Revista RIEJA
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Revista RIEJA
V.06 / N.11
JAN./JUN.
REVISTA INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS
2023
Dez anos comemorativos do MPEJA: o legado
na pesquisa e inserção social da EJA na Bahia,
no Brasil e no mundo
REVISTA INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS
Esta revista oferece acesso livre ao seu conteúdo. Publicação semestral temático, destina-se a divulgar
a produção científica dos docentes, pesquisadores e estudantes das instituições envolvidas e das
parcerias instituídas na área da EJA.
ADMINISTRAÇÃO:
A correspondência relativa a informações, pedido de permuta, etc deve ser dirigida à:
Periodicidade semestral
CDD: 370.5
CDU: 37(05)
Este Dossiê é comemorativo dos dez anos ninou, acalentou foi a professora Tânia Dantas e
do Programa de Pós-Graduação em Educação a professora Olivia Matos, primeiras coordena-
de Jovens e Adultos - Mestrado Profissional doras do Programa, que entregaram à criança
(MPEJA). É uma homenagem amorosa que a nas mãos da professora Patricia Lessa e do
Revista Internacional de Educação de Jovens professor Antonio Pereira que se incumbiram
e Adultos (RIEJA) realiza como um memorial do desmame, introduzindo alimentação mais
histórico para o MPEJA. E como não poderia sólida. Ele foi crescendo, saiu da infância, che-
deixar de ser, os editores convidaram dois gou na pré-adolescência ocupando seu lugar de
docentes que representam todo o esperançar filho na família unebiana, sob o olhar atento de
da equipe que estivera a frente do processo tudo e de todos.
de institucionalização, implementação e legi- Assumiu a amorosidade como marca iden-
timação deste Mestrado, a Profa. Dra. Tânia titária em todas as suas relações objetivas e
Regina Dantas e o Prof. Dr. Antonio Amorim. subjetivas. Como afirma Paulo Freire (1997, p.
Aproveitamos o ensejo para agradecê-los 65), a “amorosidade advém do fato de nos tor-
e aos outros docentes que compuseram a narmos capazes de amar o mundo, os sujeitos
equipe que conceberam o MPEJA nos idos de em sua verdadeira realidade […]”, sem uma ati-
2010-2012, como: Maria Olivia Matos Olivei- tude amorosa não é possível manter a atitude
ra, Maria Sacramento Aquino, Érica Valéria de respeito, alteridade com os homens, sendo
Alves, Valquíria Claudete Machado Borba, que tal atitude se instala a partir do diálogo
Carla Liane Nascimento dos Santos, dentre como um processo comunicativo que permite a
outros. práxis transformadora, pois o diálogo é o “mo-
O MPEJA comemora dez anos de muitas mento em que os humanos se encontram para
histórias, vivências. É um pré-adolescente que refletir sobre sua realidade tal como a fazem e
nasceu estrela para brilhar sempre. Parece que re-fazem […], o diálogo implica responsabilida-
foi ontem seu nascimento, muitos padrinhos, de, direcionamento, determinação, disciplina,
madrinhas, amigos, irmãos mais velhos aju- objetivos, amorosidade” (FREIRE; SHOR, 1986,
dando a caminhar. Quem primeiro amamentou, p. 122-127).
apresentação
MAIS DO QUE UMA APRESENTAÇÃO:
DEBATES ACERCA DA EJA
Tânia Regina Dantas*
Universidade do Estado da Bahia
https://orcid.org/0000-0002-0953-512X
Antonio Amorim**
Universidade do Estado da Bahia
https://orcid.org/0000-0003-3236-9139
* Doutora em Educação – Universidad Autonoma de Barcelona (UAB). Mestre em Ciências da Educação – Uni-
versité de Paris 8- Vincennes. Mestre em Didática e Organização de Ensino – UAB/Barcelona. Especialista em
Educação de Jovens e Adultos (UFPB). Maîtrise em Filosofia – Université de Paris 8. Licenciada em Filosofia-U-
niversidade Federal da Bahia (UFBA). Professora Titular B da Universidade do Estado da Bahia. Criadora da
Revista Internacional RIEJA. Ex- Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação de Jovens e Adul-
tos- Mestrado Profissional/MPEJA, no periodo de 2012 a 2017. Docente Voluntária do Programa PPGeduc-U-
NEB.Líder do Grupo de Pesquisa Formação de Professores, Autobiografia e Políticas Públicas-FORMAPP/CNPq.
E-mail: taniaregin@hotmail.com
* Professor Titular Pleno da Universidade do Estado da Bahia. Pós-Doutorado em Difusão do Conhecimento pela
UFBA. Doutorado em Psicologia pela Universidade de Barcelona – Espanha. Coordenador do Grupo de Pesquisa
Gestão, Organização, Tecnologia e Políticas Públicas em Educação (GEPE/UNEB). E-mail: antonioamorim52@
gmail.com
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Apresentação
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Tânia Regina Dantas; Antonio Amorim
sentido, os autores apresenta quatro níveis Na sequência, o sexto artigo apresenta como
significativos alinhados ao contexto da ELear- autoria a professora doutora Marinaide Frei-
ning: o internacional, o regional, o institucional tas (UFAL), o doutorando Andresso Marques
ou Programas e os recursos educacionais. A Torres, a doutoranda Ana Luísa Tenório dos
pesquisa aponta para a existências de profun- Santos, todos/as da UFAL, com o título Poéticas
das mudanças neste Século XXI, ocorrendo de errantes e andarilhas: sujeitos e processos edu-
maneira global. O texto oferece um conjunto cativos na EJA. Com base na teoria freireana, o
de recomendações estratégicas, organizacio- texto busca privilegiar uma ação fundamentada
nais e pedagógicas, para que se possa atingir o nos temas e problemas dos sujeitos da EJA. Em-
processo de internacionalização do Eleaening. basado nas leituras de diversos autores e au-
Abordando a criação e a instalação do Mes- toras, destacam a necessidade e a importância
trado Profissional em Educação de Jovens e de se construir uma educação provocativa que
Adultos, o quarto artigo que se intitula Análise ancore a formulação de currículos potentes,
das Dissertações do Programa de Pós-Gradua- nos quais as culturas e saberes enlacem e res-
ção em Educação de Jovens e Adultos (PPGEJA) peitem as vozes dos educandos e educadores,
da Universidade do Estado da Bahia, apresenta buscando privilegiar uma ação fundamentada
um histórico da criação do Programa a partir e embasada nos temas e problemas das suas
de entrevistas com as Coordenadoras que realidades cotidianas.
dão um testemunho de como se processou as O sétimo artigo traz uma importante dis-
ações de implantação e de funcionamento do cussão acerca das concepções de Educação ao
mencionado Programa. Este artigo é assinado Longo da Vida, adota como objeto as políticas
pelo professor doutor Silvar Ferreira Ribeiro públicas dos processos de Reconhecimento de
(DMDC) e pelo doutorando Juarez da Silva Saberes e Competências. Tem como autores
Paz (DMDC). Trata-se de um recorte da tese Carlos Eduardo Martins (UFSC), Maria Hermí-
de doutorado do estudante em parceria com o nia Lage Fernandes Laffin (UFSC) e Luís Alco-
seu Orientador. forado (U. de Coimbra). A partir da análise de
Em seguida, vem o quinto texto, que revela documentos, os autores puderam auferir que
como título: Rituais da escola no cárcere: um existem práticas por parte de instituições que
olhar para o ser mulher entre as grades e a sala oferecem resistência a essa concepção as quais
de aula. É uma importante contribuição cientí- se fundamentam na Educação Popular e se
fica, que é oferecida pelas professoras Ivanilde aproximam da Educação Escolar/Permanente.
Apoluceno de Oliveira e Suzianne Silva Tavares Destacam os processos de reconhecimento de
para revelar os rituais vividos na escola do cár- saberes no Brasil, situados na modalidade de
cere por mulheres, em pleno século XXI. Além educação profissional, alertando, porém, que
do drama vivido por essas mulheres, as autoras permanecem apenas no discurso, sem base
procuram contextualizar todo o processo da in- conceitual para implantação de uma prática
vestigação, trazendo o contexto pessoal e social efetiva.
vivido por essas mulheres, quando vivenciam De autoria da professora doutora Marli Viei-
um punitivismo por serem mulheres, estarem ra Lins de Assis da Universidade de Brasília,
atrás das grades e frequentarem o processo de e do professor doutor Guilherme Veiga Rios
ensino-aprendizagem da Educação de Jovens e da Univ. de Brasília, o oitavo artigo contempla
Adultos. É revelado que este processo forma- uma discussão acerca da formação inicial para
tivo é muito importante na vida das mulheres, o campo da EJA. Este texto apresenta uma ex-
pois, ele oferece a possibilidade de crescimento periência de ensino e aprendizagem de leitura
pessoal e social, atuando para o fortalecimento e de escrita com adultos e idosos em um bairro
da cidadania das mulheres. na periferia de Ceilândia-Distrito Federal. O
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Apresentação
objetivo foi implementar um projeto de alfa- O primeiro texto de demanda contínua inti-
betização e letramento de base etnográfica e tulado: Escola, educação básica e analfabetismo
investigar o impacto identitário decorrente de estrutural no Brasil: a negação da escola aos
seus resultados para as pessoas participantes. trabalhadores, de José Ronaldo Silva dos San-
O nono artigo abraça como tema A Im- tos e Tenório Batista Lima Sobrinho analisa o
portância da Coordenação Pedagógica para processo histórica da EJA a partir da noção de
concretizar o Currículo Integrado na Educa- analfabetismo de jovens e adultos e a ausência
ção Profissional. Tem como autoria a Mestra de uma efetiva política pública de oferta da
Apoliane Lima Euclydes (Univ. de.Brasília) e educação básica na idade adequada. Tal ausên-
a professora Doutora Márcia Castilho de Sales cia implica num quantitativo de trabalhadores
(Univ. de Brasília). O artigo resgata o papel desprovidos de escolarização mínima que lhes
da coordenação e objetiva compreender a desenvolva conhecimentos técnico-científicos
promoção da integração curricular expressa para uma inserção social e produtiva mais
no Projeto Pedagógico de Curso (PPC). Almeja efetiva. O artigo defende ainda que somente a
identificar os mecanismos importantes para partir de uma educação de base, de qualidade e
desenvolver o currículo integrado, destacando na idade certa, somados a um processo massivo
possíveis limites, obstáculos e, ainda, apresenta de alfabetização se constituirá como determi-
estratégias de ações de intervenção no intuito nante neste processo de mudanças e inserção
de uma melhoria continua do exercício do educacional da classe trabalhadora.
currículo integrado no campo da Educação O segundo texto cujo título é: Caminhos e
Profissional. possibilidades para o atendimento educacional
Da mesma maneira, o décimo artigo traz especializado de jovens e adultos, de Rodrigo
como título: As tecnologias digitais, memória e Ribeiro e Patricia Carla da Hora Correia que
a Educação de Jovens e Adultos: uma perspec- discute a relação entre a Educação Especial
tiva inovadora. Foca na questão da inovação da e a Educação de Jovens e Adultos (EJA), des-
EJA, colocando como pano de fundo o uso das tacando a abordagem pedagógica freireana
tecnologias e a memória já construída e con- como um potencial meio para conduzir jovens
solidada neste nível de ensino. É a EJA sendo e adultos com deficiência na direção de sua
inovada em plena contemporaneidade, para emancipação sócio-acadêmica. Realizou uma
fortalecer as instituições de ensino escolares. análise histórica das normas e regulamentos
É observado na investigação que a Educação que fundamentaram a Educação Especial no
de Jovens e Adultos pode ser potencializada Brasil, concentrando-nos, especialmente, no
pelo uso das tecnologias digitais. Há toda uma seu principal componente de intervenção,
dinâmica em sala de aula com a potencialização o Atendimento Educacional Especializado
das tecnologias, transformando o ambiente da (AEE). Posteriormente, discutiremos sobre as
sala de aula num lugar dinâmico, democrático especificidades dos indivíduos que atualmente
e colaborativo. É a equidade social sendo cons- integram a EJA, dentre eles estão os jovens e
truída pelo processo formativo de alunos e de adultos com deficiência.
alunas da EJA, junto à escola pública. O terceiro texto intitulado de: Os processos
Esta edição apresenta ainda seis artigos de que organizam a escolarização da classe traba-
DEMANDA CONTÍNUA que exploram diferentes lhadora e a conformação da estrutura dual da
aspectos da EJA, desde a questão do letramen- educação brasileira, de autoria Teresa cristina
to e alfabetização de adultos, passando pela Neris Mendes e José Humberto da Silva analisar
questão da educação profissional e o PROEJA, a questão histórica e estrutural das políticas
bem como atendimento especializado e a EJA educacionais no Brasil, com ênfase na escola-
em prisões. rização da classe trabalhadora, especialmente
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Apresentação
JA. Desse modo, na intenção de qualificar o Convém destacar que a organização do re-
estudo através da análise sociológica sobre as ferido Dossiê resulta da intenção de resgatar
disposições, buscou-se sustentação teórica em a memória das principais ações e atividades
Bernard Lahire e Pierre Bourdieu. Também se pedagógicas e científicas postas em prática no
buscou analisar as situações de desigualdades Programa MPEJA desde a sua criação até os
apresentadas, a partir do referencial de Fran- dias atuais.
çois Dubet. Ainda se oportunizou no estudo
a análise sobre questões da mulher negra, Boa leitura a todos e todas.
buscando, assim, o embasamento de autoras Vida longa ao MPEJA!
negras: Nilma Lino Gomes, bell hooks, e Angela
Davis. Ao final em suas considerações indicam
os traços disposicionais das desigualdades Antonio Amorim (UNEB)
existentes entre os estudantes do Ensino Médio Tânia Regina Dantas (UNEB)
Integrado e do PROEJA, e ainda no recorte das Organizadores
mulheres negras do PROEJA, sendo possível
verificarem-se as diferenças entre as interações
das desigualdades nos sujeitos.
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Tânia Regina Dantas
RESUMO
Esse artigo intenta resgatar a memória do Programa de Pós-Graduação em
Educação de Jovens e Adultos na Modalidade de Mestrado Profissional (MPEJA),
desnudando a contribuição do mesmo para a pesquisa e a extensão no campo da
EJA. Destaca também a importância para a formação de professores ancorada
nas especificidades dessa modalidade educativa. Emprega como metodologia
a pesquisa bibliográfica, embasada em sites, documentos, artigos, dissertações
e textos publicados, ancorada no estado do conhecimento e amparada na
legislação educacional vigente. A base teórica se respalda em Freire (2020),
Dantas (2016), Di Pierro (2006), Arroyo (2013), entre outros. Recupera a
memória do Café Científico, experiência extensionista com foco na pesquisa
educacional. Destaca algumas ações de internacionalização empenhadas no
incremento do Programa, notadamente, a criação da Revista Internacional
RIEJA e da Rede de Pesquisa Brasilueja. Os resultados evidenciam o aumento
da pesquisa na/da EJA e o fortalecimento da extensão e da internacionalização
do Programa no Estado da Bahia a partir de eventos realizados, projetos de
pesquisa desenvolvidos com o envolvimento de docentes e estudantes do MPEJA.
Reforça a contribuição do Programa como uma via importante de inclusão de
sujeitos da EJA no desenvolvimento social.
Palavras chave: Educação de Jovens e Adultos; Café Científico; Formação de
Professores; Memória; Inserção social.
ABSTRACT
YOUNG AND ADULT EDUCATION: memory and rescue of ten years
of performance in the Professional Master’s Degree Program
This article attempts to rescue the memory of the Graduation Program in Youth
and Adult Education in the modality of Professional Master’s Degree (MPEJA),
* Doutora em Educação- Universidad Autonoma de Barcelona (UAB). Mestre em Ciências da Educação - Uni-
versité de Paris 8- Vincennes. Mestre em Didática e Organização de Ensino- UAB/Barcelona. Especialista em
Educação de Jovens e Adultos (UFPB). Maîtrise em Filosofia - Université de Paris 8. Licenciada em Filosofia-U-
niversidade Federal da Bahia (UFBA). Professora Titular B da Universidade do Estado da Bahia. Criadora da
Revista Internacional RIEJA. Ex- Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação de Jovens e Adul-
tos- Mestrado Profissional/MPEJA, no periodo de 2012 a 2017. Docente Voluntária do Programa PPGeduc-U-
NEB.Líder do Grupo de Pesquisa Formação de Professores, Autobiografia e Políticas Públicas- FORMAPP/CNPq.
E-mail: taniaregin@hotmail.com
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Educação de Jovens e Adultos: memória e legado dos dez anos de atuação do Programa de Pós-Graduação MPEJA
and tries to lay bare its contribution to reseaarch and extension in the field of
EJA. It also highlights the importance for teacher training anchored in the specifcs
of this educational modality. It employs as methodology the bibliographical
research, based on websites documents, articles, disseertations and published
texts. All this is anchored in the state of the knowledge and supported by current
educational legislation. The theoretical basis is based on Freire (2020), Dantas
(2016), Di Pierro (2006), Arroyo (2013), among others. The memory of the
Scientific Café is recovered, as well as the extension experience focused on
educational research. The creation of the Rieja Magazine as well as the Brasilueja
Research Network is highlighted. The results show the increase of research in
the EJA and the stengthening of extension in the State of Bahia starting from
events held, research projects developed with the involvement of professor
and students of the referred program. It also reinforces the contribution of the
Program as an important way of including EJA subjects in social development.
Key words: Young and Aduld Eduction; Scientific Cafá; Professors Training;
Memory; Social Inclusion.
RESUMEN
EDUCACIÓN DE JÓVENES Y ADULTOS: memoria y legado de los diez
años de actuación del Programa de Posgrado del MPEJA
Este artículo intenta rescatar la memoria del Programa de Posgrado en Educación
de Jóvenes y Adultos en la Modalidad de Maestría Profesional (MPEJA),
revelando su contribución a la investigación y a la extensión en el campo de
la EJA. También resalta la importancia para la formación docente anclada en
las especificidades de esta modalidad educativa. Utiliza como metodología
la investigación bibliográfica basada en sitios web, documentos, artículos,
disertaciones y textos publicados, basados en el estado del conocimiento y
sustentados en la legislación educativa vigente. La base teórica es fundamentada
por Freire (2020), Dantas (2016), Di Pierro (2006), Arroyo (2013), entre otros.
Recupera la memoria del Café Científico, una experiencia extensionista enfocada
en la investigación educativa. Destaca algunas acciones de internacionalización
comprometidas para incrementar el Programa, en particular la creación de la
Revista Internacional RIEJA y de la Rede de Pesquisa Brasilueja. Los resultados
enseñan el aumento de la investigación en/de la EJA y el fortalecimiento de la
extensión y de la internacionalización del Programa en el Estado de Bahía a
partir de eventos realizados, proyectos de investigación desarrollados con la
participación de profesores y estudiantes del MPEJA. Refuerza la contribución
del Programa como una forma importante de incluir a los sujetos de la EJA en
el desarrollo social.
Palabras clave: Educación de Jóvenes y Adultos; Café Científico; Formación de
profesores; Memoria; Inserción social.
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diversas práticas, onde muitas ações se inter- tativas da comunidade; servem também para
cruzam [...]” (p.217). O currículo se constitui desnudar e debater problemas do cotidiano
no eixo central do sistema educativo. Por essa das escolas, na direção de apontar prováveis
razão, o currículo deve ser concretizado em soluções aos gestores e setores educacionais
uma determinada prática, ou contexto escolar, concernentes.
se materializando a partir das ações de docen- Além dessa importante inserção na pesquisa
tes e discentes que lhe imprimem concretude em EJA, das aulas ministradas pelos docentes,
e significação. muitas vezes em parceria com professores
Em se tratando de um programa de forma- renomados de outras instituições, as quais con-
ção de professores, que prioriza os profissio- tribuem para dar maior visibilidade e melhorar
nais atuantes na docência e na gestão em EJA, a qualidade do Programa MPEJA, duas grandes
é bastante compreensível que os temas mais e permanentes atividades de extensão e de pes-
recorrentes para as pesquisas dos alunos seja quisa vêm sendo priorizadas no mencionado
a formação de professores, docência, formação programa desde a sua criação: o Café Científico
continuada, como mostra o referido Quadro, e o Encontro Internacional ALFAEEJA.
com 20 Trabalhos de conclusão de curso de A principal atividade de extensão do progra-
Mestrado. Nóvoa (1995) nos alerta sobre a ma MPEJA, o Café Científico, criado em 2014,
importância da formação, lembrando que essa se constitui em um evento de cunho acadê-
“deve ser concebida como uma das compo- mico-científico, tendo como objetivo ampliar
nentes da mudança, em conexão estreita com as discussões e socializar as experiências de
outros sectores e áreas de intervenção” (p.28). pesquisa e extensão com a comunidade, pro-
Despontando também como um dos temas movendo atividades acadêmicas cientifico–pe-
favoritos, as Tecnologias Digitais, as Inovações dagógicas que retratem as diferentes temáticas
Tecnológicas e similares aparecem em nove do contexto da educação de jovens e adultos.
dissertações dos estudantes. É inegável o avan- O referido evento surgiu da necessidade de
ço das tecnologias da informação e da comuni- se estabelecer um diálogo com a sociedade
cação, trazendo profundas mudanças sociais, civil no intuito de disseminar diagnósticos e
políticas, econômicas, culturais no contexto entender a problemática em torno da forma-
atual. Elas vêm permitindo a criação de redes ção educacional dos jovens e adultos e sua
de pesquisa, de compartilhamento de saberes, articulação com as demandas do mundo do
novas formas de compreender o mundo e a trabalho. Até a presente data, foram realizadas
sociedade. Lévy (2001) chama a nossa atenção quinze edições dessa atividade, abordando
sobre o ciberespaço e a cibercultura que em seu diferentes temáticas e congregando educado-
conjunto de artefatos, valores, atitudes, podem res/pesquisadores renomados no campo da
se constituir em algo produtivo ou maléfico, EJA, de diversas instituições brasileiras como
dependendo do uso que se faça das tecnologias. também, de organizações não-governamentais
Na verdade, “não somos meros consumidores da Espanha, da Universidade de Barcelona, de
de tecnologias e conteúdos digitais, mas ato- instituições universitárias da França, de Lon-
res-cidadãos de uma sociedade para a qual a dres, de Portugal, dentre outras.
educação precisa dar respostas satisfatórias e Os objetivos principais dessa atividade aca-
urgentes”, como enfatizam Dantas et ali (2016, dêmica permanente do Programa são:
p. 221). Proporcionar o encontro de pesquisadores
As pesquisas dos estudantes do MPEJA se das diferentes áreas do conhecimento com
constituem em parte importante do legado do gestores, professores e integrantes da comu-
Programa, impactando nas políticas públicas nidade, como forma de ampliar os debates
voltadas para atender às demandas e expec- acerca de temas inerentes à EJA, no intuito de
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Tânia Regina Dantas
estudantes sobre a importância da obra e das Juliana Machado Sanz, doutoranda da Uni-
contribuições significativas desse educador versidade de Barcelona/Espanha, adotando
para a educação de adultos no Brasil. como título “Educação, gênero e migração: uma
Nessa direção de resgate do legado freirea- mirada crítica em interface com a educação
no, foi convidado o Prof. Dr. Luís Joaquim de de jovens e adultos”, que, posteriormente, em
Medeiros Alcoforado (Universidade de Coim- uma versão na língua francesa, foi publicado na
bra-UC), que abordou a temática “Educação Revue Les Cahiers de Pédagogies Radicales, na
de Jovens e Adultos e novos Espaços de Vida”. França. (DANTAS; MACHADO, 2022)
Aconteceu em maio de 2019 e contou com Ainda no âmbito das comemorações do Cen-
outros palestrantes, como a Profª Drª Ivanilde tenário, em 2021, foi construído um Dossiê na
Apoluceno de Oliveira (UEPA/NEP), que discur- Revista Internacional de Educação de Jovens e
sou sobre a temática “Epistemologia de Paulo Adultos-RIEJA, sobre a temática “Paulo Freire:
Freire e suas contribuições à EJA”, a Dra. Rita olhares diversos sobre resistência, solidarie-
de Cássia Oliveira (UNEB/SEC) que transcorreu dade e esperança em tempos de pandemia”,
a respeito do “Método Contrastivo: reflexões e organizado por Tânia Dantas (UNEB), Jackson
proposições da pesquisa no campo da EJA” e Reis (UESB) e Carmen Cavaco (Instituto de
Mrs. Priscila Costa Soares Leite (UEPA/NEP) Educação da Universidade de Lisboa). Também
contemplando o tema “A EJA em ambiente um livro publicado pela EDUFBA, em 2021,
hospitalar: representações sociais sobre si, a intitulado “Paulo Freire em diálogo com a edu-
escola e projetos de vida”. cação de jovens e adultos”, organizado por Tâ-
Sabemos que nunca é demais estudar, nia Dantas e outros docentes do MPEJA e pela
discutir as ideias de Paulo Freire, sobretudo professora Ivanilde Apoluceno da Universidade
nesse momento de tanta intolerância em que Estadual do Pará (UESB), estudiosa da obra de
se questiona, sem respaldo teórico, o legado Freire, também fez parte das comemorações.
desse educador. Assim é que na obra Peda- Essa publicação contou com alunos do MPEJA
gogia da Tolerância, de Paulo Freire (2020), (Turma 8) como protagonistas na maioria dos
Lizete Arelaro afirma no Prefácio que “nestes capítulos, junto com os seus/suas orientado-
tempos difíceis, em que a intolerância com os res/as. (DANTAS et ali.2021)
mais pobres, mais lentos, com as minorias, Enfrentando diversas dificuldades trazidas
com os não campeões, os não competitivos pela pandemia da COVID, logramos realizar
anda exacerbada, e o pensamento homogêneo uma edição do Café Científico, em 2020, tendo
e homogeneizado avança de forma sorrateira, como Palestrantes Jane Paiva (UERJ) e Tânia
ler esta obra nos faz melhor” (2020, p.12). Dantas (UNEB/MPEJA) acerca da temática “A
Em virtude disso, é que, no ano de celebra- pesquisa na/da EJA na Bahia: singularidades e
ção do Centenário de Paulo Freire, em 2021, ações coletivas”. Nessa ocasião, foi acentuado
conseguimos uma participação importante no que a EJA tem as suas singularidades, as suas
Encontro do XII Fórum do Instituto bel hooks- especificidades, que demandam conhecimento
Paulo Freire, no Campus Condorcet, em Paris, e competência para atuar, o que, consequente-
realizado de forma híbrida. Esse evento ado- mente, requer uma maior atenção na formação
tou como temática central “Educação, gênero dos profissionais que trabalham com este
e imigração” e contou com a participação de segmento.
pesquisadores da Europa, da América do Norte Por sua vez, foi ressaltado que o Programa
e da América Latina. Nessa direção, foi apresen- de Pós-Graduação em Educação de Jovens e
tado um trabalho resultante de investigação Adultos vem sendo um espaço de qualificação
científica sobre narrativas autobiográficas com e um lugar de formação continuada do(a) pro-
imigrantes em parceria com a pesquisadora fissional da EJA, em que a relação teoria-prática
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Educação de Jovens e Adultos: memória e legado dos dez anos de atuação do Programa de Pós-Graduação MPEJA
vem tendo um espaço de reflexão-ação sobre ção, educação, com ênfase na EJA.
esta modalidade de ensino. É importante sa- O evento busca reunir professores/pes-
lientar também a proposta de aproximação da quisadores de vários estados do Brasil e de
universidade com as redes públicas de ensino diversos países no exterior que estudam e pes-
por meio das pesquisas realizadas pelos alunos quisam a Educação e Alfabetização de Jovens
sob a orientação dos professores, como ainda e Adultos. Além disso, pode contribuir com o
a contribuição para a formação dos(as) profes- fortalecimento de uma rede de pesquisadores
sores(as) e da troca de experiências advindas sobre a temática e, esse encontro promove uma
das articulações, de parcerias instituídas entre articulação importante com as escolas de edu-
a UNEB e as redes públicas para o desenvolvi- cação básica, tanto em âmbito estadual como
mento de novas práticas pedagógicas na EJA municipal, envolvendo professores e gestores
em um processo de inserção social que vem das escolas públicas. Assim, tem como objetivo
impactando nos municípios interioranos. geral: promover o diálogo entre pesquisadores
Outra grande ação permanente no caminho brasileiros e estrangeiros em torno dos temas
da internacionalização do Programa MPEJA constantes no tema do evento Educação e Al-
foi o Encontro Internacional de Alfabetização fabetização de Jovens e Adultos, observando as
e Educação de Jovens e Adultos- ALFAEEJA, tendências atuais da pesquisa e práticas sociais
criado pela coordenação do Programa em sobre tais temáticas.
2014, professora Tânia Dantas, em parceria A maioria dos encontros contou com recur-
com o Professor Gildeci Leite que administrava sos do Programa de Apoio a Eventos- PAEP/
a Assessoria Especial de Programas Acadê- CAPES e com recursos próprios captados pela
micos Interinstitucionais (ASSEPAI). Foi uma instituição. Em dois encontros, foi realizada
iniciativa em apoio ao Programa de Mestrado uma parceria com instituições brasileiras,
Profissional, aos cursos de Licenciaturas em notadamente a Universidade Federal de Santa
Pedagogia da UNEB (oferta regular e PARFOR) Catarina (UFSC), em 2016 e a Universidade Fe-
e ao Fórum de EJA da Bahia; já na sua primeira deral do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 2018,
edição se configurou como internacional devi- sendo as atividades realizadas nos estados con-
do à participação do Prof. Joan Rué Domingo cernentes. No âmbito do encontro ALFAEEJA,
da Universidade Autônoma de Barcelona (UAB) cuja edição foi promovida na Universidade do
na Espanha, como Conferencista da Mesa de Minho, em Portugal, em 2017, foi criada a Rede
Abertura do evento. Esse encontro anual pro- Internacional Luso-Brasileira de Pesquisa em
movido em parceria com docentes do Progra- Educação e Formação de Professores de Jovens
ma, logrou criar laços de internacionalização e Adultos-BRASILUEJA, consolidando mais de
em Portugal, congregando pesquisadores de vinte Grupos de Pesquisa em Educação. Essa
vários países, tais como Malta, Espanha, Itália, Rede de colaboração científica se destaca por
França, Reino Unido, Chile, Venezuela, México, ser uma maneira de organizar, potencializar e
Argentina, garantindo a participação de docen- efetivar as ações de pesquisa, a partir de arti-
tes e discentes do MPEJA como palestrantes, culação interdisciplinar de diferentes compe-
mediadores, avaliadores, coordenadores das tências educacionais.
mesas temáticas, das comunicações e de eixos Essas ações se caracterizam como inserção
estruturantes de cada edição. social do Programa MPEJA, requisito exigido
Trata-se de uma experiência inovadora que pela CAPES na avaliação dos programas de
vem contando com a parceria de pesquisadores pós-graduação, comprovando o compromisso
brasileiros e estrangeiros, numa perspectiva de social da universidade, e, sobretudo do men-
compartilhamento de saberes, conhecimentos, cionado programa, com a comunidade e seu
ideias, estratégias de pesquisa em alfabetiza- entorno social.
30 Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 19-33, jan./jun. 2023
Tânia Regina Dantas
Entendemos a inserção social “como uma Assim é que essas ações de extensão e de
via que potencializa devolver à sociedade internacionalização, aqui relatadas, visam
os conhecimentos e saberes construídos, no fortalecer e ampliar os diálogos com os países
âmbito dos programas de pós-graduação e conveniados com o Brasil e, mais especifica-
que contribuem para o desenvolvimento da mente, os convênios firmados com a Univer-
ciência e melhoria da qualidade da educação”. sidade do Estado da Bahia, como também, dar
(AMORIM; DANTAS, 2016, p. 48). visibilidade às Redes de Pesquisa no campo da
Nessa perspectiva de inserção social é que EJA e reforçar os laços de colaboração entre
foi criada a Revista Internacional de Educação pesquisadores dos países envolvidos.
de Jovens e Adultos- RIEJA, em 2017, mediante A Revista Internacional RIEJA vem potencia-
a colaboração de pesquisadores associados, lizando a visibilidade do Programa MPEJA, ao
com destaque para a professora Maria Her- divulgar e socializar os resultados das pesqui-
mínia Lage F. Laffin da Universidade Federal sas desenvolvidas por docentes e discentes no
de Santa Catarina e para o professor Luís Joa- âmbito do Programa, bem como, ao estabelecer
quim de Medeiros Alcoforado da Universidade parcerias com pesquisadores brasileiros e es-
de Coimbra- Portugal. O escopo da Revista é trangeiros na publicação de dossiês e estudos,
“divulgar a produção científica no campo da o que vem corroborando para incrementar as
educação de jovens e adultos, se constituin- ações de internacionalização exigidas pela CA-
do em um periódico vinculado ao Programa PES para melhorar a avaliação dos programas.
MPEJA” (DANTAS, 2018, p.7) Até o presente O Café Científico vem-se afirmando como um
momento, em 2023, já foram publicados nove espaço de diálogos, fomentando um ambiente
números desse periódico sobre temáticas plu- que provoca discussões acerca de recentes
rais, com ênfase na formação de professores, estudos sobre o desenvolvimento das novas
na gestão, nas tecnologias e na pesquisa no metodologias das ciências, da educação, com
campo da EJA. ênfase na transversalidade da EJA, essencial-
mente em seus impactos sociais.
O Encontro ALFAEEJA vem ampliando as
CONSIDERAÇÕES FINAIS
parcerias interinstitucionais e internacionais,
O descaso com a educação de jovens e adultos colaborando para potencializar redes de pes-
por parte dos governos (federal e estadual) é quisa, troca de conhecimentos e saberes com
um fato notório e teve agravadas as condições centros e instituições educacionais nacionais e
de permanência, de acesso dos educandos du- estrangeiras que avançaram mais na pesquisa
rante a pandemia. O corte de recursos públicos em educação e na EJA. Vem ainda captando
para a educação e, sobretudo para a EJA no recursos federais e estaduais para fortalecer
governo anterior (de 2018 a 2022) reforçou a a realização de eventos científicos e a divul-
discriminação e o descaso com essa modalida- gação das realizações científicas do programa
de de educação. de pós-graduação mediante livros, coletâneas,
Frente a essa situação, a militância e o E-BOOKS, artigos em revistas conceituadas e
compromisso dos educadores e gestores da bem qualificadas no campo da educação.
educação de jovens e adultos vêm reforçando O Impacto social, educacional resultante
a resistência, ampliando as ações e retomando dessas ações extensionistas e de pesquisa vem
as anteriores instituições, a exemplo do re- evidenciando as contribuições desse programa
torno da Secretaria de Educação Continuada, profissional na melhoria do desenvolvimento
Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), social, político e cultural das comunidades en-
em 2023, por parte do governo federal, sob o volvidas, beneficiando além da capital, várias
comando de Luís Inácio Lula da Silva. cidades interioranas do estado da Bahia.
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 19-33, jan./jun. 2023 31
Educação de Jovens e Adultos: memória e legado dos dez anos de atuação do Programa de Pós-Graduação MPEJA
As ações e atividades que vêm sendo desen- e experiències. Barcelona: Editora Montaber/Uni-
volvidas ao longo desses anos, evidenciam que versitat de Barcelona, 2021, p.
faz-se necessário uma política de estado para DANTAS, Tânia Regina. Professores de adultos:
a EJA que respeite as diversidades regionais, formação, narrativas autobiográficas e identidade
que contribua para promover o desenvolvi- profissional. 2009. 525 f. Tese (Doutorado em Edu-
cação) – Faculdade de Ciências da Educação, Uni-
mento social e econômico, de maneira que versidade Autônoma de Barcelona, Salvador, 2009.
possa minimizar os níveis de desemprego no
DANTAS, Tânia Regina et ali. Práticas pedagógicas
Brasil, melhorando de forma substancial as
em EJA em interface com o trabalho. In. A Educa-
desigualdades sociais mediante a criação de ção e os Desafios da Sociedade Contemporânea:
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A cultura do direito à educação ao longo da
vida ainda está sendo construída em nossa so- DANTAS, Tânia Regina. Formação de Educadores
de Jovens e Adultos: diálogos na perspectiva da
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social e econômico (DANTAS, 2018). DANTAS, Tânia Regina; SANTOS, José Jackson Reis
No momento atual, os docentes junto com dos; CAVACO, Carmen. Revista Internacional de
a coordenação do programa vêm intentando Educação de Jovens e Adultos- RIEJA. Salvador,
construir uma proposta de doutorado profis- v. 4, n. 07, jul./dez. 2021. Disponível em: https://
revistas.uneb.br/index.php/rieja Acesso em 28
sional em EJA, em uma perspectiva interdisci-
março 2023.
plinar, visando dar continuidade à qualificação
DANTAS, Tânia Regina. A Educação de Jovens e
dos professores, a qual será encaminhada para
Adultos: singularidades e perspectivas. Revista
avaliação e parecer da CAPES. A aprovação Internacional de Educação de Jovens e Adultos-
do doutorado, certamente irá contribuir para RIEJA, v. 01, n. 01, jan./jun. 2018, p.72-88. Dispo-
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Aprovado em: 01/5/2023
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Potencialidades da gamificação na Educação de Jovens e Adultos
POTENCIALIDADES DA GAMIFICAÇÃO NA
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Naiara Serafim Santos Mota*
Secretaria de Educação do Estado da Bahia
https://orcid.org/0000-0001-7860-6705
Antonio Amorim**
Universidade do Estado da Bahia
https://orcid.org/0000-0003-3236-9139
RESUMO
Este artigo é parte integrante da pesquisa Gamificação aplicada à Educação
de Jovens e Adultos1 desenvolvida no Programa Profissional em Educação de
Jovens e Adultos (MPEJA/UNEB). A questão investigativa que a norteou buscou
saber quais são as potencialidades que a gamificação apresenta quando aplicada
à Educação de Jovens e Adultos. Para tanto, este recorte tem por objetivo
investigar as potencialidades da gamificação quando aplicada a educação de
jovens e adultos para inovar a prática pedagógica na escola. Para composição
do procedimento metodológico foi escolhida a pesquisa aplicada, de abordagem
qualitativa com o dispositivo da pesquisa-ação. Os instrumentos utilizados foram
o questionário, a observação participante e o grupo focal. Os colaboradores da
investigação foram 30 alunos, sendo 13 do sexo feminino e 17 do sexo masculino,
de uma turma da Educação de Jovens e Adultos do Colégio Estadual Maria Xavier
de Andrade Reis, situado na cidade de Presidente Tancredo Neves – Bahia.
Os resultados da pesquisa apontaram que a EJA também é um espaço para a
inovação e os alunos estão abertos a novas formas de pensar, ser, aprender e agir
no mundo e a gamificação criou um ambiente propício para a aprendizagem ao
favorecer potencialidades como a autonomia, o foco, a criatividade, a autoria, a
curiosidade e a colaboração entre os estudantes da EJA.
Palavras-Chave: Educação de Jovens e Adultos. Gamificação. Inovação. Ensino
e aprendizagem.
ABSTRACT
POTENTIALS OF GAMIFICATION IN THE EDUCATION OF YOUNG PEOPLE
AND ADULTS
* Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado
da Bahia (PPGEduC /UNEB). Mestra pelo Programa Profissional em Educação de Jovens e Adultos (MPEJA/
UNEB). Membro do Grupo de Pesquisa Laboratório de Estudos de Mídia e Espaço (LEME/UNEB) e participa do
Grupo de Estudo e Pesquisa Gestão, Organização, Tecnologia e Políticas Públicas em Educação (GEPE/UNEB).
Professora da Rede Estadual de Ensino da Bahia. E-mail: naiaramota_nw@hotmail.com
** Professor Titular Pleno da Universidade do Estado da Bahia. Pós-Doutorado em Difusão do Conhecimento pela
UFBA. Doutorado em Psicologia pela Universidade de Barcelona – Espanha. Coordenador do Grupo de Pesquisa
Gestão, Organização, Tecnologia e Políticas Públicas em Educação (GEPE/UNEB). E-mail: antonioamorim52@
gmail.com
1 Pesquisa aprovada pelo CEP/UNEB em 12 de agosto de 2019 com parecer número: 3.502.281.
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Naiara Serafim Santos Mota; Antonio Amorim
RESUMEN
POTENCIALES DE LA GAMIFICACIÓN EN LA EDUCACIÓN DE JÓVENES Y
ADULTOS
Este artículo es parte integral de la investigación sobre Gamificación aplicada
a la Educación de Jóvenes y Adultos desarrollada en el Programa Profesional
en Educación de Jóvenes y Adultos (MPEJA/UNEB). La pregunta investigativa
que la orientó buscó conocer cuáles son las potencialidades que presenta la
gamificación cuando se aplica a la Educación de Jóvenes y Adultos. Por lo tanto,
este recorte tiene como objetivo investigar el potencial de la gamificación
cuando se aplica a la educación de jóvenes y adultos para innovar la práctica
pedagógica en la escuela. Para la composición del procedimiento metodológico
se optó por la investigación aplicada, con abordaje cualitativo con el dispositivo
de investigación-acción. Los instrumentos utilizados fueron el cuestionario, la
observación participante y el grupo focal. Los colaboradores de la investigación
fueron 30 alumnos, 13 del sexo femenino y 17 del masculino, de una clase de
Educación de Jóvenes y Adultos del Colégio Estadual Maria Xavier de Andrade
Reis, ubicado en la ciudad de Presidente Tancredo Neves - Bahia. Los resultados
de la investigación señalaron que EJA es también un espacio para la innovación y
los estudiantes están abiertos a nuevas formas de pensar, ser, aprender y actuar
en el mundo y la gamificación ha creado un ambiente propicio para el aprendizaje
al favorecer potencialidades como la autonomía, el enfoque, la creatividad,
autoría, curiosidad y colaboración entre los estudiantes de EJA.
Palabras clave: Educación de Jóvenes y Adultos. Gamificación. Innovación.
Enseñando y aprendiendo.
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Potencialidades da gamificação na Educação de Jovens e Adultos
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Naiara Serafim Santos Mota; Antonio Amorim
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Potencialidades da gamificação na Educação de Jovens e Adultos
que suscita nos educadores o desafio quanto autor convida os profissionais que trabalham
qual prática pedagógica adotar. Neste contexto, com a EJA a conhecerem melhor seus alunos
é necessário considerar as particularidades para a partir desse conhecimento proporem
desses jovens, eles possuem uma identidade estratégias pedagógicas mais significativas a
própria e fazem parte de uma cultura com realidade de cada um. Trabalhar com a reali-
muito mais acesso as tecnologias digitais. Logo, dade presente dos alunos contribui para uma
“[...] da mesma forma que o encaminhamento aprendizagem mais significativa, autônoma e
dos jovens para a EJA denuncia uma situação consequentemente que influenciará de forma
de exclusão, reafirma a necessidade de uma positiva em seu futuro.
abordagem política que atenda aos interesses Logo, ao considerar os sujeitos que fazem
dos mesmos” (MACEDO, 2017, p. 50). Assim, parte da EJA como cidadãos ativos na socie-
se intensifica a demanda por novas práticas dade, que tem responsabilidades diversas e
pedagógicas que além de considerar a reali- que veem o espaço escolar como um caminho
dade e experiências dos alunos, devem estar para uma vida mais digna, é de se esperar que
em consonância com as demandas sociais a educação busque todos os meios para a per-
contemporâneas. manência destes na escola. É preciso propor
Os alunos jovens e adultos são cidadãos uma educação que lhes possibilitem superar
que assumem responsabilidades e enfrentam os desafios impostos pela sociedade da infor-
realidades diárias como o trabalho, a família, mação, com práticas pedagógicas dinâmicas,
os estudos e em muitos casos o desemprego. atrativas e engajadoras.
São sujeitos que acreditam na educação como Desenvolver práticas pedagógicas gami-
um meio para o acesso ao mercado de trabalho ficadas, por exemplo, pode contribuir para
e a um futuro melhor. Contudo, Arroyo (2007) o maior envolvimento dos alunos da EJA em
chama a atenção para as mudanças que estão sala de aula, assim como despertar e ampliar
ocorrendo na sociedade e que vem mudando os potencialidades que os ajudarão em suas
modos de vida dos jovens e adultos populares. vivências. De acordo com Kapp (2012, p. 2)
O autor sinaliza para uma realidade crescente “[...] a “Gamification deve ser pensada como o
de desemprego entre jovens e adultos popula- conceito de usar a mecânica baseada em jogo,
res que tem como resultado a ida desses sujei- estética e pensamento do jogo para envolver
tos para o trabalho informal e o subemprego. as pessoas, motivar a ação, promover a apren-
Nesta modalidade de trabalho o cidadão não dizagem, e resolver problemas” (tradução
tem direitos assegurados e vivem em prol da própria). O autor reforça que a gamificação
sobrevivência imediata. Ao considerar essa pode ser pensada visando a aprendizagem
realidade, Arroyo (2007, p. 8) ainda ressalta das pessoas e para uma proposta gamificada
que: eficiente em educação é necessário conhecer
No discurso da educação persiste o discurso das os elementos dos games.
promessas de futuro e, talvez, o discurso deve- Com base nos estudos de Werbach e Hunter
ria ser da garantia de um mínimo de dignidade
(2012), os elementos dos games são organi-
no presente. Esta abordagem muda, e muito, o
foco do olhar. Com os jovens e adultos com que zados em Mecânica, Dinâmica e Componentes
trabalhamos, o que temos que fazer é evitar (MDC). As mecânicas são processos que dire-
discursos do futuro e falar mais no presente. cionam e estimulam o jogador, as dinâmicas
Intervir mais no seu presente do que prometer são aspectos controlados que não fazem parte
futuros que não chegarão. diretamente do jogo e os componentes dizem
Uma colocação radical e também necessá- respeito as instâncias especificas das mecâni-
ria ao contexto atual da sociedade, em que o cas e das dinâmicas.
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Naiara Serafim Santos Mota; Antonio Amorim
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Potencialidades da gamificação na Educação de Jovens e Adultos
um grau de dificuldade, tem um novo desafio aplicação, pois lá ela encontra os indivíduos
a ser superado. Os pontos são representações que carregam consigo muitas aprendizagens
numéricas do desempenho do jogador. A mis- advindas das interações com os games. Encontra
também uma área que necessita de novas estra-
são é um objetivo predefinido no jogo, é um tégias para dar conta de indivíduos que cada vez
desafio maior que o jogador deve cumprir. As estão mais inseridos no contexto das mídias e
tabelas de líderes representam de forma visual das tecnologias digitais e se mostram desinte-
o desempenho e as conquistas dos jogadores. ressados pelos métodos passivos de ensino e
Os desafios de Nível são os desafios que devem aprendizagem utilizados na maioria das escolas.
ser realizados normalmente ao final do jogo, É bem verdade que a educação é uma área
são mais complexos para o jogador. com muitas possibilidades de aplicação da ga-
É valido ressaltar que o quadro acima foi mificação, principalmente ao considerar que
organizado com os elementos de games que os alunos já estão inseridos e convivem com
também se adequam a gamificação em espaços a realidade digital e com os games. Contudo,
não digitais, já que a gamificação não se dá ape- no contexto da Educação de Jovens e Adultos
nas através da tecnologia. Contudo, em ambos a realidade pode não ser bem esta já que as
os casos é necessário que se tenha atenção especificidades dos sujeitos envolvem questões
aos elementos que farão parte da estratégia sociais que não favorecem o acesso a tecnologia
gamificada para que não se resuma a uma pro- de forma igualitária e com qualidade a todos.
posta simplista, que utilize apenas o sistema de No âmbito dessa pesquisa, os alunos da EJA
points, badges and leaderboard – PBL. tinham pouco contato com os games e muita
O sistema de pontos, medalhas e tabelas de dificuldade de acesso a internet. Trabalhar com
líderes é uma forma mais simples de gamificar, a gamificação nesse contexto foi um desafio que
na qual a recompensa extrínsica é a base. Logo, possibilitou repensar a prática pedagógica na
objetiva alcançar a mudança de comportamen- modalidade além da mera inserção das tecno-
to dos jogadores por meio de recompensas o logias digitais em sala de aula.
que pode comprometer o engajamento durante Para tanto, é importante considerar sobre
e após o processo. Ao gamificar na educação é qual perspectiva a gamificação será planejada
importante que a estratégia seja completa o e realizada com os alunos da EJA. Conforme
suficiente para engajar os indíviduos de forma Schlemmer (2014, p. 77), a gamificação pode
intrínsica, fazendo-os participarem e se envol- ser pensada a partir de pelo menos duas pers-
verem além do desejo pela recompensa. E este pectivas, como persuasão e como construção
é o desafio de gamificar na educação e na EJA colaborativa e cooperativa, sendo:
em específico, é preciso pensar em formas de
[...] enquanto persuasão, estimulando a com-
engajá-los durante a estratégia não apenas pela petição, tendo um sistema de pontuação, de
recompensa ou premiação, mas pelo desejo de recompensa, de premiação etc., o que do ponto
aprender a cada desafio. de vista da educação reforça uma perspectiva
No que tange a gamificação na Educação de epistemológica empirista; e enquanto constru-
Jovens e Adultos, os desafios que se colocam ção colaborativa e cooperativa, instigada por
desafios, missões, descobertas, empoderamento
vão muito além de pensar a estratégia e os
em grupo, o que do ponto de vista da educação
elementos que farão parte dela, é necessário nos leva à perspectiva epistemológica intera-
conhecer a realidade dos sujeitos que farão cionista- -construtivista-sistêmica (inspirados,
parte da pesquisa e entender como é a relação por exemplo, por elementos presentes nos
deles com os games. Fardo (2013, p. 3) ressalta Massively Multiplayer Online Role Play Games
que: – MMORPG).
40 Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 34-52, jan./jun. 2023
Naiara Serafim Santos Mota; Antonio Amorim
das duas perspectivas, contando assim com a capacidade de buscar seu potencial pleno e
competição e a colaboração entre jogadores se desenvolver, aprendendo sobre si mesmo,
ou equipes de jogadores. Isso vai depender sobre o outro e sobre o mundo, tendo acesso a
de como a estratégia é desenvolvida, como os informações que lhe possibilitará avaliar criti-
desafios são direcionados e realizados. camente o que acontece na sociedade.
Retomando o objetivo desta pesquisa, que É possível propor atividades gamificadas em
visou investigar as potencialidades da gamifi- sala de aula, para diferentes gerações e nesta
cação quando aplicada à Educação de Jovens proposta também é plausível incluir a utiliza-
e Adultos para inovar a prática pedagógica na ção de recursos como o celular para ampliar as
escola, é importante ressaltar que potenciali- possibilidades de diversão e engajamento. Isto
dade foi entendida enquanto a possibilidade porque o espaço de realização da proposta ga-
que algo ou alguém tem de transformar a mificada pode ser físico e virtual, acontecendo
realidade, uma capacidade que ainda não foi na sala de aula e em espaços digitais através do
desenvolvida. celular ou do computador.
A gamificação aplicada à EJA pode transfor- Dessa forma, a gamificação contribui com
mar a realidade desta modalidade de ensino, a autonomia e cria um ambiente propício para
favorecendo à inovação da prática pedagógica o aprendizado com o uso de tecnologia digital
e maior motivação dos alunos durante as aulas, e neste espaço o professor irá oferecer o su-
como pode também apresentar potencialida- porte necessários aos alunos, mobilizando-os
des ainda não desenvolvidas e apresentadas a realizarem as etapas do processo gamifica-
em pesquisas. do de forma criativa e autoral. Ele contribui
No contexto da EJA, o professor lida com para que os jovens e adultos desenvolvam
diferentes gerações e isso, no primeiro mo- suas habilidades intelectuais, participando
mento, pode assustar e desmotivá-lo na reali- da vida coletiva, para que os mesmos sejam
zação de atividades gamificadas, visto que há críticos, consciente dos direitos e deveres de
uma diversidade de estilos de aprendizagem cidadão e de sua participação na evolução da
e os adultos supostamente não jogam games. sociedade.
Contudo, não se deve ignorar o poder que os É importante enfatizar que gamificar não
games exercem sobre as pessoas e isso inclui é, necessariamente, construir game, mas sim
várias gerações. Com base na 7ª edição da Pes- entender a dinâmica e a mecânica dos games
quisa Game Brasil (PGB) 2em 2020, 73,4% dos e utilizar seus elementos na construção de
brasileiros disseram jogar jogos eletrônicos, espaços em educação mais prazerosos e en-
independentemente da plataforma. Segundo gajadores. Neste sentido, Alves, Minho e Diniz
a pesquisa 33,6% são os adultos de 25 a 34, (2014, p. 90) ressaltam que “[...] é necessá-
32,5% são jovens de 16 a 24 e desses 53,8% rio um grande esforço de planejamento no
são mulheres. sentido de criar uma estratégia educacional
A estatística sinaliza que os elementos dos gamificada envolvente, que promova o apren-
games podem engajar várias gerações, ativida- dizado de conteúdos escolares”. Para tanto, os
des gamificadas que não são necessariamente referidos autores apresentam uma sugestão,
games, podem envolver os jovens e adultos passo-a-passo, de como criar uma estratégia
de diferentes gêneros, inclusive possibilitar educacional gamificada. É válido ressaltar
um trabalho colaborativo no qual um apoiará que essa proposta foi construída com base
o outro a partir de suas experiências. Desta na experiência dos autores com o tema em
forma, o aluno da EJA estará construindo sua vários espaços.
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 34-52, jan./jun. 2023 41
Potencialidades da gamificação na Educação de Jovens e Adultos
Conheça seu Analise as características do seu público, sua faixa etária, seus hábitos
02
Público e rotina.
Compreenda o Reflita sobre quais problemas reais do cotidiano podem ser explora-
04 Problema e o dos com o game e como os problemas se relacionam com os conteú-
Contexto dos estudados.
42 Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 34-52, jan./jun. 2023
Naiara Serafim Santos Mota; Antonio Amorim
Antes da definição dos objetivos, os autores fim é necessário uma revisão detalhada da
sinalizam a importância do professor interagir estratégia a fim de se assegurar que os ele-
com o mundo dos jogos, visando um conheci- mentos dos games foram bem amarrados e
mento e aproximação mais direcionada com irão envolver os alunos durante o percurso.
a área. A segunda ação é fundamental para se Nesse percurso, uma ação que não pode
desenvolver estratégias gamificadas na EJA, o faltar são os feedbacks em cada etapa, pois
professor precisa conhecer seus alunos, saber além de estar relacionada ao sistema de pon-
quais são seus anseios, seus hábitos e se costu- tuação e recompensa que motiva os alunos a
mam jogar ou usar os meios digitais para algum continuarem, também auxilia na dinâmica da
fim. Em seguida, deve-se escolher qual tema e avaliação dos educandos, orientando-os sobre
conteúdo serão abordados, e esse momento, sua posição no jogo e os possíveis pontos de
no que tange a EJA, é oportuno que o professor melhoria para avançar. Com base no exposto,
ouça os alunos e conheça quais temas são do a gamificação é uma estratégia pedagógica que
interesse deles. pode proporcionar aos alunos da EJA liberdade
Ao conhecer os alunos, o docente poderá na construção do conhecimento, incentivando
junto a turma levantar os problemas da rea- a autoria e a colaboração de forma divertida e
lidade na qual eles estão inseridos e eleger prazerosa.
uma situação problema para servir de base a
estratégia gamificada. Essa 4ª ação favorece POTENCIALIDADES DA GAMIFICAÇÃO
um envolvimento de forma mais significativa
NA EJA
no planejamento e na realização da estratégia
gamificada, pois considerar o contexto social Neste tópico são apresentadas as potenciali-
no qual os educandos estão inseridos é a base dades observadas durante a realização de uma
para uma educação mais crítica e reflexiva. estratégia pedagógica gamificada junto a turma
Em seguida, dar-se-á a escolha do objetivo ou da Educação de Jovens e Adultos do Colégio
missão da proposta gamificada, que conforme Estadual Maria Xavier de Andrade Reis. Além
já foi sinalizado, deve ser clara, alcançável e da observação, foram realizados dois grupos
mensurável. focais que tiveram como moderação o engaja-
As ações seguintes dizem respeito a pro- mento dos pesquisadores.
dução da narrativa do jogo que deve ser Os grupos focais foram denominados de G20
atraente para os alunos e ter relação com e G30 e foram conduzidos com o apoio da téc-
o tema; a escolha do ambiente no qual vai nica de gravação de áudio e de registro através
se desenvolver a estratégia, considerando de notas de maneira concomitante. Estes ins-
que pode envolver o espaço da sala de aula trumentos favoreceram maior tranquilidade ao
e também a inserção de recursos digitais; a processo de mediação para observar e interagir
definição das tarefas e mecânicas, a criação com os participantes. Os participantes do G20
de regras para cada tarefa são ações que foram nomeados de A1 a A6 e os participantes
vão potencializar a interação dos sujeitos; o do G30 foram nomeados de B1 a B6. A análise
sistema de pontuação deve ser justa e equili- de cada pergunta norteadora foi realizada com
brado, assim como as recompensas, e devem base nas impressões dos participantes dos dois
ser exposta de preferência a cada tarefa rea- grupos concomitantementes. As falas colabo-
lizada; os recursos devem ser bem definidos rativas foram iniciadas partindo da avaliação
a cada etapa e o professor deve ter atenção da estratégia gamificada, na qual o G20 e G30
as tarefas para saber como vai proceder a a expressaram alguns consensos de ideias, con-
análise para pontuação e recompensa; e por forme sinalizados na figura a seguir:
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 34-52, jan./jun. 2023 43
Potencialidades da gamificação na Educação de Jovens e Adultos
Figura 1: Avaliação da estratégia gamificada pelo coisas diferentes que não fez ainda em outras
G20 e G30 aulas. (G20, A3)
O que eu percebi nessas aulas é que gerava me-
nos bagunça. Todos prestaram muita atenção
no que ia acontecer nas perguntas. (G20, A5)
Eu achei uma aula interessante, porque é dife-
rente não é igual ao dia-a-dia, quando o profes-
sor fala assim que é para escrever e o povo não
quer e no jogo o povo é viciado e aí os alunos se
encorajou mais e interagiu mais na aula. Cada
um fica com aquele negócio de um ganhar e
outro perder, foca mais no objetivo. (G20, A2)
Eu achei bastante interessante, até porque a
gente ganha mais raciocínio e olha as coisas
com um olhar mais focado e diferente. Com isso
a gente percebe que é bastante interessante, a
Fonte: Elaborado pelos pesquisadores, em 2020. gente aprende mais e mais e consegue progredir.
(G30, B2)
A figura acima apresenta a avaliação coletiva
do G20 e G30 sobre a estratégia gamificada Eu achei interessante. É uma forma diferente de
sala de aula. (G30, B4)
realizada ao longo da pesquisa. Foi possível
perceber que os participantes de ambos os A gente ver que é capaz de enfrentar os obstá-
grupos gostaram muito da estratégia e levan- culos. (G30, B6)
taram pontos semelhantes em suas avaliações. Os depoimentos dos sujeitos da EJA mostram
Eles ressaltaram os principais elementos que que a gamificação, quando bem planejada, pode
vivenciaram ao conhecerem, planejarem e se levar a um maior engajamento e motivação dos
tornarem jogadores de uma estratégia que alunos em sala de aula. É perceptível nas falas
ajudaram a construir. Sinalizaram que a pro- que os elementos que foram inseridos na estra-
posta favoreceu ao processo de interação, de tégia favoreceram uma mudança de mentalidade
incentivo, de novidade, de determinação, de e postura da turma frente ao que conheciam e
foco, de superação e de motivação individual e vivenciavam em sala de aula. O fato de compa-
da turma como um todo. Esta percepção reforça rarem essa nova experiência com outras aulas e
que a gamificação é sim “[...] uma estratégia de perceberem que com a gamificação conseguiram
ensino e de aprendizagem que tem ganhado interagir e produzir mais, já é um indicativo de
espaço na área como metodologia ativa, inven- que alunos jovens e adultos também são sujei-
tiva, híbrida e múltipla quanto às suas carac- tos que quando colocados em meio a desafios e
terísticas e possibilidades de experimentação” obstáculos buscam dar o seu melhor.
(LACERDA; SCHLEMMER, 2018, p. 648). Estas Na sequência das falas nos grupos focais,
características favorecem à aprendizagem e o eles expressaram se gostaram ou não de tra-
desenvolvimento de muitas potencialidades de balhar em equipe durante a estratégia. Todos
forma individual e coletiva. sinalizaram que gostaram e ainda justificaram
Para uma percepção mais detalhada da a importância da colaboração e das dificulda-
avaliação apresentada na figura acima, a seguir des vivenciadas nos grupos durante a reali-
estão elencadas algumas falas dos participan- zação da proposta. No quadro a seguir estão
tes do G20 e G30 que expressam suas opiniões expostos os depoimentos dos participantes
frente a estratégia gamificada. com as justificativas da importância do traba-
Muito boa, porque incentiva mais os alunos a lho colaborativo e as dificuldades enfrentadas
se interessar mais pelas atividades, em fazer por algumas equipes.
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Naiara Serafim Santos Mota; Antonio Amorim
Dificuldades
Trabalho colaborativo em equipe
encontradas
Juntos tem mais cabeça para pensar e pra fazer mais, trabalhar mais. (G20, A1)
Trabalhar em equipe, você se organiza, você junto dialoga, cada um fala uma coisa e
ali vai criando uma forma. (G20, A6) Alguns se
esforçavam
Gostei muito de trabalhar em equipe porque o que eu não sei o outro da equipe já e outros não.
sabe e assim um aprende com o outro e vamos trocando ideais. (G30, B4) (G30, B3)
Em grupo é melhor que individual. Por mais que a gente tenha uma dificuldade o
outro já corre atrás e busca entender. (G30, B6)
Fonte: Elaborado pelos pesquisadores, em 2020.
Com base nos depoimentos acima, é possível Ainda sobre o quadro, é possível perceber
inferir que propor a realização da estratégia em que apenas o G30 citou a dificuldade enfren-
equipe contribuiu para uma maior interação e tada durante a realização da estratégia. A difi-
colaboração entre os alunos. Durante todo o culdade foi sobre o esforço de uns e a inercia
percurso as equipes foram desafiadas e preci- de outros frente a execução dos desafios em
saram pensar e agir em grupo. Além da cola- cada nível. O participante que fez esse relato
boração em cada grupo também foi necessária ressaltou que isso não interferiu na realização
a colaboração entre equipes para se alcançar o das propostas, mas que se toda a equipe esti-
objetivo em determinado nível da estratégia. As vesse engajada teriam resultados melhores.
ações gamificadas com proposta colaborativa Um depoimento que mostra o interesse da
favorece aos jogadores interagir, trocar expe- equipe em envolver a todos e incentivar cada
riência e saberes para realizar determinada um a alcançar o objetivo em cada nível.
tarefa (ALVES; MINHO; DINIZ, 2014). Apesar da Nessa lógica de trabalho em colaboração e
existência da competição entre os grupos, essa de incentivo mútuo nos grupos, os participan-
foi bem moderada pois, a proposta gamificada tes foram questionados pelos mediadores se
foi planejada com foco maior na colaboração, haviam se sentindo motivados a realizarem
na qual para se chegar a um determinado nível as propostas e o que os motivaram. Todos
os grupos precisavam contar com a expertise
disseram que estavam motivados e relata-
de outro grupo.
ram o que consideraram fator principal para
Conforme Fardo (2013, p.6):
manter a motivação durante toda a estratégia
[...] dois aspectos fundamentais dos games são a gamificada. As falas do G20 e G30 provocaram
competição e a colaboração, e eles não precisam
um diálogo aberto entre eles que possibilitou
ser mutuamente exclusivos. Esses elementos po-
dem ocorrer juntos com a narrativa e pode haver a moderadora maior segurança para destacar
competição entre grupos, o que potencializa a os depoimentos a seguir:
interação e pode fornecer mais um contexto Era um trabalho diferente de tudo o que já tive-
para os objetivos. mos que fazer. Queria fazer o melhor. (G20, A3)
Por isso, a estratégia gamificada foi pensada Queria concluir o trabalho e ganhar no final. O
numa perspectiva mais colaborativa e coope- prêmio também fazia parte, mas queria ganhar
rativa, visando desenvolver nos participantes por ganhar. (G20, A5)
o desejo por superar os desafios propostos ao Mostrar que a gente pode. Mostrar que a gente é
longo do percurso. capaz de conseguir nossos objetivos. (G20, A6)
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 34-52, jan./jun. 2023 45
Potencialidades da gamificação na Educação de Jovens e Adultos
O prêmio também é legal, eu queria ganhar a tanto, pensar uma estratégia com base em
nota e também o prêmio. (G20, A2) assuntos que desperte o interesse e atenção
A professora nos motivou. Entramos de cabeça, dos alunos da EJA é fundamental para que se
vamos fazer, vamos vencer e pronto. (G30, B1) engajam a realizar.
O incentivo da professora em fazer a gente A partir dos depoimentos, nota-se que
aprender mais e mais. Ela se preocupou bastante os participantes apresentaram motivação
com nosso aprendizado pra ver agente criar intrínseca suficiente para se engajarem nos
algumas ideias e avançar. (G30, B2) desafios de cada fase e isso se deu, no primeiro
Me senti bem motivada. Fez a gente raciocinar e momento, devido a existência da motivação
buscar. A professora foi a grande incentivadora. extrínseca e a estruturação da estratégia em
Não lembrei que tinha prêmio no final. Gostei de níveis de dificuldades crescente. Os desafios
ter participado. (G30, B4)
foram colocados do mais simples para o mais
A gente não tinha aquela esperança de vamos complexo e na medida em que os participantes
ganhar, a gente queria mostrar que era capaz iam conseguindo avançar eles se engajam mais
de fazer aquilo. (G30, B6)
para o próximo nível. Esta ação é explicada por
Com base nos depoimentos acima, é possível Fardo (2013, p.6) quando diz que “Proporcio-
notar duas situações distintas, na primeira os nar diferentes níveis de dificuldade para os
participantes disseram que se sentiram motiva- desafios propostos pode auxiliar na construção
dos pela professora e também pelo prêmio. Na de um senso de crescimento e avanço pessoal
segunda situação eles ressaltaram que queriam nos estudantes, e também faz com que cada um
fazer o melhor para ganhar e assim mostrar que siga o seu próprio ritmo de aprendizagem”. Este
eram capazes de superar os desafios e alcançar é um fator importante na EJA, na medida em
os objetivos, independentemente da existên- que eles percebem que estão avançando eles se
cia de um prêmio ao final. Neste aspecto, fica esforçam mais para aprender. Por isso, eles res-
evidente que os participantes criaram suas saltaram nos grupos focais que ganhar o jogo
próprias recompensas e seus próprios motivos não era tão esperado, mas superar os desafios
para chegar ao final da estratégia. propostos e chegar aos objetivos previstos.
Essa análise reforça a existência das duas Outro ponto que foi levantado nos grupos
vertentes da motivação, a extrínseca e intrín- focais foi sobre a compreensão do conteúdo
seca. As duas motivações são fundamentais trabalhado durante a estratégia gamificada.
ao trabalhar com sujeitos jovens e adultos, e é Neste momento, é relevante enfatizar que a
possível perceber nas falas que o grupo focal investigação foi realizada pela pesquisadora
G30 ressaltou muito o papel exercido pelos que era professora de Arte na turma. A estra-
professores para que eles se sentissem mais tégia foi pensada com base no conteúdo “Arte
confiantes e assim entrarem “de cabeça” na Contemporânea” escolhido pela turma durante
proposta para provar para si e para os outros a fase de planejamento da ação. A narrativa
que eram capazes. Aqui é possível perceber foi criada considerando este conteúdo e a rea-
a relação desta motivação com os aspectos lidade dos alunos, em cada nível os desafios
emocionais como a autonomia, a confiança e o traziam possibilidades dos alunos produzirem
medo, na EJA esses aspectos são aflorados, os com base no conteúdo arte contemporânea. O
sujeitos desta modalidade de ensino sentem a objetivo da estratégia vislumbrou trabalhar a
necessidade de aprender e mostrar a todos o arte contemporânea de forma a possibilitar aos
que eles aprenderam. “Em sua essência, a ga- alunos criar de forma colaborativa com base em
mificação gira em torno de envolver as pessoas suas experiências de aprendizagens.
em um nível emocional e motivá-las a alcançar Antes mesmo de ouvir os depoimentos
metas estabelecidas” (BURKE 2015, p. 4); para dos participantes acerca da compreensão do
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conteúdo durante a estratégia, a observação durante a estratégia foi favorecida pelas ati-
já havia dado uma resposta a esta questão. O vidades práticas do tipo mão na massa, pela
envolvimento dos alunos foi intenso e a cada colaboração em equipe e entre equipes, pelo
nível o feedback aconteceu de forma rápida, diálogo, pela diversão e pelos desafios ao lon-
assim os alunos jogadores já sabiam onde e go do percurso. Todos esses elementos foram
como podiam melhorar, sanavam suas dúvidas referenciados pelos participantes do G20 e G30
e seguiam a realizar os desafios. Estes desafios como significativos no processo de ensino e
estavam atrelados ao conteúdo e as equipes aprendizagem. É perceptível também, que eles
precisavam usar a criatividade e o conheci- citam outras aulas como cansativas, fazem rela-
mento do tema para resolver problemas, se eles ção de atividades escritas com atividades mais
não compreendessem o conteúdo teriam mais práticas e dizem ainda que quando só escrevem
dificuldades em superar os desafios. eles aprendem e logo esquecem.
