Rambo - O Estatuto Do Trabalhador Rural - 1963
Rambo - O Estatuto Do Trabalhador Rural - 1963
Rambo - O Estatuto Do Trabalhador Rural - 1963
RESUMO: O Estatuto do Trabalhador Rural (Lei no. 4.914, de 2 de março de 1963) pode ser
entendido como um marco na legislação trabalhista para o meio rural, brasileiro. A
promulgação do Estatuto, no contexto do acirramento das lutas sociais durante o governo de
João Goulart, foi a consolidação de duas décadas de mobilização e organização dos
trabalhadores rurais. Enfatizo, aqui, a apropriação da arena judicial pelos trabalhadores e
militantes na luta pelo reconhecimento e ampliação dos direitos no período anterior ao ETR,
amparados pelos poucos direitos previstos na CLT. Os direitos previstos no Estatuto, bem
como a competência da Justiça do Trabalho para dirimir os conflitos por tais direitos, tinham
um potencial legitimador para a crescente organização e mobilização dos trabalhadores
rurais assalariados no país. Entretanto, a repressão aos movimentos e organizações de
trabalhadores após o Golpe de 1964 representou uma severa restrição às possibilidades do
Estatuto.
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Mestrando em História do PPGH UFSC. Bolsista do CNPq.
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esperava a partir do ETR, e os fatores que contribuíram para limitar seu alcance e
frustrar seus objetivos.
Abordamos a Justiça do Trabalho como uma criação histórica, que na sua
implementação durante o Estado Novo se inspirava em experiências nacionais
anteriores à Revolução de 1930, bem como numa série de experiências
internacionais de mediação dos conflitos entre capital e trabalho (SILVA, 2016).
Consideramos que, a despeito das intencionalidades presentes durante a criação da
estrutura trabalhista durante o Estado Novo, seus efeitos não necessariamente
correspondem às intenções de seus formuladores (FRENCH, 2001). Para SILVA
(2016), durante a década de 1950 e início da década de 1960, os trabalhadores
teriam se apropriado da Justiça do Trabalho e utilizado as possibilidades de atuação
legal para levar adiante suas lutas. Para esse autor, a luta institucional e a luta direta
não eram excludentes: às vésperas do Golpe de 64, os trabalhadores combinavam
as vias da greve e do dissídio coletivo na consecução de seus objetivos. FRENCH
(2001) aponta que um dos efeitos do aparato legal do trabalhismo foi possibilitar que
as relações de trabalho deixassem de ser unicamente uma relação privada, restrita
ao local de prestação do trabalho, e passasse a ser regulada por normas e regras
definidas publicamente. A efetivação desse ideal de mediação pública, no entanto,
ficava a cargo da mobilização e ação dos trabalhadores.
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Trabalho (CLT), promulgada durante o Estado Novo varguista. É bem verdade que o código
promulgado em 1943 indica, no seu Artigo 7o, que “os preceitos constantes da presente
Consolidação, salvo quando for, em cada caso, expressamente determinado em contrário,
não se aplicam [...] aos trabalhadores rurais” (BRASIL, 1943). Ainda assim, previa para
estes uma série de benefícios, como o salário mínimo, a obrigatoriedade da carteira
profissional, a fixação da jornada de trabalho, aviso prévio, as férias e descansos
remunerados, a proteção do trabalho do menor, a obrigatoriedade do contrato individual, e o
limite de 30% do valor do salário para os pagamentos em bens, como alimentação, moradia
e vestuário (WELCH, 2010). Ocorreu que não houve maior vontade política por parte do
governo para efetivar tais direitos a despeito da resistência dos fazendeiros: não foi criada
uma estrutura administrativa capaz fiscalizar o cumprimento da lei, nem foi possível
promover e regulamentar a sindicalização rural.
