiador, fica uma função primordial: a compreensão
do homem e suas ações.
Esse resgate dos feitos humanos é, como já apontamos, atividade se-
letiva. Não há nenhum fato que seja histórico por sua própria natureza.
Apenas da posição do historiador é que se pode determinar que um evento
gerou impacto em alguma sociedade e, por isso, tornou-se histórico. No
entanto, esse fato nunca é diretamente observável, já que passado.
Assim, determinar um fato como histórico, a partir de evidências, é
tarefa vinculada ao modo pelo qual esse fato é reconhecido e elaborado
pelos historiadores. Nesse sentido, além de resgate, a pesquisa histórica
torna-se também um ato de revelação e conhecimento.
A cada tempo, os historiadores selecionam os temas que mais lhes
parecem fundamentais. Nas inquietações e na busca dos historiadores es-
tão marcas da necessidade de compreender o passado. Presente e passado,
portanto, são elos de uma cadeia que nunca se quebra.

O objeto da história é, por natureza, o homem. Digamos melhor: os


homens. [...] São os homens que a história quer capturar. Quem não
conseguir isso será apenas, no máximo, um serviçal da erudição. Já
o bom historiador se parece com o ogro da lenda. Onde fareja carne
humana, sabe que ali está sua caça (BLOCH, 2001, p. 54).

34 Fundamentos da pesquisa em Historiografia da Linguística

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 34 13/01/2021 16:49:27


“Ciência dos homens”, dissemos. É ainda vago demais. É preciso acres-
centar: “dos homens no tempo” (BLOCH, 2001, p. 55).

O HISTORIADOR

Munido de pressupostos teóricos (o conjunto de considerações que o his-


toriador admite antes de realizar sua análise) e procedimentos metodológi-
cos (as atividades que realiza para analisar seus documentos históricos), o
historiador opera recortes no eixo temporal e seleciona o que vai descrever
e interpretar.
Ao historiador cabe a seleção do que vai considerar como fato históri-
co a partir das evidências que seleciona e organiza. Tarefa que depende de
um sistema de referência que orienta a seleção do pesquisador e determina
suas diretrizes de observação historiográfica.

[...] todo o fato histórico é um acontecimento do passado, mas [...] a


inversa nem sempre se verifica: um acontecimento qualquer do pas-
sado não é automaticamente um fato histórico (SCHAFF, 1995, p. 209).

Observem que a atividade do historiador não é isenta de críticas e jul-


gamentos ao longo do tempo. Podemos encontrar muitos historiadores que
analisaram positivamente fatos que atualmente consideramos de modo ne-
gativo. Por exemplo, é possível que um historiador do final do século XIX
tenha considerado a escravidão algo necessário para a economia. Ou ainda
podemos pensar num historiador que compartilhasse a ideologia nazista e
dela fizesse relatos enaltecedores.
O historiador, a partir dos documentos históricos que seleciona, inter-
preta fatos, ações dos agentes históricos (indivíduos envolvidos nos eventos
sob análise), causas e consequências de atos e eventos.
Ao propor sua historiografia, que tem por resultado final, por
exemplo, um texto escrito narrativo interpretativo, o historiador está

O conhecimento histórico 35

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 35 13/01/2021 16:49:27


necessariamente envolvido em três fases: 1. uma primeira fase documen-
tal, na qual seleciona seu material de análise; 2. uma fase de interpretação,
executada a partir dos pressupostos que orientam sua perspectiva analítica;
3. uma fase de apresentação, em que elabora os produtos da sua interpreta-
ção e os comunica a um público maior.
Como cabe ao historiador reconstruir o passado (na maior parte de
suas atividades), ele trabalha como um arqueólogo, para usar comparação
recorrente nos estudos sobre a atividade histórica.
Um arqueólogo parte de fragmentos para reconstruir uma sociedade e
uma cultura. A partir desses fragmentos ele faz conjunturas para apresen-
tar uma interpretação do que seria um panorama do passado.
De maneira semelhante age o historiador ao procurar rever analitica-
mente as evidências dos fatos que seleciona para suas interpretações. Como
vimos, a própria definição do que é a evidência de um fato ou evento que
mereça uma avaliação histórica, assim como a seleção adequada de fontes,
implica uma atitude do historiador.
O ponto de vista assumido por esse pesquisador, em diálogo com o
que uma comunidade em que ele se insere reconhece como de valor histó-
rico, auxilia na definição do que é relevante ou não para uma historiografia.

O essencial aqui é que se tem de estabelecer uma distinção entre


“fatos do passado” e “fatos históricos”. Enquanto no primeiro gru-
po se inclui tudo o que realmente aconteceu no passado, o segundo
respeita aos dados aceitos pelo historiador como sendo fiáveis e de
interesse de forma a figurarem na literatura histórica. Só algumas das
ocorrências do passado atingem o estatuto “histórico”. Esse estatuto
lhes é atribuído pelo historiador. Os dados históricos, em si, não se
vão encontrar no passado, mas antes são resultado de uma interpre-
tação (KRAGH, 2001, p. 48).

36 Fundamentos da pesquisa em Historiografia da Linguística

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OBJETIVIDADE E SUBJETIVIDADE NA ANÁLISE DO HISTORIADOR

Entendemos a atividade do historiador como registro e interpretação de


fatos do passado e do presente por meio de um posicionamento ativo desse
pesquisador, que não é mero observador da evidência dos fatos, vinculado
a uma suposta verdade das fontes a que tenha acesso.
O historiador não atua em termos de objetividade absoluta, mas sim
condicionado por sua formação, seus interesses e seus recortes seletivos na
busca pela interpretação dos fatos históricos. A interpretação é localizada
em um ponto de vista, que consequentemente faz com que uma história, no
sentido de narração interpretativa, seja apenas mais uma em meio a tantas
outras possíveis.
Se há uma busca por verdade no relato do historiador, já que os discursos
historiográficos não são ficção nem narrativa literária, há também uma tensão
a respeito dos limites dessa busca, pois a interpretação histórica é seletiva e
depende do historiador. Por isso este deve estar atento diante de possíveis
desvios e incongruências de julgamentos por demais pessoais e enviesados.
Em vez de se falar de uma objetividade indiscutível das interpreta-
ções historiográficas, pode-se falar de uma objetividade relativa, definida a
partir dos pontos de vista que vêm a ser delineados e assumidos por aquele
que se dedica a reconstruir eventos e fatos de uma determinada sociedade
e cultura em um eixo temporal definido.
Compreende-se que a elaboração de uma narrativa historiográfica é
circunscrita a seu momento histórico e aos objetivos do historiador. Essa
perspectiva implica ressaltar o caráter de narratividade de uma análise e de
um texto históricos, produtos da seleção e da interpretação de um historia-
dor que operou recortes e definiu parâmetros de análise.
Com esse posicionamento, evita-se a noção de subjetividade do traba-
lho historiográfico (que muitas vezes nos leva a uma caracterização negativa
desse posicionamento). Em vez do subjetivo, entra em cena a noção da ob-
jetividade relativa, assegurada pelo acesso a fontes e documentos confiáveis.

O conhecimento histórico 37

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 37 13/01/2021 16:49:27


O recurso a uma documentação isenta o historiador de um aspecto
negativo, pois o que interpreta deverá ser legitimado por suas fontes e pela
comunidade intelectual e científica de que faz parte. Não se está, desse
modo, de maneira alguma no terreno da ficção, mas do trabalho intelec-
tual sério e controlado teórica e metodologicamente.
No século XVIII, o filósofo francês Jean-Jacques Rousseau refletia
nos seguintes termos sobre a atividade do historiador:

Além disso, os fatos descritos na história estão longe de ser pintura


exata dos próprios fatos tal como aconteceram; eles mudam de forma
na cabeça do historiador, moldam-se aos seus interesses, tomam a
cor de seus preconceitos (ROUSSEAU, 2004 [1762], p. 328-329).

AS FONTES HISTÓRICAS

A pesquisa historiográfica tem como matéria-prima de seus empreendi-


mentos científicos e intelectuais os documentos históricos. Esses materiais de
observação, descrição e análise constituem o que se chama de reminiscên-
cias do passado (ou até de um presente recente).
A rigor, esses elementos do passado não são fontes históricas por si
mesmas. É a atividade historiográfica, pela sua perspectiva interpretativa,
que transforma esse material “bruto” do passado em uma fonte histórica
a partir da qual perguntas serão feitas e hipóteses poderão ser elaboradas.
Na precisa definição de Kragh (2001, p. 133): “o historiador força a fonte
a revelar informação”.
Uma primeira distinção tradicional das fontes a que recorrem pesqui-
sadores para buscar interpretações históricas é a que discrimina fontes pri-
márias e fontes secundárias. A denominação fontes primárias diz respeito
aos materiais diretamente utilizados para a observação histórica; o que de
fato será o objeto analítico dos historiadores. Fontes secundárias (em geral
produzidas após o período da fonte considerada primária) são os diversos

38 Fundamentos da pesquisa em Historiografia da Linguística

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materiais que permitem e auxiliam a apreensão adequada dos documentos
históricos (as fontes primárias).
Além dessa distinção, pode-se apontar também uma diferenciação
entre fontes simbólicas e fontes não simbólicas. As primeiras são aquelas
fontes que efetivamente apresentam alguma evidência a respeito do passado
de forma intencional (como cartas e documentos escritos). Já as segundas são
aquelas fontes que não intencionalmente transmitem informações sobre o
passado (como objetos de uma época).
As distinções, no entanto, não são muito nítidas e implicam julga-
mento de valor extremamente relativo a respeito da importância que se
atribui a uma fonte e sua relevância. Sobre a distinção entre fonte primária
e secundária, por exemplo, pode-se confrontar o argumento de que uma
fonte primária para um historiador pode ser fonte secundária para outro.
As técnicas audiovisuais, presentes desde o final do século XIX, e as
novas tecnologias da informação e comunicação, a partir do século XX,
alteram necessariamente o que se compreende como uma fonte histórica.
Esta pode ser, consequentemente, uma fotografia, um filme, uma gravação
de vozes, um programa de computador e assim por diante.
Ainda sobre as fontes, o trabalho do historiador/historiógrafo contem-
pla a decisão de utilizar as chamadas fontes canônicas (aquelas já reconhe-
cidas em uma tradição de pensamento como material legitimado de aná-
lise: documentos escritos, livros, jornais, tratados etc.) ou fontes marginais
(aquelas que tradicionalmente não fizeram parte do elenco de documentos
históricos a partir da formatação de uma concepção de pesquisa histórica
clássica: cartas pessoais, documentos pessoais, fotografias, anotações mar-
ginais em documentos etc.). As fontes marginais têm sido cada vez mais
consideradas documentos preciosos com informações que complementam
ou até ampliam interpretações feitas apenas com fontes canônicas.
O historiador/historiógrafo ainda pode decidir trabalhar com fontes
orais como documento histórico. Essas fontes têm sido reconhecidas, a
seguir a divisão tradicional, como fontes marginais. No entanto, cada vez

O conhecimento histórico 39

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 39 13/01/2021 16:49:27


mais relevantes (ainda que não se possa esquecer da discussão a respeito
da fidedignidade e credibilidade dessas fontes) na interpretação historio-
gráfica quando selecionadas como material apropriado para a abordagem
de um tema e de um problema histórico. De qualquer maneira, o uso de
fontes orais coloca o historiador/historiógrafo de maneira crucial diante do
debate objetividade/subjetividade, dada a peculiaridade de se considerar
como um documento histórico testemunhos que são, na verdade, versões
particularizadas de acontecimentos históricos.
A escolha de fontes canônicas ou marginais será tratada com mais de-
talhe especificamente em relação a fontes para o estudo do conhecimento
sobre a linguagem.

A PERIODIZ AÇÃO HISTÓRICA

De tão enraizado e presente em nossas vidas, o tempo nos parece algo na-
tural e passível de ser apreendido sem nenhuma forma de contestação. No
entanto, as pesquisas em história nos mostram que o tempo, e sua percep-
ção, é algo tão relativo como muitos aspectos da vida e cultura humanas.
Diferentes sociedades estabeleceram formas de contar, controlar e
transmitir a noção de tempo. O tempo também é medido e representado
de diferentes modos: pelos relógios, pela observação da natureza, por rit-
mos, por imagens figurativas e outras possibilidades.
Uma das matérias-primas da observação historiográfica, o tempo é
um dos temas mais intrigantes e problemáticos da pesquisa em história. Os
questionamentos buscam saber critérios das seleções de marcos temporais,
das cronologias, das noções de mudança histórica e de revoluções.
Dois tipos de tempo nos são mais familiares: o tempo linear e o tempo
circular. Esses dois tipos são formas de representar o tempo e seu transcorrer.
O tempo linear é o que mais se aproxima das noções de tempo no
mundo ocidental. Sua representação tradicional em uma flecha que ca-
minha da esquerda para direita parece sempre nos indicar a ideia de que

40 Fundamentos da pesquisa em Historiografia da Linguística

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 40 13/01/2021 16:49:27


o tempo se dirige em direção ao futuro. A presença na nossa cultura de
vários mitos e parábolas da origem reforça essa percepção linear do tempo.
Já a noção de tempo circular é um pouco mais complexa. Ela contem-
pla a ideia de que os eventos são cíclicos, como algo que constantemente
volta a um ponto de partida.
Na pesquisa em história, como dissemos, a periodização é uma ques-
tão fundamental que envolve a noção de cronologia, que é o modo empre-
gado para situar fatos e eventos na corrente temporal. Medida do tempo,
pertencem à cronologia o estabelecimento e o reconhecimento de datas que
fazem parte do imaginário de uma cultura e de uma sociedade.
Como o historiador trabalha com métodos, uma de suas ferramentas
de trabalho é a periodização, ou seja, a fixação de marcos temporais que
delimitam no tempo histórico os documentos que analisa, já que o tempo
para os historiadores é dividido em períodos (para melhor compreensão
do passado e do presente), como na clássica divisão de séculos conhecida
por todos.
Essa periodização não é única e pode ser revista e refeita por diferen-
tes historiadores a partir de critérios que adotam para problematizar fatos
e eventos considerados históricos.

O enquadramento estrutural em que o historiador trabalha inclui, entre


outras coisas, divisões em períodos históricos. Evidentemente, a perio-
dização é trabalho do historiador e não da história. No decurso históri-
co dos acontecimentos, não encontramos qualquer forma objetiva ou
natural de divisão. Contudo, isso não significa que todas as formas de
organizar os materiais históricos sejam igualmente boas. [...] Os perío-
dos usados [no trabalho historiográfico] serão normalmente cronológi-
cos de modo que o desenvolvimento é simplesmente acompanhado ao
longo de um tempo linear. Mas não somos obrigados a encarar ocor-
rências cronologicamente simultâneas como sendo ao mesmo tempo
historicamente simultâneas. Por exemplo, poderíamos decidir colocar

O conhecimento histórico 41

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 41 13/01/2021 16:49:27


ocorrências em determinados períodos de acordo com a sua maior ou
menor ligação, na esperança de que isso iria refletir o desenvolvimento
interno ou lógico de uma ciência (KRAGH, 2001, p. 85).

