Práticas Corporais - Carvalho
Práticas Corporais - Carvalho
Práticas Corporais - Carvalho
ISSN: 0104-754X
stigger@adufrgs.ufrgs.br
Escola de Educação Física
Brasil
Palavras-chave Resumo: O objetivo do ensaio é defender que as práticas corporais e atividades físicas
Promoção da saúde. que são ofertadas na Atenção Básica do Sistema Único de Saúde não se resumam
Atenção primária à apenas a atividades de prevenção das doenças crônicas não transmissíveis, sem
saúde. desconsiderar a importância de tais ações. São reflexões e ideias que poderão contribuir
Sistema Único para que trabalhadores da Atenção Básica possam auxiliar sujeitos e coletividades a
de Saúde. agirem em favor de sua saúde através daquelas práticas. Assim, as práticas corporais
Exercício. e atividades físicas são compreendidas num sentido mais amplo, destacando-se o
encontro, a convivência, a formação e fortalecimento de grupos sociais nos territórios ao
criar e/ou aumentar o vínculo entre os sujeitos e destes com os trabalhadores e serviços
de saúde.
Keywords Abstract: The purpose of this essay is to argue that body practices and physical activities
Health promotion. offered by Primary Health Care under the Unified Health System are not restricted to
Primary Health Care. activities for chronic disease prevention – without ignoring the importance of such actions.
Unified Health These are reflections and ideas that may contribute for Primary Health Care workers to
System. help individuals and communities to improve their health through those practices. Thus,
Exercise. body practices and physical activity are understood in a broader sense, especially as
encounters, coexistence, education, as well as strengthening of social groups in the
territories by creating and/or enhancing bonds among subjects and between them and
health workers and services.
Palabras clave Resumen: El propósito de este ensayo es defender que las prácticas corporales y las
Promoción de la actividades físicas que se ofrecen en la atención primaria del Sistema Único de Salud
salud. no se resuman solamente a actividades de prevención de enfermedades crónicas no
Atención Primaria transmisibles, sin desmerecer la importancia de este tipo de acciones. Son reflexiones *Escola Nacional de Saúde Pública
de Salud. e ideas que podrían contribuir para que trabajadores de la Atención Primaria puedan Sergio Arouca. Fundação Oswaldo
Cruz. Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Sistema Único de auxiliar a individuos y colectivos para que actúen en favor de su salud a través de E-mail: fabiofbcarvalho@gmail.com
Salud. esas prácticas. Así, las prácticas corporales y actividades físicas son entendidas en un
Ejercicio. sentido más amplio, donde se destacan el encuentro, la convivencia, la formación y el Recebido em: 31-08-2015
fortalecimiento de grupos sociales en los territorios al crear y/o aumentar el vínculo entre Aprovado em: 10-10-2015
los sujetos y entre éstos y trabajadores y servicios de salud. Licence
Creative Commom
1 INTRODUÇÃO
reflexões e ideias que poderão contribuir para que trabalhadores da AB possam auxiliar sujeitos
e coletividades a agirem em favor de sua saúde.
Para isso apontaremos a polarização entre os termos/conceitos: práticas corporais
e o de atividade física. Para alguns autores eles são indissociáveis e antagônicos, já para
outros há a possibilidade de complementação. Abordaremos ainda as PC e AF na atuação
profissional na AB e posteriormente defenderemos a necessidade delas não se resumirem
à prevenção das DCNTs, como hegemonicamente têm sido difundidas, assim como faremos
algumas considerações.
2 METODOLOGIA
Este ensaio consiste em uma revisão de literatura não sistematizada mediante a busca
de informações em periódicos, livros e documentos oficiais sobre o tema que permitem situar
os conhecimentos sobre a questão tratada no ensaio, qual seja, a relação das PC e AF na AB
com a saúde, sem ter o objetivo de esgotar as possibilidades que o tema oferece.
ainda há a complementação deste último conceito que traz a dimensão dos significados que as
pessoas atribuem às manifestações da cultura corporal de determinado grupo, contemplando
as vivências lúdicas e culturais.
Para Damico e Knuth (2014) a diferenciação desses termos/conceitos produz sentidos
de poder e saber extremamente conflitantes e duais, segundo Yara Maria de Carvalho (2007),
o conceito de AF homogeneizaria o coletivo e padronizaria o corpo. Ferla et al. (2013), ao se
referirem a ela, tratam de propostas sistematizadas de movimento que consideram apenas
o biofisiológico dos indivíduos. Os últimos autores afirmam que o termo/conceito PC estaria
ligado aos processos de subjetivação, às manifestações culturais, entre outros fatores.
Assim, há dois extremos: havendo a quantificação energética, necessariamente ocorre
a destituição de sentidos e significados do movimento corporal para os sujeitos, ou partindo/
considerando a subjetividade e cultura destes, sendo lúdico, o movimento não necessitaria de
energia para ocorrer.
Contudo, é possível encontrar na literatura alguns autores que buscam, de alguma
forma, aproximar os conceitos. Fabio Fortunato Brasil de Carvalho (2012a) faz a apropriação do
termo/conceito AF para denominar um campo geral que englobe o desporto, o lazer, a aptidão
física, as PC e exercícios físicos a partir da crença da necessidade de sua compreensão num
sentido amplo, o que extrapolaria a simples quantificação energética. Para este autor, seria
possível que as PC fizessem parte do termo/conceito AF, num sentido ampliado. Também se
encontra na literatura a proposta de uma sistematização das PC na qual o exercício físico4 é
incluído (BRASIL, 2013).
