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RESUMO
Este resumo apresenta os resultados do projeto1 que o IPT desenvolveu em 2004,
financiado pela Secretaria da Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e
Turismo - SCTDET e Prefeitura Municipal de Apiaí. Nas últimas décadas, a cerâmica
artesanal do Alto Vale do Ribeira (Apiaí, Itaoca, Barra do Chapéu e Bom Sucesso de
Itararé) foi resgatada e preservada com grande esforço pelo poder público local, contando
com apoio esporádico de instituições governamentais e empresas privadas. Constitui-se,
praticamente, no único artesanato de valor tradicional no Estado de São Paulo,
destacando-se peças utilitárias, decorativas, figuras zoomórficas e antropomórficas,
santos, esculturas e bijuterias, com uma variedade de motivos de diferentes portes e
acabamentos. A produção artística em cerâmica é feita em 10 núcleos, por 93 artesãos
com dedicação parcial ou integral. O processo produtivo é bastante rudimentar,
consistindo em etapas de preparação do barro, conformação da peça, acabamento e
queima.
1. INTRODUÇÃO
A porção paulista do Alto Vale do Ribeira localiza-se no sul do Estado de São Paulo,
a cerca de 320 km da capital, conforme ilustrado na Figura 1. A região de interesse é
formada pelos municípios de Apiaí, Itaoca e Barra do Chapéu (ex-distritos de Apiaí) e
Bom Sucesso de Itararé (ex-distrito de Itararé), constituindo o universo de municípios que
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Bom
BomSucesso
Sucesso
de
deItararé
Itararé
Barra
Barrado
do
Chapéu
Chapéu
APIAÍ
APIAÍ
Região Administrativa
Sorocaba
Itaóca
Itaóca
Para discutir a arte cerâmica no Alto Vale do Ribeira (SP), é necessário introduzir
alguns conceitos, definidos a seguir.
Diz-se que o Artesanato regional é a expressão da cultura, hábitos e costumes de
um povo pela produção de bens que visam atender às necessidades do cotidiano, com
objetos decorativos, utilitários, místicos, autóctones de uma comunidade, cuja
característica marcante é a criatividade e a habilidade do artesão. Difere de Arte Popular,
entendida como expressão artística popular, criada como peça única, decorativa,
figurativa ou não, sem compromisso da repetição, de alto valor agregado, destinado a um
consumo de elite. Deve-se distinguir do conceito de Trabalho Manual, entendido como
ocupação secundária, para complementação de renda, sem qualquer referencia cultural
explícita.
Quando se refere ao artesanato cerâmico ou cerâmica artesanal podemos afirmar
que ele é inerente ao ser humano desde os primórdios da civilização e nenhum povo
pode ser considerado seu criador, pois surgiu em todos os continentes paralelamente,
não só como ornamento do seu cotidiano como ligado às necessidades da sua
alimentação.
Chiti (1990)2 comenta que a cerâmica é a mais antiga das artes plásticas e que o
homem deve tê-la inventado há cerca de 15.000 anos, primeiro crua, e queimada cerca
de 6 milênios depois. No Brasil, até recentemente a data da cerâmica mais antiga era
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1- Casa do Artesão
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2 - Pinheiros
3 - Palmital
4 - Bom Retiro
11 7286 5 - Encapoeirado
33 GA
734
6 - Cooperativa
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9 - Serrinha
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11 - Caximba
7 18 12 - Palmitalzinho
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10
PREPARAÇÃO DO BARRO
O sistema produtivo é bastante similar nas diversas comunidades, mas apresenta
pequenas diferenças na preparação da argila. Em geral, o “barro” é retirado do solo por
enxadas e outras ferramentas, armazenado em sacos, colocado para secar ao ar livre,
destorroado e pulverizado com auxílio de mão-de-pilão, peneirado, para depois ser feita a
massa plástica por adição de água, por amassamento com os pés. Nesta etapa, quando
há necessidade, pode haver mistura com outras matérias-primas, para acertar a “liga”,
com adição de areias finas ou outros materiais empiricamente utilizados. A seguir,
quando adquire a consistência ideal para trabalhar, a massa é repousada por alguns dias
ou mais (varia de artesão para artesão). A massa deve ser envolta em plástico, ou outro
material impermeável, para manter a umidade ideal. Posteriormente, segue para
conformação, secagem e queima.
Em geral, os artesãos esperam a massa “descansar” poucos dias, enquanto que
apenas uma artesã espera cerca de três meses para “lidar” com o barro.
CONFORMAÇÃO DA PEÇA
O processo de conformação na região é feito pela modelagem manual de peças.
De uma maneira bem simplificada, a massa é modelada manualmente, com auxílio de
ferramentas rudimentares de acabamento, e segue para secagem, e finalização por
polimento. Após secagem e formação de lote (“fornada”), efetua-se a queima em fornos
de barranco (não-inclinados), com a duração de um período diurno.
