Bloco 4 - Leitura Obrigatória - Guerras de 4 Geração
Bloco 4 - Leitura Obrigatória - Guerras de 4 Geração
Bloco 4 - Leitura Obrigatória - Guerras de 4 Geração
Comodoro
Luís Nuno da Cunha Sardinha Monteiro
Clausewitz
Introdução
O caráter dos conflitos está sempre a evoluir e a mudar, fazendo jus à velha máxima
clausewitziana de que a guerra é um verdadeiro camaleão. Nesta linha, as guerras mais
recentes possuem caraterísticas muito peculiares, reciclando velhas técnicas e,
simultaneamente, evidenciando novas particularidades.
Naturalmente, estas expressões têm significados diferentes umas das outras, mas o mais
importante é o reconhecimento consensual de estarmos a viver um período de profunda
revolução na forma de conduzir a guerra. Neste entendimento, outra designação que tem
1ª Geração da Guerra
O Tratado de Vestefália, assinado em 1648, entre o Império Germânico, a França e a
Suécia, pôs fim à Guerra dos Trinta Anos e estabeleceu os princípios do estado-nação e
da soberania estatal, determinando que os governos tinham a exclusividade da
edificação, estruturação e emprego de forças armadas. Antes desse tratado, nas
sociedades agrárias descentralizadas onde imperava o feudalismo, era comum os nobres
mais poderosos, bem como algumas ordens religiosas, possuírem as suas próprias forças,
normalmente com caráter irregular e temporário. A partir do Tratado de Vestefália, a
guerra passou a ser um monopólio do estado-nação, caraterizando-se por enfrentamentos
de exércitos numerosos, normalmente dispostos em linha, de forma a maximizar o poder
de fogo dos mosquetes de então (com carregamento pela boca e cano liso). Os combates
eram extremamente formais e o campo de batalha bastante ordeiro. As Guerras
Napoleónicas são o exemplo paradigmático desta geração de guerras, que também
incluiu, entre outras, a Guerra dos Sete Anos, entre 1756 e 1763, a Guerra da
Independência Americana, de 1775 a 1783, e a Guerra Civil Americana, entre 1861 e
1865. Nesta última, tanto as tropas da União como as tropas Confederadas ensaiaram
vários ataques diretos frontais contra tropas opositoras (típicos da 1ª geração de
guerras). Todos falharam, levando a reequacionar as táticas de combate.
2ª Geração da Guerra
Com efeito, no final da Guerra Civil Americana, o General Ulisses Grant (e não só) já
recorreu a trincheiras e a outras técnicas de camuflagem, começando a desenvolver os
traços caraterísticos das guerras de 2ª geração. Esta geração da guerra ficou também
marcada pela introdução do carregamento pela culatra e dos canos estriados – e, numa
fase posterior, das metralhadoras – que trouxeram maior alcance, melhor precisão e
maior cadência de tiro. As táticas de combate continuaram a assentar na linha, mas
passou a privilegiar-se o poder de fogo da artilharia, em vez da grandeza do número de
tropas de infantaria, levando à máxima francesa: “a artilharia conquista, a infantaria
ocupa”. Com isso, acabaram as cargas de hordas de tropas alinhadas em direção ao fogo
inimigo (caraterísticas das guerras da 1ª geração), pois – com as novas armas – isso seria
puro suicídio. Na 2ª geração, privilegiavam-se forças de dimensão mais reduzida, capazes
de se camuflarem melhor e de se movimentarem mais depressa, atacando os flancos e/ou
a retaguarda do inimigo. Além disso, as guerras desta geração caraterizaram-se pela
disseminação do apoio de fogos e das comunicações rádio.