MODELOS DE RECONSTRUÇÃO HISTORIOGR ÁFICA

Há diferentes possibilidades de reconstrução historiográfica, consideran-


do, como fizemos, que a análise do historiador é uma escolha entre dife-
rentes pontos de vista e procedimentos de pesquisa.
A noção mais tradicional dessa reconstrução é aquela que parte de
uma visão de progresso linear, na qual o conhecimento se acumula em
linha reta, de um passado de poucos avanços para um presente e um futuro
cheios de promessa de progresso. Em geral, nessa perspectiva historiográ-
fica, destacam-se sobremaneira as figuras do herói e do pioneiro. Essas
caracterizações devem ser consideradas com parcimônia, pois a história
(como conjunto de eventos e fatos) nunca é obra de indivíduos isolados de
um círculo social mais amplo que lhe permite ações e lhe significa movi-
mentos em meio a uma dinâmica histórica.
O historiador pode escapar da visão cumulativa em termos de pro-
gresso ao adotar, por exemplo, uma visão de história feita por movimentos
principais ao lado de movimentos marginais. No entanto, a escolha de um
fato ou evento como principal ou marginal já indica que há um processo
seletivo que deve ser considerado com rigor para evitar subjetividades mui-
to marcantes que podem interferir no processo analítico da história.
Diante dessas duas visões não muito produtivas a nosso ver, pode-se
considerar uma terceira via que parece ser mais conciliatória e adequada.
Uma perspectiva que destaca o dinâmico do processo histórico. Nessa vi-
são, fatos e eventos se desenvolvem na corrente temporal em termos de
continuidade e descontinuidade. O que passou pode retornar ou permane-
cer como uma tradição. O passado não é pior que o presente. E este não é
menos desenvolvido que o futuro. Cada recorte desse processo dinâmico

42 Fundamentos da pesquisa em Historiografia da Linguística

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apresenta suas peculiaridades e deve ser entendido de uma forma a recupe-
rar um complexo movimento histórico, feito de idas e vindas.

Concluindo a discussão, por enquanto...

Refletir sobre a história como narrativa interpretativa do passado e do


presente é uma das tarefas mais complexas das ciências humanas. Há até
o campo da filosofia da história, que se encarrega dessa tarefa.
Para nosso objetivo neste livro, o que apresentamos é o necessário
para que possamos iniciar nossa compreensão de como realizar uma pes-
quisa sobre a história dos estudos da linguagem.
Os versos cifrados da poeta portuguesa Adília Lopes (2019, p. 143)
parecem ser a melhor forma de concluirmos, por enquanto: “O momento
/ é um monumento”.

O conhecimento histórico 43

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Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 44 13/01/2021 16:49:27
A pesquisa em Historiografia
da Linguística: princípios

HISTÓRIA E HISTORIOGR AFIA DA LINGUÍSTICA

A Historiografia da Linguística, que a partir deste momento será referida


como HL, é um campo da Linguística que toma por objeto o conheci-
mento produzido sobre a linguagem ao longo do tempo, seja ele de cará-
ter científico (a partir do século XIX), seja ele de caráter “não científico”
(como as ideias linguísticas anteriores ao século XIX). Essa classificação
não é absoluta e isenta de discussões, pois a caracterização da produção de
conhecimento como científica pode ser anacrônica em vários casos. Opta-
mos pela visão dicotômica aqui apenas pela proposição de uma certa visão
de caráter didático.
Por esse recorte, compreende-se que a HL não tem a língua como ob-
jeto de análise. Isto é, ela não analisa sistemas linguísticos, usos da língua,
processos de significação, relações textuais e discursivas. Nem se interessa
pela transformação pela qual as línguas passam ao longo dos tempos – essa
é uma tarefa da Linguística Histórica, que não se confunde com a HL.
O tipo de conhecimento que a HL produz é um conhecimento me-
tateórico, no sentido de que ela se interessa por aquilo que foi produzido
teórica ou intelectualmente sobre a linguagem e as línguas. Em uma for-
mulação simples: ela não se interessa pelas línguas ou pela linguagem em
si, mas pelo que se falou sobre as línguas e a linguagem.

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 45 13/01/2021 16:49:27


Ao ser caracterizada desse modo, a HL coloca-se ao lado de outras
disciplinas e campos de pesquisa de natureza metateórica, como a Epis-
temologia da Linguística (que se preocupa com a constituição científica e
intelectual dos saberes) e a Metodologia da Linguística (que se preocupa
com os métodos adotados pela linguística e por outras formas de conheci-
mento sobre a linguagem).
Neste momento, esperamos que já esteja bastante clara a percepção
de que o uso do termo linguística (e adjetivos correspondentes) denota
referentes muito abrangentes, significando todo e qualquer conhecimento
sobre a linguagem e as línguas produzido em qualquer momento histórico
e por qualquer agente (aquele que pensou sobre a linguagem) com seus
objetivos específicos.
Seguindo o que foi apontado, pode-se definir a HL como o estudo
sistemático (com pressupostos teóricos e métodos específicos) do conhecimento pro-
duzido sobre a linguagem e as línguas, com a intenção de observar, descrever,
analisar e interpretar historicamente como se pensou sobre a linguagem e as lín-
guas ao longo do tempo, em diferentes tradições culturais, sociais e políticas.
A definição da HL estabelece, automaticamente, uma diferença entre
a História da Linguística e a Historiografia da Linguística.
A História da Linguística deve ser entendida neste livro como todo o
complexo e variado conjunto de ideias linguísticas elaboradas ao longo dos
tempos e períodos históricos. Essa história, captada por meio das evidên-
cias presentes nos documentos históricos, é o objeto de estudo da Historio-
grafia da Linguística. Assim, consequentemente, a História da Linguística
e a Historiografia da Linguística não se recobrem totalmente. Com isso
queremos dizer que elas não são coextensivas, porque uma historiografia
é sempre um recorte seletivo sobre a história. Nenhum historiógrafo da
linguística poderá tratar com pertinência de toda a história da linguística;
ele sempre terá de fazer escolhas.
A Figura 2, presente em trabalhos de Pierre Swiggers, permite visua-
lizar o caminho da história para a historiografia.

46 Fundamentos da pesquisa em Historiografia da Linguística

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Vestígios da história:
História
os documentos

O ponto de vista do
historiógrafo

Historiografia(s)

Figura 2 – Caminho da história para a historiografia

A relação entre história e historiografia(s) (já que sempre são possí-


veis diferentes e múltiplos registros sobre evidências dos fatos históricos)
é semelhante à relação entre uma gramática de uma língua e uma língua
em toda a sua complexidade e variedade, como compara Pierre Swiggers.
Um gramático sempre faz escolhas do que irá considerar para colocar
em sua gramática. Ele seleciona alguns aspectos da língua que mais o in-
teressam (por exemplo, um gramático preocupado com uma visão prescri-
tiva não incluirá em sua gramática uma análise de fenômenos de variação
linguística). Nesse sentido, uma gramática não é coextensiva à língua que
procura descrever e analisar.
A figura abaixo ilustra o que afirmamos.

LÍNGUA HISTÓRIA DA
LINGUÍSTICA

GRAMÁTICA HISTORIOGRAFIA
DESSA LÍNGUA DA LINGUÍSTICA

Figura 3 – Relação entre história e historiografia

A pesquisa em Historiografia da Linguística: princípios 47

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 47 13/01/2021 16:49:27


O uso da expressão história da linguística é comum para se refe-
rir ao que, na verdade, é uma historiografia da linguística. Isto é, vemos
muitos livros que se intitulam histórias da linguística, mas o que eles
apresentam é uma descrição e análise de ideias linguísticas propostas
em diferentes momentos históricos. E não há nenhum problema nessa
superposição conceitual.
No entanto, desde a década de 1970, pesquisadores da história da lin-
guística começaram a se opor a uma série de abordagens da história da
linguística que eram feitas sem uma metodologia rigorosa de percepção
da dinâmica histórica da produção e circulação das ideias linguísticas.
Um dos mais destacados entre esses pesquisadores foi Konrad Koer-
ner, que, para se distanciar de muitas histórias da linguística escritas no
século XIX e até os anos 1960 (e de muitas escritas até hoje), propôs em
diferentes textos que seria necessária uma nova abordagem das ideias lin-
guísticas. Estas deveriam ser consideradas problematicamente, relaciona-
das aos contextos intelectual, social e institucional que possibilitaram sua
elaboração, circulação e recepção.
Essa atividade de observação historiográfica deveria ser feita a partir
de procedimentos claramente definidos pelo pesquisador, para que se evi-
tasse uma visão impressionística da história da linguística.
Para marcar essa diferença, Koerner propôs o uso da denominação
historiografia da linguística, que assim desde a década de 1970 passou a fa-
zer referência a um estudo metodologicamente orientado (a partir de uma
reflexão consistente sobre seu caráter epistemológico) a respeito da elabo-
ração, circulação e recepção das ideias linguísticas, levando em conta a na-
tureza intelectual ou científica dessas ideias e seus contextos de produção,
observando principalmente o clima de opinião que permitiu a presença
histórica de determinado conhecimento sobre a linguagem.

O que é necessário antes de podermos falar legitimamente de uma


historiografia do pensamento linguístico é a discussão e a exploração

48 Fundamentos da pesquisa em Historiografia da Linguística

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 48 13/01/2021 16:49:27


da epistemologia dessa altamente complexa disciplina-a-se-consti-
tuir e a subsequente fundação de uma metodologia sólida de investi-
gação e apresentação (KOERNER, 1978, p. 60, tradução minha).

Em termos sintéticos, a HL é a atividade científica (pois exige for-


mação especializada) de escrever a história do conhecimento produzido
sobre a linguagem. A denominação historiografia da linguística divide
seu espaço com a denominação mais curta historiografia linguística. Se-
guindo importantes historiógrafos da linguística, como Konrad Koer-
ner e Pierre Swiggers, consideramos as duas denominações sinônimas.
Os dois historiógrafos citados inclusive variam em diversos textos seus
os usos das expressões, que em inglês são Historiography of Linguistics e
Linguistic Historiography.
A HL é uma disciplina e um campo de pesquisa que dialoga com
outro campo e disciplina também de caráter historiográfico chamada de
História das Ideias Linguísticas. De maneira geral, elas coincidem em mui-
tos de seus objetivos, ainda que difiram em termos da abordagem de seus
objetos de análise.
Swiggers (2019a, p. 51) indica questões que orientam o trabalho do
pesquisador em HL:

1. Que tipos de (partes de) conhecimento linguístico foram elabo-


rados no passado?
2. Por que processos o conhecimento linguístico foi produzido, di-
fundido e “recebido”?
3. Como o conhecimento linguístico foi enquadrado?
4. Em que (tipos de) contextos o conhecimento linguístico foi pro-
duzido, transmitido, “recebido”?

O Quadro 3 sintetiza nossa compreensão de HL.

A pesquisa em Historiografia da Linguística: princípios 49

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 49 13/01/2021 16:49:27


Estudo sistemático, crítico e interpretativo (orien-
tado metodologicamente) de todo e qualquer co-
nhecimento sobre a linguagem (seu objeto ana-
lítico) transmitido por fontes selecionadas pelo
historiógrafo, os seus documentos históricos.
Seu objeto é observado em quatro dimensões: a
HISTORIOGRAFIA produção, o desenvolvimento, a circulação e a re-
DA LINGUÍSTICA cepção das ideias linguísticas.
O pensamento elaborado sobre a linguagem está
sempre circunscrito a um horizonte de retrospec-
ção e a um clima de opinião específico.
As ideias linguísticas são produto de um agente si-
tuado em um contexto histórico em diálogo com
outros agentes dos saberes sobre a linguagem.
Quadro 3 – Compreensão sintética de HL

Law (2003) define procedimentos metodológicos que chegam a atin-


gir uma posição ética do historiógrafo da linguística. Com esse posiciona-
mento, ela procura chamar a atenção para o fato de que uma pesquisa e a
escolha de seu tema e formas de desenvolvimento relacionam-se à cons-
ciência do pesquisador em relação à atividade que pratica e divulga, em
termos epistemológicos e metodológicos.
São considerados aspectos necessários para reflexão do historiógrafo
(LAW, 2003, p. 281-282):

1. Por que um tema de pesquisa foi escolhido?


2. Qual é o significado mais abrangente desse tema?
3. A narrativa historiográfica elaborada é capaz de inspirar leitores e
outros pesquisadores?
4. Quais reações a narrativa historiográfica pode provocar?
5. A síntese interpretativa elaborada pode auxiliar os leitores a al-
gum tipo de relação com outros temas e assuntos do pensamento
humano para além das questões de linguagem?

50 Fundamentos da pesquisa em Historiografia da Linguística

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 50 13/01/2021 16:49:27


Além desses aspectos, que dizem respeito a uma configuração episte-
mológica da pesquisa, Law (2003, p. 282-283) ainda define, em relação a
procedimentos metodológicos, questões de natureza ética. O historiógrafo:
1. verificou se o tema escolhido por ele já não foi tratado historiografica-
mente a contento por outro pesquisador?; 2. tem acesso de primeira mão a
suas fontes primárias?; 3. selecionou adequadamente autores de apoio para
sua análise, com as devidas citações dando crédito a outros pesquisadores?;
4. tem certeza de que o objeto de análise realmente sustenta a interpretação
historiográfica permitida?; 5. tem certeza de que o trabalho está no estágio
ideal de ser apresentado e/ou publicado?
Relacionado à posição crítica e atenta de Law, está o alerta de Batis-
ta (2013, 2017a, 2017b, 2019b): a reconstrução historiográfica deve estar
acompanhada de argumentos que recuperem práticas de tratamento lin-
guístico, sempre tendo em vista a observação analítica, e não apenas regis-
tros que fazem paráfrases de outras obras e, desse modo, não vão além de
recontar o que um autor fez, deixando de lado a contribuição essencial da
historiografia: um olhar interpretativo que procura entender as razões de
determinado trabalho apresentar as características que o definem.

A história crítica da ciência não pode se limitar aos registros de datas,


nomes e eventos, ou seja, não deve ser puramente descritiva, mas
contribuir para levantar problemas que afetaram o desenvolvimento
da ciência (MAGALHÃES, 2005, p. 130).

O HISTORIÓGR AFO DA LINGUÍSTICA

O pesquisador em HL é tradicionalmente nomeado, a partir da década de


1970 (por meio principalmente dos esforços de liderança organizacional de
Konrad Koerner), de historiógrafo.
Um termo nunca é só uma palavra. Assim como em historiografia,
a escolha por historiógrafo traz em si o anseio de demarcar um território

A pesquisa em Historiografia da Linguística: princípios 51

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 51 13/01/2021 16:49:27


distinto de outras práticas de observação histórica sobre o conhecimento
linguístico.
Muitas vezes, no entanto, esse historiógrafo é nomeado historiador.
Tal denominação não acarreta nenhum problema; é apenas a preferência
pela utilização de um termo mais recorrente no senso comum. Para nós,
neste livro, o historiador que se debruça sobre a história do conhecimento
sobre a linguagem será chamado de historiógrafo da linguística.
Esse historiógrafo não é um mero coletor de datas nem um mero pa-
rafraseador do que outros autores fizeram e disseram em seus trabalhos. A
qualidade essencial desse historiógrafo é o senso de observação e a capaci-
dade de síntese analítica.
Essa especificidade só se alcança com preparação específica. Mais
uma vez, se faz oposição a uma ideia muito corrente de que para contar a
história de um campo basta ser um pesquisador desse campo.
Aqui se defende que uma história do conhecimento sobre a linguagem
deve ser contada pelo pesquisador que se preparou especificamente para
esse objetivo, evitando, assim, reconstruções impressionísticas que na ver-
dade querem apenas ou defender seu próprio campo ou atacar um campo
que lhe é adversário.
O historiógrafo da linguística deve estar além dessa disputa por ter-
ritórios, por isso sua formação deve ser especializada, realizada em cursos
universitários e centros de pesquisa sob a tutela de outros historiógrafos
com mais experiência em HL.
Koerner (2014), em volume que reúne textos de diferentes épocas,
discute em diferentes textos a formação do pesquisador em HL: em sua
visão, o historiógrafo precisa ser dotado de uma dupla habilidade, a lin-
guística e a histórica.
A formação em linguística é requisito fundamental, pois a atividade
de observação da elaboração de ideias linguísticas só pode ser realizada a
contento se o próprio historiógrafo compreender o que é uma descrição e
análise de fenômenos linguísticos.

52 Fundamentos da pesquisa em Historiografia da Linguística

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 52 13/01/2021 16:49:27


O conhecimento em história geral (o que inclui o conhecimento da
teoria e filosofia da história) é o que vai permitir ao historiógrafo alcançar
as interpretações de síntese a respeito da presença de conhecimentos em
um contexto histórico e sua dinâmica social de circulação.