Ainda assim, a CLT serviu como base para uma série de lutas e reivindicações nas
décadas seguintes. A partir de ações trabalhistas ajuizadas por “colonos” das fazendas de
café do norte do Paraná, na década de 1950 e início dos anos 1960, PRIORI (2005) aborda
a Justiça do Trabalho como um dos espaços em que se constituiu o debate acerca dos
direitos dos trabalhadores rurais no Brasil. Tendo como base os poucos direitos previstos na
CLT, os tribunais do trabalho foram acionados para dirimir conflitos entre os “colonos” e
seus empregadores. O salário mínimo e as férias eram direitos previstos pela legislação de
1943, e amplamente desrespeitados nas relações de trabalho do campo. Para mediar tais
conflitos, a Justiça do Trabalho precisou formular um entendimento acerca da natureza das
relações de trabalho a que estavam sujeitos os colonos, determinando se estes eram
trabalhadores rurais ou empreiteiros. A Justiça do Trabalho teria sido importante, na
perspectiva do autor, por atuar no reconhecimento os trabalhadores rurais enquanto classe,
sendo um espaço de debate que visava a ampliação de seus direitos2.
A defesa jurídica dos direitos já previstos na CLT foi ainda um elemento fundamental
na organização dos trabalhadores do campo no interior de São Paulo, durante a década de
1950. No período, a sindicalização rural era disputada por diferentes organizações, das
quais as mais atuantes eram o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e os Círculos Operários
católicos. Mesmo que a reforma da posse da terra tenha se sobressaído entre os objetivos
dos movimentos rurais3, o PCB moveu-se no sentido de adotar e incentivar a estratégia de
luta na Justiça do Trabalho, visando garantir sua influência entre os lavradores (SILVA,
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PRIORI (2005) utiliza em sua argumentação, principalmente, as sentenças proferidas pelos juízes do trabalho e
pelos Tribunais Superiores, dando também atenção às petições iniciais e à contra argumentação dos advogados
dos empregadores.
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WELCH, 2010, p. 248 nota que a reforma agrária esteve no centro dos manifestos das Conferências Nacionais
dos Trabalhadores Agrícolas, organizadas pelo PCB em 1953 e 1954. Entretanto, o manifesto de 1953 propunha
a reforma radical da posse da terra e ignorava a questão trabalhista rural, enquanto que em 1954 se enfatizava a
necessidade a luta pela reforma agrária por meios legais e ainda o cumprimento e ampliação das leis trabalhistas.
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3. A promulgação do ETR
No âmbito do Congresso Nacional, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) buscou
aprovar uma pauta de reformas sociais a partir da segunda metade da década de 1950,
sendo constituída em 1956 uma comissão buscando elaborar um código para os
trabalhadores do campo, enfrentando forte oposição no Congresso (SILVA, 2009). Após as
eleições legislativas de 1962, com o fortalecimento da bancada petebista, o Executivo
encaminhou ao Congresso o projeto de lei que, após receber algumas emendas, resultou no
Estatuto do Trabalhador Rural (ETR). Há ainda, acerca desse evento, uma lacuna de
pesquisas que abordem os debates que ocorreram durante a tramitação do projeto de lei,
bem como as pressões dos grupos sociais a favor e contra o Estatuto, a repercussão na
imprensa, etc4.
Como bem aponta WELCH (2010), o Estatuto do Trabalhador Rural surgiu após
mais de duas décadas de debates e lutas sociais, além de iniciativas e recuos por parte do
Estado, no sentido de regulamentar o trabalho no campo. No momento de sua criação, a
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No entanto, há pesquisadores se dedicando ao tema. Ver (MAGALHÃES, 2018).
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Criado pela Lei n° 367, de 31 de dezembro de 1936, por iniciativa do Ministério do Trabalho, durante o Estado
Novo. A partir de 1945, expandiu sua área de atuação para o financiamento habitacional. Existiu até 1966,
quando, juntamente com outros Institutos de Pensão, deu lugar ao INPS – Instituto Nacional de Previdência
Social.