3ª Geração da Guerra
Na realidade, a guerra relâmpago conduzida pelos alemães, no início da II Guerra
Mundial, evidenciou como as tropas com grande manobrabilidade se conseguiam
sobrepor a forças estáticas entrincheiradas, mesmo que dotadas de grande capacidade
de fogo. A 3ª geração revelou, assim, o triunfo da mobilidade e da velocidade sobre a
atrição, tendo representado o fim das táticas de combate lineares. O grande impulso para
esta nova geração da guerra foram as estratégias inovadoras concebidas pelo estado-
maior alemão, que permitiram colmatar as restrições ao desenvolvimento e à posse de
equipamento militar, resultantes do pós-I Grande Guerra. De qualquer maneira, esta
nova geração de guerras também dependeu bastante de algumas inovações, como carros
de combate e infantaria mecanizada, bem como, posteriormente, helicópteros e outros
meios aéreos, que potenciavam a mobilidade e a velocidade das forças. Naturalmente, o
conflito mais emblemático desta geração foi a II Guerra Mundial, de 1939 a 1945, mas
houve outros conflitos típicos, como a Guerra dos Seis Dias, em 1967, e a própria Guerra
do Golfo, entre 1991 e 1992.
4ª Geração da Guerra
Como já mencionado, o conceito das guerras de 4ª geração foi introduzido por William S.
Lind e outros autores, em 1989. Desde essa data, vários analistas aprofundaram o
conceito, com Thomas X. Hammes a constituir-se como um dos mais importantes teóricos
sobre a matéria, graças, sobretudo, ao seu livro The Sling and the Stone: On War in the
21st Century, de 2004, em que procurou dar corpo à teoria esboçada por Lind, no artigo
de 1989. Não obstante, mais de um quarto de século depois do aparecimento deste
conceito das guerras da 4ª geração, os seus contornos ainda não são perfeitamente
claros, pois os vários autores que contribuíram para esta conceptualização divergem
nalguns pontos. Hammes reconheceu isso, escrevendo que “mesmo dentro da pequena
comunidade de escritores que exploram a guerra da 4ª geração, há um leque de opiniões
variadas sobre como definir o conceito e quais são as suas implicações”, ressalvando
todavia que “este é um processo saudável e essencial para o desenvolvimento de um
[1]
conceito robusto” . Além disso, os arquitetos da teoria têm-na retocado e corrigido com o
passar do tempo, de forma a melhor acomodar os desenvolvimentos entretanto surgidos
(nomeadamente, os relativos à Guerra do Golfo, ao ataque terrorista de 11 de setembro e
às Guerras do Afeganistão e do Iraque).
percebidos” . Isso pressupõe também procurar destruir o apoio da população aos líderes
políticos e corroer a vontade dessa mesma população em combater. Ou seja, ao contrário
das gerações anteriores, o objetivo não é derrotar o inimigo militarmente, mas antes o
seu enfraquecimento, mais psicológico do que físico, através de uma guerra de baixa-
intensidade, normalmente de longa duração.
Figura 4 – O ataque terrorista de 11 de Setembro de 2001 evidenciou a chegada das guerras da 4ª geração.
Geração
Característica Conflito(s)
da Início
Principal Emblemático(s)
guerra
1648:
1ª Exércitos maciços Guerras Napoleónicas
Tratado de Vestefália
1861/1865: Poder de fogo
2ª I Grande Guerra
Guerra Civil Americana maciço
1939: Blitzkrieg II Guerra Mundial e Guerra
3ª Manobra
(II Guerra Mundial) dos Seis Dias
11 de Setembro de 2001: Guerra do Afeganistão e
4ª Insurreição
Ataque terrorista aos EUA Guerra ao Terrorismo4
ficaram completamente obsoletas com o aumento do poder de fogo das armas . Assim, as
táticas da 2ª geração, nomeadamente o enfoque no poder da artilharia, ainda são
empregues, apenas com a particularidade dos bombardeamentos partirem muitas vezes
de navios à distância ou de aviões. Também as táticas de 3ª geração continuam a ser
empregues, sobretudo quando é necessário conquistar e ocupar território. Por exemplo,
as intervenções lideradas pelos norte-americanos no Afeganistão e no Iraque, que
trouxeram para a primeira linha do debate algumas táticas da 4ª geração (como a
Além disso, o modelo possui algumas lacunas conceptuais, de que destaco duas: a
incoerência na sequenciação das várias gerações; e a desvalorização da guerra irregular
ao longo da história.