Observação é uma habilidade essencial que o historiador precisa


praticar (e, acredite, isso não vem sem uma boa dose de prática). A
segunda qualidade fundamental é a sensibilidade para perceber me-
tamorfoses e processos de mudança através dos tempos. [...] A terceira
qualidade fundamental que o historiador da linguística precisa ter é a
percepção de quando algo novo ocorreu na corrente histórica (LAW,
2003, p. 277-278, tradução minha).

A partir de Law (2003, p. 2-7), com significativas ampliações, indicam-


-se habilidades necessárias para o historiógrafo da linguística:

Conhecimento básico de fatos históricos relevantes (sa-


ber história geral). Aqui cabe a nossa ressalva de que o
historiógrafo deve adotar diante desse conhecimento um
historicismo moderado, ou seja, ele deve considerar na
medida adequada a sua pesquisa apenas os aspectos de
uma história geral que sejam realmente relevantes para a
O HISTORIÓGRAFO análise de seu(s) objeto(s).
DA LINGUÍSTICA E
SUAS HABILIDADES Conhecimento de teoria e filosofia da história, para que o
historiógrafo seja capaz de refletir sobre seu próprio traba-
lho em perspectiva meta-historiográfica, isto é, uma visão
que lhe permita observar criticamente a elaboração das in-
terpretações e narrativas historiográficas.
Conhecimento de métodos de análise linguística e grama-
tical, em todos os níveis de descrição de uma língua.

Quadro 4 – Habilidades para o historiógrafo da linguística (continua)

A pesquisa em Historiografia da Linguística: princípios 53

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 53 13/01/2021 16:49:27


Conhecimento da história do conhecimento sobre a lin-
guagem. Não se espera que o historiógrafo saiba em pro-
fundidade todos os fatos dessa história, mas se espera que
ele os conheça. E que saiba com detalhes e acuidade a his-
tória do conhecimento linguístico do período no qual se
especializa. Cabe a ressalva que nenhum historiógrafo é
um historiógrafo de toda a história da linguística. Espe-
cializações em períodos e/ou em tipos de obras e/ou em
autores são necessárias.
Conhecimento de línguas estrangeiras para acesso, even-
tualmente, a fontes em outras línguas. No cenário acadê-
mico atual, para a comunicação científica, é mais do que
imperativo o conhecimento da língua inglesa. Para a atua-
ção em HL, saber espanhol e francês também é de muita
utilidade. Aqueles que conhecerem alemão, pelo menos
O HISTORIÓGRAFO para leitura, terão acesso a diversos trabalhos publicados
DA LINGUÍSTICA E
nessa língua.
SUAS HABILIDADES
Capacidade de leitura analítica de textos e de elaboração
de correlações interpretativas abrangentes. Não é tare-
fa do historiógrafo ir atrás apenas do como algo aconte-
ceu. Ele deve chegar em sua interpretação ao por que algo
aconteceu.
Evitar opiniões preconcebidas sobre épocas, autores e
obras. Da mesma maneira, o historiógrafo deve evitar rea-
lizar interpretações para promover escolas ou autores ou
simplesmente para criticar algo que não dialoga positiva-
mente com o que ele pensa.
Conhecer as “boas vizinhas” da história como campo: a
sociologia, a antropologia, a filosofia, a arqueologia. Para
os historiógrafos que trabalham com objetos a partir do
século XX, saber epistemologia e metodologia da ciência
é fundamental.

Quadro 4 – Habilidades para o historiógrafo da linguística (continuação)

54 Fundamentos da pesquisa em Historiografia da Linguística

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PAR ÂMETROS DE ANÁLISE

A função do historiógrafo da linguística é interpretar saberes sobre a lin-


guagem tanto em sua dimensão interna (o que os textos – os documentos
históricos – dizem, como dizem, por que o dizem) quanto em sua dimen-
são externa (o contexto histórico em que esses textos são legitimados como
parte de um processo científico e/ou intelectual).
Em HL, essas dimensões recebem a denominação de parâmetros in-
ternos e parâmetros externos de análise.
Levando em consideração esses parâmetros, diferentes historiógrafos
refletiram sobre historiografias content-oriented (orientadas para o conteú-
do das obras) e context-oriented (orientadas para o contexto de produção,
circulação e recepção das obras).
Essa dicotomia, porém, pode se anular, pois interno e externo estão
relacionados, e, ainda que se possa privilegiar uma visão ou outra em de-
terminado trabalho, considera-se que uma visão pode implicar a outra.
Ao parâmetro interno interessa a visão de língua e/ou de linguagem
presente nos documentos históricos: o que os agentes de produção, cir-
culação e recepção de ideias linguísticas delimitam como sua concepção
de língua/linguagem, sua compreensão dos fenômenos linguísticos e suas
práticas de análise.
Seguindo Schlieben-Lange (1993), essa história de feição interna trata
de textos (ou outra materialidade pertinente ao documento histórico sele-
cionado) e de seus processos de transmissão de conteúdos. Ao historiógrafo
interessam quais foram os problemas em determinada época e quais foram
(e como foram) configurados como científicos, educacionais, descritivos,
prescritivos, filosóficos.
A história da linguística como objeto de análise pode ser captada em sua
dimensão interna pela observação de programas de investigação, expressão
descritiva de Swiggers (2019a). Esses programas são modelos abrangentes
de compreensão da linguagem e seus fenômenos e caracterizam-se pela

A pesquisa em Historiografia da Linguística: princípios 55

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 55 13/01/2021 16:49:27


visão de língua/linguagem que assumem (em diálogo com as comunidades
de pesquisadores ou intelectuais que defendem e praticam essa visão) e pela
utilização de métodos que permitem abordar descritiva e analiticamente
aspectos linguísticos.
Os programas revelam que o conhecimento linguístico é formatado
em camadas (SWIGGERS, 2019a, 2020): uma que dá conta dos aspectos
teóricos de uma abordagem linguística – a camada teórica; outra que dá
conta dos aspectos técnicos dessas abordagens – a camada técnica.
O parâmetro externo diz respeito aos movimentos dinâmicos de
uma prática científica, intelectual, pedagógica (entre outras) inserida
em comunidades de pesquisadores e intelectuais, com diferentes pro-
cessos de institucionalização dos saberes e suas vinculações com o cli-
ma de opinião de uma época e sua inserção cultural, social e política
mais ampla.
Ainda com Schlieben-Lange (1993), essa história de feição externa
preocupa-se com as comunidades argumentativas, com os modos pelos
quais os agentes de produção e recepção de conhecimentos circunscrevem-
-se em instituições (ou outros modos de convivência) que validam ou não
os saberes em um recorte histórico específico.
Os fatos de uma história da linguística inserem-se em um contex-
to externo, relacionado às ideias linguísticas. Esse contexto é complexo,
permeado de fatores históricos, sociais, intelectuais e culturais, que for-
mam uma camada contextual, a partir da qual se podem analisar aspec-
tos externos que possibilitam a produção, circulação e recepção de ideias
linguísticas.

De fato, parece aconselhável construir um metamodelo para a dinâ-


mica da linguística que inclua quatro camadas interativas:
• uma camada TEÓRICA, isto é, a de ideias, insights, declarações teó-
ricas e suposições;

56 Fundamentos da pesquisa em Historiografia da Linguística

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 56 13/01/2021 16:49:28


• uma camada TÉCNICA, no sentido de trabalho técnico-linguístico,
do qual o grau de tecnicidade está, até certo ponto, ligado à teoria;
• uma camada DOCUMENTAL, constituída pela documentação linguís-
tica disponível num determinado momento; por exemplo, que línguas
(indo-europeias/semíticas/tupi-guarani/sino-tibetanas etc.) eram co-
nhecidas pelos estudiosos de línguas num tempo t0?; o que se sabia so-
bre a diversificação histórica e sociolinguística de uma língua L1 em um
tempo t0?; que tipos de materiais (sob que forma?) estavam disponíveis
para o estudo (da gramática/do vocabulário...) de L1 num tempo t0? etc.;
• uma camada CONTEXTUAL-INSTITUCIONAL, constituída pelas con-
figurações (mais ou menos definidas) – contextos socioculturais e es-
tabelecimentos institucionais específicos – em que o trabalho linguís-
tico foi e está inserido (SWIGGERS, 2019a, p. 4).

Na dimensão externa, localizam-se as análises sobre as comunidades


de pesquisadores, denominadas, a partir de Murray (1994), grupos de es-
pecialidade teórica, isto é, congregações de pesquisadores e intelectuais
pertencentes a diferentes centros de investigação e ensino (ainda que seja
possível a existência de pesquisadores e intelectuais independentes) que
possibilitam a institucionalização dos saberes.
Esses grupos são comunidades argumentativas, no sentido de que
suas manifestações discursivas constituem-se como retóricas de continui-
dade ou ruptura em meio a necessidades de reconhecimento e validação
dos saberes produzidos em espaços sociais específicos.
Uma historiografia é interpretativa quando observa aspectos internos
dos estudos sobre a linguagem e as línguas e seu desenvolvimento no cur-
so da história, relacionando esses dados a aspectos externos, importantes
porque têm valor explicativo para a compreensão de escolhas feitas na ela-
boração, circulação e recepção de ideias linguísticas.

A pesquisa em Historiografia da Linguística: princípios 57

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FONTES PAR A HISTÓRIAS DA LINGUÍSTICA

Uma historiografia é construída a partir do tratamento e investigação de


documentos históricos os mais diversos. Esses documentos – que podem
ser de um passado remoto ou mesmo de um presente próximo (desde que
haja uma relativa distância que possibilite uma interpretação distanciada)
– são as fontes primárias da pesquisa do historiógrafo.
Uma fonte nunca é uma fonte por si mesma. Isto é, o olhar e a pers-
pectiva teórica adotada pelo historiógrafo é que vão determinar o que é ou
não uma fonte para sua pesquisa. Assim, um documento histórico não é
por sua natureza um documento histórico. Ele passa a ser quando a pes-
quisa histórica reconhece e legitima esse material como pertinente a uma
interpretação de evidências de fatos históricos.
A seleção dessas fontes evidencia como o trabalho do historiógrafo
se constrói na tensão entre passado e presente. Evidências do passado são
tratadas analiticamente por meio de inquietações e motivações dos his-
toriógrafos em sua inscrição temporal, no seu momento presente. Nesse
sentido é que se pode afirmar que o presente informa o passado.

A principal investigação na análise das fontes é a de estabelecer a


fiabilidade da fonte. Representará a fonte uma realidade histórica?
Até que ponto é fidedigna a sua informação? Como foi já dito, podem
existir muitas razões para não se aceitar imediatamente a informação
contida numa fonte primária sem um exame mais profundo. A infor-
mação dada é, tipicamente, a versão que o autor tem da realidade
e deve sempre ser avaliada em função do contexto em que ocorre.
Temos de analisar as motivações que o autor tinha para escrever o
que escreveu, estabelecer a razão por detrás da fonte. A quem era ori-
ginalmente dirigida a fonte? Sob que circunstâncias foi ela escrita? E,
em primeiro lugar e acima de tudo, temos de comparar a informação
contida na fonte com outras provas respeitantes ao acontecimento a

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que a fonte se refere, em parte comparando-a com outras fontes e,
em parte, analisando o conteúdo, servindo-nos do que é do conheci-
mento geral sobre o tema e a época (KRAGH, 2001, p. 143-144).

Em HL, as fontes que servem de documentos históricos podem ser


dos mais variados tipos, dada a extensão que o termo linguística denota em
nosso campo.
A pesquisa, portanto, pode partir de uma seleção muito variada de
fontes, desde que essas estejam relacionadas de alguma maneira com for-
mas de percepção, divulgação, transmissão e reflexão de aspectos da lin-
guagem humana e das línguas.
A divisão entre fontes canônicas e fontes marginais, como fontes pri-
márias, é um dos temas clássicos em HL. No entanto, essa distinção não
pode ser considerada em sentido absoluto, e cabe a um historiógrafo atento
a reflexões meta-historiográficas (aquelas que colocam em discussão o pró-
prio trabalho intelectual do pesquisador em HL) desconfiar dessa distinção.
Rever essa configuração das fontes pode levar a historiografias mais
críticas, uma vez que se distanciam de abordagens tradicionais que tendem
a privilegiar o que é considerado canônico na transmissão de informações
e dados sobre o conhecimento linguístico.
Esses documentos históricos reconhecidos como fontes canônicas po-
dem ser os seguintes: gramáticas e dicionários (conhecidos como os tradi-
cionais instrumentos linguísticos de codificação, sistematização e transmis-
são linguística); monografias temáticas; manuais de introdução a uma área
específica; livros didáticos, planos de ensino, diretrizes metodológicas,
formas de avaliação, documentos educacionais, currículos; tratados sobre
as línguas; ensaios filosóficos; artigos de periódicos (com diferentes ob-
jetivos); capítulos de livros; leis que regulamentam políticas linguísticas
e/ou educacionais; debates em torno de questões de língua; trabalhos de
grau (dissertações e teses); teses de livre-docência, de titularidade; pales-
tras e comunicações de pesquisa; cursos institucionalizados; abordagens

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populares sobre as línguas (relacionadas ao que se compreende como folk
linguistics); histórias da língua, histórias culturais; expressões artísticas que
envolvem questões de linguagem; manuscritos e esboços de obras intelec-
tuais ou científicas; prefácios, posfácios, introduções e apresentações de
obras; referências bibliográficas; resenhas; coletâneas de textos; e livros so-
bre a história da linguística.
Ao lado dessas fontes canônicas, há uma série de outros documentos
reconhecidos como fontes marginais: cartas, diários, registros de pesquisa;
apontamentos pessoais, anotações de aula; atas de reuniões científicas ou
encontros intelectuais; relatórios de instituições; dados de concursos para
admissão a cargos; requisições de materiais; prêmios e discursos de agrade-
cimentos; materiais de divulgação de obras sobre ideias linguísticas ou ma-
teriais didáticos; biografias e autobiografias; filmes, ilustrações, fotografias,
registros fonográficos e audiovisuais; entrevistas e questionários; livros e
textos não científicos ou não teóricos (como textos literários, por exemplo);
jornais; acervos de biblioteca; necrologias; e textos de homenagem.
Esse elenco de fontes é discutível. Foi organizado a partir de nosso
ponto de vista, por isso é possível que numa seleção de documentos histó-
ricos aquilo que foi indicado como marginal pode ser caracterizado como
canônico por algum outro historiógrafo, a depender de suas especificida-
des de pesquisa.

A natureza de uma historiografia linguística, não poderia ser de outra


maneira, está diretamente ligada ao(s) tipo(s) de material a partir do
qual se erige. Uma das estratégias, portanto, para circunscrevermos
seu domínio seria interrogar-nos sobre quais tipos de materiais po-
deriam lhe servir de fonte. E esses ultrapassam em muito as formas
de conhecimento sobre a linguagem que tradicionalmente se desig-
nam por gramáticas, vocabulários ou textos teóricos metalinguistica-
mente elaborados. Malkiel (1969) chamou a atenção para as autobio-
grafias, memoriais, prefácios, correspondências, resenhas, elenco ao

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qual Swiggers (1982) ainda acrescentou os arquivos orais e fotográ-
ficos, especialmente no que concerne aos séculos XIX e XX. Hymes
e Fought (1981, p. 22) sugeriram uma classificação das fontes a partir
do tipo de informação que elas podem oferecer para o historiógrafo.
Haveria fontes mais propícias para informar sobre teorias e métodos
linguísticos; outras mais afeitas às maneiras pelas quais os linguistas
lidaram com dados e problemas; outras que dariam pistas sobre as
influências e as afinidades entre os linguistas, ou entre os linguistas
e os não linguistas; outras, ainda, que informariam sobre as circuns-
tâncias institucionais, profissionais e sociais que moldaram a atividade
de pesquisa do linguista, ou ainda, sobre crenças, valores, atitudes de
pessoas, grupos e gerações que afetaram rumos e orientações que
tomou o conhecimento linguístico em determinado contexto histórico
(ALTMAN, 2019, p. 28-29).

