Cartografias Violencia Amazonia Ed2
Cartografias Violencia Amazonia Ed2
Cartografias Violencia Amazonia Ed2
Violência na Amazônia
Novembro de 2023
Ins to
FICHA INSTITUCIONAL FBSP
Conselho de Administração Diretor Presidente Equipe Técnica
Marlene Inês Spaniol – Presidente Renato Sérgio de Lima Betina Warmling Barros
Dennis Pacheco
Conselheiros Diretora Executiva Amanda Lagreca Cardoso
Elizabeth Leeds – Presidente de Honra Samira Bueno Talita Nascimento
Cássio Thyone A. de Rosa Marina Bohnenberger
Denice Santiago Coordenação de Projetos Thaís Carvalho
Eduardo Pazinato David Marques Isabella Matosinhos
Edson Ramos Cauê Martins
Marlene Inês Spaniol Coordenação Institucional
Roberto Uchôa Juliana Martins Supervisão Administrativa e
Daniel Cerqueira Financeira
Alexandre Pereira da Rocha Supervisão do Núcleo de Dados Débora Lopes
Arthur Trindade M. Costa Isabela Sobral
Paula Ferreira Poncioni Equipe Administrativa
Juliana Lemes da Cruz Pesquisadores Sêniores Elaine Rosa
Aiala Couto Sueli Bueno
Conselho Fiscal Juliana Brandão Antônia de Araujo
Lívio José Lima e Rocha Rodrigo Chagas
Patrícia de Oliveira Nogueira Leonardo Carvalho
Sandoval Bittencourt
Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Rua Amália de Noronha, nº 151, Pinheiros. São Paulo/SP. CEP 05410-010.
Anual.
Volume 1 (2022) publicado como livro, ISBN 978-65-89596-10-3
Descrição baseada em: v. 2 (novembro de 2023)
ISBN:
ISSN:978-65-89596-33-2
CDD 301.09811
Como referenciar:
CARTOGRAFIAS
Como referenciar: DA VIOLÊNCIA NA AMAZÔNIA. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, v. 2, 2023. ISBN: 978-65-89596-33-2 versão online. Anual. Disponível em: https://forumseguranca.
org.br/publicacoes_posts/cartografias-da-violencia-na-amazonia-2a-edicao/.
CARTOGRAFIAS DA VIOLÊNCIA NA AMAZÔNIA. São Paulo: Fórum BrasileiroAcesso em: -.
de Segurança
Pública, v. 2, 2023. ISSN XXXX-XXXX versão online. Anual. Disponível em: -. Acesso em: -.
Cartografias da
Violência na Amazônia
Volume 2
FICHA TÉCNICA
Coordenação Geral Equipe Instituto Mãe Crioula
Renato Sérgio de Lima Thiago Alan Guedes Sabino
Samira Bueno Welington Morais Ferreira
Aiala Colares Couto Anna Gabrielly dos Anjos Colares (estagiária)
Josenilma Santos do Rosário (estagiária)
Equipe FBSP Lucas Patrick Alves Moraes (estagiário)
David Marques Marcos Vinícius de Rezende Lembrança
Betina Barros (estagiário)
Marina Bohnenberger
Isabela Sobral Equipe UFRR
Isabella Matosinhos Rodrigo Chagas
Talita Nascimento Joel Valério
Thaís Carvalho Fernanda Viana da Silva (estagiária)
Ins to
Parceria
4 Cartografias da
Violência na Amazônia
Sumário
1. Territórios em disputa e mercados da violência............................................................................10
1.1. Mortes violentas intencionais...........................................................................................11
1.2. Violência contra povos indígenas.................................................................................. 22
1.3. Violações de direitos territoriais quilombolas: limites e possibilidades......................30
1.4. Feminicídios e mortes violentas intencionais de mulheres......................................... 33
6. Metodologia..................................................................................................................................158
Relatório Completo
Cartografias da
Violência na Amazônia 5
TABELAS
Tabela 1: M
ortes Violentas Intencionais nas UFs da Amazônia Legal. 2021-2022.........................12
Tabela 2: C em cidades mais violentas da Amazônia Legal no triênio 2020-2022........................21
Tabela 3: M ortes Violentas Intencionais de Indígenas.................................................................... 24
Tabela 4: Dez municípios da Amazônia Legal com maiores números de MVI de
indígenas entre 2018 e 2021............................................................................................ 25
Tabela 5: H omicídios de Mulheres e Feminicídios. Brasil e UFs, 2021-2022................................ 36
Tabela 6: A preensão de cocaína pelas polícias estaduais. Amazônia Legal, 2019-2022............61
Tabela 7: Apreensão
de cocaína pelas Polícias Federal e
Rodoviária Federal, 2019-2022........................................................................................ 63
Tabela 8: A preensão de maconha pelas polícias estaduais. Amazônia Legal, 2019-2022......... 63
Tabela 9: Apreensão
de maconha pelas Polícias Federal e
Rodoviária Federal. 2019-2022....................................................................................... 64
Tabela 10: A preensão de cocaína e maconha pelas pelo Exército Brasileiro e
Marinha, 2019-2022........................................................................................................65
Tabela 11: Armas apreendidas - Secretarias de Segurança Pública e Polícia Federal.................. 67
Tabela 12: A rmas apreendidas - Polícia Rodoviária Federal........................................................... 68
Tabela 13: R egistros de arma de fogo ativos no SINARM/Polícia Federal, ns. Absolutos............. 68
Tabela 14: P essoas privadas de liberdade na Amazônia legal......................................................90
Tabela 15: P resos provisórios na Amazônia legal...........................................................................92
Tabela 16: Incremento
anual do desmatamento por estado da
Amazônia Legal - 2020-2022........................................................................................ 97
Tabela 17: D esmatamento na Amazônia legal, segundo registros da Polícia Civil.......................99
Tabela 18: Incremento de desmatamento por município da
Amazônia Legal - 2020 – 2022................................................................................... 100
Tabela 19: C omércio de madeira de lei - Art. 46 da Lei 9.605/98.
Amazônia Legal, 2018-2022..........................................................................................104
Tabela 20: R anking das 10 TIs mais desmatadas na Amazônia Legal - 2020 – 2022...............106
Tabela 21: 1 0 UCs mais impactadas pelo desmatamento no triênio 2020 – 2022.......................111
Tabela 22: D ano ambiental em Unidade de Conservação - Art. 40 da Lei 9.605/98.
Amazônia Legal, 2018-2022..........................................................................................112
Tabela 23: Incêndios criminosos - Art. 41 da Lei 9.605/98. Amazônia Legal, 2018-2022...........113
Tabela 24: G rilagem – Crime de invação para ocupação de terras da União,
Estados e Municípios. Amazônia Legal, 2018-2022.....................................................113
Tabela 25: Infrações ambientais autuadas pelo Ibama, por UF.
Amazônia Legal, 2018-2022..........................................................................................114
Tabela 26: D ez municípios com mais autos de infração na Amazônia Legal - 2022...................116
Tabela 27: Infrações ambientais autuadas pelo Ibama, por tipo de infração.
Amazônia Legal, 2018-2022..........................................................................................117
Tabela 28: Arrecadação de Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) – Ouro –
Agência Nacional de Mineração. Brasil e Amazônia Legal, 2018-2022....................125
Tabela 29: Inquéritos Policiais contendo o crime de extração de recursos minerais
sem autorização (art. 55 da Lei 9.605/98) – Polícia Federal..................................... 127
Tabela 30 : Inquéritos Policiais contendo o crime Usurpação de bens da União –
Polícia Federal..............................................................................................................128
Tabela 31: Operações de combate a crimes de mineração – Polícia Federal............................129
Tabela 32: Extração de recursos minerais sem autorização.........................................................130
Tabela 33: Unidades Policiais...........................................................................................................139
Tabela 34: Delegacias Especializadas de Interesse.......................................................................140
Tabela 35: Efetivo da ativa das Polícias Civis nos estados da Amazônia Legal, por cargo.........142
Tabela 36: Efetivo da ativa das Perícias Técnicas nos estados da
Amazônia Legal, por cargo............................................................................................143
Tabela 37: Efetivo da ativa das Polícias Militares nos estados da
Amazônia Legal, por cargo............................................................................................145
Tabela 38: Unidades das Polícias Federal e Rodoviária Federal...................................................146
Tabela 39: Unidades das Forças Armadas...................................................................................... 147
Tabela 40: Número de aeronaves e helicópteros disponíveis e em uso, por instituição............148
Tabela 41: Número de embarcações disponíveis e em uso, por instituição.................................149
Tabela 42: Número de viaturas disponíveis e em uso, por instituição..........................................150
Tabela 43: Número de equipamentos disponíveis e em uso, Polícia Rodoviária Federal............151
Tabela 44: Número de equipamentos disponíveis e em uso, Polícia Rodoviária Federal............151
Tabela 45: Unidades dos órgãos de fiscalização ambiental – IBAMA e ICMBio..........................152
Tabela 46: Unidades da Receita Federal........................................................................................153
Tabela 47: Número de Operações Integradas, por tipo.................................................................155
Tabela 48: Número de operações integradas coordenadas pelo Ministério
da Justiça e Segurança Pública, por tipo de órgão.....................................................156
MAPAS
QUADROS
GRÁFICOS
1. Territórios em disputa e
mercados da violência
Eventos extremos que geram danos incalculáveis à biodiversidade, como as chu-
vas intensas que, só em 2023, causaram enchentes e deslizamentos no Sul Não há como ignorar
e no Sudeste, incêndios florestais no Pantanal e na Amazônia, ou a estia- o efeito da violência nas
gem prolongada que esvaziou os rios da Amazônia, são alguns dos efeitos relações sociais e no dia a
mais visíveis da emergência climática no dia a dia das pessoas brasileiras. dia dos amazônidas, residam
Longe de ser um problema local, conter as emissões de gases de efeito eles em pequenas ou grandes cidades.
estufa e mitigar o aquecimento global são metas fundamentais para que São 22 grupos criminosos/facções
195 países signatários do Acordo de Paris (2015) atendam aos compromis- diferentes, presentes em ao menos
sos assumidos. Para o Brasil, a manutenção da floresta é condição básica 178 municípios da Amazônia Legal
para atender a meta climática: mais de 69% da Floresta Amazônica está em brasileira.
território brasileiro1.
Este patrimônio, no entanto, tem sofrido cada vez mais com a ameaça do crime e da
violência que avança de forma descontrolada. Se o desmatamento desenfreado e a exploração
ilegal de minérios são variáveis presentes há décadas na região, que também convive diaria-
mente com a violência decorrente dos conflitos fundiários, a disseminação de facções crimino-
sas que atuam especialmente no narcotráfico é um fenômeno que se consolidou há cerca de
uma década, gerando crescimento dos homicídios e ameaçando ainda mais o modo de vida dos
povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas.
O país atingiu o ápice da curva de mortes violentas intencionais no ano de 2017, quando 64.078
pessoas foram assassinadas. O crescimento exponencial da violência entre os anos de 2016 e
2017 tem relação com o conflito de organizações criminosas de origem no Sudeste, tema que
será tratado no capítulo 3. A região amazônica foi profundamente afetada pelas disputas entre
facções criminosas e por sua proximidade com os países produtores de cocaína, o que a tornou
palco de disputas entre grupos criminosos locais e de fora.
Embora parte destes conflitos tenha arrefecido a partir de 2018, e o Brasil tenha registrado
quedas sucessivas nos crimes contra a vida desde então, os municípios que compõem a Ama-
zônia Legal2 se mantêm com patamares de violência muito elevados. Entre 2011 e 2022 o país
registrou redução de 5,2% nas mortes violentas intencionais, que caiu em todas as regiões com
exceção da região Norte, cujo crescimento alcançou 76,7%. A taxa de mortalidade, que em 2011
era de 20,7 por 100 mil atingiu 36,5 por 100 mil no último ano.
2 A Amazônia Legal é um conceito político, introduzido pela lei 1.806 de 06 de janeiro de 1953, mas cujos limites territoriais
foram sendo expandidos nas décadas seguintes. Formada pelos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia,
Roraima, Tocantins e parte do Maranhão (oeste do meridiano de 44º), engloba hoje 772 municípios. Disponível em: https://www.gov.
br/sudam/pt-br/acesso-a-informacoes/institucional/legislacao-da-amazonia.
60,0
50,0
40,0
30,0
20,0
10,0
0,0
2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022
Brasil 24,6 28,4 28,8 30,7 29,8 31,3 32,4 28,9 23,9 25,1 23,9 23,3
Região Norte 20,7 36,2 36,4 38,3 40,9 44,7 47,1 47,9 38,1 33,7 37,5 36,5
Região Nordeste 37,5 38,9 41,7 44,3 43,7 46,1 50,5 43,4 33,5 40,7 38,5 36,8
Região Centro-Oeste 23,1 35,5 35,7 38,3 37,2 36,0 31,6 30,7 26,1 26,6 22,4 22,6
Região Sudeste 17,8 20,3 20,5 21,5 19,5 20,4 20,8 18,5 16,7 15,4 14,3 14,1
Região Sul 22,8 23,7 20,5 23,0 23,3 24,5 23,7 20,1 17,2 18,1 17,3 17,8
Fonte: Secretarias Estaduais de Segurança Pública e/ou Defesa Social; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A tabela 1 apresenta os números absolutos e taxas de mortes violentas intencionais nos estados
que compõem a Amazônia legal nos anos de 2021 e 2022. No caso do Maranhão, foram selecio-
nados os registros dos 181 municípios que fazem parte da Amazônia, conforme definição legal.
Seguindo a tendência verificada nacionalmente, entre 2021 e 2022 houve um recuo de -1,7% na
taxa de mortes violentas, um pouco inferior à média nacional, que foi de -2,6%.
Apesar da redução verificada no último ano, todos os estados da região apresentaram taxas
de violência letal acima da média nacional no último ano. O estado mais violento foi o Amapá,
com taxa de 50,6 mortes por 100 mil habitantes. Na sequência aparece o Amazonas, com taxa
de 38,8, o Pará com taxa de 36,9, Rondônia com taxa de 34,3, Roraima e Tocantins empatados
com taxa de 30,5 mortes por 100 mil, Mato Grosso com taxa de mortalidade de 29,3, Acre com
taxa de 28,6 e, por fim, o Maranhão com taxa de 28,5 por 100 mil. Ao todo, 9.011 pessoas foram
assassinadas na região no ano passado.
O gráfico 3 apresenta a taxa de mortes violentas intencionais3 em 2022 nos municípios brasi-
leiros a partir da tipologia do IBGE4 para classificar as cidades entre urbanas e rurais. A taxa
de mortes violentas intencionais no Brasil no ano passado foi de 23,3 mortes para
3 A categoria Mortes Violentas Intencionais (MVI) foi criada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2013 e tem como
fonte os registros policiais. A categoria corresponde à soma das vítimas de homicídio doloso, feminicídio, latrocínio, lesão corporal
seguida de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais em serviço e fora. Sendo assim, a categoria MVI representa o total
de vítimas de mortes violentas com intencionalidade definida de determinado território.
4 A classificação leva em conta três critérios: o número absoluto de pessoas morando em áreas de ocupação densa; o percen-
tual da população que vive em áreas de ocupação densa; e a localização do município, que leva em consideração a relação dos
municípios com centros urbanos de maior porte, que possuem maior complexidade de oferta de bens e serviços. A partir dos dois
primeiros critérios, os municípios podem ser classificados como predominantemente urbanos, intermediários e predominantemente
rurais. Cruzando esta classificação com o terceiro critério, obteve-se a tipologia proposta, que divide os municípios brasileiros em
cinco tipos: urbanos, intermediários adjacentes, intermediários remotos, rurais adjacentes e rurais remotos (Classificação e carac-
terização dos espaços rurais e urbanos do Brasil: uma primeira aproximação / IBGE, Coordenação de Geografia. – Rio de Janeiro:
IBGE, 2017. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv100643.pdf).
cada grupo de 100 mil habitantes, enquanto nas cidades que compõem a Amazônia
legal a taxa registrada foi de 33,8 por 100 mil, ou seja, a taxa média de violência letal
na Amazônia foi 45% superior à média nacional.
50,0
39,5
40,0 35,1 33,8
31,1 31,9 31,3
29,3 28,0 28,1
30,0 26,3
24,7 23,2
21,3 22,6 21,7 21,8 23,3
20,0
14,1
10,0
0,0
Rural Rural Intermediário Intermediário Urbano Total Geral
Adjacente Remoto Adjacente Remoto
Amazônia Legal Brasil - exceto Amazônia Legal Brasil - média
Fonte: Secretarias Estaduais de Segurança Pública e/ou Defesa Social; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A divisão das cidades da Amazônia entre rurais, urbanas e intermediárias ajuda a compreender
a extensão da violência na região. Isto porque, longe de ser algo concentrado nas capitais e
centros urbanos, os dados indicam que em todos os contextos as mortes violentas são mais
elevadas na Amazônia do que no resto do Brasil. No que diz respeito às cidades classificadas
como urbanas, a taxa de mortes violentas na Amazônia legal, de 35,1 por 100 mil habitan-
tes, é 52% superior à média nacional, que foi de 23,2 por 100 mil.
Nas duas zonas intermediárias a violência na Amazônia legal também se mostrou superior: nos
municípios da categoria “intermediário adjacente” a taxa de MVI na média nacional foi de
28,0 por 100 mil, ao passo que nos municípios da Amazônia foi de 39,5, ou seja, 41% supe-
rior; já nos municípios da tipologia “intermediário remoto” verificou-se a menor variação, com
taxa média nacional de 31,3 e de 31,9 nas cidades amazônidas, cerca de 2% superior.
Chama a atenção as elevadas taxas de violência letal nos municípios rurais, sejam eles remotos
ou adjacentes. Nos rurais remotos a taxa de mortes violentas intencionais nacional foi de 24,7
por grupo de 100 mil habitantes e, na Amazônia, chegou a 29,3 por 100 mil, 19% superior. Já
nos rurais adjacentes, a taxa média de mortalidade nacional foi de 22,6 por 100 mil, e na
Amazônia de 31,1, 38% superior à média nacional.
O gráfico 4 apresenta a variação das taxas de mortes violentas intencionais entre os anos de
2021 e 2022. Para facilitar a visualização, agregamos os municípios “rurais adjacentes” e “rurais
remotos”, bem como os “intermediários adjacentes” e “intermediários remotos”. O gráfico indica
um crescimento na taxa de violência letal da Amazônia apenas nas áreas classificadas como
rurais, nas quais o aumento nos assassinatos foi de 7,3%.
Gráfico Variação na taxa de MVI entre 2021 e 2022, por tipo de município
04 Amazônia Legal e Brasil
8,0% 7,3%
4,0%
0,3% 0,1%
0,0%
-0,6% -0,6% -0,8% -0,6% -0,6%
-4,0% -3,1%
-8,0%
Intermediário Rural Urbano
Amazônia Legal Brasil - exceto Amazônia Legal Total
Fonte: Secretarias Estaduais de Segurança Pública e/ou Defesa Social; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; Fórum Brasileiro de
Segurança Pública.
Dos 772 municípios que compõem a Amazônia Legal, os municípios rurais constituem um grupo
de 501 cidades que concentram 24% da população. O porte de cada cidade, no entanto, varia
bastante segundo o censo de 2022: alguns municípios somam pouco mais de mil habitantes,
como em Oliveira de Fátima no Tocantins e Araguainha no Mato Grosso, outras possuem mais
de 50 mil habitantes como Manicoré no Amazonas ou Moju no Pará.
No mapa abaixo apresentamos a taxa de mortes violentas intencionais no último triênio para
todas as cidades que compõem a Amazônia legal. Antes, porém, uma explicação metodo-
lógica. Como parte significativa dos municípios da região tem menos de 50 mil habitantes,
qualquer evento atípico registrado em determinado ano, como uma chacina, por exemplo,
poderia elevar a taxa de mortalidade de uma dessas cidades muito acima da média histórica,
distorcendo a análise. Assim, para evitar que um único evento com morte colocasse determi-
nada cidade na lista de mais violentas, procedemos a análise das mortes violentas entre 2020
e 2022 e calculamos a taxa para o triênio, de modo que as cidades com taxas mais elevadas
são aquelas que apresentaram cenários de violência letal durante todo o período, não carac-
terizando um evento atípico como as chacinas já exemplificadas anteriormente.
Ins to
Fonte: Secretarias Estaduais de Segurança Pública e/ou Defesa Social; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; Instituto Mãe Crioula; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Por este procedimento, quinze municípios apresentaram taxa média de violência letal acima de 80
mortes por grupo de 100 mil habitantes no período, a maioria nos estados do Pará e Mato Grosso:
Floresta do Araguaia-PA (128,6), Cumaru do Norte-PA (128,5), Aripuanã -MT (121,8), Alto Paraguai-
-MT (110,0), Mocajuba – PA (108,0), Anapu-PA (100,0), Novo Progresso-PA (99,9), São José do Rio
Claro-MT (99,5), Abel Figueiredo-PA (95,2), Nova Maringá-MT (90,3), Ourilândia do Norte-PA (89,4),
Iranduba-AM (89,2), Junco do Maranhão-MA (86,4), Colniza-MT (82,7) e Curionópolis-PA (80,7).
A cidade mais violenta da Amazônia é Floresta do Araguaia, localizada no Sul do Pará, município
com uma população absoluta de 17.898 habitantes5. Fundada em 1970, está situada às margens
do rio Araguaia, fazendo fronteira com o estado do Tocantins. Historicamente, sua dinâmica
econômica está relacionada às atividades de pecuária, agricultura e mineração. Caracterizada
por ser sede de uma terra indígena e de diversos assentamentos do INCRA6, aparece em ma-
peamento produzido pelo Ministério Público do estado como local em que se contabilizaram ao
menos 13 conflitos fundiários e agrários cujos procedimentos extrajudiciais encontravam-se em
tramitação em 2020. A região de Redenção, onde o município se localiza, é objeto de disputas
de fazendeiros que atuam com criação de gado e madeireiros há décadas.
A segunda cidade mais violenta da Amazônia também fica no Pará. Cumaru do Norte (PA) é um mu-
nicípio fundado no ano de 1991, ao longo da rodovia estadual PA-287, com uma população atual de
14.036 pessoas7. Apesar da ocupação recente, é um município que abriga áreas protegidas como a TI
Kayapó e possui uma lógica de ocupação territorial que impôs muita degradação da natureza, sobre-
tudo pelo desmatamento da floresta amazônica. Situado dentro da TI Kayapó, o garimpo Maria Bonita
foi palco de muitos assassinatos nos últimos anos8, mas funciona pelo menos desde o início dos anos
1980 segundo documentos da Funai disponíveis no acervo online do Instituto Socioambiental9. Outros
garimpos também funcionam no município e tem sido objeto de atuação de órgãos fiscalizatórios. Em
junho deste ano, 2023, a Polícia Federal realizou operação para fechamento de seis garimpos ilegais
na cidade10, resgatando 24 trabalhadores em condições análogas à escravidão. O garimpo também
tem crescido nos projetos de assentamentos, dentre eles, o PA João Lanari do Val. Outra lógica recen-
te no município é a disputa das facções PCC e CV, que tem ampliado os registros de homicídios, tanto
por confronto quanto por punição de integrantes nos “tribunais do crime”11.
5 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico 2022. Disponível em: https://censo2022.ibge.gov.
br/panorama/index.html
6 Fonte: https://infosanbas.org.br/municipio/floresta-do-araguaia-pa/
7 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico 2022. Disponível em: https://censo2022.ibge.gov.
br/panorama/index.html
8 Disponível em https://debatecarajas.com.br/suspeito-mata-desafeto-no-garimpo-maria-bonita-no-sul-do-para/
9 Documento da Funai datado de 1989 indica que a extração ilegal de outro na TI Kaiapó ocorre desde a assinatura de um
convênio da Funai com a empresa Rio Doce Geologia e Mineração em 1981. Disponível em https://acervo.socioambiental.org/acervo/
documentos/compra-de-ouro-nos-garimpos-de-cumaruzinho-e-maria-bonita-na-reserva-kaiapo.
10 Disponível em https://gazetacarajas.com/noticia/2696/policia-federal-fecha-6-garimpos-em-cumaru-do-norte
11 O tribunal do crime é um tipo de julgamento cuja sentença é dada pelos integrantes da facção, nos estágios de alto escalão,
que são responsáveis por garantir o cumprimento das regras da organização criminosa, podendo aplicar punições caso elas sejam
descumpridas, que em alguns casos podem ser até com a execução do “julgado”.
A terceira cidade mais violenta da Amazônia é Aripuanã, no estado do Mato Grosso, município
localizado na região chamada de ‘Nortão Matogrossense’, com uma população de 24.62612. Sua
fundação remete ao ano de 1943, associado ao período do avanço da frente pioneira no Centro-
-Oeste. Atualmente, o município possui forte dinâmica de exploração madeireira, principalmente
retiradas ilegalmente de territórios protegidos, dentre eles as TI Aripuanã e Arara do Rio Branco.
A cidade tem figurado nas notícias de imprensa desde 2018, quando moradores da Serra do
Expedito encontraram pepitas de ouro na região. Embora a cidade já sediasse a mineradora
Nexa Resources, integrante do Grupo Votorantim, naquele ano centenas de pessoas se deslo-
caram para a área após a descoberta de ouro viralizar em um canal de mineração no YouTube.
Segundo matéria da jornalista Thalyta Amaral, da Gazeta Digital, o vídeo foi divulgado em 01 de
novembro de 2018 e em poucos dias já contava com milhares de acessos. Logo se formou uma
fila para explorar o garimpo ilegal, e mais de 3 mil pessoas formavam uma cidade improvisada,
atraindo outros tipos de ilícitos como a exploração sexual13. Em 2019 a Polícia Federal, a Polícia
Militar de Mato Grosso, o Ibama e a Secretaria de Meio Ambiente do estado realizaram opera-
ção para fechar o garimpo, o que resultou em conflito e na morte de um garimpeiro14. Em 2020
a Cooperativa de Mineradores e Garimpeiros de Aripuanã (Coopemiga) firmou um Termo de
Compromisso e Ajustamento de Conduta com a Agência Nacional de Mineração para legalizar a
extração de ouro no território, mas a violência segue crescendo na região.
A quarta cidade mais violenta da região é Alto Paraguai, no Mato Grosso, cidade com 8.009 mo-
radores segundo o Censo de 2022. O município, que fica a cerca de 200km da capital Cuiabá,
é desde o séc. XVIII objeto de desejo de garimpeiros em busca de ouro e diamante. As polícias
estaduais têm realizado operações com frequência na cidade para coibir a extração de minério
em garimpos ilegais, especialmente em unidades de conservação. Vale destacar que a nascente
do Rio Paraguai fica no município de Alto Paraguai, curso d’água que tem origem no Mato Grosso,
percorre o Mato Grosso do Sul e cruza a fronteira brasileira em direção à Bolívia, Paraguai e Ar-
gentina. Por sua extensão e importância geográfica tem sido cada vez mais utilizado como rota do
tráfico internacional de drogas15. As forças de segurança locais reconhecem a existência de fac-
ções criminosas atuando na cidade, o que resultou em um recente confronto com a Polícia Civil16.
A quinta cidade mais violenta da região Amazônia é Mocajuba (PA), situada na região do Baixo
Tocantins, interligada à capital pela rodovia estadual PA-151 e pelo rio Tocantins. Sua população
12 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico 2022. Disponível em: https://censo2022.ibge.gov.
br/panorama/index.html
13 Vídeos mostram como funcionava o garimpo ilegal em Aripuanã. Disponível em https://www.gazetadigital.com.br/editorias/
cidades/vdeos-mostram-como-funcionava-o-garimpo-ilegal-em-aripuan/595455.
14 Ouro, morte e apoiadores de Bolsonaro elevam tensão em garimpo no MT. Disponível em https://amazoniareal.com.br/ouro-
-morte-e-apoiadores-de-bolsonaro-elevam-tensao-em-garimpo-no-mt/
15 Rio Paraguai se transforma em nova rota do tráfico em MS, diz PF. https://g1.globo.com/mato-grosso-do-sul/noticia/2011/07/
rio-paraguai-se-transforma-em-nova-rota-do-trafico-em-ms-diz-pf.html
16 Um criminoso é preso e outro morto durante confronto com a Polícia Civil em Alto Paraguai. https://www.pjc.mt.gov.br/-/um-cri-
minoso-foi-preso-e-outro-morto-durante-confronto-com-a-pol%C3%ADcia-civil-em-alto-paraguai
atual, segundo o Censo 2022, é de 27.198 habitantes. A principal atividade econômica do município
está associada ao extrativismo do açaí, pesca e agricultura. Nos últimos anos, a cidade registrou
aumento significativo de homicídios, inclusive com casos de execução e confrontos com policiais.
Antes caracterizado por ser um município pacato e calmo, típico de cidades ribeirinhas, Mocaju-
ba assistiu à chegada do Comando Vermelho para controlar o mercado da droga local. Além da
comercialização da droga no microtráfico, há indícios de outros crimes, dentre os quais extorsão
de comerciantes, pirataria ao longo do rio Tocantins e seus afluentes e roubos na rodovia PA-151.
A sexta cidade dentre as mais violentas é Anapu (PA), município localizada na região Sudoeste
do Pará, atravessada pela rodovia Transamazônica (BR-230). Ficou mundialmente conhecida
com a repercussão do assassinato da missionária americana Dorothy Stang, ocorrido no ano
de 2005. Dorothy liderava a luta pela reforma agrária no município através da criação do pro-
jeto de desenvolvimento sustentável (RDS) Esperança. Historicamente, Anapu está em uma
região de intensos conflitos fundiários e assassinatos de lideranças ligadas à questão fundiá-
ria, pois a lógica de ocupação territorial induziu desde o início os conflitos entre latifundiários
e posseiros. Assim, a apropriação ilegal da terra pública e dos recursos naturais, através da
grilagem e extração ilegal da madeira, impera há anos. Toda essa economia ilegal ainda per-
manece através de uma rede de pistolagem que impõem o medo e a violência, sobretudo nas
áreas rurais dos assentamentos e acampamentos dispersos ao longo das vicinais da Transa-
mazônica. Além desses crimes de longa data, recentemente ocorreu o aumento do garimpo
ilegal na TI Trincheira Bacajá, através de um vetor de invasão da terra indígena que vem de
vicinais do município vizinho de Novo Repartimento. O avanço dos projetos de infraestruturas
também provocou aumento da violência nessa região do Xingu, a começar pela instalação
da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, e por último, a implantação do Linhão de alta tensão de
Belo Monte, projetos que atraem um grande fluxo de trabalhadores para as cidades.
A sétima cidade mais violenta é Novo Progresso (PA), município fundado em 1991 ao longo da
rodovia federal BR-163, a conhecida Cuiabá-Santarém. Este município tem um histórico antigo e
ocupa posição de destaque entre os municípios mais desmatadores da Amazônia. Possui uma
lógica ligada à grilagem e aos conflitos fundiários, extração ilegal da madeira, garimpo ilegal,
e nos últimos anos, tem sido um vetor do avanço da soja na região Sudoeste do Pará, haja
vista que está no eixo de escoamento do arco norte, através dos portos de Miritituba/Itaituba e
Santarém, ambos no Pará. A Floresta Nacional do Jamanxim é a área protegida que mais tem
sofrido impacto das atividades ilícitas no município, com forte degradação vegetal e de abertura
de garimpos ilegais nas proximidades dos rios e córregos de águas. Outro fato relevante é a
presença de várias pistas de pousos que funcionam como apoio logístico para o escoamento do
ouro ilegal bem como da droga oriundas de países andinos.
