MULHERES DE EXTREMA DIREITA Empoderament
MULHERES DE EXTREMA DIREITA Empoderament
MULHERES DE EXTREMA DIREITA Empoderament
MULHERES DE EXTREMA-DIREITA:
DOSSIÊ 3
empoderamento feminino e valorização moral da mulher
Esther Solano*
Camila Rocha**
Lilian Sendretti***
O objetivo deste artigo é analisar a noção de empoderamento feminino à luz da literatura contemporânea para
compreender a atuação de mulheres de extrema-direita e sua interlocução com mulheres comuns. Com base em
pesquisas qualitativas conduzidas com mulheres brasileiras que votaram em Jair Bolsonaro, aventamos a hipótese
de que a massificação de uma cultura posfeminista ao longo das décadas de 1990 e 2000, bem como a emergência
de fenômenos como o feminismo neoliberal e o feminismo popular (Banet Weiser; Gill; Rottenberg, 2020), propi-
ciaram novas sensibilidades que tornaram possível um novo tipo de atuação feminina de extrema-direita baseada
na valorização de padrões morais tradicionais.
Palavras-chave: Empoderamento feminino. Extrema-direita. Feminismo neoliberal. Pós-feminismo.
http://dx.doi.org/10.9771/ccrh.v36i0.55443 1
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cias nas últimas décadas (IDEA, 2016, p. 31).2 Tais perspectivas se interconectam nas
No Brasil, atualmente, as mulheres são mais narrativas da extrema direita e moldam um
de 50% do eleitorado. Cada vez mais, parti- enquadramento no qual “as mulheres são
dos e grupos políticos de direita radical têm bem-vindas, mas o gênero não” (Ylä-Anttila e
interesse em capitalizar o eleitorado feminino Luhtakallio, 2020, p. 41). Isto é, a participação
para se tornarem mais enraizados socialmente política de mulheres é importante para que
e mais competitivos eleitoralmente. Mas quais partidos e movimentos de direita ganhem ca-
são suas estratégias para atrair o eleitorado fe- pilaridade social a partir do questionamento
minino? Como as mulheres são atraídas para de pautas ligadas aos avanços de direitos que
pautas conservadoras e reacionárias? Como ameaçam a família tradicional. Neste sentido,
movimentos e grupos de direita, inclusive de “as mulheres são bem-vindas, mas o gêne-
mulheres pertencentes a esses movimentos, ro não” é um enquadramento que sintetiza a
conjugam os avanços feministas em relação fundamentação biológica binária na cosmo-
aos direitos políticos e econômicos das mulhe- visão das direitas radicais e, ao mesmo tem-
res – tais como o direito ao voto, a disputa de po, sinaliza para a identificação de ameaças
cargos eletivos e a maior presença das mulhe- às “mulheres de verdade”. E, nesse sentido, é
res em postos de trabalho de alta renda – com importante destacar que, como aponta a pes-
uma cosmovisão familista? quisadora Sonia Corrêa (2018, p. 445), a cru-
Atualmente, lideranças e grupos de ex- zada anti gênero é um fenômeno transnacional
trema-direita femininos são capazes de articu- que possui continuidades desde os anos 1970,
lar ideias-forças como o nacionalismo, tradição quando teve início em reação aos avanços de
e religião para engajar mais mulheres que com- pautas relativas à sexualidade e ao feminismo.
partilham ou valorizam uma posição ética con- Contudo, Corrêa afirma que tal cruzada adqui-
servadora. Sua intenção é que tais mulheres riu novos repertórios e uma nova semântica a
passem a participarem de tais movimentos ou, partir do século XXI.
ao menos, se tornem mais receptivas às plata- Considerando tais novidades, o cientis-
formas de extrema-direita. Exemplos de ativis- ta político Cas Mudde (2018) indica que par-
mo nesse sentido são o feminacionalismo, que tidos e grupos de extrema-direita se valeriam,
postula a ideia de mulheres atuando como van- atualmente, de duas abordagens principais:
guarda de um ideário nacionalista, o movimen- o “sexismo hostil” (direito das mulheres são
to tradwives (mulheres tradicionais), que enfo- uma ameaça à família) e o “sexismo benevo-
ca a opção de mulheres por papéis domésticos lente” (mulheres precisam de mais direitos
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de violência e agressão sexual contra mulheres fim de evitar o que se chama de “great repla-
brancas e, no longo prazo, ao fortalecimento de cement”, ou seja, a substituição da população
um ethos cultural e estético não-ocidental que nativa de determinada região por populações
representa uma ameaça às conquistas das mu- imigrantes. E o segundo é atrair o eleitorado
lheres ocidentais a partir de slogans como “pro- feminino para plataformas eleitorais de direita
teger as mulheres significa fechar as fronteiras”. radical, focando também nas mulheres nativas
Tal fenômeno foi denominado pela socióloga e trabalhadoras que ocupam postos de trabalho
teórica política Sara Farris (2017) de “femona- menos qualificados e que, nos últimos anos,
cionalismo”, ou seja, a apropriação de pautas e vem perdendo espaço no mercado de trabalho
demandas em defesa dos direitos das mulhe- para imigrantes.