Na medida do possível, só tem a ganhar em alcance interpretativo


uma historiografia que apele para uma variedade de documentos históri-
cos, permitindo, assim, que a compreensão de evidências de fatos histó-
ricos se dê de maneira mais ampla e diversificada. Em contrapartida, um
trabalho historiográfico que se limite unicamente a uma fonte pode deixar
de revelar importantes aspectos que circundam um tema de pesquisa.

A ESCOLHA DA PERIODIZ AÇÃO

Uma das primeiras tarefas do historiógrafo é a seleção do recorte tempo-


ral com o qual irá trabalhar. Muitas vezes ignorada em reflexões meta-
-historiográficas, a questão da periodização é crucial no desenvolvimento
da pesquisa. Isso porque a determinação de um eixo temporal pode sus-
tentar reflexões interpretativas sobre processos de continuidade ou descon-
tinuidade na dinâmica histórica. E talvez seja preciso sempre rememorar a

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consideração de Schlieben-Lange (1993) de que a história mesma só ocorre
quando há mudança, quando há transformação em um estado de coisas.
Com essa consideração, Schlieben-Lange nos está direcionando para
a necessária reflexão de que realizar uma interpretação de evidências his-
tóricas não é apenas descrever em termos cronológicos o que se considera
fato relevante da corrente histórica. A autora alemã, em termos cifrados
quase, pontua que o trabalho do historiógrafo é buscar por transformações,
porque são elas que nos guiam para interpretações que motivam profundas
modificações na corrente histórica. São essas modificações que determi-
nam marcos temporais que reconhecemos como os pontos iniciais e finais
de uma periodização.
Desse modo, a periodização não deve ser apenas apontar a data (ou
as datas) de obras que consideramos em uma pesquisa. Selecionar mar-
cos temporais é atividade que deve ser acompanhada de justificativas, pois
orientam de imediato o tipo de historiografia que se vai constituir, possibi-
litando o traçado de continuidades ou descontinuidades.
Seguindo e adaptando Leduc (1999), o tempo é matéria-prima do his-
toriógrafo. É a partir da circunscrição temporal da produção, circulação e
recepção de conhecimento que se torna possível compreender as relações
que se formam na dinâmica histórica.
Cabe ao historiógrafo, nesse sentido, questionar, como orientam Le
Goff (1988) e Braudel (1969):

1. Como em outros tempos se vivenciou, se pensou, se mediu a


experiência do tempo e mais: como de algum modo isso se faz
presente (explícita ou implicitamente) em obras que tratam das
línguas e da linguagem?
2. Em que medida e com quais termos de referência se inscreve o
tempo em reflexões metateóricas sobre as línguas e a linguagem?

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Já o historiógrafo da linguística que se dedica a analisar a produção
de outros historiógrafos da linguística e a periodização de obras sobre a
linguagem e as línguas precisa estar atento aos seguintes aspectos:

1. Qual concepção de tempo se pode inferir de marcos temporais na


cronologia da disciplina?
2. Como o tempo está delimitado e justificado nas obras em análise?
3. Há possíveis correspondências entre periodizações selecionadas
em obras sobre línguas e linguagem e obras sobre outros tipos de
conhecimento?

PROBLEMAS EM HISTORIOGR AFIA DA LINGUÍSTICA

O argumento da influência

Denomina-se, na literatura da área, argumento da influência (ou o pro-


blema da influência) a análise de diferentes tipos de diálogos no processo
histórico, a partir dos quais se podem detectar influências, mais ou menos
diretas e explícitas.
O argumento da influência é mapeado e captado em uma análise por
meio da observação de dois aspectos: 1. os posicionamentos intelectuais e
científicos, resultantes de um diálogo que coloca o agente de uma teoria,
um trabalho, uma análise (entre outras proposições) situado num eixo de
influências presentes em seu processo de formação intelectual (a partir de
obras com as quais teve contato) e/ou pessoal (a partir de trocas comunica-
tivas institucionalizadas ou privadas); 2. o contexto histórico, social, ideoló-
gico, político, cultural concernente ao momento de produção de um traba-
lho, sendo influências resultantes do contato com uma atmosfera intelectual
específica, sem a necessidade de um contato efetivamente realizado entre
pessoas de uma mesma época e ambiente comum de circulação em institui-
ções de ensino e pesquisa (ou mesmo contatos de natureza mais pessoal).

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A busca por influências implica a observação de redes de interlocução,
em que um posicionamento surge a partir de outro, em meio a discur-
sos científicos ou intelectuais mostrados e demarcados pela presença, por
exemplo, de citações diretas e/ou indiretas e de referências bibliográficas.
Há uma série de diálogos que se estabelecem num trabalho científico
e intelectual, ainda que não resultado de um posicionamento intencional de
um autor, mas, sim, resultado da prática de produção de conhecimento se
constituindo em torno de argumentos de autoridade e de dados certificados.
Trata-se, enfim, de uma busca pela persuasão e força da imagem cien-
tífica ou intelectual que deve ser percebida não só pela comunidade de
pesquisadores ou intelectuais específicos de um programa de investigação,
mas também pela comunidade científica e intelectual em geral.
Há uma busca por parceiros, traçando uma rede discursiva em torno
de citações e referências, introduções, prefácios, apresentações, prólogos.
Elementos articulados das mais diferentes formas, atestando a inscrição
das influências recebidas e percebidas como tais em determinado autor.

Para exemplificar uma análise historiográfica

Em Pontos de gramática histórica (1938), Ismael de Lima Coutinho (1900-


1965) cita nomes que permitem traçar sua rede de referências, consti-
tuindo um mapa das influências recebidas pelo autor e sua inscrição
numa tradição de pesquisa:

a. autores europeus: Bopp, Rask, Humboldt, Renan, Grimm, Miklo-


sich, Diez, Schleicher, Bourciez, Cornu, Schuchardt, Meyer-
-Lübke, Bréal;
b. autores portugueses (destacados por serem influências mais dire-
tas, em relação ao número e à presença de citações e referências):
Adolfo Coelho, Leite de Vasconcelos, Carolina Michaëlis, Gon-
çalves Viana, Epifânio Dias;

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c. autores brasileiros: Serafim da Silva Neto, Manuel Said Ali, Mário
Barreto, Sousa da Silveira, Antenor Nascentes. Nomes que repre-
sentaram as primeiras gerações que consagraram o universo aca-
dêmico brasileiro e de ensino de língua nas primeiras décadas do
século XX em torno dos estudos diacrônicos.

Ao fazer citações diretas ou indiretas, ao utilizar dados presentes


em autores consultados e ao referendar outros pontos de vista ou mes-
mo negá-los, o autor revela suas influências. Estão na heterogeneidade
das vozes discursivas, estabelecidas e demarcadas pelo texto que se torna
objeto histórico, os espaços preenchidos pelas leituras e releituras que
marcaram uma trajetória intelectual e seu posicionamento de pertencer
a um grupo e a um programa de investigação. Citar é, na busca por evi-
dências do argumento de influência, expor aquilo que um pesquisador
considera seu domínio de atuação e também fixar uma imagem que se
quer reconhecida entre seus pares.
Especialmente, os nomes de autores brasileiros e portugueses apon-
tados configuraram uma comunidade de pesquisadores nas primeiras
décadas dos estudos sobre a linguagem no Brasil. O autor de Pontos de
gramática histórica, por meio de citações e variadas marcas textuais, co-
locou-se no mesmo panorama intelectual desses autores, representativos
de uma tradição europeia diacrônica e comparativa do século XIX e das
tradições portuguesa e brasileira.
Na “Introdução” de sua gramática, Coutinho, assumindo posições
no campo dos estudos sobre a linguagem, define suas inserções em meio
ao que ele denomina gramática histórica, método comparativo, glotolo-
gia, filologia e literatura.
Uma análise historiográfica, assim, pode delimitar filiações a um
programa de investigação específico, sendo importante lembrar que ao
construir sua rede de diálogos e filiações Coutinho adota a retórica (for-
mas do discurso) de sucesso e modernidade, imagens que sintetizavam a

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presença de seu programa na década de 1930, já que ele afirmava ser o
método histórico-comparativo uma das fases mais modernas da ciência
da linguagem.

(BATISTA, 2011, passim; reproduzido com modificações)

A questão da metalinguagem

Em HL, um dos problemas da pesquisa é se deparar com a chamada ques-


tão da metalinguagem, extensivamente discutida em diferentes trabalhos
de Konrad Koerner (alguns deles reunidos na coletânea de 2014), que mui-
tas vezes se refere a essa questão como o problema de metalinguagem.
Problema porque o historiógrafo da linguística deverá ter cautela
quando analisa obras de períodos cada vez mais distantes de sua contem-
poraneidade. A tendência é que este historiógrafo, no anseio de se fazer
compreender por seus leitores, veja coisas onde elas de fato não existem.
Cabe ao historiógrafo tomar todo o cuidado possível para não distor-
cer o significado de termos empregados em outros séculos para descrever
fenômenos linguísticos. O pesquisador deve procurar compreender os ter-
mos em seu contexto de produção e circulação e a partir dessa compreen-
são fazer, se necessário, paralelos com termos mais contemporâneos, se for
o caso, para aprofundamento da interpretação que pretende estabelecer.
A tarefa diante da questão da metalinguagem é, portanto, dupla: re-
cuperar na medida do possível o significado de termos nos seus contextos
históricos; e, sem distorcer significados, propor aproximações, que devem
ser explicitamente indicadas e explicadas pelo pesquisador (inclusive com
justificativas para a decisão tomada) com outros termos correntes para que
se possa atingir um grau mais adequado de compreensão do leitor, se a
metalinguagem for de fato muito distante daquela da época da elaboração
da interpretação historiográfica.

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Para exemplificar uma análise historiográfica

Nos séculos XVI e XVII, missionários portugueses produziram gramá-


ticas das línguas, então vistas como exóticas, faladas por povos indígenas
nativos das terras brasileiras e também pelos povos vindos da África sob
o jugo da escravidão. Essa produção gramatical essencialmente foi feita
a partir do modelo gramatical greco-latino, com adaptações necessárias
para a realidade de cada língua particular a ser gramatizada, mas com a
manutenção de um modelo organizacional e modos descritivos de heran-
ça greco-romana clássica.
José de Anchieta foi autor de uma gramática do tupi antigo em
1595: Artes de gramática da língua mais usada na costa do Brasil.
Em uma breve análise da gramática, é possível observar como o histo-
riógrafo deve estar atento ao tratamento da metalinguagem empregada nas
obras que analisa, principalmente se esta obra está em distância temporal
considerável ou se pertencer a tradições de descrição muito diversas da-
quela com que os leitores do historiógrafo porventura estejam habituados.
A primeira observação a respeito da metalinguagem adotada por
Anchieta deve esclarecer o título da gramática no contexto do século
XVI. As gramáticas desse período eram intituladas artes de gramática. A
denominação caracteriza uma breve descrição de estruturas gramaticais
de uma língua, com objetivo da transmissão didática. As artes tinham seu
método descritivo pautado no consagrado modelo greco-latino gramatical
e deviam obedecer aos princípios de brevidade e economia nas descrições,
tendo em vista um acelerado processo de aprendizagem da língua nativa
de povos colonizados pelos missionários empenhados na catequização.
A metalinguagem artes, portanto, revela o ideal descritivo breve de uma
língua, com motivação pedagógica, distinta, naquele contexto, de ideais
de preservação linguística ou afirmação de etnias, por exemplo.
Outra observação que podemos brevemente fazer, para exemplificar
o trabalho do historiógrafo em relação à metalinguagem nas obras que

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analisa é considerar a descrição do componente sonoro do tupi antigo na
gramática de Anchieta. O gramático não oferece de forma sistemática,
com uma ordenação dos elementos no esquema alfabético, seguindo com
a descrição da percepção auditiva das unidades e explicação da produção
(quando necessária), a apresentação das letras do tupi antigo. Sua descri-
ção das unidades do sistema sonoro não é linear, em forma de alfabeto,
e notadamente se destaca pelo tratamento dos fenômenos morfofonoló-
gicos da língua, descrevendo alterações sonoras ocasionadas pelo ajunta-
mento de unidades ou pelo acréscimo de partículas.
Naquele contexto de produção gramatical, letras faz menção a
unidades tanto da oralidade quanto da escrita, não havia uma distin-
ção clara entre o que era som efetivamente realizado sendo descrito e
a representação desse som adotada na escrita pelo gramático. Já o ter-
mo ajuntamento refere-se a combinações de unidades que resultavam
em fenômenos morfofonológicos comuns no tupi antigo. Mesmo que
impressionístico a nossos olhares contemporâneos, o termo cumpria
sua função na época, que era didática e não reflexiva. Partículas é outro
termo muito comum nas gramáticas dos séculos XVI e XVII. Termo
importante dada a natureza de muitas das línguas indígenas que em sua
constituição linguística adotam processos de afixação na construção de
palavras. Em Anchieta, partículas deve ser entendido como morfemas
que por meio de afixação transmitiam valores gramaticais e lexicais às
unidades às quais se encaixavam.

(BATISTA, 2002, passim; reproduzido com modificações)

Retórica, ideologia, revolução

O estudo de uma dimensão social do conhecimento linguístico, aliado a


uma observação a respeito dos conteúdos expostos em obras sobre fenô-
menos das línguas naturais, compreende uma análise dos efeitos na vida

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social de seus agentes e daqueles que não estão diretamente envolvidos no
tratamento de um objeto de observação, mas que por alguma razão se veem
afetados pelo desenvolvimento da dinâmica científica e intelectual.
Consequentemente, a produção do conhecimento não é individual,
mas, muito pelo contrário, é de caráter coletivo. Mesmo diante dessa afir-
mação, ainda é comum a imagem divulgada da ciência e do saber inte-
lectual como resultados de empreendimentos apenas individuais. Há um
apagamento dos esforços sociais e das relações históricas que estão por
detrás de uma divulgação bem-sucedida ou não de ideias, projetos, teorias.
Se a produção é coletiva (uma vez que resultado de diálogos, debates,
leituras, aprendizagem institucionalizada), a recepção das ideias linguís-
ticas comprova o aspecto social do conhecimento, pois o saber circula em
esferas sociais delimitadas temporalmente, relacionadas necessariamente a
demandas de cada época específica.
Entre produção, circulação e recepção, a legitimação das ideias lin-
guísticas é um elemento fundamental para o reconhecimento da produção
intelectual e científica. Os agentes do conhecimento, desse modo, atuam
persuasivamente para convencer o máximo que puderem da validade de
seus esforços na busca de saberes sobre a linguagem.
Nessa perspectiva, em HL denomina-se retórica a manifestação lin-
guístico-discursiva de natureza persuasiva de um agente da produção ou
recepção de estudos sobre línguas e linguagem, circunscrito a um progra-
ma de investigação e a um grupo de especialidade.
Essa retórica é veiculada em modalidades enunciativas associadas a
imagens simbólicas produzidas pelos próprios atos de fala (imersos nos efei-
tos de sentido implicados no que se considera como ideal científico ou in-
telectual em uma época), engendrados em um contexto social e ideológico.
Retórica em HL diz respeito, assim, não só a escolhas linguísticas
e intenções (explícitas ou implícitas) dos atos comunicativos (tendo em
vista validar ideias linguísticas, por meio dos enunciados produzidos em

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determinados contextos), mas também ao lado persuasivo que está na base
de toda interação verbal.

Retórica são as estratégias de enunciação utilizadas pelo pesquisador


[produtor de ideias linguísticas] para situar seu trabalho em relação
ao trabalho dos seus predecessores e/ou contemporâneos (se igno-
ram, em graus variáveis, o trabalho dos predecessores ou se reco-
nhecem, ao contrário, seu débito para com determinada tradição de
pesquisa) (ALTMAN, 1998, p. 55).