Ao dizer isto, não estou a defender que as futuras guerras se encaminharão nesse
sentido. Considero mesmo que o futuro combinará duas formas distintas de
conflitualidade: uma convencional (caraterizada pelo uso das mais modernas capacidades
Relativamente à segunda lacuna, que se liga com a anterior, considero que não estamos a
enfrentar uma mudança radical na forma de conduzir a guerra, mas antes uma evolução
gradual da guerrilha, dado que as guerras irregulares de hoje evidenciam muitas
caraterísticas de conflitos do passado. De facto, o modelo geracional ignora um longo
historial de guerras irregulares e ignora, também, que essas guerras são uma forma de
conflitualidade que tem evoluído em paralelo com as guerras convencionais, verificando-
se até que muitos conflitos se transformaram em guerras irregulares, a partir do
momento em que as tropas invasoras derrotaram as forças regulares da nação ocupada.
Tivemos, por exemplo, a guerra de guerrilha conduzida por Viriato, no séc. II a.C., contra
a ocupação Romana da Lusitânia – guerra que os Romanos designavam, erradamente,
como latrocinium.
Mais tarde, durante a Idade Média, diversas forças privadas desenvolveram uma ação
importante nas lutas da Reconquista, complementando a ação dos Reis de Portugal.
Geraldo Geraldes, o Sem Pavor – que comandou um bando de proscritos e aventureiros
na tomada da cidade de Évora, em 1165 – terá sido, porventura, o ator irregular mais
emblemático da história da Reconquista.
Finalmente, encontramos a Guerra Colonial (1961-1974), que foi uma típica guerra de
insurreição, enfrentada com grande eficiência e eficácia pelos militares portugueses.
A grande novidade é que as guerras irregulares, travadas por atores mais fracos perante
atores mais poderosos, têm vindo a ter cada vez mais sucesso. Ivan Arreguín-Toft, no seu
livro How the Weak Win Wars: A Theory of Asymmetric Conflict (2005), estudou
exaustivamente os conflitos bélicos, desde 1800 até 2003, tendo concluído que as vitórias
[6]
dos atores mais fracos se têm tornado cada vez mais frequentes . Com efeito e apesar da
subjetividade e da incerteza de qualquer análise quantitativa da guerra, na primeira
metade do século XIX, o ator mais forte prevaleceu em quase 90% dos conflitos
assimétricos, mas, na segunda metade desse século, esse valor desceu para menos de
80%. Entre 1900 e 1949, a taxa de vitórias dos atores mais fortes baixou novamente, para
cerca de dois terços, sendo que, na segunda metade do século XX, os atores mais fracos
já ganharam mais de metade das guerras assimétricas analisadas.
Quadro 2 – Percentagem de vitórias em conflitos assimétricos por tipo de ator, nos séculos XIX e XX.
Esta maior capacidade dos “Davides” se superiorizarem aos “Golias”, terá induzido os
autores do modelo geracional das guerras a propor que estaríamos perante uma
descontinuidade radical na forma de conduzir a guerra, caraterizada pela perda de
protagonismo dos vastos exércitos estatais (que tinham sido os agentes principais nas
três primeiras gerações da guerra) e pela emergência de grupos de militantes não-
estatais, que perseguem os seus objetivos políticos através de guerras de baixa-
intensidade, normalmente prolongadas no tempo. Contudo, essa realidade não é nova, o
que é novidade é que, na atualidade, esses atores irregulares têm ao seu dispor
ferramentas de que não dispunham no passado e que lhes estão a permitir resultados
cada vez mais a seu contento. Entre essas ferramentas, importa destacar:
Todos estes fatores estão a ser potenciados pela globalização, que veio aumentar
drasticamente a mobilidade de pessoas, armas e ideias. Ao longo da história,
guerrilheiros, insurgentes e terroristas procuraram – mais do que causar destruição física
– corroer a vontade e a moral dos opositores para lutar. A diferença, agora, é que a
disseminação das tecnologias de informação e comunicação e o aumento das
oportunidades de deslocação e de transporte – fruto da globalização – potenciaram a
capacidade desses atores não-estatais afetarem a vontade e a moral dos seus adversários.