Em oitavo lugar aparece o município de São José do Rio Claro (MT), distante aproximadamente
300 km de Cuiabá, na região de influência das cidades de Sorriso e Lucas do Rio Verde, celeiros
Em nono lugar aparece Abel Figueiredo (PA), município que surge ao longo da rodovia BR-222,
inicialmente chamada de rodovia estadual PA-70, fundado no ano de 1964 às margens da rodo-
via que tinha como intensão interligar a cidade de Marabá até a rodovia Belém-Brasília, permi-
tindo a integração nacional da região Sul do Pará, que até o período ocorria apenas por meio
dos rios Tocantins e Araguaia. Abel Figueiredo insere-se em um contexto de intensa exploração
madeireira, grilagem e conflitos fundiários, que vem ocorrendo desde a sua fundação até por
volta dos anos da década de 2000. Isso é explicado pelo fato de o município ter sido ocupado
grandemente por migrantes, posseiros e latifundiários. No entanto, vários crimes ocorridos no
município e noticiados pela mídia, indicam que a lógica de homicídios ligados aos interesses
econômicos da questão fundiária e exploração ilegal da madeira ainda tem prevalecido.
A décima cidade mais violenta é Nova Maringá, no Mato Grosso, uma cidade localizada no
norte do estado com população estimada em 5.846 pessoas. A cidade sofre com as disputas
entre facções criminosas, o que tem resultado em uma série de execuções nos últimos anos.
Em um caso recente documentado pela imprensa, uma mulher de 45 anos se declarava como
membro do Comando Vermelho, mas resolveu mudar para a facção rival após começar a
namorar um membro do PCC que está encarcerado. A mulher foi executada com 5 tiros na
cabeça em frente às filhas17.
O segundo grupo de municípios mais violentos da Amazônia é formado por noventa cidades,
cujas taxas de mortalidade variam entre 50,0 e 79,9 mortes por 100 mil habitantes. Fatores
determinantes para o elevado índice de assassinatos nestes territórios tem a ver com conflitos
fundiários, garimpo ilegal, atividade madeireira, extração ilegal de madeira, disputas de grupos
criminosos pelo tráfico de drogas e de armas, outros contrabandos, vingança, feminicídios, cri-
mes interpessoais, dentre outros.
No terceiro grupo estão os municípios que registraram taxa de mortalidade no último triênio aci-
ma de 31,5 e abaixo de 50, ou seja, ainda bastante elevadas e acima da média nacional. Temos
211 cidades nessa situação. No quarto grupo, com taxas de mortalidade abaixo de 31,5 e acima
de 17 por 100 mil constam 232 cidades e, no último grupo, com taxas abaixo de 17 por 100 mil
17 Mulher tenta trocar de facção por causa do namorado e é executada na frente das filhas em MT. https://www.expressaonoticias.
com.br/mulher-tenta-trocar-de-faccao-por-causa-do-namorado-e-e-executada-na-frente-das-filhas-em-mt/
constam 223 cidades. A tabela 2 apresenta a relação das 100 cidades mais violentas da Amazô-
nia, cujas taxas variam de 50,9 mortes por grupo de 100 mil habitantes, como em Tabaporã (MT),
a Floresta do Araguaia (PA), com taxa de 128,6 por 100 mil.
A questão indígena atravessa muitos aspectos quando se analisa o cenário da Amazônia Legal
do ponto de vista da violência e da segurança pública. Em primeiro lugar, a vida dos povos
indígenas está constitutivamente atrelada a seus territórios, de modo que ameaças ao território
e a seus modos de vida são ameaças diretas a eles. Sabe-se que a floresta amazônica, longe
de ser uma “natureza intocada”, é fruto de relações entre seus habitantes, incluindo os povos
indígenas, que por séculos vêm contribuindo com a diversidade e a saúde do bioma.
Assim, falar em proteção da floresta é falar da proteção das pessoas que nela
vivem e da garantia da autonomia sobre seus modos de vida. Muitas das A floresta amazônica,
atividades que ameaçam os territórios, os modos de vida e as pessoas da longe de ser uma “natureza
floresta configuram ilegalidades ambientais, que se conectam a outras intocada”, é fruto de relações
atividades ilícitas e desafiadoras ao Estado e à sociedade. entre seus habitantes, incluindo os
povos indígenas, que por séculos vêm
Embora a intensificação da violência contra indígenas e seus territó- contribuindo com a diversidade e a saúde
rios na Amazônia tenha tomado proporções assustadoras nos últimos do bioma. Falar em proteção da
anos, essa não é uma novidade. Desde a década de 1960, na Amazô- floresta é falar da proteção das
nia teve início um processo de produção do espaço regional para fins pessoas que nela vivem e da
de integração ao território nacional. A expansão da fronteira econômica garantia da autonomia sobre
em direção à região amazônica teve como pressuposto a integração por seus modos de vida.
meio de rodovias, a ocupação por meio do incentivo à imigração camponesa
e o financiamento de projetos agropecuários, minerários e da indústria madeireira.
A frente de desenvolvimento chega à região através de um discurso civilizatório, de supe-
ração do atraso e de implantação da modernidade que tiraria a região da condição periférica.
Diante de violações de direitos e inúmeras formas de violência, a violência letal contra indígenas
é um dos elementos que podem ser mobilizados para compreender sua situação na Amazônia.
Para tanto, aqui foram consideradas duas fontes de informação sobre mortes violentas intencio-
nais contra indígenas: os dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade do Datasus (SIM/
Datasus) e o levantamento feito pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) de assassinatos de
indígenas. Esse tipo de análise também pode ser feito com base nos microdados dos boletins
de ocorrência das polícias civis, que possuem informação sobre raça/cor das vítimas. No entan-
to, o baixo preenchimento dessa variável nos estados da Amazônia Legal não permitiu seu uso:
o percentual de preenchimento médio de raça/cor da vítima nos Boletins de Ocorrência Policial
desses estados é de 65%, o que geraria imprecisões nas análises18.
Esse é um assunto importante que precisa ser levado a sério pelas polícias: a produção de
informação confiável sobre o perfil das vítimas e dos crimes contra a vida de indígenas é pré-re-
quisito para a compreensão das circunstâncias desses crimes, fundamental para a formulação
de políticas públicas de proteção. As forças de segurança pública não podem invisibilizar tais
fenômenos na forma como preenchem seus registros administrativos. A correta identificação e
registro da raça/cor das vítimas é um importante passo nesse processo.
No Brasil morreram 200 pessoas indígenas em 2021, último ano disponível no SIM/Datasus,
114 delas (57%), na Amazônia Legal. No entanto, a população indígena do país que vive na
Amazônia é menor, e representa 51% dos indígenas brasileiros. Em outros termos, a taxa de
mortes violentas de indígenas na Amazônia Legal é de 13,1 para cada 100 mil indígenas, 11%
mais alta do que a média brasileira de mortes violentas intencionais de indígenas, de 11,8 por
100 mil indígenas. Já nos demais estados brasileiros fora da Amazônia Legal a taxa é de 10,4
vítimas a cada 100 mil indígenas. Ou seja, a taxa de mortes violentas indígenas na Amazônia
é 26% maior do que fora dela.
18 Alguns estados têm melhores cenários que outros: a situação do Maranhão é a mais grave, já que no estado não há informação
de raça/cor das vítimas em nenhum boletim de ocorrência. Acre e Pará são bons exemplos, com 92% e 90% de preenchimento,
respectivamente. Dentre os que têm algum preenchimento, Roraima tem o menor índice e fornece informações de raça/cor das
vítimas em 55% dos B.Os.
Em termos absolutos, o estado com o maior número de vítimas indígenas em 2021 foi Roraima,
com 46 vítimas, e onde também se encontra a maior taxa: 47,3 por 100 mil indígenas. Essa taxa
é consideravelmente maior que a do segundo lugar, Tocantins, com 15 indígenas mortos a cada
100 mil. Roraima é o estado que abriga as Terras Indígenas (TIs) Raposa Serra do Sol e Yanoma-
mi, esta última palco de uma grave crise associada ao avanço do garimpo e de desassistência
estatal que, em 2023, levou o Ministério da Saúde a decretar Emergência em Saúde Pública
de Importância Nacional na TI. Isto é, além das ameaças socioambientais do garimpo ilegal e
insegurança alimentar dos indígenas em Roraima, a violência letal também está muito presente.
Vale lembrar que, em termos de registros policiais, Roraima é um dos estados com menor nível
de identificação de etna/raça/cor das vítimas, o que significa dizer que as polícias podem ainda
não ter se dado conta do tamanho do problema.
Em segundo lugar está o Amazonas, estado com a maior população indígena do país: 490.854
pessoas. Foram 41 vítimas em 2021, número que vem caindo e teve redução de 14,6% entre
2018 e 2021. Em termos de taxa, são 8,4 vítimas a cada 100 mil indígenas. Quase metade
das vítimas (15) em 2021 se concentra em 5 municípios: São Gabriel da Cachoeira, Barcelos,
Tabatinga, Eirunepé e Lábrea. Em todo o período, das 181 vítimas indígenas no Amazonas, 100
residiam nesses municípios.
Se é fato que a violência letal contra indígenas é maior na Amazônia, é preciso reconhecer que o
número absoluto de vítimas indígenas caiu entre 2018 e 2021. A redução na Amazônia Legal foi
ainda maior que nos demais estados e na média brasileira: foram 18% menos indígenas mortos
na região. No Brasil, essa queda foi de 16,7% e nos demais estados, de 14,9%.
Tabela Dez municípios da Amazônia Legal com maiores números de MVI de indígenas entre 2018 e 2021
04 Municípios - 2018-2021
As duas maiores taxas municipais de mortes violentas intencionais de indígenas também estão
em Roraima, nos municípios de Iracema e Caracaraí, ao sul da capital, Boa Vista, e às margens
do Rio Branco. Caracaraí, apesar de apresentar cenário ainda bastante preocupante, apresen-
tou queda de 68,4% nos números absolutos entre 2018 e 2021. Já Iracema teve alta de 125%.
São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, a maior cidade indígena do país com 48.256 habitantes
que se declaram indígenas, ocupa o terceiro lugar, com 36 vítimas no período e taxa de 12,4
mortes a cada 100 mil indígenas.
Ainda no Amazonas, Tabatinga e Lábrea estão respectivamente em 5º e 10º lugar. São municí-
pios conhecidos por conflitos violentos: em Tabatinga, na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia
e Peru, prevalece a influência do narcotráfico, que tem na região o que muitos profissionais
que atuam na repressão ao crime organizado indicam como a base da segunda maior rota de
cocaína em operação no Brasil; já em Lábrea são os conflitos por terra que chamam a atenção19,
com a presença de grileiros e madeireiros. Belém (PA), a única capital da lista, apresentou uma
das maiores taxas de mortalidade em 2021: foram 94,1 indígenas assassinados a cada 100 mil.
Ademais, vale mencionar que as circunstâncias desses crimes são desconhecidas e não neces-
sariamente se relacionam com questões territoriais e de crimes ambientais que povoam a Ama-
zônia, podendo ser fruto de conflitos interpessoais, característica comum da violência letal no
Brasil. Entretanto, é notório que a ameaça aos indígenas se intensifica à medida que o contexto
de múltiplas ilegalidades se agrava na região.
19 Ver em https://reporterbrasil.org.br/covamedida/historia/labrea-am/.
Ins to
A região do Vale do Javari foi palco dos assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista
Dom Philips em 2022, que chocaram o país e a comunidade internacional, mobilizando olhares
e debates em torno da Amazônia. Trata-se de uma zona de intensas disputas entre narcotrafi-
cantes dos três países transfronteiriços, atravessada por outras ilegalidades como biopirataria,
contrabando de pescado e caça e desmatamento. Essas atividades têm forte impacto sobre os
povos indígenas locais, especialmente os povos isolados, que vivem na região das cabeceiras
dos rios Ituí, Itaquaí, Jutaí, Curuçá e Javari, conforme pode ser verificado no mapa 3.
Mapa
03
Conflitos e violência na TI do Vale do Javari, na região da Tríplice Fronteira
Ins to
Nos últimos anos a violência contra indígenas se intensificou, acompanhando a expansão de áreas
de garimpo, muitas delas ocorrendo dentro de seus territórios. Não se pode deixar de mencionar
o incentivo público feito por governos ao longo dos últimos anos da expansão da atividade garim-
peira e, até mesmo, promovendo propostas inconstitucionais como a legalização do garimpo em
terras indígenas. Na medida em que o garimpo contamina rios, peixes, ameaça a biodiversidade,
elimina a fauna e a flora e compromete toda a cadeia alimentar, incentivar e dar condições para
que atividades desse tipo ganhem espaço está diretamente relacionado à situação em que chega-
ram os povos Yanomami (Roraima) e Munduruku (Pará), para citar apenas dois exemplos. A questão
fica ainda mais complexa quando o tráfico de drogas chega até esses territórios, construindo com
o garimpo relações de territorialização20, como já pode ser observado em várias regiões.
20 A territorialização é um conceito geográfico que se refere à manifestação de relações de poder no território. Nesse caso
específico, para legitimar o controle sobre o território e de seus recursos, essa ação dos grupos criminosos é materializada através
da força e violência. HAESBAERT, R. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multi- territorialidade. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2004.
21 INSTUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico 2022. Disponível em: https://censo2022.ibge.gov.br/
panorama/index.html
Mapa
04
Municípios com territórios quilombolas na Amazônia Legal
Ins to
O mapa 4 apresenta os municípios situados na Amazônia legal com territórios quilombolas. É im-
portante frisar que a maioria desses territórios se encontra no Pará e no Maranhão, estados que
há décadas enfrentam problemas de conflitos fundiários que envolvem estas comunidades. Não
só isso, a expansão da fronteira econômica na Amazônia a partir dos grandes projetos contribuiu
para uma série de violações, sobretudo relacionadas aos crimes ambientais de poluição dos
rios, transbordamento de bacias de rejeitos de minérios, caça e pesca ilegal, desmatamento,
expansão das monoculturas e queimadas criminosas. Nos últimos anos as comunidades quilom-
bolas da Amazônia passaram a lidar com novos desafios relacionados com a expansão do crime
organizado, que vem alterando o modo de vida destas populações.
Segundo o IBGE, na Amazônia foram identificados 1.831 territórios quilombolas, destes ape-
nas 179 tiveram a titulação definitiva ou foram oficialmente homologados o que corresponde
apenas a 9,77%. A distribuição dos territórios quilombola titulados segue a seguinte ordem de
acordo com o quadro 1.
Quadro
01
Estados da Amazônia com territórios quilombolas
Amazonas 184 3
Amapá 73 7
Maranhão 864 63
Mato Grosso 77 4
Pará 528 87
Rondônia 18 6
Tocantins 87 9
O estado do Maranhão lidera o ranking com um total de 864 territórios quilombolas, porém ape-
nas 63 deste foram titulados, o que corresponde a 7% do total do estado. Em seguida, aparece
o Pará com um total de 528 territórios quilombolas, dos quais 87 já tiveram seus títulos de terra,
correspondendo a 16% do total estadual. Em terceiro lugar, vem o estado do Amazonas com 184
quilombos certificado e apenas 3 com a titulação definitiva, representando 1,6 % do número de
territórios quilombolas no estado. Os números são indicativos das contradições fundiárias da
Amazônia e do país como um todo, e podem ser tomados como reveladores não só dos conflitos
existentes pela falta de reconhecimento dos territórios quilombolas, mas, sobretudo, revelam
a fragilidade dos mecanismos de garantia de direitos e de políticas públicas especificas para
suas populações (educação quilombola, saúde da população quilombola, incentivo à agricultura
familiar, saneamento básico, segurança pública e habitação).
Embora a violência baseada em gênero seja um fenômeno que acontece no Brasil como um
todo, ela não acomete as mulheres da mesma forma. Existem especificidades territoriais, so-
ciais, econômicas ou raciais próprias nas lutas e na violência vivenciada por mulheres de áreas
rurais, indígenas, quilombolas, migrantes, negras, entre outras diferenciações: cada um
desses coletivos enfrenta opressões próprias. Essa é uma justificativa do porquê
A taxa de feminicídios não podemos considerar o problema da violência contra a mulher como algo
nos municípios da Amazônia homogêneo22. Neste sentido, é preciso mobilizar lupas próprias para enten-
foi de 1,8 para cada 100 mil der as particularidades da violência e é este esforço que fazemos neste
mulheres, 30,8% superior à capítulo ao nos debruçarmos sobre os dados de violência baseada em
média nacional, que foi de 1,4 por gênero contra mulheres da Amazônia.
100 mil. Chama a atenção que as áreas
classificadas como intermediárias e Quando olhamos para os registros dos boletins de ocorrência produ-
as rurais apresentaram taxas de zidos pelas Polícias Civis, praticamente todos os crimes baseados no
feminicídio ainda mais elevadas gênero são maiores nos estados da Amazônia Legal do que no restante
que a das áreas urbanas. do Brasil. O gráfico 5 apresenta a taxa de feminicídios nos municípios que
compõem a Amazônia legal e a média nacional a partir da tipologia do IBGE
para classificar as cidades entre urbanas e rurais. A taxa de feminicídios nos
municípios da Amazônia foi de 1,8 para cada 100 mil mulheres, 30,8% superior à
média nacional, que foi de 1,4 por 100 mil. Chama a atenção que as áreas classificadas como
intermediárias (adjacentes e remotas) e as rurais (adjacentes e remotas) apresentaram taxas
de feminicídio ainda mais elevadas que a das áreas urbanas, indicando um padrão dissemi-
nado de violência de gênero na região.
22 DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. Trad. Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2016; BARSTED, Leila Linhares. O
progresso das mulheres no enfrentamento da violência. In: BARSTED, Leila Linhares. PINTAGUY, Jaqueline (orgs.). O progresso das
mulheres no Brasil 2003-2010. Rio de Janeiro: CEPIA/UN Women, 2011.
3,0
2,5
2,5 2,3
2,1 2,1 2,0
1,9 1,9
2,0 1,8 1,8
1,6 1,6 1,6
1,5 1,4
1,5 1,3 1,3
1,2
1,0
0,5
0,0
0,0
Rural Rural Intermediário Intermediário Urbano Total Geral
Adjacente Remoto Adjacente Remoto
Amazônia Legal Brasil - exceto Amazônia Legal Total
Fonte: Secretarias de Segurança Pública e/ou Defesa Social; Polícia Civil do Estado do Amapá; Polícia Civil do Estado de Roraima; Censo 2022 - IBGE; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Quando consideramos todos os assassinatos de mulheres, ou seja, não apenas aqueles clas-
sificados como feminicídios, mas também os homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais
seguidas de morte, a situação é ainda mais grave. A taxa de mortes violentas intencionais de
mulheres na Amazônia foi de 5,2 por 100 mil mulheres, 34% superior à média nacional,
de 3,9 por 100 mil. Assim como nos feminicídios, nas áreas urbanas, rurais e intermediárias as
taxas se mostraram mais elevadas nas cidades da Amazônia legal.
7,0
6,0
6,0 5,5
5,3 5,2 5,2
5,0 4,8 4,9 5,0
5,0 4,4
4,2 4,3
3,7 3,7 3,9
4,0 3,6 3,5
3,0
3,0
2,0
1,0
0,0
Rural Rural Intermediário Intermediário Urbano Total Geral
Adjacente Remoto Adjacente Remoto
Amazônia Legal Brasil - exceto Amazônia Legal Total
Fonte: Secretarias de Segurança Pública e/ou Defesa Social; Polícia Civil do Estado do Amapá; Polícia Civil do Estado de Roraima; Censo 2022 - IBGE; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Entre os nove estados que compõem a região, Rondônia apresentou a maior taxa de femi-
nicídio no último ano, de 3,0 mortes por 100 mil, seguido do Acre com taxa de 2,7 e Mato
Grosso com taxa de 2,6. Apenas Roraima (0,9), Amazonas (1,1) e Pará (1,2) registraram taxas de
feminicídio inferiores à média nacional, mas esta informação pode estar enviesada pela baixa
notificação de feminicídios nestes estados, ou seja, do total de mortes violentas de mulheres,
um percentual baixo foi classificado como tendo sido motivado por questões de gênero ou
violência doméstica. Em Roraima, por exemplo, apenas 9,1% de todos os assassinatos de mu-
lheres foram classificados como feminicídio, no Amazonas 23,9% e, no Pará, 24,5%, enquanto
a média nacional foi de 35,6%.
Acre 2,7
Amapá 2,2
Amazonas 1,1
Maranhão (3) 1,2
Mato Grosso 2,6
Pará 1,2
Rondônia 3,0
Roraima 0,9
Tocantins 1,9
Amazônia Legal 1,8
Brasil - média 1,4
0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 3,5
Fonte: Secretarias de Segurança Pública e/ou Defesa Social; Polícia Civil do Estado do Amapá; Polícia Civil do Estado de Roraima; Censo
2022 - IBGE; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
(1) A Lei 13.104, de 9 de março de 2015, qualificou o crime de feminicídio quando ele é cometido contra a mulher por razões da condição
de sexo feminino. Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve violência doméstica e familiar e
menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
(2) Taxa por 100 mil mulheres.
(3) Os números exibidos para o Maranhão referem-se ao total de MVI nos 181 municípios do Estado contidos na Amazônia Legal. As MVI
ocrridas nos outros 36 municípios do Estado estão contabilizadas no total do Brasil e no total exceto Amazônia Legal.
Homicídios Proporção de
feminicídios em relação
Feminicídios aos homicídios de
Brasil e Estados da Amazônia Legal Vítimas Mulheres mulheres
Ns. Absolutos Taxa (2) Variação Ns. Absolutos Taxa (2) Variação Em percentual (%)
2021 2022 2021 2022 (%) 2021 2022 2021 2022 (%) 2021 2022
Brasil - Total 3.969 4.034 3,8 3,9 1,0 1.344 1.437 1,3 1,4 6,3 33,9 35,6
Brasil - Exceto Estados da Amazônia Legal 3.273 3.336 3,6 3,7 1,4 1.105 1.204 1,2 1,3 7,9 33,8 36,1
Estados da Amazônia Legal 696 698 5,2 5,2 -0,6 239 233 1,8 1,8 -2,2 34,3 33,4
Acre 5,3
Amapá 6,0
Amazonas 4,5
Maranhão (2) 3,8
Mato Grosso 5,6
Pará 4,9
Rondônia 11,1
Roraima 10,4
Tocantins 4,8
Amazônia Legal 5,2
Brasil - média 3,9
0,0 2,0 4,0 6,0 8,0 10,0 12,0
Fonte: Secretarias de Segurança Pública e/ou Defesa Social; Polícia Civil do Estado do Amapá; Polícia Civil do Estado de Roraima; Censo
2022 - IBGE; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
(1) Taxa por 100 mil mulheres.
(2) Os números exibidos para o Maranhão referem-se ao total de MVI nos 181 municípios do Estado contidos na Amazônia Legal. As MVI
ocrridas nos outros 36 municípios do Estado estão contabilizadas no total do Brasil e no total exceto Amazônia Legal.
É difícil tecer explicações que justifiquem índices tão elevados de violência letal contra a mulher
na região Amazônica, especialmente na comparação com o resto do país. Porque as mulheres
amazônicas morrem mais do que as demais brasileiras, seja por feminicídios, seja por outras
dinâmicas de violência? Buscando compreender tal contexto, uma das hipóteses aventadas pela
literatura tem relação com o processo colonizador muito particular pelo qual passou a região,
majoritariamente masculino, marcado pelo silenciamento e exploração da mulher e sob uma
perspectiva utilitarista, baseada em um olhar para a Amazônia como espaço provedor de maté-
rias primas, sem preocupação com o desenvolvimento local.
23 CHAVES, Fabiana Nogueira; CÉSAR, Maria Rita de Assis. O silenciamento histórico das mulheres da Amazônia Brasileira. Extra-
prensa, São Paulo, v. 12, n. 2, p. 138 – 156, jan./jun. 2019, p. 147.
24 WOLFF, Cristina Scheibe. Relações de gênero e violência nos seringais do Alto Juruá – Acre (1870-1945). Revista de
Ciências Humanas da Universidade Federal de Florianópolis, Florianópolis, v.15, n.21, p.91-108, 1997.
cal baseada em relações violentas e para o qual a mulher não passava de mercadoria, podendo
ser vendida, estuprada ou explorada sexualmente.
No mesmo sentido, Darcy Ribeiro argumenta que, diferente de outras frentes de expansão eco-
nômica, como a agrícola e a pastoril, nas quais predomina a migração de células familiares,
nas frentes extrativistas, como no caso da borracha e da garimpagem, há uma presença pre-
dominantemente masculina, fato que estimula o estabelecimento de mercados do sexo e que
envolvem práticas extremamente degradantes como o tráfico de mulheres, contextos descritos
neste relatório no capítulo 425.
elevada; e, no meio urbano, a taxa de violência sexual nas cidades da Amazônia foi 47,2%
superior à média nacional.
60,0
48,7 49,4
50,0 46,1
43,3
40,0 35,2 35,5 37,1 34,9
36,9
32,6 33,1
31,1
30,0
20,0
10,0
0,0
Rural Intermediário Urbano Total Geral
Amazônia Legal Brasil - exceto Amazônia Legal Total
Fonte: Secretarias Estaduais de Segurança Pública e/ou Defesa Social; Polícia Civil do Estado do Amapá; Polícia Civil do Distrito Federal;
Polícia Civil do Estado de Roraima; Censo 2022 - IBGE; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
2. Dinâmicas criminais na
Fronteira Amazônica
A abordagem analítica sobre as dinâmicas criminais na Amazônia aqui apresenta-
da considera que o crime organizado, em especial aquele que se estrutura em
torno do narcotráfico e do garimpo ilegal, organiza-se em redes e interações Os espaços fronteiriços na
transfronteiriças nas quais se conectam atividades econômicas ilícitas. Ou região amazônica são lugares
seja, estamos falando em redes materializadas em formas de “pontos”, de mobilidade populacional (fluxos
“nós” ou “nexos” configurados em nódulos territoriais e que, em torno migratórios), transações comerciais
deles, vão se adensando e capilarizando mercados ilícitos, que, por defi- legais e clandestinas e espaços
nição, são voláteis e objeto de alta competição por diferentes grupos ar- de disputas territoriais entre
mados. Para compreendê-los, há a necessidade de um olhar para as fron- grupos criminosos do Brasil e
teiras que considere as forças centrípetas, política e socialmente delimitadas dos países fronteiriços.
para dentro do território brasileiro. E, ao mesmo tempo, as dinâmicas sociais,
políticas e criminais que estariam a se comportar como forças centrifugas exerci-
das de fora do território e relacionadas às redes de poder e à transnacionalização das
redes do crime organizado na Amazônia.
Por esta abordagem, os espaços fronteiriços na região amazônica são lugares de mobilidade
populacional (fluxos migratórios), transações comerciais legais e clandestinas e espaços de dis-
putas territoriais entre grupos criminosos do Brasil e dos países fronteiriços. E, desse modo, as
políticas de segurança pública nas fronteiras devem dar destaque para a diversidade socioeco-
lógica das diversas “amazônias” que existem e resistem na região. Promover a construção de
uma agenda de planejamento e desenvolvimento regional significa, por conseguinte, identificar
toda esta complexidade e heterogeneidade social, cultural e política presentes no cotidiano das
populações amazônidas, sob o risco de uma enorme falha estrutural na forma de organização
das políticas públicas e da presença do Estado, em todas as suas múltiplas esferas e Poderes, na
região. Mais do que “ausência do Estado”, o risco é a inversão de investimentos e recursos em
volumes cada vez maiores, mas incapazes de garantir a efetividade democrática de proteção
da vida e do meio ambiente.
A dinâmica transfronteiriça precisa ser pensada, portanto, a partir da ideia de que o conjun-
to de relações sociais, políticas, econômicas e culturais não considera, necessariamente, os
limites administrativos e territoriais dos Estados nacionais. As divisas que marcam os
limites territoriais entre as nações é, por esta perspectiva, uma variável política
Dado que o Brasil e geográfica a mais que precisa ser incluída na teia de relações sociais teci-
procura assumir o prota- das nos territórios físicos. No caso da Amazônia, estamos falando de um
gonismo geopolítico na América ecossistema composto por florestas densas de terra firme, florestas
do Sul exatamente a partir da agenda estacionais, florestas de igapó, campos alagados, várzeas, savanas,
socioambiental, a integração entre agências refúgios montanhosos e formações pioneiras, além de uma bacia
dos países Panamazônicos para a segurança hidrográfica continental, clima equatorial quente úmido.
pública e o desenvolvimento também precisa
considerar a coordenação da presença Esse bioma, em termos políticos e administrativos, estende-se pe-
das instituições governamentais nas los territórios nacionais da Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guia-
fronteiras, em especial das forças poli- na, Peru, Suriname e Venezuela e o protetorado francês da Guiana
ciais e das Forças Armadas de todas Francesa, que juntos formam a Amazônia internacional ou Panamazô-
as nações com territórios na nia27. Todavia, o destaque maior é para o Brasil, pois a Amazônia Legal
Amazônia. brasileira corresponde, a depender do critério de classificação adotado,
entre 60 e 69% da dimensão territorial do bioma como um todo (Mapa 5). A
fronteira amazônica é um espaço complexo que constitui historicamente palco de
tensões e conflitos, incorporada à expansão das redes ilegais e representa um lugar de pre-
ocupação por parte da segurança nacional. Ela é um espaço privilegiado de intensas transfor-
mações sociopolíticas, resultado das frentes de expansão econômica, crise climática, pressões
de natureza geopolítica e ambiental, incluindo a corrida por uma nova matriz energética, e das
manifestações dos mais diversos fluxos de capitais, mercadorias e pessoas.
A recente retomada das discussões sobre soberania e cooperação entre os Estados Amazôni-
das, que tinham como marco a criação, em 1977, do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA)
proposto pelo Brasil, ganharam novo fôlego e, na Reunião da Cúpula da Amazônia, realizada em
Belém do Pará no mês de agosto de 2023, reforçaram o papel de mecanismo de coordenação
da integração e cooperação entre os países da Panamazônia da Organização do Tratado de Co-
operação Amazônica (OTCA). E, dado que o Brasil procura assumir o protagonismo geopolítico
na América do Sul exatamente a partir da agenda socioambiental, a integração entre agências
dos países Panamazônicos para a segurança pública e o desenvolvimento também precisa con-
siderar a coordenação da presença das instituições governamentais nas fronteiras, em especial
das forças policiais e das Forças Armadas de todas as nações com territórios na Amazônia.
27 Daqui em diante, para efeitos de padronização de citações, esse estudo adota o termo Panamazônia para se referir à região
coberta pelo Bioma Amazônico.
Mapa
05
Panamazônia ou Amazônia Internacional
Ins to
Os estudos que têm como objeto de investigação as fronteiras e a sua relação com a questão
da soberania nacional buscam sempre dar ênfase ao que se define como ameaças transfron-
teiriças. Trata-se de um conjunto de atividades ou ações que são consideradas pelo Estado
Nacional, uma ameaça à integridade territorial do país e causadoras de desordens e ilicitu-
des. São consideradas ameaças transfronteiriças o tráfico de drogas e armas, a lavagem de
dinheiro, o contrabando, os movimentos separatistas e o terrorismo interno ou internacional.
