O Guardiao Das 7 Cruzes - Rubens Saraceni
O Guardiao Das 7 Cruzes - Rubens Saraceni
O Guardiao Das 7 Cruzes - Rubens Saraceni
Sete Cruzes
T
arde da noite, um senhor de avançada idade, que aqui chamaremos
de Guido, acordou sobressaltado por causa do horrível pesadelo
que tivera.
Ele se vira lançado numa torrente escura onde rostos desfigurados ou
deformados o olhavam acusativamente, culpando-o por suas desgraças e
infortúnios.
Este não havia sido o primeiro desses pesadelos assustadores, já que
ultimamente mal conciliava o sono. Sentia-se lançado em meio aos mais
assustadores horrores.
Guido, com certa dificuldade, sentou-se na beira do leito, serviu-
se de uma taça de água e, enquanto a bebia, começou a refletir sobre sua
vida.
Lembrou-se de si mesmo quando tinha uns poucos anos de vida. Viu-
se diante do Papa... que o abençoou e distinguiu-o com carinhosos beijos
nas faces.
Aquele fato marcou-o muito e foi fator decisivo quando, com doze
anos, o pai sentenciou:
— Guido, meu filho, serás um Papa também!
— Eu não quero ser um Papa. Vou ser um soldado como Gino.
— De jeito nenhum. És muito inteligente para ser um simples soldado.
Nasceste predestinado a ser grande, muito grande!
— Papai...
— Não se discute mais. Amanhã mesmo vou confiar sua educação ao
monsenhor Giuseppe de Pádua, que te tomará em um ótimo diácono em
pouco tempo. Com ele te orientando, no futuro nossa casa estará represen-
tada em Roma.
— Papai...
O Guardião das 7 Cruzes 13
E, na maioria das vezes, não é o que traz uma melhor carga genética
que chega primeiro ou consegue perfurar a membrana protetora do óvulo a
ser fecundado.
Quantos seres com defeitos, nem sempre visíveis, são gerados jus-
tamente por causa desse componente da natureza humana que em nós já se
manifesta na fecundação?
Há uma competição inata no ser humano que o impele a disputar
tudo, em todos os momentos de sua vida.
Durante a infância disputam a atenção dos pais.
Na escola disputam a atenção dos mestres.
Em sua juventude disputam a atenção do sexo oposto.
Na vida profissional disputam os postos mais vantajosos.
E por aí vai acontecendo a saga humana, que também é a nossa, pois
humanos todos nós somos.
A elevação não acontece por acaso, e só quando nos descobrimos no
limbo é que percebemos e que elevação a não é sinônimo de sobrepujação
dos instintos.
Não será sobrepujando a um nosso semelhante que nos elevaremos.
Pelo contrário: sempre que alguém muito afoito vem subindo, o melhor a
fazer é afastar-se da passagem e deixá-lo seguir célere rumo ao topo tão
desejado, pois, se estiver apto a ocupá-lo, lá se assentará. Mas se este não for
o caso, de bem mais alto será a queda do afoito, que demorará mais tempo
caindo, e assim terá tempo suficiente para refletir sobre as causas de sua
tão longa queda.
Não estamos sendo cruéis ao dizer isto. Apenas estamos sendo realistas,
já que um dos componentes da natureza humana sempre o impulsiona a tomar
medidas ousadas, mas um outro o alerta continuamente para que se acautele,
pois se há um ditado que diz que “tudo o que sobe desce”, no entanto há um
outro que nos diz que “nem tudo o que desce volta a subir”.
E quem sobe à custa do esforço ou da vida alheia, com certeza cairá.
Foi o que aconteceu com Guido, que após a síncope cardíaca, sentiu-
se lançado num escuro abismo que parecia não ter mais fim.
Todas as angústias e medos de toda uma vida não foram nada, se
comparados ao que ele sentiu ao “cair” naquele abismo.
Sentia-se no vazio em todos os sentidos e debatia-se, tentando agar-
rar-se a alguma coisa, enquanto do fundo de sua alma imortal um grito de
pavor ecoava.
Por fim, o impacto com um solo fofo e frio interrompeu aquela an-
gustiante e interminável queda.
O cheiro fétido impregnou-lhe primeiro as narinas, depois todo o cor-
po, coberto por algo semelhante a uma lama limosa e pegajosa. Passou as
mãos pelo rosto tentando limpar-se, mas elas também estavam cobertas por
aquela gosma fétida.
Um desespero abateu em sua alma de tal maneira, que um grito de
pavor ecoou naquela escuridão sufocante.
16 O Guardião das 7 Cruzes
esses seres não matam os espíritos humanos que caem nelas, mas se ali-
mentam de suas energias vitais, isto sim, é verdade”.
Guido, incapaz de mover-se, ficou caído naquele lodo denso, com par-
te de seu esqueleto submerso. E, ou porque já não servia mais àquelas
criaturas ou porque dele haviam se esquecido, muito tempo ali permane-
ceu, gemendo de dor... mas baixinho, para não atrair a atenção delas.
Depois de muito tempo, e sentindo muita dor, conseguiu pôr-se de pé
e caminhar com passos lentos, fugindo dali.
De vez em quando sentia que pisava em alguém reduzido a esqueleto,
submerso naquele pântano. E não foram poucas as vezes que isto aconteceu
até conseguir chegar a um solo ainda úmido, mas já não lodoso e movediço.
Viu algo semelhante a árvores retorcidas, como que calcinadas, pois não
tinham folhas e eram de cor cinza, quase pretas.
Vagou por aquela floresta fantasmagórica por muito tempo, só paran-
do quando se viu cercado por estranhas criaturas, tão ou mais apavorantes
que as anteriores, pois estas possuíam corpos humanos e cabeças de ser-
pentes. E dois olhos rubros, voltados todos para ele, a nova presa!
Paralisado pelo medo, Guido caiu no solo frio e cobriu os olhos com
as mãos, evitando olhar para aqueles horrores. Mas foi subjugado por mãos
lisas, escamosas, e sem dedos, que o arrastaram até um lugar onde havia
muitas outras criaturas iguais.
Um horror inimaginável apossou-se dele quando viu aquelas criatu-
ras assustadoras observarem-no detidamente.
Mas o que uma delas fez o apavorou tanto, que o levou às raias da
loucura: tocou com suas mãos asquerosas em seu escroto e apertou-o; ele
viu seu sexo saltar como uma mola, e um ardor insuportável, apossando-se
dele, intumesceu-o tanto que adquiriu uma dimensão enorme. Mais um
aperto e um líquido rubro começou a correr em abundância, “ensanguen-
tando-o” todo. A seguir, uma das criaturas com corpo de fêmea possuiu-o
com uma fúria indescritível até que ficou rubra, totalmente rubra e desa-
bou sobre ele, para logo ser substituída por outra, e outra e mais outra. E
aquele horror só cessou quando seu sexo exauriu-se, e começou a verter
um líquido escuro como carvão.
Guido havia gritado de medo, de dor e de pavor até a exaustão. E ali
ficou abandonado à própria sorte, sem poder se mexer.
O tempo que ali ficou foi longo o bastante para presenciar outros
espíritos serem torturados como ele havia sido. Viu criaturas masculinas
possuírem espíritos femininos e vice-versa. Mas só os possuíam até que o
líquido rubro era esgotado e um outro escuro começava a correr.
— Deus está me castigando — pensou ele, a certa altura. — Cometi
todos os pecados e crimes e estou sendo castigado pelos demônios do in-
ferno. E isto o que está acontecendo comigo!