res por partidos e movimentos nacionalistas Ao mesmo tempo, em países de maioria
em campanhas políticas racistas e xenofóbicas. islâmica, como a Indonésia, jovens mulheres
O femonacionalismo visa especificamente as religiosas que atuam como influenciadoras
mulheres com uma mensagem controversa e digitais buscam cooptar outras mulheres para
contestada de que a imigração, oriundo princi- que optem por um modo de vida tradicional.
palmente de países muçulmanos, traz consigo Para tanto, encorajam suas seguidoras nas re-
culturas misóginas que ameaçam as suas liber- des sociais a fazer uma autotransformação e
dades. Nesse sentido, não é apenas a regula- alcançar uma meta ética: serem boas mulhe-
mentação dos corpos das mulheres que motiva res muçulmanas. A ideia, porém, é que as se-
a extrema direita (sexismo hostil), mas também guidoras tenham um senso de “escolha” a fim
a difusão de uma suposta retórica de proteção de alcançar o idealizado pelo eu. Dessa forma,
às mulheres (sexismo benevolente). uma jovem muçulmana que segue uma in-
Isso seria possível porque, na percepção fluenciadora religiosa pode optar por aprender
destas mulheres, as pautas que foram mobi- a se tornar digna do amor de Deus. No entan-
lizadas por movimentos feministas duran- to, quando suas seguidoras optam por cultivar
te o século XX, como o direito das mulheres suas subjetividades piedosas, elas compreen-
de trabalharem, a pauta de paridade salarial, dem que são, então, obrigadas a seguirem de
violência contra mulher, seguridade social ao perto os mandamentos religiosos, visando o
trabalho doméstico, já estariam normalizadas. objetivo original estabelecido pela influencia-
Assim, partidos de extrema direita reformula- dora (Beta, 2019).
ram sua retórica antifeminista, concentrando- As ideias de autonomia, escolha e em-
-se em questões sociais por meio de agendas poderamento também perpassam o ativismo
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rine Rottenberg. O primeiro foi o texto intitu- mo e violência são obscurecidos (ver McRob-
lado “Why Women Still Can’t Have It All” (Por bie, 2009; Gill, 2011; Rottenberg, 2014b; Gill,
que as mulheres ainda não podem ter tudo), 2016). Em seu entendimento, o feminismo
publicado em 2012 por Anne-Marie Slaughter, popular é um conjunto de práticas acessíveis
então ex-reitora de Princeton e conselheira de ao grande público que envolvem um “ativismo
Hillary Clinton, na época Secretária de Estado, hashtag” e aquisição de mercadorias, consti-
que se tornou o ensaio mais lido na história tuindo um feminismo ‘feliz’ que muitas vezes
da revista “The Atlantic”. Em 2013, o manifes- acaba eclipsando críticas feministas estrutu-
to “Lean In” (Incline-se) de Sheryl Sandberg, rais. Para a autora, a visibilidade do feminismo
chefe de operações da Meta, tornou-se best sel- popular na televisão, no cinema, nas mídias
ler. De repente, ou assim pareceu à acadêmica sociais e nos corpos é fundamental, no entan-
feminista Catherine Rottenberg (2020), mulhe- to, muitas vezes também é limitante: “como se
res poderosas estavam se identificando publi- ver ou comprar feminismo fosse a mesma coi-
camente como feministas, algo incomum nas sa que mudar as estruturas patriarcais”, afir-
décadas do pós-feminismo, e que sinalizaria a ma. (Banet-Weiser, 2018, p.4).
emergência de um novo fenômeno, o “feminis- O que há em comum em todos estes fe-
mo neoliberal”, em consonância com o que a nômenos, que também podem ser lidos como
teórica política Nancy Fraser (2019) denomina três momentos temporais interconectados por
como neoliberalismo progressista. sensibilidades similares, é o foco nas ideias
Segundo Rottenberg, o feminismo neo- de positividade e autonomia individual. Para
liberal, ao contrário da sensibilidade posfemi- além disso, o feminismo neoliberal e o femi-
nista, afirma claramente a existência da desi- nismo popular coincidem no diagnóstico de
gualdade de gênero, mas, simultaneamente, que há uma disparidade de gênero nas esferas
nega as estruturas sócio-econômicas e cultu- econômicas dominantes que pode ser equacio-
rais que moldam as vidas das mulheres. Nes- nada trazendo mais mulheres à mesa simples-
se sentido, as mulheres seriam, então, plena- mente porque são mulheres.
mente responsáveis por seu próprio bem-estar Segundo Banet-Weiser, a inclusão das
e autocuidado, e seus dilemas poderiam ser mulheres é autorizada por um contexto po-
equacionados a partir da “escolha” por um lítico e econômico específico. O mercado do
equilíbrio bem-sucedido entre trabalho e famí- feminismo não se trata simplesmente da mer-
lia. Nessa ótica, as mulheres passam a figurar cantilização de slogans, mensagens políticas
tão somente como empresas hiperindividuali- e produtos feministas; trata-se também de
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zadas que passam a fazer cálculos de custo-be- validar um sujeito econômico e um contexto
nefício, ensejando a perda de qualquer força econômico no qual a inclusão das mulheres
oposicionista presente em contradiscursos fe- sinaliza feminismo. Embora esta inclusão não
ministas oriundos de lutas políticas coletivas esteja necessariamente comprometida em in-
(Rago, 1998; Fanti e Medeiros, 2019). terrogar questões estruturais, de modo que o
A celebração da positividade também feminismo popular raramente critica o neoli-
está presente no que Sarah Banet-Weiser beralismo e seus valores. Pelo contrário, suces-
(2020) denominou como “feminismo popular”. so econômico e auto-empreendedorismo, são
Para a autora, o feminismo popular emerge ao parte integrante do feminismo popular. Assim,
longo de um contínuo em que expressões espe- seria preciso compreender tal fenômeno como
taculares, favoráveis à mídia, tais como femi- co-constitutivo de práticas capitalistas.