Acrescentamos também o tráfico de pessoas e de órgãos, que igualmente estabelecem rela-
ções transfronteiriças.
Pelo § 2º do art. 20 da Constituição Federal de 1988, a faixa de até cento e cinquenta quilôme-
tros de largura, paralela à linha divisória terrestre do território nacional, é conhecida como Faixa
de Fronteira e é considerada indispensável e fundamental para defesa do território nacional. A
Faixa de Fronteira é regulamentada pela Lei nº 6.634, de 2 de maio de 1979, alterada parcial-
mente pela Lei 14.004/2020, e pelos Decretos nº 85.064/1980 e 11.076/2022. Na Amazônia bra-
sileira, a faixa de fronteira tem seus limites externo delimitados nas divisas com 7 (sete) outros
países e, geoespacialmente, podemos classificá-la em quatro zonas de instabilidade, que são:
1. Zona Setentrional
2. Zona da Tríplice-Fronteira
28 UNODC (2022) World Drug Report 2022, Booklet 4. The nexus between drugs and crimes that affect the environment and
convergent crime in the amazon basin.
29 Igarapé Insititute. “The Ecosystem of Environmental Crime in the Amazon,” Strategic Paper 55, April,2022.
Mapa
06
Zonas transfronteiriças na Amazônia
Ins to
Na análise geoespacial acima, além das quatro zonas destacadas, também foram identificadas
as áreas transfronteiriças que correspondem à parte hachurada no mapa. No lado brasileiro
foi levado em consideração um buffer30 de 150 km de extensão territorial a partir da faixa de
fronteira de acordo com a legislação. Na área que avança sobre o território dos demais países,
utilizou-se a mesma delimitação geográfica para fins comparativos, não obstante a possibilidade
de outros conceitos e limites geopolíticos que vigoram nos outros países. Também é preciso
observar que, em alguns casos, é possível que a áreas que servem de base para a análise geo-
espacial aqui contida digam respeito aos limites e divisas dos municípios brasileiros e, portanto,
não estejam nos estritos limites da área de fronteira – um município pode ter parte do seu terri-
tório na faixa de fronteira e parte fora dessa área.
Assim, a partir dessa metodologia, cada zona tem as suas sub-regiões e a opção por esta de-
finição considera os fluxos de capitais, mercadorias e pessoas que por elas fluem. Fluxos que
foram registrados e monitorados em campo de forma a verificar a importância geográfica das
mesmas para as articulações dinâmicas das várias redes de agentes públicos e privados, legais
e ilegais. Ademais, as sub-regiões descritas a seguir foram definidas a partir da estrutura geo-
morfológica e fluvial da região de fronteira, pois dessa forma pode-se enxergar as relações que
se estabelecem a partir das atividades relacionadas à mineração e a rede hidrográfica, ou seja,
há uma integração econômica e social direcionada a partir destes elementos físicos que em
muito ajudam a explicar as zonas de instabilidade formadas nessas áreas de fronteira.
a) Planalto das Guianas Oriental: o Planalto das Guianas na porção oriental, também
conhecido como escudo das Guianas é uma formação geológica pré-cambriana31,
possuindo em seu solo uma abundância de pedras preciosas e metais raros, situ-
ando-se no extremo norte do Brasil, correspondendo a uma faixa que se estende
do Amapá, Pará e parte do Estado de Roraima. Nele são desenvolvidas atividades
econômicas mineradoras como exploração de ouro, cobre, manganês, cassiterita,
bauxita, cobalto, cromo e estanho. Também, existem Terras Indígenas e Unidades de
Conservação estaduais e federais, onde o isolamento geográfico é um dos fatores
aliados para as comunidades indígenas.
30 Consiste em definir uma distância específica a partir do ponto de interesse, criando uma área em formato de anel ao redor dele.
31 O Éon Pré-Cambriano foi o mais longo período geológico do planeta Terra e durou cerca de 4 bilhões de anos. Corresponde
ao período inicial e de formação, principalmente geológica, de nosso planeta.
d) Tríplice Fronteira – Alto Solimões: corresponde à região do vale do alto curso do rio
Solimões, que tem como afluentes os rios Içá e Javari, servindo de fronteira entre
Brasil, Peru e Colômbia. Nessa sub-região encontram-se rios anastomosados32 com
floresta densa e difícil acesso aos órgãos de fiscalização e controle.
e) Tríplice Fronteira Alto Juruá e Purus: define-se pela faixa entre o rio Juruá, estenden-
do-se pela serra do divisor, passando pelos rios Purus e Acre, até o rio Abunã que
define a fronteira entre Brasil, Bolívia e Peru.
g) Vale do Guaporé: inicia no rio Cabixi (na fronteira entre Rondônia e Mato Grosso),
passando pelo sudoeste do pantanal mato-grossense até o rio Paraguai. Por esta
sub-região se dão as interações entre Brasil e Bolívia. Rica em biodiversidade, é uma
zona de transição entre a Amazônia e o Pantanal mato-grossense.
O quadro 2 e o Mapa 7 tem como objetivo demonstrar o quantitativo dos 123 municípios que es-
tão na faixa de fronteira, nesse caso municípios dos estados Brasileiros na Amazônia que estão
sob influência da dinâmica transfronteiriça. Isso significa dizer que cada sub-região concentra
relações que perpassam por estes espaços.
32 São definidos por rios com múltiplos canais sinuosos, estáveis, com margens coesas que podem apresentar ilhas fluviais.
Quadro
02
Quantitativo de Municípios por sub-região da faixa de fronteira Amazônia Legal
Alenquer, Almeirim, Amapá, Calçoene, Faro, Ferreira Gomes, Laranjal do Jari, Nhamundá, Óbidos, Oiapoque,
Planalto das Guianas Setentrional 15
Oriximiná, Pedra Branca do Amapari, Pracuúba, Serra do Navio e Urucará
Alto Alegre, Amajari, Boa Vista, Bonfim, Canta, Caracaraí, Caroebe, Iracema, Mucajaí, Nomandia, Pacaraima,
Monte Roraima Setentrional 15
Rorainópolis, São João da Baliza, São Luiz e Uiramutã.
Cabeça do Cachorro Setentrional 4 Barcelos, Japurá, Santa Izabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira
Amaturá, Atalaia do Norte, Benjamin Constant, Jutaí, Santo Antônio do Iça, São Paulo de Olivença, Tabatinga e
Alto Solimões Tríplice Fronteira 8
Tonantins.
Acrelândia, Assis Brasil, Boca do Acre, Brasiléia, Bujari, Canutama, Capixaba, Cruzeiro do Sul, Envira,
Epitaciolândia, Feijó, Guajará, Ipixuna, Jordão, Lábrea, Mâncio Lima, Manuel Urbano, Marechal Thaumaturgo,
Alto Juruá e Purus Fronteira Brasil - Peru 29
Pauini, Plácido de Castro, Porto Acre, Porto Walter, Rio Branco, Rodrigues Alves, Santa Rosa do Purus, Sena
Madureira, Senador Guiomard, Tarauacá e Xapuri.
Alta Floresta d’Oeste, Alto Alegre do Perecis, Alvorada d’Oeste, Buritis, Cabixi, Campo Novo de Rondônia,
Cerejeiras, Chupinguaia, Costa Marques, Guajará-Mirim, Nova Brasilândia d’Oeste, Nova Mamoré, Novo Horizonte
Vale do Rio Madeira –
Fronteira Brasil - Bolívia 27 do Oeste, Nova Mamoré, Parecis, Pimenta Bueno, Pimenteiras do Oeste, Porto Velho, Primavera de Rondônia,
Mamoré
Rolim de Moura, Santa Luzia d’Oeste, São Felipe d’Oeste, São Francisco do Guaporé, São Miguel do Guaporé,
Seringueiras e Vilhena.
Araputanga, Barão de Melgaço, Barra do Bugres, Cáceres, Campos de Julho, Comodoro, Figueirópolis d’Oeste,
Glória d’Oeste, Indiavai, Jauru, Lambari d’Oeste, Mirassol d’Oeste, Nossa Senhora do Livramento, Nova Lacerda,
Vale do Guaporé Fronteira Brasil - Bolívia 25
Pocone, Pontes e Lacerda, Porto Experidião, Porto Estrela, Reserva do Cabaçal, Rio Branco, Salto do Ceu, São
José dos Quatro Marcos, Sapezal, Tangará da Serra e Vila Bela da Santíssima Trindade
Fonte: Instituto Mãe Crioula (IMC).
Mapa
07
Municípios da faixa de fronteira da Amazônia Legal
Ins to
Os conflitos emergentes na fronteira panamazônica são uma realidade em função dos mais
variados usos do território, sejam para fins de atividades legais, sejam para fins de atividades
clandestinas, o que obriga o Estado a promover uma política de intervenção na garantia da
ordem que, no caso brasileiro, fica muito dependente das capacidades institucionais e dos
meios das Forças Armadas. Ao mesmo tempo, há, como destacam Lima e Fernandes34, uma
simbiose de interesses econômicos e políticos que movimenta múltiplas ilegalidades e forta-
lece o edifício da criminalidade violenta. Há agentes não estatais que interagem e disputam
o sentido da ordem social e as formas de controle social na região, a exemplo das facções
de base prisional. Não se trata de falta ou ausência de capacidades estatais, mas do fato que
elas ou estão frouxamente articuladas entre si e/ou são frágeis nas respostas ante as pres-
sões dos mercados ilegais e da força da economia do crime.
Na faixa de fronteira quase sempre se desenvolvem intensas interações espaciais que in-
cluem as atividades econômicas e as relações sociais, inclusive, da dimensão cultural, envol-
vendo as partes mais povoadas e as mais rarefeitas ou com menor densidade demográfica.
Estas últimas tornam-se estratégicas para a presença de atividades criminosas. Em dimen-
sões demográficas, totalizam-se 3.774.757 pessoas vivendo na Faixa de Fronteira amazônica
no Brasil, distribuídas em 123 municípios35.
33 HAESBAERT, Rogério. Globalização e fragmentação no mundo comtemporâneo. Rogério Haesbaert (Org.) Niterói: EDUF, 1998, p. 308
34 LIMA, R. S.; FERNANDES, A. . Os síndicos da Amazônia. INTERNATIONAL SECURITY: A EUROPEAN-SOUTH AMERICAN
DIALOGUE, v. 1, p. 71-83, 2022. Disponível em: https://www.kas.de/documents/265553/18998780/Papers2022_Digital.
pdf/02907051-d88d-818d-a376-9674d2dfeb24?version=1.0&t=1657567804044
35 INSTUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico 2022. Disponível em: https://censo2022.ibge.gov.br/
panorama/index.html
Ao longo de toda a faixa de fronteira no Brasil encontram-se 33 cidades gêmeas36, que são es-
paços por onde se dão fluxos e trocas culturais não restritas às definições institucionais de seus
respectivos países, e cujo controle e fiscalização, inclusive na prevenção e enfrentamento de
crimes, é mais diluído e complexo. No caso da Amazônia, são 10 as cidades gêmeas. A faixa de
fronteira é um espaço privilegiado para as mais diversas formas de interações sociais, que, por
suas características, impõem desafios maiores para a aplicação da lei e manutenção da ordem.
Quadro
03
Cidades Gêmeas na faixa de fronteira amazônica
Cidades Gêmeas
Estados brasileiros
Brasil Outros Países
O quadro 3 apresenta as cidades gêmeas na faixa de fronteira amazônica por onde se dão
fluxos intensos de mercadorias legais e ilegais, capitais, pessoas e informações, compartilhando
uma diversidade de recursos naturais e culturais envolvendo comunidades locais ribeirinhas e
povos indígenas. Ao mesmo tempo em que demonstram riquezas em termos de biodiversida-
des, também constituem espaços com precária presença das instituições estatais, ampliando o
interesse das organizações criminosas.
Segundo estudos do IPEA37, o principal problema desse espaço, apontado por vários entrevis-
tados e atores envolvidos na área de segurança e controle fronteiriço, é a extensão da fronteira
36 O conceito de cidade-gêmea é definido pela Portaria 213, de 19 de julho de 2016, do Ministério da Integração Nacional. Segundo
esta Portaria, são considerados cidades-gêmeas “os municípios cortados pela linha de fronteira, seja essa seca ou fluvial, articulada
ou não por obra de infraestrutura, que apresentem grande potencial de integração econômica e cultural, podendo ou não apresentar
uma conurbação ou semi-conurbação com uma localidade do país vizinho, assim como manifestações "condensadas" dos problemas
característicos da fronteira, que aí adquirem maior densidade, com efeitos diretos sobre o desenvolvimento regional e a cidadania”.
37 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Interações entre Cáceres (Mato Grosso) - San Matías (Bolívia): a pertinência
de uma nova cidade gêmea brasileira. Boletim regional, urbano e ambiental / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Diretoria de
Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais. Brasília : Ipea. Dirur, 2019.
seca e alagada, que possibilita várias vias de acesso alternativo e sempre em evolução, as
chamadas “cabriteiras”. O estudo aponta também que essa longa extensão permite, além das
cabriteiras, aeroportos clandestinos e voos “de arremesso”, fora da cobertura de radares fixos,38
o que fragiliza o controle da circulação na região e facilita a passagem de ilícitos. Tais situações
se multiplicam a cada dia, tornando necessária uma ação planejada e programada por parte do
Estado, de forma a garantir uma maior eficácia no controle das áreas fronteiriças. Assim, as orga-
nizações criminosas atuam tanto nas zonas de menor densidade demográfica, que geralmente
possuem baixa capacidade institucional das forças de segurança pública, quanto nas zonas mais
dinâmicas, geralmente próximo das cidades-gêmeas, por possuirem maior presença de redes
de infraestruturas (rodovia, portos, aeroportos) por onde os fluxos de pessoas e mercadorias são
mais intensos, contribuindo para camuflar os ilícitos.
Como já foi destacado, a Amazônia convive com a permanência de diversas redes e mercados
criminais, a exemplo do trabalho análogo à escravidão e à exploração sexual, que alimentam
a rede de tráfico de pessoas. Também há forte concentração de conflitos fundiários derivados
da invasão de terras indígenas e grilagem de terras públicas, crimes ambientais devido à explo-
ração ilegal de madeira e de minérios, além de biopitaria e da pesca predatória. Somando-se
a estes fatos, a região amazônica ainda enfrenta as ações vinculadas à economia do crime,
aquelas organizadas em redes desafiando o poder do Estado, dentre eles o narcotráfico. En-
tretanto, o narcotráfico se destaca também por ser um dos principais problemas da Amazônia
colombiana, equatoriana e peruana. Como o Brasil exerce um importante papel para o circuito
espacial-global das redes do narcotráfico, a faixa de fronteira com os países andinos, torna-se
uma zona de instabilidade geopolítica, devido principalmente, à existência desses corredores
da droga na Amazônia.
O mapa abaixo vai justamente evidenciar a dimensão transfronteiriça dos fluxos criminais. É
possível identificar a entrada e saída de fluxos indicando a presença de redes transfronteiri-
ças conectando o Brasil aos demais países da Panamazônia. As evidências demonstram forte
intensidade por toda a fronteira amazônica, porém os fluxos se diferenciam por atividades
distribuídas assim:
38 De acordo com a FAB, muitos aviões usados pelos narcotraficantes voam abaixo de 200 metros para não serem identificados
pelos radares da FAB. https://g1.globo.com/brasil/noticia/2011/09/fab-diz-que-trafico-faz-voo-em-baixa-altitude-para-burlar-radar-na-
-fronteira.html
Mapa
08
Dinâmicas criminais da fronteira amazônica
Ins to
O olhar sobre a fronteira amazônica ajuda na identificação das conexões, alianças, disputas e
controle territorial entre as facções dos diferentes países que compõem a Amazônia. O mapa 9
indica o registro da presença destas facções nos países transfronteiriços da Amazônia brasilei-
ra, evidenciando suas estratégias de funcionamento envolvendo as rotas criminais, bem como
expansões ou retrações territoriais por meio de disputas reguladas pela violência.
Mapa
09
Registro da presença de facções na faixa de fronteira amazônica
Ins to
Nos últimos 3 anos, a região vem experimentando novamente a escalada da violência, especial-
mente a partir da expansão das facções de base prisional. A região foi palco de crimes bárbaros,
como a morte do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, que ocorreu
na região da Tríplice Fronteira Brasil-Peru-Colômbia. Esta área conta com intensa presença de
facções como Os Crias, Comando Vermelho, PCC e Clã-Chuquizuta, uma espécie de gangue que
atua na região do Departamento de Loreto, na Amazônia Peruana.
As relações transfronteiriças que o Brasil estabelece com a Bolívia, a Colômbia, o Peru e, mais
recentemente, com a Venezuela, criam também configurações espaciais necessárias aos fluxos
de ilegalidades que acompanham a dinâmica da expansão econômica das regiões de fronteira,
principalmente da cocaína. Esse processo vem direcionando para uma reorganização espacial
das facções criminosas no Brasil e nos demais países da Amazônia.
3. Redes do narcotráfico e
interiorização das facções
criminosas na Amazônia
Este capítulo aborda a dinâmica das redes do narcotráfico na Amazônia com ênfase ao processo
de expansão das facções criminosas sobre a região. Esse fenômeno ocorre em função do inte-
resse destes grupos em controlar as principais rotas que vem desde as fronteiras até as princi-
pais cidades que funcionam como nós de integração da organização espacial e territorial
do crime organizado. Logo, rotas e presença de grupos criminosos estão relacionadas.
Estes, por sua vez, atuam nos mercados local, regional, nacional e internacional,
onde a Amazônia é a área de trânsito da droga para a África e Europa, ao mes- Hoje cerca 59% da
mo tempo que abastece o mercado brasileiro. Há, portanto, conexões entre população vive em municípios
países produtores e países consumidores e os fluxos da droga necessaria- com a presença marcante de
mente passam pela região. O quadro é, cada vez mais, preocupante. Como organizações criminosas e algo como
será exposto na sequência, hoje cerca 59% da população vive em municípios 1/3 dos habitantes da Amazônia
com a presença marcante de organizações criminosas e algo como 1/3 dos Legal vivem em áreas
habitantes da Amazônia Legal vivem em áreas conflagradas por disputas entre conflagradas por disputas
facções criminosas. entre facções criminosas.
A Amazônia é uma área de trânsito obrigatória para a passagem de cocaína e skank, drogas
ilícitas que saem de países da Comunidade Andina que se destacam na produção de cocaína.
Países como Bolívia, Colômbia, Peru e Venezuela contém grupos criminosos que estabelecem
contatos e acordos com grupos faccionais do Brasil. Surge assim, uma rede de organizações
com espaços territorializados, articulados a partir de geometrias de poder39 envolvendo uma
39 Segundo Massey (2008), a ideia de geometria do poder serve para ressaltar as desigualdades ou deficiências democráticas,
ao passo que permite imaginar, e talvez construir, relações sociais mais igualitárias e democráticas. MASSEY, Doreen B. Pelo espaço:
uma nova política da espacialidade. Trad. Hilda Pareto Maciel; Rogério Haesbaert. Rio de Janeiro: Bertrand brasil, 2008.
atividade econômica ilícita transfronteiriça. Por isso, o narcotráfico aqui é interpretado como
ameaça de caráter transnacional e coloca sob risco a segurança pública dos estados amazôni-
cos e do próprio Brasil. Narcotráfico, tráfico de pessoas, contrabando de mercadorias, tráfico de
armas e munições, exploração ilegal de ouro e contrabando de minérios, além de contrabando
de madeiras e grilagem de terras e esquemas de lavagem de dinheiro dão poder e influência
política para as organizações criminosas.
Há uma Mas dão poder e influência política desde que as organizações criminosas tenham
transnacionalização controle do mercado e, em especial, das rotas do comércio de drogas que co-
do crime organizado nectam os países produtores aos principais consumidores do Brasil e da Euro-
tendo a região amazônica pa. Nesse sentido, os estados amazônicos enfrentam a ameaça interna e ex-
como espaço estratégico. terna, que vão desde os cartéis responsáveis pela produção e distribuição da
Isso demonstra níveis de estrutura droga nos países andinos até a territorialização das facções nos municípios.
organizacional em redes e em
zonas que atravessam o Há, portanto, uma transnacionalização do crime organizado tendo a região
território. amazônica como espaço estratégico. Isso demonstra níveis de estrutura or-
ganizacional em redes e em zonas que atravessam o território. As redes ilegais
alimentam um mercado clandestino responsável por fortalecer máfias, organizações
criminosas e cartéis do crime. O poder financeiro do crime organizado coopta pessoas, impõe
mecanismos de controle sobre o espaço, cria estruturas corruptivas envolvendo agentes públi-
cos e privados, fragilizando as ações do Estado.
E é nesse movimento que o Mapa 10 revela que os nós mais densos e o ângulo dos arcos estão
direcionados para, justamente, as cidades com infraestrutura física e econômica capazes de
escoarem as drogas no bojo da atividade econômica formal. Não à toa, Manaus e Belém surgem
como grandes hubs de articulação, distribuição e escoamento das rotas nacionais e transnacio-
nais de drogas, já que elas possuem as maiores estruturas aeroportuárias da Amazônia Legal.
Mas a tecelagem das redes do narcotráfico é bem mais complexa do que isso.
40 A solidariedade organizacional se descreve em bases como acumulação de capital, eficiência e orientação para mercado.
Mapa
10
Redes do narcotráfico na Amazônia Legal
Ins to
Fonte: Instituto Mãe Crioula (IMC); Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
O mapa acima descreve a dinâmica geoespacial das redes do narcotráfico na Amazônia. É pos-
sível observar uma variedade de fluxos que partem das fronteiras em direção ao interior da
região. Dessa maneira, as redes ilegais estabelecem conexões dando à região a função de área
de trânsito ou corredor de exportação. Verifica-se que a análise cartográfica enfatiza as rotas
fluviais, aeroviárias e rodoviárias, pois são estas rotas em direção aos pontos estratégicos, as
cidades, que configuram a materialização das redes criminais.
Na zona setentrional (também chamada de Calha Norte), os fluxos do narcotráfico saem da Co-
lômbia em direção ao estado do Amazonas com destaque para a cocaína e o skank conectando
essa rota até a cidade de Manaus por meio de barcos ou aeronaves. De Manaus a rota segue
para Santarém utilizando os mesmos meios de transportes, porém há também fluxos que se
direcionam para o estado do Maranhão e para a região Sudeste do Brasil. Em relação a Roraima,
a cocaína de origem colombiana atravessa as fronteiras pela Venezuela em direção a Boa Vista
e de lá o transporte segue também para Manaus. Já no Amapá, não se pode deixar de destacar
o fluxo que sai da Guiana e atravessa o estado em direção a Belém, como também a interação
que parte de Manaus atravessando esse estado em direção à Europa.
A zona da Tríplice Fronteira, durante muito tempo foi considerada a região mais tensa da
fronteira entre Brasil- Colômbia- Peru, pois é o principal corredor dos fluxos da droga que
entram na Amazônia. É possível identificar fluxos aeroviários que saem do Peru em direção a
Manaus, assim como pelos rios com destaque para o Solimões. As rotas passam pela região
do Vale do Javari até o rio Solimões, e deste segue até o rio Amazonas para abastecer os
mercados locais e chegar até a cidade de Manaus, atendendo as demandas do mercado local
e estabelecendo outras conexões.
A zona fronteiriça Brasil-Peru faz a conexão pelo estado do Acre, onde pelas rodovias, rios e
transporte aeroviário servem de passagem em direção ao estado do Amazonas e Rondônia e
deste segue para as outras regiões do Brasil.
A Zona fronteiriça Brasil-Bolívia durante muito tempo exerceu a hegemonia dos fluxos de drogas
(cocaína) que entravam em território brasileiro, contudo, vem perdendo espaço para a cocaína
de origem peruana que, inclusive, despertou o interesse das facções criminosas em obter o
controle do rio Solimões, considerado a principal via de escoamento da droga. Mas, os fluxos do
narcotráfico atravessam esta fronteira utilizando as rodovias e o transporte aéreo, ou seja, essa
região continua sendo uma importante porta de entrada da cocaína no mercado brasileiro. Isso
porque, possui uma extensa rede de estradas vicinais que são utilizadas como rotas nos estados
do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Os municípios de Manaus e Itacoatiara (AM), Belém, Barcarena, Santarém e Marabá (PA), São
Luis (MA), Palmas (TO), Rio Branco (AC), Boa Vista (RR), Porto Velho (RO), Santana e Macapá (AP) e
Cuiabá (MT) são destacados como nexos estruturantes das redes do narcotráfico na Amazônia,
ou seja, são os principais nós de organização das redes do crime organizado que dinamizam
os fluxos de mercadorias ilícitas. E, mais especificamente, pela complexidade que a economia
do narcotráfico traz em sua dinâmica de funcionamento, as periferias destas cidades são incor-
poradas ao processo de territorialização e grupos ou facções do tráfico de drogas.
Isso não significa em hipótese alguma a não importância de cidades pequenas
ou de porte médio, pois muitas delas na região vêm sendo cada vez mais Não é à toa que a
incorporadas a estas redes e não apenas enquanto áreas de passagem, taxa de mortes violentas
mas enquanto mercados locais ou lugares de refúgio de integrantes de intencionais em municípios urbanos
facções ou até mesmo de camuflagem da droga transportada. da Amazônia Legal é 52% superior à
média nacional. Estas facções nos
De todo modo, os ambientes urbanos das cidades da Amazônia vêm últimos anos chegaram até as
recebendo influência de facções criminosas que passaram a atuar comunidades ribeirinhas, indígenas
na região. Estas facções manifestam formas de violências impondo o e quilombolas, uma ameaça para
medo sobre as populações, controlando territórios e impulsionando as além das cidades, conectando-se a
taxas de homicídio. Não é à toa que a taxa de mortes violentas intencio- outras atividades ilegais e crimes
nais em municípios urbanos da Amazônia Legal é 52% superior à média na- ambientais.
cional, conforme já mencionado no capítulo 1. Estas facções nos últimos anos
chegaram até as comunidades ribeirinhas, indígenas e quilombolas, uma ameaça
para além das cidades, conectando-se a outras atividades ilegais e crimes ambientais.
Uma vez que o tráfico de entorpecentes é a principal atividade exercida pelas organizações cri-
minosas no Brasil, é possível pensar a expansão dessas facções à luz de outros dados a respeito
da circulação de drogas. Um desses possíveis indicadores é o volume de drogas apreendidas
pelas instituições policiais.
A tabela 6 apresenta os dados de apreensão de cocaína pelas polícias estaduais dos estados
que compõem a Amazônia legal. Entre 2019 e 2022 cresceu 194,1% a apreensão de cocaína
pelas polícias locais, totalizando pouco mais de 20 toneladas em 2022, tendo em 2021 o pico
das apreensões, com mais de 23 toneladas.
O estado com mais apreensões de cocaína pelas polícias estaduais foi o Mato Grosso, com 14
toneladas. Apesar de ter altos níveis de apreensão ao longo do período e ser uma rota importan-
te do tráfico, o estado do Amazonas apresentou queda significativa nas apreensões em 2022,
com redução de 85% em relação a 2021. Outros dois estados que se destacam na apreensão
de cocaína são Rondônia e Pará.
Existem ao menos duas hipóteses para o crescimento das apreensões de cocaína na região: por
um lado, pode-se argumentar que as polícias locais estão mais eficientes e focadas no esforço
de apreensão de drogas e outros ilícitos e, sob esta perspectiva, o crescimento das apreensões
seria resultado de maior produtividade das polícias Civis e Militares dos nove estados da região.
A segunda hipótese é de que, de fato, a circulação de drogas tenha aumentado na região.
Essa hipótese parece mais plausível diante do relatório do Escritório das Nações Unidas sobre
Drogas e Crime (UNODC), divulgado em junho deste ano, que trata da produção, tráfico e consu-
mo de cocaína no mundo. Analisando dados dos três principais países onde há cultivo de coca,
o órgão da ONU afirma que houve um crescimento da ordem de 35% das plantações de coca
em 2021. Este aumento da produção resultou no crescimento de 16% da produção de cocaína
pura e no crescimento de 42% das apreensões globalmente41.
41 The nexus between drugs and crimes that affect the environment and convergent crime in the Amazon basin. UNODC, 2023.
Disponível em: https://www.unodc.org/res/WDR-2023/WDR23_B3_CH4_Amazon.pdf
Figura
01
Cultivo, produção e consumo de cocaína na América do Sul - UNODC
A apreensão dos organismos federais na região também cresceu. A Polícia Federal apreendeu
32 toneladas de cocaína em 2022 nos estados que compõem a Amazônia Legal, crescimento
de 184,4% quando comparado ao ano de 2019. A maioria desta droga, 38,2%, assim como nas
apreensões estaduais, foi apreendida no estado de Mato Grosso, indicando que este também é
um estado importante nas rotas.
Embora não seja possível somar os volumes apreendidos por cada força, dado que as apreen-
sões da PRF costumam ser encaminhadas à Polícia Judiciária federal e parte das apreensões
eventualmente decorre de operações conjuntas, chama a atenção o expressivo papel que as
polícias federais têm na apreensão de ilícitos na região. O volume de cocaína apreendido pela
PF em 2022 foi 57% superior ao das apreensões realizadas pelas polícias estaduais dos nove
estados da Amazônia e, na PRF, as apreensões foram 40% superiores à das forças estaduais.
Amazônia Legal 11.262,3 13.080,3 19.224,0 32.033,2 184,4 3.265,3 9.128,8 16.755,0 28.650,2 777,4
Acre 468,8 694,5 1.586,5 2.649,9 465,3 359,9 449,0 720,3 2.060,7 472,6
Amapá 4,6 7,5 28,2 14,1 209,1 0,0 0,5 1,9 0,1 685,9
Amazonas 457,9 896,3 242,2 1.720,5 275,7 0,2 6,9 108,2 26,9 16.730,7
Maranhão 2,3 141,1 22,3 681,9 29.239,9 7,6 140,7 22,3 1.656,3 21.750,9
Mato Grosso 5.693,7 8.882,4 11.997,2 12.228,9 114,8 1.437,3 7.825,5 12.855,1 15.826,3 1.001,1
Pará 3.418,8 972,7 2.784,2 5.097,5 49,1 235,9 96,7 1.551,3 1.730,4 633,6
Rondônia 429,5 1.432,9 2.532,4 8.950,3 1.983,7 446,3 598,0 1.407,6 6.201,7 1.289,5
Roraima 513,6 52,9 30,4 30,3 -94,1 498,0 1,6 1,1 0,4 -99,9
Tocantins 273,1 0,0 0,5 659,7 141,6 280,2 9,9 87,2 1.147,4 309,5
Fonte: Polícia Federal; Polícia Rodoviária Federal; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A tabela abaixo apresenta o volume, em quilos, das apreensões de maconha pelas polícias
estaduais da região amazônica. Em 2022 foram apreendidas 29 toneladas de maconha, haxixe
e skank, crescimento de 69,7% em relação a 2019.
As polícias estaduais são as maiores responsáveis por apreensão de maconha nos estados,
exceto no ano de 2022, quando a PF apreendeu um volume parecido do entorpecente. Em
relação ao total apreendido pelas polícias estaduais e pela Polícia Federal, a variação do volume
apreendido não foi linear no período, chegando a 123 toneladas em 2020, com apreensão atípi-
ca de 67,7 toneladas de maconha no estado do Maranhão. Ressalta-se também que o Amazonas
teve grandes apreensões estaduais em 2020 e 2021, que caíram consideravelmente em 2022,
voltando aos patamares de 2019. Mas a Polícia Federal, ao contrário, apreendeu em 2022 quase
400% a mais que em 2021, fazendo do Amazonas o estado com mais apreensões em 2022.
