Texto Do João Pedro
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Introdução
Pascal Ory, em sua obra consagrada à cultura na Frente Popular 1, define a música
como a “arte considerada a mais mediocremente influenciável pela conjuntura política”.
(ORY, 1994, apud CHIMÉNES, 2007, p. 24). Esta afirmação de Ory não apenas indica
que a música reflete as características de seu contexto histórico, mas também o faz com
grande intensidade. Portanto, a música, como objeto de estudo, pode ser uma fonte de
informações acerca dos períodos de sua produção e performance na História, bem como,
de forma recíproca, a contextualização histórica pode esclarecer o estudo da musicologia.
Sendo assim, a Musicologia e a História são campos de estudo complementares, ainda
que não dependentes.
Em especial, o século XIX foi um período de radicais mudanças na configuração
da sociedade ocidental, com a dinamização da industrialização e do capitalismo em
proporções até então inéditas. Tais mudanças incidiram não apenas na política e na
Filosofia, como também na Arte. A modernização da sociedade, com a mecanização dos
1
As Frentes Populares foram movimentos socialistas e comunistas surgidos nos anos 30 na Europa em
resposta ao capitalismo e o fascismo.
meios de produção e as constantes modificações políticas ao redor do mundo, criaram um
padrão de movimentos revolucionários e inovadores, que defrontavam com as diversas
correntes conservadoras que se ergueram em resposta. Na música não foi diferente, novas
concepções sobre a música se tornavam cada vez mais frequentes, ao passo que esta arte
se desprendia cada vez mais das antigas raízes inflexíveis que a configuravam desde o
século XVII. Em meio ao apogeu do Romantismo, a música deixou de refletir apenas o
intelecto de seus criadores e passou a representar também suas emoções e subjetividades,
assim como na poesia, na pintura, e diversos outros campos da arte2.
Foi a partir do século XX, no entanto, que se configurou a Música Moderna como
a conhecemos, com o desprendimento das antigas convenções musicais, sendo Claude
Debussy (1862-1918) o precursor deste movimento. Tal inovação pode ser observada de
forma clara em sua obra Prélude à l’Après-Midi d’un Faune (composta entre 1891 e
1984), considerada o marco inicial do Modernismo, trazendo uma nova concepção à
música, com tonalidades não imperativas, ambiguidade harmônica, liberdade formal e
irregularidade rítmica, bem como uma melodia abstrata, que sugere uma atmosfera
imaginativa de poesia e mistério, evocando imagens de sonhos quiméricos e ilusórios.
Esta quebra de paradigmas anunciava de forma sucinta a concepção de Música
Moderna. Griffiths, no livro Modern Music: A concise history, afirma que “Uma das
principais características da música moderna, na acepção não estritamente cronológica, é
sua libertação do sistema de tonalidades maior e menor que motivou e deu coerência a
quase toda a música ocidental desde o século XVII” (GRIFFITHS, 1987, p. 7)
No referido livro, Griffiths, ao definir o caráter musical da obra de Debussy,
aponta que:
As técnicas formais e rítmicas de Debussy podem ter atenuado a
sensação do decorrer temporal, mas o movimento tinha para ele extrema
importância. Mais uma vez, ele não se preocupava apenas em pintar
imagens sonoras: ‘Eu desejaria para a música’, escreveu, ‘uma
liberdade que lhe é talvez mais inerente que a qualquer outra arte, não
se limitando a uma reprodução mais ou menos exata da natureza, mas
às misteriosas correspondências entre a Natureza e a Imaginação’.
(GRIFFITHS, 1987, p. 10)
2
Durante o período romântico, a música deixou de ser apenas uma manifestação artística do intelecto do
compositor e se tornou também um veículo para as emoções pessoais do autor, o que pode ser observado
desde obras de Ludwig van Beethoven (1770-1827) até Richard Strauss (1864-1949), pertencente ao
movimento do romantismo tardio, que surgiu em resposta ao surgimento do movimento modernista
(GRIFFITHS, 1987)
Podemos ver, portanto, que desde seu início, a Música Moderna tinha como
objetivo libertar-se das limitações ortodoxas que dominaram a música ocidental por mais
de dois séculos, assim como as próprias filosofias Realista e Naturalista, então emergentes
e que moldavam o caráter social e político da Europa entre o final do século XIX e o
começo do século XX, o que deixa explícita a relação entre a arte e a política em um
mesmo contexto histórico.
Este estopim cultural no mundo artístico pode ser facilmente relacionado com o
contexto social de seu tempo, em um cenário pós Revolução Francesa (1789-1799), no
qual o pensamento ocidental tomara outro rumo, caminhando para um futuro de intensas
modificações na política, filosofia, arte e na própria sociedade como um todo.
Fig. 1: Excerto orquestral para flauta do Prélude à l´Après-Midi d’un Faune de Debussy,
compassos 1 a 43.
3
Disponível em https://www.flutetunes.com/tunes.php?id=624
Fig. 2: Acorde meio-diminuto4.
4
Imagem representativa, sem link relacionável.
Considerações finais
Tendo sido um período de profusas revoluções políticas, sociais, científicas e
filosóficas, o século XIX foi também palco para radicais transformações no âmbito
musical, alterando toda a configuração da música ocidental, fato que conduziu ao
nascimento da “Música Moderna” e todas as suas novas concepções para o meio musical.
Com a modernidade, a ideia de desprendimento das antigas raízes e tradições abriu espaço
para um estopim cultural e artístico que trouxe inúmeras inovações a todos os meios
artísticos, o que não exclui o campo da música.
O período conhecido como fin-de-siécle foi o palco para o surgimento dos
primeiros movimentos musicais modernistas, tendo compositores como Claude Debussy,
Maurice Ravel, dentre outros, como seus principais precursores. O Modernismo trouxe à
música, dominada pelos sistemas clássicos e tradicionais desde o século XVI, novos
conceitos teóricos e estruturais, além de sua própria expressividade artística, agora mais
livre, imaginativa e poética, relacionando-se diretamente com a nova composição cultural
do mundo moderno.
Tendo em vista o contexto sociocultural entre os séculos XIX e XX, podemos
definir a Música Moderna não somente como um movimento musical, mas também um
movimento social e cultural que representa todo o contexto cultural e político da
sociedade em sua época: “Existem certas manifestações artísticas tão arraigadas a seus
contextos de origem, que se torna, às vezes, difícil apreciá-las e, em alguns casos,
compreendê-las sem se considerar, ou nelas identificar, toda uma cultura que as motivou.”
(MEDAGLIA, 2015, p. 6)
Referências:
BALZI, Juan. O Impressionismo. Claridade: Nova Alexandria, 2019.
CHIMÈNES, Myriam. Musicologia e história. Fronteira ou "terra de ninguém" entre duas
disciplinas? Revista de História, São Paulo, n. 157, p. 15-29, rasil, dez. 2007.
GRIFFITHS, Paul. A Música Moderna: Uma história concisa e ilustrada de Debussy a
Boulez. Rio de Janeiro: Zahar, 1987.
MEDAGLIA, Júlio. Música Impopular. São Paulo: Global, 2015.
PITOMBEIRA, Liduino. Um modelo tonal para o Prélude à L’Après-midi d’un faune de
Debussy. Em Pauta, Porto Alegre, v. 19, n. 32/33, p. 100-109, jan.- dez. 2008.
SINICO, André & GERLING, Cristina. Análise temporal e comparação de gravações do
excerto orquestral para flauta do Prélude à l’Après-Midi d’un Faune de Claude Debussy.
Música em Perspectiva, Paraná, v. 9 n. 1, p. 69-102, jun. 2016.