Nesse sentido, Alves, Minho e Diniz (2014, A gamificação é uma estratégia pedagógica
p. 80) reforçam que “O sistema de feedback é que, quando bem elaborada, possibilita aos
fundamental para subsidiar e retroalimentar o alunos serem protagonistas no processo de en-
processo de engajamento dos jogadores, infor- sino e aprendizagem. A gamificação enquanto
mando seu percurso para alcançar os objetivos metodologia ativa favorece uma aprendizagem
propostos”. Por isso, é necessário e importante ativa aos estudantes, isso é referenciado nos
ter feedback constante durante todo o percurso depoimentos quando os participantes enfati-
da gamificação, assim o aluno é estimulado a zam a conversa, a troca de experiência entre
procurar novas possibilidades para alcançar o pares e a prática em sala de aula como meios
objetivo. Logo, ao serem questionados se con- para aprender.
seguiram compreender o conteúdo presente Quando os participantes citam a prática
na estratégia gamificada os participantes ex- em seus depoimentos, estão referenciando
puseram os seguintes depoimentos: principalmente os desafios que realizaram em
cada nível da estratégia. Eles foram desafiados
Na brincadeira, a gente aprende mais, porque
muitas vezes em aula agente não aprende tanto a criarem, produzirem artisticamente com
quanto praticando ali naquela situação toda. o objetivo de resolver um dado problema. A
Colocar tudo na prática é melhor. A professora criatividade foi instigada durante todo o per-
explicando e agente colocando a mão na massa curso, em alguns momentos buscaram apoio
a gente aprende mais. (G20, A1) nas tecnologias para complementar a proposta.
A gente tinha que acertar as perguntas, é igual Contudo, a tecnologia não foi o aparato central
ao jogo se a gente não souber jogar nunca vai da estratégia gamificada, isso sinaliza que a
passar de fase. (G20, A2) transformação do espaço educacional perpas-
Nas outras aulas é muito cansativo. (G20, A5) sa em muito a inserção da tecnologia, ou seja,
Às vezes não entendemos nada em outras aulas
essa transformação requer uma nova postura
e conversando, dialogando é que as coisas fun- e mentalidade do professor.
cionam, na brincadeira. (G20, A6) Nos grupos focais, a moderadora provocou
Gostei mais de ser prático. (G30, B1)
o debate em torno do desenvolvimento de po-
tencialidades por meio da estratégia gamifica-
Penso que esse ano eu estudei arte. (G30, B4) da. Os participantes dos grupos colaborativos
Na prática é mais fácil do que escrever. Na escrita destacaram algumas ações que realizaram no
você escreve, aprende e em poucos segundos percurso e consideraram que nunca fizeram ou
esquece. (G30, B6) não se achavam capazes de realizar tão ação.
Nos posicionamentos acima é evidenciado Neste contexto, a gamificação favoreceu aos
que a compreensão do conteúdo trabalhado participantes uma experiência mais instigan-
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Potencialidades da gamificação na Educação de Jovens e Adultos
te e envolvente que fez com que se sentissem professora e pesquisadora promover em cada
motivados a realizar determinas ações que nível desafios que engajassem e motivassem
em outras aulas não fariam. Para ilustrar esta os alunos na busca por caminhos diversos
situação o G20 e G30 se posicionaram: de aprendizagem. Isso é evidenciado nos de-
A participação é melhor em equipe. Foquei mais poimentos quando os participantes disseram
no objetivo. (G20, A2) que realizaram ações que nunca haviam feito
antes, pois o comum na escola na maioria das
Eu tive que encenar (G20, A3)
disciplinas é uma abordagem metodológica
Desenho. Eu não sabia desenhar, não sabia nem passiva, na qual os alunos ouvem, escrevem e
pra onde ia. A gente ia apresentar uma peça na leem sobre o conteúdo.
sala, só que depois agente reuniu o grupo e fez
Nos desafios os participantes tiveram a
um vídeo. Se a gente fosse apresentar na sala
não ia conseguir. (G20, A6) oportunidade de resolver problemas a partir
da criatividade e colaboração. Eles buscaram
Antes eu olhava a arte e não dava muita atenção
todos os meios a disposição para mostrar que
aquilo, mas agora já consigo olhar e perceber,
compreenderam o conteúdo, que eram capazes
buscar e identificar o que é arte. Se é uma foto,
desenho ou uma coisa desse tipo. (G30, B2) de criar e inventar e que podiam ganhar o jogo.
Neste processo, descobriram que o celular po-
Pesquisei coisas que eu nem sabia que existia.
dia ser um aliado, pois antes mesmo de chega-
(G30, B3)
rem no nível que seria sugerido a inserção do
Ler mais (G30, B4) celular na realização do desafio, eles já estavam
Com base nos depoimentos acima, é possível com os smartphones em mãos para produzir
inferir que a estratégia gamificada foi muito uma obra de arte contemporânea.
além de apenas inserir alguns elementos de Esse fato foi de extrema importância na pes-
jogo, como pontos ou medalhas, ela foi pla- quisa, pois sinalizou que quando o professor se
nejada com uma abordagem colaborativa e coloca como mediador e favorece uma apren-
cooperativa que favoreceu a mudança compor- dizagem ativa aos educandos, estes se sentem
tamental dos alunos participantes, o desenvol- seguros e com autonomia para buscar resolver
vimento de novas habilidades e a mudança de situações problemas de diversas formas. É váli-
hábitos. Para tanto, é importante mencionar do ressaltar que a orientação do professor é de
que em cada nível da estratégia os alunos foram extrema necessidade neste processo, pois ele
desafiados a pensar e agir de várias formas o é o responsável por sinalizar ao aluno acerca
que favoreceu trabalhar diferentes habilidades. do conhecimento que ele precisa adquirir. Caso
“Para cada habilidade a ser desenvolvida há essa mediação não seja feita, o aluno tende a
uma técnica ou elemento mais adequado para buscar o caminho mais fácil e fazer aquilo que
este fim. Fato é que, desde habilidades psico- ele já domina, não que isso não seja válido, mas
motoras até a solução de problemas, muitas o ideal é que ele se desafie e busque vivenciar
são as possibilidades para o uso de soluções novas aprendizagens, que lhe exijam mais cria-
tividade, ousadia, descobertas e senso crítico.
de aprendizagem gamificadas” (ALVES, 2015,
Nesse aspecto, Schlemmer (2014, p. 78)
p.108).
sinaliza que:
Na estratégia planejada e vivenciada nesta
pesquisa, os alunos foram agentes ativos no Assim, tanto a presença dos jogos (integração de
processo de ensino e aprendizagem, já que jogos nas experiências educacionais), quanto a
construção de narrativas interativas utilizando
participaram previamente de encontros para
diferentes mídias, bem como a gamificação,
conhecer sobre a gamificação e colaboraram vêm crescendo em importância na educação, na
na escolha dos elementos e do conteúdo que medida em que as pesquisas evidenciam a sua
fizeram parte da narrativa. Logo, coube a contribuição para: 1) um maior envolvimento
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efetivo dos sujeitos nos processos de ensino e de e coletivo. A nível individual os participantes
aprendizagem, favorecendo o desenvolvimento ressaltaram a autonomia, criatividade, autoria,
da autonomia, da autoria, da colaboração, da determinação, foco, curiosidade, criticidade,
cooperação, bem como instigando a solução de
problemas e o pensamento crítico; 2) ampliar pesquisa e auto superação como as poten-
as possibilidades da construção de sentidos – cialidades que desenvolveram ao longo da
significação de conceitos, de forma divertida; 3) estratégia. No que diz respeito ao coletivo os
o desenvolvimento cognitivo e sociocognitivo, participantes enfatizaram a colaboração, mo-
por meio da vivência de diferentes experiências. tivação, construção, cooperação e participação
Corroborando com a autora acima e com enquanto potencialidades que foram trabalha-
base nos depoimentos dos participantes da das nos grupos.
pesquisa, é possível inferir que a gamificação É importante salientar que a estratégia
apresentou potencialidades relevantes tanto desenvolvida nesta pesquisa teve por objetivo
para os alunos quanto para os professores da averiguar quais potencialidades a gamificação
EJA, favorecendo uma reconfiguração do ensino apresentaria quando aplicada a Educação
e aprendizagem e da sala de aula da Educação de Jovens e Adultos, para tanto, na figura a
de Jovens e Adultos do Colégio Estadual Maria seguir foram elencadas as principais poten-
Xavier de Andrade Reis. As potencialidades cialidades evidenciadas nos depoimentos dos
que foram evidenciadas durante a pesquisa participantes de forma que as palavras que
na turma da EJA e pelos alunos em seus depoi- fazem parte da intersecção foram comuns ao
mentos podem ser percebidas a nível individual G20 e G30.
A figura acima apresenta as potencialida- foi ressaltado por cada grupo focal, sendo que
des sinalizadas pelos participantes frente à o G20 trouxe em suas falas potencialidades
estratégia gamificada. É relevante notar o que como a autonomia, o foco, a criatividade, a
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Potencialidades da gamificação na Educação de Jovens e Adultos
autoria e a curiosidade, enquanto o G30 falou investigadores foram desafiados a criar novos
sobre a criticidade, a pesquisa, a determinação espaços de experimentação para o ensino e a
e autossuperação. Cada grupo apresentou as aprendizagem em colaboração com os alunos,
potencialidades que mais perceberam indivi- considerando a realidade e os conhecimentos
dualmente, enquanto os participantes do G20 prévios destes e a não familiaridade com os
enfatizaram que tiveram mais foco, curiosi- games e a gamificação. O grupo focal foi um
dade e autonomia na realização dos desafios espaço de trocas de experiências significativas
os participantes do G30 ressaltaram como se entre os participantes, o que favoreceu uma
sentiram determinados a superarem e se au- maior compreensão sobre as potencialidades
tossuperarem em cada desafio. da gamificação quando aplicada na Educação
Logo, é possível inferir que a estratégia ga- de Jovens e Adultos.
mificada atendeu a diferentes ritmos de apren- A aprendizagem dos alunos e das alunas foi
dizagem, o que é importante para a educação muito mais ativa com a gamificação do que
de jovens e adultos já que a turma era formada nas aulas realizada sem a estratégia gamifica-
por diferentes gerações. A figura ainda traz as da. Antes a turma era mais de ouvir, escrever
potencialidades comuns nos depoimentos dos e falar apenas para fazer uma pergunta ou
participantes de ambos os grupos, que dizem esclarecer uma dúvida em sala de aula. Nas
respeito ao coletivo, como a colaboração, mo- apresentações e nos trabalhos em grupos,
tivação, construção, cooperação e participação. mesmo com orientação, tinham dificuldade
Apesar dos grupos focais trazerem diferentes em criar e expor suas ideias uns com os ou-
pontos de vista, a observação pode averiguar tros. Muitos deixavam de realizar a proposta
que as potencialidades sinalizadas permearam de atividade por não conseguirem avançar
ambos os grupos, na visão da pesquisadora no processo criativo, por receio e vergonha
todas as potencialidades citadas fariam parte de apresentar para toda a turma e por não
de um único círculo. se sentirem motivados a fazer apenas pela
Os alunos se engajaram na realização das avaliação. Com a gamificação a aprendizagem
propostas de atividades, estavam motivados ocorreu de maneira muito mais prazerosa, a
e também motivaram os colegas a realizarem mudança do espaço da sala de aula, a intera-
os desafios. A colaboração foi perceptível nos ção entre pares, os desafios a cada nível favo-
grupos e entre os grupos. Houve maior partici- receram a motivação da turma para realizar
pação na aula. Os alunos tiveram um papel ativo tudo o que foi proposto deixando de lado os
na construção de aprendizagens. Trabalharam receios e inseguranças para dar espaço ao
criativamente e cooperaram entre eles. Desco- desejo de aprender mais, superar os desafios
briram novas habilidades e novas formas de e mostrar que eram capazes. Nesse proces-
aprender. Resignificaram a função do celular e so, durante um mês a turma conseguiu criar
perceberam que ele vai além de ligar e mandar artisticamente com muito mais qualidade,
mensagens. Notaram que podiam estudar por empenho e dedicação do que haviam feito nos
meio dele, realizar seminários, produzi vídeo, meses anteriores de aula.
conteúdo em áudio, imagens, jogar para se Uma estratégia gamificada precisa ser bem
divertir e também aprender. planejada, considerar a realidade dos edu-
Superaram seus limites e enfrentaram a candos e ser instigada por desafios, missões e
insegurança em busca de vencer e de alcançar descobertas para então favorecer a construção
os objetivos. A interação constante entre os colaborativa e cooperativa. Desta forma, a EJA
professores e os alunos auxiliou no engaja- se torna um terreno fértil para a gamificação,
mento dos educandos e foi decisivo para man- pois os alunos gostam de vivenciar novas ex-
ter a motivação durante todo o percurso. Os periências e ser desafiados por elas.
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Naiara Serafim Santos Mota; Antonio Amorim
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Potencialidades da gamificação na Educação de Jovens e Adultos
52 Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 34-52, jan./jun. 2023
Fábio Chacón; Katia Siqueira de Freitas
Resumo
O autor apresenta uma perspectiva internacional do ELearning como um
ecossistema que transforma os sistemas educacionais em todo o mundo. O
ELearning é organizado através de quatro níveis aninhados: internacional e
regional (determinado principalmente pelo idioma), instituição ou programa,
cursos e recursos educacionais. É a grande mudança que ocorre na Educação
com o advento do século XXI. Nessa perspectiva global, o crescimento do
ELearning no Brasil por causa da COVID-19 é visto como uma oportunidade
de expansão internacional para além do limite de países que têm o português
como língua nativa; isso inclui os Estados Unidos, Canadá e Europa Ocidental,
que têm sido os principais receptores da diáspora brasileira. O artigo conclui
com recomendações estratégicas, organizacionais e pedagógicas, sobre como
alcançar a internacionalização do ELearning.
Palavras-Chave: ELearning, Internacionalização do Aprendizado Online e
Expansão do Ensino a Distância em Português.
Abstract
INTERNATIONAL ELEARNING FOR ADULTS, BRAZIL
The author presents an international perspective of Elearning as an ecosystem
transforming educational systems worldwide. Elearning is organized through
four nested levels: international and regional (determined mostly by language),
institution or program, courses, and educational resources. It is the major
change occurring in Education with the advent of the XXI Century. From this
global perspective, the growth of Elearning in Brazil because of COVID-19 is
seen as an opportunity for international expansion beyond the limit of countries
that have Portuguese as their native language; this includes the United States,
Canada, and Western Europe which have been major receptors of the Brazilian
Diaspora. The article concludes with strategic recommendations, organizational
and pedagogical, about how to achieve the internationalization of Elearning.
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 53-66, jan./jun. 2023 53
Elearning internacional para adultos, Brasil
Resumen
elearning INTERNACIONAL PARA ADULTOS, BRASIL
El autor presenta una perspectiva internacional del aprendizaje electrónico
como un ecosistema que transforma los sistemas educativos en todo el mundo.
El aprendizaje electrónico se organiza a través de cuatro niveles anidados:
internacional y regional (principalmente determinados por el idioma),
institución o programa, cursos y recursos educativos. Es el gran cambio que se
produce en la Educación con la llegada del siglo XXI. En esta perspectiva global,
el crecimiento del eLearning en Brasil debido al COVID-19 se ve como una
oportunidad de expansión internacional más allá de los límites de los países que
tienen el portugués como lengua materna; esto incluye a Estados Unidos, Canadá
y Europa Occidental, que han sido los principales receptores de la diáspora
brasileña. El artículo concluye con recomendaciones estratégicas, organizativas
y pedagógicas sobre cómo lograr la internacionalización de Elearning.
Palabras clave: eLearning, Internacionalización del Aprendizaje en Línea y
Expansión del Aprendizaje a Distancia en Portugués.
INTRODUÇÃO
O sistema ELearning, conhecido em décadas breve perspectiva histórica da educação a dis-
passadas como aprendizagem online ou edu- tância no mundo e Brasil em particular, a fim de
cação a distância on-line, constitui a principal definir um contexto adequado para a educação
inovação na educação durante as primeiras a distância, tal como a conhecemos hoje: que
décadas do século XX, conforme antecipado são “Aprendizagem On-line”, “Aprendizagem via
por Romizowsky em 2003. Meu objetivo neste Plataformas”; ou ainda “ELearning”. Quando
artigo é duplo, por um lado, analisar algumas queremos conhecer algo novo, é bom começar
das principais características do ELearning a perguntar como o objeto de conhecimento se
como um sistema, o que o torna uma fer- originou. Em segundo lugar, eu vou analisar as
ramenta muito poderosa para transformar perspectivas do ensino superior brasileiro vis
a educação e especialmente a educação de -à-vis o atual ecossistema da ELearning como
adultos. De outro, propor a extensão dessa concebida por um certo número de pesqui-
inovação à educação internacional no Brasil, sadores, incluindo-nos em um artigo do livro
com foco na população adulta que fala língua “Tecnologia de aprendizagem de distância,
portuguesa. Com base em uma visão geral do instrução atual e o futuro da Educação” (Song,
crescimento do ELearning no Brasil durante editor, 2010). O livro contém um artigo sobre
as duas últimas décadas, acho que a situação ecologia de ELearning que escrevi com o meu
já está madura o suficiente para estender esse colega Julie Shaw e foi um dos primeiros artigos
sistema para fora das fronteiras do país. Tal- sobre este tema. Finalmente, apresentarei algu-
vez, isso já esteja acontecendo, mas uma visão mas ideias para um roteiro do ensino superior
sistêmica proposta neste artigo é útil para dar brasileiro, se algumas universidades quiserem
os passos certos desde o início. prosseguir a internacionalização através de
Em primeiro lugar, vou apresentar uma ELearning.
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Fábio Chacón; Katia Siqueira de Freitas
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Elearning internacional para adultos, Brasil
mente através da Internet [ou a Web]”. Muitas daqueles a que estavam acostumados. Outros
características das gerações anteriores de edu- estudos, como Almendingen, K. et al, 2020)
cação a distância são incorporadas nesta nova concluem que “Embora tivessem pouca expe-
modalidade. No entanto, o que o diferencia riência anterior com a educação on-line, esses
das outras é que o ambiente para professores alunos pareciam se adaptar rapidamente à
e alunos é universalmente compartilhado em súbita mudança para a educação on-line ad hoc
toda a extensão do planeta: a Internet ou a Web. devido à pandemia de COVID-19”. Nossa visão é
Isso converte a nova forma de instrução de uma que os locais onde os cursos foram adaptados
Ecologia onde alunos e professores abraçam on-line seguindo princípios de acesso univer-
espaços completamente virtuais para se tornar sal, aprendizagem ativa, presença docente e
um “modo de viver”. formação de comunidades de aprendizagem
A quarta geração não tem um único mo- alcançaram uma melhoria no desempenho
delo de aprendizagem, mas um continuo de acadêmico.
modelos: aprendizagem totalmente on-line,
aprendizagem combinada ou híbrido, aprendi-
NÍVEIS DE ECOLOGIA DE ELEARNING
zagem móvel, cursos abertos massivos on-line
(MOOC), conferência web, sala de aula virada, E COMO ELES ENVOLUÍRAM
e mais alguns. O termo “ELearning” enfatiza a John Seely Brown descreve um ambiente de
diversidade de métodos e o carácter interna- aprendizagem como: “Uma ecologia é basica-
cional do modelo, enquanto o termo “apren- mente um sistema de adaptação aberto e com-
dizagem on-line” é geralmente aplicada a um plexo que compreende elementos dinâmicos
método cuja paradigma é um curso entregado e interdependentes” (2000). Nossa definição
através de um sistema de gestão de aprendiza- de ELearning é um ecossistema formado por
gem, tais como o Blackboard, Canvas, Moodle diversos programas educacionais baseados
ou similar. Vamos analisar este ecossistema na Internet, atendendo ao público nacional e
mais detalhadamente, extraindo orientações internacional de alunos. O modo de interação
para ensino superior brasileiro. A julgar por desses programas educacionais é a transmissão
um censo da Associação Brasileira de Educação eletrônica, mais especificamente a Web, que
a Distância (ABED, 2015), a quarta geração transcende a geografia e as línguas. A Figura
está em pleno crescimento no Brasil. O reporto 1 representa uma visão mundial dos sistemas
relata mais de 5 milhões de alunos, a grande ELearning, que são também um negócio lucra-
maioria deles adultos e empregados. Existem tivo e em crescimento.
cerca de 1.200 instituições envolvidas neste A principal razão para esses programas
empreendimento, pertencentes aos setores para interagir é a troca de conhecimento,
do Ensino Superior, corporações e Governo. concebido em termos amplos: conhecimento
Esse crescimento de instituições e programas científico, mas também sapiência informal,
de educação a distância fala da maturidade do habilidades profissionais, mas também habili-
Brasil para internacionalizar o modelo propos- dades para a vida, conhecimento humanístico,
to neste artigo. mas também fatos comuns. Em ecossistemas
O aprendizado online mudou durante a CO- naturais, a principal força motriz é a troca de
VID-19? Existem dois tipos de evidências: de energia entre organismos em diferentes níveis
um lado, alguns estudos (Kim et al, 2021; Kipp, e através de processos de nutrição, reprodu-
2021) indicam uma diminuição do desempe- ção, desperdício e decadência. No ambiente
nho acadêmico, os alunos se encontrando em eletrônico de ELearning os equivalentes destes
um ambiente desconhecido e tendo que tra- são aquisição de conhecimento, copiando o
balhar com métodos de avaliação diferentes versionamento de conteúdo, e mandar para a
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Fábio Chacón; Katia Siqueira de Freitas
termo acadêmico. Então, para manter altos trabalhos que desempenham atualmente ou
níveis de qualidade, os membros da comuni- desejam realizar no futuro. Uma abordagem
dade acadêmica precisam usar um conjunto alternativa ao curso ou desenho do programa
de padrões. Cada curso é contrastado com é baseada na Análise de Tarefas Cognitivas
os padrões definidos e modificado para ser ou ATC (Crandall, Klein e Hoffman, 2006).
compatível. Nos Estados Unidos e no Canadá, Nas palavras desses autores: “Quando as
a Rubrica Quality Matters (A Qualidade é Im- tarefas que as pessoas estão realizando são
portante) (Maryland Online, 2017) tornou-se complexas, não basta simplesmente observar
um conjunto popular de padrões aplicados em as ações e os comportamentos das pessoas - o
cursos on-line e híbridos. A rubrica consiste que elas fazem. Também é importante desco-
em oito categorias: Visão Geral do Curso e brir como eles pensam e o que sabem, como
Introdução, Objetivos ou Competências de organizam e estruturam as informações ... ”
Aprendizagem, Avaliação e Medição, Ma- (p.3). Vários métodos estão disponíveis para
teriais de Instrução, Atividades do Curso e educadores para realizar ATCs com succeso.
Interação, Tecnologia do Curso, Suporte ao É conveniente começar com descrições de
Aprendizagem, e Acessibilidade e Usabilida- trabalho relacionadas ao curso ou progra-
de. A aplicação da rubrica é conduzida por ma que se deseja oferecer em-linha. Estes
pares em uma forma dialógica e eles forne- fornecem indicações sobre o propósito do
cem orientação ao autor o elaborador curso trabalho, deveres e responsabilidades, conhe-
ou ao curso designer sobre o que melhorar. cimentos especiais e habilidades necessárias,
Qualquer programa on-line com o objetivo entre outros. Através de uma amostragem
de sucesso precisa do equivalente de Quality de descrições de cargos, é possível identi-
Matters para melhorar sistematicamente a ficar os principais componentes que devem
qualidade do curso. fazer parte do planejamento curricular. Um
Focalização de cursos em tarefas cogniti- segundo nível de análise pode ser realizado
vas profissionais. A maioria dos modelos de por meio de mapas conceituais ou mapas
design instrucional são derivações da Teoria mentais (Tavares, 2007), que são esquemas
Behaviorista; portanto, enfatizam o uso de ramificados originados em um tópico central
objetivos baseados em comportamentos ob- do tema ou habilidade do conhecimento; en-
serváveis para
definir a intenção educacional. tão, esse tópico ou habilidade é desagregado
Benjamin Bloom Taxonomy of Educational em componentes relacionados usando dois
Objects (1956) tornou-se um paradigma ou três níveis de organização. A Figura 3,
para a definição de objetivos ou resultados por exemplo, representa um mapa conceitual
de cursos e programas. No entanto, quando para um programa de computação de nível
pensamos no estudante adulto, esse para- universitário.
digma é insuficiente. É importante anotar Usando as duas ferramentas anteriores
que a pesquisa que originou a famosa taxo- como insumo, é possível definir tarefas cogni-
nomia foi baseada em programas de ensino tivas específicas que os alunos devem realizar
fundamental e médio nos Estados Unidos. em um curso, tales como “elaborar um pro-
Os adultos não se sentem motivados para grama para gerar demonstrações contábeis
realizar comportamentos muito específicos, de uma empresa, com base na entrada de
conforme identificados pelos objetivos edu- transações”. Essas tarefas cognitivas seriam
cacionais. Em vez disso, eles buscam obter o núcleo dos cursos on-line oferecidos a uma
conhecimento e habilidades relacionadas aos população adulta.
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Fábio Chacón; Katia Siqueira de Freitas
muita atenção e os agentes de decisão devem acordo com a linguagem. O português tem
implementar os aspectos essenciais de cada uma distribuição especial, não comum a
nível como mínimo e outros aspectos serão outras línguas, como se vê na Figura 4. Está
evidentes durante a implementação. O roteiro presente em seis continentes, mas em re-
é essencialmente do andar de cima para baixo giões relativamente pequenas, com exceção
os níveis, tomando as decisões apropriadas em da América do Sul, onde ocupa a maior parte
cada etapa. Muitas iterações entre níveis são do continente. Isso significa que a criação
necessárias para garantir que eles se apoiem inicial de um programa internacional precisa
mutuamente. Eu ouso fazer certas recomen- ser cuidadosamente orientada, para evitar a
dações que considero mais específicas para o dispersão de recursos. O público que significa
caso de ensino superior brasileiro. menos esforço financeiro e mais probabilida-
de de sucesso são os brasileiros da diáspora
ESTABELECER UMA AUDIÊNCIA (Wikipedia, 2023) nos Estados Unidos, Ca-
ALVO, CONSIDERANDO A VARIÁVEL nadá e Europa Ocidental, que formam uma
população próxima a três milhões. Esta é uma
DE IDIOMA geração jovem com grandes necessidades
Eu disse que o ELearning é organizado de educacionais.
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Elearning internacional para adultos, Brasil
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Fábio Chacón; Katia Siqueira de Freitas
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66 Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 53-66, jan./jun. 2023
Juarez da Silva Paz; Silvar Ferreira Ribeiro
RESUMO
Este texto é um recorte da pesquisa de doutorado em andamento do Programa
de Pós-Graduação em Difusão do Conhecimento (PPGDC), que tem como
objetivo analisar o que tem sido produzido nas dissertações do Programa de
Pós-Graduação em Educação de Jovens e Adultos (PPGEJA) da Universidade
do Estado da Bahia, no período de 2015 a 2022. A metodologia da pesquisa
envolveu o levantamento das produções científicas (dissertações) disponíveis
no Centro de Documentação e Informação (CDI). O material, que foi pesquisado
no período de 26 de outubro a 28 de novembro de 2022, é de domínio público,
disponibilizado on-line, a partir do qual foi realizado o levantamento dos
títulos, resumos, palavras-chave e ano de conclusão das dissertações. O corpus
da pesquisa consiste em um total de 174 dissertações. Após a análise das
informações colhidas, concluiu-se que a produção acadêmica do PPGEJA é
consideravelmente relevante para os estudos relacionados à EJA, uma vez que
parte dos estudos abordam a formação de professores desta modalidade de
ensino, contemplando, também, temas ligados às demais áreas de concentração,
1 Nesse trabalho trata-se de extratos que irão compor o texto da Tese de Doutorado de Juarez da Silva Paz, que
está em construção, orientado pelo professor doutor Silvar Ferreira Ribeiro e coorientado pela professora dou-
tora Tânia Regina Dantas.
* Doutorando em Difusão do Conhecimento, Mestrado e Especialização em Educação de Jovens e Adultos, Gestão
e Coordenação Escolar; Graduado em Pedagogia; membro dos Grupos de Pesquisa Formação de Professores,
Autobiografia e Políticas Públicas / Gestão, Educação, Ciência & Tecnologias para a Inclusão Social e do Fórum
EJA Recôncavo. Atualmente é Professor da Faculdade Brasileira do Recôncavo e do Colégio Municipal da Embira
– Cruz das Almas-BA. E-mail: juarez.paz@hotmail.com.
** Pós-Doutorado pela Open University – Reino Unido – Knowledge Media Institute (KMi-OU). Doutor em Difu-
são do Conhecimento, Mestre em Engenharia de Produção. Especialista em Psicopedagogia e em Metodologia
do Ensino Superior. Graduado em Pedagogia. Professor do Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias
(DCHT-UNEB), Campus XIX; Professor Permanente do Programa de Doutorado Multi-Institucional e Multidisci-
plinar em Difusão do Conhecimento. Líder do Grupo de Pesquisa Gestão, Educação, Ciência & Tecnologias para
a Inclusão Social. E-mail: sfribeiro@uneb.br.
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 67-78, jan./jun. 2023 67
Análise das dissertações do Programa de Pós-Graduação em Educação de Jovens e Adultos (ppgeja) da Universidade do Estado da Bahia (uneb)
ABSTRACT
ANALYSIS OF DISSERTATIONS FROM THE POSTGRADUATE PROGRAM IN
YOUTH AND ADULT EDUCATION (PPGEJA) AT THE UNIVERSIDADE DO
ESTADO DA BAHIA (UNEB)
This text is an excerpt from the ongoing doctoral research of the Graduate
Program in Knowledge Dissemination (PPGDC), which aims to analyze what
has been produced in the dissertations of the Graduate Program in Youth
and Adult Education (PPGEJA) of the State University of Bahia, from 2015 to
2022. The research methodology involved a survey of scientific productions
(dissertations) available at the Documentation and Information Center (CDI).
The material, which was researched from October 26 to November 28, 2022, is
in the public domain, available online, from which a survey of titles, abstracts,
keywords and year of completion of the dissertations. The research corpus
consists of a total of 174 dissertations. After analyzing the collected information,
it was concluded that the academic production of the PPGEJA is considerably
relevant for studies related to EJA, since part of the studies address the training
of teachers in this teaching modality, also contemplating themes related to the
other concentration areas, such as Education and Work and Management and
ICTs, bringing guidelines necessary to improve the quality of Education for EJA,
and above all contributing to its visibility in the state, regional and national
scenario.
Keywords: Youth and Adult Education; Graduate Program in Youth and Adult
Education; Professional Master; Dissertations.
RESUMEN
ANÁLISIS DE TESIS DEL PROGRAMA DE POSGRADO EN EDUCACIÓN DE
JÓVENES Y ADULTOS (PPGEJA) DE LA UNIVERSIDADE DO ESTADO DA
BAHIA (UNEB)
Este texto es un extracto de la investigación de doctorado en curso del Programa
de Posgrado en Difusión del Conocimiento (PPGDC), que tiene como objetivo
analizar lo producido en las disertaciones del Programa de Posgrado en
Educación de Jóvenes y Adultos (PPGEJA) de la Universidad Estatal de Bahía
, de 2015 a 2022. La metodología de investigación implicó un levantamiento
de las producciones científicas (disertaciones) disponibles en el Centro de
Documentación e Información (CDI). El material, que se investigó del 26 de
octubre al 28 de noviembre de 2022, es de dominio público, disponible en línea,
del cual se extrajo una encuesta de títulos, resúmenes, palabras clave y año de
finalización de las disertaciones. El corpus de investigación consta de un total
de 174 disertaciones. Luego de analizar la información recolectada, se concluyó
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Juarez da Silva Paz; Silvar Ferreira Ribeiro
1 INTRODUÇÃO
Este texto é um recorte da pesquisa de doutora- filhos, já não frequentam a escola por algum
do em andamento do Programa de Pós-Gradua- tempo, entre outras questões que, decerto, im-
ção em Difusão do Conhecimento (PPGDC), de plicam no processo de ensino e aprendizagem.
forma associativa, entre Universidade Federal Assim sendo, defende-se que os professores,
da Bahia (UFBA), Universidade do Estado da ao atuarem na EJA, precisam compreender
Bahia (UNEB), Instituto Federal de Educação, quais são as particularidades destes sujeitos,
Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), Univer- possuindo uma formação específica adequada
sidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), para lidar com os eles e suas perspectivas. Para
Laboratório Nacional de Computação Científica tal, além de formações continuadas relaciona-
(LNCC) e Centro Universitário SENAI CIMATEC, das à EJA, acredita-se que o mestrado voltado
na Área de Concentração: Modelagem da Gera- para a modalidade de ensino pode contribuir
ção e Difusão do Conhecimento. de forma significativa para a profissionalização
Refletir acerca da Educação de Jovens e do professor da Educação de Jovens e Adultos,
Adultos (EJA) requer pensar, para além dos favorecendo a sua atuação junto ao público-al-
aspectos legais e das perspectivas dos estudan- vo, tornando sua prática mais significativa.
tes, no processo de formação do professor para Levantou-se como questão norteadora desta
atuar nesta modalidade de ensino. pesquisa: quais temáticas têm sido abordadas
A EJA é um campo construído por meio de nas dissertações do MPEJA, promovido pela
muitas lutas decorrentes do engajamento de Universidade do Estado da Bahia, e de que
sujeitos envolvidos nos movimentos sociais forma o MPEJA tem contribuído para a forma-
em prol das minorias trabalhadoras (negros, ção de professores da Educação de Jovens e
mulheres, pessoas com baixo poder aquisitivo, Adultos?
etc.), tendo sido muitíssimo importante para Nesta perspectiva, sabendo que o mestrado
a conquista do direito à educação escolar por tem se constituído uma opção enriquecedora
parte destes sujeitos, os quais não conseguiram para a formação docente, fomentando a am-
concluir a educação básica no tempo conside- pliação de conhecimentos e as possibilidades
rado regular. de trabalho em sala de aula e favorecendo a
Neste sentido, atuar na EJA requer o [re] atuação do professor-pesquisador, este artigo
conhecimento por parte dos professores de que tem como objetivo principal analisar o que tem
estes sujeitos de direito apresentarão especifi- sido produzido nas dissertações no Programa
cidades diferentes do público que frequenta o de Pós-Graduação em Educação de Jovens e
“ensino regular”, especialmente por serem pes- Adultos (PPGEJA) da Universidade do Estado
soas que, em sua maioria, trabalham, possuem da Bahia, no período de 2015 a 2022, consti-
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Análise das dissertações do Programa de Pós-Graduação em Educação de Jovens e Adultos (ppgeja) da Universidade do Estado da Bahia (uneb)
70 Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 67-78, jan./jun. 2023
Juarez da Silva Paz; Silvar Ferreira Ribeiro
Em sua pesquisa, Ambrosetti e Calil (2016) ciando a prática (GRASSI et al., 2016).
analisam que o parecer CFE 977/65, que es- Na concepção de Nogueira, Neres e Brito
tabelece as bases da pós-graduação no Brasil, (2016), para os docentes que atuam na educa-
aponta a possibilidade de o mestrado e o dou- ção básica, o mestrado profissional tem se ins-
torado serem “em pesquisa” e “profissional”, tituído bastante relevante, haja vista que, além
sendo que os legisladores elucidam que estes de ser um importante espaço de formação, ain-
níveis de pós-graduação (stricto sensu) devem da se propõe a contribuir para a formação do
ser entendidos como uma organização com professor/pesquisador, sendo capaz de agregar
finalidade de promover a pesquisa, desenvol- valor às suas atividades, contemplando o in-
ver a ciência e a cultura de modo geral, contri- teresse pessoal e/ou social (NOGUEIRA; NE-
buindo para o treinamento de pesquisadores, RES; BRITO, 2016). Corroborando as autoras
tecnólogos e outros profissionais “de alto nível” supramencionadas, Grassi et al. (2016, p. 684)
(AMBROSETTI; CALIL, 2016). analisa que “As competências e as habilidades
Apesar de haver a possibilidade de o mestra- exigidas para o exercício da docência nesses
do ser em pesquisa e profissional, Ambrosetti cursos ou programas constituem, muitas vezes,
e Calil (2016) ressaltam que a pós-graduação uma significativa mudança para os professores,
stricto sensu direcionada ao desenvolvimento contrapondo-se aos princípios que orientaram
profissional tem sido mal vista na academia por sua formação inicial e até mesmo a formação
alguns sujeitos, os quais a consideram uma ti- continuada”.
tulação menor, não condizente com a formação Importa salientar que, apesar das transfor-
da pesquisa, sendo restrita à formação prática. mações em torno das possibilidades de forma-
Contudo, devido a estas polêmicas, a CAPES ção dos professores, as instituições escolares
vem reafirmando que ambos os mestrados – ainda não têm passado por grandes mudanças,
profissional e acadêmico – não apresentam de modo que cabe ao professor utilizar os co-
diferenças em suas titulações, apresentando, nhecimentos construídos em suas formações,
ainda, as mesmas possibilidades de atuação como o mestrado profissional, para promover
na docência universitária e nos estudos no melhorias na qualidade do ensino e, por con-
doutorado (BARROS, 2008 apud AMBROSETTI; seguinte, na Educação (NOGUEIRA; NERES;
CALIL, 2016). BRITO, 2016). Como analisa Dantas (2019,
De acordo com Grassi et al. (2016), pen- p. 445), o professor que atua na Educação de
sando do ponto de vista formativo, importa Jovens e Adultos “precisa estar qualificado
mencionar alguns desafios enfrentados pelos para compreender as reais necessidades de
professores da modalidade mestrado profis- seus educandos, construindo junto com eles
sional stricto sensu, como a produtividade saberes e conhecimentos fundamentais à sua
científica de forma quantitativa e qualitativa, e formação”.
a orientação quanto ao planejamento de suas
práticas pedagógicas e à escrita das disserta- 2.2 FORMAÇÃO DO PROFESSOR DA
ções. Outra questão apontada pelos autores é EJA: CONTRIBUIÇÕES DO MESTRADO
a relação entre ensino e pesquisa, haja vista PROFISSIONAL
que o trabalho de conclusão dos discentes do Como discutem Morais, Dourado e Amorim
mestrado profissional está voltado para uma (2017), o mestrado profissional em EJA é de-
intervenção em sua prática pedagógica. Neste corrente da luta pela valorização e construção
ponto, os autores concordam que os mestrados de políticas para a formação profissional, as
profissionais promovem uma intervenção pe- quais vêm sendo formuladas e implementadas
dagógica significativa, uma vez que a pesquisa desde os anos de 1990, após a implantação da
está intimamente atrelada ao ensino, propi- Constituição Federal de 1988, que abriu portas
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Análise das dissertações do Programa de Pós-Graduação em Educação de Jovens e Adultos (ppgeja) da Universidade do Estado da Bahia (uneb)
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Juarez da Silva Paz; Silvar Ferreira Ribeiro
seus direitos enquanto alunos e, também, como Conforme a Matriz Curricular do Programa
cidadãos. Além disso, a ampliação das pesqui- de Pós-Graduação de Jovens e Adultos propos-
sas neste campo, as quais foram promovidas ta para o MPEJA, o mestrado se fundamenta
em grande parte pelo MPEJA, favorece o [re] no diagnóstico da realidade educacional do
conhecimento da EJA como um campo neces- Brasil, especialmente da Região Nordeste e
sário à formação de indivíduos que, por algum do estado da Bahia. Dessa forma, as linhas de
motivo, tiveram que retardar a sua formação na pesquisa, de modo estratégico, intencionam
educação básica. Estes sujeitos precisam ser questionar a práxis da intervenção e o contex-
enxergados em sua diversidade, pensando-se to socioeducacional, “priorizando projetos de
no viés político, social, cultural, econômico e estudos, pesquisa e intervenção na perspectiva
identitário; o MPEJA tem possibilitado essa da interação local-global-local, concretizada na
visibilidade. realidade socioambiental da Bahia, embasada
Ainda sobre a importância do MPEJA para na concepção freiriana e de outros teóricos da
a formação do profissional da EJA, Patrícia atualidade” (UNIVERSIDADE DO ESTADO DA
Lessa5, coordenadora do MPEJA desde 2018, BAHIA, 2012, p. 5). De acordo com o referido
afirma que o mestrado profissional possui um documento, a efetivação do MPEJA “possibilita-
“currículo muito potente de formação de base rá o estreitamento entre o ensino e a pesquisa
do profissional que vai atuar na Educação de na formação dos professores formadores e,
Jovens e Adultos”, sendo trabalhados autores consequentemente, no currículo da Educação
como Paulo Freire, além de componentes como Básica direcionada aos Jovens e Adultos” (UNI-
“Políticas Públicas e EJA, Movimentos Sociais, VERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA, 2012, p. 5).
Cidadania e Ética, Relações Raciais com auto- Isso porque possibilita refletir acerca da reali-
res que são ponta para a formação”, havendo a dade individual e coletiva destes sujeitos, bem
realização de pesquisa e também intervenção. como em torno dos problemas ambientais, dos
Assim, para Patrícia Lessa, o MPEJA traz uma saberes oriundos de suas comunidades e das
contribuição extremamente relevante, tanto relações cotidianas da escola (UNIVERSIDADE
para a formação do professor quanto a nível DO ESTADO DA BAHIA, 2012).
de conhecimento que é produzido e publicado. Com relação ao processo de formação dos
Acerca do processo de formação de pro- professores da EJA, Gadotti e Romão (2000)
fessores, principalmente aqueles que atuam analisam que muitos deles não estão devida-
mente preparados para atuarem nesta moda-
na EJA sem uma formação específica, Tânia
lidade de ensino, sendo, em boa parte, leigos,
Dantas, coordenadora do MPEJA entre os anos
inclusive por atuarem em outros segmentos,
de 2013 e 2017, na contramão do que poderia
sem formação específica para a EJA. Além dessa
eclodir em fracasso,
questão, Tanure et al. (2021) avaliam que a EJA
esse programa [...] realmente veio nessa dire- no Brasil segue enfrentando obstáculos consi-
ção de contribuir na formação do professor
deráveis no que diz respeito ao atendimento às
que atua na EJA, que já está atuando na EJA
sem formação adequada, às vezes utilizando necessidades dos estudantes, o que é bastante
métodos e técnicas [e] uma linguagem mais preocupante, apesar dos avanços nas últimas
adequada para o trabalho com crianças do que décadas.
propriamente com adultos. Então esses cursos, Para enfrentar estes desafios, Tanure et al.
esse programa vem romper com essa situação, (2021) defende que a Universidade do Estado
preparando adequadamente o professor para
da Bahia, por meio do MPEJA, tem sido uma
atuar no campo da EJA6.
grande parceira, principalmente pela sua tradi-
5 Entrevista concedida a Paz, Juarez em 30/08/2022. ção de pesquisa, ensino e extensão direcionadas
6 Entrevista concedida a Paz, Juarez em 31/08/2022. à educação básica. Enquanto modalidade de en-
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Análise das dissertações do Programa de Pós-Graduação em Educação de Jovens e Adultos (ppgeja) da Universidade do Estado da Bahia (uneb)
sino da Educação Básica, a EJA também precisa tigativo que se utilizada do levantamento de
de atenção por parte das políticas educacionais fontes relevantes sobre um determinado tema,
para a formação profissional de professores utilizando, para tal, teses, dissertações, artigos,
(MORAIS; DOURADO; AMORIM, 2017), de modo livros, documentos sobre o tema pesquisado.
que a proposição de mestrados profissionais Nesta pesquisa, as principais fontes utili-
neste campo é extremamente válida. zadas foram artigos sobre o tema, além das
Diante do exposto, pode-se afirmar que a dissertações disponíveis no Centro de Docu-
criação do MPEJA foi um processo construído mentação e Informação (CDI) referentes às
por meio de muita dedicação e estudos por produções do Programa de Pós-Graduação
parte dos envolvidos, buscando-se, a partir da em Educação de Jovens e Adultos (PPGEJA). O
sua implementação, mudanças efetivas no fazer material, que foi pesquisado no período de 26
profissional daqueles que trabalham com a de outubro a 28 de novembro de 2022, é de do-
Educação de Jovens e Adultos. Estas mudanças, mínio público e disponibilizado on-line. Nesta
por sua vez, têm sido alcançadas progressiva- busca, foi realizado o levantamento dos títulos,
mente, haja vista a ampliação do número de resumos, palavras-chave e ano da conclusão
pesquisas sobre a EJA e de sujeitos que buscam das dissertações. Ao todo, foram encontradas
o Programa de Mestrado Profissional com o 174 dissertações, as quais serão melhor apre-
intuito de melhorar o seu nível profissional e sentadas na próxima seção.
realizar pesquisas voltadas para este campo.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
3 METODOLOGIA
Durante a pesquisa realizada, foram encontra-
Para desenvolver este artigo, escolheu-se como das, conforme já mencionado, 174 dissertações
metodologia o levantamento bibliográfico com disponíveis no Centro de Documentação e
abordagem qualitativa. Informação (CDI). Para esta análise foram con-
De acordo com Minayo (1995), pode-se siderados os títulos, as palavras-chave, o ano de
afirmar que a pesquisa qualitativa se preocupa conclusão das pesquisas e os seus respectivos
com aspectos da realidade que não podem ser objetivos.
quantificados, havendo um direcionamento Antes de serem apresentadas, importa sa-
para a análise do objeto pesquisado, buscando- lientar que todas contemplam uma das áreas
se uma explicação mais dinâmica. de concentração e uma das linhas de pesquisa
Quanto ao levantamento bibliográfico, à luz apresentadas no quadro a seguir, relacionadas
dos estudos de Pizzani et al. (2012), podemos à proposta do MPEJA. Ao todo, são três áreas de
dizer que este consiste em um método inves- concentração e três linhas de pesquisa.
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Juarez da Silva Paz; Silvar Ferreira Ribeiro
Conforme pesquisa realizada, é possível anos de 2020 e 2022, período em que ocorreu
afirmar que a maioria das produções está a pandemia da covid-19, pode-se constatar,
concentrada no ano de 2018, sendo a menor também, uma baixa no número de dissertações
quantidade produzida no ano de 2022. Ob- produzidas em relação ao período anterior,
servando o quantitativo de pesquisas entre os conforme tabela a seguir.
Embora não se possa afirmar, de certo, Sobre o perfil dos estudantes, o MPEJA pos-
que esta queda no número de pesquisas seja sui mestrandos matriculados dos municípios
decorrente do período pandêmico e das trans- de Salvador, Alagoinhas, Barreiras, Caetité,
formações causadas na rotina dos sujeitos, esta Eunápolis, Feira de Santana, Irecê, Itabuna, La-
é uma possibilidade, haja vista que os cuida- pão, Lauro de Freitas, Senhor do Bonfim, Serra
dos exigidos a fim de evitar a doença geraram do Ramalho, Serrolândia, Jacobina, Guanambi,
mudanças significativas na vida dos sujeitos, Teixeira de Freitas, Matina, Itaberaba, Irará, Ca-
dentre as quais estava o isolamento social e a maçari, Cruz das Almas, entre outras (MORAIS;
impossibilidade de realização de estudos em DOURADO; AMORIM, 2017). Conforme Morais,
campo – o que pode ter implicado na efetivação Dourado e Amorim (2017), os estudantes do
de alguns estudos/intervenções. interior do estado da Bahia compõem mais de
Do total de dissertações encontradas, 71,2% 60% dos estudantes do MPEJA, estando dis-
das produções foram desenvolvidas por sujei- tribuídos em mais da metade dos territórios
tos do sexo feminino, enquanto 28,8% foram baianos.
produzidas por indivíduos do sexo masculino, Dentre as pesquisas observadas, mais de
denotando que a maioria dos pesquisadores 1/3 se relaciona à área de concentração For-
são mulheres. mação de Professores, o que demonstra que
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 67-78, jan./jun. 2023 75
Análise das dissertações do Programa de Pós-Graduação em Educação de Jovens e Adultos (ppgeja) da Universidade do Estado da Bahia (uneb)
tem havido um crescimento significativo, pro- do professor da EJA, Dantas (2012) ressalta
piciado pelo MPEJA, de estudos direcionados que este público possui grande diversidade
à atuação do professor na EJA, bem como que cultural, além de vivências e experiências
há uma preocupação, por parte destes estudan- profissionais que precisam ser consideradas
tes/professores/pesquisadores em contribuir no processo de ensino e aprendizagem. Neste
para melhorar as práticas pedagógicas na EJA. sentido, a autora defende que o professor pre-
Conforme Morais, Dourado e Amorim (2017, cisa buscar formação específica para lidar com
p. 67), a formação no MPEJA é voltada “para a este público, especialmente porque, enquanto
formação humanista e específica, consolidada, modalidade da Educação Básica, a EJA ainda é
ainda, pelas áreas de concentração que forta- marginalizada no meio acadêmico, e o MPEJA
lecem o processo formativo dos mestrandos vem rompendo com essa questão, à medida que
e mestrandas”. Ainda, embora haja uma forte promove o mestrado profissional e incentiva a
“orientação para o mercado de trabalho e, investigação e a produção de pesquisas nesta
principalmente, para o ambiente escolar, fica área.
evidente que o curso nasce preocupado com as Como analisam Morais, Dourado e Amorim
demandas regionais nordestinas e em particu- (2017), discutir sobre o mestrado stricto sensu
lar das questões educacionais na área da EJA em EJA é destacar a necessidade de inovação e
vivenciadas pela Bahia”, embora isto também atendimento a esta demanda, tão negligenciada
favoreça a EJA no âmbito nacional, haja vista em nosso país. A UNEB, por meio do MPEJA,
que “as experiências [...] servirão de amparo tem assumido esse desafio honrosamente,
legal, normativo, de pesquisa e de produção favorecendo a formação de profissionais que
científica que influenciarão novas propostas atuam neste campo tão carente de atenção, de
que poderão ser lançadas” (MORAIS; DOURA- políticas públicas.
DO; AMORIM, 2017, p. 67). O MPEJA observa a dupla dimensão da
A diversidade de temáticas abordadas nas educação (pesquisa e docência), tratando a
pesquisas do MPEJA aponta não só para a produção do conhecimento de forma apro-
necessidade de o profissional da EJA buscar a fundada, com vistas à implicação nas práticas
formação específica nesta modalidade de ensi- nesta modalidade de ensino e, por conseguinte,
no, considerando que os conhecimentos flores- na transformação da realidade dos sujeitos
cem e se transformam com o passar do tempo, envolvidos com a educação de jovens e adultos.
sendo necessário o docente acompanhar estas À luz das concepções de Nogueira, Neres
transformações, mas também trazem à tona a e Brito (2016, p. 65), “A pesquisa tem sido
gama de possibilidades de abordagens para reconhecida como caminho para tornar os pro-
esta modalidade de ensino e público-alvo. Falar fessores cada vez mais aptos a conduzir uma
sobre o processo de aprendizado dos estu- pedagogia atenta às necessidades e interesses
dantes da EJA, sobre a formação do currículo, de cada estudante e a contribuir, dessa forma,
gestão, cidadania, tecnologias de informação, para a melhoria das instituições educativas e da
dentre tantos outros temas necessários à educação”. Nesta perspectiva, pode-se afirmar
melhoria da qualidade da Educação para os que o mestrado profissional do PPGEJA tem
jovens e adultos brasileiros, é uma forma de atuado sob tal premissa, contribuindo para
contribuir para que a EJA esteja em pauta, seja que o trabalho com a EJA ganhe notoriedade no
vista, e, sobretudo, é lutar para que mudanças estado da Bahia, na Região Nordeste e, também,
favoráveis aconteçam, especialmente quando nacionalmente, mobilizando outros sujeitos
se trata de promover não só a teoria, mas a sobre a importância da EJA para boa parte da
prática docente. população brasileira e, sobretudo, fortalecendo
Ao levantar a discussão sobre a formação os debates acerca dos direitos destes cidadãos.
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Juarez da Silva Paz; Silvar Ferreira Ribeiro
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Análise das dissertações do Programa de Pós-Graduação em Educação de Jovens e Adultos (ppgeja) da Universidade do Estado da Bahia (uneb)
MORAIS, Cinara Barbosa de O.; DOURADO, Daniela docente nos projetos de intervenção do Mestrado
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78 Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 67-78, jan./jun. 2023
Ivanilde Apoluceno de Oliveira; Suzianne Silva Tavares
RESUMO
Este artigo versa sobre os rituais da escola no cárcere em interface com a
problematização do ser mulher na sociedade brasileira e, especificamente os
reflexos do punitivismo na constituição do ser mulher entre as grades e a sala
de aula na EJA. Consiste numa pesquisa bibliográfica de cunho qualitativo, a
qual dialoga com estudos de Tavares (2017); Onofre (2014); Oliveira (2003);
Paulo Freire (1996); Peter McLaren (1991). O objetivo é analisar como os
rituais da escola no cárcere e da política punitivista regulam a conduta, desejos,
sentimentos e subjetividades das mulheres que cumprem pena e ao mesmo
tempo participam dos processos de escolarização da EJA no cárcere, a fim
de provocar reflexões para possíveis mudanças neste âmbito. Os resultados
apontam que a escola prisional tem a capacidade de funcionar para além dos
rituais negacionistas, assumindo o compromisso ético-político em prol da
formação humana voltada para o exercício da cidadania e agir coletivo. Para isto,
o estudo reafirma a necessidade de repensar a escola, o professor e os próprios
educandos enquanto agentes de transformação social, valorando as experiências
e trajetórias de vida destas mulheres, rompendo com as determinações
subsidiadas pelo sistema prisional ora masculino e, ainda, repensando o papel
social da escola feminina enquanto espaço de afirmação das identidades, resgate
da autoestima, e formação humana e ética.
Palavras-chave: Rituais; Escola no cárcere; Mulheres; Sistema Prisional
Paraense. EJA
* Pós-doutora em Educação pela PUC-RJ. Doutora em Educação (Currículo) pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo – PUC-SP e UNAM-UAM-Iztapalapa- México. Docente e pesquisadora do PPGED e Coordenadora do
Núcleo de Educação Popular Paulo Freire da Universidade do Estado do Pará. Bolsista produtividade do CNPq2.
Brasil. E-mail: nildeapoluceno@uol.com.br
** Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED-UEPA). Mestra em educação pela
Universidade do Estado do Pará/UEPA e Licenciada em Pedagogia pela Universidade do Estado do Pará. E-mail:
suzianneoliveira@yahoo.com.br
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Rituais da escola no cárcere: um olhar para o ser mulher entre as grades e a sala de aula
abstract
SCHOOL RITUALS IN PRISON: A LOOK AT BEING A WOMAN BETWEEN
BARS AND THE CLASSROOM
This article deals with the rituals of school in prison in interface with the
problematization of being a woman in Brazilian society and, specifically, the
consequences of punitivism in the constitution of being a woman between
bars and the classroom at EJA. It consists of qualitative bibliographical
research, which dialogues with studies by Tavares (2017); Onofre (2014);
Oliveira (2003); Paulo Freire (1996); Peter McLaren (1991). The objective
is to analyze how the rituals of the school in prison and the punitive policy
regulate the conduct, desires, feelings and subjectivities of women who serve
sentences and at the same time participate in the EJA schooling processes
in prison, in order to provoke reflections on possible changes in this area.
The results indicate that the prison school has the capacity to function
beyond denialist rituals, assuming an ethical-political commitment in favor
of human formation focused on the exercise of citizenship and collective
action. To this end, the study reaffirms the need to rethink the school, the
teacher and the students themselves as agents of social transformation,
valuing the experiences and life trajectories of these women, breaking
with the determinations subsidized by the prison system, which is now
male, and also rethinking the social role of the female school as a space for
affirming identities, restoring self-esteem, and human and ethical formation.
Keywords: Rituals; School in prison; Women; Pará Prison System. EJA
resumen
RITUAIS DA ESCOLA NO CÁRCERE: UM OLHAR PARA O SER MULHER
ENTRE AS GRADES E A SALA DE AULA
Este artículo aborda los rituales de la escuela en prisión en interfaz con la
problematización del ser mujer en la sociedad brasileña y, específicamente, las
consecuencias del punitivismo en la constitución del ser mujer entre las rejas
y el aula de la EJA. Consiste en una investigación bibliográfica cualitativa, que
dialoga con estudios de Tavares (2017); Onofre (2014); Oliveira (2003); Paulo
Freire (1996); Peter McLaren (1991). El objetivo es analizar cómo los rituales
de la escuela en prisión y la política punitiva regulan las conductas, deseos,
sentimientos y subjetividades de las mujeres que cumplen condena y al mismo
tiempo participan de los procesos de escolarización de la EJA en prisión, con el fin
de provocar reflexiones. sobre posibles cambios en este ámbito. Los resultados
indican que la escuela penitenciaria tiene capacidad para funcionar más allá de
rituales negacionistas, asumiendo un compromiso ético-político a favor de la
formación humana centrada en el ejercicio de la ciudadanía y la acción colectiva.
Para ello, el estudio reafirma la necesidad de repensar la escuela, el docente
y los propios estudiantes como agentes de transformación social, valorando
las experiencias y trayectorias de vida de estas mujeres, rompiendo con las
determinaciones subsidiadas por el sistema penitenciario, ahora masculino, y
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Ivanilde Apoluceno de Oliveira; Suzianne Silva Tavares
Introdução
A educação no cárcere feminino é plena de o diálogo e a busca por parcerias, a fim de
desafios em função do público atendido: são melhorar o ensino.
mulheres em situação de privação de liberdade, Dados recém-divulgados pela SEAP mos-
com histórias de vida marcadas por estigmas tram que, nos últimos três anos, aumentou
e marginalizações, seja por questões de classe, 560% o número de aprovados em média mí-
etnia ou gênero, que apontam demandas no nima no Enem para Pessoas Privadas de Liber-
seu desenvolvimento escolar que vão além do dade (PPLs) no Pará. O levantamento também
pedagógico, envolvendo dimensões psicoló- aponta que, no comparativo absoluto de 2018
gicas, sociais, éticas e políticas. Com isto, não a 2021, houve um aumento de 39% no total de
deve estar limitada somente a transmissão PPLs que participam de alguma atividade de
de conteúdo, mas também, estar associada às ensino formal no sistema carcerário paraense:
questões da mulher na sociedade e no sistema em 2018, eram 2.261, já em 2021, 3.137.
penal, provocando sensibilidade/criticidade No tocante a formação continuada e capa-
na sala de aula. citação dos profissionais da escolarização das
A educação para as pessoas em situação de unidades prisionais o Plano busca institucio-
privação de liberdade do estado do Pará é es- nalizar e garantir a oferta de formação conti-
tabelecida por meio do Termo de Cooperação nuada e de qualificação, bem como, abordar
Técnica nº 013/2020 que trata, inclusive, sobre nas formações temas que atendam as especifi-
a atuação conjunta entre a Secretaria de Admi- cidades desse público, a saber: regras mínimas
nistração Penitenciária/SEAP e Secretaria de de tratamento para as pessoas privadas de
Educação e Cultura/SEDUC. Consoante o Plano liberdade, normas de comportamentos nos
Estadual de Educação para pessoas privadas de estabelecimentos penais, identificação de maus
liberdade e para egressas do Sistema prisional tratos, aspectos relativos a saúde e a higiene,
Paraense, há grandes esforços para ampliar a preconceitos existentes e formas de combatê
oferta de atividade educacionais formais e não -los e, temas sobre diversidade (identidade de
formais, bem como, articulações em diversos gênero, relações étnico-raciais, inclusão).
níveis para instituir o Plano durante o quadriê- Historicamente a trajetória social e política
nio 2021-2024. das mulheres foi construída a partir da figura
Em 2017 foi criada uma escola, na rede masculina, o que significa dizer que, na condi-
estadual de ensino, a fim de atender o público ção de sujeitos silenciados e invisibilizados, as
da Educação de Jovens e Adultos do sistema mulheres, cotidianamente são cotidianamente
prisional Paraense. Além das salas de aula, a submetidas a diferentes formas de exclusão/
estrutura da escola agrega espaço multiuso, opressão fruto das desigualdades de gênero.
biblioteca e laboratório de informática, bus- Entre os inúmeros desafios da EJA na escola
cando atender as demandas específicas dos do cárcere, salientamos a ética e a dimensão
espaços prisionais, bem como, as necessidades humana enquanto alicerces para a uma prática
educacionais dos internos. Atualmente, a esco- educacional libertadora e crítica, pautada nos
la conta com Conselho Escolar, um avanço na processos de formação e exercício da cidadania
gestão da educação prisional, que possibilita para além de uma educação baseada nos rituais
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Rituais da escola no cárcere: um olhar para o ser mulher entre as grades e a sala de aula
Quando os indivíduos problematizam a rea- grades, mas que mesmo antes de serem levados
lidade, eles identificam situações-problema a privação de liberdade, seus corpos e mentes
concretas, levantam questionamentos, geram
já demarcam vivências com a violência, a opres-
debates a partir de dúvidas e da troca de conhe-
cimentos em um contexto real de aprendizagem são, o racismo, pobreza, insucesso escolar, etc.
colaborativa a qual possibilita a construção de Estabelecer o diálogo com as diferenças que
novos sentidos e implica em um compromisso compõem o ambiente prisional feminino é sem
com o seu meio. (ASSUNÇÃO et al., 2021, p. 83) sombras de dúvidas essencial para combater
Tal qual apontam os autores, a metodolo- o sentimento de abandono, incapacidade,
gia da problematização busca não somente tristeza, insegurança, angústia. A ausência
ensinar os conteúdos científicos, mas formar de projetos vinculados ao empoderamento e
cidadãos críticos, capazes de conviver em emancipação social e o fluxo de ações pedagó-
sociedade e cooperar para a sua melhoria. A gicas descontínuas ou mesmo descontextua-
educação de mulheres em situação de cárcere lizadas com as especificidades do ambiente
dada as suas especificidades (não somente do prisional feminino resultam no aumento da
contexto prisional, mas da própria situação tensão, ociosidade e criminalidade.
de gênero e situações de violência e opres- O sistema prisional é masculino e desenvol-
são) tem caminhado no sentido de torná-la ve ações masculinizantes no sentido de des-
uma prática humanizadora e libertadora, pela considerar a presença da mulher no ambiente
compreensão da sociedade intra e extramuros. carcerário. O estudo de Benedet e Medeiros
Neste cenário, Projetos como o supracitado (2021) apresenta alguns atravessamentos his-
anteriormente são de suma relevância para tóricos para compreender a construção do que
provocar mudanças no âmbito da educação é ser mulher, brasileira, mãe e presidiária em
em prisões. Projetos como “Corpo são, mente nossa sociedade ora marcada por estereótipos,
sã”, “Liberte uma amiga pela leitura”, “Páginas violência de gênero, opressão, feminicídio, etc.
da minha vida”, “Lições do caos” realizados no Ao ler Beauvoir (2016), encontramos a mesma
CRF contribuem com a melhoria da qualidade forma sutil de espoliação humana, também
de vida na prisão e transformação social das observada nos escritos de Sawaia (1999), ao
mulheres em cumprimento de pena. Todavia, abordar a dialética inclusão/ exclusão. Beauvoir
apesar destas iniciativas o que observamos (2016) analisa como o homem representa sem-
é o esforço por parte de alguns professores pre o neutro, o positivo, a ponto de resumirmos
a experiência do homem à “experiência humana”
em promoverem mudanças e, por outro lado,
em detrimento da vivência da mulher. À mulher
professores desesperançosos e sem vontade é deixada a noção de negativo, da determinação
política de engajamento para um trabalho pe- de suas limitações. Assim, entende-se em nossa
dagógico diferenciado para as prisões e, ainda, cultura que existe um tipo humano absoluto, que
pouca ou quase nenhum interesse do Estado é o masculino. Nessa relação de uma alteridade
para gerar mais investimento neste âmbito. opressiva, o homem é o sujeito (ser absoluto)
Vivemos hoje um cenário político, econômi- e a mulher é o outro, o não lugar. (BENEDET;
MEDEIROS, 2021, p. 206)
co e social caótico em que enquanto o Estado
considerar a educação para pessoas privadas Ao revisitarmos a história observamos que
de liberdade um gasto e não um investimento, a imagem social e moral da mulher sempre
infelizmente, o que teremos é uma sociedade esteve subjugada à figura masculina, sendo
cada vez mais mergulhada no medo, na vio- adestradas à forma moralmente aceita de con-
lência, desigualdade social, racismo, exclusão duta. Pensar a subjetividade feminina prisional
social, visto que a maioria da população car- e escolar nos leva a seguinte indagação: como
cerária é composta por pobres, negros, analfa- o encarceramento produz sujeitos alienados,
betos, corpos não somente aprisionados pelas reprime a mulher por seu modo de agir, pen-
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sar, vestir e até mesmo de olhar “aprisionam dos sujeitos em situação de cárcere retirando
em uma carapaça de aparências de bom ou destes qualquer possibilidade de (re) existir.
mau comportamento” (BENEDET; MEDEIROS, O discurso da impossibilidade de mudar o mun-
2021, p. 206) do é o discurso de quem, por diferentes razões,
O sistema prisional atua com a lógica da aceitou a acomodação, inclusive por lucrar com
punição para promover a reabilitação, no ela. A acomodação é a expressão da desistência
entanto, o próprio sistema de informações da luta pela mudança. Falta a quem se acomoda,
ou em quem se acomoda fraqueja, a capacidade
penitenciárias apresenta um alto índice de de resistir. (FREIRE, 2022, p. 45)
reincidência criminal, o que acaba inibindo o
ato de punir enquanto processo de reabilita- As mulheres em situação de cárcere sofrem
ção. A constituição do ser mulher (fixada na múltiplos processos de punição/degradação de
imagem de marginal, sujeito sem qualidades) sua identidade, o que as insere neste contexto
demarca a degradação de sua identidade, sendo de adaptação às situações de opressão e de
atravessada por esses estigmas. “O sistema desesperança. A sua vaidade é inibida pela au-
prisional dos dias de hoje é, majoritariamente, sência de um espelho, por exemplo, por censura
destinado ao mais pobre, àquele que perde seu de agentes prisionais, pela baixa autoestima,
status de cidadão e passa a ser visto apenas etc. Para Freire (2022) há uma diferença funda-
em sua condição de marginalizado, não sendo mental entre quem se acomoda perdidamente
mais considerado como “pessoa”” (BENEDET; desesperançado e quem tem no discurso da
MEDEIROS, 2021, p. 207). acomodação um instrumento eficaz de sua luta
O distanciamento da qualidade de seres vi- (a de obstaculizar a mudança). Afirma, ainda,
vos também é descrito no livro “Recordações que o primeiro seria o oprimido sem horizonte
da casa dos mortos”, Dostoiévski (2006), para e o segundo o opressor impenitente.
ele, na medida em que os presos são despos- Em uma pesquisa realizada no curso de
suídos de esperança, os mesmos acabam se mestrado, Tavares (2017) observou que apesar
distanciando da qualidade de seres vivos, o que destes fatores, ainda existe nestes espaços, cer-
nas palavras de Goffman (1961) consiste no ta resistência por parte destas mulheres, o es-
processo de mortificação do eu. Sem sombras perançar de Freire, em que muitas delas tentam
de dúvidas, o cárcere é cruel, não retira somen- manter sua autoestima/vaidade, observamos
te a liberdade de ir e vir, mas corrobora com a isto pela ida à escola (maquiadas, perfumadas,
perda de identidade, de sonhos, de esperança. algumas com penteado, unhas feitas). Atitudes
“O cárcere, tal como vem sendo pensado e pra- estas que eram reforçadas pela coordenadora
ticado, esgota a capacidade humana, desfibra da escola no intuito de elevar a autoestima das
a alma, provoca ódio e produz um submundo, educandas.
muitas vezes, desconhecido por grande parte Consoante Costa e Florêncio (2021), em
da sociedade” (SOARES; MATIAS; VIANA, 2016, muitas unidades prisionais, há espaços desti-
p.79). nados a atividades educacionais com carteiras,
Em consonância com o que Goffman deno- quadro, cadernos, fardamento, merenda, em
mina de mortificação do eu, a colonialidade contrapartida, as grades e os pesados portões
também reforça a perda de identidade dos de ferro não nos remetem a um espaço esco-
sujeitos, esmagando sonhos, esperança e o lar adequado para funcionar como uma sala
próprio acreditar em seu potencial para trans- de aula. A arquitetura das salas de aulas das
formar o mundo. O potencial transformador escolas prisionais (com suas grades e altos
enseja novos caminhos para pensarmos uma muros) se distanciam consubstancialmente em
educação no cárcere para além da colonialida- sua estrutura física, das salas de aula regulares,
de do ser que invade os corpos e experiencias legitimando a vigilância de que trata Foucault
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Rituais da escola no cárcere: um olhar para o ser mulher entre as grades e a sala de aula
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Ivanilde Apoluceno de Oliveira; Suzianne Silva Tavares
que queiramos, “a cela de aula” não esconde o MOVA foi essa situação porque eu já estava
seu lado grotesco, disciplinador. A “cela de aula” acostumada a trabalhar, eu tinha meu estudo
não disfarça as suas grades, Na “cela de aula” o né, eu saia de manhã pra trabalhar de noite eu
professor pode ser a personificação do poder ia pra faculdade, então, eu não me via ali dentro
controlador. (LEME, 2007, p. 125). daquele lugar ali ficar sabe presa sem poder
fazer nada, sem ter alguma coisa pra fazer, eu
A organização da escola no cárcere se dá por tinha que fazer alguma coisa! Pelo menos para
meio da oferta da Educação de Jovens e Adul- tentar passar o tempo né, pra tentar passar o
tos (EJA) sendo uma “modalidade educacional tempo ali dentro. Porque se tu não fizer alguma
compensatória de baixa qualidade praticada coisa que vá te levar a melhorar um pouquinho,
em curto período, com resultados pedagógicos tu enlouquece ali dentro! (EGRESSA A – TAVA-
RES, 2017, p. 49).
questionáveis para pessoas que não estudaram
na época adequada” (MIRANDA, 2016, p. 99). Por causa que eu não tinha né, aí lá para passar
mas o tempo, coisar mas a saudade né das mi-
Repensar o verdadeiro sentido da educação
nhas filhas né e do meu neto, eu comecei estudar,
para mulheres privadas de liberdade vai além eu fiz curso aí depois comecei trabalhar aí tudo
de reproduzir os códigos da cultura prisional isso vai acalmando mas a pessoa né. (EGRESSA
enquanto algo posto/acabado, mas, compreen- B – TAVARES, 2017, p. 49).
der a escola e os sujeitos que dela fazem parte
O interesse pela escola na prisão feminina
enquanto sujeitos ativos nesse processo de
parte da necessidade de superar a ociosidade e
criação de uma cultura da resistência à todos os
a saudade da família, sendo estes aspectos cen-
elementos que corroboram com a deterioração trais do encarceramento feminino, pois grande
da subjetividades desses sujeitos. parte dessas mulheres são abandonadas pelos
Apesar dos avanços em torno do acesso à companheiros além de receberem poucas visitas
educação nas prisões, no que diz respeito ao se comparado ao cárcere masculino. Todavia, ao
encarceramento feminino e, mais especifica- iniciarem o processo de escolarização na prisão,
mente a proposta de educação nas prisões estas mulheres vão sendo provocadas a olharem
femininas ainda não temos de fato uma escola para si, para a sua trajetória social e penal de
voltada para a mulher, que atenda as especifi- modo a serem oportunizadas de empoderar-se,
cidades desse público. Nesta direção, é preciso de serem alfabetizadas, se tornar empreendedo-
provocar reflexões e a elaboração de políticas ras e até mesmo ingressarem no ensino superior.
públicas voltadas para uma educação da mu- A escola prisional feminina deve estar para
lher e para a mulher em situação de cárcere, além do caráter pedagógico, assume caracte-
problematizadora das situações de opressão e rísticas próprias de cunho ético, humano e até
diferença. Uma escola que promova reflexões mesmo terapêutico, visto que, para a maioria
políticas, éticas, econômicas, de empoderamen- destas mulheres participar das atividades esco-
to, comprometida com a formação humana. lares acaba sendo uma estratégia de “fuga” da
A pesquisa realizada por Tavares (2017) ociosidade, da solidão, e de todas as formas de
apresenta a trajetória social de mulheres sofrimento causadas no ambiente opressor da
egressas do sistema penal, dando ênfase ao prisão. Por isso, é necessário estabelecer metas
processo de escolarização no Centro de Ree- não somente educacionais mas humanas, de
ducação Feminino (CRF), presídio feminino resgate destes seres humanos de sua própria
localizado no município de Ananindeua/Pa. humanização.
