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FICHA TÉCNICA

Título
Os Impactos Sociais e Políticos da Guerra na Ucrânia
Nota Rápida de Prospetiva 07

Data
3 de agosto de 2022

Autoria
Unidade Técnica de Prospetiva e Planeamento (UTPP) – PlanAPP

Nota
Este documento faz parte de um conjunto de Notas Rápidas de Prospetiva que têm por objetivo
analisar os impactos e potenciais respostas à crise gerada pela invasão da Rússia à Ucrânia.

Edição
PlanAPP – Centro de Competências de Planeamento, de Políticas e de Prospetiva da Administração
Pública
Rua Filipe Folque, 44
1069-123, Lisboa
e-mail: utppgeral@planapp.gov.pt

Nota Rápida de Prospetiva 07 2


Os impactos sociais e políticos da
guerra na Ucrânia
A ofensiva militar russa na Ucrânia, iniciada a 24 de fevereiro de 2022, provocou uma das maiores
e mais rápidas crises humanitárias desde a Segunda Guerra Mundial. Milhões de ucranianos,
nomeadamente crianças e mulheres, tiveram que se deslocar dentro das fronteiras ou para fora
do seu país, o que potenciou o risco de tráfico e de exploração de pessoas.

A guerra na Ucrânia está a colocar em causa a segurança alimentar de vários países, estando
prevista uma crise alimentar de grande dimensão.

O conflito na Europa aumentou a probabilidade de tensões sociais devido ao aumento do preço


dos alimentos e da energia. A inflação será elevada durante um período relativamente longo,
impulsionada pelo encarecimento de commodities essenciais, pela escassez de certos materiais e
pela disrupção das cadeias logísticas, já afetadas pela crise provocada pela pandemia de COVID-
19. Adicionalmente, estima-se também que este ano ocorrerá um abrandamento significativo
do crescimento da economia global.
O choque desencadeado pelas sanções à Rússia, um dos principais fornecedores de matérias-
primas, produtos alimentares e energia à Europa, requer uma resposta que combine a aceleração
das transições energética e digital, a manutenção da coesão no espaço da União Europeia, com
recurso a um reforço substancial das políticas públicas e do seu financiamento, e uma
mutualização maior dos esforços a nível europeu, bem como a adoção de medidas de
emergência, tendo em conta as especificidades nacionais e os setores mais afetados.

Nota Rápida de Prospetiva 07 3


O maior fluxo de refugiados desde a Segunda Guerra
Mundial

As guerras têm um grande impacto sobre a população civil, pela destruição de capital humano e
físico, pela escassez de alimentos, combustíveis e outros bens essenciais, pela rutura de mercados
e pela inflação. Por estes motivos, acarretam privações bruscas e brutais, traumas, deslocamento,
desinformação e perda de confiança. Estas perdas de capital humano podem ser irreversíveis e
perdurar ao longo de várias gerações.
Segundo o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), desde o início do
conflito e até 1 de agosto, 10 170 875 pessoas fugiram da Ucrânia (Figura 1) e é provável que este
número continue a aumentar.

Figura 1 – Número de refugiados da Ucrânia por país de acolhimento (24 de fevereiro - 01 de agosto de
2022), em milhares

6000

5084,4
5000

4000

3000

2000 1857,1

1082,6
953,1
1000 627,6
549,3

16,7
0
Polónia Roménia Rússia Hungria Moldova Eslováquia Bielorrússia

Fonte: Nações Unidas1

Os números da crise atual são consideravelmente mais impressionantes quando comparados com
os de outras crises recentes, como as na Síria e na Venezuela (Figura 2).