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4. Os efeitos do ETR
Por ocasião da promulgação do ETR, o historiador Caio Prado Júnior escreveu, no
número 47 da Revista Brasiliense, publicado em junho daquele ano, um artigo em que
chamava atenção para a importância da referida lei no contexto da luta pelas chamadas
“Reformas de Base”, ao mesmo tempo em que criticava o desinteresse das forças “de
esquerda e progressistas” pelo debate e elaboração do projeto de lei no Congresso (PRADO
JÚNIOR, 1979). A dimensão dessa conquista legislativa era assim caracterizada pelo autor:
A extensão da legislação social-trabalhista para o campo e a proteção legal do
trabalhador rural – até hoje praticamente excluído dessa proteção que só vem
favorecendo o trabalhador urbano – têm um alcance econômico e social que raros
diplomas legais tiveram até hoje entre nós. Apesar das graves falhas que apresenta
a lei promulgada, e que logo veremos, seus efeitos serão consideráveis, pois se
efetivamente aplicada com o devido rigor, promoverá por certo uma das maiores
transformações econômicas e sociais já presenciadas neste país. (PRADO JUNIOR,
1979, p. 142-143)
Por uma série de razões, as potencialidades que Prado Júnior via no Estatuto não se
confirmaram. Em primeiro lugar, a lei surgiu num momento em que já ocorria, ao menos em
certas regiões e culturas agrícolas, o abandono do modelo de trabalho no qual os
trabalhadores residiam nas propriedades, tornando-se mais frequente o chamado trabalho
volante. Após o ETR, notou-se a acentuação do trabalho “boia-fria” e relacionou-se à lei
trabalhista a nova realidade do trabalho rural. De fato, a lei pode ter acelerado o processo,
uma vez que os fazendeiros buscavam livrar-se das obrigações trabalhistas ao contratar
trabalhadores por intermédio de “turmeiros”, de forma mais ou menos intermitente (SABÓIA,
1978). De igual significância foi o desmonte das lutas camponesas que sobreveio ao Golpe
de 64, que interrompeu um processo de sindicalização rural e organização dos
trabalhadores, o qual, se bem sucedido, poderia ter acirrado a luta pelo cumprimento dos
direitos previstos em lei (WELCH, 2010). O período ditatorial que se abria colocava sob
suspeita o próprio ato de recorrer à Justiça do Trabalho, especialmente nas regiões onde a
organização camponesa foi mais notável no período anterior, como argumentou Montenegro
em relação à Zona da Mata pernambucana (MONTENEGRO, 2013).
Após mais de duas décadas de intensa mobilização camponesa, os trabalhadores
rurais finalmente haviam conquistado um conjunto de leis que favorecia a organização
sindical, previa direitos trabalhistas capazes de equipará-los aos trabalhadores urbanos -
Carteira profissional, previdência e assistência à saúde - e colocava as condições para
aumentar o poder dos trabalhadores frente aos fazendeiros. Entretanto, ainda em 1963 o
"potencial irônico" do Estatuto do Trabalhador Rural já se revelava com a recusa dos
proprietários em negociar com os trabalhadores organizados, impulsionando o processo de
expulsão dos trabalhadores residentes nas fazendas. Embora a emigração de camponeses
para os centros urbanos, a transformação dos cultivos para depender menos da mão-de-
obra, e a substituição dos trabalhadores fixos por volantes já estivesse em curso, a
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apreensão dos proprietários com o novo código legal, bem como sua recusa a aceitar seus
termos, contribuíram para que o processo se intensificasse (WELCH, 2010).