Desta pesquisa destacamos algumas falas das Propor uma escola prisional feminina signi-
mulheres-sujeitos sobre o que as motivaram a fica romper com os padrões masculinizantes
estudar na prisão. da prisão, buscando sobrepor os fatores de
Como eu já tinha um estudo entendeu, eu já ti- domesticação/opressão característicos da
nha um estudo. Então, o que me levou a ir para cultura prisional masculina.
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Rituais da escola no cárcere: um olhar para o ser mulher entre as grades e a sala de aula
Ainda consoante Tavares (2017) além da escolaridade, o que também favorece para dar
educação formal ofertada no CRF existem ou- mais estímulo nas demais educandas, dada a
tras ações educacionais que fazem relação com relação entre elas em conhecerem seus limites
a Proposta da EJA para privados de liberdade. e desafios, histórias de vida que tem fatores em
O Projeto Tempo de ler, por exemplo, demarca comum (crime e situações de violência).
uma proposta inovadora de alfabetização de De acordo com Ireland (2011), as especifi-
adultos, não somente pela perspectiva meto- cidades e os limites da escola na prisão con-
dológica andragógica, a qual também perpassa tribuem para a redução do processo educativo
pela perspectiva Freireana de educação, mas, à escolarização, desvinculando-se dos reais
sobretudo, pelo fato de estar contribuindo com interesses e as necessidades de aprendiza-
a emancipação pessoal e social dessas mulhe- gem da população carcerária feminina. Neste
res, bem como, com a superação do analfabe- contexto, os rituais da escola carcerária são
tismo, redução do preconceito e evasão escolar. desdobramento dos próprios limites impostos
O Projeto em questão é lecionado por duas pela cultura prisional e política punitiva desse
detentas da casa penal, sendo uma responsável tipo de instituição.
pela turma da manhã e a outra pela turma da A política punitiva também se faz presente
tarde. Ambas as internas receberam o treina- na escola prisional feminina quando de práticas
mento ofertado pelo IBRAEMA sendo também pedagógicas tradicionais que são desenvol-
monitoradas pela assistência das coordenado- vidas para a manutenção da ordem da casa
ras pedagógicas, revelando que o ato educativo penal. Pensando numa proposta inovadora de
está para além de relações hierarquizantes, consideração com a diversidade presente no
que independentemente de estarem ou não presídio feminino, a escola prisional feminina
presas, essas mulheres são capazes de ensinar no que diz respeito a criticidade e humanização
e de aprender uma com as outras numa rela- é assim compreendida por parte das educandas
ção dialética de educação. Vale ressaltar que a egressas do CRF (TAVARES, 2017, p. 160):
seleção das detentas para lecionar no Projeto Exista, existia sim, não de todas né, de todas
tem como um dos critérios o maior grau de as alunas, mas, por parte dos professores sim.
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Mas, tem muitas de lá que queriam sim mudar. Não há possibilidade de pensarmos o amanhã,
(EGRESSA, A). mais próximo ou mais remoto, sem que nos
achemos em processo permanente de “emersão”
Tem, tem muitos que ajudam, ele falava sempre
do hoje, “molhados” do tempo que vivemos,
assim também o professor...ele falava assim que
tocados por seus desafios, instigados por seus
era para gente estudar, para gente ser assim
problemas, inseguros ante a insensatez que
alguém na vida da gente, aí explicava um monte
anuncia desastres, tomados de justa raiva em
de coisa eles os professores. (EGRESSA, B).
face das injustiças profundas que expressam,
Nem todos tinham interesse né, tinha gente que em níveis que causam assombro, a capacidade
ia mais para sacaniar na aula, mas eles tinham humana de transgressão da ética. (FREIRE,
sim essa auto-estima eles trabalhavam muito 2022, p. 135).
isso com a gente. Eles conversavam muito co-
migo, tinha dias que eu estava atribulada como Ao delinear as funções utilitaristas da Edu-
diz assim lá, aborrecida lá e tal aí “Não fica assim cação prisional Carreira (2009) critica a organi-
Jana!”. (EGRESSA, C). zação das escolas prisionais da América Latina,
O ato educativo requer não apenas domínio baseadas no tratamento terapêutico (espécie
de conteúdo, mas e, sobretudo, sensibilidade, de cura/correção da conduta/comportamento
postura ética e humana. Requer o compromisso humano), as práticas “corretivas” baseadas
com o outro, de alteridade e justiça social. Nas na função moral e, a restrição da educação
palavras de Freire (2016) a educação de adul- enquanto mecanismo do mercado de trabalho
tos envolve o reconhecimento do outro enquan- (preparação da mão de obra).
to sujeito de direito, sujeito capaz de aprender Os três elementos elencados pelo autor são
com sua própria realidade, compreendendo desdobramentos dos rituais da escola no cárce-
o sofrimento, as desigualdades e injustiças re, em que se conflitam no cotidiano prisional,
sociais não como fenômenos naturais, mas a garantia do direito à educação e o modelo
como produto da hierarquização social a qual vigente de prisão ora marcado pela superlota-
determina os padrões de comportamentos ção nas celas, medidas punitivas de correção,
legitimados pelas classes dominantes. desumanização, medidas disciplinares, cultu-
ra do medo e do silêncio. Nesta perspectiva,
Daí a natureza política, não necessariamente
“a educação como formação humana ainda é
partidária, da educação de adultos e da alfabe-
tização em particular. Se não devo, trabalhando algo estranho ao Sistema penitenciário. Muitos
não importa em que projeto, com educandos, professores e professoras afirmam sentir a
sequer insinuar-lhes que meu Partido é o unidade prisional como um ambiente hostil ao
proprietário da verdade salvadora, não posso, trabalho educacional” (CARREIRA, 2009, p.2).
por outro lado, silenciar em face de discursos A estrutura, cultura, legislação, regras e
fatalistas segundo os quais a dor e o sofrimento
limites impostos pelas instituições prisionais
dos pobres são grandes mas não há o que fazer
porque a realidade é assim mesmo. (FREIRE, acabam inibindo o papel social da escola e a
2016, p. 100-101) prática pedagógica dos educadores, se cons-
tituindo como “moeda de troca” entre, de um
Em Pedagogia da indignação, Freire (2022),
lado, gestores e agentes prisionais e, do outro,
nos fala da necessidade de denunciarmos as
encarcerados, visando a manutenção da ordem
situações de opressão e degradação humana,
disciplinar, configurando-se em situações de
anunciando novas possibilidades de cons-
transgressão da ética.
trução de uma sociedade mais democrática,
inclusiva. Para isto, o ser humano enquanto Desse modo, a educação escolar em espaços de
restrição e privação de liberdade não pode ser
ser inacabado que faz e refaz a história, o faz
concebida como um benefício e/ou recompensa.
a partir do momento em que reconhece o seu Constitui-se como um direito que, infelizmente,
inacabamento e, portanto, atua de maneira muitas vezes é negado às pessoas que vivem a
ativa intervindo no mundo. situação de encarceramento. Ao serem presas, as
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Rituais da escola no cárcere: um olhar para o ser mulher entre as grades e a sala de aula
pessoas têm alguns de seus direitos suspensos, pautada na ética do ser humano enquanto su-
não todos, em momento nenhum deixam de ser jeitos em processo de transformação. “Entre as
seres humanos, devendo, portanto, por direito, transgressões à ética universal do ser humano,
serem tratadas como tal. (SOARES; VIANA, 2016,
p. 14)
sujeitos à penalidade, deveria estar a que im-
plicasse a falta de trabalho em um sem-número
Consideram Costa e Florencio (2021) que de gentes, a sua desesperação e a sua morte em
a educação no sistema prisional transcende o vida” (FREIRE, 1996, p. 131).
ideal punitivo, assumindo importante papel na Os rituais da escola no cárcere vistos como
humanização, ao possibilitar criar caminhos atendimento educacional são analisados por
para a sua emancipação social. Para Freire Carreira (2009, p.2-3):
(2022) a educação é permanente, não se dá no
é descontínuo e atropelado pelas dinâmicas
vazio, mas num tempo-espaço ou num tempo e lógicas da segurança. O atendimento educa-
que implica espaço e num espaço temporaliza- cional é interrompido quando circulam boatos
do, variando de acordo com o tempo-espaço. sobre a possibilidade de motins; na ocasião de
Ao afirmar que a educação tem historicida- revistas (blitz); como castigo ao conjunto dos
de, Freire (2022) defende uma proposta educa- presos e das presas que integram uma unidade
cional de respeito às diferenças e aos diferentes na qual ocorreu uma rebelião, ficando à mercê
do entendimento e da boa vontade de direções
espaços em que os processos educacionais são
e agentes penitenciários; é muito inferior à
produzidos. Por isso, a particularidade da EJA demanda pelo acesso à educação, geralmente
privados de liberdade requer um olhar bastan- atingindo de 10% a 20% da população encar-
te cuidadoso, pois lida com sujeitos que em sua cerada nas unidades pesquisadas. As visitas às
grande maioria apresentam trajetórias de vida unidades e os depoimentos coletados apontam
fragilizadas pelas duras desigualdades sociais. a existência de listas de espera extensas e de um
Sujeitos que em algum momento de suas vidas grande interesse pelo acesso à educação por par-
te das pessoas encarceradas; quando existente,
foram e/ou continuam sendo vitimizados pela em sua maior parte sofre de graves problemas
sociedade moderna. de qualidade apresentando jornadas reduzidas,
Diante do quadro de desumanidade e violência falta de projeto pedagógico, materiais e infraes-
do encarceramento em massa, a esperança está trutura inadequados e falta de profissionais de
em educar os sujeitos numa pedagogia de huma- educação capazes de responder às necessidades
nização e emancipação. Não uma pedagogia para educacionais dos encarcerados.
servir ao sistema, no seu atual formato, mas para
A escola no cárcere tal qual a escola regular
que o aluno-interno se reconheça como sujeito
capaz de construir outra história de vida, nova apresenta sérios problemas, os quais tendem
e libertadora. Uma educação que esteja disposta a se acentuar no contexto específico das pri-
a considerar o ser humano como sujeito de sua sões por meio de motins, rebeliões e medidas
própria aprendizagem, de sua própria evolução punitivas que incentivam a evasão escolar, o
como ser social, e não como mero objeto do sis- desinteresse das educandas pelo estudo, a falta
tema. (COSTA; FLORENCIO, 2021, p. 30)
de acesso aos estudos, jornadas pedagógicas
Transcender o ideal punitivo das prisões reduzidas, ausência de PPP, etc. Fatores estes
parte de uma profunda reflexão para além dos que provocam uma série de consequências
aspectos jurídicos de cumprimento da pena; éticas, políticas, educacionais, profissionais, na
consiste em repensarmos a função social da vida destas mulheres, pois a maioria nunca teve
escola enquanto instituição dentro de outra oportunidade de acesso à educação (mesmo
instituição com possibilidades e desafios con- antes da privação de liberdade) e/ou tiveram
trários ao punitivismo. Significa problematizar uma experiência de insucesso/fracasso escolar.
a escola punitiva e valorizar a escola como es- Despertar o interesse pela escola constitui
paço de diálogo e recondução da vida humana, um dos principais desafios impostos por este
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cenário em que a educação seja percebida para tação da vida livre e a adaptação aos padrões
além de um momento de “fuga” da aprisionada e procedimentos impostos pela instituição”.
em seu convívio na cela, mas, um projeto que (ONOFRE, 2014, p. 139)
envolva liberdade, entusiasmo, autonomia, Os rituais da escola no cárcere em maior ou
diálogo, respeito, acolhimento, humanização. menor grau constituem o reflexo da política do
Os rituais da escola no cárcere acabam forta- encarceramento brasileiro que compreende a
lecendo o discurso hegemônico e as práticas de escola enquanto questão de direito (espaço
desumanização, suscitando o fracasso escolar e físico e acesso), mas que em contrapartida,
a compreensão por parte das internas em olhar não problematiza sua organização e fins edu-
a escola enquanto algo distante de sua realida- cacionais, associando à realidade prisional e
de, incapaz de provocar mudanças propositivas vivência social da população carcerária. Desse
em suas trajetórias de vida. modo, ao analisar o significado da escola para
A presença da educação escolar nas prisões, o aluno, observamos as seguintes expressões
além de garantia de um direito humano, afir- “A escola é boa para sair da rotina; é melhor ir
ma a valorização do desenvolvimento e da à escola do que ficar na cela; na escola a gente
busca permanente de cada indivíduo em SER se distrai e o tempo passa rápido; na escola
MAIS, constituindo-se como uma possibilidade tem mais regalia do que no pavilhão” (ONOFRE,
de intervenção positiva nessa realidade em
2014, p. 143)
que prevalece a desumanização. Portanto,
restringir a função da educação prisional à Os relatos apresentados pelos sujeitos que
redução da ociosidade e do tempo de pena por vivenciam o cotidiano da escola prisional nos
meio da remição por estudo é subestimar levam a compreender que a instituição escolar
a potencialidade do trabalho educativo como instituída nesses espaços está distante de ser
intervenção positiva na vida das pessoas em compreendida enquanto espaço de mudança/
situação de privação de liberdade (ONOFRE, libertação/resistência. A lógica carcerária con-
2015, p. 51)
tribui para que as próprias internas possam
Neste cenário, a escola na prisão não pode forjar/mascarar sua ideia de escola enquanto
limitar-se a mera transmissão de conhecimen- instituição que de fato contribui com sua trans-
tos historicamente instituídos na sociedade e/ formação social.
ou enquanto espaço de redução da ociosidade. Para além disto, o fato de frequentarem a es-
Os seus rituais e modos de compreensão são cola, de se adequarem aos seus rituais de certa
condicionados pelas práticas de alienação/ forma possibilita o “contato” com as práticas
degradação humana. “Mesmo não tendo cons- e situações externas às do mundo prisional
ciência da função histórica da escola e de seu e a possibilidade de reexistir aos processos
papel na construção da cidadania, seu objetivo, de opressão/desumanização em que a prisão
ao frequentá-la, é “acatar as regras da casa”, submete o indivíduo.
visando a buscar todas as alternativas possíveis Ler e escrever é apontado pelos sujeitos da
para abreviar sua estada na unidade prisional” escolarização prisional enquanto fatores fun-
(ONOFRE, 2014, p. 142) damentais que constituem os rituais da escola
A rotina prisional impregnada de controle e carcerária, “o objetivo da escola no espaço pri-
vigilância organiza suas atividades diárias com sional é capacitar os alunos à leitura e interpre-
bastante rigorosidade, segundo regras supe- tação de textos como notícias, cartas, bilhetes”
riores, e orientadas para realizar o fim oficial (ONOFRE, 2014, p. 146). A leitura e escrita
da instituição. Os sujeitos aprisionados ficam no espaço prisional representam práticas de
subjugados a cultura carcerária, que aliena resistência, para acompanhar os processos
e nega sua própria identidade. Com isto, nos criminais, ter mais liberdade, autonomia, ter
dizeres da autora um processo de “desadap- conhecimento acerca de seus direitos e deve-
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Rituais da escola no cárcere: um olhar para o ser mulher entre as grades e a sala de aula
res, é uma perspectiva primeira de exercer sua prisões possa estar alicerçado nas dimensões
cidadania. “A escola é um espaço fundamental, ética, política e humana.
embora não único, para que a comunidade Nas palavras de Freire, o educador deve
possa valer seu direito à cidadania, e a apren- valer-se do seguinte posicionamento:
dizagem da leitura e da escrita permanece Com relação a meus alunos, diminuo a distância
essencial para que seja adquirido um mínimo que me separa de suas condições negativas de
de autonomia” (ONOFRE, 2014, p. 148) vida na medida em que os ajudo a aprender
Portanto, é preciso problematizar os rituais não importa que saber, o do torneio ou o do
da escola no cárcere a fim de pensarmos uma cirurgião, com vistas à mudança do mundo, à
superança das estruturas injustas, jamais com
escola prisional voltada para a dimensão hu-
vistas a sua mobilização. (FREIRE, 1996, p. 138)
mana e ética dos educandos em situação de pri-
vação de liberdade. Uma escola que seja capaz A educação escolar enquanto processo de
de “incorporar em seu processo pedagógico, humanização do próprio ser humano confi-
o desenvolvimento de ações de conhecimento gura-se enquanto possibilidade de resistência
que levem o indivíduo a: primeiro, conhecer dentro de um espaço que é historicamente
o mundo; segundo, conhecer-se como sujeito silenciado, marcado por fatores de opressão/
capaz de agir nesse mundo e transformá-lo” desumanização. Para isto, refletir sobre os
(ONOFRE, 2014, p. 151) rituais da escola no cárcere significa repen-
O ser humano é “sujeito gnosiológico”, porque sarmos o papel da educação e da escola nesses
em suas relações uns com os outros no mundo e espaços, partindo do olhar dos próprios inter-
com o mundo conhecem e comunicam-se sobre nos-educandos, público-alvo desse processo
o objeto conhecido. Nessa relação comunicativa, educacional. Ainda em consonância com os es-
ensaiam a experiência de assumirem-se como
tudos de Onofre (2014), os alunos apresentam
seres sociais e históricos, como seres pensantes,
comunicantes, transformadores, criadores e a seguinte visão acerca do processo educativo
realizadores de sonhos. (OLIVEIRA, 2003, p. 52) desenvolvido na prisão. “O sistema aqui estraga
as pessoas, puxa para trás. A escola é só para
O diálogo em Freire é fundamental para que
cumprir obrigação” (ONOFRE, 2014, p. 154).
homens e mulheres se encontram para refletir
Modificar a escola e a prisão, onde as rela-
sobre sua realidade, sobre o que sabem e o que
ções ali estabelecidas estão permeadas pelo
não sabem, para construírem novos saberes,
medo e desconfiança é um grande desafio, em
como sujeitos conscientes de seu papel no
especial, para os educadores que carregam con-
mundo. Para Onofre (2014) pensar a educação
sigo o compromisso social de contribuir com o
escolar no presídio significa refletir sobre sua
processo de formação e transformação social
contribuição para a vida os encarcerados e da
dos indivíduos. No que diz respeito a relação
sociedade em geral. A autora elenca a apren-
dizagem participativa como um processo que aluno-professor na escola prisional, podemos
envolve valorização e desenvolvimento do compreender que um dos pontos marcantes
outro e de si mesmo. que também fazem parte dos rituais da escola
Neste cenário, problematizar os rituais da no cárcere é o respeito que as internas têm
escola no cárcere é de todo o modo relevante pelo educador.
para que homens e mulheres em situação de Fica claro, portanto, que o papel do professor
privação de liberdade possam ser conduzidos para os aprisionados, vai além de organizar
ao processo de humanização por meio da o trabalho no interior da escola. Ele é alguém
que convive, anima, orienta, aconselha, dialoga,
educação dialógica/crítica e libertadora. Para
aponta caminhos. No contato direto da sala de
isto, o papel dos educadores e educadoras aula, ele pode influenciar a vida dos presos e
que atuam nas escolas prisionais é de suma da prisão de maneira positiva. (ONOFRE, 2014,
relevância para que o projeto de educação nas p. 159)
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Para Gadotti (1993), a educação de adultos ver processos educativos de cunho libertador,
presos é diferente da escola regular, por sua fle- que seja atrativo para as internas, que envolva
xibilidade e dinamismo em que “os conteúdos suas trajetórias de vida, considere seu contexto
devem ser diferenciados, e aí o grande desafio social e prisional.
do educador de adultos, porque ele tem que Ser professor na escola prisional significa:
construir uma metodologia nova, tem que cons- [...] que, no presídio, são até mais respeitados.
truir conteúdos significativos para aquele que Por respeitarem o professor, quando respondem
se está educando (GADOTTI, 1993, p.124). Em alguma coisa, logo depois pedem desculpa. Esse
contribuição ao pensamento de Gadotti (1993), respeito faz parte do código de honra que existe
podemos evidenciar consoante as palavras de entre eles dentro da penitenciária. No dizer dos
professores, os aprisionados sabem que a escola
Freire (1996) que o ato de ensinar exige querer não está ali para atrapalhar a vida de ninguém
bem aos educandos: e que os professores não são funcionários da
Não é certo, sobretudo do ponto de vista demo- penitenciária. (ONOFRE, 2014, p. 162)
crático, que serei tão melhor professor quanto
O respeito pelo professor faz parte da
mais severo, mais frio, mais distante e “cinzento”
me ponha nas minhas relações com os alunos, cultura prisional, fazendo do espaço escolar
no trato dos objetos cognoscíveis que devo um ambiente de harmonia, pois diferentes
ensinar. A afetividade não se acha excluída da dos demais setores do presídio, na escola a
cognoscibilidade. O que não posso obviamente conduta e comportamento das internas não
permitir é que minha afetividade interfira no geram atitudes de violência e desordem como
meu cumprimento ético e dever de professor
no exercício de minha autoridade. (FREIRE,
nas celas, por exemplo. Todavia, apesar de ser
1996, p. 141) bem aceito pelos educandos, o professor da
escola prisional lida cotidianamente com sérios
Onofre (2014) aponta que a figura do profes-
conflitos advindos dos rituais da escola e da
sor na escola prisional representa um sujeito
forma como esta é percebida pelos diretores e
que traz novas ideias, novos conhecimentos,
agentes prisionais. O estudo de Onofre (2014)
novas posturas, ou seja, que faz de sua prática
aponta a seguinte percepção:
educativa uma contribuição ao ser humano,
criando novas possibilidades e perspectivas de Para o diretor quando os alunos estão na escola,
estão ocupados, não importando o que estão
resistência aos fatores degradadores da prisão.
aprendendo e como. É sinal de que tudo está
Os rituais são assim ligados à condução do calmo. Os guardas têm outra visão, porque se
próprio ensino; os rituais são assim ligados a não tivesse escola, ele não precisaria soltar o
instrução em sala de aula; organização do pro- preso e trabalharia menos... o professor que
fessor e “estilo pedagógico” (McLAREN, 1991, está lá no dia-a-dia tem uma visão diferente,
p. 58). Ao considerar a violência e a desordem mas acaba desanimando, porque o estímulo da
como resistências ritualizadas, o autor chama casa é muito pequeno. (Professor C). (ONOFRE,
2014, p. 165)
atenção para o fato de que estas são incons-
cientemente canalizadas contra a ordem social Neste cenário de lutas e contradições, ob-
opressora. servamos que a escola prisional só existe em
Os rituais como um tipo de currículo ocul- virtude da determinação legal, por se tratar de
to acabam reforçando a cultura alienante e um direito das pessoas privadas de liberdade,
ideológica da prisão. Neste cenário, a função direito este que é legitimado pela Lei de Execu-
da escola neste espaço é a de mera distração ção Penal, todavia, está distante de ser tratada
dos educandos aprisionados para se combater como prioridade para fins de transformação
os “maus pensamentos”. Em contrapartida, os social destes sujeitos. Tão logo, não há interesse
professores carregam consigo a árdua tarefa de pela educação de pessoas presas, tão pouco
superar as contradições do sistema e, promo- apoio aos professores.
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 79-95, jan./jun. 2023 93
Rituais da escola no cárcere: um olhar para o ser mulher entre as grades e a sala de aula
Em relação aos conteúdos que são minis- imposição identitária, ocupação do tempo.
trados, os professores destacam a importância Entender que a escola prisional tem a ca-
de trabalhar as noções de higiene e de saúde, pacidade de funcionar para além dos rituais
noções de comportamento e de convívio so- negacionistas, assumindo o compromisso
cial. Importante salientar que, como parte dos ético-político em prol da formação humana
rituais do ensino, os conteúdos devem estar voltada para o exercício da cidadania e agir
correlacionados a vivência dos educandos da coletivo não é utopia, mas, um sonho possível
escola prisional. Observemos o seguinte relato: de ser concretizado. Para isto, o estudo aponta
Quando comecei a ensinar as regiões brasileiras, a necessidade de repensar a escola, o professor
uns dos presos começou a contar a sua história e os próprios educandos enquanto agentes de
de roubo vivida em Cuiabá. Tudo o que tem re- transformação social.
lação com os lugares onde viveram, gostam de O professor da escola prisional precisa ser
contar e prestam muita atenção... O aprendizado
mais valorizado, encontrar parceria do diretor
aqui tem que ter utilidade para eles. (Professor
D). (ONOFRE, 2014, p. 169). da casa penal e agentes penitenciários, a fim de
promover um ensino colaborativo. O espaço da
De acordo com a autora, a escolha de textos escola deve ser acolhedor, dispor de recursos
e temas a serem trabalhados com o público materiais para a oferta de uma educação de
encarcerado é da mesma forma essencial, qualidade. Os alunos devem ser reconhecidos
pois só pode ser realizada a partir da leitura como sujeitos de direitos e de possibilidade
da realidade do grupo. Conquanto, respeitar o de ser mais. Nesta perspectiva, por maiores
acesso ao saber socialmente acumulado pela
que sejam estes desafios, devemos provocar
humanidade é um dos principais desafios da
mudanças, mesmo que ínfimas, mas que a cada
escola na prisão, enquanto espaço de cidada-
dia algo novo possa ser construído para este
nia, resistências, enfrentamentos e que pode
cenário.
ser concebida para além de rituais designados
por uma parcela social que controla e deter-
mina a ação dos sujeitos, mas, uma escola que REFERÊNCIAS
apesar de estar situada em uma instituição ARAÚJO, Maria Auxiliadora Maués de Lima; GUI-
marcada pela opressão, controle, vigilância, MARÃES, Jesyan Wilysses Oliveira; COQUEIRO,
etc. tem a possibilidade de se constituir como Taize Rocha. Veredas para o sol: escritos sobre a
espaço de diálogo, resgate e construção de educação no Cárcere Paraense. Curitiba, CRV, 2021.
identidades, cultivar sonhos possíveis de serem BATISTA, Wilson Roberto. Educação e gênero no
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Problematizar os rituais da escola no cárcere
BENEDET, Marina Corbetta; MEDEIROS, Ana Bea-
é de suma relevância para a compreensão dos
triz. Gênero, saúde e prisão: maternidades possíveis
fatores de opressão, silenciamento, negação no contexto prisional. Universidade do Vale do
de direitos em que as mulheres em situação Itajaí, Itajaí-SC. Revista de Psicologia, v. 33, n. 3,
de privação de liberdade vivenciam na prisão. p. 205-211, set.-dez. 2021.
Entender que o ser humano não está pronto, CARREIRA, Denise.; CARNEIRO, Suelaine. Relatoria
acabado é um dos primeiros desafios para nacional para o direito humano à educação: edu-
mudar a percepção de que a escola prisional cação nas prisões brasileiras. São Paulo: Plataforma
só existe para legitimar um direito e/ou para DhESCA Brasil, 2009.
o cumprimento de regras internas, controle, FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e
94 Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 79-95, jan./jun. 2023
Ivanilde Apoluceno de Oliveira; Suzianne Silva Tavares
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de mulheres cearenses no regime semiaberto. 205 Recebido em: 27/9/2023
Aprovado em: 28/10/2023
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 79-95, jan./jun. 2023 95
Poéticas errantes e andarilhas: sujeitos e processos educativos na EJA
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo apresentar as poéticas errantes e
andarilhas de sujeitos da EJA, por meio das vozes literárias, que resultam das
imersões dos/as pesquisadores/as na realidade alagoana, enquanto docentes
em instituições de ensino básico e superior. Nesse sentido, é dado ênfase as
narrativas de Carolina Maria de Jesus e Conceição Evaristo, que representam
as vidas oprimidas de pessoas em um Brasil que não pensava em políticas
públicas para aqueles que pertenciam a uma determinada classe social. Nesse
percurso, caracterizamos a poética da vida percebida na leitura do livro
Quarto de Despejo – da primeira autora citada –, tendo este sido trabalhado na
graduação em Pedagogia da Ufal, nas turmas que cursavam a disciplina de EJA.
Tal itinerário é entremeado com a potência com que Conceição Evaristo, em
Becos da Memória, constrói as personagens: crianças, mulheres e homens que
*
Doutorando e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Alagoas (PPGE/Ufal). Licenciado em Pedagogia
pela Universidade Estadual de Alagoas. Membro do Grupo de Pesquisa Multidisciplinar em Educação de Jovens
e Adultos – Multieja/CNPq. E-mail: andressotorres@hotmail.com
**
Doutoranda, Mestra em Educação e Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
Integrante do Grupo de Pesquisa Multidisciplinar em Educação de Jovens e Adultos – Multieja/CNPq. E-mail:
ana.tenorio@cedu.ufal.br
***
Doutora em Linguística. Professora e pesquisadora no campo da Educação de Jovens e Adultos do Programa
de Pós-Graduação em Educação Brasileira (PPGE) do Centro de Educação da Universidade Federal de Alagoas
(UFAL). Líder do grupo de pesquisa Multidisciplinar em EJA (MULTIEJA). É coordenadora do Núcleo de Estudo,
Pesquisa e Extensão sobre Alfabetização (Nepeal), Cedu/Ufal. É membro do GT 18 - Educação de Pessoas Jovens
e Adultos da Anped e também, da Cátedra Paulo Freire da Universidade Federal Rural de Pernambuco e do
Fórum Alagoano de Educação de Jovens e Adultos (FAEJA). E-mail: naide12@hotmail.com
****
Doutora em Educação. Atua como professora do curso de Pedagogia e do Programa de Pós – Graduação em
Educação do Centro de Educação da Universidade Federal de Alagoas. Líder do Grupo Pesquisa em Educação,
Currículo e Diferença (GEDIC) e Integrante do Grupo de Pesquisa Multidisciplinar em Educação de Jovens e
Adultos – Multieja/CNPq e membro do Fórum Alagoano de Educação de Jovens e Adultos (FAEJA). E-mail:
valeria.cavalcante@penedo.ufal.br
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Andresso Marques Torres; Ana Luísa Tenório dos Santos; Marinaide Lima de Queiroz Freitas; Valéria Campos Cavalcante
ABSTRACT
WANDERING AND HIKER POETICS: SUBJECTS AND EDUCATIONAL
PROCESSES IN EJA
The present work aims to present the wandering and hiker poetics of EJA
subjects, through literary voices, which result from the researchers’ immersion
in the reality of Alagoas, as teachers in basic and higher education institutions. In
this sense, we emphasize the narratives of Carolina Maria de Jesus and Conceição
Evaristo, which represent the oppressed lives of people in a Brazil that did not
think of public policies for those who belonged to a particular social class. In
this path, we characterize the poetics of life in the reading of the book “Quarto
de Despejo” – by the first author quoted –, which was worked on during the
Pedagogy graduation course at Ufal, in the classes related to the project EJA.
Such itinerary is built with the power of Conceição Evaristo words, in “Becos
da Memória”, that constructs the characters: children, women and men who
struggle for a world in which their existences are considered. We stress that the
theoretical perspectives on which we have based ourselves, primarily Freirean
theory, which embraces the silences, the whispers, and the walks of the ragged
of the world, the ones forbidden to be, as well as the assumptions of the French
historian Michel de Certeau, when talking about the anonymous people of
history and defending a culture in plural. It is understood, therefore, from the
readings of the mentioned authors, the need to build a provocative education
that supports the formulation of powerful curriculums, in which cultures and
knowledge enclose the voices of students and educators, seeking to privilege an
action grounded and based on the issues and problems of their realities.
Keywords: Poetics of life-training; Literature; Emancipatory Education.
RESUMEN
POÉTICAS ERRANTES Y CAMINANTES: SUJETOS Y PROCESOS
EDUCATIVOS EN LA EJA
El presente trabajo tiene como objetivo presentar las poéticas errantes y
caminantes de sujetos de la EJA, por medio de las voces literarias, que resultan
de las inmersiones de los/las investigadores/as en la realidad alagoana, como
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Andresso Marques Torres; Ana Luísa Tenório dos Santos; Marinaide Lima de Queiroz Freitas; Valéria Campos Cavalcante
por exemplo, como um saber potente, sobre- ressonância em tantos outros, e que acabam
tudo dentro de um contexto sinuoso de tantos operando sob outras semânticas, por isso, o
ataques ao sentido do humano, que demovem cuidado e o zelo com que lidamos com tais
as subjetividades. perspectivas teóricas. É inegável que nas obras
Nas muitas das ações de pesquisas e de do- de Paulo Freire, haja o uso constante dessa for-
cência, temos investido na compreensão do ou- ma elaborada das palavras que estão nas cer-
tro como sujeito singular, sobretudo nos modos canias da poesia, mas trasladar esses sentidos
de se apropriar do mundo. E ao percorrer por não é uma tarefa simples. Por isso, estaremos
esses caminhos, viajamos, metaforicamente, sempre recorrendo a outros -as escritores-as
por entre as veredas simbólicas e identitárias para nos ajudar a compor esse bordado. Nos
que enredam as existências de todos-as e de acompanha nesse percurso, Carolina Maria
cada um-a, o que tem nos permitido ter con- de Jesus e Conceição Evaristo, com que temos,
tato com as múltiplas e potentes narrativas de recorrentemente, dialogado, no sentido de
alunos-as, sujeitos interlocutores das/nas in- estabelecer outras relações com os saberes, as
vestigações. Essa prática, tem exigido, também, escolas e a universidade.
a compreensão de que o caminhar (nosso e do
outro) carrega uma estética, enquanto forma AS POÉTICAS NA DOCÊNCIA:
autônoma de arte (CARERI, 2013), e uma ética
subjacente ao próprio ato e ao sujeito que ca-
DESLOCAMENTOS
minha, cujos sentidos se mobilizam em busca Peço licença para algumas coisas.
do que Michel de Certeau (2014) chama de um Primeiramente, para desfraldar este
próprio. canto de amor publicamente.
Com efeito, partimos da compreensão de Sucede que só sei dizer amor
quando reparto o ramo azul de estrelas
que a dimensão ética que trama as existências que em meu peito floresce de menino.
precisa estar sustentada por um rigoroso cui- [...]
dado e respeito pelas belezas que outorga o
saber do outro, nesse caso, alunos-as, sujeitos Thiago de Mello – Canção para os Fonemas da
participes em contextos de pesquisas, as suas Alegria
construções identitárias, bem como as ma- Pedimos licença, a exemplo do poeta, para
neiras de ser, fazer, pensar. Entendemos que narrar, de forma implicada, ações que nos atra-
não é tarefa de quem se dispõe a estar com o vessam de modo particular, enquanto sujeitos
outro, atribuir juízos próprios que, de alguma em constante implicações com o mundo, o
maneira, invalide seus saberes, demovendo outro, e no comprometimento da transforma-
-os. Coerentemente com tais princípios, é que ção daquele. Ações estas que demonstram o
nestes itinerários, ao entrecruzar com as redes campo de luta que trama-se ao ser docente, e
dos falares que atravessaram nossas práticas, ainda, na busca por formas de compreender o
procurou-se estabelecer uma escuta nômade, mundo por outros olhares, que não mais pelos
interessada e atenta as formas de estar sendo engessamentos aos quais fomos formados-as
com o outro e nas relações intersubjetivas. no contexto de uma ciência que apontava para
É uma tarefa árdua, esta de coser o tecido um monólogo científico, como é o caso da ciên-
que dá forma a uma poética, entendida como cia moderna. Sentimos a necessidade cada vez
uma narrativa plural e englobante sobre a vida mais premente, de entremear nos campos da
e os fenômenos que a permeia, na tentativa de docência e cientifico, à literatura, fazendo o
ressignificar, num ato contínuo, a existência. que Alves (2003) ensinou sobre literaturizar a
Entendemos que é árduo pelo fato de que se ciência, fato que nos faz também buscar essas
trata de conceitos complexos, que encontram sonoridades no ensino, perspectivando tornar
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Poéticas errantes e andarilhas: sujeitos e processos educativos na EJA
as práticas mais leves e carregadas de sentidos de tal leitura, inserir na formação dos-as pe-
para os sujeitos nelas envolvidos. dagogos-as discussões sobre os sujeitos que
Deste modo, arregimentou-se, no âmbito permeiam a EJA, em suas diversidades. Além
pedagógico universitário, a construção de um disso, buscou-se, ainda, despertar para as ques-
espaço-escutador, em que as narrativas do/ tões sociais latentes na época da escrita do re-
as-discentes cingissem-se de modo a formar ferido texto, bem como as ressonâncias destas
um bordado formativo, permeado pelas lem- no tempo presente. Focalizou-se, também, as
branças em suaves escorrer, como nos fala Mia belezas do olhar de Carolina para as passagens
Couto, e a potência reconstrutiva da palavra- cotidianas, que permitem poetizações diversas,
memórica, que permite que os acontecimen- mesmo em contexto de pauperização da vida
tos sejam relembrados de forma artesanal e e da existência.
bricolada, uma vez que a memória é sempre Partimos do pressuposto de que a narrativa
uma reconstrução do que se viveu ou escutou, que brota das experiências é, senão, um modo
de forma implicada. Nesse sentido, vivencia- de trazer para perto os fatos que estão distan-
mos, com os sujeitos, a linguagem enquanto tes do presente, uma maneira de pronunciar
conversação, na qual buscou-se traduzir cor- o mundo de forma subjetiva, escorregar nas
poralmente, “o falar enquanto conversa”, um ribanceiras das palavras e deixar-se falar e
falar “com voz baixa, sem travas, desprotegida” escutar, à semelhança do poeta, que não ensi-
(SKLIAR, 2014, p. 30). na a olhar e escutar, “[...], mas tenta oferecer,
Tal compreensão se deu considerando a desesperadamente, a possibilidade de olhar
necessidade de escutarmos as outras vozes, sempre de modos diferentes” (SKLIAR, 2014, p.
que não somente as nossas próprias, uma vez 43). Entendemos que essa possibilidade seja da
que Skliar (2014) alerta para o fato de que, se ordem do dia, e que a escrita de um encontro,
não tomarmos os devidos cuidados, deslizare- na verdade, precisaria desenvolver um modo
mos para um espaço em que “quase ninguém também diferente de ler a realidade, em um
reconhece vozes cuja origem não seja as suas dado tempo, com as angústias que cada um
próprias, quase ninguém escuta senão o eco carrega ao realizar a leitura.
de suas próprias palavras, quase ninguém Observou-se, após esses momentos, que
encarna a pegada que deixa outras palavras, ao-as estudantes realizaram a leitura e estudo
outros sons, outros gestos, outros rostos” (p. com sensibilidade ética, no sentido de respeito
33). Essa artesania entre linguagem e ação, vem as construções semânticas que perfizeram a
nos proporcionando encontros assentados na existência de Carolina de Jesus. Percebeu-se, de
perspectiva do outro como parte de um mundo, outro modo, o avanço no que se refere ao olhar
um ser-aí-no-mundo (dasein), na concepção para os sujeitos da EJA, encaminhando-se para
heideggeriana, fazendo-se e falando nele e dele uma compreensão docente alicerçada em uma
e que, portanto, nossa linguagem não poderia dimensão comprometida pedagogicamente
ir contrariamente a uma concepção deste en- com os conhecimentos prévios, em direção ao
quanto uma pessoa que emana uma narrativa direito de aprender o conhecimento cientifico.
plural e carregada de sentido. Compreendemos Carolina, como uma mulher
Neste alcance, um desses modos de habitar que teve seus diversos direitos negados (a
a docência por meio da literatura, se deu a comida, a moradia digna, a lazer), e que en-
partir do estudo, na disciplina de Educação de controu nos livros, e na escrita, uma forma de
Jovens e Adultos I, da graduação em Pedagogia construir outros mundos.
da Universidade Federal de Alagoas, do livro Nesta direção, problematizou-se a necessá-
Quarto de Despejo, tendo como autora Carolina ria justeza com que todos-as, indistintamente,
Maria de Jesus (1993). Tendo como objetivo tem de dizer a sua palavra, fazendo-se nesse
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Andresso Marques Torres; Ana Luísa Tenório dos Santos; Marinaide Lima de Queiroz Freitas; Valéria Campos Cavalcante
processo; de modo que o contrário dessa as- enxergar a indignação, aquela que também
sertiva, de que uns não podem falar porque não nos suspende ao ler Pedagogia da Indignação
sabem, é ilegítimo pedagógico e humanamente, (FREIRE, 2021b) sobretudo na passagem da
uma vez que não considera, como nos ensinou morte do índio Galdino no banco da praça em
Paulo Freire (2020), de que todos possuem sa- Brasília, onde, um grupo de jovens de classe
beres diferentes entre si, não hierarquizáveis. média ateou fogo no mesmo, e como depoimen-
Enxergamos em Carolina, e na sua narrativa to, tentaram justificar dizendo que “estavam
sobre o lugar onde vivia, a certeza de que a brincando”. A pergunta de Freire é enfática e
libertação é alcançada por meio da tomada indignada: “como assim brincando de matar
de consciência do seu real estado, e indo além gente?” (p.75).. Com o mesmo sentimento,
para compreender a totalidade. Ao fazer uma também poderíamos nos perguntar, indigna-
análise da sua realidade, em um dos muitos dos: como é possível que em pleno século XXI
momentos de reflexões, Carolina nos diz que: ainda tenhamos que defender a necessidade de
“[...] as crianças ricas brincam nos jardins com todos-as terem seus direitos assegurados, sen-
seus brinquedos prediletos. E as crianças po- do que essa garantia é constitucional, e mesmo
bres acompanham as mães a pedirem esmolas assim ainda termos um número de expressivo
pelas ruas. Que desigualdades tragicas e que de pessoas vivendo com o mínimo possível?
brincadeira do destino” (p.74). A poética, no entanto, é para mostrar que
A noção sobre a vida e a realidade está mesmo com tantas injustiças, com tanto de-
presente na narrativa de Carolina, e por se samor, ainda existem as muitas reinvenções,
encontrar em uma “situação-limite” (FREIRE, elaboradas pelos sujeitos, em busca constante
2020), tenta superar, por meio de “atos-limites” de novas formas de viver. As atitudes reinventi-
– a escrita de diários –, pois seria dessa forma vas dos sujeitos ordinários vêm nos mostrando,
que conseguiria sair da condição ao qual se diuturnamente, que a esperança é de fato um
encontrava, bem como possibilitaria outras caminho possível, e que não significa a doce
interações com as pessoas e, sobretudo, com a espera, mas o fazer-se, na luta, no enfretamento
palavra. Nesse sentido, “Bitita” como era cha- das ações que reduz as formas de participação,
mada por alguns, ganha projeção na medida e que tenta, a todo custo, cercear a autonomia
em que a enxergamos com essa personagem dos homens e mulheres.
errante, e ao mesmo tempo, “anônima” (CER- É preciso entender ainda que as mãos que
TEAU, 2014), que nos apresenta uma escrita cose esse tecido textual, folheia outras histó-
oralizada em que deixa transparecer um olhar rias-livros, que faz problematizar e pensar que
sensível e humano sobre a sua experiência com outros mundos são possíveis, e que dentro de
a vida e com o mundo. Na verdade, nos entrega cada realidade, vislumbra-se o desabrochar e
um mosaico de uma realidade, na qual fulgura florear de sonhos e esperanças resilientes e
os diversos cotidianos dos oprimidos, e mostra, contestadoras da ordem vigente. Assim é que
ao mesmo tempo, a sombra sempre presente destacamos outra personagem dessa poética,
dos opressores, sejam hospedados naqueles, que inspira ao mostrar que a revolução é feita
ou encarnados, quando vêm subjugar o povo com, e pelo conhecimento (de mundo, de vida,
da favela que reside. de experiências reunidas, resistências e lutas).
O fio que enlaça a história e as memórias Ao tentar inserir novas linhas a esse tecido que
de Carolina, também encontra nós durante o está sendo tramado, mostrando como Carolina
percurso da agulha que o conduz, talvez seja compreendia o mundo e as pessoas que esta-
porque no meio do caminho, haja muita de- vam a seu redor, e como faz dele poesia, enxer-
sigualdade, muita falta de amor, e ainda mais gamos no mesmo fluir poético, em Conceição
falta de sensibilidade. Nesse trajeto, foi possível Evaristo, uma mulher semelhante àquela, no
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Poéticas errantes e andarilhas: sujeitos e processos educativos na EJA
sentido de que suas origens foram marcadas Caberia nos perguntar, dessa forma, onde se
por negações várias. No entanto, é preciso dizer trabalharia essa formação do homem e da mu-
que mesmo apresentando verossimilhanças, as lher como sujeito histórico? Que tipo de escola
histórias referidas possuem percursos apostos, precisaríamos pensar para que desse respostas
tendo em vista as singularidades contextuais. aos-as atores-as da cultura, e fizesse com que se
Bordemos, em primeiro lugar, a cor: são realizassem enquanto pessoas/humanos que
mulheres negras; de modo que o ponto cruz são? Que que educação responderia as necessi-
dessa bordadura é as histórias e memórias de dades formativas formais dos sujeitos? Eis que
um tempo histórico-social, que Conceição faz numa atitude ousada, dizemos que a escola é
questão de demonstrar na passagem do livro um locus privilegiado, carregada de vivências
Becos da Memória, da seguinte forma: que poderão desencadear experiências singu-
[...] o mundo, a vida, tudo está aí! Nossa gente lares e positivas nas pessoas. Seria também
não tem conseguido quase nada. Todos aqueles espaço de diálogo, de narrativas plurais, de
que morreram sem se realizar, todos os negros aprendizagens, de valorização da cultura, de
escravizados de ontem, os supostamente livres leitura, de escrita, de memórias afetivas. É des-
de hoje, se libertam na vida de cada um de nós, se pressuposto que partimos para comentar, na
que consegue viver, que consegue se realizar. A
próxima seção, a poética freireana na escola.
sua vida, menina, não pode ser só sua. Muitos
vão se libertar, vão se realizar por meio de você.
Os gemidos estão sempre presentes. É preciso A POÉTICA DA ESCOLA
ter ouvidos, os olhos e o coração abertos (EVA-
RISTO, 2017, p. 111). Paulo Freire é reconhecido como um dos
Está posto, portanto, o sentido da luta, da grandes protagonistas na história da educa-
dimensão humana presente nas relações, do ção brasileira e mundial. Em sua trajetória
diálogo entre passado e presente, entre his- educativa elencou propostas provocativas e
tórias e memórias. Em Freire, conseguimos revolucionárias, da maneira de ensinar, um
enxergar esses elementos na pedagogia que referencial influenciado pela pedagogia críti-
pensou, em específico na esperança1, na qual ca, pela emancipação dos sujeitos, por meio
o autor se reencontra com a pedagogia dos da amplitude de diálogos estabelecidos entre
oprimidos (2020), e aponta novas visões acer- educadores e educandos.
ca dos sujeitos que vivem historicamente na Freire sempre nos indicou o diálogo da es-
luta, em busca de conseguirem conquistar a cola, do-a educador-a com a comunidade, com
libertação, e a emancipação, e nesse percurso, seus pares e com os conhecimentos dentrofora
entende-se que a vida não é só nossa, como da sala de aula, saberes encarados como ato
nos convida pensar Evaristo, mas também de de investigação - pesquisa-ação - de buscas
outros, que se realizam por meio das nossas sucessivas, para uma compreensão mais pro-
próprias conquistas. Isso porque, somos todos funda de seus interlocutores, dos contextos e
-as aqueles-as que vieram antes, e que registra- das práticas, de onde falam e constroem visões
ram suas passagens, pertencemos a um grupo, e processos de intervenção na concreticidade
e dele extraímos sentidos e significados que do real.
forjam nossa identidade. O caráter coletivo da Neste sentido, a concepção teórico-meto-
memória, enquanto memória social/histórica dológica de Freire (2020), nos ensina que a
está implícito, destacando o devir humano e as escolha dos objetos de estudo para a prática
nossas raízes ancestrais. pedagógica ético-crítica vai além dos interesses
imediatos dos estudantes, de temas da vida
1 Nos referimos a FREIRE, Paulo. Pedagogia da Espe-
rança: um reencontro com a pedagogia do oprimido,
diária ou assuntos de interesse, conceitos,
29ªed. São Paulo/Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2021a. descobertas e pesquisas. O ideário dessa edu-
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Andresso Marques Torres; Ana Luísa Tenório dos Santos; Marinaide Lima de Queiroz Freitas; Valéria Campos Cavalcante
cação popular de base freireana, se configura que os estudantes tragam para sala de aula seus
em produzir ressignificações no processo de saberes e experiências, conforme nos indica
aprendizagem dos estudantes (FREIRE, 2020), Freire (2019, p. 32, 33):
uma vez que a educação só é libertadora quan- Não há para mim, na diferença e na “distância”
do orientada por objetivos, mediada por pro- entre a ingenuidade e a criticidade, entre o
blematizações, conhecimentos e necessidades saber de pura experiência feito e o que resulta
daqueles que se envolvem nesta atividade. dos procedimentos metodicamente rigorosos,
Esse pressuposto nos remete a uma condi- uma ruptura, mas uma superação. A superação
e não a ruptura se dá na medida em que a curio-
ção reflexiva, o repensar as formas de ensinar sidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade,
para se chegar à educação humanizadora, dessa pelo contrário, continuando a ser curiosidade,
forma Freire apontou para uma pedagogia li- se criticiza. Ao criticizar-se, tornando-se então,
bertadora, que estivesse ligada aos interesses permito-me repetir, curiosidade epistemológica,
dos estudantes. Assim, as contribuições de metodicamente “rigorizando-se” na sua aproxi-
Freire (2020), permitem aos-as educadores mação ao objeto, conota seus achados de maior
exatidão.
-as repensarem o currículo na/para EJA, por
meio da investigação, tematização e proble- Uma prática comprometida com pessoas
matização dos problemas vivenciados pelos-as possuidoras de saberes, como afirma Freire
educandos-as. (2019, p. 34): “Decência e boniteza de mãos
Contudo, Freire (2020) explicita que toda dadas. [...] mulheres e homens, seres histórico-
intencionalidade da prática pedagógica na EJA sociais, nos tornamos capazes de comparar, de
deve ser coerentemente construída com os valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de
estudantes, considerando a imersão em uma romper, por tudo isso, nos fizemos seres éticos”.
realidade concreta específica, com diferentes Essa leituras de Freire, nos remete acima de
anseios e expectativas culturais. Não pode, por- tudo para a concepção de educação enquanto
tanto, aprisionar e subjugar tempos/espaços possibilidade de emancipação, em que o autor
históricos concretos a um tempoespaço futuro convencionou denominar de Educação proble-
e mitificado. Nesse sentido, Freire (2019, p. matizadora, que possibilita,
32) destaca: [...] a discussão corajosa da problemática [do
Por que não discutir com os alunos a realidade sujeito] e sua inserção nessa problemática. Que
concreta a que se deva associar a disciplina cujo o advertisse dos perigos de seu tempo, para que,
conteúdo se ensina, a realidade agressiva em consciente deles ganhasse a força e a coragem de
que a violência é a constante e a convivência das lutar, ao invés de ser levado e arrastado à perdi-
pessoas é muito maior com a morte do que com ção do seu próprio ‘eu’, submetido às prescrições
a vida? Por que não estabelecer uma necessária alheias. Educação que o colocasse em diálogo
‘intimidade’ entre os saberes curriculares fun- constante com o outro. Que o predispusesse a
damentais aos alunos e a experiência social que constantes revisões. À análise crítica dos seus
eles têm como indivíduos? Por que não discutir ‘achados’. A uma certa rebeldia, no sentido mais
as implicações políticas e ideológicas de um tal humano da expressão (FREIRE, 1984, p. 97,98).
descaso dos dominantes pelas áreas pobres da Concordando com o autor, acreditamos em
cidade?
uma educação como possibilidade de enuncia-
É importante lembrar que as teorias de Frei- ção de sujeitos, principalmente no reconheci-
re nos impulsionam para as reflexões sobre a mento dos seus saberes, que emerge a ideia da
horizontalidade dos sujeitos nas salas de aula, educação emancipatória para a rebeldia e para
permitindo a esses atores da educação uma a formação de subjetividades inconformistas. É
ampliação de criticidade, neste aspecto edu- neste contexto que Freire (1996), aponta para
cadores-as da modalidade devem estabelecer, uma educação como fruto de conquista polí-
em suas práticas pedagógicas, a liberdade para tica a ser efetivada pela práxis educativa. Ou
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 96-108, jan./jun. 2023 103
Poéticas errantes e andarilhas: sujeitos e processos educativos na EJA
seja, uma educação forjada na luta constante, redes de conhecimentos. Uma perspectiva que
a favor da libertação das pessoas de suas vidas tenta superar as discussões superficiais, bus-
desumanizadas pela opressão. cando o diálogo constante permitindo desvelar
Essa libertação não se trata de um projeto intenções e compromissos éticos, explicitando
que deva ser construído num futuro longínquo, o sentido e a coerência das ações, como sempre
ao contrário, deve ser um processo implemen- nos ensinou Freire (2020).
tado cotidianamente no espaçotempo da escola Estamos, portanto, considerando situações
da EJA, que deve implementar uma Educação significativas, as “falas” proferidas pelos-as
que liberte e amplie os horizontes dos estudan- estudantes, sujeitos sociais e locais que ex-
tes. Para Freire (1996), a liberdade desponta na plicitem contradições, limites explicativos e
educação como fruto de conquista política a ser concepções de mundo da comunidade, que cor-
efetivada pela práxis educativa. Ou seja, uma respondem a acontecimentos sócio históricos,
educação forjada na luta constante, a favor da persistentemente vivenciados. Como observa
libertação das pessoas de suas vidas desuma- Freire (2019, p. 30, 31):
nizadas pela opressão. Essa libertação deve ser
Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem
um processo implementado cotidianamente no ensino. Esses quefazeres se encontram um
espaçotempo da escola da EJA. no corpo do outro. Enquanto ensino continuo
Uma educação que seja forjada em uma buscando, reprocurando. Ensino porque busco,
perspectiva transformadora e emancipatória, porque indaguei, porque indago e me indago.
não pode, portanto, se pautar em discussões Pesquiso para constatar, constatando, interve-
nho, intervindo, educo e me educo. Pesquiso
superficiais ou corporativas, que ocultam
para conhecer e o que ainda não conheço e
concepções sociais totalitárias, legitimando comunicar ou anunciar a novidade.
práticas reacionárias vigentes. Ao contrário,
deve estar baseada no constante que desvelar Diante desses pressupostos, reconhecemos
de intenções e compromissos políticos, expli- que as salas de aula da EJA são espaços nos
citando o sentido e a coerência ética das ações, quais se ampliam os conhecimentos dos-as
uma vez que para Freire (2019, p.43): estudantes. Nesse sentido, a problematização
dos saberes permite a construção de currículos
[...] entre o fazer e o pensar sobre o fazer. O sa-
emancipatórios nas salas de aula. No âmbito
ber que a prática docente espontânea ou quase
espontânea, ‘desarmada’, indiscutivelmente educacional há que se ressaltar que ensinar
produz é um saber ingênuo, um saber de expe- não pode ser “catequizar”, mas socializar para
riência feito, a que falta a rigorosidade metódica uma ação-reflexão-ação.
que caracteriza a curiosidade epistemológica do O ponto fundamental é problematizar o
sujeito (FREIRE, 2019, p.43). mundo, as opressões e suas consequências,
Essa prática docente, no nosso entendi- é suscitar exigências para a mudança. Não
mento, em um trabalho educativo, caminha na se trata de apresentar respostas prontas,
contramão de uma lógica hegemônica, situan- mas questionar as intenções e contradições
do-se, mais especificamente, na perspectiva do constituído, processar a reconstrução. O
pós-abissal (SANTOS, 2002). Segundo a qual conceito de diálogo na sala de aula da EJA,
os conhecimentos dos sujeitos, que antes eram tão difundido por Freire (2019), ultrapassa a
silenciados, invisibilizados, aos poucos surgem troca de ideias, ou conversar polemizando, é
e ocupam espaços nos currículos. permitir uma educação problematizadora em
Compreende-se, portanto, que estudantes que os praticantespensantes da EJA, tenham
e professore-as trazem saberes de suas vidas seus saberes reconhecidos na escola, suas his-
para a escola, e esses saberes se entrelaçaram tórias, suas verdades e realidades. E educação
nas salas de aula, com as falas construindo compreendida como atividade extremamente
104 Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 96-108, jan./jun. 2023
Andresso Marques Torres; Ana Luísa Tenório dos Santos; Marinaide Lima de Queiroz Freitas; Valéria Campos Cavalcante
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Poéticas errantes e andarilhas: sujeitos e processos educativos na EJA
muito maior com a morte do que com a vida? Por de estar convencidos de que a sua visão do mun-
que não estabelecer uma necessária ‘intimidade’ do, que se manifesta nas várias formas de sua
entre os saberes curriculares fundamentais aos ação, reflete a sua situação no mundo, em que
alunos e a experiência social que eles têm como se constitui, [...] A tarefa do educador dialógico
indivíduos? Por que não discutir as implicações é, trabalhando em equipe interdisciplinar este
políticas e ideológicas de um tal descaso dos universo temático, recolhido na investigação, de-
dominantes pelas áreas pobres da cidade? Há volvê-lo, como problema, não como dissertação,
ética de classe embutida neste descaso? aos homens de quem recebeu.
Concordamos com o autor, e a partir de nos- Entendemos com Freire, que o cotidiano
sas experiências vivenciadas nas escolas da EJA, da escola da EJA é um espaço de criações cur-
enxergamos a necessidade da problematização, riculares democráticas, espaço privilegiado
que deva subsidiar os/as estudantes para o da ação educativa possibilitando aos sujeitos
enfrentamento da dúvida, do imponderável, construírem suas próprias vozes, desenvolve-
das incertezas. Nesta perspectiva, o currículo rem subjetividades democráticas e validarem
escolar superar ser um rol de conhecimentos suas experiências de maneira horizontal. O
preestabelecidos por diferentes disciplinas e desafio assim é dar visibilidade aos currículos
presumivelmente indiscutíveis e imparciais. pensadospraticados que escapam ao modelo
Em defesa de uma pedagogia crítica, que hegemônico, podendo ser considerados currí-
implica em promover práticas curriculares que culos contra-hegemônicos, geradores de outras
possibilitem: concepções de aprendizagem para além da
a) Abordar de forma aberta, não determinista, a hierarquia dos saberes.
relação entre conhecimento elaborado e sujeito, Nessa concepção, o currículo na/da EJA de
em que o poder de imposição da ciência sobre base freireana deve estar comprometido com
os não científicos desaparece; b) Compreender a concretude das vivências, uma vez que,
essa transformação do sujeito como esclareci-
mento do seu senso comum, como teoria crítica [...] o conteúdo programático da educação não é
que abra os conteúdos da própria consciência e uma doação ou uma imposição – um conjunto de
da reflexão de primeiro nível à discussão, des- informes a ser depositado nos educandos, mas
truindo as barreiras que ocultam a deformação a revolução organizada, sistematizada e acres-
ideológica, abrindo-lhe caminhos para a sua centada ao povo, daqueles elementos que este
emancipação pessoal e para a liberação social a lhe entregou de forma desestruturada (FREIRE,
partir de um discurso que desvenda a realidade 2020, p. 32),
de maneira mais rigorosa (SACRISTÁN, 1999, É nesse processo de construção da educa-
p. 124).
ção que Freire (2002) diz que é necessário o
Compreendemos, portanto, que a escola da enfrentamento das ‘situações-limites’, uma vez
EJA é um espaçotempo de produção de senti- que é nessas “situações-limites” que existem
dos, para além do que é definido nos currículos possibilidades de se ir além, de se construir
prescritos, exige entendê-la a partir das suas uma educação que permita ousar, mudar,
contradições e dos sabresfazeres dos seus transformar-se e de sair de si mesma, de seu
praticantespensantes. Isso significa pensá-la pedagogismo, para ser inédita.
não como um mero espaço de reprodução da Neste contexto, emerge a racionalidade
ideologia dominante, nem tampouco um lugar problematizadora, fundamentada na criação
em que se aprende apenas os conteúdos pres- do novo, do possível uma vez que para Freire
critos nos currículos oficiais. Como nos ensinou (1996, p. 94), não se consegue alcançar a meta
Freire (2020, p. 32): da humanização “[...] sem o desaparecimento
Nosso papel não é falar ao povo sobre a nossa da opressão desumanizadora, é imprescindível
visão do mundo, ou tentar impô-la a ele, mas a superação das ‘situações-limites’ em que os
dialogar com ele sobre a sua e a nossa. Temos homens se acham quase coisificados”.
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Andresso Marques Torres; Ana Luísa Tenório dos Santos; Marinaide Lima de Queiroz Freitas; Valéria Campos Cavalcante
Freire, nos ensinou a compreender s que os saberes dos/as estudantes, e o ideal é uma
esse é o ponto de partida para uma reorienta- educação crítica e libertadora, que deve estar
ção curricular democrática e participativa, é a associada à humanização, contrária aos valo-
intencionalidade ético-política de nossas ações res da sociedade capitalista, que possibilite e
na escola. Assim, é fundamental identificar compreensão e transformação do seu mundo,
pressupostos e premissas, suas implicações de sua realidade, devendo ser provocativas, a
na escolha dos objetos de estudo, na seleção partir de um trabalho pautado na realidade,
dos conhecimentos que se tornarão conteúdos. que compreenda o humano como inquieto e
Como afirma Freire (2019, p.36 e 37): “Decên- inacabado.
cia e boniteza de mãos dadas. [...] mulheres e Essa postura educativa está relacionada à
homens, seres histórico-sociais, nos tornamos formação de um sujeito não passivo, não repro-
capazes de comparar, de valorar, de intervir, de dutor de ideias, que reflete a sua vida e prática
escolher, de decidir, de romper, por tudo isso, social, possibilitando, assim, uma educação
nos fizemos seres éticos”, emancipadora, que contribua para a condição
Dentro deste contexto, não se trata de des- de um ser crítico, autônomo. Dessa maneira,
considerar as especificidades das disciplinas e deve-se estabelecer em sala de aula, caminhos
áreas do conhecimento na EJA, mas de buscar para a problematização de suas realidades, en-
em suas produções, metodologias e episte- trelaçando nas propostas educativas/curricu-
mologias, contribuições pertinentes a uma lares o diálogo democrático, amplo e reflexivo.
abordagem curricular em que a escolha dos Entende-se, portanto, a partir das leituras
objetos de estudo, a organização metodológica freireana, e das autoras literárias – Carolina
da dialogicidade para orientar o processo de de Jesus e Conceição Evaristo -, a necessidade
ensino-aprendizagem ético e crítico. de se construir uma educação provocativa que
sustente a formulação de currículos ricos de
culturas, saberes e literatura, que traga as vozes
CONSIDERAÇÕES FINAIS
dos educandos e educadores, interagindo, pri-
Neste texto, trouxemos discussões sobre Freire, vilegiando uma ação fundamentada e embasa-
e que estamos denominando de uma poética da nos temas e problemas das suas realidades.
dos oprimidos, entendida como aquela que
pode provocar a transformação da consciência
REFERÊNCIAS
na busca do “inédito viável”, de modo que tais
discussões tem perpassado por nossas práticas CARERI, Francesco. Walkscapes: o caminhar como
docentes nos diversos âmbitos, seja na escola prática estética. 1. ed. São Paulo: Editora G. Gili,
2013.
ou na universidade.
No que se refere à escola, mais especifica- CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: Artes
mente em relação a EJA, o autor nos ensinou de fazer. 22, ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes,
2014.
para que tenhamos práticas pedagógicas
pautadas nas experiências dos sujeitos envol- EVARISTO, Conceição. Becos da Memória. Rio de
Janeiro: Pallas, 2017.
vidos, considerando toda a complexidade das
experiências vivenciadas dentrofora da escola. FREIRE, Paulo. Extensão ou Comunicação? 3. ed. Rio
Na busca por ampliar tais olhares, investimos de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
na compressão da docência poética, em que FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade.
sujeitos e saberes se entremeiam em um bor- Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
dado formativo. FREIRE, Paulo. Ação Cultural para a Liberdade: e
Nesse sentido, entende-se que nas salas de outros escritos. 12. Ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
aula da EJA deve-se considerar as vivências e FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 61ª edi-
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 96-108, jan./jun. 2023 107
Poéticas errantes e andarilhas: sujeitos e processos educativos na EJA
ção. Rio de Janeiro/São Paulo. Paz e Terra. 2019. SACRISTÁN, J. Gimeno. O currículo. Uma reflexão
sobre a prática. Porto Alegre: ArtMed, 1999.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 73ª edição.
Rio de Janeiro/São Paulo. Paz e Terra. 2020. SKLIAR, Carlos. O ensinar enquanto travessia. Sal-
vador: Edufba, 2014.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reen-
contro com a pedagogia do oprimido, 29ªed. São SANTOS, Boaventura de Souza. Para uma sociolo-
Paulo/Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2021a. gia das ausências e uma sociologia das emergên-
cias, Revista Crítica de Ciências Sociais, 2002.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação. cartas
pedagógicas e outros escritos. FREIRE, Ana Maria
(ORG.)6ªed. São Paulo: Paz e Terra, 2021b.
JESUS, Carlina Maria de. Quarto de Despejo: diário Recebido em: 11/4/2023
de uma favelada. São Paulo: Ática, 1993. Aprovado em: 01/5/2023
108 Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 96-108, jan./jun. 2023
Carlos Eduardo Martins; Maria Hermínia Lage Fernandes Laffin; Luís Alcoforado
RECONHECIMENTO, VALIDAÇÃO E
CERTIFICAÇÃO DE SABERES: obsolescência
ou valorização dos sujeitos da EJA?
CARLOS EDUARDO MARTINS*
Faculdade Integrada de Ipitanga
https://orcid.org/0000-0002-9147-5620
LUÍS ALCOFORADO***
Universidade de Coimbra
https://orcid.org/0000-0003-4425-7011
RESUMO
Este artigo apresenta uma discussão acerca das concepções de Educação
ao Longo da Vida, tendo como objeto as políticas públicas dos processos de
Reconhecimento de Saberes e Competências. Tais conceitos se inter-relacionam
em processos de reconhecer, validar e certificar os saberes e as competências
profissionais ou escolares de sujeitos da Educação de Jovens e Adultos (EJA),
com o intuito de viabilizar a elevação da escolaridade vinculada a programas
institucionais. O estudo apresentado neste artigo caracterizou-se como
qualitativo de abordagem dialética mediante estudo bibliográfico, análise de
* Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (2018), especialista em Metodologia do Ensi-
no de Matemática e Física (2014), Gestão Escolar (2019) e MBA em Gestão de Pessoas e a Educação Corporativa
(2022). Graduado em Física - Habilitação em Licenciatura pela Universidade Federal de Santa Catarina (2006).