1
https://data.unhcr.org/en/situations/ukraine

Nota Rápida de Prospetiva 07 4


Figura 2 – Comparação do número de refugiados da Ucrânia (24 de fevereiro – 1 de agosto de 2022) com os
maiores fluxos de refugiados das últimas décadas

Venezuela (2017-2018) Afeganistão (1980-1981)


2 920 000 2 145 000

Ruanda (1993-1994) Iraque (2005- Sudão de Sul


1 807 000 2006) (2016-2017)
1 202 000 1 003 003

Etiópia (1979- Libéria


Ucrânia (24 de fevereiro-01 de agosto) Síria (2012-2013) 1980) (1989-1990)
10 170 875 1 754 000 944 000 735 000

Fonte: ACNUR

O rápido afluxo de pessoas deslocadas para a parte mais ocidental do território ucraniano e para
os países vizinhos está a sobrecarregar a capacidade de resposta nessas zonas. Por exemplo, mais
de 150 000 ucranianos deslocados vivem agora em Cracóvia, na Polónia, um afluxo que, em
poucas semanas, aumentou a população da cidade em 20%.
Estima-se que cerca de 6,27 milhões de pessoas (valor estimado a 23 de junho de 2022) foram
deslocadas dentro da Ucrânia. Este valor representa 14% da população residente no país. De
acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), cerca de dois terços das crianças
ucranianas estão longe de casa.
Das pessoas deslocadas internamente na Ucrânia, 64% são mulheres. Mais de metade dessas
pessoas relataram dificuldades de acesso a alimentos, 15% querem voltar para casa assim que
possível e 8% sofreram danos no seu alojamento. Até 1 de agosto, cerca de 4,2 milhões de
ucranianos regressaram a casa. Segundo o ACNUR, estes movimentos de regresso podem ser
pendulares e não indicar retornos permanentes, uma vez que a situação na Ucrânia continua
altamente imprevisível2.

2
https://data.unhcr.org/en/situations/ukraine.

Nota Rápida de Prospetiva 07 5


As políticas públicas devem adaptar-se à vaga de
refugiados e às suas características

Os países de acolhimento dos refugiados da Ucrânia terão que prosseguir um conjunto de políticas
públicas que garantam a integração de pessoas que não se enquadram no padrão típico das
famílias que normalmente emigram, uma vez que se tratam sobretudo de crianças, mulheres e
idosos.
A Organização Internacional para Migrações (OIM) e a Alta-Comissária Adjunta para Proteção do
ACNUR, Gillian Triggs3, alertaram para o aumento do risco de tráfico humano e de exploração
sexual na Ucrânia e na região. Os diversos países estão a desenvolver medidas para prevenir e
combater esses problemas. A UNICEF e o ACNUR estão a aumentar o número de Centros Ponto
Azul (Blue Dot)4 nos países que acolhem refugiados.
O custo de processamento e acolhimento, no primeiro ano, dos requerentes de asilo, em 2015-
2016, foi estimado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) em
cerca de 10 000 euros por pedido e, segundo estudos realizados na Alemanha, em até 12 500
euros, dependendo do tipo e da dimensão de apoio (que tem um grau variável) de cada país.
Assim, o fluxo de quase 10,2 milhões de refugiados observado até agora pode resultar num custo
direto, no primeiro ano, de pelo menos 0,25% do PIB da União Europeia (UE) e provavelmente em
muito mais nos principais países de acolhimento (Polónia, Hungria, Roménia, Moldova e
Eslováquia).
Perante a situação humanitária provocada pela guerra na Ucrânia, a 4 de março de 2022 foi
ativada a Diretiva de proteção temporária, com os objetivos de aliviar a pressão sobre os
sistemas de asilo nacionais e de permitir que as pessoas deslocadas beneficiem de direitos
harmonizados em toda a UE.
A UE adotou também um regulamento designado CARE (Ação da Coesão para os Refugiados na
Europa), que permite aos Estados-membros utilizar dinheiro não gasto e não atribuído do
orçamento dos fundos de coesão para 2014-2020. A Comissão Europeia (CE) estima que o
financiamento total a ser desbloqueado por essa via será de cerca de 17 mil milhões de euros e
ajudará a cobrir os custos de alojamento temporário, fornecimento de comida, água, cobertores e
vestuário, aconselhamento psicológico, cuidados médicos, educação, formação, cursos
de línguas e acolhimento de crianças.
Neste âmbito, importa relevar outras dimensões como o aumento do discurso xenófobo na
Hungria e os problemas económicos na Polónia, na Roménia e na Eslovénia. Para que as políticas
e medidas de acolhimento aos refugiados da Ucrânia funcionem nestes países, parte do seu
orçamento deve ser destinado à sensibilização da população local, visto que, não raramente, os
movimentos xenófobos procuram crescer através da crítica à adoção de políticas favoráveis a
migrantes.