nismo de celebridades e feminismo corporati- Na seção seguinte, apontaremos como
vo alcançam maior visibilidade, e expressões tais sensibilidades e fenômenos descritos aci-
que criticam o patriarcado e sistemas de racis- ma atravessam as falas de mulheres brasileiras
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comuns divididas em dois grupos: 1. eleitoras pela mulher dentro da família e à harmonia do
de Jair Bolsonaro em 2018 que se decepciona- lar, ainda que todas destaquem a importância
ram com sua atuação e 2. eleitoras convictas de políticas públicas que permitam que as mu-
de Bolsonaro que se autodenominam como lheres possam conciliar o trabalho fora de casa
conservadoras. com o cuidado com a família.
Muitas mulheres com quem conversa-
mos não se afirmam feministas, ecoando um
EMPODERAMENTO FEMININO, espírito posfeminista, mas independente de
INFLUENCIADORAS E DESIGUAL- o fazerem ou não, todas são perpassadas, em
DADES maior ou menor grau, pelas sensibilidades co-
nectadas à cultura posfeminista, ao feminismo
Em 2020 e 2022, com apoio do Instituto neoliberal e ao feminismo popular. As ideias
Update, conduzimos dois estudos qualitativos de independência e autonomia das mulheres
com mulheres brasileiras que votaram em Jair são extremamente positivas para as entrevista-
Bolsonaro.3 Nestes estudos as mulheres foram das. Todas defendem que as mulheres tenham
reunidas em pequenos grupos e, por duas ho- sua própria renda, sua própria carreira, e que
ras, conversaram conosco sobre questões rela- sejam independentes de seus parceiros e fami-
cionadas ao seu cotidiano. liares, o que consideram ser sinônimo de em-
No primeiro estudo, realizado de forma poderamento feminino:
exploratória no segundo semestre de 2020,
Ser empoderada é não precisar de homem para por-
conversamos com seis eleitoras de Bolsonaro ra nenhuma. Se quero viajar, vou viajar. Se quero
do Sudeste e do Nordeste que se autodenomi- ser sozinha, me sustento. É não depender de nin-
nam conservadoras. Um ano e meio depois, no guém, é falar “eu posso”. (Mulher, 54 anos, Rio de
início de 2022, decidimos conversar com trin- Janeiro).4
ta e nove mulheres de diferentes faixas de ren- Tu não precisa mais de um homem para fazer as coi-
da, cor, religião e regiões do país que votaram sas. Existe essa questão da dependência da mulher.
Se o homem te dá suporte financeiro ele tem esse
em Bolsonaro em 2018, se decepcionaram com
poder de controlar, e tem mulheres que se subme-
sua atuação mas ainda não haviam decidido
tem. Outras mulheres percebem que não precisam
em quem votar para presidente. se submeter. São as empoderadas. Isso assusta as
A despeito de possuírem várias diferen- pessoas. (Mulher, 26 anos, Rondônia).
ças entre si, praticamente todas as mulheres Empoderamento é poder escolher o que a gente quer
com quem conversamos almejavam ser mu- para a nossa vida e nossos corpos. O julgamento da
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MULHERES DE EXTREMA-DIREITA: empoderamento feminino ...
Empoderamento é a mulher lutar por seus objeti- ram atingir o equilíbrio entre família e trabalho
vos, querer conquistar seu espaço no mercado de preconizado pelo feminismo neoliberal e cele-
trabalho e na vida pessoal. É ser livre, sem aceitar
bram seu sucesso individual por meio de um
julgamentos. (Mulher, 31 anos, São Paulo).
ethos de positividade transmitido em suas pos-
Entre as entrevistadas que se autodeno- tagens nas redes sociais, muitas delas financia-
minam conservadoras, o diferencial é que o mo- das pelo femvertising digital. São ressaltadas,
delo de mulher empoderada combina, necessa- sobretudo, as capacidades empreendedoras e
riamente, representatividade no espaço público de “superação” das influenciadoras, fazendo
e protagonismo no âmbito familiar e doméstico: com que as seguidoras se inspirem e possam
então, como aponta Rosalind Gill, “atualizar”
Para mim, ser mulher é ser forte, guerreira, vitorio-
suas vidas psíquicas para se tornarem positi-
sa. É estar na lida todos os dias, sair de casa cedo
para trabalhar, chegar tarde e cuidar dos filhos, para vas, confiantes e brilhantes.
quem tem filho pequeno. É dar conselho, lidar com Porém, também é importante enfatizar o
marido que muitas vezes é ciumento, machista. A atual cenário de disputa do feminismo e dos
mulher, hoje em dia, tem cargo público, está no con- papéis de gênero que é possível vislumbrar nas
gresso, está na política. É ter que estar sempre dis-
falas das entrevistadas acerca das influencia-
posta, ter energia. Porque o homem não tem energia.