Atualmente é professor de ensino superior de Física Aplicada I e II, no curso de Ciências Aeronáuticas, da Fa-
culdade de Tecnologia AERO TD e professor de ensino médio de Física efetivo da Rede Estadual de Educação de
Santa Catarina. Aprovado para o curso de Doutorado em Educação na Universidade Federal de Santa Catarina
com início para 2024. CV: https://lattes.cnpq.br/8260876554331312 E-mail: caecem@yahoo.com.br
** Professora visitante pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), no período
de 2021 a 2022, no Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal da Bahia e pro-
fessora do Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Mestra em Educação pela Universidade Estadual de Campinas, Doutora em Educação pela UFSC e Pós-doutora
pela Universidade do Estado da Bahia. Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação de Jovens
e Adultos Epeja/UFSC e da Pesquisa Nacional (CNPq) intitulada “Fundamentos e Autores Recorrentes do Cam-
po da Educação de Jovens e Adultos no Brasil: a construção de um glossário eletrônico”. CV: http://lattes.cnpq.
br/8076122422477570 E-mail: herminialaffin@gmail.com
*** Doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Coimbra, Professor na Faculdade de Psicologia e de
Ciências da Educação da Universidade de Coimbra e Investigador do Grupo de Políticas Educativas e Dinâmicas
Educacionais (GRUPOEDE) do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEISXX). Foi Coordenador do
Mestrado em Educação e Formação de Adultos e Intervenção Comunitária (2012 - 2018), é Coordenador do
Mestrado em Ciências da Educação e Membro da Comissão de Coordenação do Doutoramento em Ciências da
Educação, da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra. CV: https://www.
cienciavitae.pt/EA17-01C4-3C8D: E-mail: lalcoforado@fpce.uc.pt
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 109-132, jan./jun. 2023 109
Reconhecimento, validação e certificação de saberes: obsolescência ou valorização dos sujeitos da EJA?
ABSTRACT
RECOGNITION, VALIDATION AND CERTIFICATION OF KNOWLEDGE:
obsolescence or valuation about EJA’s students?
This article presents a discussion about Lifelong Education’s conceptions,
considering the public policies of recognition of prior learning. These concepts
are interrelated with the processes of recognize, validate and certify the
professional or scholarly knowledge and skills of youth and adult education
(EJA), enabling the elevation of schooling linked to institutional programs. The
study presented in this article was characterized as a qualitative dialectical
approach through a bibliographic study, analysis of legal documents into effect
in Brazil and the implementation’s study of certification in one institution of
Santa Catarina. It was possible to conclude that the current documents are
consequences of effective forces’ correlation, in the current context of the
neoliberal policy in which the concept of Lifelong Learning ends up taking
a space of disputes in these documents. However, there are practices on the
part of institutions that resist this conception based on Popular Education and
approaching School/Permanent Education.
Keywords: Youth and Adult Education (EJA). Knowledge acceptance. Lifelong
Learning
RESUMEN
RECONOCIMIENTO, VALIDACIÓN Y CERTIFICACIÓN DE CONOCIMIENTOS:
¿obsolescencia o valorización de los sujectos de la EJA?
Este artículo presenta una discusión sobre las concepciones de Educación a lo
Largo de la Vida, teniendo como objeto las políticas públicas de los procesos
de Reconocimiento de Conocimientos y Competencias. Tales conceptos
se interrelacionan en los procesos de reconocer, validar y certificar a los
conocimientos y competencias profesionales o escolares de los sujectos de la
Educación de Jóvenes y Adultos (EJA), con el fin de viabilizar el aumento de la
escolaridad vinculada a los programas institucionales. El estudio presentado
en este artículo se caracterizó como cualitativo con enfoque dialéctico a través
de estudio bibliográfico, análisis de documentos legales vigentes en Brasil y un
estudio de la implementación de la certificación en una institución en Santa
Catarina. Fue posible inferir que los documentos actuales son el resultado de
la correlación de fuerzas en vigor, en el contexto actual de la política neoliberal
110 Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 109-132, jan./jun. 2023
Carlos Eduardo Martins; Maria Hermínia Lage Fernandes Laffin; Luís Alcoforado
Introdução
Apresentamos um artigo intitulado Reconhe- como a Universidade Federal de Santa Catarina
cimento, validação e certificação de saberes e (2016 e 2017), a Universidade Federal do Rio
competências: obsolescência ou valorização Grande do Sul (2018), a Universidade do Minho
dos sujeitos da EJA? Para integrar o dossiê e Universidade de Coimbra (2017). A partir
temático de comemoração dos 10 anos do de 2019 o evento passar a ser bianual e a sua
Programa de Mestrado Profissional em EJA sétima edição se deu em 2021 de forma on-line
(MPEJA) da Universidade do Estado da Bahia em função da pandemia de Covid 19.
(UNEB). O estudo é resultado de uma pesquisa1 Já o terceiro autor, o professor Doutor Joa-
de mestrado, do primeiro autor, realizada no quim Luís Medeiros Alcoforado é pesquisador
Programa de Pós-graduação em Educação na da Universidade de Coimbra que debate a te-
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). mática em Portugal e na Europa e participou
Portanto, essa investigação não foi realizada no da banca de defesa da pesquisa de mestrado,
MPEJA, mas a sua articulação ao programa se cujo estudo é apresentado neste texto. Além
dá mediante a participação da terceira autora disso, já teve várias participações no MPEJA,
no programa que se deu especialmente a partir tanto em palestras, bancas e nos encontros do
de 2015, quando realizou o pós-doutoramento Alfaeeja e na produção de artigos em livros e
na UNEB, ministrando uma disciplina conjunta- na Revista Internacional de educação de Jovens
mente com a professora Doutora Tânia Regina e Adultos (Rieja).
Dantas sobre os fundamentos teórico-metodo- Laffin e Dantas (2015) publicaram um estu-
lógicos da perspectiva Freireana2. Esta segunda do sobre a Educação de Jovens e Adultos na e da
autora também teve participação, tanto como Bahia e a temática do presente artigo não esta-
palestrante, como coorganizadora de vários va presente nas teses e dissertações publicadas
Encontros Internacionais de Alfabetização e até aquele momento. Mas, em 2019 a temática
Educação de Jovens e Adultos (Alfaeeja) no é situada em uma dissertação realizada no
período de 2014 a 2021 na UNEB. Tais encon- MPEJA - O caminho se faz caminhando: a im-
tros foram desenvolvidos e organizados pelo plantação da metodologia de reconhecimento e
MPEJA, tendo parcerias com outras instituições validação de saberes no Sesi Bahia - de Fernanda
Brito da Silva3, que teve como objetivo analisar
1 MARTINS, Carlos Eduardo. Reconhecimento, vali- a experiência da implantação da Metodologia
dação e reconhecimento de saberes: um estudo
de Reconhecimento de Saberes (MRS), no Polo
crítico de políticas e práticas na Educação de Jovens
e Adultos. Dissertação (Mestrado em Mestrado em Salvador, situado na Escola Reitor Miguel Cal-
Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educa- mon, no período de 2016 a 2018.
ção/UFSC, 2018.
2 Cientes de que estrutura gramatical o termo utiliza- 3 Fonte: SILVA, Fernanda Brito. O caminho se faz
do seria freiriana(o) e com a inicial em minúscula, caminhando: a implantação da metodologia de re-
no entanto, assume-se a opção político pelo termo conhecimento e validação de saberes no Sesi Bah-
Freireana(o) grafado com inicial maiúscula com o ia. Mestrado Profissional em Educação de Jovens e
objetivo de reafirmar a importância das contribui- adultos. (Dissertação de Mestrado), Salvador, Bahia,
ções do educador brasileiro Paulo Freire. 2019.
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Reconhecimento, validação e certificação de saberes: obsolescência ou valorização dos sujeitos da EJA?
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a Certificação de saberes e o debate sobre [...]” com “um desempenho muito elogiado, no
educação ou aprendizagem ao longo da vida. conjunto de atividades práticas (normalmente
Na segunda parte do artigo, situamos uma profissionais) que desenvolve” (ALCOFORADO,
análise de documentos de orientação e legais 2008, p. 170).
que embasam/configuram o processo de Reco- Por outro lado, a utilização que hoje se faz
nhecimento de Saberes. Por último, situamos destes conceitos no domínio da educação pode
elementos da análise do processo da inclusão ser associada a dois movimentos com inegá-
da Rede Certific4 no Instituto Federal de Santa vel interesse teórico e social (ALCOFORADO,
Catarina do Continente de Florianópolis– Santa 2014). O primeiro tem origem nos especia-
Catarina, contexto da pesquisa que originou a listas americanos ligados à orientação e ao
reflexão deste artigo. aconselhamento nos processos de escolhas e
transições profissionais, procurando com estas
novas abordagens ultrapassar as limitações
Saberes ou competências?
que, em sua opinião, os modelos tradicionais de
Desde a década de sessenta do século XX que avaliação, baseados em testes e questionários
os debates sobre educação (e em particular apresentavam. O segundo movimento remete-
sobre educação profissional) foram incluindo nos para as reinvindicações dos trabalhadores
e normalizando o uso dos conceitos de com- franceses que, limitados nas progressões pro-
petência e competências. Já anteriormente, no fissionais pela falta de qualificações e corres-
entanto, estava bem estabilizado o uso jurídico pondentes diplomas, apesar dos seus notórios
do termo competências para identificar o po- saberes profissionais, defenderam que para
der atribuído a uma instância administrativa fins de avaliação e promoção passasse a contar
para decidir sobre uma determinada matéria, não só os níveis de escolaridade e qualificação
assim como era conhecida a apropriação que, previamente certificadas, mas também os
no âmbito da linguística, Noam Chomsky fez de saberes resultantes da atividade profissional
competência, identificando-a com o conjunto efetivamente desenvolvida.
de regras interiorizadas por qualquer pessoa, Se é indiscutível reconhecer esta rein-
que lhe permite desenvolver, com sucesso, um vindicação como absolutamente justa, ela
processo de comunicação, num determinado levantava, no entanto, um problema de difícil
momento. Em qualquer dos casos, estes enten- resolução (MALGLAIVE, 1995): como pode-
dimentos apenas traduzem o valor semântico ríamos traduzir e dar o mesmo valor social
intrínseco que, historicamente, é atribuído ao a saberes de natureza tão diferente como os
adjetivo competente, ou seja, dizer que uma saberes formalizados e os saberes em uso.
pessoa é competente significa dizer que ela Procurando equacionar e encontrar soluções
possui um “saber-fazer socialmente bem re- teóricas e socialmente validades para este
conhecido e avaliado de forma muito positiva problema de base, a tradição francófona
passou a entender competência (ALCOFO-
4 A Rede Nacional de Certificação Profissional e For-
mação Inicial e Continuada - Rede Certific foi uma RADO, 2014) como a mobilização de todos os
política pública pensada via articulação do Ministé- recursos pessoais para, numa determinada
rio da Educação - MEC e do Ministério do Trabalho situação, encontrar a melhor resposta para
e Emprego - MTE com proposições para as institui-
uma situação problemática, enquanto define
ções de ensino voltadas ao âmbito da educação pro-
fissional. Salientamos que, em 2021, três anos após competências (BARBIER e GALATANU, 2004)
a conclusão da pesquisa de mestrado do primeiro como ilustrações discursivas da ação, com a
autor, o governo federal substituiu o Certific pelo finalidade de tornar possível uma avaliação
Sistema Nacional de Reconhecimento e Certificação
de Saberes e Competências Profissionais (Re-Saber), rigorosa dos saberes resultantes e adquiridos
perspectiva que ainda demanda por investigações. nessa mesma ação.
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“Quando a educação não é libertadora, o sonho entre 1957 e 1972, a qual buscou em 302 tex-
do oprimido é se tornar o opressor”. (Paulo tos a precisão terminológica e conceitual da
Freire) expressão Educação Permanente, que findou
A epígrafe acima de Paulo colabora para no Relatório de Edgar Faure (1972) e na II Con-
desvelar respostas à problematização da ferência Mundial sobre Educação de Adultos,
pesquisa, pois sempre tivemos a concepção também em Montreal, em 1960, em que se uti-
de que muitos dos saberes adquiridos pelos lizou a expressão pela primeira vez. Conforme a
educandos e por nós, quando fora da escola, autora, foi possível agrupar os autores em três
eram provenientes, quase que em sua maioria, correntes: internacional, americana e europeia.
da relação com o trabalho, por meio de uma Em relação à corrente europeia, Arouca
aprendizagem informal. Afinal, é no local de (1996) define que o nascimento da Educação
trabalho e focado nele que passamos acorda- Permanente é oriundo da Educação Popular,
dos mais da metade dos dias e que precisamos a partir de 1945, nos campos de refugiados e
demonstrar competência e retidão de conduta de prisioneiros de resistência. A autora ainda
para sermos reconhecidos como bons profis- aponta que “julgou-se mais válido um ensino
sionais e, por consequência, vislumbrar desen- ligado à vida, adaptado às características de
volvimento na carreira profissional. Entretanto, cada pessoa, levando em conta a situação par-
agora, em uma primeira constatação, essa ticular na sociedade. Seria um ensino à base de
pré-concepção pode ser consequência de uma permutas, em que aquele que informa também
formação pessoal marcada pela sobredeter- obtém uma contribuição equivalente” (AROU-
minação da economia a respeito da educação, CA, 1996, p. 69).
ou ainda, pela competitividade e meritocracia Corrobora com esse anseio europeu a de-
existente no mundo do trabalho. E de fato o finição de Educação Permanente descrita por
é. Para compreender como chegamos a esta Pierre Furter. Antes de prosseguir, é importante
afirmação, precisamos entender a significação salientar que esse autor é o responsável por
e a ressignificação da expressão Educação ao entrar com esse tema no Brasil (PAIVA e RATT-
Longo da Vida. NER apud RODRIGUES, 2008, p. 75), o que faz
com que recorramos à sua obra “Educação e
b) Educação Permanente: movimen- Vida” (1976), na qual Furter define que
tos iniciais e entendimento de seu Educação Permanente é uma concepção dialé-
conceito tica da educação, como um duplo processo de
aprofundamento, tanto da experiência pessoal
Moacir Gadotti (2016, p. 2) esclarece que a quanto da vida social global, que se traduz pela
expressão “Educação ao Longo da Vida” surgiu participação efetiva, ativa e responsável de cada
pela primeira vez em 1919, em um documento sujeito envolvido, qualquer que seja a etapa da
oficial da Inglaterra, com as expressões Lifelong existência que esteja vivendo. Esta definição –
Education e Education for Life, associando a mero instrumento de trabalho e, portanto, pro-
visória – inclui três pontos fundamentais: 1º que
formação profissional dos trabalhadores. Em
qualquer atividade humana, qualquer aspecto
1955, a expressão Éducation Permanente é da práxis, presta-se a uma formação; 2º que a
utilizada em projetos na França, com a mesma educação é uma atividade de um sujeito e não é
concepção da expressão inglesa. Para o autor, um conjunto de instituições; 3º que a educação
os fundamentos da Educação ao Longo da Vida é sumamente ligada à nossa maneira de viver o
são os mesmos da Educação Permanente, po- tempo e os tempos; consiste em «aprender como
organizar a sua vida no tempo», seja qual for a
dendo ser sinônimos.
idade cronológica de alguém. [...] A Educação
Em contrapartida, Lucila Schwantes Arouca Permanente será, portanto, a maneira de se
(1996) analisou os resultados de dois eventos: preocupar pedagogicamente com a vida cultural
uma pesquisa realizada em Montreal, Canadá, de uma nação. (FURTER, 1976, p. 136-137)
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Com entendimento semelhante, podemos para que, através de uma ação transformadora
dizer que Rui Canário (2013) contribui ao sa- que incida sobre ela, se instaure uma outra, que
lientar que a “ideia de Educação Permanente possibilite aquela busca do ser mais. (FREIRE,
2014, p. 46, grifo nosso).
permitia compatibilizar o crescimento econô-
mico de natureza capitalista com a defesa da A ação transformadora de Freire indica,
democratização cultural e da promoção social, portanto, um possível conceito de educação,
num processo que abarcaria o ciclo vital” (CA- que não se dá individualmente, mas sim sobre
NÁRIO, 2013, p. 557). O autor Gadotti (1982) ou coletivamente, por meio da comunicação.
acrescenta que a Educação Permanente é “um Assim como Gadotti (2016), defendemos a
discurso relativo à educação em geral”, haja retomada da Educação Popular como política
vista que a ela se atribui o papel de “adaptar” pública, ao indicar que
os indivíduos à sociedade ou transformá-la apresentar uma visão de Educação ao Longo da
(GADOTTI, 1982, p. 66). De discurso torna-se Vida pela ótica da Educação Popular estamos
projeto e, por conseguinte, ação com tendência disputando, legitimamente, um conceito de
a globalização. Educação do Longo da Vida, apostando numa
educação transformadora, entendendo a edu-
No estudo dos conceitos de Educação Per-
cação como um processo de conscientização
manente, ao se pensar em EJA, sentimos a e de transformação social, num movimento
necessidade de retomar e evidenciar que o seu permanente de superação da desumanização.
surgimento se dá a partir da Educação Popular, (GADOTTI, 2016, p. 8).
ou seja, dos movimentos sociais das classes Desse modo, com a compreensão da origem,
oprimidas pela burguesia, pela sociedade ca- do conceito freireano e da defesa de Gadotti
pitalista, por aqueles que anseiam em impor (2016) da Educação Popular como norteado-
e doutrinar outros indivíduos. O movimento ra da Educação Permanente ou Educação ao
é vertical, mas não de cima para baixo como Longo da Vida, passamos a assumir de que ela
transparece nas entrelinhas conceituais, pelo possui como finalidade uma educação demo-
contrário, ocorre de baixo para cima, mediante crática, dialógica, acarretando a emancipação
reivindicação de direitos, espaços e reconheci- do homem e na construção de um “cidadão
mento. E o que seria o ato de reivindicar direitos democrático” (TORRES, 2001, p. 183).
se não uma disputa com a classe burguesa? Isso
é luta de classe, isso torna explícito o caráter
político da Educação, isso demonstra a real fi-
c) Aprendizagem ao Longo da Vida:
nalidade da Educação Permanente: a liberdade.
a ressignificação neoliberal
Recorre-se novamente a Paulo Freire ao afirmar É possível inferir que a Educação Permanente
de que “a liberdade, que é uma conquista, e não não teve apenas uma origem e uma definição, o
uma doação, exige uma permanente busca” que nos leva a supor de que nas fases posterio-
(FREIRE, 2014, p. 46): Portanto, essa: res em relação ao discurso na formação desse
conceito, também viriam a ter diferentes des-
busca permanente que só existe no ato respon-
sável de quem a faz. Ninguém tem liberdade para dobramentos. Parece haver o entendimento,
ser livre: pelo contrário, luta por ela precisamen- entre os pesquisadores sobre o tema (CANÁ-
te porque não a tem. Não é também a liberdade RIO, 2013; GADOTTI, 1982; LIMA, 2007, 2016;
um ponto ideal, fora dos homens, ao qual inclusi- RODRIGUES, 2008), de que de fato isso ocorreu,
ve se alienam. Não é uma ideia que se faça mito. É principalmente após o Relatório de Edgar
condição indispensável ao movimento de busca
Faure (1972). Para não nos atermos apenas o
em que estão inscritos os homens como seres
inconclusos. Daí a necessidade que se impõe debate no foco nesse relatório, é importante
de superar a situação opressora. Isto implica o contextualizar os períodos que antecederam
reconhecimento crítico, a “razão” desta situação, e sucederam ao ano da publicação.
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alta competência as ideias que já inspiram a ação ou mantenha a liberdade econômica, as outras
da Organização: as de uma educação coextensiva liberdades – civis e políticas – se desvanecem”
à vida, não só oferecida a todos, mas vivida por (HAYEK, 1985). Para ele, qualquer intervenção
cada um, voltada simultaneamente ao desenvol- estatal da economia, mesmo procurando a jus-
vimento da sociedade e à realização do homem tiça social, significaria uma afronta à liberdade
[...] Sinto-me feliz por verificar que conduzem a econômica, e onde não há liberdade econômica
recomendações concretas que, como o esperava, também não pode existir liberdade política. Se-
me parecem capazes de orientar a ação da Unes- gundo ele, “se submeter a um poder capaz de
co, dos governos e da comunidade internacional. coordenar esforços dos membros da sociedade
(FAURE apud RODRIGUES, 2008, p. 57). com o objetivo de atingir determinado padrão de
distribuição considerado justo” (idem, ibidem, p.
Independentemente da doutrina econô- 82), “levará à destruição do único clima em que
mica assumida pelos intelectuais, em ambos os valores morais tradicionais podem florescer,
os momentos, o Estado possuía um modo de ou seja, a liberdade individual” (idem, ibidem,
produção capitalista, comandado pela classe p. 86). (MONTAÑO e DURIGUETTO, 2010, p. 61).
burguesa que atua no sentido de garantir os Tais entendimentos sobre liberdade des-
fundamentos da acumulação capitalista, esta- toam daquela liberdade manifestada por Paulo
belece e legitima a ordem social vigente, além Freire, o que nos permite apontar indícios de
de atender às demandas da classe trabalha- que a Educação ao Longo da Vida foi ressignifi-
dora, desde que não corroam as necessidades cada no contexto neoliberal. Começaria, então,
anteriores (MONTAÑO e DURIGUETTO, 2010). uma ruptura conceitual e o questionamento
Os capitalistas são estrategistas por nature- sobre a diferença entre Educação Permanente
za e atuam de maneiras diferentes, mas coorde- e Educação ao Longo da Vida para reduzir a
nadas, não só na economia, como na educação, primeira à Educação e dar um sentido à se-
saúde, cultura etc. Uma das estratégias mais gunda para uma Aprendizagem ao Longo da
utilizada é a ressignificação de conceitos, ou Vida (em inglês, Lifelong Learning), termo que
seja, questionar um conceito existente, mas que passa a compor os discursos atuais no âmbito
se opõe às finalidades capitalistas, enfraquecê dos documentos legais e de orientação, assim
-lo com argumentos muito bem embasados e, como as publicações acadêmicas.
de forma articulada e planejada, dar um sentido Lima (2007) pontua a diferença entre edu-
que possa interessar aos seus ideais. cação e aprendizagem: enquanto educação
É importante ressaltar que, por exemplo, a privilegia “esforços sistemáticos, para ações de-
liberdade para os liberais é concebida em uma liberadas, para decisões estratégicas racional-
dimensão negativa-formal (ausência formal de mente planejadas, designadamente no contexto
impedimentos ou restrições que um sujeito ou de organizações sociais formais [...], de que se
instituição possa exercer sobre a pessoa em espera que resultem aprendizagens”; o termo
questão) (MONTAÑO e DURIGUETTO, 2010, p. aprendizagem remete a “um significado mais
49-50). Para os neoliberais, comportamental e individual, podendo relevar
[...] a liberdade, e não a democracia, a igualdade
[...] de situações experienciais sem caráter es-
ou a justiça social, constitui o valor supremo; truturado e intencional” (LIMA, 2007, p. 16).
dessa forma, todas as instituições e atividades A Aprendizagem ao Longo da Vida passa
que, de forma permanente, militarem contra a ser utilizado no sentido de dar liberdade ao
esse princípio superior devem ser eliminadas. indivíduo para construir o próprio caminho
Assim, o estado intervencionista, a justiça social, formativo, transformando o conceito “num
a igualdade de oportunidades, o planejamento
estatal, a seguridade social, por constituírem
atributo meramente individual, só plenamente
impedimentos ao pleno desenvolvimento da eficaz quando utilizado contra o outro, com
“liberdade (negativa-formal)” devem ser en- menos ‘competências para competir’” (LIMA,
frentados. Para Hayek, “a menos que obtenha 2007, p. 20). Se antes a educação seria o agente
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capaz de transformar a sociedade, agora o in- tituições públicas para promover mudanças.
divíduo passa a ser responsabilizado pela sua Acompanhado de um discurso de moderni-
inclusão (empregado) ou não (desempregado) zação, primeiro haverá uma tentativa de ins-
na sociedade capitalista. Buscará a formação trumentalização do ensino, ou seja, materiais
e a aprendizagem o indivíduo que quiser se didáticos deverão ser obrigatoriamente adqui-
adaptar, empregar ou produzir vantagens com- ridos, entregues aos estudantes e seguidos pe-
petitivas no mercado global (LIMA, 2007, p. 14). los professores. Outros aparatos tecnológicos
Ainda, para Lima, essa atribuição à apren- também serão sugeridos, na medida em que
dizagem individual parece estar interligada teorias educacionais passam a compor o rol
às “tendências para a individualização das dos currículos universitários de licenciaturas e
relações de trabalho e, no limite, aponta para pedagogias. Passa-se a vigorar termos, como a
o ‘eu’ empresarial, a realização mais radical e aprendizagem ubíqua, que possibilita a apren-
conseguida do ideal de ‘empresa flexível’, capaz dizagem a qualquer momento e em qualquer
de substituir o trabalho independente” (LIMA, lugar sem a ajuda de professores ou colegas.
2007, p. 32). Não sendo apenas a instrumentalização a
Na medida em que a Educação ao Longo da resposta necessária, uma vez que o discurso
Vida tem sua essência questionada, reduzida e de que o privado é melhor do que o público,
sua concepção ressignificada, faz-se necessário recomenda-se então privatizar a educação.
o controle sobre a qualidade da mão de obra Por outro lado, como todo modelo econômi-
produzida por este processo produtivo, tal co, há um momento de colapso. Quais seriam os
qual ocorrem nas indústrias. Inicia-se assim sinais que estaríamos chegando a nesse ponto?
a aplicação de testes padronizados, que não Os autores Matthias Finger e José Manuel Asún
respeitam a multiculturalidade da nação e (2003) relacionam quatro consequências desse
resultam em uma ação semelhante à invasão processo:
cultural (FREIRE, 2006) imposta tanto aos a. Turbocapitalismo: a abertura de mer-
educandos como aos educadores. Obviamen- cados e o desejo de se criar uma única
te, os resultados desses testes não serão dos economia global gera o conceito de
melhores, isto não se deve pela qualidade de “deslocalização”, isto é, (1º) a extração do
ensino oportunizada pelos educadores, mas que realmente é essencial à vida, passa a
por uma série de consequências das estratégias não ser mais produzido no local em que
capitalistas. vivemos; (2º) a criação de uma economia
Com uma concepção de minimização do paralela artificial, ligada à produção de
Estado, os neoliberais, como governantes, insumos (como licenças de poluição) e
geram padrões exigentes para selecionar as (3º) o desenraizamento das pessoas e
instituições públicas que receberão verbas. das comunidades.
As que obtiverem maiores índices receberão b. Erosão da política tradicional: as priva-
maiores verbas. Isso, além de provocar uma tizações daquilo que se imagina papel
disputa entre as instituições, força a aplicação do Estado atuar (educação, segurança,
das padronizações idealizadas pelo capitalismo saúde etc.) não é mais público, inician-
e provoca um questionamento do serviço pú- do um questionamento ou uma ressig-
blico. Quando estas instituições não alcançam nificação dos termos “participação” e
os índices impostos, a estratégia capitalista faz “democracia”.
uso de unidades do Terceiro Setor, as deno- c. Pós-modernismo: com uma tendência à
minadas Organizações Não-Governamentais incoerência intelectual, à fragmentação
(ONGs) que, por não apresentarem um caráter pós-moderna “significa que a vida social
privado, podem adentrar legalmente nas ins- e cultural se divide em inúmeras peças
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Reconhecimento, validação e certificação de saberes: obsolescência ou valorização dos sujeitos da EJA?
documento legal, selecionei aqueles que faziam tual que possibilite a instrumentalização e a
referência especificamente ao reconhecimento implantação. Contudo, é importante retomar
de saberes, predominante as Leis, os Decretos que a partir da primeira redação da LDB, vá-
e as Medidas Provisórias Federais, além dos rios documentos passaram a tratar do assun-
documentos do Ministério da Educação (MEC), to, como observado no Parecer CNE/CEB nº
do Conselho Nacional de Educação (CNE) e da 16/1999, instituindo a escola como responsá-
Câmara de Educação Básica (CEB). vel que “avalia, reconhece e Certifica o conhe-
Os processos de reconhecimento de sabe- cimento adquirido alhures” (BRASIL,1999a),
res no Brasil são oriundos da observação de e na Resolução CNE/CEB nº 04/1999, que
processos semelhantes, principalmente na institui as Diretrizes Curriculares Nacionais
Europa, tendo como bases legais sustentadas para a Educação Profissional de Nível Técnico,
na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Bra- especificamente no art. 11:
sileira (LDB), Lei nº 9.394/199611. A primeira Art. 11 - A escola poderá aproveitar conheci-
redação da Lei trouxe dois artigos referentes mentos e experiências anteriores, desde que
ao reconhecimento de saberes: o artigo 38, en- diretamente relacionados com o perfil profis-
contrado no capítulo II – Da Educação Básica, sional de conclusão da respectiva qualificação
Seção V – Da Educação de Jovens e Adultos, ou habilitação profissional, adquiridos: I - no
ensino médio; II - em qualificações profissionais
especificamente no art. 38, § 2º, que aponta que e etapas ou módulos de nível técnico concluídos
“os conhecimentos e habilidades adquiridos em outros cursos; III - em cursos de educação
pelos educandos por meios informais serão profissional de nível básico, mediante avaliação
aferidos e reconhecidos mediante exames12” do aluno; IV - no trabalho ou por outros meios
(BRASIL, 1996) e o capítulo III – Da Educação informais, mediante avaliação do aluno; V - e
Profissional, em seu artigo 41, desta Lei es- reconhecidos em processos formais de Certifi-
cação profissional. (BRASIL, 1999b)
tabeleceu que “o conhecimento adquirido na
educação profissional, inclusive no trabalho, É nesse contexto em que se situa o processo
poderá ser objeto de avaliação, reconhecimento de reconhecimento de saberes no território
e Certificação para prosseguimento ou conclu- escolar e na modalidade de educação profis-
são de estudos” (BRASIL, 1996). sional, porém permanece apenas no discurso,
O processo de reconhecimento de saberes sem base conceitual para implantação de uma
surge como algo novo, vindo do contexto eu- prática. Contudo, emerge a ligação com o mer-
ropeu, mas ainda sem nenhuma indicação de cado de trabalho, para fortificar o discurso de
onde seria realizada e nenhuma base concei- aprendizagem ao longo da vida.
11 Essa lei resulta do projeto de lei (PL) 1258 de 1988,
Em 2000, a Resolução CNE/CEB nº 01/2000
do então deputado federal sr. Octávio Elísio, do estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais
PSDB, elaborado no mesmo ano em que a Constitui- para a Educação de Jovens e Adultos, adotan-
ção da República Federativa do Brasil foi aprovado. do nos artigos 20 e 21 como possibilidade de
Para o constituinte era importante que o país tives-
se uma escola unitária nos seus propósitos peda- conclusão dos ensinos fundamental e médio
gógicos, ou seja, as escolas, independentemente de os exames supletivos, consoante à LDB. Entre-
onde estejam localizadas (rurais e urbanas), deve- tanto, essa mesma resolução, indica uma outra
riam proferir uma educação de qualidade por meio
possibilidade de avaliação para o reconheci-
de um currículo básico comum. Era o início da ins-
titucionalização do discurso neoliberal na educação mento de saberes extraescolares, mas não a
brasileira. Contudo, apenas em 1996 o projeto de lei identifica como exame:
foi aprovado, no governo do presidente Fernando
Henrique Cardoso, também do PSDB. Art. 22. Os estabelecimentos poderão aferir e
12 Para obtenção da conclusão de ensino fundamental reconhecer, mediante avaliação, conhecimentos
(para maiores de quinze anos) e do ensino médio e habilidades obtidos em processos formativos
(para maiores de dezoito anos). extraescolares, de acordo com as normas dos
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respectivos sistemas e no âmbito de suas com- constituídas para fins de continuidade de estu-
petências, inclusive para a educação profissional dos, é sempre o perfil profissional de conclusão,
de nível técnico, obedecidas as respectivas di- definido pela escola que recebe o aluno, à luz
retrizes curriculares nacionais. (BRASIL, 2000) do seu projeto pedagógico. (BRASIL, 2005, p. 4)
O discurso deixa de abordar especificamente Com esse parecer, oito anos após a presença
o reconhecimento de saberes, substituindo-o do reconhecimento de saberes sob forma legal
objetivamente por conhecimentos e habili- no Brasil, as instituições que podem desenvol-
dades. Também estabelece ligação com as vê-lo são identificadas. Finalmente, especia-
diretrizes curriculares nacionais, o que nos listas nacionais começam a pensar sobre os
possibilita compreender, mediante as pesqui- conceitos observados nessa pesquisa e como
sas de Sacristán (2011), uma aproximação com implantá-los nas instituições creditadas. Tam-
a proposta de competências da União Europeia. bém é interessante observar junto ao estado
O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) do conhecimento realizado nessa pesquisa de
e o Ministério da Educação (MEC), no ano de que, no ano seguinte a esse parecer, são publi-
2000, tentaram idealizar propostas de Cer- cadas as primeiras pesquisas publicadas em
tificação, porém não obtiveram êxito. Nesse periódicos nacionais.
contexto, segundo Moraes e Neto (2005), o O Decreto nº 5.840 de 2006 institui, no
MEC elaborou três documentos que auxilia- âmbito federal, o Programa Nacional de Inte-
riam como referenciais sobre a Certificação: o gração da Educação Profissional com a Edu-
Sistema Nacional de Certificação Profissional, cação Básica na Modalidade de Educação de
baseado em Competências (2000); o Subsis- Jovens e Adultos (PROEJA) traz, no art. 7º, a
tema de Avaliação e Certificação Profissional possibilidade das “instituições ofertantes de
– SAC (2000) e o documento organizando um cursos e programas do PROEJA poderão aferir
Sistema Nacional de Certificação baseada em e reconhecer, mediante avaliação individual,
Competências – SNCPC (2002). Nesse último, conhecimentos e habilidades obtidos em pro-
caberia ao Instituto Nacional de Estudos e cessos formativos extraescolares” (BRASIL,
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) 2006). O documento base do PROEJA tem como
elaborar instrumentos de avaliação, objetivar fundamentação em sua concepção de educação,
a Certificação de competências. Haja vista que a “formação de cidadãos-profissionais capazes
tais documentos surgem com a intencionali- de compreender a realidade social, econômi-
dade de ratificar o discurso de competências, ca, política, cultural e do mundo do trabalho,
relacionando-as diretamente e especificamente para nela inserir-se e atuar de forma ética e
com a atividade laboral. competente, técnica e politicamente, visando
Em 2004, o Parecer CNE/CEB nº 40/2004, à transformação da sociedade em função dos
que trata das normas para a execução de ava- interesses sociais e coletivos especialmente os
liação, reconhecimento e Certificação de estu- da classe trabalhadora” (BRASIL, 2007). Essa
dos previstos no Artigo 41 da LDB, e aprova o fundamentação é observada no entendimento
reconhecimento de saberes para instituições de reconhecimento de saberes pelo programa:
de ensino que oferecem curso técnico de nível
Isto remete ao reconhecimento dos espaços de
médio: produção de saberes na sociedade, muitos deles
Nosso parecer é no sentido de que a entidade interditados aos jovens e adultos para a fruição e
proceda à avaliação das competências profissio- acesso, como, por exemplo, os que possibilitam
nais constituídas pelos seus alunos no mercado a vivência com bens culturais produzidos his-
de trabalho e as reconheça para fins de continui- toricamente – disponíveis em museus, teatros,
dade de estudos em seus cursos. O referencial bibliotecas, cinemas, exposições de arte. Se esta
para análise, avaliação e reconhecimento das precisa ser uma referência para o currículo do
competências profissionais, anteriormente ensino médio com educação profissional, exige
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Reconhecimento, validação e certificação de saberes: obsolescência ou valorização dos sujeitos da EJA?
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Carlos Eduardo Martins; Maria Hermínia Lage Fernandes Laffin; Luís Alcoforado
sua cultura, como atores políticos centrais na (BRASIL, 2012b) o CNE, ao tratar das Diretri-
delimitação das ações” (BRASIL, 2008a). zes Curriculares Nacionais para a Educação
A Resolução CNE/CEB 03/2010 (BRASIL, Profissional Técnica de Nível Médio, manifesta
2010a), entre outras diretrizes, estabelece que os sistemas de ensino são responsáveis
como idades mínimas os ingressos dos jovens pela criação de diretrizes metodológicas para
de quinze anos completos no Ensino Funda- o processo de reconhecimento de saberes:
mental e de dezoito anos completos no Ensino Art. 35 [...] § 1º Os sistemas de ensino devem ela-
Médio da EJA, assim como para a realização de borar diretrizes metodológicas para avaliação e
exames de conclusão. Ao se limitar a idade dos validação dos saberes profissionais desenvolvi-
educandos da EJA, limita-se também a idade dos pelos estudantes em seu itinerário profis-
dos educandos dos processos de reconheci- sional e de vida, para fins de prosseguimento
de estudos ou de reconhecimento dos saberes
mento de saberes. avaliados e validados, para fins de Certificação
Em 2011, é promulgada a Lei nº 12.513 profissional [...]. Art. 36 Para prosseguimento
(BRASIL, 2011), que cria o Programa Nacional de estudos, a instituição de ensino pode pro-
de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pro- mover o aproveitamento de conhecimentos e
natec). Em 2013, o MEC divulga o documento experiências anteriores do estudante, desde que
referência deste programa, a fim de estabelecer diretamente relacionados com o perfil profis-
sional de conclusão da respectiva qualificação
as referências para a execução do Pronatec
ou habilitação profissional, que tenham sido
EJA, uma modalidade de demanda da Bolsa- desenvolvidos: [...] IV - por reconhecimento,
Formação deste programa para atendimento em processos formais de Certificação profis-
de estudantes da EJA, sendo que na redação sional, realizado em instituição devidamente
encontra-se: credenciada pelo órgão normativo do respectivo
sistema de ensino ou no âmbito de sistemas
como suporte teórico para o desenvolvimento nacionais de Certificação profissional. (BRASIL,
do Pronatec EJA, tomam-se os seguintes prin- 2012a)
cípios que consolidam a política de educação
profissional integrada ao ensino médio, na Esse parecer talvez seja uma das maiores
modalidade EJA, [com] [...] f) o reconhecimen- conquistas por parte dos profissionais da edu-
to da experiência do educando e a relação de cação, pois possibilita que atuem de forma au-
saberes-fazeres. [...] As instituições de ensino
tônoma e reflexiva. As diferentes experiências
também devem considerar os sistemas e redes
de reconhecimento de saberes, escolares e pro- nos institutos federais também possibilitarão a
fissionais, quais sejam: a) no âmbito do Ensino elaboração de um maior número de pesquisas
Fundamental: Exame Nacional para Certificação e, consequentemente, uma base conceitual com
de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) e maior rigor científico.
mecanismos estaduais de Certificação; b) no âm- As atuais Diretrizes Curriculares Nacionais
bito do Ensino Médio: Exame Nacional de Ensino
(DCN), de 2013, argumentam que “é necessário
Médio (Enem), com validade de Exame Nacional
para Certificação de Competências de Jovens e entender a educação não apenas como ensino,
Adultos (nível médio) e mecanismos estaduais não no sentido de habilitar, de ‘dar’ competên-
de Certificação; e c) no âmbito da Educação Pro- cia, mas no sentido de humanizar” (BRASIL,
fissional: Rede Certific e sistemas de Certificação 2013a). Ainda que esta compreensão descrita
das instituições dos SNA. É importante destacar tenha origem em Paulo Freire, no decorrer do
que os processos de reconhecimento de saberes
texto, pode-se evidenciar a diretriz para regu-
e de aproveitamento de estudos promove uma
aceleração no tempo de conclusão do curso pelo lamentação do capitalismo:
estudante. Entretanto, não altera a carga-horária Antigos postos de trabalho e emprego, bem
total do curso. (BRASIL, 2013b) como direitos trabalhistas consagrados, podem
acabar desaparecendo rapidamente, abrindo
Pelo Parecer CNE/CEB nº 11/2012 (BRASIL, perspectivas para a definição de novas políticas
2012a) e pela Resolução CNE/CEB nº 06/2012 públicas para o trabalho, inclusive no campo
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Reconhecimento, validação e certificação de saberes: obsolescência ou valorização dos sujeitos da EJA?
da Educação Profissional e Tecnológica. Essas diretrizes, anexo a essa Lei, são descritas vinte
novas políticas públicas devem contemplar metas, cada qual com suas estratégias, sendo
oferta mais flexível de cursos e programas ob- que a meta dez, que trata especificamente da
jetivamente destinados à profissionalização dos
trabalhadores de acordo com itinerários forma-
EJA ligada à Educação Profissional, pretende
tivos que lhes possibilitem contínuo e articulado “oferecer, no mínimo, 25% (vinte e cinco por
aproveitamento de estudos e de conhecimentos, cento) das matrículas de educação de jovens
saberes e competências profissionais constituí- e adultos, nos ensinos fundamental e médio,
das. Neste contexto, a educação para a vida, em na forma integrada à educação profissional”
sentido lato, poderá propiciar aos trabalhadores (BRASIL, 2014c).
o desenvolvimento de conhecimentos, saberes
e competências que os habilitem efetivamente
Uma das estratégias para atingir essa meta é
para analisar, questionar e entender os fatos do “implementar mecanismos de reconhecimento
dia a dia com mais propriedade, dotando-os, de saberes dos jovens e adultos trabalhadores,
também, de capacidade investigativa diante da a serem considerados na articulação curricular
vida, de forma mais criativa e crítica, tornando dos cursos de formação inicial e continuada e
-os mais aptos para identificar necessidades e dos cursos técnicos de nível médio” (BRASIL,
oportunidades de melhorias para si, suas famí-
lias e a sociedade na qual vivem e atuam como
2014c). Na continuidade desse anexo, é esta-
cidadãos. (BRASIL, MEC, 2013a) belecida a meta onze que objetiva “triplicar as
matrículas da educação profissional técnica de
No documento anterior constatamos uma nível médio, assegurando a qualidade da oferta
vitória, nela observamos uma preocupante ten- e pelo menos 50% (cinquenta por cento) da ex-
tativa de ressignificação das teorias freireanas. pansão no segmento público” (BRASIL, 2014c),
Em outras palavras, a problematização passa e uma das estratégias para isto é “ampliar a
a ser entendida como problema e o processo oferta de programas de reconhecimento de sa-
codificação-problematização-descodificação beres para fins de Certificação profissional em
seria atribuído essencialmente à resolução de nível técnico”. Ao contrário do que percebemos
problemas. atualmente, àquela época se observava a tônica
Em 2014, a presidenta Dilma Rousseff san- do estado ampliado. Havia a preocupação de
ciona a Lei nº 13.005/2014 e aprova o Plano reduzir os impactos do discurso neoliberal
Nacional de Educação (PNE), dando outras mediante, por exemplo, maiores possibilidades
providências. O PNE situa várias diretrizes13 de ingressantes à educação pública.
também para a EJA, mas para alcançar essas Consoante à LDB, uma estratégia da meta
13 São as seguintes diretrizes desse plano: “I - erradi- três do PNE universaliza o ENEM como instru-
cação do analfabetismo; II - universalização do aten- mento de “avaliação Certificadora, possibilitan-
dimento escolar; III - superação das desigualdades
educacionais, com ênfase na promoção da cidadania
do aferição de conhecimentos e habilidades
e na erradicação de todas as formas de discrimi- adquiridos dentro e fora da escola” (BRASIL,
nação; IV - melhoria da qualidade da educação; V 2014c) para a educação básica.
- formação para o trabalho e para a cidadania, com A Portaria Interministerial nº 05/2014
ênfase nos valores morais e éticos em que se funda-
menta a sociedade; VI - promoção do princípio da reorganiza a Rede Certific, constituindo-a como
gestão democrática da educação pública; VII - pro- “instrumento de política pública de Educação
moção humanística, científica, cultural e tecnológica Profissional e Tecnológica voltado para o aten-
do País; VIII - estabelecimento de meta de aplicação
de recursos públicos em educação como proporção
dimento de trabalhadores que buscam o reco-
do Produto Interno Bruto - PIB, que assegure atendi- nhecimento formal de saberes, conhecimentos
mento às necessidades de expansão, com padrão de e competências profissionais desenvolvidos em
qualidade e equidade; IX - valorização dos (as) pro- processos formais e não-formais de aprendiza-
fissionais da educação; X - promoção dos princípios
do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à gem e na trajetória de vida e de trabalho, por
sustentabilidade socioambiental”. (BRASIL, 2014c) meio de processos de Certificação profissional”
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Reconhecimento, validação e certificação de saberes: obsolescência ou valorização dos sujeitos da EJA?
posterior ao Golpe de 2016, portanto com uma Certific trata do “conjunto articulado de ações
política neoliberal, justamente a encontrada de caráter interinstitucional de natureza edu-
aqui. A obrigação de educar com foco em com- cativa, científica e tecnológica para a avaliação,
petências é aqui ratificada, excluindo qualquer reconhecimento, Certificação de saberes, orien-
possibilidade de relação de saber com o mundo. tação e prosseguimento de estudos através de
O parágrafo também deixa claro que outras Programas de Formação Inicial e Continuada”
instituições e sujeitos coletivos poderão fazer (BRASIL, 2009). De acordo com o documento
esse reconhecimento, o que confere ainda mais “Orientações para a Implantação da Rede Cer-
autoridade às instituições privadas, empre- tific”, o reconhecimento de saberes adquiridos
sariais, que poderão simplesmente certificar, pelo trabalho constitui como sustentação para
tal como o Serviço Social da Indústria (Sesi), “uma concepção de Educação Profissional e
Serviço Social do comércio (Sesc), entre outros, Tecnológica na qual se propõe a formação como
ou ainda ofertar cursos de aperfeiçoamento ou um processo de desenvolvimento integral do
atualização (formação continuada/reciclagem) ser humano” (BRASIL, 2010b), estimulando o
via educação a distância como condição para retorno dos trabalhadores à escola.
esse reconhecimento/Certificação. A Portaria Interministerial nº 05/2014 reor-
Interessante observar que o texto citado ganiza a Rede CERTIFIC, constituindo-a como
anteriormente, da Seção da Educação de Jo- “instrumento de política pública de Educação
vens e Adultos, não se alterou, indicando que o Profissional e Tecnológica voltado para o aten-
reconhecimento de saberes escolares só pode dimento de trabalhadores que buscam o reco-
ser validado e certificado mediante exames. nhecimento formal de saberes, conhecimentos
No entanto, o art. 37 sofreu um acréscimo no e competências profissionais desenvolvidos em
seu texto com a Lei no 13.632 de 2018, fazendo processos formais e não-formais de aprendi-
relação à Educação ao Longo da Vida: “A educa- zagem e na trajetória de vida e trabalho, por
ção de jovens e adultos será destinada àqueles meio de processos de Certificação profissional”
que não tiveram acesso ou continuidade de (BRASIL, 2014b).
estudos nos ensinos fundamental e médio na O programa foi instituído para “responder
idade própria e constituirá instrumento para a à necessidade de uma política pública efetiva
educação e a aprendizagem ao longo da vida”. de reconhecimento e Certificação de saberes
(BRASIL, 1996; acrescida por BRASIL, 2018, profissionais, aliada à elevação de escolari-
grifo nosso). Se antes a educação permanente dade, para contemplar a grande parcela de
ficou confinada apenas na EJA, com essa lei a brasileiros que não possuem sequer a educa-
tendência é que a aprendizagem ao longo da ção básica obrigatória completa e aqueles que
vida14 possa ser assumida em todos os campos ainda não são alfabetizados ou são analfabetos
da educação básica, inclusive na EJA, abolindo funcionais, estando ora desempregados, ora
qualquer resistência da Educação Permanente colocados no mundo do trabalho informal em
no âmbito educacional brasileiro. condições precárias” (BRASIL, MEC, 2014a). É
importante ressaltar que o programa Certific
Rede Certific: uma política é exclusivo para o reconhecimento de saberes
pública de reconhecimento de profissionais e não possibilita o reconhecimen-
to de saberes escolares.
saberes
Como já foi situado anteriormente, o programa Considerações finais
14 Nesse sentido, já havia indicativos de uma provável
ampliação da educação a distância na oferta da Edu- Em sua tese Rodrigues (2008), analisa os do-
cação de Jovens e Adultos. cumentos da Unesco e a concepção de Educa-
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Carlos Eduardo Martins; Maria Hermínia Lage Fernandes Laffin; Luís Alcoforado
ção trazida na expressão Educação ao Longo leiros nos últimos anos, principalmente, após
da Vida, deduz-se ser “um enunciado temporal o Golpe de Estado de 2016.
que institui um modo de conceber a educação Os documentos legais, tanto os internacio-
e os sujeitos na sua relação com o passado, nais analisados por Rodrigues (2008), como
presente e futuro, ancorados numa concepção os nacionais analisados na pesquisa apresen-
de tempo e história que visa à construção de tada neste artigo, encaminham sim para uma
uma nova subjetividade, um sujeito em eterna concepção de Aprendizagem ao Longo da Vida,
obsolescência” (RODRIGUES, 2008, p.5). consequente de uma política neoliberal.
Ao tratar especificamente do tema reco- Até o momento, encontramos esperanças
nhecimento de saberes, a autora identifica de resistência, pois no levantamento das pes-
tal processo como integrante do conceito de quisas temos o exemplo do artigo “Processo
Aprendizagem ao Longo da Vida, para contri- de reconhecimento e Certificação de saberes
buir com a obsolescência humana: escolares de trabalhadores: orientações teó-
Em síntese, os argumentos utilizados para a re- rico-metodológicas” (HICKENBICK, RAMOS E
definição dos sistemas de aprendizagem então, MATTOS, 2015) em que as autoras apresentam
fundada na ideia de educação ao longo da vida o histórico e os resultados de um projeto piloto
organizam-se do seguinte modo: alinhamento de 2014, que teve como objetivo reconhecer e
das oportunidades de aprendizagem pelas Certificar saberes escolares em nível de Ensino
necessidades e interesses dos aprendentes;
Fundamental, de trabalhadores da área de Tu-
promoção da oferta para que todos possam
aprender, em qualquer local, em qualquer rismo, Hospitalidade e Lazer, previamente se-
momento; reconhecimento e valorização da lecionados, para possibilitar o ingresso destes
aprendizagem não formal e informal; criação de sujeitos no Proeja, especificamente no Curso
uma cultura de aprendizagem; criação de “me- Técnico em Guia de Turismo Proeja-Certific15.
canismos de garantia de qualidade, avaliação Pensar essa resistência nos leva a situar a
e controle em obediência a uma preocupação
constante de excelência.” (Comissão das Comu-
consideração de Rodrigues (2008), ao ana-
nidades Europeias, 2001a, p. 4). Neste apelo ao lisar as políticas educacionais neoliberais
indivíduo, à importância das suas “escolhas”, internacionais:
está em jogo, neste projeto educacional, um Tem-se assim, um projeto educacional de acli-
intenso processo de atomização dos sujeitos matação, de resignação e responsabilização dos
históricos, de subordinação dos interesses e sujeitos. Um projeto que pretende a ausência
projetos humanos aos valores mais pragmáticos da História, mas que, paradoxalmente, produz
e imediatos do mercado. (RODRIGUES, 2008, sua aceleração e desaceleração com vistas à
p.118) obtenção de seu controle. Entendemos, pois,
De fato, ao analisar os documentos é possível que os três grandes aportes desta obsolescência
humana emanam desta estreita concepção de
verificar que a concepção de Educação vigente
História que identifica a dinâmica da vida como
é muito próxima ao conceito de Aprendiza- algo irremediável, que vincula as aprendizagens
gem ao Longo da Vida e a incorporação nos à adaptabilidade ao mercado, que pretende
documentos de terminologias/conceitos em transformar o futuro num eterno presente, pre-
vez de conhecimentos, saberes o uso de habili- visível e controlável (RODRIGUES, 2008, p. 165)
dades e competências nas diferentes formas de
15 A pesquisa se caracterizou como pesquisa-ação,
comprovação.
orientando-se teórica e metodologicamente pelas
É oportuno notar no trecho das DCN, trazido concepções Freireanas de educação, pelos princí-
anteriormente, que em 2013 já se cogitava o pios e diretrizes da Educação Popular, pelos Parâ-
repentino fechamento de postos de trabalho e metros Curriculares Nacionais para o Ensino Fun-
damental (PCNs), pelas diretrizes da Rede Nacional
emprego, e direitos trabalhistas consagrados, de Reconhecimento de Saberes Profissionais (CER-
ambas as situações vivenciadas por nós brasi- TIFIC) e da Educação de Jovens e Adultos.
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Reconhecimento, validação e certificação de saberes: obsolescência ou valorização dos sujeitos da EJA?
Quinze anos depois de sua tese, observamos lidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA.
suas consequências. Como será a análise daqui Diário Oficial da União. Brasília, DF, 14 jul. 2006.
a algum tempo, particularmente se lutamos Seção 1, p. 7.
ainda com movimentos conservadores mun- BRASIL. Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de
dialmente e no Brasil? Nossas perspectivas 2008. Rede Federal de Educação Profissional,
Científica e Tecnológica - Institutos Federais de
brasileiras atuais são de mudanças de rumos
Educação, Ciência e Tecnologia. Diário Oficial da
na busca de consensos e diálogos com tais União, Brasília, DF, 20 dez. 2008b. Seção 1, p. 1.
movimentos.
BRASIL. Lei nº 12.513, de 26 de outubro de 2011.
Freire nos ajuda a responder: “Os educado-
Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e
res e as educadoras progressistas coerentes Emprego (Pronatec); Programa Nacional de Inclu-
não tem que esperar que a sociedade brasilei- são de Jovens (ProJovem); e dá outras providências.
ra global se democratize para que elas e eles Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 out. 2011.
comecem também a ter práticas democráti- Seção 1, p. 1.
cas” (FREIRE, 1997.a, p. 58). Fica o convite BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014.
e a convocação a todos nós, pesquisadores e Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá
educadores, a tomarmos em nossas mãos as outras providências. Diário Oficial da União, Brasí-
lia, DF, 26 jun. 2014c. Seção 1, p. 1.
opções de emancipação e de uma educação
crítica, particularmente àqueles do Mestrado BRASIL. Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de
Profissional de Educação de Jovens e Adultos, 2017. Altera as Leis n.º 9.394, de 20 de dezembro
de 1996 e 11.494, de 20 de junho 2007 e institui a
em sua constituição e solidificação como es-
Política de Fomento à Implementação de Escolas
paço imprescindível de produção acadêmica de Ensino Médio em Tempo Integral. Diário Oficial
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MONTAÑO, Carlos; DURIGUETTO, Maria Lúcia. Es-
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MORAES NETO, Benedito Rodrigues de. Maquina-
ria, taylorismo e fordismo: a reinvenção da manu- Recebido em: 11/4/2023
fatura. Revista de Administração de Empresas., Aprovado em: 5/5/2023
132 Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 109-132, jan./jun. 2023
Marli Vieira Lins de Assis; Guilherme Veiga Rios
RESUMO
Este artigo é resultado de uma pesquisa de doutorado, conduzida durante os
anos de 2014 a 2017, na comunidade do Pôr do Sol – Ceilândia (DF) –, por
meio da implementação de um projeto de alfabetização e de letramento. Com
o objetivo de ampliar os letramentos das/os educandas/os no projeto, foram
realizadas, juntamente com monitoras (estudantes de cursos de Pedagogia e
de Letras) atividades diversificadas e reflexões acerca da leitura e da escrita,
que tiveram como base a realidade das/os educandas/os que participaram
da pesquisa. Nesse trabalho, apresenta-se uma atividade que teve como tema
1 Todos os nomes citados no decorrer do texto são fictícios e todos os depoimentos elencados têm a assinatura
das pessoas envolvidas no Termo de Livre Consentimento, garantindo, nesse documento, o anonimato das pes-
soas e o respeito às questões éticas.
* Possui graduação em Letras pela Universidade Católica de Brasília (1999), graduação em Pedagogia pela Uni-
versidade de Brasília (2000), especialização em Docência do Ensino Superior pela Universidade Cândido Men-
des, mestrado em Educação pela Universidade de Brasília (2008) e doutorado em Linguística pela Universidade
de Brasília (2018). Atualmente, é pós-doutoranda na Universidade de Brasília, sob a supervisão da Dra. Kátia
Augusta Curado Pinheiro Cordeiro da Silva. É professora do Centro Universitário IESB - Ceilândia (DF) e da Se-
cretaria de Estado de Educação do DF. Tem experiência na área de Educação, com ênfase nos seguintes temas:
Educação de Jovens, Adultos e Idosos, Letramento e Alfabetização de Jovens, Adultos e Idosos e formação do-
cente. E-mail: marli.assis@edu.se.df.gov.br
** Doutor em Linguística (Ph. D) pela Lancaster University (2003), Reino Unido. Foi pesquisador-tecnologista da
Diretoria de Avaliação da Educação Básica / Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Tei-
xeira / Ministério da Educação de 2008 a 2018, atualmente se encontra na Diretoria de Estudos Educacionais.
Foi pesquisador-colaborador do Núcleo de Estudos em Linguagem e Sociedade/Centro de Estudos Avançados
Multidisciplinares da Universidade de Brasília, de 1999 a 2019. Participa dos Grupos de Pesquisa cadastrados
no Diretório do CNPq: Ensino-Pesquisa-Extensão em Educação Popular e Estudos Filosóficos e Histórico-Cul-
turais (UnB) e Estudos em Análise de Discurso Crítica e Linguística Sistêmico-Funcional (UFU). Foi profes-
sor substituto do Departamento de Linguística, Línguas Clássicas e Português, em 1999 e de 2005 a 2006, na
Universidade de Brasília. Foi Docente-colaborador no Programa de Pós-graduação em Linguística de 2009 a
2019. Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Linguística Aplicada, atuando principalmente
nos seguintes temas: letramento, análise de discurso crítica, alfabetização e educação de jovens e adultos, en-
sino de língua portuguesa em práticas sociais, e formação continuada de professores de língua portuguesa e
linguagens, discurso e identidade na educação. Também realizou trabalhos sobre usos pedagógicos de resul-
tados de avaliação educacional em larga escala. Atualmente, na Diretoria de Estudos Educacionais, trabalha
com terminologia de tesauro e outros vocabulários, na Coordenação-Geral de Disseminação de Informações
(CGDI). E-mail: g.veigarios@gmail.com
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 133-144, jan./jun. 2023 133
Letramentos sociais: relato de experiência com alfabetização de adultos e idosos
ABSTRACT
SOCIAL LITERACY: EXPERIENCE REPORT WITH ADULT AND ELDERLY
LITERACY
This article is the result of a doctoral research, conducted from 2014 to 2017, in
the Pôr do Sol community – Ceilândia (DF) –, through the implementation of a
literacy project. Aiming at expanding literacy around the students in the project,
diversified activities and reflections about reading and writing were carried
out, together with tutors (students of Pedagogy and Language courses), based
on the reality of the students who participated in the research. In this work, an
activity is presented that had WASTE as its central theme, which was developed
at the request of the students themselves who, when observing the amount of
garbage existing in the streets of Pôr do Sol, worried about the damage this could
cause to all residents. For the discussions undertaken in this text, the following
theoretical framework was used: Street (1984, 2010), Gee (2000), Barton and
Hamilton (1998), Kleiman (2012), Rios (2015), Rios and Reis (2016), among
others, which grounded the research carried out in a qualitative methodological
and critical ethnographic perspective. Considering this interest, the activity
brought the following results: explanations about the harm that garbage can
cause, changes in behavior both in the personal and social spheres, in addition
to expanding the reading and writing practices of all those who participated in
the proposed activities.
Keywords: Social Literacies; Social Practices; Young, Adults and Elderly Student
Workers.
RESUMEN
LETRAMIENTOS SOCIALES: RELATO DE EXPERIENCIA CON
ALFABETIZACIÓN DE ADULTOS Y ANCIANOS
Este artículo es resultado de una investigación de doctorado, conducida durante
los años de 2014 a 2017, en la comunidad Pôr do Sol - Ceilândia (DF) - a través
de la implementación de un proyecto de alfabetización y de letramiento. Con
134 Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 133-144, jan./jun. 2023
Marli Vieira Lins de Assis; Guilherme Veiga Rios
INTRODUÇÃO2
Este texto apresenta uma experiência de ensi- práticas orais e escritas de letramento. Este
no e aprendizagem de leitura e de escrita com relato de experiência está organizado em dois
adultos e idosos em um bairro na periferia de momentos. O primeiro trata do conceito e de
Ceilândia-Distrito Federal. O objetivo foi imple- projetos de letramento e o segundo apresenta
mentar um projeto de alfabetização e letramen- e discute a atividade pedagógica realizada
to de base etnográfica e investigar o impacto por meio do tema proposto. Segue o primeiro
identitário decorrente de seus resultados para tópico do estudo que se fundamenta nas pes-
as pessoas participantes, considerando as con- quisas de letramento empreendidas por Street
tribuições de Brian Street (1984, 2010) no âm- (1984, 2010), Gee (2000), Barton e Hamilton
bito dos Novos Estudos do Letramento - NEL. (1998), Kleiman (2012), Rios (2015), Rios e
A atividade pedagógica teve origem em uma Reis (2016), entre outros.
situação-problema-desafio3, a qual considerou No que tange à metodologia empregada,
as possibilidades de conscientização acerca do destaca-se que essa fundamenta-se numa pes-
problema tratado - o LIXO - e uma mudança de quisa qualitativa, de cunho etnográfico crítico.
comportamento em relação a esse problema, A pesquisa foi realizada na cidade do Pôr do
por meio da leitura, da escrita, do debate e das Sol - Ceilândia (DF) e contou com a participa-
2 Este artigo é um recorte com adaptações da tese ção dos moradores do local, que desejavam
de doutorado desenvolvida a partir de pesquisa de ampliar as possibilidades de usos da leitura e
campo no Pôr do Sol – bairro periférico de Ceilândia da escrita em suas práticas sociais, de graduan-
– DF por uma das autora desse texto.
3 Situação-problema-desafio: refere-se a problemas
das do curso de Pedagogia e de Letras de duas
ou dificuldades, que podem ser de natureza afeti- Instituições de Ensino Superior do DF, além da
va, econômica, política ou cultural. Diz respeito aos professora pesquisadora, que estava realizando
desafios de existência e sobrevivência que grupos
seu doutorado. Durante a pesquisa de campo,
sociais, organizados ou não, enfrentam em seu co-
tidiano (RIOS; REIS, 2016, p.213). foram utilizados vários instrumentos de coleta
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 133-144, jan./jun. 2023 135
Letramentos sociais: relato de experiência com alfabetização de adultos e idosos
e de análise de dados, tais quais: observações das pelas instituições sociais e relações
participantes, entrevistas semiestruturadas, de poder, e alguns letramentos são mais
notas de campo e grupos focais, com o objetivo dominantes, visíveis e influentes do que
de compreender como estava se configurando o outros;
processo de alfabetização e de letramento das/ 4. As práticas de letramento têm um pro-
os educandas/os, que transformações estavam pósito e estão firmadas em metas sociais
ocorrendo ao longo dos encontros e como o mais amplas e nas práticas culturais;
projeto proporcionava mais participação social 5. O letramento é historicamente situado;
às/aos educandas/os. Em relação às graduan- 6. As práticas de letramento mudam e
das, ao longo do projeto, com as formações e novas práticas são frequentemente
os planejamentos coletivos, foi possível, consi- adquiridas por meio de processos de
derando todo o projeto e os instrumentos de aprendizagem informal e de produção
pesquisa acima apontados, perceber o quanto de sentido (BARTON e HAMILTON, 2000
a formação inicial de professores precisa ser trad. de RIOS, 2015, p.155).
repensada e fortalecida. Nessa perspectiva, o letramento refere-se
aos usos da leitura e da escrita em contextos
situados, na igreja, no trabalho, nas atividades
Letramento e Projetos de
formais ou informais. De acordo com Barton e
letramento Hamilton (1998) e Barton (1994), o letramento
Nesta seção, será apresentado o referencial está relacionado à vida social, à interação com
teórico que norteou o trabalho realizado e ora as pessoas, às questões ideológicas, às disputas
apresentado nesse artigo, tendo início com a hegemônicas e aos vários domínios da vida
discussão sobre letramento e projetos de letra- contemporânea.
mento que fundamentaram as ações realizadas Baynham (1995, p. 1), esclarece que: “Inves-
no projeto de alfabetização e de letramento tigar o letramento como uma atividade humana
supracitado. concreta envolve não somente o que as pessoas
As discussões acerca da palavra Letramen- fazem com o letramento, mas também as suas
to não são recentes no Brasil e fora do país. conclusões sobre o que fazem; envolve ainda os
Pesquisadores, tais como Street (2014, trad. valores que são aplicados e as ideologias que
de Bagno) e Rios (2015) se dedicaram a com- são configuradas”. Neste trabalho são apresen-
preender o termo numa perspectiva social tadas, ainda, as contribuições sobre letramento
crítica. Além desses autores, Gee (2000, p. 413) apontadas por Brian Street nos Novos Estudos
define letramento como “[...] um tipo de prática de Letramento, que compreendem a leitura e
construída a partir de uma linguagem distinta, a escrita dentro das práticas sociais (STREET,
formas linguísticas elaboradas para mediação 2003b). Com esta perspectiva, o autor demons-
em atividades situadas, também construídas tra ser interessante discutir as práticas de
socialmente”. Nessa perspectiva social, são letramento e não o letramento isoladamente,
utilizadas as noções sobre letramento preco- considerando que as pessoas utilizam a escrita
nizadas pela Teoria Social do Letramento: e a leitura em vários contextos e com signifi-
1. O letramento é mais bem compreendido cados diferentes. Portanto, corroborando com
como um conjunto de práticas sociais: o autor, não faz sentido falar em apenas uma
estas podem ser inferidas de eventos que forma ou de uma prática de letramento, mas de
são mediados por textos escritos; letramentos que podem ser contemplados tanto
2. Existem diferentes letramentos associa- em práticas quanto em eventos de letramento.
dos a diferentes domínios da vida; Para Street (1995), as práticas de letramen-
3. As práticas de letramento são padroniza- to fazem referência tanto ao comportamento
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Marli Vieira Lins de Assis; Guilherme Veiga Rios
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Letramentos sociais: relato de experiência com alfabetização de adultos e idosos
desses grupos previamente marginalizados por UFSJ em 2010. Em um momento de sua fala,
meio da escola”. No caso da Educação de Jovens, o autor destacou: “Buscamos um letramento
Adultos e Idosos, os projetos de letramento baseado no que as pessoas realmente fazem.
devem partir do resgate da cidadania, do for- Naquilo que realmente é importante para as
talecimento das camadas menos privilegiadas pessoas e para suas práticas sociais”.
e das pessoas pouco escolarizadas, dando-lhes Nessa perspectiva, logo no começo do pro-
condições de participação social e de real co- jeto, foi perguntado às/aos educandas/os o
nhecimento de seus direitos e deveres. Para que elas/es gostariam que fosse trabalhado
tanto, as aulas de língua portuguesa devem se nos encontros; que temas seriam importantes
pautar no que de fato é significativo para essas para elas/es, que tipos de leitura e de escrita
pessoas, considerando suas práticas sociais. gostariam que fossem desenvolvidos ao longo
No projeto de letramento, as atividades de lei-
das aulas. Para esses questionamentos, foram
tura, escrita e fala devem oferecer aos alunos recebidas as seguintes respostas4:
condições de “falar situadamente, questionan- P1: professora, a senhora poderia falar sobre os
do, asseverando, argumentando em prol de si problemas que encontramos aqui no Pôr do Sol.
mesmos e de suas comunidades, por meio de Dando sequência à atividade, foi perguntado às/
diferentes linguagens e múltiplos letramentos, aos educandas/os:
em diversos contextos escolares e não escolares
Professora: a que problemas você está se refe-
que favoreçam a apropriação da escrita (KLEI-
rindo?
MAN, 2012, p.29).
P1: saúde, trabalho, segurança, o lixo que é de-
No projeto: Letramentos e Identidades mais aqui onde nós moramos.
Sociais, realizado no Pôr do Sol, bairro de Cei-
Em sequência, foi perguntado:
lândia, Região Administrativa de Brasília (DF),
foram desenvolvidas, juntamente com moni- Professora: olha, eu acho os temas importantes
toras – estudantes de instituições superior e interessantes, pois fazem parte da realidade
de vocês, das experiências que vocês têm aqui
em que uma das autoras deste artigo leciona no Pôr do Sol.
– atividades que contemplaram as reais neces-
sidades de leitura e escrita das/os educandas/ Nesse momento, observa-se uma relação
os numa perspectiva ideológica de letramento, entre a fala de Street (2010) e a ação realizada
como propõe Street (1984). Um exemplo será entre as/os participantes do projeto. Dando se-
apresentado no tópico a seguir. quência ao diálogo, são feitas novas indagações:
Professora: por onde vocês querem começar?
DIALOGANDO COM OS CONCEITOS P2: professora, podemos começar pelo lixo,
APRESENTADOS POR BRIAN STREET porque é um problema grande e que gera outros
problemas.
O projeto: Letramentos e Identidades Sociais Diante da fala do educando, foram feitas
surgiu para atender a uma demanda específica: as seguintes colocações tanto pela professo-
a de pessoas que gostariam de ampliar sua lei- ra responsável pelo projeto quanto pelas/os
tura e sua escrita e saber utilizá-las com mais educandas/os:
segurança em suas práticas sociais, consideran-
Professora: Perfeito! Primeiramente, é impor-
do as demandas e os problemas encontrados
tante saber o que vocês sabem sobre lixo.
na comunidade do Pôr do Sol.
Com base nos interesses específicos desse P1: lixo é tudo que não serve mais e que a gente
grupo bastante heterogêneo de pessoas, foram 4 As interações apresentadas ao longo deste artigo fo-
ram estabelecidas entre a professora pesquisadora
sendo realizadas as atividades considerando (uma das autoras deste artigo), à época doutoranda
os interesses das/os participantes, conforme em Linguística pela Universidade de Brasília e as/os
observa Street (2010) em uma entrevista na educandas/os participantes do projeto.