3
https://www.unhcr.org/tr/en/34695-statement-on-risks-of-trafficking-and-exploitation-facing-refugees-from-ukraine -
attributed-to-unhcrs-assistant-high-commissioner-for-protection.html
4
Os Centros Ponto Azul são espaços seguros, instalados na fronteira de países vizinhos, que fornecem informação e serviços
básicos aos refugiados, permitindo, por exemplo, a identificação e o registo de crianças não acompanhadas da família, assim como
a ativação de mecanismos de acompanhamento, proteção e encaminhamento de pessoas em situação vulnerável, nomeadamente
crianças e mulheres, atenuando o efeito traumático da guerra e o risco de tráfico ou de exploração dessas pessoas.

Nota Rápida de Prospetiva 07 6


Emergem as divisões ideológicas e geopolíticas

Numa sessão de emergência, realizada a 2 de março, a Assembleia Geral da Organização das


Nações Unidas (ONU) aprovou uma resolução de condenação da invasão russa da Ucrânia,
proposta por 93 países, incluindo todos os membros da UE e todos os membros da Organização
do Tratado do Atlântico Norte (NATO). A resolução foi aprovada com o voto favorável de 141 países,
sendo que 5 votaram contra e 35 se abstiveram.
Embora os aliados tradicionais da NATO na Ásia (Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Singapura) tenham
apoiado firmemente a posição ocidental, outros países dessa região, como a China e a Índia, não o
fizeram. Na última cimeira EUA-ASEAN, realizada em Washington, não foi emitida qualquer
condenação clara da invasão russa5.
Na América Latina, Bolívia, Cuba, El Salvador, Nicarágua e Venezuela abstiveram-se ou estiveram
ausentes da votação na Assembleia Geral ONU. Na primeira reunião do “grupo de contacto” de
apoio à Ucrânia, convocada pelos EUA e realizada em Ramstein (Alemanha), não participou
qualquer país da América Central ou do Sul6.
Para os países do Médio Oriente e do Norte de África é "geralmente difícil falar de uma posição
unificada sobre questões internacionais, especialmente na atual crise, dada a complexidade da
questão ucraniana e os importantes desafios geoestratégicos que fazem com que cada país árabe
se posicione com grande cautela e tenha em mente principalmente os seus interesses nacionais"7.
A Síria, cujo regime tem sido apoiado por uma intervenção militar russa, destaca-se por ter estado
do lado da Rússia.
Do total de 35 países que se abstiveram na primeira votação da Assembleia Geral da ONU, 17 eram
africanos. Uma das razões para esta situação pode ser o facto de, depois da anexação da Crimeia
em 2014, a Rússia ter procurado aumentar a sua influência na África, nomeadamente através da
venda de armas e de segurança privada nos países em conflito, como a República Centro-Africana
e o Mali. Países do Norte da África – como Egito e Argélia –, juntamente com outros países
africanos – Nigéria, África do Sul, Sudão e Tanzânia –, são também fortemente dependentes das
exportações russas de trigo.
Dos nove países que fazem parte da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP),
Portugal, Brasil, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste aprovaram a resolução da
Assembleia Geral da ONU de 2 de março. Embora não se tenham registados votos contra a
suspensão da Rússia do Conselho dos Direitos Humanos da ONU, Angola, Brasil, Cabo Verde,
Guiné-Bissau e Moçambique abstiveram-se.
Além das votações na ONU e das declarações públicas, é de notar que os países ocidentais, a par
dos seus aliados no Pacífico, foram praticamente os únicos a impor sanções à Rússia.
Inversamente, a Turquia – país membro da NATO –, Israel, Brasil e a generalidade dos países da
América Latina, África e Ásia não o fizeram.