Para a modelagem das peças, os artesãos de Apiaí usam, basicamente, três
métodos: direto, de roletes e de placas. O método direto consiste na manufatura de
peças diretamente na palma das mãos, modelando com os dedos polegar e indicador.
Geralmente, com este método, são elaboradas peças pequenas, chamadas localmente
de miudezas. O método mais empregado na região de Apiaí é o método de roletes,
típico método indígena, que consiste em fazer roletes de igual diâmetro e tamanho, e
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circundar uma base, e enrolá-la de forma espiral para levantar as paredes da peça,
alisando-as por dentro e por fora com o auxílio de uma ferramenta qualquer. O método
de placas, utilizado, geralmente, para a confecção de travessas, baseia-se na
conformação da massa pelo auxílio de um rolo, que achata a massa com a mesma
espessura, limitando a altura por duas tiras de madeira.
Os artesãos utilizam diversos tipos de ferramentas, geralmente improvisadas de
objetos cotidianos, tais como gravetos, tampas de caneta, sabugo de milho, palitos,
pedras, etc.
O acabamento das peças é feito geralmente no dia posterior à modelagem das
mesmas, quando a massa já perdeu um pouco da umidade e permite que se trabalhe no
polimento e decoração. Com uma esponja umedecida é possível arrumar alguma
imperfeição observada do processo de conformação.
Parte-se então para o polimento, ou brunido, que é feito do lado interno e externo da
peça com um seixo bem arredondado, com a massa bem mais seca, para conferir à peça
um aspecto uniforme e bastante natural. Quando bem feito, o polimento contribui,
inclusive, para a impermeabilização da peça. Alguns artesãos costumam aplicar textura
em algumas peças, para efeitos decorativos, geralmente feitas com gravetos e outras
ferramentas rudimentares.
Para decoração, é comum em alguns núcleos ceramistas a utilização e aplicação
de material argiloso de cor contrastante com a peça, geralmente avermelhada, na função
de engobe decorativo.
A secagem das peças se dá, principalmente, em três etapas. A primeira etapa dura
cerca de 12 horas, quando a peça encolhe de 5 a 7 % e perde a água contida entre as
partículas de argila, perdendo, gradativamente, sua plasticidade. Na segunda etapa, a
peça perde a água dos poros e capilares por contração, e encolhe ao seu tamanho
máximo, que dura 2 dias e meio. A terceira e última etapa de secagem dura mais uns 4
dias, sem contração da peça, apenas perdendo água da porosidade. O segredo da boa
secagem é a peça ficar em ambiente separado, com boa ventilação, de maneira uniforme
e lenta.
QUEIMA
Quando se queima até 1.000oC designa-se queima de baixa temperatura, que é o
caso de Apiaí e região. São encontrados dois tipos principais de fornos: os construídos
nos barrancos e os circulares, feitos com tijolos e revestidos com barro. Em um dos
fornos, observou-se a montagem em concreto.
No forno de barranco, as peças cruas são apoiadas diretamente sobre o solo, onde
se fazem buracos (olheiros), pelos quais sobe o fogo e a fumaça. Nos fornos circulares,
as peças são apoiadas sobre estruturas de ferro (grelha), que podem, ao longo do tempo,
se deformar com o calor constante a que são submetidos. Sobre as peças cruas são
colocados cacos cerâmicos, para concentrar o calor, fechando-se (o vedamento não é
total) a boca superior do forno com telhas e outros materiais.
O processo de queima dura, geralmente, 3 a 8 horas. A lenha é colocada na boca
inferior do forno, primeiro lenha bem seca, em fogo baixo, para secar completamente as
peças, por cerca de 2 horas. Pouco a pouco adiciona-se mais lenha, até atingir o fogo
alto, que pode durar 6 horas. Quando as peças estão incandescentes, retira-se toda a
lenha da boca do forno e deixa-se esfriar naturalmente, fazendo a abertura do forno
apenas na manhã seguinte.
A lenha utilizada na região de Apiaí tem, principalmente, duas origens: retirada da
mata pessoalmente pelo artesão, ou comprada de um intermediário - madeira de
reflorestamento (eucalipto).
Defeitos da queima
Alguns dos defeitos que ocorrem nas peças cerâmicas, que são revelados durante
o processo de queima, podem ter sua origem em todo o processo de produção, desde a
seleção de matérias-primas, preparação, conformação, secagem das peças e queima.
Dentre os problemas que ocorrem nesta etapa, observam-se, principalmente: inchamento
/ crateras; coração negro; bolhas; gretamento; perda de brilho superficial; trinca de
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choque térmico; explosão; fraturas; deplacagem; deformação; pin holing (furo de agulha);
escorrimento; crowling (acúmulo de esmalte).
Na cerâmica de Apiaí foram observados os seguintes defeitos: explosão da peça no
forno; quebra de peças, especialmente panelas, quando da utilização no fogo; trincas;
peças “piriricadas”; baixa resistência mecânica devido à baixa sinterização, dentre outros.