doras. Feminismo interseccional, feminismo
Eles acham que trabalham fora e não tem que fazer
mais nada da vida. Fica tudo em cima da mulher, e a neoliberal e feminismo popular aparecem mui-
gente ainda é muito discriminada por isso. (Mulher, tas vezes misturados e entrelaçados, por vezes
49 anos, São Paulo). até mesmo simultaneamente à cultura posfe-
Uma mulher empoderada que não é família não me minista e perspectivas religiosas mais ou me-
espelha, mas se não for auto suficiente, também não nos conservadoras. Há entrevistadas que, com
me espelha (Mulher, 32 anos, Ceará). entusiasmo, afirmam seguir, ao mesmo tempo,
De qualquer forma, todas as entrevista- influenciadoras de maquiagem e mulheres
das desejam ser mulheres empoderadas. Ou que falam sobre feminismo, ou são percebidas
seja, mulheres que “não dependem dos ho- como feministas, como a cantora Anitta. Ou-
mens” e são livres para correr atrás de seus tras entrevistadas seguem, simultaneamente,
objetivos, seja estudar e fazer carreira, ser fa- influenciadoras nordestinas, negras, e LGB-
mosa, ser autossuficiente financeiramente, TQIAP+ e conteúdos golpes e relacionados
ter filhos, cuidar da família, ou tudo isso ao à maternidade. E, finalmente, há aquelas que
mesmo tempo. Tais ideias refletem justamen- priorizam influenciadoras empreendedoras,
te a necessidade apontada por Rottenberg de religiosas e familistas, como, por exemplo, Ka-
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realizar cálculos de custo-benefício, como rina Bacchi, responsável por fazer propaganda
empresas hiperindividualizadas, para “estar dos conteúdos da Brasil Paralelo, produtora
sempre disposta e ter energia” e “ser vitoriosa” brasileira de conteúdos audiovisuais conser-
por meio da possibilidade de escolher “o que a vadores e de extrema-direita:
gente quer para a nossa vida e nossos corpos”. As pessoas que eu sigo falam sobre maquiagem,
A noção de empoderamento feminino, roupa, mas também falam sobre coisas importantes.
hoje, costuma alcançar e impactar as entrevis- Eu sigo Shantal Verdelho, ela é uma influencer, ela
mostra o que as blogueiras fazem, divulga marcas,
tadas por meio das redes sociais. Popularizadas
mas também fala sobre coisas importantes, sobre fe-
no país a partir dos anos 2010, as redes sociais
minismo, sobre o papel da mulher. Camila Cabello
possibilitaram a emergência de influenciado- é uma cantora e fala bastante sobre as coisas que
ras digitais, e as influenciadoras que tendem acontecem no mundo, quando estavam acontecen-
a ser mais valorizadas pelas entrevistadas são do as enchentes ela postava, pedia doações. Acho
justamente aquelas tidas como mulheres em- muito interessante ler livros sobre feminismo. Eu
até já li sobre as sufragistas, mas acho muito inte-
poderadas de sucesso. Ou seja, que consegui-
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ressante ouvir pessoas falando disso e elas também sigo a Priscilla Alcântara. Ela é uma cantora gospel,
transmitem as informações de outras formas. Essas os hinos dela são uma coisa que acalma, é uma coisa
blogueiras conseguem passar informação às pessoas muito boa. Eu também gosto da personalidade dela,
de forma simples, descontraída. Isso é bom porque eleva o espírito a Deus e leva a paz às pessoas. (Mu-
elas têm um público feminino muito grande, e esse lher, 28 anos, Amapá).
feminismo ainda pode não ser muito aceito na nossa Debora Pires e Carol Borges, da Comunidade Sha-
sociedade, que é extremamente machista. Mas elas lom, Larissa Garbiati, da Comunidade Colo de Deus,
estão entre mulheres, e as mulheres entendem. (Mu- Victoria Maciel, Clara Tafner, Renata Lima Viana,
lher, 23 anos, Distrito Federal). Carolina Melo Porto, Samia Marsili, Rebecca Athay-
Anitta, Marília Mendonça, GKAY (Gessica Kayane), de. Todas são católicas. Eu gosto da forma que elas
Thaís Araújo. Essas são as que eu sigo. Anitta é uma abordam temas voltados à sexualidade que muitas
mulher pública, ela vai ao público e fala porque vezes são um tabu muito grande na Igreja e não de-
as mulheres não podem fazer o que os homens fa- veriam ser. Mostram a força de ser mulher, me enco-
zem, e porque quando uma mulher tenta fazer algo rajam. São mulheres fortes e me aproximam mais da
normal, que um homem hétero faz, ela é apedreja- minha fé. (Mulher, 18 anos, Ceará).
da, ela é feminista. A Marília foi uma mulher que A Adriana Arydes é uma cantora católica, eu gosto
abriu portas num meio masculino, também apoiava dos posicionamentos dela, ela é de família tradicio-
o feminismo, falava que não deveria ser feio uma nal. A Simone Fiuza, mulher que trabalha, que é em-
mulher fazer o que um homem faz, e que não deve- presária, mas que também gosta de estar com a fa-
ria ser julgada. GKAY é uma influencer na mesma mília, eu me vejo muito nela. Ela também não aceita
linha que Anitta, questiona por que fazer algumas injustiça, e o esposo dela que é muito companheiro,
coisas é tão ruim, sendo que homens fazem pior. me representa demais (Mulher, 36 anos, Ceará).