5
https://www.voanews.com/a/despite-us-nudging-no-condemnation-of-russia-in-us-asean-summit-/6571143.html
6
Segundo o secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, os EUA e os seus aliados (40 países) passaram a reunir-se mensalmente
para discutir o fortalecimento das capacidades militares da Ucrânia contra a Rússia, formando o “grupo de contacto”
(https://www.dn.pt/internacional/dos-tanques-da-alemanha-as-reunioes-mensais-entre-aliados-o-que-saiu-do-encontro-
de-ramstein-14801465.html e https://www.politico.eu/article/ukraine-war-russia-united-states-defense-consultative-group/)
7
https://www.swissinfo.ch/por/guerra-na-ucr%C3%A2nia-destaca-falhas-da-onu/47498702

Nota Rápida de Prospetiva 07 7


Nos primeiros 100 dias da guerra da Rússia contra a Ucrânia, a opinião pública ajudou a consolidar
a resposta política da Europa. No entanto, uma sondagem recente revelou preferências
divergentes entre os europeus, o que pode indiciar a fragilidade da unidade subjacente àquela
resposta. A investigação da European Council on Foreign Relations (ECFR) mostra que, embora
sintam grande solidariedade com a Ucrânia e apoiem as sanções à Rússia, os europeus estão
divididos quanto aos objetivos fundamentais: dividem-se entre um campo de "Paz" (35% das
pessoas), que quer que a guerra termine o mais depressa possível mesmo que com prejuízo para
a Ucrânia, e um campo de "Justiça", que acredita que o objetivo mais urgente é punir a Rússia
(25% das pessoas)8.
Em todos os países, à exceção da Polónia, o campo "Paz" tem um peso maior do que o campo
"Justiça". Os cidadãos europeus manifestam uma preocupação com o custo das sanções
económicas e com a ameaça de uma escalada nuclear. Apenas na Polónia, Alemanha, Suécia e
Finlândia existe um apoio público substancial ao aumento das despesas militares, sendo de
assinalar que os protocolos de adesão à NATO destes dois últimos países foram formalizados no
início de julho9.
Estes dados sugerem que os governos terão de encontrar uma nova abordagem para colmatar o
fosso entre estes campos emergentes, a fim de reforçar a unidade europeia e evitar a polarização
entre e dentro dos países.
Dois exemplos ilustram o modo como tem sido feita a gestão da heterogeneidade e da unidade no
quadro da UE. Um desses exemplos é o facto de o sexto pacote de sanções à Rússia, que
estabelece a proibição de importações de petróleo por via marítima provenientes daquele país,
não impedir que a Hungria, a Eslováquia e a Chéquia, por ainda não terem alternativa de
abastecimento, continuem a importar petróleo russo por via do oleoduto de Druzhba10.
O outro exemplo decorre da aprovação do mecanismo ibérico que estabelece um regime
excecional, a vigorar entre 15 de junho de 2022 e 31 de maio de 2023, para a fixação dos preços
no mercado ibérico de eletricidade (MIBEL). Por via do desacoplamento do preço do gás natural da
formação de preço da eletricidade no MIBEL – e com o reconhecimento pela CE da especificidade
ibérica, nomeadamente a sua reduzida capacidade de interligação elétrica ao resto da Europa
continental –, pretende limitar-se a escalada dos preços da eletricidade e proteger quem está mais
exposto aos preços do mercado à vista11.

8
https://ecfr.eu/wp-content/uploads/2022/06/peace-versus-justice-the-coming-european-split-over-the-war-in-
ukraine.pdf.
9
https://observador.pt/2022/07/05/finlandia-e-suecia-mais-perto-da-nato-com-protocolos-de-adesao-assinados-paises-
ganham-estatuto-de-convidado-depois-de/.
10
https://www.publico.pt/2022/06/02/mundo/noticia/ue-aprova-regulamento-sexto-pacote-sancoes-russia-2008700.
11
https://www.portugal.gov.pt/pt/gc23/comunicacao/comunicado?i=governo-congratula-se-com-a-aprovacao-do-
mecanismo-iberico-que-limita-o-preco-do-gas-para-efeitos-de-producao-de-eletricidade.

