CALVINO, Institutas Da Religião Cristã, II - XV
CALVINO, Institutas Da Religião Cristã, II - XV
CALVINO, Institutas Da Religião Cristã, II - XV
1ª edição – 1985
2ª edição – 2006
3.000 exemplares
Tradução
Waldyr Carvalho Luz
Revisão
Valter Graciano Martins
Wendell Lessa Vilela Xavier
Formatação
Edições Parakletos
Fechamento
Wendell Lessa Vilela Xavier
Capa
Magno Paganelli
Conselho Editorial
Cláudio Marra (Presidente), Alex Barbosa Vieira, André Luís Ramos, Francisco Baptista de Mello,
Mauro Fernando Meister, Otávio Henrique de Souza, Ricardo Agreste,
Sebastião Bueno Olinto, Valdeci da Silva Santos.
C A P Í T U L O XV
254. Primeira edição: “Friamente, porém, nem com grande fruto, referem-se, ademais, [estas funções]
igualmente no Papismo, onde se desconhece quê em si contenha cada título [desses].”
CAPÍTULO XV 249
que haviam sido ensinados por oráculos explícitos. Destacada entre outras é a de-
claração de Isaías: “Eis que o pus por testemunha aos povos, eu o dei por guia e
mestre aos povos” [Is 55.4]; na verdade, no mesmo teor, já em outro lugar [Is 9.6] o
havia chamado o “mensageiro ou intérprete do grande conselho”.
Por esta razão, enaltecendo a perfeição da doutrina do evangelho, onde disse
“haver Deus outrora falado pelos profetas, de diversas maneiras e sob muitas figu-
ras” [Hb 1.1], o Apóstolo adiciona: “nestes últimos tempos ele nos falou por inter-
médio do Filho amado” [Hb 1.2]. Contudo, visto que foi tarefa comum aos profetas
manter a Igreja em expectação, e ao mesmo tempo sustê-la até a vinda do Mediador,
por isso lemos que os fiéis se queixavam, em sua dispersão, de estar privados desse
benefício costumeiro: “Não vemos nossos sinais; não há profeta entre nós; não há
quem conheça mais a fundo” [Sl 74.9]. Mas, de fato, quando Cristo já não estava
longe, foi apontado a Daniel o tempo “para selar a visão e a profecia” [Dn 9.24],
não somente para que a autoridade da profecia se evidenciasse segura do que ali
se trata, mas também para que os fiéis ficassem de ânimo tranqüilo, sem profetas
por um tempo, uma vez que estaria iminente a plenitude e conclusão de todas as
revelações.
do céu: “Este é o meu Filho amado, ouvi-o” [Mt 17.5]. Ademais, esta unção se
difundiu da própria Cabeça aos membros, como fora predito por Joel [2.28]: “Vos-
sos filhos profetizarão e vossas filhas verão visões”, etc. No entanto, o que diz
Paulo, que ele nos foi dado por sabedoria [1Co 1.30], e em outro lugar que nele
estiveram escondidos todos os tesouros do conhecimento e do saber [Cl 2.3], tem
sentido um pouco diferente, isto é, fora dele nada há proveitoso de se conhecer, e
todos quantos pela fé percebem o que ele é têm abraçado toda a imensidade das
bênçãos celestiais. Razão por que escreve, em outro lugar: “Nada considerei valioso
conhecer, exceto Jesus Cristo, e este crucificado” [1Co 2.2]. O que é muitíssimo
verdadeiro, porquanto não é lícito ir além da simplicidade do evangelho. E a isto
conduz a dignidade profética em Cristo: que saibamos estarem incluídos todos os
elementos da perfeita sabedoria na suma de doutrina que ele ensinou.
255. Primeira edição: “Venho ao Reino, acerca do qual em vão se fazem considerações...”
256. Primeira edição: “porquanto daí se colige a quê valha e quê nos confira...”
CAPÍTULO XV 251
257. Primeira edição: “a bem esperar [os] anima quantas vezes haja acontecido ser ela oprimida.”
258. Primeira edição: “Que dissemos não poder-se de outra maneira de nós perceber a força e a prestância
do Reino de Cristo que enquanto [o] reconhecemos ser espiritual, até assaz daqui transparece.”