Ademais, merece atenção a queda nas apreensões no Pará, estado que tem se mostrado rota
estratégica do transporte dessas mercadorias ilegais.
Os dados de apreensão de maconha pela Polícia Rodoviária Federal também indicam cresci-
mento, com a elevação muito concentrada em 2020 e 2022. Enquanto a PF apreendeu 20,9
toneladas de maconha no ano passado, a PRF apreendeu 10,5 toneladas. As apreensões de
anos anteriores estavam em volumes muito inferiores. O incremento nas apreensões entre 2019
e 2020 é da ordem de 116,5%. Destacam-se as quedas nas apreensões no Pará e em Rondônia
e as baixíssimas apreensões em Roraima.
Amazônia Legal 4.980,7 7.422,8 5.957,7 20.945,9 320,5 4.854,9 7.018,9 4.370,5 10.512,2 116,5
Acre 147,0 802,3 176,6 812,5 452,8 14,8 21,1 38,6 269,4 1.722,6
Amapá 4,0 151,9 1,4 195,4 4.772,0 3,4 0,3 12,6 24,2 609,3
Amazonas 2.270,9 2.049,4 3.407,3 17.029,9 649,9 17,3 9,6 0,8 545,3 3.045,9
Maranhão 100,2 9,2 447,2 3,0 -97,0 185,2 813,9 230,9 395,8 113,7
Mato Grosso 1.709,2 3.309,0 970,6 635,5 -62,8 1.992,6 3.137,1 2.904,4 5.932,3 197,7
Pará 27,6 664,5 571,8 299,7 985,5 854,8 1.483,2 492,0 656,2 -23,2
Rondônia 70,2 137,3 295,8 384,6 447,5 845,0 857,9 414,4 625,9 -25,9
Roraima 73,5 190,3 86,2 622,8 747,9 0,0 13,9 0,1 1,5 3.575,1
Tocantins 578,2 109,0 0,8 962,5 66,5 941,7 682,0 276,6 2.061,6 118,9
Fonte: Polícia Federal; Polícia Rodoviária Federal; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
(1) Inclui maconha, haxixe e skunk.
As apreensões realizadas pelo Exército e pela Marinha chamam a atenção pelo volume quase
insignificante, sobretudo diante da magnitude dos dados das forças policiais: a soma de ma-
conha e cocaína apreendidas no último ano por ambos os órgãos não chega a 6 toneladas. A
baixa produtividade das Forças Armadas surpreende tanto por serem elas as responsáveis pela
segurança das fronteiras, além de possuírem mais recursos humanos que as polícias e disporem
de mais equipamentos adequados para atuar nos locais remotos da Amazônia Legal, em com-
paração com outras forças de segurança.
Total 167,0 37,0 185,4 628,0 1.073,5 2.492,5 4.708,3 5.053,1 1.240,5 2.529,5 4.893,7 5.681,0 358,0
Comando Militar Norte (1) ... ... 4,4 308,0 ... 1.007,3 2,8 26,0 ... 1.007,3 7,2 334,0 ...
Comando Militar da Amazônia (2) 57,0 37,0 26,0 1,7 1.049,5 1.485,2 4.705,0 3.637,9 1.106,5 1.522,2 4.731,0 3.639,6 228,9
4º Distrito Naval (3) - - - 308,6 - - - 37,9 - - - 346,4 -
6º Distrito Naval (4) 110,0 - - - - - - 1.124,0 110,0 - - 1.124,0 921,8
9º Distrito Naval (5) - - 155,0 9,7 24,0 - 0,5 227,3 24,0 - 155,5 237,0 887,6
Fonte: Exército Brasileiro; Fórum Brasileiro de Segurança Pública
(...) Informação não disponível.
(1) Compreende os estados do Amapá, Pará, Maranhão e parte do Tocantins.
(2) Compreende os estados do Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima, e envolve a 12ª Região Militar.
(3) Compreende os estados do Amapá, Pará, Maranhão e Piauí
(4) Compreende os estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul
(5) Compreende os estados de Roraima, Acre, Amazonas e Rondônia
As polícias estaduais ainda são responsáveis pela maior parte das apreensões, mas esse cenário
mudou em 2022, quando as forças federais (PF e PRF) passaram a fazer apreensões mais robustas,
da mesma magnitude daquelas registradas pelas Secretarias Estaduais de Segurança Pública.
Entre os anos de 2018 e 2022, mais de 61 mil armas foram apreendidas pelas secretarias es-
taduais de segurança pública e pela Polícia Federal nos estados que compõem a Amazônia
Legal. O ano de 2021 se destaca, com 13.560 apreensões, cujo maior expoente é o estado do
Maranhão, em que a secretaria de segurança pública apreendeu, sozinha, mais de 2.800 armas,
junto às 59 recolhidas pela PF. O ano de menor apreensão foi 2018, em que as secretarias e a
PF recolheram 10.096 armas.
20.000
16.000
13.342 13.560
12.000 12.780
11.948
10.096
8.000
4.000
0
2018 2019 2020 2021 2022
Fonte: Secretarias Estaduais de Segurança Pública e/ou Defesa Social; Polícia Federal; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O total de armas apreendidas na Amazônia Legal subiu 26,5% entre 2018 e 2022, chegando a
12.780 armas no ano passado e com picos de apreensão em 2019 e 2021. O pico em 2021 foi
observado nas apreensões estaduais e federais, reforçando a hipótese de que a circulação de
armas de fato aumentou nesse período, e não apenas os esforços policiais.
Mas essa variação não ocorreu de forma homogênea entre os estados. Nos estados de Roraima
e Tocantins, por exemplo, a variação ultrapassa os 500%: enquanto o estado de Roraima apre-
endeu 46 armas em 2018, considerando os números da SSP e da PF, em 2022 esse número
foi para 319, variando em 593,4%. Já no estado do Tocantins, a maior variação foi observada:
em 2018 o número de apreensões foi de 107, contra 1.036 em 2022, variação superior a 800%,
como mostra tabela a seguir.
Amazônia Legal 9.677 12.959 11.489 13.000 12.206 419 383 459 560 574 10.096 13.342 11.948 13.560 12.780 26,58
Acre 392 355 221 643 269 31 39 50 88 20 423 394 271 731 289 -31,68
Amapá 200 264 427 402 ... 24 19 26 30 43 224 283 453 432 43 -80,80
Amazonas (1) 320 1.466 1.392 1.553 1.152 66 22 79 57 68 386 1.488 1.471 1.610 1.220 216,06
Maranhão 2.378 2.611 2.015 2.806 2.293 25 14 30 59 32 2.403 2.625 2.045 2.865 2.325 -3,25
Mato Grosso 2.339 2.189 2.217 2.253 2.196 60 67 43 46 79 2.399 2.256 2.260 2.299 2.275 -5,17
Pará 2.200 3.294 2.432 2.386 3.265 42 61 39 131 118 2.242 3.355 2.471 2.517 3.383 50,89
Rondônia 1.758 1.816 1.844 1.855 1.785 108 89 91 82 105 1.866 1.905 1.935 1.937 1.890 1,29
Roraima 6 97 160 210 253 40 39 72 53 66 46 136 232 263 319 593,48
Tocantins 84 867 781 892 993 23 33 29 14 43 107 900 810 906 1.036 868,22
Fonte: Secretarias Estaduais de Segurança Pública e/ou Defesa Social; Polícia Federal; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
(...) Informação não disponível
(1) Com relação aos quantitativos das Secretarias Estaduais de Segurança Pública, consideram-se as categorias “arma artesanal” e “arma de fogo”
O maior número absoluto de apreensões em 2022 está no Pará, com 3.383 armas apreendidas.
Mato Grosso e Maranhão também apresentaram grande volume de apreensões. Em Tocantins,
uma das explicações para esse aumento significativo é que as apreensões da SSP em 2018 fo-
ram muito baixas e atípicas no período: foram 84 apreensões, que saltam para 867 já em 2019,
padrão que se mantém nos anos seguintes. 2021 foi um ano atípico nas apreensões da PF no
estado, com 14 apreensões, o que significou um aumento de 207,1% entre 2021 e 2022. Nas
apreensões estaduais também se observou aumento nesse período, mas da ordem de 11,3%.
Algo semelhante ocorreu em Roraima: as apreensões estaduais em 2018 foram muito baixas e
as apreensões da PF também tiveram queda atípica em 2021, voltando a subir em 2022.
O estado do Amazonas também viu suas apreensões crescerem. Em 2018, o total entre SSP e PF
era de 386, ao passo que, em 2022, o número foi de 1.220, aumento de 216%. Pará e Rondônia
também apresentaram aumento, de 50,8% e 1,2%, respectivamente. Os outros estados, como Acre,
Amapá, Maranhão e Mato Grosso, viram seus números diminuírem. Destaca-se a queda abrupta de
apreensões no Amapá em 2022: foram 432 armas em 2021 e 43 em 2022, queda de 90%.
A quase totalidade das apreensões (95% em 2022) é de responsabilidade das polícias estadu-
ais, mas as apreensões da PF cresceram mais no período: a variação foi de 36,9%, enquanto a
das polícias estaduais foi de 26,1%.
As apreensões da Polícia Rodoviária Federal, por outro lado, variaram 180,8% nos estados da Ama-
zônia Legal, em comparação aos 26,5% das apreensões da SSP e PF. A maior variação foi no esta-
do do Acre, com 417,9%, salto que se deu justamente pelas apreensões acima da média em 2022.
Os registros de armas de fogo ativos, de forma complementar aos dados de apreensão, podem
indicar sua maior circulação no território brasileiro, sobretudo em um período notório de faci-
litação na circulação de armas. Os registros de armas de fogo na Amazônia Legal cresceram
consideravelmente mais do que nos estados do restante do país. Se em 2019 o total de regis-
tros ativos no SINARM (PF), nos estados da Amazônia Legal, foi de 115.092 armas, em
2022 esse número passou para 219.802, um número quase duas vezes maior. Ou seja, o
crescimento dos registros de arma de fogo na Amazônia foi da ordem de 91%, ao passo
que a média nacional ficou em 47,5%. Enquanto a concentração de armas na Amazônia Legal
representou, em 2019, 10,9% do total Brasil, como publicado na 17ª edição do Anuário Brasileiro
de Segurança Pública, em 2022 essa proporção subiu para 14,1%. Dentre os estados da Amazô-
nia Legal, Mato Grosso concentrou o maior número de registros, com 63.337, seguido do Pará,
com mais de 43 mil em 2022.
Como vimos, a Amazônia é uma rota primária para a fluidez de drogas (cocaína e skank) que
atravessam as fronteiras para atender o mercado nacional e internacional. O narcotráfico coe-
xiste com outras atividades ilegais, que tendem a atrair o interesse das organizações criminosas.
Em relação ao contexto brasileiro, vale lembrar que o país não é apenas uma área de trânsito
da droga, mas tornou-se um importante mercado consumidor, e isto também foi fundamental
para a reorganização do mercado, visto que diversas facções criminosas surgem nos estados
brasileiros, inspiradas no Comando Vermelho (CV-RJ) e Primeiro Comando da Capital
(PCC-SP). Esta lógica reproduz-se na Amazônia.
Todavia, o rompimento da aliança entre CV e FDN em 2018 levou estes grupos a uma guerra
que se materializa pelas periferias de Manaus e se espalha para outros lugares do Amazonas,
levando praticamente a FDN à extinção. Surgem, assim, outros grupos no Amazonas, tais como:
Cartel do Norte (CDN), Revolucionários do Amazonas (RDA) e, na região da fronteira com o Peru
e Colômbia, Os Crias. Esta descrição deixa evidente o quanto vai se tornando complexa a dinâ-
mica criminal na região, já que essas facções passam a se difundir por todo o estado do Ama-
zonas. Soma-se a este quadro a vinda do PCC para a região, com o intuito de ampliar o controle
de novas rotas para escoamento da produção de cocaína do Peru, Colômbia e Bolívia através
da região amazônica, fato que desencadeou no acirramento dos conflitos e no aumento na taxa
média de homicídios da região, que antes apresentava um perfil de mais estabilidade.
No Pará surge a facção denominada Comando Classe A (CCA), uma espécie de braço político do
PCC. Este grupo que tem sua origem no sistema prisional de Altamira, em 2018, e não aceitou
ser “batizado42” pelo CV dentro do presídio. Por isso, em 2019 travou uma guerra com o CV
que culminou na morte de 54 pessoas de forma bastante violenta, quando algumas tiveram
as cabeças decapitadas. No Amapá a União Criminosa Amapaense (UCA) e a Família Terror do
Amapá (FTA) vem disputando influência e territórios, isto tem intensificado os conflitos que re-
sultam em mortes violentas intencionais. Além disso, no ano de 2022, integrantes do PCC e do
CV chegaram à região estabelecendo relações com as facções locais, nas quais aproximaram o
PCC à FTA e o CV à UCA.
No mapa abaixo é possível identificar os municípios que possuem a presença de facções, bem
como aqueles em situação de disputa territorial e outros com registro da presença de apenas
uma facção. Para construí-lo, as equipes envolvidas cruzaram dados primários e secundários e
montaram uma matriz cruzada na qual cada município da região foi classificado como tendo ou
não a presença significativa de ao menos uma facção e, no caso da presença de mais do que
uma delas, se havia indícios de disputas e conflitos em outubro de 2023, data de referência
fixada. Em termos metodológicos, foram realizadas entrevistas com lideranças sociais e pro-
fissionais da segurança pública de todos os estados; foram analisados dados da mídia local e
nacional; e, por último, dados de registros administrativos públicos disponíveis. Pela natureza do
levantamento, é possível supor que as conclusões obtidas são uma primeira estimativa e podem
estar subestimadas, o que só reforça a importância dessa agenda de pesquisa para a região,
na medida em que o nível de comprometimento dos municípios ante o crime organizado já é
bastante alto pelos nossos dados.
42 Significa na linguagem das facções criminosas, inserir um novo integrante ao grupo, ocorrendo geralmente dentro do sistema
penitenciário, ou seja, no interior das prisões, em que um grupo dominante do bloco, impõem uma lógica de coerção e violência
psicológica, podendo inclusive terminar em mortes ou massacres.
Mapa
11
Municípios controlados e sob disputa das facções na Amazônia Legal
Ins to
A partir da análise do mapa 11, que retrata o cenário até o mês de outubro de 2023, é possível
afirmar que, do total de 772 municípios da Amazônia Legal, identificamos ao menos 178
possuem presença de facções, correspondendo a 23% de todos os municípios da região.
Em relação aos municípios em situação de disputa territorial entre duas ou mais facções,
identificamos ao menos 80 municípios, representando o percentual de 10,4% do total da re-
gião. Mas, o que mais chama atenção e revela a gravidade do problema, é que, nos 178 muni-
cípios com a presença de alguma facção, vivem aproximadamente 57,9% dos habitantes
da região. Já nos 80 municípios em disputa por facções, a população absoluta é de cerca de
8,3 milhões de habitantes, algo próximo de 31,12 % da população total da Amazônia. Dito de
outra forma, algo como 1/3 dos habitantes da Amazônia Legal está em áreas conflagradas e em
disputa, sujeitos às dinâmicas de violência extrema e sobreposição de ilegalidades e crimes.
Já no interior da região, alguns municípios são disputados por serem estratégicos enquanto
espaços de fluidez ou de consumo, devido muitas vezes ao quantitativo populacional e/ou por
serem espaços de instalação de projetos de infraestrutura e dinamismo econômico, como é o
caso das cidades de Marabá, Parauapebas, Altamira, Santarém, Itaituba e Oriximiná, no estado
do Pará; Açailândia, Imperatriz, Santa Inês e Estreito, no estado do Maranhão; Palmas, Araguaína
e Gurupi, no estado do Tocantins.
No mapa 12 é possível identificar com mais clareza a presença das facções nos municípios da
Amazônia Legal, inclusive destacando aqueles onde as facções estão em processo de disputa
territorial que contribui para a elevação dos dados de violência na região. Esta presença das fac-
ções criminosas como já se sabe, é em razão do controle das rotas e dos mercados de drogas.
Mapa
12
As facções que disputam o controle dos municípios amazônicos
Ins to
As disputas territoriais vêm se apresentando mais intensas nos estados do Acre, Amazonas, Rorai-
ma43 e Amapá. No Acre, o Comando Vermelho é atualmente a facção que controla a maior parte
dos municípios, fato que foi possível tomando áreas das facções locais Bonde dos 13 e a Irmandade
Força Ativa Responsabilidade Acreana (IFARA), e disputando em outros municípios com o PCC.
Além de controlar a maior parte do estado, a facção de origem do Rio de Janeiro já atravessou a
fronteira Boliviana e se faz presente na cidade de Cobija, e do lado peruano, na região de Mariscal
Ramón Castilla e Coronel Portillo. Atualmente, os municípios que estão em disputa no estado são:
Rio Branco, Cruzeiro do Sul, Brasileia, Assis Brasil, Epitaciolândia, Buraji, Jordão, Feijó, Mâncio Lima,
Marechal Thaumartugo, Sena Madureira, Senador Guiomard e Plácido Castro. No que se refere às
facções presentes no estado, destacam-se: Comando Vermelho, Primeiro Comando da Capital,
Bonde dos 13, IFARA, Deus da Morte e Grupos Bolivianos. O quadro 4 apresenta as facções em
cada município do Estado. A proposta aqui foi lançar luz àqueles cenários em que disputas por
diferentes grupos criminosos vinculados ao narcotráfico estão mais evidentes, sem ignorar que
outros municípios do estado possam estar na mesma situação. Por certo é possível que outras
áreas e municípios tenham padrões similares e/ou que áreas hoje classificadas como controladas
ou em disputa mudem rapidamente diante da dinâmica local. Trata-se de um retrato localizado no
tempo e no espaço e não um filme que permita conclusões definitivas.
Quadro
04
Presença de facções em municípios no Estado do Acre
43 No caso de Roraima cabe destacar que o município de Alto Alegre, que ocupa parte significativa do mapa estadual, é composto pela
Terra Indígena Yanomami, área atualmente controlada pelo PCC. O Comando Vermelho, por sua vez, está apenas na área não-indígena.
Assim como o Acre, o estado do Amazonas também vem sucedendo intensos confrontos de fac-
ções. Há uma disputa intensa e coexistência de mais de duas facções ao longo das rotas do nar-
cotráfico, destacando-se os rios Solimões, Içá, Japurá, Envira, Negro e Javari. Ao longo desses
rios, convivem e por vezes se enfrentam, as facções brasileiras Comando Vermelho, Os crias,
Primeiro Comando da Capital, Cartel do Norte; as facções peruanas Clã-Chuquizuta, Comando
de Las Fronteiras e Los Quispe-Palamino; e facções colombinas, Dissidentes da FARC – Frentes
Armando Ríos, Frente Carolina Ramírez e Frente Segunda Marquetalia. Ao longo do corredor
fluvial principal, no rio Solimões existe a presença de um grupo local, denominado “piratas do
Coari” ou “piratas dos Solimões”, que atua como sicários das facções e outras vezes cometendo
roubo aos carregamentos de drogas de facções inimigas.
Longe da fronteira, na capital do Amazonas, Manaus é uma metrópole em disputa pelas facções
CV, que controla a grande maioria dos bairros, FDN, CDN, e em menor quantidade, o PCC. A
cidade se tornou importante plataforma de exportação da droga para outros lugares do mundo,
haja vista que possui aeroporto internacional e porto de atracação de navios de longo curso,
que viajam para outros países, e que muitas vezes levam remessas de drogas escondidas nas
cargas exportadas pelo porto.
Além de Manaus e dos demais municípios da zona da fronteira, os municípios de Coari, Tefé e
Itacoatiara são extremamente importantes para as facções. O domínio dos dois primeiros garan-
te a fluidez na rota ao longo do rio Solimões. Já Itacoatiara, assim como Manaus, é um município
que recebe navios que se deslocam para o exterior. No quadro 5 identificamos a presença das
facções em cada município.
Quadro
05
Presença de facções em municípios no Estado do Amazonas
O estado de Rondônia, que faz fronteira com a Bolívia possui menor número de municípios
em disputa pelas facções, são eles:a capital Porto Velho, Costa Marques, Chupinguaia, Novo
Horizonte do Oeste, São Francisco do Guaporé e Seringueiras. As facções atuantes no estado
são: PCC, que possui maior predomínio nos municípios, seguido do CV, e a facção local Primeiro
Comando Panda (PCP).
Além disso, os municípios em disputa pelas facções são atravessados pelas três rodovias fede-
rais que cortam o estado, sendo utilizadas como rota do narcotráfico que interliga a fronteira do
Brasil com a Bolívia, são elas: BR-364, BR-425 e BR-429. No quadro 6 é possível identificar quais
facções estão presentes nos municípios.
Quadro
06
Presença de facções em municípios no Estado de Rondônia
Roraima, apesar de ser o estado brasileiro menos populoso, vem nos últimos cinco anos expe-
rimentando o aumento da violência em municípios que antes eram caracterizados por terem
baixa letalidade e ocorrências criminais. No entanto, essa situação alterou-se com a chegada do
PCC, do CV e da facção venezuelana Trem do Aragua, que estão disputando o controle territorial
no estado. Em trabalho de campo realizado na região, foi possível constatar pichações que de-
monstram a presença das facções nacionais, estratégia comumente utilizada para representar a
manifestação de poder sobre o território, conforme a imagem 1.
Além disso, o avanço das atividades de garimpo ilegal nos Territórios Indígenas Yanomami
e Raposa Serra do Sol implicaram a expansão dessas facções para as zonas de garimpo,
onde, em um primeiro momento, eram usadas como zonas de refúgios de sentenciados do
sistema prisional e, posteriormente, percebendo a possibilidade de acumulação de dinhei-
ro com o controle da extração e comercialização do ouro, passaram a invadir e controlar
os garimpos do estado.
Soma-se a esse cenário a intensa migração de venezuelanos que estão sendo aliciados pelas
facções PCC e Trem do Aragua, onde as cidades de Boa Vista e Pacaraima apresentaram aumen-
to considerável do quantitativo populacional e também da violência. Além de Trem do Aragua,
há indícios de novas facções venezuelanas presentes em Boa Vista, como Trem de Guayana e
Sindicato, que atualmente estão disputando o controle de bairros da capital Boa Vista.
No quadro 7, abaixo, encontram-se a relação dos municípios com presença de facções criminosas.
Quadro
07
Presença de facções em municípios no Estado de Roraima
A imagem abaixo é um registro na rodovia estadual RR-205, no município de Alto Alegre, no es-
tado de Roraima, onde se encontram espalhadas ao longo da rodovia várias pichações do PCC
e do CV, algumas simbolizam a disputa entre as facções pelo controle das rotas e do mercado
de drogas. É possível verificar a pichação do CV sobrepondo a do PCC, hábito popularmente
conhecido como “queimação”, ou seja, uma forma de demonstrar quem chega ao território. Isso
marca simbolicamente os processos de construção dos territórios influenciados pelas facções
criminosas e a sobreposição de controle e exercício de poder.
A dinâmica das facções no estado do Pará é dividida pela presença de cinco facções: CV,
PCC, CCA, FTA e o Bonde dos 157, que é um grupo dissidente do CV. O estado se caracteriza
por ser importante corredor logístico para o escoamento de drogas, sobretudo pela presença
de portos, aeroportos e rodovias que conectam a região amazônica ao restante do Brasil e
ao mundo. No que se refere à territorialização dessas facções, nenhuma delas possui uma
hegemonia plena no estado, sendo que as áreas em disputa se localizam nos municípios ao
longo do corredor rodoviário das BR-230 e BR-163, respectivamente conhecidas como Tran-
samazônica e Santarém-Cuiabá.
Diferente das demais capitais estaduais da Amazônia, Belém não está sob disputas de facções,
já que o Comando Vermelho conseguiu absorver o controle da região metropolitana, que an-
teriormente estava dividida pelas facções e gangues locais, como Equipe Rex, Galera do Aurá,
Al Quaeda, Equipe Pernal, Galera da Laje e Equipe do Dote44, que foi um grande traficante de
Belém aliado da Família do Norte de Manaus.
44 Ligação entre as facções de Belém com a FDN de Manaus para escoamento da droga pelo Pará até o Nordeste e Europa.
https://www.folhadobico.com.br/para-megatraficante-desembarca-em-belem/ acesso: 22 de junho de 2023.
Por volta do ano de 2014 e 2015, o Comando Vermelho chega a Belém e une as gangues locais,
que passaram a ser incorporadas ao grupo carioca. A partir do momento que o CV obteve o
controle pleno da Região Metropolitana de Belém (RMB), passou a expandir suas atuações para
os demais municípios do estado, primeiramente aqueles localizados na interlândia de Belém,
como a sub-região do Baixo Tocantins, no nordeste paraense.
Nesta sub-região, situa-se o Porto de Vila do Conde, no município de Barcarena, que é o maior
porto da Amazônia, e nos últimos anos tem tido apreensão de quantidades expressivas de dro-
gas, geralmente no meio de cargas com destino à Europa45. Atualmente a maioria dos municí-
pios na zona de interlândia de Belém, que compreende a RMB e região Nordeste paraense, está
controlada pelo CV, que expressa seu domínio através de pichações com suas siglas (CV e TD2),
conforme pode ser observado na foto 2 e 3.
Imagem
02
Pichação da facção Comando Vermelho no Mercado Ver-o-Peso – Belém/PA
45 Apreensão de 2,7 toneladas de drogas camufladas em carregamento de soja, com destino a cidade de Sines, Portugal. https://
noticias.uol.com.br/colunas/josmar-jozino/2022/11/05/pf-apreende-27-t-de-cocaina-no-pa-a-maior-realizada-em-portos-do-brasil.htm
acesso: 22 de junho de 2023.
Imagem
03
Sigla “Td2” na rodovia PA-151 na sub-região do Baixo Tocantins
Para a droga chegar até Belém, as facções contam com uma ampla rede hidrográfica de rios,
igarapés e furos, além de uma extensa rede rodoviária, com ramais e vicinais que dificultam o
trabalho de fiscalização das forças policiais e tornam uma vantagem para os grupos criminosos,
haja vista que esses obstáculos são zonas de esconderijos para os grupos criminosos, que são
as principais rotas que passam pelo espaço metropolitano de Belém, bem como pelos bairros
onde as facções se territorializaram.
Controlar a metrópole de Belém é fundamental para o Comando Vermelho, pois ela, assim como
Manaus, desempenha o papel de plataforma logística de escoamento da droga para o exterior e
demais cidades brasileiras. Diante disso, outras facções também disputam a hegemonia do con-
trole do estado, sobretudo nas demais regiões, como o sul e sudeste do Pará, Baixo Amazonas
e região do Xingu, todas cortadas por rodovias federais e rios.
Por outro lado, o PCC chega ao Pará pelo sul do estado, dominando o comércio e as rotas nos
municípios de Água Azul do Norte, Cumaru do Norte, Ourilândia do Norte e Tucumã. Os muni-
cípios de Marabá, Parauapebas, Altamira, Santarém e Itaituba, estão em disputa territorial do
comércio da droga com o CV, onde o PCC se aliou ao CCA, principalmente por esses municípios
estarem na rota rodoviária do narcotráfico. Destaca-se também que essa região controlada pelo
PCC possui inúmeras pistas de pouso clandestinas, usadas como conexão para trazer a droga
da fronteira dos países produtores de cocaína ao estado. Além disso, nessa região há fortes indí-
cios da relação do PCC com outros crimes ligados a destruição da natureza como forma de acu-
mulação de capital, como as atividades de garimpo ilegal, extração ilegal de madeira e grilagem.
Outra facção atuante no estado é o CCA, no município de Altamira, originária no mesmo período
da implantação da UHE de Belo Monte, período em que a cidade recebeu um grande contin-
gente populacional de trabalhadores, e teve seu espaço urbano reestruturado para reassentar
populações ribeirinhas impactadas com o projeto, ocasionando aumento nas taxas de violência
da região de influência do empreendimento.
Entretanto, o CCA ficou conhecido após o massacre na penitenciaria de Altamira, que resultou
assassinato de 58 pessoas, a maioria pertencente à facção CV. Ela é muito atuante em Alta-
mira e Porto de Moz, além de já ter chegado aos municípios de Marabá, Parauapebas, Itaituba
e Santarém, também é um braço político do PCC na região amazônica. Um caso atípico é a
presença da facção Família Terror do Amapá no município de Afuá, região do Marajó. Este mu-
nicípio, por fatores geográficos, possui intensas interações espaciais com o estado do Amapá,
no qual está mais próximo, e por esse motivo, sofre forte influência de Macapá. No quadro 8,
é possível encontrar a situação do controle ou disputas territoriais nos municípios paraenses
envolvendo facções criminosas.
Quadro
08
Presença de facções em municípios no Estado de Rondônia
O Amapá possui a presença de quatro facções, sendo duas locais, a Família Terror do Amapá
(FTA) e a União Criminosa do Amapá (UCA), além das duas nacionais PCC e CV. Apesar de não
estar conectado por rodovias ao restante do país, o Amapá é cortado por uma ampla rede flu-
vial, e possui fronteiras para Guiana Francesa, tornando-se bastante disputado pelas facções,
além de dispor de um porto no qual vem aumentando o escoamento de drogas para a Europa.
Para chegar e se consolidar no estado, as facções nacionais fizeram alianças com as locais.
Assim, o PCC uniu-se com a FTA, enquanto a UCA aliou-se ao CV. Além das alianças com as
facções nacionais, existia um acordo entre as facções locais até a chegada dos entorpecen-
tes no estado. A partir daí, elas disputam os territórios para a venda da droga na cidade de
Macapá e Santana.
A interiorização das facções é outra dinâmica que tem acontecido no Amapá, sobretudo nos
municípios da porção Sul do estado, como Laranjal do Jari, situado na região da Foz do rio Ama-
zonas. Dessa forma, o estado se insere na rota do narcotráfico do corredor Solimões/Amazonas.
Já na porção norte, na fronteira com a Guiana Francesa, o controle do território é estratégico
para receber as cargas que chegam pelo Oceano Atlântico, vindas da Venezuela, Suriname ou
República das Guianas, muitas vezes escondidas em carregamento de pescado ou mercadorias
contrabandeadas. No quadro 9, é possível encontrar a situação do controle territorial dos muni-
cípios e os registros de facções.
Quadro
09
Presença de facções em municípios do Amapá
O estado do Maranhão está sob disputa de facções criminosas tanto na região metropolitana
de São Luís (RMS) quanto no restante do estado. Por muitos anos, os grupos faccionais dividiam
a influência nos territórios entre capital e interior do estado, onde o Bonde dos 40 era a facção
que controlava a RMS e o Primeiro Comando do Maranhão (PCM) comandava a região interio-
rana. Entretanto, a disputa entre essas duas facções por territórios, somada à chegada de CV
e PCC, provocaram uma reorganização espacial, tanto na forma de territorialização, quanto na
forma de alianças entre grupos do crime organizado.