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Marli Vieira Lins de Assis; Guilherme Veiga Rios
P1: professora, é porque as pessoas aqui do P3: cuidar do nosso lixo e do lixo do nosso vi-
Pôr do Sol são sem educação, jogam o lixo em zinho que não sabe dos problemas que o lixo
qualquer lugar. pode causar.
P5: professora, aqui no Pôr do Sol, quando cho- P4: saber onde descartar as pilhas.
ve, a água da chuva carrega todo o lixo que está Diante das falas, as/os educandas/os
nas ruas lá de cima aqui para baixo, na porta
foram parabenizadas/os e apresentadas/
da igreja mesmo, fica tudo cheio de lixo, entope
tudo, vira uma confusão. os a um texto sobre curiosidades em rela-
ção ao lixo, disponível em: https://www.
Professora: ok, vocês têm razão, o lixo é um google.com.br/search?q=tempo+de+de-
grande problema aqui no Pôr do Sol e, por isso
c o m p o s i % C 3 % A 7 % C 3 % A 3 o + d o + l i x-
serão realizadas atividades de leitura e de escri-
ta com vocês contemplando o tema em tela, nos o&oq=tempo+&gs_l=psyab.1.0.0i67
próximos encontros. k1j0j0i67k1l2.3742.9745.0.11315.57.20
.2.0.0.0.232.2241.0j15j1.16.0....0...1.1.64.
Assim, foi encerrada a primeira aula sobre o psy-ab..46.11.1183.6..35i39k1j0i22i30k-
tema. No segundo encontro, a aula foi iniciada 1j0i131k1.zJNoiyiHolA.
com uma conversa sobre o lixo, sobre os danos Após a leitura coletiva desse segundo texto,
que causa ao meio ambiente e à saúde. Esse foi realizado um debate considerando o que já
momento foi bastante significativo, pois as/os sabiam sobre o lixo e o que tinham acabado
participantes começaram dizendo que o lixo de aprender. O texto foi uma grande novidade
causa vários problemas, tais como: gripe, febre, para todas/os, pois não conheciam as informa-
vermes, doenças que ficam no limiar do senso ções apresentadas e ficaram surpresas/os com
comum, mas não falaram de algumas doenças algumas descobertas, tais como o tempo que
que podem ser causadas e que são importantes pneu leva para se decompor no meio ambiente.
dentro desse contexto. Assim, foi encerrado o encontro.
Depois dessa introdução ao tema, foi lido e Face ao exposto, compreende-se que a pro-
debatido o seguinte texto: Problemas que o lixo posta aqui apresentada vai ao encontro das
causa ao meio ambiente, disponível no seguinte ideias de Street (1995, 2014), uma vez que ele
endereço eletrônico: <http://www.re9recicle. afirma ser necessário sair das práticas de leitu-
com.br/2015/problemas-que-o-lixo-causa/>. ra e escrita que estão voltadas para o modelo
Durante a discussão, foi possível perceber que autônomo de letramento, para as práticas que
muitas/os não conheciam as doenças que po- tratam a leitura e a escrita de forma articulada às
dem ser causadas pelo lixo, não sabiam que o práticas sociais das quais as pessoas participam.
acúmulo de lixo pode provocar acidentes e, por No terceiro encontro sobre o tema propos-
fim não tinham consciência de que o lixo pode to, foi produzido um texto coletivo. De posse
aumentar a poluição do ar que respiramos. de dois computadores, as/os participantes
No entanto, o que mais chamou a atenção da pesquisa e as monitoras do projeto, estu-
de todas/os foi o fato de o lixo provocar inun- dantes dos cursos de Pedagogia e de Letras,
dações. Ficaram espantadas/os e mais preocu- construíram um texto com os conhecimentos
padas/os com a quantidade de lixo jogado nas adquiridos. Veja:
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 133-144, jan./jun. 2023 139
Letramentos sociais: relato de experiência com alfabetização de adultos e idosos
No último encontro, a aula foi introduzida Pôr do Sol) para entregar o texto sobre lixo e os
com um debate sobre as aprendizagens que saquinhos, com o ensejo de falar com as pes-
elas/es tiveram por meio da atividade desen- soas sobre a necessidade de manter a cidade
volvida e as/os educandas/os revelaram não limpa e sobre as doenças que o lixo causa. Foi
só as aprendizagens como também algumas um momento único e de muita aprendizagem
mudanças de comportamento: para todas/os.
P1: professora, eu aprendi que não podemos
jogar o lixo no chão, pois quando a chuva vem Figura 02 – Entrega do texto e das sacolas de lixo
muito forte, pode ter inundação. nas ruas do Pôr-do-Sol
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Marli Vieira Lins de Assis; Guilherme Veiga Rios
não só para o êxito do projeto, mas acima de também. Já falo com mais facilidade. Já consigo
tudo para que, a partir dele, fossem possíveis a até falar com o padre lá na igreja sem ter tanto
ampliação de seus letramentos, bem como uma medo. Professora, eu já uso as coisas que aprendi
aqui, lá no meu trabalho. Por exemplo, o e-mail,
maior participação social e uma (re) constru- eu tinha muita dificuldade em usar as palavras,
ção identitária, de forma que as identidades aqui nós aprendemos, eu fiz um com a profes-
sociais5 que, inicialmente, se organizavam em sora Milly (professora do Projeto). Eu não quero
torno do medo, da vergonha e da insegurança, parar, quero fazer uma faculdade, quem sabe lá
pudessem ser substituídas por identidades onde a senhora trabalha né?
fortalecedoras, empoderadas e críticas, con- Conforme depoimentos acima, observamos
forme depoimentos das/dos educandas/os uma (re) construção das identidades sociais
do projeto. que das/os educandas/os, a qual foi possível
Antes, porém é imperativo trazer esse con- pela dinâmica adotada no projeto de letramen-
ceito de identidade fortalecedora, à luz das to e alfabetização que construímos coletiva-
pesquisas realizadas por RIOS (1998, p.137). mente ao longo dos encontros. Em relação às
De acordo com o autor, uma identidade forta- monitoras, essas destacaram em seus depoi-
lecedora ocorre “quando os/as alfabetizandos/ mentos, o quanto a participação no projeto foi
as têm o turno de fala respeitado, podendo até importante para elas, como podemos observar
negociar os sentidos sobre a linguagem, tanto com base em Assis (2018):
oral como escrita, e posicionam-se como pes-
Saritinha6: Eu me via muito insegura no começo
soas ativas, tomando iniciativa no exercício da do projeto tanto em relação à minha ação frente
fala”, conforme podemos demonstrar nos exem- aos alunos quanto em relação aos conteúdos
plos a seguir retirados da tese de doutorado de de língua portuguesa. Tinha medo de dar aula
Assis (2018, p. 175-214): (p.198).
Nita: Professora, eu não sabia nada! Nem assinar Naide: Antes do projeto, eu tinha uma visão
meu nome, hoje eu vou no mercado e leio: UVA. bem prática de ser professor, achando que
Isso é suco de uva. Já sei outras palavras: OVO para ir para uma sala de aula, tinha que ter
tem na geladeira da minha casa. Já sei assinar apenas conhecimentos específicos de Língua
meu nome, não preciso mais ficar colocando o Portuguesa. Depois do projeto, me vi com um
dedão. Com a leitura, a vida da gente vai me- olhar mais social. Percebi que também está nas
lhorando. Eu precisava tirar uma xerox e me nossas mãos oferecer oportunidades a pessoas
disseram para ir para o bazar do vovô. A senhora que querem participar da sociedade onde vivem
acredita que eu cheguei lá e vi V O V Ô e tinha o [...] [...] [...]p.198).
chapéu. Aí, eu já sabia que era lá, porque estava
Ao longo do projeto, as monitoras, gra-
escrito vovô.
duandas do curso de Pedagogia e de Letras,
Naldão: O projeto me ajudou demais. Quando participaram de formações e de momentos
começamos, eu estava desempregado. Hoje já
coletivos de planejamentos. Nesse sentido, veja
estou trabalhando e o projeto me ajudou nisso
os depoimentos:
5 [...] a identidade social é uma construção simbólica
que envolve processos de caráter histórico e social, Saritinha: O projeto me fez me ver como profes-
que se articulam (e atualizam) no ato de atribuição. sora. Até esse momento, eu era uma estudante
Consideramos, assim, que a identidade social é uma que estava finalizando o curso de Letras e nada
representação, relativa à posição no mundo social, mais e o projeto veio para me fazer professora
e, portanto, intimamente vinculada às questões de (p.215)
reconhecimento. Concebemos a possibilidade de
múltiplas identidades, com base em referenciais Naide: a minha participação no projeto do Pôr do
distintos – como a origem territorial, a condição de Sol foi muito importante. Vejo que saí de lá mais
gênero, a etnia, a atividade profissional etc. –, pois, crítica, no sentido de repensar a educação. [...]
enquanto uma construção simbólica, a identida- De buscar em mim algo que ajudasse os alunos
de não é decorrência automática da materialidade
(PENNA, 2001, p.92-93). 6 Nomes Fictícios.
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 133-144, jan./jun. 2023 141
Letramentos sociais: relato de experiência com alfabetização de adultos e idosos
como um todo, não só como aluno, mas como um chamou bastante a atenção era seu Félix, com
ser humano como um todo, como ser humano. mais de 60 anos e estava ali com a gente todas
Vi o quanto minha presença era importante para as manhãs para aprender, era 187 algo me en-
aquelas pessoas (p.204). cantava [...]. E no final, ele me falar que melhorou
e aprendeu muito, isso foi muito importante [...]
Este estudo também nos possibilitou re- (p. 186-187).
fletir sobre a formação inicial de professores
para atuarem na educação de jovens e adultos, Nesse sentido, dialogamos com Silva (2018,
principalmente, quando as graduandas desta- p.36) que destaca que a “formação inicial é um
cam a relevância do projeto de alfabetização dos espaços para a práxis ser assumida como
e de letramento para o desenvolvimento das uma atitude do trabalho docente e profissio-
aprendizagens e da articulação necessária en- nal; e ser um valor constantemente presente
tre a teoria e a prática que não foram possíveis de maneira articulada entre o pedagógico e o
no âmbito da graduação. Veja os depoimentos político social”. É também o momento de forjar
elencados e retirados de Assis (2018): situações de formação docente que possibili-
tem a articulação entre a teoria e a prática, de
Nana: Professora, eu já tive experiência de al-
fabetizar crianças lá no projeto da Margarida
propiciar vivências tanto no âmbito escolar
e alfabetizei adultos, no DF Alfabetizado, no quanto fora dele, de aguçar o pensar crítico, de
Sol Nascente, e eu me vejo mais voltada para a formar professor que é também pesquisador,
alfabetização de adultos. Aí quando a senhora por meio da oferta de disciplinas, de projetos
falou do seu projeto, eu vi a possibilidade de de extensão, que fomentam a formação docen-
aprender mais como alfabetizar e letrar pessoas te numa perspectiva crítico-transformadora,
adultas e idosas.
não só nas universidades públicas, mas nas
Milly: Professora, eu vim para o projeto pela privadas também, conforme o que orienta a
necessidade de aprender a alfabetizar e letrar
Resolução CNE/CP Nº 1, de 15 de maio de 2006,
pessoas adultas e idosas. Na faculdade, não
temos essa vivência. E a forma como você falou que Institui Diretrizes Curriculares Nacionais
do projeto me tocou muito e não foi por causa para o Curso de Graduação em Pedagogia - li-
das horas complementares. cenciatura e a Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de
Evinha: Eu vim para o projeto, porque vi uma julho de 2015, que Define as Diretrizes Curri-
possibilidade de aprender mais e, principalmen- culares Nacionais para a formação inicial em
te, a alfabetização de adultos. Moro próximo da nível superior (cursos de licenciatura, cursos
região, sei da carência e das necessidades das de formação pedagógica para graduados e cur-
pessoas e quis contribuir com o pouco que estou sos de segunda licenciatura) e para a formação
recebendo na faculdade para a comunidade e
continuada, no que tange à formação docente,
essa é a possibilidade de unir teoria e prática.
nos aspectos relativos à modalidade.
Saritinha: Inicialmente, eu vim por causa da Por fim, gostaríamos fechar esse texto com
experiência. Eu estava saindo do curso de Letras
Silva (2018, p. 36) que destaca em seus estu-
e nunca tinha ministrado aulas para pessoas
com aquelas idades, pessoas até idosas como dos: Acesso em: 20/11/2022.
seu Félix. Mas, independentemente disso, eu A competência como práxis remete à tese de
vi uma possibilidade que me encantou, que foi que o professor precisa ser um sujeito que ela-
a de dar aulas para adultos, alfabetizar, letrar bora conhecimentos e tem que ser habilitado
adultos, ajudar nesse processo de alfabetização, na capacidade de fazer análise da sua prática,
pois são pessoas que não têm condições de ir fundamentado em um referencial teórico que
para uma sala de aula para aprender, têm medo, lhe permita, como resultado, a incessante busca
têm vergonha, enfim. Num primeiro momento, de uma educação de qualidade, que necessita
também vim porque era um projeto que estava de professor qualificado. Ao formador caberia a
começando a ser desenvolvido numa área bem responsabilidade, tanto com a própria formação
carente, em que o acesso à Educação era bem quanto com as questões específicas do conheci-
pouco [...]. Além dessas questões, algo que me mento pedagógico histórico e crítico específico
142 Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 133-144, jan./jun. 2023
Marli Vieira Lins de Assis; Guilherme Veiga Rios
para a docência. Esta é uma resistência que sidade de oferta e de permanência no contexto
podemos constituir para e além da legalidade: escolar, como preconiza, por exemplo, a Lei de
trabalhemos com a competência como práxis. Diretrizes e Bases da Educação – LDB9394/96
Esse é caminho necessário para a trans- e o Plano Nacional de Educação (2014/2024 –
formação, para a emancipação tanto docente Lei nº 3.005/2014, nas metas 08, 09, 10).
quanto discente. Em relação à formação inicial de profes-
sores, reforçamos a necessidade de as Insti-
CONSIDERAÇÕES FINAIS tuições de Ensino Superior ofertarem uma
formação que realmente dê condições de a/o
Neste texto, foi apresentada uma experiência graduanda/o atuar como professora/o com
de letramento com adultos e idosos morado- mais segurança, principalmente na Educação
ras/es do Pôr do Sol e, como propõe Street de Jovens e Adultos, foco deste trabalho.
(2010), iniciou-se de onde toda experiência
de letramento deve começar: do interesse
das/os educandas/os e, para elas/es o que de
REFERÊNCIAS
fato interessava no começo do projeto eram ASSIS, Marli Vieira Lins de. Letramentos e iden-
as demandas e os problemas sociais que as/os tidades sociais: uma proposta etnográfica
moradoras/es do Pôr do Sol enfrentam no dia a crítica de leitura e de escrita para (e com) os
moradores do pôr do sol (Ceilândia - DF). Tese
dia, por isso o trabalho desenvolvido teve início
(Doutorado em Linguística) – Departamento de
pelo lixo, algo tão presente nessa comunidade. Linguística da Universidade de Brasília, 293p, 2018.
A atividade com a situação-problema-desa-
BARTON, D. Literacy: an introduction to the ecolo-
fio do lixo foi de grande relevância para todas/ gy of written language. Cambridge/USA: Blackwell,
os, pois por meio dos textos lidos, dos debates, 1994.
das participações, foi possível compreender os
BARTON, D; HAMILTON, M. Local literacies. Lon-
problemas que o lixo pode trazer às/aos mora- don and NY: Routledge, 1998.
doras/es e a toda a comunidade do Pôr do Sol.
BAYNHAM, M. Literacy practices. Investigating
Foi possível verificar não só uma mudança de literacy in social contexts. Londres/Nova York:
conceitos, mas também uma mudança de com- Longman, 1995.
portamento e atitudes, além da ampliação dos
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
letramentos e da influência dessa ampliação Nacional, LDB. 9394/1996.
nas práticas sociais das/os educandas/os de
BRASIL. Instuto Nacional de Estudos e Pesquisas
pesquisa.
Educacionais Anísio Teixeira. Plano Nacional de
Com este trabalho, foi possível compreen- Educação PNE 2014-2024.
der que as práticas que envolvem a escrita e a
BRASIL. Resolução CNE/CP Nº 1, de 15 de maio de
leitura estão atreladas à cultura, à história e a 2006. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais
discursos e relações de poder, em oposição à para o Curso de Graduação em Pedagogia - licen-
perspectiva autônoma do letramento, centrada ciatura. Brasília, 2006b. Disponível: https://nor-
no sujeito e nas capacidades individuais de mativasconselhos.mec.gov.br/normativa/view/
elaborar um texto escrito, desvinculado das CNE_rcp0106.pdf?query=LICENCIATURA. Data de
acesso: 11 de ago.de 2023.
práticas sociais.
No que tange à formação inicial de profes- BRASIL. Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de julho de
sores, compreendemos, em relação à EJA que 2015. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a formação inicial em nível superior (cursos de
é indispensável que os cursos de licenciatura
licenciatura, cursos de formação pedagógica para
confiram a importância que a modalidade tem graduados e cursos de segunda licenciatura) e para
tanto nos normativos relacionados à Educação a formação continuada. Disponível em: https://
de Jovens e Adultos quanto em relação à neces- normativasconselhos.mec.gov.br/normativa/view/
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 133-144, jan./jun. 2023 143
Letramentos sociais: relato de experiência com alfabetização de adultos e idosos
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Apoliane Lima Euclydes; Márcia Castilho de Sales
A IMPORTÂNCIA DA COORDENAÇÃO
PEDAGÓGICA PARA CONCRETIZAR O
CURRÍCULO INTEGRADO NA EDUCAÇÃO
Apoliane Lima Euclydes*
Instituto Federal de Brasília
https://orcid.org/0009-0001-3499-4635
RESUMO
Esse artigo partiu do seguinte problema: qual o papel da Coordenação
Pedagógica na concretização do currículo integrado do Curso Técnico em
Administração do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional
com a Educação Básica, na Modalidade de Jovens e Adultos (Proeja), em um dos
Campi do Instituto Federal de Brasília? O estudo de caso teve como objetivo
geral em compreender a promoção da integração curricular expressa no Projeto
Pedagógico de Curso (PPC) que se desdobrou em cinco objetivos específicos,
como a análise das concepções expressas nos documentos norteadores no curso
sobre a organização do trabalho pedagógico; a identificação dos mecanismos
existentes para desenvolver o currículo integrado, apontando limites e obstáculos
e apresentando estratégias de ações de intervenção para a melhoria continua
do exercício do currículo integrado na Educação Profissional. O estudo de caso
desenvolvido buscou compreender o fenômeno de forma aprofundada através
de uma coleta de dados sistemática, utilizando entrevistas semiestruturadas
realizada com três grupos de protagonistas que atuam no curso: docentes do
curso técnico do Proeja, a Coordenação Pedagógica e a Coordenação do Curso,
totalizando um grupo de amostra de 12 entrevistados. Os resultados encontrados
revelam contradições, avanços e preocupações na organização do trabalho
pedagógico e na gestão pedagógica do curso, que precisam ser enfrentadas
para o alcance da integração curricular pleiteada no PPC e normativas oficiais
da instituição.
Palavras-chave: Currículo integrado; Educação Profissional; Coordenação
pedagógica.
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 145-155, jan./jun. 2023 145
A importância da coordenação pedagógica para concretizar o currículo integrado na educação
ABSTRACT:
THE IMPORTANCE OF PEDAGOGICAL COORDINATION TO IMPLEMENT
THE INTEGRATED CURRICULUM IN PROFESSIONAL EDUCATION
This article started from the following problem: what is the role of the
Pedagogical Coordination in implementing the integrated curriculum of the
Technical Course in Administration of the National Program for Integration of
Professional Education with Basic Education, in the Modality of Young People
and Adults (Proeja), in a of the Campi of the Federal Institute of Brasilia? The
case study had as its general objective to understand the promotion of curricular
integration expressed in the Course Pedagogical Project (PPC) which unfolded
into five specific objectives, such as the analysis of the concepts expressed in
the guiding documents in the course on the organization of pedagogical work;
the identification of existing mechanisms to develop the integrated curriculum,
pointing out limits and obstacles and presenting strategies of intervention actions
for the continuous improvement of the exercise of the integrated curriculum
in Professional Education. The case study developed sought to understand the
phenomenon in depth through systematic data collection, using semi-structured
interviews carried out with three groups of protagonists who work in the course:
teachers of the technical course of Proeja, the Pedagogical Coordination and the
Course Coordination, totaling a sample group of 12 respondents. The results
found reveal contradictions, advances and concerns in the organization of the
pedagogical work and in the pedagogical management of the course, which
need to be faced in order to achieve the curricular integration claimed in the
institution’s official documents and regulations.
Keywords: Integrated curriculum; Professional Education: Pedagogical
coordination.
RESUMEN:
LA IMPORTANCIA DE LA COORDINACIÓN PEDAGÓGICA PARA
CONCRETAR EL CURRÍCULO INTEGRADO EN LA EDUCACIÓN
PROFESIONAL
Ese artículo partió del siguiente problema: cuál es el papel de la Coordinación
Pedagógica en la concreción del currículo integrado del Curso Técnico en
Administración del Programa Nacional de Integración de la Educación
Profesional con la Educación Básica, en la Modalidad de Jóvenes y Adultos
(Proeja), en uno de los Campi del Instituto Federal de Brasilia? El estudio de
caso tuvo como objetivo general comprender la promoción de la integración
curricular expresada en el Proyecto Pedagógico de Curso (PPC) que se desplegó
en cinco objetivos específicos, como el análisis de las concepciones expresadas
en los documentos de orientación en el curso sobre la organización del trabajo
pedagógico; la identificación de los mecanismos existentes para desarrollar el
currículo integrado, señalando límites y obstáculos y presentando estrategias
de acciones de intervención para la mejora continua del ejercicio del currículo
integrado en la Educación Profesional. El estudio de caso desarrollado buscó
comprender el fenómeno de forma profundizada a través de una recopilación
146 Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 145-155, jan./jun. 2023
Apoliane Lima Euclydes; Márcia Castilho de Sales
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo propicia uma reflexão sobre desempenhado pela CDPD ser estratégico e
a importância da coordenação pedagógica na fazer toda a diferença na instituição de ensino
concretização do currículo integrado na ofer- considerando-se todo o movimento práxico da
ta da Educação Profissional articulada com a integração e de sua importância na educação
modalidade da Educação de Jovens e Adultos, emancipadora dos trabalhadores-estudan-
em uma Instituição Federal de Brasília (IFB), tes. Desse modo, por meio do estudo de caso
sendo fruto de uma pesquisa de mestrado1 rea- sobre a temática, procurou-se identificar e
lizada no curso Técnico em Administração do refletir alguns desafios, limites e possibilida-
Programa Nacional de Integração da Educação des vivenciados na prática cotidiana escolar,
Profissional com a Educação Básica na Modali- considerando-se todas as forças práxicas que
dade de Educação de Jovens e Adultos - Proeja. se materializam na organização curricular.
Através de conversas com alguns profissionais Além disso, Sales (2020) complementa que
que atuam no curso, identificou-se a necessi- para que a integração aconteça na constituição
dade de se fortalecer o movimento práxico da curricular integrada na educação profissional
integração curricular entre as disciplinas do é preciso coexistir todo um mecanismo arti-
curso, analisando de forma mais aprofundada culatório entre todos os protagonistas desse
o contexto e a realidade escolar e investigan- processo educativo, envolvendo diretores,
do como se tem efetivado a integração entre gestores, coordenadores e professores, sendo
formação geral e profissional, considerando a um resultado da prática coletiva cotidiana.
ação dos Coordenadores Pedagógicos (CDPD) A organização da temática inicia com a apre-
para sua implementação. sentação da metodologia da pesquisa e como
Assim, investigar o trabalho desenvolvido ela foi desenvolvida na instituição de ensino,
pela Coordenação Pedagógica (CDPD) na im- envolvendo os protagonistas do curso técnico
plementação curricular integrada na Educação integrado a Educação de Jovens e Adultos no
Profissional é relevante tendo em vista o papel Campus Gama, no Instituto Federal de Brasília,
no período de 2021 a 2022.
1 Essa pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em
Pesquisa (CEP) com seres humanos onde foram res-
peitados todos os procedimentos éticos durante a 2. METODOLOGIA E DISCUSSÃO
realização da pesquisa, garantindo a dignidade, os
direitos e a segurança dos voluntários. Esse CEP lo- O estudo caracterizou-se com uma pesquisa de
caliza-se no seguinte endereço: CEP/UNICEPLAC -
abordagem qualitativa de natureza histórico
SIGA Área Especial N.º 2- Setor Leste-Gama-DF, Sala
208 Bloco E, CEP: 72460- 000, Telefone: (61) 3035- social que tem como estratégia de investigação
1811, E-mail: cep@uniceplac.edu.br. o estudo de caso em um ambiente natural, em
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 145-155, jan./jun. 2023 147
A importância da coordenação pedagógica para concretizar o currículo integrado na educação
que o pesquisador realiza a técnica de coletas pode ser um procedimento estratégico na codi-
de dados por meio de entrevistas semiestru- ficação que favorece a criação das unidades de
turadas e análise documental. De acordo com registro e na formação das categorias iniciais
Triviños (2009) a pesquisa qualitativa retrata de análise (Bardin, 2010). Para mais, torna-se
os dados por meio da observação do processo, relevante destacar que a análise dos dados
analisando os dados mais relevantes para a coletados não utilizou softwares para a análise
solução do problema da pesquisa. Além disso, das entrevistas, sendo a análise realizada de
uma pesquisa de caráter histórico social pro- forma manual com recursos do computador.
cura entender de forma aprofundada a raiz A proposta de análise de BARDIN (2010)
do problema, propondo como resultado uma perpassa três fases: 1) pré-análise; 2) explora-
intervenção na realidade. ção de material, categorização ou codificação;
A abrangência desse estudo de caso está vin- 3) tratamento dos resultados, inferências e
culada a educação profissional em um Campus interpretação. Nessa pesquisa as categorias
do IFB, no período de distanciamento social foram formadas a posteriori considerando o
por conta da pandemia da COVID-19, onde processo progressivo e sistemático da análise
utilizou-se como estratégia de pesquisa entre- das entrevistas.
vistas semiestruturadas realizada via Zoom, a Durante a exploração das entrevistas trans-
todos os entrevistados que atuam no curso, isto critas foram sendo organizados recortes do
é, 10 (dez) docentes do Proeja, a Coordenação texto que mantinham relação com os seguin-
Pedagógica e a coordenação do Curso Técni- tes temas estabelecidos: tempo de atuação no
co em Administração do Proeja, totalizando Proeja, formação para o Proeja, concepção de
uma população amostral de 12 sujeitos pro- integração, progresso na integração, propostas
tagonistas do Proeja em Administração. Essa para melhoria, avanços no PPC, problemas
é uma amostra não probabilística escolhida identificados, propostas, Coordenação Peda-
aleatoriamente por conveniência, consideran- gógica (CDPD) na integração, planejamentos
do-se o papel estratégico desses sujeitos para coletivos e análise do papel do coordenador.
o desenvolvimento do trabalho pedagógico no A seguir, iremos apresentar a análise dos
Campus. Além disso, a realização da análise e resultados e encaminhamentos alcançados na
interpretação dos dados foi realizada através pesquisa.
do método de análise de conteúdos conforme
defendido por Bardin (2010). 3. A COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA
Segundo Bardin (2010), a criação das cate-
NO PROEJA e as categorias de
gorias de análise perpassa pela fase de explo-
ração de material onde se analisa as categorias análise
formadas no referencial teórico, realizando O papel da Coordenação Pedagógica na arti-
a confrontação com os dados coletados nas culação do currículo integrado na Educação
entrevistas, fazendo recortes de palavras, fra- profissional não é neutro, pois a ação media-
ses ou parágrafos construindo desse modo as dora desse profissional influencia diretamente
unidades de registro. Essa fase é fundamental o trabalho docente em razão desse especialista
para análise, pois será feita a exploração do ser considerado um mediador/orientador do
material buscando realizar a categorização ou trabalho pedagógico coletivo atuando na con-
codificação dos dados, classificando e apontan- cretização do exercício da integração (MAR-
do de forma estratégica a criação das catego- CONDES, LEITE E OLIVEIRA, 2012).
rias de análise, realizando a separação e uma Os autores Sales e Reis (2019) salientam
posterior articulação das unidades de registro. que a concepção de um currículo integrado se
Logo, quando temos e palavras se repetem, isso materializa através da compreensão de que as
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Apoliane Lima Euclydes; Márcia Castilho de Sales
disciplinas dialogam com o itinerário formativo 35/2012 – CS/IFB, ela reforça que a formação
profissional do curso, permitindo a solução dos continuada fica a cargo da CDPD cabendo a ela
problemas de forma integrada, através de uma a organização e participação de forma siste-
construção coletiva entre os docentes de ambas mática das reuniões pedagógicas dos cursos,
as formações (geral e específica), assim como organizando e implementando programas de
dos gestores pedagógicos e administrativos. formação pedagógica contínua dos professores
Desse modo, a Coordenação Pedagógica pode do Campus, acompanhando e monitorando
promover a superação do trabalho fragmenta- desenvolvimento do planejamento e realiza-
do e o fortalecimento de práticas integradoras ção dos cursos. Seu papel ainda incorpora o
no desenvolvimento do currículo, em virtude acompanhamento do desenvolvimento das
de também integrar a equipe de gestão escolar aulas, contribuindo com o aperfeiçoamento
e manter estreita relação com toda a comuni- do processo-didático-pedagógico, propondo
dade escolar (OLIVEIRA, 2018). Ademais, a eventos, reuniões, encontros e cursos para
constituição identitária desse setor na escola que os docentes aprimorem a relação docente
evidencia ações de articulação pedagógica, educativa, acompanhando a ação pedagógica
trabalho coletivo e o exercício de formação dos professores, sugerindo, caso necessário, a
continuada docente (CORRÊA E FERRI, 2016), capacitação dos professores.
isto é, a Coordenação Pedagógica media os Um outro documento interno é a Resolução
confrontos do ambiente escolar, além de in- N. º 35/2012 – CS/IFB que delibera sobre a
tervir e influenciar nas relações interpessoais estrutura organizacional do IFB, determinan-
estabelecidas, pois atua próximo os docentes, do que cabe à Pró-Reitoria de Ensino (PREN)
discentes e a comunidade escolar, logo, o coor- a responsabilidade pela capacitação da CDPD
denador pedagógico precisa ter uma visão nos Campi. Do mesmo modo, a Nota Técnica N.º
aguçada da realidade que o circunda, visto 001 – 2015 – PREN/RIFB, ainda dispõe sobre a
que ao observar e refletir sobre os problemas necessidade de integração das atividades entre
e dificuldades presentes no ambiente escolar a Coordenação Pedagógica (CDPD) e a Coor-
poderá contribuir e mediar de forma estraté- denação de Assistência Estudantil e Inclusão
gica os interesses e necessidades da instituição Social (CDAE), respeitando-se seus respectivos
(PLACCO E SOUZA, 2012). campos de execução, tratando sobre diversas
Ao analisar o organograma e a legislação do atividades pedagógicas, evidenciando a rele-
IFB que a CDPD e a Coordenação de Curso apre- vância desse trabalho ser articulado entre as
sentam papeis similares, promovendo sobre- coordenações, salientando que uma das ações
posição de tarefas, contradições e incoerências do pedagogo da CDPD deve ser voltado aos
sobre o desempenho de suas atribuições, pois docentes, mas buscar atender também algu-
nem sempre o que está expresso nas normas mas ações relativas ao ensino e aprendizagem
internas é o que de fato se apresenta na prática, dos estudantes. Além disso, a Resolução N.º
por esse motivo torna-se pertinente discorrer 01/2017/CS – IFB, em seu Art. 51, define que,
sobre o papel das duas coordenações a seguir. dentre as inúmeras atribuições arroladas sobre
o papel da CDPD, esse profissional encarre-
3.1 A Coordenação Pedagógica ga-se pela organização e implementação do
(CDPD) no âmbito do IFB programa de formação continuada docente,
De acordo com o levantamento da pequisa acompanhando o trabalho pedagógico dos
documental sobre as atribuições da CDPD no professores, sugerindo, quando necessário
âmbito do IFB, identificou-se poucos documen- capacitação. Para mais, essa norma evidencia
tos que normatizam essa função no Campus. a necessidade de o trabalho do Coordenador
Dentre eles podemos citar a Resolução n.º de Curso ser articulado com a Coordenação
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A importância da coordenação pedagógica para concretizar o currículo integrado na educação
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Apoliane Lima Euclydes; Márcia Castilho de Sales
Outra diferença marcante entre a relação da gumas disciplinas podem desenvolver projetos,
interdisciplinaridade e a integração é que o concretizando a interdisciplinaridade apenas.
planejamento da primeira sempre ocorre após Percebe-se na pesquisa que grande parte
a aprovação do curso pela instituição. Será
nos espaços de diálogos coletivos que essa in-
dos docentes compreendem o que é a integra-
terdisciplinaridade será perseguida de forma ção, todavia uma minoria mostra-se resistente
contínua. A integração precisa ser concebida ao currículo integrado e isso prejudica a inte-
ainda na construção do desenho curricular do gração curricular, pois o curriculo integrado
curso integrado, para ser implementada durante parte de um grupo integrado, onde todos
percurso de aprendizagem. Sob esse ângulo, devem participar dos espaços de construção
observa-se que existe uma grande confusão so-
bre a integração nessa oferta, porque algumas
coletiva para desenvolver o planejamento do
instituições concentram seus esforços na busca Projeto Integrador expresso no PPC, que tem
pela interdisciplinaridade após o curso aprova- como base o itinerário formativo do perfil
do, o que pode acontecer sem envolver todas as profissional do curso, no caso, Administração.
disciplinas e de forma pontual no curso (SALES,
2020, p. 30). 3.5 Atuação das coordenações
Como a autora afirma acima, é importante pedagógicas
diferenciar a integração da interdisciplinari- Importante salientar que a organização cur-
dade, pois enquanto a primeira é concebida ricular dos cursos técnicos integrados possui
na construção do curso e segundo o itinerário uma complexidade que exige do coordenador
formativo, a segunda é concebida após a apro- conhecimentos do trabalho pedagógico re-
vação do curso e a partir de situações-proble- lativo a planejamento de ensino, do trabalho
mas, ou temáticas e conceitos. pedagógico coletivo, de estratégias de ensino
aprendizagem, de organização de projetos de
3.4 Concepções e considerações pesquisa e de procedimentos didático-pedagó-
sobre o PPC gicos, entre outros.
Em análise do PPC identificamos os mecanis- Desse modo, entende-se que os docentes que
mos de integração necessários para a imple- assumem a função de coordenador pedagógico
mentação da integração curricular no curso devem apresentar um perfil diferenciado, além
que se contrapõe, pois exige um envolvimento de uma formação pedagógica específica para
e compreensão sobre a forma da integração acompanhar o desenvolvimento do trabalho
não só para os docentes, mas para todos os pedagógico da estrutura curricular integrada
que protagonizam o curso. O PPC construído prescrita no PPC do curso.
coletivamente e implementado, exige da Coor- No período da pesquisa, o Coordenador
denação Pedagógica uma retomada recorrente, de Curso do Proeja não tinha uma formação
trazendo para a pauta das reuniões, todos os pedagógica para fazer o acompanhamento
fundamentos constituídos e que precisam ser pedagógico do PPC. A este respeito, entende-
relembrados. A lógica de integração proposta se que para atuar como Coordenador de Curso
no curso parte do itinerário formativo e é de- em cursos integrados, principalmente por suas
senvolvido conforme etapas formativas, de- idiossincrasias, esses profissionais deveriam
senvolvido modularmente e com mecanismos ter pelo menos uma formação continuada na
integradores ajustados, como eixos, projetos área do Proeja.
e eventos integradores. A cada semestre é ne- Destacamos que a legislação permite a atua-
cessário a construção coletiva do processo da ção de coordenadores de curso sem formação
integração envolvendo todos os protagonistas pedagógica específica e ainda exige uma atua-
do curso. Se esse processo não acontece, a ção que detenha domínio pedagógico. Como
integração não é alcançada. Pontualmente, al- promover a articulação pedagógica conforme
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 145-155, jan./jun. 2023 151
A importância da coordenação pedagógica para concretizar o currículo integrado na educação
prescrito no Projeto Pedagógico de Curso (PPC) maticamente das reuniões pedagógicas dos
de quem não tem formação para tal? Nota-se cursos, acompanhando o trabalho pedagógico,
uma incoerência na legislação institucional2, a formação continuada docente, cooperando
pois a legislação que regulamenta os cursos na implementação dos processos didáticos e
técnicos e os técnicos integrados não diferencia pedagógicos.
a complexidade pedagógica dos cursos. Todavia, nota-se que uma coisa é o que está
Somando-se a isso, observa-se as contradi- na Lei e outra é o que de fato de implementa
ções na legislação sobre a atuação da Coorde- na prática, pois percebe-se contradições da le-
nação Pedagógica e da Coordenação de Curso gislação sobre a atuação da CDPD, isto é, perce-
que apresentam papeis similares, promovendo be-se que a CDPD não tem muita influência na
conflitos e confusão sobre o desempenho de mediação do processo de integração curricular
suas atribuições. Esse alinhamento pedagó- na organização do trabalho pedagógico, pois
gico precisa ser administrado previamente, esse papel fica mais sob a responsabilidade do
sob pena de desenvolverem ações duplicadas Coordenador de Curso, que realiza a medição
ou díspares no trabalho pedagógico. O ideal é entre o currículo e a prática.
ter um coordenador de curso que possua uma O estudo realizado constatou que a legisla-
formação pedagógica, domine o processo de ção do IFB desconsidera a realidade da logística
integração contido no PPC e articule o grupo, do currículo integrado, isto é, observa-se que
de forma a desenvolverem sistematicamente Coordenação Pedagógica não influencia na
e de forma coletiva, as atividades integradoras mediação do processo de integração curricular
propostas no curso. A Coordenação Pedagógi- e na organização do trabalho pedagógico no
ca seria acionada, caso necessário e para fins Campus pesquisado, pois na prática esse papel
específicos. fica mais sob a responsabilidade do Coorde-
Constata-se que duas coordenações pedagó- nador de Curso, que implementa o PPC. Além
gicas com atuações contidas e fragmentadas, do mais, a legislação do IFB não expressa uma
estão realizando ações que nem sempre se formação pedagógica para ser Coordenador
complementam. Entende-se que a Coordena- de Curso, tanto na Educação Básica, como na
ção de Curso é quem de fato faz o papel peda- Educação Superior. Isto significa que qualquer
gógico na direção do processo de integração professor poderá se candidatar a função de
no curso do Proeja e não a CDPD. Coordenador de Curso em cursos técnicos inte-
grados, podendo prejudicar o desenvolvimento
3.6 Problemas mais evidenciados do curso, visto que tanto a Coordenação de
Apresentamos a seguir os aspectos mais evi- Curso e a Coordenação Pedagógica requerem
denciados pelos depoentes da pesquisa. competências pedagógicas.
Nessa perspectiva, a articulação do currículo
a. A contradição expressa na legis- depende do protagonismo da Coordenação Pe-
lação do IFB sobre a Coordenação dagógica, em outros termos, se a Coordenação
Pedagógica de Curso tivesse um perfil mais pedagógico e a
CDPD pudesse estar mais próxima priorizando
Constatou-se nas normas internas sobre
em todas as reuniões o curso do Proeja, devido
as atribuições da Coordenação Pedagógica
as especificidades do curso, fortaleceria com
(CDPD) no âmbito do IFB (Resolução N.º
mais eficiência a implementação da integração.
01/2017/CS- IFB), que registra que seu papel
Para mais, reconhece-se que a integração
é de mediador dos processos pedagógicos,
não será alcançada somente através de docu-
responsável por organizar e participar siste-
mentos e regulamentações, por esse motivo a
2 Resolução n. º 01/2017- CS/IFB. atuação da gestão pedagógica do curso será
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A importância da coordenação pedagógica para concretizar o currículo integrado na educação
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As tecnologias digitais, memória e a educação de jovens e adultos: uma perspectiva inovadora
Resumo
Considerando a importância de recuperar a memória e trajetória da Educação
de Jovens e Adultos, dos avanços tecnológicos e da inovação na educação
contemporânea e a relevância do uso das tecnologias nas salas de aula, o presente
artigo tem como objetivo dialogar com diversos autores que corroboram com a
temática abordada visando a transformação digital nas escolas. Trata-se de uma
pesquisa bibliográfica, na qual a coleta das informações foi realizada a partir
do levantamento de autores e análise de ideias propostas por artigos e livros
acerca do tema investigado. Conclui-se que as tecnologias educacionais digitais
potencializam a aprendizagem, possibilitam aulas dinâmicas, colaborativas,
democratiza o acesso à informação, ao conhecimento e inclui os estudantes da
EJA ao mundo digital, promovendo a equidade social.
Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos; Tecnologias digitais; Equidade
social.
Abstract
DIGITAL TECHNOLOGIES, MEMORY AND YOUTH AND ADULT EDUCATION:
AN INNOVATIVE PERSPECTIVE
Considering the importance of rescuing the memory and trajectory of EJA,
technological advances and innovation in contemporary education and the
religion of the use of technologies in classrooms, this article aims to dialogue
with several authors who corroborate with the theme addressed in order to
digital transformation in schools. This is a bibliographical research, in which
the collection of information was carried out from the survey of authors and
analysis of ideas proposed by articles and books on the subject investigated.
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Danielle Sobral Porto Costa; Gilmário Moreira Brito
Resumen
TECNOLOGÍAS DIGITALES, MEMORIA Y EDUCACIÓN DE JÓVENES Y
ADULTOS: UNA PERSPECTIVA INNOVADORA
Considerando la importancia de recuperar la memoria y trayectoria de la
Educación de Jóvenes y Adultos, los avances tecnológicos y la innovación en la
educación contemporánea y la relevancia del uso de la tecnología en las aulas,
este artículo pretende dialogar con varios autores que corroboran con el tema
abordado con miras a lo digital. transformación en las escuelas. Se trata de una
investigación bibliográfica, en la que la recolección de información se realizó
a partir de la encuesta a autores y análisis de ideas propuestas por artículos
y libros sobre el tema investigado. Se concluye que las tecnologías digitales
educativas potencian el aprendizaje, posibilitan clases dinámicas y colaborativas,
democratizan el acceso a la información, al conocimiento e incluyen a los
estudiantes de la EJA en el mundo digital, promoviendo la equidad social.
Palabras Clave: Educación de Jóvenes y Adultos; tecnologías digitales; Igualdad
Social.
INTRODUÇÃO
Historicamente a Educação de Jovens e Adultos podem fortalecer a cidadania e beneficiar a
tem sido uma modalidade de ensino margi- população brasileira vulnerável.
nalizada, grupos sociais, pesquisadores vêm Neste artigo destacamos a importância de
atuando em defesa desse público, buscando reconhecer os jovens-adultos como membros
o engajamento de educadores sensíveis às de coletivos sociais cujas memórias e trajetó-
lutas tendo em vista desvelar a potência dos rias de vida são basilares para o reconhecimen-
estudantes da EJA, tomando como premissa to das aprendizagens que podem fortalecê-los
a valorização de seus saberes e experiências como cidadãos de direito. Pensando em uma
de vida no processo de ensino/aprendizagem. educação de qualidade que oferece o uso de
Para tanto, é primordial recuperar a memória tecnologias digitais como forma de ampliar as
social desses sujeitos para fortalecê-lo como possibilidades de acesso ao conhecimento, à
grupo. cultura, ao lazer e a cidadania para a viabiliza-
Referenciar histórias, reconhecer os saberes, ção do protagonismo do estudante chamamos
incentivar o pertencimento, respeitando as as- a atenção para a importância deste estudo que
pirações, as habilidades e as competências ad- propõe a inclusão digital e social na Educação
quiridas pelos/as alunos/as nas experiências de Jovens e Adultos.
de vida é uma forma de dignificar a memória A tecnologia no âmbito educacional acelerou
dos estudantes jovens e adultos. Para apoiá-los a transformação digital nas salas de aula, em
nas novas conquistas de acesso a uma educação especial no período da pandemia, em que os
de qualidade é importante prestar informações profissionais da educação foram convocados a
atualizadas e o acesso às tecnologias para uso trabalhar com o ensino remoto, possibilitando
social dos recursos digitais são suportes que usar as tecnologias digitais como mais um re-
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trução de diversos saberes não pode se limitar aprendizagem desse público são as memórias
a função de transmissão dos conhecimentos, que fazem parte da composição dos indivíduos
é preciso ressignificar, transformar práticas e repercutem em suas experiências ao longo
educativas sedimentadas ao longo do tempo, da vida. Segundo Pollak (1989, p.3) “uma
buscar informações atuais, fazer uso social memória estruturada com suas hierarquias e
dos recursos digitais, compreender a cultura classificações, uma memória também que, ao
escolar no cotidiano visando impulsionar a definir o que é comum a um grupo e o que, o
aprendizagem. Nesse sentido, partimos do diferencia dos outros, fundamenta e reforça os
pressuposto, apoiado por Freire (1971) de sentimentos de pertencimento e as fronteiras
que os professores, ao tratarem da realidade socioculturais”. Nesse sentido, os indivíduos
vivida dos educandos, podem criar possibili- partilham de uma mesma realidade a partir
dades de aprendizagens, priorizando o diálo- de uma conexão das memórias individuais
go permanente, capaz de gerar um ambiente com a memória coletiva de um determinado
com construção de saberes contextualizados grupo e são movidos na contemporaneidade
e significativos, reconhecendo as experiências por objetivos comuns.
de vida e os conhecimentos das vivências não Dessa forma, a relação entre memória e
-escolares anteriores, vez que: identidade é sentida tanto no plano individual,
o adulto está inserido no mundo do trabalho e permitindo um sentimento de continuidade,
das relações interpessoais de um modo diferente quanto no plano coletivo, favorecendo um
daquele da criança e do adolescente. Traz con- sentimento de pertencimento aos membros
sigo uma história mais longa (e provavelmente do grupo (JODELET, 1999). Nessa perspectiva,
mais complexa) de experiências, conhecimentos reconhecer e valorizar os acontecimentos pas-
acumulados e reflexões sobre o mundo externo, sados são relevantes à preservação das memó-
sobre si mesmo e sobre outras pessoas. Com re-
rias individuais ou grupais, entretanto, é válido
lação à inserção em situações de aprendizagem,
essas peculiaridades da etapa de vida em que se destacar que as práticas sociais, reforçadas
encontra o adulto fazem com que ele traga con- pelas diferenças socioeconômicas, culturais,
sigo diferentes habilidades e dificuldades (em étnicas sinalizam particularidades grupais que,
comparação à criança) e, provavelmente, maior são as referências sociais que criam a identida-
capacidade de reflexão sobre o conhecimento e de e que interferem na percepção do mundo e
sobre seus próprios processos de aprendizagem nas memórias.
(OLIVEIRA, 2001, p. 18).
Ofertar condições para reintegração dos
Nessa perspectiva, a construção do currículo educandos da EJA na sociedade contemporânea
com a participação de todos os envolvidos no como sujeitos ativos, críticos e não consumido-
processo educacional, a partir de metodologias res passivos das informações é um processo
e práticas pedagógicas aliadas as tecnologias contínuo de ação-reflexão, requer uma media-
que valorizam o conhecimento do educando, ção diferenciada por parte dos profissionais da
em todas as dimensões, dignificando-o como educação que envolve as diversas dimensões,
sujeito de saberes diversos, ativos e potentes. em especial, a recuperação e valorização das
Para além de valorizar a potência dos sa- memórias desses grupos como referência para
beres do estudante da EJA, é pertinente recu- superar a condição de exclusão. Segundo Sch-
perar no estudo da memória social, traços do wartz (1990), a memória social atua como uma
passado que permanecem pulsantes na vida reconstrução do passado, adaptando a imagem
social, primando pela qualidade da Educação dos fatos antigos às crenças e necessidades do
de Jovens e Adultos baseada na significação presente, assim tais representações podem ser
proposta pelos sujeitos. Um dos tópicos fun- (re)construídas em um processo contínuo em
damentais intrínsecos ao processo de ensino/ que as experiências vividas pelos estudantes da
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a interação dos educandos com os recursos di- contemporânea e busquem assumir novas pos-
gitais, favorecendo a autonomia intelectual na turas diante da necessidade premente de galgar
EJA e a inserção da inovação nas escolas. Para caminhos para uma nova proposta carregada
Amorim (2015) toda inovação educacional de flexibilidade para lidar com situações que
deve promover marcas legítimas e significati- estão em constantes transformações na educa-
vas que gerem a formação de atitudes positivas, ção, especialmente para o público dos jovens e
que possam contribuir para a formação de um adultos que precisa fracionar seu tempo com o
ambiente pedagógico duradouro, consolidando trabalho, a família e ao estudos.
a criação de uma cultura escolar aberta, movida Para efetivação dessa transformação, há
pelo interesse científico e pelo surgimento de um longo percurso em busca da inovação, que
projetos diversos para serem instituciona- pressupõe assumir desafios que demandam
lizados no espaço educativo e social. Assim, mudanças na escola como um todo, desde
torna-se importante que os profissionais da atualização do currículo, do Projeto Político
educação estejam em constante aperfeiçoa- Pedagógico (PPP) aos aspectos estruturais para
mento, desenvolvam competências tecnológi- acesso a conectividade. Como toda mudança
cas, de acordo a realidade das instituições do exige superação dos desafios, para enfren-
ensino, concretizando propostas pedagógicas tá-los, é preciso fortalecer a equipe, buscar
alinhadas a linguagem digital em prol de uma conhecimento, integrar saberes, colocá-los
aprendizagem dinâmica. em prática e “[...] assumir-se como ser social
Com relação ao campo educacional e na tentativa e histórico, como ser pensante, comunicante,
de se romper com a ideia de que haveria pola- transformador, criador, realizador de sonhos
rização entre a ação de professores e alunos, [...]”. (FREIRE, 2015, p. 41). Nessa acepção,
entende-se haver trocas e alternâncias, em um profissionais da educação e educandos são
processo dialógico por essência, para ocorrência
de aprendizagens. Buscam-se, portanto, proces-
sujeitos de aprendizagem que, em parceria e
sos comunicativos mais dinâmicos que rompam dialeticamente, podem construir novos cami-
com o pensamento de que o ato comunicativo nhos para aquisição do saber.
seria resultado de emissão e recepção apenas. A proposta não é substituir o velho pelo
(ALONSO, ARAGÓN, SILVA, CHARCZUK 2016, novo, nem de substituir o livro pelos recursos
p.156) digitais, mas sim de mobilizar esforços para
O educador enquanto mediador, em parceria melhor repensar e compreender o papel so-
com o educando podem criar ambientes de cial da escola e empreender novas ações que a
aprendizagem dialógicos, no qual professor reconfigurem. De acordo com Rossetti (2014),
e aluno podem aprender juntos, auxiliando o há um processo de transição do paradigma
desenvolvimento da criticidade, da parceria vertical para o horizontal. Segundo este autor,
na utilização das tecnologias, estas percebi- no primeiro paradigma, existe uma relação ver-
das como um caminho inovador para o ensi- tical, um emissor transmite a informação ao re-
no-aprendizagem de qualidade. O professor ceptor; no segundo, há uma emissão horizontal,
contemporâneo, tecnológico, que saiba gerar no qual todos recebem e emitem informações o
conexões, criando sentidos práticos para a tempo todo. No contexto da escola tradicional,
aprendizagem, com auxílio da tecnologia por exemplo, acontece o broadcasting, isto é, o
dentro e fora da escola transforma e dá outro professor transmite a informação para os alu-
significado a aprendizagem. nos, porém estamos num ambiente em que os
No intuito de fortalecer esse processo dialó- próprios educandos já sentem a necessidade
gico, é imprescindível que todos os envolvidos de participar da construção do conhecimento.
no processo de ensino/aprendizagem interna- Nesse processo de transição, os recursos
lizem novos conceitos exigidos pela educação tecnológicos podem facilitar a passagem
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do modelo tradicional para uma educação A escola da era digital atua de acordo o
mais dinâmica, com alternância de papéis, mundo multicultural, permanentemente co-
nos quais os educandos são parceiros de nectado e em acentuada transformação. Com
construção, colaborativos e interconectados. o acesso às tecnologias, docentes e discentes
A transmissão de conteúdo do paradigma têm a seu alcance aplicativos diversos, gra-
vertical, realizada a partir do uso das tec- tuitos e acessíveis em qualquer lugar. Nesse
nologias pouco possibilita espaço para que sentindo, os educadores podem corroborar
o educando atue com criticidade, produza, com a construção do conhecimento de forma
torne-se cidadão participativo do mundo. O motivadora, contribuindo não apenas com au-
uso das TDIC, na EJA, auxilia na construção tonomia digital do educando da EJA, mas com
e potencialização dos novos saberes, porém a emancipação desse aluno de forma integral.
o papel do professor continua sendo funda- Deste modo, torna-se imperioso pensar em
mental na mediação do conhecimento com estratégias, projetos para que as TDIC estejam
o objetivo de propor possibilidades diversas ativas nas instituições de ensino, provocando
individuais ou coletivamente para que o edu- mudanças e impactos não somente no presen-
cando resolva problemas e realize tarefas que te, mas abrindo caminhos futuros alicerçados
exijam raciocínio e reflexão contemplando pela constante inovação. Essa perspectiva de
as especificidades dos jovens e adultos, suas convergência digital nas escolas, fomentada
pelas TDIC, contribui para que os estudantes
singularidades, culturas, identidades.
se mostrem cada vez mais protagonistas em
[...] ler sobre a educação de adultos não é suas aprendizagens.
suficiente. É preciso entender, conhecer pro-
fundamente, pelo contato direto, a lógica do
Segundo Imbérnon
conhecimento popular, sua estrutura de pen- Para que o uso das TIC signifique uma transfor-
samento em função da qual a alfabetização ou mação educativa que se transforme em melhora,
a aquisição de novos conhecimentos que têm muitas coisas terão que mudar. Muitas estão nas
sentido. (GADOTTI; ROMÃO, 2011, p.39) mãos dos próprios professores, que terão que
redesenhar seu papel e sua responsabilidade na
Não tem como tratar a EJA de forma su- escola atual. Mas outras tantas escapam de seu
perficial e simplificada. É preciso conhecer, controle e se inscrevem na esfera da direção da
aprofundar nas particularidades, chegar perto, escola, da administração e da própria sociedade
conhecer suas nuances, priorizando o sujeito, (IMBÉRNON 2010, p.36).
ao mesmo tempo que favorecendo a inclusão Mudar de postura é o que se espera dos pro-
social, a escolarização, a formação da cidadania fissionais da educação, pois não tem sentido
e os direitos de uma vida digna e justa. Para manter o comportamento do passado diante
fortalecer esses aspectos, a educação em par- do novo. É preciso ajudar o docente a quebrar
ceria com a tecnologia na contemporaneidade paradigmas com relação às novas formas de
pode ofertar transformações na vida social, aprender e, para que essa transformação
econômica, cultural, acesso a informações e aconteça, é necessário acolher, incentivar
maior participação na vida social, política e os educadores, como também, é relevante
econômica de forma crítica reflexiva. que toda a comunidade escolar participe,
As tecnologias digitais hoje são muitas, aces- que sejam todos sujeitos ativos e possam
síveis, instantâneas e podem ser utilizadas transformar a própria realidade. As TDIC
para aprender em qualquer lugar, tempo e de são elementos estruturantes na formação de
múltiplas formas. O que faz a diferença não são
os aplicativos em si, mas estarem nas mãos de
cidadãos para o século XXI e a Educação de
educadores, gestores e estudantes com uma Jovens e Adultos precisa se aproximar dessa
mente aberta e criativa, capaz de encantar, de nova realidade, a partir de uma dinâmica que
fazer sonhar, de inspirar. (MORAN, 2018, p.9). possibilite a inclusão sociodigital.
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cresceram na era digital, mas com o tempo fase, nova de muitas maneiras, na história da
de utilização, pode parecer bem simples, até modernidade (BAUMAN, 2018, p. 18).
mesmo para quem não se considere habilidoso Neste momento histórico no qual as ins-
com as tecnologias neste novo mundo digi- tituições, ideias e relações entre as pessoas
talmente conectado. A título de exemplo, no mudam de maneira acelerada e imprevisível,
livro Letramento Digital, os autores Dudeney, tudo é temporário. Nesse sentido, o líquido
Hockly e Pegrum (2016, p.20) ao explicar o para esse autor aparece como uma metáfora da
que são aplicativos ou apps, apresentam como: modernidade e os líquidos são caracterizados
“Pedacinhos de software baixados da internet”. pela incapacidade de manter a forma, ou seja,
Como autores diversos estão se apropriando da as transformações precisam ser adaptáveis
linguagem que, antes, era específica de progra- para se moldar à realidade contemporânea. A
madores digitais, agora estes estão trazendo modernidade da EJA precisa de educandos e
novas formas de interpretação e compreensão educadores atuantes, com visão crítica de futu-
para facilitar, no sentido de simplificar, o enten- ro, rumo as transformações, as novas formas de
dimento dessa linguagem em outras áreas do ensinar e aprender, articulados às tecnologias,
conhecimento. em consonância com o que há de novo no âm-
Knobel e Lankshear (2012) refletiram sobre bito da educação e que seja verdadeiramente
a mudança paradigmática que vivemos atual- significativo para o aprendiz.
mente e sua relação com a educação. A descri-
ção de paradigmas tem valor explicativo e não
é absoluta. Há uma variação gradativa entre ca- TECNOLOGIAS DIGITAIS: UMA
racterísticas específicas de pessoas, contextos VIA DE INSERÇÃO SOCIAL PARA
e sociedades e as tendências gerais utilizadas ESTUDANTES DA EJA
para o entendimento de determinado paradig-
ma. Nessa acepção, o conhecimento torna-se A escola precisa ser percebida culturalmen-
cada vez mais descentralizado e aberto, uma te como um direito, especialmente para os
vez que não só instituições tradicionais, como estudantes da EJA, sujeitos cujas vulnerabili-
a escola, como qualquer pessoa pode produzir dades não permitiram ter acesso a ensino de
e distribuir os conteúdos, as informações, uti- qualidade que é um direito de todo cidadão.
lizando as plataformas digitais. Entendemos que as tecnologias digitais na
O sociólogo e filósofo Zygmunt Bauman atualidade estão relacionadas à qualidade do
(2018), em seu livro, A Modernidade Líquida, ensino porque, além de estarem interligadas
definiu o comportamento na atualidade, na era diretamente a inovação no âmbito pedagógico
digital, descrevendo sobre a fragilidade das de qualquer nível de ensino, promovem tam-
relações sociais, do modo de vida, da economia bém a justiça social, uma vez que incluem os
e da produção como tendo a característica de estudantes jovens e adultos na educação da
serem líquidos. era digital, contribuindo, assim, para atenuar
Os fluidos se movem facilmente. Eles “fluem”, as desigualdades sociais.
“escorrem”, “esvaem-se”, “respingam”, “transbor- Diante do exposto, é possível validar as tec-
dam”, “vazam”, “inundam”, “borrifam”, “pingam”; nologias digitais como instrumentos de justiça
são “filtrados”, “destilados”; diferentemente dos social. Vale ressaltar que a qualidade do ensino
sólidos, não são facilmente contidos — contor- não é mérito apenas do uso das tecnologias
nam certos obstáculos, dissolvem outros e inva-
alinhadas às práticas pedagógicas, no entanto,
dem ou inundam seu caminho. Na Modernidade
Líquida essas são razões para considerar “flui- se essas ferramentas forem utilizadas de forma
dez” ou “liquidez” como metáforas adequadas adequada, pode potencializar a aprendizagem.
quando queremos captar a natureza da presente Para Souza (2016, p. 301): “A transformação e
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Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 156-169, jan./jun. 2023 169
REVISTA INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS
Artigos em
Fluxo Contínuo
José Ronaldo Silva dos Santos; Tenório Batista Lima Sobrinho
RESUMO
No Brasil, a negação da educação escolar para as classes populares-classe
trabalhadora- vem se constituindo como o modus operandi das elites em manter
o controle hegemônico das massas, ora negando a escola, ou mesmo quando
esta é oferecida de forma precária, que acaba fatalmente contribuindo para este
deserto educacional que assola o país com índices de analfabetismo funcional
e absoluto que ainda persistem. Este analfabetismo concentrado em grande
medida em pessoas jovens e adultas, vem sendo sustentado pela ausência de uma
efetiva política pública de oferta da educação básica na idade adequada, e quando
isso não ocorre o que resta é uma grande massa de trabalhadores desprovidos
de conhecimentos técnico-científicos, quando muito, lhes restam os programas
de EJA, como mecanismos de compensação. Esta condição de negação de uma
educação de qualidade para os trabalhadores apenas reforça o abismo que existe
entre as classes sociais em disputa, quando interessa para as elites brancas,
patriarcais, escravocratas, empresariais, aparelhadas no estado, o controle das
massas através da educação. Considerando que o estado patriarcal e burguês
está para atender os interesses das elites e tendo em vista que a educação para
emancipação dos trabalhadores será fruto da luta dos próprios trabalhadores,
é preciso forjar novas formas de lutas, e entender que a educação é a pedra
fundamental de qualquer mudança mais significativa. É nesta perspectiva que
o presente artigo vem trazer provocações ao leitor acerca destes processos de
dominação histórica através da educação. De outro modo consideramos que só
com educação de base, de qualidade e na idade certa, somados a um processo
massivo de alfabetização se constituirá como determinante neste processo de
mudanças e inserção educacional.
Palavras chave: Educação básica - Analfabetismo - Educação de Jovens e Adultos.
* Pedagogo, Especialista em EJA, Mestre em Ensino pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia(UESB)
professor da Educação básica na Rede Municipal de Vitória da Conquista e Coordenador Pedagógico na Rede
Estadual da Bahia. E-mail: ronnybaiano84@yahoo.com.br
** Graduado em História, pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e professor da Educação básica
na Rede Municipal de Vitória da Conquista e Rede Estadual da Bahia. E-mail: tenorioblima@gmail.com
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 171-187, jan./jun. 2023 171
Escola, educação básica e analfabetismo estrutural no Brasil a negação da escola aos trabalhadores
abstract
SCHOOL, BASIC EDUCATION AND STRUCTURAL ILLITERACY IN BRAZIL
DENIAL OF SCHOOL TO WORKERS
In Brazil, the denial of school education to the popular classes - working class -
has become the modus operandi of the elites in maintaining hegemonic control of
the masses, sometimes denying school, or even when it is offered in a precarious
way, which ends up fatally contributing to this educational desert that plagues
the country with levels of functional and absolute illiteracy that still persist.
This illiteracy, largely concentrated among young people and adults, has been
sustained by the absence of an effective public policy to offer basic education
at the appropriate age, and when this does not occur, what remains is a large
mass of workers devoid of technical knowledge. scientific experts, at best, are
left with EJA programs as compensation mechanisms. This condition of denial of
quality education for workers only reinforces the abyss that exists between the
social classes in dispute, when it is in the interest of the white, patriarchal, slave-
owning, business elites, equipped in the state, to control the masses through
education. Considering that the patriarchal and bourgeois state is to serve the
interests of the elites and considering that education for the emancipation
of workers will be the result of the struggle of the workers themselves, it is
necessary to forge new forms of struggles, and understand that education is
the cornerstone of any more significant changes. It is from this perspective that
this article brings provocations to the reader about these processes of historical
domination through education. Otherwise, we consider that only basic, quality
education at the right age, combined with a massive literacy process, will be
decisive in this process of change and educational insertion.
Keywords: Basic education - Illiteracy - Youth and Adult Education.
RESUMen
ESCUELA, EDUCACIÓN BÁSICA Y ANALFABETISMO ESTRUCTURAL EN
BRASIL: NEGACIÓN DE ESCUELA A TRABAJADORES
En Brasil, la negación de la educación escolar a las clases populares -clase
trabajadora- se ha convertido en el modus operandi de las elites para mantener
el control hegemónico de las masas, negando a veces la escuela, o incluso cuando
se ofrece de forma precaria, lo que termina por contribuyendo fatalmente a este
desierto educativo que azota al país con niveles de analfabetismo funcional y
absoluto que aún persisten. Este analfabetismo, concentrado en gran medida
entre jóvenes y adultos, se ha sostenido por la ausencia de una política pública
efectiva para ofrecer educación básica en las edades adecuadas, y cuando esto
no ocurre, lo que queda es una gran masa de trabajadores desprovistos de
conocimientos técnicos. ... Los expertos científicos, en el mejor de los casos,
se quedan con los programas EJA como mecanismos de compensación. Esta
condición de negación de una educación de calidad a los trabajadores no hace
más que reforzar el abismo que existe entre las clases sociales en disputa, cuando
a las élites empresariales blancas, patriarcales, esclavistas, equipadas en el
Estado, les interesa controlar a las masas. a través de la educación. Considerando
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que el Estado patriarcal y burgués está al servicio de los intereses de las elites
y considerando que la educación para la emancipación de los trabajadores será
el resultado de la lucha de los propios trabajadores, es necesario forjar nuevas
formas de lucha y entender que la educación es la piedra angular de cualquier
cambio más significativo. Es desde esta perspectiva que este artículo trae
provocaciones al lector sobre estos procesos de dominación histórica a través
de la educación. De lo contrario, consideramos que sólo una educación básica,
de calidad y a la edad adecuada, combinada con un proceso de alfabetización
masiva, será decisiva en este proceso de cambio e inserción educativa.
Palabras clave: Educación básica - Analfabetismo - Educación de jóvenes y
adultos.
Introdução
A presente estudo tem no analfabetismo seu como uma necessidade de avançar nos estudos
objeto de investigação e problematização, e investigação de um tema tão complexo na
este entendido como “condição daqueles que historiografia educacional brasileira.
não sabem ler ou escrever” (RIBEIRO, 2010), Assim, dizemos que “existe uma necessidade
considerado historicamente e preconceituosa- de formação omnilateral, que entenda a edu-
mente como um dos entraves aos sujeitos no cação como meio para a autonomia e para o
seu processo de emancipação, em um mundo desenvolvimento das amplas massas, a fim de
em que o conhecimento se constitui como ca- possibilitar a elevação do nível de consciência
pital cultural essencial para o desenvolvimento (consciência de classe em si e para si) ... (TIT-
da autonomia humana, e como tal, campo de TON (2006,11). E nesta perspectiva é preciso
disputa na luta de classes, quando as elites pensar em processos educativos emancipató-
econômicas, têm como objetivo principal, a rios que vise a construção de um mundo mais
manutenção dos seus privilégios através do justo e igualitário para todos, inclusive para
monopólio da educação, do controle do saber aqueles que não tiveram acesso à educação.
como mecanismo de dependência da classe Em função disso levantamos a hipótese de
trabalhadora. que o analfabetismo vendo sendo uma cons-
O desafio de fazer este estudo acerca da trução arquitetada pelas elites do Brasil, que
construção histórica e programada do analfa- contribui para a não elevação de consciência
betismo no Brasil, em épocas distintas e com dos sujeitos, corroborando ao processo de do-
problemas tão variados apenas nos mostra minação e alienação ideológica, condicionante
como este perpassou ao longo de cinco sécu- para a manipulação das massas, ao projeto
los, como uma política de controle social, uma hegemônico do capital. O analfabetismo é uma
barreira a ser superada, se constituindo como verdadeira arma de guerra na luta de classes
um dos principais dilemas do povo brasileiro, para perpetrar a desigualdade social e evitar
na luta pela construção da dignidade humana a emancipação dos sujeitos mediante a sua
com direito e acesso à educação formal. pauperização e dependência desenvolvidos
O objeto de investigação acompanha a tra- por um processo contínuo de expropriações.
jetória de vida profissional dos autores, espe- Diante disso, propomos que no Brasil se
cialmente no campo da docência e na pesquisa, construiu a divisão do trabalho, mediada en-
uma vez que ao lidarem com o público jovem e tre outros motivos, pelo acesso à educação,
adultos a partir de turmas de EJA, em realida- onde a ascensão social das camadas médias
des distintas e precarizadas, a pesquisa emerge e inferiores está condicionada a qualidade da
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Escola, educação básica e analfabetismo estrutural no Brasil a negação da escola aos trabalhadores
educação disponibilizada a cada fração social, dada realidade, oriundos da classe trabalha-
e que a política educacional é o fator primor- dora, se inserem neste universo de exclusões
dial para os antagonismos sociais, onde a EJA, onde o acesso a educação vem sendo um fator
enquanto política educacional de Estado, na de exclusão e dominação social, sendo um ver-
perspectiva da dominação, acaba sendo uma dadeiro privilégio das elites.
ferramenta para efetivação e manutenção das
desigualdades sociais. O analfabetismo estrutural
Portanto, consideramos que a educação de
Jovens e Adultos(EJA), prevista no Art. 37 da Lei no Brasil e sua construção
9394/96, como modalidade de ensino, ainda histórica
não se tornou uma política pública efetiva, que
O analfabetismo é estrutural no Brasil, por ser
viesse a contribuir com o processo de emanci-
uma arquitetura estrategicamente elaborada
pação e construção de soberania da sociedade,
no intuito de contenção das massas ao acesso
ao contrário, a mesma sempre se constituiu
à educação, e quando esta possibilidade de
como programas de governos e não políticas de
inclusão a partir da EJA ocorre, vem por vezes
estado, sendo um campo cheio de deficiências
permeada de concepções sociais discrimina-
de operacionalização e implicações.
tórias e assistencialistas, quando por outro
É preciso também perceber a educação de
lado existe o monopólio de uma educação dita
jovens e adultos dentro de uma leitura sócio
erudita e letrada para a classe dominante.
histórica, fazendo um paralelo à própria cons-
O analfabetismo precisa ser entendido a
trução do modelo de educação e do fenômeno
partir de sua própria lógica estrutural, sendo
do analfabetismo e como este vem ao longo
dos tempos sendo construído nas classes ex- um produto da precariedade da educação bási-
ploradas deste país e isso exigirá do atento ca, com suas primeiras formas de organização
leitor, uma leitura aprofundada dos processos ainda no período colonial, a partir da educação
dominadores de controle social a partir de jesuítica, considerada a pedra fundamental
legislações e da construção de estigmas que a da educação brasileira. Este mesmo analfa-
língua brasileira instalou no Brasil dando sen- betismo perpassou pela Primeira República,
tido a marginalização da classe trabalhadora, continuando no Estado Novo, pela Ditadura
ora por falta de acesso ao conhecimento dito civil-militar e permanece no contexto atual do
formal e sistematizado, ora por falta de respeito neoliberalismo brasileiro, onde as políticas de
às diferenciações regionais no que se refere a educação de maneira geral vem sofrendo forte
construção de uma linguagem nacional que revés a partir do golpe Civil-midiático e empre-
leve em conta as suas diferenciações e as suas sarial em 2016, que vai impor uma agenda de
especificidades. retrocessos na educação.