Nota Rápida de Prospetiva 07 8


A generalização das pressões sobre os preços

As instituições internacionais têm vindo a rever em alta a taxa de inflação estimada para 2022.
Para a Zona Euro, a CE, em julho, previu que esta se venha a situar nos 7,6%12.
A transmissão do choque da guerra irá variar entre os países, dependendo das ligações comerciais
e financeiras, da exposição ao aumento dos preços das commodities e da intensidade da espiral
inflacionista.
A guerra na Ucrânia veio tornar mais difícil o compromisso entre duas necessidades: i) por um lado,
salvaguardar a recuperação económica, apoiar as populações vulneráveis, investir na transição
energética e proteger a população e as economias dos choques provocados pela guerra; ii) por
outro lado, combater a inflação através da subida das taxas de juro, controlar a despesa pública
após um período de despesas de emergência para reduzir os impactos causados pela crise gerada
pela pandemia e reconstruir os amortecedores fiscais.
Num estudo sobre o impacto da guerra na recuperação europeia, o Banco Europeu de
Investimento (BEI) sublinha que o aumento dos preços dos alimentos e energia “vai atingir
duramente as famílias mais pobres” e que o impacto da inflação será “desproporcional” entre os
grupos sociais, bem como entre os Estados-membros13.
Não obstante isto, há a notar que, para tentar suster a pressão inflacionária sobre o preço do crude
– que no final de maio oscilou entre 115 e 120 dólares por barril14 –, a 2 de junho, os países da
Organização dos Países Exportadores de Petróleo e os seus aliados (OPEP+) acordaram o aumento
de 50% da produção diária a partir de julho15. Num momento em que a tendência de depreciação
do euro face ao dólar já fez com que a moeda europeia ficasse abaixo da paridade em relação à
moeda norte-americana – algo inédito nas últimas duas décadas16 –, permanece incerto que
impacto terá este aumento de produção.

A economia global abranda


À semelhança da inflação, mas em sentido inverso, as instituições internacionais têm vindo a rever
em baixa as projeções para o crescimento do PIB da generalidade das economias para 2022 e
2023. No caso dos países diretamente envolvidos no conflito, as projeções apontam mesmo para
uma queda acentuada do produto. O Banco Mundial (BM), por exemplo, projeta, em 2022, uma
queda de 45,1% do PIB na Ucrânia, de 11,2% na Rússia e de 6,5% na Bielorrússia17.

Para a Zona Euro, o Banco Central Europeu (BCE), o FMI, a CE e a OCDE reviram em baixa a
estimativa de crescimento do PIB para 2022 face às que realizaram antes do início do conflito
(Tabela 1). Apesar de continuarem a apontar para um crescimento, é esperado que seja menor do
que o de 2021. As projeções destas instituições indicam ainda que esse crescimento seria ainda
mais reduzido se fossem considerados cenários de embargo ou de interrupção das importações
energéticas provindas da Rússia.

12
https://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/BRIE/2020/645716/IPOL_BRI(2020)645716_EN.pdf.
13
https://www.eib.org/en/press/all/2022-268-new-report-the-impact-of-the-war-on-europe-s-economic-recovery
14
https://pt.investing.com/commodities/brent-oil-historical-data.
15
https://expresso.pt/economia/2022-06-02-OPEP--aumenta-producao-de-petroleo-para-648.000-barris-por-dia-4e94231f.
16
https://eco.sapo.pt/2022/07/15/gasolina-desce-pela-sexta-semana-seguida-euro-trava-queda-maior/.
17
World Bank (2022), Europe and Central Asia (ECA) Economic Update, Spring 2022: War in Region, Washington, World Bank.