As causas destes defeitos não foram totalmente diagnosticadas e sistematizadas e
demandam continuidade nos estudos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
pequeno escoamento da produção com a venda pelos próprios artesãos para visitantes e
outros compradores, quando da visita aos ateliês locais de produção (paióis).
Durante o desenvolvimento deste projeto verificou-se que existem alguns “gargalos”
impedindo o aumento do mercado desses produtos, como, por exemplo, a fragilidade das
peças, especialmente as utilitárias, decorrente de um ou mais problemas durante o
processo produtivo (escolha das argilas, preparação do barro, conformação das peças,
secagem e, sobretudo, queima). Esta fragilidade é um fator complicante quando as peças
são transportadas, seja do artesão à Casa do Artesão, ou até o consumidor final.
Atualmente, a embalagem das peças é feita em caixas de papelão, com amortecimento
contra impacto por jornal amassado e plástico.
A produção cerâmica somente poderia ser ampliada, se conseguisse implementar a
melhoria técnica das peças, conseguida pela disponibilização de melhores massas e
resolução de problemas decorrentes do processo produtivo, contempladas (em parte)
neste projeto. Outro ponto fundamental para a melhoria das peças é a adequação dos
fornos, para garantir a otimização do combustível utilizado (lenha), e atingir o ponto de
sinterização das peças cerâmicas, conferindo-lhes maior resistência mecânica.
O desenvolvimento de embalagens para a redução de quebras das peças, tanto no
transporte das mesmas para as feiras, quanto no transporte pelo comprador e o
desenvolvimento de uma identidade visual do artesanato cerâmico de Apiaí, estão sendo
contemplados no “Concurso Identidade Visual e Embalagens para Produtos Artesanais
em Apiaí e seus arredores – Cerâmica”, promovido pelo Centro São Paulo Design e o
IPT, e Faculdade de Artes Plásticas da Fundação Armando Álvares Penteado, Centro
Universitário Belas Artes e Faculdades Oswaldo Cruz/Faiter.
Para que o artesanato cerâmico passe a integrar um mercado empresarial moderno
deve ser preparado não só com conhecimentos e melhorias técnicas nos seus processos
produtivos, mas também ter acesso a cursos de gestão e qualidade para atingir a meta
do seu desenvolvimento sustentável.
A cerâmica artesanal demanda ainda pequenas quantidades de matérias-primas,
mas a sua expansão pode provocar problemas ambientais de maiores proporções, se
não planejada. Do ponto de vista da qualidade técnica, algumas argilas mostraram-se
mais promissoras à melhoria da qualidade cerâmica, indicando argilas deste tipo como
prioritárias para a composição da massa, concomitantemente à melhoria dos fornos.
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ABSTRACT
This paper deals with the evaluation of pottery activities in the Alto Vale do Ribeira
region, envolving the municipalities of Apiaí, Itaoca, Barra do Chapéu and Bom Sucesso
do Itararé. In the region, pottery plays an important role for rural and urban people
because it represents an unique popular expression and gives them an additional earning
of money. This activity involves around one hundred people spreading over ten rural and
urban communities producing terracotta ceramics varying from utilitary pieces, such as
pans and conteiners; decorative terracota, such as zoomorphic and anthropomorphic
figures, religious pieces, contemporary sculptures; and ornamental personal pieces
(necklaces, earings). This study evaluated also the rudimentary production system, from
clay extraction up to burning procedures and market strategies. Also, is ponted out
considerations for design of pieces and market.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (2004) Subsídios
Tecnológicos ao Aprimoramento da Cerâmica Artística no Município de Apiaí, Vale do
Ribeira (SP). Relatório Técnico 72 723-205, São Paulo, 2004.
2
Chiti, J. F. Curso práctico de cerâmica: artística y artesanal.Tomo 1. 1990. Ediciones
Condorhuasi, Buenos Aires. 1990. 285p.
3
ABC – Associação Brasileira de Cerâmica. 2004. Cerâmica no Brasil - Panoramas Setoriais -
Cerâmica Artesanal. Disponível em http://www.abceram.org.br/ asp/abc_261.asp. Acesso
em 15 set 2004.
4
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arredores. Omega Editora, São Paulo, SP. 277p.
5
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6
Cedran, L. 1979. Cerâmica de Apiaí. São Paulo, Paço das Artes. Catálogo de Exposição.
7
Ceravolo, M.V.N; Amarante Jr., A.; Correa, W.L.P. 1982. Aspectos Gerais sobre a cerâmica de
Apiaí e levantamento preliminar das argilas utilizadas como matérias-primas. Revista
Cerâmica, 28 (155), Novembro 1982, p.429-437.
8
Ceravolo, M.V.N. 1988. Cerâmica de Apiaí: momentos de uma pesquisa em arte popular.
Revista Cerâmica. 34 (217), Fevereiro 1988, p. 14A –22A.
9
Luz, R. C. 1996. Santo Antonio das Minas de Apiahy. Gráfica Regional. São Paulo, SP. 226p.