Na atual conjuntura, no Maranhão encontram-se a presença das facções Bonde dos 40 (B40), CV e
PCC. A distribuição delas no estado se especializa por uma disputa de bairros na Região Metropo-
litana de São Luiz. Os bairros da capital estão em maior controle do B40, a cidade de São José do
Ribamar do CV, e o PCC está sitiado na Cidade Olímpica e Vila Janaina, na capital São Luís.
Imagem
04
Pichação da facção Bonde dos 40 no centro de São Luís-MA
A Imagem 4 expressa a presença da facção Bonde dos 40 no Centro Histórico de São Luis do
Maranhão, em que por meio dessas mensagens, impõem as regras de conduta dentro da co-
munidade, para que os roubos não atraiam as forças de segurança na área, que dificultariam a
No interior do Maranhão, a parte Oeste do estado que faz fronteira com o Pará tem maior pre-
sença da facção Comando Vermelho. Na porção Sul, na região de influência da cidade de Im-
peratriz, constitui-se na área de avanço do PCC que disputa o domínio com o CV. Já na porção
Oeste, a predominância é do B40 até a fronteira com o Piauí. No quadro 10 visualiza-se os
registros de facções.
Quadro
10
Presença de facções em municípios do Maranhão
O estado do Tocantins destaca-se pelo predomínio do CV e PCC, onde as duas facções vêm
disputando o controle do estado. O Tocantins é uma das principais rotas de conexão da Ama-
zônia com o Centro-Oeste e Nordeste do Brasil, destacando-se as rodovias BR-153 e BR-226,
denominada Belém-Brasília. Tal disputa é mais presente nas cidades de Palmas, Taguaruçú, Ara-
guaína, Gurupi e Paraíso do Tocantins, que utilizam a mesma estratégica de demonstração de
poder através das pichações nos territórios, conforme a imagem 5. Já em Cariri do Tocantins e
Miracema do Tocantins o domínio é apenas do PCC, conforme pode ser observado no quadro 11.
Imagem
05
Pichação do PCC no residencial Santo Amaro, em Palmas – TO
A Imagem 5 revela a presença do PCC no conjunto residencial Santo Amaro, localizado na peri-
feria da cidade de Palmas, no Tocantins. Os projetos habitacionais tem se revelado áreas de dis-
puta de comercialização da droga, atraídas pela aglomeração populacional desses conjuntos,
que geralmente reúnem várias unidades habitacionais. Isso porque ocorre o reassentamento de
pessoas oriundas de bairros que já possuem a influência das facções, e que a partir da reterrito-
rialização passam a levar esta influência para esses novos espaços.
Quadro
11
Presença de facções em municípios do Tocantins
Por último, o Mato Grosso é um estado estratégico que se situa na fronteira e torna-se uma zona
de entrada da droga no Brasil. No estado apresenta-se o predomínio da facção CV, principal-
mente na zona transfronteiriça com a Bolívia, que contem mais de 730 km de extensão, tendo a
cidade de Cáceres como a principal referência. As facções vêem no controle da fronteira a al-
ternativa da entrada da droga na região, a partir das inúmeras estradas vicinais. Além de Cuiabá
e municípios vizinhos, os municípios ao longo da rota rodoviária são estratégicos para escoar a
droga para as demais regiões brasileiras, conforme o quadro 12.
Quadro
12
Presença de facções em municípios do Mato Grosso
Cabe aqui uma observação importante relacionada à distribuição espacial dessas facções: as afirma-
ções contidas neste capítulo retratam o momento no qual foi feito o levantamento, mas as interações
criminais são dinâmicas e o quadro pode ser alterado a qualquer tempo, especialmente porque es-
tamos tratando de relações que envolvem a corrida pelo controle do território. Portanto, podem ser
alteradas ou reconfiguradas, conforme as alianças, fissuras, disputas e conflitos entre as facções.
O processo de expansão e consolidação das facções criminosas na Amazônia Legal está direta-
mente vinculado às dinâmicas de funcionamento do sistema prisional. No Brasil, já está consolida-
da na literatura especializada a relação intrínseca entre as prisões e a criminalidade organizada46.
Sabe-se, portanto, que o Estado possui uma participação que não pode ser desprezada na estru-
turação desses grupos, sobretudo na medida em que as prisões foram os primeiros espaços de
negociações que levaram à organização dos presos em grupos.
46 DIAS, Camila Nunes; SALLA, Fernando. Organized crime in Brazilian prisons: the example of the PCC. International Journal of
Criminology and Sociology, v. 2, p. 397, 2013.
De modo geral, a dinâmica inicia pela convivência entre os presos nos cárceres, onde se estabele-
cem laços e associações que evoluem, inicialmente, para grupos destinados a demandar melhores
condições para a sua estadia nas prisões, em busca da garantia de necessidades básicas como
higiene e alimentação. Conforme destacam Dias, Lourenço e Paiva, as relações entre presos não
criam mundos paralelos, mas maneiras de se relacionar no mundo social vigente, “explorando
espaços que o poder público não foi capaz de ocupar”47, inclusive aqueles geridos pelo Estado.
Se sentir seguro e ter a integridade física preservada são alguns dos benefícios almejados pelos
presos ao integrarem esses grupos. A gestão compartilhada do sistema prisional entre Estado e
grupos criminais foi intensificada com o crescimento exponencial da população prisional a partir
da promulgação da Lei de Drogas, em 2006, que implicou no aumento das prisões de indivíduos
acusados pelo crime de tráfico de drogas sem que as estruturas prisionais estivessem adapta-
das a receber o aumento desse contingente de presos. A superlotação em espaços que já eram
precários inflou o problema e deu ainda mais condições às facções para funcionarem como
cogestoras das prisões brasileiras, recebendo, em troca, um exército de “soldados do crime”
comprometidos a atuarem pelos grupos quando postos em liberdade.
A violência letal que ocorre dentro dos muros do sistema prisional é a consequência mais ex-
trema de um problema cuja raiz está, por um lado, no abandono desses espaços por parte do
47 DIAS, Camila N.; LOURENÇO, Luiz C.; PAIVA, p. 16. Disponível em: http://www.periodicos.ufc.br/revcienso/article/view/81953/226616
48 Disponível: https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/testemunhas-do-massacre-4-pessoas-relembram-as-mortes-de-33-presos-
-em-penitenciaria-de-rr.ghtml
49 https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/07/massacre-em-presidio-do-para-e-o-2o-grande-motim-do-ano-no-pais.shtml
poder público e, por outro, no aumento da população prisional a cada ano que passa. Nos
últimos anos, na Amazônia Legal, a quantidade de presos cresce mais intensamente do
que no restante do país. Quando analisamos um período de 10 anos, houve aumento de 43,3%
na taxa de presos por 100 mil habitantes no Brasil e de 67,3% na Amazônia Legal que passou de
uma população privada de liberdade de 54.542 pessoas para 98.034.
Tabela Pessoas privadas de liberdade no Sistema Penitenciário e Sob Custódia das Polícias e taxas por 100 mil habitantes
14 Brasil e Amazônia Legal - 2012-2022 (1)
Brasil 510.402 725.332 748.009 753.966 815.165 826.740 41.220 18.884 7.265 5.552 5.524 5.555
Amazônia Legal 52.108 82.755 89.332 92.856 94.277 96.984 2.434 1.899 1.750 1.053 1.496 1.050
Total
Brasil e Unidades da Ns. Absolutos Taxa geral (3) Variação
Federação 2012-2022
2012 2018 2019 2020 2021 2022 2012 2018 2019 2020 2021 2022 (%)
Brasil 551.622 744.216 755.274 759.518 820.689 832.295 286,1 356,9 359,4 358,7 406,2 409,9 43,3
Amazônia Legal 54.542 84.384 91.082 93.909 95.773 98.034 210,9 312,4 334,8 342,7 347,1 352,8 67,3
Acre 3.820 7.914 8.414 7.931 6.839 6.016 509,6 991,9 1.044,0 974,4 832,0 724,8 42,2
Amapá 2.043 2.693 2.750 2.752 2.805 2.977 300,4 378,1 383,3 380,7 385,2 405,9 35,1
Amazonas (1) 7.270 10.535 12.069 13.242 14.908 13.271 204,2 278,1 315,4 342,6 382,0 336,7 64,9
Maranhão 5.263 11.398 12.387 12.241 13.106 12.651 79,6 169,9 184,2 181,6 193,9 186,7 134,5
Mato Grosso 11.248 12.760 12.562 15.892 17.166 19.925 358,3 369,8 358,6 447,0 475,9 544,6 52,0
Pará 12.574 19.524 21.279 20.498 19.841 19.757 163,9 246,0 266,6 255,4 245,8 243,4 48,5
Rondônia 8.051 12.025 13.419 13.205 12.795 14.736 514,3 763,6 851,3 836,9 810,1 932,1 81,2
Roraima 1.783 3.188 3.711 3.840 4.108 4.587 370,3 555,1 629,1 634,4 661,7 720,9 94,7
Tocantins 2.490 4.347 4.491 4.308 4.205 4.114 177,3 296,0 303,6 289,1 280,2 272,2 53,6
Fonte: Ministério da Justiça e Segurança Pública/Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional – SISDEPEN; Estimativas da população residente no Brasil e
Unidades da Federação - IBGE, realizadas por meio de interpolação linear; Censo 2022 - IBGE.; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
(...) Informação não disponível.
(-) Fenômeno inexistente.
(1) Os dados correspondem ao período de janeiro a junho de 2012; junho à dezembro de 2019; janeiro a junho de 2020; janeiro a junho de 2021 e julho a dezembro de 2022.
(2) O total de presos do sistema penitenciário considera a população carcerária em regime fechado, semiaberto e aberto, em medida de segurança de internação e tratamento
ambulatorial. Além disso, considera aqueles segregados em celas físicas ou em prisão domiciliar (seja em monitoramento eletrônico ou não).
(3) Taxa por 100 mil habitantes.
Se em 2012 a taxa era de 210,9 pessoas privadas de liberdade por 100 mil habitantes na região
amazônica – enquanto no país o valor era de 286,1 –, em 2022 a taxa da Amazônia Legal che-
gou a 352,8, enquanto no Brasil subiu para 406,9. Vale ressaltar que esses valores englobam
o total de pessoas privadas de liberdade, incluindo todos os regimes (fechado, semiaberto e
aberto) e em prisão domiciliar (com ou sem monitoramento eletrônico). Observando as UFs em
específico, chama a atenção a variação no Maranhão, que teve crescimento da taxa de presos
de 134,5% em 10 anos e Roraima, com aumento de 94,7%.
No gráfico 11 é possível visualizar como a superlotação dos presídios nos estados da região se
intensificou nos últimos anos. Em 2012, as taxas nacional e regional estavam mais distantes en-
tre si, mas começam a se aproximar e, em 2020, ficam bastante semelhantes, ainda que a taxa
nacional continue a ser maior. Em 2021, o fenômeno se intensificou novamente no país, quando
há um novo pico de crescimento da população prisional. Na região amazônica, por outro lado,
nota-se uma certa estabilização da taxa nos últimos dois anos.
500,0
406,2 409,9
400,0 356,9 359,4 358,7
286,1 342,7 347,1 352,8
300,0 334,8
312,4
200,0
210,9
100,0
0,0
2012 2018 2019 2020 2021 2022
Brasil Amazônia Legal
Fonte: Ministério da Justiça e Segurança Pública/Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional – SISDEPEN; Estimativas
da população residente no Brasil e Unidades da Federação - IBGE, realizadas por meio de interpolação linear; Censo 2022 - IBGE.; Fórum
Brasileiro de Segurança Pública.
Contribui para o fenômeno da expansão das facções criminais no interior do sistema prisional a
alta incidência de presos em prisão provisória. O perfil prisional desse grupo é normalmente cons-
tituído por indivíduos acusados de crimes que, apesar de penas elevadas na legislação brasileira,
como tráfico de drogas e roubo, podem ser cometidos em situação de menor potencial ofensivo,
com pequenas quantias de drogas apreendidas, por exemplo. Além disso, o perfil dos presos cos-
tuma se repetir e já é bastante conhecido: são jovens negros, oriundos das áreas mais vulneráveis
das grandes cidades e que atuam nos níveis mais baixos do mercado ilegal de drogas.
É verdade que o percentual de presos provisórios vem caindo continuamente no país. Há uma
década, em 2013, eles representavam 40,1% do total de pessoas privadas de liberdade no
país50. Em 2023, o valor caiu para 25,1% o que, de fato, é uma boa notícia e indica um sistema
de justiça a priori mais preocupado em se valer do instrumento da prisão preventiva – quando
ainda não há elementos suficientes a indicar a culpabilidade do réu – apenas em casos mais
graves. Quando esse número é observado com um pouco mais de cautela, contudo, nota-se
que, uma fração importante dessa queda no percentual de presos provisórios decorre do uso de
alternativas à prisão, como prisão domiciliar e monitoramento eletrônico e não necessariamente
de um processo de desencarceramento.
Percentual de presos provisórios em celas físicas (2) Percentual do total de presos provisórios (3)
Brasil e Amazônia Legal Variação Variação
2020 2021 2022 2023 2020-2023 2020 2021 2022 2023 2020-2023
(em %) (em %)
Brasil 29,8 30,5 28,0 27,8 -6,7 30,2 28,5 25,3 25,1 -16,8
Amazônia Legal 34,0 35,2 32,5 31,7 -6,7 32,4 33,5 30,3 28,5 -12,0
Acre 37,8 31,4 28,1 40,0 5,8 32,9 26,9 24,3 31,8 -3,3
Amapá 22,9 31,1 32,0 30,4 32,8 27,5 31,3 31,9 31,7 15,4
Amazonas 40,8 52,0 44,5 46,0 12,7 39,1 38,5 36,6 24,2 -38,1
Maranhão 37,4 37,0 33,1 31,6 -15,5 40,2 40,1 35,7 34,9 -13,1
Mato Grosso 47,8 44,0 48,9 42,3 -11,5 41,8 38,4 37,6 33,7 -19,3
Pará 33,7 31,3 27,4 28,6 -15,1 28,2 36,6 33,0 34,4 22,0
Rondônia 15,0 19,5 17,1 15,5 3,3 14,1 15,4 12,3 11,7 -16,8
Roraima 24,3 30,9 24,9 22,0 -9,5 26,0 24,2 18,8 15,7 -39,6
Tocantins 40,2 41,4 36,4 34,5 -14,2 38,3 38,3 29,3 30,4 -20,5
Fonte: Ministério da Justiça e Segurança Pública/Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional – SISDEPEN; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
(1) Os dados correspondem ao período de janeiro a junho de 2020, janeiro a junho de 2021, julho a dezembro de 2022, janeiro a junho de 2023.
(2) Considera apenas presos em celas físicas, descartando presos custodiados pela polícia, em prisão domiciliar e em montioramento eletrônico.
(3) No total de presos considera-se presos em sistema prisional em sistema prisional e custodiados pelas polícias. Entre os presos do sistema prisional, considera a população
carcerária em regime fechado, semiaberto e aberto, em medida de segurança de internação e tratamento ambulatorial, sejam presos segregados em celas físicas ou em prisão
domiciliar (em monitoramento eletrônico ou não).
50 FBSP. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2014. São Paulo, 2014, p. 68. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/
storage/8_anuario_2014_20150309.pdf
Além disso, nas UFs da Amazônia Legal, o percentual de presos provisórios é, em média, maior
do que o observado no restante do país. Em 2020, eram 34,0% de presos nessa situação na
região, quando no Brasil o valor foi de 29,8%. Em 2021, na Amazônia foram 35,2%, o maior valor
do período, caindo para 31,7% em 2023. Quando se olha para os estados individualmente, al-
guns casos chamam a atenção, como no Amazonas, onde 46,0% dos presos em 2023 eram de
presos provisórios (considerando apenas aqueles em celas físicas). No Mato Grosso, esse valor
também foi elevado, de 42,3%.
50,0
40,0
34,0 35,2
32,5 31,7
29,8 30,5
30,0 28,0 27,8
20,0
10,0
0,0
2020 2021 2022 2023
Brasil Amazonia Legal
Fonte: Ministério da Justiça e Segurança Pública/Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional – SISDEPEN; Fórum
Brasileiro de Segurança Pública.
4. Crimes ambientais na
Amazônia brasileira
As questões que envolvem os crimes ambientais na Amazônia estão associadas a modelos
predatórios de exploração dos recursos da floresta que, nas últimas décadas, tiveram graves
implicações sobre as populações tradicionais (indígenas, povos quilombolas, comunidades ri-
beirinhas, seringueiros, castanheiros, quebradeiras de coco babaçu, camponeses e pescadores
artesanais) e sobre a possibilidade de construção de um futuro ambientalmente seguro.
A Amazônia brasileira abriga 4,8 milhões de km² do bioma, o equivalente a 69% da Pa-
namazônia. Historicamente, as práticas depredatórias se intensificaram no contex-
to da integração da Amazônia à economia nacional e internacional pós década Modelos predatórios de
de 1960, que trouxe em sua essência um processo de modernização conser- exploração dos recursos
vadora associado a um discurso civilizatório que reproduziu uma série de vio- da floresta tiveram graves
lações de direitos contra os povos da floresta e do campo e os territórios. O implicações sobre as
avanço da agropecuária e do agronegócio, da mineração e das hidrelétricas populações tradicionais
negligenciou as existências das cartografias sociais que compõem as várias e sobre a possibilidade de
“Amazônias” através de ajustes espaciais, o que acabou por contribuir para a construção de um futuro
expansão dos conflitos socioambientais e fundiários que compõem o quadro ambientalmente seguro.
atual da violência na Amazônia.
Para compreender o cenário dos crimes ambientais na Amazônia Legal foram analisados
dois tipos de informação: o monitoramento de áreas pelo PRODES (Projeto de Monitoramento
do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(INPE), que constata a ocorrência factual dos fenômenos, e os registros criminais das Delegacias
de Polícia Civil dos estados da região. Portanto, crimes ambientais são aqui tomados como fe-
nômenos que se enquadram dentro de potencial ilegalidade ambiental, tendo sido detectados
ou não pelo sistema de justiça. Os eventos aqui selecionados para análise foram desmatamento
(incluindo aqueles em Terras Indígenas e Unidades de Conservação), queimadas e grilagem de
terra, além do garimpo, em uma seção própria.
Nos últimos 50 anos a região amazônica vem sendo palco de um avanço significativo do desma-
tamento, que consiste na supressão de vegetação para o uso alternativo do solo. Essa prática
foi incentivada pelo governo militar na década de 1970 como uma das formas de ocupar o ter-
ritório em prol da soberania brasileira diante de ameaças estrangeiras, levando imigrantes de
outras regiões do Brasil para a Amazônia. Os impactos na biodiversidade ocasionados por essas
atividades ocorrem sobretudo em áreas localizadas na zona de expansão da fronteira agrícola,
aumentando em larga escala o consumo desse recurso florestal.
Segundo o INPE, no ano de 2020 a taxa de desmatamento atingiu a marca de 10.851 km² e
em 2021 este quantitativo subiu para 13.038 km², o que representa um aumento de 20,15% da
taxa de área desmatada. Esse incremento se deu principalmente em função da abertura de
pastos, comercialização de madeira e cultivo de monoculturas, chegando ao cumulativo51 de
481.869 km², o que corresponde a 10% de seu território. Entretanto, no ano de 2022 houve
uma redução dessa taxa para 11.594 km², fato que não acontecia desde 2017, conforme ob-
serva-se no gráfico 13.
15.000,00
13.038,00
12.500,00 11.594,00
10.851,00
10.129,00
10.000,0
7.893,00 7.536,00
7.500,00 6.947,00
5.000,00
2.500,00
0,0
2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022
Uma possível hipótese para a redução da taxa de desmatamento em 2022 são as operações
realizadas na região após a morte do jornalista britânico Dom Philips e do indigenista Bruno Pe-
reira, em 5 de junho de 2022, no vale do rio Javari (fronteira com o Peru). A repercussão interna-
cional do assassinato de ambientalistas lançou luz sobre a situação na Amazônia, pressionando
a gestão de Jair Bolsonaro, notadamente contrário a ações pró-meio ambiente, a dar respostas
em relação ao ocorrido52.
52 Trata-se de dinâmica recorrente os governos brasileiros tomarem medidas protetivas na Amazônia a partir da pressão inter-
nacional, como no caso do Relatório Figueiredo (1968), na desintrusão de garimpeiros na TI Yanomami nos anos 1990, entre outros.
Para saber mais, ver: DAVIS, Shelton. Victimis of the Miracle: development and the indians of Brazil. New York: Cambridge University
Press, 1978; HEMMING, John, Die if you must: brazilian Indians in the Twentieth Century.London: Macmillan, 2003; CRUZ, Álvaro R. S.
Relatório Figueiredo: genocídio brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.
2020 2021
Ins to
2022
Fonte: PRODES, 2023; Instituto Mãe Crioula – IMC; FBSP.
O que chama a atenção na análise dos crimes ambientais é o baixo número de registros sistema-
tizados pelas Secretarias Estaduais. Isso é, em parte, explicado pelo fato de que muitos crimes
ambientais são de competência da Polícia Federal, sobretudo quando dizem respeito a áreas
que pertencem à União, como algumas Unidades de Conservação e Terras Indígenas.
Entre 2018 e 2022, os registros criminais de desmatamento cresceram 85,3% na Amazônia Legal,
em uma curva exclusivamente ascendente – isto é, não houve queda nos registros no período. O
ano de 2020 teve crescimento de 47,4% em relação ao ano anterior, marcando uma inflexão nos
dados que se manteve nos anos seguintes, chegando a 619 registros em 2022. Enquanto o moni-
toramento do desmatamento por satélite evidenciou uma queda em 2022, os registros criminais
tiveram pequeno aumento de 2% entre 2021 e 2022, de modo que a atuação policial em relação
ao desmatamento parece ter mantido o ritmo a despeito da queda dos índices do fenômeno.
Amazônia Legal 190 198 294 346 356 75 108 142 175 184
Acre - - - - - 4 - 2 11 25
Amapá ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Amazonas 37 29 33 15 29 8 11 11 25 30
Maranhão ... ... 28 45 42 ... ... 21 19 16
Mato Grosso 41 37 58 56 54 30 40 58 55 35
Pará (1) 15 28 47 92 98 10 31 30 46 43
Rondônia 15 37 64 89 69 ... ... ... ... ...
Roraima 32 35 36 22 29 ... ... ... ... ...
Tocantins 50 32 28 27 35 23 26 20 19 35
Acre - - 2 2 4 4 - 4 13 29 625,0
Amapá ... 6 11 14 10 - 6 11 14 10 -
Amazonas 4 7 15 8 8 49 47 59 48 67 36,7
Maranhão ... ... 20 21 16 - - 69 85 74 -
Mato Grosso 4 7 5 10 9 75 84 121 121 98 30,7
Pará (1) 9 8 8 14 18 34 67 85 152 159 367,6
Rondônia ... ... ... ... ... 15 37 64 89 69 360,0
Roraima - 1 3 3 6 32 36 39 25 35 9,4
Tocantins 52 9 7 14 8 125 67 55 60 78 -37,6
Fonte: Secretarias Estaduais de Segurança Pública e/ou Defesa Social; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
(...) Informação não disponível.
( - ) Fenômeno inexistente
(1) No Pará há registros que, apesar de serem de apuração por parte da Polícia Federal, estão inclusos nos registros estaduais, uma vez que não há Delegacias
da Polícia federal em todos os municípios do Pará.
O estado com maior número de registros policiais de desmatamento é o Pará, com 159 bole-
tins de ocorrência em 2022. Este também é o estado onde mais se desmatou no mesmo ano,
um caso em que registros policiais e o desmatamento em si (medido pelo monitoramento do
PRODES) seguem a mesma tendência, mas é preciso destacar que não há parâmetros para
comparar o que seria uma atuação satisfatória das polícias em relação à quantidade de área
desmatada. O que se tem é um cenário em que, com 4.162 km² de área desmatada em 2022,
houve 159 registros policiais de desmatamento no Pará. O segundo estado mais desmatado
em 2022, o Amazonas, com 2.594 km², teve 67 registros de desmatamento no ano, ocupando
apenas o quinto lugar dentre a Amazônia Legal.
O cálculo da média de km² por Boletim de Ocorrência nesses dois estados apresenta cenários
bastante distintos: enquanto no Pará cada B.O. corresponderia a cerca de 26 km² desmatados,
no Amazonas essa média seria de 38 km² por B.O. Mas é importante destacar que uma boa
parte das práticas de desmatamento não chega a ser reportada às polícias civis, seja porque foi
detectada por outra instituição, como Polícia Federal ou Ibama, seja porque passa ao largo das
instituições. Assim, trata-se de uma tentativa de estabelecer parâmetros comparativos para a
relação entre a atuação policial e a incidência dos fenômenos.
Por fim, a tipificação penal mais utilizada pelas Polícias Civis da Amazônia Legal para o desmata-
mento, de modo geral, é o art. 38, “Destruição ou dano a floresta de preservação permanente”.
Os registros criminais com esta tipificação foram 57,5% dos crimes de desmatamento em 2022.
A nível municipal, nota-se que os 10 municípios com maior acumulação de desmatamento entre
2020 e 2022 respondem por 35,4% do desmatamento (12.756 km²) de toda a região amazônica.
Nesta seleção, 6 dos 10 municípios estão no estado do Pará: Altamira, São Félix do Xingu, Novo
Progresso, Novo Repartimento, Pacajá e Itaituba, que, juntos, correspondem a 20% de todo o
desmatamento na Amazônia no triênio. Além do Pará, também compõem a lista municípios de
Rondônia, Amazonas e Mato Grosso.
Mapa
14
Desmatamento acumulado por município da Amazônia Legal até 2022
Ins to
53 Trata-se das áreas desde a década de 1970 receberam investimentos em função do incentivo da expansão da fronteira
econômica na região amazônica. Por isso, grande parte dessas áreas coincidem com a macrorregião das terras degradadas ou
como que Becker (1991) definiu como região do arco do desmatamento, e posteriormente, de arco do povoamento consolidado
(BECKER, 2005).
Ins to
O trecho que parte de Cuiabá, no Mato Grosso, passando pelo município de Sorriso (maior pro-
dutor de soja do Brasil), até Santarém no Pará, popularmente conhecida como rodovia Cuiabá –
Santarém (BR-163) é um vetor em consolidação da expansão da fronteira agrícola na Amazônia.
A principal dinâmica neste vetor consiste na substituição da atividade de pecuária extensiva
pelas monoculturas mecanizadas em larga escala, como a soja, milho e algodão, além de ativi-
dades como a exploração madeireira e garimpo ilegal no Sudoeste paraense.
Dos municípios de Itaituba e Jacareacanga, no Pará, onde há uma intensa atividade garimpeira
que exerce pressão sobre a APA do Tapajós e a TI Munduruku, parte um vetor de desmatamento
em função da atividade madeireira ao longo da Transamazônica (BR-230), em direção ao município
de Apuí, se estendendo até o município de Lábrea, ambos no Amazonas. Ainda na BR-230, saindo
da cidade de Pacajá (PA) e passando por toda a região sudoeste do estado, encontra-se intensa
atividade de exploração madeireira, principalmente nas vicinais perpendiculares à rodovia.
Os registros criminais de comércio de madeira de lei (art. 46 da Lei 9.605) na Amazônia Legal
tiveram crescimento de 37,6% entre 2018 e 2022, de 149 para 205. O pico, de 249 boletins de
ocorrência em 2020, foi seguido de queda nos registros em 2021 e 2022, com 200 e 205 regis-
tros, respectivamente. O Pará foi o estado com mais ocorrências de comércio ilegal de madeira
em 2020, com 111 registros, mas teve queda de 41, 4% entre 2020 e 2022, voltando aos patama-
res baixos de 2018. O campeão em 2022 foi o Amazonas, com 91 registros. Amapá e Rondônia
não possuem informação sobre esse tipo de crime.
Acre 1 - 1 8 8 700,0
Amapá ... ... ... ... ... ...
Amazonas 47 36 79 72 91 93,6
Maranhão ... ... 6 8 5 ...
Mato Grosso 9 12 16 19 12 33,3
Pará (1) 61 93 111 46 65 6,6
Rondônia ... ... ... ... ... ...
Roraima 3 31 20 36 18 500,0
Tocantins 28 14 16 11 6 -78,6
Fonte: Secretarias Estaduais de Segurança Pública e/ou Defesa Social; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
(...) Informação não disponível.
( - ) Fenômeno inexistente
(1) No Pará há registros que, apesar de serem de apuração por parte da Polícia Federal, estão inclusos nos registros estaduais, uma vez que
não há Delegacias da Polícia federal em todos os municípios do Pará.
A cidade de Manaus no Estado do Amazonas serve de ponto de partida para outro vetor ao
longo da BR-174 que se estende desde a margem do Rio Amazonas, passando por Presidente
Figueiredo e chegando em Roraima por Rorainópolis, Caracaraí e Alto Alegre, onde a atividade
madeireira exerce pressão sobre a FLONA de Roraima. É preciso levar em consideração a rela-
ção que a rede hidrográfica exerce na região, dificultando a atuação de operações de fiscaliza-
ção pelos órgãos ambientais.
O mapeamento também permite elencar as 10 Terras Indígenas com maior nível de desmata-
mento acumulado na Amazônia. A TI Apyterewa, no Pará, figura como a mais impactada, com
455,83 km². Em 2023 essa TI, onde habita o povo Parakanã, foi objeto de controvérsia pública
a respeito de operações de desintrusão que cumpriam uma decisão judicial. A prefeitura do
município onde está localizada a TI, São Félix do Xingu, pediu a permanência de pessoas não
indígenas na área, mas o Supremo Tribunal Federal determinou a continuidade das operações54.
Também se localiza no Pará o segundo lugar nos desmatamentos em TI: a Cachoeira Seca, com
418,05 km² de área desmatada.
A TI Yanomami, palco de intensificação garimpeira que levou a uma grave crise humanitária entre
o povo Yanomami nos últimos anos, aparece em 6° lugar no ranking, com 122,51 km² desmatados.
Gráfico
14
As Terras Indígenas com maior desmatamento acumulado na Amazônia Legal (km²)
500 455,83
418,05
400
300
238,24
200
130,98 130,89 122,51 113,35 110,22 104,47 91,35
100
0
Apyterewa
Cachoeira Seca
Ituna/Itatá
Maraiwatsede
Trincheira Bacaja
Yanomami
Awa
Kayapó
Parque do Xingu
Fonte: PRODES, 2023; Instituto Mãe Crioula - IMC/FBSP.
As 10 TIs mais impactadas localizam-se nos estados do Pará, Roraima e Mato Grosso, e no
ranking do triênio 2020-2022 permaneceram as mesmas, apenas mudando algumas posições.
A TI Cachoeira Seca, localizada no município de Altamira (PA), é um território que vem sofrendo
um processo de substituição da atividade madeireira pela agricultura, a exemplo do município
de Medicilândia, que aparece como o maior produtor de cacau do Brasil. A atividade madeireira,
no entanto, ainda é muito expressiva nesse trecho da BR-230.
55 Compreende a região no interflúvio do rio Xingu, entre os rios Tocantins e Tapajós, sendo atravessada pelo rio Xingu. Nessa
região encontra-se um mosaico de Territórios indígenas e Unidades de Conservação.
56 Ponto de não retorno refere-se ao fenômeno de áreas que sofreram intensas transformações a partir de ações antrópicas ao
ponto de comprometer a capacidade de resiliência da floresta, a partir do acumulado de desmatamento, ocasionado e intensifican-
do a crise climática planetária.
