Artigo 4
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TRABALHO COMPLETO
1 INTRODUÇÃO
Mas também há a apropriação de tais informações por parte das pessoas comuns,
em suas atividades cotidianas, que acabam por tomar suas decisões e conduzir suas ações
nas várias esferas de suas atividades (saúde, política, profissão, etc) com base em
informações falsas, muitas vezes inclusive as compartilhando e aumentando sua
influência - fenômeno também designado pela expressão “desinformação”. Aliado a isso,
existe o fato de haver um amplo acesso à informação, por parte da população; uma ampla
possibilidade de checagem e verificação se tais conteúdos são verdadeiros ou falsos; e um
desinteresse em fazer essa verificação. É esse desdém pela verdade, em oposição a um
desejo de “estar sempre certo” ou “vencer o adversário” que vem sendo caracterizado
como uma cultura ou um regime de “pós-verdade” (ARAÚJO, 2021).
Tais fenômenos, naturalmente, por sua abrangência e impactos, têm se convertido
em objeto de estudo de várias ciências. Entre elas está a ciência da informação, uma
ciência historicamente voltada para o estudo dos modos de produção, de circulação e de
utilização da informação na sociedade, por meio da identificação de processos de
institucionalização, organização, mediação e muitos outros que atuam nos fluxos dos
conteúdos informacionais. Daí surgiu o tema de interesse da presente pesquisa, a busca
pela identificação das temáticas que vêm sendo efetivamente estudadas no campo da
ciência da informação relacionadas com tais fenômenos.
O objetivo da pesquisa foi mapear os trabalhos publicados no período de 2019 até
o primeiro semestre de 2022 sobre desinformação e Fake news. Para tanto, foram
realizadas buscas na BRAPCI, a Base de Dados em Ciência da Informação. Esse primeiro
trabalho foi apresentado em um evento científico, o Enancib, no ano de 2022. Depois
disso, foi realizada uma nova busca, adicionando novos trabalhos indexados na base que,
também, contemplassem o último semestre de 2022 e aqueles que foram inseridos até o
mês de maio de 2023. Com essa nova coleta e os comentários e críticas feitos ao trabalho
apresentado em 2022, foi concluída a pesquisa apresentada neste artigo.
A pesquisa direcionou-se para os seguintes pressupostos: Fazer uma breve
explanação acerca da temática da desinformação e Fake news e de como esses fenômenos
se enquadram nas dinâmicas dos regimes de informação; Estudar a possível existência de
estratégias que a CI tem traçado para enfrentar a desinformação; Identificar quais
diálogos estão ocorrendo com outras áreas quando se trata deste assunto.
Considera-se para este artigo, também, que estes regimes são as estruturas pelas
quais a informação trafega, são sistemas que se possuem meios de produção específicos,
operam por intermédio de estruturas organizacionais específicas e flui para
consumidores ou usuários específicos. Bezerra (2017) aponta mudanças no campo da
mediação da informação efetuadas por empresas como Google, Facebook, Apple, Amazon,
Netflix, Spotify dentre outras.
Com relação aos novos regimes de informação, mesmo que considerada a interação
dos sujeitos como produtores e consumidores de informação que estão fora do ambiente
empresarial, há predominância do uso de algoritmos que monitoram e categorizam a
navegação do usuário e, também, filtram o conteúdo que será disponibilizado a este
usuário em suas plataformas digitais. Os algoritmos de classificação de conteúdo digital
partem de decisões empresariais, que definem as opções de escolha da informação que
será disponibilizada ao usuário de uma plataforma digital, permitindo-se afirmar que há,
também, um novo regime de mediação da informação (BEZERRA, 2017).
Deve-se considerar que nos regimes de informação são determinadas as relações
e o poder exercido neles e por meio deles. Retomando Bezerra (2017), com bases em
González de Gómez (2012), estas redes sociais, da perspectiva dos novos regimes de
informação, são constituintes da vanguarda do poder formativo e seletivo entre atores
sociais e as agências organizacionais.
Seguindo as percepções dos autores supracitados, identifica-se que as empresas
responsáveis por estes novos regimes definem e constroem zonas e recursos de
visibilidade informacional, mas, não somente, também moldam aquilo que se define,
propicia e mobiliza como os valores da informação. Seja omitindo e/ou substituindo
informações que de outro modo estão socialmente disponíveis ou acessíveis, ou por
efeitos que não são totalmente intencionais da agregação de ações e meios relativos a
estes regimes.