Considera-se que a imagem tradicional do fazer científico ou de outros


empreendimentos intelectuais (como a produção de gramáticas e dicionários,
a proposição de filosofias da linguagem, entre outras possibilidades) é um
efeito de sentido bem calculado, que mascara a subjetividade e a intersubjeti-
vidade que trazem humanidade à ciência e ao conhecimento intelectual e os
recolocam, como ressaltado, em lugares históricos e sociais definidos.
A retórica dos linguistas e de outros agentes envolvidos na produção,
circulação e recepção de ideias linguísticas está associada a alguns gêneros
do discurso que lhe possibilitam de modo mais efetivo a manifestação,
divulgação e circulação discursiva (ainda que retóricas possam ocorrer
em variados modos de interação verbal). Nesse conjunto de gêneros estão
preferencialmente: prefácios e posfácios; apresentações a obras; resenhas;
artigos publicados em seções de debate; textos de divulgação; entrevistas;
artigos programáticos; artigos de revisão histórica de uma área.

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A retórica se constrói em torno de diferentes estraté-
gias linguísticas e argumentativas (seleção e elaboração
de argumentos e seus modos de exposição) para per-
suadir os destinatários dos discursos que pretendem
convencer sobre a legitimidade de saberes, técnicas,
teorias e procedimentos metodológicos; nesse sentido,
ela diz respeito a configurações textuais e discursivas
e também à elaboração de argumentos que sustentam
ideias linguísticas e que configuram a própria natureza
de uma teoria a ser difundida, por exemplo.
A retórica se desenvolve em uma rede de citações e
alusões intertextuais que procuram validar ideias e sa-
RETÓRICA EM HL
beres que são difundidos discursivamente pelos pro-
cedimentos textuais empregados por um autor; nesse
sentido, ela diz respeito a uma ampla rede de citações e
validações de conhecimento.
A retórica contempla implícitos que articulam relações
entre saberes em um eixo de diálogos entre tradições
intelectuais e científicas; um autor se situa em comu-
nidades argumentativas e em sua retórica leva em con-
sideração pressupostos e subentendidos que estão na
base do que afirma efetivamente; nesse sentido, ela diz
respeito aos implícitos que procuram persuadir os des-
tinatários dos discursos.
Quadro 5 – A retórica em HL

Para exemplificar uma análise historiográfica

Em 1986, o sociolinguista Fernando Tarallo propunha, em “Zelig: um


camaleão-linguista”, um cruzamento de modelos teóricos – em nome de
“uma teoria global do discurso [que] pode e deve ser construída” (TA-
RALLO, 1986, p. 127) – para análises de fenômenos linguísticos rela-
cionados à sintaxe. Tarallo imprimiu a seu texto uma retórica de ruptura

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com a imagem científica de um linguista que, na sua interpretação, es-
taria por demais circunscrito a um único programa de investigação. Em
contrapartida, Tarallo propunha uma linguística aberta a diálogos entre
propostas teórico-metodológicas para ampliar o poder analítico de fenô-
menos complexos: “resta-nos [...] chegar a um certo descomprometimen-
to com o modelo em que atuamos e procurar, em sub-áreas afins, outras
possíveis soluções [...]” (TARALLO, 1986, p. 142). Em sua retórica de
ruptura, uma das práticas científicas a combater era aquela colocada em
ação pelos gerativistas. Para Tarallo, esses gerativistas representariam
simbolicamente o lugar da não qualidade, o que equivale ao da restrição
teórica e, portanto, inadequado. Em contrapartida, o linguista-camaleão
deveria contemplar esse ortodoxo linguista gerativista, que passaria, en-
tão, a dialogar com os sociolinguistas em busca de explicações mais sa-
tisfatórias para análise de fenômenos sintáticos das línguas. Numa estru-
tura textual em paralelo, opondo gerativistas e sociolinguistas, a força
argumentativa de Tarallo se construía em busca da fixação da imagem
do linguista plural que sairia de uma ortodoxia e caminharia em direção
a uma linguística mais social. Na elaboração do argumento, a balança
pendeu para o lado da sociolinguística, que, sem dúvida, era alçada, na
retórica, a uma dimensão positiva, exatamente por estar em seus domí-
nios a possibilidade da confluência.

Tudo aquilo que varia é, em geral, ignorado pelos gerativistas ou


resolvido em termos de caráter da regra opcional. No modelo so-
ciolinguístico de análise, no entanto, a variação e o aparente “caos”
linguístico são assumidos como objeto de estudo e para a solução
dos problemas de variação tem-se uma nova equação entre hetero-
geneidade e sistematicidade (TARALLO, 1986, p. 132-133).

[...]

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Contra o Tarallo de 1986, José Borges Neto e Ana L. P. Müller es-
creveram no ano seguinte, na mesma revista, o texto “Linguistas ou ca-
maleão: uma resposta a Tarallo”. Em tom de discórdia, os autores argu-
mentavam (com base em Imre Lakatos e na incomensurabilidade) que a
conjunção dos programas da sociolinguística e da gramática gerativa po-
deria colocar em risco o próprio fazer científico. Os autores instauraram
outro lugar de qualidade: o da epistemologia e o do filósofo da ciência.
Recurso a uma longa e legitimada tradição de conhecimento, tendo em
vista desconstruir e negar como legítimo o que Tarallo propunha em seu
texto. Borges Neto e Müller desqualificaram em absoluto o Tarallo de
1986. [...] Como ponto principal a instaurar uma polêmica, a negação do
argumento do outro como válido. Esse aspecto delineava uma retórica
que estabelecia não mais um debate como espaço de troca de ideias, mas
uma verdadeira interação polêmica que se colocava sem solução, uma vez
que ambos os lados passariam a desvalorizar o argumento do outro.

O trabalho de Tarallo tem como objetivo recomendar um certo des-


comprometimento do linguista com o modelo em que atua, uma vez
que é desejável uma certa quantidade de doença na pesquisa linguís-
tica para que esta se torne sã (BORGES NETO; MÜLLER, 1987, p. 86).
Na medida, porém, em que se pretende adotar a mesma análise
para os dados do português, aparecem problemas [...] (BORGES
NETO; MÜLLER, 1987, p. 86).

Pode-se observar também o tom da polêmica sem solução no apon-


tamento de uma possível falta de habilidade de Tarallo, resultante, como
se depreende, de uma falha na formação intelectual do sociolinguista:
o ethos do cientista competente e bem formado é negado, sendo negada
consequentemente a validade de qualquer argumento que tenha sido ex-
posto na proposição de um novo programa de investigação na linguística.

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Ao leitor, em meio à negação da validade da análise apresentada no pri-
meiro texto de Tarallo, são dirigidas, retoricamente (como efeito do dis-
cursivo), também paixões a provocar, ou não, adesão ao que Borges e
Müller defendiam.

Tarallo constata, mas não compreende porque talvez lhe falte uma
fundamentação epistemológica, a postura não-camaleão do gera-
tivista. [...]
Enganado novamente por uma falsa imagem da ciência, Tarallo vai
buscar nas atitudes individuais dos cientistas as razões para esse
aparente desprezo dos gerativistas pelos “fatos” dos empiristas. [...]
(BORGES NETO; MÜLLER, 1987, p. 91-92)

Diante da retórica de oposição de Borges Neto e Müller em 1987,


Tarallo publicou uma tréplica em 1988 com “Uma estória mal-conta-
da”. No confronto estavam modos de compreensão do fazer científico,
entre questões metodológicas e epistemológicas e entre a própria visão
da prática de pesquisa. Com voz beligerante e tom que não disfarçavam
o descontentamento com a réplica que seu texto havia recebido, o Ta-
rallo de 1988 alterou definitivamente o rumo do que se poderia esperar
de um debate, transformando-o em uma polêmica que abandonava um
espaço para discussão de ideias, como parecia ser a proposta da avalia-
ção negativa feita por Borges Neto e Müller em 1987, ainda que esta
também não se tenha pautado por estratégias que privilegiassem a dis-
cussão de ideias. O sociolinguista, dessa vez, assumiu uma retórica que
consistiu essencialmente na desqualificação do outro como estratégia
argumentativa.

[...] não uma tréplica a Borges Neto & Müller pois, conforme relatarei,
nada de substancial existe na réplica que mereça uma tréplica. Assim
sendo, valho-me tão e unicamente de uma simples carta endereçada

74 Fundamentos da pesquisa em Historiografia da Linguística

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 74 13/01/2021 16:49:28


aos leitores, na qual desfaço os equívocos de leitura cometidos pe-
los autores da réplica.
[...] desfazendo os mal-entendidos, com duas metas específicas
em mente:
1. a de que o texto de 1986 sobre a longevidade do Zelig, isto é: do
camaleão-linguista, é inquestionável, e
2. a de que a réplica de 1987, de tão inócua em propositura, nem
mesmo escrita deveria ter sido (TARALLO, 1988, p. 266-267).

Nas marcas textuais de uma retórica de recusa da validade do texto


de Borges Neto e Müller, a seleção lexical e o posicionamento subjetivo
do sociolinguista evidenciavam que a questão estava de todo modo dis-
tante do espaço de troca de ideias. Nesse sentido, destacam-se palavras e
expressões como “arrogante”, “pessoalmente agressivo”, “altamente pre-
tensioso”, “lutam e gritam pela pureza epistemológica”.

[...] a revista D.E.L.T.A. publicou, em sua seção DEBATE um texto ar-


rogante, pessoalmente agressivo, e altamente pretensioso, assina-
do por José Borges Neto e Ana Lúcia de Paula Müller [...] (TARALLO,
1988, p. 266).
[...] meu Zelig aparece como uma peça desprezível de uma engre-
nagem no meio da qual Borges Neto & Müller desesperadamente
lutam e gritam pela pureza epistemológica, e, ahá!, pela "racionali-
dade da ciência" (TARALLO, 1988, p. 268).

Como no texto de 1986, Tarallo recorreu aos argumentos de autori-


dade, em busca da validação de sua proposta, que ele considerou, como é
possível inferir pela sua retórica, injustiçada e equivocadamente avaliada.
Além da busca pela associação com o grande nome da sociolinguística,
Tarallo, mais uma vez, advogava para si o lugar da qualidade, configu-
rado pelo diálogo entre as ideias de Labov e as suas próprias. [...] Nesse

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Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 75 13/01/2021 16:49:29


jogo de forças que o debate se tornou, o encaminhamento da tréplica
adquiriu contornos excessivamente pessoais e agressivos na negação da
visão do outro, encerrando a série de publicações, sem manifestação ou
resposta por parte dos autores do texto de 1987, naquele contexto.
Pertencer a grupos de especialidade distintos contribuiu para que a
oposição se mostrasse de forma mais direta, e muitas vezes mais agressiva,
pois, ao lado de um interesse em firmar espaços acadêmicos e intelectuais,
havia também o pertencimento a comunidades argumentativas que sus-
tentavam a legitimação dos grupos. Tarallo, Borges e Müller falaram cada
um do espaço que lhes parecia legitimado naquele momento, o que possi-
bilitou que formulassem retóricas que não circularam apenas como artigos
de periódico, mas sim como elementos-chave para identificar pertenci-
mentos e exclusões (a grupos de pesquisa e a centros de ensino e produção
científica) na configuração plural da linguística brasileira da época.

(BATISTA, 2019d, passim; reproduzido com modificações)

Como afirmamos, a produção do conhecimento (científico ou não) é


atividade coletiva, vinculada a processos de legitimação pelos pares, que
em última instância vão garantir pertencimento ou exclusão a comunida-
des de interlocução científica ou intelectual.
A validação dos saberes se materializa, em meio a fatores sociais (po-
sições institucionais, financiamentos, publicações, formação de pesquisa-
dores), nas manifestações discursivas dos indivíduos e grupos envolvidos
na produção e difusão de conhecimento.
Desse modo, estão na retórica dos agentes da produção e recepção de
ideias linguísticas posicionamentos tomados diante de diretrizes teórico-
-metodológicas (mesmo que não explicitamente reconhecidas como tais)
que definem características de comunidades de pesquisadores e intelec-
tuais, que passam a ser consideradas grupos de especialidade teórica em
torno de programas de investigação específicos.

76 Fundamentos da pesquisa em Historiografia da Linguística

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 76 13/01/2021 16:49:29


A ciência (e outras formas de conhecimento intelectual), portanto, é
empreendimento também retórico, no sentido de que é possível captar uma
dinâmica social de produção do conhecimento em termos de sua circula-
ção, recepção, aceitação ou refutação.

O empreendimento científico é corporativo. [...] Todo cientista vê com


seus próprios olhos e com os de seus predecessores e colegas. Nunca
se trata de um único indivíduo que passa sozinho por todas as etapas
da cadeia lógico-indutiva, e sim de um grupo de indivíduos que parti-
lham entre si o trabalho mas fiscalizam permanente e zelosamente as
contribuições de cada um. A linguagem científica convencional trai a
si própria em frases como esta: “Assim sendo, chegamos à conclusão
de que...” A plateia à qual são endereçadas as publicações científicas
não é passiva; por meio de aplausos ou vaias, de flores ou tomates, ela
controla eficientemente a substância das comunicações que recebe
(ZIMAN, 1979, p. 25).

Nesse sentido é que se pode compreender por que determinadas ini-


ciativas científicas e intelectuais, em recortes temporais e localizações es-
paciais específicos, não alcançam o resultado esperado e são abandonadas
logo em sua proposição. As comunidades científicas, assim, é que determi-
nam a presença ou a ausência de teorias e métodos na história da elabora-
ção de conhecimentos em uma área do saber.
Com isso passa a se considerar, com Ziman (1979), que de fato a ciên-
cia (ou outra produção intelectual de conhecimento) não está a depender
apenas da cadeia lógico-indutiva de produção de ideias, mas está sim a de-
pender do mesmo modo de um conjunto de fatores sociais e institucionais
que permitem que essas ideias sejam difundidas como legítimas em um
momento histórico específico.
Há também, em muitas práticas científicas e intelectuais uma ideolo-
gia linguística (SWIGGERS, 2019b; VAQUERA, 2018), no sentido de

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que são definidos na retórica dos produtores e receptores de ideias lin-
guísticas procedimentos normativos e convicções de cientificidade ou de
validade de uma produção intelectual, de inovação, de elaboração de uma
imagem simbólica que busca por uma identidade social em meio a dife-
rentes possibilidades de analisar, transmitir ou refletir sobre a linguagem
humana e as línguas naturais.
Termo de complexa definição, diante de sua polissemia semântica,
ideologia será aqui considerada como conjunto de ideias e valores que ca-
racterizam o pensamento de um agente (ou de um grupo de agentes) da
produção e recepção do conhecimento linguístico.
Essas ideias e valores estão circunscritos a um período histórico e a mo-
vimentos sociais que lhes permitem sua elaboração e sua validação em um
contexto no qual diferentes agentes da produção e recepção do conhecimento
se reconhecem como parceiros ou opositores na defesa de ideias linguísticas.
Essas ideologias estão presentes, mesmo que de modo implícito ou
não consciente, no trabalho de um cientista da linguagem, de um gramá-
tico, de um filósofo etc., quando esses definem perspectivas de seleção e
tratamento de seus objetos de análise e estabelecem parâmetros que consi-
deram válidos e autênticos para seus domínios de atuação.

A objetividade total da ciência tem sido defendida como um valor, o


que é até defensável como propósito ideal, mas ao mesmo tempo não
se pode esconder a relação entre os sistemas político-econômicos em
cada época e lugar e as pesquisas científicas, graças à intromissão que
acabam por mascarar essa relação. Já afirmamos que é engano pensar
que as ciências não têm ideologia, pois ocorre o contrário, tanto para
as ciências ditas "exatas" quanto para as “humanas” [...] (MAGALHÃES,
2005, p. 97).