252 LIVRO II
defesas poderosas, em virtude das quais esteja seguro contra a violência externa,
assim também Cristo farta aos seus de todos os recursos necessários para a eterna
salvação das almas, e os mune de força pela qual se postem inexpugnáveis contra
todas e quaisquer investidas dos inimigos espirituais. Do que concluímos que ele
reina mais para nós do que para si próprio, e isto interna e externamente, de sorte
que, refeitos, aliás, até onde Deus sabe ser-nos conveniente, dos dons do Espírito,
de que somos por natureza desprovidos, sintamos destas primícias estarmos, real-
mente, unidos a Deus para a perfeita bem-aventurança. Ademais, como respaldados
do poder do mesmo Espírito, não duvidemos de que haveremos de ser sempre vito-
riosos contra o Diabo, o mundo e toda e qualquer espécie de malefício. A isto con-
templa a resposta de Cristo aos fariseus: porque o reino de Deus está dentro de nós,
ele não vem mediante sinais externos [Lc 17.20,21]. Pois é provável que, pelo fato
de que ele se confessava ser aquele Rei sob quem se deveria esperar a suprema
bênção de Deus, os fariseus, em zombaria, solicitaram que ele exibisse suas creden-
ciais. Ele, porém, para que não se enganem estultamente com pompas aqueles que
são, de outra sorte, mais do que convém, inclinados para a terra, ordena que pene-
trem em suas próprias consciências, porque “o reino de Deus é justiça, paz e alegria
no Espírito Santo” [Rm 14.17]. Com estas palavras, somos sucintamente ensinados
o que o reino de Cristo nos confere.
Ora, visto não ser este um reino terreno ou carnal, que esteja sujeito à corrup-
ção, mas espiritual, nos eleva até a vida eterna, para que passemos pacientemente
por esta vida, sob tribulações, carência de sustento, frio, desprezo, injúrias e outras
inquietações, contentes só com isto: que nosso Rei nunca nos haverá de deixar à
míngua, contudo não nos virá em socorro, em nossas necessidades, até que, haven-
do desempenhado nossa militância, sejamos convocados ao triunfo, porquanto a
natureza de seu reinado é tal que compartilha conosco tudo quanto recebeu do Pai.
Ora, visto que ele nos arma e nos equipa com seu poder, nos adorna com sua beleza
e magnificência, nos cumula com suas riquezas, tudo isso nos serve grandemente
para nos gloriarmos e sentirmos tanta confiança,259 que pelejemos intrepidamente
com o Diabo, o pecado e a morte. Enfim, como revestidos de sua justiça, superemos
valentemente a todos os opróbrios do mundo; e assim como ele nos farta liberal-
mente de seus dons, assim também, de nossa parte, produzamos frutos para sua
glória.
259. Primeira edição: “disto se nos provê ubérrima razão de gloriar[-nos] e até se subministra confian-
ça...”
CAPÍTULO XV 253
260. Primeira edição: “E, que se assenta à dextra do Pai, equivale, na verdade, a que se diga o legado do
Pai em Quem esteja o poder todo do governo...”
254 LIVRO II
se chega o que ensina em outro lugar [Fp 2.9-11], a saber: lhe foi dado um nome que
está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho e toda
língua o confesse para a glória de Deus Pai. Ora, com estas palavras ele está reco-
mendando também a ordem imperante no reino de Cristo, necessária à nossa pre-
sente insuficiência. Por isso Paulo conclui corretamente que Deus haverá, então, de
ser pessoalmente o Cabeça único da Igreja, porque as funções de Cristo na defesa da
Igreja já estarão cumpridas.
Pela mesma razão, a cada passo, a Escritura o chama Senhor, porque com esta
prerrogativa o Pai o colocou sobre nós, para que exerça seu governo por meio dele.