Concomitantemente, o golpe de 1964 representou um balde de água fria em relação
às expectativas criadas pelo Estatuto. Este facilitava a sindicalização rural em relação à
norma anterior (Portaria 209-A, de 20 de junho de 1962), fazendo com que ao final de 1963
270 sindicatos tivessem sido reconhecidos, ao passo que 555 aguardavam o
reconhecimento estatal. A Superintendência da Política Agrária (SUPRA), criada no final de
1962 para viabilizar os projetos de reforma agrária, atuou de forma a incentivar e auxiliar a
formação de sindicatos rurais, de forma que em abril de 1964 haviam 1.604 sindicatos rurais
formados e reconhecidos no Brasil. Em 1963, foi criada a Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), reunindo 23 federações, cerca de 800 sindicatos e
aproximadamente 1 milhão de associados (WELCH, 2010). O golpe fez-se sentir nas
entidades e instituições construídas pelo movimento camponês: a SUPRA teve escritórios
invadidos, foi desacreditada e seu pessoal sofreu perseguição. Em novembro, deixou de
existir para dar lugar a duas novas agências - o IBRA e o INDA (WELCH, 2010). Em relação
aos sindicatos, a repressão não foi menor:
Todos os funcionários da CONTAG foram julgados subversivos, e 23 das 33
federações estaduais foram julgadas “fantasmas" e apagadas dos registros do
Ministério do Trabalho. Dentro de um ano, o regime fechou 2.381 sindicatos de
produtores autônomos, pequenos proprietários, trabalhadores agrícolas e rurais pela
mesma razão, deixando o país com apenas cerca de 490 sindicatos funcionando em
agosto de 1965 (WELCH, 2010, p. 142).
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Trabalhador Rural, segundo a mensagem do Ministro, residiria no fato de que ele, em parte,
duplicava normas e repetia preceitos já presentes na Consolidação das Leis do Trabalho,
aumentando a complexidade do sistema legislativo brasileiro e obrigando “o intérprete a
uma cansativa pesquisa, sempre atento à possibilidade de que o emprego de expressões
sinônimas possa acarretar consequências jurídicas diversas” (PRUNES, 1975). A proposta
era, desse modo, revogar o ETR e considerar a CLT como o código legal vigente para os
trabalhadores rurais, apontando quais artigos da Consolidação teriam validade ou não
quando se tratasse destes trabalhadores. A nova lei a ser aprovada colocaria o trabalhador
rural sob a proteção da CLT e se incumbiria de complementar aquela legislação com as
definições conceituais e normas próprias, relativas às “peculiaridades do trabalho rural”
(PRUNES, 1975).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fruto de mais de duas décadas de lutas dos movimentos dos trabalhadores rurais e
camponeses, o Estatuto do Trabalhador Rural representou uma tentativa ambiciosa de
estender ao meio rural os direitos trabalhistas já previstos para os trabalhadores urbanos.
Ao mesmo tempo em que culminava as lutas e conquistas das décadas anteriores, possuía
o potencial de abrir um novo período de lutas pela implementação desses direitos, que ainda
estavam distantes do campo no início dos anos 60. Entretanto, as condições políticas,
economicas e sociais para que as promessas do Estatuto se realizassem se degradaram
rapidamente a partir do Golpe de 1964, restando aos trabalhadores, grosso modo, apenas a
possibilidade de reclamar individualmente quando do não cumprimento de seus direitos,
recebendo compensações financeiras pelos direitos sonegados.
Para compreender melhor o papel da Justiça do Trabalho e da legislação trabalhista
nos anos que se seguiram ao Golpe, cabe pesquisar no acervo da Justiça do Trabalho os
autos processuais das reclamatórias movidas por trabalhadores rurais. Por meio delas,
pode-se compreender quais os principais direitos que eram negados aos trabalhadores em
cada tipo de atividade econômica, bem como quais as dificuldades que encontravam ao
buscar fazer cumprir seus direitos.
REFERÊNCIAS
BORGES, Tomás Pompeu Acióli ; MEDEIROS, Leonilde Servolo de. Estatuto da Terra. In.
Dicionário FGV-CPDOC. Disponível em
<http://www.fgv.br/Cpdoc/Acervo/dicionarios/verbete-tematico/estatuto-da-terra-1>. Acesso
em 04/08/2019.
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PRUNES, J .L. Ferreira. Comentários ao novo Estatuto do Trabalhador Rural. 1. ed. Rio
de Janeiro: Edições Trabalhistas S.A., 1975.
SILVA, Ricardo Oliveira da. O debate sobre a legislação trabalhista rural (1960-1963): o
caso de Caio Prado Júnior e Francisco Ferrari. Aedos, Porto Alegre, v. 2, n. 4, p. 262-274,
2009. Disponível em <http://www.seer.ufrgs.br/aedos/article/view/11450>. Acesso em
06/06/2017.
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