2020 2021
Ins to
2022
Fonte: PRODES, 2023; Instituto Mãe Crioula - IMC/FBSP.
Gráfico
15
Unidades de Conservação mais impactadas pelo desmatamento na Amazônia (Km²)
5.000,00
4.069,92
4.000,00
3.000,00
2.000,00
1.134,62 1.075,78
1.000,00 626,75
471,62
302,77 291,13 202,28 178,87 156,78
0,0
APA Triunfo do Xingu
FLONA do Jamanxim
RESEX Jaci-Paraná
APA do Tapajós
FLONA Altamira
PE Guajará-Mirim
EE da Terra do Meio
Diferentemente da incidência do desmatamento nas TIs, que contornam as mesmas, nas Uni-
dades de Conservação há a sobreposição do desmatamento com os respectivos territórios, evi-
denciando que, apesar de serem territórios protegidos, há ineficiência no controle e fiscalização.
2020 2021
Ins to
2022
Fonte: PRODES, 2023; Instituto Mãe Crioula - IMC/FBSP.
No estado de Rondônia encontra-se a RESEX Jaci-Paraná, que sofre com o avanço da fronteira
agrícola, expansão da atividade madeireira, grilagem de terras e monocultura em larga escala.
Seguindo o mesmo vetor chega-se à RESEX Chico Mendes, historicamente conhecida pela re-
sistência dos seringueiros, que compartilha da mesma lógica de degradação. Na tabela a seguir
apresentam-se as UCs mais impactadas pelo desmatamento no triênio 2020 – 2022.
Dentre as 10 UCs que mais sofreram desmatamento, 7 estão no estado do Pará, sendo 4 de
jurisdição estadual e 3 de jurisdição federal. Quando se compara o incremento anual baseado
na jurisdição, as áreas estaduais apresentaram aumento, exceto na APA do Lago de Tucuruí,
onde houve redução. A APA Triunfo do Xingu apresentou em 2020 um incremento de 436,31
km², o que representou 47,3% do total de incrementos naquele ano. As RESEX Chico Mendes e
Jaci Paraná, no estado de Rondônia apresentaram redução no incremento do desmatamento
no triênio 2020 – 2022. Em geral, as UCs sob jurisdição federal tenderam a apresentar redução
em 2022. O incremento do desmatamento total das 10 UCs entre 2020 e 2022 cresceu 21,2%.
No que se refere aos registros criminais de Dano ambiental direto ou indireto em Unidade de
Conservação (art. 40 da Lei 9.605/98), nota-se baixíssimos registros, com apenas 5 estados
que possuem informações. O estado com mais registro em 2022 foi o Mato Grosso, com 20
boletins de ocorrência de Dano a Unidade de Conservação. Uma possível explicação para os
baixos registros é a competência federal para a maior parte das UCs, de modo que as Secre-
tarias Estaduais não contabilizam esses crimes. Entretanto, o Pará é uma exceção. Segundo a
Secretaria de Segurança Pública, estão incluídos os registros da Polícia Federal, uma vez que
não há Delegacias de PF em todos os municípios; ainda assim, o estado teve apenas 3 registros
em todo o período de 2018 a 2022.
Acre - - 1 1 2 -
Amapá ... ... ... 1 ... ...
Amazonas 5 4 2 4 1 -80,0
Maranhão ... ... 18 13 7 ...
Mato Grosso 16 18 20 20 20 25,0
Pará (1) - - - 1 2 -
Rondônia ... ... ... ... ... ...
Roraima ... ... ... ... ... ...
Tocantins ... ... ... ... ... ...
Fonte: Secretarias Estaduais de Segurança Pública e/ou Defesa Social; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
(...) Informação não disponível.
( - ) Fenômeno inexistente
(1) No Pará há registros que, apesar de serem de apuração por parte da Polícia Federal, estão inclusos nos registros estaduais, uma vez que
não há Delegacias da Polícia federal em todos os municípios do Pará.
Por fim, os registros de incêndios criminosos na Amazônia Legal cresceram 51,3% entre 2018 e
2022, tendo, assim como outros tipos criminais, 2020 como seu pico, com 733 registros, segui-
do de queda nos anos seguintes. Em 2022 foram 581 incêndios criminosos, e o maior número
de registros foi no Mato Grosso (240). Outro estado que se destaca nas queimadas é Rondônia,
com crescimento de 143% no período. Acre não teve nenhum registro criminal de queimadas e
Roraima não possui a informação.
Acre - - - - - -
Amapá ... 6 8 6 13 ...
Amazonas 11 20 24 13 18 63,6
Maranhão ... ... 5 3 7 ...
Mato Grosso 151 252 334 218 240 58,9
Pará (1) 1 0 44 5 19 1800,0
Rondônia 93 304 273 195 226 143,0
Roraima ... ... ... ... ... ...
Tocantins 128 52 45 29 58 -54,7
Fonte: Secretarias Estaduais de Segurança Pública e/ou Defesa Social; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
(...) Informação não disponível.
( - ) Fenômeno inexistente
(1) No Pará há registros que, apesar de serem de apuração por parte da Polícia Federal, estão inclusos nos registros estaduais, uma vez que
não há Delegacias da Polícia federal em todos os municípios do Pará.
Em relação à grilagem, aqui medida pelo crime de invasão para ocupação de terras da União,
Estados e Municípios (Art. 20 da Lei 4.947/1966), os registros tiveram crescimento de 275,7%,
com auge em 2022, que registrou 139 boletins de ocorrência desse tipo. Em todo o período,
Maranhão, Pará e Roraima são os estados que se destacam com o maior número de registros.
Mato Grosso e Rondônia não têm informação sobre o tipo penal.
Invasão para ocupação de terras da União, Estados e Municípios (Art. 20 da Lei 4.947/1966)
Unidades da Federação - Ns. Absolutos
Amazônia Legal Variação (%)
2018 2019 2020 2021 2022
Acre - 2 3 13 20 -
Amapá ... ... 6 11 6 ...
Amazonas - 1 - 1 1 -
Maranhão ... ... 13 55 29 ...
Mato Grosso ... ... ... ... ... ...
Pará (1) 17 28 21 21 30 76,5
Rondônia ... ... ... ... ... ...
Roraima 9 7 9 21 36 300,0
Tocantins 11 7 8 9 17 54,5
Fonte: Secretarias Estaduais de Segurança Pública e/ou Defesa Social; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
(...) Informação não disponível.
( - ) Fenômeno inexistente
(1) No Pará há registros que, apesar de serem de apuração por parte da Polícia
Federal, estão inclusos nos registros estaduais, uma vez que não há Delegacias da
Polícia federal em todos os municípios do Pará.
Foram analisadas as infrações autuadas pelo Ibama nos nove estados da Amazônia Legal, no pe-
ríodo de 2018 a 2022, com desagregações por Unidade da Federação, município e tipo de infra-
ção. É importante destacar que os números de infrações autuadas estão mais relacionados a uma
medição de produtividade do Ibama do que do cometimento de infrações, mas sempre devem ser
analisados em relação ao contexto das localidades, quando podem, de fato, indicar uma maior
incidência de irregularidades ambientais. Alguns exemplos mais adiante deixarão isso mais claro.
As infrações cresceram 40,1% na Amazônia Legal como um todo, saltando de 5.653 em 2018
para 7.979 em 2022. O ano com menor número de autos lavrados foi 2020, redução que pode
ser explicada por uma queda nas fiscalizações com a suspensão das atividades presenciais
devido à pandemia de Covid-19. Enquanto entre 2018 e 2020 observa-se queda nos autos
de infração (chegando a -9,6% entre 2019 e 2020), os números voltam a crescer em 2021,
chegando ao seu pico em 2022.
Os estados com maior número de autuações de infração ambiental em 2022 foram Pará (3.350),
Rondônia (1.059) e Amazonas (1.021). Os maiores crescimentos entre 2018 e 2022 foram no
Acre e no Pará, com variação de 181,3% e 150%, respectivamente. Em termos absolutos, o Acre
chegou à marca de 422 autos lavrados, enquanto o Pará teve 3.350 em 2022. Por outro lado, os
campeões na redução das infrações foram Tocantins (-28,8%) e Maranhão (-25,1%). Mato Grosso
e Roraima se mantiveram praticamente estáveis no período, embora o Mato Grosso tenha nú-
meros absolutos mais expressivos.
Embora 2020 tenha sido o ano com menos infrações ambientais no período analisado, Acre,
Amapá e Pará apresentaram crescimento das infrações neste ano. Chama a atenção a situ-
ação do Pará, que apresentou crescimento de 23,5% em relação a 2019, e registrou 2.022
infrações em 2020. Os números do estado vêm crescendo durante todo o período. O con-
texto paraense de destruição ambiental se agravou bastante nos últimos anos, com intensas
atividades de desmatamento e extração de minério, havendo relatos de um pico de avanço
dessas atividades justamente em 2020. Trata-se, portanto, de um caso em que o número
de autuações caminha em paralelo com a incidência do próprio fenômeno. É de se consi-
derar, ainda, que os órgãos ambientais sofreram desmonte orçamentário na última gestão
do Governo Federal, o que agrava a questão já que, mesmo com recursos reduzidos para
fiscalizações, as autuações seguiram crescendo nos três estados. Isto é, com maior aporte de
estrutura, o freio aos crimes ambientais poderia ter sido maior.
Outra situação alarmante é a de Roraima, estado onde está localizada a Terra Indígena Yanomami,
palco recente de uma intensificação garimpeira com consequências catastróficas para o meio am-
biente e as populações tradicionais. Os autos de infração caíram 55% entre 2019 e 2020, e mesmo
em 2022 não chegaram aos patamares anteriores – houve queda módica de 1,6% entre 2018 e
2022. Neste caso, o que os dados demonstram é a incapacidade de atuação institucional no âmbi-
to da fiscalização ambiental no estado, condição que dialoga com o contexto local.
Ademais, o ano que parece ter marcado uma inflexão na atuação do Ibama foi 2021, quan-
do, após dois períodos de queda nas autuações ambientais, houve recrudescimento de
25,2% nos números, que se manteve em 2022, ano em que as infrações autuadas
chegaram a 7.919.
Novo Progresso, no Pará,
é o município com mais autos Na escala municipal, os 10 municípios da Amazônia Legal com mais infra-
de infração na Amazônia Legal e ções ambientais autuadas em 2022 estão concentrados em 3 estados:
a 7ª cidade com mais mortes Pará, Rondônia e Amazonas. O campeão é Novo Progresso, no Pará, com
na região, evidenciando a rede 810 autos. A cidade está localizada em trajeto importante da BR-163, conhe-
de ilegalidades característica da cida como Cuiabá-Santarém. Novo Progresso tem se destacado em outros
Amazônia. aspectos abordados nesse relatório, como a alta taxa de mortes violentas
intencionais – a cidade é a 7ª mais violenta da Amazônia - não sendo diferente
nos crimes ambientais, o que evidencia uma rede complexa entre ilegalidades incidentes em
determinados territórios: a cidade é rota de commodities, fica em trecho importante das rotas
de garimpo e é também destaque nas mortes violentas.
O polo de garimpo paraense, Itaituba, também consta na lista, em 6º lugar com 197 autos de
infração. No Amazonas, Apuí – na fronteira com o Pará, diretamente ligada a Jacareacanga pela
Transamazônica – Humaitá e Lábrea figuram na lista. Porto Velho, a única capital do ranking,
fica em segundo lugar em autos de infração: foram 423 em 2022. Os 10 municípios, juntos,
concentram 2.868 autos, o equivalente a 36% do total de infrações ambientais na Amazônia
Legal em 2022.
As infrações podem ser classificadas por tipo, conforme a tabela a seguir. As infrações referen-
tes à flora (tipo que compreende desmatamentos e queimadas, por exemplo) são as de maior
volume em todo o período, chegando a 5.246 autos em 2022 e tendo crescido 30,8% entre
2018 e 2022. Já o aumento do desmatamento detectado pelos satélites do PRODES/INPE no
mesmo período foi da ordem de 54%, isto é, os autos de infração por desmatamento não acom-
panharam o fenômeno. Ainda, no fatídico ano de 2020, quanto o desmatamento havia crescido
45% desde 2018, os autos de infração tiveram queda de 29% (período 2018-2020), evidencian-
do um cenário de abandono institucional em meio ao agravamento do problema (coisas que,
evidentemente, não deixam de estar relacionadas).
Por outro lado, o salto de 23% no desmatamento em 2021 na comparação com 2020 veio acom-
panhado de aumento de 29% nos autos de flora no mesmo período – o que pode ser um re-
flexo do direcionamento da fiscalização diante do cenário de 2020. Ainda assim, o aumento da
fiscalização parece não ter sido capaz de frear o desmatamento no mesmo ritmo, o que sugere
que as instituições não estão dando conta do tamanho do problema. Cenário mais positivo é
visto no ano seguinte, em 2022, quando as fiscalizações subiram 43% e o desmatamento teve
redução de 14%.
Ademais, merece destaque o aumento de 1.328,9% nos autos de infração relacionados a Uni-
dades de Conservação (como entrar sem autorização em UC, promover lazer não autorizado
nesses locais ou portando motosserras), cujo pico foi em 2021, com 612 autos. Infrações de
controle ambiental também apresentam volume significativo, que cresceu 220,9% no período,
e incluem, por exemplo, apresentar informação falsa em sistema de controle ou irregularidades
no DOF (Documento de Origem Florestal), que garante a legalidade da madeira.
Os termos garimpagem e garimpo são normalmente acionados para tratar da extração de ouro
realizada por indivíduos em áreas menores, com ou sem uso de máquinas, mas tradicionalmen-
57 CLEARY, David. Anatomy of the Amazon Gold Rush. London: Macmillan, 1980.
58 WANDERLEY, Luiz J. de M. GEOGRAFIA DO OURO NA AMAZÔNIA BRASILEIRA: uma análise a partir da porção meridional. Tese
(Doutorado em Geografia), UFRJ, Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: https://www.gomiam.org/wp-content/uploads/2014/11/Wander-
ley-2015-geografia-do-ouro-na-Amaz_nia-Brasileira.pdf
te conhecidos como garimpeiros. A diferenciação entre garimpo legal, garimpo ilegal e minera-
ção trata das seguintes situações:
59 As determinações a respeito das possibilidades e limitações da atividade garimpeira estão estabelecidas na Lei 11.685/2008,
conhecida como Estatuto do Garimpeiro.
60 Conforme determina a Lei Complementar N. 140/2011. O ente federativo competente depende será determinado pela legisla-
ção ambiental estadual, sob responsabilidade do COEMA (Conselho Estadual do Meio Ambiente). No Brasil, à exceção do Pará, onde
a licença para garimpo é de competência do Município, todas as demais Unidades da Federação assumem a tarefa, ficando sob
responsabilidade das Secretarias Estaduais do Meio Ambiente.
61 Portaria Nº 155 MME/DNPM de 12 de maio de 2016.
62 No caso das Florestas Nacionais (FLONAS) há parecer da Advocacia Geral da União, de 2014, que impede a mineração dentro
desse tipo de UC (OBSERVATÓRIO DA MINERAÇÃO; SINAL DE FUMAÇA. Dinamite pura: como a política mineral do governo Bolsonaro
(2019-2022) armou uma bomba climática e anti-indígena. Março, 2023, p. 16).
Em relação aos garimpos, há ainda diferenciações a depender da forma como é feita a extração
do ouro, sobretudo maquinário e técnicas envolvidas. Essa organização depende de diversos
fatores, como as características geográficas e geológicas do local, os minérios visados, o finan-
ciamento e a tecnologia disponíveis. Além desses elementos, no caso de garimpos ilegais, as
estratégias aplicadas pelos agentes visam maximizar suas chances de sucesso e minimizar as
chances de punição pelo ilícito. Levando em consideração esses aspectos, existem diferentes
modalidades de garimpagem, sendo as mais comuns para a mineração de ouro na Amazônia as
realizadas nos baixões, com as balsas e com moinhos.
Baixão
A garimpagem nos igarapés, nas grotas, nos baixões (pequenos vales no relevo da Amazônia
onde há com maior frequência ocorrências de ouro e diamantes) e nos pés de montanha é a
mais recorrente, utilizando os mesmos métodos de exploração. Nessas áreas, o ouro está em
baixa profundidade, permitindo a escavação com jatos de água que formam buracos e bar-
63 https://csr.ufmg.br/csr/wp-content/uploads/2022/09/boletim-ouro_.pdf
rancos, desfazendo a terra em uma lama rala a céu aberto. Esse tipo de mineração ilegal é co-
nhecido como “garimpagem de baixão” ou “garimpagem aluvionar”. Sua simplicidade técnica
permite que diferentes perfis de investidores utilizem o chamado “par de máquinas” (duas
bombas de água) e trabalhadores com pouca qualificação para iniciar o empreendimento.
Balsa e Draga
A garimpagem com balsa é comum nos rios da Amazônia, como o rio Madeira, onde é possível
ver diversas embarcações-moradias explorando ouro. Essas balsas são usadas para manter
os equipamentos de extração e como alojamento para os trabalhadores. A principal diferença
nessa atividade é que, para o trabalho com balsas, são contratados mergulhadores que pas-
sam de 4 a 6 horas no fundo da água controlando uma mangueira que suga o leito dos rios
e igarapés. Trata-se de uma atividade extremamente arriscada. Essa prática também ocorre
no estado de Roraima, nos rios Uraricoera, Mucajai, Parima e em várias outras áreas da Terra
Indígena Yanomami. As balsas também podem ser vistas na região da Transgarimpeira, no rio
Jamanxim, e em Jacareacanga.
Uma variação da garimpagem com balsa e chamada de garimpagem com draga. Neste sis-
tema, a figura do mergulhador não é tão importante, pois as maracas (grades de metal que
evitam a entrada de pedras e madeiras) são operadas por braços mecânicos hidráulicos e se
constitui em um investimento bastante alto.
Moinho
Por fim, a garimpagem de moinho é usada para moer rochas onde o minério está encrustado.
Esse tipo de garimpo geralmente ocorre em áreas montanhosas, e às vezes é necessário abrir
galerias para acessar e acompanhar o veio de ouro. As estruturas dessas minas costumam
ser improvisadas e a exploração apresenta muitas dificuldades técnicas, como sistema de
ventilação ou drenagem. A escavação das rochas é feita com britadores automáticos ou com
o uso de marretas, talhadeiras e picaretas. Os pedaços de rochas são retirados, colocados em
sacos ou baldes e içados para a superfície. Quando há uma quantidade suficiente, o moinho
é ligado e inicia-se o processo de trituração dessas rochas.64
64 BANDEIRA JÚNIOR, C. M. “Em busca do bamburro”: memórias do trabalho, reciprocidade e a construção da masculinidade em
garimpos amazônicos. Santarém: UFOPA, dissertação de mestrado, 2019; CHAGAS, R. P.; COSTA, E. C. Tipificação da célula básica para
exploração ouro nas frentes de garimpagem da TI Yanomami. Revista Textos e Debates, no prelo, Boa Vista.; COSTA, L. Homens de ouro:
Trabalho e Conhecimento entre os Garimpeiros Clandestinos de Ouro da Região de Mariana. Viçosa: Universidade Federal de Viçosa,
2002.; COSTA, L. O ofício de garimpar e a garimpagem clandestina de ouro em Ouro Preto e Mariana - Minas Gerais, Caxambu - MG,
2007.; CLEARY, D. A Garimpagem de ouro na Amazônia: uma abordagem antropológica. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de
Janeiro, 1992.; RODRIGUES, F. Garimpagem e mineração: uma análise sócio-histórica do extremo norte do Brasil. Manaus: EDUA, 2017.
Seja qual for a modalidade, em comum reside a distância e as dificuldades de acesso às áreas
onde o mineral está disponível. Por essa razão, os garimpeiros se estabelecem nesses locais por
longos períodos, o que implica a necessidade de instalação de serviços nas proximidades, como
pequenos comércios onde se vende alimentos, materiais de primeira necessidade, remédios, be-
bidas, etc.. Esses armazéns, juntamente com lojas de peças de maquinário, bares e casas de pros-
tituição costumam formar o núcleo das ditas corrutelas65, que é o nome dado a esses espaços de
convivência entre os trabalhadores do garimpo e aqueles que atuam nos serviços colaterais.
As corrutelas são espaços onde está o que podemos chamar de núcleo da dinâmica criminal do
garimpo ilegal, ou seja, onde é comum a ocorrência de homicídios, roubos, exploração
sexual e comércio de drogas ilícitas. São locais onde tradicionalmente há o consumo
excessivo de álcool por parte dos garimpeiros – ainda que a bebida alcóolica seja As corrutelas são espaços
vendida a preços exorbitantes – e do uso de substâncias ilícitas, principalmente onde está o que podemos
subprodutos da cocaína. Os entorpecentes são cada vez mais utilizados como chamar de núcleo da dinâmica
estímulos aos garimpeiros, seja para que aguentem as jornadas e as condições criminal do garimpo ilegal, ou
de trabalho absolutamente extenuantes, seja nos momentos de relaxamento. seja, onde é comum a ocorrência
de homicídios, roubos, exploração
Assim, o garimpeiro como um homem de socialização machista e arcaica é sexual e comércio de drogas
uma imagem bastante difundida nas comunidades próximas às áreas de extra- ilícitas.
ção. Há ainda uma ideia da figura do garimpeiro como alguém violento, que anda
sempre armado e que resolve os conflitos decorrentes da atividade de forma violenta,
o que está muito ligada à origem socioeconômica da grande maioria desses homens. São
homens que prospectam na possibilidade de encontrar pepitas de ouro no interior da floresta a
chance de enriquecerem e mudarem de vida, uma vez que são trabalhadores de baixa escolari-
dade, provenientes das localidades mais vulneráveis do Norte e Nordeste do país. A disposição
para o “trabalho duro” e a resistência à vida na mata, vistas como inerentes à atividade, disfarça
o que muitas vezes são, na verdade, condições de trabalho análogas à escravidão.
“Nós temos garimpeiros de todas as espécies. Temos garimpeiros que passam necessidades,
em situações análogas à escravidão. E temos os grandes financiadores e empresários que
são milionários, que financiam as atividades à distância com riscos reduzidos” (representante
do Ministério Público Federal).
65 Encontram-se as grafias “corrutela” e “currutela”. Aqui, optou-se pelo uso de “corrutela” por ser a grafia dicionarizada.
De modo geral, portanto, a dinâmica violenta nas zonas de garimpo é uma marca histórica e de-
corrente das próprias características do fenômeno. A exploração sexual de meninas e mulheres
é uma dessas facetas: “toda comunidade de garimpo tem um cabaré”, é como resumiu um poli-
cial militar entrevistado para a realização desta pesquisa. As vítimas podem ser jovens aliciadas
em outras cidades, levadas aos garimpos sob a promessa de trabalharem como cozinheiras,
por exemplo, podem também ser familiares dos próprios garimpeiros que os acompanham nos
períodos que estão em atividade de extração, ou até mesmo mulheres indígenas, exploradas
violentamente e em troca de alimento, bebida alcóolica, ouro ou outros bens. São todos casos
em que o gênero acrescenta uma nova camada de violência às mulheres dos garimpos.
Além disso, logo no início do mandato, em março de 2019 o ministro de Minas e Energia da
gestão de Bolsonaro, Bento Albuquerque, anunciou publicamente a intenção do governo em
permitir a atividade mineral em Terras Indígenas67. Essa articulação deu origem ao PL 191/2020
visando justamente a liberação da mineração em TIs, assinado por Bolsonaro68. A percepção
Esse estímulo por parte do governo federal, somado ao aumento do preço da grama do ouro
durante a pandemia de Covid-19 e a diminuição das fiscalizações ambientais, produziram o
que poderia ser chamado de “a nova corrida do ouro”. O aumento da exploração mineral que
ficou demonstrado pelos mapas construídos a partir de dados de georreferenciamento se
confirma quando são analisados os dados de arrecadação de Compensação Financeira pela
Exploração Mineral (CFEM).
Conforme demonstrado na tabela 28, em 2018 o total de CFEM sobre Ouro arrecado em todo
o Brasil foi de em torno de R$ 14 milhões, sendo que destes, R$ 43 milhões foram apenas em
UFs da Amazônia Legal, ou seja, em torno de 30% do total do CFEM arrecado estava na região.
No ano, a principal UF da Amazônia Legal arrecadadora foi Mato Grosso (R$ 20,4 milhões). Em
2020, a arrecadação nacional saltou para R$ 351 milhões, ou seja, um crescimento de 147,5%.
Na região amazônica, o salto foi ainda maior, com aumento de 286% e arrecadação chegando
em R$ 166 milhões. Ou seja, em 2020 apenas na Amazônia Legal houve maior arrecadação de
imposto devido no caso de garimpo de ouro do que em todo o Brasil em 2018.
28
Agência Nacional de Mineração
(1)
Acre - - - - - -
Amapá 6.432.910,0 16.666.983,0 17.837.734,0 12.562.346,0 8.447.577,0 31,3
Amazonas 235.756,0 - 372.305,0 796.722,0 880.469,0 273,5
Maranhão 117.881,0 5.369.001,0 17.031.654,0 19.532.729,0 14.254.167,0 11.992,0
Mato Grosso 20.337.386,0 31.802.103,0 55.368.330,0 71.397.784,0 66.226.800,0 225,6
Pará 14.793.261,0 25.173.590,0 70.759.617,0 86.625.802,0 74.953.674,0 406,7
Rondônia 1.176.699,0 1.745.863,0 5.263.875,0 6.682.793,0 5.335.909,0 353,5
Roraima - - - - - -
Tocantins 122.591,0 - 198.356,0 2.260.863,0 472.092,0 285,1
Fonte: Anuário Mineral Brasileiro Interativo - Agência Nacional de Mineração; Fórum Brasileiro de Segurança Pública
(-) Fenômeno inexistente
(1) Dados coletados no Anuário Mineral Brasileiro Interativo, com base na atualização de 10/08/2023.
Esse crescimento foi contínuo nos anos seguintes, tanto no Brasil como na Amazônia Legal,
mas de forma mais intensa na região. Em 2021, a arrecadação na Amazônia já significava 49%
da arrecadação de todo o país, representando o total de quase R$ 200 milhões. Quando se
observam os dados por UF, fica claro que a arrecadação se expandiu em todos os Estados,
à exceção do Acre e de Roraima, onde não existem PLGs outorgadas. No estado do Pará, a
arrecadação atingiu seu ápice histórico em 2021, totalizando mais de R$ 86 milhões, um au-
mento de 486% em relação a 2018.
A explicação para esse crescimento está não apenas no aumento da produção de ouro no
Estado, como também no uso das PLGs paraenses para esquentar o ouro ilegalmente extraído
em territórios totalmente protegidos, como na Terra Indígena Yanomami, em Roraima. No Mato
Grosso, 2021 também representou o ano de maior arrecadação, chegando ao total de R$ 71
milhões recolhidos somente com o imposto. Somados, os dois Estados representaram, em 2021,
80% da arrecadação da Amazônia Legal e 38% da arrecadação de CFEM do país.
Por fim, em 2022, todas as UFs analisadas tiveram queda nos valores de CFEM, à exceção do
Amazonas, que aumentou, em um ano, de R$ 797 mil para R$ 880 mil. O Estado está bem atrás
dos demais em termos de valores arrecados, o que ocorre em razão da menor presença de áre-
as de garimpo em seu território. Ainda assim, o total arrecado na Amazônia Legal segue muito
acima dos valores de 2018 e 2019, o que confirma o salto na produção de ouro em garimpos na
região nos anos mais recentes.
• O art. 55 da Lei de Crimes Ambientais tipifica o ato de extrair pesquisa, lavra ou ex-
tração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão
ou licença, ou em desacordo com a obtida. Em suma, utiliza-se na criminalização do
garimpo que ocorre em áreas passíveis de exploração, mas em desconformidade
com os parâmetros legais.
Durante o trabalho de campo, foi possível perceber que, feita a verificação do garimpo ilegal,
o procedimento mais comum por parte das instituições que atuam como polícia judiciária é a
tipificação como crimes conexos entre o art. 55 da Lei de Crimes Ambientais e o art. 2º
da Lei 8.176/1991. Assim, quando os crimes ocorrem em territórios federais (UCs
federais e TIs), a competência para investigação dos três crimes é da Polícia A análise dos dados
Federal; quando os crimes ocorrem em terras estaduais, a competência para apresentados indica o
os crimes de extração é da Polícia Civil. A investigação do crime de usurpa- crescimento dos registros
ção, por se tratar de bem da União, é sempre de competência da polícia de inquéritos policiais federais
judiciária da União. contendo crime de extração sem
autorização e de usurpação na Amazônia
A análise dos dados apresentados nas Tabelas 29 e 30 indica o crescimen- Legal nos últimos anos. Em relação ao
to dos registros de inquéritos policiais federais contendo crime de extração crime de extração, houve aumento
sem autorização (art. 55) e de usurpação na Amazônia Legal nos últimos anos. de 93,5% em 5 anos.
Em relação ao crime de extração, houve aumento de 93,5% em 5 anos, pas-
sando de 154 inquéritos em 2018, para 298 em 2022. No Estado do Maranhão, o
aumento proporcional foi de 525%, apesar do total de inquéritos em 2022 ser de apenas
25. Já no Pará, o amento foi de 232%, além do Estado ser o responsável pela maior parte dos
registros da região. Apenas em 2022, foram 103 crimes de extração investigados.
Acre - 3 1 4 1 -
Amapá 8 3 11 7 5 -37,5
Amazonas 12 24 12 15 15 25,0
Maranhão 4 18 12 15 25 525,0
Mato Grosso 37 47 42 48 68 83,8
Pará 31 42 72 92 103 232,3
Rondônia 40 57 52 27 31 -22,5
Roraima 12 22 29 59 35 191,7
Tocantins 10 8 3 9 15 50,0
Fonte: Polícia Federal; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
(...) Informação não disponível.
( - ) Fenômeno inexistente
São os crimes de usurpação, contudo, que chamam mais a atenção em termos de quantidade
de registros. Em 2022, considerando todos os Estados da Amazônia Legal, foram 555 casos, o
que significa um aumento de 108% em relação a 2018, quando a Polícia Federal instaurou 267
inquéritos para investigar o crime. No ano de 2020 o aumento se mostrou mais representativo,
em torno de 31,5% em relação ao período anterior, o que reforça os elementos colhidos durante
o trabalho de campo e os demais dados oriundos do monitoramento de satélite a respeito da
explosão do garimpo ilegal no primeiro ano de pandemia de Covid-19.
As UFs da região mais impactadas pelo crime são o Pará, que passou de 57 inquéritos em 2018
para 134, em 2022 (+135%); Roraima, que apresentou o maior crescimento da região, de 566%,
saltando de apenas 24 registros em 2018 para 160 em 2022; e Mato Grosso, com alta de 102%,
crescendo de 52 para 105 registros em cinco anos. Os três estados juntos representaram 71,9%
do total de inquéritos na Amazônia Legal em 2022.