A Thais Araújo também apoia o movimento (femi-
Eu gosto muito da Karina Bacchi, como pessoa,
nista). Viralizou uma entrevista em que ela fala que
como mãe, ela conta que ganhou autoconheci-
está criando o filho dela para respeitar as mulheres,
mento, sabe do que realmente gosta, pode se posi-
criando o filho dela para ser livre. (Com elas) eu
cionar. Também gosto da Virgínia Fonseca, é uma
aprendo que eu não tenho que ser julgada por fazer
youtubber casada com um cantor famoso, veio de
coisas que um homem hétero faz, e, se eu for, eu
família pobre e foi crescendo. Ela mostra que é pos-
não tenho que me importar. Eu aprendo que tenho o
sível chegar aonde ela chegou, não foi fácil, mas ela
mesmo lugar no mundo que um homem tem, que eu
demonstra que foi por mérito próprio. (Mulher, 27
posso ser tão grande quanto, que eu tenho os mes-
anos, Distrito Federal).
mos direitos. (Mulher, 18 anos, Rio Grande do Sul).
Eu sigo a Belle Daltro, da Bahia, e a Tamile Garcia, Tal disputa de papéis também apare-
do Sergipe. Eu gosto da Tamile porque ela era uma ce na própria recepção crítica das entrevista-
mulher casada e dependia só do marido, mas com as
das em relação às influenciadoras percebidas
redes conseguiu fazer o dinheiro dela, se separou, e
conseguiu a independência dela. E da Belle eu gosto
como empoderadas. Por um lado, quando se
fala em empoderamento feminino, o dinhei-
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porque é uma mulher solteira, e ela não liga para o
que as pessoas pensam “ah, tu tem que casar”. Elas ro é extremamente valorizado como forma de
são mulheres negras, então elas me incentivam. emancipação dos homens. A celebração de tra-
(Mulher, 23 anos, Amazonas). jetórias de ascensão social, lidas na chave de
A Maju debate todos os assuntos, ela tem conhe- “histórias de superação”, é frequente, sobretu-
cimento, é muito bom como ela explica, conversa
do quando aquelas que ascenderam demons-
com a gente. Também sigo a @cenourinha, é uma
tram continuar “humildes” e procuram ajudar
menina que se achava feia porque tinha o rosto todo
manchado e era muito magra. Mas ela começou a outras mulheres.
se maquiar, brincar com isso, e hoje ela usa a ma- Por outro lado, também há o reconhe-
quiagem dela para levantar as meninas. Sobre ma- cimento por parte de algumas entrevistadas,
ternidade, sigo um casal LGBT+, a Nanda Costa (e a inclusive de autodenominadas conservadoras,
Lan Lahn), que tiveram duas filhas. Elas são ótimas,
de que a maioria das mulheres brasileiras não
conversam com todo o mundo. E é muito bonito ver
possui uma base material e condições sociais
a forma como elas são mães, se dedicam a isso, com
muita intensidade, amor e dedicação. Eu também que lhes possibilitem ter uma liberdade similar
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MULHERES DE EXTREMA-DIREITA: empoderamento feminino ...
àquela experimentada por mulheres famosas. não fico pedindo nada para o meu marido. Minha
Nesse sentido, há um potencial crítico consi- mãe é empoderada porque cuidou do meu irmão
com deficiência. A gente utiliza essas famosas como
derando a recepção do feminismo neoliberal e
exemplo, mas, olhando para dentro, eu acho que nós
popular por mulheres comuns, sobretudo con- somos empoderadas. (Mulher, 30 anos, São Paulo).
siderando que o contexto brasileiro possui de-
A minha mãe é uma mulher muito empoderada, ela
sigualdades sociais muito mais acentuadas em cuidou de 4 filhos sozinha. Mas a gente tinha que
comparação com aquelas presentes no Norte ficar trancadas dentro de casa, não tinha micro-on-
Global, onde tais conceitos foram formulados: das, tinha que comer comida fria, ela trazia comida
das casas de família que ela trabalhava. O primeiro
A Anitta se acha empoderada, e eu, por ser feminis- marido bebia muito, ele jogava a comida no chão,
ta, acho feio. Muita gente fala que Anitta é empo- batia na minha mãe, até o dia que ela o pegou pelo
derada porque se expõe e não tem medo. Ela não é pescoço e jogou para fora. E o segundo marido co-
empoderada, é só porque ela tem dinheiro. (Mulher, meçou a fazer a mesma coisa, e quando eu tinha 3
32 anos, Ceará). anos, ela o colocou para correr. Ela trabalhava a se-
Mulher empoderada envolve dinheiro. Ela não pede mana toda, não deixava faltar as coisas, e eu não
para alguém fazer, ela paga para fazer por ela. Uma ficava sozinha, largada. Hoje ela arrumou um com-
mulher empoderada não depende de ninguém. Qual panheiro que a sustenta e tem tudo o que sempre
foi o processo? Ela teve filho? Casamento? Ela é sol- quis da vida. Ela tem 71 anos, não aparenta. Então
teira? Qual o nível dela? Para uma mulher empode- ela é empoderada, filhos encaminhados, todos tra-
rada ter um filho estando solteira é mais difícil. Para balham. Eu sou a primeira formada da família. É um
crescer muito, uma mulher vai precisar de alguém exemplo de mulher. (Mulher, 31 anos, São Paulo).