Uma ideologia linguística pode influenciar nos modos como agen-


tes do conhecimento linguístico observam, descrevem e analisam uma

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língua, por exemplo. As interpretações desses produtores e receptores de
ideias linguísticas podem estar vinculadas a visões de mundo específicas,
que muitas vezes até deturpam fenômenos linguísticos em nome de ou-
tras crenças, além de linguísticas, as quais acabam se tornando eixo de
orientação para o estabelecimento de formas peculiares de compreender e
transmitir conhecimentos sobre a linguagem e as línguas.
Na história da gramática e da produção de dicionários, não faltam
evidências de como a ideologia linguística atuou de modo destacado na
descrição linguística. Vaquera (2018) aponta, por exemplo: 1. marcas ideo-
lógicas em dicionários, principalmente por conta do aspecto cultural e so-
cial que determina definições de verbetes e a seleção de entradas lexicais;
2. marcas ideológicas nas gramáticas descritivas e prescritivas, que em es-
sência são produtos culturais que refletem aspectos sociais, econômicos
e políticos. Pode-se apontar, como ilustração, gramáticas prescritivas que
elegem modelos linguísticos utilizados por camadas sociais específicas em
detrimento de outras formas de uso da língua.
Instrumentos linguísticos – a gramática e o dicionário – são obras
que possibilitam ao historiógrafo mapear e analisar a presença de aspectos
ideológicos no tratamento das línguas.
Na Idade Moderna, no período de formação dos Estados Nacionais
europeus e de intensa movimentação marítima em torno da colonização de
territórios americanos e africanos, a descrição gramatical de línguas indí-
genas e africanas esteve constantemente sob influência de ideias precon-
cebidas e fortemente ideológicas (como a percepção dos nativos das terras
colonizadas como seres inferiores e sem cultura e moral).

A pesquisa em Historiografia da Linguística: princípios 79

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 79 13/01/2021 16:49:29


Para exemplificar uma análise historiográfica

Nos séculos XVI e XVII, dois missionários jesuítas escreveram artes


de gramática do tupi antigo falado no Brasil colonial: José de Anchieta
(1534-1597) e Luís Figueira (1573-1643). É de autoria de Anchieta a
Arte de gramática da língua mais usada na costa do Brasil (1595). Figueira
publica provavelmente em 1621 a Arte da Língua Brasílica. Essas gramá-
ticas foram escritas para facilitar, por meio da aprendizagem das línguas
então chamadas de exóticas, o contato entre jesuítas e indígenas, tendo
em vista a missão catequizadora e o processo de colonização. Eram obras
escritas por missionários não falantes nativos das línguas e dedicadas a
outros missionários. Apontando semelhanças e diferenças, o processo de
ensino-aprendizagem tornava-se menos complicado, uma vez que reali-
dades diversas passavam a ser percebidas como semelhanças e diferen-
ças, bem de acordo com o espírito da época, que buscava na similitude
a compreensão do mundo. O momento histórico, em consequência da
“descoberta” de terras, novas línguas e desconhecidos costumes, reco-
nhecia e interpretava o diferente pelo olhar comparativo. É este olhar
que também possibilita o contato entre colonizador e colonizado. Essa
atitude diante do mundo se transfere para o campo linguístico, no qual
as línguas “exóticas” também são encaradas a partir do ponto de vista
comparativo. Interessante observar que os comentários dos viajantes e
colonizadores ressaltavam a falta ou as diferenças entre costumes euro-
peus e indígenas, assim como os gramáticos ressaltavam a falta de sons e
as diferenças nos sistemas que descreviam.

Nesta lingoa do Braſil não há f. l. s. z. rr. dobrado nem muta com


liquida. vt cra, pra, &c. Em lugar do s. in principio, ou médio dictionis
ſerue, ç. com zeura, vt Açô, çatâ. (ANCHIETA, 1990 [1595], p. 23)

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As letras de que ſe vſa neſta língua, ſão as ſeguintes . A, B, C, D, E, G,
H, I, Y, K, M, N, O, P, Q, R, T, V, X, til. Ficão excluídas, F, L, S, Z. Tambem
ſe não vſa rr dobrado ou aſpero. (FIGUEIRA, 1621, fl.1)

(BATISTA, 2002, passim; reproduzido com modificações)

Ideológica também pode ser a reconstrução historiográfica elaborada


com interesses particulares de promover algum autor ou escola, em de-
trimento de outros aspectos históricos que, mesmo sendo relevantes, são
deliberadamente deixados de lado por aquele que pretende muitas vezes
fazer uma história com objetivos mais enviesados e seletivos.
Trata-se de ideologias, nesse sentido, porque há uma espécie de
imposição ou estipulação (SWIGGERS, 2019b) por parte de um in-
divíduo ou grupo de pesquisadores que definem alcances e limites das
tarefas dos linguistas.
Há uma elaboração narrativa no registro histórico, não como in-
venção, mas como produção discursiva que busca alcançar determina-
dos sentidos que são do interesse do historiador produzir. Está presen-
te, portanto, na atividade historiográfica, um componente retórico de
enunciação persuasiva.
Registros sobre a história dos estudos da linguagem são também, para
além de seu valor descritivo documental, elaborações narrativas que pro-
curam persuadir os leitores de determinados aspectos que são do interesse
daquele que escreve uma história ressaltar e destacar. Nesse sentido, são
também orientadas ideologicamente.
Essa reflexão se relaciona com a classificação dos tipos de história pro-
posta por Koerner (2014, p. 20-21), na qual uma historiografia pro-domo
seria aquela historiografia que procura ressaltar, em detrimento de outras
considerações que lhe seriam necessariamente complementares, uma teoria/
um autor/um programa de investigação com ideal propagandístico. Nesse
tipo de historiografia, há um viés muito acentuado para destacar fatos

A pesquisa em Historiografia da Linguística: princípios 81

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históricos como únicos, originais e à parte do desenvolvimento histórico,
ou seja, como uma verdadeira revolução na produção do conhecimento.
Relacionada à retórica e à ideologia (tal como expusemos acima), a
noção de revolução científica ou intelectual também é de interesse do his-
toriógrafo, que deve manter uma percepção acurada para a seleção de mo-
vimentos revolucionários na história do conhecimento sobre a linguagem.
A concepção de revolução científica é clássica nas ciências exatas e
naturais. O marco inicial de uma compreensão histórica desse fenômeno
é a publicação em 1543 de Sobre a revolução dos orbes celestes de Nicolau
Copérnico (1473-1543)3.
A partir desse discurso fundador (citado em MARCONDES, 2016)
de uma concepção revolucionária em ciência, outros estudos também fo-
ram considerados revolucionários em um recorte que abrange os séculos
XVI e XVII.
Nessa circunscrição temporal, revolução se referia a modificações do
pensamento antigo e medieval que se deram com novas descobertas, prin-
cipalmente em física e astronomia, que instauraram uma nova forma de
conceber o cosmo e uma profunda alteração na maneira de compreender
ciência e conhecimento.
Essa compreensão de uma prática científica em termos revolucionários
se estendeu aos séculos XVIII e XIX, quando, segundo Joseph (1995b), a
noção de revolução científica teria se institucionalizado como expectativa
normal no panorama das ciências.
A noção de revolução permaneceu como um dos tópicos centrais da
reconstrução histórica dos atos científicos.
No século XX, um nome se destacou ao tratar da dinâmica de produção
do conhecimento, compreendida em chave histórica e filosófica: Thomas S.
Kuhn e sua abordagem da estrutura das revoluções científicas, na qual para-
digmas se sucederiam em termos de ruptura e quebra de tradição.

3 Esta seção retoma minhas posições em Batista (2018).

82 Fundamentos da pesquisa em Historiografia da Linguística

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Para Kuhn, uma revolução científica constitui-se, em sua visão de
1962 (data do clássico Estrutura das revoluções científicas), como ação in-
telectual, delimitada por uma dimensão social e uma linguística, na qual
uma força persuasiva atuaria na elaboração de argumentos científicos. Na
reconstrução histórica do conhecimento sobre a linguagem, as considera-
ções de Kuhn tiveram um impacto enorme e foram diversas vezes revistas
pelos historiógrafos, principalmente numa chave crítica que não estabelece
para a ciência da linguagem uma dinâmica tão radical de ruptura e substi-
tuição de paradigmas.
A linguística, como ciência cindida em diferentes programas de in-
vestigação e grupos de especialidade (muitas vezes em linha direta de con-
fronto uns com os outros), também foi vista por historiógrafos (alguns in-
fluenciados por Kuhn ou motivados criticamente por ele) na pauta de um
campo permeado por revoluções teórico-metodológicas, desde Ferdinand de
Saussure, que romperia com a tradição da linguística histórico-comparativa
no início do século XX, até a polêmica revolução de Noam Chomsky (com
sua associação entre linguagem e mente e seu modelo de análise sintática)
na segunda metade do século XX.
Dois historiógrafos da linguística podem ser citados em relação a uma
reflexão sobre a noção de revolução na linguística: John E. Joseph e E. F.
Konrad Koerner.
Joseph (1995b) discutiu a noção de revolução em uma resenha na qual
tratou de duas narrativas históricas: Stephen Murray (1994) e seu estudo
sociológico sobre grupos de especialidade (nessa perspectiva, as revoluções
em linguística são analisadas sob uma ótica social; os eventos da ciência
são sociais, com uma dimensão intelectual e retórica, esta atuando como
elemento persuasivo nem sempre explícito na validação institucional das
práticas de análise linguística); Randy Allen Harris (1993) e seu estudo
sobre as “guerras” na linguística a partir do exame da retórica adotada pe-
los linguistas (nessa perspectiva, as revoluções científicas são acontecimen-
tos retóricos que possuem uma dimensão social e uma intelectual). Para

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Joseph, a noção de revolução é central em linguística, já que as rupturas
revolucionárias seriam muito mais frequentes na história do conhecimento
sobre a linguagem do que é normalmente considerado.
Já Koerner (1999) apontou para uma possível orientação metodológica
ao indicar que revoluções na história da linguística devem ser analisadas
mediante a observação de diferentes fatores que determinam o reconheci-
mento e a aceitação de uma ruptura revolucionária como tal. Entre esses
fatores estariam os sociais e os políticos, que poderiam explicar razões do
sucesso ou fracasso de descontinuidades teóricas e metodológicas radicais
entre paradigmas na linguística.
Da leitura dos dois historiógrafos, pode-se depreender um eixo orien-
tador para a análise de revoluções na história da linguística, ainda que eles
não tenham de fato fornecido diretrizes de análise, mas orientações gerais
para a compreensão de momentos em que linguistas clamam por posicio-
namentos revolucionários, via discursos adotados ou via trabalhos diversos
que assumiriam tal configuração.
Considerando a ressalva de que uma ruptura revolucionária nunca é
de fato totalmente desconectada de saberes anteriores (ao contrário do que
muitos “revolucionários” assumem quando procuram validar seus posicio-
namentos de ruptura radical), compreende-se que uma revolução não é
uma ruptura in totum com modos de conceber teoricamente a linguagem.
O que ocorre na dinâmica dos fatos históricos é que muitas vezes linguistas
alegam estar diante de revoluções compreendidas como rupturas absolutas,
mas esse posicionamento é discursivo e procura retoricamente delimitar
espaços intelectuais e institucionais.
Assim, há rupturas (muitas vezes alegadas como revolucionárias) en-
tre programas de investigação quando mudanças ocorrem na concepção
de língua ou linguagem, na definição do objeto teórico, na elaboração de
técnicas de análise.
Essa descontinuidade epistemológica e metodológica é acompanha-
da de sua contraparte social, pois uma ruptura é elaborada no interior da

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dinâmica social dos grupos de especialidade, que assim determinam for-
mas de pertencimento ou não a comunidades de interlocução e promovem,
por meio da institucionalização do conhecimento, legitimações de ideias
elaboradas sobre a linguagem.
Desse modo, a percepção de uma revolução se estabeleceria quando
uma ruptura viria acompanhada de uma movimentação institucional que
promoveria a alteração de grupos de especialidade em destaque em dada
conjuntura científica num determinado recorte temporal e social, tornan-
do obsoletas (de acordo com um ponto de vista) práticas anteriores de
pesquisa linguística.
Naturalmente que fica o questionamento a respeito de uma revolução
integral em linguística diante de sua pluralidade científica. Talvez tenha-
mos de pensar em rupturas (alegadas ou não como revoluções) situadas
em torno de programas de investigação que de alguma maneira compar-
tilham algo de visão de língua/linguagem ou técnicas de análise. Isso
porque a diversidade de programas de investigação não permite a presença
de uma ruptura radical com todos os conhecimentos em prática no que se
compreende como a configuração do diversificado campo da(s) ciência(s)
da linguagem.
Pela complexidade dos fatores apontados, pode-se compreender que
revoluções de fato talvez sejam mais raras do que o posicionamento de
Joseph (1995b) num primeiro momento nos levaria a crer. No entanto, se
à noção de revolução associarmos a noção de retórica, podemos chegar ao
ponto que nos parece ser importante para Joseph: as revoluções podem
muitas vezes ser alegadas como tal (e não serem de fato revoluções). Ou
seja, grupos de especialidade (por meio de figuras de destaque, como líderes
institucionais e/ou organizacionais) poderiam advogar por revoluções ten-
do em vista legitimar suas ideias em relação a outras práticas linguísticas.
Um dos elementos fundamentais para essa legitimação é o posicionamento
discursivo assumido diante da dinâmica histórica. Um posicionamento de

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continuidade com tradições de conhecimento ou um de descontinuidade
com outras propostas de investigação linguística.
A retórica, nessa perspectiva, seria elemento crucial das rupturas cien-
tíficas e se distinguiria como sendo de continuidade ou ruptura. Tal po-
sicionamento permite que se observe a história da linguística em torno de
revoluções de fato (com as ressalvas para sua existência) ou alegadas como
tal, a partir de um posicionamento discursivo que se tornou legítimo dian-
te de uma configuração contextual específica, que forneceu os suportes
(sociais e institucionais) necessários para que os discursos dos linguistas se
posicionassem em termos de continuidade ou descontinuidade.
Desse modo, revoluções na linguística podem ser analisadas pelo his-
toriógrafo, que deverá em última instância observar sua natureza e real
configuração científica em termos de ruptura radical ou não, a partir da
observação dos grupos de especialidade que clamam pela renovação de
seus programas de investigação (com suas ancoragens sociais e institucio-
nais) e das retóricas dos linguistas em busca da validade de seus posiciona-
mentos científicos.
A retórica, portanto, é objeto de análise para a compreensão da natu-
reza de uma “revolução” na história das ideias linguísticas, seja ela, como
movimento de descontinuidades, alegada, parcialmente realizada, percebi-
da como ruptura total ou mesmo negada em sua validade científica e social.

Para exemplificar uma análise historiográfica

Duas reconstruções históricas da linguística – As ideias de Chomsky (de


John Lyons, publicada em 1970) e Revolução na linguística (de José Ma-
nuel Blecua, publicada em 1973) – podem ser classificadas no tipo de
história propagandística ou pro-domo. Isto é, como reconstruções histó-
ricas carregadas de valor ideológico na apresentação que fazem dos fatos
selecionados para uma narração historiográfica.

86 Fundamentos da pesquisa em Historiografia da Linguística

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Ao destacarem a figura de líder revolucionário em um jovem Noam
Chomsky, os também linguistas Lyons e Blecua, com algumas diferenças
(como a relativização em Lyons do teor revolucionário do programa gera-
tivista) e muitas semelhanças (como o destaque dado a uma figura jovem
e revolucionária), ressaltaram a ruptura e a novidade que as propostas de
Chomsky representavam historicamente a partir do final da década de 1950.
Chomsky é revolução na linguística nos dois livros que têm como
objetivo rever historicamente os estudos sobre a linguagem. Essa elabo-
ração da imagem simbólica do norte-americano como líder revolucio-
nário está presente em um discurso que a todo momento destacou uma
atribuída, discursiva e historicamente, excepcionalidade à contribuição
de Chomsky para uma abordagem das línguas associada à cognição e ao
cérebro, por meio da faculdade da linguagem, construto teórico que foi a
base de toda a sua linguística.
Os dois livros foram traduzidos no Brasil na década de 1970, que passa-
va pelo momento de recepção da teoria linguística de Chomsky, para muitos
revolucionária. Não à toa, o livro de Lyons – As ideias de Chomsky – foi pu-
blicado em uma coleção brasileira denominada “mestres da modernidade”.
As ideias de Chomsky e Revolução na linguística fazem parte de uma
história da linguística em termos de recepção de ideias que circularam e
se inscreveram de algum modo na ciência da linguagem feita por brasi-
leiros e também na percepção que os brasileiros tinham como legítimo
em termos de conhecimento sobre a linguagem.
A tradução dos livros, sua divulgação, publicação e circulação evi-
denciam que na década de 1980 (em um movimento iniciado no final da
década de 1960) o pensamento e as ideias linguísticas de Noam Chomsky
no Brasil tiveram reconhecimento e alcance até para além dos círculos
fechados de grupos de especialidade, pois os livros podem também ser
classificados como um material muito mais próximo da divulgação cien-
tífica do que dos especializados manuais didáticos.