Como efeito imediato das configurações desses regimes de informação, destaca-
se, por exemplo, a vigilância das ações dos indivíduos no meio virtual (seja para fins
econômicos ou políticos) e a personalização da experiência da navegação digital por
intermédio da coleta destes dados (BEZERRA, 2017, grifo do autor). Bezerra ainda
adverte sobre a eventual condução dos sujeitos a uma espécie de determinismo
informativo, que o autor considera como grave consequência deste tipo de
personalização.
1 Cabe aqui destacar a diferença entre os termos mídias e redes sociais. Mídias sociais compreendem o
conteúdo tais como fotografias, áudios, vídeos, mensagens, entre outros. Já as redes sociais são as
plataformas, os locais onde as pessoas interagem. (PIRES, 2019).
Desta forma, Araújo (2021), observa estes fenômenos sob a perspectiva de uma
cultura na qual há desprezo e desdém pela verdade, a pós-verdade, que é um conceito
intimamente ligado ao fenômeno da desinformação e que “[...] designa, nesse sentido, uma
condição, um contexto, no qual atitudes de desinteresse e mesmo desprezo pela verdade
se naturalizam, se disseminam, se tornam cotidianos, normais, e até mesmo estimulados.
(ARAÚJO, 2021, p. 9)”.
Esta cultura é permeada pelo forte apelo emocional às crenças religiosas, aos
discursos de ódio e do culto ao amadorismo, sendo estas características que constituem
este cenário no qual, não somente, persiste a mera circulação de desinformação.
Tratando-se mais especificamente dos aspectos da desinformação em si, percebe-
se esta como um fenômeno que ocorre de longa data nas interações sociais. Por exemplo,
Fallis (2015), assinala que a desinformação não é um acontecimento recente,
hodiernamente sua ocorrência parte desde as instâncias da publicidade enganosa (no
mundo dos negócios e na política), estendendo-se aos mais diversos tipos de manipulação
documental, tais como fotografias, mapas etc.
O autor ainda observa que a desinformação parece ter ganhado forças e tornando-
se predominante nos últimos anos. Nesta pesquisa amplia-se esta visão para seu estudo e
investigação nas mais variadas áreas do conhecimento.
Com vistas a se compreender como este fenômeno tem se fortalecido na sociedade,
indica-se que a desinformação é, também, uma informação, principalmente quando
consideradas suas características.
A primeira é que essa informação, no contexto da desinformação, é algo que
representa uma parte do mundo de alguma forma, ou seja, faz sentido para os sujeitos em
contato direto com este elemento. A segunda característica da desinformação é que ela é
um tipo de informação enganosa capaz de criar falsas crenças. A terceira característica é
que a desinformação não é enganosa ao acaso (FALLIS, 2015).
É produtivo adicionar às observações de Fallis as perspectivas de Wardle e
Derakhshan (2017) sobre desinformação, que os autores denominam como desordem da
informação e categorizam em três tipos: Misinformation, Disinformation e Malinformation.
Esses elementos se diferenciam entre si por suas dimensões de dano e falsidade.
Misinformation ocorre quando a informação incorreta é partilhada sem a
pretensão de causar dano ou, no caso, de não havendo intencionalidade subjacente ou
propósito consolidado de se prejudicar quem quer que seja, já que em alguns casos, este
tipo de conteúdo desinformativo pode ser captado e compartilhado nas redes por sujeitos
alheios a sua falsidade. A Misinformation também é impulsionada por fatores
sociopsicológicos, dado que, nos ambientes online, as pessoas se sentem livres para
representar suas identidades e, de certa forma, querendo se sentir pertencentes às mais
diversas"tribos".
Disinformation é compreendida como a transmissão de conteúdos enganosos feita
de maneira proposital com o intuito, intencionalmente e é projetada para causar danos.
observa-se a desinformação como sendo impulsionada pela obtenção de lucros e da
influência política.
Malinformation diz respeito ao uso de informação fidedigna com fins explícitos de
causar danos, deslocando-se estrategicamente informações da esfera privada para a
pública. Como exemplo está presente na ação de agentes russos que invadiram os e-mails
do Comitê Nacional Democrata e da campanha de Hillary Clinton e vazaram certos
detalhes ao público para prejudicar a reputação da pleiteante à presidência dos Estados
Unidos da América (EUA).