Acre - - 2 4 2 -
Amapá 20 8 18 15 13 -35,0
Amazonas 27 28 37 32 40 48,1
Maranhão 6 23 14 15 28 366,7
Mato Grosso 52 54 51 76 105 101,9
Pará 57 48 118 140 134 135,1
Rondônia 77 91 90 70 55 -28,6
Roraima 24 40 60 97 160 566,7
Tocantins 4 6 2 10 18 350,0
Fonte: Polícia Federal; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
(-) Fenômeno inexistente
Assim, ainda que a quantidade de fatos criminalizados no contexto de garimpo ilegal esteja
muito aquém se comparada com o número de alertas de áreas indevidamente exploradas, o
crescimento dos inquéritos da Polícia Federal nos últimos anos acompanha a mesma tendência
de aumento do garimpo. De alguma forma, portanto, a polícia judiciária da União se mostrou
atenta às mudanças em relação à expansão dos crimes de garimpo ilegal. Isso também está de-
monstrado pela quantidade de operações em relação a crimes de mineração realizadas pela PF.
Conforme se vê na Tabela 31, houve o crescimento de 426% no número de operações em toda a
Amazônia Legal, passando de 42 em 2018, para 221 em 2022. O período de maior crescimento
foi entre 2019 e 2020, com aumento de 133%; seguido do período 2021-2022 (+62,5%).
Acre - - 2 - - -
Amapá 7 - - 5 1 -86
Amazonas 11 4 13 14 19 73
Maranhão - - - 2 - -
Mato Grosso 4 3 3 16 9 125
Pará 15 10 39 36 50 233
Rondônia 2 6 10 14 34 1.600
Roraima 1 19 31 48 105 10.400
Tocantins 2 - - 1 3 50
Fonte: Polícia Federal; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
(...) Informação não disponível.
( - ) Fenômeno inexistente
No que diz respeito à atuação das polícias estaduais, por outro lado, os dados indicam que
o combate ao garimpo ilegal não tem sido uma prioridade. Os registros referentes ao art. 44,
ou seja, extrações minerais em florestas de domínio público ou consideradas de preservação
permanente, somaram apenas 49 fatos em toda a região da Amazônia Legal em 2022, o que
significa inclusive uma queda em relação a 2018, quando foram 127 registros. Aqui vale uma
observação: em 2018, os registros do Estado de Tocantins destoam, somando 82 registros para
o tipo penal em específico. Nos anos seguintes, os registros caíram consideravelmente (3 em
2019, nenhum em 2020, 3 em 2021 e 5 em 2022). Ou seja, boa parte desta queda se explica por
essa particularidade dos registros de Tocantins em 2018.
Acre - - - - 1 - - - - - - - - - 1 -
Amapá ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Amazonas 3 3 7 5 4 4 4 13 3 2 7 7 20 8 6 -14,3
Maranhão (1) ... ... 4 4 2 ... ... 1 1 1 ... ... 5 5 3 ...
Mato Grosso 11 16 20 26 12 20 28 31 37 22 31 44 51 63 34 9,7
Pará (2) 2 13 5 7 12 5 15 16 23 7 7 28 21 30 19 171,4
Rondônia 29 19 13 15 9 ... ... ... ... ... 29 19 13 15 9 -69,0
Roraima - 2 1 1 4 1 1 - 2 - 1 3 1 3 4 300,0
Tocantins 82 3 - 3 5 13 13 4 2 3 95 16 4 5 8 -91,6
Fonte: Secretarias Estaduais de Segurança Pública e/ou Defesa Social; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
(...) Informação não disponível.
( - ) Fenômeno inexistente
(1) No Maranhão, algumas cidades do Estado não estão inclusas no total de registros, em face de implantação de novo sistema de registros SIGMA/PC-MA ainda em andamento.
(2) No Pará, há registros que, apesar de serem de apuração por parte da Polícia Federal, estão inclusos nos registros estaduais, uma vez que não há Delegacias da Polícia federal em
todos os municípios do Pará.
O que os dados inéditos coletados pelo FBSP junto às instituições policiais evidenciam,
portanto, é que a atuação das polícias estaduais no registro, investigação e combate a
crimes relacionados ao garimpo ilegal ainda são muito pontuais diante do avanço desse
tipo de criminalidade. Diante disso, se registros criminais de um modo geral estão necessa-
riamente marcados por serem apenas um retrato aproximado do fenômeno da violência, nesse
caso, para além da subnotificação, os dados vão além e mostram a incapacidade institucional
das forças de segurança estaduais em agir no que se refere aos crimes do garimpo. Em rela-
ção ao desempenho da instituição policial da União, por outro lado, os indicadores, ainda que
também marcados pela subnotificação, evidenciam uma atuação mais voltada para o combate
a esses crimes.
4.2.3 Narcogarimpo
O termo “narcogarimpo” teve sua origem nas comunicações da Polícia Federal em 2021, du-
rante a Operação Narcos Gold69. Entretanto, a conexão entre narcotráfico e garimpo não chega
a ser um fenômeno inédito. Já em 1990, um relatório do Serviço Nacional de Informação (SNI)
indicou que as frentes de garimpagem na Terra Indígena Yanomami poderiam estar sendo uti-
lizadas pelo narcotráfico: “Admite-se a possibilidade de o ouro ali produzido servir para lavar
rendimentos do narcotráfico, dadas as facilidades para cruzar a fronteira”70.
Contudo, conforme já apresentado, a chegada de facções criminosas com origem no Rio de Ja-
neiro e São Paulo – Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC) – à Amazônia
Legal na última década, somado ao envolvimento com as facções locais, trouxe novos
contornos à aproximação entre as atividades de tráfico de drogas e exploração
O narcotráfico de ouro. O narcotráfico já faz uso da bacia amazônica como um espaço pri-
já faz uso da bacia vilegiado para produção, consumo e distribuição de substâncias ilícitas.
amazônica como um espaço Nesse processo, uma primeira fase de aproximação é o próprio mono-
privilegiado para produção, consumo pólio da venda dos entorpecentes para os garimpeiros utilizarem, tam-
e distribuição de substâncias ilícitas. bém como forma de aguentar as extensas jornadas de trabalho. Como
Uma segunda possibilidade de relação disse um policial: “existem facções criminosas na região de garimpo,
já estabelecida em alguns locais se dá a vendendo droga na região como acontece nas cidades” (policial civil).
partir do compartilhamento de estruturas
construídas nas diversas frentes Uma segunda possibilidade de relação já estabelecida em alguns locais
de exploração garimpeiras na se dá a partir do compartilhamento de estruturas construídas nas diversas
Amazônia. frentes de exploração garimpeiras na Amazônia, tais como pistas de pouso
e pontos logísticos, utilizadas para transporte de grandes quantidades de dro-
gas. São estruturas que vêm se tornando nexos entre essas redes criminosas. Um
exemplo clássico são aviões utilizados pelas facções criminosas para transporte das subs-
tâncias que param para reabastecimento em pontos de apoio do garimpo (pistas clandestinas).
69 Em novembro de 2021, a Polícia Federal deflagrou a Operação Narcos Gold com o objetivo principal de combater a lavagem
de dinheiro proveniente do tráfico de drogas e desarticular um grupo criminoso que atuava na região Oeste do Pará há pelo menos
três anos. O chefe do grupo criminoso já havia sido preso no Maranhão, com indícios de envolvimento com o PCC, e por liderar uma
quadrilha que envolvia policiais. O grupo criminoso liderado por ele atuava em nível interestadual e internacional, apresentando uma
estrutura estável e sofisticada, além de possuir grande quantidade de armamentos e recursos. Suas atividades incluíam assaltos a
agências financeiras e transportadoras de valores em diversas unidades da federação, além do comércio e tráfico internacional de
drogas, mantendo conexões com outras organizações criminosas. A investigação apontou que o transporte das drogas era realiza-
do por meio de aviões que partiam de outros estados em direção ao oeste do Pará, onde as drogas eram distribuídas para outras
Unidades da Federação. Além disso, foi constatado que o grupo utilizava garimpos de ouro como base para pousos e decolagens
no transporte de drogas, além de utilizar esses garimpos como fachada para a lavagem de dinheiro.
70 O documento, de 21/09/1990, está disponível digitalmente pelo Sistema de Informações do Arquivo Nacional (SIAN) com o
código de referência “BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.90074565”.
foi percebida pelas facções. A frágil cadeia de controle do ouro permite utilizar o minério para
lavagem de dinheiro proveniente do tráfico de drogas, além da possibilidade de aplicar recursos
ilícitos nas atividades de garimpo, diversificando os investimentos.
Percebendo essas vantagens, em locais como na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, faccio-
nados que se vincularam ao PCC principalmente durante o cumprimento de pena em presídios
de Roraima, quando em liberdade, entram para as áreas de mata fechada onde os garimpos es-
tão instalados para se esconder do controle policial. Nesses locais, oferecem segurança armada
aos garimpeiros e, assim, começam a estabelecer novas frentes de atuação. Pouco a pouco,
foram aprofundando a presença nos garimpos, inclusive com notícias de que estariam atuando
também na atividade fim, ou seja, na própria extração do minério.
5. Capacidades institucionais
das forças de segurança
pública na Amazônia
Em artigo intitulado “Os Síndicos da Amazônia”, Lima e Fernandes71 sintetizam o modelo teórico
que sustenta as análises contidas nesse relatório, em que propõem uma mesma chave conceitu-
al e política tanto para a análise sobre segurança pública, quanto para as discussões so-
cioambientais sobre a realidade e os rumos da Amazônia. Os autores baseiam-se
nas discussões que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública tem feito desde
Reconhecemos que a que foi desafiado, pelo Instituto Clima e Sociedade, a pensar mais detida-
Amazônia é um dos grandes ativos mente sobre segurança e Amazônia, em 202072. Por essas discussões,
geopolíticos e estratégicos do Brasil. reconhecemos que a Amazônia é um dos grandes ativos geopolíticos e
Porém, ao se debruçar sobre a região, é estratégicos do Brasil. Porém, ao se debruçar sobre a região, é notória
notória a dificuldade de se construir a dificuldade de se construir convergências sobre o papel por ela ocu-
convergências sobre o papel por pado na construção do interesse nacional e no modelo de soberania e
ela ocupado na construção do interesse desenvolvimento socioeconômico e ambiental dele derivado.
nacional e no modelo de soberania e
desenvolvimento socioeconômico e Ainda segundo a síntese feita pelos autores73 diferentes concepções
ambiental dele derivado. sobre a forma de ocupação, exploração e uso do solo disputam fortes
batalhas de legitimidade e turvam o debate político sobre a importância
do bioma para o país – autorização de garimpos em terras indígenas seria um
grande exemplo. Inimigos imaginários e reais misturam-se entre si e riscos efetivos
são obnubilados ou por doutrinas de defesa nacional desfocadas das reais ameaças ou pela
incapacidade de se construir âncoras públicas de coordenação e governança democrática de
71 LIMA, Renato Sérgio de; FERNANDES, Allan. Os síndicos da Amazônia. In.: Ameaças sem fronteiras: somos capazes de lidar com
os desafios? Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2022. Disponível em: https://www.kas.de/documents/265553/18998780/
Papers2022_Digital.pdf/02907051-d88d-818d-a376-9674d2dfeb24?version=1.0&t=1657567804044
72 Fruto dessa parceria foram publicados os estudos Cartografias das violências na região amazônica, em 2021, e Governança
e Capacidades Institucionais da Segurança Pública na Amazônia, publicado em 2022.
73 LIMA; FERNANDES, 2022.
O problema é que, na ausência de tais âncoras, vale a posição de quem controla os meios logís-
ticos e/ou de força; vale a capacidade de se estabelecer infraestruturas críticas que conectem
a população e a economia da região ao restante do país e do mundo. E, aqui, percebemos que
existe uma disputa cada vez mais forte entre as capacidades e os meios projetados pela
economia do crime, potencializadas pelo narcotráfico e pelos crimes ambien-
tais – presentes em cerca de 23% dos municípios da Amazônia Legal, que Existe uma disputa
concentram quase 58% da população amazônida – e as capacidades de cada vez mais forte entre
aplicação da lei e a infraestrutura crítica que sustenta as relações sociais as capacidades e os meios
e políticas legítimas e fundadas no Estado Democrático de Direito. É projetados pela economia do crime,
nesse plano que se faz importante analisar a capacidade institucional potencializadas pelo narcotráfico
de aplicação da lei instalada na Amazônia Legal; analisar como as for- e pelos crimes ambientais e as
ças de segurança pública e as Forças Armadas estão estruturadas e capacidades de aplicação da lei e a
quais são os recursos disponíveis. infraestrutura crítica que sustenta as
relações sociais e políticas legítimas e
Lima e Fernandes (2022) também destacam que, diante da escala e do fundadas no Estado Democrático
tamanho dos problemas da região, aliado às questões federativas peculia- de Direito
res ao Brasil, as capacidades estatais e as políticas públicas na região ficam
fortemente dependentes e/ou subordinadas à lógica militar das Forças Armadas da
União e, em uma faixa de menor visibilidade, mas de enorme impacto na gestão cotidiana
da vida da população da região, à lógica das polícias militares estaduais. Serão os efetivos das
forças militares federais e estaduais que irão garantir a presença estatal permanente na região
e darão suporte/lastro a operações policiais e/ou fiscalização e controle do uso do território.
Isso deveria colocar tais instituições no centro do debate sobre a Amazônia. A forma como elas
atuam – ou deixam de atuar – e as doutrinas que sustentam seus valores e suas visões acerca
de seus papéis e missões na construção do interesse nacional precisam ser mais bem explo-
rados e debatidos. O fato é que os compromissos e as metas socioambientais que envolvam a
Amazônia só serão efetivamente cumpridas quando em diálogo com as Forças Armadas e quan-
do as políticas de segurança pública as considerarem enquanto objetivos da atividade policial
(prevenção e repressão qualificada).
Por esta perspectiva, este capítulo busca apresentar um detalhamento sobre as capacidades
institucionais e os meios de força e mobilidade à disposição das forças de segurança pública
que atuam na Amazônia. Trata-se de um esforço de complexa operacionalização, pois esbarra
na ausência de dados padronizados e, ao mesmo tempo, da baixa disposição das instituições
em revelar seus recursos estratégicos76. Mas, não obstante estes obstáculos, é possível per-
ceber que as forças de segurança nos estados da Amazônia Legal enfrentam questões muito
díspares quando comparadas aos demais estados do país.
Fazer segurança pública em uma região que concentra mais de 60% do território nacional, com
enormes áreas a serem cobertas, exige procedimentos e recursos logísticos e de equipamentos
completamente diferentes daqueles necessários para prover segurança em outras regiões do
país. E, nesse cenário, a coordenação interagências é o elemento principal a ser considerado.
Mas, quais são as agências que atuam na Amazônia para a segurança pública, fiscalização am-
biental e defesa nacional?
No quadro abaixo é possível visualizar as instituições que atuam nas áreas da segurança, nas
forças armadas, na fiscalização ambiental e demais órgãos colateralmente envolvidos, como,
por exemplo, Banco Central do Brasil, Agência Nacional de Mineração e Funai.
Quadro
13
Instituições atuantes na segurança pública e fiscalização ambiental na Amazônia
Área de atuação Instituição Mandato do órgão em relação aos crimes ambientais e criminalidade de modo geral
Os estados adotam diversas modelagens organizacionais para a gestão da segurança pública, mas, em geral, contam com uma secretaria
Secretaria de
específica para o tema que pode, ou não, cuidar de assuntos correlatos, como a questão penitenciária. A função central desse órgão é a
Segurança Pública
coordenação das forças policiais estaduais e a sua articulação com o Governador e demais pastas do governo.
Polícia estadual de natureza ostensiva responsável pela preservação da ordem pública de modo geral. É competente para atuar ostensivamente na
ocorrência de crimes ambientais em áreas que não sejam Terras Indígenas ou Unidades de Conservação Ambiental da União, sobretudo em casos
de flagrante. Podem atuar em apoio às estruturas dos órgãos ambientais, conferindo segurança aos agentes do Ibama ou ICMBio.
Polícia Militar (PM)
Geralmente contam com batalhões especializados na fiscalização de ilícitos ambientais (Polícia Ambiental) destinadas à atuação em áreas
estaduais. As Polícias Ambientais também podem atuar conferindo segurança aos agentes do Ibama ou ICMBio no momento da fiscalização
ambiental, coibindo atividades que degradam o meio ambiente e em cooperação com o Ministério Público na instrução de ações penais ou civis.
Polícia judiciária estadual responsável pela apuração de infrações penais que não sejam de competência federal. São encarregadas de investigar
crimes, em busca de indícios de autoria, materialidade, dinâmica e motivação dos fatos, e encaminhar as informações ao Ministério Público, que é
quem decidirá pela proposição de uma ação penal.
Nos casos de homicídios ocorridos dentro de TI, a competência recai sobre a polícia civil quando não se tratar de crime que envolve disputa sobre
Polícia Civil (PC)
direitos indígenas (Art. 109 da CF). Assim, por exemplo, homicídios em que a vítima é um garimpeiro, a priori, é competência da Polícia Civil. Já
homicídio cometido dentro de TI cujo autor seja um garimpeiro, e a vítima um indígena, seria de competência federal.
As Polícias Civis da Amazônia Legal contam com delegacias especializadas no combate aos crimes ambientais. À exceção do Pará, onde existem
três delegacias desse tipo, todas as demais UF’s da região dispõem de apenas uma delegacia com tal especialidade.
Podem estar vinculadas às Polícias Civis ou constituírem corpo técnico especializado com autonomia do órgão policial. São responsáveis pela
Polícia técnica/ Perícia produção da prova material necessária à instrução de uma investigação criminal, por meio da realização de exames técnicos de diversas áreas
periciais como balística, local de crime, medicina legal. Têm competência legal para realizar exames e produzir laudos sobre danos ambientais.
É a polícia judiciária da União e tem bastante protagonismo na região amazônica uma vez que, dentre suas competências, estão a investigação
de crimes federais como o tráfico de drogas, o crime organizado, a corrupção, crimes ambientais que envolvam interesses da União, crimes em
Segurança áreas indígenas ou crimes transnacionais. Nos limites das TIs e UCs de Proteção Federal, por serem territórios da União, é a polícia judiciária mais
Pública atuante. Na gestão federal do atual governo, a Polícia Federal passou por uma reformulação em seu organograma, com a criação da Diretoria da
Polícia Federal (PF) Amazônia e Meio Ambiente (DAMAZ/PF). Até então, os assuntos relativos ao tema estavam submetidos a uma Coordenadoria (Coordenação-Geral
de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente e o Direitos Humanos), vinculada à Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado e à
Corrupção (DICOR/PF). A mudança nessa estrutura significou, portanto, que o tema da Amazônia e Meio Ambiente ganhou relevância, com estrutura
mais robusta nesta gestão.
A PF também é a responsável pelos serviços de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras.
Realiza o patrulhamento ostensivo das rodovias federais, atividade fundamental para a prevenção e a repressão a crimes como o tráfico de drogas
Polícia Rodoviária e o transporte de cargas ilegais como madeira e minérios. A partir de solicitação do Ibama e do ICMBio, pode atuar como força de segurança em
Federal (PRF) apoio aos fiscais ambientais. Nesses casos, atua como polícia ostensiva no interior das TIs e UCs de Proteção Federal, em operações coordenadas
pelo Ibama ou ICMBio.
Polícia Penal (Estadual Foram criadas em 2019 com a transformação do corpo de agentes prisionais em uma nova força policial responsável por cuidar da custódia de
ou Federal) presos e segurança dos presídios.
Trata-se de um programa de cooperação interfederativa, coordenado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, que permite a mobilização
de policiais estaduais para realizar atividades de preservação à ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio e atuar em situações
de emergência. Pode atuar em qualquer parte do território nacional mediante solicitação expressa do respectivo Governador de Estado, do Distrito
Federal ou de Ministro de Estado. Desde 2013 conta com uma unidade ambiental que tem como objetivos:
I - apoiar as ações de fiscalização ambiental desenvolvidas por órgãos federais, estaduais, distritais e municipais na proteção do meio ambiente;
Força Nacional de
Segurança Pública II - atuar na prevenção a crimes e infrações ambientais;
(FNSP)
III - executar tarefas de defesa civil em defesa do meio ambiente;
IV - auxiliar as ações da polícia judiciária na investigação de crimes ambientais; e
V - prestar auxílio à realização de levantamentos e laudos técnicos sobre impactos ambientais negativos.
É normatizada pela Lei 11.473/2007 e pelo Decreto 5.289/2004.
continua
Área de atuação Instituição Mandato do órgão em relação aos crimes ambientais e criminalidade de modo geral
A Lei Complementar 136/2010 (que alterou a LC 97/1999) estabelece em seu art.16-A a atuação preventiva e repressiva das Forças Armadas na faixa
de fronteira terrestre, no mar e nas águas interiores contra delitos transfonteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros
órgãos, pelo exercício do patrulhamento (I), da revista de pessoas, veículos, embarcações e aeronaves (II), prisões em flagrante delito (III). Nas
faixas de fronteira (150km das divisas com países estrangeiros), as Forças Armadas, incluindo o Exército, atuam como polícia ostensiva.
No art.16 da LC 97/1999, determina-se a atribuição subsidiária geral para a cooperação com o desenvolvimento nacional e com a defesa civil.
O Decreto 2.959/1999 estabelece a participação dos Comandos Militares na Força-Tarefa, para o monitoramento, a prevenção, a educação
ambiental e o combate a incêndios florestais na Amazônia Legal.
Exército O Decreto 3.897/2001 fixa as diretrizes para o emprego das Forças Armadas nas missões de GLO. Nos casos das missões de Garantia da Lei e
Ordem, recebem provisoriamente as faculdades de atuar com poder de polícia no território designado até o restabelecimento da normalidade. A
decisão sobre o emprego das tropas é feita pela Presidência da República, por motivação ou não dos governadores ou dos presidentes dos demais
Poderes constitucionais.
O Decreto 11.575/2023, dispõe sobre a atuação do Ministério da Defesa no enfrentamento da Emergência em Saúde Pública de Importância
Nacional e no combate ao garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami (TIY). A normativa estabelece que as FAAs poderão atuar na execução
de ações repressivas contra delitos na faixa de fronteira terrestre e nas águas interior da TIY, além de atuarem no fornecimento de dados de
Forças Armadas inteligência e no transporte áreo e logístico das equipes da Polícia Federal, Ibama e demais órgãos no interior da TIY para combate à mineração
ilegal nessa região.
Nas faixas de fronteira (150km das divisas com países estrangeiros), atua como polícia ostensiva, conforme Lei Complementar 136/2010.
A Lei 9.537/1997 (LESTA) e o Decreto 2.596/1998 (R-LESTA) definem a competência administrativa da Marinha de Inspeção Naval (art. 2º, VII), restrita
à salvaguarda da vida humana, à segurança da navegação, à prevenção da poluição ambiental por parte das embarcações ou instalações de
Marinha
apoio.
O Decreto 5.129/2004 define a competência da Patrulha Naval, sob a responsabilidade do Comando da Marinha, para implementar e fiscalizar o
cumprimento de leis e regulamentos, em águas jurisdicionais brasileiras.
Nas faixas de fronteira (150km das divisas com países estrangeiros), atuam como polícia ostensiva, conforme Lei Complementar 136/2010.
A Lei 7.565/1986 prevê a hipótese de destruição de aeronave, quando esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, após a autorização do
Presidente da República ou autoridade por ele delegada (art.303, § 2º).
Aeronáutica
O Decreto 11.405/2023 que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional e de combate
ao garimpo ilegal no território Yanomami determina em seu art.2º que o Comando da Aeronáutica está autorizado a criar Zona de Identificação de
Defesa Aérea sobre o espaço Yanomami, onde poderá adotar as medidas necessárias para combater os tipos de tráfego aéreo ilícito.
Área de atuação Instituição Mandato do órgão em relação aos crimes ambientais e criminalidade de modo geral
É autarquia vinculada ao Ministério do Meio Ambiente que tem como principais atribuições exercer o poder de polícia ambiental e executar ações
das políticas nacionais de meio ambiente (licenciamento ambiental, controle de qualidade ambiental, autorização do uso de recursos naturais,
fiscalização, monitoramento e controle ambiental).
Cabe ao Ibama exercer o poder de polícia ambiental e executar as ações nacionais de meio ambiente referentes à fiscalização, monitoramento e
controle ambiental, dentre outras funções, conforme previsto na Lei 7.735/1989.
Ibama O Regulamento Interno de Fiscalização Ambiental (Portaria do Ibama 24/2016) estipula as autoridades competentes para realizar ou determinar
ação de fiscalização ambiental por meio dos Agentes Ambientais Federais (AAF).
Durante os atos fiscalizatórios em garimpos ilegais, os agentes do Ibama possuem competência para a destruição e maquinário, conforme
Fiscalização estabelece a Instrução Normativa Conjunta MMA/Ibama/ICMBIO No 1, de 12 de abril de 2021. A normativa indica o procedimento legal para os casos
Ambiental de destruição de equipamentos, como a necessidade de vir acompanhada de relatório que exponha as circunstâncias que justificam a destruição
ou inutilização, subscrito por no mínimo dois servidores do órgão ambiental federal autuante (art.37, inciso II).
Autarquia criada em 2007 e vinculada ao Ministério do Meio Ambiente tem como principal função o poder de polícia ambiental dentro de Unidades
de Conservação de Proteção Federal. Além disso, podem executar ações da política nacional de Unidades de Conservação da natureza; executar
ICMBio as políticas relativas ao uso sustentável dos recursos naturais renováveis e ao apoio ao extrativismo e às populações tradicionais nas Unidades de
Conservação; e executar os programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade e de educação ambiental. Não possui
autorização para atuar em Terras Indígenas, apenas nos territórios fronteiriços de UCs Federais.
Realizam a responsabilização administrativa dos responsáveis pelos ilícitos ambientais de competência estadual, normalmente por meio de multas
Secretaria Estadual do
ou obrigações de fazer. À exceção do Pará, onde a competência é das Secretarias Municipais de Meio Ambiente, nas demais UFs o licenciamento
Meio Ambiente
ambiental necessário à autorização para garimpagem é de competência do órgão estadual de fiscalização ambiental.
continua
Área de atuação Instituição Mandato do órgão em relação aos crimes ambientais e criminalidade de modo geral
É uma Fundação que existe desde 1967, vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, que é a coordenadora e principal executora da
política indigenista do Governo Federal.
É responsável por promover estudos de identificação e delimitação, demarcação, regularização fundiária e registro das terras tradicionalmente
Funai ocupadas pelos povos indígenas, além de monitorar e fiscalizar as terras indígenas. A Funai também coordena e implementa as políticas de
proteção aos povos isolados e recém-contatados.
A lei de criação da Fundação prevê, dentre suas competências, “exercitar o poder de polícia nas áreas reservadas e nas matérias atinentes à
proteção do índio”, porém o poder de polícia da Funai nunca foi regulamentado o que, na prática, limita a atuação do órgão.
Outros órgãos
Agência Nacional de Responsável por fiscalizar a atividade de mineração, podendo autuar infratores, interditar e paralisar atividades, impor sanções, dentre outras
Mineração competências. É responsável por conceder permissão estatal ao ente privado interessado em explorar minérios. Criada pela Lei 13.575/2017.
Responsável por fiscalizar o ouro no momento em que entra no mercado financeiro através do Posto de Compra de Ouro (DTVM), que são braços
das Instituições Financeiras. A Lei 12.844/2013 determina que o ouro das áreas de garimpo deverá ser necessariamente comercializado por uma
Banco Central do Brasil instituição autorizada pelo Banco Central, constituindo-se como uma DTVM (Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários). A Lei 4.595/1964, que
dispõe sobre a política das instituições monetárias, dispõe que compete privativamente ao Banco Central da República do Brasil: (...) IX - Exercer a
fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas.
Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Considerando as atribuições de cada instituição, os dados que serão apresentados a seguir aju-
dam a construir um panorama sobre quais as condições de efetivo, salário, unidades instaladas
e equipamentos disponíveis em relação às polícias estaduais, Polícia Federal e Polícia Rodoviá-
ria Federal. Além disso, acrescenta-se dados sobre unidades do Ibama e ICMBio.
As Polícias Civis são o elo de ligação dos sistemas de segurança pública e de justiça criminal do
país e, portanto, são peças-chave para o esclarecimento de crimes e redução da impunidade.
Na Amazônia Legal, foram mapeadas 1.249 delegacias, sendo 946 não especializadas e 303
especializadas. Estados como Roraima, por exemplo, possuem apenas 53 delegacias, enquanto
no Acre, são apenas 39.
Em relação às especializadas, são apenas 53 em toda a região que dizem respeito às temáticas
abordadas nesse relatório, com destaque para o Pará e Tocantins que contam, cada um, com 14
Unidades desse tipo. Já no Maranhão, há apenas uma delegacia especializada de interesse e,
em Rondônia, 2.
Acre 3 12 24 39 1 8 9 1
Amapá 6 16 28 50 1 28 29 2
Amazonas 3 18 101 122 1 69 70 3
Maranhão 1 34 241 276 1 37 38 16
Mato Grosso 4 39 118 161 4 256 260 3
Pará 14 46 199 259 4 75 79 11
Rondônia 2 30 70 102 8 57 65 19
Roraima 6 21 26 53 1 14 15 3
Tocantins 14 34 139 187 1 25 26 43
Fonte: Polícias Civis dos Estados; Polícias Militares dos Estados; Fórum Brasileiro de Segurança Pública
(1) As classificações de interesse incluíram órgãos relacionados à conflitos agrários, meio ambiente, crime organizado, corrupção, lavagem de dinheiro e drogas/entorpecentes.
Assim, em relação aos temas abordados com mais ênfase neste relatório, a Polícia Civil dos nove
estados está mais bem equipada nas UFs da região para o combate ao crime organizado e ao
narcotráfico. São 16 delegacias de combate ao crime organizado somados todos os estados,
sendo que há disparidades já que no Tocantins existem 9 Unidades desse tipo e no Maranhão,
nenhuma Unidade. Delegacias de combate às drogas e entorpecentes, por sua vez, são 11 em
toda a região, mas, novamente, não há Unidade do tipo no Maranhão ou em Rondônia.
Amazônia Legal 11 7 1 16 6 2 11
Acre 1 - - 1 1 - 1
Amapá 1 - - 2 1 1 1
Amazonas 1 - - 1 - - 1
Maranhão 1 - - - - - -
Mato Grosso 1 - - 1 1 - 1
Pará 3 5 1 1 1 1 2
Rondônia 1 1 - - - - -
Roraima 1 - - 1 1 - 3
Tocantins 1 1 - 9 1 - 2
Fonte: Polícias Civis dos Estados; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
(-) Fenômeno inexistente.
O que nos chama atenção é a ausência de delegacias de conflitos agrários em estados que
estavam entre os que mais registraram conflitos agrários no último ano: Maranhão, Mato
Grosso e Amazonas. De acordo com o relatório da Comissão Pastoral da Terra, os três
estados registraram, respectivamente, 177, 147 e 152 conflitos por terra em 2022.
Quando calculada
No Brasil, o total de conflitos por terra, segundo o levantamento, foi de 1.50077.
a média do efetivo pela
O estado do Maranhão, inclusive, é o único que possui apenas uma delegacia
população, constata-se que há
especializada, de meio ambiente. Em comparação ao restante, com exceção
um policial civil para cada
de Rondônia, que possui duas especializadas (meio ambiente e conflitos
1.877 habitantes, considerando
agrários), os estados dispõem de, ao menos, três delegacias especializadas
todos os estados que compõem a
de interesse.