A pesquisa em Historiografia da Linguística: princípios 87

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 87 13/01/2021 16:49:29


Colocar em questão essas traduções como discursos históricos que cir-
cularam na década de 1980 no Brasil nos permite alcançar algumas evidên-
cias de como se legitimou o conhecimento sobre a linguagem naquela época.
A linguística brasileira experienciava na década de 1980 a empolga-
ção com a Gramática Gerativa em alguns centros de pesquisa e ensino
e nas interações científicas entre alguns grupos de especialidade que ca-
racterizam a produção científica nacional em ciência da linguagem nas
décadas finais do século XX. Grupos de especialidade que produziam
pesquisa e ensinavam linguística a partir das ideias de Noam Chomsky.
Grupos formados por pesquisadores que adotaram a retórica de ruptura
e de revolução que caracterizou a escrita histórica dos livros que discu-
timos aqui.
O que se procura evidenciar brevemente é como discursos históri-
cos, orientados ideologicamente, podem ser elaborados em uma retórica
que assuma ser a favor de determinadas ideias que lhes interessa divul-
gar, colocando em ponto privilegiado de observação a subjetividade de
todo discurso, e também dos históricos, ainda que estes sejam muitas
vezes percebidos pelo véu opaco do simulacro da objetividade.

(BATISTA, 2018, passim; reproduzido com modificações)

88 Fundamentos da pesquisa em Historiografia da Linguística

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Concluindo a discussão, por enquanto...

A HL é um campo complexo, como vimos. Exatamente pela série de co-


nhecimentos que ela exige do historiógrafo é que este deve se esmerar em
sua formação intelectual e linguística. Se fazer ciência é algo por si só mui-
to exigente, propor interpretações sobre o fazer científico (e outras formas
de conhecimento) demandará do pesquisador dedicação e leitura, além do
olhar atento para as formas de investigação sobre a linguagem.
A reflexão do filósofo Wilhelm von Humboldt (1767-1835) vai ao
encontro de muitos dos princípios que estabelecemos neste capítulo para
a pesquisa em HL: “A verdade do acontecimento baseia-se na complementa-
ção a ser feita pelo historiador ao que chamamos [...] de parte invisível da his-
tória. Visto por este lado, o historiador é autônomo, e até mesmo criativo; e não
na medida em que produz o que não está previamente dado, mas na medida
em que, com sua própria força, dá forma ao que realmente é, algo impossível de
ser obtido sendo meramente receptivo” (HUMBOLDT, 2001 [1821], p. 80).

A pesquisa em Historiografia da Linguística: princípios 89

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A pesquisa em Historiografia
da Linguística: procedimentos

PRINCÍPIOS DA ANÁLISE HISTORIOGR ÁFICA

A historiografia aqui proposta considera uma interpretação executada em


três chaves de compreensão dos processos históricos: 1. a análise de uma
obra específica em seu contexto de produção; 2. o processo de institucio-
nalização de um conjunto de conhecimentos; 3. as práticas de análise lin-
guística que configuraram modos de tratamento da língua em contextos de
produção específicos.
Para alcançar a compreensão da produção e divulgação de saberes e
conhecimentos, Koerner (2014, em volume que reúne textos de diferentes
épocas) define, primeiramente para o estudo de obras de épocas mais remo-
tas (ainda que aponte para uma aplicação mais ampla em HL), princípios de
análise para uma reconstrução historiográfica orientada metodologicamente.

• Princípio de contextualização: reconstituição do clima de opinião que


permitiu a formação, o desenvolvimento, a divulgação e a recepção
de um pensamento ou de uma teoria linguística e ainda de propostas
de descrição e análise. Esse princípio é responsável por situar uma
obra e seu autor num quadro de reflexão mais amplo, considerando
que a produção e a recepção de ideias não se dão de forma isolada,
uma vez que os diferentes campos dos estudos da linguagem, exa-
tamente por lidar com o componente que ajuda a definir o homem

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diante de outras espécies, encontram-se em relação constante com
outros horizontes de reflexão sobre o que constitui o homem e sua
produção intelectual e social nos diferentes recortes históricos.
Encontra-se, nesse princípio, a vocação interdisciplinar que define a
Historiografia da Linguística como uma observação analítica sobre
eventos dos estudos da linguagem situados historicamente.
• Princípio de imanência: observação da obra, escola, autor em aná-
lise em seu recorte histórico e intelectual. Aproximações com
visões contemporâneas do historiógrafo devem ser evitadas, em
nome de um tratamento próximo ao filológico para o objeto de
análise; em outras palavras, o que se pretende é compreender o
objeto de análise em sua própria natureza e configuração social
e temporal, isto é, analisar o pensamento linguístico tal como ele
se define. Pensa-se aqui na fidelidade ao conteúdo do trabalho, já
que se considera um posicionamento que entende que só a “leitura
filológica” crítica contínua poderá fazer com que intuições surjam
diante do material que se pretende analisar. Não estendemos aqui
o espaço para uma discussão teórica a respeito desse princípio,
mas é importante lembrar que talvez um tratamento tão imanente
como o proposto não seja simples como indicações metodológicas
podem levar a crer. O trabalho historiográfico é, também, resul-
tado de um ponto de vista, de uma seleção, que pode encontrar
dificuldades para abordar a obra tal como ela é. Isso porque a ob-
servação não se encontra exclusivamente num viés positivista, já
que a atividade da pesquisa está entrelaçada a uma série de fatos.
São esses que acabam por constituir o processo histórico e seus
eventos como fatos discursivos também, diante da reconstrução
de um historiógrafo em relação a seu horizonte de formação e
a suas perspectivas de trabalho. Desse modo, esse pesquisador é
responsável pelos caminhos descritivo-analíticos que define e a
partir dos quais estabelece suas interpretações.

92 Fundamentos da pesquisa em Historiografia da Linguística

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• Princípio de adequação: após a observação dos dois primeiros prin-
cípios, o historiógrafo encontra-se em condições de realizar aná-
lises, aproximações e avaliações críticas. São esses procedimentos
que iniciam a construção de uma narrativa historiográfica. Esforços
interpretativos passam a ser os primeiros passos de uma reflexão a
respeito da proposição, do desenvolvimento e da recepção de sa-
beres linguísticos em contextos históricos traçados e já analisados.

Se, e somente se, estes três princípios, isto é, a contextualização his-


tórica e intelectual, a análise do texto no seu próprio quadro teórico
[...] e uma descrição clara das ferramentas empregues na tentativa
de tornar o texto mais facilmente acessível ao linguista moderno, es-
tão a ser adequadamente tidos em conta, é que se pode esperar que
distorções sérias das ideias e intenções dos linguistas, dos filósofos
da linguagem, ou dos gramáticos do passado possam ser evitadas
(KOERNER, 2014, p. 59).

FASES DA ANÁLISE HISTORIOGR ÁFICA

Para Swiggers (2019a), uma pesquisa em HL delineia-se a partir de três


procedimentos globais que delimitam etapas metodológicas, as quais per-
mitem a execução de uma historiografia.

• Fase heurística: o historiógrafo procura, seleciona e hierarquiza


seus documentos históricos, a partir da definição de um tema e
de uma periodização, para a constituição de um objeto de análise;
esses documentos são acompanhados de uma seleção de fontes
secundárias que servem de apoio para a pesquisa. Também nessa
fase os instrumentos metodológicos para a interpretação são de-
finidos, assim como os limites e alcances do clima de opinião são
estabelecidos para que se possa prosseguir com a próxima fase.

A pesquisa em Historiografia da Linguística: procedimentos 93

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 93 13/01/2021 16:49:30


• Fase hermenêutica: a partir da correlação de vários tipos de conhe-
cimento (em nome do aspecto interdisciplinar do campo), nessa
fase o historiógrafo estabelece, a partir de seus documentos histó-
ricos, as interpretações apropriadas de seu objeto de análise (não
se entende hermenêutico como uma atividade de leitura que busca
uma suposta versão correta e única de um texto).
• Fase expositiva: momento em que o historiógrafo define o formato
de exposição de sua análise; o formato mais comum é o da narrativa
historiográfica (em termos de relações de causalidade, implicação e
explicações), ainda que outros modos de exposição (a depender dos
interesses e mesmo da criatividade do pesquisador) sejam possíveis.

[...] A historiografia linguística tem que partir de uma fase heurística, e


avançar através de uma análise “argumentativa” e de uma síntese his-
tórico-comparativa, em direção a uma hermenêutica historicamente
fundamentada do conhecimento/know how linguístico. Ela pergunta
e tenta responder questões do tipo: como o conhecimento linguístico
foi adquirido? como foi formulado? como foi difundido? (em círculos
“participativos”?) como tem sido preservado? por que foi preservado
(ou perdido), e de que maneira? quais têm sido as relações (em termos
de influência, poder, longevidade curta ou ampla, etc.) entre as “exten-
sões” coexistentes ou subsequentes ao conhecimento linguístico? [...]
A historiografia linguística faz perguntas linguisticamente relevantes
sobre as “práticas historicamente relacionadas à linguagem”; assim,
historiógrafos da linguística podem, ou devem, oferecer insights aos
linguistas interessados “no que estão fazendo” (SWIGGERS, 2010, p. 2).

MÉTODOS PAR A ANÁLISE

No famoso Discurso sobre o método (1637), René Descartes (1596-1650),


considerado um dos discursos fundadores da reflexão científica ocidental,

94 Fundamentos da pesquisa em Historiografia da Linguística

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propôs princípios que guiaram a busca do conhecimento de base científi-
ca: 1. tratar do que é verdadeiro e não provável; 2. considerar o problema
analiticamente em partes; 3. na análise dos problemas, ir do mais simples
até chegar ao mais complexo; 4. retomar tudo o que foi feito em busca de
esquecimentos ou falhas. Esses procedimentos são a base histórica do que
se refere como método cartesiano, que moldou a concepção de ciência no
século XVII.
Das proposições de Descartes até nossos dias, muito se discutiu sobre
o método científico, tanto das ciências exatas e naturais quanto das ciên-
cias humanas.
De maneira geral, um procedimento metodológico é aquele que con-
sidera as seguintes etapas: definição de um problema, planejamento da re-
solução do problema, elaboração de hipóteses para resolver o problema,
análise das hipóteses, para comprová-las (ou não), e alcance de explicações
de valor conclusivo.
Esse procedimento geral considera que toda pesquisa científica parte
de um referencial teórico que sustenta as escolhas metodológicas para o de-
senvolvimento de um tema. Essas escolhas definem o método da pesquisa,
que funciona como uma bússola, na metáfora de Aróstegui (2006), a orien-
tar procedimentos e tarefas de descrição e análise em ordem coerente que
possibilitam ao historiógrafo realizar, por fim, sua síntese interpretativa.

Se a atividade de estabelecer as res gestae do estudo da linguagem


é chamada “historiografia linguística”, o seu resultado deveria ser
designado de “história da linguística”. Por outras palavras, a “histó-
ria da linguística” é o produto e não a atividade de a estabelecer. A
permanente discussão em torno de questões relativas ao método, à
filosofia e à epistemologia é chamada de “meta-historiografia”. Essa
tripla distinção entre a história da linguística, a historiografia linguís-
tica e a meta-historiografia parece já ter sido aceita atualmente [...]
(KOERNER, 2014, p. 17).

A pesquisa em Historiografia da Linguística: procedimentos 95

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O método em uma disciplina de natureza histórica observa e analisa
fatos sociais em uma dimensão temporal (muitas vezes concebida cronolo-
gicamente). Desse modo, a periodização, como já vimos neste livro, é uma
questão de natureza fundamental para a reflexão do historiógrafo.
Os procedimentos metodológicos que orientam uma pesquisa em HL
não são definidos, e nunca foram, normativamente. De fato, não há um
conjunto único de procedimentos considerados por todos os historiógrafos
da linguística como um direcionamento unanimemente compartilhado.
Há, ao contrário, diferentes procedimentos, definidos pelo historiógrafo
em sua própria prática de pesquisa.
Neste livro, assume-se que é possível delinear um elenco de etapas
que organizam o trabalho do historiógrafo, desde um momento inicial – a
seleção de fontes e o estabelecimento de uma periodização – até sua etapa
final, com a elaboração da narrativa interpretativa.
Antes disso, algumas reflexões sobre a natureza de um método: 1. o
método relaciona-se com uma teoria que lhe dá a sustentação teórica; não
há procedimento metodológico fora de um quadro teórico (no nosso caso a
compreensão do que é HL, seus objetivos, suas características e problemas
gerais); 2. o método considera uma problematização do tema da pesqui-
sa; é necessário que o historiógrafo traga interpretações que questionam
evidências de fatos e eventos, e não apenas descreva o que se passou; 3. o
método não é só um catálogo de atividades e tarefas; há uma ordenação
lógica e coerente nos procedimentos que, ao longo de sua realização, con-
duzem o historiógrafo de modo apropriado para resolver seus problemas
de pesquisa.
A partir dessas considerações, algumas diretrizes metodológicas po-
dem servir para orientar o pesquisador na realização de uma historiografia
do conhecimento linguístico localizado e compreendido historicamente.

96 Fundamentos da pesquisa em Historiografia da Linguística

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PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS NA HISTORIOGRAFIA
DA LINGUÍSTICA
Definição de um tema e de marcos temporais que determi-
nam a inserção histórica das ideias linguísticas a serem ana-
1a tarefa
lisadas e interpretadas; esse procedimento define, portanto, a
periodização que orienta o trabalho do historiógrafo.
Seleção da documentação histórica a ser analisada (as fontes
primárias, o mais variadas possível) acompanhada da seleção
2a tarefa das fontes secundárias, que, dentre outras funcionalidades,
possibilitam a reconstrução e inserção da documentação em
um clima de opinião.
Definição dos parâmetros internos e externos de análise
(considerados em inter-relação constante; ainda que sejam
3a tarefa
possíveis historiografias que privilegiem apenas uma das
dimensões).
4a tarefa Inserção dos documentos históricos em um clima de opinião.
Abordagem dos documentos históricos em sua constituição
5a tarefa textual e discursiva, com o cuidado para evitar interpretações
anacrônicas.
Estabelecimento de correlações entre os documentos histó-
6a tarefa ricos e outras fontes que devem garantir uma interpretação
abrangente e procedente do ponto de vista crítico.
Articulação de descrições e interpretações historiográficas
7a tarefa
dos documentos sob análise.
Elaboração da narrativa historiográfica mais apropriada para
8a tarefa
o documento histórico sob análise.
Proposição de sínteses de alcance interpretativo que possibi-
9 tarefa
a
litem o estabelecimento de eixos de continuidade e desconti-
nuidade dos aspectos destacados na fase hermenêutica.
Organização dos modos de apresentação da historiografia ela-
borada pelo historiógrafo, consciente de seu papel ativo em
10a tarefa relação a uma abordagem de natureza objetiva relativa dos
documentos históricos que lhe possibilitaram a proposta his-
toriográfica.
Quadro 6 – Procedimentos metodológicos na Historiografia da Linguística

A pesquisa em Historiografia da Linguística: procedimentos 97

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 97 13/01/2021 16:49:30


Concluindo a discussão, por enquanto...