para ajudá-la, para quando ela estiver bem, ela não
depender de ninguém. Hoje a gente fala de mulhe- Desse modo, além de seguirem influen-
res artistas, mas para mim isso não é uma mulher ciadoras famosas nas redes, as entrevistadas
empoderada. Mulher empoderada é quem batalhou, também costumam seguir influenciadoras
conquistou. Quais são os obstáculos? Tudo envolve
cujas vidas se assemelham mais àquelas da
dinheiro. (Mulher, 31 anos, São Paulo).
maioria das brasileiras. Tais influenciadoras
O contato excessivo com a exposição de costumam ser mulheres da mesma cidade ou
vidas aparentemente perfeitas eventualmente região das entrevistadas e que carregam mar-
gera sentimentos de ansiedade e baixa autoes- cadores sociais que as marginalizam de algum
tima entre mulheres comuns. Para procurar se modo: pobres, gordas, negras, periféricas, com
distanciar de modelos inalcançáveis, sustenta- deficiência, idosas, dentre outros. As ideias de
dos pela riqueza e aparência de perfeição, as autonomia, liberdade, humildade e “superação
entrevistadas também citam como modelos frente aos obstáculos” demonstrados pelas he-
mulheres empoderadas mais próximas de seu roínas comuns são muito valorizados pelas en-
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cotidiano, as quais podem ser sintetizadas na trevistadas, pois tais atributos tendem a gerar
figura da “heroína comum”. Exemplos disso maior bem-estar em comparação com influen-
são: a mãe solteira que criou bem os filhos, ciadoras que procuram aparentar e vender per-
a mulher de origem pobre que batalhou para feição e alto status social:
se formar e fazer carreira, a avó matriarca que Em Salvador gosto de seguir Tia Vera. Ela começou
tem opiniões fortes, a mulher que venceu bar- a vender empadinhas, e, independente dos filhos te-
reiras e preconceitos. Tais modelos, por serem rem muitos seguidores, segue com humildade. Sigo
mais próximos das realidades das entrevista- também a Rebeca, que teve filho e o corpo mudou
das, facilitam sua própria percepção como mu- muito. Ela mostra o dia a dia, o corpo, mostrando
que está gorda e está feliz. São ciclos da vida, mostra
lher empoderada:
mais a realidade. (Mulher, 30 anos, Bahia)
Eu posso dizer que sou empoderada. Eu atingi o que
quero, sou mãe, sou casada, tenho meu dinheiro,
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MULHERES DE EXTREMA-DIREITA: empoderamento feminino ...
Eu sou feminista, mas não sou ativista, e não é ge- sobre o peito e não sobre o assunto. (Mulher, 45
neralizando, porque tem muitas feministas que co- anos, Rio de Janeiro).
nheço que lutam de outras formas. Cada uma pode A Marcha das Vadias dá uma ideia ruim do que é ser
lutar pelos nossos direitos de diferentes formas. É feminista. Fica meio com esse estereótipo. Objetifi-
isso que as mulheres estão precisando, de exemplos ca a mulher. (Elaine).
(Entrevistada 5).
O que elas pregam não é feminismo. É para que?
Feministas para mim são as mulheres que defendem Para essa sexualidade exarcebada, que não acho
seus próprios valores, civis, políticos, sociais. Mas bacana, não enquadra no que penso. Feminismo é
eu sou contra feminista que vai à rua mostrando o você ser empoderada, se sustentar, ser alguém de-
peito, tirando a roupa, porque mulher tem que se cente. Sempre vejo a questão do feminismo mais
valorizar. Não pode sair mostrando tudo por aí, tem relacionada à sexualidade, isso não é feminismo. A
que ser bem reservada. As feministas querem defen- sexualidade tem que ser respeitada, mas não é isso.
der um propósito político, civil, e querem defender Feminismo é estar no poder, ser uma liderança ca-
a própria mulher também. Que a mulher tem o seu paz, ser estudada. Mas o que vejo hoje é isso: ‘femi-
valor, que a mulher não tem que aceitar tudo o que nista é sexualidade, vou ficar com todo mundo’. E
falam, que nós estamos aqui para vencer. Então não é, feminismo não é isso. Esse feminismo des-
acho que elas estão aqui para mostrar isso, sabe? Eu valorizou a mulher, e não a favoreceu. O que estão
acho que as feministas atuam para defender todas as pregando é uma coisa de sexualidade. Feminismo
mulheres, e não aceitar homem que bate em mulher, é você provar que tem capacidade. Eu sou igual a
e não aceitar homem que não gosta que mulher sai você, sou intelectual como você, feminismo é isso,
para fazer a unha, cabelo. (Mulher, 42 anos, Ceará). se portar na altura do homem. Nessas passeatas bo-
tam o peito para fora e tem criança ali. Vamos res-
A rejeição do feminismo associado pelas peitar o outro, vamos ter bom senso, pelo amor de
entrevistadas à imoralidade e à sensualidade Deus, cara. Esse feminismo perde a noção do que é
exacerbada, bem como às táticas de choque certo e errado. (Tatiana).