Porque, ainda que se celebrem muitos senhorios no mundo, “para nós há um só
Deus, o Pai, de quem procedem todas as coisas, e nós nele; e um só Senhor, Cristo,
mediante quem são todas as coisas, e nós por meio dele”, diz Paulo [1Co 8.6]. Do
que se conclui, devidamente, que ele é o próprio Deus que afirmou, pela boca de
Isaías [33.22], ser o Rei e Legislador da Igreja. Porque, ainda que Cristo declare em
muitos lugares que toda a autoridade e o poder que possui é benefício e mercê do
Pai, com isso outra coisa não quer dizer senão que reina com majestade e virtude
divinas; pois adotou precisamente a pessoa do Mediador para que, descendo do seio
do Pai e de sua glória incompreensível, se aproxime de nós.261 Pelo que, mais justo
é que todos nós, com um só sentimento, nos disponhamos para obedecer, e com a
máxima prontidão conformemos nossa obediência à sua vontade. Pois assim como
conjuga os ofícios de Rei e Pastor em relação aos piedosos, os quais, de vontade
própria, se lhe sujeitem com mansidão, assim também, por outro lado, ouvimos que
ele porta “um cetro de ferro, com o qual quebre e despedace a todos os teimosos,
como se fossem vasos de oleiro” [Sl 2.9]. Ouvimos também que “ele haverá de ser
juiz dos povos, de sorte que cubra a terra de cadáveres e lance por terra tudo quanto
se eleve acima dele” [Sl 110.6]. Hoje se vêem certos exemplos deste fato, mas a
plena evidência se deparará no Juízo Final, que, aliás, se pode, com propriedade,
considerar o ato derradeiro de seu reino.
necessário que intervenha uma expiação. Portanto, para que Cristo desempenhasse
este ofício, ele teve que se apresentar com um sacrifício. Ora, também sob a lei, não
era lícito ao sacerdote adentrar o santuário sem sangue [Hb 9.7], para que os fiéis
soubessem que, embora o sacerdote houvesse se interposto como intercessor, entre-
tanto Deus não podia ser propiciado, a não ser que os pecados fossem expiados.
Acerca desta matéria, o Apóstolo discute extensamente na Epístola aos Hebreus,
desde o sétimo capítulo até quase o fim do décimo.
Contudo, a síntese de sua argumentação se reduz a isto: só a Cristo compete a
dignidade do sacerdócio, porque, pelo sacrifício de sua morte, apagou nossa culpa e
fez satisfação por nossos pecados. De quão grande importância, porém, seja esta
matéria, somos avisados daquele solene juramento de Deus que foi proferido sem
arrependimento: “Tu és sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedeque”
[Sl 110.4; Hb 5.6]. Pois, desta forma, Deus quis confirmar, não dubiamente, esse
princípio em que sabia revolver-se a principal peça de nossa salvação. Ora, como
foi dito, nem a nós próprios ou a nossas preces se alcança acesso à presença de
Deus, a não ser que, perdoados nossos pecados, o Sacerdote nos santifique e nos
alcance a graça que nos elimina a imundície de nossas transgressões e depravações.
Vemos assim que, para que a eficácia e proveito de seu sacerdócio chegue até nós,
tem-se de começar pela morte de Cristo.
Segue-se daqui que ele é o eterno Intercessor, por cujo auxílio conseguimos
favor. Donde, por outro lado, nasce não somente confiança de orar, mas também
tranqüilidade nas consciências piedosas, enquanto, em segurança, se reclinam na
paterna indulgência de Deus, e, com toda certeza, estão persuadidas de que lhe
agrada tudo quanto é consagrado por meio do Mediador. Embora, na verdade, sob a
lei Deus ordenara que se lhe oferecessem sacrifícios de animais, diversa e nova foi
a disposição em Cristo, de tal modo que, o mesmo que era o sacerdote, fosse tam-
bém a vítima, porquanto nem se podia achar outra satisfação idônea pelos pecados,
nem alguém digno de tão elevada honra que o Unigênito pudesse oferecer a Deus.
Agora Cristo exerce a função de Sacerdote, não só para que, mercê da eterna lei
de reconciliação, o Pai nos torne favorável e propício, mas ainda para que nos admi-
ta à participação de tão grande honra [Ap 1.6]. Ora, que em nós mesmos somos
depravados, todavia sacerdotes nele, oferecemos a Deus a nós mesmos e a tudo que
é nosso e entramos livremente no santuário celeste, para que sejam agradáveis e de
bom odor à vista de Deus os sacrifícios de preces e de louvor que procedem de nós.
E até este ponto se estende essa afirmação de Cristo: “Por causa deles a mim mesmo
me santifico” [Jo 17.19], porquanto, banhados de sua santidade, até onde consigo
nos consagrou ao Pai, nós que, de outro modo, cheiramos mal diante dele, lhe agra-
damos como se fôssemos puros e limpos, aliás, até mesmo santos. A isto se refere a
unção do santuário de que se faz menção em Daniel [9.24]. Pois é preciso notar a
antítese entre esta unção e aquela, unção penumbrosa que estivera então em uso,
256 LIVRO II