Neste sentido, o artigo ora exposto, pretende O analfabetismo não é um fenômeno natural,
trazer uma abordagem socio-histórica da edu- ao contrário, ele está vinculado aos processos
cação no Brasil, com foco especial no educação históricos de negação e precarização da educa-
de jovens e adultos, a partir de uma perspectiva ção para a classe trabalhadora do país, seja ela
histórica e dialética destes processos sociais do campo ou da cidade. O estado por sua vez,
e históricos de exclusão social, e fundamen- quando é de seu interesse, ou quando existe al-
talmente da discriminação categórica através gum tipo de pressão social, utiliza-se de frágeis
da linguagem formal e dita culta. Desta forma, mecanismos de reparação sócio-educacional,
eis o desafio de problematizar como se dá à baseados em programas, que na atualidade
construção dos processos de exclusão através marcam as tímidas ações na oferta de educação
da linguagem formal e como os sujeitos de uma para pessoas jovens e adultas.
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A história educacional brasileira, denuncia cação jesuítica até os dias atuais com a BNCC
que educação de jovens e adultos, vem sendo e o surgimento da modalidade da educação
marcada por duas questões fundamentais: A para jovens e adultos. A história registra que
primeira se refere à carga de preconceitos, no Brasil Colônia não houve uma tentativa séria
estigmas e atitudes desenvolvidas para cons- de promover um acordo político e social que
tituírem a sedimentação de uma hierarquia complementasse a formação do Estado Nacio-
social acerca dos sujeitos, marginalizando e nal tendo como base um projeto educacional
oprimindo parcelas gigantescas da sociedade para seu povo, até porque durante esse período
com o fito de atender um sistema social injusto não havia uma concepção de povo, pátria ou
e desigual onde o conhecimento socialmente nacionalidade, mas sim uma relação de explo-
construído não está acessível à população de ração comercial que legava à educação letrada
maneira geral como estratégia das elites para um papel meramente burocrático no interesse
manter o controle social. Uma segunda carac- de controle da metrópole sobre a colônia.
terística deste processo, é a fragmentação e Neste período, o modelo econômico, extra-
existência de programas, ao invés de políticas tivista, latifundiário e escravocrata, não exigia
públicas permanentes, sem uma intenção mão-de-obra qualificada. Tampouco havia
maior de ir a fundo nos problemas educacio- necessidade de formação de competentes
nais do país, oferecendo uma educação básica exércitos para defesa ou para conquista. Por
instrumentalizada e acrítica para à população sua origem colonial Portuguesa, não foi in-
e uma educação erudita para as camadas diri- fluenciada pelas revoluções liberais do século
gentes e médias, mantendo a tradição jesuítica XVIII. A educação aqui chegada, trazida pelos
da educação no Brasil:(ROMANELLI, 2010). jesuítas, não pretendeu sequer se ocupar da
“... os padres acabaram ministrando, em princí- competência da população em geral. Funda-
pio, educação elementar para a população índia mentalmente era uma educação distante de
e branca em geral (salvo as mulheres), educação imprimir maiores qualidades culturais, sociais
média para os homens da classe dominante, para e políticas à nova terra descoberta, ao contrário
a qual continuou nos colégios preparando-se
do desenvolvimento artístico e cultural que já
para o ingresso na classe sacerdotal, e educação
superior religiosa só para esta última. A parte se tinha na Europa no período. Aqui no Brasil
da população escolar que não seguia a carreira Colônia, por sua vez, a educação visava atender
eclesiástica encaminhava-se para Europa, a fim aos interesses da aristocracia rural colonial e
de completar os estudos, principalmente na uma das funções importantes era, através do
Universidade de Coimbra, de onde deveriam monopólio da educação letrada, a constituição
voltar letrados.” (ROMANELLI, 2020).
da distinção social do homem branco coloni-
Desde os Jesuítas, percebe-se que a educa- zador portador de “alta cultura” dos demais
ção no país vem se dando de forma desigual e setores explorados: indígenas, africanos escra-
excludente, como componente do processo de vizados, agregados e mestiços
divisão das classes sociais. Esta análise coadu- “O ensino que os padres jesuítas ministravam
na com a fala de Di Pierro (2007), quando diz eram completamente alheios à realidade da
que “a situação da alfabetização ao longo da vida da Colônia. Desinteressado, destinado a dar
história da humanidade se dá de forma desigual cultura geral básica, sem a preocupação de quali-
variando assim de região para região, isto é, ficar para o trabalho, uniforme e neutro (...), não
podia, por isso mesmo, contribuir para modifi-
uma necessidade heterogênea do ponto de vis-
cações estruturais na vida social e econômica do
ta da oferta e da lógica de organização social”. Brasil, na época. Por outro lado, a instrução em si
Ainda segundo Di Pierro (2007) faz-se ne- não representava grande coisa na construção da
cessário uma referência às iniciativas ocorridas sociedade nascente. As atividades de produção
no Brasil desde a primeira experiência de edu- não exigiam preparo, quer do ponto de vista de
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Escola, educação básica e analfabetismo estrutural no Brasil a negação da escola aos trabalhadores
sua administração, quer do ponto de vista da “As condições objetivas que portanto favore-
mão de obra. O ensino, assim, foi conservado à ceram essa ação educativa foram, de um lado,
margem, sem utilidade prática visível para uma a organização social e, de outro, o conteúdo
economia fundada na agricultura rudimentar e cultural que foi transportado para a Colônia,
no trabalho escravo. (ROMANELLI, 2010) através da formação mesma dos padres da Com-
panhia de Jesus. A primeira condição consistia
Contudo era uma educação que atendia na predominância de uma minoria de donos de
aos interesses extrativistas e coloniais da me- terras e senhores de engenho sobre uma massa
trópole portuguesa enquanto uma educação de agregados e escravos. Apenas àqueles cabia o
eurocêntrica medieval, aristocrática, erudita direito a educação e, mesmo assim, em número
(escolástica) e acrítica que não criava laços dos restrito, porquanto deveriam estar excluídos
dessa minoria as mulheres e os filhos primo-
sujeitos ao território de onde ele reproduz a
gênitos, aos quais se reservava a direção futura
sua existência material. A obediência cega à fé dos negócios paternos. Destarte, a escola era
cristã ensinada pelos jesuítas nas suas escolas frequentada somente pelos filhos homens que
dava o tom da obediência aos interesses extra- não os primogênitos. Esses recebiam apenas,
tivistas do mercantilismo metropolitano que além de uma rudimentar educação escolar, a
visava a reprodução das relações de dominação preparação para assumir a direção do clã, da
família e dos negócios, no futuro. Era, portanto,
e de facilitação do processo de acumulação de
a um limitado grupo de pessoas pertencentes à
capital por meio do trabalho escravo na plan- classe dominante que estava destinada a educa-
tation realizado no Novo Mundo. Esse modelo ção escolarizada.” (ROMANELLI, 2010)
por parte da Igreja visualizava, sobretudo, a
No entanto, as ações dos jesuítas também
formação de uma nova geração católica e sua
não foram muito tranquilas aqui na nova colô-
provável atuação como multiplicadores junto
nia achada, pois os senhores de terras temiam
aos novos povos integrados violentamente à
que a Companhia se tornasse um “Estado
esfera cultural do cristianismo judaico-cristão
dentro do Estado” e atrapalhasse o interesse
Ocidental no contexto da Contrarreforma.
dos proprietários em monopolizar a mão de
Assim a educação jesuítica tinha como
obra escrava indígena. O Marquês de Pombal,
objetivos:
ministro português, símbolo do Absolutismo
“... o recrutamento de fiéis e servidores. Ambos Monárquico da nova metrópole, promoveu
atingidos pela ação educadora. A catequese
assegurou a conversão da população indígena e
a expulsão dos Jesuítas de suas colônias em
foi levada a cabo mediante a criação de escolas 1759, e com a saída deles extinguia-se também
elementares para os “curumins” e de núcleos o único sistema de educação vigente até então
missionários no interior das aldeias indígenas. no Brasil Colônia, que era a única forma de
A educação que se dava aos “curumins” esten- acesso da população à educação formal e orga-
dia-se aos filhos dos colonos, o que garantia a nizada dentro de uma lógica de aprendizagem.
evangelização destes. (...) Quanto aos servidores
“No período imperial, a despeito de uma
da ordem estes deveriam ser preparados para
o exercício do sacerdócio e foi principalmente série de debates acerca da adoção de políticas
para que se fundaram os colégios, onde se pas- que possibilitassem estruturar a educação na-
sou a ministrar o ensino das ciências humanas, cional, que não aconteceu. Proclamou-se muito
as letras e as ciências teológicas (...).(ROMA- a importância da inserção das ditas “camadas
NELLI, 2010) inferiores” – homens e mulheres pobres livres,
Em decorrência dessa prática pedagógica, as negras e negros escravos livres e libertos -,
primeiras ações de educação promovida pelos no sistema formal de ensino, sem, entretanto,
jesuítas na população adulta - o ensino do ler e viabilizar-se uma ação efetiva nesse sentido.
do escrever - era destinada aos filhos homens A instrução popular, longe de se constituir um
da aristocracia rural visando torná-los eruditos direito, realizou-se de forma precária e impro-
para a manutenção do establishment colonial: visada tendo a filantropia como uma grande
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José Ronaldo Silva dos Santos; Tenório Batista Lima Sobrinho
aliada, à proporção que se dava a partir de asso- do analfabeto, foi incorporada à carta consti-
ciações de intelectuais, redes de aprendizagens tucional de 1881, esta por sua vez sendo parte
informais, práticas de leitura e de escrita entre integrante da nova constituição.
as quais os escravos também se inserem nestes A partir daí o critério de renda anteriormen-
processos. (Di Pierro (2007, pág.20). te exigido como requisito para o alistamento
Todavia, só com a criação, no período, do ato de eleitores foi substituído pelo de domínio da
adicional, conferiu-se às Províncias o direito de leitura e da escrita, evidenciando, não só, a ins-
legislar sobre a instrução pública, no entanto, trução como um meio de ascender socialmente,
este ato foi omisso quanto à educação popu- como também, modificando a concepção acerca
lar. Até porque no período imperial a grande do analfabeto, que naquela conjuntura era visto
maioria da população vivia e trabalhava no como uma pessoa atrasada, incapaz, ignorante,
campo, sendo submetida a oligarquia rural, e incompetente e imputável. Até porque, por
esta foi ensinada que a instrução formal e eru- ocasião da proclamação da República, o Brasil
dita não era condição para a ascensão social e possuía cerca de 14 milhões de habitantes e
de desenvolvimento material do indivíduo na destes, 85% se constituía de analfabetos dis-
sociedade colonial. tribuídos entre negros, indígenas, mestiços e
Contudo, observando a educação de jovens brancos, pobres e agregados ao grande latifún-
e adultos no Brasil dentro de uma perspectiva dio. Os adultos considerados letrados tinham
histórica, podemos perceber que esta vem em média 04 (quatro) anos de estudos. Tais
sendo marcada fundamentalmente pela divisão dados expressavam uma realidade que causava
das classes sociais e pela própria segregação vergonha à sociedade intelectualizada, princi-
racial e social existente na sociedade brasileira. palmente em relação a outros Países do mundo.
Podemos verificar que foi no final do século “De igual modo, quando da abolição da es-
XIX que ocorreram as transformações mais cravatura apenas 0,9% dos libertos eram
importantes do Brasil: A decadência do regime alfabetizados. E, tanto a abolição quanto a Re-
escravocrata com a substituição da mão-de-o- pública, sintomas de uma mesma realidade, só
bra escrava pela assalariada; introdução de se tornaram viáveis, quando as forças sociais
inovações técnicas nos principais setores da em que estava assentado o sistema de domi-
nação se deslocaram da velha oligarquia rural
economia; aperfeiçoamento dos métodos de
para a emergente burguesia agrária cafeeira.
trabalhos entre outras, propiciaram mudanças
Talvez ou até por isso mesmo, uma e outra não
mais significativas do ponto de vista da geração propiciaram uma ruptura com a reprodução
de novos interesses principalmente da classe da ideologia das relações de dominação, pos-
mais rica e detentora dos meios de produção sibilitando assim, as condições de reprodução
e das riquezas existentes no país. de igual ideologia, indispensável à submissão
As mudanças econômicas e sociais acaba- da numerosa classe trabalhadora, às condições
ram no decorrer dos tempos gerando novos de trabalho livremente explorado”. (ALENCAR,
CARPI e RIBEIRO; 1986).
interesses e reivindicações. As cidades cres-
ciam e as camadas médias urbanas começavam Neste sentido, fazer um paralelo do analfa-
a ganhar alguma representação social. Foram betismo como um problema social, fruto das
essas camadas que contestaram o sistema mazelas do atendimento público em educação,
eleitoral, exigindo o fim das eleições indiretas em especial a Educação de Pessoas Jovens e
e censitárias. Nas eleições de 1876 somente Adultas, nos remete a perceber a negação da
0,25% da população votante possuía o segundo educação como um fator de exclusão, dado o
grau. A Lei Saraiva em 1881, que reformou o próprio desenvolvimento social. Não tenhamos
sistema eleitoral atendendo parcialmente às também a ilusão de que a educação irá resolver
reivindicações. Essa Lei, que restringia o voto todos os problemas do país, mas certamente a
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Escola, educação básica e analfabetismo estrutural no Brasil a negação da escola aos trabalhadores
negação da mesma vem se constituindo como com aquilo que foi determinado pela Lei de
uma trava neste desenvolvimento, que é de- Emancipação, em 1881, com a criação da Lei
terminado nos dias atuais em grande medida Saraiva, que excluía a população analfabeta do
pela condição socioeconômica dos sujeitos na direito do exercício do voto.
sociedade. Ao longo dos tempos, a existência de Este foi um período de grandes contesta-
uma classe desprovida destes meios formais de ções, mas o fato é que neste período ficava mais
educação criou uma massa crédula propícia a claro o lugar dos analfabetos na sociedade e
ser manipulada a aceitar a sua condição social o papel que deveriam desempenhar os ditos
como algo ontológico ao seu ser, de que sua letrados, ou alfabetizados. Este período marca
condição social é inerente à sua natureza. a exclusão social de grande parcela da popu-
Segundo Di Pierro (2007) “os livros só come- lação a um direito público e humano, que é a
çaram a ser impressos oficialmente no Brasil educação, uma vez que neste período mais da
a partir do ano de 1808, com a transferência metade da população ainda era analfabeta. Se-
da sede da coroa para o Brasil, bibliotecas e gundo censo demográfico brasileiro realizado
livrarias eram raras e estavam concentradas em 1872, durante o período colonial, aponta
em espaços urbanos. Uma vez que a maior que o índice de analfabetismo no Brasil nesta
parte da população morava em grandes pro- época já era de 80,2% da população entre os
priedades rurais”. Este foi um período onde homens e de 88,5% entre as mulheres.
fundamentalmente a utilização da escrita era Neste momento de nossa história, embora
de uso reduzido, a apenas alguns grupos mais o analfabetismo não fosse uma mazela apenas
letrados da sociedade, ficando a comunicação dos pobres e oprimidos da sociedade, este tinha
entre as pessoas mais vinculada apenas na mais impacto no meio social daqueles que nada
oralidade, no sentido mais natural do termo. tinham em termos econômicos. O acesso aos
Curiosamente, a condição de analfabetismo, poucos meios educacionais naquele momento
não retirou do poder as camadas proprietárias e era bem desigual, restrito aos senhores de es-
dominantes da época, tornando-o um elemento cravos, em especial aos seus respectivos filhos.
secundário dentro da cultura letrada brasileira, Por outro lado, aos pretos, índios, mestiços e
ou seja, neste período era normal ser coronel brancos, pobres agregados aos senhores da
ou senhor de escravos e ser analfabeto. Neste aristocracia, a oferta educacional que se tinha
momento histórico, o analfabetismo esteve era bem diferente da educação oferecida às
presente, embora de forma desigual em todas classes dominantes e médias, sendo que mes-
as camadas da sociedade, entre pobres e ricos, mo muitos dos senhores sendo analfabetos, não
brancos e negros, mulheres e homens, etc. Só perdiam seus “direitos políticos” e mantinham
em 1827, ano de criação da primeira lei geral de o privilégio de escolarização dos filhos em ci-
instrução pública, a população brasileira na sua dades centrais ou mesmo fora do país.
grande maioria ainda continua sem saber ler e
escrever. Este período é marcado pelo fato de
saber ler e escrever, começa a ser associado ao Os “deseducados” e o
estereótipo de sociedade refinada e culta, haja analfabetismo como
vista que com a criação da Lei de Emancipação instrumento de controle social
de 1871, determina-se entre outras coisas, que
dos trabalhadores
os senhores de escravos, mandem ensinar a ler
e escrever á todas a crianças do Império, porém As condições educacionais da população pobre
não se contava dez casas onde esta imposição e que vive do trabalho no Brasil, nunca foi das
era atendida, ou seja, o povo não foi alfabeti- melhores, até mesmo por que não interessava
zado. Vale salientar que tudo isso corrobora ao poder dominante da época, que escravos, ín-
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dios, negros ou mesmos imigrantes - a partir de vimento e que leva a nação à subalternidade.
um dado momento histórico - tivessem acesso Sem dúvida, esta visão se constitui como uma
á educação. O campo brasileiro por exemplo, visão depreciativa da sociedade, ainda mais
vem sendo marcado historicamente pela au- por ser um período onde ser analfabeto era ter
sência e negação da educação, ao passo que os que enfrentar todos os tipos de preconceitos
processos de exploração tendem a aumentar possíveis, e onde se caracterizava o analfabeto
para atender o nosso modelo de exportação como alguém incapaz, menor, e que deveria
dependente de commodities. ser guiado pelos mais sábios e letrados. “Os
Só a partir do século XX, já no período da oprimidos de tanto ouvirem falar de si que são
república, é que o analfabetismo vai ser inter- incapazes, que não conseguem nada, que não
pretado como um problema de ordem nacional, podem saber que são enfermos, indolentes, que
entrando na discussão dos intelectuais e dos não produzem virtudes terminam por conven-
grupos políticos. No ano de 1890, mais de 80% cer de sua incapacidade, falam de si como os
da população ainda era composta por pessoas que não sabem os incapazes”. (FREIRE,1991.
analfabetas, o que constituía uma situação Pág. 56).
de constrangimento do país em detrimento a “A concepção, na melhor das hipóteses, ingê-
outras nações mais adiantadas em relação ao nua do analfabetismo o encara ora como uma
nível de escolaridade de sua população. “erva daninha” – daí a expressão corrente: “er-
“Só a partir das primeiras décadas do século XX é radicação do analfabetismo” –, ora como uma
que alguns grupos ligados à escola nova e alguns “enfermidade” que passa de um a outro, quase
intelectuais vão pontuar de forma mais precisa a por contágio, ora como uma “chaga” deprimen-
necessidade de se pensar em estratégias de solu- te a ser “curada” e cujos índices, estampados
cionar este problema de “vergonha nacional”, do nas estatísticas de organismos internacionais,
Brasil. Neste período então vão surgir algumas dizem mal dos níveis de “civilização” de certas
experiências isoladas de alfabetização, como sociedades. Mais ainda, o analfabetismo aparece
por exemplo, A Liga Brasileira Contra o Anal- também, nesta visão ingênua ou astuta, como a
fabetismo que pretendia se caracterizar como manifestação da “incapacidade” do povo, de sua
um movimento tenaz de combate a ignorância, “pouca inteligência”, de sua “proverbial pregui-
visando a grandeza e a instabilidade das insti- ça”. (FREIRE, 2001, p. 15).
tuições republicanas”. (DI PIERRO 2007, p.40).
Certamente, toda a carga de preconceitos
Este foi um momento na história educacio- acerca dos sujeitos analfabetos, faz parte do
nal brasileira, talvez impulsionado pela Liga projeto político das elites econômicas, que
Brasileira Contra o Analfabetismo(LBCA), visam submeter as massas por intermédio do
fundada em 1915, inspirada em sentimentos controle da qualidade e do acesso a uma edu-
nacionalistas e cívicos, composta por atores cação crítica. Haja vista que somente em mea-
diversos da sociedade brasileira, indo de mé- dos do século XX, a intelectualidade brasileira
dicos a intelectuais, e tinham como missão o veio entender o papel da educação como parte
combate ao anlafabetismo, em que se debateu fundamental para o desenvolvimento huma-
a necessidade de sua superação por meio da no e certamente para o desenvolvimento das
disseminação da educação em todos os recan- potencialidades do país, mas essa percepção
tos, tendo encerrado suas atividades em 1940, não se espelhava no projeto de dominação das
após o Governo de Getúlio Vargas decretar a frações hegemônicas que tem no monopólio
educação primária como obrigatória no país. do acesso à educação um dos principais meios
Naquele momento histórico, dado os olhares para o controle da sociedade brasileira. Isso fica
preconceituosos que já se tinham construído mais claro quando analisamos a estigmatiza-
contra os sujeitos não alfabetizados, a falta de ção do conceito de analfabeto no dicionário de
educação é tida como um entrave ao desenvol- sinônimos e antônimos:
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Escola, educação básica e analfabetismo estrutural no Brasil a negação da escola aos trabalhadores
“O analfabeto era tido como alguém dependente dominantes para aumentar a expropriação e
do outro ser letrado, alguém que era tido como garantir uma maior acumulação de capital a
uma criança, incapaz e sem a possibilidade de partir da docilização das mentes das frações
assumir responsabilidades perante a socieda-
de. Ser analfabeto a grosso modo era ser um
subalternas.
problema social um zero a esquerda, um fardo A partir dos anos 30, muitas mudanças
a ser carregado pela sociedade. Dicionário de ocorreram no cenário mundial, tivemos uma
Antônimos e Sinônimos, lista como sinônimos de rápida ascensão do capitalismo no Brasil e com
analfabeto os termos ignorantes, estúpido, bo- isto muitas alterações no plano da educação
çal, bronco, sem qualquer referência à condição vão ocorrer, dando lugar a nova lógica de or-
de não saber ler e escrever, e dá como antônimos
simplesmente os termos culto e polido, sem
ganização social. Este foi também um período
qualquer menção a alfabetizado ou a capacidade marcado pela primeira guerra mundial onde
de ler e escrever”. (FERNANDES, 1957). a indústria nacional deu um expressivo salto
por causa do processo de substituição das
A falta de acesso à leitura e a escrita sobre-
importações - produção no país, dos produtos
punham sobre os indivíduos a culpa estigma-
industrializados impossíveis de serem impor-
tizante pela sua ignorância e incapacidade de
tados naquele período.
se integrar ao mundo letrado, dando ao sujeito
“iletrado” a falsa noção - a falsa noção ideológi- “A alfabetização de jovens e adultos que na sua
perspectiva universal é considerada como eixo
ca - de ser ele o responsável pela sua condição.
de desenvolvimento cultural e contemporâneo,
O sistema público de educação, apesar de já onde predomina a utilização dos sistemas
existir formalmente, não se responsabilizava grafocentricos, através da leitura e da escrita
- e nem se responsabiliza ainda hoje - pelos e encontram valor inestimável nas sociedades
problemas de não garantir a infraestrutura urbanas e industriais; uma vez que está associa-
da e configurada no desenvolvimento de novas
necessária ao acesso dos jovens e adultos a
tecnologias. Contudo nem todos partilham da
educação, como atestam os dados do período mesma experiência histórica da educação e ne-
de 1940 a 1947, onde 55% da população com cessidade histórica de utilização destes códigos
idade superior a 18 anos eram analfabetas. escritos, ou seja, a da educação nem sempre é
A problemática da falta de escolarização nos uma constante ou se tornou algo necessário na
meios populares, não é um problema do indi- historiografia educacional e social brasileira”.
(SOARES,2003).
víduo, mas sim uma estratégia “um projeto” de
controle social das elites dominantes a partir A nova sociedade brasileira enquanto zona
do Estado e seus aparelhos jurídicos-políti- de influência econômica, acessória e depen-
cos. A visão da intelectualidade e de setores dente do capitalismo, foi obrigada a aceitar a
organizados da sociedade da época era a de tarefa de letramento do trabalhador em um
receio acerca da formação e letramento do certo grau para que este pudesse melhor obe-
povo, temendo estarem formando possíveis decer e operar as novas tecnologias desenvol-
anarquistas ou pessoas perigosas uma vez vidas a partir da II Revolução Industrial. O que
que a capacidade de entender e interpretar a demonstra que a elite burguesa brasileira foi
realidade através do mundo escrito poderia obrigada a oferecer, mesmo de forma precária,
pôr em risco a estabilidade socioeconômica da uma educação instrumental, porém acrítica e
fração dirigente, sendo assim a alfabetização e extremamente ideologizada para as classes
a própria educação era dada de forma regrada subalternizadas. A partir da expansão global
e de caráter acrítico. Essa prática deixa claro do capital-imperialismo este passou a exigir
que a negação e controle da educação de quali- uma mão-de-obra especializada, atribuindo ao
dade para as classes subalternas constitui uma Estado o dever de prover o ensino da imensa
política de Estado e uma estratégia dos grupos classe trabalhadora, de preparar o cidadão
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José Ronaldo Silva dos Santos; Tenório Batista Lima Sobrinho
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Escola, educação básica e analfabetismo estrutural no Brasil a negação da escola aos trabalhadores
desenvolvimento nacional com “inclusão” e o Até aqui tais políticas massificadas, padro-
Brasil chega ao século XXI trazendo em sua ba- nizadas e estrategicamente formuladas, tra-
gagem os piores índices estatísticos. Se junta ao zendo subjacentes a negação das contradições
índice de analfabetismo, o índice dos analfabe- sociais, regionais e da diversidade étnica e
tos funcionais produzidos pela precariedade da cultural existentes, se mostraram ineficien-
educação brasileira oficial e seu baixo nível de tes e ineficazes em sua pretensão proferida
qualidade do ensino. Atualmente mensura-se oficialmente.
a prestação do serviço oficial de educação em Na contramão de tudo isso, o caminho apon-
termos quantitativos e não qualitativos. tado por Paulo Freire assinala com perspectivas
Decorridos mais de quinhentos anos de his- mais favoráveis, porque somente identificando
tória, podemos dizer que o Brasil ainda não tem e reconhecendo os problemas sociais e as espe-
um projeto de educação que possa ser realmente cificidades econômicas e sociais e a diversidade
acessível para todos. A educação no verdadeiro cultural é que se tornam visíveis os potenciais
sentido da palavra, educação para a vida, para existentes para a transformação da realidade,
o desenvolvimento da capacidade crítica, para focalizando a ação dos sujeitos integrados em
a transformação dos indivíduos em cidadãos sua própria cultura.
livres e construtores de sua própria realidade.
Porque o crescimento de uma pessoa passa,
O analfabetismo estrutural
necessariamente, pelo seu desenvolvimento
intelectual. Esse é o bem maior, a maior presta- como uma questão de classe:
ção que a ela o Estado pode oferecer, porque a Quem são os analfabetos no
vida é uma sucessão interminável de escolhas. Brasil?
O homem está sempre se defrontando com a
A distribuição do analfabetismo e dos bai-
necessidade de decidir: por isto ou por aquilo; ir
ou ficar; aceitar ou recusar; transigir ou intran- xos índices de escolarização na população
sigir; parar ou continuar; persistir ou desistir; brasileira apresenta forte correlação com as
ser ou não ser. Os exitosos serão aqueles que condições socioeconômicas, o pertencimento
souberem decidir melhor, entre as várias alter- étnico racial, de gênero, geração e a territo-
nativas que se apresentam cotidianamente. Para
rialidade. Ser adulto, preto ou pardo, viver na
isso, precisarão de conhecimento e inteligência,
fundamentalmente. Confrontando-se a reali- zona rural, pertencendo aos estratos sociais de
dade de hoje com a realidade histórica, não se baixa renda, é uma condição social que amplia
evidencia a existência de uma ruptura na práxis a probabilidade de permanecer no analfabetis-
educacional. (DI PIERRO,2007). mo estrutural.
Ainda enfatiza Di Pierro (2007) que “o inte- De acordo com dados da Pesquisa Nacional
resse do Estado ainda repousa na manutenção por Amostra de Domicílios (IBGE/Pnad, 2019)
do status quo, dispensando à educação sua indi- Contínua Educação, “a taxa de analfabetismo
ferença e indulgência. Ignorando, simplificando no Brasil passou de 6,8%, em 2018, para 6,6%,
e reduzindo a educação dos “excluídos” a um em 2019”, sendo que a mesma pesquisa aponta
problema menor, uma dívida social que deve- que no Brasil, ainda se tem 11 milhões de pes-
ria ser reparada. Por outro lado, as políticas soas na condição de analfabetismo absoluto,
públicas para a educação, nem sempre estive- ou seja, pessoas sem condições de escrever
ram atreladas ao projeto de desenvolvimento ou ler um simples bilhete ou anotação. Ainda
econômico e social do Brasil no contexto do segundo a pesquisa, “o analfabetismo está mais
capital-imperialismo, propalando-se a intenção concentrado entre as pessoas mais velhas, uma
de integrar esse segmento populacional à vida vez que os jovens são mais escolarizados e,
produtiva da nação. portanto, vão registrar indicador menor”.
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Escola, educação básica e analfabetismo estrutural no Brasil a negação da escola aos trabalhadores
As ações de retrocessos, em muito patroci- (expulsas, por razões diversas, de suas terras, ou
nadas pela farsa da operação Lava Jato e seus incapacitadas de manter sua reprodução plena
agentes potencialmente criminosos, possi- através de procedimentos tradicionais, em geral
agrários) permanece e se aprofunda, ao lado
bilitou a chegada do atual grupo político ao de expropriações secundárias, impulsionadas
poder, e no campo da educação básica, umas pelo capital-imperialismo contemporâneo...”
das primeiras medidas deste atual modelo foi (FONTES, 2010)
o fechamento da Secretaria de Educação Con-
A persistência dessa situação ao longo do
tinuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão
tempo e a naturalidade com que a sociedade
(SECADI), órgão criado nas gestões petistas e
e as instituições públicas encaram-na susten-
tinham como finalidade a promoção das políti-
tam-se no imaginário coletivo que concebe o
cas de inclusão escolar, dentre elas a Educação
campo como espaço prosaico e do atraso, isso
de Jovens e Adultos.
se explica pelo processo de alienação pelo tra-
Esta política de retrocesso com o fechamen-
balho produtivo capitalista e pela reprodução
to da SECADI, vai ter forte impacto nas políticas
ideológica justificadora do discurso da divisão
voltadas para as populações do campo, espaço
do trabalho onde existe um trabalho superior,
que historicamente teve o acesso a educação
relacionado com a atividade intelectual, relega-
básica negado, dado que neste a problemática
do às castas superiores e mais desenvolvidas,
do acesso, permanência e qualidade do ensino
e um outro tipo de trabalho dito inferior, por
são ainda piores em relação as cidades, sendo
ser feito de forma prática, manualmente, obe-
que este padrão de negação se explica pela his-
decendo ordens, de forma subalterna, relegado
tórica exclusão socioeconômica e cultural desse aos humanos inferiores.
grupo social: “as múltiplas barreiras de acesso Essa concepção estigmatiza os habitantes
da população do campo à educação escolar de das zonas rurais como matutos, cujo destino
qualidade só podem ser interpretadas como miserável prescinde de uma formação de
parte do quadro mais amplo de exclusão social qualidade, legitimando a violação dos direitos
associado à extrema concentração da proprie- de cidadania materializada na ausência de
dade fundiária, legadas por uma história de políticas e serviços públicos ou em sua oferta
séculos de escravidão, ocupação de territórios insuficiente e inadequada, caracterizando-se
indígenas e predomínio de uma economia como expropriações secundárias necessárias à
agrícola comandada pela monocultura de ex- transformação dos sujeitos do campo “em mera
portação organizada no latifúndio, em outras força de trabalho” (FONTES, 2010).
palavras esse processo de perda das condições Malgrado esse quadro, ao longo da última
de reprodução da vida material condiciona que década, em que o sistema de ensino básico foi
o indivíduo para existir precisa vender o único alvo de uma ampla reforma educacional, não
meio de produção que lhe restou, que é a sua foram formuladas políticas públicas especi-
força de trabalho, foi definido por Marx como ficamente dirigidas à melhoria da educação
sendo um processo de “expropriações” (MARX, escolar no campo de forma qualitativa e nem
Apud FONTES, 2010): pragmática – interpretando o pragmatismo,
“Expandir as relações sociais capitalistas corres- aqui neste contexto, como constituição de uma
pondente, portanto, em primeiro lugar, à expan- infraestrutura para implementação e efetiva-
são das condições que independentemente da ção da regulamentação pública da educação
forma jurídica que venha a recobrir a atividade
do campo.
laboral de tais seres sociais. A expropriação
primária, original, de grandes massas cam- A Constituição Federal de 1988, a Lei de
pesinas ou agrárias, convertidas exasperam a Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394
disponibilidade de trabalhadores para o capital, de 1996 e as Diretrizes Operacionais para a
de boa vontade (atraídas pelas cidades) ou não Educação Básica nas Escolas do Campo apro-
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Escola, educação básica e analfabetismo estrutural no Brasil a negação da escola aos trabalhadores
que se afasta cada vez mais das formas concre- tismo no Brasil, destacando-se a sua trajetória
tas que assumem as relações de produção no e como este foi se constituindo enquanto um
capitalismo monopolista. Deste afastamento projeto de Estado para o controle das massas
resulta a sua força de ilusão e, ao mesmo tempo,
da legitimação das novas formas que assumem
trabalhadoras e um grave problema social para
as relações capitalistas de produção. E é sobre essas últimas, construído pela precariedade
esta ilusão produtiva que se estruturou a polí- do sistema educacional. As mazelas de uma
tica educacional brasileira nas últimas décadas. sociedade iletrada não podem ser consideradas
(FRIGOTTO 1993, p. 135). como um problema banal ou de responsabili-
As palavras acima nos faz problematizar dade dos “iletrados” e se constituem como a
que o sistema educacional brasileiro, tem se expressão concreta da brutal desigualdade e
tornado cada vez mais, um puxadinho dos da divisão social entre as classes.
interesses corporativos dos empresários da Historicamente os que detém o poder eco-
educação, que visam o lucro com a venda de nômico no Brasil - da Colônia aos dias atuais
projetos mirabolantes, e materiais didáticos, - monopolizaram e monopolizam o acesso à
e isso subjuga as nossas possibilidades de educação de qualidade e com isso passaram
construção de um projeto nacional de edu- a deter em grande medida o conhecimento
cação que busque atender os reais interesses socialmente construído. Quanto ao restante
da população, considerando sua dinâmica e da população foi legado uma educação acrítica,
complexidade. Uma educação pensada a partir ideologizada e precarizada ressaltando estig-
da base social na qual é formado o país, com mas de inferioridade (por exemplo: o complexo
toda sua diversidade cultural, e diferenças re- de vira-lata, o matuto, o tabaréu, o favelado,
gionais de formação, uma vez que “dado o seu etc) e se prestando ao serviço de controle da
papel, precisa debruçar sobre os problemas ascensão social no país.
que assolam a sociedade e o desafio aqui, sem A prova desse quadro são as políticas públi-
dúvida, é a construção de propostas concretas cas realizadas pelo Estado brasileiro, aqui cito
para superar dialeticamente os processos so- o Mobral e a EJA, que nunca se preocuparam
cioculturais desumanizastes(...)” (ZITKOSKI, em ensinar a jovens e adultos para além da
2003, p. 1). capacidade de escrever seu nome e de uma ru-
A partir destas reflexões, compreendemos dimentar capacidade de leitura. Essa política de
que a sociedade precisa acreditar e lutar por Estado visa a criar agora não mais uma nação
uma educação universal, gratuita e de qualida- de iletrados, mas sim formar uma sociedade de
de, devendo ser um direito de todos e um dever analfabetos funcionais, sujeitos incapazes de
do estado, e sem essa primazia, não seremos interpretar um texto e muito menos a realidade
um país totalmente mais justo e igualitário. que o cerca, docilizando a população a aceitar a
Sem educação não se constrói uma nação livre culpa pela sua condição precária de existência
e soberana, pois sendo este um direito huma- material e intelectual.
no, o mesmo é condição fundamental para a Neste sentido, consideramos como essencial
mudança social e por isso não basta apenas a democratização do acesso à educação, onde
democratizar o acesso à escola, é preciso im- a alfabetização e o letramento das pessoas
primir na mesma a qualidade necessária para jovens e adultas possa ser trabalhada dentro
a construção do conhecimento emancipatório. de uma perspectiva de transformação social e
mudança das condições objetivas de vida, como
preconizava o saudoso Paulo Freire. Nesta
CONSIDERAÇÕES FINAIS
perspectiva a EJA deve ultrapassar os limites
Esta breve conclusão nos leva a perceber al- da alfabetização, devendo estar associada ao
gumas questões históricas acerca do analfabe- estudo da realidade, envolvendo questões de
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José Ronaldo Silva dos Santos; Tenório Batista Lima Sobrinho
ordem política e de interesse aos trabalhadores São Paulo, n. 52, p. 35-49, fev. 1985.
de maneira geral. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 19 ed. Rio
Desta forma, este estudo tem a pretensão de Janeiro: Paz e Terra, 1991.
de enfatizar a EJA em uma perspectiva ampla, FRIGOTTO, G. A produtividade da escola improdu-
histórica, e inserida nos contextos populares, tiva: um (re)exame das relações entre educação e
sejam eles no campo ou nas cidades, com vistas estrutura econômico-social capitalista. 4ª ed. São
a perceber a educação dos sujeitos como um Paulo, Cortez, 1993.
processo amplo de construção de da autono- FONTES, Virgínia. O Brasil e o capital-imperia-
mia e determinante para a conquista de uma lismo: teoria e história. Rio de Janeiro: EPSJV/
sociedade mais justa e igualitária e para isso Editora UFRJ, 2010.
a educação precisa ser disputada em todos os KUENZER. Cassia Zeneida. Trabalho pedagógico:
níveis e modalidades, podendo ser um aporte, Da fragmentação a unitariedade possível? São
uma ferramenta que qualifique cada vez mais Paulo: Papirus 2002.
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Aprovado em: 01/5/2023
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 171-187, jan./jun. 2023 187
Caminhos e possibilidades para o atendimento educacional especializado de jovens e adultos
Resumo
O propósito deste estudo é examinar a relação entre a Educação Especial e
a Educação de Jovens e Adultos (EJA), destacando a abordagem pedagógica
freireana como um potencial meio para conduzir jovens e adultos com
deficiência na direção de sua emancipação sócio-acadêmica. Para isso,
inicialmente, realizaremos uma análise histórica das normas e regulamentos
que fundamentaram a Educação Especial no Brasil, concentrando-nos,
especialmente, no seu principal componente de intervenção, o Atendimento
Educacional Especializado (AEE). Posteriormente, discutiremos sobre as
especificidades dos indivíduos que atualmente integram a EJA, dentre eles
estão os jovens e adultos com deficiência. A partir dessas análises e discussões,
apresentaremos a visão freireana de prática educativa e como ela pode revelar-se
como um caminho propício para a emancipação sócio-acadêmica dos educandos
da EJA no contexto do AEE. Baseamos nossa abordagem teórica principalmente
nos trabalhos do educador Paulo Freire e nas diretrizes legais e normativas
relacionadas à Educação Especial e a EJA. Em síntese, conclui-se que a prática
educativa do profissional do AEE deve ser centrada na emancipação dos
educandos, valorizando suas capacidades, estimulando suas potencialidades e
buscando uma formação em prol de transformações sociais com vistas a uma
sociedade mais inclusiva e democrática.
Palavras-chave: Prática Educativa; Atendimento Educacional Especializado;
Educação de Jovens e Adultos.
188 Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 188-201, jan./jun. 2023
Rodrigo Ribeiro; Patricia Carla da Hora Correia
Abstract
PATHS AND POSSIBILITIES FOR SPECIALIZED EDUCATIONAL SERVICE
FOR YOUNG PEOPLE AND ADULTS
The purpose of this study is to examine the relationship between Special Education
and Youth and Adult Education (EJA), highlighting Freire’s pedagogical approach
as a potential means to lead young people and adults with disabilities towards
their socio-academic emancipation. For this, initially, we will conduct a historical
analysis of the norms and regulations that underlie Special Education in Brazil,
focusing especially on its main component of intervention, Specialized Educational
Assistance (AEE). Subsequently, we will discuss the specificities of individuals
who are currently part of EJA, among them are young people and adults with
disabilities. Based on these analyzes and discussions, we will present Freire’s
vision of educational practice and how it can prove to be a conducive path for the
socio-academic emancipation of EJA students in the context of AEE. We base our
theoretical approach on the works of the educator Paulo Freire and on the legal
and normative guidelines related to Special Education. In summary, it is concluded
that the educational practice of the AEE professional should be centered on the
emancipation of students, valuing their abilities, and seeking training in favor of
social transformations with a view to a more inclusive and democratic society.
Keywords: Educational Practice; Specialized Educational Service; Youth and
Adult Education.
Resumen
CAMINOS Y POSIBILIDADES DEL SERVICIO EDUCATIVO ESPECIALIZADO
PARA JÓVENES Y ADULTOS
El propósito de este estudio es examinar la relación entre la Educación
Especial y la Educación de Jóvenes y Adultos (EJA), destacando el enfoque
pedagógico de Freire como un medio potencial para conducir a jóvenes y
adultos con discapacidad hacia su emancipación socioacadémica. Para ello,
inicialmente, realizaremos un análisis histórico de las normas y regulaciones
que subyacen a la Educación Especial en Brasil, centrándonos especialmente en
su principal componente de intervención, la Asistencia Educativa Especializada
(AEE). Posteriormente, discutiremos las especificidades de las personas que
actualmente forman parte de EJA, entre ellos se encuentran jóvenes y adultos
con discapacidad. A partir de estos análisis y discusiones, presentaremos la
visión de Freire sobre la práctica educativa y cómo ésta puede resultar un camino
propicio para la emancipación socioacadémica de los estudiantes de la EJA en
el contexto de la AEE. Basamos nuestro enfoque teórico principalmente en los
trabajos del educador Paulo Freire y en los lineamientos legales y normativos
relacionados con la Educación Especial y la EJA. En resumen, se concluye que la
práctica educativa del profesional de la AEE debe centrarse en la emancipación
de los estudiantes, valorando sus capacidades, estimulando sus potencialidades
y buscando una formación en favor de las transformaciones sociales con miras
a una sociedad más inclusiva y democrática.
Palabras clave: Práctica Educativa; Servicio Educativo Especializado; Educación
de Jóvenes y Adultos.
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 188-201, jan./jun. 2023 189
Caminhos e possibilidades para o atendimento educacional especializado de jovens e adultos
Introdução
As abordagens de natureza inclusiva impõem que limitam sua plena participação nas aulas
que as instituições educacionais se reestrutu- nas salas comuns podem e devem buscar apoio
rarem para tornassem mais acolhedoras, de- no AEE como um espaço para potencializar
mocráticas e acessíveis. Não faz muito tempo, é sua aprendizagem e assim auxiliá-los em sua
importante mencionar, o direito de frequentar trajetória acadêmica. As barreiras socioeduca-
os espaços educacionais era um privilégio ape- cionais podem incluir falta de acessibilidade
nas daqueles considerados dentro dos padrões comunicacional, barreiras pedagógicas, acesso
de normalidade legitimados pela sociedade. limitado aos conteúdos curriculares, precon-
Dessa forma, coletivos de pessoas em estado ceito e falta de apoio especializado. Diante
de vulnerabilidade, como as pessoas com desse contexto, uma das responsabilidades do
deficiência, eram excluídas dos processos de professor que trabalha diretamente com esses
educação formal. Com o objetivo de eliminar educandos no AEE é elaborar e organizar inter-
essas barreiras segregacionistas e excludentes, venções pedagógicas que ofereçam o suporte
movimentos sociais, bem como instituições necessário para que eles superem as citadas
e organizações de apoio aos interesses das barreiras que dificultam seu desenvolvimento
pessoas com deficiência mobilizaram-se no educacional.
sentido lutar por direitos que historicamente Chama-se à atenção para o fato de que toda
foram negados a essas pessoas, incluindo o intervenção pedagógica é consubstanciada por
direito à educação pública. uma prática educativa, e toda prática educativa,
Como resultado dessa luta histórica, surgem por sua vez, pode levar os educandos à uma
no contexto educacional dois importantes ins- condição de alienação ou de emancipação.
trumentos de equidade social: um de cunho Diante disso, o objetivo deste estudo é exa-
paradigmático e outro de natureza político-e- minar a relação entre a Educação Especial e a
ducacional. O primeiro é conhecido como Edu- Educação de Jovens e Adultos (EJA), destacan-
cação Inclusiva, que veio para questionar toda do a abordagem pedagógica freireana como um
a estrutura do sistema educacional, incluindo potencial meio para conduzir jovens e adultos
o planejamento pedagógico, o currículo, as com deficiência na direção de sua emancipação
metodologias de ensino, os instrumentos de sócio-acadêmica.
avaliação, a atitude dos educadores e os espa- Para estruturar essa reflexão, primeira-
ços físicos das instituições de ensino (BUDEL, mente, realizaremos uma análise histórica dos
MEIER, 2012). O segundo refere-se à Educação dispositivos legais e normativos que embasam
Especial, que se consolidou no ano de 1996 a organização e as diretrizes da Educação
(mil novecentos e noventa e seis), por meio da Especial e do seu principal instrumento de
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio- intervenção, qual seja, o AEE. Ancorado nessa
nal (LDBEN/1996) como uma modalidade da análise, discutiremos, com apoio em publica-
educação básica. Sobre a Educação Especial, ções acadêmico-cientificas, como o AEE oferta-
seu principal mecanismo de intervenção pe- do à jovens e adultos tem sido configurado no
dagógica ocorre por intermédio do AEE, o qual contexto brasileiro. A dessa análise e discus-
deve ser disponibilizado em todos os níveis, sões, teceremos algumas considerações sobre
segmentos e modalidades de ensino. a perspectiva freireana de prática educativa
Nessa perspectiva, os educandos jovens e e como ela pode se revelar uma via propícia
adultos com deficiência que atualmente inte- para a emancipação socio-intelectual dos edu-
gram a EJA e se deparam em seu cotidianamen- candos jovens e adultos com deficiência que
te com barreiras de natureza socioeducacional participam do AEE. Faremos isso utilizando,
190 Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 188-201, jan./jun. 2023
Rodrigo Ribeiro; Patricia Carla da Hora Correia
sobretudo, os estudos de Freire (1996; 2002; assim como outros grupos minoritários. Esse
2013) como base teórica. cenário muda efetivamente na segunda metade
Por fim, almejamos que este estudo possa do século XX, especialmente após a publicação
efetivamente contribuir para ampliar as discus- da Declaração Universal dos Direitos Humanos
sões em torno da oferta da Educação Especial, (DUDH/1948). O documento tem como princí-
com um enfoque direcionado aos educandos pio essencial a dignidade da pessoa humana.
da EJA. Ao mesmo tempo, objetivamos que as Viver uma vida com dignidade implica em ter
discussões aqui postas possam fazer emergir os direitos fundamentais garantidos, dentre
novas reflexões entre os professores que atuam eles, os essenciais direito à vida, à liberdade e
no AEE no tocante à necessidade de repensar à educação. Segundo Benevides (2000, p.5), os
sua prática educativa. Defenderemos, nesse “direitos humanos são fundamentais porque
sentido, uma prática educativa alicerçada em são indispensáveis para a vida com dignidade”.
pressupostos emancipatórios que transcendam Logo, não garantir esses direitos em condições
a mera assimilação de habilidades e conheci- de igualdade a todos e todas é privar pessoas
mentos fragmentados, muitas vezes descone- de direitos essenciais à sua existência como
xos com a realidade sociocultural e histórica ser humano.
dos educandos. Influenciado pelos princípios da DUDH,
a luta pelo movimento de inclusão sai das
esferas assistencialistas e passa para o cam-
Análise histórica dos
po dos direitos. Nessa lógica, o lema passou
dispositivos legais e a ser: “nenhum direito a menos”. Cabe aqui
normativos que deram base à mencionar dois pontos estruturais da DUDH. O
Educação Especial no Brasil primeiro encontra-se no Art. 1º, o qual afirma
que “todos os seres humanos nascem livres
A criação do Instituto dos Meninos Cegos, em e iguais em dignidade e direitos.” O segundo,
1854, e do Instituto dos Surdos-Mudos, em tão importante quanto, declara que não deve
1857, representou as primeiras iniciativas no existir nenhuma espécie de distinção no gozo
âmbito da Educação Especial no Brasil (MEN- dos direitos e das liberdades estabelecidas nes-
DES, 2010). A localização dos institutos era na ta declaração, “seja de raça, cor, sexo, idioma,
capital do Império – Rio de Janeiro. Todavia, religião, opinião política ou de outra natureza,
alunos de outras províncias também eram origem nacional ou social, riqueza, nascimento
atendidos nestes Institutos, como nas provín- ou qualquer outra condição” (DUDH, Art. 2º).
cias de Alagoas, Bahia, Ceará, Rio Grande do Fica evidente, portanto, que a DUDH lançou os
Sul, Rio Grande do Norte, São Paulo, Maranhão, alicerces do que hoje denominamos de inclu-
Minas Gerais, Paraná, Pernambuco e Santa são social, cujo princípio basilar é considerar
Catarina (LANNA JÚNIOR, MARTINS, 2010). A a todos como sujeitos de direitos e iguais em
proposta pedagógica dos institutos, em geral, dignidade.
envolvia conteúdo do ensino elementar e algu- Na década de 90, mais precisamente em seu
mas matérias do ensino secundário (SOUSA, início, os membros da Conferência Mundial
2020). sobre Educação para Todos traçaram estra-
É importante mencionar que mesmo com tégias tentando solucionar graves problemas
essas iniciativas por parte do poder imperial, as no campo educacional enfrentados, principal-
pessoas com deficiência não deixaram de sofrer mente, por países em desenvolvimento. Dentre
com os estigmas e estereótipos depreciativos. os referidos problemas, destacam-se os altos
Assim sendo, as pessoas com deficiência ain- índices de analfabetismo entre jovens e adultos,
da não eram vistas como sujeitos de direitos, o analfabetismo funcional, a precariedade do
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 188-201, jan./jun. 2023 191
Caminhos e possibilidades para o atendimento educacional especializado de jovens e adultos
ensino primário, bem como a escassez na oferta de 1988, também chamada de “constituição
de vagas na educação básica. Como resultado cidadã”, recebendo este nome haja vista ela
desta iniciativa, foi produzido um documento ter sido elaborada com ampla participação da
que afirmava a importância de universalizar sociedade e passou a prever direitos sociais
o acesso à educação básica e de promover a para grupos minoritários que foram historica-
equidade no sistema educacional. No que se mente excluídos e marginalizados das políticas
refere às pessoas com deficiência, o documento públicas, como é o caso das pessoas com defi-
orienta que a aprendizagem delas demandaria ciência. É importante sublinhar que coletivos
uma atenção especial, conforme preconiza o de pessoas com deficiência e militantes desse
artigo 3º: movimento participaram ativamente de sua
As necessidades básicas de aprendizagem das elaboração. Chama à atenção o Art. 208, onde
pessoas portadoras de deficiências requerem está disposto que o Estado deve garantir o di-
atenção especial. É preciso tomar medidas que reito à educação por meio de diversas ações,
garantam a igualdade de acesso à educação aos incluindo: “III – atendimento educacional
portadores de todo e qualquer tipo de deficiên- especializado aos portadores de deficiência,
cia, como parte integrante do sistema educativo preferencialmente na rede regular de ensino”.
(UNESCO, 1990, p.4).
A partir de uma análise do artigo consti-
Com base no artigo citado acima, podemos tucional supracitado, fica evidente a preocu-
deduzir que a conferência propiciou um avan- pação que a sociedade passou a ter na época
ço nas discussões sobre inclusão educacional, em promover um suporte às necessidades de
especialmente quando se reconhece que as aprendizagem dos educandos com deficiência
pessoas com deficiência necessitam de atenção e uma educação não segregada a essas pessoas,
especial, mas que o acesso à educação formal apesar de que os preceitos do artigo se revelem
deveria ocorrer em condições de igualdade com um tanto controversos e imprecisos, especifica-
as outras pessoas, sem que haja qualquer tipo mente porque não deixa claro a natureza desse
de discriminação. Há, com isso, uma quebra atendimento (CARVALHO, 2013). Apesar disso,
de paradigmas, uma vez que, na época em que é inquestionável constatar que essa previsão
ocorreu a citada conferência, o atendimento legal representou um avanço significativo nas
educacional das pessoas com deficiência acon- propostas para as pessoas com necessidades
tecia em instituições educacionais segregadas. educativas especiais, na medida em que se pre-
Desse modo, identificamos que as iniciativas via um atendimento especializado nos mesmos
da declaração representaram, à época de sua sistemas comuns da sociedade.
promulgação, um significativo avanço nas pro- Por conseguinte, a partir da Constituição
postas educacionais voltadas para as pessoas de 1988, o debate em torno da educação para
com deficiência. Isso porque os princípios da as pessoas com necessidades educacionais
declaração centravam-se na necessidade de especiais se expande com maior capilaridade
inclusão e a superação do modelo segregacio- no tecido social, e novas frentes de discussões
nista. A partir dessa perspectiva, começou-se emergem provocando mudanças estruturais na
a conceber a Educação Especial como uma forma como a pessoa com deficiência é trata-
ferramenta de inclusão, não mais como uma da nas esferas políticas, sociais, econômicas e
única alternativa educacional para as pessoas educacionais. Consequentemente, novos dispo-
com deficiência, como se operacionalizada a sitivos legais passam a ser promulgados, impul-
Educação Especial tempos passados. sionados sobretudo pelos movimentos sociais,
As discussões em torno dessa nova con- instituições filantrópicas e pela sociedade civil
cepção se avolumam no cenário mundial e organizada, composta, principalmente, por
reflete inclusive na nossa Constituição Federal pais de crianças com deficiência, que, por meio
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Rodrigo Ribeiro; Patricia Carla da Hora Correia
da luta política, empreenderam esforços para Consta na lei um conjunto de ações que busca
que seus filhos pudessem exercer os direitos garantir condições concretas de acesso, perma-
constitucionais. nência e conclusão de estudos às pessoas com
A constante luta e mobilização desses deficiência, a saber: I – currículos, métodos,
coletivos surtiram efeitos e um ano após a técnicas e recursos educativos para atender às
promulgação da Constituição de 1988, com suas necessidades de aprendizagem; II – per-
a finalidade de regulamentar a inclusão da curso formativo com terminalidade específica
Educação Especial no Sistema Educacional de para aqueles que não puderem atingir o nível
Ensino brasileiro, é publicada a Lei nº 7.853 exigido para a conclusão do Ensino Fundamen-
de 24 de outubro de 1989. O documento esta- tal, em virtude de suas deficiências, bem como
belece normas gerais tendo como finalidade aceleração para concluir em menor tempo o
garantir às pessoas com deficiência o pleno programa escolar para os superdotados; III –
exercício de seus direitos individuais e sociais professores com especialização adequada, para
e sua efetiva integração social. Para viabilizar atendimento especializado, bem como para o
essas ações, em especial na área educacional, ensino comum; e IV – educação especial para
cabe ao Poder Público e seus Órgãos tomarem o trabalho.
algumas medidas, dentre elas: A mesma LDBEN/1996 institui a Educação
a) a inclusão, no sistema educacional, da Edu- Especial como uma modalidade transversal
cação Especial como modalidade educativa a todos os níveis, etapas e modalidades de
que abranja a educação precoce, a pré-escolar, ensino. Isso significa que as ações dessa moda-
as de 1º e 2º Graus, a supletiva, a habilitação lidade de educação devem alcançar de forma
e a reabilitação profissionais, com currículos, transversal todos os educandos ao longo de
etapas e exigências de diplomação próprios; b) seu processo de escolarização, sendo que o
a inserção, no referido sistema educacional, das
principal instrumento de intervenção peda-
escolas especiais, privadas e públicas; c) a oferta,
obrigatória e gratuita, da Educação Especial em gógica na Educação Especial ocorre por meio
estabelecimentos públicos de ensino; d) o ofere- do atendimento educacional especializado, o
cimento obrigatório de programas de Educação qual, de acordo com a própria LDBEN (1996,
Especial a nível pré-escolar e escolar, em unida- Art. 4°), deve ser gratuito aos educandos com
des hospitalares e congêneres nas quais estejam deficiência, transtornos globais do desenvol-
internados, por prazo igual ou superior a 1 (um) vimento e altas habilidades ou superdotação,
ano, educandos portadores de deficiência; e) o
matriculados em todos os níveis, segmentos e
acesso de alunos portadores de deficiência aos
benefícios conferidos aos demais educandos, modalidades de ensino.
inclusive material escolar, merenda escolar e A ideia de uma Educação Especial segrega-
bolsas de estudo; f) a matrícula compulsória cionista, como ocorria antes, na qual os educan-
em cursos regulares de estabelecimentos pú- dos com deficiência não tinham a oportunidade
blicos e particulares de pessoas portadoras de de frequentar as salas comuns, junto aos outros
deficiência capazes de se integrarem no sistema educandos, dá lugar a uma nova concepção de
regular de ensino.
Educação Especial, que passaria a operar como
Seguindo essa lógica, em 2006 é promulgada um espaço educacional de suporte aos edu-
mais uma versão da Lei de Diretrizes e Bases da candos com deficiência. De forma mais clara,
Educação Nacional (LDBEN/1996). A referida a Educação Especial passou a ter o propósito
lei amplia as discussões em torno da Educação de eliminar as barreiras que impedem as pes-
Especial e ressalta o papel dos Sistemas de soas com deficiência de obterem êxito em seu
Ensino, que passam a ter a incumbência de processo de escolarização, e tais educandos
adaptar as propostas curriculares para atender deveriam matricular-se nas salas comuns que
as diversidades existentes entre os educandos. deveria pautar suas ações pedagógicas com
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 188-201, jan./jun. 2023 193
Caminhos e possibilidades para o atendimento educacional especializado de jovens e adultos
base no paradigma de uma educação inclusiva observar as mobílias e alguns recursos didáticos
e democrática. das salas de recursos implantadas nas escolas
No bojo dessas discussões, não podemos públicas para constatar que a forma como elas
deixar de mencionar, considerando o arcabou- foi pensada não comporta adequadamente o
ço de dispositivos legais e normativos vigentes atendimento de outros sujeitos, a exemplo dos
no Brasil, a Política Nacional de Educação jovens e adultos, que demandam uma concepção
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva educacional diferenciado em relação ao público
(2008), pois este é um dos principais documen- infanto-juvenil. Afinal, estamos falando de indi-
tos que norteiam as ações da Educação Especial víduos que possuem trajetórias de vida diversi-
em território nacional. O documento parte ficada, motivações diferenciadas e necessidades
da premissa de que todos os educandos com de aprendizagem específicas.
deficiência podem ser escolarizados junto aos Ante o exposto, concluímos esta análise
demais, devendo ser resguardados de qualquer histórica afirmando que as principais transfor-
discriminação concernente a sua condição. mações ocorridas e em curso no cenário socioe-
Nessa lógica, os principais temas abordados ducacional, as quais têm impactado a vida das
no documento são: concepção de educação pessoas com deficiência, foram principalmente
especial, função e a natureza do atendimento desencadeadas por debates e discussões que
educacional especializado e as atribuições dos se ampliaram para o âmbito político. É nesse
sistemas de ensino com a educação especial. âmbito que mudanças estruturais foram sendo
Vale ressaltar que o referido documento implementadas na estrutura social, resultando
reafirma a Educação Especial como uma mo- em avanços significativos em relação à inclusão
dalidade transversal a todos os níveis, etapas e equidade de direitos diante das necessidades
e modalidades de ensino (BRASIL, 2008). O das pessoas com deficiência em diferentes
documento também prevê que o AEE deve ser contextos. No entanto, as discussões precisam
realizado em sala de recursos multifuncionais, avançar em relação ao atendimento educacio-
espaços geralmente equipados com recursos de nal especializado de educandos que frequen-
tecnologia assistiva, mobiliário adaptado, bem tam a EJA, pois as pesquisas acadêmicas vêm
como recursos pedagógicos de acessibilidade demonstrando que há uma lacuna entre essas
para a criação de um ambiente educacional duas modalidades de ensino (BUENO, OLIVEI-
especializado. O propósito desse espaço, em RA, 2022; TRENTIN, 2016).
linhas gerais, é ampliar a participação dos edu- Assim sendo, entendemos que há uma ne-
candos com deficiência nos sistemas regulares cessidade urgente de se pensar em caminhos
de ensino, por meio de programas de enrique- e possibilidades que propiciem condições para
cimento curricular, ensino de linguagens e có- que os educandos da EJA tenham acesso ao
digos específicos de comunicação e sinalização atendimento educacional especializado, e que
– a exemplo da Língua Brasileira de Sinais (LI- este seja realizado respeitando suas especifi-
BRAS) – e tecnologia assistiva (BRASIL, 2008). cidades e trajetórias de vida sócio-acadêmica.
No tocante à modalidade de educação de Portanto, uma questão se impõe: quem são os
jovens e adultos, a proposta pedagógica da sujeitos que atualmente compõem a EJA? Nossa
educação especial deve possibilitar a ampliação intenção reside em fornecer uma resposta a
de oportunidades de escolarização, formação essa indagação na seção subsequente.
para o ingresso no mundo do trabalho e efetiva
participação social (BRASIL, 2008). Sobre esse
Os sujeitos da EJA
aspecto, vale ressaltar que as salas de recursos
infelizmente foram pensadas para atender, prio- Com a promulgação da LDBEN/1996, a EJA
ritariamente, o público infanto-juvenil. Basta passou a existir institucionalmente como uma
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Rodrigo Ribeiro; Patricia Carla da Hora Correia
modalidade de ensino ao lado de outras mo- tudantes que compõem a EJA são pessoas que
dalidades, tais como a Educação Quilombola, por algum motivo não puderam continuar seus
a Educação Indígena, a Educação Especial, e estudos ou não tiveram acesso à educação na
outras. Apesar de obter esse reconhecimento idade escolar. São sujeitos que historicamente
institucional como modalidade de ensino – o foram secundarizados e excluídos das pro-
que na nossa avaliação foi algo relevante –, a postas educacionais, sendo, em sua maioria,
EJA, com algumas exceções, tem sido margi- trabalhadores e trabalhadoras com pouca es-
nalizada nas políticas públicas educacionais colarização, pobres, negros e subempregados.
no Brasil. Para exemplificar, podemos citar a E por conta dessa condição de subemprego,
ausência da EJA nas propostas da Base Nacional recebem baixa remuneração, além disso, são
Comum Curricular (BNCC), que trata-se de um oprimidos e negligenciados no que diz respeito
documento de caráter normativo promulgado às políticas públicas governamentais. Tendo
em 2017, que define o conjunto orgânico e isso em vista, podemos deduzir que as histórias
progressivo de aprendizagens essenciais que e trajetórias dos estudantes da EJA convergem
todos os alunos devem desenvolver ao longo na negação de direitos e marginalização por
das etapas e modalidades da Educação Básica. parte dos entes públicos (MAIA, PAZ, DANTAS,
Essa omissão manifestada em não apresentar 2016; ARROYO, 2005).
uma proposta pedagógica específica para a Ainda sobre o perfil dos educandos da EJA,
EJA na BNCC só evidencia o total descaso do constatamos que alguns deles tiveram que
poder público com esse importante percurso abandonar os estudos em algum momento da
formativo, que atende em sua maioria pessoas sua vida devido à necessidade de ingressar pre-
negras, periféricas e de baixa renda. cocemente no mercado de trabalho. Além disso,
Arroyo (2005) argumenta que a reconfigu- ainda existem aqueles que são os excluídos de
ração da EJA deve começar a partir das dis- ontem dos sistemas de ensino, que se mostra-
cussões sobre as especificidades dos sujeitos vam pouco sensíveis às diferenças – sendo este
jovens e adultos que a compõem, levando em um traço característico do ser-humano. Esse
consideração sua condição de vida material cenário era influenciado pelo fato de as insti-
no tempo e espaço histórico em que estão tuições de ensino adotarem, e por vezes ainda
inseridos. Tendo isso em vista, enquanto pes- adotam, um modelo de educando, e aqueles
quisadores da EJA, constatamos que um dos que se mostrassem desviantes desse modelo
traços marcantes desse campo de intervenção e não se adequassem a uma pedagogia linear,
pedagógica é a diversidade dos sujeitos, não hierárquica e homogeneizadora acabavam
apenas em relação à idade, mas também em por ser alijados do processo educativo. Fato
relação às questões subjetivas, experiências que ocorreu com uma parcela significativa
de vida, repertório sociocultural e interesses, de educandos que foram de fato expulsos das
que são em sua essência plurais. Alguns, para escolas, e tantos outros que nem sequer se
exemplificar, buscam a EJA como uma possi- dava o direito da matrícula. Incluem-se aqui os
bilidade de melhorar sua posição no mercado educandos com deficiência, que hoje buscam a
de trabalho, outros, por sua vez, desejam obter EJA como uma oportunidade de exercerem sua
uma certificação, e há ainda aqueles que bus- condição de cidadãos.
cam conhecimentos diferentes dos que já ad- A fim de assegurar que os educandos jovens
quiriram em suas trajetórias de vida, e outros e adultos com deficiência possam exercer ple-
veem a EJA como um espaço de acolhimento e namente sua cidadania, especialmente no que
de segunda oportunidade para suas vidas. diz respeito ao direito à educação, é essencial
Nessa mesma linha de pensamento, Maia, estabelecer uma estreita colaboração entre a
Paz e Dantas (2016, p.38) afirmam que os es- Educação de Jovens e Adultos (EJA) e a Edu-
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Caminhos e possibilidades para o atendimento educacional especializado de jovens e adultos
cação Especial. Isso visa criar oportunidades que tiveram sua condição de cidadania mutila-
que permitam aos educandos superar as bar- da durante décadas (SILVA, 1997).
reiras que dificultam seu acesso, permanência Podemos, portanto, deduzir que os educan-
e participação nas salas de aula comum. Isso dos da EJA que possuem deficiência poderiam
implica na disponibilização das ferramentas ser melhor assistidos em suas especificidades
necessárias para que eles tenham igualdade de educacionais se tivessem acesso aos recursos
condições no acesso ao currículo escolar, com o proporcionados pela Educação Especial, com
objetivo de promover sua autonomia, conforme destaque para a disponibilidade do AEE. Nossa
indicado por (BRASIL, 2015). posição é de que esse acesso deve ser condu-
Quando tratamos de Educação Especial, não zido por meio de uma abordagem educacio-
podemos deixar de mencionar sua principal nal que oportunize aos educandos condições
ferramenta de intervenção pedagógica, qual necessárias para superarem as barreiras que
seja, o AEE, que de acordo com a Política Na- impedem sua escolarização e que propicie de
cional da Educação Especial na perspectiva da igual modo sua emancipação, levando em con-
Educação Inclusiva (2008) deve ser ofertada a sideração suas capacidades e individualidades.
todos os segmentos e modalidades de ensino. A concepção de emancipação abordada nes-
Considerando esse aspecto, destaca-se que as te trabalho é fundamentada em pesquisadores
pesquisas que vêm sendo realizadas no Brasil como Freire (1996) e Thiollent (2002), os quais
sobre a EJA em interlocução com a Educação a definem como a oposição a uma série de
Especial demonstram um cenário ainda não elementos, como subserviência, dependência,
favorável para os educandos da EJA, especial- submissão, alienação, opressão, dominação
mente no que diz respeito ao AEE. Constata-se e ausência de perspectiva. Nesse contexto, o
que as investigações que abordam a EJA e a indivíduo emancipado é capaz de participar
Educação Especial ainda se encontram em es- nas diversas esferas da vida social de maneira
tágios iniciais e incipientes (BUENO, OLIVEIRA, autônoma, com liberdade e autorrealização a
2022; TRENTIN, 2016). Além disso, observa-se partir de uma visão crítica da sociedade. É sob
também que o AEE, direcionado aos estudan- essa perspectiva que, na próxima seção, apre-
tes da EJA, ainda carece de materialização e sentaremos a concepção de prática educativa
estruturação adequadas, resultando na não freireana como uma possibilidade emancipa-
contemplação das especificidades dos estu- tória no AEE de educandos da EJA.
dantes (BUENO, OLIVEIRA, 2022).