Nota Rápida de Prospetiva 07 9


Tabela 1 – Diferença entre as previsões de crescimento do PIB para a Zona Euro (antes e após o
início do conflito), em %

Instituição Projeções anteriores Projeções posteriores Diferença

BCE Dez-21 4,2% Mar-22 3,70% -0,5

FMI Jan-22 3,90% Abr-22 2,80% -1,1

CE Fev-22 4,00% Jul-22 2,60% -1,4

OCDE Dez-21 4,30% Jun-22 2,60% -1,7

Fonte: BCE18, FMI19, CE20 e OCDE21

As projeções de crescimento do PIB realizadas pelo FMI para a economia mundial, para as
economias mais avançados e para os mercados emergentes e economias em desenvolvimento
são significativamente mais baixas do que o crescimento observado em 2021 (Figura 3)22.

Figura 3 - Perspetivas para as economias mundiais (abril de 2022), em %

6,8
6,1

5,2

4,4

3,6 3,6 3,8


3,3

2,4

Economia global Economias avançadas Mercados emergentes e economias


em desenvolvimento

2021 2022 2023

Fonte: FMI23

18
Banco Central Europeu (2022), ECB staff macroeconomic projections for the euro area, ECB, Frankfurt am Main
19
IMF (2022), Regional Economic Outlook. Europe: Wr Stes Back the European Recovery, Washington, IMF
20
Comissão Europeia (2022), European Economic Forecast, Spring 2022, Institutional Paper 173, Luxembourg: Publications Office
of the European Union.
21
OCDE (2022), OECD Economic Outlook, Volume 2022 Issue 1: Preliminary version, OECD Publishing, Paris,
https://doi.org/10.1787/62d0ca31-en.
22
https://www.imf.org/-/media/Files/Publications/WEO/2022/April/English/text.ashx
23
https://www.imf.org/-/media/Files/Publications/WEO/2022/April/English/text.ashx

Nota Rápida de Prospetiva 07 10


Neste âmbito, o FMI enfatizou que “mesmo que a guerra terminasse em breve, o deslocamento e
a perda de pessoas, bem como a destruição do capital físico, prejudicariam seriamente a atividade
económica por muitos anos”, tendo concluído que, além dos impactos humanitários imediatos, o
conflito na Ucrânia atrasará “severamente a recuperação global da pandemia de COVID-19,
desacelerando o crescimento e aumentando ainda mais a inflação”24. A nova diretora-geral do FMI,
Kristalina Georgieva, aconselhou, por isso, os países a estarem preparados para mudanças e
choques repentinos, a constituírem economias mais ágeis e adaptáveis e a investirem em
resiliência.

A intensificação das tensões sociais

As consequências da guerra na Ucrânia têm-se feito sentir ao redor do globo e têm-se refletido
num aumento das tensões sociais. Em países como Paquistão, Peru, Irão, Sri Lanka ou Zimbabué
tem havido protestos, por vezes violentos, devido à inflação, que tem afetado sobretudo os
produtos alimentares. No caso específico do Sri Lanka, após a ocupação do palácio presidencial e
da residência do primeiro-ministro pelos manifestantes, o presidente da república renunciou ao
mandato25.
Os dados divulgados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) indicam
que 90% da população ucraniana poderá enfrentar pobreza e extrema vulnerabilidade económica
caso a guerra se prolongue. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação
(FAO) estimou que são necessários mais de 115 milhões de dólares para ajudar os agricultores e as
famílias ucranianas a evitar uma maior deterioração da situação de segurança alimentar e prevenir
a interrupção das cadeias de fornecimento de alimentos no país26.
A ONU estimou que o impacto desta guerra no mercado dos alimentos poderá fazer 7,6 a 13,1
milhões de pessoas passarem fome. Pelo mesmo motivo, a organização Human Rights Watch
(HRW) alertou que milhões de pessoas poderão passar fome em África, um continente onde muitos
países já enfrentam altos níveis de desnutrição e escassez de alimentos devido ao clima e à
pandemia de COVID-1927.
Num ambiente de tensão socioeconómica, a subida dos preços dos alimentos e da energia pode
aumentar, de forma indireta, a agitação social. Uma análise de dados históricos da Conferência
das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD) revela que, em geral, a
agitação social e o aumento do preço das commodities (em especial agroalimentares) estão
altamente correlacionados (Figura 4).