Considerações finais
Conforme referido no início deste artigo, muitos militares e académicos têm procurado
caraterizar as novas formas de conflitualidade, recorrendo a expressões como guerra
não-convencional, guerra irregular, guerra assimétrica, guerra não-linear, guerra sem
limites, nova guerra, guerra composta, guerra entre o povo ou guerra híbrida – sem que,
muitas vezes, se expliquem os critérios que presidem a essas categorizações. A expressão
guerra de 4ª geração pode ser entendida como mais uma forma de catalogar os conflitos
atuais.
Para concluir, gostaria de salientar algumas lições que podemos retirar para o futuro, a
partir de uma análise das principais caraterísticas das guerras de 4ª geração.
Referências
Arreguín-Toft, Ivan. “How the Weak Win Wars: A Theory of Asymmetric Conflict”,
International Security, Belfer Center for Science and International Affairs – Harvard
University, The MIT Press, Vol. 26, Nº. 1 (Summer 2001), pp. 93–128.
Arreguín-Toft, Ivan. How the Weak Win Wars: A Theory of Asymmetric Conflict –
Cambridge Studies in International Relations, Cambridge, Cambridge University Press,
2005.
CREVELD, Martin van. The Transformation of War, New York, The Free Press – Simon &
Schuster Inc., 1991.
Hammes, Thomas X. “The Evolution of War: The Fourth Generation”, Marine Corps
Gazette, Vol. 78, N.º 9, September 1994, pp. 35-44.
Hammes, Thomas X. “War Evolves into the Fourth Generation”, Contemporary Security
Policy, Volume 26, Issue 2, August 2005, pp. 189-221.
HOFFMAN, Frank. “4GW as a Model of Future Conflict”, Small Wars Journal, 19 July
2007 (http://smallwarsjournal.com/blog/4gw-as-a-model-of-future-conflict).
kaldor, Mary. New and Old Wars: Organized Violence in a Global Era, Polity Press, 1999
Karp, Regina, Karp, Aaron, Terriff, Terry (editors), Global Insurgency and the Future of
Armed Conflict: Debating Fourth Generation Warfare, London, Routledge, 2007.
Lind, William S., Nightengale, Keith, Schmitt, John F., Sutton, Joseph W., Wilson, Gary I.
“The Changing Face of War: Into the Fourth Generation”, Marine Corps Gazette, Vol. 73,
N.º 10, October 1989, pp. 22-26.
Lind, William S., Schmitt, John F., Wilson, Gary I. “Fourth Generation Warfare: Another
Look”, Marine Corps Gazette, Vol. 78, N.º 12, December 1994, pp. 34-37.
Lind, William S. “Fourth-Generation Warfare’s First Blow: A Quick Look”, Marine Corps
Gazette, Vol. 85, N.º 11, November 2001, p. 72.
Lind, William S. “Understanding Fourth Generation War”, Military Review, Vol. 84, N.º 5,
September/October 2004, pp. 12-16.
NAÍM, Moisés. The End of Power – From boardrooms to battlefields and churches to
states, why being in charge isn’t what it used to be, New York, Basic Books, 2013.
NYE Jr, Joseph S. The Future of Power, New York, PublicAffairs, 2011.
SMITH, General Sir Rupert. The Utility of Force: The Art of War in the Modern World,
New York, Vintage, 2005.
[1]
[2]
[4]
[5]
[6]
Ivan Arreguín-Toft, “How the Weak Win Wars: A Theory of Asymmetric Conflict”,
International Security, Belfer Center for Science and International Affairs – Harvard
University, The MIT Press, Vol. 26, Nº. 1 (Summer 2001), p. 96.