Estas questões apontam como a desinformação flui contemporaneamente por
meio das redes, como no exemplo das eleições presidenciais norte-americanas de 2016,
que colocaram holofotes nas Fake news (AGOSTO, 2018), termo que se tornou de uso
cotidiano não só nos EUA, mas, também no mundo.
Seguindo o apelo e a tendência do uso da desinformação por intermédio das Fake
news, nas eleições presidenciais brasileiras de 2018 houve disparos massivos de pacotes
de dados enganosos, como observado em artigo da revista Carta Capital (2019), na qual o
gerente de políticas públicas e eleições globais do aplicativo WhatsApp, Ben Supple,
admitiu disparo ilegal de mensagens nas eleições 2018.
Agosto (2018) ainda indica que o tópico das Fake news carece de uma análise para
muito além da esfera política que, na perspectiva da autora, enseja atuação bibliotecária
no enfrentamento do fenômeno. Para Wardle (2020) e Brisola (2021), o termo Fake news
é vago e não contempla a complexidade do fenômeno desinformativo, já que esta definição
não é capaz de abordar nuances e a amplitude do assunto. Elas defendem o uso de termos
adequados para cada tipo de conteúdo desinformativo - propaganda, mentira, teoria da
conspiração, boatos, conteúdo hiperpartidário, mídia manipulada, dentre outros.
Quadro 1 – Principais assuntos encontrados na Brapci utilizando os termos fake news AND
desinformação.
2019
MATA, M. L.; GERLIN, M. N. M.
2019
MOURA, A. R. P.; FURTADO, R. L.;
BELLUZZO, R. C. B.
2020
VILHENA, C. M. A.
2020
2021
SANTOS, L. R. D.; ANDRADE, E. L.
M.; LIMA, E. F.; FERNANDES, J. C.
C.
2021
PINHEIRO, M. H. B; GASQUE, K. C.
G. D.*
2022
SANTOS-D´AMORIM, K.;
MIRANDA, M. K. F. O.
2021 BONSANTO, A.
Aspecto político das fake news 2020 FONSECA, D. L. S.; SANTOS NETO,
J. A. D.
2021
CARVALHO, P. R.; SOUSA, P. C. C.;
SCHNEIDER, M. A. F.
2021 SEIBT, T.
2*Artigos recuperados na nova busca, compreendendo também o último semestre de 2022 e o primeiro
semestre de 2023.
Outra categoria que pode ser destacada é Infodemia (5) que está relacionada com
o período pandêmico e a quantidade de notícias (verdadeiras e falsas) circulando a
respeito da COVID-19, principalmente e como isso dificulta as instituições e profissionais
da saúde para vencer a pandemia do coronavírus. Com 5 trabalhos também estão artigos
que fizeram revisões de literatura sobre Fake news e desinformação.
Já o tema Aspecto político das Fake news aparece em 4 trabalhos. A Competência
Crítica em Informação conta com 3 artigos, bem como os trabalhos que falam sobre a
Epistemologia da CI. O que esses assuntos possuem em comum é um olhar para o
desenvolvimento de um pensamento crítico na sociedade, pois os indivíduos possuem
conhecimentos e habilidades, mas falta uma criticidade maior, para que não haja
retrocessos dos avanços sociais obtidos e, também, na defesa de direitos, praticando, de
fato, a cidadania. Este é, aliás, um dos desafios da CI: manter o diálogo com outras áreas,
como a comunicação, para que a formação do pensamento crítico possa ser
constantemente construída.
Entre outros assuntos encontram-se, com três ocorrências, saúde mental/
transtornos causados pelas Fake news; vacina/negacionismo; Fake news na área da
saúde; e práticas profissionais na CI/biblioteconomia. E, com duas ocorrências, fact-
checking e práticas profissionais da CI/biblioteconomia.
As temáticas apresentam determinados problemas ou desafios e indicam algumas
estratégias para os combater como, por exemplo, a checagem de fatos. Já os trabalhos
sobre negacionismo e o movimento antivacina assinalam os seus danos para a sociedade,
dada sua complexidade e por se tratarem de questões a serem vencidas somente por
intermédio do pacto social.