empregadas por ativistas durante as Marchas
Tal rejeição abre espaço para a valoriza-
das Vadias (Gomes, 2018; Rocha; Medeiros,
ção moral da mulher e de seus papéis tradicio-
2022), que realizaram protestos com seios des-
nais de mãe e esposa, sobretudo entre as mu-
nudos e performances sacrílegas, é frequente
lheres autodenominadas conservadoras:
entre a maioria das entrevistadas:
A feminista nem aceita diálogo. E os ideais, quando
Através do feminismo tivemos grandes conquistas.
você analisa a fundo, são contraditórios com a femi-
Mas o que é apresentado nas redes eu não gosto por-
nilidade São contraditórios com ser esposa, mãe. O
que eu não preciso sair à rua expondo meus seios,
negócio das feministas é ‘liberou geral, vamos tirar
pegando símbolos religiosos e enfiando (no ânus).
a roupa’, olha que loucura. É completamente contra
Acho que isso é uma falta de respeito, mas as cau-
os meus princípios. Eu não sei por que elas foram
sas que foram ganhas me representam. Deveríamos
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Esther Solano, Camila Rocha, Lilian Sendretti
neralizando, porque tem muitas feministas que co- ao ativismo feminista e determindas figuras
nheço que lutam de outras formas. Cada uma pode públicas, abre espaço para discursos religiosos
lutar pelos nossos direitos de diferentes formas. É
e familistas que encorajam o empoderamento
isso que as mulheres estão precisando, de exemplos
(Mulher, 44 anos, Rio Grande do Norte).
feminino valorizando moralmente as mulheres
como mães, esposas e servas de Deus a partir
Eu acho que a mulher não tem que ir para movimen-
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to para se expor tanto assim, mostrar os seios. A gen- de uma estrutura binária de gênero.
te consegue ocupar o nosso espaço, né? Não precisa Assim, seria possível optar por ser uma
ser tão liberal. Eu acho que as feministas deveriam mulher imoral ou valorosa. Uma mulher obs-
defender as mulheres de uma maneira melhor, que cena e sem propósito ou uma mulher com uma
não as expusesse tanto. É preciso defender a famí-
missão divina. Uma mulher autoritária que
lia, o casamento, os filhos, e defender as mulheres
odeia homens ou uma mulher que os ama e se
contra o estupro também. É preciso defender a ma-
neira que a mulher se veste. Não é porque ela veste submete a esse amor. Ser uma mulher empode-
short, blusinha que quer dizer o que a mulher é, é a rada pela objetificação do próprio corpo ou ser
postura que tem por trás daquilo. A mulher tem que uma mulher empoderada pelo poder de Deus.
ser respeitada, independente da roupa que ela esteja Nesse sentido, o discurso realizado pela canto-
usando. Mas, para defender nossos ideais, não preci-
ra, pastora evangélica e influenciadora Eyshila
sa se expor tanto assim (Mulher, 49 anos, São Paulo).
Santos, seguida por 4,4 milhões de pessoas no
É possível dizer que o emprego de tais Instagram, é exemplar:
táticas de choque acabou por reforçar a ideia Eu quero dizer para você que ser mulher não te dimi-
estereotipada da feminista radical, intransi- nui em nada. Pelo contrário, você é uma ótima ideia
gente, autoritária com a adição da ideia de que de Deus. Deus olhou para o homem e disse ‘não é
a ativista feminista contemporânea é imoral. bom que esse cabra esteja só’. Eu vou fazer para ele
Na visão das entrevistadas, tais ativistas, ao uma mulher arretada. Eu vou fazer para ele uma au-
xiliadora idônea, fiel, uma solucionadora de proble-
exibirem o próprio corpo de forma exacerba-
mas que ninguém pode resolver. [...] Eu vou colocar
damente sensualizada atentam contra a mora- ao lado desse homem uma pessoa multifuncional.
lidade do espaço público, objetificando e des- Ela consegue cozinhar, falar ao telefone, balançar o
valorizando não só a si próprias mas também carrinho do bebê, ouvir a música que está tocando,
as mulheres como um todo. E aqui, é possível cantar a outra música que está tocando no vizinho e
fazer um paralelo às críticas realizadas às per- ainda ouvir o que o marido está falando no celular.
Ela é poderosa! Ela consegue fazer tudo ao mesmo
formances sensuais de cantoras como Anitta,
tempo! Deus nos fez com essas habilidades, ele não
Luísa Sonza e Ludmilla. nos fez menores, mas ele também não nos fez com a
Na visão das entrevistadas, a radicali- bandeira do feminismo na mão declarando que nós
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MULHERES DE EXTREMA-DIREITA: empoderamento feminino ...