24
https://www.imf.org/-/media/Files/Publications/WEO/2022/April/English/text.ashx
25
https://visao.sapo.pt/atualidade/mundo/2022-07-15-demissao-oficial-do-presidente-do-sri-lanka-
substituicao-deve-demorar-uma-semana/.
26
https://www.fao.org/newsroom/detail/war-in-ukraine-fao-renews-appeal-to-bolster-agriculture-and-
provide-urgent-support-to-vulnerable-rural-households/en
27
https://multinews.sapo.pt/noticias/ucrania-ong-alerta-que-milhoes-poderao-passar-fome-em-africa-
devido-a-guerra/

Nota Rápida de Prospetiva 07 11


Figura 4 – O aumento dos preços aumenta o perigo da insegurança alimentar e da instabilidade
política (Índice de preços, ano base = 2008)

Primavera Árabe

Guerra na
Ucrânia

Crise
económico- Pandemia de
financeira COVID-19
mundial

Fonte: adaptado de UNCTAD28

Na Europa, em Espanha, a inflação atingiu 10,2% em junho – o máximo desde abril de 198529 –,
tendo-se observado vários protestos contra o aumento do preço dos combustíveis30. A Alemanha
chegou ao valor histórico de inflação de 8,7%, em maio, com uma redução ligeira para 8,2%, em
junho, mês em que entrou em vigor um pacote de medidas de combate à subida dos preços31, e
enfrenta intensos movimentos de protesto.
No Reino Unido, a inflação, em junho, cifrou-se em 9,4%, o valor mais alto desde março de 198232.
Após a criação de um novo imposto sobre a energia, que indignou famílias e empresas que
enfrentam custos energéticos cada vez mais elevados, movimentos sociais e sindicatos
promoveram manifestações que, nas semanas de abril, ocorreram em diversas cidades e vilas
britânicas33.
Em vários países e em vários setores de atividade, desde a ferrovia até à aviação, têm ocorrido
greves com impacto significativo, motivadas pela luta por aumentos salariais, pela melhoria das
condições de trabalho34 e pelo aumento do custo de vida, evidente nos preços crescentes da
alimentação e da energia.

28
https://news.un.org/pages/wp-content/uploads/2022/04/UN-GCRG-Brief-1.pdf
29
https://eco.sapo.pt/2022/06/29/inflacao-em-espanha-supera-os-10-e-esta-em-maximos-de-1985/.
30
https://www.dn.pt/internacional/milhares-de-pessoas-nas-ruas-em-espanha-em-protesto-convocado-pela-extrema-
direita-14696271.html.
31
https://eco.sapo.pt/2022/06/29/inflacao-na-alemanha-desacelera-para-82-em-junho/.
32
https://www.rtp.pt/noticias/economia/inflacao-do-reino-unido-atinge-91-e-e-a-mais-elevada-dos-ultimos-40-
anos_n1414704.
33
https://www.theguardian.com/money/2022/apr/02/protests-energy-prices-cap-uk-electricity-gas-household-bills
34
https://www.bbc.com/news/business-61634959 e https://simpleflying.com/brussels-airlines-unions-seek-ceo-meeting-
after-3-day-strike/.