Por outro lado, é possível identificar algu-
mas pesquisas ainda em estágios iniciais no A prática educativa
âmbito do Mestrado Profissional em Educação freireana como possibilidade
de Jovens e Adultos (MPEJA) da Universidade emancipatória no AEE de jovens
do Estado da Bahia (UNEB), as quais propõem-
e adultos com deficiência
se a discutir as temáticas “Educação Especial”,
“Educação Inclusiva” e “Educação de Jovens e Nossa sociedade encontra-se permeada por
Adultos” (ARAUJO, 2018; BARROS, 2021; FAL- obstáculos sociais que obstruem a capacidade
CÃO, 2020; SANTANA, 2019) com base em prá- das pessoas com deficiência de desfrutar dos
ticas inovadoras e alinhadas às características benefícios sociais em igualdade de condições
desses educandos. Isso destaca o fato de que com os demais indivíduos. De acordo com a
pesquisadores estão empenhados em explorar Lei Nº 13.146, datada de 6 de julho de 2015,
essas áreas de conhecimento, demonstrando conhecida como Lei Brasileira de Inclusão, tais
que é possível conceber a EJA como um espaço obstáculos podem assumir formas diversas,
verdadeiramente inclusivo para todos aqueles como as urbanísticas, arquitetônicas, nos sis-
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Rodrigo Ribeiro; Patricia Carla da Hora Correia
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Caminhos e possibilidades para o atendimento educacional especializado de jovens e adultos
afirma que “as ideologias, não importam se formação social, na qual eles mesmos podem
discriminatórias ou de resistência, se encaram assumir a função de agentes transformadores.
em formas especiais de conduta social ou indi- E isso só será alcançável quando o educador
vidual que variam de tempo e espaço”. Nesse que atua no AEE entender que ele pode sim ser
raciocínio, observamos que as condutas de ex- um promotor de práticas educativas emancipa-
clusão total, integração e inclusão, referindo-se tórios, respeitando o acervo de conhecimentos
à forma como as pessoas com deficiência foram e individualidades dos educandos.
tratadas historicamente (SASSAKI, 2013), são Em última análise, defendemos também
condicionadas à dinâmica histórico-social, que que o AEE para jovens e adultos com deficiên-
nos mostra, inclusive, que a inclusão que pre- cia deve partir das condições concretas de
domina hoje no campo sócio-acadêmico ainda existência destes indivíduos e de suas reais
ocorre de forma tímida, e em alguns casos res- necessidades. Espera-se, de igual modo, que
trita apenas aos dispositivos legais. a ação educativa seja orientada pelo diálogo,
Questões como essas postas acima devem no qual o educando pode assumir um papel
ser transpostas em forma de experiências de ativo nesse processo, esperando-se que se crie
aprendizagem e reflexão no âmbito do AEE as circunstâncias adequadas para tanto. Não
envolvendo os educandos da EJA. Ignorar o ignoramos o fato de que existem espectros de
fato de que a sociedade ainda demonstra pouca deficiências que se manifestam com limitações
sensibilidade em relação às necessidades das cognitivas severas, mas isso não deve desenco-
pessoas com deficiência não é uma postura rajar o educador no sentido de buscar meios e
viável, tampouco está alinhado com a educação formas para que esse educando, na medida de
transformadora preconizada por Freire (2002). suas individualidades e potencialidades, possa
Nesse sentido, a concepção de emancipação assumir uma visão mais crítica da sociedade e
trazida nas obras de Freire pode lançar luz na se seja como um ser de possibilidades.
superação dessa realidade injusta. Isso porque, Para isso, torna-se fundamental que o edu-
para Freire (2013), a emancipação é libertação cador estimule os educandos na direção da
das pessoas de suas vidas desumanizadas pela construção de uma conscientização, que na
opressão e dominação social. Educar para concepção freireana, é a percepção que cada
emancipar, portanto, torna-se uma prerroga- um tem de se perceber como seres cognoscen-
tiva essencial ao educador do AEE. tes. Propor, portanto, tempos de reflexão sobre
Para ampliar ainda mais a compreensão de o que se aprendeu em um percurso formativo
emancipação, nos remetemos à Freire (2002) no AEE, por exemplo, é levar os educandos a se
que, em linhas gerais, a define com uma luta verem como sujeitos cognoscentes, e essa deve
por libertação de uma realidade de opressão ser, de igual modo, uma das incumbências do
e dominação social. O exercício rigoroso de professor de AEE que atua junto aos educandos
análise da sociedade torna-se um dos elemen- da EJA.
tos estruturantes nesse contexto. Frente à essa
questão, faz-se necessário, portanto, pensar na
Considerações finais
necessidade de que o professor do AEE crie
circunstâncias que permita aos educandos Elaboramos este estudo com o propósito exa-
analisar seu contexto social, fazer leituras crí- minar a relação entre a Educação Especial e a
ticas do seu entorno, e, a partir disso, fazer a EJA, destacando a abordagem pedagógica frei-
aquisição de instrumentos para compreender, reana como um potencial meio para capacitar
na medida de sua capacidade neurocognitiva, jovens e adultos com deficiência na direção
a realidade de opressão a qual eles são vítimas. de sua emancipação sócio-acadêmica. Nesse
Visando, sobretudo, à promoção de uma trans- contexto, fizemos uma análise histórica dos
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Os processos que organizam a escolarização da classe trabalhadora e a conformação da estrutura dual da educação brasileira
Resumo
Este artigo tem por objetivo de pesquisa analisar a questão histórica e estrutural
das políticas educacionais no Brasil, com ênfase na escolarização da classe
trabalhadora, especialmente quanto à formação profissional de jovens e adultos.
Para tanto, realiza-se uma pesquisa exploratória, quanto aos seus objetivos, e se
estrutura, do ponto de vista procedimental, como uma pesquisa bibliográfica à
luz de estudiosos correlatos que ocupam em analisar as categorias teóricas que
circunscrevem esse trabalho, a exemplo de Frigotto (2006, 2008, 2014); Ramos
(2014); Ciavatta (1998); Ventura (2001). Filia-se ao materialismo histórico e
dialético, como método de análise, para responder às questões da organização
da educação escolarizada das classes trabalhadoras, suas normatizações
legais associadas ao projeto político e econômico. Nesse processo, verificar
as determinações da educação dual e desigual presentes nas normatizações
propostas para atender os interesses da elite proprietária do capital-acumulado
do capitalismo dependente de desenvolvimento associado e combinado. Uma
educação dividida, para formação de mão de obra e formação de intelectuais,
respectivamente determinada para as classes trabalhadora e dominante.
Palavras-chave: educação escolarizada da classe trabalhadora; educação dual
e desigual; capitalismo dependente.
202 Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 202-219, jan./jun. 2023
Teresa Cristina Neris Mendes; José Humberto da Silva
Abstract
THE PROCESSES THAT ORGANIZE THE SCHOOLING OF THE WORKING
CLASS AND THE CONFORMATION OF THE DUAL STRUCTURE OF
BRAZILIAN EDUCATION
This article aims to analyze the historical and structural issue of educational
policies in Brazil, with emphasis on the schooling of the working class, especially
regarding the vocational training of young people and adults. To this end, an
exploratory research is carried out, as to its objectives, and is structured, from
the procedural point of view, as a bibliographical research in the light of related
scholars who occupy in analyzing the theoretical categories that circumscribe
this work, such as Frigotto (2006, 2008, 2014); Ramos (2014); Ciavatta (1998);
Ventura (2001). It is affiliated with historical and dialectical materialism, as
a method of analysis, to answer the questions of the organization of school
education of the working classes, its legal norms associated with the political and
economic project. In this process, verify the determinations of dual and unequal
education present in the normatizations proposed to meet the interests of the
elite owner of the capital-accumulated dependent capitalism of associated and
combined development. A divided education, for labor training and intellectual
training, respectively determined for the working and dominant classes.
Keywords: school education of the working class; dual and unequal education;
dependent capitalism.
Resumen
LOS PROCESOS QUE ORGANIZAN LA ESCOLARIZACIÓN DE LA CLASE
TRABAJADORA Y LA CONFORMACIÓN DE LA ESTRUCTURA DUAL DE LA
EDUCACIÓN BRASILEÑA
El objetivo de investigación de este artículo es analizar la cuestión histórica y
estructural de las políticas educativas en Brasil, con énfasis en la escolarización
de la clase trabajadora, especialmente en lo que respecta a la formación
profesional de jóvenes y adultos. Para ello, se realiza una investigación
exploratoria, en cuanto a sus objetivos, y se estructura, desde un punto de vista
procedimental, como una investigación bibliográfica a la luz de estudiosos
afines que analizan las categorías teóricas que circunscriben este trabajo,
como Frigotto (2006, 2008, 2014); Ramos (2014); Ciavatta (1998); Ventura
(2001). Se afilia al materialismo histórico y dialéctico, como método de análisis,
para responder preguntas sobre la organización de la escolarización de las
clases trabajadoras, sus regulaciones jurídicas asociadas al proyecto político
y económico. En este proceso, verificar las determinaciones de educación
dual y desigual presentes en las regulaciones propuestas para satisfacer los
intereses de las élites propietarias del capital acumulado del capitalismo
dependiente del desarrollo asociado y combinado. Una educación dividida,
para la formación de trabajadores y para la formación de intelectuales,
determinada respectivamente para las clases trabajadoras y dominantes.
Palabras clave: escolarización de la clase trabajadora; educación dual y desigual;
capitalismo dependiente.
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Os processos que organizam a escolarização da classe trabalhadora e a conformação da estrutura dual da educação brasileira
INTRODUÇÃO1
Esse artigo propõe analisar a questão históri- ção da classe trabalhadora de jovens e adultos?
ca e estrutural das políticas educacionais no Responder essa problemática possibilita a
Brasil, com ênfase na escolarização da classe compreensão das condições desiguais da es-
trabalhadora, especialmente quanto à forma- trutura da educação para a classe trabalhadora
ção profissional de jovens e adultos e a sua brasileira nessa quadra atual de 2021, em que
inserção no mundo do trabalho. Sem a intenção a pandemia do Covid 19 descobriu e expôs
de esgotar o tema, o estudo explicita recortes todas as fragilidades da educação da classe tra-
históricos das políticas educacionais do perío- balhadora que estavam embaladas no campo
do republicano do século XX e suas bases para do direito, em promessas de políticas públicas
o século XXI, presentes na literatura, refletindo que pouco se concretizam na realidade, pela
os modos, formas e reformas instituídas na for- fragmentação, descontinuidade e por falta de
mulação da educação da classe trabalhadora. financiamento, tornando a formação escolar do
Essa análise sobre a escolarização da classe estudante da classe trabalhadora, jovem, adulta
trabalhadora brasileira tem por base o pen- e idosa, precária, desigual, acrítica, inconclusa,
samento crítico dos teóricos e pesquisadores incompleta e distante de ser uma educação
Moacir Gadotti (2001), Gaudêncio Frigotto para a cidadania e emancipação humana.
(2001, 2006, 2008), Maria Ciavatta Franco Para tanto, a análise desenvolvida tem como
(1998), Marise Nogueira Ramos (2014), en- aporte metodológico o materialismo histórico
tre outras referências, na tentativa de com- dialético, a partir de uma breve revisão bi-
preender, no processo histórico e político, a bliográfica, baseada em estudos correlatos, de
institucionalização da escolarização da classe referenciais teóricos que estão filiadas a esse
trabalhadora de jovens e adultos, no Brasil no campo epistemológico. O materialismo históri-
período republicano do século XX, sustenta- co e dialético permite uma análise crítica, pois
das por legislações reguladoras do ingresso busca nas relações sociais, políticas e econômi-
da classe trabalhadora de jovens e adultos na cas que determinam a escolarização da classe
educação brasileira nos diversos períodos da trabalhadora nos tempos históricos, em seus
nossa história. limites e suas circunstâncias, as explicações
Assim, essa análise busca responder a se- para a sua constituição.
guinte indagação: como se desenvolveu no Esta investigação é importante por contri-
processo histórico e político a institucionali- buir com a compreensão da manutenção da es-
zação da escolarização da classe trabalhadora trutura dual, desigual e precária nos processos
de jovens e adultos, no Brasil no período re- de reformulação de políticas para a educação e
publicano do século XX? Para responder esse escolarização da classe trabalhadora, no pro-
problema, outros questionamentos emergem: jeto de universalização do ensino no Brasil, a
como as legislações normatizavam o ingresso partir da Constituição de 1988 e na LDBN nº
da classe trabalhadora de jovens e adultos na 9394 de 1996. As formulações são resultantes
educação brasileira? Como a normatização de das disputas entre as propostas que afirmam
uma política pública é determinada por fatores o ideário liberal, no formato neoliberal atual,
econômicos e políticos? E, o que é a educação que se contrapõem às visões progressistas
dual e como essa estrutura impacta na forma- que ingenuamente contribuem para a sua ma-
nutenção, por meio de reformas da educação
1 O presente trabalho compõe a segunda seção, da
dissertação de mestrado, do programa de Pós-gra- que garantem apenas modificações para os
duação em Educação de Jovens e Adultos – MPEJA, ajustes do capital, sobretudo, entre aquelas
Departamento de Educação Campos I, da Universi- que radicalizam a crítica e propõem uma saída,
dade Estadual da Bahia-UNEB.
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Teresa Cristina Neris Mendes; José Humberto da Silva
para a formação da classe trabalhadora, fora vigor até hoje, influenciando as determinações
do modelo capitalista, ou seja, uma educação do modelo societário e as políticas públicas
integral, humanista, unitária, politécnica e educacionais que melhor se adequam a sua
omnilateral2, para um projeto de sociedade manutenção.
igualitária e democrática de fato e de direito. No terceiro e último estudo, intitulado “A Re-
(FRIGOTTO, 2008; RAMOS, 2014). democratização do País e as Bases para a For-
A análise, aqui apresentada, foi sistemati- mação Emancipatória e Profissional da Classe
zada em três estudos sequenciados, partindo Trabalhadora, no Século XXI”, o campo da aná-
das temporalidades históricas, organizados nos lise, circunscreve aspecto da redemocratização
seguintes tópicos. No primeiro - “Da exclusão até a formulação da LDB n. 9394 de 1996, para
dos espaços formativos a estrutura dual” - ana- entender as novas políticas normatizadas pela
lisa as relações políticas, econômicas, sociais, Constituição Federal de 1988 e LDB de 1996,
religiosas e raciais que engendraram as for- documentos que expressam a vontade formal
mulações da educação da classe trabalhadora de democratização dos processos instituídos
diferente da classe dominante. para a escolarização educacional, tendo em vis-
Na sequência, o segundo “[...] Quando ta o desenvolvimento de cidadania e formação
a estrutura dual da educação brasileira se emancipatória.
materializa em políticas”, analisa o período
compreendido entre o início da República e o DA EXCLUSÃO DOS ESPAÇOS
período ditarorial dos anos de 1964-1985, um
FORMATIVOS A ESTRUTURA DUAL
período mais curto que os 210 anos de inves-
timento jesuítico, mas rico em complexidades A exclusão escolar da classe trabalhadora se
pelas diferentes formas sobre o entendimento evidencia em todos os momentos de estru-
de educação e escolarização e os múltiplos turação das políticas de escolarização para
formatos da sua institucionalização. Nesse esse conjunto de homens e mulheres, jovens e
momento, a condição econômica avança para adultos, indígenas, negros e seus descendentes
a consolidação do capitalismo, que se estrutura que compõem a massa trabalhadora no Bra-
pelo modelo de capitalismo dependente de de- sil, estando escravizados ou não. No período
senvolvimento associado e combinado, embora colonial, o ensino dos filhos dos colonos, dos
o sistema agrário exportador se mantenha em indígenas e africanos e seus filhos escravizados
foi diferente. Entre 1549 a 1759 os jesuítas ins-
2 Sobre a concepção de educação omnilateral, ver talaram o projeto de ensino em nosso território
Educação omnilateral, de Gaudêncio Frigotto (FRI- “[...] ensinando os índios não só a ler e escrever,
GOTTO, Gaudêncio. Educação omnilateral. In: CAL-
DART, Roseli; PEREIRA, Isabel Brasil; ALENTEJANO, mas especializar-se em diversas artes e ofícios
Paulo. FRIGOTTO, Gaudêncio. (orgs.). Dicionário mecânicos, além, é claro, de submetê-los à con-
da Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Pau- versão religiosa [...]”. (ARANHA, 2006, p.164).
lo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio,
Expressão Popular, 2012. Disponível em: https://
No entendimento da autora, a escolarização
www.epsjv.fiocruz.br/sites/default/files/l191.pdf. dos indígenas servia para “catequizar”, “paci-
Acesso em: 14 dez. 2022. Ver também, O ensino in- ficar” e torná-los “dóceis para o trabalho” e
tegrado, a politecnia e a educação omnilateral. Por a formação dos filhos dos colonos e da elite
que lutamos?, de Maria Ciavatta (CIAVATTA, Maria.
O ensino integrado, a politecnia e a educação om- proprietária e dirigente, atingia outros está-
nilateral. Por que lutamos? Trabalho & Educação | gios mais avançados, preparando os últimos
Belo Horizonte | v.23 | n.1 | p. 187-205 | jan-abr | para concluírem os estudos na Europa. Ainda
2014. Disponivel em: http://forumeja.org.br/go/si-
segundo a autora (2006), os jesuítas, promo-
tes/forumeja.org.br.go/files/Ciavatta_ensino_inte-
grado_politecnia_educacao_omnilateral.pdf. Acesso veram a catequese de indígenas, a educação
em: 14 dez. 2022. dos filhos dos colonos, a formação de novos
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Os processos que organizam a escolarização da classe trabalhadora e a conformação da estrutura dual da educação brasileira
apoio ao modelo econômico e que, ao mesmo espaço para direitos. Um modelo que avança
tempo, não interfira no seu avanço. Não é à toa para o liberalismo, não nos moldes originais,
a presença do Banco Mundial em nosso país, pois o capitalismo fundado em nosso território
e países da América Latina, em determinados recusa os princípios de liberdade, igualdade e
momentos. fraternidade para o público adotado em países
Segundo Ramos (2014, p. 9), europeus. A República brasileira, decorrente
A história da educação no Brasil e a respectiva le- dos moldes de produção agrário-exportador/
gislação – dimensão jurídica da condensação da aristocrático e industrial/burguês engendra-
correlação de forças que se instaura no mercado dos politicamente no ideário liberal, não avan-
ampliado - são expostas e discutidas sempre à çou para todos. O segundo modelo substituiu
luz da dinâmica do desenvolvimento econômico o primeiro, sem que o primeiro seja excluído
brasileiro e frente às disputas travadas em torno
definitivamente até hoje. Avança “ocultando a
do projeto societário e, assim, da própria política
educacional. violência” para a sustentação da “exploração do
trabalho pelo capital” (SAVIANI, 2013, p. 30).
a) Análise histórica da estrutura As desigualdades nessa sociedade livre justi-
dual da educação brasileira ficam a acumulação de bens pela capacidade
dos indivíduos (SAVIANNI, 2013).
Na passagem do século XIX para o século XX
A desigualdade educacional na década de
ocorreram duas mudanças importantes na
1930 se organiza com a instauração do “modo
estrutura econômica e política brasileira sem
de produção propriamente capitalista” com
impactos sociais que beneficiassem a classe
“o processo de industrialização” que justifica
trabalhadora. A abolição da escravatura, em
“a formação dos trabalhadores” decorrente
1888, concretizou a formalidade da passagem
da “necessidade econômica” (RAMOS, 2014,
da escravidão para a configuração do trabalho
p.14). Nesse momento, o projeto de educação
livre concomitante à criação da República em
se reorganiza, e, para Maria Ciavatta Franco
1889. Os arranjos dados às novas estruturas
(1998, p. 123),
econômicas e políticas não asseguram opor-
tunidades de mudança de vida para a classe Mantendo a dualidade intrínseca à formação
social brasileira, entre trabalho manual e traba-
trabalhadora, população eminentemente negra
lho intelectual, a Constituição de 1937 destina
e mestiça, e, em relação a sua formação, se a formação profissional para ‘as classes menos
manteve com mínimas condições de educação favorecidas’ (art. 129) e serve de base para a
formal. organização dualista do sistema nacional de
Na explicação de Romanelli (1986, p. 41), “A ensino: o ensino primário e profissional para
Constituição da República de 1891” em suas as classes trabalhadoras e o ensino secundário
e a formação geral ou intelectual para as elites.
proposições traz em si “[...] a consagração dual
do sistema de ensino, que se vinha mantendo Para Ciavatta (1998), ainda na era Vargas
desde o Império”. Com essa legislação oficializa (1930-1945), o projeto constitucional ganha
o que já ocorria na realidade, uma “[...] educa- forma em 1942, ao criar o SENAI (Serviço Na-
ção da classe dominante (escolas secundárias, cional de Aprendizagem Industrial), sobretudo
acadêmicas e superiores) e a educação do povo por viabilizar a formação de força de trabalho
(escola primária e escola profissional) [...]”, exigida pela indústria. Com “a Lei Orgânica do
estrutura que representa a “dualidade que era Ensino Secundário (1942)”, acentua-se “a velha
o próprio retrato da organização social brasi- tradição do ensino médio secundário, prope-
leira” (ROMANELLI, 1986, p. 41). dêutico e aristocrático” e a regulamentação
Uma sociedade fundada no ordenamento do “ensino profissional nos diversos ramos da
jurídico colonizador mercantilista não tem economia, bem como o ensino normal”, conso-
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em aliança das burguesias locais com o impe- caráter da estrutura social capitalista decorre
rialismo[...]”. Essa submissão ao capitalismo que o papel da educação escolar será um se ela
internacional impõe as classes trabalhadoras for posta a serviço do desenvolvimento do ca-
pital, portanto, a serviço do interesse da classe
uma luta dupla e permanente em defesa de dominante. E será outra, se ela se posicionar a
melhores condições de vida, incluindo, entre favor dos interesses dos trabalhadores.
outros direitos, o direito a educação, “[...] contra
as burguesias locais e contra o imperialismo do A estruturação da educação dual em nosso
qual são sócios”. território perfila uma educação para a elite e
As políticas públicas sociais fragmentadas e outra para a classe trabalhadora, ainda deixan-
descontínuas asseguram a estrutura desigual do de fora dos processos de formação escolar,
entre a elite e os trabalhadores, e mantém cada em todas as faixas etárias, um grande contin-
classe em seu lugar. Segundo os autores (2014, gente daqueles que vivem exclusivamente do
p. 73), “A política pública, portanto, está longe trabalho, homens e mulheres, majoritariamen-
de se voltar para a solução dos problemas te negros, indígenas e seus descendentes, sem
fundamentais da população [...]”. A estrutura- outras garantias, oportunidades e direitos. Na
ção da escola acompanha esse movimento de crítica de Frigotto, Ciavatta e Ramos (2014, p.
manutenção das dualidades e desigualdades. 73), “Somos uma sociedade onde o poder he-
Uma realidade expressa por Kuenzer (2000, gemônico dos latifundiários e dos empresários
p. 28), ao destacar as ideias de Gramsci (1978, alimentaram a dualidade de classes sociais
p. 136) reitera que na repartição da renda, do trabalho manual
apartado da formação intelectual e de todos
[...] é sempre bom ter claro que as escolas são
antidemocráticas não pelos conteúdos que en- os benefícios da riqueza social”.
sinam – acadêmicos, ‘desinteressados’, ou téc- Uma proposta de sociedade diferente não
nico-profissionalizantes, ‘interessados’ -, mas, coaduna com o modelo de capitalismo de-
por sua função, a de preparar diferentemente os pendente brasileiro, mas se mantém ativa nas
intelectuais segundo o lugar que irão ocupar na disputas e enfrentamentos ao longo do século
sociedade, e, portanto, segundo sua origem de
XX, defendendo uma sociedade igual, justa e
classe, como dirigentes ou como trabalhadores.
consequentemente mais humana. Com essas
A autora sinaliza as mudanças nas polí- bandeiras a população vai às ruas pela rede-
ticas que se apresentam, “por meio de uma mocratização do país, mais coordenadamente
nova pedagogia”, e responsabilizam a escola nos anos de 1980, até que se deu o arranjo
para resolver questões históricas, frutos da negociado, para o desmonte da ditadura civil-
dualidade estrutural, como “ingenuidade ou militar que se manteve entre 1964 até 1985,
má-fé”; acrescenta que “a unilateralidade” não alimentando o capital e aprofundando as de-
encontra condições no modelo brasileiro que sigualdades entre brasileiros, em especial as
separa capital e trabalho, “a não ser em outro desigualdades educacionais.
modelo de sociedade”. (KUENZER, 2000, p. 21).
Nesse período analisado a dualidade se revela,
mesmo com as alterações pretendidas nos mo-
A REDEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS
mentos democráticos que prevê direitos iguais E AS BASES PARA A FORMAÇÃO
como condição intrínseca ao liberalismo, muito EMANCIPATÓRIA E PROFISSIONAL
embora “de fato desiguais, realizando, sob a DA CLASSE TRABALHADORA, NO
aparência da liberdade”. (SAVIANI, 2013, p. 26).
Para Saviani (2013, p. 26)),
SÉCULO XXI
A sociedade capitalista é, portanto, dividida Na retomada da democracia é importante
em classes com interesses antagônicos. Desse identificar/reconhecer os avanços que a
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Os processos que organizam a escolarização da classe trabalhadora e a conformação da estrutura dual da educação brasileira
educação da classe trabalhadora logrou com brasileira. A educação se torna uma garantia
uma legislação mais abrangente com a oferta para todos prevista no artigo 208 da Consti-
de Educação Infantil (Creche e Pré-escola), tuição de 1988, em conformidade o artigo 4º
Ensino Fundamental, a progressão do Ensino da LDB n. 9.394 de 1996. Sabendo que a for-
Médio, Educação de Jovens e Adultos – EJA e malidade da lei não garante a implementação
a Educação Profissional (a serem regulamen- dessas políticas, Frigotto (2009), nos alerta
tadas) compõem a Educação Básica. Aqui nos sobre a elite brasileira que historicamente
interessa uma breve análise de escolarização organiza a educação como convém e sintetiza
de nível médio voltada para a EJA e a formação o pensamento de Saviani que,
profissional de jovens e adultos da classe tra- [...] identifica a prática protelatória para as-
balhadora, suas reivindicações, as conquistas segurar aquilo que a lei obriga em termos de
e o porvir a partir dos fundamentos da Lei de garantia de educação básica, púbica, gratuita,
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB, laica e universal, a todas as crianças e jovens do
n. 9394 de 1996. país. Primeiro a promessa de cumprir a lei era de
cinco anos, depois passou para 10 e agora para
Nesse momento, estão em jogo a conquista 20 anos. (FRIGOTTO, 2009, p. 119).
de direitos e o pleno exercício de cidadania
após a superação de um longo período de con- A história da educação carrega as marcas
trole, quando os frágeis direitos políticos e civis do adiamento e descontinuidade. A Educação
existentes foram cerceados. A passagem da mu- para jovens e adultos percorreu caminhos mar-
dança de regime ditatorial se dá pela forma de ginais propostos nos diversos formatos até se
governo eleito indiretamente para construir a tornar uma modalidade de Educação de Jovens
transição, uma fase conturbada pelas perdas de e Adultos - EJA, integrante da política da Edu-
duas lideranças que mobilizaram a população cação Básica em 1996, na LDB nº 9394. O texto
para a reabertura política, Tancredo Neves e da lei inscreve um compromisso com a classe
Ulisses Guimarães. trabalhadora, no parágrafo 2º, do artigo 37, da
Após a fase de transição, com o Governo Seção V, Da Educação de Jovens e Adultos: “O
Poder Público viabilizará e estimulará o aces-
Sarney eleito vice-presidente, pela via indireta,
so e a permanência do trabalhador na escola,
na chapa de Tancredo Neves, Fernando Collor
mediante ações integradas e complementares
se elege e governa 1990-1992, prometendo
entre si”. (BRASIL, 1996).
“inscrever o país em um suposto processo de
Frigotto, Ciavatta e Ramos (2014) nos
modernização globalizada” afinado ao ideário
apresenta em síntese a relação dos projetos
neoliberal, com propostas de “privatização de
políticos da educação da classe trabalhadora,
empresas nacionais” e “extinção de instituições”
jovem e adulta, sem resultados para o desen-
de relevância histórica, por serem avaliadas
volvimento humano e social para a vida desses
como ineficientes. Com a narrativa de moder-
sujeitos
nização, “veio a proclamação da falência do mo-
delo de desenvolvimento brasileiro” causador Há mais de sete décadas, reiteram se progra-
mas de educação de jovens e adultos, sem se
de “um fraco desempenho social e produtivo”
acabar com o analfabetismo e a baixa escola-
(RAMOS, 2014). Uma avaliação aligeirada sem ridade da população. Igualmente, pelo mesmo
base histórica com o intuito de naturalizar o pro- período, sucedem se programas de formação
blema e adotar medidas que privilegia o setor profissional para esta população com pouca e
privado, como foi e se mantêm na atualidade, precária escolaridade. Tem se, como exemplos, a
deu lugar ao “deslocamento do público em favor criação do sistema S no início da década de 1944;
o Programa Intensivo de Formação de Mão de
do privado”. (RAMOS, 2014, p. 50). Obra Industrial (PIPMOI) criado pelo Decreto n.
Com a redemocratização, o campo da educa- 53.324 de 18 de dezembro de 1963 e, em 1971,
ção acompanha as mudanças da Constituição transformado em Programa Intensivo de Forma-
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ção de Mão de Obra (PIPMO), estendido para os cação, “manteve alguns princípios defendidos
demais setores da economia12; o Plano Nacional por educadores progressistas organizados” a
de Formação Profissional (Planfor) em 1995; respeito da educação profissional, embora in-
o Plano Nacional de Qualificação (PNQ) em
2003 e, finalmente, em 2011, o Pronatec. Sem
suficientes para uma transformação para uma
o ensino médio de boa qualidade reiteram educação nas bases emancipatórias (RAMOS,
se castelos em cima de areia. (FRIGOTO; CIA- 2014, p. 47).
VATTA; RAMOS, 2014, p. 67-68, grifos nossos). Para Ramos, a educação profissional na Lei
Reforçando a análise sobre a educação dual, n. 9.394/96 assumiu um “processo educacional
que torna desigual a educação da classe traba- específico, não vinculado necessariamente a
lhadora, Frigotto, Ciavatta e Ramos (2014, p. etapas de escolaridade, voltado para o per-
68) que adotam as referências do materialismo manente desenvolvimento de aptidões para
histórico dialético, como método de análise, a vida produtiva” de “desenvolvimento por
criticam essa realidade e confirmam que, “Ao diferentes estratégias de educação continuada,
longo desses anos a estratégia, em diferentes em instituições especializadas ou no ambiente
conjunturas, para se enfrentar o enigma ou o nó de trabalho, a relação de educação profissional
do ensino médio tem sido reformas curricula- com o ensino regular poderia ocorrer por arti-
res e alteração da legislação que não enfrentam culação” (RAMOS, 2014, p. 47).
o problema estrutural da educação brasileira: O trabalho flexível exigido nessa fase do
a dualidade e a desigualdade.” capitalismo requer uma adaptação na forma-
A formulação de novas bases para a educa- ção dos jovens e adultos trabalhadores. As
ção profissional se assenta nas determinações reformas, que atendam essas especificidades,
do ideário neoliberal, para Frigotto (2009) “A dão ênfase nas “dimensões cognitivas e com-
globalização excludente e as políticas baseadas portamentalistas da educação” para atender
na doutrina neoliberal representam a base as demandas do mercado de trabalho em
material e ideológica dominante neste final de detrimento das “dimensões epistemológicas e
século”. O controle passa pelo convencimento sociopolíticas” (RAMOS, 2014, p, 64). Mudan-
da naturalização das desigualdades e pela ças curriculares relativas aos cursos técnicos
aceitação das medidas propostas como sendo em reformas promovidas nos anos 1990 são
as únicas possíveis (FRIGOTTO, 2009). O autor contabilizadas por Ramos (2014, p. 48),
afirma que o ajuste do país, “[...] ao processo
[...] no lugar de habilitações, áreas profissionais;
de globalização e na reestruturação produtiva, no lugar de matérias e disciplinas científicas,
sob uma nova base científica e tecnológica bases científicas, tecnológicas e instrumentais
dependem da educação básica, de formação desagregadas e isoladas de seus campos origi-
profissional, qualificação e requalificação” nais da ciência; no lugar de conteúdos de ensino,
(FRIGOTTO, 2009, p. 44-45). Mesmo em tempo competências gerais para a vida e competências
específicas.
de democracia, a proposição da educação se
alinha ao projeto econômico, que se modificou Ainda em 1994, por meio da Lei n 8.948, o
e tem novas exigências, deixando de lado outras governo Itamar Franco criou o Sistema Nacio-
questões sociais, pois a escuta permanente com nal de Educação Tecnológica – SNET e às Escolas
a sociedade civil organizada e movimentos so- Técnicas Federais, transformadas em Centros
ciais para compor os seus diferentes interesses, Tecnológicos, demonstração de esforço para
pouco se concretizou. tornar a educação profissional uma estratégia
As disputas travadas na escrita da lei de para resolver o problema da qualificação da
diretrizes e base que resultou na escolha do mão de obra brasileira (RAMOS, 2014, p. 52).
texto da LDB aprovada em 1996, mesmo tendo No discurso da ideologia da empregabilidade a
derrotado uma concepção avançada de edu- falta de qualificação impede a contratação, e o
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Os processos que organizam a escolarização da classe trabalhadora e a conformação da estrutura dual da educação brasileira
dos correlatos ao tema, entendemos estar dian- da classe trabalhadora, se desenvolve para
te de uma engrenagem excludente, e, por não formação de força de trabalho e para as elites,
prever o acesso formativo para todos, constata- a formação intelectual. No final da década de
mos a inexistência de uma institucionalização 1930, a força do mercado se impõe com as de-
escolar, educativa abrange. O que se organizou terminações legais e fundamentam a criação do
de ensino para os escravizados, especialmente SENAI (1942), do SENAC e do SENAR (1946)
os indígenas, foi voltada para o trabalho. En- para a formação da força de trabalho para a
tretanto, encontramos estudos históricos que nascente industrialização, para o comércio e
registram a existência dos espaços formativos ensino agrícola. Com essa conformação, escolas
que foram sendo constituídos por escravizados de aprendizes são criadas em sindicatos, in-
em uma rede de sociabilidade fora do projeto dústrias, e associações, reforçando a estrutura
mercantilista, experiências que envolviam a desigual de educação em outros espaços. No
população negra e seus descendentes. entanto, muitos ficam de fora desses espaços
Nessa época era garantida a escolarização formativos.
da classe dirigente com restrições a classe Ainda na década de 1940, no pós-guerra,
trabalhadora escravizada, como garantia da e nas décadas seguintes, verificamos o surgi-
estruturação da sociedade de classe. O ensino mento das campanhas de alfabetização, CEAA
particular inicia a sua organização para atender (1947-1953) e CNER (1952-1963) estimuladas
a parcela da classe dominante, decorrente da pela UNESCO, em nome do desenvolvimento
falta de investimentos no ensino primário e do país, cujo desdobramento se efetiva na
secundário de responsabilidade das províncias, parceria Brasil/EUA, MEC/USAID. Ao final, as
naquele período. (ROMANELLI, 1986). Esse campanhas, serviram de formação de força de
legado de desrespeito com a formação da clas- trabalho sem resultar em mudanças concretas
se trabalhadora foi passado para os períodos para os trabalhadores adultos tão pouco para
seguintes. a realidade que o cerca. É possível destacar
Na análise relativa às primeiras décadas que a redução do financiamento, tornaram
do século XX, observamos que é nítida a vin- as campanhas como medidas paliativas, de
culação das políticas públicas educacionais, cunho eleitoreiro e como mais uma marca da
que foram sendo projetadas, para a formação fragmentação e descontinuidade da estrutura
de mão de obra. Economia e escola andavam educacional (PAIVA, 1987).
juntas, algumas formulações de ensino técnico No contexto do final da década 1950, início
se dividiam entre o Ministério da Educação e da década de 1960, outra proposta é criada.
Ministério do Trabalho. Esses cursos eram ofer- O governo federal inaugura a rede federal de
tados para as classes trabalhadoras. O ensino ensino técnico, com as escolas técnicas. Nesse
propedêutico ficou restrito as poucas Escolas momento, reascende a disputa das escolas
Técnicas Federal, posteriormente CEFET, as públicas e particulares (RAMOS, 2014). Ao
escolas particulares e aos cursos superiores ga- mesmo tempo, se intensifica a mobilização de
rantidos para as classes dominantes e parcela um contingente da população urbana reivin-
da classe média. Assim, se estrutura a divisão dicando a criação de escolas públicas secun-
social e técnica do trabalho em nossa sociedade dárias, por não poder arcar com os custos das
ao longo da história. escolas particulares. Uma reivindicação nutrida
Romanelli (1986) enfatiza a instituição da pela possibilidade de obter a progressão da
desigualdade educacional na Constituição de escolarização do ensino secundário, ginasial
1891 e Ciavatta (1998), destaca a desigualda- ou colegial a candidatura ao ensino superior.
de educacional na Constituição de 1937, em Esse movimento não abrange a todos.
síntese, as autoras nos indicam que a formação Verificamos que, a partir de 1964, novas
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Teresa Cristina Neris Mendes; José Humberto da Silva
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O trabalho com gêneros discursivos nos anos iniciais do ensino fundamental e EJA
Resumo
Este artigo possui o objetivo de trabalhar com o gênero de aventura na educação
básica e EJA, abordar sobre o assunto de alfabetização, letramento, leiturização,
gêneros de discurso, formação do leitor e escritor e sobre a importância da
leitura, escrita na alfabetização. Dispondo de uma atividade para ser trabalhada
nas turmas do gênero de aventura.
Palavras-chave: educação, aventura, gênero
Abstract
WORKING WITH DISCURSIVE GENRES IN THE EARLY YEARS OF
ELEMENTARY EDUCATION AND EJA
This article aims to work with the adventure genre in basic education and EJA,
addressing the subject of literacy, literacy, reading, speech genres, reader and
writer training and the importance of reading, writing in literacy. Offering an
activity to be worked on in the adventure genre classes.
Keywords: education, adventure, gender
* Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Bolsista do CEH, Universida-
de do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: alebsantos14@hotmail.com
** Psicóloga pelo Centro Universitário Celso Lisboa e Pedagoga pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
onde atualmente cursa Mestrado na linha de Educação Inclusiva e Processos Educacionais sendo bolsista da
CAPES. Recentemente atuou na área clínica com crianças e jovens com transtorno do neurodesenvolvimen-
to, e atua como voluntária no projeto de extensão Alfabetização e letramento para estudantes com deficiên-
cia intelectual sob o viés do plano educacional individualizado, vinculado à Faculdade de Educação da UERJ.
E-mail: cmnunesoi@gmail.com
*** Doutora em Educação pela UERJ/RJ. Mestre em Distúrbios da Comunicação pela Universidade Tuiuti do Para-
ná/PR. Especialista em Linguagem pelo CEFAC/RJ e Especialista em Voz pela Universidade Estácio de Sá/RJ.
Graduação em Fonoaudiologia pela Universidade de Mogi das Cruzes/SP. Habilitação Profissional Específica
para o Magistério. Atuação e Pesquisa nas áreas de Educação, Formação de Educadores, Linguística aplicada à
Alfabetização e ao Letramento, Fonoaudiologia e Educação a Distância. Professora Associada da Faculdade de
Educação - Departamento de Estudos Aplicados ao Ensino; Área de Linguística Aplicada à Alfabetização e ao
Letramento - UERJ/RJ. E-mail: edu.uerj@gmail.com
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Alessandra Barbosa Santos; Caroline Menezes Nunes de Oliveira; Maria Leticia Cautela de Almeida Machado
Resumen
TRABAJAR CON GÉNEROS DISCURSIVOS EN LOS PRIMEROS AÑOS DE
EDUCACIÓN PRIMARIA Y EJA
Este artículo tiene como objetivo trabajar con el género de aventuras en la
educación básica y EJA, para abordar el tema de alfabetización, alfabetización,
lectura, géneros del habla, formación de lectores y escritores y la importancia
de la lectura y la escritura en la alfabetización. Ofreciendo una actividad para
trabajar en las clases del género de aventuras.
Palabras clave: educación, aventura, género.
INTRODUÇÃO
O termo letramento por leiturização significa linguagem é o ponto de acordo de Vygotsky e
os processos de construção da leitura que nos Piaget, porém para Vygotsky é o ponto de iní-
leva uma significação do papel do professor cio e Piaget o final. Para Piaget as ferramentas
junto ao aluno, este processo demanda de cognitivas não produzem juízos e sim conhe-
várias etapas cognitivas e de influências do cimentos e para atribuir um valor simbólico
mundo exterior. Jean Piaget e Vygotsky con- a um juízo o indivíduo faz uso da faculdade
cluíram que o desenvolvimento cognitivo não de linguagem. A linguagem é a capacidade de
se resume as operações lógico-formais, integra sintetizar em um juízo simbólico as represen-
o esforço do indivíduo para construir a sua tações dos processos cognitivos adquiridos por
identidade social ou pessoal. Para compreen- uma experiência.
der o desenvolvimento das capacidades lógico Como a linguagem é a responsável pela
formais deve-se compreender dos processos de transformação de juízos em conhecimentos,
desenvolvimento sócio-afetivo, pois as expe- na leitura o indivíduo aplica seus juízos para
riências sofridas pelo indivíduo interfere nos compreender a experiência, pois leitura é uma
dois estados. Para compreender como a criança habilidade derivada da linguagem. O processo
pensa é necessário entender os sentidos das de leitura se divide em: A busca da equivalência
operações concretas, atribuídos através de entre mundo exterior e juízos e a fixação de
interação com objetos do mundo exterior ad- um juízo da situação analisada. O processo de
quirindo conhecimentos. leitura é definido como a tentativa de ligar a
O conhecimento é atribuído através da inte- realidade a juízos já construídos, explicando o
ração da criança com o mundo a sua volta, para porquê os alunos têm interpretações diferen-
Vygotsky, o conhecimento é adquirido através tes de suas leituras. A ligação entre leitura e
da interação social, estes conhecimentos vão experiência não depende somente da lingua-
para zona de desenvolvimento proximal que gem, e sim das ferramentas da cognição que
consiste em esclarecer como as diferentes for- podem estar desenvolvidas ou estar ainda em
mas de compreensão da experiência de mundo desenvolvimento.
interferem na relação entre pessoas. Quando Para adquirir a habilidade de ler textos é neces-
alguém está interagindo em uma conversa sário o desenvolvimento da prática de decodifi-
com outra pessoa e não consegue reconhecer car a língua a escrita que é quando o indivíduo é
os sentidos atribuídos a algo, uma palavra ou capaz de operar juízos a partir de outros juízos
objeto ela caiu em zona de desenvolvimento simbólicos, e que ele seja capaz de compreender
a informação contida no texto. “A leiturização
proximal, a interação entre pessoas produz
significa trazer para o planejamento curricular
uma situação de desenvolvimento proximal na o elenco de pré-condições para que o sujeito,
qual os envolvidos tentam se compreender. A de fato, construa uma relação produtiva, não
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O trabalho com gêneros discursivos nos anos iniciais do ensino fundamental e EJA
somente com a escrita, mas também, com todos respondemos nossos e-mails (ROJO, P. BARBOSA
os mecanismos outros de comunicação empre- pág. 17)
gados em seu cotidiano. (SENNA, 2000 pág. 14)
Podemos afirmar que se inicia a formação
No processo de desenvolvimento da leitu- de leitores e escritores a partir da oralidade,
rização, a alfabetização é uma etapa, que en- desde alguém conversando, contando histó-
volve outras com início na prontidão motora rias, ouvindo música, isso bem antes dos anos
e termina na prontidão sócio-afetiva. As áreas iniciais na escola, ou seja, desde bebê.
de desenvolvimento da leiturização na escola Entretanto, para entendermos o processo
são: Área Físico-Motora: Que envolve todas as temos que ter ciência que cada criança tem seu
relações psicomotoras responsável por cons- tempo de aprendizagem, sua singularidade e
truir o esquema corporal e todos conceitos que existem aspectos que podem interferir no
dependentes da representação espacial. Área processo de aprendizagem, principalmente os
Lógica Formal: Relacionada aos mecanismos da aspectos biológicos (cognição, coordenação
construção de conhecimento, do ponto de vista motora, audição, visão), mas também o aspecto
formal é a capacidade de sintetizar, categorizar, afetivo pode afetar na aprendizagem do sujeito
analisar, ler e construir textos e etc. Área Sócia e o seu contexto social. Respeitando a idade
Afetiva: É o desenvolvimento da identidade de cada sujeito para este processo, como por
da pessoa e os aspectos culturais que estão exemplo, no EJA, não se pode usar material de
ligados ao aproveitamento do conhecimento ensino infantil para eles, tem que se adequar
construído. Esta área na leitura é responsável o conteúdo, a metodologia e o material para a
pela atribuição de significados e interpretação idade do aluno.
de textos. Devemos pontuar também o cognitivo do
aluno, adequando o que será dado para cada
1. OS GÊNEROS DO DISCURSO E A condição cognitiva, pois se for dado algo que
ainda o aluno não se tem conhecimento, será
FORMAÇÃO DO LEITOR E ESCRITOR um erro e ineficiente.
Os gêneros do discurso podem ser divididos A partir disto entramos na mediação, a
em três categorias enunciado, gênero primário mediação é a estação para se colocar entre
e secundário. Os enunciados são ditos escritos o sujeito e o objeto de aprendizagem que é a
ou falados, concretos, únicos e irrepetíveis ele língua escrita e essa mediação é que vai dar
necessita da língua para existir, é a forma que é possibilidade de tornar o sujeito que lê e es-
materializada. Os gêneros primários são encon- creve, alguém que será um leitor e produtor de
trados em conversas cotidianas, mensagens na textos. O mediador não é somente o professor,
internet, SMS, ordens ou pedidos, cumprimen- pode ser, pai, mãe, irmão, até mesmo um amigo
to, conversa com amigos, bilhetes, algumas car- de classe.
tas, e alguns blogs. O gênero secundário é uma De acordo com as autoras Machado e Lopes
mistura, pode conter gênero primário na sua (s.a) o acesso a novos meios da tecnologia ajuda
composição, é utilizado em esfera mais formal, nesse processo de aprendizagem, as mídias
como relatórios, atas, formulários, notícias, são consideradas um suporte de produção de
anúncios, artigos, telenovelas e rádio. Na escola leitura e da escrita nos dias atuais A tecnologia
encontramos o gênero secundário em diário de permeia conhecimentos para todos os seres
classe, lista de frequência e formulários. humanos, independente de sua capacidade de
Todas as nossas falas, sejam cotidianas ou aprendizagem.
formais, estão articuladas em um gênero de Mais do que isso torna-se possível prever formas
discurso. Levantamo-nos pela manhã, damos que tais conteúdos tomarão e a maneira como
um bom-dia a nossos filhos; fixamos; vemos e os elementos estruturais se organizarão e se
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O trabalho com gêneros discursivos nos anos iniciais do ensino fundamental e EJA
uma tempestade, ficar sem comida, se perder, identificado como narrador em primeira
etc, que geralmente apresentam riscos que pessoa ou narrador em terceira pessoa.
serão assumidos ou não pelo os protagonistas. (GANCHO APUD BAUMGÄRTHER; SCH-
Em relação a composição estrutural da NORR, 2016, p. 141)
aventura o autor escolhido foi Gancho (2002), A partir desses conceitos de como é estru-
pois ele fala das definições sobre todos os ele- turado o gênero narrativo pode-se entender
mentos constitutivos desse gênero narrativo. como é constituído e como é diferente do conto
Dentre eles: de fadas, por exemplo.
a. Enredo: É a sequência de fatos a sequên- Esse gênero é bom para ser trabalho com
cia dos acontecimentos, ou conjunto de turmas do ensino fundamental, pois já podem
fatos que compõem uma história. Com- lidar com questões de liberdade, justiça, podem
posto de apresentação da situação ini- refletir sobre a conduta dos heróis e vilão, ques-
cial, complicação, clímax e situação final. tões da sociedade e ponderar o certo e errado.
b. Personagens: ser fictício responsável Além de ser um gênero que diverte de crianças
pelo desenrolar do enredo. Quanto ao a adolescentes, eles podem se identificar com
papel desempenhado, pode ser conside- herói aventureiro e criar suas conclusões e
rado: protagonista (herói ou anti-herói), enredos, além de aprender noções de tempo
antagonista, secundários ou coadjuvan- e espaço.
tes. Quanto à caracterização, podem ser Seguindo as orientações de Antônio Houaiss
planos ou redondos; (GANCHO APUD (2001, p. 64), a palavra AVENTURA tem sua
BAUMGÄRTHER; SCHNORR, 2016, p. origem no latim adventura - que significa o que
140) vem pela frente, circunstância ou lance aciden-
tal, inesperado; peripécia, incidente. Aventura
c. Tempo: época em que transcorrem os refere-se a uma ação em que se corre perigo.
fatos e o tempo de duração. Pode ser Uma pessoa aventureira passa por situações em
classificado em tempo cronológico ou que sua vida passa por riscos, andando sempre
psicológico; (GANCHO APUD BAUMGÄR- ao lado da morte. Dessa forma, o personagem de
THER; SCHNORR, 2016, p. 140) uma narrativa de aventura passa por diversas
atividades, viagens, desafios excitantes e difíceis.
d. Espaço: lugar dos acontecimentos; “tem
(SIQUEIRA, 2013, pag. 8)
como funções principais situar as ações
dos personagens e estabelecer com eles
uma interação” (GANCHO, 2002, p. 23). 2.2 Sugestões de trabalho na escola
Ainda de acordo com a autora, o espaço com o gênero/texto escolhido
refere-se ao lugar físico onde se desen- De acordo com o que foi apresentado até então
rola a história. Para fazer referência ao neste trabalho, junto ao o que acreditamos
“lugar” psicológico, social e econômico, fazer parte do conhecimento que um leitor e
é adequado empregar ambiente. Nas escritor têm que deter iremos a partir de um
narrativas de aventura, o espaço favore- texto para a Educação Infantil e um filme para
ce a experimentação de fortes emoções, a EJA propor atividades para que os conteúdos
pois as aventuras acontecem em lugares sejam trabalhados e compreendidos pelo os
distantes, perigosos e hostis. O ambiente sujeitos participantes.
contribui para o clima de suspense e Nestas atividades selecionamos como im-
indeterminação. (GANCHO APUD BAUM- portante exercitar o conceito de gênero, como o
GÄRTHER; SCHNORR, 2016, p. 140) que o compõe (situação de produção, conteúdo
e. Narrador: aquele que conta a história. temático, construção composicional e estilo
De acordo com a perspectiva que assu- verbal), assim como os tipos de compreensão
me perante os fatos narrados, pode ser (síntese, crítica, literal e inferencial), para que
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Alessandra Barbosa Santos; Caroline Menezes Nunes de Oliveira; Maria Leticia Cautela de Almeida Machado
com estes conhecimentos seja possível realizar em que os alunos estiverem em roda, a partir
atividades de escuta e leitura das literaturas do texto Os Três Mosqueteiros.
propostas e atividades de produção de textos a. Situação de Produção: o elemento de
orais e escritos. situação de produção visa pensar para
A escolha das literaturas se deu ao passo que quem aquela estória/gênero foi escrito.
escolhemos os anos em que iríamos trabalhar Desta forma, iremos instigar as crianças
às atividades e conteúdos. Para trabalharmos a pensarem para quem o autor escreveu,
o conto de aventura Uma Aventura de Os Três para qual tipo de público e com qual
Mosqueteiros de Alexandre Dumas na Educa- objetivo.
ção Infantil a série escolhida foi o quarto ano, b. Conteúdo Temático: neste elemento o
e na EJA a mesma série, porém não usaremos que predomina é o assunto ou tema, ou
o mesmo texto, já que a escolha para esse pú- seja, o conjunto de informações que são
blico foi a do filme de aventura Pantera Negra explicitamente apresentados. Então,
da Disney que foi lançado em 2018. A escolha para trabalharmos esse componente
do filme Pantera Negra para a EJA foi obtida, iremos perguntar qual é o assunto
por ser uma temática mais próxima de assuntos que predomina na estória dos Três
que são discutidos por jovens, adultos e idosos, Mosqueteiros.
ou seja, o público alvo, além do que essa pro- c. Construção Composicional: como nesse
posta de leitura foge ao usual da sala de aula elemento fala sobre a estrutura como
do que é uma leitura formal, pois de acordo formatação e organização, iremos per-
com o filme podemos trabalhar tanto a parte guntar na roda se as crianças conseguem
de leitura, com o uso das legendas, imagens, falar qual é o fator que faz a aventura
etc, quanto a parte da escrita, como podemos ser diferente dos outros tipos de textos,
observar no texto a seguir, onde percebemos como por exemplo, a poesia, a carta e o
que a escrita é além do que se tem no papel. conto de fadas.
Podemos, portanto, definir a escrita, de manei- d. Estilo Verbal: para eles entenderem qual
ra mais geral, como a representação visual da o tipo de linguagem que se usa neste tipo
linguagem por um sistema de signos gráficos de texto iremos mostrar que o recurso da
adotados convencionalmente por uma comu-
nidade. Ao longo de sua história, as escritas
língua pode ser mais próximo do nosso
utilizaram suportes muito variados: da pedra contexto de realidade, já que em estórias
à terra seca ou cozida aos muros urbanos, do de aventura retratam personagens mais
papiro ao papel, do filme à tela do computador próximos da realidade.
ou da TV. (ROJO, R. 2006) Para contextualizar faremos uma roda com
A partir destes da escuta e leitura desses tex- os alunos, em que eles terão contato com livros
tos serão propostas atividades que por vezes a de conto de fadas e de aventura. Então, pedirei
leitura e escrita irão se aproximar. para que eles olhem, leiam e diferenciem o que
tem diferente nos dois gêneros.
a) práticas de escuta e leitura de Após essa atividade e a compreensão do que
textos; é o gênero aventura, focaremos apenas no livro
que será trabalhado - Os Três Mosqueteiros.
• Ensino fundamental Para explorar o texto inicialmente faremos
Para iniciar as atividades de práticas de escuta perguntas para situar as crianças sobre ele,
e leitura de textos para a turma do Ensino Fun- como: Esse livro é de qual autor?, Quando ele
damental iremos contextualizar e trabalhar os foi escrito?, Essa aventura aconteceu no Bra-
quatro elementos que compõe o gênero conto sil?, A aventura aconteceu semana passada?,
aventura, através de perguntas feitas na hora O que o autor do livro tinha como objetivo
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 220-228, jan./jun. 2023 225
O trabalho com gêneros discursivos nos anos iniciais do ensino fundamental e EJA
quando escreveu este livro? e Será se ele tinha estiverem sentados em suas mesas:
algum objetivo ao escrever essa estória?. E a. Situação de Produção: o elemento de
para finalizar a atividade de contextualização situação de produção visa pensar para
perguntaremos se eles conhecem alguma outra quem aquele filme foi escrito. Desta
aventura comparando uma a outra, e depois forma, iremos instigar os alunos a pen-
perguntando se os alunos já viveram alguma sarem para qual tipo de público e com
aventura semelhante? qual objetivo aquele filme foi feito.
A fim de explorar a compreensão síntese, b. Conteúdo Temático: neste elemento o
crítica, literal e inferencial, e para isto faremos que predomina é o assunto ou tema, ou
um questionário para que eles respondam, seja, o conjunto de informações que são
como está a seguir. explicitamente apresentados. Então,
a. Compreensão Literal: como nesta com- para trabalharmos esse componente
preensão devemos explorar as infor- iremos perguntar qual é o assunto que
mações implícitas no texto iremos predomina no filme Pantera Negra.
perguntar o que cada mosqueteiro tem c. Construção Composicional: como nesse
de principal em sua personalidade. elemento fala sobre a estrutura como
b. Compreensão Crítica: para explorarmos formatação e organização, iremos per-
essa compreensão iremos perguntar a guntar para a turma se eles conseguem
eles o que acharam da atitude dos heróis falar qual é o fator que faz a aventura
em relação a situação presente na estó- ser diferente dos outros tipos de textos/
ria e como eles agiriam se acontecesse filmes, como por exemplo, a poesia, a
com eles. carta e filmes de comédia romântica,
c. Compreensão Inferencial: neste tipo de terror, etc.
compreensão é avaliado se o aluno tem d. Estilo Verbal: para eles entenderem qual
a capacidade de formular ideias a partir o tipo de linguagem que se usa neste tipo
de indícios deixadas pelo autor e a par- de texto/filme iremos mostrar que o re-
tir disso iremos pedir para que contem curso da língua pode ser mais próximo
o que eles acham que irá acontecer a do nosso contexto de realidade, já que
partir do clímax da estória dos Três em estórias de aventura retratam per-
Mosqueteiros. sonagens mais próximos da realidade,
d. Compreensão Síntese: neste caso onde como é visto no filme Pantera Negra.
os alunos devem sistematizar, conso- Para contextualizar faremos uma roda com
lidar, ou reordenar as ideias iremos os alunos, em que eles terão contato com di-
propor a eles no questionário que eles versas sinopses retiradas da internet de filmes
esquematizem o começo, o meio e o fim de diferentes modalidades. Então, pedirei para
da história no papel, e depois dramati- que eles olhem, leiam e diferenciem o que tem
zem o que eles entenderam da aventura, diferente nos gêneros.
dividindo a turma em três grupos, onde Após essa atividade e a compreensão do
cada um ficará com uma parte da estória. que é o gênero aventura, focaremos apenas
no filme que será trabalhado em sala –Pantera
• EJA Negra. Para explorar o filme inicialmente fare-
Para iniciar as atividades de práticas de escuta mos perguntas para situar os alunos sobre ele,
e leitura de textos para a turma da EJA iremos como: Esse filme é de qual autor?, Quando ele
contextualizar e trabalhar os quatro elemen- foi escrito?, Essa aventura aconteceu no Bra-
tos que compõe o gênero aventura, através sil?, A aventura aconteceu semana passada?,
de perguntas feitas na hora em que os alunos O que o autor do filme tinha como objetivo
226 Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 220-228, jan./jun. 2023
Alessandra Barbosa Santos; Caroline Menezes Nunes de Oliveira; Maria Leticia Cautela de Almeida Machado
quando escreveu este livro? e Será se ele tinha iniciada depois da leitura do texto oral ou
algum objetivo ao escrever essa roteiro?. E escrito da aventura escolhida e da realização
para finalizar a atividade de contextualização da atividade de leitura de interpretação de
perguntaremos se eles conhecem algum outro texto que se dará a partir dos quatro tipos de
filme de aventura comparando um ao outro, e compreensão. Desta forma, os alunos já esta-
depois perguntando se os alunos já viveram rão adequados a estrutura da aventura, assim
alguma aventura semelhante? como os elementos que compõe esse gênero
A fim de explorar a compreensão síntese, narrativo para então realizarem a atividade de
crítica, literal e inferencial, faremos um ques- produção de texto.
tionário para que eles respondam, como está Para que a atividade de produção seja rea-
a seguir. lizada para a turma escolhida do Ensino Fun-
a. Compreensão Literal: como nesta com- damental a turma será dividida em grupos de
preensão devemos explorar as infor- cinco crianças, onde cada qual receberá o local
mações implícitas no texto iremos em que se passa a aventura, o tempo-espaço
perguntar o que o protagonista T’Challa ou um personagem para darem início a escrita
tem de principal em sua personalidade. da aventura compartilhada. A proposta é que
b. Compreensão Critica: para explorarmos as crianças em conjunto façam uma produção
essa compreensão iremos perguntar a de texto a partir de um elemento que já será
eles o que acharam da atitude do herói pré-definido, como por exemplo: local – China,
em relação a situação presente na estó- tempo-espaço – império na França e persona-
ria e como eles agiriam se acontecesse gem – jogador de futebol, sendo este elemento
com eles. dado aleatoriamente a cada grupo.
c. Compreensão Inferencial: neste tipo de Ao finalizarem a atividade cada grupo en-
compreensão é avaliado se o aluno tem cenará sua aventura para o restante da turma,
a capacidade de formular ideias a partir que para concluírem a atividade juntarão suas
de indícios deixadas pelo autor e a partir aventuras em um único livro que ficará à dis-
disso iremos pedir para que contem o posição da turma.
que eles acham que irá acontecer a partir Para a turma de EJA a proposta de produ-
do clímax do filme. ção será de mudança de temporalidade. Desta
d. Compreensão Síntese: neste caso onde forma, cada aluno após terem realizados as
os alunos devem sistematizar, consoli- atividades anteriores irão reescrever a aven-
dar, ou reordenar as ideias proporemos tura, porém não nos dias atuais como é retra-
a eles no questionário que eles esque- tado no filme, mas na época do Império. Com
matizem o começo, o meio e o fim da essa atividade além deles trabalharem com a
história no papel. produção de texto, irão trabalhar também a
Vale ressaltar que quando preparamos para temporalidade.
as crianças e para a turma da EJA um questio-
nário não só estimulamos eles a leitura, mas
também a escrita por meio da resposta que CONSIDERAÇÕES FINAIS
eles devem produzir. O propósito principal deste trabalho foi de
apresentar, analisar e trabalhar com o gênero
b) Práticas de produção de textos de aventura, na educação básica e EJA, abordar
orais e escritos (para uma turma de sobre o assunto de alfabetização, letramento,
anos iniciais EF e uma de EJA); leiturização, gêneros de discurso, formação
A atividade de produção de texto tanto para o do leitor e escritor e sobre a importância da
Ensino Fundamental, quanto para a EJA será leitura, escrita na alfabetização.
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 220-228, jan./jun. 2023 227
O trabalho com gêneros discursivos nos anos iniciais do ensino fundamental e EJA
Através de pesquisa bibliográfica feita pelo MACHADO, M.L.C.A.; LOPES, P.S.V.C. O lugar das
grupo por literaturas que falassem do gênero multimídias contemporâneas nos processos de
aventura, letramento, formação do leitor e às formação de leitores e produtores de escrita.
EDUCAÇÃO, SOCIEDADE & CULTURAS, v.48, p.149
próprias literaturas que foram usadas para – 167.
propor às atividades conseguimos alcançar
MACHADO, M. L. C. A. Processos de formação de
o objetivo proposto por este trabalho, conse-
leitores e escritores. Aula ministrada na turma 1
guindo apresentar por meio de citações e fun- da Pedagogia. UERJ, 2018.
damentações a partir dos textos os conceitos
MACHADO, M. L. C. A. Práticas de escuta e leitura
que foram determinados na proposta inicial.
na escola e os mecanismos de compreensão e
Da mesma forma que a proposta de atividade leitura. Aula ministrada na turma 1 da Pedagogia.
alcança suprir todos os assuntos que permeiam UERJ, 2018.
a temática, corroborando para o objetivo do MUSIALAK, M. B.; ROBASZKIEVICZ, M. C. F. GÊNE-
trabalho. RO CONTO: Possibilidades de uso em sala de
Um ponto de relevância que vale ressaltar aula. Os desafios da escola pública paranaense na
que apresentamos neste trabalho, e que muitas perspectiva do professor PDE, 2013, v.1. Dispo-
pessoas desconhecem, é a percepção de que nível em: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.
br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_
apenas os livros servem para trabalhar leitura
pde/2013/2013_fafiuv_port_artigo_marli_biesc-
e escrita na formação de leitores e escritores, zad_musialak.pdf> Acesso em: 10 de julho de 2018.
entretanto como observamos através do que
SOARES, A. Gêneros literários. São Paulo: Ática,
a autora Roxane Rojo fala, o filme dá conta
1993. Disponível em: <https://joaocamillopenna.
de trabalhar esses assuntos também, como é files.wordpress.com/2017/08/soares-gecc82ne-
apresentado na seção 2.0. ros-literacc81rios.pdf> Acesso em: 10 de julho de
2018.
REFERÊNCIAS Rojo, Roxane. As relações entre fala e escrita: mi-
tos e perspectivas - caderno do professor / Roxane
MORTATTI, M.R.L. O texto na sala de aula: uma Rojo. - Belo Horizonte: Ceale, 2006. 60 p. - (Coleção
revolução conceitual na história do ensino de Alfabetização e Letramento) ISBN: 85 - 99372 - 36-
língua e literatura no Brasil. In: SILVA, L.L.M.; X. Disponível em: <http://www.ceale.fae.ufmg.br/
FERREIRA, N.S.A.; MORTATTI, M.R.L. (Orgs.). O texto app/webroot/files/uploads/Col.%20Alfabetiza%-
na sala de aula: um clássico sobre ensino de língua C3%A7%C3%A3o%20e%20Letramento/Col%20
portuguesa. Campinas, SP: Autores Associados, Alf.Let.%2013%20Relacoes_Fala_Escrita.pdf>
2014, p: 5-28. Acesso em: 10 de julho de 2018.
SENNA, L.A.G. Letramento ou Leiturização? O SIQUEIRA, R. R. Ler é uma aventura: uma proposta
sociointeracionismo na Linguística e na Psico- de formação de leitores.
pedagogia. In: Anais do 12o Congresso de Leitura
BAUMGARTHER, C. T.; SCHNORR, L. A. S. Ensi-
do Brasil. Associação de Leitura do Brasil. Campi-
no da produção textual escrita por meio de
nas/SP: 2000, p.3203-25. Disponível em: http://
narrativas de aventura: uma possibilidade de
www.senna.pro.br/biblioteca/leiturizacao_new.pd
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ROJO, R.; BARBOSA, J.P. Gêneros Discursivos : O textual... p. 129-157. Disponível em: <http://
que são? IN:_____. Hipermodernidade, multiletra- www.seer.ufu.br/index.php/letraseletras/article/
mentos e gêneros discursivos. São Paulo: Parábola view/34572/19946> Acesso em: 10 de julho de
Editorial, 2015, p.15-51. 2018.
228 Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 220-228, jan./jun. 2023
Marcos Fernandes Rafael
Resumo
O objetivo do presente estudo foi discorrer sobre a educação no Sistema
Carcerário mais especificamente sobre o Projeto Viajando na Leitura que
funciona dentro da Escola Estadual César Lombroso na Penitenciária José Maria
Alkimim. Não restam dúvidas que o papel da educação no cárcere deve ser de
reeducar os criminosos e auxiliá-los a ter uma visão mais ampla de mundo, a
buscar outras formas de inserção na sociedade, pois observamos que os detentos
que tem acesso à escola estão mais acessíveis ao mercado de trabalho. É através
do ensino que os encarcerados têm a oportunidade de se humanizarem e se
transformar. A Educação é transformadora quando se quer transformar. O ensino
aprendizagem se faz com o professor por que ele é mediador. De modo a alcançar
o objetivo proposto, a metodologia utilizada no desenvolvimento do artigo foi a
revisão bibliográfica qualitativa fundamentada em autores que discorrem sobre
o assunto que compuseram a discussão. Mediante a discussão apresentada
foi possível inferir que a leitura no Sistema Carcerário precisa ser vista como
via de inclusão social e de melhoria para a formação dos indivíduos que ali se
encontram, para que o processo de reintegração tenha um olhar mais positivo
da sociedade. Logo, a leitura tem uma função crítica e social muito importante,
porque oferece a opção de se posicionar perante a realidade da sociedade.
Palavras-chave: Educação. Leitura. Sistema Carcerário. Minas Gerais.
Abstract
PROJECT TRAVELING IN READING –CESAR LOMBROSO STATE SCHOOL
JOSÉ MARIA ALKIMIM PENITENTIARY
The objective of the present study was to discuss education in the Prison System,
more specifically on the Viajando na Leitura Project that works within the César
Lombroso State School in the José Maria Alkimim Penitentiary. There is no
doubt that the role of education in prison should be to re-educate criminals and
help them to have a broader view of the world, to seek other forms of insertion
into society, as we observe that inmates who have access to school are more
accessible to the labor market. It is through teaching that those incarcerated
* Prof. e Gestor educacional, Secretaria de Educação de Minas Gerais. Mestre em Educação pela Universidade
Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais. Possui graduação em GEOGRAFIA pela Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais (2002) e em PEDAGOGIA pelo Centro Universitário UniDomBosco (2020), Especialista em Gestão
escolar Designer Instrucional. E-mail: marcosrafael06@gmail.com
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 229-237, jan./jun. 2023 229
Projeto viajando na leitura – Escola Estadual Cesar Lombroso – Penitenciária José Maria Alkimim
resumen
PROYECTO VIAJANDO EN LA LECTURA
ESCUELA ESTATAL CESAR LOMROSO PENITENCIAL JOSÉ MARIA ALKIMIM
El objetivo de este estudio fue discutir la educación en el Sistema Penitenciario,
más específicamente sobre el Proyecto Viajando na Leitura que opera dentro de
la Escuela Estatal César Lombroso en la Penitenciaría José Maria Alkimim. No
hay duda de que el papel de la educación en prisión debe ser el de reeducar a los
delincuentes y ayudarlos a tener una visión más amplia del mundo, a buscar otras
formas de integración en la sociedad, ya que observamos que los reclusos que
tienen acceso a la escuela son más accesible al mercado laboral. Es a través de la
enseñanza que los presos tienen la oportunidad de humanizarse y transformarse.
La educación es transformadora cuando quiere transformar. La enseñanza y el
aprendizaje se dan con el profesor porque es mediador. Para lograr el objetivo
propuesto, la metodología utilizada en el desarrollo del artículo fue una revisión
bibliográfica cualitativa basada en autores que abordan el tema que conformó
la discusión. A través de la discusión presentada, se pudo inferir que la lectura
en el Sistema Penitenciario debe ser vista como una forma de inclusión social
y de mejora en la formación de las personas que allí se encuentran, para que el
proceso de reinserción tenga una visión más positiva de la sociedad. Por tanto,
la lectura tiene una función crítica y social muy importante, porque ofrece la
opción de posicionarse frente a la realidad de la sociedad.