Amazônia Legal. Os cenários mais
preocupantes são no Pará e no
Outro dado que ajuda na compreensão da capacidade de reação do Esta-
Mato Grosso.
do em termos de investigação das dinâmicas da criminalidade ambiental e do
crime organizado é o efetivo na ativa das polícias civis da região. Segundo dados
inéditos coletados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública a respeito do efetivo po-
licial em 2023, são 14.805 policiais civis atuando na Amazônia Legal, sendo 2.231 delegados,
3.158 escrivães e 9.416 investigadores/agentes.
Quando calculada a média do efetivo pela população, constata-se que há um policial civil para
cada 1.877 habitantes, considerando todos os estados que compõem a Amazônia Legal. Aqui, o
raciocínio que precisa ser feito é: quanto mais habitantes por policial, menos guarnecida estaria
a população. Nesse sentido, os cenários mais preocupantes são no Pará, onde existem 3.449
habitantes por policial, e no Mato Grosso, onde a razão é de 2.887. Em Roraima, por sua vez, são
492 habitantes por policial.
Contudo, dada a extensão dos territórios de algumas dessas UFs, outra comparação que pode
ajudar a compreender o cenário de atuação policial diz respeito ao efetivo por km2. Nesse caso,
o raciocínio é semelhante: quanto mais km2 por policial, menos guarnecida estaria a população.
Os resultados indicam a existência de 339 km2 por policial na Amazônia Legal em 2023. Em que
pese os dados atualizados referentes ao total do efetivo no país ainda não tenha sido produzi-
dos78, a título de contextualização, é possível comparar com a razão de km2 por policial no país
em 2022. No ano, esse total foi de 93 km2 por policial civil79. Ou seja, em termos de cobertura
territorial, a carência de policiais civis é quase 4 vezes maior do que no país como tudo.
Um argumento possível para explicar essa disparidade diz respeito à existência, na Amazônia
Legal, de territórios cuja proteção é de competência da União, como Terras Indígenas. Nesses
locais, em que pese as polícias civis possam atuar a depender do crime80, investigações de
casos de violências que vitimizam a população indígena habitante no local são comumente
transferidas à Polícia Federal. Contudo, mesmo excluindo os territórios de TIs na região, a razão
entre km2 e policiais civis na Amazônia Legal é de 260, o que continua sendo mais do que o
dobro da razão observada no país como um todo.
78 No capítulo metodológico, ao final desta publicação, indica-se que os dados de efetivos da Amazônia Legal em 2023 foram
adiantados. As informações completas, referentes a todas as UFs e total no país serão divulgadas pelo FBSP na publicação Mapa
das Polícias 2023, a ser lançada em breve.
79 Dados divulgados em Capacidades Institucionais da Segurança Pública na Amazônia.
80 As polícias estaduais (PM e PC) podem atuar nos crimes que não envolvam disputas pelos direitos indígenas, enquanto a PF é
a polícia competente para as investigações de delitos que atinjam esses direitos. Essa definição, na prática, passa por um processo
de interpretação dos agentes envolvidos, podendo sofrer revisões futuras pelos órgãos judiciais que são, ao fim e ao cabo, os res-
ponsáveis por dirimir os conflitos de competência. Não é raro, então, que os agentes se deparem com investigações em paralelo de
órgãos estaduais e federais.
Tabela Efetivo da ativa das Polícias Civis nos Estados da Amazônia Legal, por cargo
35 Estados da Amazônia Legal - 2023 (1)
Amazônia Legal - Total 2.231 3.158 9.416 14.805 1.877 339 260
Em relação à capacidade das Perícias, são 101 Unidades na Amazônia Legal, contabilizando
Institutos Médicos Legais, Institutos de Criminalística e demais Unidades periciais (Tabela 36).
Chama atenção que, no Acre, por exemplo, há apenas uma Unidade, no Amapá apenas 2 e no
81 https://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2023/09/29/convocacao-para-posse-dos-concluintes-no-curso-de-formacao-da-poli-
cia-civil-e-publicada.ghtml
Amazonas, em Mato Grosso e em Roraima, apenas 3. O Estado mais bem guarnecido em termos
de Unidades periciais é o Tocantins, com 43 Unidades.
Em relação ao efetivo, são apenas 2.358 profissionais de perícia na Amazônia Legal, o que
significa uma média de 12.101 habitantes por profissional e 2.127 km2 por profissional. Assim
como no caso da Polícia Civil, o efetivo da Perícia está em uma situação de maior carência no
Maranhão, onde há um profissional para cada 31 mil habitantes, a maior disparidade entre os
estados da Amazônia Legal. No estado do Amazonas também sinaliza problemas em termos de
carência na perícia forense, na medida em que pode contar com um perito para 24 mil habitan-
tes, ou para cada 9.807 km2.
Tabela Efetivo da ativa das Perícias Técnicas nos Estados da Amazônia Legal, por cargo
36 Estados da Amazônia Legal - 2023 (1)
Amazônia Legal - Total 501 618 1.239 2.358 12.101 2.127 1.633
Para suprir essas carências, muitas vezes se recorre a improvisos e adaptações nem sempre
aceitas juridicamente, como em alguns locais no interior do Pará, por exemplo, onde informa-
ções coletadas durante o trabalho de campo deram conta da existência de “perícias
indiretas”, que consiste na produção de imagens fotográficas e filmagens por parte
de policiais militares de vítimas fatais para que sejam enviadas ao Instituto de
É quando observamos a
Perícia para a elaboração dos laudos técnicos. Isso ocorre porque há locais
presença de policiais militares
inacessíveis aos profissionais de perícias, por exemplo, locais em que é ne-
na extensão do território que fica
cessário possuir veículo traçado para adentrar, como áreas de garimpo no
evidente a carência de efetivo na
interior da floresta amazônica.
região. São 83 km² por policial
na Amazônia Legal, enquanto
O cenário da Polícia Militar não difere tanto das outras duas instituições apre-
no Brasil esse valor cai para 21
sentadas. Em relação às Unidades – Batalhões – a Tabela 37 indica a existência
km² por policial.
de 591 batalhões em toda a Amazônia Legal, sendo destes apenas 22 específi-
cos de policiamento ambiental. Estados como Mato Grosso e Pará se destacam por
possuírem 4 batalhões especializados, além de Rondônia, onde existem 8. Nas demais
UFs constam apenas um batalhão de policiamento ambiental, o que indica a falta de estrutura
do órgão militar no policiamento ostensivo referente à criminalidade ambiental.
Em relação ao efetivo de policiais militares, são pouco mais de 60 mil servidores da ativa em
toda a Amazônia Legal. Considerando os dados do total Brasil já publicados referentes ao ano
de 2022, quando se observa a razão entre habitantes por policial para todo o Brasil o cenário na
região é até melhor: são 460 habitantes para cada policial na Amazônia, contra 525 em todo o
país. Contudo, é quando observamos a presença de policiais na extensão do território que fica
evidente a carência de efetivo na região. São 83 km2 por policial na Amazônia Legal, enquanto
no Brasil esse valor cai para 21 km2 por policial.
Além disso, assim como visto em relação à Polícia Civil e Perícia, o Maranhão continua sendo o
estado com maior número de habitantes por policial (615), seguido pelo Mato Grosso, com 542.
Entretanto, quando analisamos a razão territorial, sem considerar as áreas de TIs, de competên-
cia da Polícia Federal, o cenário se altera um pouco: o Amazonas desponta como o estado com
maior área por policial (133km2), seguido pelo estado do Mato Grosso, onde há um policial para
cada 111km². As UFs mais bem guarnecidas, por este parâmetro, são o Maranhão (um policial
para cada 21 km2) e Rondônia (um policial para cada 38km2).
A comparação com os dados de efetivos referentes ao ano anterior não apresenta maiores
mudanças, passando de um total de 59.529 policiais militares em 2022 para 60.381 em 2023.
Tabela Efetivo da ativa das Polícias Militares nos Estados da Amazônia Legal, por patente
37 Estados da Amazônia Legal - 2023 (1)
Amazônia Legal - Total 15.371 11.282 22.338 2.121 2.794 1.161 895 809 312 813
Acre 2.540 327 65 55 Fonte: Portais da Transparência dos Estados e do Distrito Federal;
Amapá 3.109 236 46 42 Secretaria de Administração e Gestão do Amazonas; Secretaria
de Estado de Administração do Amapá; Secretaria de Estado de
Amazonas 8.250 478 189 133 Planejamento, Orçamento e Gestão de Rondônia; Fórum Brasileiro de
Maranhão 11.022 615 24 21 Segurança Pública.
Mato Grosso 6.752 542 134 111 (-) Fenômeno inexistente.
(...) Informação não disponível.
Pará 17.734 458 70 53
(1) Posição dos dados em março/2023.
Rondônia 4.955 319 48 38 (2) Inclui Primeiro Sargento, Segundo Sargento e Terceiro Sargento.
Roraima (4) 2.485 256 90 48 (3) Inclui Primeiro Tenente e Segundo Tenente.
Tocantins 3.534 428 79 71 (4) O Estado de Roraima não desagrega todo o efetivo por patente.
Para além das Polícias Civil e Militar e das Perícias Técnicas importa observar a presença na
Amazônia Legal de outras instituições da segurança, sobretudo as polícias da União. Como já
dito, a presença dos órgãos federais é de extrema importância na região, uma vez que as in-
vestigações contra crimes que atinjam os direitos dos povos indígenas e/ou terras da União é a
priori de competência da Polícia Federal que também é a instituição policial com maior capaci-
dade técnica para proceder em investigações mais robustas contra a criminalidade organizada,
inclusive internacional. Quando observamos os dados referentes à presença da Polícia Federal
na Amazônia Legal, contudo, o que se observa é a presença de um número muito restrito de
Unidades, principalmente no interior dos estados.
Total de Unidades
Estados da Amazônia Polícia Federal (1) Polícia Rodoviária Federal (2)
Legal
Capital Interior Total Capital Interior Total
Amazônia Legal 33 25 58 23 74 97
Acre 6 4 10 3 1 4
Amapá 4 1 5 2 2 4
Amazonas 4 1 5 3 3 6
Maranhão 4 2 6 3 14 17
Mato Grosso 4 5 9 1 21 22
Pará 2 6 8 1 15 16
Rondônia 4 3 7 4 12 16
Roraima 4 2 6 3 - 3
Tocantins 1 1 2 3 6 9
Fonte: Polícia Federal; Polícia Rodoviária Federal; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
(-) Fenômeno inexistente
(1) Inclui Superintendências, Delegacias, Unidades de Atendimento e Postos Avançados
(2) Inclui Superintendências, Delegacias e Unidades Operacionais
As Forças Armadas também estão presentes na região, sendo o Exército o maior expoente, com
109 unidades localizadas, principalmente no estado do Amazonas. A Marinha e a Aeronáutica
também se concentram com maior ênfase nesse estado, embora com menos unidades quando
comparadas ao Exército.
Acre 3 1 1 5
Amapá 3 2 2 7
Amazonas 33 15 12 60
Maranhão 13 2 2 17
Mato Grosso 15 3 3 21
Pará 14 11 8 33
Rondônia 15 2 5 22
Roraima 9 1 2 12
Tocantins 4 1 - 5
Fonte: Exército Brasileiro; Força Aérea Brasileira; Marinha do Brasil; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
(-) Fenômeno inexistente
(1) Considera-se unidades operacionais. Excluem-se hospitais e escolas militares, bem como núcleos
administrativos.
Assim, de nada adianta a UF poder contar com um número alto de policiais se eles não possuem
os meios necessários para acessar os locais onde está ocorrendo a criminalidade ambiental ou
mesmo outros tipos de crimes, como homicídios e tráfico de drogas. Assim, ocorre, com frequ-
ência, a necessidade de deslocamento por outros modais, fora o terrestre. Em algumas locali-
dades, distantes e permeadas pela floresta amazônica preservada e por bacias hidrográficas,
só é possível chegar com barcos ou aeronaves, que precisam estar à disposição das polícias e
das secretarias de segurança pública para garantir sua pronta resposta quando acionadas. O
que ocorre, entretanto, é o baixíssimo número de veículos alternativos disponíveis às polícias da
região, conforme fica claro na tabela a seguir.
Aeronaves Helicópteros
Ns. Absolutos
Estados da Amazônia
Legal Secretaria de Secretaria de
Segurança Polícia Civil Polícia Militar Segurança Polícia Civil Polícia Militar
Pública Pública
Amazônia Legal 19 1 0 24 0 0
Embarcações
Estados da Amazônia Ns. Absolutos
Legal Secretaria de Polícia Civil Polícia Militar
Segurança Pública
Acre - 3 16
Amapá (2) - 4 23
Amazonas (3) 12 ... ...
Maranhão - 1 8
Mato Grosso (3) 47 ... ...
Pará 83 22 40
Rondônia - - 56
Roraima ... ... ...
Tocantins (3) 1 ... ...
Fonte: Secretarias de Segurança Pública e/ou Defesa Social; Polícias Civis; Polícias Militares; Fórum Brasileiro
de Segurança Pública.
(...) Sem informação
(-) Fenômeno inexistente
(1) Inclui barcos, lanchas e similares
(2) O Corpo de Bombeiros informou um toal de 14 embarcações.
(3) O numero disponibilizado refere-se aos equipamentos à disposição da Secretaria de Estado de Segurança
Pública e suas unidades vinculadas.
Em relação às viaturas existentes, os dados da Tabela a seguir indicam que, apesar de haver
uma maior cobertura de equipamentos, há ainda carências importantes sobretudo no que se
refere às viaturas traçadas disponíveis às Polícias Civis. São apenas 760 veículos desse tipo para
toda a Amazônia Legal, com Estados como o Amapá dispondo de apenas 20. A importância des-
se tipo de viatura para a Polícia Civil se justifica para que delegados, investigadores e agentes
possam acessar locais de difícil acesso para que realizem diligências investigativas em locais de
homicídio, por exemplo. Na atual forma como os instrumentos estão distribuídos, muitas dessas
tarefas ficam a cargo dos policiais militares, justamente por terem condições de acessar esses
locais, subvertendo funções e levando a possíveis problemas na legalidade desses atos.
Além dos equipamentos disponíveis às forças estaduais de segurança, também foram coletadas
as mesmas informações a respeito das polícias da União. No caso da Polícia Rodoviária Federal,
o cenário é semelhante ao que se observa em relação às Secretarias de Segurança e polícias
estaduais. Viaturas, inclusive as de tração, estão disponíveis em todos os estados da Amazônia
Legal, concentrando, quando comparamos à toda frota brasileira da instituição federal, 16% do
total. Ou seja, ainda há uma distribuição desigual em termos de recursos disponíveis para região
amazônica se comparado com o restante do país. Além disso, não há informação de embarca-
ção, helicóptero ou aeronave disponíveis nos estados específicos. No total Brasil, a PRF dispõe
de 16 helicópteros e 01 aeronave, gerenciados de modo a garantir mobilidade nacional e alocá-
-los de acordo com as demandas do país todo.
Viaturas de
Tração (1) Viaturas - Total Embarcações Aeronaves Helicópteros
Brasil e Amazônia Legal
Ns. Absolutos
Acre 24 31 - - -
Amapá 35 42 - - -
Amazonas 45 58 - - -
Maranhão 82 101 - - -
Mato Grosso 115 141 - - -
Pará 117 161 - - -
Rondônia 104 128 - - -
Roraima 38 56 - - -
Tocantins 35 48 - - -
Fonte: Polícia Rodoviária Federal; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
(-) Fenômeno inexistente
(1) Inclui 4x4 e similares
(2) A PRF informou, também, que há equipamentos disponíveis não designados a nenhuma Unidade Federal em específico,
sendo: 342 viaturas, dessas 215 são de tração, e 6 helicópteros. Sobre o total de aeronaves e helicopteros para o Brasil,
respectivamente, 1 e 16, os dados informados pela PRF não foram desagregados por UF.
Viaturas de
Tração (1) Viaturas - Total Embarcações Aeronaves Helicópteros
Brasil e Amazônia Legal
Ns. Absolutos
Outras instituições, para além das polícias, também estão presentes e, de alguma forma, fazem
parte da governança da segurança pública nos estados da Amazônia Legal. As mais centrais
são, evidentemente, os órgãos de fiscalização ambiental a nível federal, como Ibama e ICMBio.
Em relação à distribuição dos órgãos, enquanto o Ibama tem mais unidades concentradas no
Mato Grosso e no Pará, o ICMBio concentra suas unidades no Pará, conforme é possível visua-
lizar na tabela 45.
A diferença em termos de quantidade de unidades se explica uma vez que o ICMBio está
organizado em Unidades locais para cobrir as Unidades de Conservação de Proteção Federal
de todo o país. Assim, são estruturas menores, mas mais descentralizadas. Já o Ibama se
organiza em Unidades com maior abrangência, organizando operações descentralizadas a
partir desses locais.
Acre 6 10
Amapá 5 6
Amazonas 4 25
Maranhão 6 11
Mato Grosso 7 5
Pará (3) 7 42
Rondônia 6 24
Roraima 5 7
Tocantins 4 ...
Fonte: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis; Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade; Fórum Brasileiro de Segurança Pública
(...) Informação não disponível
(1) Inclui Superintendências, Divisões, Unidades Técnicas, Gerências Executivas e Centros de
Triagem de Animais Silvestres
(2) Inclui o total de Unidades de Conservação com estrutura de gestão implementada
(3) Além das Unidades de Conservação de gestão única, inclui a Gerência Regional 1 -
Região Norte, com sede em Belém, e a Unidade Especial Avançada Itaituba que engloba a
gestão de 12 Unidades de Conservação.
Amazônia Legal 1 12 3 13 29
Acre - 1 - 3 4
Amapá - 1 - 2 3
Amazonas - 1 2 1 4
Maranhão - 1 - 1 2
Mato Grosso - 1 - 1 2
Pará 1 4 1 2 8
Rondônia - 1 - 1 2
Roraima - 1 - 2 3
Tocantins - 1 - - 1
Fonte: Receita Federal; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
(1) Não inclui Unidades de Atendimento ao Contribuinte.
(2) Inclui Delegacias (DRF) e Delegacias de Julgamento (DRJ).
Por fim, para além dos dados de equipamentos e unidades, entender a capacidade estatal na
Amazônia Legal passa por compreender também a atuação do Ministério da Justiça e Segu-
rança Pública, de modo integrado com demais órgãos, na medida em que se trata de da maior
instância de governança em segurança pública do país.
Entre 2018 e 2023, a quantidade de operações integradas coordenadas pelo MJSP nos estados
da Amazônia Legal cresceu 1.933,3%, passando de 3, em 2018, para 61 realizadas até o mês de
outubro de 2023. A alta do número de operações no período pode ser observada a partir do
ano de 2021, como demonstra o gráfico 16. Vale ressaltar que não há apenas uma variável de
explicação para esse crescimento, mas não podemos descartar a maior repercussão do avanço
dos crimes ambientais na Amazônia Legal a partir de 2021, considerando os baixos números de
operações entre 2018 e 2020, assim como a variação negativa de 19,35% entre 2021 e 2022,
ano da eleição presidencial.
75,0
62 61
60,0
50
45,0
30,0
19
23
15,0
3
0,0
2018 2019 2020 2021 2022 2023
Fonte: Ministério da Justiça e Segurança Pública; Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Cabe ressaltar que as operações foram contabilizadas em cada ano em que estiveram ativas82.
O estado do Pará apresentou a maior alta do período, de 2 operações em 2018 para 18 em
2023, crescimento de 800%. Amapá foi a única unidade da Amazônia Legal que onde não foram
realizadas operações durante o período analisado, seguido de Tocantins, que registrou apenas
uma operação em 2021.
82 Ex.: Operação iniciada em 2020 com término em 2022 foi contabilizada nos anos de 2020, 2021 e 2022.
Total 3 22 25 75 67 77 269
Aérea - - 1 - - - 1
Ambiental - 5 9 40 22 27 103
Bombeiro - 2 1 3 6 6 18
Fronteira - - - 1 2 3 6
Indígena 1 3 5 15 25 29 78
Judiciária - 2 1 5 3 3 14
Ostensiva 2 5 5 7 5 6 30
Perícia - 3 2 4 3 3 15
Presídio - 2 1 - 1 - 4
Fonte: Ministério da Justiça e Segurança Pública; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
(-) Fenômeno inexistente
(1) As operações enquadradas em mais de um tipo foram contabilizadas de forma duplicada, objetivando a indicação de todas tipificações
mencionadas.
(2) Dados sistematizados até o mês de outubro.
Como já dito, as Operações coordenadas pelo MJSP foram realizadas de maneira integrada. Os
órgãos que atuaram sob coordenação do Ministério na Amazônia Legal foram especialmente
Ibama, Funai e ICMBio. As três instituições executaram 77 das 135 operações realizadas entre
2018 e 2023. Como apresentado no relatório Governança e capacidades institucionais da Segu-
rança Pública na Amazônia83, os órgãos de fiscalização ambiental federal acabam por enfrentar
um duplo problema: de um lado houve desmontes contínuos em quadros de profissionais e ins-
trumentos de atuações e, de outro, a necessidade de atuar com agentes de segurança pública
pouco capacitados no combate aos crimes ambientais. Esse cenário sinaliza a importância do
aporte de recursos, a fim de suprir carências de recursos humanos e insumos materiais para
essas instituições, tendo em vista a importância dos órgãos ambientais somarem esforços às
forças de segurança pública na região amazônica.
Também chama atenção parcerias entre MJSP e governos estaduais, dada a importância de se
realizar ações integradas entre os entes federativos.
Total 135
DEPEN 2
Governo do Mato Grosso 5
Governo de Rondônia 5
Governo de Roraima 3
Governo do Acre 6
Governo do Amazonas 6
Governo do Pará 6
Funai 29
Funai e Ministério de Minas e Energia 1
Funai e Ibama 1
Ibama 36
Ibama e ICMBio 6
ICMBio 4
Ministério da Saúde 4
Ministério de Minas e Energia 1
Ministério do Meio Ambiente 1
Polícia Federal 15
Secretaria Geral da Presidência da República 4
Fonte: Ministério da Justiça e Segurança Pública; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
(1) Para o ano de 2023 os dados foram sistematizados até o mês de outubro.
No tocante aos resultados das operações, cabe destacar alguns números apresentados pelo
MJSP, como apreensão de minérios, drogas, armas, equipamentos e prisões realizadas. As
operações Fronteira Segura foram realizadas em todos os estados da Amazônia Legal, com
exceção de Maranhão, Tocantins e Mato Grosso, apresentando resultados significativos entre
2018 e 2022. Nessas operações foram apreendidos 18,4kg de minérios preciosos; 1.195,2kg de
cocaína e 723kg de maconha; 44 armas de fogo; e 12 embarcações. Tais resultados sinalizam a
importância da atuação e operações em contextos fronteiriços da Amazônia Legal, sobretudo
quando são realizadas de maneira integrada.
Quanto às demais operações, entre 2018 e outubro de 2023 foram apreendidos um total de
4.568,66kg de minérios, sendo 10kg de minérios preciosos. O destaque está em Roraima, que
totalizou 4.554,63 kg de outros tipos de minério em 2021. Com relação às drogas, o MJSP infor-
mou que nas operações realizadas entre 2018 e 2023 na Amazônia Legal, foram apreendidos
1.058,9kg de maconha e 2.574,5kg de cocaína, sendo a maior parte apreendida no estado do
Amazonas, entre 2020 e 2021.
Já a apreensão de armas no período totalizou 474, sendo 364 armas de fogo e 110 armas bran-
cas. A maioria das apreensões foram realizadas em 2020 e 2021, principalmente nos estados
do Amazonas e Pará. Quanto aos equipamentos, vale destacar a apreensão de 83 em-
barcações, sendo 45 apreendidas em Roraima no ano de 2021 - ano em que as
atividades de garimpo e narcotráfico estavam já intensificadas no estado. No
Hoje há uma disputa tocante às prisões realizadas durante as operações integradas do MJSP,
entre, de um lado, o Poder Público somam 1.038 prisões, sendo 920 em flagrante, 47 de foragidos da justi-
e sua capacidade de aplicação da lei e ça e 71 presos por mandado judicial.
oferecer condições para o exercício pleno
da cidadania na região e, por outro lado, a Em suma, os dados trazidos nesta seção corroboram a ideia de que,
economia do crime e suas facções/grupos considerando a complexidade do provimento de segurança pública
organizados. As informações sugerem que a em um território tão extenso e, simultaneamente, diverso em termos
lógica interagencial ainda é incipiente e socioeconômicos, ambiental e cultural, hoje há uma disputa entre, de
precisa ser mais bem coordenada. um lado, o Poder Público e sua capacidade de aplicação da lei e oferecer
condições para o exercício pleno da cidadania na região e, por outro lado,
a economia do crime e suas facções/grupos organizados. A análise da forma
como os efetivos policiais e/ou ambientais estão distribuídos revela ainda que há
uma predominância de esforços e tentativas para controle do crime e garantia da ordem
em áreas urbanas, criando zonas de sombra que acabam por enfraquecer a atuação estatal na
fiscalização e combate das rotas do crime na Amazônia. A carência de recursos humanos e de
infraestrutura é patente, mas, não apenas, as informações sugerem que a lógica interagencial
ainda é incipiente e precisa ser mais bem coordenada. As brechas e ruídos do modelo de
organização federativa da segurança pública, que são um problema nacional84, ganham
centralidade na Amazônia Legal e exige que novas formas de se pensar a proteção do
bioma e de sua população sejam formuladas. O modelo militarizado de ocupação, que re-
monta à Década de 1960, não é suficiente para fazer frente ao crime organizado e aos desafios
socioambientais da região. É preciso reforçar a capacidade das polícias civis de esclarecer e
investigar crimes e violências, de modo que o Sistema de Justiça Criminal possa atuar de forma
mais eficiente e, no limite, impedir que a impunidade provoque um quadro irreversível de des-
controle e domínio territorial armado por parte das facções criminosas.
84 Ver. https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/07/24-anuario-2022-como-funciona-a-seguranca-publica-no-brasil.pdf
6. Metodologia
A presente publicação apresenta uma série de dados e informações com procedimentos de
coleta e produção diversos. Nos tópicos a seguir, apresenta-se os principais procedimentos
adotados para cada conjunto de dados.
Além disso, outros tipos de dados também foram solicitados às instituições de segurança, como
as operações integradas coordenadas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública; as ope-
rações realizadas em garimpos por parte da Polícia Federal; a quantidade de drogas e armas
apreendidas pela Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, polícias estaduais, Receita Federal
e Forças Armadas; dentre outras.
• Dados abertos
Um segundo conjunto de dados foi coletado e sistematizado a partir de bancos de dados abertos
disponíveis em sites de acesso público. São eles: a) homicídios de indígenas, dados disponibili-
• Produção cartográfica
A cartografia é uma ciência que propicia uma linguagem gráfica e técnica de representação
da realidade, a partir da relação da sociedade com o espaço geográfico, sendo um importante
instrumento técnico para compreender o processo de territorialização das organizações crimi-
nosas na Panamazônia. Os mapas apresentados no presente relatório foram produzidos a partir
das seguintes etapas:
5º Etapa – Elaboração dos layouts dos mapas, utilizando como referência geodésica, o Sistema
de Coordenadas Geográficas e o Datum Sirgas 2000 (Datum oficial do Brasil.), representados
por meio das informações primárias e secundárias sistematizadas em arquivos vetoriais (shape-
file) e raster (imagens de satélite) de alta resolução espectral.
Dados qualitativos foram produzidos a partir de trabalho de campo realizado em dois locais
específicos: região da Bacia do Rio Tapajós, mais especificamente nos municípios de Itaituba,
Jacareacanga e Santarém, no Pará, e em Roraima, sobretudo nas cidades de Boa Vista e na
Terra Indígena Raposa do Sol (TIRSS). Foram realizadas dezenas de entrevistas com profissio-
nais de segurança pública, atores da proteção ambiental, além de observações etnográficas e
conversas informais com garimpeiros e moradores.
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), nos últimos anos, tem incluído a valorização
dos profissionais de segurança pública dentro do seu escopo de atuação. Dentre outras ações
desenvolvidas, tivemos a publicação do Mapa das Polícias e dos Corpos de Bombeiros Militares
nos Anuários Brasileiros de Segurança Pública de 2021 e de 2022, que trouxeram um retrato das
estruturas de carreiras, cargos e salários dos servidores ativos das Polícias Federal, Rodoviária
Federal e Penal Federal, no âmbito federal, e das Polícias Civis, Penais e Militares, bem como
dos Corpos de Bombeiros Militares, no aspecto estadual.
Dando continuidade a este trabalho, trazemos, para este ano de 2023, a atualização das referi-
das informações, com destaque aos nove estados que compõem a Amazônia Legal. O presente
estudo se baseia na compilação, organização e padronização dos dados públicos disponíveis
nos Portais da Transparência da União e das Unidades da Federação85. Os dados buscados fa-
zem referência à remuneração, lotação e cargo dos servidores públicos para, prioritariamente,
o período de março de 2023.
No âmbito estadual, apesar de termos um bom quadro de disponibilização dos dados, casos
como, no estado de Rondônia, os dados não estavam disponibilizados no Portal da Transparên-
cia86 e foram solicitados via LAI.
85 Os marcos legais que tratam da disponibilização de informações são: a Lei 12.527, de 2011, que regulamenta o disposto no
inciso XXXIII, do Artigo 5º da CF88; e a Lei Complementar nº 131, de 2009, que trata da disponibilização de informações porme-
norizadas sobre a execução orçamentária e financeira dos entes federativos; o parágrafo 6º do Artigo 37 da CF 1988. Soma-se a
isso a jurisprudência do Julgamento do Agravo Regimental na Suspensão de Segurança 3.902/2011; e o Acórdão STF do Recurso
Extraordinário ARE 652.777, de 2015.
86 https://transparencia.ro.gov.br/pessoal#
Uma das dificuldades encontradas é que os dados são pouco padronizados, com cada estado
disponibilizando as informações de uma forma diferente e utilizando nomenclaturas próprias
para os órgãos, cargos e as diversas remunerações que podem ser recebidas pelos servidores.
Assim, para que a devida comparação pudesse ser realizada, foi necessário padronizar as infor-
mações, criando uma base de comparação entre os estados.
Outro ponto é que existem casos em que os estados divulgam dados duplicados, ou seja, a
mesma informação aparece erroneamente duas ou mais vezes nas bases de dados, e casos
em que consta, para um mesmo servidor, mais de uma remuneração e mais de um cargo e/ou
órgão. Todos esses casos foram devidamente ajustados.
Como cada estado disponibiliza as informações de uma maneira diferente, utilizando nomen-
claturas, formatos e dados distintos, primeiramente organizamos a estrutura da base de dados,
rearranjando os itens de todos os estados em um mesmo formato. A padronização das no-
menclaturas dos órgãos aos quais estão vinculadas as carreiras dos profissionais de segurança
pública estadual, seguiu a seguinte estrutura:
Para os policiais militares e bombeiros, foi utilizada a seguinte estrutura de cargos, seguindo a
hierarquia proposta pelo Decreto-Lei nº 667, de 1969:
a) Oficiais de Polícia
• Coronel
• Tenente-Coronel
• Major
• Capitão
• Tenente (engloba 1º Tenente e 2º Tenente)
c) Praças de Polícia:
• Subtenente
• Sargento (engloba 1º Sargento, 2º Sargento e 3º Sargento)
• Cabo
• Soldado
Além disso, foi incluída a categoria “Outros”, que abrange os servidores não policiais vinculados
às polícias militares e aos corpos de bombeiros.
Polícia Civil
Perícia Técnica
Policiais Penais