Nota Rápida de Prospetiva 07 12


O plano para distanciar a UE dos combustíveis fósseis russos, o REPowerEU assenta em três
pilares: (i) poupança energética, (ii) aceleração da utilização de energia limpa e (iii) diversificação
do aprovisionamento energético.
Segundo a CE, a independência energética requer, por isso, "mudanças comportamentais" em
relação ao consumo de energia: utilizar mais transportes públicos, reduzir a velocidade nas
autoestradas, baixar a temperatura do aquecimento, utilizar menos o ar condicionado, trabalhar
em casa e escolher eletrodomésticos mais eficientes.
A este propósito, note-se que o governo alemão elaborou um plano de contingência energética
que inclui a possibilidade de o país racionar o gás, caso o fornecimento russo seja diminuído ou
cortado. Os impactos de um racionamento dessa fonte de energia, medida que já começou a ser
implementada35, podem ser muito significativos sobre o emprego e os rendimentos.
A inflação, a desaceleração do crescimento económico, a necessidade de alterar comportamentos
e consumos, têm vindo a criar a perceção de que a probabilidade de uma recessão na Europa e
nos EUA está a aumentar cada vez mais36. Num cenário de crise, com desemprego maior, redução
ou suspensão de salários por interrupção da atividade económica, dificuldade de acesso a bens e
serviços essenciais, as tensões sociais em cada país tenderão a agudizar-se, o que, combinado
com a tensão internacional atual, colocará os governos sob pressão crescente e exigências
contraditórias. Em virtude disto, os presentes equilíbrios políticos podem ser colocados em causa,
especialmente no caso de soluções de governo que reúnam forças políticas ideologicamente
heterogéneas ou com posições antagónicas sobre questões centrais – seja na forma de coligação,
seja na forma de acordos de incidência parlamentar -, visto que isto pode debilitar a capacidade
para a tomada de decisões e a estabilidade governativa.

35
https://www.ft.com/content/d0c5815f-f0a2-49ad-8772-f4b0fbbd2c94 e https://eco.sapo.pt/2022/07/08/alemanha-reduz-
iluminacao-publica-e-raciona-agua-quente-face-a-crise-energetica/.
36
https://www.ft.com/content/736f82b8-932c-408a-bc14-1fadf2f14aa9

Nota Rápida de Prospetiva 07 13


Os desafios da situação atual

À entrada do sexto mês após a invasão russa da Ucrânia, é evidente que a unidade da UE depende
cada vez mais da sua capacidade de promover medidas e soluções que atendam às necessidades
específicas dos Estados-membros e setores de atividade mais afetados diretamente pelo conflito.
A resposta à crise atual implica tanto um esforço humanitário, de apoio aos refugiados ucranianos,
quanto a mitigação dos impactos sociais gerados pela guerra, pela inflação e pela atenuação
do crescimento económico. A prolongarem-se e a agravarem-se estes efeitos – cenário plausível
em caso de diminuição ou interrupção súbita do fornecimento de gás russo aos países da UE –, pode
ser necessária a criação de outro instrumento europeu, de recuperação e resiliência, semelhante ao
que foi criado em reação à pandemia de COVID-19.
Além da tensão internacional, importa não esquecer a tensão inerente às políticas públicas e
medidas que têm vindo a ser prosseguidas. Ao mesmo tempo que é necessário reforçar o
investimento em defesa, manter a aposta nas transições verde e digital e continuar a sustentar
as políticas sociais, apoiando nomeadamente as pessoas mais afetadas pelos efeitos da guerra e
do aumento do custo de vida, importa também manter o equilíbrio entre os esforços orientados para
uma futura recuperação económica e o combate ao aumento da inflação.
Tal como a crise pandémica, a guerra na Ucrânia veio reiterar a evidência de que alguns
acontecimentos ou fenómenos podem causar danos socioeconómicos generalizados e com impacto
profundo. É, por isso, necessária uma estratégia, uma orientação de longo prazo, que antecipe
problemas e riscos, mas também a capacidade de ativar políticas públicas e medidas de reação
a eventos contingentes que permitam manter a coesão social e proteger o regime democrático.
A nova situação geopolítica constitui tanto uma oportunidade quanto um risco para Portugal.
Se, por um lado, o país, pela sua posição atlântica, pode ser uma plataforma privilegiada e segura de
relacionamento com países não-europeus, permitindo a entrada de recursos fundamentais à Europa
– como, por exemplo, fontes de energia –, por outro lado, não deixa de ter um papel exigente em
termos de articulação e equilíbrio entre o processo de integração europeia e a cooperação com os
países da CPLP, vários dos quais não estão alinhados com a política de sanções à Rússia.

Nota Rápida de Prospetiva 07 14

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