Por fim, surgiram temas com apenas um artigo publicado, tais como Jornalismo;
Informação colaborativa; Pós-verdade; Mediação; Alfabetização midiática e
informacional; Desinformação e responsabilidade legal; Campanhas de desinformação.
Ademais, destaca-se o fato de que, como exposto no artigo de Heller, Jacobi e Lima
(2020), a desinformação passou a ganhar destaque na CI a partir do ano de 2018, o que
complementa o exposto por Fallis (2015) sobre sua observação de que a desinformação
parece ter ganhado forças e tornando-se predominante nos últimos anos. Em
complemento, no artigo de Araújo e Vogel (2021) identifica-se que a CI foi o campo de
investigação que mais pesquisou sobre as Fake news nos últimos anos. Entretanto, os
autores discorrem que, anteriormente, pouco se publicou sobre o tema, demonstrando
ser este um fenômeno com várias possibilidades de investigação a serem exploradas pela
CI.
Uma discussão recente diretamente relacionada com os temas da pesquisa diz
respeito à responsabilidade legal acerca da desinformação, que é uma das questões
centrais do Projeto de Lei 2630, de 2020 (conhecido popularmente como “o PL das fake
news”) que está em discussão no Congresso Nacional. A temática se relaciona diretamente
com a questão danosa apresentada por Bezerra (2017), na perspectiva dos regimes de
informação.
Big techs têm se posicionado fortemente contra a aprovação deste projeto de lei,
como foi o caso da Google que exibiu em sua página de busca um link com informações de
que a PL estaria aprovando a censura, ou do Telegram que enviou diretamente a seus
usuários uma mensagem contrária à aprovação do projeto - mensagem essa contendo
elementos desinformativos.
Outro fator a ser observado aponta que as pesquisas com a temática das Fake news
(e termos correlatos) têm crescido, e que a CI pode contribuir com esta problemática do
estudo da desinformação e da pós-verdade, compreendendo melhor tais fenômenos (suas
causas, características e consequências), propondo ações de competências em informação
ou, ainda, atuando no desenvolvimento de estratégias para lidar com conteúdos
fraudulentos e desinformativos.
Também é válido ressaltar que o desafio da CI no enfrentamento à desinformação
se faz cada vez mais importante no sentido de defender a democracia brasileira, que foi
muito atacada nos últimos anos. No dia 8 de janeiro de 2023, inclusive, a população
brasileira presenciou a barbárie instaurada em Brasília no Palácio do Planalto, Supremo
Tribunal Federal e Congresso Nacional. É de conhecimento público que o que levou os
golpistas a realizarem o ataque, além do financiamento de grandes empresários,
especialmente do agronegócio, também foi impulsionada por uma série de inverdades
endereçadas aos sujeitos envolvidos neste processo. Foram discursos de ódio,
preconceito, religiões intolerantes, entre outros fatores.
REFERÊNCIAS
RIEMSDIJK, G.; et al. O fator fake news na WHATSAPP admite disparo ilegal de
atualidade, na mira da psicologia. mensagens nas eleições 2018. Carta Capital,
International Journal of Developmental [S. l.], 2019. Disponível em:
and Educational Psychology INFAD https://www.cartacapital.com.br/politica/w
Revista de Psicología v. 1, n. 1. ISSN: 0214- hatsapp-admite-disparo-ilegal-de-
9877. p. 255-262, 2020. Disponível em: mensagens-nas-eleicoes-2018/ acesso em:
https://revista.infad.eu/index.php/IJODAEP 23 maio 2022.
/article/view/1782/1575 Acesso em 23
maio 2022 ZAROCOSTAS, J. How to fight an infodemic.
Published: February 29, 2020. The Lancet
WARDLE, C.; DERAKHSHAN, H. Information Journal. v. 395, n.10225, p. 676. fev, 2020.
Disorder: Toward an interdisciplinary Disponível em:
framework for research and policy making. https://www.thelancet.com/journals/lancet
Concil of Europe: Strasbourg, 2017. /article/PIIS0140-6736(20)30461-
X/fulltext#%20, acesso em: 23 maio 2022.
WARDLE, C. Understanding Information
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Disponível em:
https://firstdraftnews.org/long-form-
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Acesso em: 10 maio 2023.