diam atrás dessa capa de fragilidade, hoje em dia mais atraentes e palatáveis ao eleitorado femi-
elas estão a levantar a bandeira do poder, e aí a gente nino, e transmitir seus valores para uma gama
ouve essa palavra empoderamento dessa forma tão
mais ampla de mulheres. Além disso, também
banal no mundo. As mulheres gritam que são em-
poderadas cantando a música da Anitta e vão postar
possibilita tanto uma disputa do campo femi-
foto no Instagram, com sovaco cabeludo, achando nista a partir de um viés conservador, como a
bonito protestar, achando lindo ser diferente. O Se- emergência do femonacionalismo e outros fe-
nhor não te chamou para sair levantando por aí uma nômenos correlatos, como as “Mulheres Em-
bandeira sem propósito, o Senhor é a tua bandeira e poderadas em Deus”. Dessa forma, grupos de
esse é o verdadeiro empoderamento que Deus disse
extrema-direita conseguem reivindicar o retor-
em Atos, capítulo 1, versículo 8. Deus te chamou
para ser mulher e esse é um Congresso de Mulheres
no aos papéis tradicionais de gênero como uma
Empoderadas e quando você sair daqui você vai sair celebração do empoderamento das mulheres.
mais forte do que entrou, pois você veio aqui para Para tanto, o ativismo de extrema-direita
ser revestida do poder do espírito santo de Deus”. procura enfatizar que o feminismo contempo-
(Pastora Eyshila Santos, em palestra no Congresso râneo teria ido longe demais em suas pautas
das Mulheres Empoderadas em Deus no dia 30 de
liberalizantes, provocando uma degradação
maio de 2019).
das mulheres como um todo. Isso possibilita
oferecer a “opção” pelo resgate do respeito e
da valorização moral das mulheres a partir da
CONSIDERAÇÕES FINAIS celebração de papéis tradicionais de gênero.
Como forma de tornar tal “opção” mais palatá-
É possível considerar que a apropriação vel e atraente, lideranças e ativistas femininas
da extrema-direita da noção de empoderamen- de extrema direita procuram promover políti-
to feminino como um novo fenômeno possibi- cas de cuidado e assistência social focadas nas
litado pela cultura posfeminista e pela influ- mulheres que optam por ficarem em casa e
ência do feminismo neoliberal e do feminismo cuidarem da família. Desse modo, a concepção
popular. A disseminação de uma cultura pos- de empoderamento feminino passa a ser male-
feminista nas últimas décadas possibilitou, ao ável e aberta a diversas finalidades políticas,
mesmo tempo, a assimilação das conquistas permitindo que atualmente, a extrema-direita
dos movimentos de mulheres durante o século e o ativismo religioso conservador avancem na
XX, como o direito à cidadania política e a par- disputa das implicações e significados do que
ticipação no mercado de trabalho, e uma nor- é uma mulher empoderada.
malização despolitizada dessas agendas, con-
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MULHERES DE EXTREMA-DIREITA: empoderamento feminino ...
The aim of this article is to analyze the notion of L’objectif de cet article est d’analyser la notion
female empowerment considering contemporary d’autonomisation des femmes dans la littérature
literature to understand the actions of far-right contemporaine afin de comprendre les actions
women and their discourses towards ordinary des femmes d’extrême droite et leurs discours à
women. Based on qualitative research conducted l’égard des femmes ordinaires. Sur la base d’une
with Brazilian women who voted for Jair recherche qualitative menée auprès de femmes
Bolsonaro, we hypothesize that the massification brésiliennes ayant voté pour Jair Bolsonaro, nous
of a postfeminist culture throughout the 1990s émettons l’hypothèse que la massification d’une
and 2000s, as well as the emergence of neoliberal culture postféministe tout au long des années
feminism and popular feminism (Banet Weiser; 1990 et 2000, ainsi que l’émergence du féminisme
Gill; Rottenberg, 2020), provided new sensibilities néolibéral et du féminisme populaire (Banet Weiser
that made possible a new type of far-right female ; Gill ; Rottenberg, 2020), ont fourni de nouvelles
discourses based on the valorization of traditional sensibilités qui ont rendu possible un nouveau type
moral standards. de discours féminins d’extrême droite fondés sur la
valorisation de normes morales traditionnelles.
Esther Solano – Mestre e doutora em Ciências Sociais pela Universidad Complutense de Madrid.
Atualmente é professora adjunta da Universidade Federal de São Paulo no curso de Relações Internacionais,
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professora da Pós-graduação América Latina e a União Europeia: uma cooperação estratégica, Instituto
Universitario de Investigación en Estudios Latinoamericanos (IELAT), Universidade de Alcalá de
Henares. Tem experiência na área de Sociologia, com o tema principal de sociologia política. Conselheira
do Instituto Vladimir Herzog. Colunista da Carta Capital.
Camila Rocha – Mestre e doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, e pesquisadora
do CEBRAP - Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. É coautora de “Feminismo em Disputa”
(Boitempo, 2022) e “Bolsonaro Paradox” (Springer, 2021), e autora de “Menos Marx Mais Mises: a nova
direita e o liberalismo no Brasil (Todavia, 2021).
Lilian Sendretti – Doutoranda em Ciência Política pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo, mestra em Ciência Política (2018) e bacharela em Ciências
Sociais (2015) pela mesma instituição. É pesquisadora do Núcleo de Instituições Políticas e Movimentos
Sociais do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) desde 2015 e pesquisadora junior do
Centro de Estudos da Metrópole (CEM) desde 2021. Editora da Revista Leviathan - Cadernos de Estudos
Políticos, USP. Tem experiência na área de Ciência Política e de Teoria Política, atuando principalmente
nos seguintes temas: movimentos sociais, protestos e desobediência civil; teorias da democracia, teorias
da justiça distributiva.
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