Palabras clave: Educación. Lectura. Sistema penitenciario. Minas Gerais.
Educação e o Cárcere
A educação no sistema prisional é uma política se na Lei n° 7.210, de julho de 1984 (a Lei de
pública, prevista na Constituição Federal de Execução Penal – LEP), que institui nos seus
1988, no art. 108, inciso I, que garante a edu- artigos 17 aos 21 a assistência educacional,
cação gratuita como dever do Estado, possibi- compreendendo-a como instrução escolar e a
litando o acesso àqueles cidadãos com idade formação de educação de jovens e adultos em
acima dos 17 anos que não tiveram educação situação de privação de liberdade.
na idade própria. Uma previsão legal específica A fim de disciplinar e orientar essa assistên-
da educação nas unidades prisionais encontra- cia educacional, foi publicado pelo Ministério
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Marcos Fernandes Rafael
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Projeto viajando na leitura – Escola Estadual Cesar Lombroso – Penitenciária José Maria Alkimim
apoio das atividades da escola e à participação A criação de uma escola dentro de unidades
no planejamento e avaliação de aprendizagem, prisionais passa pela avaliação da Secretaria
tendo como foco as garantias do cumprimento de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) em
das ordens judiciais, além de participação da conjunto com a Secretaria de Atendimento ao
seleção de servidores do SEE, estabelecendo e Preso (SEAP), sendo esta última responsável
orientando sobre as normas e procedimentos pela estrutura física das escolas.
de segurança. Também devem garantir aos Por fim, a realidade da educação nas unida-
servidores das escolas a capacitação técnica, a des prisionais no estado de Minas Gerais está
disponibilização de vale transportes e a alimen- ligada às experiências dos estabelecimentos
tação, nos casos daqueles que trabalhem em localizados em Ribeirão da Neves – inclusi-
pelo menos dois turnos. Com relação ao espaço ve, neste temos a percussora da educação
físico, o SEDS e SEAP devem garantir o espaço em unidades prisionais e a única do sistema
físico para as escolas, prover de monitoramento público-privado. Houve muitos avanços na
de segurança e controle de acesso à internet, oferta da educação nas unidades prisionais, no
responsabilizar pelos gastos com telefonia, entanto, ainda há muito a se melhorar, como,
água e luz dos prédios e, quando necessário, a por exemplo, o número de indivíduos privados
disponibilização de veículo para uso do corpo de liberdade matriculados no ensino superior.
administrativo.
Por fim, o SEDS e SEAP devem, em conjunto
A Escola na Penitenciária José
com a SEE, realizar atividades que reduzam a
vulnerabilidade e contextos de violência nas Maria Alckmim
escolas, desenvolver projetos que favoreçam A primeira intervenção educacional na unidade
o retorno do apenado ao ensino regular e prisional aconteceu de forma filantrópica, com
acompanhar o cumprimento das medidas al- freiras que prestavam assessoria aos “presos”
ternativas nas escolas, além de dialogar e criar sem regulamentação da SEE/MG (Secretaria
linhas de interlocuções com os profissionais da de Educação de Minas Gerais). Somente em 7
educação para o acompanhamento da Presta- de agosto de 1965 foi autorizada a criação da
ção de Serviços à Comunidade (PSC). escola com o nome César Lombroso, na qual
Dentro do sistema de parceria público, o acolhiam-se turmas das séries iniciais, ou seja,
consórcio de Gestores Públicos Associados de 1ª a 4ª séries; uma vez que, ao longo do tem-
(GPA) é o grupo que coordena o primeiro pre- po, foram sendo ampliadas, passou-se, assim, a
sídio público privado do Brasil; nesse complexo oferecer as classes para o Ensino Fundamental
há três escolas. A finalidade social e legal do até o Médio. Em 2007, a escola passou a adotar
Termo de Cooperação Técnica é garantir que a metodologia da EJA (Educação de Jovens e
a população privada de liberdade tenha seus Adultos).
direitos como cidadãos, fornecendo meios para
A escola pode ser considerada como espaço
que os indivíduos possam progredir no traba- de diálogo e reflexão no interior das prisões,
lho e nos seus estudos após o cumprimento desde que compreenda as particularidades dos
da sentença. Ainda no âmbito do estado, foi sujeitos da Educação de Jovens e Adultos – EJA,
criado, em 2015, o Plano Estadual de Educação visando uma sociedade menos desigual, sendo
em Prisões, para apresentação ao Ministério importante a participação do Estado na tarefa
de Educação (MEC) e Ministério da Justiça; de garantir o direito de educação para todos/as,
inclusive para os grupos menos privilegiados,
ele traça um perfil da educação em unidades marginalizados e excluídos pela sociedade. Essa
prisionais, com o intuito de angariar apoios educação não deve ser pautada na compensação
técnicos e financeiros para as ações desenvol- de uma eventual experiência fracasso escolar,
vidas dentro das unidades prisionais. mas deve respeitar o conhecimento e a expe-
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Marcos Fernandes Rafael
riência de vida que o/a aluno/a adulto/a traz A leitura e a compreensão dos textos devem
consigo (MENOTTI; ONOFRE, 2014, p.134). ser a base da aprendizagem sem que ocorra a
Assim, a escola deve ser considerada como necessidade de memorização de uma infinida-
ambiente para oferta e local para adquirir de de regras. Através de materiais e contextos
cidadania, permitindo que as pessoas se de- significativos, o aluno vê efetivamente a cada
senvolvam e sejam capazes de construir uma ato de leitura, uma superação da suposta posi-
sociedade mais justa e igualitária, ao mesmo ção ingênua para outra mais crítica, com base
passo que a educação para privados de liber- em suas vivências e expectativas, livre de con-
dade deve preparar o indivíduo para o convívio cepções preconcebidas, fazendo com que ele
social fora dos muros da prisão. possa dar asas à sua imaginação sem restrições.
As aulas na unidade acontecem todos os Ler, não deve estar associado somente ao livro
dias com duração de três horas em cada turno de literatura, e ao livro didático, que insiste na
dividido em quatro módulos de quarenta e transmissão de conhecimento fragmentado e
cinco minutos. O número de aulas de cada dis- alheio à realidade do sujeito, mas propor textos
ciplina obedece a grade curricular orientada dos mais variados gêneros, que possam estabe-
pela SEE/MG. lecer uma ligação com o leitor como: crônicas,
músicas, poesias, que transformam a leitura
A Importância da Leitura em prazerosa e natural. Paulo Freire (2001),
afirmava que aprender a ler e a escrever é
O ato de ler além da decodificação de palavras, aprender a ler o mundo, compreender o seu
propicia ao educando a possibilidade de re- contexto em uma relação dinâmica vinculando
fletir, de opinar sobre o seu redor, é como dar linguagem e realidade.
voz ao sujeito. A leitura é a interpretação do
saber, das suas ideias e da forma de “enxergar”
o mundo de diversas maneiras. É de extrema
A Leitura e o Cárcere
importância a utilização da leitura nas salas de A sociedade moderna entende as unidades
aula da EJA, de maneira a resgatar e enaltecer penitenciárias, como locais onde devem ser
o valor da leitura, o valor do letramento que os depositados aqueles que não se adequam aos
educandos possuem, conseguindo assim entrar padrões de convivência estabelecidos, aqueles
no contexto do aluno motivando-os a leitura que infringem a lei e a ordem pactuada e por
que por muitas vezes enfraquece, conforme o isso merecem ser punidos com a perda do di-
aluno cresce. reito à liberdade e, até mesmo esquecidos. No
O fundamental pelo ato da leitura é o de entanto, as unidades prisionais deveriam ser
desvendar novas ideias, de poder opinar e re- vistas como centros de ressocialização, para
fletir a partir do que está sendo lido, para isso é onde são encaminhados os indivíduos que co-
preciso ter compreensão por parte dos alunos, meteram delitos perante a lei, e onde deveriam
pois se não houver a leitura deixa de ser inte- “reaprender” a viver em sociedade, encon-
ressante, prazerosa e motivadora. Contando trando nesses espaços, suporte, assistência e
com o envolvimento não só dos alunos, como meios para retornar ao convívio da família e da
também dos professores, a leitura se concretiza sociedade, com uma nova perspectiva de vida.
como processo que difunde ideias tendo uma Na realidade atual, diariamente veem-se casos
interpretação e certo significado, com isso é em que a superlotação das unidades prisionais,
de extrema importância criar situações para a falta de pessoal técnico para atendimento, a
que o exercício de ler possa produzir sentido ausência de atividades de trabalho e educati-
e razão crítica da informação acumulada de vas, transformam as prisões em verdadeiras
forma autônoma (NASCIMENTO, 2012, p. 15). masmorras medievais. São poucas as unidades
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Projeto viajando na leitura – Escola Estadual Cesar Lombroso – Penitenciária José Maria Alkimim
que conseguem articular ações que efetivamen- com cunho erótico, político partidários e por-
te busquem ressocializar os apenados. Este tem nográficos não são incluídos na composição do
sido um dos maiores problemas enfrentados acervo. Segundo Trindade (2009, p. 47) “[...]
pelo sistema carcerário (MORIN, 2013). a biblioteca prisional adquire relevância no
É no período em que está recluso que o ape- espaço penitenciário, oferecendo aos presos,
nado deveria ter acesso a palestras, trabalhos informação útil, apresentando a oportunida-
manuais e intelectuais, debates, conversas, de de aperfeiçoarem habilidades literárias,
oficinas, educação formal e literatura. Enfim, de atingirem os seus interesses culturais e de
deveria ser apresentado aos diversos instru- aprendizado [...].” Mesmo com limitações em
mentos que possam levá-lo à reflexão sobre relação a espaço físico e a gêneros literários na
suas possibilidades e que possam auxiliá-lo e formação do acervo, as bibliotecas prisionais
levá-lo a uma transformação. têm por objetivo garantir o acesso à informa-
As ações de valorização do apenado e da ção, à cultura e à educação, fazendo do livro
educação são imprescindíveis, mas, por si só, um objeto de ressocialização e de promoção
não garantem que não possa haver reincidên- da cidadania.
cia, mas as reincidências podem ser reduzidas O acesso a meios que possibilitem novas
como afirma Morin (2013, p. 180): oportunidades, para além dos muros e portões
Inevitavelmente, todas as medidas de liberaliza- de um presídio, pode ser a chance para redefi-
ção e de humanização apresentam deficiências e nir o futuro de presos e presos, garantindo ou-
podem favorecer as recidivas. Mas essas recidivas tra forma de comportamento ao retornarem ao
são minoritárias, enquanto que o aprisionamento convívio da sociedade. Para Julião (2016, p. 34):
humano e a rejeição social após a libertação são
os fatores que fabricam sistematicamente os A educação em espaços de privação de liberdade
recidivistas. Muitos exemplos indicam que não pode ter principalmente três objetivos imedia-
se deve reduzir o criminoso a seus crimes, mas tos que refletem as distintas opiniões sobre a
reconhecer que existe nele uma parte de huma- finalidade do sistema de justiça penal: (1) man-
nidade bloqueada que pode revelar-se. ter os reclusos ocupados de forma proveitosa;
(2) melhorar a qualidade de vida na prisão; (3)
Nesse contexto, sabe-se que a leitura é es- conseguir um resultado útil, tais como ofícios,
sencial para a formação do sujeito. No entanto, conhecimentos, compreensão, atitudes sociais e
consegue-se o domínio da palavra, traçando comportamento, que perdurem além da prisão
e permitam ao apenado o acesso ao emprego
ideias e conhecimentos, sendo possível não
ou a uma capacitação superior que, sobretudo,
só entender o mundo que nos cerca, como propicie mudanças de valores, pautando-se em
também adquirir conhecimento, tonando-se princípios éticos e morais.
um sujeito sábio e crítico para argumentar a
Estabelecida a necessidade de educação e de
propósito dos diversos assuntos presentes na
informação, a atuação dos espaços de leitura
sociedade (MAIA, 2007).
tem um papel de imensa responsabilidade,
É de sabido que a falta ou a má estrutura
devido a sua influência no que se refere ao
física das unidades e a falta de trabalho e edu-
incentivo dos detentos. Também, os demais
cação no ambiente prisional acaba gerando
meios oferecidos pelas entidades competentes
ociosidade, que, por sua vez, pode levar a ou-
são de suma importância para que haja de fato
tros problemas, como o consumo de drogas,
oportunidades aos apenados para além dos
rebeliões e violência entre os apenados e/ou
portões das casas prisionais.
funcionários. Devido à natureza dos usuários
reclusos, o acervo das bibliotecas prisionais
passa por limitações, para que não venham
Projeto Viajando na Leitura
a oferecer materiais que possam estimular a Buscando utilizar outras formas de ação para
fugas, delitos, crimes, etc. Também materiais incentivar a participação dos alunos, desen-
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Interações das desigualdades: aspectos entre alunos do ensino médio e proeja do IFRS
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo apresentar como performam as interações
das desigualdades entre os estudantes da educação profissional de nível médio
do Instituto Federal Rio Grande do Sul, vinculados aos cursos do Ensino Médio
Integrado e do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com
a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), e
ainda entre as estudantes negras do PROEJA. Para isso, foi realizada análise de
conteúdo referente ao diagnóstico discente produzido pelo IFRS no ano de 2019,
o qual compõe um banco de dados de domínio público constante no site dessa
instituição, sendo utilizados os dados dos estudantes em curso do Ensino Médio
Integrado e do PROEJA. Desse modo, na intenção de qualificar o estudo através
da análise sociológica sobre as disposições, buscou-se sustentação teórica em
Bernard Lahire e Pierre Bourdieu. Também se buscou analisar as situações de
desigualdades apresentadas, a partir do referencial de François Dubet. Ainda
se oportunizou no estudo a análise sobre questões da mulher negra, buscando,
assim, o embasamento de autoras negras: Nilma Lino Gomes, bell hooks, e
Angela Davis. Ao final em suas considerações indicam os traços disposicionais
das desigualdades existentes entre os estudantes do Ensino Médio Integrado e
do PROEJA, e ainda no recorte das mulheres negras do PROEJA, sendo possível
verificarem-se as diferenças entre as interações das desigualdades nos sujeitos.
Palavras-chave: PROEJA; Ensino Médio Integrado; Disposições; Desigualdade;
Negritude.
ABSTRACT
INTERACTIONS OF INEQUALITIES: ASPECTS BETWEEN HIGH SCHOOL
STUDENTS AND IFRS PROEJA
This article aims to present how to perform interactions of inequalities between
* Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2022), possui graduação em Programa
Especial de Formação Pedagógica pela Universidade de Santa Cruz do Sul (2012), graduação em Secretariado
Executivo Trilingue pela Universidade Luterana do Brasil (2009) e mestrado em Educação pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (2022). Atualmente é instrutor de educação profissional - SENAI - Departamento
Regional da Bahia e professor educação básica da Rede Educarpe. Tem experiência na área de Educação, com
ênfase em Ensino Profissionalizante, atuando principalmente nos seguintes temas: secretária executiva, com-
petências, desempenho profissional, ead e mercado de trabalho. E-mail: machado.olga@gmail.com
238 Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 238-264, jan./jun. 2023
Olga dos Santos Machado
high school professional education students at the IFRS1 , linked to the Integrated
High School and the PROEJA2, and also among the black students of PROEJA. For
this, a content analysis was carried out regarding the student diagnosis produced
by the IFRS in the year 2019, which forms a public domain database on the
institution’s website, using data from students in IHS3 and PROEJA. Thereby,
in order to qualify the study through sociological analysis of and dispositions,
theoretical support was sought in Bernard Lahire and Pierre Bourdieu researches.
We also sought it to analyze the situations of inequalities presented here, based
on François Dubet’s referenmaces. The study also opportunistized the analysis of
black women’s issues, thus seeking the basis of black authors: Nilma Lino Gomes,
bell hooks and Angela Davis. The results of this master’s research indicate the
dispositional traits of the existing inequalities between the students of IHS and
PROEJA, and also in the profile of black women in PROEJA, making it possible to
verify the differences between the interactions of inequalities in the subjects.
Keywords: PROEJA; Integrated High School; Dispositions; Inequality; Blackness.
resumen
INTERACCIONES DE DESIGUALDADES: ASPECTOS ENTRE ESTUDIANTES
DE SECUNDARIA Y ifrs PROEJA
Este artículo tiene como objetivo presentar cómo se producen las interacciones
de las desigualdades entre los estudiantes de educación secundaria profesional
del Instituto Federal de Rio Grande do Sul, vinculados a los cursos de Enseñanza
Media Integrada y al Programa Nacional de Integración de la Educación
Profesional con la Educación Básica. Modalidad de Educación de Jóvenes
y Adultos (PROEJA), y también entre estudiantes negros del PROEJA. Para
ello, se realizó un análisis de contenido respecto del diagnóstico estudiantil
elaborado por NIIF en 2019, el cual conforma una base de datos de dominio
público en el sitio web de esta institución, utilizando datos de los estudiantes
matriculados en la Escuela Secundaria Integrada y PROEJECT. Así, con
la intención de calificar el estudio a través del análisis sociológico de las
disposiciones, se buscó apoyo teórico en Bernard Lahire y Pierre Bourdieu.
También buscamos analizar las situaciones de desigualdad presentadas, a
partir del marco de François Dubet. El estudio también brindó la oportunidad
de analizar las cuestiones de las mujeres negras, buscando así el apoyo de
autores negros: Nilma Lino Gomes, Bell Hooks y Angela Davis. Al final, sus
consideraciones indican los rasgos disposicionales de las desigualdades que
existen entre los estudiantes de la Escuela Secundaria Integrada y PROEJA, y
también en la muestra de mujeres negras en PROEJA, permitiendo verificar
las diferencias entre las interacciones de las desigualdades en las materias.
1 Brazilian-portuguese acronym for “Instituto Federal do Rio Grande do Sul” translated as “Federal Institute of
Rio Grande do Sul”
2 Brazilian-portuguese acronym for “Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação
Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos” translated as “National Program for Integration of Pro-
fesstional Education with Basic Education in Youth and Adult Education”
3 Integrated High School
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Interações das desigualdades: aspectos entre alunos do ensino médio e proeja do IFRS
INTRODUÇÃO
O objetivo do artigo é de apresentar, resultados cação, enquanto professora negra de estudan-
de boas práticas aplicadas pelo IFRS, onde tes das classes populares, e o contexto: corpo,
demostram como interagem os traços dispo- mente e espírito como algo relevante para que
sicionais das desigualdades entre os estudos os sujeitos se encontrem como parte integrante
do Ensino Médio Integrado e do PROEJA. Desse no seu processo de evolução enquanto seres
modo, com base nas análises de Bernard Lahi- humanos complexos, cada um no seu processo,
re, buscou-se verificar os traços disposicionais no qual a educação tem papel importantíssimo
contidos nas diferentes nuances de desigual- como alicerce para a sua construção.
dades evidenciadas nos dados da pesquisa Por essa razão, considera-se como base
“Diagnóstico Discente do IFRS” do ano de 2019, do estudo a pesquisa realizada pelo Instituto
referente aos estudantes da Educação de Jovens Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
e Adultos, na modalidade PROEJA, e do Ensino Rio Grande do Sul (IFRS), o Diagnóstico Dis-
Médio Integrado. cente, pelo qual foi possível mapear o perfil
Desse modo, na intenção de legitimar as discente, através de dados quantitativos, bem
ações de resistência e resiliência estudantil, como analisar os traços disposicionais no am-
buscou-se compreender os traços disposicio- biente escolar, as exclusões e as desigualdades
nais existentes entre os estudantes do Ensino existentes entre os estudantes, e de que forma
Médio Integrado e da Educação de Jovens e atuam nos diferentes níveis de ensino. Também
Adultos vinculada à Educação Profissional foi possível, a partir desse diagnóstico, analisar
(PROEJA), realizando-se também um recorte tais disposições entre as mulheres negras do
para a análise dos dados vinculados às estu- PROEJA, observando-as e identificando-as com
dantes autodeclaradas negras, estudantes do base nas oportunidades oriundas dos percur-
PROEJA da Instituição. sos familiares e/ ou individuais e incluindo
Nesse contexto, estudiosos das Ciências situações próprias de suas trajetórias.
Sociais buscam avaliar o fato gerador das
ações dos sujeitos, em uma busca sobre o que
Base de Dados – levantamento
seria, ou até qual seria uma fórmula geradora
de, como um espectro unificador de práticas e de dados quantitativos
condutas. Segundo Lahire (2005): Os dados do estudo, partem da análise de
[...]as disposições especificam-se, para cada um informações acerca de 2.321 estudantes res-
dos grandes domínios da prática, realizando pondentes ao questionário, alunos da educação
esta ou aquela das possibilidades estilísticas profissional do Instituto Federal de Educação,
oferecidas por cada “campo”; “a afinidade” entre
Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul
as potencialidades objectivamente inscritas nas
práticas e as disposições (LAHIRE, 2005, p. 15). (IFRS). Dentre eles, 77 são alunos da Educação
de Jovens e Adultos, modalidade PROEJA, e o
Em virtude do recorte na pesquisa para mu- restante dos pesquisados são alunos do Ensino
lheres negras da educação profissional, estu- Médio Integrado.
dantes do PROEJA, utilizaram-se os estudos de
bell hooks4 para elucidar aspectos sobre a edu-
uma saudação afetiva-política a sua avó, na intenção
4 A autora foi batizada sobre o nome de Glória Jean evidenciar a sua obra, e o seu legado e não personi-
Watkins, bell hooks escreve-se em minúsculo em ficar a sua escrita.
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Fonte: Produzido pela autora, com base nos dados do Diagnóstico Discente no IFRS do ano de 2019.
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Interações das desigualdades: aspectos entre alunos do ensino médio e proeja do IFRS
Fonte: Produzido pela autora, com base nos dados do Diagnóstico Discente no IFRS do ano de 2019.
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acordo com as ações sofridas pelos sujeitos, de domínios de práticas ou de contextos mais res-
modo que se percebem diferentes disposições tritos da vida social. Por essa razão, realizou-se
do a partir de possibilidades entre as diferen- a observação e análise de dados quantitativos
tes desigualdades existentes em um grupo produzidos pelo IFRS das práticas sociais dos
por cada campo. Sendo assim, evidenciam-se alunos do PROEJA e do Ensino Médio Integra-
afinidades entre as potencialidades vividas na do, a fim de qualificar os dados extraídos em
prática e nas disposições: análises sociológicas.
o ajustamento às posições das disposições liga- A criação de oportunidade de acesso ao en-
das a trajectórias”; “do ponto de vista das suas sino profissional, em diferentes modalidades,
origens sociais e de todas as disposições correla- é capaz de propiciar alterações nas práticas
tivas”; “as disposições socialmente inculcadas”; sociais dos indivíduos, podendo contribuir,
“disposições herdadas”; “as disposições que de alguma forma, para formação de novos
estão na base da produção de opiniões (LAHIRE,
aspectos disposicionais nos sujeitos, a partir
2005, p. 15.).
de novas experiências, e ainda oportunizar
Essas disposições são baseadas na aferição amparo para que não encontrem desmotivação,
de dados que divulgam vivências e oportuni- provocando, assim, novos traços disposicio-
dades que são absorvidas no âmbito familiar nais, não só de forma individual, mas também
e ou pelo próprio sujeito. Além disso, a partir de forma coletiva.
desses dados, este estudo busca proporcionar Esses novos traços das ações sociais serão
a mais pessoas uma análise acerca de seus consolidados através de estímulos, anseios e
objetivos futuros, avaliando as disposições objetivos forjados a partir de novas experiên-
socialmente forjadas no indivíduo através do cias vivenciadas, trazendo novas perspectivas.
ponto de vista social e das disposições herda- Desse modo, avaliar o que almejam após o
das em traços disposicionais de vivências de término do curso possibilita identificar como
seu meio familiar. tais motivações reverberam nos indivíduos
Ainda em análise do gráfico 2, observa-se (Gráfico 3).
que para os alunos do PROEJA o motivo da Ao se avaliarem os dados evidenciados sobre
escolha do IFRS dá-se pela necessidade de as intenções dos estudantes após o término do
qualificação profissional, sendo apontada como curso, é possível perceber que, conforme Lahire
razão da procura pela instituição a gratuidade (2005), as disposições para crer poderão ser
e a opção de curso de interesse. Desse modo, fortemente incorporadas pelos indivíduos,
o ingresso de alunos do Ensino Médio e do essas formadas a partir de novas práticas in-
PROEJA ocorre por diferentes aspectos que os troduzidas aos sujeitos de diversas formas e
influenciam nessa procura. em diferentes espaços.
Nesse sentido, existe a possibilidade de Nesse sentido, o ambiente escolar - e ainda
diferentes aspectos disposicionais agirem, de mais o que propicia a prática para o trabalho
acordo com a modalidade de ensino existente - encoraja e possibilita a formação de novas
na Educação Profissional. tendências na vida social dos alunos:
Lahire (2005) ainda menciona que não há Assim, os hábitos que foram interiorizados
exemplos de construção social, de inculcação, precocemente, em condições favoráveis à sua
de incorporação ou de “transmissão” dessas boa interiorização (sem fenómenos de injunção
disposições. Dessa forma, também não há in- contraditória, sem interferências na “transmis-
são cultural” devido a dissonâncias culturais
dicações de como poderiam ser reconstruídas
entre os pais ou entre o que dizem os adultos
essas vivências, como elas agem e de qual for- e o que eles fazem, entre o que eles dizem e
ma eficaz se daria a ativação ou suspensão de a maneira como o dizem...) e que encontram
tais práticas, levando-se em consideração os condições positivas (socialmente gratificantes)
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Interações das desigualdades: aspectos entre alunos do ensino médio e proeja do IFRS
Fonte: Produzido pela autora, com base nos dados do Diagnóstico Discente no IFRS do ano de 2019.
Fonte: Produzido pela autora, com base nos dados do Diagnóstico Discente no IFRS do ano de 2019.
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A grande maioria dos alunos respondentes No Curso de Ensino Médio Integrado à For-
apontam que a conclusão do ensino fundamen- mação Profissional na Modalidade da Educação
tal se deu a partir de escola pública, embora de Jovens e Adultos (PROEJA), a seleção para
havendo mínima participação na rede privada, a instituição dá-se por análise social5, que visa
e ainda há os que foram bolsistas em instituição a acolher os que necessitam não somente da
particular de ensino. instrução básica de ensino, mas também de
Já os alunos, que acessam a educação pro- qualificação profissional de forma ágil. Em seis
fissional na modalidade PROEJA, no Instituto semestres6, o aluno obtém a formação profis-
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia sional, juntamente com o ensino médio, para
do Rio Grande do Sul, quase a totalidade dos que possa rapidamente se inserir no mundo
respondentes são de escola da rede pública de trabalho, mantendo a dignidade e condição
de ensino. favorável de subsistência de suas famílias.
Fonte: Produzido pela autora, com base nos dados do Diagnóstico Discente no IFRS do ano de 2019.
O gráfico 05 evidencia que 53,25% dos novo período de curso do ensino fundamental
alunos respondentes do PROEJA concluíram o - 9 anos. A maior parte fica entre 14 e 15 anos
ensino fundamental com 17 anos ou mais, ain- de idade, identificando-se também, em menor
da que nesse nível de ensino, considerando-se
os 9 anos de ensino fundamental, a conclusão 5 A seleção leva em conta os seguintes critérios: ida-
de (maior pontuação para pessoas com idade mais
fique na faixa de idade entre os 15 e os 16 avançada); último ano que frequentou a escola
anos de idade. Nesse público, ainda no ensino (maior pontuação para aqueles que estão há mais
fundamental interagem os primeiros traços tempo fora da escola), e modalidade em que cursou
o Ensino Fundamental (maior pontuação para quem
de desigualdade, sendo que não conseguem o cursou em Educação de Jovens e Adultos). Colo-
finalizar essa etapa de ensino de maneira con- car a referência – Política de Ingresso Discente <ht-
tínua e regular. tps://ifrs.edu.br/wp-content/uploads/2022/07/
Em relação aos alunos do Ensino Médio In- RESOLUCAO_CONSUP_42_2022_PID_2022.pdf>.
6 A Organização Didática do IFRS permite que os
tegrado, que em grande número informaram a cursos sejam organizados por oferta anual ou se-
conclusão do nível fundamental aos 15 anos de mestral. Art. 26 - § 1º. Os cursos estarão estrutura-
idade, verifica-se que mesmo a conclusão sen- dos com duração de, no mínimo, 3 (três) anos ou 6
(seis) semestres e, no máximo, 4 (quatro) anos ou
do a partir dos 13 anos, pelo fato de a análise 8 (oito) semestres, conforme documento <https://
dos dados ter sido feita com os alunos em curso, ifrs.edu.br/wp-content/uploads/2017/07/OD-Al-
há estudantes que não estariam inclusos no terada-Publica%C3%A7%C3%A3o-Portal-1.pdf>.
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Fonte: Produzido pela autora, com base nos dados do Diagnóstico Discente no IFRS do ano de 2019.
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Então, falando-se sobre aspectos educa- sar na possibilidade de deduzir uma disposição
cionais, levam-se em consideração aspectos a partir do registro ou da observação de apenas
detalhados por Bernard Lahire acerca de con- um acontecimento (LAHIRE, 2004, p. 27).
textos sociais: Nesse sentido, foram avaliadas as condições
A noção de disposições supõe que seja possível da formação escolar de pais e ou responsáveis
observar uma série de comportamentos, atitu- pela criação dos estudantes, conforme as respos-
des e práticas que seja coerente; ela proíbe pen- tas colocadas no Diagnóstico Discente do IFRS:
Fonte: Produzido pela autora, com base nos dados do Diagnóstico Discente no IFRS do ano de 2019.
De acordo com o levantamento, 26,43% das tantes do papel concluíram o ensino médio,
mães e/ou quem representa a figura materna entre os estudantes da Educação de Jovens e
na criação dos estudantes do Ensino Médio Adultos a realidade é de mulheres com baixa
Integrado possuem ensino médio concluído, e escolarização - nenhum dos alunos mencionou
15,51% não concluíram o ensino fundamental. a formação técnica, ou pós-graduação.
Ainda se verifica que há entre essas responsá- Bernard Lahire (2004) menciona os fatos
veis um número considerável de portadoras geradores de comportamentos e ações sociais
de diploma de graduação e pós-graduação. dos sujeitos:
Somando-se os dois percentuais (ensino mé- São as forças internas (disposicionais) e as for-
dio completo e graduação/pós-graduação), ças externas (contextuais) que nos fazem sentir
um percentual de 27,90%. Ainda sobre essa o que sentimos, pensar o que pensamos e fazer
categorização, verificaram-se menos de 1% de o que fazemos, sendo os contextos de ação os
casos de mães sem alfabetização. responsáveis por desencadear e ativar, ou ini-
Quanto às mães ou responsáveis dos estu- bir e desativar as disposições que produzem as
práticas sociais (LAHIRE, 2004, p.12).
dantes do PROEJA respondentes ao questio-
nário, 11,69% são sem alfabetização e 58,45% Em relação a essas práticas sociais, ava-
não completaram o ensino fundamental. Nesse liamos também a ação da figura paterna dos
contexto, percebem-se realidades distintas estudantes, embora ainda haja a sinalização
entre os estudantes, traços diferenciados de de não existência da figura, o que já retrata
desigualdades. aspectos estruturais de desigualdades em
Enquanto entre os alunos do Ensino Médio famílias das classes populares. Dessa forma,
Integrado a maioria das mães e ou represen- quando observamos a escolaridade dos pais
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Interações das desigualdades: aspectos entre alunos do ensino médio e proeja do IFRS
e ou quem representou a figura paterna nos do que 70 alunos do EMI mencionaram a não
estudantes, verificaram-se ainda aqueles que existência da figura paterna, bem como 3 dos
não possuíam tal representação familiar, o que respondentes do PROEJA. Tal situação interage
já por si só demonstra um traço de desigualda- com as argumentações de Dubet (2001).
de existente nas famílias de classes populares O autor salienta novos critérios de definição
e contribui para a construção de um contexto das desigualdades, e essas provenientes das
de mulheres chefes de família. ações da inserção das mulheres no mundo do
Entretanto, segundo Macedo (2008), esse trabalho, muito embora em posições menos
fato de a mulher chefiar a família não é uma favorecidas e com desprestígio salarial:
característica somente das classes populares, As mulheres dominam os serviços, são majori-
tornando-se cada vez mais comum, no con- tárias na educação e na saúde, mas não entram
junto da sociedade e por diversos fatores, em na produção, na política ou em outros setores
especial, quando se trata daquelas residentes que continuam predominantemente masculinos.
dos grandes centros urbanos. Conforme a Poderíamos falar de emancipação segregativa
ou de emancipação “sob tutela” (DUBET, 2001,
autora:
p. 11).
O fenômeno da chefia de domicílios por mulhe-
res constitui uma nova realidade, como insistem Nesse sentido, além dos aspectos oriundos
em afirmar as assustadas e preocupadas man- da escolarização dos estudantes, encontra-se
chetes de jornais e os programas de televisão a estruturação familiar, que, por diferentes
(MACEDO, 2008, p. 392). situações, pode vir a colocar os sujeitos como
A autora ainda salienta que um conjun- peças importantes na base familiar e nos
to de transformações econômicas, sociais diferentes aspectos de sustento dos familia-
e comportamentais que foram ocorrendo res. Com base na estruturação familiar, na
ao longo dos anos traçaram essa realidade composição do ser escolar, Bourdieu (1966)
para as mulheres. Com o tempo, elas foram menciona que o capital cultural e o ethos
ganhando independência não somente fi- disputam para definição das condutas e ati-
nanceira, como também emocional, o que fez tudes escolares, o que constitui o princípio
com que saíssem da posição de subordinação, de eliminação diferencial dos estudantes das
tornando-se protagonistas de suas próprias diferentes classes sociais. Sendo assim, o au-
histórias. tor coloca o êxito escolar diretamente ligado
No entanto, é importante afirmar que, prin- ao legado da família, sendo a continuidade
cipalmente nessa questão de análise sobre a dos estudos escolha amparada pelas atitudes
mulher chefe de família, além da questão de familiares a respeito da escola, como também
gênero, também se precisa avaliar questões pelo nível de ensino que será escolhido pelo
raciais. Gonzales (1983) enfatiza que em rela- estudante - no caso da pesquisa, a educação
ção à mulher negra periférica é cada vez mais técnica profissional.
crescente tal realidade, devido aos homens ne- Contudo, sabe-se que o foco da educação
gros, seus filhos e cônjuges estarem à margem profissional é a formação para o mundo do
da violência sistemática, e em maior número trabalho. Sendo assim, possivelmente, as
em estado de cárcere. questões vinculadas à subsistência são pilares
Dessa maneira, é possível verificar um re- importantes na formação desses indivíduos.
levante traço disposicional da desigualdade Nesse caso, analisou-se como se dá a estrutu-
existente entre os sujeitos da pesquisa. Leva-se ra financeira familiar desses alunos e quem
em consideração que é significativo o número são os responsáveis pela manutenção finan-
de mães chefes de família, ainda se consideran- ceira familiar:
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Fonte: Produzido pela autora, com base nos dados do Diagnóstico Discente no IFRS do ano de 2019.
De acordo com o gráfico acima, verifica- ção da mão de obra, de maneira intelectual
se que no caso dos alunos do Ensino Médio e salarial. O cenário feminino, no trabalho e
Integrado, em sua maioria, a manutenção na família, nem sempre passa por uma visão
financeira é oriunda dos pais e/ou responsá- romantizada, segundo Dubet:
veis, enquanto 64,94 % dos alunos do PROEJA Pior ainda, a autonomia das mulheres assala-
são os próprios mantenedores financeiros na riadas frequentemente se traduziu por uma
estrutura familiar. sobrecarga de trabalho e por opressões “priva-
Nesse sentido, verifica-se, nesse contexto, das”, já que a divisão do trabalho doméstico não
foi sensivelmente afetada por tal emancipação.
que os alunos da Educação de Jovens e Adultos,
Essa autonomia também aumentou considera-
além das atividades estudantis, estão envolvidos velmente a vulnerabilidade das mulheres chefes
com a sua subsistência. Ainda se observa que, de família, visto que são menos “protegidas
na maior parte dos casos, a responsabilidade pela tradição” e mais afetadas pela pobreza em
financeira está relacionada à figura materna. caso de dificuldades econômicas e de divórcio
Essa é também a realidade de 12 dos alunos do (DUBET, 2001, p. 11).
PROEJA, destacando-se, mais uma vez, a posição Nesse sentido, conforme o próximo gráfico,
da mulher na manutenção familiar. verifica-se a distribuição de renda entre as
Dubet (2001) menciona a autonomia da mu- famílias dos sujeitos envolvidos na pesquisa,
lher, no mundo do trabalho, em contrapartida a sendo que na observação da renda familiar
uma sobrecarga de trabalho e ainda opressões já se evidencia a disparidade da composição
psicológicas sofridas, diante da desqualifica- financeira nos diferentes modelos de ensino.
Gráfico 9 - Renda familiar
Fonte: Produzido pela autora, com base nos dados do Diagnóstico Discente no IFRS do ano de 2019.
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Interações das desigualdades: aspectos entre alunos do ensino médio e proeja do IFRS
Desse modo, é possível perceber que entre Observa-se que a maioria trabalhou enquan-
os estudantes do PROEJA 66,23% têm renda de to cursava o ensino fundamental, porém se
até um salário-mínimo e meio no ano de 2019, sabe que a idade regular dessa fase de ensino,
contexto anterior à pandemia. em sua maioria, não compreende a maior ida-
Já entre os estudantes do Ensino Médio Inte- de. Logo, há a possibilidade de jovens, ainda
grado, 43,14% têm renda acima de R$ 2.997,00 menores de idade, terem trabalhado enquanto
reais mensais. Isso demonstra o motivo pelo cursavam o ensino fundamental.
qual os alunos do PROEJA, em sua maioria, Outra observação é acerca de terem buscado
estão acessando os recursos do auxílio estu- a educação profissional para concluir o ensino
dantil7. Ainda, quando se observa quem são médio, o que demonstra que houve interesse
os responsáveis pela manutenção financeira de aperfeiçoamento e qualificação de mão de
familiar, vamos ao encontro de mais uma das obra. A realização da atividade é o que de certa
diferenças entre os perfis dos estudantes nas forma vai ao encontro da intenção de buscar
modalidades de ensino. aperfeiçoamento profissional, na conclusão do
Nesse contexto socioeconômico, apresen- ensino médio, além de reafirmar uma intenção
tam-se os alunos trabalhadores, aqueles que de qualificação de mão de obra. Isso demonstra
apresentam, além de necessidades para o a necessidade de manter sua empregabilidade
trabalho, disposições para agir em busca de a partir de aquisição de capital cultural para
melhores colocações, conforme Lahire (2005, tornar-se competitivo na busca de colocação
p. 17), quando menciona que disposições para no mundo do trabalho.
agir trazem a ideia de que as intenções dos Entre tantos objetivos, ir ao encontro do
sujeitos possam ser, de certa forma, adquiridas mundo de trabalho é algo evidente nos alu-
em seu próprio contexto social. nos que de alguma maneira estão cursando o
Ainda foram levadas em consideração ensino médio integrado ao técnico. Verifica-
as disposições para agir e as referentes às se que dentro desse mapeamento estudantil
diversas ações sociais dos sujeitos, quando também houve esse interesse de entender os
questionados sobre a necessidade de atividade motivos que levam os estudantes a trabalhar,
laboral enquanto estavam cursando o ensino enquanto ainda estão em formação na educa-
fundamental. ção básica.
Gráfico 10 - Objetivo de trabalhar enquanto estudava
Fonte: Produzido pela autora, com base nos dados do Diagnóstico Discente no IFRS do ano de 2019.
7 O Auxílio Estudantil tem a finalidade de subsidiar as despesas dos estudantes beneficiados, com vistas a am-
pliar suas condições de permanência e êxito acadêmico, bem como reduzir os índices de retenção e evasão
escolar no IFRS (Art. 23 da Política de Assistência Estudantil do IFRS).
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Fonte: Produzido pela autora, com base nos dados do Diagnóstico Discente no IFRS do ano de 2019.
Fonte: Produzido pela autora, com base nos dados do Diagnóstico Discente no IFRS do ano de 2019.
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Olga dos Santos Machado
De acordo com os dados apresentados no pela forma como estão distribuídos os recursos
diagnóstico discente, 23,48% dos estudantes financeiros na família.
do Ensino Médio Integrado estavam atuando
como estagiários e/ou bolsistas, 6,82% rea- Habitus da Resiliência –
lizavam atividades remuneradas, de forma
Aspectos motivadores da
informal ou como autônomos, e 6,64% estavam
em atividades formalizadas. resistência
Já para os estudantes do PROEJA, a maioria Com relação aos alunos do Ensino Médio Inte-
deles, 29,87%, estavam em empregos formali- grado, do total de 2.244 alunos, poucos deles
zados. A instituição oferece ajuda de custo aos afirmaram que trabalharam no período. Esses
estudantes, que para tal passam por análise dados, na Educação de Jovens e Adultos, sobem
de seus recursos financeiros. Em função disso, para mais da metade dos alunos respondentes
85,71% dos estudantes da EJA recebem esse do diagnóstico discente.
recurso, e 38,28% dos estudantes do Ensino Verifica-se que as dificuldades que mapeiam
Médio Integrado. os traços disposicionais das desigualdades
Pelos dados da pesquisa do diagnóstico existentes nos alunos vão além da relação com
discente, o IFRS acerta com essa distribuição trabalho e do tempo que necessitam dividir en-
prioritária de assistência estudantil para os tre estudo e trabalho - há ainda outras circuns-
estudantes do PROEJA, pois esses se encontram tâncias que demandam do aluno persistência
em maior situação de vulnerabilidade para para prosseguir com o objetivo de conclusão e
provimento da subsistência. êxito estudantil.
As realidades financeiras nas diferentes Diante das mais diferentes dificuldades
modalidades são distintas. Nos mais diferen- vivenciadas, o estudo visou a fazer um mapea-
tes aspectos, é possível perceber as diferentes mento sobre situações que exigem do sujeito
realidades enfrentadas, embora, muitas vezes, não só o seu tempo, como também seu emocio-
no mesmo contexto. nal, e até mesmo sobre situações que traçam
Desse modo, quando se observam as não só as disposições, mas a composição do ha-
questões financeiras, que inclusive levam os bitus “[...]os habitus são sistemas de disposições
estudantes, muitas vezes, à busca das oportu- duráveis, estruturas estruturadas predispostas
nidades de aquisição de recursos, percebe-se a funcionar como estruturas estruturantes[...]”.
que elas estão inseridas na realidade familiar, (BOURDIEU, 1983, p. 61)
Gráfico 13 - Rede de apoio para cuidados com filhos de estudantes EMI e PROEJA
Fonte: Produzido pela autora, com base nos dados do Diagnóstico Discente no IFRS do ano de 2019.
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Interações das desigualdades: aspectos entre alunos do ensino médio e proeja do IFRS
Acerca das realidades dos estudantes da nóstico discente, em 32 casos os filhos dos
educação profissional, a pesquisa mensurou estudantes do PROEJA ficam sob cuidados de
informações familiares ainda mais estruturais, familiares enquanto a mãe e/ou o pai estão/
identificando que 18,63% dos alunos do Ensino está em atividades escolares, enquanto 11
Médio Integrado têm entre suas responsabi- estudantes informaram que seus filhos ficam
lidades os cuidados com criança/irmão ou sozinhos em casa, enquanto a mãe e/ou o pai
familiar menor de idade. Já entre os alunos do estão/está na Escola.
PROEJA, essa realidade sobe para 50,65% dos A pesquisa buscou o máximo de detalhes
casos. para conhecer o corpo discente, e com isso
Entre os alunos do Ensino Médio Integrado, mapear onde estão e como são as possíveis cau-
4,41% dos estudantes possuem filhos, enquan- sas de evasão escolar. A busca pela realidade
to entre os do PROEJA o índice é de 62,34%. dos alunos faz com que as ações da Instituição
Os alunos do PROEJA, quando questionados, sejam cada vez mais embasadas, a partir das
informaram sua rede de apoio para cuidados mais distintas realidades de desigualdades
com os filhos quando estão em atividades aca- encontradas nos alunos. Nesse sentido, as con-
dêmicas, conforme gráfico 13. dições de moradia dos alunos foram também
Conforme os dados levantados pelo diag- pesquisadas:
Gráfico 14 - Condições de moradia
Fonte: Produzido pela autora, com base nos dados do Diagnóstico Discente do IFRS de 2019.
Entre os alunos do Ensino Médio Integrado, é uma das ações da Instituição que visam a
77,54% têm moradia própria. Nesse percen- dar apoio, também nas questões de habita-
tual, constam as situações de moradia quitada ção dos estudantes. (...)Entre as atividades da
e as que estão em processo de financiamento Pró-reitoria de Ensino, existe a consolidação
imobiliário. Essas mesmas situações ocorrem da Política de Assistência Estudantil, que, entre
para os alunos do PROEJA, em 48,05% dos os principais objetivos, procura minimizar as
casos. Apenas 21,35% dos estudantes do EMI desigualdades sociais e ampliar a democratiza-
estão em moradias cedidas, alugadas, repú- ção das condições de acesso e permanência dos
blicas ou ainda em moradias irregulares. Os estudantes no ensino público federal. Atendendo
estudantes do PROEJA que estão nessa última prioritariamente àqueles que se encontram em
situação são 51,95%. vulnerabilidade socioeconômica, há oferta de
Nesse sentido, a assistência estudantil 8 ações como o Auxílio Permanência e o Auxílio
Moradia(...) (IFRS, 2013).
8 O gerenciamento acontece sob ofício das Coordenações
de Assistência Estudantil, setores de referência no apoio Desse modo, ao mapear o perfil dos es-
ao estudante em cada uma das 17 unidades do IFRS. tudantes, através do diagnóstico discente,
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Olga dos Santos Machado
Fonte: Produzido pela autora, com base nos dados do Diagnóstico Discente do IFRS de 2019.
Conforme a análise dos dados, 38,96% dos do Ensino Médio Integrado informaram não ha-
estudantes da EJA relataram dificuldades fi- ver dificuldades para deslocamento ao campus,
nanceiras para efetuarem o deslocamento até 18,67% informaram ter dificuldades financei-
a Escola, e ainda há 19,48% que informaram ras, e ainda 17,69% relataram que o tempo de
não haver transporte público próximo para o viagem ao campus é uma dificuldade. Quanto
deslocamento. a esse mesmo aspecto, 3,89% dos alunos do
Enquanto 40,86% dos alunos respondentes PROEJA apontaram-no como uma dificuldade.
Fonte: Produzido pela autora, com base nos dados do Diagnóstico Discente do IFRS de 2019.
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 238-264, jan./jun. 2023 255
Interações das desigualdades: aspectos entre alunos do ensino médio e proeja do IFRS
Fonte: Produzido pela autora, com base nos dados do Diagnóstico Discente do IFRS de 2019.
O gráfico acima evidencia que 76,23% dos Nesse sentido, Sousa et al (2014) mencio-
estudantes do PROEJA possuem rede de in- nam a importância de estratégias educacionais
ternet em suas residências, número bastante para além das competências educativas e in-
expressivo, considerando-se que um pouco terculturais, mas que também sejam realçadas
mais da metade dos alunos informaram que as competências de resiliência nos estudantes.
possuem computadores em casa. Já entre os Segundo os autores:
estudantes do Ensino Médio Integrado, para A investigação sobre esta temática aponta que os
os que possuem computadores, 97,64% des- professores, por exemplo, ao incentivarem nos
ses têm acesso à rede de internet em suas seus alunos a capacidade para trabalhar árdua e
residências. persistentemente face aos objetivos propostos,
ao encorajarem o seu autoconceito saudável, ao
A pesquisa ocorreu no ano anterior à pande- incentivarem as suas expectativas pessoais ele-
mia do vírus SARS-CoV-2 (covid19), apontando vadas, ao empenharem-se positivamente no seu
que 89,80% dos estudantes do Ensino Médio sucesso pessoal e acadêmico, estão a promover
Integrado possuíam computador em casa. En- não só competência (educativa, psicossocial),
tre os alunos do PROEJA, 54,55% informaram mas também a sua resiliência (SOUSA et al,
2014, p. 30).
possuir o equipamento, que é importante para
realização de estudos, projetos e atividades
complementares para a aprendizagem. As desigualdades das mulheres,
Sabe-se que hoje muitas das pesquisas dos negras e estudantes - aspectos
alunos podem ser realizadas através de smar-
disposicionais da resistência
tphone, porém a rede de internet móvel atra-
vés de dados pode ser limitada. Desse modo, negra acadêmica
a pesquisa ainda mostrou o acesso à rede de A partir dos dados apresentados, buscou-se
internet residencial dos estudantes. extrair as informações sobre as trajetórias
A análise de traços disposicionais interage das mulheres negras estudantes da educação
fortemente com as dificuldades enfrentadas, profissional, na modalidade PROEJA. Com isso,
ainda se percebendo traços de resiliência foram analisadas as disposições de suas trajetó-
existentes nas ações dos estudantes. Embora rias pessoais e acadêmicas, bem como aspectos
talvez não percebam, estão fortemente sendo e dificuldades enfrentadas a partir do contexto
impulsionados à formação de suas capacida- das desigualdades apresentadas.
des intrínsecas, buscando o favorecimento da Assim, a análise deu-se a partir de 13 es-
superação de suas dificuldades. tudantes negras que foram respondentes da
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Olga dos Santos Machado
pesquisa realizada pela instituição. São alunas O acesso das estudantes foi de formas distin-
do turno da noite e estão distribuídas nas se- tas, ainda se levando em consideração que para
guintes regiões da cidade de Porto Alegre: 5 a modalidade Educação de Jovens e Adultos o
estudavam, na época, nos campi da Região Me- acesso tem como pré-requisito o Ensino Fun-
tropolitana de Porto Alegre (Alvorada, Canoas), damental completo e com ingresso a partir de
2 especialmente na capital (Centro e Restinga) análise socioeconômica, tempo longe da escola,
e 6 no interior do estado. idade e participação em palestra esclarecedora
sobre o curso PROEJA.
Gráfico 18 - Forma de acesso ao PROEJA – alunas negras
Fonte: Produzido pela autora, com base nos dados do Diagnóstico Discente do IFRS de 2019.
Embora o ingresso ao PROEJA não se dê pelo escola pública, 3 egressas de escola púbica e 3
certame, os inscritos passam por avaliação e pertencentes à família de baixa renda.
são classificados para as vagas conforme as Conforme dados divulgados pelo Observató-
categorias contempladas no processo seletivo. rio de Permanência e Êxito, as cotas estão entre
Desse modo, entre as alunas negras que as formas de acesso para a modalidade PROE-
responderam ao diagnóstico discente, 5 infor- JA, as quais garantem, de diferentes formas, a
maram o ingresso através das vagas universais, inserção de alunos autodeclarados negros e
2 alunas autodeclaradas negras e egressas da pardos, conforme figura:
Gráfico 19 - Quantidade de inscrições por campus PROEJA
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 238-264, jan./jun. 2023 257
Interações das desigualdades: aspectos entre alunos do ensino médio e proeja do IFRS
Observa-se que a maioria dos inscritos estão Campus do Bairro Restinga o curso é Técnico
na Capital Gaúcha, divididos entre o centro da em Agroecologia. Os dados são do primeiro
cidade, denominado Campus Porto Alegre, e a semestre de 2019, e nem todos os campi abri-
periferia, no Bairro Restinga. No Campus Porto ram inscrições, como, por exemplo, o Campus
Alegre, localizado na área central da cidade, Alvorada, que não consta na relação de ingres-
o curso é o Técnico em Administração, já no so, conforme o gráfico acima.
Gráfico 20 - Quem realiza atividade remunerada
Fonte: Produzido pela autora, com base nos dados do Diagnóstico Discente do IFRS de 2019.
258 Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 238-264, jan./jun. 2023
Olga dos Santos Machado
Fonte: Produzido pela autora, com base nos dados do Diagnóstico Discente do IFRS de 2019.
Hooks (2003) salienta que muitos dos alu- A educação convencional nos ensina que a des-
nos se sentem desconexos dos meios e que, de conexão é natural ao ser. Não é de surpreender,
certa forma, a educação convencional ensina então, que tantos estudantes negros, estudantes
de cor e crianças da classe trabalhadora de to-
que essa ação desconexa é natural do ser. Po- das as raças ingressem em escolas, sobretudo
rém, a autora afirma que há importância em faculdades, com uma experiência construída
enaltecer na educação a importância da cone- de interconexão que os coloca em dissonância
xão com a espiritualidade dos sujeitos: com o mundo no qual entraram. Portanto, não
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 238-264, jan./jun. 2023 259
Interações das desigualdades: aspectos entre alunos do ensino médio e proeja do IFRS
é de estranhar que muitos desses estudantes tualidade dos sujeitos, fez com que as escolas
apresentem baixo rendimento ou abandonem se tornassem meras fábricas de conhecimento.
os estudos. Eles são profundamente ameaça-
dos, em sua essência, pelo convite de integrar
A autora ainda afirma que quando professo-
um modo de pensar no qual não há senso de res são capazes de criar uma percepção sobre
sagrado e a conexão é desvalorizada (HOOKS, o sagrado, desde a maneira de organização dos
2003, p. 269). espaços, ou pelo modo de ensino, fazem com
Segundo a mesma autora (2003), a falha que os acadêmicos entendam que não depen-
em não buscar harmonia entre corpo, mente e dem dessa desconexão para o alcance do êxito
espírito, não considerando aspectos da espiri- estudantil.
Gráfico 22 - Religião alunas negras do PROEJA
Fonte: Produzido pela autora, com base nos dados do Diagnóstico Discente do IFRS de 2019.
Percebe-se que a maioria as alunas negras do pode causar doenças no corpo físico, entre elas
PROEJA estão em relação com a espiritualidade, a depressão, oriunda de muitas angústias acu-
ou apresentam alguma familiaridade com algu- muladas pelos sujeitos. Mercante (2010) men-
ma religião. Nesse sentido, aspectos de desco- ciona que os medos e anseios são bloqueadores
nexão evidenciados por bell hooks(2013), não do avanço na vida dos sujeitos. Aliada a isso,
estariam tão presentes nesse público devido ao a busca da espiritualidade e de encontrar-se
entendimento de seu contexto enquanto sujeito através de uma cura espiritual, muitas vezes,
em mente, corpo e espírito. é capaz de curar dores profundas e doenças
A falta desse entendimento sobre si próprio físicas.
Gráfico 23 - Problemas de saúde em alunas negras do PROEJA
Fonte: Produzido pela autora, com base nos dados do Diagnóstico Discente do IFRS de 2019.
260 Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 238-264, jan./jun. 2023
Olga dos Santos Machado
Observa-se que 3 das alunas negras do provocados pela distorção entre crenças e
PROEJA relataram depressão e 4 relataram disposições para agir. Essas distorções e, por
que os problemas de saúde dificultam seus vezes, essas contradições, 1) entre as diferen-
tes crenças (fortes e fracas) incorporadas por
resultados escolares. Conforme gráfico abaixo, um indivíduo em diferentes contextos, 2) entre
isso aponta um ponto importante de análise, na diferentes hábitos-disposições para agir (fortes
busca de entender, através de mapeamento de e fracos) e 3) entre as crenças e as disposições
perfil, os pontos e trajetos de desconexão dos para agir, complicam a investigação sociológica
sujeitos com seu meio. e obrigam o investigador a perguntar-se sempre
Lahire (2005) menciona a importância da que efeitos precisos de que tipo de socialização
ele realmente mediu (LAHIRE, 2005, p. 20).
percepção dos valores que são previamente
interiorizados, através de normas, valores e Nesse contexto, quando se fala em vergonha,
crenças, sem que haja ainda formação dos há- bell hooks já dizia que a apresenta como um
bitos de ação que permitam atingir seus ideais. sentimento que cria uma barreira ao apren-
Para o autor: dizado. Hooks (2003) afirma que, em muitos
Da mesma maneira, os actores podem, sob o
casos, a própria experiência de ser “julgado” faz
efeito socializador dos meios escritos ou au- com que estudantes negros ativem sentimentos
diovisuais, ter interiorizado modelos de com- profundos de vergonha, o que atrapalha seu
portamento ou de existência sem adquirirem desenvolvimento acadêmico, atrapalhando,
os hábitos que os levariam a aproximarem-se, inclusive, a sua saúde mental.
nos factos, dos modelos desejados. Nesse tipo A autora ainda afirma que o baixo desempe-
de casos, a crença é impotente, pois ela não en- nho, muitas vezes, é uma estratégia utilizada
contra as condições disposicionais favoráveis à
para aliviar a ansiedade existente sobre o de-
sua concretização. Esses desfasamentos entre
crenças e condições objectivas de existência, ou sempenho escolar. Seguindo a ideia da autora,
entre crenças e disposições para agir, conduzem do alinhamento entre corpo, mente e espírito, há
muitas vezes o sentimento de frustração, de a necessidade de entendimento de que o acadê-
culpabilidade, de ilegitimidade ou de má cons- mico necessita de uma vida em sua completude,
ciência (LAHIRE, 2005, p. 19). não só para sua saúde mental, mas para atingir
Nesse sentido, verifica-se a importância de seus resultados pessoais e educacionais.
conhecer o perfil dos estudantes e, com isso, Essa relação também é salientada por
buscar identificar as formas em que a Institui- Lahire (2005), que observa que a maior parte
ção poderá auxiliar na construção de novos, dos estudantes não se encaixam no conceito
a partir das predisposições de disposições de estudante asceta, totalmente voltado às
encontradas nos sujeitos. realizações acadêmicas, disposto a sacrificar
Lahire (2005) ainda menciona que grande sua vida social, sentimental, familiar e tempos
número de mulheres e homens aderem a mo- livres, nem, do outro lado, de estudante boêmio,
delos, seguindo normas de estéticas corporais que não busca consagrar-se na totalidade aos
e dietéticas, observadas em revistas, ou nos estudos, sem que possa viver suas celebrações
outros meios audiovisuais, embora ainda não entre amigos, amores e festa. O autor enfatiza
tenham adquirido os hábitos alimentares, que, na maior parte dos casos, estamos lidando
desportivos e estéticos que permitam estar com alunos no meio termo – são acadêmicos
contemplando plenamente esses ideais. Con- em situações “médias”, e estão continuamente
forme o autor: sofrendo, alternadamente, entre esses dois
contextos. Na visão de Lahire:
No sentido inverso, se reduzíssemos as crenças
a um simples “verniz”, não apreenderíamos Portadores de disposições (mais ou menos for-
igualmente os fenômenos de culpabilidade, temente constituídas) relativamente contraditó-
de mal-estar, de vergonha, ou os “complexos” rias, eles são mais numerosos estatisticamente
Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 238-264, jan./jun. 2023 261
Interações das desigualdades: aspectos entre alunos do ensino médio e proeja do IFRS
do que os seus colegas “exemplares” (do ponto irmãs que estão familiarizadas com a opressão
de vista da oposição teórica referida) (LAHIRE, de um modo com que muitas de nós não estamos”
2005, p. 34). (Davis, 2017, p. 20).
Nessa mesma linha, Davis (2017) afirma As trajetórias dos estudantes do ensino
que o empoderamento do sujeito negro deve técnico são embasadas em inúmeras dificulda-
ser apoiado por aquele negro que, de alguma des. Conforme gráfico abaixo, observa-se que
forma, já o tenha o atingido. Segundo a autora, entre os alunos do Ensino Médio Integrado,
nós, enquanto negros, devemos oferecer uma em 51,52% dos casos há tempo livre para os
resistência organizada, a fim de servir como estudos, sendo que os que conseguem conciliar
base firme aos demais que estão no processo. os estudos com o tempo de outras atividades,
“Acadêmicas e profissionais negras não podem se entre elas as atividades remuneradas, são
dar ao luxo de ignorar as dificuldades de nossas 45,99% dos casos.
Fonte: Produzido pela autora, com base nos dados do Diagnóstico Discente do IFRS de 2019.
Já entre os estudantes do PROEJA, 61,04% cação básica, ainda há alunos que enfrentam
dos estudantes conseguem conciliar os horá- dificuldades para manter ambas as rotinas.
rios de aulas com as demais atividades, sendo Desse modo, as interações das desigualda-
que 19,48% chegam atrasados ou saem mais des dos sujeitos envolvidos na pesquisa inte-
cedo devido aos compromissos de trabalho. No ragem de forma simultânea entre os níveis de
entanto, essa mesma situação não chega a 3% ensino, em diferentes aspectos. Dubet (2001),
dos casos entre os alunos do EMI. em seus estudos sobre desigualdades multi-
Quando se avaliam as estudantes negras do plicadas, já salientava que a distribuição das
PROEJA, verifica-se que 61,54% conseguem desigualdades estava presente entre os mais
conciliar os estudos com outras atividades, jovens, desenhada na figura do desemprego, de
sem que tenham de faltar ou chegar atrasadas forma desfavorável e crescente. Desfavorável
nas aulas, embora 15,39% tenham informado no sentido de mínima experiência, aliada à difi-
que tiveram de sair mais cedo, ou até mesmo culdade de ingresso no mundo do trabalho. “Os
chegaram atrasadas para as aulas. jovens são mais atingidos pelo desemprego do
Desse modo, verifica-se que entre os alunos que os adultos, e, sobretudo, estão condenados a
do PROEJA, embora a maioria esteja conseguin- um longo período de incerteza e de precarieda-
do conciliar as atividades extras de trabalho, de antes de conseguirem um emprego estável”
estágios e/ou projetos com os estudos da edu- (DUBET, 2001, p. 12).
262 Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 238-264, jan./jun. 2023
Olga dos Santos Machado
CONCLUSÃO REFERÊNCIAS
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juil./sept. 1966.
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abr. 2021.
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Revista Brasileira de Educação, nº17, Maio/Jun/
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invisível, ou ainda do que deve ser invisibiliza-
GONZALES, Lélia. Racismo e Sexismo Na Cultura
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Brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, São Paulo,
própria invisibilidade de outro. Esse processo p.223-243, 1984. IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO
iniciou-se no processo de colonização, a partir DE
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do-se da violência e apropriação, sendo essa como prática da liberdade. São Paulo: Wmf Martins
justificada como ocorrida por virtude de acesso Fontes, 2013.
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construção partiu da negativa do outro. O autor gogia da esperança. São Paulo: Elefante, 2021.
explica isso com a amostra de dois lados de uma
HOOKS, Bell. Tudo sobre o Amor: novas perspecti-
linha que ele denomina como líneas abismais: vas. São Paulo: Elefante, 2021.
Estas tenciones entre ciencia, filosofia y teolo- IFRS. Resolução nº 086/2013. Aprova a Política
gia han llegado a ser altamente visibles pero, de Assistência Estudantil do Instituto Federal de
como afirmo, todas ellas tienen lugar em este Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do
lado de la línea. Su visibilidad se erige sobre la Sul (IFRS). Disponível em: < https://ifrs.edu.br/wp-
invisibilidad de formas de conocimiento que
content/uploads/2017/07/ANEXO-1.pdf> Acesso
no pueden ser adaptadas a ninguna de esas
em 01/07/2022
plebeyos, campesinos o indígenas al outro lado
de la línea (SANTOS, 2010, p. 31). LAHIRE, Bernard. PATRIMÔNIOS INDIVIDUAIS DE
DISPOSIÇÕES: para uma sociologia à escala indivi-
Desse modo, ainda no artigo a ênfase em dual. Sociologia, Problemas e Práticas, [s. l], n. 49,
trazer ao estudo autoras negras brasileiras p. 11-42, 2005.
legitima a pesquisa, diminuindo a lacuna entre LAHIRE, Bernard. Retratos sociológicos: disposi-
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leira. Assim, buscaram-se entre os estudiosos 2004.
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diálogo profícuo que permitiu conceituar, as Populares: as razões do improvável. São Paulo:
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DE FAMÍLIA E A PERSPECTIVA DE GÊNERO: tra- saber, reinventar el poder. Uruguay-Montevideo:
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Recebido em: 11/4/2023
Aprovado em: 5/5/2023
264 Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n.11, p. 238-264, jan./jun. 2023
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Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos – rieja
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Revista Internacional de Educação de Jovens e Adultos, v. 06, n. 11, jan./jun. 2023 265
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em cada número. Artigos podem ser aprovados mas não publicados na Revista em curso.
Neste caso, os artigos aprovados passam a compor um “banco de artigos” e poderão integrar um futuro
número. Se, depois de um ano, não surgir uma perspectiva concreta de publicação do texto, o artigo pode
ser liberado para ser publicado em outro periódico, a pedido do(s) autor(es).
O autor principal de um artigo receberá três exemplares da edição em que este foi publicado, e aos au-
tores que publicarem na Seção Relatos será destinado um exemplar. (No caso de o artigo ser escrito em
coautoria, cada autor receberá dois exemplares).
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1. Na primeira página devem constar: a) título do artigo; b) nome (s) do(s) autor(es), endereço resi-
dencial (somente para envio dos exemplares dos autores) e institucional (publicado junto com os
dados em relação a cada autor), telefones (para contato emergencial), e-mail; c) titulação principal;
d) instituição a que pertence(m) e cargo que ocupa(m); e) grupo de pesquisa.
2. Resumo, Abstract e Resumen: cada um com no máximo 200 palavras, incluindo objetivo, metodo-
logia, resultado e conclusão. Logo em seguida, as Palavras-chave, Keywords e Palabras clave, cujo
número desejado é de, no mínimo, três, e, no máximo, cinco. Traduzir, também, o título do artigo e
do resumo, assim como do trabalho resenhado. Atenção: cabe aos autores entregar traduções de boa
qualidade em inglês e em espanhol.
3. As figuras, gráficos, tabelas ou fotografias (em formato TIF, cor cinza, dpi 300), quando apresentados
em separado, devem ter indicação dos locais onde devem ser incluídos, ser titulados e apresentar
referências de sua autoria/fonte. Para tanto, devem seguir a norma de apresentação tabular, estabe-
lecida pelo Conselho Nacional de Estatística e publicada pelo IBGE em 1979.
4. Sob o título Referências deve vir, após a parte final do artigo, em ordem alfabética, a lista dos autores e
das publicações conforme as normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas).
a) Livro de um só autor:
BENJAMIM, Walter. Rua de mão única. São Paulo: Brasiliense, 1986.
d) Capítulo de livro:
BARBIER, René. A escuta sensível na abordagem transversal. In: BARBOSA, Joaquim (Org.). Multirrefe-
rencialidade nas ciências e na educação. São Carlos: EdUFSCar, 1998. p. 168-198.
e) Artigo de periódico:
MOTA, Kátia Maria Santos. A linguagem da vida, a linguagem da escola: inclusão ou exclusão? Uma breve
reflexão linguística para não linguistas. Revista da FAEEBA: educação e contemporaneidade, Salvador, v.
11, n. 17, p. 13-26, jan./jun. 2002.
f) Artigo de jornais:
SOUZA, Marcus. Falta de qualidade no magistério é a falha mais séria no ensino privado e público. O Glo-
bo, Rio de Janeiro, 06 dez. 2001. Caderno 2, p. 4.
i) Decreto, Leis:
BRASIL. Decreto n. 89.271, de 4 de janeiro de 1984. Dispõe sobre documentos e procedimentos para
despacho de aeronave em serviço internacional. Lex: coletânea de legislação e jurisprudência, São Paulo,
v. 48, p. 3-4, jan./mar, 1984. Legislação Federal e marginalia.
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j) Dissertações e teses:
SILVIA, M. C. da. Fracasso escolar: uma perspectiva em questão. 1996. 160 f. Dissertação (Mestrado em
Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1996.
IMPORTANTE: Ao organizar a lista de referências, o autor deve observar o correto emprego da pontua-
ção, de maneira que esta figure de forma uniforme.
5. O sistema de citação adotado por este periódico é o de autor-data, de acordo com a NBR 10520 de
2003. As citações bibliográficas ou de site, inseridas no próprio texto, devem vir entre aspas ou, quando
ultrapassa três linhas, em parágrafo com recuo e sem aspas, remetendo ao autor. Quando o autor faz
parte do texto, este deve aparecer em letra cursiva e submeter-se aos procedimentos gramaticais da
língua. Exemplo: De acordo com Freire (1982, p. 35) etc. Já quando o autor não faz parte do texto, este
deve aparecer no final do parágrafo, entre parênteses e em letra maiúscula, como no exemplo a seguir:
“A pedagogia das minorias está à disposição de todos” (FREIRE, 1982, p. 35). As citações extraídas de
sites devem, além disso, conter o endereço (URL) entre parênteses angulares e a data de acesso. Para
qualquer referência a um autor deve ser adotado igual procedimento. Deste modo, no rodapé das pági-
nas do texto devem constar apenas as notas explicativas estritamente necessárias, que devem obedecer
à NBR 10520, de 2003.
6. As notas numeradas devem vir no rodapé da mesma página em que aparecem, assim como os agrade-
cimentos, apêndices e informes complementares.
7. Os artigos devem ter, no máximo, 70 mil caracteres com espaços e, no mínimo, 45 mil caracteres com
espaços; as resenhas podem ter até 30 mil caracteres com espaço. Os títulos devem ter no máximo 90
caracteres, incluindo os espaços.
8. As referências bibliográficas devem listar somente os autores efetivamente citados no corpo do tex-
to. Atenção: os textos só serão aceitos nas seguintes dimensões no processador Word for Windows ou
equivalente:
Os autores são convidados a conferir todos os itens das Normas para Publicação antes de encaminhar
os textos.
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