Ainda que objeto de discussões, é possível apresentar elementos que


orientem a pesquisa em relação a seus princípios, fases e procedimentos
metodológicos. No entanto, é importante que o historiógrafo mantenha
viva uma inquietação a respeito da definição epistemológica e metodoló-
gica de seu campo. A ciência e sua prática não devem ser normativas, mas
especulativas e criadoras de hipóteses, que, com rigor científico, deverão
ser respondidas na medida do possível.
Nessa perspectiva, a ironia de Machado de Assis (1839-1908) – em
Memórias póstumas de Brás Cubas, capítulo IX – deve ser levada em conta
na prática científica: “Que isto de método, sendo, como é, uma coisa indispen-
sável, todavia é melhor tê-lo sem gravata nem suspensórios, mas um pouco à
fresca e à solta, como quem não se lhe dá da vizinha fronteira, nem do inspetor
de quarteirão” (apud MAGALHÃES, 2005, p. 226).

98 Fundamentos da pesquisa em Historiografia da Linguística

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Conclusão

Revisitar a história é próprio do humano. Buscamos reminiscências em arte-


fatos variados, imprimimos nossas imagens e ações em fotografias, divulga-
mos diários de nossa vida nas redes sociais na tentativa de construção de uma
narrativa de nós mesmos, que não deixa de ser histórica em sua essência.
No entanto, mesmo parte de nossa constituição, a perspectiva histó-
rica como atividade científica e intelectual muitas vezes precisa ser justifi-
cada. Cada vez mais, a investigação do humano parece necessitar de defesa
em uma época na qual governa o pragmatismo da vida cotidiana.
O alerta do filósofo alemão Nietzsche (1844-1900) em 1874 ao nos apon-
tar que “precisamos da história para a vida” parece não causar efeito produtivo.
Fazer uma pesquisa em Historiografia da Linguística é estabelecer
posição contrária a tendências que veem os estudos das humanidades como
algo menor.
Um pesquisador consciente do passado de seu campo de atuação tem
a possibilidade de reconhecer de modo sensato os ganhos de sua área, os
alcances dos diálogos interdisciplinares, os recuos a propostas do passado,
as revisões descontinuístas, as tradições permanentes que orientam ramos
da produção científica e intelectual.
A consciência da história é também o que permite a um cientista e
intelectual a necessária circunscrição dos saberes em uma dimensão so-
cial, negando, desse modo, a equivocada percepção de que os saberes são
produzidos isoladamente por ato genial de uma pessoa à parte de uma
comunidade que lhe possibilita sua prática de produção de conhecimento.

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Defendemos a ideia, com este livro, de que a retomada da história do
conhecimento sobre a linguagem deve fazer parte dos currículos dos cur-
sos de Letras. Um pesquisador que desconhece o passado de seu campo de
atuação apresenta, acreditamos, lacunas sérias em sua formação, pois só a
história é que pode nos guiar em direção a um futuro, dimensão temporal
em relação constante com o passado.

A Historiografia da Linguística, concebida como uma “parte integral”


da linguística, deve responder a (pelo menos) uma “perspectiva cog-
nitiva” dupla, indo além da tarefa de transmitir fatos da história da
linguística, seu condicionamento histórico e sua inserção contextual.
Tendo em vista a implementação curricular da Historiografia da Lin-
guística, deve-se enfatizar que esta, ao ir além da mera informação
histórica, deve desempenhar um papel importante na formação dos
futuros linguistas (SWIGGERS, 2019a, p. 65).

Agora, sim, para definitivamente concluir, o alerta de João Ubaldo


Ribeiro, em Viva o povo brasileiro (1984, epígrafe), oferece a todos nós a
senha para defender a posição de que o conhecimento histórico nos tor-
na, finalmente, menos ingênuos: “O segredo da Verdade é o seguinte: não
existem fatos, só existem histórias”.

100 Fundamentos da pesquisa em Historiografia da Linguística

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 100 13/01/2021 16:49:30


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104 Fundamentos da pesquisa em Historiografia da Linguística

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106 Fundamentos da pesquisa em Historiografia da Linguística

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108 Fundamentos da pesquisa em Historiografia da Linguística

Fundamentos da pesquisa em HL_P4.indd 108 13/01/2021 16:49:30


Bibliografia comentada

ALTMAN, C. A pesquisa linguística no Brasil (1968-1988). São Paulo: Hu-


manitas, 1998.

O livro de Altman é considerado o marco introdutório da pesquisa em


Historiografia da Linguística no Brasil. Além de um magistral estudo da
implantação e do desenvolvimento da filologia e da linguística como cam-
po de ensino e pesquisa no Brasil, Altman ainda discute questões metodo-
lógicas do campo.

BATISTA, R. de O. Introdução à Historiografia da Linguística. São Paulo:


Cortez, 2013.

O livro é uma introdução com enfoque teórico para aqueles que preten-
dem, pela primeira vez, entrar em contato com a Historiografia da Lin-
guística. Em linguagem direta e didática, o livro pode ser fonte de estudo
autodidata. São apresentados os conceitos teóricos da área e uma breve
história do campo da Historiografia da Linguística.

BATISTA, R. de O. (org.). Historiografia da Linguística. São Paulo: Con-


texto, 2019.

Direcionada a pesquisadores experientes no campo, a coletânea apresen-


ta textos de importantes historiógrafos nacionais e internacionais, como
Cristina Altman, Pierre Swiggers, Milagros Fernandez Pérez e Marli

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Quadros Leite. Os capítulos do livro discutem em profundidade questões
epistemológicas e metodológicas da Historiografia da Linguística.

BATISTA, R. O.; BASTOS, N. B. (org.). Questões em Historiografia da


Linguística: homenagem a Cristina Altman. São Paulo: Pá de Palavra, 2020.

A obra é uma coletânea de textos escritos por historiógrafos que, ao home-


nagear a importante figura de Cristina Altman para a pesquisa em historio-
grafia da linguística brasileira, elaboram ao mesmo tempo um manual para
o pesquisador interessado nos princípios da pesquisa na área e nos diálogos
com áreas correlatas. O livro é direcionado a um pesquisador mais avança-
do, que deseja se aprofundar nos problemas teórico-metodológicos da área.

BORGES NETO, J. Ensaios em filosofia da linguística. São Paulo: Pará-


bola, 2004.

Borges, como é conhecido na linguística brasileira, apresenta um singular


(e único até o momento) livro de filosofia da linguística em língua portu-
guesa. Os temas que ele discute e as análises que apresenta interessam de
perto aos historiógrafos da linguística.

KOERNER, E. F. K. Quatro décadas de historiografia linguística: estudos


selecionados. Seleção e edição de textos Rolf Kemmler e Cristina Altman.
Vila Real: Centro de Estudos em Letras, Universidade de Trás-os-Montes
e Alto Douro, 2014.

Konrad Koerner é considerado o pesquisador que formatou, em termos me-


todológicos principalmente, a Historiografia da Linguística tal como com-
preendida desde a década de 1970. O volume da universidade portuguesa é
uma seleção de seus textos mais importantes traduzidos para o português.

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Glossário

Fontes: os documentos históricos que, selecionados pelo historiógrafo,


permitem que ele execute sua atividade descritiva, explicativa e in-
terpretativa. As fontes podem se dividir em primárias (o objeto de
pesquisa, de fato) e secundárias (o suporte necessário para a apreensão
e contextualização histórica e social das primárias).
Grupos de especialidade teórica: são comunidades de pesquisadores
que se reúnem, não necessariamente de forma institucionalizada, em
torno de teorias e métodos comuns. Esses pesquisadores se reconhe-
cem como parte de uma comunidade de interlocução e legitimação da
prática científica e intelectual que executam.
História: é o conjunto de fatos e eventos localizados temporalmente em
uma sociedade e uma cultura. Palavra polissêmica, pode apresentar
outros significados.
Historiador/historiógrafo: o pesquisador que apreende o conjunto de
fatos e eventos históricos a partir da seleção de documentos e de uma
perspectiva interpretativa.
Historiografia: é a atividade do historiador; constitui-se de uma prática
de pesquisa que implica a seleção de documentos históricos, sua des-
crição, análise e interpretação. O resultado dessa operação de pesquisa
é uma narrativa interpretativa, ou seja, uma historiografia.
Ideologia: conjunto de crenças e valores que recorta o mundo de uma
determinada maneira e a partir desse recorte faz seleções e interpreta-
ções relacionadas a um ponto de vista.

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Influência: operação cognitiva que afeta cientistas e intelectuais, que são
influenciados por leituras, professores, colegas, práticas de pesquisa.
Essa influência pode se manifestar de forma direta ou indireta nos
trabalhos dos pesquisadores.
Meta-historiografia: atividade realizada pelo historiógrafo que busca
compreender seu campo em termos metodológicos e epistemológicos.
São reflexões pertinentes a esse campo: o estudo analítico da proposi-
ção de conceitos e métodos, a reflexão sobre a metalinguagem empre-
gada nas análises historiográficas e a pertinência das avaliações feitas
pelo historiógrafo na sua busca pelas interpretações de fatos históricos.
Metalinguagem: a linguagem adotada para descrever e analisar fenô-
menos da linguagem e das línguas naturais; a linguagem adotada
pelo historiógrafo em sua análise histórica do conhecimento sobre a
linguagem.
Objetividade relativa: ponto de vista adotado pelo historiador/his-
toriógrafo, que recorta a realidade a partir de uma perspectiva, no
entanto sempre apoiado em documentos históricos que lhe conferem
validade a seu trabalho.
Parâmetros de análise: dimensões a partir das quais são apreendidos
os documentos históricos, que podem ser analisados por parâmetros
internos (o que de fato dizem os documentos e como eles são) e por
parâmetros externos (os fatores contextuais que permitem a existência
e circulação de documentos históricos).
Periodização: atividade de seleção no tempo (um recorte em geral cro-
nológico) operada pelo historiador/historiógrafo que permite que ele
apreenda a temporalidade que lhe interessa a partir de uma perspec-
tiva historiográfica.
Programas de investigação: conjunto de princípios teóricos e de proce-
dimentos de análise adotados por cientistas e intelectuais em diferen-
tes recortes temporais.

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Retórica: manifestações discursivas adotadas por cientistas e intelectuais
em busca da validação e legitimação de sua produção de conhecimen-
to e prática de pesquisa. As retóricas permitem a descrição e análise de
comunidades argumentativas na produção do conhecimento.

Glossário 113

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Índice

A D
agente, 46, 63, 69, 78 descontinuidade, 42, 61, 84, 86
análise, 21, 25-27, 32, 33, 35-39, discurso, 23, 26, 27, 65, 70, 71, 82,
42, 45, 47-49, 51, 52, 55, 87, 88, 94
58, 63-65, 67, 68, 72-74, 78, documento, 33, 39, 40, 55, 58
83-86, 91-95
arqueologia, 54 E
elaboração, 37, 48, 52, 57, 66, 72,
C 77, 78, 81, 83, 84, 87, 95, 96
ciência, 18-24, 27-30, 35, 42, 51, ensino, 17, 19, 21, 57, 59, 63, 65,
66, 69, 70, 73-75, 77-78, 82- 76, 80, 88
83, 85, 87-89, 95, 98 enviesados, 37, 81
circulação, 19, 48, 53, 55-57, 62- epistemologia, 46, 49, 73, 95
63, 66, 69, 70, 77, 87 escolha, 18, 40, 42, 50, 51
conhecimento, 17-19, 21, 29, 34, etapas, 77, 93, 95, 96
40, 42, 45-46, 48-49, 52-54,
56, 59-64, 68-70, 73, 76-78, F-G
83-89, 94-96, 99, 100 fases, 36, 66, 98
content-oriented, 55 filosofia, 26, 43, 53, 54, 95
context-oriented, 55 fonte, 38, 39, 58-61
contexto, 18, 31, 53, 55, 56, 58, 61, gramática, 26, 27, 47, 57, 64, 65,
63, 66-69, 76, 78, 91 67, 68, 73, 79, 80, 88
continuidade, 42, 57, 61, 62, 86 grupos, 28, 29, 30, 57, 61, 76,
83, 85, 86-88

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H 69, 70, 77-79, 81-85, 87-89,
herói, 42 91-95, 100
história, 19, 21, 22, 28, 31-34, 37, línguas, 18, 19, 21-23, 25-26, 28,
38, 40-43, 46-49, 51-53, 55- 45, 46, 57, 59, 60, 62, 63, 67-
57, 60, 62, 77, 79, 81, 82, 84, 69, 72, 78-80, 87
86, 87, 89, 95, 99, 100 linguística, 18, 19, 21-29, 45-50,
historiador, 32-42, 52, 53, 81, 89 52-53, 55-57, 59-60, 63, 66-
historiografia, 18, 32, 33, 35, 36, 68, 72, 73, 76-80, 83-89, 91,
45-49, 51, 57, 58, 60-62, 81, 92, 94-96, 99, 100
91-96, 99, 100
historiográfica, 35, 37, 38, 40, 42, M-O
48, 50, 51, 65, 66, 81, 86, 91, meta-historiografia, 95
93, 94, 97 metalinguagem, 66, 67
historiográfico, 37, 41, 49, 61, 92 metateórico, 45
historiógrafo, 28, 39, 40, 46, 50- método, 22, 26, 65-67, 94-96, 98
53, 55, 58-63, 66, 67, 79, 82, metodologia, 29, 46, 48, 49
86, 89, 92-98 metodológicos, 22, 30, 35, 50, 51,
93, 96, 98
I objetividade, 37, 40, 78, 88
ideologia, 26, 28, 35, 77-79, 82 objeto, 17, 18, 21, 30, 31, 34, 38,
influência, 63, 65, 79, 94 45, 46, 51, 53, 55, 65, 69, 72,
intelectual, 21, 38, 46, 48, 55, 56, 84, 86, 92-94, 98
59, 63-65, 69, 70, 73, 76-78,
82, 83, 89, 92, 93, 99 P
parâmetros, 37, 55, 78
L pensamento, 18, 25, 27, 39, 48, 50,
letras, 68, 81, 100 78, 82, 87, 91, 92
linguagem, 17-24, 26-28, 30, 40, periodização, 41, 61-63, 93, 96
43, 45, 46, 48-50, 52, 55, período, 20, 38, 67, 78, 79
57, 59, 60, 62, 63, 65, 66,

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pesquisa, 29, 34, 38-43, 46, 49-52, T-V
58-64, 66, 70, 73, 74, 76, 85, tempo, 18, 22, 34, 35, 40, 41, 45,
88, 89, 92, 93, 95, 96, 98, 99 46, 57, 62, 63, 78
pesquisador, 32, 35-37, 48-52, teoria, 18, 19, 25, 53, 57, 63, 71,
59, 65, 66, 70, 89, 92, 94, 81, 87, 91, 96
96, 99, 100 tradição, 39, 42, 64, 65, 70,
pluralidade, 28, 85 73, 82, 83
princípios, 67, 89, 91, 93, 95, 98 tratado, 51
procedimentos, 19, 22, 25, 35, 42, verdade, 24, 37, 40, 48, 52, 89, 100
48, 50, 51, 78, 93, 95, 96, 98
produção, 28, 45, 48, 55, 56, 62-
64, 66-70, 76-79, 81, 82, 88,
91, 92, 99, 113
programas, 55, 56, 73, 76, 83-86
propagandístico, 81

R-S
recepção, 25, 26, 48, 55-57, 62, 69,
70, 76-78, 87, 91, 93
recorte, 18, 22, 42, 45, 46, 56, 61,
82, 85, 92
retórica, 65, 69-76, 78, 82, 83,
85, 86, 88
revolução, 82-88
ruptura, 22, 57, 71, 72, 82-88
seleção, 18, 35-37, 58-61, 75, 78,
79, 82, 92, 93, 96
subjetividade, 37, 40, 70, 88

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