Damico e Knuth (2014), ao se referirem ao saber epidemiológico, afirmam que é
possível que o entendimento das AF não seja em um sentido unicamente biológico. Estes
autores destacam que o debate que envolve tais conceitos ainda é inoperante no cotidiano dos
serviços de saúde, sendo mais robusto no enfrentamento epistemológico.
Reiteramos então a afirmativa inicial de que podem ser atribuídos distintos sentidos
para um conceito, a partir daí tanto é possível compreender o conceito de AF num sentido
mais amplo, que não considere apenas a energia despendida para a realização do movimento
corporal e, com isso, exclusivamente o aspecto biológico, assim como é possível compreender
o conceito de PC que não exclua este mesmo aspecto.
Ainda não há um consenso que relacione apenas um dos termos/conceitos ao sentido
amplo apresentado aqui, que una os aspectos subjetivo, cultural, histórico, social e o biológico.
Optamos pela utilização do termo práticas corporais e atividades físicas a partir da defesa
da compreensão dele de forma ampliada, sem desconsiderar os aspectos citados e sem
hierarquizá-los.
Para ampliar o escopo das PC e AF na AB é necessário abordá-las a partir da atuação
profissional, assim neste momento abordaremos a questão já que para ir além da prevenção
das DCNTs é necessário considerar as especificidades das profissões, buscando a superação
da fragmentação das ações de saúde pelo recorte da atuação profissional.
Reconhecemos as especificidades da atuação dos profissionais e trabalhadores da
AB, em especial os técnicos e de ensino superior que têm formação específica e inscrição em
4 O exercício físico é um terceiro conceito, “É toda atividade física planejada, estruturada e repetitiva que tem por objetivo a melhoria e a
650 manutenção de um ou mais componentes da aptidão física” (BRASIL, GTPS, 2012a, p. 22). Grifo nosso.
Assim, a partir do conhecimento das possibilidades dos usuários que realizarão as PC e AF,
deve-se analisar a necessidade de realização de avaliações específicas.
Também é necessário conhecer as experiências, interesses, expectativas e
disponibilidade desses sujeitos. Os trabalhadores e profissionais de saúde devem estar
atentos à execução das PC e AF, saber como os sujeitos estão reagindo a elas, enfim, deve
haver a troca de informações e conhecimentos sobre a atividade proposta e/ou realizada. A
diversificação das modalidades das PC e AF é essencial para que o maior número de usuários
possa e queira participar. Dada a diversidade regional brasileira, devem ser respeitadas as
características culturais locais, mas nada impede de serem apresentadas novas atividades. É
necessário saber o que os participantes acharam desta nova atividade e dar oportunidade para
que essas opiniões permitam a ressignificação da prática. Em ambos os casos, as atividades
devem considerar as necessidades dos usuários e os determinantes e condicionantes da
saúde.
As atividades coletivas têm a potencialidade da formação de grupos heterogêneos, o
que fará as pessoas vivenciarem as diferenças e perceber que elas não devem ser impeditivas
e, sim, constituintes da diversidade que é inerente à condição humana. Além disso, o
estabelecimento de um ambiente acolhedor no qual as diferenças sejam tratadas de maneira
positiva tornará as atividades mais atrativas. É possível levantar e debater questões de gênero,
étnico-raciais, ligadas aos ciclos de vida, a competitividade exacerbada, os padrões estéticos,
doenças prevalentes, enfim, são muitas as possibilidades.
Destaca-se também que atualmente questões como beleza, estética, modismo e culto ao
corpo recebem grande enfoque e as PC e AF são diretamente relacionadas a elas (BAPTISTA,
2013). Tais questões ganham contornos identitários (BAGRICHEVSKY, 2006, CASTIEL;
VASCONCELLOS-SILVA, 2006), ou seja, uma determinada forma física corporal pode significar
aceitação ou rejeição. A aparente dicotomia entre estética e saúde carece de abordagem na AB,
elas podem andar juntas quando: se aceita o que é independentemente dos padrões de corpos
hegemônicos, se entende que cada pessoa é única e o seu corpo é a sua forma de interagir com
o mundo, ou podem afastar-se já que nem sempre um corpo “sarado” é um corpo saudável, isto a
partir de opções do uso de substâncias ou comportamentos que possam comprometer seriamente
a saúde de quem as usa ou faz, os esteroides anabolizantes e dietas “mirabolantes” são exemplos.
De forma geral, há o entendimento, muitas vezes implícito até no pensamento de
trabalhadores e profissionais de saúde, de que características morfológicas como magreza ou
corpos musculosos são exemplos de saúde, denotando a concepção que privilegia o biológico
quando refere à saúde (CARVALHO, 2008). A priori, não há nenhum problema em querer
mudar a aparência física, isso pode até significar melhorar a condição de saúde, por exemplo,
se pensarmos na obesidade. Quando falamos sobre aparência física, isso também inclui a
perda de peso que faz parte de um projeto ou plano terapêutico na doença citada. Contudo, a
forma como isso será feito deve ser objeto de reflexão, problematização e ação. O que se quer
evitar é a busca de corpos baseados em modelos externos, muitas vezes inalcançáveis.
5 CONSIDERAÇÕES
Este ensaio tem um caráter reflexivo e propositivo, não é objetivo dele esgotar todas
as possibilidades do tema, mas sim fazer um convite para a construção de uma gama maior
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REFERÊNCIAS
TURA, Lurdes Maria Toazza et al. Atenção Primária em Saúde. In: SOUZA, Maria Fátima de;
FRANCO, Marcos da Silveira; MENDONÇA, Ana Valéria Machado (Org.). Saúde da família nos
municípios brasileiros: os reflexos dos 20 anos do espelho do futuro. Campinas: Saberes, 2014.
p.178-205.
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